Sobre a Definição de Medicina

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Luiz Salvador de Miranda Sá Jr. --- Sobre a Definição de Medicina 1 Uma Definição de Medicina A Medicina tem sido definida deste a Antigüidade como ciência e arte de curar. Bem mais recentemente, houve quem bem a definisse assim tecnificada: a medicina se constitui em um conjunto de práticas e tecnologias de intervenção profissional, tecnica e humanitária, as quais objetivam determinar uma alteração sobre o organismo e a vida humana em direção a uma condição de maior bem-estar do ser e da coletividade. 1 Entre estas e depois da última destas definições, muitas outras emergiram, em tal número que não é exeqüível considerá-las todas neste estudo. Aqui se busca uma síntese de algumas definições de Medicina, pelo menos das mais significativas e comuns. Da definição nominal (da palavra Medicina) e de sua definição real (da coisa real, da profissão denominada Medicina, elemento da realidade social). É bem possível definir a Medicina como a profissão cujos agentes se dedicam ao estudo e à intervenção, a relação humanitária e técnica no campo da saúde, das enfermidades humanas e do cuidado dos enfermos; especifica e especialmente no que respeita aos atos privativamente médicos: o diagnóstico daquelas enfermidades e a indicação terapêutica necessitada por aqueles enfermos e os demais procedimentos decorrentes ou dependentes destes. Os atos profissionais que implicam em fomento e promoção da saúde, profilaxia das enfermidades e reabilitação dos enfermos podem ser compartilhados com agentes de outras profissões, nos casos em que a lei assim determinar. Ou, mais resumidamente. Medicina é a profissão técnica e humanitária cujos agentes, os médicos, são incumbidos privativamente do diagnóstico das enfermidades e do tratamento dos enfermos e todos os demais atos profissionais decorrentes destes. Cabe-lhes, adicionalmente e como práxis profissional compartilhada, a participação em programas e procedimentos de promoção da saúde, profilaxia das enfermidades e reabilitação dos casos de invalidez . Devendo-se destacar a primazia da relação humanitária e ética dessa relação especial entre o enfermo e que o ajuda. O traço característico mais essencial de uma profissão é sua institucionalização pela lei. Pois, é na institucionalização legal que se formalizam as demais exigências de 1 João de Almeida Bilolchini in DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.2 n.5 out/01

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Uma Definição de MedicinaA Medicina tem sido definida deste a Antigüidade como ciência e arte de curar. Bem mais recentemente, houve quem bem a definisse assim tecnificada: a medicina se constitui em um conjunto de práticas e tecnologias de intervenção profissional, tecnica e humanitária, as quais objetivam determinar uma alteração sobre o organismo e a vida humana em direção a uma condição de maior bem-estar do ser e da coletividade. 1

Entre estas e depois da última destas definições, muitas outras emergiram, em tal número que não é exeqüível considerá-las todas neste estudo. Aqui se busca uma síntese de algumas definições de Medicina, pelo menos das mais significativas e comuns.

Da definição nominal (da palavra Medicina) e de sua definição real (da coisa real, da profissão denominada Medicina, elemento da realidade social). É bem possível definir a Medicina como a profissão cujos agentes se dedicam ao estudo e à intervenção, a relação humanitária e técnica no campo da saúde, das enfermidades humanas e do cuidado dos enfermos; especifica e especialmente no que respeita aos atos privativamente médicos: o diagnóstico daquelas enfermidades e a indicação terapêutica necessitada por aqueles enfermos e os demais procedimentos decorrentes ou dependentes destes. Os atos profissionais que implicam em fomento e promoção da saúde, profilaxia das enfermidades e reabilitação dos enfermos podem ser compartilhados com agentes de outras profissões, nos casos em que a lei assim determinar.

Ou, mais resumidamente.

Medicina é a profissão técnica e humanitária cujos agentes, os médicos, são incumbidos privativamente do diagnóstico das enfermidades e do tratamento dos enfermos e todos os demais atos profissionais decorrentes destes. Cabe-lhes, adicionalmente e como práxis profissional compartilhada, a participação em programas e procedimentos de promoção da saúde, profilaxia das enfermidades e reabilitação dos casos de invalidez. Devendo-se destacar a primazia da relação humanitária e ética dessa relação especial entre o enfermo e que o ajuda.

O traço característico mais essencial de uma profissão é sua institucionalização pela lei. Pois, é na institucionalização legal que se formalizam as demais exigências de profissionalidade. E tal institucionalização de faz por meio de uma medida legal que deve ser iniciada com a definição jurídica do objeto da ocupação profissionalizada e seu campo de intervenção e se complete na determinação do campo de atuação privativa de seus agentes, os profissionais que a realizam.

Questão preliminar importante consiste em estabelecer a “propriedade” da Medicina. Não como prerrogativa profissional ou a quem ela pertence, pois, embora a profissão Médica seja praticada, desenvolvida, organizada e controlada pelos

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médicos, além instituída e fiscalizada pelo Estado, ela não pertence nem a este nem àquele, pertence à sociedade toda. Como acontece com os profissionais de todas as profissões. Nem os conhecimentos científicos que são praticados profissionalmente podem ser propriedade de qualquer pessoa ou entidade social, todo conhecimento científico é (ou deve ser) propriedade pública. Contudo, a questão social aqui não se situa no campo do saber, é o fazer que interessa e o fazer no mercado de trabalho. Entretanto, como sucede a todas as profissões, a Medicina só pode ser legalmente exercitada por pessoas com capacitação acadêmica e habilitação legal.

O conhecimento médico e a tecnologia que gera integram o patrimônio cultural da humanidade. Mais que qualquer outro conhecimento, o saber médico é e deve ser universal e comum a toda humanidade. A Medicina é uma atividade da humanidade e deve existir e funcionar a seu serviço. Daí a necessidade de sua marca essencialmente altruísta. Sempre que os interesses dos médicos ou do poder estatal conflitarem com os interesses da humanidade e os direitos humanos, os médicos devem escolher seu destino fundamental, optar pela humanidade e a defesa dos direitos humanos e da felicidade dos seres humanos.

Embora os procedimentos profissionais da Medicina devam ser praticados unicamente por quem esteja capacitado e habilitado para exercê-los, tais procedimentos devem estar ao alcance de todos os que necessitem deles e não apenas para os que podem pagar para recebê-los. Este objetivo humanitário deve ser perseguido por todos, ainda que jamais (ou ainda não) tenha sido alcançado por qualquer sociedade, este objetivo deve continuar a ser buscado e fomentado ao menos pelos médicos. A Medicina deve ser uma atividade a serviço da humanidade, pois esta é a mais valiosa de suas tradições e de seu compromisso social e ético de seus agentes – os médicos.

Este é o motivo pelo qual, os médicos não podem nem devem exercer seu mister guiados por preconceitos. Não apenas os preconceitos maiores – de cor, etnia, idade, nacionalidade, gênero e os outros definidos em lei, - mas também os menores como simpatia, interesse profissional ou identidade.

Também deve-se ter presente que a Medicina não deve ser confundida com a assistência médica em sentido amplo, embora o conceito de medicina freqüentemente assuma esta significação adicional, principalmente porque a atividade do médico costuma ser a práxis axial desta modalidade de política pública sanitária. A assistência médica, embora se desenvolva à volta do trabalho médico envolve outras profissões e outros profissionais além dos médicos que devem prestar assistência aos pacientes em colaboração com os médicos, posto que todos integram as equipes assistenciais. E cada um deve ter seu papel nela

Essa ampliação do universo profissional que deixou de incluir apenas médicos reunidos em equipes multi-disciplinares (porque compostos por uma pluralidades de disciplinas médicas) deu lugar a equipes multi-profissionais (porque compostas por agentes profissionia de diferentes profissões). De fato, as equipes multi-disciplinares reúnem agentes de disciplinas diferentes de uma mesma profissão, enquanto as multi-profissionais, reúnem agentes de profissões diferentes.

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Nas atividades de ensino e estudo científico, pode-se falar em equipes multidisciplinares para mencionar atividade pessoas que integram diferentes disciplinas acadêmicas ou científicas. Contudo, embora muitas profissões tenham nomes idênticos às ciências ou às disciplinas acadêmicas que as fundamentam, constituem atividades sociais qualitativamente muito diferentes. Tão diversas que não devem ser confunfidas por que age preocupado com a correçao.

Como foi elaborada esta definição Adiante ver-se-á que definir é encontrar uma maneira sintética e precisa para designar um objeto material ou ideal que se refira unicamente a ele e não a qualquer outro. Fato preliminar ao procedimento definidor é sua conceituação, processo lógico e psicológico pelo qual se reconhecem as qualidades do objeto estudado, para que se possa escolher qual delas pode ser considerada a mais essencial e mais geral em referência à sua identidade. No caso, pretende-se definir a Medicina, para que este seja o primeiro momento do estudo daquela atividade.

O que é a Medicina? Neste capítulo pretende-se responder a esta pergunta que pode parecer retórica, mas não é. Ao menos, não é inteiramente; e neste trabalho, em especial. Uma dificuldade preliminar à tarefa de responder à pergunta sobre o que é a Medicina, reside em saber a qual Medicina se refere. Isto é, optar entre três alternativas: a Medicina real, a Medicina possível e a Medicina considerada ideal. Ou seja, pretemde-se saber o que a Medicina é, o que ela não é ou como deve ser (e, ao menos implicitamente, como não deve ser). Pode-se inferir que ela segue a estrutura do seu projeto original, idealizado por necessário, a realidade como é executada ou a possibilidade supostamente concretizável? A Medicina como ela deve ser ou a Medicina como ela é na realidade? Nesta questão, aqui não se colocam meias respostas, nem ocultação ou desvios da resposta. Porque estes três aspectos da Medicina impregnam seu significado e deve-se esclarecer de pronto o objetivo proposto aqui neste trabalho.

Aqui se busca definir a Medicina ideal (ou idealizada). A Medicina como deve ser ou talvez, como deveria ser. Mas não como um exercício de futurologia, a Medicina como uma tekhnê e como uma prática social tal como foi projetada pelos hipocráticos e aperfeiçoada ao longo da História da humanidade como seus expoentes mais valiosos e mais respeitados. A Medicina tal como serviu de modelo para a estruturação de todas as demais profissões modernas, principalmente - mas não apenas essas, de modelo as profissões voltadas para a prestação de serviços de saúde.

Não há adulto minimamente instruído que não saiba o que é Medicina e qual a finalidade de existirem médicos. Praticamente todas as pessoas, de todos os estratos sociais, de todos os graus de instrução e de todas as sociedades empregam a palavra medicina com bastante desembaraço. Em geral, fazem-no sem qualquer dúvida ou hesitação, ainda que o formulem a resposta algo superficialmente, pela rama; sem grande precisão e sem exata consciência de suas particularidades. Como se sabe, a palavra medicina é uma daquelas expressões tão comuns em todos os idiomas e em todas as culturas, que são muito faladas ainda

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que relativamente pouco conhecidas pela maioria com a necessária precisão. Só com alguma motivação importante, alguém pode fingir ignorar.

Embora o sentido essencial da palavra Medicina esteja entranhado na consciência das pessoas de todas as culturas civilizadas, este conhecimento costuma ser, no mínimo, um tanto imperfeito, provisório e incompleto. Entretanto, se o assunto é assim difundido e conhecido, porque escrever este texto sobre ele? Por dois motivos: primeiro porque os médicos devem (ou deveriam) saber mais sobre sua profissão que os leigos, deveriam conhecer mais ampla e profundamete. Mas também porque, por conta de variados motivos, muitos fingem não saber o que sabem bem sabido. O primeiro motivo inexistiria com bons cursos de introdução à Medicima e o segundo, com o desenvolvimento moral da sociedade.

A Medicina tem como objetivo principal e mais característico tratar enfermos e não enfermidades, deintes e não doenças (por mais que o senso comum proclame e divulgue este dislate). Por conta disso, este é um equívoco bastante comum e a Medicina seja pensada por muitos como se fosse um instrumento profissiona; destinado ao tratamento das doenças, quando, na erdade, ela se destina a tratar doentes. O cuidar de doenças seria um absurdo em termos (produzido como mera figura de linguagem e induzido pela indisciplina verbal do senso comum e muito difundido, é verdade. Mas não menos errado, quando se busca rigor verbal). O mesmo senso comum deseducado que faz dizer “não vi ninguém, não vou fazer nada”, que tanto perturba o tradutor estrangeiro.

Enfermidade é sinônimo de afecção patológica, da condição danosa que afeta um ser vivo. O doença é a enfermidade reconhecida ou sentida pelo enfermo, por lhe ocasionar algum padecimento; é sinônimo de moléstia.

Desde seu início, a Medicina existe principalmente para diagnosticar doenças e tratar doentes. Expressões como tratar doenças, curar doenças são recursos imprecisos da linguagem comum que são indevidamente incorporados pelos médicos, como já aconteceu com os termos anemia (sem sangue) e histeria (perturbação uterina).

Deve-se insistir veementemente que a destinação essencial da Medicina é tratar, com o sentido de cuidar ou curar, pessoas enfermas seres humanos afetados por uma condição patológica para livrá-las dessa condição o minorar seu sofrimento ou seu mal-estar. (Para isto, o médico necessita diagnosticar a enfermidade que torna aquela pessoa enferma para tratá-la adequadamente), como qualquer um pode concluir sem grande esforço ao refletir sobre o tema, mesmo pensando só um pouco.

Desde sua origem, a terapêutica é o fim último e a principal justificativa para existirem médicos e Medicina. Tudo o mais é secundário, preliminar, decorrente ou historicamente posterior. O diagnóstico médico é pré-condição necessária da terapêutica. Em um plano relativamente secundário, os médicos auxiliam na profilaxia das enfermidades e na reabilitação física ou psicosocial de pessoas afetadas por condições que possam ser designadas como de incapacidade estrutural ou funcional.

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O problema do desconhecimento popular da identidade de algumas profissões costuma influir em algumas práticas de saúde, principalmente nas profissões mais novas ou neo profissões, cujas imagens ainda não foram fixadas na consciência social, sendo comum que as pessoas não conheçam seu campo de atividade. Este fato permite explicar e explica de fato muitos comportamentos de agentes seus. As pessoas, em geral, sequer sabem o que significa o nome de algumas dessas neoprofissões. O que parece natural quando se sabe que a maioria delas tem existência relativamente recente e se expressam por palavras pouco vulgares.

Em algumas destas profissões e em alguns lugares, sua história confunde-se com as biografias de pessoas vivas. Mas é fato também que muitas pessoas as confundem com a Medicina ou com algum ramo dela. Muitos julgam que aquela neo-profissão se trata de algum tipo de especialidade médica nova ou pouco conhecida (cujos nomes e funções sociais e técnicas muitas pessoas também desconhecem e, por isto, as confundem com facilidade). Principalmente se seus nomes são semelhantes às de outras, mais conhecidas. A maioria das profissões de saúde foram instituídas no Brasil há menos de meio século.

Na maior parte da população, principalmente na menos ilustrada, não é incomum que se desconheça o o que são algumas atividades profissionais, sobretudo uma profissão nova. Isto costuma acontecer até por quem pertença à camada média da sociedade. Em geral, ninguém desconhece o significado de nomes como Medicina, Odontologia, Farmácia e Enfermagem, pois, estas são profissões sanitárias mais antigas e o significado destas expressões está mais ou menos profundamente arraigado na consciência social, mesmo das pessoas menos instruídas.

No entanto, no que se refere a outras profissões de saúde ou,mesmo, a algumas especialidades da Medicina, até algumas mais antigas, diga-se de passagem, o o reconhecimento de seu nome e o conhecimento de sua identidade pode não ser tão amplo ou tão preciso como deveria ser. Isto, pretendendo avaliar apenas o conhecimento do significado do nome de uma profissão. Sem pretender conhecimento mais aprofundado sobre ela. Mesmo médicos e estudantes de Medicina podem não conhecer o que significa a Medicina com a necessária exatidão, o que significa ser médico, aquele profissional que exerce a Medicina. Por isto, cuida-se aqui do que é e, principalmente, do quê deve ser a Medicina. De como vem se desenvolvendo o projeto da Medicina tal como foi delineada pelos hipocráticos e quais são suas possibilidades em cada momento da evoluão de cada sociedade.

Este trabalho pretende ser um breve e despretensioso ensaio sobre o quê é, ou melhor, de como deve ser e como deve funcionar a Medicina em função de sua semente original e no momento presente de seu desenvolvimento histórico-social. E, depois, em outro texto, do que é e de como deve ser tratado seu objeto. Tudo isto, em termos ideais. E porque não? Toda profissão necessita de um modelo idealizado que sirva para nortear a conduta de seus agentes e possibilitar sua avaliação. Como sucede com qualquer projeto de construção. Não existisse este modelo normatizado, técnica e eticamente, sua prática não poderia sr avaliada.

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Como acontece com todas as atividades laboriosas e em outras atividades humanas, a Medicina não é um ente natural, um desenvolvimento da natureza que acompanha as leis naturais, como um animal ou um vegetal. Trata-se de um construto, uma figura idealizada, uma construção mental humana, uma edificação conceitual abstrata intencionalmente elaborada que obedece a seus motivos e aos seus propósitos, ainda que não siga um projeto mais ou menos claro para todos em cada momento de sua existência. Deste projeto e de sua atualização é que se trata neste trabalho. O projeto da atividade médica, do exercício da clínica. Aqui se pretende elaborar um ensaio que toma o método clínico como modelo para diagnosticar e tratar, como diretriz metodológica para conhecer o modelo da Medicina, porque a Medicina e a clínica se confundem sempre.

O método clínico ou modelo médico de conhecer e intervir na realidade permite saber o que é Medicina e como ela deve funcionar.

Muitos confundem indevidamente a Medicina com uma técnica 2 ou tecnologia3 de curar doentes. A aplicação sistemática do conhecimento científico no cumprimento da primeira missão institucional da Medicina, o diagnóstico de enfermidades e o tratamento de enfermos; e, secundariamente, evitar enfermidades e reabilitar pessoas agravadas por elas. Diagnosticar enfermidades e tratar enfermos constitui, como sempre foii, o núcleo essencial da tarefa medica. Mas, volte-se à pergunta inicial e pergunte-se, ainda que retoricamente, o que é a Medicina? Pergunta pertinente porque o primeiro momento do processo de conhecer - o quê é alguma coisa - é ontológico. Saber o que é aquele objeto a ser conhecido, qual o objeto daquele conhecimento.

O conhecimento do objeto de intervenção técnica deve anteceder o conhecimento dos instrumentos teóricos e práticos que se pode empregar para intervir sobre ele. Saber o quê é um objeto, precede o saber o quê e como se deve fazer com aquilo. Por causa disso, a primeira tarefa de quem pretende estudar alguma coisa, simples ou complexa, é ter bem claros seus objetivos e os limites do objeto de sua cogitação e, só depois, buscar explicá-lo, realizar qualquer outra tarefa cognitiva sobre ele ou empregá-lo para justificar uma intervenção técnica. Ademais, é preciso definir um instrumento (e conhecer sua possibilidades e limites) antes de fazer uso dele em um procedimento técnico ou tecnológico.

O objeto da Medicina se apresenta sob este duplo aspecto: a enfermidade e o enfermo. A enfermidade, um estado do enfermo, para ser conhecida e diagnosticada e o enfermo para ser tratado e reabilitado. Duas faces da mesma coisa, porque nenhuma delas pode existir sem a outra. Enfermidade e endfermo são duas faces de uma mesma entidade real ou conceitual.

O processo de conhecer um objeto, qualquer objeto, pode ser concebido esquematicamente como uma espécie de espiral ascendente de acúmulo de informaçõessobre ele; inicialmente informações descritivas e depois informações explicativas. Procersso conitivo que termina e recomeça na permanente redefinição de seu objeto na medida em que se aperfeiçoa o conhecimento sobre ele. Definição

2 Aplicação de conhecimento refletido e experimentado .3 Aplicação de conhecimento cientificamente verificado para realizar uma tarefa pratica e util.

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e redefinição que elaboram e aperfeçoam informações que promovem mudanças quantitativas e transformações qualitativas no conhecimento que proporcionam. Redefinição cada vez mais aperfeiçoada a cada volta de seu traçado espiralado em busca do conhecimento completo (ainda que utópico). Por isto, optou-se para iniciar este trabalho com a definição da Medicina, transitando dos conteúdos mais simples para os mais complexos, das elaborações mais imediatas para as mais distantes, do ignorado para o sabido.

A busca de construir uma boa definição da Medicina é o marco inicial deste trabalho. Responder o quê é deve ser a principal tarefa de quem começa a estudar algum objeto de estudo ou de intervenção. Pois, isto responde lógica e necessariamente à pergunta do tipo: o que é isto? O que é aquilo? Neste caso, a pergunta é o que é a Medicina? Qual o traço essencial mais importante que pode ser identificado na atividade do médico? Neste sentido, a Medicina será uma arte, uma ciência, um trabalho, um saber, um conhecimento especializado ou um fazer, um fazer sabido e autorizado? Ser uma relação comercial de produção e consumo de um bem ou serviço? Ou será um encontro intersubjetivo e altruísta de ajuda a uma pessoa enferma? Uma atividade social de ajuda aos doentes? Afinal, o que é a Medicina? Volta a pergunta cuja resposta compõe o núcleo deste capítulo. A resposta à pergunta “o que é a Medicina?“ encerra uma das mais importantes questões postas diante dos médicos e dos estudantes de Medicina e de todos os que se ocupam com os problemas sanitários da sociedade e com a identidade da Medicina. Afinal, parece muito estranho que alguém faça algo sem saber o que faz. Principalmente nos dias atuais, quando esta matéria deixou de ser considerada no currículo de muitos cursos médicos.