SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS E SUAS … · Quando A ˆB, dizemos que A é parte de B, ou...

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS FACULDADE DE MATEMÁTICA CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA LUCERO BARROS PEREIRA SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS E SUAS PROPRIEDADES. Marabá-PA FAMAT - UNIFESSPA ABRIL de 2016

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

FACULDADE DE MATEMÁTICA

CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

LUCERO BARROS PEREIRA

SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS ESUAS PROPRIEDADES.

Marabá-PA

FAMAT - UNIFESSPA

ABRIL de 2016

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

FACULDADE DE MATEMÁTICA

CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

LUCERO BARROS PEREIRA

SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS ESUAS PROPRIEDADES.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federal do Sul e Sudeste Pará como

parte dos créditos para obtenção do grau de Licen-

ciatura Plena em Matemática, sob a orientação do

Prof. MsC. Claudionei Pereira de Oliveira.

Marabá-PA

FAMAT - UNIFESSPA

ABRIL de 2016

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Biblioteca II da UNIFESSPA. CAMAR, Marabá, PA

Pereira, Lucero Barros

Sobre a construção dos números reais e suas

propriedades. / Lucero Barros Pereira; orientador, Claudionei

Pereira de Oliveira. -2016.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal do

Sul e Suldeste do Pará, Campus Universitário de Marabá, Instituto de

Ciências Exatas, Faculdade de Matemática, Curso de Licenciatura em

Matemática, Marabá 2016.

1. Matemática - Estudo e ensino. 2. Números reais. 3. Teoria dos

números. 4. Teoria dos conjuntos. 5. Matemática - metodologia. I.

Oliveira, Claudionei Pereira de, orient. II. Título.

CDD: 22.ed. 512.7

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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS

FACULDADE DE MATEMÁTICA

CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

LUCERO BARROS PEREIRA

SOBRE A CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS ESUAS PROPRIEDADES.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Universidade Federal do Sul e Sudeste Pará como

parte dos créditos para obtenção do grau de Licen-

ciatura Plena em Matemática, sob a orientação do

Prof. MsC. Claudionei Pereira de Oliveira.

Data da Defesa: 25 / 04 / 2016 CONCEITO:

BANCA EXAMINADORA

Prof. MsC. Claudionei Pereira de Oliveira.Orientador

Prof. Dr. Narciso das Neves SoaresMembro 1 - UNIFESSPA

Prof. MsC. Pablo Salermo Monteiro do NascimentoMembro 2 - UNIFESSPA

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“Talvez seja bom ter uma mente bonita, mas um dom ainda maior é descobrir um coração

bonito”

— John F. Nash

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Agradecimentos

Agradeço em primeiro lugar a Deus pela sua imensa misericórdia sobre mim, pelas

oportunidades que vem me concedendo, pelas pessoas maravilhosas que colocou em minha

jornada, obrigado pela vida.

Não posso deixar de agradecer a pessoa mais importante. Pessoa essa que não

só me gerou, mas o exemplo de caráter, hombridade, generosidade, humanidade e com-

promisso. Obrigado mãe por ser este instrumento usado por Deus para me inspirar e

guiar-me no caminho da ética, moralidade e do bem. Mãe, muito obrigado por seu amor.

A família é sem duvida a mais importante instituição a qual podemos ser membros.

Deixo aqui os meus mais profundos agradecimentos às pessoas que a personificam, minha

vó, Dona Mariqueta e minha tia Maria Jocélia, pessoas que sempre acreditaram no meu

potencial, até mais do que eu mesmo.

Ao meu irmão Tiago apenas dizer obrigado é muito simplório perto da sua gi-

gantesca generosidade, por ter trazido pra si uma responsabilidade que não era sua e a

tê-la honrado, por ser a minha referência paterna, por ser essa pessoa diferente e especial.

Obrigado irmão.

À minha fiel companheira Neya, obrigado por todo amor, carinho, paciência, de-

dicação e otimismo.

Durante o período deste curso conheci pessoas que verdadeiramente posso chamar

de amigos. Muito obrigado pela parceria Eder de Abreu, Erica Rocha, Reyfson Antonio,

Railon Botelho, Bento Oliveira e todos das turmas 2010 e 2011.

Por fim agradeço aqueles que contribuíram com seus conhecimentos e ensinamentos,

muitas vezes mais que acadêmicos, mas também de vida. Professores Pablo Salermo,

Pedro Cruz e em especial ao meu orientador Professor Claudionei Oliveira Pereira, por seu

talento, e pela dedicação em elevar o nível deste curso e dessa ciência, além da excepcional

orientação regada de muita exigência para a elaboração deste trabalho.

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Resumo

Neste trabalho estudamos a construção dos números reais. Antes porém, começamos

por abordar conceitos básicos da teoria dos conjuntos, destacando as principais relações e

operações. Relacionado com este tema, dedicamos um capítulo, deste trabalho, à apresen-

tação da teoria que consideramos assumir maior importância: a construção dos números

reais por meio de Cortes de Dedekind. Finalmente utilizamos o método axiomático com

o intuito de mostrar a unicidade do corpo ordenado completo dos números reais, isto é,

concluir finalmente que existe um corpo completo e ordenado, e apenas um a menos de

um isomorfismo, do conjunto dos números reais.

Palavras-Chave:Operações entre conjuntos; Construção dos Números reais; Cortes de

Dedekind.

ii

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Abstract

In this work we study the construction of the real numbers. First, however, we begin by

looking at basics of set theory, highlighting key relationships and operations. Related to

this issue, we devote a chapter of this work, the presentation of the theory we consider

to be more important: the construction of real numbers via Dedekind cuts . Finally we

use the axiomatic method in order to show the complete ordained oneness of the body of

the real numbers , that is ultimately conclude that there is a complete body and orderly

, and only one less than an isomorphism , the set of real numbers.

Keywords: Operations between sets; construction of real numbers; Dedekind cuts.

iii

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Sumário

Agradecimentos i

Resumo ii

Abstract iii

INTRODUÇÃO 10

1 Resultados Básicos 12

1.1 Conjuntos Numéricos e Operações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

1.2 Relações de implicação e equivalência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

1.3 Operações entre conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2 Cortes de Dedekind 21

3 Números Reais. 33

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INTRODUÇÃO

A necessidade de uma definição formal de número real levou vários matemáticos a

publicarem as suas teorias quase simultaneamente, embora elaboradas em épocas diferen-

tes e tendo sido igualmente diferentes as razões que os moveram a empreender semelhante

tarefa. Durante a segunda metade do século XIX um crescente número de artigos e livros

foram publicados, dedicados a um único assunto: a definição precisa de número real e

a investigação de funções reais baseada nessa definição. Dedekind, Weierstrass (1815 -

1897) e Cantor defenderam que a noção de quantidade deveria ser substituída por uma

rigorosa construção aritmética dos números reais, isto é, uma construção baseada na no-

ção de números naturais ou racionais, que assumiu-se ser menos problemática do que a

noção de quantidade contínua.

Cantor provou que o conjunto dos números reais é não numerável e comunicou-

o numa carta a Dedekind. Este resultado mostrou que se a sua construção (ou a de

Dedekind, ou a de Weierstrass) dos números reais fosse tomada como verdadeiramente

garantida, então existia pelo menos dois tipos de conjuntos infinitos: os conjuntos do tipo

do conjunto dos números naturais e os conjuntos do tipo do contínuo. Dedekind insistiu

na visão de que os objetos matemáticos, aos quais chamamos números reais, são inven-

ção do homem. Acreditava que isto era igualmente verdade para os números naturais e

racionais, bem como para novos conceitos como a Teoria Algébrica Numérica. Dedekind

além de propor uma construção aritmética dos números reais, acrescentou a questão do

que esta construção deveria fazer com a ideia geométrica dos pontos numa linha recta,

isto é, com a noção intuitiva de quantidade contínua. Ele reconheceu que o fato de um

número real ser definido por um corte acarreta algumas desvantagens, quando pretendeu

verificar quais as propriedades dos números racionais que seriam válidas no conjunto dos

números reais.

Neste trabalho será feito um estudo da construção do Conjunto dos Números Reais,

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partindo do Conjunto dos Números Racionais, e tendo por base a noção de corte utilizada,

pela primeira vez, por Richard Dedekind, a partir da sua Construção dos Números Reais.

Apesar de Dedekind não ter enunciado os Teoremas, Definições e Propriedades como

faremos, optamos pelo uso dessa terminologia, para uma melhor interpretação e para

podermos alcançar o objectivo deste trabalho: mostrar que o conjunto construído por

Dedekind é um Corpo Ordenado Completo.

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Capítulo 1

Resultados Básicos

Neste capítulo apresentaremos alguns resultados dos quais serão úteis para a cons-

trução de R. Introduziremos as ideias fundamentais de conjuntos, bem como as relações

de implicação e equivalência. Para tanto, demonstraremos também as principais proprie-

dades das operações entre conjuntos.

1.1 Conjuntos Numéricos e Operações.

Um conjunto numérico é formado de objetos, sendo estes chamados de elementos.

Entre um conjunto e seus elementos observamos fundamentalmente a relação de perti-

nência. Indicamos se um elemento pertence ou não a um conjunto pelos símbolos ∈ e /∈,

respectivamente.

Um conjunto A é definido, ou caracterizado, através de uma regra de formação

(propriedade de todos os elementos de A), que indicará arbitrariamente quais elementos

pertencem ou não a A. A notação de um conjunto pode ser feita pela enumeração de seus

elementos ou pela regra de formação deste conjunto. Um exemplo da primeira forma de

notação é o conjunto dos números naturais, indicados por N.

N = 1, 2, 3, ....

Desta mesma forma podemos representar o conjunto dos números inteiros, que é indicado

por Z, que são todos os números negativos, o zero e os positivos.

Z = ...,−3,−2,−1, 0, 1, 2, 3, ....

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Um exemplo de conjunto indicado por sua regra de formação é o conjunto dos números

racionais Q, o qual é o conjunto de todas as frações p/q, onde p e q pertencem a Z e sendo

q 6= 0. Usamos a seguinte notação para este conjunto.

Q = p/q; p ∈ Z, q ∈ Z e q 6= 0.

Definição 1.1.1 Dados dois conjuntos A e B, dizemos que A é um subconjunto de B,

quando qualquer que seja o elemento de A, este também é elemento de B. Isto é, A ⊂ B.

Quando A ⊂ B, dizemos que A é parte de B, ou seja, que A está contido em B. Essa

relação entre A e B é denominada inclusão. Os conjuntos numéricos N,Z e Q que foram

apresentados acima cumprem a relação de inclusão: N ⊂ Z; Z ⊂ Q e, abreviadamente

N ⊂ Z ⊂ Q.

Quando escrevemos A ⊂ B podemos ter A = B ou A 6= B, neste segundo caso temos que

A é um subconjunto próprio de B, denotado pelo símbolo (. Desse modo o conjunto ∅

é subconjunto de qualquer conjunto X, pois se não fosse ∅ ⊂ X, existiria algum x ∈ ∅.

Como não existe x ∈ ∅ devemos admitir que ∅ ⊂ X, seja qual for o conjunto X.

Dados os conjuntos A e B, tais que A ⊂ B, temos as propriedades:

i) A ⊂ A.(Reflexiva)

ii) Se A ⊂ B e B ⊂ A, então A = B; (Anti-simétrica)

iii) Se A ⊂ B e B ⊂ C então A ⊂ C. (Transitiva).

Observação 1.1.1 As propriedades acima mostram que a inclusão de conjuntos é uma

relação de equivalência.

Dado um conjunto X, indicamos P (X) o conjunto das partes de X. Este conjunto é

composto por todas as combinações possíveis dos elementos de X, dessa forma ele nunca

será vazio pois tem-se pelo menos ∅ ∈ P (X).

Exemplo 1.1.1 Seja X = 1, 2, 3. Então P (X)=∅, 1, 2, 3, 1, 2, 1, 3, 2, 3, X.

1.2 Relações de implicação e equivalência.

Dados dois conjuntos X e Y , tais que X = x ∈ E; x goza de P e Y =

y ∈ E; y goza de Q

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As afirmações "P implica Q", "se P , então Q", têm o mesmo significado. Elas

querem dizer que X ⊂ Y , ou seja, que todo objeto que tem a propriedade P , também

possui a propriedade Q, tal fato é denotado por P ⇒ Q.

Também as afirmações "P se, e somente se, Q"e "P é condição necessária e sufi-

ciente para Q indicam que P ⇒ Q e Q ⇒ P , ou seja, que o conjunto X dos elementos

que gozam da propriedade P coincide com o conjunto Y dos elementos que gozam da

propriedade Q, sendo este fato denotado por P ⇔ Q.

1.3 Operações entre conjuntos

A reunião entre os conjuntos A e B é o conjunto A ∪B, formado pelos elementos

de A mais os elementos de B. Dessa forma, quando dizemos que x ∈ A ∪ B, temos que

x ∈ A ou x ∈ B. A união entre esses dois conjuntos pode ser escrita da seguinte forma

A ∪B = x; x ∈ A ou x ∈ B.

Note que a palavra ou indica que o elemento pertence a um dos dois conjuntos mas não

exclui a possibilidade pertencer aos dois, ou seja, pode acontecer x ∈ A e x ∈ B. É im-

portante observar que quaisquer que sejam conjuntos A e B, temos a inclusão A ⊂ A∪B

e B ⊂ A ∪B.

A interseção dos conjuntos A e B é dada por A ∩ B, formado pelos elementos

comuns a A e B é denotado por A ∩ B. Dessa forma afirmar x ∈ A ∩ B significa dizer

que temos simultaneamente x ∈ A e x ∈ B. O conjunto interseção entre A e B deve ser

escrito da seguinte forma

A ∩B=x; x ∈ A e x ∈ B.

Quando ocorre de não existir elemento x tal que x ∈ A e x ∈ B, temos que A ∩ B = ∅

e dizemos que A e B são disjuntos. Temos ainda que valem as inclusões A ∩ B ⊂ A e

A ∩B ⊂ B para quaisquer que sejam os conjuntos A e B.

Exemplo 1.3.1 : Sejam A = x ∈ N;x ≤ 10 e B = x ∈ N;x > 5. Temos então,

A ∪B = N e A ∩B = 6, 7, 8, 9, 10.

Apresentamos a seguir as principais propriedades das relações de reunião, interseção e

complementação de conjuntos .

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Teorema 1.3.1 (Propriedades da União de conjuntos) Sejam A e B conjuntos quais-

quer. Então:

i) A ∪∅ = A

ii) A ∪ A = A

iii) A ∪B = B ∪ A

iv) (A ∪B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C)

v) A ∪B = A⇔ B ⊂ A

vi) A ⊂ B,A′ ⊂ B′ ⇒ A ∪ A′ ⊂ B ∪B′

vii) A ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ (A ∪ C)

Demonstração:

i) Seja x ∈ A ∪∅ temos que x ∈ A ou x ∈ ∅, como não pode haver x ∈ ∅, qualquer que

seja x ∈ A ∪∅ teremos x ∈ A, portanto, A ∪∅ = A.

ii) Tomando x ∈ A ∪ A só podemos ter x ∈ A. Logo, qualquer elemento x nesta união

será um elemento de A, portanto, A ∪ A = A.

iii) Seja x ∈ A∪B, temos dois casos: x ∈ A ou x ∈ B. Do primeiro caso temos x ∈ A∪B,

pois qualquer x ∈ A será também x ∈ B∪A. Do segundo caso temos novamente x ∈ B∪A,

pois para todo x ∈ A teremos x ∈ B ∪ A. Em qualquer uma das possibilidades temos

x ∈ B ∪ A, ou seja, A ∪ B ⊂ B ∪ A. Com um pensamento análogo podemos mostrar a

recíproca. Seja x ∈ B∪A, podemos ter x ∈ B ou x ∈ A. Caso x ∈ B, teremos x ∈ A∪B,

já que para todo x ∈ B então x ∈ B ∪ A. Caso x ∈ A, temos mais uma vez x ∈ A ∪ B,

pois todo elemento de A pertence A ∪ B. Novamente, em qualquer um dos casos temos

x ∈ A ∪B, portanto, para todo x ∈ A ∪B teremos x ∈ B ∪ A. Assim A ∪B = B ∪ A.

iv) Seja x ∈ (A∪B)∪C podemos ter x ∈ A∪B ou x ∈ C. No primeiro caso: x ∈ A∪B

temos x ∈ A ou x ∈ B. Todo elemento x ∈ A, também será x ∈ A ∪ (B ∪ C), da mesma

forma qualquer x ∈ B, também será x ∈ B ∪C, logo x ⊂ A∪ (B ∪C). Do segundo caso:

Como x ∈ C, então x ∈ B ∪ C, como todo x ∈ B ∪ C também é x ∈ A ∪ (B ∪ C). Dessa

forma (A∪B)∪C ⊂ A∪(B∪C). Podemos mostrar a recíproca tomando x ∈ A∪(B∪C),

desta forma temos x ∈ A ou x ∈ B ∪ C. Caso x ∈ A imediatamente temos x ∈ A ∪ B,

portanto x ∈ (A∪B)∪C, pois todos os elementos de um conjunto pertencem a união do

mesmo com outro. Caso tenhamos x ∈ B ∪ C podemos ter x ∈ B ou x ∈ C. Se x ∈ B,

então x ∈ A ∪ B, consequentemente x ∈ (A ∪ B) ∪ C. Se x ∈ C então x ∈ (A ∪ B) ∪ C.

Como mostrado, qualquer que seja x ∈ (A ∪ B) ∪ C também será x ∈ A ∪ (B ∪ C),

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portanto x ∈ (A ∪B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) .

v) Seja x ∈ A ∪ B. Queremos mostrar que para todo x temos x ∈ A. Como A ∪ B = A

segue que B ⊂ A∪B. Se, x ∈ A∪B, então x ∈ A ou x ∈ B. Como B ⊂ A, temos x ∈ A.

Supondo B ⊂ A devemos provar que A ∪B = A. Para tanto devemos mostrar que

a) A ∪B ⊂ A.

b) A ⊂ A ∪B.

a) Seja x ∈ A ∪ B ⇒ x ∈ A ou x ∈ B. Como B ⊂ A, para todo x ⇒ x ∈ A. Assim,

A ∪B ⊂ A.

b) Se x ∈ A⇒ x ∈ A ∪B, portanto, A ⊂ A ∪B.

vi) Supondo A ⊂ B. Para todo x ∈ A ⇒ x ∈ B. Devemos mostrar que x ∈ A ∪ A′ ⊂

B ∪ B′. Seja x ∈ A então x ∈ A ∪ A′, pois todo elemento de A pertence a essa união.

De, B ∪ B′ podemos afirmar que todo x ∈ B implica x ∈ B ∪ B′ e como A ⊂ B,

x ∈ A ⇒ x ∈ B ∪ B′. Supondo agora A′ ⊂ B′. x ∈ A′ ⇒ x ∈ B′. Novamente

temos x ∈ A′ ⇒ x ∈ A ∪ A′. Qualquer que seja x ∈ B′ implica x ∈ B ∪ B′, por-

tanto, como A′ ⊂ B′ se x ∈ A′ então x ∈ B ∪ B′. Chegamos a conclusão de que

A ⊂ B,A′ ⊂ B′ ⇒ A ∪ A′ ⊂ B ∪B′.

vii) Dado x ∈ A ∪ (B ∩ C) tem-se x ∈ A ou, então x ∈ B ∩ C. No primeiro caso temos

x ∈ A∪B e x ∈ A∪C, ou seja, x ∈ (A∪B)∩ (A∪C), pois como sabemos, na união entre

dois conjuntos o elemento pertence a pelos memos um deles, no nosso caso ao conjunto

A. No segundo caso temos x ∈ B e x ∈ C. De x ∈ B segue que x ∈ A ∪ B e de x ∈ C

temos que x ∈ A ∪ C. Logo, x ∈ A ∪ B e x ∈ A ∪ C, portanto x ∈ (A ∪ B) ∩ (A ∪ C).

Em qualquer um dos casos x ∈ A ou x ∈ B ∩C temos que x ∈ (A∪B) ∩ (A ∪C), isto é,

A∪ (B∩C) = (A∪B)∩ (A∪C). Reciprocamente, tomemos x ∈ (A∪B)∩ (A∪C), então

x ∈ A ∪ B e x ∈ A ∪ C, temos então x ∈ A ou x /∈ A. Se x /∈ A então, x ∈ B e x ∈ C,

desta forma x ∈ B ∩ C, logo, x ∈ A ∪ (B ∩ C). No caso de x ∈ A temos claramente que

x ∈ A∪ (B ∩C). Temos então que em qualquer uma das possibilidades x ∈ A∪ (B ∩C),

portanto (A ∪B) ∩ (A ∪ C) = A ∪ (B ∩ C).

Teorema 1.3.2 (Propriedades da Interseção de conjuntos) Seja A,B e C. Então,

i) A ∩∅ = ∅

ii) A ∩ A = A

iii) A ∩B = B ∩ A

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iv) (A ∩B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C)

v) A ∩B = A⇔ A ⊂ B

vi) A ⊂ B,A′ ⊂ B′ ⇒ A ∩ A′ ⊂ B ∩B′

vii) A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C)

Demonstração: i) Seja x ∈ A∩∅, devemos ter x ∈ A e x ∈ ∅. Já vimos anteriormente

que ∅ ⊂ A seja qual for este conjunto A, logo, por ∅ ser um subconjunto de A, A∩∅ = ∅

ii) Tomando um x ∈ A ∩ A temos x ∈ A, ou seja, A ∩ A = A.

iii) Seja x ∈ A ∩ B, Então x ∈ A e x ∈ B. Teremos então x ∈ B ∩ A, pois se x per-

tence simultâneamente a B e A. Portanto, A ∩ B ⊂ B ∩ A. De maneira análoga, seja

x ∈ B ∩ A, então x ∈ B e x ∈ A, logo x ∈ A ∩ B, o que implica B ∩ A ⊂ A ∩ B. Assim

A ∩B = B ∩ A.

iv) Seja x ∈ (A ∩ B) ∩ C temos x ∈ A ∩ B e x ∈ C. Se x ∈ A ∩ B, então x ∈ A e

x ∈ B, dessa forma x ∈ A, x ∈ B e x ∈ C, portanto, x ∈ A ∩ (B ∩ C). Tomemos agora

x ∈ A∩ (B∩C). Temos então x ∈ A e x ∈ B∩C. Como x ∈ B∩C então x ∈ B e x ∈ C,

portanto, temos x ∈ A∩B pois x ∈ A,B, além disso, x ∈ C, logo, x ⊂ (A∩B)∩C. Fica

provado então que (A ∩B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C).

v)(⇒) Seja x ∈ A. Queremos mostrar que x ∈ B. Como A∩B = A segue que A ⊂ A∩B.

Daí, x ∈ A ∩B, o que implica que x ∈ A e x ∈ B. Logo, x ∈ B.

(⇐) Queremos mostrar que A ∩ B = A. Suponhamos então que A ⊂ B. Para isso preci-

samos provar que

a) A ∩B ⊂ A.

b) A ⊂ A ∩B.

a) Seja x ∈ A ∩B ⇒ x ∈ A e x ∈ B. Logo, x ∈ A. Assim, A ∩B ⊂ A.

b) Seja x ∈ A, como A ⊂ B ⇒ x ∈ B. Como x ∈ A e x ∈ B ⇒ x ∈ A ∩ B. Logo

A ∩B = A.

vi) Seja x ∈ A ∩ A′ então x ∈ A e x ∈ A′. Como A ⊂ B e A′ ⊂ B′, x ∈ B e x ∈ B′. Ou

seja, x ∈ B ∩B′. Portanto, A ∩ A′ ⊂ B ∩B′.

vii) (⇒) Tomando x ∈ A ∩ (B ∪ C) tem-se x ∈ A e x ∈ B ∪ C. Como x ∈ B ∪ C,

teremos x ∈ B ou x ∈ C. Se x ∈ B, e também temos x ∈ A, então x ∈ A ∩ B, logo

x ∈ (A∩B)∪ (A∩C). Da mesma forma se x ∈ C, então x ∈ A∩C, pois também temos

x ∈ A. Portanto, para todo x ∈ A ∩ (B ∪ C) também temos x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C).

(⇐) Seja x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C). Temos x ∈ A ∩ B ou x ∈ A ∩ C. Caso tenhamos

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x ∈ A ∩ B temos x ∈ A e x ∈ B. Logo, x ∈ A ∩ (B ∪ C), pois x ∈ B ∪ C e tam-

bém x ∈ A. Caso x ∈ A ∩ C, teremos x ∈ A e x ∈ C, o que implica novamente em

x ∈ A ∩ (B ∪ C), pois todo elemento x ∈ C será também x ∈ B ∪ C, além de termos

x ∈ A. Portanto (A∩B)∪(A∩C) ⊂ A∩(B∪C). Ou seja, A∩(B∪C) = (A∩B)∪(A∩C).

A diferença entre os conjuntos A e B é indicada por A − B, sendo este formado pelos

elementos de A que não pertencem a B. Em símbolos, temos

A−B = x; x ∈ A e x /∈ B.

É importante levar em consideração o caso B ⊂ A, no qual, a diferença A−B é chamada

de complementar de B em relação a A, indicamos por A−B = BA.

O teorema a seguir lista as principais propriedades fundamentais da tomada de

complementares.

Teorema 1.3.3 Dados dois conjuntos A e B tais que A,B ⊂ E, em relação do qual

estamos tomando os complementares, valem as seguintes propriedades:

i) (A) = A,

ii) A ⊂ B ⇔ B ⊂ A,

iii) A = ∅⇔ A = E,

iv) (A ∪B) = A ∩B,

v) (A ∩B) = A ∪B.

Demonstração: i) Seja x ∈ (A). Então, x /∈ A, donde segue que x ∈ A. Logo

(A) ⊂ A. Agora, seja x ∈ A. Daí, x /∈ A, o que implica que x ∈ (A). Como valem as

duas inclusões, temos que (A).

ii) (⇒) Suponhamos A ⊂ B. Seja x ∈ B, temos que x /∈ B, como todos os elementos de

A também são elementos de B, x /∈ A, portanto, x ∈ A, ou seja, B ⊂ A.

(⇐) Reciprocamente, temos B ⊂ A, pelo que acabamos de ver na primeira parte desta

prova, (A) ⊂ (B). Como já provado, o (A) = A e (B) = B, logo A ⊂ B.

iii) A = ∅⇔ x /∈ A para todo x ∈ E, assim, se x ∈ E então x ∈ A, logo A = E.

iv) Como A ⊂ A∪B e B ⊂ A∪B de ii) temos que (A∪B) ⊂ A e (A∪B) ⊂ B, logo

(A∪B) ⊂ A∩B. SejaX = A∩B, temosX ⊂ A eX ⊂ B. Por ii) temos que A ⊂ X

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e B ⊂ X, daí A∪B ⊂ X. De i) e ii), temos que X ⊂ (A∪B), isto é, A∩B ⊂ (A∪B).

Uma outra operação importante entre conjuntos é o produto cartesiano. Essa ope-

ração se baseia no conceito de par ordenado. Dados os objetos a e b, no par ordenado

(a, b), temos a como primeira coordenada e b como a segunda coordenada. Considerando

os pares ordenados (a, b) e (a′, b′) temos que

(a, b)=(a′, b′) ⇔ a = a′ e b = b′

O produto cartesiano dos conjuntos A e B é o conjunto A×B cujos elementos são todos

os pares ordenados (a, b), onde a primeira coordenada pertence a A e a segunda a B.

Indicamos o produto cartesiano de dois conjuntos A e B por

A×B = (a, b), a ∈ A b ∈ B

Quando A = B, temos o produto cartesiano A2 = A × A. Dessa forma o subconjunto

∆ ⊂ A × A, é formado pelos pares (a, a) cujas coordenadas são iguais, o qual é denomi-

nado diagonal de A2.

Exemplo 1.3.2 Sejam A = 1, 2, 3 e B = x, y. Então:

A×B = (1, x), (1, y), (2, x), (2, y), (3, x), (3, y).

Teorema 1.3.4 O número de elementos do Produto cartesiano A×B é dado por n(A)×

m(B), onde n= número de elementos A e m= número de elementos B.

Demonstração: A cada elemento de x de A associamos um elemento y de B para formar

o par ordenado (x, y). Portanto, cada elemento x de A vai originar tantos pares ordenados

quantos os elementos de B. O número de pares ordenados em que o primeiro elemento

do par é x é portanto m, o número de elementos de B. Cada elemento de A origina m

pares ordenados, como A tem n elementos o número total de pares ordenados é n×m.

Definição 1.3.1 (Definição de Corpo ordenado) Um corpo é um conjunto não-vazio

F qualquer, no qual estão definidas as operações de Adição (+) e Multiplicação (·).

+ : F × F → F

que a cada (x,y)∈ F × F associa um elemento x + y ∈ F e

· : F × F → F,

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que a cada (x,y)∈ F × F associa um elemento x · y ∈ F . As operações + e · devem

satisfazer as seguintes propriedades:

Adição

i) Comutativa: x + y = y + x, para quaisquer x, y ∈ F .

ii) Associativa:x + (y + z) = (x + y) + z, para quaisquer x, y, z ∈ F .

iii) Elemento neutro: Existe um único elemento 0 ∈ F , tal que, x + 0 = x, qualquer que

seja x ∈ F .

iv) Simétrico: A cada x ∈ F corresponde um único −x ∈ F , tal que, x + (−x) = 0.

Multiplicação

i) Comutativa: x · y = y · x, para quaisquer x, y ∈ F .

ii) Associativa: x · (y · z) = (x · y) · z, para quaisquer x, y, z ∈ F .

iii) Elemento neutro: Existe um único elemento 1 ∈ F , tal que, x · 1 = x, qualquer que

seja x ∈ F .

iv) Inverso: A cada x ∈ F , x 6= 0, corresponde um único elemento x−1 ∈ F , também

designado por 1x, tal que, x · x−1 = 1.

v) Distributiva em relação à adição: x · (y + z) = x · y + x · z, para qualquer x, y, z ∈ F .

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Capítulo 2

Cortes de Dedekind

"Nada funciona direito em Q”. Essa afirmação ilustra bem a necessidade de se

construir um conjunto que pudesse suprir as deficiências encontradas neste conjunto.

Há em Q a ausência de alguns números, problema já conhecido pelos estudiosos da

escola de Pitágoras. Chamemos essa ausências de furos. Fazendo uma analogia entre os

racionais temos infinitos pontos da mesma que não representam números racionais. Na

Grécia Antiga, já era conhecido, e até demonstrado, que existem comprimentos incomen-

suráveis com a unidade de medida dada, por exemplo, a diagonal (D) de um quadrado

de lado igual 1. Pelo Teorema de Pitágoras temos D2 = 12 + 12 ⇒ D2 = 2, não podemos

encontrar D ∈ Q tal que D2 = 2, ou seja, a reta possui mais pontos que elementos de Q.

E quais outros números faltam a Q? Imediatamente, o simétrico, a metade e o dobro de

um n /∈ Q também não pertenceram a Q. Mais precisamente, dado qualquer racional não

nulo r, no ponto que marca uma distância rn de 0 não pode estar um número racional, já

que, nesse caso, n =1

rrn também seria um racional. Desta forma há toda uma "cópia” de

Q, obtida por r ↔ rn, que falta em Q. Concluímos então que a cada um furo n teremos

uma infinidade de cópias idênticas a Q mas totalmente constituídas de buracos na reta.

Esse furos se tornam um grande problema, principalmente para o Cálculo, pois

determinados aspectos triviais não são válidos em Q. São exemplos da insuficiência dos

racionais os gráficos das funções exponenciais y = ex e y = log x que só existem quando

r = 0 e r = 1, onde r ∈ Q.

Fica evidente a necessidade de encontrar uma reta que não tivesse os furos en-

contrados nos racionais em sua estrutura. Inicialmente podemos pensar em acrescentar

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todas as raízes de todos os racionais ou, mais generosamente, todas as raízes de todos

os polinômios de coeficientes racionais. Com isso até obteríamos um corpo ordenado al-

gebricamente fechado, mas ainda não topologicamente fechado: a sequência crescente e

limitada xn =

(1 +

1

n

)continuaria sem limite. Mas é necessário mais do que isso.

Precisa-se encontrar um corpo ordenado no qual Q esteja contido. Uma saída po-

deria ser a representação dos racionais em uma base. Neste caso 10. Como cada número

racional tem uma expansão decimal finita ou periódica, ou seja, uma dízima periódica. A

cada expansão decimal será associado um ponto na reta. No entanto, a base de escolha

arbitrária, além das casa decimais cortadas indiscriminadamente põe em cheque mais uma

vez o rigor desta nova reta numérica. Para Dedekind, a√

2 = 1, 41421356237309504880...,

tem tantas casa decimais quanto podemos expandí-la. Havia ainda a necessidade de de-

finir melhor a reta numerada. Posteriormente a criação do Cálculo por Isaac Newton e

G. W. Leibniz, por mais de um século essa ferramenta mostrava seu potencial resolvendo

problemas que há muito intrigavam cientistas, mas novamente sentia-se a necessidade de

se colocar esse conhecimento em uma base mais rigorosa. Destacaram-se nesse pionei-

rismo J. L. Lagrange e G. L. Dirichlet, mais tarde B. Bolzano e L. A. Cauchy.

Durante a segunda metade do século XIX, vários matemáticos partiram para ou-

tras maneiras de “completar” a reta racional, instigados e liderados por K. Weierstrass,

tentando apresentar uma estrutura aritmética logicamente coerente para a reta real, den-

tre os quais se destacaram M. Ohm, Ch. Méray, E. Heine e o próprio Weierstrass, mas

as duas construções que obtiveram maior êxito foram as que R. Dedekind e G. Cantor

publicaram, independentemente, em 1872.

Foi também no século XIX que se deu o aparecimento de sistemas de axiomas

para vários tipos de estruturas matemáticas. Em particular, no final desse século foram

desenvolvidos conjuntos de axiomas com o intuito de definir os números inteiros positivos

e, como já referimos, um grande esforço foi efetuado no sentido de ser apresentada uma

definição precisa de número real.

Dedekind introduziu a noção de corte dos números racionais, segundo ele inspi-

rada na teoria de proporções de Eudoxo, e provou que a coleção desses cortes tem uma

estrutura de corpo ordenado que contém Q e que não tem furos. Utilizando uma abor-

dagem totalmente distinta, Cantor introduziu uma identificação de sequências de Cauchy

de números racionais e provou que a coleção dessas classes de sequências de Cauchy tem

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uma estrutura de corpo ordenado que contém Q além de não ter furos.

Definição 2.0.2 Dizemos que A ⊂ Q é um corte se valem as seguintes propriedades.

i) A 6= ∅ e A 6= ∅.

ii) Se p ∈ A e q < p então q ∈ A.

iii) Para todo p ∈ A existe q ∈ A tal que p < q.

O conjunto de todos os cortes será denotado por Ψ.

Exemplo 2.0.3 Seja r ∈ Q. O conjunto Z(r) = p ∈ Q ; p < r é um corte. Note

que pela definição de Z(r), temos Z(r) 6= ∅ e que Z(r) 6= ∅. Seja x ∈ Z(r) e y < x.

Queremos provar que y ∈ Z(r). Desde que x ∈ Z(r), segue pela definição de Z(r) que

x < r.

De, y < x⇒ y < x < r ⇒ y < r ⇒ y ∈ Z(r).

Seja p ∈ Z(r) e tomemos q = (p + r)/2, portanto, temos p < q, o que implica que

q ∈ Z(r). Desta maneira é definida uma função Z : Q→ Ψ que é injetiva.

Definição 2.0.3 Os cortes da forma Z(r) = p ∈ Q ; p < r, com r ∈ Q, são ditos

cortes racionais.

Teorema 2.0.5 Sejam A,B ∈ Ψ então A ⊂ B ou B ⊂ A

Demonstração: Se A = B, então não há nada a demonstrar. Suponhamos que A 6= B.

Então, existe p ∈ B tal que p /∈ A ou existe q ∈ A tal que q /∈ B.

No primeiro caso devemos ter A ⊂ B. De fato, qualquer que seja r ∈ A temos r < p, pois

se fosse p ≤ r, então como A é corte teríamos p ∈ A e, como B é corte, r ∈ B. Por outro

lado, tomando um s ∈ B temos s < q, pois se fosse q ≤ s, então como B é corte teríamos

q ∈ B de A ∈ Ω tem-se que s ∈ A.

Proposição 2.0.1 Seja A,B ∈ Ψ. O conjunto C = r ∈ Q ; r = p + q com p ∈ A e

q ∈ B é corte.

Demonstração: Podemos notar que C 6= ∅. Devemos mostrar que p0 + q0 /∈ C, dessa

forma C 6= ∅ . Suponhamos, por absurdo, que p0 + q0 ∈ C. Então, tem-se p ∈ A e q ∈ B

tais que p0 + q0 = p + q. Observe que não podemos ter p0 ≤ p, se não tem-se p0 ∈ A, do

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mesmo modo não pode ocorrer q0 ≤ q, se não teríamos q0 ∈ B. Sempre p + q < p0 + q0 e

q < q0. Pela monotonia da adição temos p + q < p0 + q0, que é um absurdo.

Sejam r ∈ C e s < r. Existem p ∈ A e q ∈ B tais que r = p + q. Seja t = s − p.

Mostremos que t ∈ B. De fato, devemos ter t < q, pois se q ≤ t, então p + q ≤ p + t, isto

é, r ≤ s. Portanto t < q, como B é corte, segue que t ∈ B. Concluímos que s = p + t

com p ∈ A e t ∈ B e portanto, s ∈ C.

Seja r ∈ C. Queremos mostrar que existe s ∈ C tal que r < s. Como r ∈ C, então

r = p + q com p ∈ A e q ∈ B. Existe t ∈ A desde que p < t, logo r = p + q < t + q. Para

concluir basta tomarmos s = t + q.

Definição 2.0.4 Sejam A,B ∈ Ψ. O corte C dado na proposição 2.0.1 é denotado A⊕B

e é chamado de soma ou adição de A e B.

Observação 2.0.1 Se A,B ∈ Ψ, são tais que se Z(0) ⊂ A ∩B, então Z(0) ⊂ A⊕B.

Demonstração: Seja r ∈ Z(0), temos que r ∈ A∩B. Tomemos p ∈ A e q ∈ B, tais que,

p + q = r. Como A e B são cortes, temos pela definição de soma que r ∈ A⊕B.

Teorema 2.0.6 Sejam A,B,C ∈ Ψ. São válidas as operações:

i) A⊕B = B ⊕ A;

ii) (A⊕B) ⊕ C = A ⊕ (B ⊕ C);

iii) A⊕ Z(0) = A.

Demonstração: i) Seja r ∈ A ⊕ B. Podemos escrever r = p + q com p ∈ A e q ∈ B.

Pela comutatividade da soma de Q, temos r = q + p com q ∈ B e p ∈ A, daí r ∈ B ⊕ A

e concluímos que A ⊕ B ⊂ B ⊕ A. Reciprocamente, tomemos r ∈ B ⊕ A, que pode ser

escrito como r = q + p, onde q ∈ B e p ∈ A. Novamente aplicando a comutatividade,

podemos escrever r = p + q, tal que, p ∈ A e q ∈ B, portanto B ⊕ A ⊂ A ⊕ B. ii) Seja

r ∈ (A ⊕ B) ⊕ C, tal que r = p + q, onde p ∈ A ⊕ B e q ∈ C, dessa forma temos que

p = s + t, com s ∈ A e t ∈ B. Desse modo podemos escrever r=(s + t)+q, com s ∈ A,

t ∈ B e q ∈ C. Pela associatividade da adição temos r=s+(t + q) e, portanto r ∈ A ⊕

(B ⊕ C). Tomando agora r ∈ A⊕ (B ⊕ C), tal que, r = p + q onde p ∈ A e q ∈ B ⊕ C.

Temos ainda q = s + t, com s ∈ B e t ∈ C. Portanto, temos r = p + (s + t), com p ∈ A,

s ∈ B e t ∈ C. Pela associatividade temos r = (p + s) + t. Logo, r ∈ (A ⊕ B) ⊕ C. iii)

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Seja r ∈ A⊕Z(0). Escrevemos r = p+ q com p ∈ A e q ∈ Z(0). De q ∈ Z(0) então q < 0,

logo p + q < p + 0, isto é, r < p. Como A ∈ Ψ, segue que r ∈ A. Dessa forma mostramos

que A⊕Z(0) ⊂ A. Agora devemos mostrar que A ⊂ A⊕Z(0) também é verdadeira, para

isto, seja r ∈ A, tomemos p ∈ A tal que r < p. Se q = r − p, então q < 0 e, portanto,

q ∈ Z(0), desta forma podemos concluir que r = p + q ∈ A⊕ Z(0). Logo, A⊕ Z(0) = A.

Proposição 2.0.2 Seja A ∈ Ψ. O conjunto B = p ∈ Q; −p ∈ A e ∃ q ∈ A tal que

q < −p é corte.

Demonstração: Sejam p ∈ A e q ∈ A. Podemos observar que −(q + 1) ∈ B e −p ∈ B.

Portanto, B 6= ∅ e B 6= ∅. Sejam p ∈ B e q < p. Temos que −p < −q. Como −p ∈ A,

segue que −q ∈ A e que −q não é mínimo de A. Concluímos que q ∈ B. Seja p ∈ B.

Por definição de B, existe q ∈ A tal que q < −p. Tomando r = (p − q)/2 temos que

p < r e também que q < −r, logo, r ∈ B.

Definição 2.0.5 Denotaremos o corte B da proposição 1.3.2 por A e o chamaremos de

oposto de A.

Observação 2.0.2 Seja A ∈ Ω, Temos que:

i) A = Z(0) ⇐⇒ A = Z(0);

ii) A 6= Z(0) ⇐⇒ A 6= Z(0);

iii) A ⊃ Z(0) ⇐⇒ A ⊂ Z(0);

iv) A ) Z(0) ⇐⇒ A ( Z(0).

Teorema 2.0.7 Seja A ∈ Ψ. Então A⊕ (A) = Z(0).

Demonstração: Seja r ∈ A ⊕ (A). Então existem s ∈ A, p ∈ A e q ∈ A tais que

r = s + p e q < −p. Como s ∈ A e q ∈ A, temos s < q. De q < −p, segue que p < −q e,

pela monotonia da adição, s+p < s− q. Portanto, r = s+p < s− q < 0. Logo, r ∈ Z(0).

Finalmente, seja r ∈ Z(0), isto é, r < 0. Sejam ainda s ∈ A e n o menor natural tal que

s− nr/2 ∈ A. Tomemos

p = s− (n− 1)r

2, t = s− nr

2e q = s− (n + 1)r

2.

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t, q ∈ A e t < q, logo −q ∈ A. Também, temos que r = p + (−q), tais que p ∈ A e

−q ∈ A. Chegamos a conclusão que r ∈ A⊕ (A).

Proposição 2.0.3 Sejam A,B ∈ Ψ tais que Z(0) ⊂ A e Z(0) ⊂ B. O conjunto C =

r ∈ Q; r < 0 ou r = p.q, com p ∈ A e q ∈ B, p ≥ 0 e q ≥ 0 é corte.

Demonstração: Pela definição deste corte temos que −1 ∈ C, assim C 6= ∅. Queremos

mostrar que C 6= ∅,tomemos então p0 ∈ A e q0 ∈ B. Suponhamos, por absurdo, que

p0.q0 ∈ C. Então existem p ∈ A e q ∈ B tais que p0.q0 = p.q. Não podemos ter p0 ≤ p,

nem q0 ≤ q (se não teríamos p0 ∈ A e q0 ∈ B). Logo p < p0 e q < q0. Pela monotonia da

multiplicação, p.q < p0.q0 que é absurdo.

Sejam r ∈ C e s < r. Se s < 0, então s ∈ C. Suponhamos s ≥ 0 e, portanto, r > 0. Pela

definição de C, segue que existem p ∈ A e q ∈ B tais que r = p.q, p ≥ 0 e q ≥ 0. Como

r > 0, segue que p > 0. Seja t = s/p. Mostraremos que t ∈ B. De fato, devemos ter

t < q, pois se fosse q ≤ t, teríamos p.q ≤ p.t, ou seja r ≤ s. Portanto t < q e, Como B é

corte, segue que t ∈ B. Assim s ∈ C, pois s = p.t onde p ∈ A e t ∈ B.

Por fim devemos mostrar que dado r ∈ C existe s ∈ C de modo que r < s. Se r < 0,

então basta tomar s = r/2. Suponhamos r ≥ 0. Neste caso, r ∈ C significa que r = p.q

com p ∈ A, q ∈ B, p ≥ 0 e q ≥ 0. Existem t ∈ A e u ∈ B tal que p < t e q < u,

logo r = p.q ≤ t.q < t.u. Para confirmar a validade deste ítem dos cortes devemos tomar

s = t.u.

Definição 2.0.6 Sejam A,B ∈ Ψ tais que Z(0) ⊂ A e Z(0) ⊂ B. O corte dado na

proposição 2.0.3 é denotado AB é chamado de produto ou multiplicação de A e B.

Observação 2.0.3 Da definição de produto de cortes temos que se Z(0) ⊂ A e Z(0) ⊂ B,

então Z(0) ⊂ AB.

Demonstração: Seja r ∈ Z(0), temos que r ∈ A∩B. Tomemos p ∈ A e q ∈ B, tais que,

p · q = r. Como A e B são cortes,temos r ∈ AB.

Definição 2.0.7 Dado A ∈ Ψ, o módulo de A, denotado por |A|, é definido por

|A| =

A se Z(0)⊂ A,

A se A ( Z(0)

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Definição 2.0.8 Sejam A,B ∈ Ψ. Definimos AB por

AB =

|A| |B| se Z(0)⊂ A e Z(0)⊂ B;

|A| |B| se Z(0)⊂ A e B(0) Z(0);

|A| |B| se A Z(0) e Z(0)⊂ B;

|A| |B| se A Z(0) e B Z(0).

Teorema 2.0.8 Sejam A,B,C ∈ Ψ. São válidas as operações:

i. AB = B A (comutatividade);

ii. (AB) C = A (B C) (associatividade);

iii. A Z(1) = A (elemento neutro).

Demonstração: Suponhamos inicialmente, que Z(0) ⊂ A ∩B ∩ C.

i) Seja r ∈ A B. Se r < 0 temos que r ∈ B A pois r < 0 < q − p onde q ∈ B

e P ∈ A. Suponhamos então que r ≥ 0, temos r = p.q com p ∈ A e q ∈ B, p ≥ 0 e

q ≥ 0. Aplicando a propriedade da comutatividade do produto entre números racionais,

temos r = q.p, como q ∈ B, p ∈ A e q, p ≥ 0 concluímos que r ∈ B A, e portanto,

A B ⊂ B A. Seja r ∈ B A. Se r < 0, temos que r ∈ A B. Supondo que r ≥ 0,

temos r = p.q com p ∈ B e q ∈ A, p ≥ 0 e q ≥ 0. Aplicando novamente a propriedade da

comutatividade do produto entre números racionais, temos r = q.p, como q ∈ A, p ∈ B e

q, p ≥ 0, Assim, B A ⊂ AB. Logo, AB = B A.

ii) Seja r ∈ (A B)C, podemos escrever r = p.q, no qual p ∈ A B e q ∈ C.

Como p ∈ A B, existem m,n tais que p = m.n, onde m ∈ A e n ∈ B. Assim,

r = m.n.q, da associatividade dos racionais temos r ∈ A (BC). Por outro lado como

q ∈ B C, existem m,n tais que q = m.n, onde m ∈ B e n ∈ c. Portanto, r = p.m.n, da

associatividade dos racionais temos r ∈ (AB) C.

iii) Inicialmente, temos Z(0) ⊂ Z(1). Seja r ∈ A Z(1), se r < 0 é imediato que r ∈ A,

pois r ∈ Z(0) ⊂ A. Tomemos r ≥ 0. Podemos escrever r = p.q, onde p ∈ A, q ∈ Z(1)

e p ≥ 0. Se q ∈ Z(1) significa que q < 1, logo p.q < p.1, isto é, p ≥ 1. Pelo fato de

A ser corte, r ∈ A, desta forma A Z(1) ⊂ A. Agora, seja r ∈ A. Caso r < 0, então

r ∈ A Z(1). Se r ≥ 0, temos p ∈ A, tal que, 0 ≤ r < p. Tomando q = r/p, então q ≤ 0

e q < 1 , portanto, q ∈ Z(1). Logo, r = p.q ∈ A Z(1).

Proposição 2.0.4 Seja A ∈ Ψ tal que Z(0) ( A. O conjunto B = p ∈ Q; p ≤ 0 ou

p−1 ∈ A e existe q ∈ A tal que q < p−1 é corte.

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Demonstração: Note que −1 ∈ B. Isto é, B 6= 0. Seja p ∈ A tal que p > 0. Temos

p−1 ∈ B. De fato, se fosse p−1 ∈ B, então teríamos p = (p−1)−1 ∈ A, o que é um

absurdo.

Sejam p ∈ B e q < p. Se q ≤ 0, então temos q ∈ B. Suponhamos q > 0 e, portanto

p > q > 0. Temos p−1 < q−1. Como p−1 ∈ A, segue que q−1 ∈ A e que q−1 não é

mínimo de A. Assim, segue que q ∈ B.

Seja p ∈ B. Devemos mostrar que existe q ∈ B tal que p < q. Podemos ver claramente

que existe q ∈ B com q > 0, logo, se p ≤ 0, então há nada a ser demonstrado. Suponhamos

então p > 0. Por definição de B, existe r ∈ A tal que r < p−1. Tomando s =r + p−1

2,

temos que r < s < p−1, e, portanto, s ∈ A. Escrevendo q = s−1 segue que p < q e

também q ∈ B, pois q−1 ∈ A e r < q−1.

Definição 2.0.9 Seja A ∈ Ψ tal que A 6= Z(0) ( A então o corte B da proposição 2.0.4 é

denotado A1 e chamado de inverso de A. Se A ( Z(0) então definimos A1 = (|A|1).

Teorema 2.0.9 Seja A ∈ Ψ tal que A 6= Z(0). Então A (A1) = Z(1).

Demonstração: Suponhamos inicialmente que Z(0) ( A.

Seja r ∈ A (A1). Se r ≤ 0, então r ∈ Z(1). Suponhamos então que r > 0. Existem

s ∈ A, p ∈ A1 e q ∈ A tais que r = s.p, onde s > 0, p > 0 e que q < p−1. Como s ∈ A

e q ∈ A, temos s < q. Da desigualdade q < p−1 segue que p < q−1 e pela monotonia da

multiplicação, s.p < s/q. Portanto, r = s.p < s/q < 1. Então r ∈ Z(1).

Para provar a inclusão contrária tomemos r ∈ Z(1). Se r < 0, segue que r ∈ A(A1). Se

r = 0, então, como 0 ∈ A e 0 ∈ A1, podemos escrever r = 0.0 ∈ A (A1). Suponhamos

então r > 0. Seja s ∈ A e s > 0,tomemos n o menor natural que satisfaça s.(r−1)n ∈ A.

Tomemos

p1 = s · (r−1)n−1 e t = s · (r−1)n.

Pela escolha de n, temos p1 ∈ A e t ∈ A. Seja p ∈ A tal que p1 < p e tomemos q = t−1 ·p−1

. p1. De p1 < p segue que t < t · p · p−11 = q−1. Assim, q ∈ A o que implica que q ∈ A1.

Temos ainda

p · q = p · t−1 · p−1 · p1 = s−1 · rn · s · (r−1)n−1 = r.

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Daí, segue que r ∈ A A1. Se considerarmos A ( Z(0), temos A1 ( Z(0). Pela

definição de produtos de cortes e pelo que já foi demonstrado no teorema 2.0.4, obtemos

A (A1) = |A| |A1| = |A| | (|A|1)| = |A| (|A|1) = Z(1).

Teorema 2.0.10 Sejam A,B,C ∈ Ψ. Então, (A⊕B) C = (A C)⊕ (B C).

Demonstração: Suponhamos inicialmente que Z(0) ⊂ A ∩B ∩ C.

Seja r ∈ (A⊕ B) C. Levando em consideração a Observação 2.0.2, na qual temos que

se Z(0) está contido na interseção de dois cortes, então ele também está contido na soma

entre esses mesmos cortes. De Observação 2.0.4, onde temos que se Z(0) está contido

em dois cortes distintos, então ele está contido no produto entre estes cortes, podemos

concluir que Z(0) ⊂ (AB)⊕ (B C). Devemos considerar então apenas o caso r ≥ 0.

Desta forma existem p ∈ A⊕B e q ∈ C tais que r = p.q, com p > 0, q > 0. Se p ∈ A⊕B,

então podemos escrevê-lo como p = s + t, onde s ∈ A e t ∈ B. Pelas observações 1.1 e

1.3 temos que s.q ∈ A C, com s.q < 0 e t.q ∈ B C quando t.q < 0. Caso s.q ≥ 0,

como q > 0, então s ≥ 0, e assim s.q ∈ A C, analogamente temos t.q ≥ 0, como q > 0

segue que t ≥ 0 e, portanto, t.q ∈ B C. Concluímos que r ∈ (A C) ⊕ (B C),pois

r = s.q + t.q, tal que s.q ∈ A C e t.q ∈ B C.

Seja r ∈ (AC)⊕ (BC), mostremos agora, que r ∈ (A⊕B)C. Consideremos r > 0,

desta forma existem p ∈ AC e q ∈ BC, tais que r = p+ q. Como r > 0, temos p > 0

ou q > 0. Suponhamos então que p > 0. Desta forma, existem s ∈ A e t ∈ C, tais que

p = s.t, onde s, t > 0. Vamos considerar os casos q > 0, q = 0 e q < 0.

Se q > 0, existem u ∈ B e v ∈ C, tais que q = u.v, com u, v > 0. Suponhamos v 6= t.

Temos r = s.t + u.v = (s + u.v/t).t. Como v/t ≤ 1, temos que u.v/t ∈ B. Segue que

r ∈ (A⊕B)C.

Se q = 0, tomemos q′ ∈ BC tal que q < q′, como r = p+q < p+q′ e, pelo caso anterior,

p + q′ ∈ (A⊕B) C, concluímos r ∈ (A⊕B) C.

Se q < 0, escrevemos r = (s + q.t−1).t. Como q.t−1 < 0, segue que q.t−1 ∈ B. Assim,

r ∈ (A⊕B) C.

Teorema 2.0.11 Sejam A,B,C ∈ Ψ. Então:

i) se A ⊂ B, então A⊕ C ⊂ B ⊕ C;

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ii) se A ⊂ B e Z(0) ⊂ C, então A C ⊂ B C;

iii) se A ⊂ B e C ⊂ Z(0), então B C ⊂ A C.

Demonstração: i) Seja r ∈ A ⊕ C. Existem p ∈ A e q ∈ C, tais que r = p + q. Como

A ⊂ B, temos, p ∈ B, portanto, A⊕ C ⊂ B ⊕ C.

ii) Tomando C = A em i), obtemos Z(0) ⊂ B ⊕ (A). Sabemos que quando Z(0) está

contido em dois cortes, então ele também está contido no produto destes (se Z(0) ⊂ A e

Z(0) ⊂ B, então, Z(0) ⊂ A B Observação 2.0.4 Daí, Z(0) ⊂ (B ⊕ (A)) C = (B

C)⊕(A)C. Somando AC, novamente de (i), obtemos (BC)⊕(A)C⊕(AC).

Dessa forma obtemos o item ii).

iii) Tomemos C = B obtendo Z(0) ⊂ A (B), dessa forma podemos escrever

A ⊕ (B) C ⊂ Z(0). Somando B C obtemos A ⊕ (B) C ⊕ (B C) que re-

sulta em A C.

Os teoremas anteriores mostram que (Ψ,⊕,) é um corpo. Além disso, a relação

⊂ é transitiva,anti-simétrica e completa em Ψ. Afim de concluir que (Ψ,⊕,,⊂) é um

corpo ordenado estabeleceremos a monotonia das operações.

Proposição 2.0.5 A função Z é injetiva. Além disto Z é um homomorfismo de corpos

ordenados, isto é, para todo p, q ∈ Q temos:

i) p ≤ q se, e somente se, Z(p) ⊂ Z(q);

ii) Z(p + q) = Z(p)⊕ Z(q);

iii) Z(p.q) = Z(p) Z(q).

Demonstração: A função Z : Q → Ψ é de fato injetiva. A cada r e s tomados em Q,

temos que se Z(r) = Z(s) então, r = s.

i)Se p = q não há nada a ser demonstrado. Se p < q, então, pela segunda propriedade

de cortes temos que se q ∈ Z(q) e p < q, então p ∈ Z(q). Portanto, Z(p) ⊂ Z(q). Seja

Z(p) ⊂ Z(q), para todo p ∈ Z(p) têm-se p ∈ Z(q). Não podemos ter p > q, pois teríamos

p /∈ Z(q), logo, p ≤ q.

ii) Seja r ∈ Z(p + q), então, r < p + q. Daí temos,

r =

(p +

r − p− q

2

)+

(q +

r − p− q

2

).

Vemos que r−(p+q) < 0 e, portanto, p+(r−p−q)/2 < p. Segue que p+(r−p−q)/2 ∈ Z(p).

De maneira análoga, temos que q+(r−p−q)/2 ∈ Z(q). Assim, r ∈ Z(p)⊕Z(q). Tomemos

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agora r ∈ Z(p)⊕Z(q) e sejam s ∈ Z(p) e t ∈ Z(q) tais que r = s + t. Pelo fato, de s < p

e t < q, têm-se r = s + t < p + q e portanto, r ∈ Z(p + q).

iii)Suponhamos inicialmente p ≥ 0 e q ≥ 0, de modo que Z(0) ⊂ Z(p) ∩ Z(q). Seja

r ∈ Z(p.q), isto é, r < p.q. Se r < 0, então imediatamente r ∈ Z(p)Z(q). Suponhamos

então r ≥ 0. Teremos p > 0 e q > 0. Seja s = (r + p.q)/2, de modo que r < s < p.q.

Temos r =(p.r

s

).

(q · s

p.q

). Podemos ver que r/s < 1 e, portanto, pr/s < p. Segue

que pr/s ∈ Z(p). Da mesma maneira, q.s/(p.q) ∈ Z(q). concluímos que r ∈ Z(p)Z(q).

Seja agora r ∈ Z(p) Z(q). Se r < 0, temos imediatamente r ∈ Z(p.q). Suponhamos

então r ≥ 0. Deste modo existem s ∈ Z(p) e t ∈ Z(q) tais que r = s.t, s ≥ 0 e t ≥ 0.

De 0 ≤ s < p e 0 ≤ t < q, graças à monotonia da multiplicação, obtemos s.t < p.q.

Concluímos que r ∈ Z(p.q).

Definição 2.0.10 Seja Γ ⊂ Ψ, não vazio. Se existir S ∈ Ψ que seja a menor cota

superior de Γ, isto é,

i) A ⊂ S para todo A ∈ Γ; ii) se R é cota superior de Γ, então S ⊂ R.

então dizemos que S é supremo (finito) de Γ, e escrevemos sup Γ = S. Quando Γ é

ilimitado superiormente (não existe cota superior para Γ), dizemos que o supremo de Γ

é mais infinito e escrevemos sup Γ = +∞.

Exemplo 2.0.4 Seja Γ = A ∈ Ψ;A ⊂ Z(0). É imediato que Z(0) é cota superior de Γ

e, portanto, Γ é limitado superiormente. Também é imediato que Z(0) é o supremo de Γ.

Provaremos agora a completeza do corpo ordenado (Ψ,,⊕,⊂).

Teorema 2.0.12 O corpo ordenado (Ψ,,⊕,⊂) é completo, isto é, todo subconjunto

de Ψ não-vazio e limitado superiormente tem supremo finito.

Demonstração: Seja Γ ⊂ Ψ não-vazio e limitado superiormente e seja S a união de

todos os elementos de Γ, isto é,

S =⋃A∈Γ

A.

Observe que A ⊂ S para todo A ∈ Γ e também que S ⊂ M quando M ∈ Ψ que é a cota

superior de Γ. Logo, basta mostrar que S é corte para concluir que S é o supremo de Γ.

Claramente S 6= ∅. Seja M ∈ Ψ uma cota superior de Γ. Temos que S ⊂M e, portanto,

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que M ⊂ S, então S 6= ∅.

Seja p ∈ S e r ∈ Q tal que r < p. Sendo p ∈ S temos que existe A ∈ Γ tal que p ∈ A.

Como A é corte, então r ∈ A e existe q ∈ A tal que p < q. Como A ⊂ S, temos que r ∈ S

e q ∈ S. Portanto S é corte.

Os teoremas, definições e proposições aqui demonstrados mostram que (Ψ,⊕,,∩)

é um corpo ordenado completo. A partir desta construção denotaremos corte como

número real e Ω como R que é chamado de conjunto dos números reais. As operações

de adição (⊕) e produto () serão indicados pelos sinais + e · respectivamente. Através

da função Z mostrada no exemplo 1.1 passamos de um número racional r a um número

real Z(r). Sendo Z injetiva temos que Z(Q) é um subconjunto de R. Esta noção é provada

pelo homomorfismo injetivo de Z, assim podemos dizer que Q ⊂ R e denotar Z(n) apenas

por n.

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Capítulo 3

Números Reais.

Sejam K um corpo ordenado e X ⊂ K um subconjunto limitado superiormente.

Um elemento b ∈ K chama-se supremo subconjunto X quando b é a menor das cotas

superiores de X em K.

Para que b ∈ K seja supremo de um conjunto X ⊂ K, devem ser satisfeitas as seguintes

condições:

i) Para todo x ∈ X tem-se X ≤ b;

ii) Se C ∈ K é tal que x ≤ c para todo x ∈ X, então b ≤ c.

A condição ii) diz que nenhum elemento de K, que seja inferior a b, pode ser cota

superior de X. É imediato que que se dois elementos b e b′ em K cumprem as condições

i) e ii), deve-se ter b ≤ b′ e b′ ≤ b, ou seja, b = b′. Portanto, o supremo de um conjunto,

quando existe, é único. Escrevemos sup X para indicá-lo.

O supremo de um conjunto é caracterizado pelas condições dadas a seguir:

i) x ∈ X ⇒ x ≤ sup X;

ii) c ≥ x para todo x ∈ X ⇒ c ≥ sup X;

iii) Se c <sup X então existe x ∈ X tal que c < x.

Observação 3.0.4 Se X = ∅ então todo b ∈ K é cota superior de X. Como não existe

menor elemento num corpo ordenado K, segue-se que o conjunto vazio não possui su-

premo em K. O mesmo se aplica para o ínfimo.

Um elemento a ∈ K chama-se ínfimo de um conjunto Y ⊂ K, limitado inferiormente,

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quando a é a maior das cotas inferiores de K.

Para que a ∈ K seja o ínfimo do subconjunto Y ⊂ K devem ser satisfeitos as

seguintes condições:

i) Para todo y ∈ Y tem-se a ≤ y;

ii) Se c ∈ K é tal que c ≤ y para todo y ∈ Y , então c ≤ a.

O ínfimo de Y , quando existe, é único e escreve-se a = inf Y .

A condição ii) pode ser reformulada da seguinte maneira: Dado c ∈ K com a < c, existe

y ∈ Y tal que y < c, ou seja, um elemento c ∈ K, que seja maior do que a, não pode ser

a cota inferior de Y .

Exemplo 3.0.5 Seja Y ⊂ Q o conjunto das frações do tipo1

2n, com n ∈ N.

Afirmamos que inf Y = 0 e o sup Y =1

2. Em primeiro lugar, temos

1

2∈ Y e

1

2n<

1

2

para todo n > 1. Logo1

2é o maior elemento de Y e, por conseguinte,

1

2=sup Y . Por

outro lado, como 0 <1

2npara todo n ∈ N, vemos que 0 é cota inferior de Y . Devemos

então provar que nenhum número racional é tal que c > 0. Sendo Q arquimediano,

dado c > 0, podemos obter n ∈ N tal que n >1

c− 1. Isto equivale dizer 1 + n >

1

c.

Aplicando-se a Desigualdade de Bernoulli obtemos 2n = (1 + 1)n ≥ 1 + n >1

c, ou seja,

1

2n< c. Logo nenhum c > 0 é cota inferior de Y e, portanto, inf Y = 0.

Observação 3.0.5 Um corpo ordenado K qualquer pode ser classificado como arquime-

diano quando é válida qualquer das três condições a seguir:

i) N ⊂ K é limitado superiormente;

ii) Dados a, b ∈ K, com a > 0, existe n ∈ N tal que n · a > b;

iii) Dado qualquer a > 0 em K, existe n ∈ N tal que 0 <1

n< a.

Uma questão importante e que muito intrigou os Pitagóricos foi a inexistência de raízes

quadradas racionais de alguns números inteiros, o que faz com que alguns conjuntos

limitados não possuam supremo ou ínfimo. Podemos destacar o seguinte exemplo.

Lema 3.0.1 Não existe um número racional cujo quadrado seja igual a 2.

Demonstração: Suponhamos, por absurdo, que se tenha(p

q

)2

= 2, ou seja, p2 = 2q2,

com p, q ∈ Z. O fator 2 aparece um número par de vezes na decomposição de p2 e de q2

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em fatores primos. Logo p2 contém um número par de fatores iguais a 2 enquanto 2q2

contém um número ímpar desses fatores. Dessa forma, não se pode ter p2 = 2q2.

Axioma 3.0.1 (Axioma Fundamental da Análise Matemática) Existe um corpo or-

denado completo, R, chamado o corpo dos números reais.

Existe em R um número positivo a tal que a2 = 2. Este número é representado por√

2.

Obviamente, só existe um número positivo cujo quadrado é 2, pois a2 = b2 = 2 ⇒ 0 =

a2− b2 = (a− b)(a+b)⇒ a+ b = 0 ou a− b = 0. No primeiro caso, a = −b, portanto, não

são ambos positivos. No segundo caso temos a = b. Pelo Lema 3.0.1 (Lema de Pitágoras),√

2 não é um número racional.

Aos elementos do conjunto R−Q, isto é, aos números reais que não são racionais,

chamaremos números irracionais. Assim,√

2 é um número irracional.

Dados a > o em R e n ∈ N quaisquer, existe um único número real b > 0 tal que

bn = a. O número b chama-se a raiz n-ésima de a e é representado pelo símbolo b = n√a.

Consideramos o conjunto X = x ∈ R; x ≥ 0, xn < a. O conjunto X é não-vazio

(pois 0 ∈ X) e é limitado superiormente. (Se a < 1, então, 1 é uma cota superior de X.

Se a > 1, então an > a e daí a é uma cota superior de X.)

Seja b =sup X. Podemos afirmar que bn = a baseado nas seguintes condições:

i) O conjunto X não possui elemento máximo. Dado x ∈ X qualquer, devemos provar

que é possível tomar d > 0 tão pequeno que ainda se tenha (x+d)n < a, isto é, x+d ∈ X.

Para isto, usaremos um fato auxiliar, que demonstraremos por indução.

Dado x > 0, existe, para cada n, um número real positivo An tal que (x+d)n ≤ xn+An ·d,

seja qual for d com 0 < d < 1. Isto é claro para n = 1. Suponhamos que seja verdadeiro

para n, temos então que (x+d)n(x+d) ≤ (xn+An·d)(x+d) = xn+1+An·d·x+d·xn+An·d2 =

xn+1 + (An ·x+xn +An ·d) ·d < xn+1 + (An ·x+xn +An) ·d (já que 0 < d < 1). Tomando

An+1 = An · x + xn + An, obtemos (x + d)n+1 < xn+1 + An+1 · d.

Agora, se x ∈ X, isto é, x ≥ 0 e xn < a, tomamos d tal que d < 1 e 0 < d <a− xn

An

.

Teremos xn + An · d < a e, por conseguinte, (x + d)n < a o que prova que X não possui

elemento máximo.

ii) O conjunto Y = y ∈ R; y > 0, yn > a não possui elemento mínimo. Seja y ∈ Y . Es-

colheremos d, com 0 < d < y, tal que (y−d)n > a, isto é, y−d ∈ Y . Para tal observemos

que, sendo 0 < d < y, temos (y − d)n = yn(

1− d

y

)n

> yn(

1− n · dy

)= yn − nyn−1 · d,

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como resulta da desigualdade de Bernoulli, com x = −d

y. Se tomarmos 0 < d <

yn − a

n · yn−1

obteremos então yn−nyn−1d > a e, portanto, (y−d)n > a. Isto mostra que Y não possui

elemento mínimo.

iii) Se x ∈ X e y ∈ Y então x < y. De fato, nestas condições xn < a < yn e, como x e y

são positivos, vem x < y.

Podemos deduzir de i), ii) e iii) que o número b = supX satisfaz à condição

bn = a. Se tivéssemos bn < a então b pertenceria ao conjunto X do qual é supremo, logo,

b seria o elemento máximo de X, o que contraria i). Também não podemos ter b > a

porque então b ∈ Y e como, por ii), Y não possui elemento mínimo, haveria um c ∈ Y

com c < b. Por iii), viria x < c < b para todo x ∈ X: c seria uma cota superior de X

menor do que b = sup X, outra contradição. Logo, deve ser bn = a.

O Lema de Pitágoras mostra que o número real sqrt2 não é racional. Generali-

zando este fato, provaremos agora que, dado um n ∈ N, se um número natural m não

possui uma raiz n-ésima natural também não possuirá raiz n-ésima racional.

Seja(p

q

)n

= m. Podemos supor p e q primos entre si. Então pn = qn ·m, o que implica

ser qn um divisor de pn, o que é um absurdo, a menos que q = 1. Enfim, dados m,n ∈ N,

se n√m /∈ N então n

√m ∈ R−Q.

Os números reais que não são racionais, isto é, os elementos do conjunto R−Q são

chamados números irracionais. Devemos mostrar agora que esse números se encontram

espalhados por entre os número reais, e que estes, são mais numerosos que os racionais.

Dado um conjunto X ∈ R chama-se de denso em R quando todo intervalo aberto (a, b)

contém algum ponto de X. Ou seja, dados arbitrariamente a < b em R, é denso quando

é possível encontrar x ∈ X tal que a < x < b.

Exemplo 3.0.6 Seja X = Z. X é denso em R. Todo intervalo (a, b) é um conjunto infi-

nito, enquanto existe no máximo um intervalo finito de inteiros n tais que a < n < b. Logo

qualquer intervalo (a, b) contém elementos de X, ou seja, números reais e não-inteiros.

É interessante pensarmos os números reais como pontos de uma reta, sendo a

distância de x a y dada por |x−y| e significando a relação x < y que x está a esquerda de

y. Neste caso, os números inteiros acham-se a uma distância inteira ≥ 1 uns dos outros.

A imagem geométrica deixa evidente que Z é denso em R.

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Teorema 3.0.13 O conjunto Q dos números racionais e o conjunto R − Q são ambos

densos em R.

Demonstração: Seja (a, b) um intervalo aberto qualquer em R. É nossa tarefa mostrar

que existe um número racional e um racional em (a, b). Como b− a > 0, existe um p ∈ N

tal que 0 <1

p< b − a. Os números da forma

m

p, com m ∈ Z, decompõem a reta R em

intervalos de comprimento1

p. Como

1

pé menor do que o comprimento b− a do intervalo

(a, b), algum dos númerosm

pdeve cair dentro de (a, b). Seja A = m ∈ Z;

m

p≥ b. Como

R é arquimediano, A é um conjunto não-vazio de números inteiros, limitado inferiormente

por b · p. Seja m0 ∈ A o menor elemento de A. Então b ≤ m0

pmas, como m0 − 1 < m0,

tem-sem− 0

p< b. Temos que a <

m0 − 1

p< b, pois se não fosse assim, teríamos

m0 − 1

p≤ a ≤ b ≤ m0

p. O que implica b−a ≤ m0

p−m0 − 1

p=

1

p, que é uma contradição.

Portanto, o racionalm0 − 1

ppertence ao intervalo (a, b).

Para obter uma número irracional no intervalo (a, b), tomamos p ∈ N tal que1

p<

b− a√2

,

ou seja,√

2

p< b− a.

Os números da formam√

2

p, ondem ∈ Z, são irracionais e dividem a reta real em intervalos

de comprimento√

2

p, exceto quando m = 0. Como

√2

pé menor do que o comprimento

b− a do intervalo (a, b), conclui-se que algumm√

2

pdeve pertencer a (a, b). Assim como

fizemos anteriormente para obtenção de um número racional temos: se m0 for o menor

inteiro tal que b ≤ m0

√2

pentão o número irracional

(m0 − 1)√

2

ppertence ao intervalo

(a, b).

Teorema 3.0.14 (Teorema dos Intervalos Encaixados) Seja I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃

··· uma sequência decrescente de intervalos limitados e fechados In = [an, bn]. A interseção

∞⋂n=1

não é vazia. Ou se, existe pelo menos um número real x tal que x ∈ In para todo n ∈ N.

Em uma melhor notação temos ∩In = [a, b], onde a = sup an e b = inf bn.

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Demonstração: Para n ∈ N, temos In+1 ∩ In, o que significa an ≤ an+1 ≤ bn+1 ≤ bn.

Com isso podemos escrever:

a1 ≤ a2 ≤ · · · ≤ an ≤ · · · ≤ bn ≤ · · · ≤ b2 ≤ b1

. Chamemos de A o conjunto dos an e B o conjunto dos bn. A é limitado: a1 é uma

cota inferior e cada bn é uma cota superior de A. Analogamente temos que B também é

limitado. Sejam a = sup A e b = inf B. Como cada bn é cota superior de A, temos a ≤ bn

para cada n. Assim, a é cota inferior de B e, portanto, a ≤ b. Logo, podemos escrever:

a1 ≤ a2 ≤ · · · ≤ an ≤ · · · ≤ a ≤ b ≤ bn ≤ · · · ≤ b2 ≤ b1

. Concluímos que a e b pertencem a todos os In, onde [a, b] ⊂ In para cada n. Logo,

[a, b] ⊂∞⋂n=1

In.

Mais ainda, nenhum x < a pode pertencer a todos os intervalos In. Sendo x < a = sup A,

existe algum an ∈ A tal que x < an, ou seja, x /∈ In. Da mesma forma, y > b ⇒ y > bm

para algum m, onde y /∈ Im. Logo, ∩In = [a, b].

Teorema 3.0.15 O conjunto R dos números reais não é enumerável.

Demonstração: Dados um intervalo limitado, fechado I = [a, b] com a < b, e o número

real x0, existe um intervalo fechado, limitado, J = [c, d], com c < d, tal que x0 /∈ J e

J ⊂ I. Isto nos ajudará a mostrar que, dado qualquer subconjunto enumerável X =

x1, x2, · · ·, xn, · · · ⊂ R, podemos encontrar um número real x /∈ X. Sejam I1 um

intervalo limitado fechado e não-degenerado, tal que x1 /∈ I1, I2 um intervalo do mesmo

tipo com x2 /∈ I2 e I2 ⊂ I1 e assim individualmente: supondo obtidos I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In

limitados fechados e não-degenerados, com x1 /∈ Ii (1 ≤ i ≤ n), podemos obter In+1 ⊂ In

com xn+1 /∈ In+1. Conseguimos com isso uma sequência decrescente I1 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ · · ·

de intervalos limitados e fechados. Pelo Princípio dos Intervalos Encaixados, existe um

número real x que pertence a todos os In. Como xn /∈ In, segue que x não é nenhum dos

xn, e portanto, nenhum conjunto enumerável X pode conter a totalidade dos números

reais.

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Corolário 3.0.1 Todo intervalo não-degenerado de números reais é não-enumerável.

Seja f : (0, 1)→ (a, b), definida por f(x) = (b−a)x+a, é uma bijeção do intervalo aberto

(0, 1) no intervalo aberto arbitrário (a, b), se provarmos que (0.1) não é enumerável, então

poderemos concluir que nenhum intervalo não-degenerado pode ser enumerável. Se (0, 1)

fosse enumerável, (0, 1) também seria e, consequentemente, para cada n ∈ Z, o intervalo

(n, n + 1) seria enumerável pois x 7→ x + n é uma bijeção de (0, 1) sobre (n, n + 1). Mas

R =⋃n∈Z

(n, n + 1)

seria enumerável, por ser uma reunião enumerável dos conjuntos (n, n + 1).

Corolário 3.0.2 O conjunto dos números irracionais não é enumerável.

Demonstração: Temos R = Q ∪ (R − Q). Sabemos que Q é enumerável. Se R − Q

também fosse, R seria enumerável, pois teríamos a união entre dois conjuntos enumeráveis.

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CONCLUSÃO

Mostramos aqui a construção dos números reais a partir dos racionais através

da noção de Cortes de Dedekind. Mais do que isso, mostramos também que R é um

corpo ordenado completo. Eis então que surge uma questão importante: seria o conjunto

dos números reais o único corpo ordenado completo? Uma resposta relevante é a de

Lima,Elon.

“[...] Evidentemente, num sentido exageradamente estrito, não se pode dizer

que existe apenas um corpo ordenado completo. Se construirmos os números

reais por meio de Cortes de Dedekind, obtemos um corpo ordenado completo

cujos elementos são coleções de números racionais. Se usarmos o processo

de Cantor, o corpo ordenado completo que obtemos é formado por classes de

equivalências de sequências de Cauchy.[página 60]”

A natureza, ou origem, de corpos ordenados completos é o que os diferem. A forma como

estes mesmos elementos se comportam é irrelevante nesta comparação.

Reformulando a questão temos: existem dois corpos ordenados completos não-isomorfos?

Adotando o método axiomático temos dois corpos ordenados completos K e L, de modo

que exista a função f : K → L tal que f(x + y) = f(x) + f(y) e f(x · y) = f(x) · f(y).

Essa função f é chamada de isomorfismo entre K e L, portanto temos apenas um corpo

ordenado completo.

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Referências Bibliográficas

[1] LIMA, Elon, curso de análise real. vol.1.14ł ed. Associação Instituto de Matemática

Pura e Aplicada, Rio de Janeiro, 2012.

[2] NERI, Cassio, Curso de Análise Real. 1.ed, Rio de Janeiro, 2006.

[3] BLOCK, Ethan D., The Real Numbers and Real Analysis.Editora Springer, 2010.

[4] STILLWEL, John, The Real Numbers- An Introduction to Set Theory an Analysis.

Editora Springer, 2013.

[5] BROWDER, Andrew, Mathematical Analysis- An Introduction. Editora Springer,

1996.

[6] PLOTTER, Murray H., Basic of Real Analysis. Editora Springer, 1998.

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