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ANAIS XII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1006 SERIA A TEORIA DISCURSIVA DE ROBERT ALEXY UM MODELO PÓS-POSITIVISTA? 1071 Could robert alexy’s discourse theory be a post-positivist model? Rafael Giorgio Dalla Barba 1072 Resumo O artigo tem como objetivo responder à indagação se a teoria discursiva de Robert Alexy pode ser considerada um modelo pós-positivista, isto é, capaz de superar o positivismo jurídico em sua integralidade. A pergunta se direciona especificamente no sentido de responder se o modelo desenvolvido por Alexy oferecer um material teórico que supere a questão da discricionariedade judicial, marca fundamental do pensamento juspositivista. O método desenvolvido neste trabalho pode ser chamado de uma abordagem hermenêutico-fenomenológica, inspirado nas filosofias de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, na linha da Crítica Hermenêutica do Direito desenvolvida por Lenio Luiz Streck. Desse modo, na medida em que o positivismo jurídico agrega como uma de suas características centrais a discricionariedade judicial, permitindo uma atuação arbitrária por parte do Poder Público, a questão se volta a saber se a sofisticada teoria discursiva de Robert Alexy, autointitulada como um modelo não-positivista, responde satisfatoriamente a essa complexa problemática. Palavras-Chave: pós-positivismo; discricionariedade judicial; Filosofia do Direito; Robert Alexy. 1071 Artigo submetido em 04/04/2016, pareceres de aprovação em 03/05/2016 e 10/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016. 1072 Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista CAPES/PROEX. Advogado. Contato: [email protected]

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SERIA A TEORIA DISCURSIVA DE ROBERT ALEXY UM MODELO PÓS-POSITIVISTA?1071

Could robert alexy’s discourse theory be a post-positivist model?

Rafael Giorgio Dalla Barba1072

Resumo

O artigo tem como objetivo responder à indagação se a teoria discursiva de Robert Alexy pode ser considerada um modelo pós-positivista, isto é, capaz de superar o positivismo jurídico em sua integralidade. A pergunta se direciona especificamente no sentido de responder se o modelo desenvolvido por Alexy oferecer um material teórico que supere a questão da discricionariedade judicial, marca fundamental do pensamento juspositivista. O método desenvolvido neste trabalho pode ser chamado de uma abordagem hermenêutico-fenomenológica, inspirado nas filosofias de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, na linha da Crítica Hermenêutica do Direito desenvolvida por Lenio Luiz Streck. Desse modo, na medida em que o positivismo jurídico agrega como uma de suas características centrais a discricionariedade judicial, permitindo uma atuação arbitrária por parte do Poder Público, a questão se volta a saber se a sofisticada teoria discursiva de Robert Alexy, autointitulada como um modelo não-positivista, responde satisfatoriamente a essa complexa problemática.

Palavras-Chave: pós-positivismo; discricionariedade judicial; Filosofia do Direito; Robert Alexy.

1071 Artigo submetido em 04/04/2016, pareceres de aprovação em 03/05/2016 e 10/05/2016, aprovação comunicada em 17/05/2016.

1072 Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Bolsista CAPES/PROEX. Advogado. Contato: [email protected]

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Abstract

The objective of this paper is to answer the question whether the discourse theory of Robert Alexy could be considered a post-positivist model, i.e. whether it could fully overcome legal positivism. The specific purpose of the question is to try to find out whether the model developed by Alexy provides theoretical material that can solve the issue of judicial discretion, which is a hallmark of positivist legal thinking. The method used in the study can be called a hermeneutic-phenomenological approach, which is inspired by the philosophies of Martin Heidegger and Hans-Georg Gadamer, following the line of the Hermeneutic Critique of Law developed by Lenio Luiz Streck. Thus, since one of the key features of legal positivism is judicial discretion, allowing arbitrary actions by the State, the question is whether Robert Alexy’s sophisticated discourse theory, self-entitled as a non-positivist model, can give a satisfactory response to this complex issue.

Keywords: post-positivism, judicial discretion; Philosophy of Law; Robert Alexy.

1. IntroduçãoEm tempos difíceis acerca do debate entre o positivismo jurídico e

constitucionalismo, surge como grande desafio para a teoria do Direito estabelecer quais posturas respondem suficientemente à complexidade deste fenômeno. Naquilo que representa essa problemática no contexto de uma sociedade tempestuosa e carente de concretização de direitos como a brasileira, o presente trabalho pretende abordar especificamente a questão da discricionariedade judicial no ambiente jurídico brasileiro.

Nesse sentido, a grande matriz que foi determinante no pensamento jurídico do Século XX e que ainda atualmente é dominante no ambiente das práticas jurídicas se chama positivismo jurídico. Longe de ser uma teoria que se apresenta de forma perene, o positivismo jurídico apresenta características distintas em relação a si mesmo no passar do tempo.

Em outras palavras, é possível verificar que o positivismo jurídico que se produzira durante o transcorrer do Século XIX é radicalmente diferente do positivismo de Hans Kelsen, estruturado a partir da famosa Teoria Pura do Direito já no Século XX. Entretanto, há um fator que permanece constante nas diversas espécies de positivismo: a discricionariedade.1073

Isso quer dizer que, ao passo que no Século XIX o positivismo legalista, como refere Castanheira Neves, era caracterizado por uma atuação extremamente

1073 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. de João Baptista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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retraída por parte do Judiciário no que concerne à possibilidade de interpretação dos atos normativos, a partir da obra de Kelsen o órgão judiciário recebe um grande poder de atuação política, exercendo um papel com enorme espaço de mobilidade interpretativa.1074

Isso significa que, no positivismo legalista, a discricionariedade estava localizada na atuação dos órgãos legislativos, sem nenhum constrangimento de uma Constituição com força normativa ou dirigente para balizar suas disposições. Nesse momento, por uma questão política, os juízes estavam obrigados a observar estritamente a gramática das Codificações elaboradas pelo Parlamento, que exercia sem nenhum tipo de limite o seu poder de legislar.

A partir de Kelsen essa situação muda de formato: mais especificamente no capítulo final da Teoria Pura do Direito, o autor deixa claro que existem dois níveis de racionalidade distintos em sua obra magna. Essa divisão epistemológica é fundamental porque nesse momento Kelsen distingue a atuação do cientista do Direito da atuação daqueles que lidam com a prática judiciária (advogados, promotores, juízes, etc.), conferindo ao órgão julgador um amplo espaço de discricionariedade.

Essa diferenciação entre as duas correntes do juspositivismo é fundamental para compreender a formulação da teoria discursiva de Robert Alexy, considerada pelo próprio autor como um modelo não-positivista pelo fato de incorporar ao conceito de Direito elementos morais. Ou seja, em um primeiro momento, Alexy se afasta do positivismo jurídico na medida em que aproxima os elementos legais e sociais de identificação do Direito à esfera da moralidade.

Mas o positivismo jurídico não se limita a ser uma teoria caracterizada unicamente pela noção de desvinculação de âmbito de validade das normas jurídicas em relação a normas morais. Na medida em que a discricionariedade judicial se manifesta como traço fundamental das diversas formas de positivismo jurídico, uma teoria que pretende superá-lo deve necessariamente encontrar mecanismos que possam responder a problemática que diz respeito à interpretação do Direito, atingindo então o patamar de “pós-positivismo”.

Conforme leciona Lenio Streck, é diante dessa matéria que as teorias que se pretendam pós-positivistas devem enfrentar para poder superar o problema central do positivismo: a discricionariedade. Assim são as palavras do jusfilósofo gaúcho:

Daí a minha convicção no sentido de somente pode ser chamada de pós-positivista uma teoria do direito que tenha, efetivamente, superado o positivismo, tanto na sua forma primitiva, exegético-conceitual, quanto na

1074 CASTANHEIRA NEVES, António. Escola da Exegese. In: CASTANHEIRA NEVES, Antonio. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra, 1995. v. 2. p. 109.

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sua forma normativista, semântico-discricionária. A superação do positivismo implica enfrentamento do problema da discricionariedade judicial ou, também poderíamos falar, no enfrentamento do solipsismo da razão prática.1075

Nesse sentido, procuraremos apontar brevemente alguns aspectos que marcam o pensamento de Robert Alexy a fim de responder se sua teoria discursiva fornece as ferramentas aptas para superar a questão da discricionariedade judicial, e atingir, dessa forma, aquilo que podemos chamar de “pós-positivismo”.

2. A relação entre Direito e Moral: as concepções do Direito Positivista e Não-positivista

Robert Alexy introduz a discussão inicial de seu pensamento a partir do que entende pelo principal problema na polêmica acerca do conceito de Direito e a sua relação com a Moral. Conforme o autor, apesar de uma discussão que ultrapassa 2.000 anos, sobressaem-se duas posições fundamentais que até os dias atuais continuam se contrapondo insistentemente: a positivista e a não positivista.

Alexy refere que todas as teorias positivistas defendem a tese da separação, que determina o conceito de Direito definido sem incluir qualquer elemento moral, e, assim, inexistindo conexão conceitualmente necessária com a esfera Moral. Em contrapartida, todas as teorias não positivistas defendem a tese da vinculação, vertente que entende o conceito de Direito definido de modo que contenha elementos morais.1076

Nessa medida, o autor alemão coloca que a resposta a esta problemática deve necessariamente levar em consideração três elementos essenciais: (I) o da legalidade conforme o ordenamento; (II) o da eficácia social; e o (II) da correção material. Aquele que não atribui importância alguma aos elementos da legalidade conforme o ordenamento e da eficácia social, considerando exclusivamente a correção material, obtém um conceito de Direito puramente jusnatural (ou jusracional). De outro lado, quem recusa o elemento da correção material e observa apenas os elementos da legalidade conforme o ordenamento e/ou o da eficácia social, encontra um conceito de Direito puramente positivista. No espaço entre essas posições extremadas, torna-se possível conceber muitas formas intermediárias, e é no seio dessas variantes que o autor encontra acomodação.1077

1075 STRECK, Lenio Luiz. Contra o neoconstitucionalismo. Revista da academia brasileira de di-reito constitucional, Curitiba, n. 4, p. 21-22, jan./jun. 2011. Disponível em: http://www.abdconst.com.br/revista5/Streck.pdf. Acesso em: 12 maio 2014.

1076 ALEXY, Robert. Conceito e validade do Direito. Trad. de Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 3-4.

1077 Idem, ibidem, p. 15.

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Assim, ao conceito positivista de Direito restam apenas dois elementos de definição: o da legalidade conforme o ordenamento e o da eficácia social. Em outras

palavras, todas as diversas teorias positivistas têm em comum o fato de considerarem o Direito exclusivamente dependente ou daquilo que é estabelecido conforme o próprio ordenamento jurídico, ou que obtenha contundente respaldo social.

Alexy alerta para a circunstância de que para as teorias não positivistas, pelo fato de defenderem a tese da vinculação e admitirem elementos morais em seu conceito de Direito, nenhuma delas deve ser levada a sério se excluem os elementos da eficácia social e da legalidade conforme o ordenamento. Assim, o que faz as teses da separação e da vinculação se distanciarem é muito mais a concepção de que o conceito de Direito deve ser definido de maneira a além de aceitar os elementos do conceito positivista, também incluir elementos morais.

Nesse contexto brevemente exposto, Alexy irá dar um passo adiante na reflexão sobre o conceito de Direito que entende como o mais adequado, afirmando ser necessário relacionar os três elementos anteriormente apresentados. Aqui as atenções se voltam para a inclusão do terceiro elemento – a correção material.1078

O argumento da correção constitui o apoio para os outros argumentos – o da injustiça e o dos princípios -, uma vez que afirma que tanto as normas e decisões judiciais individuais como os sistemas jurídicos em seu todo formulam necessariamente uma pretensão à correção. Para Alexy, sistemas normativos que não formulam explícita ou implicitamente essa pretensão não são sequer sistemas jurídicos e, para sustentar essa afirmação, traz dois exemplos para embasar seu pensamento.

O primeiro diz respeito ao artigo preambular de uma Constituição hipotética em que a maioria dos cidadãos explora a minoria deles e assim deseja que se permaneça: X é uma República soberana, federal e injusta.1079. O autor coloca que se trata de uma falha conceitual em sentido amplo, já que se refere a uma infração dos chamados atos de fala de John L. Austin, expressões linguísticas que se manifestam como ações.1080

Ao ato do legislador constituinte está necessariamente vinculada uma pretensão de correção, que, nesse caso, também constitui uma pretensão à justiça, tendo em vista que o constituinte incorre em contradição performativa quando o conteúdo de seu ato nega essa pretensão. Ou seja, o ato de sancionar as diretrizes básicas de uma Constituição está vinculado, necessariamente, a uma pretensão de correção porque o que está em questão é, sobretudo, uma pretensão de justiça.

1078 Idem, ibidem, p. 24-25.1079 Idem, ibidem, p. 45.1080 AUSTIN, J. L. How to do things with words. 2. ed. Cambridge: Harvard University, 1999.

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Assim, o constituinte comete uma contradição performativa quando o conteúdo de seu ato nega esta pretensão, muito embora a formule com sua atuação.

O segundo exemplo parte da decisão que afirma: “[...] O réu é condenado à prisão perpétua em virtude de uma interpretação incorreta do Direito vigente”.1081 Também nesse caso o juiz comete uma contradição performativa (ou uma falha conceitual), considerando que uma decisão judicial pretende sempre que o Direito seja corretamente aplicado, por menor que essa pretensão seja satisfeita.

O argumento da injustiça é colocado em pauta por Alexy quando menciona, fazendo referência à Gustav Radbruch, que as normas jurídicas individuais perdem esse caráter não quando são consideradas injustas, mas somente no momento em que determinado limiar da injustiça é transposto, isto é, quando atinge um grau insustentável.1082 Desse modo, o argumento da injustiça é subdividido pelo autor em outros oito argumentos internos: linguístico, da clareza, da efetividade, da segurança jurídica, do relativismo, da democracia, da inutilidade e da honestidade. Expondo de forma arquitetada cada um deles, o jurista alemão explica que as objeções ao argumento da injustiça não são fortes o suficiente para afastar as razões que o defendem.

O argumento dos princípios surge, na obra alexyana, a partir da afirmação tomada por Herbert Hart de que todo o direito positivo contém aquilo que ele chamou de textura aberta (open texture), uma vez que o caráter vago da linguagem do Direito possibilita diversas contradições, lacunas, e, ainda, a possibilidade extrema de se decidir até mesmo contra as normas jurídicas. Nestes casos, o juiz estaria autorizado pelo próprio Direito positivo a criar um novo direito com base em critérios extrajurídicos.1083

Contra esse modelo de Direito pautado exclusivamente pela existência de um conjunto de regras, Alexy propõe que mesmo no âmbito de abertura do Direito positivo o juiz estaria legalmente vinculado, de maneira a sinalizar a necessária vinculação entre os âmbitos do Direito e da Moral. Ao final do percurso articulado por Robert Alexy com a intenção de se conduzir à formulação terminal de seu conceito de Direito não positivista, o autor apresenta, englobando o conceito de validade, a sua definição conclusiva.

O Direito é um sistema normativo que (1) formula uma pretensão à correção, (2) consiste na totalidade das normas que integram uma constituição socialmente eficaz em termos globais e que não são extremamente injustas, bem como na totalidade das normas estabelecidas em conformidade com

1081 ALEXY, Robert. Conceito e validade do Direito. op. cit., p. 46-48.1082 RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito. Trad. de Marlene Holzhausen. São Paulo: WMF

Martins Fontes, 2010. p. 56.1083 HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Trad. de A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 2001. p. 170-171.

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essa constituição e que apresentam um mínimo de eficácia social ou de possibilidade de eficácia e não são extremamente injustas, e (3) ao qual pertencem os princípios e outros argumentos normativos, nos quais se apoia e/ou deve se apoiar o procedimento de aplicação do Direito para satisfazer a pretensão á correção.1084

A primeira parte da definição contém a pretensão à correção como elemento necessário, tendo em vista que sistemas normativos que não a formulam explícita ou implicitamente não podem ser sistemas jurídicos. A segunda parte relaciona os três elementos clássicos da definição – legalidade conforme o ordenamento, eficácia social e correção material -, destacando-se a ressalva dos casos considerados extremamente injustos. A terceira parte amplia o conceito tradicional de Direito para incorporar princípios e outros argumentos normativos que procuram fundamentar a decisão judicial, no intuito de satisfazer a pretensão de correção.

3. Máxima da proporcionalidade e argumentação jurídicaRobert Alexy publica oficialmente no ano de 1986 a sua obra intitulada Teoria

dos Direitos Fundamentais (Theorie der Grundrechte), vindo a tornar-se um marco teórico na matéria que diz respeito a estrutura normativa dos direitos fundamentais constantes na Constituição alemã. De início, o autor indica as consequências de se conter um elenco de direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental de um Estado Constitucional, na medida em que a atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário passa a estar sujeita à possibilidade de interferência de um Tribunal Constitucional.

Embora a positivação dos direitos fundamentais deva ser considerada como algo extremamente relevante em termos de avanços de direitos e garantias – principalmente em países com culturas jurídicas provenientes da civil law -, imediatamente se coloca em discussão o alcance dessas normas jurídicas no plano da aplicação concreta. Ao reconhecer a imprescindibilidade dessa questão, Alexy constata que existem inúmeros dispositivos da Constituição alemã que estabelecem uma regulamentação semanticamente “aberta”, isto é, que não permitem um consenso despreocupado sobre o alcance de sua aplicabilidade.1085

Assim, deve-se reconhecer que, para além do texto constitucional, as discussões que tratam da amplitude de incidência dos direitos fundamentais envolvem elementos a serem considerados a partir da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Entretanto, mesmo a Suprema Corte alemã agindo para tentar reduzir esse aspecto aberto das disposições dos direitos fundamentais, o autor reconhece que é humanamente impossível prever todas as hipóteses fáticas que reclamariam a aplicação dos mesmos. Para tanto, o professor alemão entende que, juntamente com

1084 ALEXY, Robert. Conceito e validade do Direito. op. cit., p. 151.1085 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 26.

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as decisões do Tribunal Constitucional, é necessário analisar quais as respostas que poderiam ser consideradas racionalmente fundamentadas.1086

É nessa medida que Robert Alexy vai definir o principal objetivo teórico da sua obra: elaborar uma teoria jurídica que ofereça uma fundamentação racional para a aplicação dos direitos fundamentais da Constituição alemã. Pretende o autor, em vista disto, apresentar uma adequada dogmática dos direitos fundamentais considerando uma teoria dos princípios e dos valores, a fim de alcançar resultados capazes de expor argumentos racionais para a sua concreta (e racional) aplicação.

Dito de outra forma, em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, Alexy desenvolve um modelo atento às consequências de um ordenamento jurídico que contém um elenco de direitos fundamentais, na medida em que a atuação do Estado passa a estar sujeita à interferência de um Tribunal Constitucional. O objetivo de Alexy não é desenvolver uma teoria geral do Direito, mas uma nova dogmática constitucional elaborada a partir de uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição alemã, valendo-se, para tanto, das práticas decisórias do Tribunal Constitucional Federal alemão.

Quanto ao conceito de norma de direito fundamental, Alexy adota um conceito semântico, pois entende ser o único referencial sobre o qual as diferentes concepções de validade poderiam se debruçar sem encontrar maiores dificuldades, além de reconhecer a possibilidade de se construir normas de direito fundamental atribuídas (zugeordnete Grundrechtnorm), cujo conteúdo não se encontra expressamente no texto constitucional. Verificada a larga amplitude semântica das normas de direito fundamental, Alexy entende necessária a formulação de outra metodologia – diferente da subsunção – para fundamentar a aplicação desse tipo de norma.1087

Assim, as normas jurídicas comportam duas categorias diferenciadas: regras, aplicadas mediante subsunção, e princípios (mandamentos de otimização), operando mais evidentemente nos casos de colisão entre normas de direito fundamental em que se recorre à máxima da proporcionalidade. Na medida em que as normas de direito fundamental têm natureza de princípio e podem entrar em colisão, o modo para resolver esse caso é por meio da máxima da proporcionalidade que, dividida em três submáximas (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), fica responsável por explicitar conceitualmente qual princípio exerce maior peso concreto. Nesse aspecto, Alexy refere que princípios e valores morais estão intimamente relacionados, diferenciando-se unicamente pela noção de que os primeiros, enquanto mandamentos de otimização, possuem um caráter deontológico (dever-ser) ao passo que os últimos revestem-se de um caráter axiológico (bom).1088

1086 Idem, ibidem, p. 29.1087 Idem, ibidem, p. 69.1088 Idem, ibidem. p. 144.

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Ou seja, na medida em que as normas de direito fundamental são caracterizadas por uma amplitude semântica consideravelmente maior que a das regras jurídicas infraconstitucionais, Alexy enxerga necessária uma nova metodologia para resolver

os casos jurídicos em que essas normas entram em rota de colisão uma contra outra. Ademais, uma vez que os direitos fundamentais assumem caráter de mandamentos de otimização e natureza principiológica, é desenvolvida uma estrutura procedimental trifásica cuja etapa derradeira fica encarregada de estabelecer uma espécie de termômetro entre o grau de intervenção e satisfação destes princípios colidentes a partir de uma poderosa elucidação conceitual das possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.

No interior dessa estrutura opera a lei do sopesamento (também denominada lei da ponderação), responsável pelo cerne da colisão entre direitos fundamentais e que não deve ser compreendida como mecanismo prescritivo, mas dogmático e elucidativo desse conflito. Isso significa que seria indevido dirigir-se ao texto de Alexy com a expectativa de que a máxima da proporcionalidade ou a lei do sopesamento garantirá a única (ou melhor) resposta para o caso, pois não se trata de um padrão normativo, mas lógico-conceitual, cujo objetivo é esclarecer – depois de esgotada a verificação das possibilidades fáticas dos meios utilizados para promover determinada finalidade – o grau de intervenção e satisfação de um princípio sobre outro colidente, sem estabelecer a priori qual tem o peso mais forte. Esgotados os limites epistêmico-metodológicos da máxima da proporcionalidade, a solução do caso é direcionada para uma teoria da argumentação jurídica, cujos critérios discursivos ficam responsáveis por estabelecer uma espécie de filtro dos argumentos racionais aptos a alicerçar a decisão judicial.1089

Distintamente da Teoria dos Direitos Fundamentais, na sua Teoria da Argumentação Jurídica, Robert Alexy não toma como ponto de partida a prática argumentativa que ocorre no interior da atividade jurisdicional, mas uma teoria da argumentação prática geral cuja tese central é a de que “[...] o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral”.1090. Nesse âmbito jurídico-argumentativo, um enunciado normativo só poderá ser válido na medida em que será o resultado de um procedimento discursivo determinado por regras pragmáticas, muito embora não possa com isso garantir a certeza definitiva de todo o resultado, ainda que racional.

Essas considerações fazem Alexy assumir uma teoria do discurso jurídico não apenas analítica, mas também normativa, uma vez que não se restringe à análise formal da estrutura lógica das proposições em questão, marchando em direção da busca por critérios para a racionalidade do discurso. Assim, dando especial atenção aos alicerces da pragmática transcendental de Habermas, Alexy reivindica a combinação de uma série de modelos de fundamentação argumentativa a fim de

1089 Idem, ibidem, p. 176.1090 ALEXY, Robert. Conceito e validade do Direito. op. cit., p. 209.

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construir uma teoria jurídico-discursiva mais completa, a qual se desdobra por meio do que o autor chamará de regras e formas do discurso prático geral.1091

Quanto à fundamentação das regras do discurso, Alexy as organiza em quatro conjuntos teóricos distintos: (I) A fundamentação técnica, na qual as regras de um procedimento prescrevem os meios para que determinado fim possa ser realizado; (II) A fundamentação empírica, a fim de demonstrar se as regras são real e suficientemente seguidas, ou se os resultados produzidos pelas mesmas “correspondem às convicções normativas existentes”; (III) A fundamentação definitória, pela qual a “[...] a apresentação de um sistema de regras, independentemente da indicação de outras razões, seja vista como a fundamentação ou o motivo para sua aceitação”; (IV) A fundamentação pragmático-transcendental (ou pragmático-universal), como sugerem Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, que “[...] consiste em mostrar que a validade de determinadas regras é condição de possibilidade da comunicação linguística”.1092

A abordagem das decisões judiciais conforme tais pressupostos discursivos permite indicar dois padrões de justificação: uma justificação interna, responsável por avaliar a correta conexão das premissas com o resultado; e uma justificação externa, que trata da demonstrabilidade das premissas utilizadas na estrutura silogística da decisão judicial.1093 Em linhas gerais, a posição do jurista alemão se direciona na tentativa de conjugar a proposta de esclarecimento conceitual das normas de direito fundamental com uma criteriologia discursiva para definir os argumentos morais que inevitavelmente integram o discurso jurídico nos casos mais controversos, e assim evitar situações de notória injustiça.

Nessa medida, como é reconhecido pelo próprio autor da Teoria dos Direitos Fundamentais e da Teoria da Argumentação Jurídica, a questão da (in)determinabilidade interpretativa dos textos jurídicos é concluída, em certa medida, com o amparo das preferências do intérprete, tendo em vista que as próprias regras e formas da argumentação, ainda que possibilitem um acurado controle racional da fundamentação das decisões judiciais, não são capazes de eliminar as incertezas normativas e interpretativas de modo a viabilizar uma única (ou melhor) resposta para o litígio. Desse modo, Alexy reconhece mais de um resultado possível ou adequado naquelas demandas judiciais em que a sua racionalidade procedimental não fornece mais recursos argumentativos para solucionar a questão de forma definitiva.

4. A discricionariedade judicial como característica juspositivista1091 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da

justificação jurídica. Trad. de Claudia Toledo. São Paulo: Landy, 2005. p. 109.1092 Idem, ibidem, p. 183-188.1093 Idem, ibidem, p. 244.

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Sob a ótica da Crítica Hermenêutica do Direito, desenvolvida por Lenio Streck,1094 neste tópico propõe-se desenvolver a discussão sobre a interpretação jurídica e a metodologia adequada para aplicação e concretização dos direitos fundamentais na sofisticada teoria discursiva de Robert Alexy, explicitando os aspectos de fragilidade no que diz respeito à discricionariedade judicial.

Uma das características centrais da teoria de Alexy é a cisão estrutural entre regras e princípios, diferenciando esses dois tipos de normas jurídicas por meio de suas distintas metodologias. Os casos resolvidos pela previsão de uma regra resolvem-se pela técnica da subsunção; os casos em que se encontra um conflito entre princípios (normas de direito fundamental) necessitam de uma aplicação por sopesamento, uma vez que aqueles são mandamentos de otimização.

Dito de outro modo, a grande maioria dos casos concretos é resolvida por meio da aplicação de uma regra jurídica válida em determinado ordenamento jurídico. Nesses casos, parte-se da adequação da previsão abstrata da norma jurídica com sua ocorrência fática no mundo concreto, para ao final chegar à conclusão jurídica. Mas nos casos de colisão entre princípios, Alexy refere ser necessário utilizar a máxima da proporcionalidade, dividida em três submáximas, para se chegar ao resultado final.

Trata-se de um procedimento epistêmico responsável por averiguar qual princípio terá o maior peso no caso concreto, mas tendo em vista que podem ainda assim ocorrer impasses, a colisão é resolvida por uma inevitável dose de discricionariedade do intérprete. Nesse ponto é possível evidenciar o caráter meramente explicitativo da máxima da proporcionalidade, cuja tarefa é o esclarecimento lógico das possibilidades fáticas e jurídicas de uma colisão entre princípios, recorrendo-se, nos casos limítrofes, à discricionariedade judicial.

Mas para responder com maior efetividade qual princípio em colisão terá o maior peso, Alexy conjuga a máxima da proporcionalidade com uma Teoria da argumentação jurídica, isto é, uma racionalidade discursiva com o intuito de racionalizar os argumentos morais que se incorporam ao discurso jurídico a fim de encontrar uma resposta racional. Entretanto, Alexy vai reconhecer que essa estrutura argumentativa – ainda que altamente complexa e sofisticada – não apresenta as condições necessárias para enfrentar a questão das múltiplas possibilidades de interpretação de maneira a encontrar uma resposta conclusiva para o caso concreto.

Segundo o próprio Alexy, a aplicação das regras do discurso jurídico formuladas em sua Teoria da Argumentação Jurídica não garante a segurança quanto à resposta de uma questão prática que pode ser considerada como mais adequada em relação às demais, mas apenas uma considerável redução da existência de irracionalidade na

1094 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

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decisão. Desse modo, as regras discursivas não garantem o seu próprio cumprimento, mas apenas representam um parâmetro para que possa ser analisado o grau de racionalidade do discurso jurídico. Ademais, a teoria da argumentação permite que os participantes possam “[...] ignorar aspectos normativos e empíricos, assim como valorar diferentemente as variáveis em questão, conduzindo o procedimento argumentativo a diferentes resultados igualmente racionais – válidos, portanto”.1095

Nessa medida, o recorte normativo limita a teoria da argumentação a uma visão procedimental relativa às regras do discurso e ao seu cumprimento. Em outras palavras, ainda que a teoria discursiva de Alexy assuma um caráter objetivo quanto às regras da argumentação que devam ser seguidas, a mesma permanece relativa quanto às características de cada participante, permitindo que as ponderações levem o intérprete a diferentes decisões (ainda que todas respeitem a racionalidade discursivo-procedimental).

Do ponto de vista hermenêutico-fenomenológico, o que Alexy acaba desconsiderando é justamente o modo de ser-no-mundo (transcendental não-clássico)1096 que se antecipa e acompanha todo e qualquer discurso humano, uma vez que se contenta com uma racionalidade limitada a observar meramente os aspectos lógico-argumentativos. Isso permite a elaboração de uma fundamentação procedimental sem que sejam considerados os aspectos conteudísticos da decisão.

A forte dicotomia entre regras e princípios só é possível na medida em que se permanece em um âmbito interpretativo que ignora a circunstância de nossa compreensão sempre antecipar-se a nós próprios, como demonstrou Heidegger.1097 A cisão entre regras e princípios proposta por Alexy sempre chega tarde em relação ao modo como compreendemos o caso concreto, e as distintas metodologias (subsunção ou máxima da proporcionalidade), por sua vez, apenas explicitam conceitualmente aquilo que fora compreendido pelo

intérprete, limitando-se a racionalidades procedimentais sem caráter substancial e decisório.

Com Streck, é ainda possível dizer que esse espaço discricionário pelo qual Alexy não consegue superar traz problemas também para o regime democrático

1095 CARNEIRO, Wálber Araújo. Hermenêutica jurídica heterorreflexiva: uma teoria dialógica do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 222.

1096 STEIN, Ernildo. Exercícios de fenomenologia: limites de um paradigma. Ijuí: Unijuí, 2004. p. 206.

1097 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Trad. de Fausto Castilho. Campinas: Editora da Unicamp; Petrópolis: Vozes, 2012.

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na medida em que permite o Poder Judiciário atuar, ainda que em certos casos, arbitrariamente na aplicação do Direito.1098

Nesse ambiente constitucional, a maneira como os princípios são aplicados em Alexy pode exercer um papel de relativização da força normativa dos direitos fundamentais e da própria autonomia do Direito frente a argumentos exógenos (moral, política, economia, etc.), tendo em vista que a discricionariedade interpretativa é um traço presente, admitindo-se a multiplicidade de respostas racionais. Nas palavras de Streck:1099

Enquanto a teoria da argumentação compreende os princípios (apenas) como mandados de otimização, portanto, entendendoos como abertura interpretativa, o que chama à colação, necessariamente, a subjetividade do intérprete (filosofia da consciência), a hermenêutica – como já referido à saciedade – parte da tese de que os princípios introduzem o mundo prático no direito, ‘fechando’ a interpretação, ou seja, diminuindo, ao invés de aumentar, o espaço da discricionariedade do intérprete.

Em síntese, as críticas hermenêuticas denunciam que o modo como a máxima da proporcionalidade é desenvolvida por Robert Alexy acaba aceitando que os próprios direitos fundamentais sejam flexibilizados diante das opções valorativas de cada intérprete, desde que preencham o procedimento trifásico da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Em outras palavras, no transcorrer interior da sofisticada estrutura alexyana os argumentos íntimos de cada julgador acabam sendo encobertos pelo invólucro da máxima da proporcionalidade.

5. Considerações finais

A proposta de Robert Alexy não pode ser desconsiderada de entre uma das mais complexas e sofisticadas posturas teóricas no âmbito da teoria e da filosofia do Direito contemporâneas. Com suas teorias da argumentação jurídica e dos direitos fundamentais, de nítida inspiração kantiana, o autor apresenta um novo sistema jurídico que não se limita simplesmente a questionar a vinculação do conceito de Direito com a esfera da Moral, mas avança em direção da construção de uma nova dogmática constitucional a partir da estrutura dos direitos fundamentais e da jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Isso aliado a uma complexa teoria discursivo-procedimental responsável por realizar uma espécie de filtro de racionalidade sobre os argumentos morais que surgem no discurso jurídico.

Mas também é possível apontar, ainda que o próprio Alexy se autodenomine um teórico que se alinha ao que chama de não-positivismo, que em seu complexo e sofisticado sistema jurídico permanece justamente o elemento característico do

1098 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 236.

1099 Idem, ibidem, p. 245.

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juspositivismo: a discricionariedade judicial. Por mais que na composição primordial do seu conceito de Direito o autor aposte em uma teoria que vincule a esfera jurídica com a esfera moral, o modelo alexyano admitirá certa margem de mobilidade interpretativa para ser concluído o seu projeto.

Levando em consideração esses aspectos, é possível falar em uma dupla discricionariedade no pensamento de Alexy. Não apenas nos casos de incerteza epistêmica ou estrutural devido ao resultado indefinível da colisão entre normas de direito fundamental, mas também nos casos cuja solução se determina pela mera subsunção encontra-se presente a incerteza interpretativa, ainda que o resultado do sopesamento entre princípios conclua-se pela subsunção da norma de direito fundamental atribuída ao caso concreto. Isso porque ao estabelecer uma cisão estrutural entre regras e princípios, Alexy constrói uma nova e sofisticada dogmática constitucional sem responder suficientemente ao problema de que a técnica da subsunção, na medida em que opera com conceitos generalizantes, não pode abarcar de antemão com todas as hipóteses fáticas para sobre elas indicir.

Por certo, a intenção do jusfilósofo alemão não é a de construir um sistema cujo problema central seja a discussão a respeito da discricionariedade judicial, mas a idealização de uma dogmática jurídica que forneça respostas à altura de um Direito pós-bélico construído sob os pilares de uma Constituição repleta de direitos e garantias fundamentais. Portanto, um Direito que integra uma série de normas de dilatada abrangência semântica. E isso conjugado com uma teoria responsável por racionalizar os argumentos morais incorporados ao discurso jurídico, já que este é um caso especial do discurso prático geral.

Evidentemente, não pretendemos abordar a integralidade do pensamento jurídico-filosófico de Alexy, mas em concentrar esforços no sentido de responder à indagação se a obra do jurista alemão, fartamente citada na doutrina e na jurisprudência dos tribunais brasileiros, oferece condições adequadas para enfrentar a questão da discricionariedade judicial deixada pelo juspositivismo. Da mesma forma, faz-se necessário salientar que realizamos apenas uma leitura possível do pensamento de um dos autores mais sofisticados da teoria do Direito contemporânea.

Na perspectiva de uma desconstrução (e reconstrução) da obra de Alexy, e, na medida do possível, em vigilância à fidelidade expositiva que toda abordagem teórica exige, buscamos investigar, sobretudo, a problemática da discricionariedade judicial na obra do professor alemão, tomando como plano de fundo os paradigmas filosóficos que se alojam por detrás dessa complexa controvérsia. Desse modo, na medida em que se parte de distintos pressupostos, inevitáveis são as divergências posteriores entre concepções teóricas dispostas ao debate acadêmico.

Assim, a discussão sobre regras e princípios, Direito e Moral, chega ao século XXI ainda sem conclusões definitivas, impelindo-nos ao necessário revolvimento da

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tradição filosófica como condição de possibilidade para enfrentar tais indagações e perplexidades. Cabe recordar, por fim, que não se quer fixar teses definitivas para essa pesquisa, pois, como Rüdiger Safranski deixara escrito em sua obra que recontou a vida de Heidegger como poucos: “[...] Não se trata da questão de como o mundo principiou, nem de princípios no sentido de valores ou axiomas superiores. O principal é aquilo que me impele e sempre volta e me tornar principiante de minha vida”.1100

1100 SAFRANSKI, Rüdiger. Heidegger, um mestre da Alemanha: entre o bem e o mal. Trad. de Lya Luft. São Paulo: Geração Editorial, 2005. p. 155.

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