SEPARAÇÃO DOS PODERES E SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS

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    SEPARAO DOS PODERES E SISTEMA DE FREIOS ECONTRAPESOS : DESENVOLVIMENTO NO ESTADO

    BRASILEIRO

    MAURLIO MALDONADO ()

    1. Evoluo do conceito de Separao dos Poderes enquanto doutrina. 2.Evoluo do conceito de Separao dos Poderes enquanto princpio constitucionalno Direito Brasileiro. 3. Sistema de Freios e Contrapesos. 4. O Controle naConstituio Federal de 1988. 4.1. Controle do Poder Executivo exercido emrelao ao Legislativo. 4.2. Controle do Poder Executivo exercido em relao aoJudicirio. 4.3. Controle do Poder Judicirio exercido em relao ao Legislativo.4.4. Controle do Poder Judicirio exercido em relao ao Executivo. 4.5. Controledo Poder Legislativo exercido em relao ao Executivo. 4.6. Controle do PoderLegislativo exercido em relao ao Judicirio. Bibliografia.

    1. EVOLUO DO CONCEITO DE SEPARAO DOSPODERES ENQUANTO DOUTRINA

    Em primeiro lugar estaremos verificando a evoluo do conceito deSeparao dos Poderes enquanto doutrina.

    A histria da separao dos poderes a histria da evoluo dalimitao do poder poltico, objetivo fundamental da doutrina da separao dospoderes.

    Conforme acentua o jurista portugus NUNO PIARRA1, estadoutrina remonta Grcia e Roma antigas.

    O autor lusitano identifica as origens da idia da separao dospoderes no conceito de constituio mista de ARISTTELES em sua obraPoltica, segundo o qual:

    (...) constituio mista, para Aristteles, ser aquela em que osvrios grupos ou classes sociais participam do exerccio do poderpoltico, ou aquela em que o exerccio da soberania ou o governo, emvez de estar nas mos de uma nica parte constitutiva da sociedade, comum a todas. Contrapem-se-lhe, portanto, as constituies

    ()O autor Procurador da Assemblia Legislativa do Estado de So Paulo, atual Diretor-Presidente do Instituto do Legislativo Paulista e mestrando em Direito Poltico e Econmico pelaUniversidade Presbiteriana Mackenzie-SP.1A separao dos poderes como doutrina e princpio constitucional um contributo para o estudodas suas origens e evoluo, p. 31.

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    puras em que apenas um grupo ou classe social detm o poderpoltico.2

    Com efeito, o carter de sntese da constituio mista,expressando a viso de ricos e pobres, que leva ARISTTELES a entend-lacomo a melhor constituio, vez que, misturando formas de governos (oligarquia e

    democracia), poderia se chegar ao meio-termo, ideal de toda a tica aristotlica.

    neste ponto que, continua PIARRA, se insere o conceitoaristotlico de constituio mdia ou governo mdio que basicamente um meiode assegurar ou manter, mas tambm fomentar por via institucional a classemdia numa sociedade:

    A constituio mista atende, antes de mais, s desigualdades ediversidades existentes na sociedade com o objectivo de as comporna orgnica constitucional, de tal maneira que nenhuma classeadquira a preponderncia sobre a outra. Neste sentido, constituiomista no mais do que um sistema poltico-social pluralmenteestruturado.3

    Assim, PIARRA extrai do pensamento aristotlico a idia deequilbrio ou balanceamento das classes sociais que vir, segundo o irmo dalmmar, a ser associada doutrina da separao de poderes, numa fase j adiantadade sua evoluo, atravs da sua participao no exerccio do poder poltico.

    Sobre este aspecto, devemos dizer que a idia de equilbrio(balana) nos induz a uma associao imediata teoria de freios e contrapesos. o que faz, por exemplo, A. P. SOARES DE PINHO em estudo apresentado Congregao da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio

    de Janeiro para habilitao docncia livre de Direito Constitucional o qualveremos em detalhes mais adiante que identifica tambm nas formas degoverno de ARISTTELES a origem do sistema de freios e contrapesos.4

    Desde j, esclarecemos, todavia, que as idias no so antagnicascomo veremos adiante, pelo contrrio.

    De outra parte, gostaramos de registrar que a noo de separaodos poderes se nos afigura anterior a ARISTTELES. Com efeito, notamosvestgios da vetustez das idias em apreo no prprio ARISTTELES, que, aocomentar polmica existente acerca do mrito da constituio de SLON, diz:

    Os que o consideram um bom legislador argumentam que ele: a)acabou com a oligarquia absoluta; b) ps um ponto final naescravizao do povo; c) estabeleceu a tradicional democraciaateniense combinando de modo correto a constituio. Explicam que

    2 Ibid., p. 33.3 Ibid., p. 35.4Freios e contrapesos do Governo na Constituio brasileira.

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    essa combinao contm um elemento oligrquico (o Conselho doArepago), um elemento aristocrtico (a escolha de magistrados) eum elemento democrtico (o sistema judicial).78. A verdade que, desses trs, Slon encontrou os dois primeiros o conselho e a seleo dos magistrados j prontos, e simplesmentese absteve de aboli-los.5(destacamos)

    E no s, na mesma obra ARISTTELES esclarece o carterplural das autoridades do Estado:

    Por constituio entendo a organizao das vrias autoridades, eem particular da autoridade suprema, que est acima de todas asoutras. Mas preciso deixar claro que, em todos os casos, o corpodos cidados soberano; a constituio a soma total da

    politeuma.6(destacamos)

    Em Roma, ainda segundo PIARRA7, POLBIO e CCERO retomama idia da constituio mista de ARISTTELES com uma ligeira diferena:

    enquanto o modelo aristotlico interno todas as classes tm acesso a todosos rgos constitucionais, misturando-se em todos eles , o modelo polibiano separador cada classe apenas tem acesso ao rgo constitucional que lhe destinado.8

    Aps a utilizao da tradio da constituio mista na Idade Mdiapara defender a limitao do poder real pelos direitos das ordens ou estamentos,se desenvolveu na Inglaterra a idia de que a melhor forma de governo consistianum esquema constitucional em que o Rei, Lordes e Comuns repartissem entre sio poder poltico (Monarquia mista).9

    O desenvolvimento das instituies representativas inglesas, lana aInglaterra a um Estado constitucional sem praticamente ter passado peloabsolutismo. Isso se justifica pelo fato de que a doutrina da separao dospoderes surgiu na Inglaterra, sculo XVII, diretamente ligada idia de rule oflaw, primeira forma histrica do que viria a ser o Estado Constitucional ou deDireito, que tem como um dos elementos essenciais a separao dos poderes.

    Em contraposio a estas idias, a partir do conceito de soberaniaem BODIN (1576, Les six livres de la Republique) e da doutrina de HOBBES,desenvolveram-se as idias ABSOLUTISTAS10, que justificavam filosoficamente aconcentrao dos poderes nas mos de um soberano, limitado, este ltimo,apenas pelo direito natural, do ponto de vista filosfico, mas, na prtica, apenaspela sua razo ou vontade e no pelo direito.

    5 Aristteles, Poltica, in: os pensadores, So Paulo : Nova Cultural, 2000, p.206.6 Ibid., p. 221.7 Op. cit., p. 36, nota 1.8 Op. cit., p. 40, nota 1.9 Nuno Piarra, op. cit., p.41-62, nota 1..10 Vide Ari Marcelo Slon, teoria da soberania como problema da norma jurdica e da deciso,p.30-37.

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    vontade do soberano se confundia com a vontade do Estado, como

    exemplifica a clebre frase atribuda a LUS XIV, lEtat cest moi. Estaconcentrao de poderes levou degenerao, s arbitrariedades e ao abuso dopoder. Adicionada ascenso econmica da Burguesia, inicia-se o trmino da

    Idade Moderna:Com efeito, observava-se em quase toda a Europa continental,sobretudo em Frana, a fadiga resultante do poder poltico excessivoda monarquia absoluta, que pesava sobre todas as camadas sociaisinterpostas entre o monarca e a massa de sditos.

    Arrolavam essas camadas em seus efetivos a burguesia comercial eindustrial ascendente, a par da nobreza, que por seu turno se repartiaentre nobres submissos ao trono e escassa minoria de fidalgosinconformados com a rigidez e os abusos do sistema poltico vigente,

    j inclinado ao exerccio de prticas semidespticas.(...)Todos os pressupostos estavam formados pois na ordem social,

    poltica e econmica a fim de mudar o eixo do Estado moderno, daconcepo doravante retrgrada de um rei que se confundia com oEstado no exerccio do poder absoluto, para a postulao de umordenamento poltico impessoal, concebido segundo as doutrinas delimitao do poder, mediante as formas liberais de conteno daautoridade e as garantias jurdicas da iniciativa econmica. 11

    Este o caldo de cultura para o desenvolvimento sistematizado dadoutrina da separao dos poderes como tcnica de limitao do poder levado acabo por LOCKE e MONTESQUIEU.

    Efetivamente a doutrina da separao dos poderes encontrar em

    Locke e Montesquieu seus grandes sistematizadores; o ingls, pioneiro, atravsdo Segundo tratado sobre o governo civile o francs no clebre Do Esprito dasLeis.

    LOCKE, considerado o fundador do empirismo doutrina segundo aqual todo o conhecimento deriva da experincia vai desenvolver na obra acima,o que NORBERTO BOBBIO considera a primeira e mais completa formulao doEstado Liberal, que constitui, ainda, a justificao ex post facto da RevoluoGloriosa na Inglaterra, onde LOCKE fundamenta a legitimidade da deposio deJAIME II ao qual LOCKE se opunha, refugiado na Holanda por GUILHERMEDE ORANGE (chefe de Estado da Holanda) e pelo parlamento com base nadoutrina da resistncia. 12

    nesta obra que LOCKE restabelece a conexo entre a doutrina daseparao dos poderes e a rule of law, concebendo-a como pr-requisito destaltima:para que a lei seja imparcialmente aplicada necessrio que no sejam os

    11 Paulo Bonavides, cincia poltica, p.134-136.12 Leonel Itaussu Almeida Mello, p.82-83.

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    mesmos homens que a fazem, a aplic-la13. Sendo, em decorrncia disso,necessria a separao entre legislativo e executivo.

    Como bem salienta PAULA BAJER FERNANDES MARTINS DACOSTA14, o poder supremo para Locke o legislativo, os demais poderes dele

    derivam e a ele esto subordinados. Compete ao poderexecutivo, cuja existncia perene, a aplicao das leis. LOCKE ainda concebe um terceiro poder, queapesar de distinto, no pode ser separado do executivo, ao qual denomina defederativo, ao qual incumbe o relacionamento com os estrangeiros, aadministrao da comunidade com outras comunidades, compreendendoformao de alianas e decises sobre a guerra e a paz.

    Nesse passo, ressaltamos que, a despeito de LOCKE nocontemplar expressamente, em sua tripartio dos poderes da sociedade(Legislativo, Executivo e Federativo), o Poder Judicirio, e, ainda, de referir-se aeste como atividade meio do poder legislativo, vislumbramos em seus escritosuma vital importncia do poder judicirio em sua sistematizao das funes deEstado. Vejamos:

    E por essa maneira a comunidade consegue, por meio de um poder julgador, estabelecer que castigo cabe s vriastransgresses quando cometidas entre os membros dessa sociedade

    que o poder de fazer leis , bem como possui o poder de castigarqualquer dano praticado contra qualquer dos membros por algumque no pertence a ela que o poder de guerra e de paz , e tudoisso para preservao da propriedade de todos os membros dessasociedade, tanto quanto possvel. [...] E aqui deparamos com aorigem dos poderes legislativo e executivo da sociedade, quedeve julgarpor meio de leis estabelecidas at que ponto se devem

    castigar as ofensas quando cometidas dentro dos limites dacomunidade, bem como determinar, mediante julgamentos ocasionaisbaseados nas circunstncias atuais do fato, at onde as agressesexternas devem ser retaliadas; e em um outro caso utilizar toda afora de todos os membros, quando houver necessidade.[...]. 15

    , contudo, MONTESQUIEU, o responsvel pela incluso expressado poder de julgar dentre os poderes fundamentais do Estado, e, esteira do que

    j havia sido preconizado por LOCKE, tambm aproxima sua formulao daconcepo de rule of law. E, com a clareza dgua, revela ao mundo os contornosda acepo mais difundida da separao dos poderes:

    13 W. B. Gwyn, the meaning of the separation of powers, New Orleans, 1965, apudNuno Piarra,Aseparao dos poderes como doutrina e princpio constitucional um contributo para o estudo dassuas origens e evoluo, p.71.14 Sobre a importncia do Poder Judicirio na configurao do sistema de separao de poderesinstaurado no Brasil aps a Constituio de 1988, in Revista de Direito Constitucional eInternacional, p.241-258.15 John Locke, two treatises of civil government, London : Every-mans Library, 1966, p.117-241,traduo de Cid Knipell Moreira, apud clssicos da poltica, p. 90

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    Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, oPoder Legislativo reunido ao Executivo, no h liberdade. Porque

    pode temer-se que o mesmo Monarca ou mesmo o Senado faa leistirnicas para execut-las tiranicamente.Tambm no haver liberdade se o Poder de Julgar no estiverseparado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com oLegislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidados seriaarbitrrio: pois o Juiz seria o Legislador. Se estivesse junto com oExecutivo, o Juiz poderia ter a fora de um opressor.Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de

    principais ou nobres, ou do Povo, exercesse estes trs poderes: o defazer as leis; o de executar as resolues pblicas; e o de julgaros crimes ou as demandas dos particulares.16 (destaques nossos)

    necessrio registrar que, apesar de MONTESQUIEU ter conferidoao poder de julgar o status de um dos poderes do Estado, inaugurando atripartipao dos poderes nos moldes mais conhecidos atualmente, ntido ocarter secundrio atribudo por ele a esse poder. Vejamos a passagem abaixo,onde MONTESQUIEU procura apresentar uma de suas justificativas para aexistncia da Cmara Alta (corpo legislativo formado por nobres, ao lado do corpolegislativo formado por representantes do povo):

    Dos trs poderes de que falamos, o Poder de Julgar, de certomodo, nulo. Sobram dois. E, como estes tm necessidade de um

    poder regulador para temper-los, a parte do corpo legislativocomposta por nobres muito apropriada para produzir esse efeito.17.(destacamos)

    Entretanto, o temor dos americanos tirania do legislativo (jpresente em LOCKE e MONTESQUIEU), manifestado nos artigos federalistas18na verdade, justificativa ex post facto da Constituio que ajudaram a elaborar que inspirou MADISON, HAMILTON e JAY, em especial os primeiros, tendo emmira as lies de MONTESQUIEU, a alinhavarem a construo de um modelo deseparao dos poderes que mitigasse a supremacia do Poder Legislativo,conferindo maior equilbrio relao entre os poderes, objetivando, na realidade, ofortalecimento do Poder Executivo. Afastando-se, desta forma, do modelo europeuque outorgava ao Legislativo papel proeminente.

    HAMILTON ou MADISON19 at reconheciam como desgraa que nos governos republicanos o Poder Legislativo predomina necessariamente.Em razo disso, que sero propostos mecanismos para equilibrar leia-se:deferir maiores poderes ao Executivo estas foras, balancear o peso dospoderes, como os que j existiam, por exemplo na Inglaterra, entre a Cmaras dos

    16Do esprito das leis, So Paulo : Saraiva, 2000, p.167-168.17 Ibid., p.173.18 O federalista. In Os Pensadores,So Paulo : Victor Civita Editor, 1979, caps. XLVII e LI.19 H uma dvida (segundo a publicao j citada, Os Pensadores) acerca da autoria do artigofederealista n 51, Hamilton ou Madison.

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    Lordes e dos Comuns. Nesse sentido, vale a pena a leitura de emblemticapassagem do artigo federalista n 51:

    Mas a desgraa que, como nos governos republicanos o PoderLegislativo h de necessariamente predominar, no possvel dara cada um dos outros meios suficientes para a sua prpria defesa. O

    nico recurso consiste em dividir a legislatura em muitas fraes eem deslig-las umas das outras,j pela diferente maneira de eleg-las, j pela diversidade dos seus princpios de ao, tanto quanto o

    permite a natureza das suas funes comuns e a dependnciacomum em que elas se acham da sociedade. Mas este mesmo meioainda no basta para evitar todo o perigo das usurpaes. Se oexcesso da influncia do corpo legislativo exige que ele sejaassim dividido, a fraqueza do Poder Executivo, pela sua parte,

    pede que seja fortificado. O veto absoluto , primeira vista, aarma mais natural que pode dar-se ao Poder Executivo para quese defenda: mas o uso que ele pode fazer dela pode ser perigoso emesmo insuficiente.20(...)

    Para manter a separao dos poderes, que todos assentam seressencial manuteno da liberdade, de toda necessidade quecada um deles tenha uma vontade prpria; e, por conseqncia, queseja organizado de tal modo que aqueles que o exercitam tenham amenor influncia possvel na nomeao dos depositrios dosoutros poderes.21

    Nesse passo, cumpre destacar, a grande responsabilidade dosEstados Unidos por situar o Poder Judicirio no mesmo nvel poltico dos outrosdois ramos do governo22, configurando sua moderna funo no mundo. Foiatravs da clebre deciso de JOHN MARSHALL, Chief-Justice da Suprema Cortenorte-americana, no caso MARBURY versus MADISON (1803), que inaugurou o

    poder da judicial review(reviso judicial), segundo o qual compete ao PoderJudicirio dizer o que lei23, considerada lei aquele ato legislativo emconformidade com a Constituio, ato legislativo contrrio Constituio no lei24.

    Afirmou-se, assim, o poder daquela corte para a declarao deinconstitucionalidade de um ato legislativo, principiando o sistema de controle daconstitucionalidade (difuso).

    Esta deciso to crucial para a caracterizao das atribuies doPoder Judicirio e para o reconhecimento de sua vital importncia no concerto das

    20O federalista, op. cit., p.131, nota 18.21 Ibid., p.130.22 Paulo Fernando Silveira, freios e contrapesos (checks and balances), p.94.23 Ibid., p.90.24 Leonard Baker, John Marshall - A life in law, Easton Press, 1990, v.2, p.407, apud PauloFernando Silveira, op. cit., p. 91, nota 22..

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    funes do Estado que atribui-se a ela a responsabilidade pela fundao dadoutrina americana da supremacia judicial.25

    Interessante notar, ainda, a importncia do papel dos FoundingFathers, norte-americanos, no sentido de viabilizar a convolao de uma doutrina

    em princpio constitucional, de modo que, em 1787, os Estados Unidos daAmrica positivaram em sua Constituio a diviso funcional dos poderes,conferindo, atravs de sua lei fundamental, o papel de cada um dos poderes legislativo (art. 1), executivo (art. 2) e judicirio (art. 3) na conformao dasfunes poltico-constitucionais bsicas.

    Da mesma forma que a diviso de MONTESQUIEU, conforme ensinaAlexandre de Moraes, tornando-se princpio fundamental da organizao polticaliberal, transformada em dogma pelo art. 16 da Declarao dos Direitos doHomem e do Cidado, de 178926:

    Toda sociedade na qual a garantia dos direitos no est assegurada,nem a separao de poderes estabelecida no tem constituio.(destacamos)

    Assim que a formulao da doutrina da separao dos poderes,como tcnica para a limitao do poder, posta em prtica nas RevoluesLiberais Burguesas dos sculos XVII e XVIII Revoluo Gloriosa, Inglaterra1688/89, Independncia Norte-Americana, 1776, e Revoluo Francesa, 1789 em resposta aos abusos e iniqidades resultantes, entre outros fatores, daconcentrao de poderes nas mos do soberano, tpica do Absolutismo da IdadeModerna. Vale lembrar que essa era marca o incio do Estado de Direito.

    2. EVOLUO DO CONCEITO DE SEPARAO DOSPODERES ENQUANTO PRINCPIO CONSTITUCIONAL NODIREITO BRASILEIRO

    Para demonstrao da evoluo do conceito de separao dospoderes, enquanto princpio constitucional no Brasil, reproduziremos os textosrelativos, acrescidos de comentrios. No tocante ao perodo de 1824 a 1946, ouseja, da Carta Imperial de 1824 Constituio de 1946, resgatamos j citadoestudo do Professor Doutor A. P. SOARES DE PINHO27, enriquecido de umaanlise da Constituio de 1937, da lavra do Professor Doutor PAULOBONAVIDES em co-autoria com PAES DE ANDRADE, lanada na obra HistriaConstitucional do Brasil.

    CONSTITUIO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL DE 1824

    25 Vide C. Herman Pritchett, a supremacia judicial de Marshal a Burger, in ensaios sobre aConstituio dos Estados Unidos, editado por M. Judd Harmon, Rio de Janeiro : ForenseUniversitria, [s.a.p.], p.145-162.26 Direito constitucional, p.354.27Freios e contrapesos do Governo na Constituio brasileira.

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    TITULO 3Dos poderes, e Representao Nacional.

    Art. 9. A Diviso, e harmonia dos Poderes Polticos o princpioconservador dos Direitos dos Cidados, e o mais seguro meio defazer effectivas as garantias, que a constituio offerece.

    Art. 10. Os Poderes Polticos reconhecidos pela Constituio doImperio do Brazil so quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador,o Poder Executivo e o Poder Judicial.

    Art. 11. Os Representantes da Nao Brazileira so o Imperador, e aAssembla Geral.Art. 12. Todos estes Poderes no Imperio so delegaes da Nao.28(..).TITULO 5Do ImperadorCAPITULO I.Do Poder Moderador

    Art. 98. O Poder Moderador a chave de toda a organisao Politica,e delegado privativamente ao Imperador, como Chefe supremo daNao, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente velesobre a manuteno da Independencia, equilibrio, e harmonia dos

    mais Poderes Polticos.Art. 99. A Pessoa do Imperador inviolavel, e Sagrada: Elle no estsujeito a responsabilidade alguma.

    Art. 100. Os seus Titulos so "Imperador Constitucional, e Defensorperpetuo do Brazil" e tem o Tratamento de Magestade Imperial.Art. 101. O Imperador exerce o Poder ModeradorI. Nomeando os Senadores, na frma do Art. 43.II. Convocando a Assembla Geral extraordinariamente nosintervallos das Sesses, quando assim o pede o bem do ImprioIII. Sanccionando os Decretos, e Resolues da Assembla Geral,

    para que tenham fora de Lei: Art. 62.IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resolues dosConselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87.

    V. Prorogando, ou adiando a Assembla Geral, e dissolvendo aCamara dos Deputados, nos casos, em que exigir a salvao doEstado; convocando imediatamente outra, que a substitua.VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.VII. Suspendendo os magistrados nos casos do Art. 154.VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas aos Roscondemnados por Sentena.IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhema humanidade, e bem do Estado.29

    Acompanhando as idias da poca, pelo menos do ponto de vista daforma, a Constituio do Imprio do Brasil tambm consubstancia em princpioconstitucional a separao dos poderes, dividindo, entretanto, as funes doEstado, em quatro (art. 10).

    Adicionou-se, todavia, clssica tripartio, como vimos nareproduo de dispositivos da Carta Imperial acima transcrito, um quarto poder, oModerador (arts. 98 e seguintes), conferido ao Imperador, ao qual tambm era

    28 Hilton Lobo e Adriano Campanhole, Constituies do Brasil, p. 814.29 Ibid., p. 823.

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    confiada a chefia do Poder Executivo (arts. 102 e seguintes), desequilibrandocompletamente a relao entre os poderes com uma ntida prevalncia do PoderExecutivo exercido pelo Monarca.

    De acordo, A. P. SOARES DE PINHO30, o Poder Moderador,

    teorizado por Benjamin Constant, seria destinado a estabelecer o equilbrio entreos demais poderes e exercido pelo Imperador, ou, ainda, seria a chave de todaorganizao poltica, ou melhor, o fecho da abbada, a cpula do governo.

    Neste passo, o autor tambm oferece seu contributo compreensoda doutrina da separao dos poderes, demonstrando a presena, na Carta de1824, da idia de interpenetrao, equilbrio e harmonia dos poderes e suaimportncia como tcnica de limitao do poder em benefcio da liberdadeindividual. Vejamos:

    O que pretendemos deixar assinalado que a diviso de poderesnunca se dissociou da idia da sua interpenetrao, do seu

    equilbrio, da sua harmonia, no podendo ser tida como absoluta edesintegradora.E teve sempre em vista, no consenso unnime dos que a adotaram, alimitao do poder em benefcio da liberdade individual.Nem seria lcito imaginar-se que o Estado, destinado a servir aohomem, e sua criao, fosse organizado e funcionasse de tal modoque o absorvesse e o oprimisse, como ocorre nos regimesabsolutistas e totalitrios.(...)

    A diviso da Assemblia Geral, rgo do Poder Legislativo, em duasCmaras, como ainda hoje ocorre, j inclui nesse ramo um dos

    processos de interpenetrao, exercendo a ao frenadora atravsda qual se visa a alcanar o desejado equilbrio.31

    A primeira Constituio da Repblica, a Constituio da Repblicados Estados Unidos do Brazil, consagrou a tradicional tripartio dos poderes,repudiando a monarquia, adotando o presidencialismo norte-americano comosoluo para a titularidade do Poder Executivo. Esta no foi a nica contribuiodo modelo norte-americano.

    A Constituio dos Estados Unidos da Amrica, indiscutivelmente,representou o mais importante referencial dos constituintes brasileiros. Princpiosestruturantes, como a forma federal da organizao de nosso Estado, com aconseqente repartio espacial de competncias, foram adotados sob a

    influncia ditada, principalmente, por Rui Barbosa. E quanto separao dospoderes, assim dispunha:

    Art. 15. So orgos da soberania nacional o Poder Legislativo, oExecutivo e o Judiciario, harmonicos e independentes entre si.32

    30 Op. cit., p.27, nota 27.31 Ibid., p.27-28.32 Op. cit., p. 753, nota 28.

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    O Professor SOARES DE PINHO, bem salienta:

    (...) alm da conservao do princpio da diviso de poderes, surge,tambm, o da distribuio de competncias entre a Unio e osEstados-membros, de onde decorrem novas limitaes e novos freios

    e contrapesos.33

    (...)

    A vigncia da primeira Constituio republicana enseja ofuncionamento do mecanismo do equilbrio dos poderes, com aatuao recproca de cada um sobre os demais, na conteno deexcessos, mecanismo que vai atuar, igualmente, no campo

    peculiar do legislativo, na interao exercida pelas duas casasdo Congresso Nacional e, ainda, nos trs nveis em que sedesdobra a federao Unio, Estados-membros, municpios.34

    A efmera Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasilde 1934 segue a tradio inaugurada pela primeira Carta da Repblica, e elencatrs rgos da soberania nacional:

    Art. 3 So orgos da soberania nacional, dentro dos limitesconstitucionaes, os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio,independentes e coordenados entre si.35

    Grandes novidades so introduzidas no Poder Legislativo.

    O Senado Federal incumbido do papel de coordenao dospoderes, ao qual cumpria, nos termos do art. 88, Captulo V, da Carta, manter acontinuidade administrativa e velar pela Constituio. Note-se que o SenadoFederal passa a ser tratado fora do captulo reservado ao Poder Legislativo

    (Captulo II), passando a ser um mero colaborador do Poder Legislativo, a teor dodisposto no prprio art. 22 da Carta. Vejamos:

    CAPTULO II

    Do Poder Legislativo(...)

    Art. 22 - O Poder Legislativo exercido pela Cmara dosDeputados com a colaborao do Senado Federal.36

    33 O Professor Canotilho d o nome de repartio vertical separao e interdependncia dosrgo de soberania que visa a delimitao das competncias e as relaes de controlo segundocritrios fundamentalmente territoriais (competncia do Estado central, competncia das regies,competncia dos rgos locais), a repartio horizontal refere-se diferenciao funcional(legislao, execuo, jurisdio), delimitao institucional de competncias e s relaes decontrolo e interdependncia recproca entre os vrios rgos de soberania. (Direito constitucional eteoria da Constituio, p.513),34 Op. cit., p. 30, nota 27.35Constituies do Brasil, p.683.36 Ibid., p.691.

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    Ao mesmo tempo em que a Carta de 1934 retirou do Senado ainiciativa ampla em matria legislativa (art. 91, I, VII), reservando-a a Cmara dosDeputados, destinou-lhe competncias importantes relativas aos assuntos deinteresse dos Estados-membros (alneas b, c e d, do art. 90), conferindo-lhe,ainda, a supremacia para exercitar o sistema de freios e contrapesos (arts. 90, a a

    d, 91, II

    37

    , III, IV

    38

    e VII

    39

    ).Na Cmara dos Deputados instituda a chamada representao

    classista. A simples leitura do dispositivo bem explica a inovao, ao nosso ver, jinspirada no corporativismo que grassava na Europa, conforme veremos adiante.Com efeito, dispunha o artigo 23 da Constituio de 1934:

    A Cmara dos Deputados compe-se de representantes do povo,eleitos mediante systema proporcional e suffragio universal, igual edirecto, e de representantes eleitos pelas organizaes

    profissionaes, na forma que a lei indicar.40

    A Constituio de 1937, outorgada por GETLIO VARGAS, silenciaem relao ao princpio da separao dos poderes, e como bem diz Soares dePinho, o silncio bem expressivo.

    Existem, todavia, previses do Poder Legislativo, artigos 38 eseguintes, do Poder Judicirio, artigos 90 e seguintes, e, emblematicamente, DOPRESIDENTE DA REPBLICA, o qual, consoante o artigo 73 a autoridadesuprema do Estado ecoordena a atividade dos rgos representativos de grausuperior, dirige a poltica interna e externa, promove ou orienta a poltica legislativade interesse nacional, e superintende a administrao do pas.41

    Ao indicar o Presidente da Repblica como autoridade suprema,obviamente a Constituio no poderia falar em equilbrio ou harmonia. Seu artigo75, alnea b, conferia ao Presidente da Repblica a prerrogativa de dissolver aCmara dos Deputados em caso da no aprovao por aquele rgo de medidastomadas durante estado de guerra ou emergncia.

    Como bem observa SOARES DE PINHO, nem mesmo acompetncia deixada ao Judicirio para declarar a inconstitucionalidade de lei e,aparentemente, mantida, poderia exercer-se de modo terminativo.42 Vejamos oque dispe o artigo 96:

    37 O inciso II do art. 91 conferia ao Senado a suspenso da execuo de atos normativos queexorbitassem o poder regulamentar do executivo.38 A suspenso das leis, atos, deliberaes ou regulamentos declarados inconstitucionais peloPoder Judicirio (Corte Suprema, art. 76, II, b e c), em sede de controle difuso, como ainda hojeocorre, figurou pela primeira vez nas atribuies do Senado.39 Aqui o Senado funciona como Casa revisora, no estilo da tradicional formulao Cmara Altarevendo a produo da Cmara Baixa.40Constituies do Brasil, op. cit., p. 691.41 Ibid., p.611.42Freios e contrapesos do Governo na Constituio brasileira, p.37.

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    Art. 96 - S por maioria absoluta de votos da totalidade dos seusJuzes podero os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei oude ato do Presidente da Repblica.Pargrafo nico - No caso de ser declarada a inconstitucionalidade deuma lei que, a juzo do Presidente da Repblica, seja necessria ao

    bem-estar do povo, promoo ou defesa de interesse nacional dealta monta, poder o Presidente da Repblica submet-lanovamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar pordois teros de votos em cada uma das Cmaras, ficar semefeito a deciso do Tribunal. (destaques nossos)

    Outra inovao da chamada polaca43, de ntida inspirao docoorporativismo fascista e portugus44, a substituio do Senado Federal porum Conselho Federal, composto de representantes dos Estados e por dezmembros nomeados pelo Presidente da Repblica, e, ainda a criao de umConselho da Economia Nacional para colaborar com o Poder Legislativo,composto por representantes dos vrios ramos da produo nacional, obreiros e

    patronais45

    (artigos 38, 46, 50, 57 e 61).

    Nesse passo, registramos as procedentes crticas de PAULOBONAVIDES e PAES DE ANDRADE:

    A competncia dos trs Poderes na Constituio de 1937, erameramente formal. Os artigos 38 e 49 que tratavam do PoderLegislativo esboroavam-se com o conjunto do texto e, mesmo, com acoexistncia de um Conselho Federal criado pelos artigos 50 e 56,usurpando faculdades legislativas com dez dos seus membrosescolhidos pelo Presidente da Repblica e os restantes pelas

    Assemblias Legislativas dos Estados.Era o Senado sem voto popular, constitudo j poca, dossenadores binicos que recebiam a designao de conselheiros.Quanto ao Judicirio, o arbtrio do Poder Executivo ultrapassava atmesmo o texto da Carta constitucional. Esta, todavia deixava abrecha para esses abusos, quando em seu artigo 91, ressaltava as

    43 Denominao pejorativa de polaca Constituio de 1937, transmitia o conhecimento decontedo e de ideologia do texto, aurido na Carta polonesa, de origem totalitria e fascista, econstruda por Pilsudski (Paulo Bonavides e Paes de Andrade, histria constitucional do Brasil, p.345).44 Em nossa histria, como a primeira Constituio que no saiu da representao popular, a Cartade 10 de novembro de 1937 no se contentou com os movimentos direitistas da Alemanha e daItlia, vindo buscar no corporativismo portugus, at denominao de Estado Novo, para tentar

    definir o regime (op. cit., p. 340, nota 43).45 Ao Conselho da Economia Nacional competia o exerccio de importantes funes normativas,participando, inclusive do prprio processo legislativo. Com efeito dispunha o artigo 61 daConstituio: b) estabelecer normas relativas assistncia prestada pelas associaes, sindicatosou institutos; c) editar normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho entre os sindicatosda mesma categoria da produo ou entre associaes representativas de duas ou maiscategorias; d) emitir parecer sobre todos os projetos, de iniciativa do Governo ou dequalquer das Cmaras, que interessem diretamente produo nacional; (grifo nosso)(Adriano Campanhole e Hilton Lobo Campanhole, Constituies do Brasil, p. 608).

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    restries vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade dosvencimentos dos magistrados.

    A competncia dos trs Poderes ficou limitada ao centralismo doExecutivo e condicionada aos interesses do chefe supremo daadministrao o Presidente da Repblica.46

    Aps o trmino da ditadura VARGAS, o pas se reconcilia com ademocracia e em 1946 promulga sua nova Constituio. E dentre outrosimportantes avanos, o Brasil reata-se com a melhor tradio consagradora doprincpio da separao dos poderes:

    CONSTITUIO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 1946 Art. 36. So Podres da Unio o Legislativo, o Executivo e oJudicirio, independentes e harmnicos entre si. 1 O cidado investido na funo de um dles no poder exercer ade outro, salvo as excees previstas nesta Constituio. 2 vedado a qualquer dos Podres delegar atribuies.47

    o constituinte de 1946 que inaugura a tcnica de redao utilizadanas constituies posteriores para enunciar o princpio, substituindo a idia decoordenao entre os poderes, presente na Carta de 1934, por harmonia,conforme, alis, constava das constituies anteriores. Assim descreve o perodoo Professor SOARES DE PINHO:

    (...) a adoo do sistema bicameral, seguindo a tradio do nossodireito pblico, permite s duas casas competentes do CongressoNacional exercer recproca ao frenadora, evitando excessos ou

    precipitaes na elaborao legislativa.O mesmo ocorre em se tratando da atividade dos trs poderes, cujosabusos e extralimitaes encontram os indispensveis freios econtrapesos disposio de cada qual e dos membros dacomunidade nacional.48

    Destaque-se da tcnica empregada na afirmao do princpio pelolegislador constituinte de 46, a expressa vedao do exerccio concomitante defunes distintas pelo mesmo cidado ( 1, art. 36).

    A Constituio do ltimo perodo autoritrio, formalmente, no inovoucom relao Constituio democrtica de 1946 no que se refere ao princpio daseparao dos poderes.

    Registre-se, to somente, a introduo, atravs do artigo 58 da

    Constituio de 1967 (art. 55 da Emenda n 01/69), do famigerado instituto dodecreto-lei, que na prtica, em virtude, principalmente, da previso de suaaprovao por decurso de prazo, em face da omisso do Congresso Nacional,conferia competncia legislativa plena ao chefe do Poder Executivo.

    46Histria Constitucional do Brasil, p.345.47Constituies do Brasil, p. 48248Freios e Contrapesos do Governo na Constituio Brasileira, p.41.

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    Art. 58 - O Presidente da Repblica, em casos de urgncia ou deinteresse pblico relevante, e desde que no resulte aumento dedespesa, poder expedir decretos com fora de lei sobre as seguintesmatrias:I - segurana nacional;

    II - finanas pblicas.Pargrafo nico - Publicado, o texto, que ter vigncia imediata, oCongresso Nacional o aprovar ou rejeitar, dentro de sessenta dias,no podendo emend-lo; se, nesse prazo, no houver deliberao otexto ser tido como aprovado.Art. 55. O Presidente da Repblica, em casos de urgncia ou deintersse pblico relevante, e desde que no haja aumento dedespesa, poder expedir decretos-leis sbre as seguintes matrias:I - segurana nacional;II - finanas pblicas, inclusive normas tributrias; eIII - criao de cargos pblicos e fixao de vencimentos. Obra citada,Constituies do Brasil, Constituio de 1967, p. 401. 1 Publicado o texto, que ter vigncia imediata, o CongressoNacional o aprovar ou rejeitar, dentro de sessenta dias, nopodendo emend-lo; se, nesse prazo, no houver deliberao, o textoser tido por aprovado. 2 A rejeio do decreto-lei no implicar a nulidade dos atospraticados durante a sua vigncia.

    CONSTITUIO DO BRASIL DE 1967Art. 6 So Podres da Unio, independentes e harmnicos, oLegislativo, o Executivo e o Judicirio.Pargrafo nico - Salvo as excees previstas nesta Constituio, vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuies; o cidadoinvestido na funo de um deles no poder exercer a de outro.49

    EMENDA CONSTITUCIONAL N 01, DE 1969

    Art. 6 So Poderes da Unio, independentes e harmnicos, oLegislativo, o Executivo e o Judicirio.Pargrafo nico. Salvo as excees previstas nesta Constituio, vedado a qualquer dos Podres delegar atribuies; quem frinvestido na funo de um dles no poder exercer a de outro.50

    A chamada Constituio Cidad, formalmente tambm no inova aoenunciar sua sujeio ao princpio da separao dos poderes, reafirmando anecessidade da independncia e harmonia entre eles. Ficaram suprimidas doenunciado, todavia, as vedaes expressas da delegao de competncia e daacumulao de funes em diferentes poderes.

    CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE1988

    TTULO IDos Princpios Fundamentais

    49 Constituies do Brasil, p.280 e p.383.50 Ibid., p.256.

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    Art. 2 So Poderes da Unio, independentes e harmnicos entre si,o Legislativo, o Executivo e o Judicirio.51

    A despeito, entretanto, da excessiva participao do Poder Executivono processo legislativo, inclusive com a possibilidade da edio de medidasprovisrias pelo Presidente da Repblica, com fora de lei,52 e tambm da

    concentrao exagerada de matrias reservadas ao legislador federal, por forada repartio vertical (entre Unio, Estados e Municpios) de competncias,adotadas pelo constituinte de 88, a limitao do poder no Brasil experimentou umaimportante evoluo, em especial com o reforo do papel do Poder Judicirio e doMinistrio Pblico na tutela dos interesses coletivos e difusos, da tarefa de defesada ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e individuaisindisponveis (art. 127, C.F.).

    Assim, o princpio da separao dos poderes sai fortalecido do ltimoprocesso constituinte popular de 1988, considerando, como dissemos, a adoode importantes sistemas de controle jurdico do poder, que, conforme adverte

    Nuno Piarra, passam a constituir o ncleo essencial, o centro de gravidade doprincpio da separao dos poderes no Direito Contemporneo53. o que veremosao final de nosso trabalho. Antes, contudo, aprofundaremos o estudo no que tocaao Sistema de Freios e Contrapesos.

    3. SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS (CHECKSAND BALANCES)

    Como dissemos, de incio, A. P. SOARES DE PINHO identifica nasformas de governo de Aristteles a origem do sistema de freios e contrapesos.54

    JOHN H. GARVEY e T. ALEXANDER ALEINTKOFF55 ensinam que obalance (contrapesos, equilbrio) surge na Inglaterra, a partir da ao da Cmarados Lordes (nobreza e clero) equilibrando (balanceando) os projetos de leisoriundos da Cmara dos Comuns (originados do povo), a fim de evitar que leisdemagogas, ou formuladas pelo impulso momentneo de presses populares,fossem aprovadas. Na verdade, o objetivo implcito era conter o povo,principalmente contra as ameaas aos privilgios da nobreza.

    51Constituies do Brasil, p.15.52 Art. 62. Em caso de relevncia e urgncia, o Presidente da Repblica poder adotar medidas

    provisrias, com fora de lei, devendo submet-las de imediato ao Congresso Nacional, que,estando em recesso, ser convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cincodias.Pargrafo nico. As medidas provisrias perdero eficcia, desde a edio, se no foremconvertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicao, devendo o CongressoNacional disciplinar as relaes jurdicas delas decorrentes.

    53Constituies do Brasil, p. 258-259.54Freios e contrapesos do Governo na Constituio Brasileira, p.45.55 Modern constitutional theory : a reader, St. Paul : West Publishing, 1991, p.238, apud PauloFernando Silveira, freios e contrapesos (checks and balances), p.99.

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    MONTESQUIEU explcito ao justificar a necessidade dobicameralismo, Cmaras Alta e Baixa lembrando nesse passo que o famosolivro Dcimo Primeiro do Esprito das Leis, onde se encontra a formulao datripartio dos poderes do autor, dedicado anlise da Constituio daInglaterra:

    Existem sempre num Estado pessoas eminentes pelo nascimento,pelas riquezas ou pelas honras.Se elas ficassem confundidas entre o Povo, e no tivessem seno umvoto como os outros, a liberdade comum seria a sua escravido, eelas no teriam interesse em defender a liberdade, porquanto amaioria seria contra elas.A participao dessas pessoas na Legislao deve pois estarproporcionada s demais vantagens que tm no Estado. Ora, isto sedar se elas formarem um corpo com direito de frear as iniciativas doPovo, assim como o Povo ter o direito de frear as delas.56

    Identifica-se tambm na evoluo do modelo poltico ingls, duas

    outras importantes ferramentas iniciais do sistema de freios e contrapesos. O vetoe o impeachment. O primeiro, inicialmente concebido, no modelo do King inParliament, enquanto ato do Rei em cooperao e aperfeioamento do processolegislativo, passa a exprimir a negative voice, expressando, to somente, aoposio do Rei que no mais participa do processo legislativo, apenas o controla, podendo impedir que a legislao entre em vigor atravs do veto. Oimpeachment, por sua vez, mecanismo jurdico que permite o controle doparlamento sobre os atos executivos dos Ministros do Rei. O Parlamento noexecuta, mas controla o exerccio da funo executiva. 57

    O check, segundo o juiz mineiro PAULO FERNANDO SILVEIRA,

    surgiu58

    quando o Justice MARSHAL declarou sua opinion, lanada no famosocaso Marbury x Madison, em 1803 conforme acima abordamos , que o PoderJudicirio tinha a misso constitucional de declarar a inconstitucionalidade e,portanto tornar nulos dos atos do Congresso, quando, a seu exclusivo juzo, taislei no guardassem harmonia com a Carta Poltica. Pela doutrina do JudicialReview, o Judicirio passa a controlar o abuso do poder dos outros ramos59.

    Assim, do empirismo britnico, da racionalizao de MONTESQUIEUe do pragmatismo norte-americano, exsurge o que, como j dissemos, ser oprincipal elemento caracterizador do princpio da separao dos poderes noDireito Contemporneo, o sistema de freios e contrapesos (checks and balances).

    56Do esprito das leis, p.173.57 Sobre o assunto, vide Nuno Piarra, A separao dos poderes como doutrina e princpioconstitucional um contributo para o estudo das suas origens e evoluo, p.59-62 e 79-83.58 Nuno Piarra ensina que a doutrina dos checks and balances surge, por completo, na Inglaterra(op. cit., p.83, nota 57). Vide ainda nota de rodap 9.59Freios e contrapesos (checks and balances), p.99. Sobre Marbury v. Madison vide tambm p.85-94.

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    4. O CONTROLE NA CONSTITUIO FEDERAL DE1988

    Desta forma, dividido o poder e individuados seus rgos, assimcomo superada a idia da prevalncia de um sobre o outro, atravs da

    compreenso da necessidade de equilbrio, independncia e harmonia entre eles,admitindo-se, inclusive a interferncia entre eles60, ganha fora a idia de controlee vigilncia recprocos de um poder sobre o outro relativamente ao cumprimentodos deveres constitucionais de cada um. A esto presentes os elementosessenciais caracterizadores do moderno conceito do princpio da separao dospoderes.

    Deste conceito, com o fito de darmos continuidade aos nossosestudos, destacamos a idia de CONTROLE, aqui entendido tanto o exercciocomo o resultado de funes especificas que destinam a realizar a conteno do

    poder do Estado, seja qual for sua manifestao, dentro do quadro constitucional

    que lhe for adscrito61

    .

    Destacado o conceito de controle de DIOGO DE FIGUEIREDOMOREIRA NETO, proferido em profundo estudo, valemo-nos, tambm, daclassificao idealizada pelo autor para a anlise de exemplos de controle daConstituio do Brasil de 1988. Vejamos:

    Sob o critrio objetivo as funes de controle podem ser agrupadasem quatro modalidades bsicas: 1 controle de cooperao; 2 controle de consentimento; 3 controle de fiscalizao e 4 controle de correo. (destacamos)De acordo com esta classificao:

    1 controle de cooperao:O controle de cooperao o que se perfaz pela co-participaoobrigatria de um Poder no exerccio de funo de outro.Pela cooperao, o Poder interferente, aquele que desenvolve essafuno que lhe atpica, tem a possibilidade de intervir, de algum modoespecifico, no desempenho de uma funo tpica do Poder interferido,tanto com a finalidade de assegurar-lhe a legalidade quanto legitimidade do resultado por ambos visado.2 Controle de consentimento:O controle de consentimento o que se realiza pelo desempenho defunes atributivas de eficcia ou de exeqibilidade a atos de outroPoder.Pelo consentimento, o Poder interferente, o que executa essa funo quelhe atpica, satisfaz a uma condio constitucional de eficcia ou de

    60 Celso Bastos adverte no sentido de que hodiernamente os rgo estatais no exercemsimplesmente funes prprias, mas desempenham tambm funes denominadas atpicas, querdizer, prprias de outros rgos. que todo poder (entendido como rgo) tende a uma relativaindependncia no mbito estatal e compreensvel que pretenda exercer na prpria esfera as trsmencionadas funes (legislativa, judiciria e executiva) em sentido material.(Curso de DireitoConstitucional, p.345).61 Interferncias entre Poderes do Estado, in Revista de Informao Legislativa, Braslia : Senado,n 103, p.13, jul./set. 1989.

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    exequibilidade de ato do Poder interferido, aquiescendo ou no, no todoou em parte, conforme o caso, com aquele ato, submetendo-o a um crivode legitimidade e de legalidade.3 Controle de fiscalizao:O controle de fiscalizao o que se exerce pelo desempenho defunes de vigilncia, exame e sindicncia dos atos de um Poder poroutro.Pela fiscalizao, o Poder interferente, o que desenvolve essa funoatpica, tem a atribuio constitucional de acompanhar e de formarconhecimento da prtica funcional do Poder interferido, com a finalidadede verificar a ocorrncia de ilegalidade ou ilegitimidade em sua atuao.4 Controle de correo:O controle de correo o que se exerce pelo desempenho de funesatribudas a um Poder de sustar ou desfazer atos praticados por umoutro.Pela correo, realiza-se a mais drstica das modalidades de controle,cometendo-se ao Poder interferente a competncia constitucional desuspender a execuo, ou de desfazer, atos do Poder interferido quevenham a ser considerados viciados de legalidade ou de legitimidade.

    Passemos aos exemplos constitucionais ptrios destes controles.

    4.1. Controle do Poder Executivo exercido em relao aoLegislativo - A previso constitucional da possibilidade do VETO do PoderExecutivo elaborao legislativa exemplo mais difundido de forma de controleda atividade tpica do Poder Legislativo por parte Executivo. No ordenamentoptrio temos:

    Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluda a votao enviar oprojeto de lei ao Presidente da Repblica, que, aquiescendo, osancionar.

    1. Se o Presidente da Repblica considerar o projeto, no todo ouem parte, inconstitucional ou contrrio ao interesse pblico, vet-lo-total ou parcialmente, no prazo de quinze dias teis, contados da datado recebimento, e comunicar, dentro de quarenta e oito horas, aoPresidente do Senado Federal os motivos do veto.(...)Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da Repblica:(...)III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstosnesta Constituio;IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedirdecretos e regulamentos para sua fiel execuo;V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;(...)XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros doTribunal de Contas da Unio; (destaques nossos)

    O veto, como j vimos, constituiu marco histrico na conformaodo sistema de freios e contrapesos.

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    O veto foi concebido como instrumento de cooperao entreLegislativo e Executivo (no modelo King in Parliament), como, inclusive, defendeque ainda o seja, atualmente, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO62.

    Ousando discordar do autor da classificao utilizada, e

    considerando que o veto, pelo menos, momentaneamente, impede que a lei entreem vigor, classificaramo-lo como forma de controle mais rigorosa, talvez umasituao sui generis, um controle de correo no necessariamente terminativo,ou, pelo menos, como controle de fiscalizao, vez que, indiscutivelmente,constitui modalidade de controle preventivo de constitucionalidade de norma.

    Parecem-nos mais prximas da idia do controle de cooperao asprevises constantes dos incisos III e IV acima transcrito, ou seja, a iniciativafacultativa de legislao registre-se, absurdamente ampla, ao nosso ver , bemcomo sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, e expedir decretos eregulamentos para execuo da lei.

    DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO ainda aponta comocontrole de cooperao a competncia do Presidente da Repblica de nomear umtero dos membros do Tribunal de Contas da Unio (inciso XV do art. 84).

    4.2. Controle do Poder Executivo exercido em relao aoJudicirio - Em primeiro lugar, aproveitando as observaes acima, referimo-nos possibilidade do veto (art. 84, V) do chefe do Poder Executivo a propostaslegislativas de iniciativa do Poder Judicirio. Assim como, valendo tambm para oPoder Legislativo, bom lembrar que a possibilidade do veto alcana a leioramentria, encontrando limite, todavia, ao nosso ver, na autonomiaadministrativa e financeira garantida pela Constituio no art. 99.

    Vislumbramos mecanismo de controle, talvez controle defiscalizao, na possibilidade prevista no 4 do art. 103 da Constituio, de serproposta pelo Presidente da Repblica perante o Supremo Tribunal Federal, aodeclaratria de constitucionalidade diante da existncia de controvrsia judicialrelevante sobre a aplicao de norma, nos termos do art. 14, III, da Lei n9.868/99, especialmente em face do efeito vinculante da declarao deconstitucionalidade, relativamente aos demais rgos do Poder Judicirio,conforme previsto no 2 do art. 102 da C.F.

    Parece-nos, tambm, que a faculdade atribuda ao Presidente daRepblica no art. 84, XII, da CF, para a concesso de indulto e comutao depenas, pode ser utilizada como forma de controle de correo da atividade

    jurisdicional, quando no motivada a deciso, apenas pelo juzo de convenincia eoportunidade, mas inspirado, o Chefe do Executivo, pelo carter controvertido,

    juridicamente, da sentena condenatria judicial.

    62 Op. cit., p.14-15, nota 51.

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    4.3. Controle do Poder Judicirio exercido em relao aoLegislativo -O exemplo de controle do Poder Judicirio exercido em relao aoLegislativo no poderia ser outro seno o mais importante: o controle daconstitucionalidade das leis produzidas pelo Legislativo. Aqui o Poder Judicirio,no exerccio de sua funo tpica (Supremo Tribunal Federal, guardio da

    Constituio art. 102, caput), exerce o controle de correo, determinandoinclusive a suspenso da execuo de lei inconstitucional. O controle daconstitucionalidade experimenta importante incremento com a Carta de 1988,atravs da previso do controle concentrado (via de ao) de constitucionalidade(art. 102, I, a, ao direta de inconstitucionalidade ADIN e a aodeclaratria de constitucionalidade ADECON; 1, a argio dedescumprimento de preceito fundamental ADPF; art. 103, 2, ADIN poromisso).

    Outro exemplo, controle de cooperao, tambm a possibilidadeda deflagrao do processo legislativo (arts. 93 e 96, II da CF).

    4.4. Controle do Poder Judicirio exercido em relao aoExecutivo - Sobre os exemplos deste controle, reportamo-nos, tambm, aoCONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE, em especial s observaes do itemanterior, esclarecendo que se o Poder Executivo concorre para ainconstitucionalidade, atravs da sano da norma, figurar no plo passivo daADIN (ao direta de inconstitucionalidade).

    Ainda no campo do controle de constitucionalidade, destacamos quetalvez a nica aplicao que restou vivel da chamada ADIN (ao direta deinconstitucionalidade) por omisso, aps as decises do Supremo TribunalFederal, balizando a aplicao do instituto63, justamente a contida na parte finaldo disposto no 2, 103 da CF, dirigida aos rgos administrativos, o quaissero compelidos a adotar providncias de sua alada para conferir plenaeficcia norma constitucional no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena deresponsabilidade. Sendo que ao Poder Executivo compete precipuamente oexerccio da funo administrativa (funo tpica), identificamos principalmentenele o alvo deste (art. 103, 2, in fine) controle de correo exercido pelo PoderJudicirio.

    Outra interferncia interessante, inclusive porque envolve osPoderes Judicirio e Legislativo interagindo no exerccio de controle sobre oPoder Executivo, a decorrente do que estabelece o art. 52, pargrafo nico,verbis:

    Art. 52 - Compete privativamente ao Senado Federal:I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da Repblicanos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado eos Comandantes da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica noscrimes da mesma natureza conexos com aqueles;

    63 STF Pleno - ADIN n 1458-DF, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 162/877.

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    (Redao dada pela Emenda Constitucional n 23/99)II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, oProcurador-Geral da Repblica e o Advogado-Geral da Unio noscrimes de responsabilidade;(...)Pargrafo nico - Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionarcomo Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se acondenao, que somente ser proferida por dois teros dos votos doSenado Federal, perda do cargo, com inabilitao, por oito anos,para o exerccio de funo pblica, sem prejuzo das demais sanesjudiciais cabveis.

    Neste caso de controle de correo, os membros do Poder Executivopodem inclusive ser punidos com a perda do mandato, conforme acima descrito. o famoso processo de impeachment, que na sistemtica constitucional ptria exercida pelo Poder Legislativo, Senado Federal, com a participao a emsede de controle de cooperao do Poder Judicirio, atravs do Presidente doSupremo Tribunal Federal.

    4.5. Controle do Poder Legislativo exercido em relao aoExecutivo - Como fruto do desenvolvimento do princpio da separao dospoderes, e, mesmo da concepo dos regimes representativos, o parlamentopassou a se caracterizar pelo exerccio da dupla misso, legislar e fiscalizar64, demodo que hodiernamente, no se nos afigura correto tratar o dever de fiscalizar doPoder Legislativo como exerccio de funo atpica. O poder-deverde controle defiscalizao conferido ao Legislativo foi amplamente consagrado na Constituiode 1988.

    Os exemplos de previses constitucionais de controle do Poder

    Legislativo sobre o Executivo, so inmeros, alguns, inclusive j tratados acima,como no caso de impeachment, controle de correo.

    O art. 49 traz outros importantes exemplos, aos quais procedemosao enquadramento classificao utilizada neste trabalho. Vejamos.

    Art. 49 da competncia exclusiva do Congresso Nacional:I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atosinternacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos aopatrimnio nacional; CONTROLE DE CONSENTIMENTOII - autorizar o Presidente da Repblica a declarar guerra, a celebrar apaz, a permitir que foras estrangeiras transitem pelo territrionacional ou nele permaneam temporariamente, ressalvados os

    64 O controle de fiscalizao, na Constituio de 1988, atribuio maciamente cometida aoPoder Legislativo; como sabido, tornou-se caracterstica dos regimes representativos a duplamisso parlamentar de legislar e de fiscalizar. De certa forma, essas duas atribuies estoestreitamente vinculadas, pois inegvel que o Legislativo deve dispor de todasinformaes necessrias para desempenhar-se de sua funo tpica. MOREIRA NETO, Diogode Figueiredo, in artigo citado, p. 15.

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    casos previstos em lei complementar; CONTROLE DECONSENTIMENTOIII - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da Repblica a seausentarem do Pas, quando a ausncia exceder a quinze dias;CONTROLE DE CONSENTIMENTOIV - aprovar o estado de defesa e a interveno federal, autorizar oestado de stio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;CONTROLE DE CONSENTIMENTOV - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem dopoder regulamentar ou dos limites de delegao legislativa;CONTROLE DE CORREO(...)IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente daRepblica e apreciar os relatrios sobre a execuo dos planos degoverno; CONTROLE DE FISCALIZAOX - fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas,os atos do Poder Executivo, includos os da administrao indireta;CONTROLE DE FISCALIZAOXI - zelar pela preservao de sua competncia legislativa em face daatribuio normativa dos outros Poderes; CONTROLE DE

    FISCALIZAOXII - apreciar os atos de concesso e renovao de concesso deemissoras de rdio e televiso; CONTROLE DE FISCALIZAOXIII - escolher dois teros dos membros do Tribunal de Contas daUnio; CONTROLE DE FISCALIZAOXIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividadesnucleares; CONTROLE DE CONSENTIMENTOXV - autorizar referendo e convocar plebiscito; CONTROLE DECONSENTIMENTOXVI - autorizar, em terras indgenas, a explorao e o aproveitamentode recursos hdricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais;CONTROLE DE CONSENTIMENTOXVII - aprovar, previamente, a alienao ou concesso de terras

    pblicas com rea superior a dois mil e quinhentos hectares.CONTROLE DE CONSENTIMENTO.

    Outro exemplo interessante de controle realizado pelo PoderLegislativo em face do Executivo, agora na modalidade de controle de cooperao

    oferecido, tambm, por DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO no trabalhoreferido , est a funo, atribuda ao Senado Federal e Cmara dos Deputados,de integrar, cada um com dois de seus respectivos membros, escolhidos poreleio, o Conselho da Repblica, rgo do Poder Executivo.

    4.6 Controle do Poder Legislativo exercido em relao aoJudicirio - O Poder Judicirio tambm est sujeito ao controle do PoderLegislativo. Assim ocorre quando das deliberaes do segundo sobre asproposituras legislativas de iniciativa do primeiro, nos termos do caputdo artigo 48da CF.

    Outro importante instrumento de controle do Poder Legislativo, quetambm pode recair sobre o Poder Judicirio, o controle de fiscalizao exercidoatravs das Comisses Parlamentares de Inqurito, previsto no 3 do art. 58 da

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    CF, encontra exemplo na memria recente de nossa histria, pela ao do PoderLegislativo federal na chamada CPI do Judicirio.

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