SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO REVERENDO ASHBEL … · 2019-01-09 · CFW Confissão de fé de...
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SEMINÁRIO TEOLÓGICO PRESBITERIANO REVERENDO
ASHBEL GREEN SIMONTON
GENESIS HENRIQUES XAVIER
Igreja: Expressão da graça de Deus
Rio de Janeiro
2 0 1 7
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GENESIS HENRIQUES XAVIER
Igreja: Expressão da graça de Deus
Monografia apresentada ao Seminário
Teológico Presbiteriano Rev. Ashbel Green
Simonton, como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Teologia.
Orientador: Prof. Ms. Rev. Sergio Tuguio Kitagawa
Rio de Janeiro
2017
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XAVIER, Genesis Henriques.
Igreja: Expressão da graça de Deus / Genesis Henriques Xavier; orientação de Sergio
Tuguio Kitagawa. Rio de Janeiro. 2017, 65 p.
Monografia (Bacharelado) – Seminário Teológico Presbiteriano Rev. Ashbel Green
Simonton. Curso de Graduação e Teologia, Rio de Janeiro, 2017.
1. Eclesiologia. 2. Igreja. 3. Reino. 4. Graça. 5. Meios de Graça. I. KITAGAWA,
Sergio Tuguio II. Título.
CDD 262
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GENESIS HENRIQUES XAVIER
Igreja: Expressão da graça de Deus
Monografia apresentada Seminário Teológico
Presbiteriano Rev. Ashbel Green Simonton,
como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Teologia.
Aprovada em: ____/____/_______
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Ms. Rev. Sergio Tuguio Ladeira Kitagawa Seminário Teológico Reverendo Ashbel Green Simonton
_______________________________________________________________
Prof. Ms. Rev. Junio Cesar Rodrigues Lima Seminário Teológico Reverendo Ashbel Green Simonton
_______________________________________________________________
Rev. Vanderlei do Nascimento Filho Presidente do SOF (Sínodo Oeste Fluminense)
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Dedico este trabalho à minha esposa e filhos, que sempre me apoiaram e me incentivaram, na concretização deste trabalho.
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Agradecimentos
Primeiramente agradeço ao meu Deus, por preservar a minha vida até o presente
momento, não deixando que meus pés viessem a vacilar.
A minha família que por muitas vezes soube lidar comigo, me dando suporte e me
motivando a seguir nessa caminhada tão árdua, que é o ministério Pastoral.
A IP São Bernardo, que testemunhou do chamado de Deus ao sagrado ministério, que
não só colaborou com o sustento financeiro, mas também me ajudou através de suas
orações.
O mesmo digo aos meus queridos pastores do PRBR, que de forma tão honrosa,
atestada por Deus, têm concedido a mim, a oportunidade de fazer parte deste
Concílio, que por muito esmero, tem cuidado do rebanho de Cristo, fazendo com zelo,
amor e dedicação para a Glória do Senhor.
Também agradeço a todo corpo docente e junta de funcionários do STPRAGS, que
contribuíram e fizeram parte desses 5 anos de formação. Obrigado a todos vocês!
E rogo as bênçãos do Senhor por cada vida que contribuiu nessa jornada, tornando
possível tudo o que já aconteceu até aqui, para que pudéssemos chegar até aonde
nós chegamos, segundo a vontade do nosso soberano Deus.
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A Bíblia nos ensina a amar o próximo e também a amar nossos inimigos, provavelmente porque eles em geral são as mesmas coisas. (G. K. Chesterton)
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Lista de Abreviaturas e siglas
1Co. Epístola de Paulo aos Coríntios
1Pe. Primeira Epístola de Pedro
1Rs. Primeiro Livro dos Reis
2Co. Segunda Epístola de Paulo aos Coríntios
2Cr. Segundo Livro das Crônicas
2Pe. Segunda Epístola de Pedro
2Tm. Epístola de Paulo a Timóteo
AA Almeida Atualizada
ACF Almeida Corrigida Fiel
Ap. Livro de Apocalipse
ARA Almeida Revista e Atualizada
AT Antigo Testamento
At. Livro dos Atos dos Apóstolos
Cap. Capítulo
cf. Confira
CFW Confissão de fé de Westminster
Cl. Epístola de Paulo aos Colossenses
CMW Catecismo maior de Westminster
d. C. Depois de Cristo
Dn. Livro de Daniel
Dt. Livro de Deuteronômio
Ef. Epístola de Paulo aos Efésios
etc. Et Cetera
Fp. Epístola de Paulo aos Filipenses
Gl. Epístola de Paulo aos Gálatas
Gn. Livro de Gênesis
Hb. Epístola de Hebreus
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
III Terceiro
Is. Livro de Isaías
Jo. Evangelho segundo João
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Js. Livro de Josué
Lc. Evangelho segundo Lucas
Lv. Livro de Levítico
LXX Septuaginta
Mc. Evangelho segundo Marcos
Mt. Evangelho segundo Mateus
NT Novo testamento
NVI Nova versão Internacional
perg. Pergunta
Rm. Epístola de Paulo aos Romanos
Ref. Referências
s.d. Sem data
SBP Tradução da linguagem moderna em português
Sl. Livro dos Salmos
STPRAGS Seminário Teológico Presbiteriano Reverendo Ashbel Green Simonton
Tg. Epístola de Tiago
Tt. Epístola de Paulo à Tito
TULIP Depravação Total; Eleição incondicional; Expiação limitada; Graça
Irresistível; Perseverança dos Santos.
V Quinto
XVI Dezesseis
XXV Vigésimo quinto
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Resumo
Tendo como base O Capítulo XXV – Igreja, da CFW (Confissão de fé de Westminster).
O tema: “Igreja: Expressão da Graça de Deus”, vai apresentar uma eclesiologia
voltada para: 1) A relação entre Deus e o seu povo, revelando sua natureza,
organização e propósito dentro do reino de Deus no decorrer da história n; 2) A
revelação da graça de Cristo no mundo, e seu reflexo diretamente na vida de seu
povo; 3) Os meios de graça, nas quais Deus tem dado a sua igreja, para fortalecer,
sustentar e preservar, experimentando dos benefícios visíveis outorgados por Cristo
através da comunhão, exteriorizando a graça de Deus no mundo, através da prática
e testemunho de uma vida cristã, no objetivo de engrandecer e glorificar aquEle que
é Rei dos reis, Senhor dos senhores.
Muitos teólogos reformados, têm se preocupado com o distanciamento em que a igreja
de Cristo tem vivido de acordo com o seu caráter. A ideia deste trabalho é apresentar
argumentos que possa reavivar o verdadeiro sentido da igreja, que está debaixo da
aliança da graça, onde os crentes que estão inseridos nela, possam ter os seus
corações transformados pelo poder do Espírito Santo, entendendo a importância do
corpo de Cristo, que não busca viver debaixo de um fardo pesado, mas desfruta de
uma paz que o mundo não pode dá (Jo. 14.27), proclamando esta paz ao mundo em
amor a Cristo.
Palavras-chave: Eclesiologia, Igreja, Reino, Graça, Meios de graça.
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Sumário
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10
1 CONCEITUANDO IGREJA ............................................................................. 13
1.1 CONCEITO DE IGREJA NO AT ............................................................................... 13
1.2 CONCEITO DE IGREJA NO NT ............................................................................... 13
1.3 A IGREJA E SUA NATUREZA .................................................................................. 16
1.3.1 A Igreja como Instituição ............................................................................. 17
1.3.2 A Igreja como Organismo ............................................................................ 19
1.3.3 A Igreja e o reino de Deus ........................................................................... 22
2 GRAÇA ........................................................................................................... 26
2.1 CONCEITO DE GRAÇA.......................................................................................... 26
2.2 COMO A GRAÇA SE MANIFESTA NO AT .................................................................. 27
2.3 COMO A GRAÇA SE MANIFESTA NO NT .................................................................. 29
2.4 GRAÇA COMUM .................................................................................................. 30
2.4.1 Os Efeitos da Graça Comum ....................................................................... 32
2.5 GRAÇA ESPECIAL ............................................................................................... 33
2.5.1 Os Efeitos da Graça Especial ...................................................................... 35
3 A IGREJA EXPERIMENTA E EXPRESSA A GRAÇA DE DEUS ................... 38
3.1 CONCEITO SOBRE OS MEIOS DE GRAÇA ............................................................... 39
3.2 A DOUTRINA REFORMADA HISTÓRICA SOBRE OS MEIOS DE GRAÇA .......................... 40
3.3 A PALAVRA COMO MEIO DE GRAÇA ....................................................................... 42
3.3.1 A Palavra como o Logos Divino ................................................................... 43
3.3.2 A Palavra como Lei e Evangelho ................................................................. 44
3.3.3 A Palavra na Regeneração, Fé e Conversão............................................... 45
3.3.4 A Palavra na Santificação ............................................................................ 46
3.4 OS SACRAMENTOS COMO MEIO DE GRAÇA ............................................................ 47
3.4.1 O Batismo e a Igreja .................................................................................... 47
3.4.2 A Ceia do Senhor e a Igreja ........................................................................ 48
3.5 A ORAÇÃO COMO MEIO DE GRAÇA ........................................................................ 49
3.5.1 A Oração é movida pelo Espírito ................................................................. 50
3.5.2 A Oração um ato de adoração ..................................................................... 50
3.5.3 A Oração um ato de Confissão .................................................................... 51
3.5.4 A Oração um ato de Comunhão .................................................................. 51
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 56
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INTRODUÇÃO
O uso do tema deste trabalho: “Igreja: expressão da graça de Deus”, tem como
objetivo, trazer ao leitor a conscientização sobre a essência espiritual da igreja, como
comunidade criada por Deus, onde sua natureza está ligada a Ele através de seu
Espírito (BAVINCK, 2012, p. 275-278) por quem efetua tanto o querer como o realizar
na sua própria vida (Fp 2. 13).
A graça de Deus tem sido a razão na qual Ele tem tornado a sua igreja tão especial,
em uma comunhão eterna, mostrando que estar dentro dela é experimentar uma inter-
relação com o Deus trino de maneira ampla, que inclui tanto uma relação fraternal
entre irmãos, como também inclui uma relação com toda sua criação, na qual fomos
chamados para ser sal e luz do mundo (Mt 5. 13-14), na importância de viver um
cristianismo prático (HENDRIKSE, 2010, p. 03) que glorifique à Deus.
Com isto, este trabalho se propõe a apresentar:
1) Uma conceituação e correlação entre a igreja e a graça de Deus, dentro de um
contexto bíblico (AT e NT) e histórico, de uma eclesiologia progressiva, que apresenta
de forma sistemática a natureza da igreja, no âmbito institucional e orgânico (visível e
invisível), como também a sua conexão com o Reino de Deus.
2) Os meios em que esta graça tem proporcionado dentro do processo salvífico na
relação entre Deus e os seus santos (igreja).
A preocupação apresentada neste trabalho é voltada para o alto índice evasivo de
crentes1 das mais diversas igrejas evangélicas, onde o número de pessoas tem se
distanciado de suas denominações, muitas vezes por conta de decepções religiosas,
passando a não mais acreditarem na instituição, ou como em outro extremo, crentes
que, ainda estando na igreja, perderam o senso de comunhão. Vivem em uma
religiosidade estagnada, em um cristianismo individualista e restritivo a uma mera
experiência aparente que se limita a Deus. (DE CAMPOS JR., 2016).
1 Segundo o site de notícias gospelprime (LOPES, 2013) sobre o último censo do IBGE - 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), apresentou um número significativo de evangélicos sem igreja, representando “4 milhões de pessoas, ou seja, 10% de todos evangélicos do Brasil”.
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Com este enfoque, o trabalho não tem por objetivo responder o motivo pelos quais
este número tem acrescido assustadoramente durante os últimos anos (MATOS,
2014, p. 01), contudo colheu-se informações na busca de responder a seguinte
questão: “Como a igreja do Senhor pode experimentar e refletir a graça proveniente
de Deus?”.
A grande dificuldade de milhares de crentes é associar esta graça com a vida cristã.
No mundo individualista, exclusivista e subjetivista, valores éticos e morais têm sido
distorcidos, porém, a graça especial de Deus, não veio para trazer ao homem
libertinagem, pelo contrário, veio trazer um norte a sua vida, produzindo transformação
e mudanças de atitudes, diante da realidade por ele vivida.
Com isso, o objetivo geral deste trabalho é voltado para valorização da Igreja como
comunidade criada por Deus, com o desígnio de indicar: Cap. 1 - Sua importância,
organização e desenvolvimento na história, e o seu papel como agência do Reino de
Deus; Cap. 2 - A intima relação de Deus com o seu povo mediante a sua graça
revelada, fazendo a diferenciação entre a graça comum e graça especial, e os
benefícios recebidos por aqueles que foram chamados por intermédio de Cristo; Cap.
3 – Os meios ordinários que Deus estabelece para edificar e fortalecer a sua Igreja,
de modo que ela possa experimentar as bênçãos do Senhor tanto na vida presente,
como também na futura, testificando, testemunhando e propagando o Evangelho da
graça, onde os mesmos são sustentados por aquEle que está presente no meio dos
que o invocam de verdade (Sl 145.18).
Quando olhamos para a preocupação de Cristo (Mt 9. 36-37) sobre os perdidos da
casa de Israel, observa-se o quão relevante e desafiador este assunto tem se tornado
para teologia reformada dentro da história como nos dias atuais. Devido ao grande
declínio de comunidades cristãs, carentes e doentes por um Evangelho das boas-
novas de salvação, alguns autores reformados vão tratar exatamente sobre esta vasta
variedade de problemas que a igreja tem enfrentado ao longo dos séculos. Isto só
fomenta cada vez mais a nossa dedicação por ela, em saber que foi por essa mesma
que Cristo se entregou por amor, “[...] a fim de a santificar, tendo-a purificado com a
lavagem da água, pela palavra, para apresentá-la a si mesmo igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e irrepreensível.” (AA,
Ef 5. 26-27).
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Com isso a proposta deste trabalho conforme a CFW em seu capítulo XXV – Igreja,
parágrafos III e V, vai mostrar que,
III. A esta Igreja Católica Visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para esse fim, segundo a sua promessa. Ref. Éf. 4:11-13; Is. 59:21; Mt. 28:19-20.
V. As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo, mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele mesmo. Ref. I Co. 1:2, e 13:12; Mt. 13:24-30, 47; Rm. 11.20-22; Ap. 2:9; Mt. 16:18.
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1 CONCEITUANDO IGREJA
No intuito de entender o que é igreja e o seu papel nos planos de Deus, devemos
tentar melhor defini-la no contexto bíblico (teológico) do AT e NT, e compreender como
os crentes ao longo da história, assimilaram sua natureza dentro do relacionamento
com a graça de Deus.
1.1 Conceito de Igreja no AT
De acordo com Bavinck (2012, p. 281), o fundamento da igreja cristã tem como base
a tradição judaica, onde os patriarcas atuavam como sacerdotes no seio familiar,
espelhando o que claramente seria a essência da igreja que revela o seu
relacionamento fraternal, diante dos membros pertencentes a sua família.
O pacto feito entre Yahweh e Abraão (e toda a sua descendência) havia sido
promulgada através da circuncisão (Gn. 17.9-10), que teve papel importantíssimo na
Aliança de Deus, dentro do desenvolvimento de Israel como nação, mostrando no
geral que a relação religião (Igreja) e Estado, estava totalmente ligada com
exclusividade aos cuidados da graça do Deus de Israel (BAVINCK, 2012, p. 281).
No AT, duas palavras são utilizadas para referir-se à Igreja2. A palavra ָקַהל (qahal) que
significa “chamar” e ֵעָדה (edhah) que significa “indicar”, ambas as palavras, eram
aplicadas ao povo de Israel, no entanto, Edhah se dirigia tanto a “assembleia da
congregação” quanto mais diretamente a reunião dos representantes do povo (Nm.
4.34; Sl. 74.2), já Qahal relacionava-se diretamente ao povo de Deus (Dt. 4.10; 18.16;
1Rs. 8.1-3, 5; 2Cr. 5.2-6), onde a mesma, mais aparece nos livros de Crônicas, Esdras
e Neemias, e que de acordo com alguns teólogos, é a palavra mais apropriada para
ἐκκλησία (ekklesia) na tradução do grego pela LXX, referindo-se “assembleia da
congregação” (BERKHOF, 2012, P. 511), ao povo de Israel, palavra esta, usada “para
designar a comunidade ideal, definida como aqueles a quem Deus havia chamado
para sua salvação.” (BAVINCK, 2012, p. 282).
1.2 Conceito de Igreja no NT
Dentro do contexto do NT, notou-se que a expressão ekklesia empregada pela LXX
na tradução das palavras Edhah e Qahal, trouxe aos judeus de fala grega uma melhor
2 Muitos teólogos divergem sobre a existência da igreja no AT, no entanto este assunto será novamente abordado dentro da conceituação de igreja no NT, na p. 18 deste trabalho.
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compreensão de natureza religiosa acerca do relacionamento de Deus com o seu
povo. (BAVINCK, 2012, p. 283).
Não obstante, ela não se limitava basicamente a ideia de reunião, ou seja, a junção
de um grupo de pessoas, mas também significa chamados para fora, onde este grupo
peculiar é selecionado e “tirado para fora de algo” (CHAMPLIN, 2002, p. 212).
Apesar do uso comum da palavra ekklesia no grego clássico que remetia à
assembleia, legislativa, reunião, ou agrupamento popular. O termo foi apropriado
pelos cristãos pela conexão de seu significado, “chamados para fora”, no intuito de
um povo exclusivo alcançado pela Graça de Cristo, como descrito pelo apóstolo
Pedro:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; Vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia. (ARA, 1Pe. 2. 9-10)
A apropriação da palavra ekklesia apresenta, segundo Berkhof (2012, p. 511), “que a
igreja consiste dos eleitos, chamados para fora do mundo da humanidade”, dando
provas de uma Nova Aliança feita a um povo, que segundo Pedro, escolhido para
viver uma vida santa por aquEle que é Santo.
Outras duas palavras gregas encontradas no NT e inerentes a este estudo são:
συναγωγή (sunagōgē) e κυριακός (Kuriakos). O que podemos apurar, é que mesmo os
apóstolos utilizavam as “sinagogas” no início do cristianismo por serem judeus, sendo
orientados por Cristo a retornarem à Jerusalém para serem revestidos do Espírito
Santo (At. 1.8) e até mesmo para propagar o Evangelho da salvação aos judeus (At.
2.46; 9.20; 13.5). Segundo a afirmação de alguns estudiosos, os cristãos não se
apropriaram do termo sunagōgē, devido ao fato dos mesmos já não mais usufruírem
das sinagogas para as suas reuniões religiosas, transferindo-se para os lares,
mostrando que o uso do termo sunagōgē restringiu-se somente aos encontros judaico
religioso (BAVINCK, 2012, p. 282).
Já a palavra Kuriakos, que significa “pertencente ao Senhor”, aparece apenas duas
vezes no NT (1Co. 11.20; Ap. 1.10)3, o uso dela deu “origem a palavra Church –
3 Dados estatísticos tirados do aplicativo BibleWorks 9
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‘igreja’, em inglês (também Kirche, em alemão, e kirk, na Escócia)” (DUSING, 1996,
p. 537), no entanto a palavra grega não teve o mesmo prestígio, como também o uso
do termo sunagōgē, pelos cristãos, optando o uso da palavra ekklesia, para descrever
e exprimir a igreja do NT.
O que pode se observar, é que uso da palavra ekklesia, para os cristãos não se
limitava apenas a uma reunião religiosa, mas correspondia uma união mística entre
Cristo e o povo de sua Aliança, que fora exclusivamente separado por Ele por todos
os tempos, que segundo Berkhof, refere-se a “todo o corpo de fiéis, quer no céu quer
na terra, que se uniram ou se unirão a Cristo como seu Salvador”. (BERKHOF, 2012,
p. 512).
Nas referências em Mt. 16.18 e 18.17, Cristo, em seu ministério, faz menção a “igreja”
de forma muito ampla (BAVINCK, 2012, p. 283), contudo é possível entender, que o
termo ekklesia usado nos textos referenciados, aponta para uma universalidade que
ultrapassa os limites de Israel, evidenciando como descrito em Jo. 10.16 (ARA):
“Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas
ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um pastor”, apresentando Cristo
como o bom pastor, o Messias prometido que dá a vida em favor das suas ovelhas,
como sacrifício de amor, aos que o Pai a Ele confiou.
Na questão pactual, notou-se que a circuncisão praticada pelos judeus, fruto de uma
herança abraâmica a todo povo de Israel no NT, não tem mais o sentido de sinalizar
exclusividade como no contexto judaico, porém, esta é substituída pelo batismo,
apresentando-se como o selo da Nova Aliança deixada por Cristo (BAVINCK, 2012,
p. 506), que não só sela, mas insere o novo membro ao seio da família de Deus, a
igreja de Cristo (BAVINCK, 2012, p. 556).
Após analisar o conceito igreja no AT e NT e suas estruturas, segundo a ideia de
alguns estudiosos, aqui é colocado um contraponto. Segundo eles a igreja só teve seu
início, muitos dias após a morte de Cristo, enfatizando que somente no Pentecoste
(GEISLER, 2010, p. 508) a igreja foi realmente estabelecida como plano de Deus.
Geisler diz (2010, p. 508), que para o apóstolo Paulo, a igreja não poderia ter existido
no AT, porque o povo de Israel não tinha a compreensão do mistério da união mística,
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revelada pela graça de Deus, que não só se limitava aos judeus, mas se estenderia
também aos gentios, como descreve Paulo em Ef. 3.1-6 (ARA):
Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios, se e que
tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima, em pouco, vos escrevi, pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual, noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espirito aos seus santos apóstolos e profetas, a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho.
No entanto, mesmo os primórdios, não tendo, talvez, a ideia de igreja na antiga
dispensação, na nova dispensação, a Graça de Deus foi revelada por intermédio de
Cristo, tanto para os judeus, como para não judeus, apresentando o seu sacrifício
como o ponto central da união de todos os eleitos de Deus, “não somente sobre a
terra, mas também no céu, não somente no passado e no presente, mas também no
futuro”. (BAVINCK, 2012, p. 285).
1.3 A Igreja e sua natureza
Podemos observar, que logo após o Pentecoste, a disseminação do cristianismo nos
primeiros séculos (NICHOLS, 2004, p.29) cresceu de forma espantosa entre judeus e
gentios mediante a doutrina dos apóstolos, homens que foram testemunhas oculares
de Cristo, chamados para pregar o seu Evangelho, “[...] em Jerusalém, como em toda
Judeia Samaria e até aos confins da terra”. (At. 1.8; 13.47).
O Apóstolo Paulo foi um dos grandes propagadores do Evangelho entre os gentios.
Com o crescimento da igreja de Cristo e a multiplicação das congregações locais pelo
Império Romano (NICHOLS, 2004, p.33), os ensinos de Paulo estavam voltados para
a unidade da igreja (igreja católica4), o santuário de Deus (1Co. 3.16), Templo do
Espírito Santo, referindo-se à Igreja também como Corpo de Cristo, onde o próprio
Cristo é a cabeça, tendo a autoridade sobre todo o corpo.
Berkhof (2012, p. 513) faz menção sobre o Corpo de Cristo, afirmando que a:
4 Igreja católica: O termo “católico”, deriva da palavra grega καθολικός (katholikos), significa "universal", "geral" ou "referente à totalidade". (TOON, 2009, p. 186).
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[...] unidade da igreja, quer local quer universal, e particularmente ao fato de
que esta unidade é orgânica e de que o organismo da Igreja tem relação vital com Jesus Cristo, visto como gloriosa cabeça.
Então, na transição do 1º para o 2º século, a reflexão teológica cristã, já tinha a
compreensão do que era igreja, entendendo ser um povo de exclusividade de Deus
(FERREIRA, 2007, p. 919) por intermédio da graça salvífica de Cristo, mesmo no meio
da diversidade, porém, algo ainda estava pendente entre elas no que se referia a um
modelo único institucional, que não havia entre as comunidades cristãs (NICHOLS,
2004, p.35).
1.3.1 A Igreja como Instituição
Foi a partir do início do segundo século, devido a crescente onda de heresias que
começaram a brotar dentro dessas comunidades, que os líderes passaram a “exigir
limites claros” (FERREIRA, 2007, p. 919) e específicos, que pudessem dentro da
igreja, definir a sua forma de ensino deixados pelos apóstolos (GEISLER, 2010, p.
549), como o exemplo da Didaqué (ou Ensino dos Doze Apóstolos)5, que continha
instruções de como deveria ser realizado os momentos de comunhão (cultos),
orientando os líderes na condução e prática das orações, batismo e ceia do Senhor
(CAIRNS, 1995, p.68), como também foi entendida a necessidade de se instituir uma
forma única de governo entre as comunidades, para combater essa crescente onda
de heresias que estavam sendo inseridas dentro da igreja.
Os ensinamentos dos apóstolos eram de extrema relevância e deveriam ser zelados
pela igreja. Os bispos (pais da igreja) que sucederam os primeiros apóstolos, agora,
alegavam para si, ser os únicos que tinham a incumbência de manterem vivas as
tradições apostólicas, por acreditarem terem eles sido os “sucessores dos apóstolos”.
(FERREIRA, 2007, p. 919).
A necessidade de uma organização foi aparentemente necessária, contudo, outro
problema havia sido levantado. Agora com a institucionalização da igreja, a sua
unidade passa a ser baseada no corpo docente de bispos (ecclesia docens), o
5 Didaqué: A data de sua da composição, oscila entre os anos 70-120 d.C., contudo, as comunidades
cristãs descrevem-na analogicamente aos últimos tempos apostólicos. Sua estrutura e conteúdo é de caráter doutrinal, catequético e litúrgico, instruindo a liderança eclesiástica no exercício dos sacramentos (batismo e ceia do Senhor); no procedimento de inserção dos mais novos membros da família da fé, ensinando-os a guarda os ensinamentos deixados por Cristo e os apóstolos; e algumas orientações sobre a condução do Culto ao Senhor. (PATRÍSTICA, 1997, pp. 154-155)
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episcopado6, onde este é exaltado acima do corpo de fiéis (ecclesia audiens), assim
chamada “igreja que ouve”, onde sua tarefa é se subordinar e aceitar os ensinos e os
sacramentos da “graça sobrenatural [proveniente] das mãos dos sacerdotes”
(BAVINCK, 2012, p. 289).
Harold O.J. Brown (1998), argumenta que a “igreja católica” passou atribuir os
ensinamentos bíblicos da Escritura Sagrada como proveniente de sua autoridade,
crendo os seus novos líderes, que este poder estava a igreja confinada (apud, HALL,
2000, p. 175), ou seja, não é a Escritura que autentica a igreja e sim a igreja (ecclesia
docens) e suas tradições que autenticam as Escrituras, mostrando que a unidade da
igreja origina-se no colegiado de bispos, onde todos fieis deveriam se sujeitar, caso
contrário perdiam o direito à comunhão e também a salvação, entendendo que não
existe salvação fora da igreja. (BERKHOF, 2012, p. 514)
Vemos que no decorrer da história da igreja, os primeiros pais da igreja, começaram
a traçar e formatar o perfil do que seria a “santa igreja católica”. Conforme as palavras
de Inácio de Antioquia (68 a 100 d. C.), ele afirmou que: “Onde aparece o bispo, aí
esteja a multidão, do mesmo modo que onde está Jesus Cristo, aí está a igreja
católica”7, mostrando que, muito mais do que conceituar a igreja teologicamente,
sobre a interpretação das Escrituras Sagradas, era desenvolver o seu poder e
unidade, dentro de um grupo de colegiados, de forma altamente hierárquica que
pudesse manifestar a vontade de Cristo. (BAVINCK, 2012, p. 288)
Antes mesmo do período Medieval, a ideia de um governo central era muito mais forte.
A igreja passa a não ser chamada de “igreja católica”, mas sim de igreja católica
apostólica romana, centralizando toda a autoridade no bispo de Roma8 (o Papa), como
sendo “o sucessor do apóstolo Pedro, a quem Cristo supostamente nomeou como o
6 Dentro deste sistema os principais ministros da igreja que são denominados de bispos. No entanto, existem outros ofícios como o presbiterato e o diaconato, onde estes podem ser encontrados no NT, entende-se, originalmente que estes ofícios estivessem ligados como sinônimos de pastor, bispo e presbítero. Dentro deste governo, o poder é centralizado na figura de um bispo dirigente, que tem como responsabilidade tomar decisões sobre o destino da igreja, onde um grupo de subalternos, o Colégio Episcopal, são responsáveis pela demais áreas do sistema. (MACLEOD, 2009, p. 464-465). 7 Inácio aos Erminiotas 8.2 8 Como não havia na igreja um governo centralizado, no século II d.C,. devido alguns escritos de Inácio de Antioquia, Clemente de Roma, Tertuliano e Irineu, o bispo de Roma já teria poderes maiores do que os demais bispos, mas foi com a possível conversão nominal do Imperador Constantino, que este poder tornou-se mais centralizado em torno do bispo de Roma, dando origem ao que seria a Igreja Católica Apostólica Romana. (CHAMPLIN, 2002, p. 219)
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primeiro Papa e bispo de Roma” (GEISLER, 2010, p. 553), segundo a tradição
romana, declarando a si mesmo como o único representante infalível e as igrejas a
ele jurisdicionadas, como única igreja visível sobre toda terra.
Observou-se que na idade Média, mesmo a igreja alegando que não havia salvação
fora dela, a ênfase na unidade da igreja estava muito mais proeminente sobre a sua
visível institucionalização do que no próprio enfoque espiritual. Berkhof, expõe o
comentário de Hugo de S. Victor (s.d.) que retratou o pensamento da época sobre a
igreja e o Estado, como:
[...] dois Poderes instituídos por Deus para governarem o povo. [em que]
Ambos são de constituição monárquica, mas a igreja é o poder superior, porque ministra a salvação dos homens, ao passo que o Estado só providencia o seu bem-estar temporal. O rei ou imperador é o chefe do estado, mas o papa é o chefe da igreja. (apud, BERKHOF, 2012, p. 514)
Hugo de S. Victor (s.d.) ainda reforça essa divisão, dizendo que:
Há duas classes de pessoas na igreja, com direitos e deveres bem definidos;
os clérigos, dedicados ao serviço de Deus, que constituem uma unidade; e os leigos, que consistem as pessoas de todas as esferas da vida e que constituem uma classe totalmente separada. (apud, BERKHOF, 2012, p. 514)
Um dos grandes problemas que acentuou este conflito dentro da instituição católico
romana, foi o indevido menosprezo das Escrituras Sagradas, ofuscando a verdadeira
natureza da igreja como sendo um corpo de pessoas que não pertenciam a si
mesmas, nem algum líder ou partido, mas a Deus (MACARTHUR, 2011, p.11), o que
de acordo com Berkhof (2012, p. 515), “Levou à gradual secularização da igreja, visto
que esta começou a dar mais atenção à política do que à salvação dos pecadores”.
1.3.2 A Igreja como Organismo
Diferentemente do conceito de igreja visível defendida pela católica romana, no
período da Idade Média, ela sofreu grandes oposições devido ao seu comportamento
e posicionamento como igreja. Primeiramente deu-se início com Grande Cisma em
1054, que gerou a igreja católica apostólica ortodoxa, que não reconhecia a
autoridade papal como primazia, havendo uma ruptura entre as igrejas ortodoxas do
oriente com as igrejas do ocidente, que reconheciam a autoridade da igreja Romana
(CAIRNS, 1995, pp. 166-168).
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Conforme o exposto, novos grupos cristãos com o passar dos anos, se rebelaram
contra a ideia romana de igreja. Os pré-reformadores: Wycliffe e Huss, foram uns dos
homens que sofreram muita influência da teologia Agostiniana, pois criam que a igreja
visível era uma “reunião de predestinados”, que tinha como objetivo “[...] em um viver
santo, em uma vida segundo a lei de Cristo em amor.” (BAVINCK, 2012, p. 290-291).
A partir do Século XVI, a ideia romana sobre igreja estava cada vez mais fragilizada.
Já no início da Reforma Protestante, Lutero, rompeu a ideia que a igreja romana
pregava, e passou a valorizar a exposição das Escrituras Sagradas, sendo ela a única
forma de evidenciar a existência da igreja e que sem ela a igreja não poderia existir.
(FERREIRA, 2007, p. 924)
Em contraponto, a infalibilidade papal e todo sistema monástico imposto pela igreja
romana, foi por ele totalmente ignorado, Lutero interpretou a verdadeira igreja como
sendo o ajuntamento dos crentes, a communio sanctorum9 (BAVINCK, 2012, Vol. 4 ,
p. 291), como descrito pelo Credo Apostólico, afirmando que os crentes são
sacerdotes, os quais podem interpretar as Escrituras, “sem ajuda do papa e dos
padres” (FERREIRA, 2007, p. 924), restabelecendo, segundo Berkhof (2012, p. 515)
“[...] a ideia escriturística do sacerdócio de todos os crentes”.
Calvino (Institutas, IV, II, IV), em suas Institutas, dizia que “a Igreja se fundamenta não
sobre juízos de homens, não sobre sacerdócios, mas sobre a doutrina dos apóstolos
e dos profetas”, valorizando a essência da igreja, dentro da autoridade das Escrituras
Sagradas, e não em uma formulação humanista da tradição romana.
O que pode se observar é que, tanto Lutero como Calvino, reconheciam a igreja visível
como a communio sanctorum, defendendo assim a sua unidade, porém, ambos os
reformadores, entendiam que era necessário especificar os seus dois aspectos que a
tornavam única e universal, que eram o seu caráter visível, e também o seu caráter
invisível (BERKHOF, 2012, p. 515), que Segundo Bavinck (2012, p. 293), foi em
Zwinglio que de fato deu início a “invisibilidade à igreja universal”, que segundo o seu
pensamento:
[A igreja universal] está espalhada por toda terra e, por essa razão, não pode ser empiricamente observada por ninguém como oposta à igreja “particular”, que está presente e visível em uma determinada localidade.
9 Comunhão dos santos.
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Em que anos depois, segundo Bavinck, ele
[...] considerou a igreja invisível como significando o corpo de pessoas eleitas, o objeto de fé, como o Credo Apostólico, que só se torna visível na parousia de Cristo. Em distinção a essa posição, ele chamou a igreja universal e particular de ajuntamento visível (visiblis, sensibilis) de crentes, na qual pode haver hipócritas. BAVINCK (2012, p. 293)
Para os reformadores antes da igreja ser invisível, ela efetivamente é um corpo visível,
salientando assim sua natureza como comunidade da graça de Deus (BERKHOF,
2012, p. 521), que reflete nitidamente por meio do testemunho público dos crentes (At
1.8).
Karl Barth (2006, p. 204-205) tinha esse mesmo entendimento afirmando que:
A primeira congregação [NT] era um grupo visível, que causou um alvoroço público visível. Se a igreja não tem esta visibilidade, então não é a Igreja [...] É claro que cada uma destas congregações tem seus problemas, como a congregação de Roma, de Jerusalém etc. O Novo Testamento nunca apresenta a Igreja fora dos seus problemas. [todavia] A congregação cristã surge e existe, nem por natureza nem pela decisão histórica humana, mas como uma divina convocatio. Aqueles chamados ao ajuntamento pela obra do Espírito Santo [...]
O caráter orgânico da igreja está tanto em sua unidade visível como na invisível. Ou
seja, não é através de um sistema institucional hierárquico imposta por homens, como
a Igreja Católica Romana atribui-a a si mesmo como autoridade, mas na forma
organizacional descrita por Deus, através da autoridade das Escrituras por meio da
graça revelada em Cristo, o cabeça da igreja (BAVINCK, 2012, p. 294), “considerada
como um organismo espiritual que tem Cristo por centro”. (CHAMPLIN, 2002, p. 212).
Berkhof (2012, p. 527) vai mais além, ele diz que:
É muito possível que as riquezas inerentes ao organismo da igreja achem
expressão melhor e mais completa na presente variedade de igrejas, do que numa só organização externa. Isto não significa, porém, que a igreja não deve lutar por maior medida de unidade externa. O ideal sempre deverá ser dar a máxima expressão adequada à unidade da igreja. [contudo] É antibíblica, na medida em que procura unidade às custas da verdade e voga na onda do subjetivismo na religião.
Berkhof cita um comentário em que Karl Barth (1936) afirma:
A busca da unidade da igreja deve, de fato, ser idêntica à busca de Jesus
Cristo como a concreta Cabeça e Senhor da igreja. A bênção da unidade não pode estar separada daquele que abençoa; nele ela tem a sua origem e realidade; por meio da Sua Palavra e do Seu Espírito é-nos revelada; e somente na fé ela pode tornar-se uma realidade entre nós. (apud, BERKHOF, 2012, p. 527).
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O apóstolo Paulo em Rm. 12. 3-21, trata exatamente sobre a unidade da igreja que
sobrepuja qualquer diferença entre dons, ofícios e status, onde todos são direcionados
a único propósito (CALVINO, 2003, p. 376) por aquEle que nos chamou pelo seu
Espírito e amor, a fim de sermos testemunhas da graça que foi a nós revelada.
1.3.3 A Igreja e o reino de Deus
É digno de nota que a necessidade que os reformadores tiveram de identificar a igreja
em seu caráter visível e invisível trouxe uma doutrina voltada muito mais para sua
unidade como organismo do que na supervalorização de um governo, em que se
busca a centralidade na Institucionalidade (CHAMPLIN, 2002, p. 213) e que pudesse
diferir a pessoa de Cristo como o dono da igreja.
Foi possível verificar, que mesmo na interligação entre o caráter visível e invisível da
Igreja, defendido pelos reformadores, pode-se constatar que a igreja visível não é
aquela que nós podemos ver, mas é aquela a que Deus vê (GRUDEM, 1999, p. 716),
esta é a verdadeira igreja de Cristo, um povo escolhido por Deus, para viver de acordo
com a sua graça que foi a ela revelada.
Calvino (Institutas, IV, I, VII) afirma que:
[...] já dissemos que as Sacras Letras falam a respeito da Igreja de duas
maneiras. Por vezes, quando mencionam a Igreja, significam aquela que está de fato diante de Deus pela graça da adoção, mas também verdadeiros membros de Cristo pela santificação do Espírito. E então de fato compreende não apenas os santos que habitam na terra, mas ainda a todos os eleitos que existiram desde a origem do mundo.
Nós não teríamos de forma alguma como aferir a condição espiritual do coração de
ninguém, talvez seria possível perceber até algum tipo de mudança interior, no entanto
nunca saberemos, o que realmente pode proceder do coração do homem, a não ser
Deus na sua onisciência, como Paulo afirma em 2Tm. 2.19 “[...] O Senhor conhece os
que lhe pertence”.
Como podemos observar, que mesmo no meio da igreja visível existe ainda no meio
dela uma igreja em excelência, uma igreja santa, onde os crentes são “santos em
Cristo”.
Ao olharmos o NT, Paulo ainda diz que os crentes são levados a um processo de
santificação (1Co. 1.2), pelo Espírito Santo (Rm. 15.16), mostrando que ninguém se
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faz santo por si mesmo, se não for através do “chamado de Cristo” (KÜNG, 1970, p.
99), que nos escolheu para vivermos uma vida de santidade, como também reitera o
texto de Levítico 11.44a: “Eu sou o SENHOR, vosso Deus; portanto, vós vos
consagrareis e sereis santos, porque eu sou santo [...]”.
Nota-se que o ser igreja, não é aquilo que ela pode ser, mas é aquilo que Deus faz
por intermédio dela, que mesmo aparentemente tão imperfeita, habita a santidade de
Deus como reflexo da sua graça sobre ela. (KÜNG, 1970, p. 99).
Calvino (Institutas, IV, I, VII) confirma que:
Deus, assim também se nos exige que honremos esta Igreja visível e que nos
mantenhamos em sua comunhão [...] mediante o qual reconheçamos por membros da Igreja aqueles que pela confissão de fé, pelo exemplo de vida e pela participação dos sacramentos, professam conosco o mesmo Deus e Cristo.
Grudem (1999, p. 723) vai identificar este relacionamento com o reino de Deus. Para
ele, esta estreita relação entre igreja e o reino de Deus está presente e não pode ser
negligenciada, porém com o cuidado de não afirmar que ela é o próprio reino
estabelecido por Deus.
Segundo Grudem (1999, p. 723), a diferença entre o reino de Deus e a igreja, é que
ambos não podem ser confundidos como na teologia católica romana, que expressa
a igreja institucional como a real manifestação do reino, como também não pode ser
totalmente comparada, como uma manifestação futura que vai além da existência
dela, como na teologia dispensacionalista.
Para os reformadores a relação da igreja com o reino de Deus, está “em seus aspectos
espiritual e invisível [...]” (CHAMPLIN, 2002, p. 625), entendendo que o papel da igreja
é desempenhar o seu compromisso de propagar o Evangelho de Cristo como uma
agência missionária do reino, compreendendo que aquele que estar inserido dentro
dela pode experimentar de forma visível, as bênçãos deste governo sobre a sua
própria vida. (GRUDEM, 1999, p. 724)
A essência deste reino de Deus está voltada na presença da igreja, como instrumento
de Deus no mundo, Berkhof diz que “[...] Na medida em que a igreja visível serve de
instrumento para o estabelecimento e a extensão do Reino, naturalmente ela está
subordinada a este como um meio para um fim” (BERKHOF, 2012, p.523), ou seja,
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ela não é o reino em si mesma, mas foi instituída para um fim, que é a revelação do
governo de Cristo sobre toda Criação.
O que podemos perceber é que o reino de Deus revela toda sua amplidão através do
domínio sobre “todas as criaturas criadas”, manifestando o Governo de Deus sobre o
mundo, onde os aspectos do “já/ainda não”10, apresentam que os crentes “já” têm
experimentado das bênçãos espirituais visíveis, mas que “ainda não” estão completas,
no aguardo da promessa futura na volta de Jesus Cristo o Senhor da igreja. (DUSIN,
1996, p. 299).
Como a igreja visível é imperfeita, o reino de Deus também é imperfeito. Não pela
ideia de quem governa, mas pela razão da amplitude e domínio que este governo tem
sobre toda a vida existente (BERKHOF, 2012, p. 523). No entanto, este reino é notório,
onde somos capazes de ver a evolução humana na área do conhecimento e
desenvolvimento das ciências (CHAMPLIN, 2002, 625), como resultado do cuidado
geral daquEle que é a fonte de todo conhecimento, e rei eterno sobre todo o universo.
Apesar da imperfeição, devemos compreender que a igreja não pode deixar de
exercer a sua função. Como súditos, devemos proclamar o reino de Deus (SHEDD,
2015), pois este se levantará por excelência sobre toda iniquidade e que jamais será
destruído (Dn. 2.44), sendo esta constituída por aqueles que “nasceram de novo”. Não
pela obra da carne, mas pela obra da graça de Deus através do seu Espírito Santo
(Jo. 3.3-7), revelando o seu reino espiritual invisível e eterno. (GEISLER, 2010, p.
849).
Spurgeon (1944, p.118) vai afirmar:
Se sois de fato chamados pela graça divina, chegaste a uma comunhão tal
com o Senhor Jesus Cristo, que vos tornastes co-herdeiros com Ele de todas as coisas [...] Como o esposo e a esposa são um só, assim é Jesus um com todos que se unem a Ele pela fé [...] por meio de uma união conjugal inquebrantável [...], amorosa, viva e eterna.
O que podemos perceber sobre o desenvolvimento da Igreja mediante o propósito de
Deus, é que o Evangelho da cruz (As boas novas), a graça (favor imerecido) e a glória
10 De acordo com a citação de Dusin (apud, 1996, p. 299) sobre Berkhof (1990), a expressão “Já e ainda não” refere-se ao relacionamento entre o Reino e a igreja, onde Cristo “enfatiza a realidade e o caráter universal do Reino, concretizados de modo inédito mediante seu próprio ministério [e oferece] uma esperança futura: o Reino que viria em glória”.
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(majestade do rei) estão juntas no meio da igreja e que seu objetivo é único
(CLOWNEY, 2003, p.58), adorar e exaltar o rei supremo que é Jesus Cristo,
manifestando a “vontade salvífica de Deus para o mundo” (ORTEGA, 2007, p. 19),
revelando o seu amor ao povo de sua aliança, apresentado a graça como fator crucial
na união entre Deus e o homem, assunto que será abordado no capítulo a seguir.
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2 GRAÇA
Ao discorremos sobre a igreja e a sua relação dentro dos propósitos de Deus,
observamos um fator crucial que não podemos ignorar e nem se quer comparar diante
de nossa capacidade. Deus não nos escolheu porque éramos bons ou tivéssemos
algo a lhe oferecer (Sl. 53.2-3; Rm. 3.10-17), pelo contrário, segundo o apóstolo Paulo
em Rm. 6. 23a, nós estávamos confinados a morte devido a nossa condição
pecaminosa, no entanto em Cristo Jesus, Paulo prossegue (23b), recebemos o “dom
gratuito de Deus” que é a vida eterna. Este “dom gratuito de Deus”, de acordo com
Calvino (2001, pp. 232-233) é chamado de graça. Segundo a carta de Paulo, em Ef.
2.8-10 diz:
Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom
de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.
Para BRUCE (2003, p. 14), tanto a graça como a fé são dons vindos de Deus, contudo
a fé não pode ser desassociada da graça, pois ela é proveniente de Deus, pela ação
do Espírito Santo na “consciência humana”, em revelar Cristo como “[...] o Cordeiro
sem defeito e sem mácula, o Cordeiro imolado antes da fundação do mundo”.
(LOPES, 2009, p.4).
2.1 Conceito de graça
No contexto geral, o conceito etimológico da palavra graça significa “oferta ou favor
que se oferece ou recebe de alguém; dádiva. Por extensão: Aquilo que se faz ou se
recebe de modo gratuito, sem custos”11. E segundo o Novo Dicionário de Teologia,
“[graça, indica] uma relação objetiva de favor imerecido conferido por alguém superior
a outro inferior [...]” (KEARSLEY, 2009, p. 468).
Sua origem vem do latim “gratus” que significa grato, agradecido, e que desde os
tempos antigos o uso do termo tem sido voltado “[para] as graciosas operações do
poder divino”, que envolve o seu favor e bondade para com o homem neste mundo.
(CHAMPLIN, 2002, p. 953).
11 O conceito de “graça” foi retirado do Dicio, Dicionário Online de português.
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De maneira mais ampla, segundo D’Araújo (2011. p. 4), “[...] saiba-se que a Graça é
tudo e tudo é Graça!”, Contudo, gera-se uma dúvida muito pertinente a ser respondida.
O que podemos levar em consideração a expressão “tudo”? A olharmos o texto de Mt.
5.44-45 que diz:
Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos
perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai Celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos.
Cristo ao tratar do amor, ele faz menção da graça de Deus a todos (crentes e não
crentes), fazendo-nos discernir que o amor de Deus leva o seu povo escolhido – por
intermédio do Espírito Santo – a buscar um padrão de vida, onde o filho se pareça
com o seu Pai, através do amor, como expressão da sua graça, revelado ao mundo
pela sua misericórdia e bondade para com todos. (RYLE, 2002, p. 34).
Ao lermos o texto de Mateus, observamos que o amor de Deus é manifestado em sua
graça, desenvolvendo em seu povo, um processo de santidade, que irá gerar um
caráter semelhante ao do Pai, que é evidenciado pela Sua aliança (pacto) na qual
“resultará [...] em uma vida transformada, mediante o chamado eficaz12 (Gl. 1.15)”.
(KEARSLEY, 2009, p. 468).
2.2 Como a graça se manifesta no AT
No AT a expressão graça tem como origem da palavra hebraica ֵחן (hēn) que significa:
“favor”, “encanto”, “aceitação”13, tendo também como expressão “achar favor aos
olhos de”, recaindo o favor de alguém sobre outrem, apresentando uma variedade de
conotações e nuanças, sendo esta utilizada dentro e fora do contexto religioso.
No uso teológico, a expressão “recair o favor a alguém”, mostra claramente o que é
apresentado nos textos de Gn. 6.8 e Ex. 33.12, mostrando que tanto Noé como Moisés
acharam graça diante do Senhor, demonstrando que o favor alcançado por eles, foi
12 O Chamado eficaz está ligado a Graça Irresistível, um dos cinco pontos do Calvinismo – TULIP, onde
a graça de Deus é aplicada aos seus eleitos (predestinados), afirmando “[...] que Deus, por ‘sua própria livre vontade’ dá vida àqueles que escolhe. Desde que o espírito humano vivificado, que é nascido de novo, é dominado pelo Deus Vivo (SPENCER, 1992, p. 50, 51), “[...] que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos" (2Tm. 1.9), combatendo a Graça Preveniente (resistível), um dos cinco artigos da remonstrância do arminianismo (1610). 13 O conceito de graça, derivado da palavra hebraica ֵחן (hēn) foi extraído do BIBLEWORKS 9.
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dado simplesmente, porque aprouve ao Senhor assim concede-los. (YAMAUCHI,
1998, p. 495-496).
Conforme a argumentação de Waltke (2010, p.147), a palavra aliança (Gn. 6.18)
aparece pela primeira vez ִרית beriyth), apresentando que “[...] o autor de uma aliança) בְּ
se obriga a manter os compromissos ou condição auto imposta de fidelidade contínua
ou como ressarcimento do recipiente favorecido (Js. 9.11, 15-16)”.
Nesta situação, a graça de Deus se revela na relação pactual entre Deus e Noé por
meio da eleição, onde a misericórdia e o amor de Deus estavam em exercício na
preservação da vida de sua família, expressando que ainda havia esperança para
humanidade.
É evidentemente notada que a graça está altamente correlacionada a aliança de Deus
com o homem, desenvolvido, ao longo da história. De acordo com Hendriksen (2010,
p.6) a “ideia de amor, misericórdia, amizade entre Deus e o homem” tem como objetivo
manifestar a Sua glória através de seu caráter à sua criação.
Hendriksen (2010, p. 5) ainda vai mais além, afirmando que é Deus que se alia ao
homem na batalha contra Satanás, como afirma o texto de Gn. 3.15: Porei inimizade
entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a
cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”, demonstrando que Yahweh, é o Deus da Aliança,
[Porque não somente] estabeleceu uma aliança com o homem, mas porque
também, e especialmente, desde a eternidade, existe em três pessoas da Santíssima Trindade uma relação assumida voluntariamente de amor e amizade, cada um trabalhando pela glória e honra da outra, [onde] esta relação de aliança que existe entre as pessoas da Trindade é o fundamento da Aliança da Graça. (HENDRIKSEN, 2010, p. 6)
A visão da graça como aliança mostra que antes mesmo que Deus estabelece-se a
sua aliança com Noé e Abraão, Deus já havia preparado “[..] os homens para
entenderem o sentido dela num mundo dividido pelo pecado” (BERKHOF, 2012, p.
244), mostrando que a graça de Deus é revelada ao homem para dar-lhe
entendimento do bem e do mal e sua responsabilidade em resposta ao chamado de
Deus. Contudo este homem, como descrito no início deste capítulo, não consegue
cumprir sua parte, devido a sua condição pecaminosa.
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29
2.3 Como a graça se manifesta no NT
No NT, os termos utilizados correspondem ao conceito do AT. O termo graça,
originada da palavra grega χάρις (charis), traz significados como “amáveis”, “atração”,
“dádiva benevolente”14, percebendo que essas expressões não só se aplicam ao ser
divino como também apresenta o relacionamento do homem para com os outros,
denotando que a graça similarmente é o “fazer algo agradável para alguém”, (ESSER,
2000, p. 908).
O uso do termo charis no NT é utilizado 155 vezes e a maior parte é encontrada nos
escritos paulinos (MARTINI, 2000, p. 108). Segundo o pensamento de Bruce (2003)
em sua obra: Paulo: o apóstolo da graça, sua vida, cartas e teologia, a graça está
voltada para todas as suas epístolas, tornando-se um ponto crucial na união de Deus
com a sua Igreja.
Meister (2003, p. 24), vai fazer esta abordagem sobre a graça nas cartas paulinas,
afirmando que
Paulo explica, em Romanos 4, que a Abraão recebeu a promessa da herança
da terra pela fé, segundo a graça (Rm 4.13-17) e que a Escritura “preanunciou o evangelho a Abraão” (Gl 3.8); a eleição é segundo a graça (Rm 11.5); os dons são dados segundo a graça (Rm 12.6; Ef 4.7).
E ele ainda afirma que
[...] pela graça, o crente exerce o ministério que lhe é dado por Deus (1Co 3.10; 15.10); [e] não há nada positivo que o crente faça que não seja movido pela graça de Deus operando em sua vida; somos dependentes da graça em tudo.
Já dentro do Evangelho de Lucas (Lc. 1.28, 30), quando anjo Gabriel aparece a Maria
para lhe anunciar as boas novas, a palavra charis, traduzida pela NVI, por “agraciada”,
confirma o sentido veterotestamentário da graça como aliança (escolha), como foi feita
à Noé e Abraão, evidenciando que o nascimento de Cristo seria a manifestação da
promessa revelacional da graça de Deus para com o seu povo.
Em Atos dos apóstolos a aparição do termo também é comparada como a “palavra da
graça” ao referir-se ao Evangelho, conforme os textos a seguir:
14 O conceito de graça, derivado da palavra grega χάρις (charis), foi extraído do BIBLEWORKS 9
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30
Despedida a sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos piedosos seguiram
Paulo e Barnabé, e estes, falando-lhes, os persuadiam a perseverar na graça de Deus. (ARA, At. 13.43)
Porém em nada considero a vida preciosa para mim mesmo, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus para testemunhar o evangelho da graça de Deus. (ARA, At. 20.24)
A referência do Evangelho feita pelo o autor de Atos apresenta a graça de Deus em
relação a Sua benevolência ao homem (ESSER, 2000, p. 911), demonstrando que a
experiência vivida através do Evangelho pelo apóstolo Paulo, pode ser experimentada
pelos efeitos da graça exercida na vida de todo crente.
Dentro do Evangelho de João, outro fator que está explicitamente descrito nas
Escrituras sobre a graça, é que nada e nem ninguém está fora de seu domínio:
Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi
feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens [...] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai.
Nota-se que as dádivas “[...] como ‘vida’ e ‘luz’, se identificam com o próprio Jesus
Cristo, e podem ser entendidas somente como dádivas da graça dEle.” (ESSER, 2000,
p. 911), revelando o seu governo sobre tudo e todos (toda criação), aonde todas as
coisas vieram à existência, tendo o próprio Cristo como fonte infinita de seu excelso
poder.
Todavia, mesmo “[...] os efeitos subjetivos da graça podem parecer, algumas vezes,
transformar a graça de Deus em uma virtude independente” (KEARSLEY, 2009, p.
468), esses efeitos se diferem segundo alguns estudiosos entre graça comum (ou
graça geral) e graça especial (ou graça especial/salvífica).
2.4 Graça comum
Segundo a afirmação de Berkhof, a utilização da expressão graça comum15 (gratia
communis) veio a ser desenvolvida nos círculos reformados para referir-se a graça de
Deus sobre todos os homens, fazendo diferenciação da graça especial (gratia
particularis), “[...] que se limita a uma parte da humanidade, a saber, aos eleitos”.
(BERKHOF, 2012, p. 401)
15 Grudem (1999, p. 1038) “Graça comum é a graça de Deus pela qual ele dá às pessoas inúmeras bênçãos que não fazem parte da salvação”.
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Ao olharmos para humanidade e o seu desenvolvimento nas ciências sociais, políticas
e tecnológicas, vemos que a graça de Deus revelada à sua criação, instiga no homem
uma busca pela qualidade de vida, na ideia de construir uma sociedade próspera que
envolve tanto o bem-estar material (emprego, status, bens, imóveis, etc.), como
imaterial (família, relacionamentos, religiosidade, etc.) e o domínio sobre toda criação
de Deus a ele confinado.
Na procura deste ideal, observamos que a maioria das pessoas no mundo buscam
aparentemente um padrão que as tornem em comum, fazendo valer a expressão do
provérbio que diz que: “aos olhos de Deus somos todos iguais”, ou a expressão falada
por muitos dizendo: “também sou filho de Deus!”. Todavia, isso não as certifica que
de alguma forma, podem estar incluídas no plano salvífico, na qual foi planejado e
construído pelo próprio Deus. Porém são alcançadas pela graça comum, de forma
que possam experimentar e receber os benefícios outorgados pela mesma.
Segundo Horton (2006, p.36), a família é um destes exemplos que reflete a graça
comum sobre o homem, pois.
Uma família ateísta não é menos fundada por Deus do que um lar cristão; é uma ordenança da criação. Assim como incrédulos e crentes participam, ambos da imagem de Deus, ao possuir um chamado divino ou uma vocação no mundo, e ao compartilhar a graça comum, eles criam famílias não apenas por instinto biológico, mas devido àquela imagem de Deus, [onde] continuam sendo criaturas que requerem comunhão.
Expressando claramente a imagem trina de Deus na natureza humana, tendo como
referência a comunhão entre as pessoas da trindade, como descrito pelo próprio
Hendriksen neste capítulo, que retrata exatamente a essência de Deus sobre a sua
própria criação.
Observa-se que até mesmo diante da sociedade Deus é tido intrinsicamente como
referencial, apresentando que no âmbito das esferas secular e sagrado, o homem
(crente ou não crente) não se difere em nada comparado a sua capacitação, pois o
mesmo (16(ָאָדם, segundo Gn. 1.26, foi feito à “imagem e semelhança de Deus”.
16 Adão vem da palavra hebraica ָאָדם “ādām” que no AT, genericamente pode significar “homem”, “homens” ou “raça humana” ou como pode ser referir ao primeiro homem criado por Deus que tinha por nome Adão. (GAFFIN Jr., 2009, p. 28)
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Sobre os termos imagem e semelhança, muitos estudiosos tiveram discussões se há
diferença entre os termos nas Escrituras. Contudo, Calvino em suas Institutas, vai
argumentar que entre os dois termos não há diferenças.
Em primeiro lugar,
[Porque] entre os hebreus as repetições eram triviais, através das quais
exprimem duas vezes uma só coisa; em segundo lugar, nenhuma ambiguidade há na própria matéria, a saber, que o homem seja designado de imagem de Deus, porquanto é ele semelhante a Deus. (CALVINO, Institutas, I, XV, III).
2.4.1 Os Efeitos da Graça Comum
A graça comum dentro da visão reformada vai dizer que Deus dá a toda humanidade
o entendimento sobre sua existência, sendo na área da religiosidade, moralidade,
criatividade, relacionamentos sociais “[...] com a finalidade de revelar o seu reino que
reflita a sua bondade, misericórdia e justiça”. (BAVINCK, 2001, p. 33).
Entre a relação do homem com a imagem de Deus em ser capaz de realizar “grandes
feitos de bem cultural” (HORTON, 2006, p. 47), a graça comum, segundo Berkhof,
[...] não perdoa e nem purifica a natureza humana, e não efetua a salvação
dos pecadores. Ela reprime o poder destrutivo do pecado, mantém em certa medida a ordem moral do universo, possibilitando assim uma vida ordenada, distribui em vários graus dons e talentos entre os homens, promove o desenvolvimento da ciência e da arte, e derrama incontáveis bênçãos sobre os filhos dos homens. (BERKHOF, 2012, p. 400)
Ou seja, o mandato cultural dado ao homem e a mulher no início da criação (Gn. 1.26-
30; 2.15-20) no intuito de manifestar a glória de Deus segundo a imagem e
semelhança daquEle que os criou. Devido a “Queda”, o pecado distanciou o homem
de sua presença, trazendo o juízo e morte sobre sua vida (Gn. 3.19b; Rm 6.23). No
entanto, a graça comum de acordo com KUYPER (2002, p. 37), “suaviza a maldição
que repousa sobre ele [...] e assim permite o desenvolvimento de nossa vida [...]”.
Não obstante, Grudem (1999, p. 555) em concordância com que foi descrito acima
por Berkhof, afirma que a graça comum.
[...] não transforma o coração humano nem conduz as pessoas ao genuíno
arrependimento e à fé - ela não pode salvar e, sendo assim, não as salva (embora na esfera intelectual e moral ela possa fornecer alguma preparação que torna as pessoas inclinadas a aceitar o evangelho). A graça comum
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reprime o pecado, mas não muda em medida alguma a disposição fundamental de alguém, nem purifica a natureza humana decaída.
Mesmo os mais evidentes efeitos da graça comum na vida do homem narrada pelas
Escrituras (Mt. 5. 44-45; Jo. 1.9; At. 14.16-17), e até mesmo a oportunidade de ouvir
o Evangelho por intermédio da sua Revelação Geral,17 (Mc. 16.15-16), contudo,
através do pecado que há no homem, esta revelação não pode gerar alguma mudança
espiritual nele se não for através da graça especial revelada em Cristo. Pois segundo
Paulo:
[...] porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles
(homens), porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis. (ARA, Rm. 1.19-20)
Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Se, pela ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. (ARA, Rm. 5.12, 17)
2.5 Graça Especial
Conforme abordamos ao tratar de graça comum, pode-se notar, que pelo fato de Deus
se revelar de forma geral (Sl. 19; Rm. 1.20) a toda sua criação, a mente do homem foi
obscurecida pelo pecado, conforme a afirmação do profeta Isaías que disse:
Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça. Porque as vossas mãos estão contaminadas de sangue, e os vossos dedos, de iniquidade; os vossos lábios falam mentiras, e a vossa língua profere maldade. Ninguém há que clame pela justiça, ninguém que compareça em juízo pela verdade; confiam no que é nulo e andam falando mentiras; concebem o mal e dão à luz a iniquidade. (ARA, Is. 5. 2-4)
No entanto o profeta ainda afirma dizendo: “Eis que a mão do SENHOR não está
encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir.”
(ARA, Is. 59.1), apresentando ao homem pecador o seu favor, que por intermédio de
17 Revelação geral de acordo com Champlin (2002, p. 704), é um termo usado para explicar a
capacidade humana de perceber através de ações cognitivas, que “[...] inclui o ministério do Espirito, que guia e influência a racionalização do homem a respeito da natureza, das ideias e do desígnio que há nas coisas”.
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sua graça, não se limita a uma graça comum, mas se torna determinante na vida do
povo de sua herança, através de uma graça especial e irresistível.
Para o Arminianismo, a ideia de separação entre a graça de Deus até existe, porém é
diferenciada entre graça comum e graça preveniente18, onde ambas contêm a mesma
essência.
Para teologia Arminiana, a única diferença entre elas é que a graça comum dá ao
homem a capacidade de se arrepender e crer (não para a salvação), e a graça
Preveniente não só dá este homem a capacidade de se arrepender e crer, atendendo
o chamado de Deus para servi-lo, em cooperação com Espírito Santo, como também
dá a ele, o poder de rejeitar e ignorar o chamado de Deus (“livre-arbítrio”)19, afirmando
que a graça especial e irresistível não existe, pois Deus não intervém sobre a vontade
humana, para impedi-lo de fazer suas próprias escolhas. (BERKHOF, 2012, p. 405).
Observa-se, que se esta visão estiver correta, segundo Bavinck (2012, p. 42) “[...] não
há distinção entre chamado externo e interno, ou entre chamado eficiente ou eficaz.
Interna ou externamente, o chamado sempre é o mesmo. Ele só é chamado eficaz em
termos do resultado, quando a pessoa responde a ele”.
Se de fato ao homem é possível encontrar a salvação pelos seus próprios esforços,
então gera-se uma pergunta muito complexa a ser respondida: Qual seria o objetivo
de Deus Pai, enviar o seu próprio Filho, Jesus Cristo, a morrer numa cruz, como forma
de propiciação de nossos pecados?
Bavinck vai debater, dizendo:
[...], na prática, todos crentes, em todas as épocas em todas as escolas de pensamento atribuíram sua fé e salvação somente a graça de Deus (1 Co 4.7). Fundamentalmente, portanto, essa diferença não pode estar na vontade humana. Se alguém insistir em considerar essa vontade como a causa final, ela é imediatamente confrontada com todas as objeções psicológicas, éticas, históricas e teológicas que em todas as épocas foram levantadas [...] Nessa posição, recebe-se a crítica de todos os milhões de pessoas que nunca ouviram falar do evangelho ou que morreram quando eram crianças e, por essa razão, nunca estiveram em posição de aceitar ou rejeitar Cristo.
18 Segundo a argumentação de Sproul (2014, p. 65), o termo “preveniente” significa que algo vem antes de alguma coisa. Para Sproul, esta ideia de graça já vem desde a tradição romana, que afirmava que para que os homens pudessem ser salvos, eles deveriam “’cooperar com ela e assentir diante dela’, antes dessa graça poder tomar conta de nossos corações”. 19 É a capacidade em que o homem tem de fazer suas escolhas tanto para o bem como para o mal, onde Deus não é capaz de interferir na escolha dos homens (comentário do autor).
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Portanto, a livre vontade dos seres humanos não pode ser a causa primária da fé ou da incredulidade. (BAVINCK, 2012, p. 42)
Embora a graça comum pudesse dar um norte à vida humana sobre questões
basilares da vida social, Jesus ao discutir com o Nicodemos a respeito do Reino de
Deus, Cristo claramente lhe expõe (Jo. 3.6-8), que o Nascer de Novo20 (Espírito) é
uma obra totalmente monergista, na qual não pode derivar-se de uma ação interna
humana (carne), que segundo o Comentário Bíblico Esperança referente ao texto de
João, vai afirmar que somente aqueles que são chamados, são realmente habilitados
a responder ao chamado sobrenatural do Espírito Santo, onde o mesmo aplica a sua
“Vocação eficaz”21 (ou chamado eficaz) sobre a vida do escolhido chamado por Ele.
(BOOR, 2002, p. 51)
A pergunta de número 30 do Breve Catecismo de Westminster diz: “Como o Espírito
aplica-nos a redenção adquirida por Cristo?” e a resposta afirma que é “[...] O Espírito
[que] aplica-nos a redenção adquirida por Cristo, operando em nós a fé e unindo-nos
a Cristo por meio dela, em nossa vocação eficaz”.
2.5.1 Os Efeitos da Graça Especial
Quando olhamos para igreja, estas evidências se tornam mais claras.
Os efeitos a serem percebidos no testemunho fiel dos crentes ao chamado
regenerador do Espírito Santo sinalizam que as boas obras praticadas pelo homem
regenerado, não são obras que o justifiquem de seu pecado, “mas em virtude de sua
misericórdia ‘mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo’”,
(BAVINCK, 2012, p. 51) se tornam consequências eminentes, que expressam ação e
a eficácia do poder regenerador do Espírito Santo do Senhor na vida deste homem.
Esta conexão está altamente interligada a questão pactual da fé procedente de Jesus
Cristo, na qual somos regenerados e justificados pela sua obra vicária, reconciliados
20 Champlin (2002, p. 448), faz menção do uso da expressão “Nascer de Novo” utilizada pelo autor do livro de João comparado ao ato regenerador do Espírito, fazendo a analogia com o exercício cerimonial do batismo, como prática de purificação de pecados para a salvação. 21 O Breve Catecismo de Westminster (1647) em resposta à pergunta de número 31 vai dizer que a “Vocação Eficaz é a obra do Espírito Santo, pela qual, convencendo-nos de nosso pecado e de nossa miséria, iluminando nosso entendimento pelo conhecimento de Cristo, e renovando a nossa vontade, nos persuade e habilita a abraçar Jesus Cristo, que nos é oferecido de graça no Evangelho.
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ao Deus criador, como a mais sincera manifestação do seu amor para com o homem
pecador.
Segundo MacArthur ao fazer menção do pensamento de Lutero, ele diz que a teologia
sobre a doutrina da “justificação pela fé somente” (Sola Fide), era o fator determinante
para definir se a igreja estava de pé ou caída no tocante a graça de Deus,
apresentando que a valorização da doutrina evangélica expressa a “A marca da
Vitalidade Espiritual [de uma] Igreja”. (MACARTHUR JR., 2013, p. 10).
Para Bavinck (2012, p. 51), os escolhidos (a igreja) ao receberem a fé como o dom da
graça de Deus, também “[...] recebem a justificação e a adoção como filhos (Rm 3.22,
24; 4.5; 5.1; Gl 3.26; 4.5; etc.), com a garantia da filiação dada pelo testemunho do
Espírito Santo (Rm 8.15, 16; Gl 4.6; 2Co 1.22; Ef 1.13; 4.30).”
Ele continua a afirmar dizendo, que.
[...] essa não é a única mudança que ocorre com eles. Aqueles que são
eficazmente chamados também são, imediatamente, pela fé, incluídos na comunhão com Cristo. Eles são sepultados, ressuscitados (Rm 6.3ss) e vivificados com Ele (Ef 2.1,5), e conformados a sua imagem (Rm 8.29, 30; 1 Co 4.15, 16; 2Co 3.18; Gl 4.19). Cristo vive neles e eles vivem em Cristo (Gl 2.20). Mas como, pela ressurreição, Cristo foi feito Espírito doador de vida (1Co 15. 45; 2Co 3.17), também se pode dizer que eles receberam o Espírito de Cristo (Rm 5. 5; 8.15; 1 Co 2.12; 2 Co 11.4; Gl3.2; 4.6; 5.18), que o Espírito vive neles (Rm 8.11) e que eles vivem no Espírito e andam no Espírito (Rm 8.2, 4, 5, 9, etc.). Por meio da fé, Cristo ou seu Espírito é o autor e originador da nova vida naqueles que são chamados (Gl 3. 2; 4.6), de forma que agora eles são pessoas muito diferentes, novas e espirituais. (BAVINCK, 2012, p. 51)
Os benefícios gerados entre a relação trina de Deus com a igreja mantêm o seu povo
firme aos propósitos por Ele designados, mostrando que a crença na doutrina da graça
reflete: O temor a Deus, levando a uma profunda e verdadeira adoração centrada
nEle; a preservação contra a banalização das ações e cuidados divinos; a admiração
pela salvação outorgada a igreja; o exercício vigilante em contraposição aos artifícios
humanos em modificar a verdade divina; a realidade do mundo e de sua cultura que
“milita contra Deus”; a confiança na obra planejada por Deus como manifestação
definitiva do Reino sobre a restauração do tanto do eleito como do mundo; a visão da
glória de Deus sobre todas as coisas; a esperança de que Deus ouve a súplica; a
motivação em propagar o Evangelho a todas as pessoas sem distinção; a certeza que
Cristo voltará para Reinar juntamente com sua igreja. (PIPER, 2009, p. 1-5)
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Diante de tudo que foi considerado sobre a graça e seus efeitos no mundo e
especificamente na vida daqueles que estão debaixo da graça especial, pode se
observar que a igreja, mesmo no decorrer dos séculos com erros e falhas, tem se
mantido dentro do caminho certo (KÜNG, 1969, p. 111), entendo sua realidade
pecadora, carente das misericórdias de Deus, a fim de proclamar as virtudes de Deus.
A união com Cristo tem levado a igreja a experimentar estes benefícios, através de
sua graça e misericórdia, procurando dar testemunho do Evangelho em resposta ao
chamado de Deus como agência do reino, assumindo o ofício de embaixadora (2Co
5.20) e reconciliadora do mundo (MARASCHIN, 1993, p. 103) com único e só
propósito de adorar (YANCEY, 2000, p. 25) e engrandecer ao Deus vivo e verdadeiro,
“até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus,
à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo..” (ARA, Ef. 4.13),
crendo na esperança de uma mudança verdadeira, duradoura e completa,
evidenciando que a mesma não só experimenta, mas expressa a graça de Deus, por
meio de seu testemunho de vida, como será tratado no capítulo adiante.
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3 A IGREJA EXPERIMENTA E EXPRESSA A GRAÇA DE DEUS
Foi apresentado neste trabalho, que o estreito relacionamento entre a igreja e a graça,
traz o homem pecador para o centro da vontade de Deus, fazendo-o discernir de sua
condição pecaminosa, diante da presença daquEle que é santo, mostrando que a vida
de santidade só pode ser desenvolvida por Deus, mediante a obra de Cristo, como
descrito pelo apóstolo Pedro:
[...] sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida
na revelação de Jesus Cristo. Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque eu sou santo. (ARA, 1Pe. 1.13-16)
A relação pactual da graça de Deus com a sua igreja, mostra, que estar dentro da
igreja visível, mesmo sabendo que nela não há perfeição plena porque a mesma
“sempre está sujeita as imperfeições humanas” (CALVINO, Institutas, IV, I, XIII), nos
faz entender, que por meio dela somos chamados e inseridos como parte da Igreja
Invisível estabelecida por Deus.
Calvino (Institutas, IV, I, VIII) vai afirmar: “Que Deus sabe realmente quais são, de
fato, santos e eleitos seus”, e a estes Ele tem revelado “[...] sinais para distinguir-se a
Igreja, porque esta não pode existir em parte alguma sem que frutifiquem e prosperem
pela bênção de Deus”, nas quais estes sinais são denominados como “meios de
graça”.
Para Calvino, reconhecer a natureza da igreja, é conciliar a obra de Cristo a sua vida,
como forma de evidenciar as marcas visíveis (pregação da Palavra e ministração dos
sacramentos), através do seu caráter e testemunho, realizado pelo poder
transformador do Espírito Santo sobre ela.
Calvino (Institutas, IV, I, VIII) ainda afirma que, “Pois, onde quer que vemos a Palavra
de Deus ser sinceramente pregada e ouvida, onde vemos os sacramentos serem
administrados segundo a instituição de Cristo, aí de modo algum há de contestar-se
que está presente uma igreja de Deus”.
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Lutero e Melancton, “compartilhavam desta mesma perspectiva e concebia a igreja
primordialmente em termos de sua função na ministração dos meios de graça”.
(MCGRATH, 2005, p. 548)
Com isso, pode-se observar que Deus não só concede a sua graça a sua igreja, mas
a sustenta por meio de sinais que a identificam com Cristo e seu senhorio sobre ela.
3.1 Conceito sobre os Meios de Graça
Não há como desassociar-se a relação entre “graça” e o termo “meios de graça”, até
mesmo porque ambas estão interligadas como uma forma mais clara e concisa do
“favor e comunhão de Deus”, definindo assim os “meios de graça” como sendo ações
e sinais externos, humanamente perceptíveis, que Cristo deu à sua igreja, que pelo
os quais comunicam a sua graça sobre ela (BAVINCK, 2012, p. 447). O que significa
que “Cristo transmite à sua igreja os benefícios através de sua mediação”
(BLACKBURN, 1999, p.1).
Alguns teólogos reformados divergem ao determinar quais são os meios ordinários
usados por Deus, que de fato venham transmitir a sua graça sobre a vida da igreja.
Louis Berkhof (2012) seguindo o pensamento de Bavinck (2012) crê que somente a
Palavra e os Sacramentos podem ser considerados como meios ordinários da graça
reveladora de Cristo à sua igreja.
Hodge (2001, p. 1531) acrescenta a “oração”, e McPherson (1903) inclui a “igreja“,
sendo ela mesma um meio da graça de Deus instituída por Cristo, para influenciar o
mundo (BERKHOF, 2012, p. 557).
Já Grudem (1999, p. 734), diferentemente dos demais, acresce na comunhão cristã,
até onze atividades, crendo ele serem estas, partes das ordenanças divinas, nas quais
se identificam com Cristo através do: ensino da Palavra, batismo, ceia do Senhor,
oração uns pelos outros, adoração, disciplina da Igreja, oferta, dons espirituais,
comunhão, evangelização e o ministério pessoal para indivíduos.
Para Berkhof (2012, p. 557) os meios de graça nunca podem ser separados da pessoa
e obra de Cristo, nem da igreja, como parte da aliança, pois Cristo é o único “adquiridor
e distribuidor” da graça. Além disso, se Cristo administra sua graça
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extraordinariamente (imediatamente) ou ordinariamente (através de meios), ele o faz
por meio da operação interna do Espírito Santo a quem ele concedeu à igreja, na
comunhão que ele instituiu a fim de pregar o evangelho a toda criatura.
Em resumo, Cristo tem se unido soberanamente a administrar exteriormente e
ordinariamente sua graça ao povo do seu concerto, fazendo-o experimentar as
bênçãos de Deus por meio do poder do Espírito Santo que é revelado como promessa
da aliança feita aos seus filhos.
3.2 A Doutrina Reformada Histórica sobre os meios de graça
Calvino escreveu amplamente sobre os meios de graça, sua concepção foi a base
para, mais tarde, serem construído catecismos e confissões, fundamentados em seus
ensinos.
O Catecismo de Heidelberg (1563) é um exemplo disso.
Na pergunta 65 que faz o seguinte questionamento: “Visto que somente a fé é o que
nos torna participantes de Cristo e de todos os Seus benefícios, de onde vem essa
fé?”, ela mesma responde, afirmando: "Vem do Espírito Santo, que a opera em nossos
corações pela pregação do evangelho, e a fortalece pelo uso dos sacramentos.”.
Na Confissão Belga (1561) em seu artigo 29, diz que:
As marcas para conhecer a verdadeira igreja são estas: ela mantém a pura pregação do Evangelho, a pura administração dos sacramentos como Cristo
os instituiu, e o exercício da disciplina eclesiástica para castigar os pecados.
Embora não chamando a Palavra pregada, a administração dos sacramentos e a
disciplina diretamente como meios de graça, a Confissão as considera como
atividades integrantes e fundamentais na vitalidade de uma igreja guiada pelo o
Espírito Santo, que procura viver uma vida santa e integra de acordo a Palavra de
Deus.
Já na pergunta 88 do Breve Catecismo de Westminster (1647), um século depois das
primeiras confissões, questiona-se o seguinte: “Quais são os meios exteriores e
ordinários pelos quais Cristo nos comunica as bênçãos da redenção?” Na qual a
mesma responde que: “Os meios ordinários pelos quais Cristo nos comunica as
bênçãos são as suas ordenanças, especialmente a Palavra, os sacramentos e a
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oração, os quais todos se tornam eficazes aos eleitos para a salvação”,
amadurecendo a ideia, discutida pelos reformadores da época, que a “oração”
também deve ser considerada como meio ordinário da graça de Deus revelada por
Cristo Jesus a sua igreja (At 1.4-5, 14).
Em suma, o que se pode evidenciar, é que os ensinamentos sobre os meios de graça
desde as primeiras confissões pós-reforma, não criaram uma nova doutrina ou
entendimento sobre os pontos em comum abordado entre os reformadores, pelo