Seminário Arquidiocesano de São José · O mal e a liberdade Agostinho não entende o mal como...
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Seminário Arquidiocesano de São José – Rio de Janeiro
Introdução à pesquisa em Santo Agostinho e no Agostinismo.
Robson Atallah Nogueira Lima
3
Sumário
Capítulo I – Agostinho ................................................................................................... 4
1.1. Vida ................................................................................................................ 4
1.2. Obras ............................................................................................................. 5
1.3. O Método de interiorização .......................................................................... 6
1.4. Temas importantes ....................................................................................... 8
1.4.1. O mal e a liberdade ................................................................................. 8
1.4.2. O Cogito Agostiniano ............................................................................... 9
1.4.3. Razão X Fé e Ciência X Sabedoria ....................................................... 10
1.4.4. A ordem do amor ................................................................................... 10
1.4.5. Provas da existência de Deus ............................................................... 11
1.4.6. A alma humana ..................................................................................... 12
1.4.7. Tempo e perseverança .......................................................................... 13
1.4.8. A interpretação das Escrituras ............................................................... 14
1.4.9. Obras interessantes ............................................................................... 19
Capitulo 2 – Agostinismo ............................................................................................ 22
2.1. A primeira idade média .............................................................................. 22
2.2. Escolástica Tomista ................................................................................... 23
2.3. Reforma e Humanismo ............................................................................... 24
Capítulo 3 – Curiosidades ........................................................................................... 26
4
Capítulo I – Agostinho
Todos os que estudam Agostinho começam sua pesquisa pelo livro as
Confissões. Porém esta obra não possui todo o arcabouço histórico necessário
para uma boa análise, visto que a obra é uma confissão de fé que se
desenvolve pela vida de Agostinho sem muitos detalhes históricos alheios a
ele. Por isso esta apresentação da vida de Agostinho é guiada por autores que
levaram em consideração a historicidade que a obra Confissões não traz.
1.1. Vida
Aurelius Augustinus nasceu no ano de 354 em Tagaste, seu pai era
pagão e sua mãe cristã1. Ali conheceu o cristianismo, mas logo se decepcionou
com algumas tentativas de entender a Sagrada Escritura.
Em 370, Agostinho foi estudar em Cartago e teve contato com a obra
Hortensius de Cícero, hoje perdido. Foi esta obra que lhe conferiu um profundo
ardor na busca da verdade. Neste período se aproximou do maniqueísmo e
nesta seita permaneceu por 9 ou 10 anos. Logo após sua conversão os
maniqueus se tornaram inspiração para suas obras, principalmente alguns
amigos que fizera na seita. Henri Marrou2 afirma que os seus “adversários”
costumam argumentar que Agostinho conservou certo ressalvo do
maniqueísmo.
O Doutor da Graça se converteu em Milão, lugar em que conheceu
Santo Ambrósio. Este contato provocou em Agostinho grandes inquietações
intelectuais, este foi seu primeiro contato com o ambiente intelectual dos
católicos, ainda que fosse apenas escutando as homilias de Ambrósio. Em 386
Agostinho é batizado e no retiro surgem suas primeiras obras: De Ordine(386),
Solilóquios(387), Contra-Acadêmicos(386) e De Beata Vita(386). Marrou
ressalta em sua introdução ao estudo de Agostinho que o agostinólogo deve ter
um olhar carinhoso para o desenvolver da religião de Agostinho que vem pouco
a pouco caminhando para uma profundidade mais madura em relação ao
cristianismo.
1 Santa Mônica
2 Fo um historiador francês especialista em cristianismo primitivo, especialmente em Agostinho.
5
Em 391 foi ordenado sacerdote e mandado para Hipona. Entre 395 e
396 foi consagrado Bispo. Por fim, faleceu em 430, pouco antes da invasão dos
bárbaros.
1.2. Obras
Santo Agostinho é autor de 113 obras, 218 cartas, mais de 500 sermões.
Foram necessários 20 anos para concluir os 15 livros sobre a Trindade, 13 ou
14 para concluir o Sobre o Gênesis ao Pé da Letra e os 22 da cidade de Deus
foram aproximadamente 13 anos com o término poucos anos antes de sua
morte.
As obras em geral foram escritas com o incentivo de resolver problemas
da época principalmente de desvios da sã doutrina católica. Estes problemas
foram causados, em grandes proporções, por intepretações equivocadas das
escrituras ou por influências de pensamentos do neoplatonismo que acabaram
servindo de critérios para entender a mensagem de Cristo. Dentre esses
grupos estavam os pagãos, astrólogos, arianos, donatistas, pelagianos,
maniqueus e os judeus.
Estes são os principais grupos por período:
387 – 400 X maniqueus3
400 – 412 X donatistas4
412 – 430 X Pelagianos5
3 O maniqueísmo é uma religião sincretista, criada por Mani (216-277 d.c). Ele declarou ter tido
uma visão de Buda, Zoroastro e Jesus. Esta ceita é movida pela ideia de uma batalha eterna entre a luz e as trevas, bem e mau, alma e corpo, ou seja, tudo que é ligado à matéria é ruim e é obra do Deus mau do Antigo Testamento, e o Deus bom do Novo testamento veio libertar as almas aprisionadas nos corpos. Esta religião (ou pensamento “filosofia gnóstica”) é alvo de muitas obras de Agostinho que fez parte desta ceita por um longo tempo. 4 O Donatismo é o movimento que surgiu na época das perseguições aos cristãos. Este cisma
não aceitava que cristãos pudessem mentir para fugir do martírio e pudessem voltar à casa cristã. Assim também os sacerdotes que fugissem do martírio não eram tidos mais como ministros de sacramentos válidos. Neste processo eles começaram a se afirmar como a Igreja verdadeira e fiel, e ainda condenavam os católicos, que eles chamavam de infiéis, por aceitarem de volta na comunidade os cristãos menos corajosos. Constantino combateu a estes cismáticos com a força e o exílio, porém Agostinho tentou por muitas vezes pelo diálogo e disputas teológicas resolver o problema e alcançou bons resultados. Apesar dos esforços de Agostinho a ceita só desapareceu com a invasão dos vândalos. Resultados das disputas e escritos de Agostinho: A Igreja católica subsiste na Igreja de Cristo, e o Sacramento não depende da santidade do ministro. Ou seja só no ultimo dia é que saberemos que é joio e quem é trigo, e A graça supre qualquer deficiência causada pelo ministro que confere o Sacramento.
6
Por esta dedicação e grandiosa desenvoltura recebeu os seguintes
títulos:
Filósofo da essência, contra os maniqueus
Doutor da Igreja, contra os donatistas
Teólogo da história, contra os pagãos
Campeão da Graça, contra os pelagianos
Há de se ter muito cuidado com a visão por demais rigorosa de
Agostinho e suas obras para que não se caia em alguns desvios como
jansenismo, absolutismo hegeliano, cartesianismo, etc. Marrow aconselha o
agostinólogo a procurar uma visão histórica do ambiente em torno de cada
obra para que a pesquisa se torne imune a primeiras impressões equivocadas.
1.3. O Método de interiorização
O Doutor da Graça usa de um método específico no que diz respeito ao
conhecimento da verdade e na busca pela santidade. É nisso que vai caminhar
o discurso dele sobre religião e os efeitos perceptíveis no homem, esta reflexão
pode ser encontrada nas obras que ele trata do crescimento6 da alma e dos
homens velho e novo.
Agostinho começa a analisar os seres que possuem movimento, já que
voltar a ser aquilo que era antes de tender ao nada parece completar o homem
em suas aspirações mais íntimas. Por isso ele começa pelas plantas e nelas
percebe o grau mais básico da animação, pois elas se alimentam da agua e da
luz e conseguem distribuir os nutrientes de forma que todo o seu composto se
mantém na vida. O segundo grau ele vê nos animais, pois têm aquilo que as
plantas têm, mas potencializado pela sensibilidade, daí o movimento de evitar a
dor e procurar o prazer por meio dos sentidos. O terceiro ele entende nos
5 Foi criada por Pelágio (354 – 425 d.c). É doutrina de teologia cristã, não ortodoxa, que
afirmava que o homem por sua livre vontade poderia alcançar a perfeição moral, ou seja, que ele sem a ajuda da graça poderia alcançar perfeição. Ele é o principal criador do problema entre liberdade e graça, visto que este tipo de pensamento mais acentua a autossuficiência humana, e a resposta que alguns radicais dão a isto depois de Agostinho é a negação completa da liberdade do homem, como aconteceu com Lutero para negar esta idéia, ou é a noção moderna de que o homem por si só faz ou entende seu fim pela ciência e suas capacidades racionais. 6 Qualitativo e não quantitativo.
7
homens, que tem o que os animais possuem, porém potencializado pela
capacidade racional que proporciona o entendimento e grande criatividade,
assim o homem pode, por exemplo, desenvolver a culinária e transmitir de
forma que o outro não precise redescobrir os primeiros passos.
O quarto grau já não diz respeito aos seres inferiores ao homem, pois
esse necessita da capacidade racional de percepção de mundo própria do
homem. Neste grau se encontram aqueles homens que percebem que os bens
deste mundo não o satisfazem como ser humano e começa a menospreza-los
em detrimento de bens superiores. Esse é o nível no qual o homem mais luta
contra as sugestões do mundo. O quinto grau ele chama de constância, ou
tranquilidade, é o grau que caracteriza certo domínio sobre os impulsos
carnais, já não é mais a fase de resistir ao pecado, mas a de não consentir a
ele. O sexto grau é quando o homem, após ter atingido a tranquilidade,
percebe que dentre as coisas que consegue ver no mundo, com os olhos do
corpo e os olhos da alma, ele se entende superior a todas elas e volta-se para
conhecer a si mesmo e essa imensidão que há dentro de si. Ao olhar para si
ele não encontra ainda o que lhe completa, mas vê que não é ele mesmo, em
seu amor próprio, que fará isto. Finalmente percebe que não é ele nem as
coisas criadas que lhe irão completar, mas deve ser algo superior a tudo isto
que percebe, algo que necessariamente deve existir, pois sem este nada disto
seria (existiria), deve ser aquilo que lhe ordenou, a perfeição suprema da qual
todas as coisas participam, Deus. Eis o sétimo grau, a contemplação da
verdade, o próprio Deus, eis a religião, o religar-se. É aqui que ele vê que o
homem pode contemplar a verdade, conhecendo o autor dela o ela mesma por
essência, pois quem melhor para conhecer uma casa se não aquele que a
projetou e construiu?
Este método de Agostinho é excelente para mostrar ao homem que ele
precisa de algo que é único, se não o homem pularia de bens em bens e isto
não faz sentido7 já que nunca seria feliz plenamente. Também mostra que este
Bem ultimo é superior a ele. Assim grandiosamente Agostinho prepara o
homem para aderir à revelação, ao Cristo encarnado, o único que poderia
restituir a humanidade na ligação perdida com o pecado se tornando ele
7 Obra Natureza do Bem para entender melhor.
8
humano por nós, que sem a ajuda da graça não poderíamos seguir seus
passos.
Assim o método Agostiniano sempre seguirá a seguinte ordem: Do
exterior para o interior, do interior para o superior.
Para aqueles que quiserem conhecer um autor que é considerado a
grande novidade em Santo Agostinho nos dias de hoje, procurem por Jean-Luk
Marion. Este autor continua a reflexão de Agostinho sobre o sétimo grau da
alma à luz da explicação do Hiponense sobre o salmo 37. Ele afirma que o
sétimo grau da alma, a perfeição própria de Cristo se encontra na mediação e
intercessão pelo povo de Deus. Ele afirma que o homem ao atingir este grau se
confunde com cristo rezando no cristo cabeça pelos membros feridos pelo
pecado. Também vale ressaltar que ele mostra que isto é necessário, pois se,
como ele afirma, Cristo é o orador dos salmos, porque ele padeceria
sofrimentos por causa dos pecados seus, se ele não teve pecado? A isto,
Marion responde com a própria explicação de Agostinho mostrando que o
Cristo cabeça pede ao Pai pela saúde de seus membros.
1.4. Temas importantes
Vejamos alguns temas que são interessantes e sempre atuais tratados
pelo Doutor da Graça.
1.4.1. O mal e a liberdade
Agostinho não entende o mal como uma substância, algo que existe por
si só, mas como uma tendência ao não ser, ou melhor, uma diminuição do ser
ou do bem. Não existe mau8, só existe mal, isso quer indicar que só há o mal
moral, pois o que seria o mal, na verdade se mostra a corrupção, um
afastamento do ser pleno ou falta do bem devido. Assim o mal só acontece
pelo mau uso da liberdade no modo em que se age perante a ordem. Acima de
tudo é importante saber que o que se diz mal está na verdade presente
somente nas naturezas boas e mesmo desse mal Deus consegue tirar um bem
8 Substância.
9
maior. No livro A Natureza do Bem, e também algumas paginas do livro A
Verdadeira Religião e do livro O Livre-Arbítrio, este pensamento esta bem
desenvolvido.
Quanto à liberdade, como pode ser percebido principalmente na obra O
Livre Arbítrio, o Hiponense não entende apenas como optar por qualquer coisa
que se tem vontade imediata, mas entende como liberdade de optar pelo bem
maior, porém para isso a vontade deve estar em ação conjunta com o intelecto,
isso significa que para fazer uma escolha à razão precisa ter o conhecimento
das opções de uma escolha para que possa optar pelo melhor. A ação livre do
homem passa a depender da escolha do bem maior para que ele não se torne
escravo dos bens menores que não o completam, mas o viciam na vontade de
satisfazer seu desejo de infinito com bens passageiros. Assim a liberdade no
homem se teria tornado a causa do mal no mundo, da diminuição de ser,
porém, como vai mostrar Agostinho na obra, esta liberdade é um bem, apesar
de ser meio também para a diminuição do ser.
1.4.2. O Cogito Agostiniano
O Doutor da Graça, ao escrever contra os céticos da academia, ensina
que a desvalorização absoluta dos sentidos é absurda e inaceitável 9, mas
usando ainda dos argumentos céticos ele desenvolve o chamado cogito
agostiniano10. Os céticos haviam colocado a capacidade de conhecimento do
homem em questão afirmando que os sentidos iludiam, que uma consciência
superior nos enganava e afirmavam a incerteza do sono e da vigília como
critério que põe dificuldade na percepção da verdade. Além de demonstrar a
insustentabilidade destas afirmações na obra11, o Hiponense desenvolve seu
cogito, onde ele relaciona a certeza da percepção da existência pelo intelecto a
uma verdade da qual não se tem como duvidar.
Este cogito pode ser encontrado também nos livros: O Livre Arbítrio
II,3(7); A Trindade X, 10( 15-16); A Cidade De Deus XI, 26.
9 A verdadeira Religião; Contra Acadêmicos.
10 Chamo de cogito agostiniano apenas para que não haja confusão com o cogito cartesiano,
pois há semelhança. 11
Contra Acadêmicos traz isto, porém obras como A Verdadeira Religião , O Livre Arbítrio e A Doutrina cristã também comentam apesar da pouca ênfase no assunto.
10
1.4.3. Razão X Fé e Ciência X Sabedoria
Agostinho entende que o homem é capaz de dois modos de
conhecimento, um superior e o outro inferior. O conhecimento cientifico-
racional seria o conhecimento inferior, o qual serve de propedêutico para o
superior. Este conhecimento tem por objeto as realidades temporais, que por
sua vez se ordenam às coisas eternas.
A sabedoria e a fé são todo o suplemento do conhecimento intelectual
das realidades e verdades eternas, aquelas imutáveis. Sendo assim, o
Hiponese entende as coisas divinas como objeto da fé e da sabedoria. “Assim
a verdadeira sabedoria se identificará com a religião”12.
Razão e fé não seriam realidades contraditórias, mas complementares
no pensamento de Agostinho, como que fazendo parte de uma única realidade
de entendimento da realidade no homem.
1.4.4. A ordem do amor
O amor é o impulso do sentimento que carrega a vontade e o intelecto
para algo. O amor está presente no homem ontologicamente e em seu agir. Ele
dirige o homem a quatro objetos: as coisas materiais, a ele mesmo e aos
demais homens, e ainda as coisas superiores ao homem.
O amor desordenado leva o homem a amar-se mais do que ao seu
autor, afastando a si mesmo de sua felicidade por conta dos bens mutáveis e
não eternos.
O homem que ama desordenadamente a si e põe as coisas materiais
como centro de sua vida facilmente se vê perturbado, pois não demora muito
para que elas pereçam. Por exemplo, o dinheiro, ao ser roubado ou precisar
gastar com sua saúde ele perde a segurança que o dinheiro lhe conferia.
O homem que ama a si acima de tudo busca a atenção de todos, a
fama, a realização profissional, todas as suas ações serão interesseiras no seu
bem próprio e ele usará das outras pessoas para alcançar este objetivo, pisa
12
A Verdadeira Religião, 5.
11
nos outros e usa de seus colegas como degraus para subir na vida e garantir
sua importância, ou os candidatos a cargos públicos que usam dos mais
pobres e seu desespero para conseguirem estabilidade através dos seus votos.
A única maneira de ser feliz segundo Agostinho deve passar
primeiramente pelo amor a Deus acima de todas as coisas, pois sendo ele
autor das coisas materiais e espirituais, e tendo em vista que as coisas
espirituais são mais excelentes que as materiais, só Ele consegue conferir a
devida ordem e indica-la ao homem para que este fortaleça sua busca pela
felicidade.
Assim, quando o homem amar a Deus13 sobre todas as coisas, todos os
amores aos outros objetos são devidamente ordenados. Amando o seu criador
acima de tudo o homem se descobre por meio de seu autor e ama a si como
imagem e semelhança daquele que o fez. Ama o semelhante como alguém tão
capaz de contemplar a Deus como ele mesmo. Ama, também, as coisas
materiais, que são boas, mas na medida em que não atrapalhem seu
direcionamento à felicidade e até de forma que proporcionem isso.
Sobre o amor de si e das coisas não foi necessário que nos dessem
preceitos, pois amamos a nós mesmos em tudo o que fazemos mesmo com o
pecado e a nosso corpo, mesmo que essas coisas nos deem só prazer
imediato. Quanto ao amor a Deus e ao próximo, foi necessário que Deus nos
ajudasse por conta do pecado original, mas mesmo com este pecado ninguém
pode deixar de amar a si mesmo e ao seu próprio corpo.
1.4.5. Provas da existência de Deus
Deus não é um mero objeto científico, mas para Agostinho Deus é
evidente para a razão humana por causa de seus efeitos. Por isso vejamos três
argumentos da existência de Deus de forma desvinculada da revelação:
a) Em suas confissões Agostinho demonstra a sua busca do sentido de
si nas coisas exteriores. Porém logo passa ao interior, ali encontra
sua alma, mas não a Deus. Aqui, ainda que a alma humana
demonstre ser superior às demais coisas criadas, ele percebe que
13
Bem Supremo, Verdade Absoluta, Beleza integra, Pureza Sublime e Inteligência ordenadora.
12
deve ter algo superior a todas estas coisas que seja a causa dele, já
que ele não é causa de si, e mesmo se houvesse um ser acima dele
que não fosse a causa ele devia ser causado por um ser mais
superior ainda, e este ser superior primeiro só poderia ser Deus.
b) Pela ordem do mundo. Todas as coisas possuem uma ordem e não
são caos14, por isso, como toda coisa ordenada pelo homem antes
passou pela sua inteligência, a ordem do mundo, por conseguinte,
deve ter sido projetada por uma inteligência superior e necessária,
pois esta deveria ser (existir) para que tudo não fosse uma grande
confusão.
c) Pelas ideias de perfeição universais e participação nelas. As coisas
são verdadeiras por participarem da verdade. O justo é participante
da Justiça, pois bem, a multiplicidade não pode ser causa de si
mesma ela precisa surgir de uma coisa única, por isso deve haver
um ser único possuidor de todas as perfeições das quais todas as
coisas participam. “Deus é a verdade por essência, a luz imutável, o
principio eterno e a fonte de toda verdade. Todas as coisas são
verdadeiras pelo ser e verdade que recebem de Deus.” (A Verdadeira
Religião XXI 57; Confissões X 40).
1.4.6. A alma humana
O Homem, segundo Agostinho, é composto de duas substâncias,
misteriosamente formando um único composto, o corpo e a alma15, sendo a
alma superior ao corpo.
A alma16 é quem conserva o corpo, dá o movimento e, especialmente no
homem, potencializa as capacidades, que seriam de um animal, pela razão.
Ainda que Agostinho entenda que corpo e alma subsistiriam de forma
separada, afirma que esta unidade se faz misteriosamente necessária para que
haja humanidade.
14
Pense em bagunça. 15
“Substância dotada de razão, apta a reger um corpo” (A Grandeza da Alma) 16
Agostinho fala da “alma”(animação) das plantas, dos animais e do homem. (A Grandeza da Alma)
13
Agostinho, apesar de usar meios neoplatônicos para desenvolver seu
pensamento, não entende a alma como se fosse aprisionada no corpo, muito
menos o corpo como uma coisa uma substância má. O Hiponense entende que
a alma deve aperfeiçoar o homem como um todo executando a ação de reger o
corpo conservando-o em santidade.
A alma não se desenvolve quantitativamente, mas qualitativamente. Ela,
ao conhecer, tem a capacidade de guardar as impressões e as organiza-las em
uma imagem17 e a guardar na memória. Por ela guardar na memória a
essência, Agostinho também argumenta sobre a imortalidade da alma com o
viés de que ela absorve a verdade pelo intelecto e assim esta fica presente na
alma que contemplando a verdade absoluta permanece no ser mesmo sem o
corpo.
Quanto à origem da alma, Agostinho vê lógica no argumento de pré-
existência da alma de Platão, Porém, reconhecendo a superioridade da
revelação em relação à racionalidade do homem, ele opta por aderir à
afirmação de São Jerônimo de que a alma é criada e infundida no momento da
concepção. Por isso é preciso cuidado com as afirmações de que existiríamos
na mente de Deus. Se esta não for entendida na eternidade, e for entendida
como ação decorrida em um tempo, grandes problemas podem surgir daí.
Todas as ações de Deus devem ser entendidas em ato como expõe Santo
Tomás, assim, pensamento e criação não são ações distintas, mas uma única
ação.
1.4.7. Tempo e perseverança
Há o tempo criado e há a eternidade, sendo que um é acidente da
criação e o outro é uma realidade superior ao entendimento humano, que só
corresponde a “inteligibilidade divina”. Esta reflexão nos abre duas óticas de
entendimento sobre a predestinação, uma vê de dentro do tempo criado e outra
de fora. Quando Agostinho fala deste dom ele se expressa com o esforço de
olhar de fora do tempo criado, porém está revestido de aspectos do tempo que
o limitam a dizer aquilo que gostaria de objetivar de forma simples.
17
Pede se entender como conceito.
14
Quando Agostinho aborda tema da perseverança e o trata como um
Dom dado por Deus, indica que só saberemos quem tem o Dom da
perseverança quando morrermos, pois só então poderemos constatar se
realmente fomos agraciados com o Dom da perseverança. O problema é que a
partir desta estrutura de pensamento alguns começaram a afirmar que Deus já
cria homens destinados a serem salvos ou não, e ainda, Deus ao dar ou não
este Dom estaria condenando ou salvando a pessoa para a eternidade.
Por isso, se faz importante entender que quando se fala do Dom da
perseverança final, se está relacionando com a ótica do kairós e quando se fala
da oração que pede este dom e o desenvolvimento, ou não, deste dom na vida
se refere a ótica do kronos. Quando nos colocamos em uma ótica “semelhante”
a de Deus ainda não temos como ter a compreensão integral do entendimento,
mas como se faz por analogia, se indica uma linha de raciocínio que nos
aponta para um aspecto de uma determinada realidade, apesar dessa
realidade vir se mostrando estar acima da capacidade de compreensão
humana.
1.4.8. A interpretação das Escrituras
Quanto à interpretação da Bíblia na Igreja, Santo Agostinho desenvolve
um método de fazer teologia que garante ao Cristão fiel um conhecimento mais
aprofundado de Deus sem se afastar da comunhão da Igreja.
A primeira coisa é conhecer a Regra de fé, o credo da Igreja. Hoje temos
um credo bem desenvolvido e aprofundado que nos ajuda muito mais a não
nos desviarmos do que ensina a Santa Mãe Igreja, porém ainda que tenhamos
muitas coisas específicas, esta Regra de fé deriva desde a profissão de fé dos
apóstolos é resguardada pelos seus sucessores.
O segundo passo é a busca sincera por uma vida de santidade, assim o
cristão deve buscar crescer nos graus da alma e garantir que o domínio de si
seja suficiente para que ele não afirme simplesmente o que quer, mas o que a
inspiração divina quis comunicar por meio da Escritura.
Como resolver ambiguidade nos textos:
15
Há de se tomar cuidado com a pontuação, pois o latim antigo18 carecia
de fácil compreensão na pontuação já que não havia espaços entre as
palavras. Também quanto a pronuncia havia a mesma problemática. Em vista
de que algumas palavras eram semelhantes a outras na pronuncia. Aconteceu
algumas vezes que, no tempo em que os monges copiavam a Sagrada
Escritura para mantê-la viva e inteira para nós, aquele que copiava enquanto o
outro ditava o que deveria ser escrito poderia ser mal entendido e poderia
causar expressões e entendimentos diferentes até do texto original. Também
algumas confusões em casos semelhantes do latim, pronunciação de vogais
breves ou longas que não vinham com referência e etc. Para superar este
problema Agostinho aconselha a consulta das línguas mais antigas, como
grego e hebraico e por fim a consulta ao contexto conduzido pela Regra de fé.
Quanto aos textos em sentido figurado:
Não se tomem, segundo ele, qualquer passagem da Escritura ao pé da
letra, pois Deus falou pelos escritores sagrados por meio de suas capacidades,
ou seja, eles ao comunicar a mensagem divina estavam cheios de seus
aspectos culturais quando a colocaram por escrito. Não se busque entender a
cultura do Antigo Testamento com o que se tem hoje como cultura, pois coisas
naturais para a época hoje podem se escandalosas. Também se atente para os
vários significados que uma palavra aponta. Deve-se buscar entender a
intenção por trás do que está escrito. Ex.: “se tua mão direita te leva a pecar
corta-a fora” (Mt 5, 30).
Agostinho resgatou do pensamento de um leigo donatista algumas
regras que “concertadas” podem ainda hoje ser usadas para melhor entender a
Escritura e solucionar muitos problemas de interpretação.
Regras resgatadas e Ticônio:
1- O senhor e seu corpo – é necessário entender o que na Escritura se
refere à cabeça e o que se refere a seu corpo, ainda que haja
aspectos aplicáveis a ambos., ou seja, o que se refere a Cristo e aos
membros, nós Igreja.
2- O corpo do Senhor verdadeiro e o misto – Deve-se ficar atento
quando uma passagem da escritura se refere à Igreja celeste ou à
18
O mesmo para o grego.
16
Igreja terrena, e mais ainda, pois ao falar da Igreja terrena pode estar
se referindo a parte que caminha na santidade ou mesmo a parte que
se encontra em pecado. Tem passagens que se referem aos bons e
aos maus dentro da “rede”.
3- O Espírito e a Letra – Entenda-se que é a graça que dá sentido à
vida dos mandamentos, onde a escritura falar de qualquer ação
humana que dê a salvação ela pressupõe a ação da graça salvífica
de Cristo. Por isso se diz que a letra mata e o espirito da a vida, sem
Deus não há como obedecer a letra.
4- Espécie e gênero – Refere-se à parte e ao todo. Pode se prescrever
algo a uma cidade na escritura, e aplicar se referindo a toda e
qualquer cidade. É o que foi usado para reconhecer algumas cartas
de Paulo a algumas comunidades especificas como Escritura
Sagrada e as integraram ao cânon bíblico. Porém deve-se ter
cuidado do que é próprio da aplicação ao todo para que isto não seja
aplicado à parte. A desobediência do povo na adoração aos ídolos,
por exemplo, não pode ser aplicada a toda parte. Ainda que se diga
que o povo de Israel fez maus aos olhos de Adonai sempre teve um
ou outro que foi fiel.
5- Os Tempos – Aplicação da parte ao todo e do todo à parte. Se dois
evangelistas discordam sobre o tempo decorrido entre um
acontecimento e outro. Ex.: o espaço de tempo entre um
acontecimento e a transfiguração de Cristo no monte contado por
dois evangelistas traz diferenças, um diz que são oito dias e outro
que são seis. Considerando a possibilidade de medida de tempo, o
problema se resolve com o entendimento de que um pode ter
contado oito por contar meios dias e o outro seis por só considerar
dias inteiros. Ou mesmo o que contou oito pode ter considerado as
vésperas de dois dias como dias diferentes.
6- Recapitulação – A Escritura por vezes traz acontecimentos anteriores
como subentendidos ao relatar algo, a recapitulação ajuda neste
discernimento. Por exemplo, Gn 2,8 fala do paraíso que Deus fez
com um lindo jardim onde colocou o homem que havia formado.
17
Deus não fez o homem e o deixou flutuando até terminar o jardim, ele
fez o jardim e lá pôs o homem.
7- O demônio e seu corpo – diz respeito à aplicação do que se diz ao
demônio a seu corpo, os impiedosos. Entretanto, atente-se que nem
tudo que se refere ao demônio se refere a seu corpo, e vice-versa.
Não que exista realmente um corpo do demônio como existe o corpo
de Cristo, mas de maneira análoga podemos usar este artificio para
resolver dificuldades de aplicação.
1.4.9 – Trindade
A obra em que Agostinho trata da Trindade traz, além da reflexão própria
do autor sobre diversos aspectos referentes à trindade, um apanhado dos
argumentos apologéticos usados contra as heresias que surgiram em meio aos
diversos movimentos gnósticos nos primeiros séculos depois de Cristo.
Nos livros I e II em especial pode-se ver o combate das doutrinas
referente à subordinação19 do filho ao Pai, a divindade do Espirito e
reconhecimento dele a partir do Pai e do Filho e a equiparação das pessoas da
trindade como possuidoras da mesma natureza divina dentre outras
preciosidades.
Argumentos interessantes dos primeiros livros:
A divindade do Espirito Santo é garantida pelo verbo usado para se
referir a ação praticada para Ele. Agostinho mostra que o verbo
δοuλεuειν se refere a uma ação que se faz em favor de uma outra
pessoa, mas o verbo λατρεuειν só diz respeito à divindade, a Deus.
Apoiando-se em Dt 6, 13 “Adorarás o Senhor teu Deus e só a ele
servirás” e em Fl 3,3 “Os verdadeiros circuncidados somos nós, que
servimos ao Espirito Santo”, pela Escritura Agostinho argumenta
19
Ario entendia que o Filho apesar de ser uma a mais perfeita criatura não deixava de ser criatura e estava abaixo do Pai. Ele tenta defender a unicidade do pai causando a diminuição de Cristo e do Espírito Santo. A geração do Filho era vista como uma geração material, Ario não via como participação mas como divisão a afirmação de que o Filho também seria Deus. Cristo, mal comparando, seria como um demiurgo platônico, criado antes do tempo, participe do ser do Pai, mas não seria eterno nem coeterno nem incriado como o Pai.
18
fundamentando a essência divina do Espirito Santo sinalizada na
revelação.
A passagem que diz “O Pai é maior que Eu” (jo 14, 18). Inspirado em
Fl 2,7, Agostinho afirma que Cristo por vezes aparece revestido da
forma de servo e por vezes aparece revestido da forma divina. Cristo
demonstra ser igual ao Pai na forma divina e inferior ao Pai na forma
de servo, independente da forma como ele se mostra ele não deixa
de ser homem nem deixa de ser Deus. O Pai e o filho são afirmados
como iguais enquanto Deus, “Eu e o Pai somos um” jo 10, 30. Jesus
é inferior a si mesmo na forma de servo, é servo e é Deus, nasceu de
mulher e criou tudo, faz a vontade do Pai e é um com Ele, obedece
até a morte e é Deus verdadeiro e vida eterna.
Se toda ação de Deus é trinitária porque o Filho precisa subir ao Pai
para mandar o Espirito? Segundo Agostinho é para que a forma de
servo desaparecesse com o objetivo de Deus fazer com que os
discípulos compreendessem quem era realmente Jesus Cristo. Ele
afirma que Deus usa desta pedagogia para mostrar que Cristo é igual
ao Pai.
No livro VIII agostinho também traz uma grande novidade. No ocidente por
conta de uma tradução se começa a pensar que o Espirito Santo procede do
Filho e do Pai, diferente do ocidente que afirma que o Espirito só procede do
Pai. A participação de Agostinho é fundamentar a procedência do Espirito a
partir do Pai e do Filho inaugurando um novo tipo de analogia.
Ao olhar para o mundo Agostinho encontra a criatura mais sublime e
superior, aquela que mais se aproxima de Deus e até é chamada de imagem e
semelhança de Deus. Nela ele olha para a alma, que é a substância capaz do
entendimento de tudo isso e é o meio pelo qual se vive a liberdade por via da
vontade e do intelecto. Vendo a alma como uma substância perfeita e imaterial,
ele olha para algumas faculdades como a mente o conhecimento e o amor. A
mente olha para si e quer se conhecer, se entender e ao ver a maravilha de si
começa a se amar. De forma análoga ele vê o Pai, o Filho e o Espirito Santo e
mostra que não é irracional pensar na trindade uma, como a alma que não
deixa de ser alma, mas vive uma comunhão por meio de três faculdades
19
diferentes. Com mais três analogias semelhantes Agostinho inaugura um modo
mais perfeito de se comunicar a unidade da trindade do que como se fazia
antes com modelos materiais.
1.5 – A Graça
A experiência de vida de Agostinho lhe permitiu ter a primeira noção
sobre a graça, que remete ao impulso indireto que ela exerce para tirar o
homem do pecado. Pela própria experiência de vida Agostinho entende que
ainda que a natureza do homem não seja destruída pelo pecado original, o
homem não é capaz de voltar à imagem e semelhança de Deus e nem tem
capacidade perfeita para escolher entre o bem e o mal. Ai se inicia a
percepção da dependência da graça.
A graça não é produto de obras, mas é dom gratuito de Deus. Aqui
surge um problema entre liberdade e graça. No inicio da vida ele afirma que
o homem predispõe (se abre), mas a graça da o agir reto. Essa separação
foi corrigida na obra retratações e na correção Agostinho afirmou que tanto
o crer quanto o agir bem é tanto da parte de Deus quanto da parte do
homem de forma que um não anule o outro. Segundo ele a graça da a
“vontade” para a escolha do bem e do mal e a “liberdade” de querer de
querer o bem e faze-lo.
Deus evoca o bem nas pessoas, a boa vontade, como uma mãe que se
esforça para fazer seu filho sorrir, ele estimula mas não obriga o homem a
agir de determinada forma. Quando o homem se abre para a ação divina a
própria Trindade passa a habitar nela e as obras do homem são
plenificadas pela graça.
1.6 - Obras interessantes
a) Sobre a Trindade – Esta obra foi incentivada a partir de um pedido do
papa da época que tinha a esperança de que Agostinho respondesse
às heresias que vinham surgindo em relação à Trindade. Nesta obra
além de explorar a teologia trinitária Agostinho inova o modo de
entender a Trindade por meio de exemplos intelectivos, onde mente,
20
conhecimento e amor em relação ao sujeito proprietário destas
faculdades se vê de forma única ainda que as funções sejam
distintas. Nesta obra também pode se ter noção de uma antropologia
teológica pensada pelo hiponense. Temas interessantes:
Argumentação de Deus como causa primeira, de essência imutável;
Deus uno e Trino; Inacessibilidade da Natureza Divina; Também
outra analogia sobre a Trindade feita a partir das faculdades da alma
humana: memória, inteligência e vontade.
b) O Mestre Interior – Agostinho reflete em como se dá a comunicação
e o entendimento de uma realidade e, ao fim da obra, ele demonstra
que a mensagem divina não é entendida como ela realmente é de
força absoluta, mas se faz compreensível graças ao mestre interior.
Aqui ele mais uma vez afirma a eficácia e prioridade de uma vida
piedosa. Apesar de a filosofia da linguagem ter surgido no século
XIX, nesta obra de Agostinho pode-se perceber reflexões sobre
muitos aspectos que a filosofia da linguagem tem como foco.
c) A Cidade de Deus – Com uma intenção apologética, Agostinho
escreveu esta vasta obra que serviu de inspiração para a civilização
europeia posteriormente. O objetivo principal era defender o
cristianismo da acusação de favorecer a queda de Roma
argumentando contra discursos de que o cristianismo estaria
“enfraquecendo” o império romano com suas doutrinas. Porém o
Teólogo da história mostra que a ordenação da vida a partir do amor
de Deus faz a sociedade prosperar em excelência, ordem e virtudes,
por outro lado, uma sociedade que é conduzida pelo egoísmo e amor
desordenado das coisas materiais, ele mostra que só poderia cair em
ruinas.
d) Doutrina Cristã – Agostinho desenvolve um método seguro de
interpretação e pregação para a Sagrada Escritura usando como
base a profissão de fé da Tradição e indicando a ordenação interior
do interprete. Esta obra é repleta do pensamento do Doutor da graça
sobre os mais variados temas que ele trabalha em diferentes obras.
21
Nesta obra ele desenvolve um método seguro de interpretação da
Sagrada Escritura tendo como limite a Regula Fidei, a vida de
Santidade e as regras de Ticônio adaptadas.
e) Sobre a potencialidade da alma (ou Grandeza da alma) – Esta obra é
uma reflexão sobre aspectos referentes à alma como: origem,
natureza, como ela é, como se une ao corpo, sua Ascenção e
graduação e sua “quantidade”.
f) A Verdadeira Religião – Agostinho tenta, por meio deste escrito,
resgatar seu amigo Romaniano do maniqueísmo. Esta é uma das
obras em que deixa claro seu pensamento de que a fé é superior e
suplementar à razão sem rejeita-la. Aqui também ele declara que a fé
é um dom e não uma coisa que se constrói como pensava no período
próximo de sua conversão.
22
Capitulo 2 – Agostinismo
Agostinho se torna pai da teologia no ocidente por oferecer uma teologia
a modo próprio sem deixar de ser completa e autônoma. A escolástica destaca
no grupo dos maiores doutores da igreja: Santo Agostinho, Santo Ambrósio,
São Jerônimo e São Gregório Magno. O lugar de honra, porém, é de
Agostinho.
Mais tarde na Espanha, Isidoro de Sevilha é o primeiro a tratar
Agostinho como o maior dos Padres da Igreja. Na Itália, também, São Gregório
Magno se utiliza de um agostinismo adaptado à situação do povo conferindo a
ele uma roupagem mais simples.
Na espiritualidade, inclusive, domina a linguagem agostiniana. Um texto
famoso que perdurou muito tempo com grande importância, inclusive para a
organização de mosteiros, foi a regra de Santo Agostinho.
2.1. A primeira idade média
Este período é fortemente influenciado pelo pensamento de Agostinho,
Boécio e do pseudo-Dionísio na formação da cultura, porém quase tudo vem
de Agostinho.
Neste período já podem ser percebidos desvios do pensamento de
Agostinho, como com Gottschalk, um monge que viveu entre os anos de 803 e
869 d.c. Ele foi atraído a ler apenas as paginas de fácil compreensão das obras
do Doutor da Graça e acabou afirmando uma teoria de dupla predestinação
onde Deus criaria alguns homens pelo prazer de condená-los. Não houve
apenas Gottschalk, mas houve teóricos da cultura cristã como Alcuíno e Carlos
Magno que também, por meio de pequenos desvios da origem da ideia
acabaram por causar problemas na construção da sociedade de então.
No século IX volta-se a Agostinho, em grandes medidas A Cidade de
Deus era a inspiração da construção desta sociedade e formação política
europeia. Mas toda a abordagem que se fazia de Agostinho era limitado a um
olhar marcado pela teologia escolástica. Neste período Agostinho serve de
inspiração para Santo Anselmo, São Pedro Damião, Abelardo e São
Boaventura, grandes nomes deste período. Também neste período usam
23
Agostinho para fundamentar um espiritualismo exagerado em contra posição a
então considerada racionalização teológica.
2.2. Escolástica Tomista
Com a chegada de novos materiais filosóficos ao ocidente, Aristóteles
que era pouco conhecido, passa a ser lido e ganha espaço. Porém tanto com
os escritos de Aristóteles quanto com os de Agostinho apareciam obras que
foram escritas por eles e obras que circulavam como se fossem deles, mas que
nunca foram escritas por eles20. Estas obras vinham junto com comentadores
judeus e muçulmanos ,segundo Marrou, o que poderia explicar interpretações
antagônicas de um mesmo texto.
Henri Marrou afirma que Santo Tomás de Aquino conseguiu assimilar
perfeitamente o agostinismo e o aristotelismo. Mesmo assim o nome de
Agostinho e seus escritos foram tomados posteriormente como forma de anti-
tomismo, pelos franciscanos principalmente.
É importante ressaltar que o agostinismo de Aviscena21 , segundo
Marrou, estava completamente impregnado pelo neoplatonismo e trouxe
entendimentos equivocados como o do Deus iluminador de Agostinho
entendido como intelecto agente separado de Aristóteles. É contra este
agostinismo avicenizante e o aristotelismo averroista que Tomás acaba se
opondo.
Nesta história do agostinismo franciscano surge a ordem dos eremitas
de Santo Agostinho de onde surgiram: Gregório de Rimini22 e Guilherme de
Ockham23. Rimini caiu nas graças de Lutero por sustentar uma doutrina
contrária a da maioria dos agostinianos e Ockham, por sua vez, contribuiu para
20
É o caso da obra Florilégios lida por Lutero, que na verdade era um tipo de resumo da obra O Espírito e a Letra que mudava completamente o sentido da hermenêutica bíblica proposta por Agostinho. 21
Filósofo e médico islâmico que aproximou as filosofias neoplatônicas e Aristótélicas com a dialética islâmica. Contribuiu muito para a metafísica. 22
Filósofo e monge italiano, viveu entre 1300 e 1358, foi considerado defensor da tradição e fiel interprete de Agostinho em meio ao ceticismo levantado por Ockham em relação ao que poderia ser conhecido em física e teologia. Ele também se esforçou para garantir a primazia da graça sobre o agir humano. 23
Filósofo escolástico inglês, viveu entre 1285 e 1347, foi o pai do nominalismo. Acusado de supostamente ter produzido cinquenta e uma teses heréticas sujeitas a censura. Acusou João XXII de não ser o papa verdadeiro por conta de concessões de papas anteriores sobre a pobreza coletiva serem muito mais numerosas. Ele se considerou o verdadeiro interprete de Aristóteles nas questões metafisicas. Este filósofo é muito importante pois dele há uma quebra de movimento filosófico, vale a pena pesquisar sobre sua filosofia e teologia.
24
a queda da metafísica, negando os universais24 e supervalorizando os
particulares25 no conhecimento humano. Duas correntes de agostinismo
perpassaram esse tempo, o agostinismo moderado que permaneceu fiel à
comunhão católica e o agostinismo rígido que resultou na heresia da
predestinação.
2.3. Reforma e Humanismo
Este período é marcado pelo embate entre as duas correntes de
agostinismo. A reforma teológica, impulsionada pela corrente agostiniana
rigorosa no Concilio de Trento, propunha alterações nos seguintes tópicos:
*pecado original *concupiscência26 *Impotência do homem *A graça e a
fé justificam o homem.
Além da discussão de dogmas, também se fez necessário uma
renovação na espiritualidade e na mística com base no Doutor da graça.
O próprio humanismo fora usado ora como aliado, ora como adversário.
Facilmente neste período se encontrará o uso dos Padres da Igreja como
oposição ao Tomismo.
Este período também é caracterizado pela tentativa de separação das
verdadeiras obras de Agostinho das “apócrifas”.
O século XVII é preenchido por Agostinho, Pascal27, por exemplo,
comenta Agostinho, porém não chegou a ler suas obras, ele só teve acesso a
seu pensamento através de Montaigne, que por sua vez leu A Cidade e Deus e
os escritos de Jansênio28.
24
Idéias formadas na mente pelo intelecto ao conhecer algo, idéia que futuramente é aplicada em novas experiências. 25
A experiência do objeto individual independente de qualquer afirmação de uma essência. 26
Desejo libertino, lascívia carnal, como era entendido por Agostinho( de maneira bem simplória, é claro) 27
Filósofo francês, que viveu entre 1623 e 1662, era conhecido por sua grande capacidade intelectual. Ele usou do ceticismo de forma positiva. Apesar de afirmar que não se pode provar a existência de Deus ele tenta demonstrar a racionalidade da fé cristã pelo poder explicativo de suas doutrinas, particularmente a do pecado original. 28
Cornelius Jansen (1585 – 1638) causou uma complicação no que diz respeito a relação graça e liberdade do homem em uma equivocada refutação de Agostinho aos Pelagianos.
25
René Descartes29 teve acesso a raciocínios e ao cogito de Agostinho por
meio de Mersene30 e Arnauld31, isto se refletiu no Discurso do método e sobre
as meditações metafísicas. Não se pode afirmar que Descartes tenha tido
acesso aos escritos de Agostinho, apesar de por pouco não afirmarem que a
descoberta de Descartes não era realmente descoberta devido à conformidade
com escritos de Agostinho. O próprio Pascal sem ter lido Agostinho no original,
percebeu que a doutrina cartesiana se apresentava como um prolongamento
do agostinianismo.
Daqui em diante Agostinho passa a ser, não só Doutor da Igreja e
mestre espiritual, mas filósofo respeitado principalmente no que diz respeito ao
homem.
Outro teólogo interessante é o Padre André Martin que usa da doutrina
de Agostinho, para afirmar de forma pretenciosa que os animais não possuem
alma.
Marrou resume a modernidade em geral da seguinte forma em seu livro
de introdução ao agostinismo: “É o próprio agostinismo a engendrar discípulos
que, por uma fidelidade que poderíamos chamar de excessiva, exorbitam e
transformam deformando a própria doutrina de Santo Agostinho”.32
29
Filósofo e matemático francês, viveu entre 1596 e 1650. Este filósofo tem sua doutrina muito semelhante a Agostinho, vale pena a leitura de suas obras e compara-las com o que Agostinho escrevera em Contra os Acadêmicos. 30
Sacerdote francês, viveu entre 1588 e 1648. Ele compilou uma grande diversidade e obras. Manteve contato por correspondência com Galileu. Suas obras são basicamente refutação e exortação a deístas, ateus, libertinos e céticos. 31
Teólogo e filosofo francês ligado ao movimento jansenista. Viveu entre 1612 e 1694. Sua teologia defende a primazia da graça na ação humana. Por meio, também, deste pensador o jansenismo foi visto como extensão da reforma protestante. 32 MARROW, Henri. Santo Agostinho e o agostinismo. Rio de Janeiro: Agir, 1957. pag. 174.
26
Capítulo 3 – Curiosidades
Aqui estão apresentados alguns temas interessantes em pontos
específicos e normalmente problemáticos para fomentar o interesse:
1- Para aqueles que quiserem entender alguns pensamentos de origem
protestante que afirmam que a graça33 não pressupõe a natureza34
pode pesquisar sobre Miguel de Bay (1513 – 1589). É um jansênico
eu se gabava por ter lido 70 vezes os escritos e Agostinho sobre a
graça. Porém neste meio também estavam às obras “apócrifas” de
pessoas que atribuíram a Agostinho.
2- Para quem já ouviu falar que Agostinho promove um dualismo
pessimista semelhante ao construído pelos neoplatônicos, aquele
que afirma que o corpo é algo ruim do qual o homem deve se libertar,
para a possível refutação, podem começar sua pesquisa lendo as
seguintes obras: Doutrina Cristã; Sobre a Grandeza da Alma; A
natureza do bem; A verdadeira religião. Nestas obras encontrarão
argumentos de Agostinho contrários a este pensamento pessimista
sobre o corpo.
3- Para quem quiser conhecer como a modernidade aplica a filosofia de
Agostinho em um começo de uma proposta de organização da
sociedade, desacompanhada da tradição e revelação proporcionadas
pelo cristianismo, pode pesquisar a adaptação construída por John
Locke.
4- Aqueles que quiserem entender de onde surgiram as ideias de Lutero
na reforma da doutrina cristã podem começar lendo a obra O espírito
e a Letra e depois pesquisando o resumo desta mesma obra que foi
33
Segundo o catecismo da Igreja católica, “A graça é o dom gratuito que Deus nos faz de sua vida infundida pelo Espírito Santo em nossa alma, para curá-la do pecado e santifica-la; trata-se da graça santificante ou deificante, recebida no batismo. Em nós ela é fonte da obra santificadora [...] ‘pois começa, com sua intervenção, fazendo com que nós queiramos e acaba cooperando com as moções de nossa vontade já convertida’(Santo Agostinho)” 34
Ainda que a natureza humana esteja doente por conta do pecado original ela ainda goza de liberdade , a graça não escraviza a vontade do homem, ela a purifica mas o homem ainda é livre para escolher ser realmente livre ou ficar no que o mundo afirma como liberdade, que acaba por encerrar na simples escolhas de opções momentaneamente aprazíveis. O CIC afirma que “A graça de Cristo não entra em concorrência com a nossa liberdade quando esta corresponde ao sentido da verdade e do bem que Deus colocou no coração do homem”
27
lida por Lutero conhecida como florilégios. Neste resumo se omitiu
todo o entendimento do que Agostinho quis comunicar sobre o
Espírito. Com esta omissão o entendimento da escritura com a
segurança do que é oferecido pela tradição ficou de lado, e isto
proporcionou uma abertura para interpretações livres da Sagrada
Escritura. Esta postura foi abominada pelo próprio Agostinho, que
demonstra os perigos deste tipo de desvinculação da tradição no seu
livro original.
5- A partir da leitura da obra A predestinação dos santos, muitos
comentadores começaram a entender que Agostinho eliminou a
participação do homem na sua salvação, pois esta obra mostra que
só aqueles que recebem o dom da perseverança final é que mão
para a vida da bem aventurança. Porém este tipo de entendimento
de um tema completamente desvinculado de todo o pensamento do
autor, como já foi suscitado anteriormente, causa muitos problemas.
No final do livro As Confissões de Santo Agostinho há uma teoria
muito interessante sobre o tempo.
6- A contribuição agostinista para o desenvolvimento da ciência
moderna pode ser vista da obra As raízes medievais do pensamento
moderno de Alessandro Ghisalberti. Nessa obra são listadas as
contribuições principalmente de Duns Scotus, Guilherme de Ockham
e João Buridano.
28
REFERÊNCIAS
FRAILE, Guillermo. História de La filosofia II: El cristianismo y La filosofía patrística. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1975.
GILSON, Étienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2010.
MARROW, Henri. Santo Agostinho e o agostinismo. Rio de Janeiro: Agir, 1957.
PIERRARD, Pierre. História da igreja católica. Tradução Serafim Ferreira. Lisboa: Planeta Editora, 2002.
BETTENCOURT, Dom Estevão. História da Higreja – Escola Mater Eclésiae.
SARANYANA, Josep-Ignasi. A Filosofia Medieval. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência, 2006.
Referências de conteúdo
AGOSTINHO, Santo. A Doutrina Cristã. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
______. A Graça e a Liberdade; A Correção e a Graça; A Predestinação dos Santos; O Dom da Perseverança. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2010.
______. A Natureza do Bem. Rio de Janeiro: Sétimo Selo. 2005.
______. Comentário ao gênesis. São Paulo: Paulus, 2005.
______. Confissões. São Paulo: Paulus, 1997.
______. Contra os acadêmicos; A grandeza da alma; O mestre; A ordem. São Paulo: Paulus, 2008.
______. O Espírito e a Letra; A Natureza e a Graça; A Graça de Cristo e o Pecado Original. 4. ed. São Paulo; Paulus:, 2011.
______. O Livre-arbítrio. 6. ed. São Paulo: Paulus, 2011.
______. Sobre a potencialidade da alma. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
______. Sobre a Trindade. 4. ed. São Paulo: Paulus, , 2008.
______. Solilóquios e a Vida Feliz. São Paulo: Paulus, 1998.
______. A Verdadeira Religião; O Cuidado devido aos Mortos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
29
Bibliografia auxiliar
AUDI, Robert. Dicionário de Filosofía de Cambridge. São Paulo: Paulus, 2006.
MOLINARO, Aniceto. Léxico de Metafísica. São Paulo: Paulus, 2000.