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ANALFABETISMO~Mapa da Decepção CDU 376.76 SeDastião Barros Jorge* A situação do anafalbet1smo no Brasil é dramática.Os países subdesenvol vidos enfrentam uma luta nada fácil de ser vencida. Apesar das dificuldades houve avanços contra essa praga que se conf1ita com o aumento demográfico e a pobreza absoluta. A situação econômica, que implica na falta de alimento, casa, saúde e educaç~o, são fatores que se constituem em pretexto para aumentar o problema do a nalfabetismo, cujo equacionamento deve contar não apenas com o governo e ajuda de organismos internacionais, como de toda a sociedade. O Brasil possui umcontigente de 5 milhões de crianças em idade escolar fora das salas de aula. No mundo caso essa praga não seja erradicada, teremos no ano 2000 mais de 900 milhões de ana1fa het"os. O quadro, tão rea1tsta quanto dramático, sem exagero, deve ser atacado com rigor, agora, e já. o Brasil pela Consti t.u í.ç âo Federal de 88 concedeu sta tus de cidadania ao analfabeto, dando-lhe acesso ao voto e as ur nas, no entanto, negou-lhe o di reito de analisar a prática des se exercício democrático, por se ter omitido em lhe oferecer con dições para aprender a ler e es crever. No Brasil dos anos 90há perspectiva para um combate des sa peste que corrói as entranhas de um país, pelo impasse que pr~ voca no seu desenvolvimento,enri quecendo apenas uma estatística, cujos efeitos enche de decepção. Pelo Relatório sobre De senvolvimento Humano, editado em 1990, de autoria do paquistanês Mahbud UI Haq, economista e dir~ tor do Programa de Desenvolvimen to das Nações Unidas e ex-dire tor do Banco Mundial,o número de analfabetos do Brasil é alarman te, atingindo 22 por cento da PQ pulação. Mahbud fez uma prev! são pessimista que contraria a meta do presidente Fernando Collor, qual seja, a de atingirmos nos próximos quatro anos,um nível de progresso que nos coloque ao la do dos países integrantes do sel~ cionado Clube do primeiro Mundo. * Professor Adjunto do Deptº de Comunicação Social da UFMA. Cad. Pesq., são Luís, v. 6, n. 2, p. 137-142, jul./dez. 1990. 137

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ANALFABETISMO~Mapa da Decepção

CDU 376.76

SeDastião Barros Jorge*

A situação do anafalbet1smo no Brasil é dramática.Os países subdesenvolvidos enfrentam uma luta nada fácil de ser vencida. Apesar das dificuldades houveavanços contra essa praga que se conf1ita com o aumento demográfico e a pobrezaabsoluta. A situação econômica, que implica na falta de alimento, casa, saúde eeducaç~o, são fatores que se constituem em pretexto para aumentar o problema do analfabetismo, cujo equacionamento deve contar não apenas com o governo e ajuda deorganismos internacionais, como de toda a sociedade. O Brasil possui umcontigentede 5 milhões de crianças em idade escolar fora das salas de aula. No mundo casoessa praga não seja erradicada, teremos no ano 2000 mais de 900 milhões de ana1fahet"os. O quadro, tão rea1tsta quanto dramático, sem exagero, deve ser atacado comrigor, agora, e já.

o Brasil pela Constit.uí.ç âo Federal de 88 concedeu status de cidadania ao analfabeto,dando-lhe acesso ao voto e as urnas, no entanto, negou-lhe o direito de analisar a prática desse exercício democrático, por seter omitido em lhe oferecer condições para aprender a ler e escrever.

No Brasil dos anos 90 háperspectiva para um combate dessa peste que corrói as entranhasde um país, pelo impasse que pr~voca no seu desenvolvimento,enriquecendo apenas uma estatística,cujos efeitos enche de decepção.

Pelo Relatório sobre Desenvolvimento Humano, editado em1990, de autoria do paquistanêsMahbud UI Haq, economista e dir~tor do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e ex-diretor do Banco Mundial,o número deanalfabetos do Brasil é alarmante, atingindo 22 por cento da PQpulação. Mahbud fez uma prev!são pessimista que contraria ameta do presidente Fernando Collor,qual seja, a de atingirmos nospróximos quatro anos,um nível deprogresso que nos coloque ao lado dos países integrantes do sel~cionado Clube do primeiro Mundo.

* Professor Adjunto do Deptº de Comunicação Social da UFMA.

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A continuarmos nessa incômoda situação, com chances jQgadas fora, há décadas, investimentos recebidos e mal aplicados,será impossível conquistarmos umprivilegiado lugar entre as gra~des nações. O economista paquistanês não possui dúvidas a respe í

to: "PelM apa!rÂ1lMdadeJ.J pVtd<.dM a'BJuu:,u e.ll;tã -tal1ge de c.a/'1J.)egc.UAa eJ.J'-'ap0.6-Ícão" (M'BOW, 1989, p. 89) .

Mahbub UI Haq chegou aessa conclusão abandonando métodos tradicionais que inclui osíndices que registram apenas ocrescimento econômico de um paísatravés da renda per cápita, PNBou PIB. A sistemática ã sua pro~pecção foi outra: adotou um critério de avaliação, no qual o índice de Desenvolvimento Humano -IDH é quem revela a real qualidadede vida de uma população, medidapela possibilidade de acesso aeducação, ã saúde, ao consumo, ahigiene, enfim, a tudo que de fato faz a vida melhor.

Por essa perspectiva oBrasil se destaca nao por ser a8ª economia do mundo, como qu~rem algumas cigarras estridentesde Brasília, porém pelo octogésimo lugar, exatamente,o 80º lugar,entre 130 países que o documentoacima selecionou, para avaliaçãodo desenvolvimento.

No Ano Internacional da

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Alfabetização o que esperamos deum governo que se instalou compropostas de profundas mudançasna vida de todos nós, são medidasconcretas, capazes de apagar domapa planetário o nome do Brasil, de uma colocação na escaladecrescente, que se torna em umavergonha nacional.

Que desta vez os recursos previstos para o próximo ano,para alfabetizar e investir no 1QGrau, pelo MEC, na ordem de Cr$3,5 bilhões, mais do que o orç~mento de Cr$ 3 bilhões, para 1990,nao tenham outros destinos.

Que o Brasil não continue inconstitucional com relaçãoao analfabetismo, lembrou o ministro da Educação, Carlos Chiarelli, na Conferência de Alfabetização e Mídia, ocorrida no segundo semestre do corrente ano,reunindo educadores brasileirose estrangeiros. A declaração decorre ã cerca de 5 milhões decrianças em idade escolar que estão fora das salas de aula ,aoco~trário do que está dito na Constituição. A propósito a profªBEO\ER(1990,p.7),daUFMG denunciou:"O nJtac.aM o YW c.omba;te ao aYlM&abe;t,L6mo

Ylão he exp~c.a peta &ai:ta de Jtec.UJthOh,mM peta mano.ih a. c.om que eJ.Jhe.s Jt~c.UJtho~ hão empJtegadoh. A quant{d~

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c.om_acõu ~ne6~c.azu pelo pode». pub.t{c.o e enotune."

Venham de onde vieremos exemplos bem sucedidos nessaárea, o fundamental e que sejamaproveitados.

Que venham da União 50

viética, de Lenin,que em 1919 aoser promulgado um Decreto,estab~lecia para toda pessoa de 8 a 50anos de idade o dever revolucionário de aprender a ler e escrever. Os russos convencidos pelo~.togan: "O analfabetismo é um cego: esperam-no desgraças e infelicidade" - obtiveram sucesso aoreduzir o problema para 75% jáem 1921; em 48% no ano de 1926;e a 11% em 1939. Na Rússia a taxa dos que não sabem ler e escrecer e insignificante.

Que venham ainda osexemplos de Cuba, de Fidel Castro,que no primeiro ano de revolução,em 1960 deu um tiro certeiro, encostando o analfabetismo nop~edon. Nessa tarefa o governoadotou três objetivos básicos:mQtivar os que não sabiam ler e escrever através dos veiculos decomunicação de massa, com promQção de festas, manifestações p~blicas e entrega de diplomas; PQpularizar a campanha com orient~ção técnica e política, formandoprofessores e engajando voluntários; criar movimentos de opiniãopara estimular o maior numero po~

sível de pessoas a se envolveremna missão, juntamente,com os prQfessores voluntários. Resultado,Cuba saiu vitoriosa, obtendo,atualmente, um índice de 2% de analfabetos.

Nos EUA a taxa é de ap~nas 1%. No Japão não existe analfabeto, o que lhe torna, ao ladoda União Soviética, os dois paísesque mais lêem jornal, cuja tiragem dos que alcançam maior vendagem, corno o MahA. Snimoum (Sol Na~cente) e P~vda(Verdade)chegam a10 milhões de exemplares diários.Em Cuba o nível de leitura é aIto, as livrarias estão semprecheias.

Na América Latina o qu~dro e dramático.

O mundo inteiro tem cerca de 1 bilhão de pessoas com maisde 15 anos de idade sem contatoalgum com a cartilha do ABC, se~do a maioria formada de mulheres.O analfabetismo atinge também asnações industrializadas, segundoestatísticas da Organização dasNações Unidas - ONU,que diz maister a população do mundo,um quaEto de analfabetos.

Não seria para menosporque muito tarde despertamos àquestão.

A preocupaçao com ascrianças e a educação, dos 7 aos

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12 anos de idade, aparece após aRevolução Industrial, na Europa,1830, onde trabalhavam como adultos. De lá para ca houve mudanças,no entanto,esse débito aindanão obteve o devido pagamento.Milhares delas ainda perambulam p~Ias ruas, sem escola, comida,c~sa, trabalhando ou se prostitui~do, o que significa não haver mu i

tas nações, ou a maioria delas,~prendido a lição amarga e verg~nhosa do passado.

E nâo tem sido por falta·de teoria que a prática naoatingiu seus objetivos. Jean-Jacques Rousseau em sua obraEmilio (1761) escrevia sobre ascondições ideais à aprendizagemda vida. Citava como exemplo asaventuras de Robson Crusoé e suasviagens, nas quais as dificuldades são afastadas de maneira espontânea. O educador francês célestin Freinet (1896-1966), atu~lizado com o seu tempo e divisualizando o futuro, olhava nos veículos de comunicação um meio p~ra atingir seus objetivos, volt~dos para o ensino e um públicode massa. Acreditava em uma apre~dizagem com valorização a prát!ca no trabalho.

célestin Freinet se antecipou na corrente de educadoresque acreditam na força do rádioe da TV, como ideais na transmis

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sao do ensino a distância.Em 1947a invenção do transistor revolucionou a tecnologia e colocou orádio portátil ao alcance da maisdistante cidade ou aldeia, logoconfirmando o seu poder,assim c~mo, a TV, que exerceriam esse mesmo poder sobre a educação, arespeito da qual M'BOW, (1989,p.89)ex-diretor da UNESCO tem o segui!!te ponto de vista: liA educ.a.ção c.wnp~e uma. 6unção dupla.: de ~epkodução e~novação. Enc.akke.ga.-~e. de. tka~mitik o

co nj urdo dos conheaimesüo«, e.xpekÚ~UM e vacones de cada sociedade. e. ~e.kve ao m~mo .tempo ao d~ e.nvo.tv~e.tttodas aptidõ~ ~nMv~duaM e. c.o.te.tivo~,mM ~nfupe~ã.vw oana. o p~oMe.g~e~.to do pkogk~M. Mp~ desse. modo a 6a.vo~e.ce.k a ~e.novação da ~oue.dade., ~~p~ndo o~ tkaço~ que. c.on6o~am o ~e.ugene.ko :z.~o. "

Não tirar o homem daignorãncia e nada fazer para levá-lo a um primeiro contato coma palavra e compactuar com ummundo individualista, anacrõnicoe cheio de egoísmo. Com a expa!!são da ciência e da tecnologia,quando surge uma nova linguagem,produto de uma nova civilização,a sociedade não pode permitir queo homem permaneça encastelado, isolando-se do saber,como mero e~pectador, quando deve ser participante ativo do seu próprio de~tino.

Os desafios sao gra~

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des. A estatística, péssima.

Em 1950 existiam no mundo 700 milhões de adultos analfabetos~ em 1970 a cifra pulou p~ra 758 milhõesiem 1980 eram 824milhões~ e, em 1990 existem 2,6bilhões. Um salto grande e quaseinacreditável.

Houve avanços, nao hácorno negar, nessa luta,que pelasimplicações nao e fácil ser vencida. Nessas dificuldades são incluídos o aumento demográfico, asituação econômica e social, po~co interesse e incompetência doEstado.

A prosseguir assime lçmentavelmente, teremos no planeta-terra, no final do século XX, umimpressionante número de pessoassem acesso à leitura e à escrita"

CONCLUSAO

Tem sido dificil nrlD

indic3 de analfabeLos. A 0niâoS{)v'iÉ:t:'.ica. '2 CtI~t)a zeao Lve r am o p:cS2.

bJema pela via revolucionâria,effi

vale disc~tir a iXDortãncia ounâo do movimento :2 sua idEologia,mas, nem por isso,devernos despr~zar a experi~ncia que tenha dado

dada, ensaio de Júlio cortãzar,

um dos mais respeitados escritores da América Latina, tratandodo Programa de ErradicaçãoJ do Ana!fahetismo na Nicarágua, leva-nosa reflexão: "Não deixa. de se»: cuncosoe a.o me.ómo tempo ÁAôrúc.o, Que os mov~mento.ó ck. .-tn.depen.dên.Ua. ck. nossos pa.M,U,Yl.M cedes .ta.mbVn .óO b ba.n.deÁAa..óda. educ.a.cão e c.u..Uwta. popu!a.Jt, Que .óeu.ó gJta.n.de.ó9 uto!tu e heJLô-U hR!tcWr.am da Re vofucão

Fnaneesa, .óab o fub!te do Roma.n.t,l.ómo,n.ão ten.ha.m sab.cdo c.ump~ c.om ah p!tom~.óa..6" (CORTÃZAR, 1985, p.17).

Foi sempre assim, muitos governos livres ou revoluciQnários; daqui e de fora,sempre ~saram como bandeira do mMkwn.9institucional a luta em favor daeducação,e raros deles atingiramseus fins" No Brasil de hoje, epreciso não apenas acreditar navitória contra o analfabetismo,como participar de alguma maneira dessa luta, porque, somentedesse jeitor poderemos chegar a

um paIs que se orgulharâ de sua

A fome 2 o analfabetis

eLirui.nendo-os cta face da terra.

The state af analphabetismia B::ilzil is dramatic. Underdevelopedcountries are faring a task whaserealization i8 .not easy. ln spite aft.he difficulties there are SOIIlZ pr ogr es se s

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against this distress that enter inconflict against demografic extensionand absolut poverty. The econ om iccondition that implies, lack o f , f oo d ,home, good heath and education, arefactores that constitute the pretextfor aggravating the problem ofanalphabetism, whose solution relayuppon. not only t the government andinternational institutións but also thesociety itself. Brazil has 5.000.000school age children out of classroom.lf this distress world not beerradicated in the whole world as 500nas possible. we will have in the year2000 move than 900 milhões ~phabets.A situation so realistic and 50 dramaticwithout any exageration has to be treatedalready with rigor.

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ENDERI';ÇO DO AUTORSEBASTIÃO BARROS JORGE

Universidade Fc dera l d o :1:1Cll1li:ll)

Centro de Ciências SocinisDepartamento de Comun í.c a cao Sl": í a LCampus Universitário do fi<lcnngaTeI.: (098) 221-543365.000 - são Luís - MA.

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