SECRETÁRIOS DE ESTADO TOMAM POSSE E SEGUEM PARA AS...

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Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2020 I Ano 02, n.º 17 I Director: Prof. Adriano Nuvunga I www.cddmoz.org/eleicoes Eleições Nyusi nomea Secretários de Estado de peso para ensombrar os governadores eleitos nas províncias A lista de Secretários de Estado em- possados esta sexta-feira pelo Pre- sidente da República veio a con- firmar que, definitivamente, a governação descentralizada provincial é um projecto condenado ao fracasso. Um fracasso que não é produto do acaso: ele corresponde à estratégia da Frelimo de descentralizar “recentralizando”. Foi assim nas autarquias locais e será assim nas pro- víncias: apesar de aparentemente ter havido devolução do poder para o Conselho Exe- cutivo Provincial e Assembleia Provincial, os recursos mantêm-se sob controlo do gover- no central, representado por um Secretário de Estado dotado de “superpoderes”. Precavendo-se de uma provável vitória da Renamo em algumas províncias, a Frelimo conseguiu embalar a oposição e aprovar um projecto de descentralização que transfor- ma o Governador da Província, eleito por su- frágio universal, numa figura simbólica desti- tuída de poderes reais. Não admira que a Frelimo tenha escolhido para cabeças-de-lista nas eleições das As- sembleias Provinciais figuras sem peso po- lítico dentro da estrutura do partido e sem experiência de governação a nível central. Trata-se de uma realidade que contrasta com a lista dos últimos Governadores das Províncias nomeados pelo Presidente da Re- pública, onde algumas figuras tinham sido ministros e vice-ministros (Alberto Mondla- ne, Victor Borges, Abdul Razak e Arlindo Chilundo) e outras ainda tem funções rele- vantes no partido (Raimundo Diomba é se- cretário do Comité de Verificação da Freli- mo, órgão de disciplina do partido). Em contrapartida, a lista de Secretários de Estado integra figuras com influência políti- ca e larga experiência de governação, o que à partida vai ensombrar os Governadores das Províncias. Aliás, o Presidente da Repú- blica fez questão de dizer que o “perfil e a experiência de governação” influenciou na SECRETÁRIOS DE ESTADO TOMAM POSSE E SEGUEM PARA AS PROVÍNCIAS

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Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2020 I Ano 02, n.º 17 I Director: Prof. Adriano Nuvunga I www.cddmoz.org/eleicoes

Eleições

Nyusi nomea Secretários de Estado de peso para ensombrar os governadores eleitos nas províncias

A lista de Secretários de Estado em-possados esta sexta-feira pelo Pre-sidente da República veio a con-

firmar que, definitivamente, a governação descentralizada provincial é um projecto condenado ao fracasso.

Um fracasso que não é produto do acaso: ele corresponde à estratégia da Frelimo de descentralizar “recentralizando”. Foi assim nas autarquias locais e será assim nas pro-víncias: apesar de aparentemente ter havido devolução do poder para o Conselho Exe-cutivo Provincial e Assembleia Provincial, os recursos mantêm-se sob controlo do gover-no central, representado por um Secretário

de Estado dotado de “superpoderes”.Precavendo-se de uma provável vitória da

Renamo em algumas províncias, a Frelimo conseguiu embalar a oposição e aprovar um projecto de descentralização que transfor-ma o Governador da Província, eleito por su-frágio universal, numa figura simbólica desti-tuída de poderes reais.

Não admira que a Frelimo tenha escolhido para cabeças-de-lista nas eleições das As-sembleias Provinciais figuras sem peso po-lítico dentro da estrutura do partido e sem experiência de governação a nível central. Trata-se de uma realidade que contrasta com a lista dos últimos Governadores das

Províncias nomeados pelo Presidente da Re-pública, onde algumas figuras tinham sido ministros e vice-ministros (Alberto Mondla-ne, Victor Borges, Abdul Razak e Arlindo Chilundo) e outras ainda tem funções rele-vantes no partido (Raimundo Diomba é se-cretário do Comité de Verificação da Freli-mo, órgão de disciplina do partido).

Em contrapartida, a lista de Secretários de Estado integra figuras com influência políti-ca e larga experiência de governação, o que à partida vai ensombrar os Governadores das Províncias. Aliás, o Presidente da Repú-blica fez questão de dizer que o “perfil e a experiência de governação” influenciou na

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2 l Sexta-feira 24 de Janeiro de 2020

escolha de cada Secretário de Estado.Basta olhar para a trajectória política de

Edson Macuácua para concluir que quem de facto vai governar em Manica será o Secre-tário de Estado e não a Governadora da Pro-víncia (Francisca Domingos).

Vamos aos factos: Edson Macuácua foi porta-voz da Frelimo, conselheiro e porta--voz da Presidência de Armando Guebuza e, mais recentemente, presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Hu-manos e de Legalidade, a mais importante da Assembleia da República. Nessa qualida-de, Macuácua liderou a equipa que produziu a versão final do projecto de descentraliza-ção, situação que o coloca em condições de explicar à Governadora de Manica onde co-meça e onde termina o seu poder simbólico.

Francisca Domingos foi deputada da As-sembleia da República, mas nunca exerceu funções de destaque, e teve uma curta pas-sagem por Niassa, onde era governadora.

Maputo é outra província onde a figura de Governador será ofuscada pelo Secre-tário de Estado. Júlio Parruque tem uma curta experiência de governação (dois anos como governador de Cabo Delgado) e vai

trabalhar na mesma província com Vitória Diogo, a “Supersecretária” de Estado que já foi ministra da Função Pública no Governo de Guebuza e no último mandato dirigiu o Ministério do foi Trabalho, Emprego e Segu-rança Social.

Filipe Nyusi escolheu Armindo Ngunga para Secretário de Estado em Cabo Delga-do, justamente a província onde ele foi subs-tituto de Governador por dois meses. Além dessas funções, Ngunga foi vice-ministro da Educação e Desenvolvimento Humano e carrega o prestigioso título de Professor Ca-tedrático. Vai ofuscar Valige Tauabo, o Go-vernador de Cabo Delgado que fez nome como presidente da Federação Moçambica-na de Tênis e muito recentemente foi admi-nistrador de Palma.

Para Nampula e Gaza, Nyusi nomeou como Secretários de Estado dois “jovens” com influência política na Frelimo: Mety Gondola é secretário-geral da OJM e Amos-se Macamo edita o boletim informativo do Comité Central.

Em Sofala, vai aterrar uma Secretária de Es-tado com a aura de antiga Governadora de Gaza, situação que pode desequilibrar ainda

mais a balança de poder, sempre em prejuízo do Governador da Província, Lourenço Bulha.

Apesar de todos os Governadores e Se-cretários de Estado serem da Frelimo, há um potencial de conflito decorrente da disputa de poder ou de protagonismo entre as duas figuras. Esse potencial nota-se mais nas pro-víncias onde os Governadores são naturais e gozam de popularidade. São os casos de Sofala, onde Lourenço Bulha é um empre-sário e já foi primeiro secretário da Frelimo e candidato a edil da Beira; e da Zambézia, cujo Governador, Pio Matos, é membro do Comité Central da Frelimo e antigo edil de Quelimane.

Filipe Nyusi tem presente o potencial de conflito, por isso instruiu a ministra da Ad-ministração Estatal e Função Pública, Ana Comoana, para evitar “colisões desneces-sárias” entre o Governador da Província e o Secretário de Estado.

Aos Secretários de Estado, Nyusi aler-tou para a provável ocorrência de casos de sobreposição de áreas de trabalho com os órgãos de governação descentralização e pediu que evitassem “conflitualidades insti-tucionais desnecessárias”.

PROVÍNCIA SECRETÁRIO DE ESTADO

SECRETÁRIO DE ESTADO

GOVERNADOR DA PROVÍNCIA

GOVERNADOR DA PROVÍNCIA

Niassa

Cabo Delgado

Nampula

Zambézia

Tete

Manica

Sofala

Inhambane

Gaza

Maputo

FORMAS DE DESIGNAÇÃO

APRESENTAÇÃONA PROVÍNCIA

SÍMBOLOS DE PODER

INSTALAÇÕES

Dinis Vilanculos

Armindo Ngunga

Mety Gondola

Judith Mussácula Faria

Elisa Zacarias

Edson Macuácua

Stella Zeca

Ludmila Maguni

Amosse Macamo

Vitória Diogo

Nomeados e empossados pelo Presidente da Republica.

Cerimónia Solene dirigida pelo Mandatário do Presidente da República.

Bandeira Nacional; Constituição da Repúbli-ca; e Martelo.

Residência Oficial; e Gabinete de Trabalho.

Elina Judite Massengele

Valige Tauabo

Manuel Alberto

Pio Matos

Domingos Viola

Francisca Domingos

Lourenço Bulha

Daniel Chapo

Margarida Chongo

Júlio Parruque

Eleitos e tomam posse perante o Presidente da República.

Cerimónia Solene dirigida pelo Mandatário do Presidente da República.

Bandeira Nacional; Constituição da República; Pacote Legislativo sobre os Órgãos de Governação Descentralizada Provincial; e Martelo

Residência Protocolar; e Gabinete de Trabalho

Fonte: Complicação do CDD

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Sexta-feira 24 de Janeiro de 2020 l 3

SECRETÁRIO DE ESTADO

GOVERNADOR DA PROVÍNCIA

SECRETÁRIO DE ESTADO

FORMA DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS

PUBLICITAÇÃO DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS

PRINCIPAIS COMPETÊNCIAS

Despacho, quando executórios; e Ordem de serviço, quando sejam instruções genéricas.

São comunicados aos interessados e publicados no Boletim da República, nos termos gerais.

Representar o Estado na Província; Representar o Governo Central na Província; Dirigir o Conselho dos Serviços Provinciais do Estado na Província; Orientar a preparação do Plano Económico e Social e o respectivo balanço de execução nas áreas de representação do Estado; Dirigir a execução e controlo do plano económico e orçamento dos serviços de representação do Estado na Província; Apresentar relatórios periódicos ao Governo Central sobre o funcionamento dos Serviços de Representação de Estado; Praticar actos administrativos e tomar decisões indispensáveis, sempre que circunstâncias excepcionais de interesse público o exijam, devendo comunicar imediatamente ao órgão competente; Intervir e recomendar medidas pertinentes no âmbito da preservação da ordem e seguranças públicas; Determinar a realização de inspecção nas autarquias locais, nos municípios de cidade de nível D, nos municípios de vila e nas povoações; Solicitar informações e esclarecimentos sobre decisões administrativas dos órgãos e serviços das autarquias locais, nos municípios de cidade de nível D, nos municípios de vila e nas povoações; e Implementar, a nível da província, acções e actividades de cooperação internacional, no quadro da materialização da estratégia da política externa e de cooperação internacional do Estado moçambicano.

Despacho, quando sejam individuais e concretos; e Ordem de serviço, quando sejam instruções genéricas.

São comunicados especificamente aos interessados e publicadas nos lugares de estilo quando tenham carácter geral.

Dirigir o Conselho Executivo Provincial; Nomear e conferir posse aos directores provinciais; Orientar a preparação e elaboração das propostas do Plano Económico e Social, o orçamento anual de governação provincial e o respectivo balanço de execução; Submeter, trimestralmente, à tutela os relatórios de balanço da execução do plano e orçamento após aprovação da Assembleia Provincial; Praticar actos administrativos em circunstâncias excepcionais e urgentes, devendo solicitar imediatamente a ratificação pelo órgão competente; Propor a criação de unidades de prestação de serviços de saúde primária na província, bem como na educação, no âmbito de ensino primário, do ensino geral e de formação técnico profissional básica; Conceder licenças para a habitação ou para a utilização de prédios novos ou que tenham sido objecto de intervenções profundas; Conceder licenças no âmbito das atribuições da governação provincial e dentro dos limites da sua competência; Ordenar o despejo sumário dos prédios expropriados, nos termos da lei; Assinar contratos em que a província tenha interesses, mediante autorização da Assembleia Provincial, dentro dos limites definidos por lei; Adquirir bens móveis necessários ao funcionamento dos serviços provinciais, desde que o custo se situe dentro do limite fixado pela Assembleia Provincial; e Acompanhar a concepção e implementação de actividades de agentes de cooperação internacional na província, nas áreas da sua competência.

Fonte: Complicação do CDD

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4 l Sexta-feira 24 de Janeiro de 2020

Propriedade: CDD – Centro para a Democracia e Desenvolvimento Director: Prof. Adriano NuvungaEditor: João Nhabanga Tinga Autor: João Nhabanga Tinga

Equipa Técnica: João Nhabanga Tinga, Agostinho Machava, Ilídio Nhantumbo, Denise Cruz, Isabel Macamo. Layout: CDD

Contacto:Rua Eça de Queiroz, nº 45, Bairro da Coop, Cidade de Maputo - MoçambiqueTelefone: 21 41 83 36

CDD_eleicoes I E-mail: [email protected] I Website: www.cddmoz.org/eleicoes

PARCEIROS DE FINANCIAMENTOPARCEIRO PROGRAMÁTICO

Comissão Episcopal de Justiça e Paz, Igreja Católica

INFORMAÇÃO EDITORIAL

A primeira tentativa de descentralização democrática em Moçambique data de 1994, ano em que foi aprovada a Lei 3/94, de 13 de Setembro, que transformava todos os distritos em distritos municipais. A lei foi aprovada a um mês da realização das primeiras eleições multi-partidárias, por isso foi vista uma estratégia da Frelimo de conquistar a simpatia do eleitorado rural, sobretudo das autoridades tradicionais, com as quais tinha uma relação problemática.

A Lei 3/94 previa, entre outras coisas, que os órgãos dos distritos municipais deviam ouvir as opiniões e sugestões das autoridades tra-dicionais reconhecidas como tal pelas comu-nidades, de maneira a coordenar com elas a realização de actividades que visem a satisfa-ção de assuntos específicos das respectivas comunidades.

Entretanto, a lei que previa a municipaliza-ção de todos os distritos não chegou a ser implementada. A Frelimo recuou depois das eleições de 1994, ao notar que a Renamo tinha uma forte base apoio nos distritos. Os resulta-dos das legislativas davam à Renamo 38%, o equivalente a 112 deputados.

Em 1996, a Assembleia da República apro-vou uma emenda constitucional e um ano mais tarde a lei das Autarquias Locais (Lei 2/97, de 28 de Maio), dois instrumentos que alteraram profundamente o processo de descentraliza-ção democrática. No lugar da municipalização de todos os distritos, a Frelimo introduziu o princípio de gradualismo na criação de autar-quias e na transferência de competências e funções.

Apesar da forte contestação da Renamo, as mudanças no processo de descentralização foram aprovadas com votos da Frelimo e da União Democrática, que tinham 129 e 09 de-putados respectivamente.

Assim, as primeiras eleições autárquicas fo-

ram realizadas em 1998 em 33 cidades e vilas, deixando de fora os distritos rurais onde a Re-namo tinha uma forte base de apoio.

Vinte anos depois, o número de autarquias apenas aumentou para 53, uma média de 10 autarquias em cada 10 anos. Os dados mos-tram o quão excludente é o processo de des-centralização liderado pela Frelimo.

Em sentido contrário, a Frelimo aumentou o número de distritos de 128 para 154, de 1994 a esta parte.

O actual modelo de governação descentra-lizada provincial assume o formato da propos-ta do Professor Gilles Cistac, morto a tiro em Março de 2015 na cidade de Maputo. Cistac defendia a transformação da província numa

autarquia local, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Para tal, dizia o cons-titucionalista, não era necessário rever a Cons-tituição da República, pois ela mesma previa que o legislador podia estabelecer outras ca-tegorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação.

Apesar de ter criado um modelo em que o Governador da Província aparece fora da es-trutura central de governação e não presta contas ao Presidente da República, a Frelimo esvaziou os órgãos de governação descentra-lizada passando os seus poderes ao Secretário de Estado, a figura que representa o Chefe de Estado.

Frelimo sempre manipulou o processo de descentralização democrática e promoveu um modelo excludente