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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANASDEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

Sábado Sete Show: um estudo doconsolo na mensagem de massa

Rachel Rocha de A. Barres

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia da UniversidadeFederal de Pernambuco, para

obtenção do grau de Mestre em Antropologia sob a orientação da Profa.Dra. Silke Weber.

Recife, Ago/94

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Dedico este trabalho a Igor e

Bárbara - de quem roubeimomentos preciosos para poderrealizá-lo.

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"Vejo muitas consolações para os infelizes;

para os felizes nunca as encontrei."(Joaquim Nabuco)

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ÜFPE Gibiioíüca Contrai

RESUMO

Os estudos sobre comunicação de massa pouco têm se dedicado à

problemática da recepção. Eles têm se voltado para o pólo emissor, privilegiando

veículos e mensagens, muito embora as conclusões se refiram às conseqüências

do consumo e a um certo poder "alienante" dos produtos.

Esta pesquisa pratica a inversão sugerida e se propõe investigar a experiência

da participação de calouros em um programa de auditório - o Sábado Sete Show

- para chegar a algumas conclusões sobre a natureza do apelo contido nas

mensagens de massa e sobre os modos como parcelas específicas de consumidores

manipulam produtos na tentativa de preencher demandas socialmente criadas.

A perspectiva teórica adota uma visão otimista da cultura de massa, onde

os meios de comunicação se apresentam como veículos patrocinadores de

expectativas presentes nos consumidores e utilizados por parcelas de público

como "brechas", canais de acesso a realidades projetadas pelos atores. A pesquisa

confirma a tese de que a comunicação de massa opera com sistemas de representação

e está apta a instaurar realidades.

O método utilizado foi a Fenomenologia, com as técnicas da observação

direta e entrevistas. Os resultados demonstram que o consolo está presente como

elemento sedutor das mensagens de massa e que a assimilação dos produtos se dá

com base nas relações psico-afetivas estabelecidas entre aqueles e o consumidor.

O sucesso do Sábado Sete Show,e mais exatamente a sua eficácia, residem na

possibilidade de oferecer aos sujeitos consumidores respostas às suas demandas.

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AGRADECIMENTOS

São muitas as pessoas a quem devo agradecer pelas contribuições prestadas

de forma direta ou indireta para a realização destapesquisa. Agradeço a meus pais

que sempre souberam oferecer um ambiente propício ao florescimento da

curiosidade essencial ao querer saber, que encontrei desde a minha infância.

Agradeço a Bruno César, pelo incentivo epelaajuda decisiva nofinal da pesquisa

bem como pelas sugestões preciosas que apresentou ao trabalho, enriquecendocom muitas observações a qualidade da argumentação. Também a Cláudio

Manoel e a Nasson Paulo, pela infinita paciência que tiveram comigo, e pelointeresse em colaborar com a concretização desta pesquisa, oferecendo muitasdicas no manejo com ocomputador; a Rossana Gaia, amiga sempre presente, quedatilografou vários textos e me tranqüilizou em momentos cruciais ao andamento

do estudo; a Lourdinha que apostou na conclusão dessajornada, eque me acolheuem sua casa nos dias que antecederam à conclusão de minha a dissertação.

Aos professores do Mestrado em Antropologia, particularmente a Maria do

Carmo Brandão e Roberto Motta pelas contribuições específicas a o trabalho,

apontando caminhos para alguns impasses que surgiram. A atenção do apresen

tadordo Sábado Sete Show, Pell Marques, e de toda suaequipe deprodução foram

igualmente essenciais à condução da pesquisa. Aos calouros devo atenção espe

cial, pela disponibilidade com que se dispuseram a conceder entrevistas e prestar

depoimentos durante o trabalho de campo. Mas de forma muito especial, quero

agradecer às professoras Silke Weber (orientadora) e Rita Costa Melo (co-

orientadora) cujas observações perspicazes e incentivo constante contribuíram

de forma decisiva, para a realização deste trabalho. Sem o apoio do CNPq e da

CAPES, a realização desta pesquisa não teria sido possível e a estas instituições

devo também meus agradecimentos.

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SUMARIO

INTRODUÇÃO

CAP.I CULTURA DE MASSA

1.1 Cultura de massa no Brasil

1.2 Teoria e pesquisa de um programa de auditório1.3 Nota metodológica

1.3.1 Da observação de campo

1.3.2 Das entrevistas

1.3.3 Análise do material recolhido

CAP.II O SÁBADO SETE SHOW - produção2.1 O programa

2.2 Os anunciantes

2.3 O cenário

CAP.III O SÁBADO SETE SHOW - atores3.1 O auditório

3.2 O apresentador

3.3 As bailarinas

3.4 Os jurados

3.5 Os calouros

3.6 Tipificando as atrações3.7 O Sábado Sete Show no ar

CAP.IV DESCONSOLO GERAL, OU, ONDE ESTÁ O MOTE DA MENSAGEM?4.1 A ideologia da felicidade

4.2 A socialização do calouro

4.3 A relação com o ídolo

4.4 As revistas que lêem

CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

vil

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INTRODUÇÃO

O progressivo interesse pelo Sábado Sete Show - programa de auditório

veiculado na programação local da Tv Gazeta (Rede Globo) em Maceió (Al) -

comomeu objeto de pesquisa causoucerto malestar emgrupos de amigos, colegas

de trabalho e conhecidos, confusos com o fato de eu dedicar meu tempo e meu

estudo a um objeto tão claramente afirmado como destituído de bons atributos e

sobre o qual pesa a identificação de produto de "baixa qualidade". E foram, e

ainda são muitas as críticas. Atribuo este mal estar a um certo preconceito com as

produções e empreendimentos culturais declaradamente de massa, feitos para

serem consumidos por públicos cada vez mais amplos, e, de resto, excluídos de

outras oportunidades culturais. Eu, que também tive visão semelhante sobre o

programa, relativizo hoje este viés e compreendo que para além dos chavões

desgastados sobre o futuro dos produtos culturais na era industrial, a cultura de

massa, e os níveis de consumo, existem outras possibilidades de se estudar tais

produtos.

Trata-se agora de deitar um olhar mais demorado em outros aspectos: no

apelo que subjáz às mensagens e, particularmente, nos níveis de identificação e

manipulação dos produtos por parte de grupos específicos de consumidores.

É sob este ponto de vista que está construída a pesquisa do Sábado Sete

Show, e a partir de duas preocupações: a de verificar se o consumo das mensagens

se dá com base nalgum tipo de carência e, em caso afirmativo, de que tipo. As

necessidades de evasão e consolação já foram propostas por autores como

Umberto Eco (1976) e Ecléa Bosi (1973) como presentes em toda produção

dirigida às massas.

VIU

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Em seu estudo sobre o consumo de literatura por um grupo de operárias,

Ecléa Bosi trabalha com a hipótese geral de que o tipo de literatura mais procurado

pelas operárias responde principalmente a tendências compensatórias, evasivas,

gratificantes (Bosi, p.83). A partir das entrevistas realizadas com as operárias-

leitoras, a autora afirma que o que se apresenta como fato mais importante é a

identificação, nas leituras, de um real e de um potencial - este último englobando

aspirações, interesses e desejo de conhecimento - que pode ou não se realizar, mas

que no caso específico daquelas entrevistadas, a autora diz impedido de se

concretizar "por uma barreira econômica" (p. 154).

O ponto de chegada de Ecléa Bosi se converte, noutros autores, em ponto

de partida. Em A Conquista do Presente , Michel Maffesoli enfatiza que é graças

às defasagens que atuam em todos os níveis (individual, social, político etc) que

se introduzem os diversos enredos oníricos pelos quais se exprime o imaginário.

Comesta observação, não pretendo invalidaras conclusões a que chegou Bosi em

sua pesquisa, mas somente realçar a inversão de perspectiva, ampliando assim o

enfoque da abordagem da carência.O consolo, no caso da autora, se refere ao fato

das incursões das operárias não chegarem, na maioria das vezes, a operar

mudanças na realidade.

No caso específico desta pesquisa, vou tratar da experiência da artisticidade

na vida dos calouros que participam do programa de auditório Sábado Sete Show.

Por artisticidade me refiro a um conjunto de determinados atributos identificados

pelos prórpios atores - os calouros - e reconhecidos por um público muito amplo

enquanto qualidades próprias dos artistas: a intimidade com estilos musicais; o

estudo de algum instrumento; a realização de shows etc. A artisticidade, da forma

como aqui está colocada, trata do domínio de determinadas técnicas com o

objetivo de ter acesso ao universo reconhecido como aquele habitado pelos

artistas. Interessa-me observar, numa perspectiva antropológica, a eficácia da

experiência da artisticidade para o calouro em um sentido ampliado, a partir de

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seu caráter mesmo de "transcendência", à maneira de Gilberto Velho (1992, p.81)

"como uma espécie de fuga do social" e de que forma o Sábado Sete Show se

converte em espaço de socialidade (Maffesoli, 1984) fornecendo elementos para

a construção dos suportes simbólicos do viver cotidiano.

Éum estudo que busca conhecer anatureza do fascínio exercido pelos mass

media verificando se as polaridades e antagonismos emergentes no social

encontram brechas de manifestação a partir dos mecanismos da mídia e, se for o

caso, de que forma a mídia funciona como preenchedora dessas lacunas.

A pesquisa está voltada para a investigação das formas de participação de

um público consumidor específico - o calouro - cujas incursões na mídia podem

ser compreendidas sob a ótica de uma positividade de atuação dos mass media e

de uma visão otimista sobre a cultura de massa. A colocação dessa questão traz

à tona das discussões uma outra: a das estruturas processo de projeção-

identifícação-transferência que dão à cultura de massa seu aspecto prático de

"modelos". É certo que tal perspectiva foi retomada contemporaneamente por

outros autores, a exemplo de Muniz Sodré (1983), que observa que a cultura de

massa oferece uma relação estética mais viva para o consumidor (p.l7), mas tal

perspectiva não chega a ser adotada como postura metodológica quando as

investigações se dão na área do consumo.

O capítulo 1 traz uma rápida abordagem sobre a cultura de massa, onde são

expostas as condições para seu efetivo surgimento. Trata-se de contextualizar a

cultura de massa em seu momento mesmo de aparecimento no cenário das

sociedades industrializadas. Diferentes correntes que trataram do assunto são

apresentadas de forma suscinta. A discussão é empreendida no sentido de mostrar

a necessidade da realização de estudos sobre o pólo receptor, sobre o público

consumidor propriamente dito, e sugere a possibilidade de se enxergar os mass

media não mais enquanto instâncias de acolhimento das representações sociais,

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FPE Biblioteca ContrãTI

mas como mecanismos aptos a instaurar realidades.

Em estudo sobre o tratamento dado pela mídia à questão da morte dos

olimpianos - aonde retrata amaneira como a televisão e as revistas especializadasapresentaram as mortes do cantor Cazuza e do ator Lauro Corona - Fausto Neto

(1991) examina os processos discursivos e simbólicos que engendram noções de"realidade"Q "atualidade" na comunicação de massa. Indo além da idéia de que

o campo da comunicação se constitui em simples lugar de "acolhimento dasrepresentações sociais, o autor observa que - dispondo de regras e podei esespecíficos -acomunicação de massa opera com aconstrução mesma dos sistemasde representação. Libertando acomunicação de massa da condição de repassadorade conteúdos. Fausto Neto concede a esta o status de produtora de realidade e deconhecimento. Codificando e repassando informações, o sistemade comunicação

se apresenta como um sistema de construção de realidades.

No Brasil, o desenvolvimento da cultura de massa é tema de estudos que o

relaciona ao contexto político-econômico-cultural conjugado a informações sobre

o crescimento do número de emissoras e de aparelhosvendidos no país. Exemplos

de estudos desse tipo são os de Renato Ortiz (1988) e o de Pereira e Miranda(1983) que demonstram aconcorrência de muitas variantes (sociais, econômicas,políticas e estéticas) na consolidação da cultura de massa no Brasil e do veículotelevisão, especificamente.

Os programas de auditório - interesse desta pesquisa - são apresentados a

partir do contexto de discussões sobre o estético, que animaram grandemente o

panorama cultural dos anos 70, numa busca de definição sobre oque seria o"bom"

ou o "mal" gosto.

Os procedimentos metodológicos, apresentados na forma de uma nota,

figuram como item do capítulol. Aí estão esclarecidas as intenções da pesquisa,

os instrumentos utilizados na coleta dos dados e a maneira como algumas

XI

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informações se apresentaram relevantes para a construção do objeto.

O capítulo 2 é uma descrição detalhada do programa de auditório Sábado

Sete Show, onde se evidenciam seu funcionamento, estrutura de produção,

quadros apresentados e cenário. A referência principal são os estudos sobre a

representação do eu na vida cotidiana, de Goffman. No capítulo 3 são apresentadas

as personagens do programa: apresentador, calouros, bailarinas, jurados, auditório.

A leitura das relações aí observadas é feita em dois momentos superpostos: à luz

da teoria da socialização de Berger e Luckman - sendo as incursões dos calouros

no universo da artisticidade de uma forma geral, e no Sábado Sete Show, em

particular, vistas como forma de socialização secundária; e nos moldes de uma

socialogia de inspiração maffesoliana,conduzindo a interpretações sobre tais

manifestações que desaguam na corrente inesgotável do querer viver social.

O calouro é apresentado aqui como sujeito privilegiado da pesquisa. A

diferenciação dos atores é feita através de uma tipificação que obedece a fins mais

metodológicos que teóricos e busca identificar uma hierarquia das atrações bem

como o uso específico que cada um deles faz do programa. E a partir de tal

hierarquização que justifico a escolha do calouro como ator principal da pesquisa,

justificativa que leva em conta os aspectos da intencionalidade e disponibilidade

presentes nesta parcela de público.

A natureza das relações sociais que estabelecem entre si possibilita

denominá-los como um "quase-grupo", nos termos propostos por Mayer (1987).

Esta classificação é feita através da reunião de informações sobre as formas de

convivência entre si e com o programa, e também com as perspectivas traçadas

a partir das incursões na mídia. Fechando o capítulo, é apresentada umadescrição

do Sábado Sete Show no momento da gravação, que objetiva evidenciar o clima

do programa em seus bastidores, por trás das câmeras, bem como destacar a

participação dos agentes na realização do show.

XII

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o capítulo 4 aprofunda a identificação do que subjáz às mensagens de

massa, e, no caso especifico do Sábado Sete Showcomo típico produto de massa.

Trata-se de identificar o apelo do consolo da forma como é experenciado pelo

calouro, a partir de duas premissas: as bases sociais e objetivas a que estão

submetidos, identificadas a partir das informações sobre o padrão sócio-cultural

dos candidatos, faixa-etária e renda; e os dados subjetivos da experiência, ou, em

outras palavras, dos recursos, a nível das representações, que os calouros elegem

para dar sustentação ao projeto da artisticidade. Sobre este último aspecto,

selecionei dois tipos básicos de informações: as leituras dos calouros sobre a vida

dos artistas, feitas a partir de revistas especializadas na vida dos olimpianos -

termo proposto pos Morin para se referir ás estrelas, ás personagens de vida

pública, que transitam no universo artístico, povoado pela fama e pelo sucessoe

- e a relação que estabelecem com seus ídolos.

A conclusão aponta para a comprovação de que o Sábado Sete Show se

converte em espaço de socialização para o calouro enquanto agenciador dasexpectativas de auto-superação dos atores e que, neste sentido, os produtos demassa não podem ser compreendidos de forma simplista, como mensagensalienantes. A pesquisa mostra, através do trabalho de campo, que as brechasabertas a partir da mídia engendram processos de conhecimento e realidadespalpáveis para parcelas de público que encontram ai possibilidades de experen-ciaroque socialmente não lhe é possível. Aexperiência da "transcendência parao calouro se reveste de uma "transfiguração do ordinário" (Velho,1992, p.81)

distanciada de valoresutilitários e mais próxima de umaética do desejo, na forma

proposta por Lacan, ou da noção de "Cultura Autêntica", de Edward Sapir (apud

Velho), "cuja ênfase na criatividade aproxima-se - de modo abertamente valora-

tivo _ das noções de cultura que acentuam o elemento de invenção, com a

vantagem de não se postular como única" (idem).

XIII

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JJFP E Bíbliotoca Contrai

CAP. I

CULTURA DE MASSA

Oefetivo surgimento da cultura de massa tem como pressuposto aexistência

de uma economia de mercado baseada no consumo de bens, e de uma sociedade

de consumo, somente possíveis no final do século XIX. Quanto a isso não parece

existir discofdâncias entre os teóricos da área. As querelas dos autores tomam

como base divergências de uma outra ordem, que se têm sucedido nas tentativas

científicas que empreendem para aprisionar o sentido do que vem a ser a cultura

de massa e seus vetores, os "mass media" (meios de comunicação de massa).

Não pretendo aqui apresentar de maneira exaustiva uma retrospectiva dastendências teóricas sobre a cultura de massa, mas somente tecer algumas

considerações sobre o que tais estudos consideraram sobre ofenômeno, e apontar

para anecessidade de se tomar como importante aênfase num estudo que acolha,como lugar de representações, o pólo receptor da mensagem para que possamosconhecer de perto, e então de forma familiar, o que realmente pensa e sente essepúblico consumidor tão citado pelos autores, e sobre o qual recai a atenção demuitos estudiosos preocupados com as conseqüências do consumo massificado,e antevendo um processo de alienação nocivo à criatividade e ao poder deiniciativa dos indivíduos.

Para responder à instigante e sempre atual questão do fenômeno demassa,

os autores têm concentrado seus estudos ora no próprio veículo (televisão, rádio,

jornal, revistas), oranamensagem, destacando, preferencialmente, opólo emissor.

O pólo receptor, aquele que consome a mensagem, tem sido objeto pouco

considerado nos estudos sobre o tema emborame pareça se constituir num grande

filão para a Antropologia.

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Defino aqui cultura de massa, da forma menos valorativa possível, à

maneira de Caldas (1986, p. 16), como **a produção industrial de um universo

muito grande de produtos que abrange setores como a moda, o lazer no sentido

mais amplo, incluindo os esportes, o cinema, a imprensa escrita, falada e

televisada, os espetáculos públicos, a literatura, a música, enfim, um número

muito grande de eventos eprodutos que influenciam e caracterizam o atual estilo

de vida do homem contemporâneo no meio urbano-industrial".

Desde a tese frankfurtiana - primeira análise sob inspiração marxista da

cultura de massa - muito já se escreveu sobre o tema, ainda polêmico, e cujas

abordagens sob uma perspectiva mais antropológica apenas iniciaram. Theodor

Adorno, Horkheimer, e os demais expoentes da Escola de Frankfurt preconizaram

em geral uma visão negativa e pessimista sobre a atuação dos mass media na

sociedade. Apontando a tecnologia com um poder tal de envolvimento sobre o

indivíduo, apontode lhe tirar o espaço à consciência individual, os "apocalípticos"

de Frankfurtperderam devista o fato de queos produtos, emsituação de consumo,

podem suscitar uma infinidade de respostas. Mesmo quando apontavam para uma

certa hierarquização nos produtos de massa, o embotamento das consciências,

através de um consumo hierarquizado, era enfatizado. Segundo Adorno e

Horkheimer (1985, p.ll6):"0 fornecimento ao público de uma hierarquia na

qualidade serve apenas para uma quantificação ainda mais completa. Cada qual

deve se comportar, como que espontaneamente, em conformidade com seu nível,

previamente caracterizadopor certos sinais, a escolher a categoria dos produtos

de massa fabricada para seu tipo

Em reação à Escola de Frankfurt, a Escola Progressista Evolucionista

compreendeu a cultura de massa enquanto uma cultura democrática e pluralista.

Teóricos como Alan Swingewood (1978) afirmaram a existênciade um pluralismo

traduzido socialmente, politicamente e culturalmente, proporcionando,indistintamente, o acesso de várias classes sociais à cultura.

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Identificando nas teorias dos frankfurtianos sobre a cultura de massa, o que

chamou de "índole antidemocrática", Swingewood (p.4) afirma que tal postura

alimenta um conceito estático e ideológico de cultura, ao invés de enxergá-la

como meio de transformação do mundo "através da consciência, de ações e dos

valores Os progressistas evolucionistas destacavam, ainda, o fortalecimento da

vida social a partir da cultura de massa que entendiam, diferentemente dos

frankfurtianos, como democrática. Vejamos o que diz o autor (p. 19): "nasociedade

pluralista (...) a vida social éfortalecida, e não enfraquecida, pois a vasta massa

da população, pelaprimeira vez na história humana, se integra numa cultura de

massa democrática: no passado, uma população quase que analfabeta nada lia

e apenas uma pequenafração das classes superiores participava das atividades

culturais

Os questionamentos dos primeiros teóricos já se referiam a uma preocu

pação com o público e com a qualidade do que consumiam, procurando encontrar

os benefícios e malefícios desse consumo. São preocupações que, posso dizer,

versavam sobre uma certa "validade" da cultura de massa.

Concebida inicialmente segundo o esquema proposto por Lasswell "quem

diz o quê a quem com que efeito", a sociologia das comunicações de massa

proporcionou investidas científicas privilegiando como elementos de análise os

pólos da emissão e da recepção, além da própria mensagem. As abordagens,

entretanto, se limitavam à descrição do sistema de emissão; às análises de

conteúdo, de cunho estatístico, para apreender a mensagem, e às apresentações

dos índices de audiência para ilustrar os níveis de consumo.

A falibilidade dessas abordagens reside no distanciamento operado entre a

manifestação do fenômeno de massa e os modos pelos quais o consumo é

apreendido, que não levam em consideração os caracteres psico-afetivos-imaginários-estéticos apresentados por Morin (1980) como aqueles pelos quais a

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cultura de massa é assimilada.

Superada a discussão entre Apocalípticos e Integrados e constatada ainevitabilidade do processo cultural massificado, outros estudos concentraram

esforços no sentido de identificar os chamados níveis culturais, que originaram a

divisão da cultura em superior ou erudita, média (midcult), cultura de massa e,

ainda, cultura popular. Eco (1976), que atentou para o fato de que as diferençasde nível entre os vários produtos não constitui, a priori, uma diferença de valor,

mas de relação fruitiva, relativizou essa diferenciação, afirmando que entre oconsumidor dapoesia de Pound eo da fotonovela não existe, a rigor, diferença declasse social ou nível intelectual, podendo, cada um de nós ser um e outro, em

diferentes momentos do dia, dependendo do que se deseja estimular.

Em A Comunicação do Grotesco, Muniz Sodré considera que, historica

mente, a cultura de massa é somente um momento na evolução da cultura de uma

classe. O autor, entretanto, cuidadosamente observa que se cultura de massa ecultura superior são dois aspectos de uma mesma realidade antropológica, istonão significa afirmar que aoposição entre as duas não exista. Ela se dá não anívelconíeudisía, mas formal. Sodré (p.l7) enfatiza, entretanto, que apesar de mais"empobrecida" com relação à cultura elevada, a cultura de massa oferece aoconsumidor uma relação estética mais viva e que isto acontece graças à maiorparticipação psicoafetiva por parte do espectador.

O que Eco chama de níveis culturais, Sodré (1983) apresenta como o

resultado do advento da Modernidade no Ocidente, se referindo aos "níveis"

como sub-campos culturais, definidos como "zonas especializadas de códigos,

manejados por instituições diversificadas, resultantes de um processo de divisão

social da atividade de relacionamento com o sentido" (pp.71-72). O autor

enfatiza que a cultura de massa é um sub campo da cultura burguesa, não se

tratando de uma outra cultura, por não implicar num outro campo, mas na divisão

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IIF p E B

do mesmo. "Trata-se realmente de um momento especializado, um sub-campo da

cultura dominante no Ocidente, e que assume progressivamente as funções de

elaboração do real da moderna sociedade industrial" (idem).

1.1 Cultura de massa no Brasil

Os anos 40 e 50 marcaram o prenuncio da sociedade de consumo no Brasil,

mas a consolidação de um mercado de bens culturais somente se deu no país nas

décadas de 60 e 70. Esse desenvolvimento já foi motivo de inúmeras análises.

Caldas, 1986; Ortiz, 1988; Pereira e Miranda, 1983; Sodré, 1977, 1981 e 1983,

entre outros, se dedicaram a demonstrar o desenvolvimento da cultura de massa

no Brasil relacionando-a a situações político-econômico-culturais e a partir de

índices como o crescimento de emissoras de televisão no país, o incremento do

mercado editorial e fonográfico, o aumento no número de vendas de aparelhos

receptores etc.

Ortiz (1988) analisa o desenvolvimento da cultura de massa no Brasil

relacionando-o ao contexto político-econômico do pós-64. Segundo o autor

(pp.116-120), nesta época, o apoio dado pelo Estado autoritário às instituições

culturais pode ser avaliado a partir do surgimento de entidades como o Conselho

Federal de Cultura, o Instituto Nacional do Cinema, a Embrafilme, a Funarte, o

Pró-Memória, entre outros. A importância dos meios de comunicação de massa

era enfatizada por publicações oficiais, a exemplo dos manuais da Escola

Superior de Guerra (ESG), que desatcavam a capacidade dos mass media de

difundir idéias, de se comunicar diretamente com as massas, e de criar estados

emocionais na coletividade. O interesse do Estado em instituições culturais e de

comunicação se traduzia então na forma de um controle. Essa visão autoritária é

também identificada pelo autor no período do Estado Novo (1937-1945), onde os

efeitos daa política estatal no plano cultural se dá na forma de incentivo a

determinadas ações culturais concomitantemente à prática da censura. Também

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Getúlio Vargas não poupou esforços no sentido de criar instituições, a exemplo

do Instituto Nacional do Livro, Instituto Nacional do Cinema Educativo, além de

museus, bibliotecas e de incentivos na área do ensino.

O que diferencia os dois períodos (37-45 e 64-85), é, de acordo com Ortiz,

o fato de que o regime militar se insere num quadro econômico diferente. "Arelação entre oEstado e osgrupos empresariais em 64 é mais "orgânica "porquesomente apartir dadécada de 60 esses grupospodem seassumir como portadores

de um capitalismopromissor" (p.II7). Neste contexto, Ortiz apresenta atelevisão

como omelhor exemplo dacolaboração entre oregime militar e o crescimento dos

grupos privados, lembrando que em 1965 é criada a Embratel e a Intelsat, dando

início a uma ampla política de modernização para as telecomunicações.

O estudo de Pereira e Miranda (1983) considera variantes econômico-

culturais e volta-se para a apresentação do veículo televisão e do seu vertiginosocrescimento no Brasil, a partir da década de 60, com as particularidades da

emissora que mais cresceu e se estabilizou no país: a Rede Globo (I). A análise

dos autores está voltada para a evolução da televisão e para os esforços concen

trados dos empresários das telecomunicações pela conquista de públicos mais

amplos, procurando adequar as programações às aspirações dos consumidores. Éassim que os autores identificam dois grandes estilos de construção de programas

de televisão no país que perpassam, inclusive, a programação comercial. Esses

estilos estabelecem uma divisão de qualidade entre o que é veiculado pela Rede

Globo e o que é veiculado pelas demais emissoras.

Pereira e Miranda destacam, no entanto, que não se pode perder de vista

que o padrão de qualidade da Globo se diferencia dos demais dentro de umaclassificação que define os outros estilos como de "mau gosto" e"popularesco",apartir do ponto de vista da própria Globo. Os autores observam que essapreocupação com opadrão de qualidade surge por volta dos anos 70, quando a

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Globo já tem consolidada a audiência dos chamados públicos C e D (2) e passa

a viver a necessidade mercadológica de ampliar seu público consumidor em outras

faixas: os públicos A e B.

Nesta época, toda a programação passa a ser repensada e os programas que

não mais se adequam às novas exigências de qualidade da emissora são descarta

dos. A tentativa de alcançar novas faixas de audiência, deixando de lado progra

mações dirigidas a um público já consolidado pela Globo pode parecer

contraditória, mas há sobre isso duas coisas a se considerar: primeiro, os veículos

de comunicação de massa atuam no sentido de otimizar a audiência e alargar seu

campo de penetração junto aos consumidores. Eis uma regra geral que, com

exceção de algumas emissoras com fins unicamente culturais, é seguida por todos,

e se converte mesmo numa lei de mercado quando se pensa em termos de

comunicação de massa; segundo, o repensar da programação está inserido num

debate maior que à época (década de 70) se traduziu numa preocupação com a

definição doestético, doque vem aserobom ouomal gosto, epelabuscadenovos

estilos; de estilos próprios, principalmente. Na música, corresponde à década do

Tropicalismo; a nível de comunicação de massa observa-se que a preocupação é

com o novo padrão global que determina esmero pela sofisticação tecnológica,

pela economia da linguagem (visual e textual) e pela preocupação em tornar a

televisão popular sem a tornar popularesca.

O padrão de qualidade buscado pela Globo estava, então, em perfeita

sintonia com os critérios de "bom gosto" e "qualidade" da classe média emergen

te, originada pela concretização da "modernização do milagre". Dentre os

programas que tiveram que ser remanejados para outras emissoras, por não se

adequarem ao padrão global de qualidade, estão os de "variedades", entre eles os

chamados programas de auditório, produto de massa que nos interessa analisar

nesta pesquisa. Éna década de 70 que oprograma do Chacrinha, por exemplo, saida Globo para a Tupi, obedecendo aos novos rigores estéticos da programação.

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Depois do fechamento da emissora, em julho de 80, o programa vai para a

Bandeirantes.

Em 1980 temos um quadro revelador sobre a distribuição de programas de

variedades nas diversas redes de televisão do Rio de Janeiro. Segundo dados de

Pereira e Miranda, a Tv Educativa (que sempre se caracterizou por uma preocupação

mais cultural que mesmo comercial) não registrava em sua programação sequer

um desses programas. De igual maneira as redes mais "populares", a exemplo da

Bandeirantes e do SBT, concediam 9,6% e 8,7% de sua programação, respecti

vamente, a programas de variedades, contra apenas 4,0%concedidos pela Globo.

A dificuldade de competição entre as demais emissoras e a Rede Globo, por razões

econômicas óbvias, inviabilizou as tentativas de concorrência pelas faixas de

público A e B e fez concentrar esforços na luta pela audiência dos públicos C e

D, cujas estratégias de atração se apresentavam como mais simples e menos

dispendiosas. Isto favoreceu o surgimento de novos programas, dentro desse

mesmo estilo, nas demais emissoras.

Data de 1979 a criação do "Aqui e Agora", realizado então pela Tv Tupi,

um sucesso imediato de público que proporcionou a ampliação do horário em

poucos meses de veiculação. Em 1980 surgem, no SBT (na época, TVS -TV SílvioSantos), mais dois programas: "O Povo na Tv" e "Nosso Domingo", dentro da

mesma linha do "Aqui e Agora".

A importância de se considerar essesfatos sejustifica pela necessidade em

situar o lugar ocupado pelos chamados programas de auditório e, conseqüente

mente, por toda a programação classificada como "variedades"(3) no contexto

televisivo brasileiro. A partir desses dados, observo que o lugar reservado a esses

produtos foi definido a partir da conceituação de um certo padrão estético

televisivo que terminou por caracterizar os programas enquanto fórmulas de

entretenimento destinadas a públicos de repertório cultural e situação econômica

abaixo da média, ou, se preferirmos, para usarmos a terminologia ibopeana, aos

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Central

públicos C e D. Ojargão de "sub-produto", dado aos programas de auditório, do

tipo Sílvio Santos, Chacrinha, e Sábado Sete Show, objeto desta pesquisa, talveztenha alguma relação com a baixaprodução acadêmico-científica sobre o objeto.

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1.2 Teoria e pesquisa de um programa de auditório

Esta rápida revisão sobre a cultura de massa serviu para esboçar o cenário

teórico das discussões da realidade humana na qual se insere minha investigação

empírica. O objetivo é a etnografia de um programa de auditório - o Sábado Sete

Show - onde pretendo apontar para as "estruturas de consolação", já indicadas

por Umberto Eco (1976) e Ecléa Bosi (1973) como presentes em produções

dirigidas ao consumo em massa.

Por "estruturas de consolação " ou simplesmente "consolo " me refiro - à

maneira dos autores acima citados - a necessidades de evasão e compensação

típicas de um público que convive com carências de toda ordem e que minimiza,

através do consumo dos produtos, situações de adversidade e anonimato, cada vez

mais abrangentes nas sociedades contemporâneas.

A definição da orientação metodológica está diretamente relacionada à

maneira como o objeto se apresentou para mim. Já relatei, na introdução, que a

escolha do Sábado Sete Show como objeto de pesquisa provocou certa estranheza

em amigos e colegas de trabalho. É de fato curioso observar como produtos e

situações que se distanciam do que é comumente estudado ou priorizado pela

Ciência (aqui tomada enquanto uma instituição reificada) encontram resistência,

numa demonstração de que é corrente associar a validade do conhecimento à

"validade" do empreendimento.

Considero importante introduzir essa preocupação porque o princípio

desse reciocínio parece residir num certo preconceito sobre tais produtos e

situações. Atribuo a surpresa e o certo "mal estar" com minha escolha temática a

esta predisposição de validar cientificamente o que valorativamente é tomado

como "bom".

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Ora, há nisso tudo elementos teóricos que merecem menção por suas

conseqüentes indicações sobre a pesquisa. Bem entendido, o tal espanto temático

de meu estudo vincula-se também ao fato de que realizo uma investigação para um

curso de mestrado em Ciências Sociais. Nada mais habitual que os estudos de

comunicação de massa permanecerem na área específica dos comunicólogos, e

seus métodos próprios. Mas uma pesquisa de campo na tradição da formação

antropológica requereria nativos mais "autênticos". Não é demais lembrar que no

contexto urbano a Antropologia toma a marginalidade por uma dupla face, tanto

em sua inclinação por segmentos sociais marginais, como também por seu próprio

desconforto em relação às clássicas condições de ciências dos "primitivos" (4).

Como foi recordado, na maioria das vezes as pesquisas sobre a Indústria

Cultural/Cultura de Massa privilegiando a análise da emissão de mensagens,

deixaram de avançar na compreensão da dinâmica mais real e profunda dos "mass

media", que é a sua historicidade, em sentido fenomenológico, sua realidade de

cultura e de "relação social", entendida aqui nos termos propostos por Max Weber

(1989, p.45), como a "situação em que duas ou mais pessoas estão empenhadas

numa conduta onde cada qual leva em conta o comportamento da outra de uma

maneira significativa, estando, portanto, orientada nestes termos". O autor

considera ainda o caráter de probabilidade da relação social, a partir do qual se

espera que os indivíduos se comportemde maneira significativamente determinável,

"Grotesco" em sua aparição, o Sábado Sete Show adquire sua cor local, na

metáfora'de Geertz (1986), quando seu sentido é desvelado. Para além de

qualquer "ridicularidade" do Pell Marques (apresentador), da "cara-de-pau" de

calouros ou outras observações usuais do senso comum, é preciso que se busque

relações que se estabelecem, sentidos que se organizam e se revelam no cotidiano

que circunda um programa de auditório na vida de centenas de indivíduos.

Assim, a contribuição de uma investigação antropológica às voltas com o

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mundo da cultura industrial é aqui assumido no interesse pelas relações sociais

quefazem o Sábado Sete Show existir. Deixando de lado alguns "truismos" sobre

osmass rnedia, temos que do ponto de vista sobretudo dos calouros - um dos tipos

de agentes sociais básicos do programa - o simbolismo da artisticidade é tão

legítimo e real quanto qualquer outra "realidade" que se queira comparar.

Enfrentando adescontinuidade da vida diária advinda com aautomatizaçãodo trabalho e as poucas chances de ascender socialmente, milhões de pessoasencontram, na fantasia, uma forma suave para enfrentar as dificuldades e continuar

vivendo. Em O Poeta e a Fantasia ( s/d ), Freud, já em 1908, atentava paraalgumas das características do ato de fantasiar. Considerando que "os instintos

insatisfeitos são aforça impulsara dafantasia", Freudconclui que "cadafantasia

é umasatisfação de desejos, umaretificação da realidade insatisfatória''^ (p.118).

Para não correr o risco de generalizar, estabeleço aqui alguns limites para o

caráter evasivo da experiência da artisticidade, observando que a fantasia elaborada

encontra sua eficácia Justamente a partir da correlação que faz o agente entre a

situação imaginária e sua situação concreta de vida.

A investigação considera dois aspectos: a constatação das bases da carência

vivenciada pelos calouros, com informações sobre aspectos sociais, econômicos,

culturais e etário dos agentes; e o conhecimento da experiência subjetiva da

artisticidade, os mecanismos, por assim dizer, utilizados pelos atores para manter

viva a certeza de que o sonho acalentado pode se concretizar.

E este segundo aspecto que a mim parece mais significativo investigar.Etnografar subjetividades possibilita desvelar motivações eregistrar ospercursos

individuais da experiência a partir dos que dela participam. Ainvestigação dasexpectativas dos calouros e da maneira como se constrói e se mantém o sonho da

artisticidade considera os caracteres específicos pelos quais a cultura de massa éassimilada.

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Neste sentido, as investigações empreendidas para captar a natureza da

relação que o calouro estabelece com o(s) ídolo(s) se revestem de importância

metodológica porque acolhem os aspectos psico-afetivos-imaginários-estéticos

arguidos por Morin (1980). Na relação do calouro com o ídolo vai grande dose de

expectativas de um futuro por vir, e de elementos de consolo ao presente

cotidiano. Os processos de projeção-identificação-transferência, propostos pelo

autor, seriam ilustrados a partir das correlações que os calouros estabelecem entre

seu vivido, seu aqui e agora, com o passado semelhante, e agora remoto, do astro

que admira. Correlações feitas a partir das informações veiculadas pelos prórpios

meios de comunicação, num movimento constante de retroalimentação.

Fausto Neto (1991) observa que o discurso veiculado por determinado meio

(a televisão, no caso), se constrói com base noutro discurso (das revistas, por

exemplo) e que todo discurso, muito embora pertença a um campo matricial

distinto se conecta com outros campos matriciais discursivos. um sistema

guarda relação com outro, por certas regras admite-se, consequentemente, que

o campo televisivo, especialmente, trabalha pressupondo a existência de um tipo

de suporte que repassa reconstruindo e instruindo o seu real" (idem, p.l9). Isto

eqüivale'a dizer que os diferentes mídia se articulam e se amparam na veiculação

de seus discursos estabelecendo uma teia no social que alimenta e é alimentada

pelo consumo.

1.3 Nota metodológica

O ponto de vista subjetivo já foi indicado por Schutz (1979, p.266) como

a "única - porém suficiente - garantia de que o mundo da realidade social não

será substituído por um mundofictício, inexistente, construído pelo observador".

O dado objetivo corre o risco de ter reduzida a compreensão de seu sentido se sua

tradução não for amparada pela lógica das várias subjetividades envolvidas no

processo. Daí a necessidade, sempre premente, de se compreender a realidade

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aparente e objetiva a partir da maneira como o sentido se articula para os sujeitos

implicados numa dada situação.

Para constatar as bases da carência vivida pelo calouro e investigar os

dados subjetivos da experiência da artisticidade, lancei mão de dois instrumentos:

a observação direta e entrevistas. Com a primeira busquei conhecer o Sábado Sete

Show em toda sua estruturação: quadros apresentados, cenário, figurinos,

participantes, anunciantes, condições de produção. Também através da observação,

detive-me no papel do artista vivenciado pelos calouros durante as apresentações

do Sábado Sete Show e na realização dos ensaios . As entrevistas alcançaram não

só o público alvo: os calouros, mas os demais integrantes do programa:

apresentador, músico, bailarinas, equipe de produção, artistas convidados, diretor

do programa, membros do júri e do auditório.

Apesar de ter pesquisado muitas falas, priveligiando a polifonia dos

discursos como forma de entender situações sociais significativas e relativizadoras

de nós mesmos - já que estudar o Sábado Sete Show a partir dessa polifonia me

dá também a oportunidade de conhecer o teor daquilo que nos envergonha e

constrange - entre os vários discursos, privilegiei o do calouro.Por duas razões.

Primeiro porque a pesquisa propõe investigar o fenômeno do consumo a partir do

ponto de vista dos próprios consumidores; segundo porque compreender o

programa pelo viés do calouro foi a forma mais fácil que encontrei para apresentar

a pertinência de um outro discurso sobre o Sábado Sete Show, desobrigado dos

rigores estéticos que o têm classificado como "kitsch" e de "mau gosto" e mais

atento à relação afetiva que se estabelece entre o consumidor e o programa.

Não se trata da defesa de uma fala mais "legítima" sobre o programa, mas,

fundamentalmente, da apresentação de um discurso construído por atores que

experenciam o programa, que vivenciam e "consomem" o produto. Eu acredito

que essa opção metodológica está mais apta a captar os caracteres psico-afetivos

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que envolvem as relações de consumo. O calouro canaliza, no desempenho de seu

papel, expectativas presentes na massa anônima (da qual faz parte) e se oferece

como rico objeto de análise se se quer conhecer quais são as formas utilizadas

pela mídia na criação e manutenção das fantasias fundamentais à sustentação dos

sujeitos na vida cotidiana. Neste sentido, vale ressaltar que não se trata de arguir

o quão alienada é a experiência, mas, fundamentalmente, no quão eficiente se

configura para o calouro.

Já deixou claro Morin (1980) que não é por talento, nem mesmo por conta

do esforço empreendido pela indústria cinematográfica ou pela publicidade, que

secria aestrela. Oque cria aestrela éanecessidade que se tem dela. "É a misériada necessidade, é a vida morna e anônima que quereria espraiar-se(...) A estrela

é a projeção dessa necessidade" ( pp 73-74).

O autor considera que por trás do Star Sysíem e de todo o potencial

comercial que encerra, existe algo que pulsa. Que as estrelas respondem a

necessidades afetivas e/ou míticas que por mais que sejam preparadas, modeladas,

propostas e fabricadas pelo Star Sysíem, não foram criadas por ele. Daí advém a

importância de se considerar a relação que o calouro estabelece com o ídolo na

compreensão do fenômeno da cultura de massa e de sua atualização pelos mass

media.

Na investigação do aspecto subjetivo da experiência da artisticidade para

o calouro, considerei também como material de análise, cartas enviadas por

calouros e telespectadores ao programa, letras de composições de autoria dos

calouros, títulos de sbows e as revistas lidas por eles. As publicações especializadas

na vida dos olimpianos são as preferidas porque trazem informações sobre a vida

dos ídolos fornecendo os elementos que proporcionam a identificação. Detalhes

sobre a vida íntima dos artistas: amores, paixões, separações, dificuldades e

conquistadas relatados pelas revistas se convertem em dispositivos de aproximação

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entre o universo desejado e o real vivenciado pelo calouro; entre a vida do

anônimo e a da estrela. Sãoinformações que estabelecem analogias preciosas para

o calouro porque confirmam que ele, à maneira do ídolo, também pode alcançara posição almejada.

Dada a importância mais qualitativa que quantitativa dessa informação,

utilizei somente dois exemplares para análise: "Sabadão Sertanejo" e Som

Sertanejo", muito embora exista a recorrência de outras revistas, a exemplo da"Manchete" e da "Contigo". Aescolha por aquelas duas se deve à especializaçãono tema (música sertaneja) e à freqüência com que são citadas pelos calouios,além de ser um produto mais barato e, portanto, mais acessível aos calouros que

as demais revistas. Divulgando a ascensão das duplas sertanejas, as revistasrepresentam bem o estilo musical preferido pela maioria dos calouros queparticipam do Sábado Sete Show.

1.3.1 Da observação de campo

Apesquisa de campo foi realizada durante oito meses consecutivos (janeiroa agosto de 92) e de maneira assistemática até julho de 93, período em quefreqüentei semanalmente as gravações do programa às quintas-feiras, no estúdioda Tv Gazeta, em Maceió (Al). Acompanhei também, dentro do mesmo período,

só que então aos sábados, aveiculação do programa pela Tv, bem como as ligaçõestelefônicas dos telespectadores ao "disque calouro" e recebidas pelaprodução do

programa na própria emissora. Meu interesse, nesse caso, era o de checar afreqüência e a procedência da audiência do Sábado Sete Show, já que a emissora

não possui dados documentados desta natureza. Em alguns momentos, quando o

contatonãoultrapassavaumas poucas palavras, minha identidadede pesquisadora

não chegou a ser revelada, mas os entrevistados, o apresentador e a equipe de

produção sabiam do verdadeiro motivo de minhas idas à emissora. Eu sempre fui

muito bem acolhida por todo o pessoal, que se esforçava por me ajudar na

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obtenção dos dados e se sentia prestigiado em ver o programa sendo objeto de

estudo universitário. Identificada por eles como "a moça da faculdade", ou

"aquela que esta escrevendo um livro sobre o programa", conquistei o direito de

ter acesso a lugares reservados, a exemplo do camarim do apresentador, numa

demonstração de confiança e credibilidade à minha pessoa.

A identidade de jornalista me facilitou também chegar aos calouros, em

determinados momentos. A vinculação com a imprensa funciona para o calouro

como possibilidade de divulgação, o que de fato acontece e que aconteceu

algumas vezes, quando tive a oportunidade de agendar para o apresentador

entrevistas sobre o Sábado Sete Show no momento em que o programa completava

cinco anos de existência na Tv Gazeta, ou de colocar pequenas notas em jornais

sobre a participação deste ou daquele calouro numa apresentação em bares da

noite ou em outras atividades afins. O fato de ser jornalista fez também com que,

algumas vezes, os calouros me vissem, erradamente, como uma pessoa que estava

ali à caça de talentos, como uma produtora ou algo equivalente. Acontecimentos

como estes me facilitaram a pesquisa por conta da receptividade com que eu era

então acolhida. Tenho, entretanto, consciência de que minha suposta condição

dificultou também, noutros momentos, o andamento das entrevistas e a coleta de

alguns dados. Diante da possibilidade de estarem conversando com uma pessoa

que imaginavam poder ajudá-los a se tornarem artistas, os calouros fantasiavam

respostas. Procurei contornar esse problema com minhas observações e tirar

proveito disso.

1.3.2 Das entrevistas

Realizei um total de 28 entrevistas com calouros, que se dividiram em dois

momentos: no estúdio, efora do ambiente do programa. Estas, em número de seis,foram feitas fora da emissora, e, no mais das vezes, na residência do próprio

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calouro. Trabalhando com esses dois momentos, pretendi captar elementos

diferentes de uma mesma realidade vivida pelo calouro. Meu objetivo foi saber da

fascinação, da euforia no momento mesmo da apresentação, e também conhecer

os fundamentos cotidianos para a construção diária do sonho da artisticidade.

Nas entrevistas realizadas no estúdio, a conversa era descontraída. Eu

procurava saber se o candidato chegava pela primeira vez ao programa ou se era

um veterano; a música que seria apresentada; suas outras preferências musicais;

sua origem; no que trabalhava e se havia,e qual era, o projeto para a vida artística.

Essa conversa inicial era posteriormente retomada depois da apresentação do

candidato, quando o calouro já havia sido aprovado ou desclassificado e onde se

colocavam também a indiferença, a alegria ou a decepção por não ter sido o

escolhido. Somente dois ou três calouros eram entrevistados a cada noite.

As entrevistas realizadas fora da emissora, por outro lado, foram as mais

demoradas. As idas à casa dos calouros me puseram em contato precioso com a

cotidianidade dos agentes: lugares, ambientes, preferências, e uma sériede outras

informações quesemostraram significativas naconstrução deminhacompreensão

sobre aquele universo.

A compreensão desse universo ampliou-se a partir das entrevistas feitas

como apresentador, as bailarinas,osartistasconvidados, osjurados, os integrantes

do auditório e os demais agentes que fazem o Sábado Sete Show. Por duas viajei

de carro, com Pell Marques, para Recife, com o objetivo de assistir o programa

que ele apresentava, então, na capital pernambucana. O "Pellnambuco" eragravado em estúdio da Tv Cultura e produzido em moldes semelhantes aos doSábado Sete Show. Essas idas a Recife proporcionaram um grau maior de

proximidade com o produtor do programa investigado, favorecendo a condução

das entrevistas. As conversas variavam entre a culinária,religião, música, televisão,

artistas. Sábado Sete Show e, claro, aos calouros do programa.

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Diferentemente das entrevistas realizadas em dias de gravação, aquelas se

mostravam mais proveitosas, espontâneas e ricas em informações. Foi nessas

viagens que fiquei conhecendo mais sobre a vida do Pell Marques. Durante asconversas, o apresentador confessou gostar muito de recodar o passado, e queconversar sobre sua vida e seu trabalho era um grande prazer.

Profundo conhecedor da natureza humana do calouro - até porque viveu a

experiência, como será relatado no capítulo 2, no item reservado ao apresentador- Pell Marques confirmou muitas de minhas suspeitas. O percurso feito peloapresentador guarda muitas semelhanças e aproximações com o percurso feitospelos calouros que participam do Sábado Sete Show, daí porque os depoimentosde Pell Marques - como será demonstrado adiante - transitarem na mesma esferade expectativas e interesses daqueles manifestados pelos calouros.

Também minha participação, por duas vezes, como integrante do corpo dejurados, se converteu em experiência rica. Pelo poder que detêm apartir do lugarque ocupam, os jurados estão aptos aexperenciar omesmo objeto -oSábado SeteShow - de maneira diferente da vivida pelos calouros. Essa minha participaçãocomo jurada do programa aconteceu a pedido do apresentador, aflito com o nãocomparecimento de um dos integrantes do júri - pedido que não pude recusar. Aexperiência rendeu boas observações acerca das opiniões dos jurados sobie oprograma e sobre os calouros que avaliam, relativizando também a opinião doscalouros sobre os jurados.

1.3.3 Análise do material recolhido

Os dados sobre faixa etária, renda, grau de escolaridade dos calouros foram

tratados como pano de fundo da pesquisa e utilizados somente para situar os

atores socialmente. Eles serviram também para subsidiar o princípio geral de que

o pré-requisito para o estabelecimento do consolo é a carência, é a defasagem

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UF P E Biblioteca Contrai

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instaurada em quaisquer níveis: social, cultural, econômico, político etc.

A análise das entrevistas e a seleção dos depoimentos utilizados no texto

seguiu ocritério qualitativo. Privilegiei as falas que considero as mais ilustrativassobre a natureza das relações que se estabelecem no programa e que melhor

expõem asrazões da participação dos calouros no show, seu universo de consumo

e expectativas.

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NOTAS

(1) A televisão chega ao Brasil em setembro de 1950, com a inauguração da Tv

Tupi (Canal 3) em São Paulo, por Assis Chateaubriand.

(2) A classificação é do Instituto Brasileiro de Opinião Pública - Ibope, criadoem 1942, em São Paulo. Segundo dados de Pereira e Miranda (op.cit.,p.53), para

classificar o público telespectador , o Ibope leva em conta informações sobre o

poder aquisitivo, obtidas através dos números da renda familiar, que é definidapelo somatório dos rendimentos de todas as pessoas que exerçam atividadesremuneradas na família; e as categorias sócio-econômicas do poder aquisitivo

onde são consideradas as despesas básicas como: alimentação, combustível

doméstico, educação, empregado doméstico, energia elétrica, higiene e toucador,

médico e remédios, moradia, telefone, transporte, vestuário. A soma dessas

despesas é subtraída da renda familiar chegando-se a um saldo. É este saldo que

vai determinar a disponibilidade de cada família para aplicação no mercado,

aquisição de bens ou em poupança. Quatro classes são, a partir daí, identificadas.

A classe A é a que apresenta sobra (saldo) acima de 50%; a B, subdividida em BI,

B2 e B3 são categorizadas com saldos entre 40 e 50% para a primeira; 30 e 40%

para a segunda, e 20 e 30% para a terceira. A classe C tem saldo entre 10 e 20%,e a D, inferior a 10%.

(3) Porprogramas devariedades compreendemos, àmaneira dePereirae Miranda

(idem, p. 48), aqueles que apresentam "desde shows musicais até entrevistas,

debates, ou mesmo notícias. Sua marca está nesta divisão interna. Os programas

"Fantástico" e "Buzina do Chacrinha" são exemplos de programas de variedades.

(4) cf. Durhan e Cardoso in OLIVEN, Ruben. Antropologia dos grupos urbanos.

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Petrópolis, Vozes, 1988.

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CAP. II

O SÁBADO SETE SHOW - produção

2.1 O programa

O Sábado Sete Show é um programa de auditório produzido em Maceió (Al)

e veiculado semanalmente (nas tardes de sábado) pela maior (1) emissora de

televisão do Estado: a Tv Gazeta (filiada à Rede Globo). O programa é um show

de variedades cujo quadro mais característico é o show de calouros. A audiência

do Sábado Sete Show alcança parte do interior do Estado e vários bairros da

capital, com incidência maior na periferia.

Gravado nas noites de quinta-feira, em estúdio da própria emissora, o

programa sobrevive da venda do espaço publicitário. O horário é vendido ao

apresentador que paga também à emissora um percentual fixo (de 30%) do

comercial veiculado. O apresentador do Sábado Sete Show, Pell Marques é o

idealizador daprogramação eoresponsável pelos contatos comerciais-publicitários

do programa.

O Sábado Sete Showjá teve outro nome. Antes de passar para a programação

da Tv Gazeta era "Pell Marques: A Alegria de Alagoas", que também ia ao ar nas

tardes de sábado (só que então ao vivo), pela Tv Alagoas (ligada à Rede

Manchete) onde foi veiculado por seis anos. A estrutura de produção era então

mais precária e a audiência da emissora, muito inferior à da atual.

A ascensão do programa da Manchete para a Globo foi significativa sob

muitos aspectos. Com a entrada do Sábado Sete Show na Tv Gazeta, as benesses

da Rede alcançaram também o produto, garantindo uma melhor estrutura de

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ÜFPJE Biblioteca Cantral

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produção, veiculação ampliada e maior audiência. Os dados oficiosos do Ibope

local, de novembro de 92, apresentam o programa com 80.4 de audiência nas

tardes de sábado, quando é veiculado no horário das 14 às 15 h. O apresentador

admite que suaaudiência é maior no interior, de onde vem, semanalmente, grande

parte dos calouros que se apresentam no programa (2).

O Sábado Sete Show está dividido emduas partes: o show de calouros e uma

gincana entre escolas (geralmente da rede pública de ensino) ou entre bairros.Atravessam a programação (de 60 minutos no total) cinco blocos de comerciais

que ficam com 15 minutos do horário, reduzindo-o a 45 minutos.

OProgramajá passou por inúmeras modificações. Os quadros apresentados

(com exceção do show de calouros) são substituídos com freqüência pela produção,

sob a orientação do apresentador, que procura inovar, tornando o programa maisatraente. São muitas as queixas de Pell Marques sobre a falta de apoio e visãoempresarial dos propietários das emissoras (3). O apresentador se ressente

também dos políticos locais que em época de eleição procuram sempre atrações

de fora para seus comícios, esquecendo-se dos valores da terra (4).

Apesar de ter crescido em termos de mídia: com o aumento da audiência

e a elevação do faturamento, o Sábado Sete Show não inovou na proposta. A"fórmula", pode-se dizer, continua sendo amesma. Oque seobserva são alteraçõesexteriores: figurinos, cenário, condições de trabalho e melhores equipamentos -

situações que não alteram aconceituação do programa, mas somente sua"fachada",

entendida aqui enquanto aparência.

São modificações introduzidas a nível de cenário - que se torna mais rico

pelo uso da luzneon - no figurino do apresentador e das bailarinas, que se renova

a cada semestre; e nas condições de trabalho, que oferece mais recursos técnicos:

luzes, câmeras e espaço físico. Quanto ao crescimento da audiência, não se pode

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afirmar que seja mérito do produto. A audiência do Sábado Sete Show é, em boa

parte, uma audiência que não lhe pertence, mas se refere à Rede e ao hábito da

população em sintonizar os televisores na emissora mais assistida do Estado: a

Globo.

2.2 Os anunciantes

Anunciam-se no Sábado Sete Show os mais variados produtos, desde

comida até motocicletas e tratores. Tudo o que vier como anúnico é benvindo, e

não há restrições a qualquer tipo de mercadoria. Entretanto, entre os maisassíduos anunciantes estão as lojas de variedades que comercializam produtos

desde confecções até utensílios domésticos. Indústrias de gêneros alimentícios eestabelcimentos que vendem cosméticos e artigos de higiene pessoal tambémanunciam no programa.

Todo o contato comercial-publicitário é feito pelo próprio apresentador.Verifica-se grande rotatividade de anunciantes a cada semana.A variedade deempresas que anunciam no Sábado Sete Show e seu constante movimento derotação se devem, inicialmente, ao poder de persuasão do apresentador nomomento da venda do espaço publicitário e à posterior verificação, porparte doinvestidor, de que escolheu oprograma inadequado (e apartir daí são consideradosfatores como o público alvo da programação, o horário da veiculação e afragilidade dos dados da audiência que Pell Marques apresenta para comprovar

sua aceitação enquanto produto por parte do público consumidor.

Dessa forma, grandes empresas como a "Honda", por exemplo (quechegou

a anunciar um lançamento no programa), e a "Tratorar'(empresa revendedora de

tratores em Alagoas) chegarama figurar na lista de anunciantes do programa, mas

os contratos, firmados por trinta dias (quatro programas), não chegaram a ser

renovados porque o público do programa não era, certamente, o consumidor

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daqueles produtos.

A assiduidade dos anunciantesfica mesmo por conta das lojas de variedades

e das empresas de produtos alimentícios. Entre as recordistas do primeiro grupoestá a "Casa Vieira" ( loja que comercializa roupas, utensílios domésticos,

produtos de higiene pessoal e artigos de papelaria, e que no comércio alagoanofigura como alíder de arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadoriase Serviços - ICMS). No segundo grupo está a "Brandini", empresa de massasalimentícias que fabrica macarrão e biscoitos.

Um dado a ser considerado para esses dois anunciantes é a pertinência do

público consumidor que se situa na faixa de público alvo do programa. A"CasaVieira" é na realidade um grande armarinho, com opções de venda a grosso e no

varejo, apreços populares. Seu público consumidor se situa, mas especificamente,entre as camadas médias e baixas da população. As vendas atingem também

grande número de pequenos comerciantes estabelecidos no interior do estado.

A indústria de massas "Brandini", por sua vez, define sua participação na

lista de anunciantes do programa em sistema de permuta. Atroca de produtos porpublicidade não se constitui na forma ideal de participação no programa, segundodepoimento do próprio apresentador, mas não pode ser descartada, já que adistribuição gratuita de pacotes de macarrão e de biscoitos durante o programa

funciona como atrativo para o público, como se verá adiante, composto

principalmente por mulheres.

Na época definida pelo apresentador como a "das festas", e que inclui datasexploradas comercialmente como o Dia das Mães (maio), o dos Namorados

(junho), o dos Pais (agosto), o Dia das Crianças (outubro) e o Natal (dezembro),

as lojas de eletrodomésticos, de discos, e as redes de supermercados, entre outras,participam do mesmo sistema de permuta e oferecem, em troca da veiculação da

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publicidade, seus artigos: geladeiras, televisores, liqüidificadores, lançamentos

do mercado fonográfico em fita K-7 e vinil, cestas alimentícias, entre outros

brindes. Todo o material é utilizado em sorteios, promoções mensais e jogos

preparados pelo apresentador.

Cabeleireiros e maquiladores responsáveis pela plástica do apresentador e

das bailarinas do programa também são anunciantes em sistema de permuta,

trocando publicidade por serviços.

2.3 O cenário

O Sábado Sete Show é gravado num estúdio de^- aproximadamente 70

metros quadrados. Àdireita de quem entra, fica oauditório e, do mesmo lado, numplano mais alto, fica o corpo de jurados. O auditório se acomoda em cadeirasfixas, de ferro e napa (dessas de escritório), colocadas em número de 45 (e mais

15 do outro lado). O corpo de jurados fica numa espécie de bancada, mas também

está acomodado em cadeiras, cobertas, pela frente, com material de fórmica fosca

azul. Cada um dos jurados tem à sua frente um papel com o próprio nome, o que

facilita o trabalho do apresentador. Do lado esquerdo fica a outra faixa do

auditório (menor que a do lado direito) e o quadrado reservado aos músicos e

instrumentos. Ao fundo estão as câmeras e o espaço é restrito à equipe de

produção, que fica circulando e dando instruções durante as gravações. No centro,

fica o palco. É lá que fica, permanentemente, o apresentador, que só se afasta do

local privilegiado do programa para o calouro se apresentar ou para conversar, de

perto, com o auditório.

O palco é, sem dúvida, o locus privilegiado do programa e a saída do

apresentador do local para ceder espaço ao calouro ou a qualquer outra atração

que chegue ao programa é uma evidente demonstração de que, naquele momento,

ele deixa de ser a estrela e passa o foco da atração para outro. O palco é um tablado

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de cor clara. Redondo, com uma estrela vermelha desenhada no piso. No centro,

fica um microfone de pé, que pode se mover de acordo com a performance do

artista. Do lado direito e ao fundo do palco fica uma mesinha alta, com um

telefone que só é colocada pela produção durante o quadro do show dos calouros.

No fundo do estúdio ficam as bailarinas. Elas também se posicionam num

tablado, mais alto do que o palco, e por trás delas é colocado um painel, na forma

de uma meia lua de cabeça para baixo, onde ficam 14 faixas de luz neon, acesas

durante todo o tempo. Outros desenhos em neon podem ser vistos nas paredes:

corações flechados, bum-buns, coqueiros e jangadas, todos acendendo e apagando,

criando movimento. O ambiente é cheio de luzes e holofotes, presos no teto.

Algumas dessas luzes estão recobertas por papel celofane colorido. Existe

também um globo com luzes de cores diversas, que se movimenta girando. As

paredes do estúdio são branco gelo e, por conta da forte iluminação, o ambiente

é muito quente.

No painel situado portrás das bailarinas esta afixado o nome do programa:

"Sábado Sete Show", em prateado .Acima do nome, uma estrela, também prateada.Abaixo das faixas de luz que compõem opainel existe, também no formato meia-lua, um espelho aonde estão sobrepostas faixas com pequenas luzes que acendeme apagam, alternadamente. À entrada do estúdio, acima, fica um crucifixo quedurante algum tempo serviu de imagem de encerramento do programa.

Separando o auditório do espaço da produção e do palco foram colocadas

grades de alumínio, dando a idéia de limite ou área proibida para se transitar. As

grades servemtambém para criar a idéia de contenção, para dar a impressão de que

ali existe uma multidão prestes a explodir e invadir o palco (hipótese confirmada

pelo próprio apresentador).

Antes do estúdio, mas ainda dentro dele (num local onde as câmeras não

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alcançam) fica uma sala de seis metros quadrados. É lá o local para onde a

produção encaminha os calouros e os identifica através de um medalhão (que já

foi também um quadrado), colocado no pescoço de cada um dos candidatos. Cada

medalhão tem um número, que vai de um a sete. Os números facilitam a

identificação do calouro pelo júri e pelo telespectador que de casa telefona para

o programa dando o seu voto.

As cores predominantes no cenário são o amarelo, o vermelho, o verde e

o azul. Todos os apetrechos são comprados pelo apresentador e retirados pela

produção a cada fim de gravação, já que o estúdio não é exclusivo do programa,

mas utilizado também pela emissora para gravar comerciais. Não se vê publicidade

dos anunciantes afixadas nas paredes, e todo comercial é veiculado durante os

intervalos ou anunciados pelo próprio apresentador. O piso é alcatifado, de cor

cinza, e o estúdio se limita, ao fundo, por um grande retângulo de vidro, que o

separa da sala onde ficam a mesa de efeitos, a sonoplastia, e a ilha de edição. A

vidraça facilita a comunicação entre os técnicos e o apresentador que do lado de

cá do vidro pode fazer sinais avisando sobre a existência de qualquer falha técnica

como reverberação do som, volume inadequado dos microfones etc. Ao lado da

vidraça fica uma porta de acesso à sala que de dentro do estúdio se vê pelo vidro,

lá tendo acesso somente os técnicos, o diretor do programa e, muito raramente, o

apresentador.

A descrição do espaço físico do Sábado Sete Show revela aspectos que não

podem aqui passar desapercebidos. Para interpretar as nuances das diversas

divisões dos espaços do programa, recorro ao conceito de "região proposto por

Erving Goffman (1975), definida como "qualquer lugar que seja limitado de

algum modopor barreiras à percepção" (p. 101). Seguindo ainda Goffman, passo

a identificar duas regiões no espaço do Sábado Sete Show, a saber: a região de

"fachada" e a de "fundo". A primeira se refere ao lugar aonde a representação

propriamente dita se desenrola. A segunda, também chamada de "bastidores", se

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U F P E Bibliotoca Central

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definecomo locus deconstrução laboriosa darepresentação. Éo lugaronde, como

coloca Goffman, "as ilusões e impressões são abertamente construídas"106),

onde se desenvolvem as avaliações sobre as representações, a descontração dos

atores, o repasse da performance usados em cena. Pelo sentido que encerra, a

região de fundo é geralmente restrita aos atores, local onde podem

"confortavelmente esperar que nenhum membro do público penetre" (p.l07).

Goffman (p. 108) se refere ainda ao controle dos bastidores como

fundamental e significativo para o "controle de trabalho". Desta forma, o acesso

ao camarim do apresentador, por exemplo, é grandemente dificultado aos

"estranhos" e permitido somente aos integrantes da equipe de produção ou a

outras poucas pessoas com o prévio convite do apresentador. Somente após três

meses de freqüência assídua às gravações do programa, é que pude ter acesso a

essa (e a outras) regiões de fundo do Sábado Sete Show. Justamente pela qualidade

dos segredos que encerra - local onde se guarda os figurinos, realizam-se os

contatos comercial-publicitários, definem-se as atrações, entabulam-se conversas,

comentários e avaliações sobre o programa ou sobre a atuação deste ou daquele

calouro ou atração convidada - é que o camarim tem seu acesso limitado. O

próprio apresentador compartilha da opinião de que o camarim é um espaço

reservado onde, diferentemente do palco (região de fachada), as diversas

observações referentes ao show podem ser feitas sem restrições.

Durante o trabalho de campo (e quando eu então já freqüentava o camarim

do Pell Marques), presenciei uma observação do apresentador a uma das

funcionárias, diretamente pertinente à questão. Pell Marques reclamava de uma

das integrantes da equipe de produção pela maneira pública, que classificou de

"irresponsável", como afuncionária havia sereferido aum equívoco na elaboração

das fichas que servem de orientação a ele (apresentador) na condução do show.

Pell Marques pedia, então, que observações daquele tipo se limitasse a ser

colocadas a ele e exclusivamente no camarim.

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O camarim entretanto, apesarde se constituir na única região de fundo para

oapresentador, não é, em absoluto, o único espaço possível deseclassificar como"bastidor" quando se leva em conta osoutros atores que participam do show. Pela

ausência de espaços reservados aos calouros para que possam, à maneira do

apresentador e da equipe de produção, habitarem suas próprias regiões de fundo,

outros locais servem a esses agentes para este fim. É assim que os espaçospúblicos da emissora, a exemplo do pátio, do estacionamento e da ante-sala doestúdio se convertem, para os calouros e também para o auditório, em região de

9

fundo. Para esses atores, o contraponto é o palco, enquanto região de fachada. E

então nas regiões de fundo (ante-sala do estúdio e no pátio da emissora) que os

calouros e as diversas atrações (músicos, grupos de dança, imitadores) exercitam

o relaxamento, a descontração, e todoo ritual queantecede a entrada emcena. Nos

dias de gravação, os vários grupos podem ser vistos espalhados, conversando,realizando pequenos ensaios, repassando trechos de músicas ou passos, ediscutindodetalhes de sua exibição.

A classificação, pois, das "região defundo" t de "fachada" se coloca

nos moldes de uma delimitação rígida do espaço físico. A etnografia revela que

"fachada" e "fundo" são regiões que podem se superpôr e se definem

especificamente pelo uso que este ou aquele ator faz do espaço.

A dinâmica dessa classificação pode ser observada no momento em que os

calouros, por exemplo, são abordados por mim para uma rápida entrevista. No

instante em que são chamados a falar dos objetivos de sua participação no show

e de seus projetos artísticos, os calouros se comportam como que habitando uma

região de fachada. Isto é, eles se desprendem dos comentários e posturas próprias

dos bastidores. A ante-sala, naquele momento, habitualmente ocupada pelos

calouros como região de fundo, se transforma em região de fachada. A mudança

é proporcionada pela entrada de uma pessoa "estranha" (no caso, eu) em meio às

conversas restritas ao grupo. Essa "quebra da rotina" retira de pauta os assuntos

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FP E Biblioteca Contrai1

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sobre a fragilidade, os receios, a vergonha ou as possíveis decepções - aspectos

somente admitidos em conversas mais demoradas - e põem em realce a postura,

a confiança e o sentimento esportivo que se espera que o calouro tenha.

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NOTAS

(1) Quando me refiro à Tv Gazeta como a maior emissora de televisão do Estado

estou levando em conta dois aspectos: primeiro, o fato de que a Tv Gazeta faz

parte de um complexo de comunicação no Estado, denominado Organização

Arnon de Mello, que reúne, além da Tv, duas rádios, um jornal e uma produtora;

segundo, a inconteste audiência da Globo em Alagoas, como, de resto, em quase

todo o território brasileiro.

(2) Não há outros dados que refutem ou confirmem a audiência do Sábado Sete

Show . Para constatar a receptividade do programa e conferir a procedência da

audiência, me utilizei de outros referentes que foram apresentados na nota

metodológica.

(3) Exibido desde 1988 na Tv Gazeta, o Sábado Sete Show não conta sequer com

estúdio próprio. Para realizar o programa, o apresentador ocupa o mesmo espaço

utilizado pela emissora para a gravação dos comerciais veiculados pela Tv.

(4) Além de realizar o programa, Pell Marques também viaja pelo interior do

Estado com seu show, onde canta, faz a publicidade do cliente que o contratou

(geralmente prefeituras, candidatos ou empresários locais) e realiza improvisos

com a platéia. Na viagem, o apresentador leva equipe reduzida de produção, sendo

acompanhado, basicamente, pelas bailarinas, músicos e dois ou três ajudantes.

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CAP.III:

O SÁBADO SETE SHOW - os atores

3.1 O auditório

Freqüenta o Sábado Sete Show um público predominantemente feminino,

composto, basicamente, por estudantes e, em menor escala, por donas-de-casa. A

produção do programa organiza a ida de caravanas que compõem o auditório.

Essas caravanas são formadas por alunos de escolas publicas ou representações

de bairros, e garantem a animação durante as gravações. O auditório, pois, não é

um público que procura espontaneamente o programa. Ao contrário, é um público

que a produção busca localizar com antecedência, fornecendo inclusive o

transporte, para garantir a locomoção.

A função do auditório é criar um clima de alegria durante as gravações.

Antes do show começar, a produção distribui com os participantes acessórios

feitos de tiras de material plástico flexível (semelhantes aos distribuídos às

torcidas norte-americanas) que devem ser agitados enquanto o programa é

gravado. O efeito é de um colorido em movimento, que enriquece visualmente o

cenário. Esses acessórios são recolhidos no fim de cada programa e redistribuídos

na gravação seguinte. A recomendação da produção - que mantém sempre uma

pessoa orientando o auditório, por trás das câmeras - é de que o auditório cante,

bata palmas, e receba calorosamente o calouro (e qualquer outra atração) quando

chega ao palco. As meninas mais bonitas são escolhidas para ficar nas cadeiras da

frente, dando maior impacto visual ao programa. Todas têm que estar maquiladas

e sorridentes passando um clima de alegria e beleza para o telespectador. Vezpor

outra, a câmera se fixa em alguma das integrantes - aquelas que o câmera man

seleciona como as mais bonitas - proporcionando destaque no vídeo.

Erving Goffman (1975:78) utiliza o termo "equipe de representação" ou

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abreviadamente "equipe" para se referir a qualquer grupo de indivíduos que

coopere na encenação de uma rotina particular. Neste sentido, o auditório do

Sábado Sete Show, a partir da relação que estabelece com os demais atores, pode

ser definido enquanto umaequipe, já que participa do show integrado às relações

de cooperação que se estabelecem entre os vários atores.

Na condução do auditório estão a equipe de produção - orientando sobreas

formas de proceder a cada momento - e o próprio apresentador que pede, com

freqüência, a participação dos integrantes naforma de: "osaplausos doauditório!",

"o carinho do auditório para o próximo calouro!", "A alegria do auditório no

recebimento de mais uma atração no nosso programa!", "a animação do auditório

para o nosso próximo jurado!" e "o voto do auditório para o melhor calouro da

tarde!". A existência do auditório favorece o florescimento do que em comunicação

social chamamos de "feedback", essencial para a manutenção da comunicação. O

calor e a animação dos integrantes do auditório são tão importantes que o

apresentador instituiu o prêmio de "Melhor Auditório", onde os vários grupos

concorrem a um prêmio no final do ano.

O auditório é como que a alma do programa. É o que dá sentido ao ritmoempreendido pelo apresentador, às brincadeiras, aos recados, porque é

essencialmente retorno. Proporciona ao programa movimento contínuo que dá

suporte às demais presenças atuantes no Sábado Sete Show e participa de todos

os quadros e momentos. Suaexistênciaé tão fundamental que qualquer falha neste

sentido pode inviabilizartoda uma programação. Certavez, assisti a umagravação

do programa onde o auditório não havia sido organizado. Por uma falha da

produção, não se confirmou o ônibus que levaria ao estúdio da emissora uma

delegação de bairro da periferia. Partiu-se para o improviso. Naquela noite, o

programa foi gravado com um auditório composto por faxineiras, porteiros e

vigilantes que deixavam o turno de trabalho, e por alguns curiosos que estavam

no local. O resultado foi desastroso. A todo instante a gravação era interrompida

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porque Pell Marques sentia cada vez mais dificuldade em prosseguir. "Falta

clima", dizia o apresentador, "assim não vai ser possível". Cansados da jornada

de trabalho, os "voluntários" não sentiam ânimo, nem tinham idade para garantir

às gravações o calor e a animação de seu auditório adolescente e jovem.

O auditório, portanto, funciona como ponto de intersecção entre as demais

equipes e seus atores. Ele é o termômetro que pode assinalar se um calouro será

ou não aprovado; é a ressonância do apresentador às perguntas e brincadeiras

dirigidas ao público; é o repetidor de vinhetas publicitárias e é quem detém opoder de influenciar no voto do corpo de jurados que - indecisos entre doiscalouros - prefere votar naquele escolhido pelo auditório.

Um calouro experiente (sem que o termo pareça desapropriado) estabelece

uma relação imediata com o auditório. Cumprimentar, elogiar e pedir para seracompanhado pelo público funcionam positivamente e garantem um retorno

imediato na forma de aplausos, gritos e trechos da canção.

Mas além das caravanas que compõem o chamado auditório, participam

também do Sábado Sete Show o apresentador, as bailarinas, os músicos, os

jurados, o? calouros, e um número indefinido de curiosos. Aparticipação de cada

um desses agentes é diferenciada: uns vão para cantar, outros para dançar, outros

ainda para tocar, boa parte para assistir, e, finalmente, os que vão para julgar.

Esses agentes podem ser divididos em dois grandes grupos que permitem outras

subdivisões. Há os que estão no Sábado Sete Show pelo vínculo empregatício

(embora, muitas vezes, este não seja o único laço estabelecido com o programa)

e há os que participam de maneira espontânea e não recebem remuneração para

isso, inscrevendo noutra ordem de interesses a compensação. No primeiro grupo

estão o próprio apresentador, as bailarinas, os músicos e toda a equipe de

produção. No segundo, os jurados, oauditório e os calouros. Dividi-los assim não

significa afirmar que aos segundos não cabe nenhuma outra ordem de compensação.

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da maneira que também não podemos dizer que os primeiros só participam do

programa por serem remunerados para isso. A etnografia mostrará, mais adiante,

que as divisões não são tão rígidas assim.

3.2 O apresentador

Pell Marques é o nome artístico de José Petrúcio Marques de Farias.

Alagoano de Anadia, com 48 anos, tem quase 30 de profissão, dos quais 16

dedicados à televisão, onde sempre trabalhou com programas de auditório.

Quando deixou Alagoas, com 17 anos, e seguiu para São Paulo, Pell Marques

passou pelas experiências dejurado, calouro (do Chacrinha), cantor e apresentador.

Pell Marques trabalhou durante 11 anos na Tv Gazeta (canal 11), em São

Paulo, comandando um programa de auditório. Trabalhou também na Rádio

Mulher, depois de ter experimentado ser cantor, operário e "ter se metido em

muita confusão".

O percurso de um Pell Marques imigrante - de resto muito parecido com as

muitas histórias de nordestinos que vão tentar a vida na cidade grande - é relatado

pelo apresentador, numavisão muito aproximadado que acontece com os próprios

calouros como será mostrado adiante.

''Quando cheguei logo em São Paulo

eu tinha 17 anos. Fui morar com uma

irmã minha. Ela tinha uma espécie de

micro empresa, uma fábrica pequena

de costuras que empregava duas ou três

mulheres e dava algum dinheiro para ela*'.

A temática da perseverança, que se apresentará de forma freqüente nos

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depoimentos dos calouros, é também ressaltada pelo apresentador:

'*£u já tinha botado na cabeça, ainda aqui,

em Alagoas, que queria ser cantor. Esse

é um desejo que tenho até hoje".

Pell Marques se reporta às recordações da época em que, mesmo alimentando

o sonho de se tornar um cantor, trabalhava em outras atividades, distanciadas do

projeto artístico:

"Lá em São Paulo, quando trabalhava

nas fábricas, terminava em cima de uma

máquina daquelas, dando show

e os operários todos paravam para assistir.

Fui demitido. Os patrões gostavam de mim,

mas eu não levava o menor jeito para aquele

tipo de trabalho. Muitos deles já entendiam

que minha aptidão era mesmo artística".

Vale destacar que o apresentador lança mão, durante a sua fala, das

impressões que causava (ou que pensa que causava) entre aqueles - operários e

patrões - com quem trabalhava.

A narrativa heróica de um Pell Marques obstinado, não escapa aos

depoimentos do apresentador que afinado com os ideários de um rebelde, de um

admirador da Jovem Guarda, relata orgulhoso suas façanhas em São Paulo:

"Quando cheguei em São Paulo, com aquelas

idéias todas, me juntei com mais dois outros

e formamos um conjunto. Éramos todos muito

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FPE Biblioteca Contra!^"

garotos e eu não queria saber de estudar.

Arrumamos um lugar para tocar e tudo mais.

Só que faltava o principal: os instrumentos.

Nós tínhamos dito pro dono do bar aonde

a gente ia tocar que nos tínhamos os

instrumentos. Tínhamos que comprar,

mas o preço era impraticável. Eu enlouqueci

a minha irmã para ela ser a fiadora da

compra. Ela não queria. O marido dela

também não. Mas eu sabia como convencê-la

porque ela sempre gostou muito de mim.

Eu pedi. Implorei. Ela terminou concordando.

Compramos um equipamento completo:

bateria, guitarra e contrabaixo. Eu tocava

guitarra. A gente não conseguiu fazer

nenhuma apresentação. O dono do bar

desistiu do negócio porque a gente demorou

muito com o trabalho, por causa dos

instrumentos. Eu não tive coragem de

dizer a verdade para ela. Minha primeira

providência foi retirar os instrumentos

de casa e deixar na casa de um dos colegas,

e dizia prá ela que a gente ficava ensaiando

lá na casa dele. Nas noites combinadas eu

saía de casa, como se fosse para tocar

e ficava perambulando pela rua, sem saber

o que fazer".

"As prestações começaram a chegar

e eu dizia prá minha irmã que estava

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tudo sendo pago. Tudo mentira. Depois

começaram a chegar os protestos dos

cartórios. Até que um daqueles caiu na

mão dela. Foi um Deus nos acuda!

Contei tudo. Resumindo: tive que trabalhar

para ela e o marido para pagar tudo o que

devia, com juros e correção monetária.

Mas isso só durou uns dois meses, porque

logo depois a loja onde os instrumentos

foram comprados incendiou e não sobrou

um só documento para comprovar a

dívida. Deixamos prá lá e não pagamos

mais nada".

As "presepadas" (expressão do próprio Pell Marques) podem ser

compreendidas como uma forma de socialização (Berger & Luckmann, 1976).

Elas são recordadas em tom de saudade como algo que foi prazeiroso, e que

funciona, na prática, como fator de integração. As transgressões de um Pell

Marques jovem e cheio de sonhos se apresentam como demonstração de ousadia,

coragem e disposição. Pell Marques queria então ultrapassar qualquer limite que

lhe dificultasse o acesso ao universo da artisticidade e para tanto, valia qualquer

recurso: mentir, colocar a irmã em dificuldades, apostar na sorte. Ser artista então,

da forma como o apresentador compreende, é comungar com os ideais dos que

optam por este caminho e o fazem abrindo mão de outros valores: os do estudo,

da comodidade de umemprego estável, enfim, daqueles elementos compreendidos

como preteridas no universo dos artistas.

A tentativa de ser cantor foi feita outras vezes mais e anos mais tarde, em

1987, já em Maceió, Pell Marques gravou seu primeiro compacto e lançou um Lpem novembro de 1993, em parceria com outros cantores. O espaço do Sábado Sete

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Show é utilizado pelo apresentador para divulgar seu trabalho musical (1) e há

sete anos, em entrevista à imprensa local, Pell Marques se declarou cantor

profissional, quando lhe foi perguntado sobre sua profissão. Dentro do panteão

artístico, Roberto Carlos figura como o principal deus para o apresentador que

confessa ter imitado o ídolo em muitas ocasiões. "Eu me vestia daquele mesmo

jeito do Roberto Carlos. Calça boca de sino, sapato de salto alto, medalhão no

peito e brilhantina nos cabelos. Hoje mais nem tanto, mas naquela época era

a maior coqueluche".

A identificação do apresentador com "O Rei"(2), se dá também em outros

níveis: na temática das músicas (Natureza, Amor, Deus), por exemplo. "A música

que eu gostaria de ter feito era " Jesus Cristo", de Roberto Carlos. Para mim

ela é a música mais perfeita que existe", declarou.

Pell Marques é um personagem popular em Maceió e nas principais cidades

do interior alagoano. Apesar da "fama", há informações sobre ele desconhecidas

do grande público e que, em entrevistas, ele faz questão de destacar. O apresentador

reivindica para si a criação dos quadros "Topa Tudo Por Dinheiro", exibido hoje

no programa do Sílvio Santos, mas já veiculado pelo Chacrinha, e "Calouro

Exportação", também já exibido no Sílvio Santos. A denominação de "chacrete"

(bailarina do Chacrinha) vem, segundo Pell Marques, das suas "peulletes" e

"marquetes", "uma brincadeira - diz - que eu fazia entre café e leite, morenas

e louras".

As definições de que Pell Marques "é o homem dos sete instrumentos" ou

"é um artista nato, completo", feitas por ele próprio são reveladoras de como o

artista se vêa si mesmo e funcionam como uma metáfora sobre sua versatilidade,

disposição e talento.

Na visão do apresentador, o Sábado Sete Show leva lazer e descontração

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TTf^ E Bibtiot^ Contrai

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para o público. "E se não fizer bem, mal é que não faz", garante. Dono daprogramação, a ponto de ela não poder existir sem ele, Pell Marques comanda oshow como animador, mas também participa de maneira intensiva como agente

comercial e produtor. "90% da programação sai da cabeça do Pell", afirma oapresentador que introduz freqüentes modificações no programa para diversificaro produto e atrair maior público.

"Quando vim para a Tv Gazeta, o

programa teve que mudar em algumas

coisas. Tinha que ser um programa de

elite, porque o público daqui (da atual

emissora onde é exibido) era outro.

Lá na Tv Alagoas o programa era mais

povão, mais Jacintinho (3), o público

daqui é exigente, conservador. Quando

eu cheguei na Tv Gazeta eu vinha penteado,

arrumado, de blazer, o público gostava

mais",

revela, não deixando, entretanto, de admitir sua preferência: "mas meu estilo émais "gandaia", improviso, Chacrinha. As minhas tiradas são baseadas nopúblico".

Pell Marques destaca a importância do Sabado Sete Show sob váriosaspectos: da rentabilidade, do serviço oferecido ao público e da popularidadealcançada. "Minhaaudiência éde Xuxa", embora admita também que ofenomeno

se dá porque "dentro do meu horário não há competição". Definido comoentretenimento pelo apresentador, o Sábado Sete Show é tido por Pell Marques

como um programa "construtivo, educativo. Uma mensagem de alegria er

descontração. Se ele não instruir, também não destrói. E um programa bem

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vindo nas casas das famílias alagoanas, mas não é rico em atrações, é

limitado".

Emjaneiro de 93, o programa apresentava rentabilidade de CR$ 90 milhões

mensais, em volume de comerciais veiculados. "Apesar de ser semanal, o

Sábado Sete Show fatura mais que Os Classificados, um programa comercial

diário"(4).

As expectativas de Pell Marques sobre o Sábado Sete Show não diferem,

em conteúdo, das apresentadas pelos calouros e bailarinas do programa, como se

poderá verificar adiante. São ilustrativas do desejo de galgar os degraus do

reconhecimento e da mesma forma como se dá com os calouros, oferecem ao

apresentador o sentido de seu trabalho e de sua opção pela vida artística. As

referências feitas por Pell Marques aos quadros que lideram os índices de

audiência nos programas de auditório da televisão brasileira - o "Topa Tudo Por

Dinheiro", por exemplo - ou as referências adotadas pelo apresentador para

indicar seu sucesso - "minha audiência é de Xuxa" - demonstram bem que o que

Pell Marques pretende mostrar é que também ele tem chances de se sair bem

sucedido, e à maneira daqueles (Sílvio Santos, Xuxa), obter o reconhecimento do

público.

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UF P E Bibliotoca Contrai

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3.3 As bailarinas

As bailarinas do Sábado Sete Show funcionam como moldura de fundo no

programa e são uma atração à parte. Sua função é a de acompanhar oscalouros nas

músicas apresentadas, dançando, bem como a qualquer outra atração no programa.

Quando estão em número superior a um, uma delas trabalha também como

secretária de palco, auxiliando o apresentador na condução do calouro ao palco,

ou repassando ao animador os brindes a serem sorteados ou distribuídos com o

auditório. Situadas ao fundo do estúdio, por trás do apresentador, as bailarinas

estão em evidência no vídeo durante quase todo o tempo.

Apesar da grande rotatividade das dançarinas no Sábado Sete Show (5),

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algumas permanecem por mais tempo e terminam se transformando em personagens

conhecidas do público e do telespectador em geral.

A., 23 anos, a bailarina mais antiga do Sábado sete Show - que esteve

trabalhando no programa por oito anos - admite ser muito assediada pelos fas.

Numa das viagens que fez com o show para o interior do Estado (Arapiraca) disse

ter sido reconhecida por muitas pessoas na cidade e ter concedido vários autógrafos.

Também afirmou, durante as entrevistas, receber cartas de rapazes, que entregam

as correspondências pessoalmente na emissora, ou enviam pelos Correios, "mas

nunca respondo", garante, "porque sou noiva". Depois de oito anos de

convivência e trabalho no Sábado Sete Show, A. deixou o programa. Procurei

saber então dos motivos. As outras bailarinas, constrangidas, referiam-se a

questões salariais como a causa, e evitavam se alongar sobre o assunto.

Posteriormente fiquei sabendo, atravésdopróprio apresentador, que o real motivo

da saída de A. do Sábado Sete Show havia sido seu envolvimento com um dos

camera man do programa, que era casado, e o romance, tendo vindo à tona, causou

transtornos ao trabalho.

Questões amorosas e suas conseqüências, parecem ser a causa número um

da saída das bailarinas do programa. Também J., 21 anos, que após sete meses de

permanência deixou o Sábado Sete Show, teve como motivo uma gravidez não

planejada. A esta, Pell Marques se refere com umaponta de mágoa. "Acolhi entre

a gente aquela menina, que de menina não tinha nada, e terminou me dando

a maior dor-de-cabeça", disse o apresentador. Um rápido romance entre a

abilarina e um rapaz resultou na gravidez indesejada e levou ao programa o pai de

J. que discutiu com Pell Marques. "São coisas desagradáveis", confessa o

apresentador, "e foi realmente uma pena porque aquela menina levava jeito

para a coisa, Tinha postura", acrescenta Pell explicando que, por fim, rejeitada

pelos pais e sem ter para onde ir, J. o procurou. "Terminou ficando lá em casa

quase um mes. Depois foi embora. Agora não sei por onde anda. Deve ter se

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juntado com o tal cara...".

A seleção das dançarinas é feita por uma das integrantes da produção do

Sábado Sete Show, que cuida também dos figurinos. Beleza e desenvoltura são os

elementos mais considerados no momento da seleção . No mais das vezes, elas

chegam ao programa através das mãos das quejá estão lá, ganham salários baixos

(menos que meio mínimo) e não dispõem de lugar para ensaiar as coreografias

apresentadas, que elas mesmas criam. Além da remuneração, o programa fornece

às bailarinas o cabeleireiro, o maquilador, o figurino e o transporte da volta,

quando termina a gravação.

Apesar de enquadradas no grupo dos que recebem remuneração para estar

no programa, não é o salário que estimula as bailarinas a continuarem no show.

Todas compartilham do sonho de se tornarem um dia estrelas reconhecidas e as

entrevistas demonstram o quanto isso é determinante para elas.

"Meu maior sonho é ser vista

por uma dessas dançarinas famosas,

donas de academia de dança que

queira me chamar, me dar uma bolsa

de estudos para que eu possa me

aperfeiçoar em jazz",

revela J., 21 anos, uma das bailarinas do Sábado Sete Show, acrescentando que

seu maior sonho é participar de um grupo internacional de dança e poder viajar

por todo omundo, realizando apresentações. Uma outra sonha em ser manequim,modelo, e todas vêm, na televisão, um grande canal de divulgação.

J. se refere ainda a episódios de sua vida de bailarina ilustrativos do ponto

de vista de seus anseios, e que demonstram as razões dela estar ali no programa.

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O fato de ser bailarina é relatado com orgulho e nas entrevistas, J. recorda como

foi invejada pelas pessoas do bairro onde mora quando saía para um show no

interior:

*'£u estava muito bem vestida. Um

vestido rodado, cor-de-rosa, que

minha mãe tinha feito. Não era maiô,

nem colant, porque a festa ia ser um

baile. O Pell ia apresentar e a gente,

acompanhar. Por fora do vestido

tinha um casaco, feito um manto. Eu

estava com um penteado cheio de

strass (pequenas pedras transparentes

e brilhantes), de sapatos saltos altos

e muito bem pintada. Aí o carro chegou

prá me apanhar. Quando eu saí de casa

tava todo mundo na rua, esperando eu

passar. Parecia que tinham esvaziado as

casas todas, o povo se apinhava prá me

ver. Aí eu olhei, lá da porta e saí, assim,

jogando o casaco, sabe? (risos). De um

lado e de outro, eu ouvia as pessoas

cochichando: "será que o vestido é dela

mesmo?** Foi uma coisa que não dá

prá esquecer..."

Mesmo qualquer ecesso de fantasia na descrição feita por J, tem que ser

considerado como um dado importante a ser levado em conta. Ainda que o vestido

não fosse tão dislumbrante, nem mesmo a sua aparição, ou mesmo que a rua não

estivesse tão cheia como ela diz, a atmosfera descrita pela bailarina, e na qual se

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coloca como figura principal, revela suas expectativas e desejos. Ela era, naquele

instante, uma super star.

Minhas conversas com as bailarinas aconteciam sempre antes das gravações.

Elas costumam chegar cedo à emissora. Conversam, repassam alguns passos,

preparam-se para o show. Já vêm maquiladas e penteadas. Antes de sair de casa,

passam pelo salão de beleza definido pela produção e de lá, já prontas, seguem

parao programa. Ocamarim reservado às bailarinas é uma sala improvisada para

esse fim. Comtelevisão, mesaepoltronas, o espaço é cedidopela emissora porque

não é utilizada durante a noite.

A exigência de um espaço reservado às bailarinas é feita por M., 36 anos,

uma das integrantes da equipe de produção. M. é a pessoa responsável pelos

figurinos (confecção e escolha) e pela seleção das bailarinas. Sempre vigilante,

sisuda e compenetrada nas tarefas que lhe cabe, M. vigia cuidadosamente as

meninas e discute constantemente se alguma coisa sai fora do planejado. Seus

cuidados alcançam até a vida particular das bailarinas. M. não admite a presença

de rapazes na emissora à procura de qualquer uma delas. B., a mais cortejada de

todas (de um grupo de três), e que já ganhou o concurso de Rainha do Carnaval,

em Maceió, é a maior vítima dos cuidados de M. Extrovertida, bonita e muito

assedidada pelos rapazes, entra sempre em atritos com M. que reclama das

conversas e trocas de bilhetes flagradas durante os intervalos da gravação do

programa.

Os cuidados de M. são justificados por ela própria com o argumento da

responsabilidade que lhe pesa sobre os ombros:

'*Não dá prá relaxar não minha

filha. £ eu sei lá! Quando uma

menina dessas vem prá cá é muita

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UFP E Biblioteca C»ntral|

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responsabilidade prá gente. Ela

pode ser o cão, mas ninguém vai

querer saber do gênio dela depois

que o pior acontece. Se foge com

o namorado ou engravida, a culpa

é do programa. Foi o programa

que botou a perder. Eu tenho mais

é que tá observando tudo. Mesmo

quando os erros acontecem lá

na rua, o pai e a mãe vêm aqui,

culpam a gente e é a maior confusão!"

Os cuidados de M. com as bailarinas revelam um lado maternal. Apesar dos

contratempos, M. se preocupa com todos os detalhes que garantam maior beleza

e brilho à apresentação de suas meninas. Prepara com cuidado os figurinos e, da

porta do estúdio, acompanha o desempenho das bailarinas até o fim da gravação.

Durante os intervalos, chama uma ou outra e faz sua observação. Corrige a

postura, vigia o compasso, sugere remanejar esse ouaquele detalhe da roupa para

outro lugar. Quando tudo funciona bem, M. não esconde sua satisfação. A vitória

de B., como Rainha do Carnaval encheu-a de orgulho:

"O resultado foi merecido. B.

era mesmo a mais bonita, a

mais formosa. Não é por ser

nossa bailarina não, mas muitas

dessas meninas saem do programa

prá uma melhor"

A idéia de que o programa pode funcionar como um trampolim para a vida

artística é corrente entre as bailarinas e essa forma de pensar tem sua razão de ser.

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Além de B., eleita Rainha do Carnaval, as bailarinas se reportam ao exemplo de

T., 20 anos, uma dançarina que conseguiu oportunidades consideradas difíceis no

meio. Fiquei sabendo, através de depoimento da própria T., posteriormente

confirmado por Pell Marques e pelas demais dançarinas, que T. teve uma rápida

estadia no Sábado Sete Show, onde integrou o quadro do programa por um período

de quatromeses. Dedicada aoestudo da Lambada (dança), T. formou umgrupo de

dança, composto por quatro pessoas: dois casais. Segundo as informações, o

grupo chegou a realizar apresentações em Zurique, acompanhando uma turnê dacantora ElbaRamalho, pelaEuropa. Numa estada naArgentina, ogrupo dissolveu-

se, com a decisão de um dos casais em permanecer naquele País.

T. retornou ao Brasil e a Maceió. Eu a conheci durante uma gravação do

programa, quando havia sido escolhida a "Garota D.", num concurso promovidopor uma marca de margarina.. Naquela ocasião, T. estava no programa na

condição de jurada. Integrava o júri como a vencedora da promoção. Apesar da

reação dasbailarinas, em considerar T. uma pessoa arrogante, os comentários não

escondem o sonho acalentado:

'*Sei quem é. Ela já foi

dançarina aqui do programa,

como a gente. Está assim

importante porque ganhou o

concurso da margarina

D. Mas tudo começou

aqui..." (A.,23 anos)

O depoimento de A., a respeito de T, reafirma a expectativa das bailarinas

do Sábado sete Show de que a à maneira de T., também podem ter sua chance.

"Mas tudo começou aqui" é uma afirmação que demonstra preocupação com o

fato de se estar ou não fazendo a coisa certa ou uma forma de dizer "eu também

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estou fazendo a coisa certa'*.

Os sonhos embalados pelas bailarinas revelam expectativas que podem

parecer absurdas, mas a efetiva concretização de casos como o de B. e o de T.

reforça a idéia de que é possível, com todas as outras, acontecer coisa semelhante.

São os chamados mecanismos de identificação, através dos quais os agentes se

colocamno lugardaquelesqueadmiram e gostariam dese parecer. Observa-seque

as estruturas de consolação presentes nesse processo são semelhantes para o

apresentador, os calouros e as bailarinas; e, em menor escala, para os demais

integrantes do Sábado Sete Show: auditório, jurados, músicos, produtores etc.

Elas cumprem a função social de integrar os atores num contexto onde estão em

evidência os elementos identificados como portadores de fama e de sucesso.

3.4 Os jurados

A escolha dos componentes do júri se dá de forma aleatória. As vezes,

quando determinado jurado está vinculado profissionalmente à emissora e sua

presença é ao menos pitoresca para o telespectador, o apresentador consegue, na

forma de um acordo, que essa pessoa permaneça, durante maior tempo, no corpo

dejurados (6), mas existemoutrosperfis compondo ojúri, dele podendo participar

maestros, modelos, empresários, jornalistas, radialistas, críticos, artistas e uma

variedade quase infinita de outros profissionais.

Muniz Sodré (1977) já mostrou que a identificação do público com o

programa de auditório é propiciada exatamente pelo mito do corpo de jurados.

"No Brasil, a qualquer momento, todo e qualquer cidadão poderá ser chamado a

integrar o verdadeiro tribunal do júri, instituição aberta, como se sabe, à

participação leiga. Da mesma forma, os telespectadores sentem-se mais ou menos

capazes de integrar o tribunal da televisão, porque seus critérios de julgamento

são também leigos: um jurado é compositor, outro é ator, outro se lembra das

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U F P E Bíblioftoca Contrai

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escalas musicais aprendidas na juventude, mas nenhum tem padrões críticos

acadêmicos, que dependam de uma formação escolar. Como no tribunal do júri,

a função .de cada um deles é, mais do que dar uma apreciação estética, chegar a

uma resposta para o quesito Culpado ou Inocente? O réu é a canção ou seu autor"

(pp.76-77).

A maximização disso, no caso específico do Sábado Sete Show é a

instituição do "disk calouro", um dispositivo capaz de garantir a participação de

cada telespectador comojurado, já que oferece a oportunidade, a qualquer pessoa,

de escolher, por telefone, o melhor calouro da tarde.

Osjurados não recebem remuneração pelo trabalho que realizam no Sábado

Sete Show, mas de maneira velada, entendem a sua participação no programa

como uma forma de prestígio, que se traduz de diferentes formas. E comum

compor o corpo de jurados do Sábado Sete Show políticos locais (principalmente

do interiro), pequenos comerciantes, músicos da terra e outros. A compensação,

então, se dá por umaoutravia. Vale aopolíticopela chanceque lhe é proporcionada

de aparecer, pela televisão, ao seu eleitorado; ao pequeno comerciante porque

geralmente lhe é dado um espaço para divulgação de suaempresa e/ou produtos;

ao artista da terra porque tem a oportunidade de se comunicar com seu público,

anunciando um novo trabalho ou um novo show, e assim, sucessivamente.

Este tipo de relação é igualmente favorável ao apresentador que através da

"oportunidade" dada ao jurado amplia suas chances na realização de noves

contatos e fechamento de negócios: patrocínios para o programa, realização de

apresentações no interior e convites - não remunerados - aos artistas, para umaparticipação no Sábado Sete Show. Na maioria das vezes, o cantor que participa

do júri faz uma apresentação no programa.

Também podendo ser compreendido enquanto uma "equipe" nos moldes

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propostos por Goffman (1975), os jurados têm seu papel definido na condução do

show. O júri permanece durante todo o tempo das gravações, embora só seja

acionado pelo apresentador num único momento: no da escolha do melhor calouro

da tarde. A decisão, que fica para o último bloco do programa, obriga aos jurados

a só deixarem o estúdio ap^ós toda a gravação do programa.

Tive a oportunidade de, por duas vezes, ser jurada do Sábado Sete Show.

Foram ocasiões em que, como já relatei na nota metodológica, um dos integrantes

não compareceu, e então, a pedido do apresentador, aceitei substituí-lo. Na

condição de jurada, verifiquei entre os que compõem o júri do Sábado Sete Show,

aquilo que Goffman (p. 156) denomina de "comunicação imprópria", compreendida

enquanto a transmissão de informações compatíveis com a impressão que se quer

manter durante a interação. Entre as formas de comunicação imprópria está o que

o autor denomina de "tratamento dos ausentes", que são formas depreciativas,

porém restritas à equipe (no caso, aos jurados), de se referir a este ou aquele

calouro. Dessa forma, o nervosismo visível de alguns candidatos, ou os erros

cometidos durante a apresentação são motivo de comentários e piadas entre

alguns jurados - comentários que não são feitos abertamente, mas tecidos apenas

entre o grupo. São, comodiria Goffanmn, "segredosde equipe", somente afirmados

reservadamente.

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3,5 Os calouros

Os calouros do Sábado Sete Show situam-se, via de regra, na faixa etária

dos 15 aos 35 anos São um público predominantemente masculino que ocupa no

mercado de trabalho o sub-emprego (biscateiro, camelô, servente, empregada

doméstica), com salários variando entre meio e um e meio salário mínimo. Na

maioria das vezes vêm do interior alagoano ou de cidades pertencentes a estados

vizinhos; outros, também de origem interiorana, já se encontram instalados na

capital.

Todos os 28 calouros entrevistados estudam ou já tiveram uma experiência

escolar anterior. Nenhum deles, entretanto, tem o segundo grau completo. Somente

seisnão exercem qualquer atividade profissional de tipo remunerado. Tal situação

pode advir da pouca idade (são todos casos situados entre os 15 e 16 anos) e do

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)U F P E Biblioftoca Contrai

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investimento que os pais fazem nos filhos, custeando os estudos. Entrevistando

a caloura M., 15 anos, percebi evidenciar-se, em depoimento, essa suposição:

*'£u só estudo. Lá em casa

são cinco irmãos e somente

os dois mais velhos trabalham.

Eles não quiseram saber de

escola. Minha mãe quer que

eu me forme em "professo

ra".

Explicação semelhante dá o calouro A., 16 anos:

"Vou tentar ainda o colégio

uns dois anos. Se eu conse

guir vai ser bom também. Se

não conseguir, então posso

ser músico. Eu gosto de vio

lão. Queria era deixar o colé

gio, mas prá não dar desgos

to em casa, vou levando..."

Do total de 22 calouros que já ingressaram no mercado de trabalho, sete

estão desempregados, representando 25%da amostra pesquisada;sete têm emprego

fixo (dos quais somente cinco têm carteira assinada) e oito, que representam

28,5% , sobrevivem de biscates. Entre as atividades mais executadas por estes

últimos estão os consertos de eletrodomésticos, os serviços de eletônica (consertos

de rádio e televisão), encanador, eletricista e marceneiro.

Pesquisando os dados sobre a situação do mercado de trabalho em Alagoas

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no Sistema Nacional de Empregos (Sine/Al), encontrei entre os mais atingidos

pelo desemprego, um perfil muito aproximado do que pude observar entre os

calouros.

As estatísticas do Sine/Al indicam que entre o primeiro e o segundo

trimestre de 92, o maior índice de desemprego se registrou no setor terciário da

economia (comércio e prestação de serviços). O saldo negativo (calculado entre

o número de admitidos e o de demitidos) aumentou de um trimestre para o outro,

registrando um crescimento de 2,3%.

Os dados informam também que durante o primeiro trimestre de 92, o

número de pedidos para o seguro desemprego atingiu mais diretamente os

trabalhadores situados na faixa etária dos 18 aos 33 anos, constituindo-se tal

parcela em mais de 70% do universo de desempregados registrado pelo órgão,

paralelamente, os dados sobre o nível de escolaridade dos desempregados revela

que aqueles com o primeiro grau incompleto são os mais atingidos. Veja-se abaixo

tabelas 1 e 2 que caracterizam o calouro do ponto de vista sócio-econômico:

TABELA 01

CATEGORIA SITUAÇÃO DE CALOUROS %

desempregados 7 25,0

trabalhadores empregos fixos 7 25,0biscates 8 28,5

não trabalhadores 6 21,5

TOTAL 28 100,0

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ÜFP E Biblioteca CentralE

TABELA 02

situação do calouro quanto ao grau de escolaridade

ESCOLARIDADE N® DE CALOUROS %

1° grau incompleto 19 68,0

1° grau completo 04 14,0

2° grau incompleto 05 18,0

TOTAL 28 100,0

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situação do calouro quanto à inserção no mercado de trabalho

Na maioria das vezes, o calouro é aquele que sai de casa para participar do

show, sem nem mesmo ter o dinheiro da passagem de ônibus, e enfrenta uma

jornada de quatro horas de gravação com o compromisso de permanecer na

emissora até o final do programa, quando volta ao palco para receber o resultado

dos jurados e o voto do auditório.

É certo que o calouro recebe um prêmio de CR$ 100 mil (valores de nov/92,. Atualmente, algo em torno de R$ 35,00) se for classificado como o melhor

da tarde, e outro se é escolhido como o melhor do mes, e ainda um terceiro, o

prêmio máximo, que elege omelhor do ano e oferece aocandidato a oportunidade

de gravar uma faixa num Lp produzido por uma gravadora local.

Mas em todos os casos estudados, nenhum calouro aponta como estímulo

principal para suas idas ao programa a premiação divulgada. Não é a recompensa

material que motiva o calouro a freqüentar o Sábado Sete Show, embora ter

dinheiro seja um fim que o calouro deseje alcançar, mas uma compensação de

outra natureza, inscrita na ordem das representações. Junto com o dinheiro,

povoam também o universo de expectativas desses atores a fama, o reconhecimento

e a perda do anonimato.Vejamos alguns exemplos:

*'0 prêmio é o dinheiro do ônibus.

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ou:

Prá mim é. Venho do interior e é

mais ou menos o que eu gasto prá

ir, fazer minhas despesas e voltar.

Não faz diferença não. O que vale

é ser escolhido, é ser o melhor (F.,

19 anos).

58

r

*'Ah, o dinheiro é coisa pouca. £ bom,

mas a gente vai ali na esquina, toma

um guaraná e já acabou. Aparecer

como o melhor, ser o vencedor e

ganhar fama é o que importa. (J.,

18 anos)

A seleção dos calouros respeita poucos critérios. A rigor, o próprio

apresentador, assessorado pela equipede produção, é quemseleciona os calouros.

A prioridade é dada àqueles que vêm do interior do Estado, por conta do esforço

que representa a locomoção. Um outro critério utilizado pelo apresentador na

escolha dos candidatos é o número de vezes que determinado calouro já compareceu

ao programa. Dentre esses, os que chegam pela primeira vez ao Sábado Sete Show

têm preferência. Entretanto, quando o apresentador entende que o nível das

apresentações não está bom, procura dosar a participação dos candidatos,

introduzindo no grupo um outro que já tenha comparecido ao Sábado Sete Show

e tenha realizado uma boa performance.

No ato da inscrição (que fica aberta de segunda a quinta-feira), o calouro

preenche uma ficha com seus dados pessoais e com o nome da música que vai

apresentar no programa. Os ensaios não têm lugar definido para acontecer e

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P E Bibliotaca Central |

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podem variar, indo da casa do maestro que acompanha o candidato na exibição,

dando suporte musical à apresentação, ou acontecer na própria emissora, minutos

antes do show. Uma média de 20 calouros procuram o Sábado Sete Show

semanalmente, mas somente sete são selecionados a cada vez. O vencedor da

semana volta na semana seguinte para novamente exibir sua performance e

receber o prêmio.

A atuação do calouro no Sábado Sete Show se dá na forma de uma

"representação"{Goíím2ií\, 1975), compreendida pelo autor como "toda atividade

de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença

contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes

alguma influência" (p.29). Se dá na forma do desempenho de um papel, portanto.

O autor observa que nas representações, os dados a serem considerados devem

tomar como base a crença do indivíduo acerca da impresão de realidade que tenta

passar para queles entre os quais se coloca. Quanto mais consciente e convicto

está do papel que desempenha, o calouro tem mais chances de se sair vitorioso.

A performance do calouro pode ser compreendida a partir da observação

dos sinais de "fachada" compreendidos como o "equipamento expressivo de tipo

padronizado, intencional ou inconscientemente empregadopelo indivíduo durante

sua "representação"" (Goffman, p.29). No desempenho de seu papel, o calouro

busca expressar os sinais apreendidos como aqueles da artisticidade - sinais

familiares a ele e ao público que o assiste e que figuram como norteadores na

avaliação de seu desempenho. É assim que os mais "experientes" se utilizam de

certos jargões amplamente difundidos pelos artistas e que funcionam, por assim

dizer, como espécies de senhas familiares: cumprimentar o público e os jurados

com desembaraço, elogiar a platéia e pedir, no desenrolar de sua apresentação, a

participação do auditório no refrão da canção, entre outros; o vocabulário que se

oferece à leitura a partir da fachada, funciona com o um norteador para o público

que reconhece os atributos - quase sempre expressos de forma estereotipada -

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próprios do desempenho artístico. A desenvoltura do calouro no palco, sua

aparência, o tratocom o público, seconvertem em informações que podem ou não

encontrar ressonância entre os que participam do show.

Os calouros encaram o Sábado Sete Show como uma oportunidade, como

uma chance efetiva de consolidar uma carreira artística através do acesso aos

mecanismos da mídia. Algumas falas dão conta da importância que o calouro

depoi^sta na apresentação:

^'Muitos desses que a senhora vê

aqui vêm somente de macacada,

de gaíatice, para aparecer. Eu não,

eu já vim aqui bem umas dez ve

zes, mas meu trabalho é compene

trado. Faço como um profissio

nal porque levo muito a sério a

minha carreira" (E., 19 anos).

"É uma oportunidade prá gente de

mostrar nosso talento e valorizar

nosso trabalho. A chance de ser

a escolhida e ter a sorte de até

fechar um contrato porque é mui

ta gente influente que aparece

por aqui" (F., 19 anos).

Apossibilidade que vêem deconcretizar suas carreiras artísticas atravésdo

programa é retratada nos discurso dos calouros que se referem ao artista A ou B

que, já tendo sido calouro do Sábado Sete Show, hoje tem o reconhecimento do

público:

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"O Júnior Bahia , o Edson Natureza,

o Beto Barbosa - todos esses já pas

saram por aqui" (E., 19 anos).

É a vontade de ver esssa história repetida com novos atores - eles próprios

- que faz com que os calouros se remetam a exemplos como este. O que o calouro

J., 18 anos, diz, é igualmente ilustrativo:

"Eu acho que isso aqui é uma

etapa. A primeira. Depois é a

chance de ir pro Sílvio Santos,

pro Faustão. Já é outra coisa.

Até chegar a ser um artista re

conhecido" .

3.6 Tipificando as atrações

Seguindo o raciocínio geral de Schutz (1979) de que tipificar é, sobretudo,

estabelecer relevância, passo agora à tipificação das atrações do Sábado Sete

Show, compreendidas aqui como a parcela de atores que participa do programa na

condição de integrantes espontâneos do espetáculo, aqueles que vão ao show com

o objetivo de realizar uma performance, fazer uma apresentação. Naturalmente

que não se incluem aqui os atores que participando do programa, recebem

remuneração para isso - as bailarinas, o músico, o apresentador.

Schutz (p. 119) observa que a tipificação funciona tanto como um código de

interpretação quanto como de orientação para cada membro do grupo interno,

constituindo-se numuniverso de discurso entre. "Ao nomear um objeto vivenciado,

o estamos relacionando, através de sua tipicidade, a coisas já vivenciadas, de

estrutura típica semelhante (...)" (p. 116).

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A tipificação das atrações do Sábado Sete Show se dá na forma de uma

hierarquização, invisível num primeiro momentoeles remuneraçãoPode-se

estabelecer uma tipificações das atrações que freqüentam o Sábado Sete Sho^v,

que se dá na forma de uma hierarquização, invisível num primeiro momento, mas

perfeitamente identificável após observação mais demorada.

Para fins metodológicos, identifiquei três tipos de atrações no programa: o

calouro anônimo - aquele sem vida reconhecida além dele próprio, e que

sobrevive como artista graças apenas a uma auto-classificacão; os calouros

reconhecidos, se não pelo grande público do programa, ao menos por um público

mais restrito, formado a partir das sucessivas aparições do agente em shows,

apresentações etc. Este é o calouro que tem a artisticidade em vias de

reconhecimento, aquele que se refere a trabalhos já realizados (exibições em

shows, festas, festivais, bares) e que mantém algum vínculo com atividades

artísticas, e, finalmente, os chamados consagrados - artistas que já atravessaram

o degrau da calourada e que comparecem ao programa não para concorrer, mas na

condição de convidados do apresentador. Estes últimos são atrações que não se

submetem a julgamento pois têm, como a priori, o reconhecimento de um público

específico.

Dentre esses três tipos, privilegiei estudar o segundo, aquele para quem os

referenciais da artisticidade extrapolam, em algum nível, o auto-reconhecimento

como única maneira de se considerar artista, encontrando nos outros a confirmação

de seu talento. É característica deste tipo a otimização das ações, dirigidas para

um fim e que se constituem no acionamento de redes de relação que colocam em

evidência o "ser artista" do calouro. Segundo esta tipificação, os integrantes do

segundo tipo são, por assim dizer, calouros em via de se tornarem artistas. Estes

reúnem os ingredientes indispensáveis à realização do sonho da artisticidade e

projetam suas ações para um devir de realizações., trabalhamndo com atividades

afins e desenvolvendo projetos a curto, médio ou longo prazos que apontam para

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um objetivo: cantam em festivais, em bares, estudam algum tipo de instrumento,se dedicam a gravações (mesmo caseiras) de fitas etc.

Os atrações classificadas aqui como tipos mantêm uma convivência pacíficae reconhecem a hierarquia, e somente em situações muito específicas - e no maisdas vezes não intencionais - é que as identidades necessitam ser afirmadas,

colocando em evidência o que subliminarmente já está dito (7).

Embora tenha me detido na descrição do segundo tipo, vou me referir aos

outros dois pólos dessa hierarquia: o consagrado, aquele que se situano ápice daescala; e o anônimo, que habita também o mundo da artisticidade, mas guarda

diferenças fundamentais com relação ao segundo tipo.

O consagrado é o artista convidado (do apresentador ou da produção). Ele

nãovaiao programa parasubmeter-se aum julgamento ouarriscarumapremiação;

tampouco se confunde com o calouro. Tendo ultrapassado a etapa da calourada,

o consagrado galgou de forma mais efetiva, o período do amadorismo e já éreconhecido como profissional.

Oanônimo, por sua vez, apesar de se apresentar no programa na condiçãode calouro, não será aqui denominado como tal. Ele se diferencia do calouro apartir dosVonjuntos-de-atitudes'(MAYER,87), que os move. Enquanto ocalourodesenvolve atividades que apontam para a realização de um fim específico, oanônimo faz da experiência do programa uma atividade desarticulada, ou, se sepreferir, muito menos articulada do que alevada acabo pelo calouro. Oanônimoé identificável, sobretudo, pela ausência de práticas que reforcem o universo daartisticidade. Ele não toca nem estuda qualquer instrumento; não compõe; não

realiza shows ou participa de festivais. A experiência de cantar na noite também

não é evidenciada pelo anônimo, que não guarda, em outras palavras, intimidade

com o universo próprio daqueles que sonham e desejam uma vida de artista. Ele

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II p p g1

64

está no programa por outras razões que podem variar entre conquistar oprêmio(coisa que raramente acontece) ou, mais freqüentemente, pelo fascínio que amídia exerce à sua condição de anônimo.

Comparativamente, o anônimo tem muito menor incidência que o calouroentre os que freqüentam o Sábado Sete Show. Oque distingue, pois, um tipo dooutro (o anônimo do calouro) são basicamente esses conjuntos-de-atitudes quedeterminam ointeresse eouso que oagente faz do programa e que apontam paraum fim dirigido.

Pensados assim, os calouros se aproximam da classificação dos "quase-grupos , proposta por Mayer . O que permite a interação dos calouros é a

existência do Sábado Sete Show. Em função do programa, os calouros se encontramnos ensaios edurante as gravações, limitando-se porém, aí, as relações entre eles.Fora do programa, os calouros não têm vida associativa entre eles. Não freqüentamentidades afins (tipo sindicatos, associações, ligas), não compõem bandasconjuntamente, nem estabelecem qualquer tipo de contato que aponte para umarede de cooperação mútua. Apesar de participarem de um mesmo universo(inclusive econômico esocial), e de se moverem dentro de um mesmo conjunto-de-atitudes, os calouros não extrapolam os limites físicos da emissora quando setrata de pensar o convívio entre eles. O que os torna um "quase-grupo " é umasérie de informações, das quais se pode destacar ofato de estarem todos centradosem um único ego (no caso, o programa); terem suas ações tornadas relevantes

apenas na medida em que se apresentam como interações com próprio ego ou seuintermédio e, finalmente, como conseqüência, ofato do critério de associatividadeexistente entre eles não incluir ainteração com outros membros dos quase-grupoem geral. Ainteração, pois, que se estabelece entre os membros de um quase-grupo ocorre em um conjunto-de-atitudes, ou mesmo numa série de conjuntos-de-atitudes.

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O que é (são) esse(s) conjunto(s) de atitudes (s)? São procedimentos,

formas deagir, que terminam porcolocar oscalouros emcontato - nãointencional

- uns com os outros. Os contatos que se estabelecem a partir das interações em um

mesmo conjunto-de-atitudes evidenciam objetivos semelhantes, projetos afinsque estabelecem menos relações entre os vários calouros e promovem mais

relações individuais com um mesmo objetivo coletivo. Não e fundamentalmente

entre si, portanto, que se relacionam os calouros. O que está em jogo é a relaçãocom o Sábado Sete Show, sendo isso, basicamente, o que os une.

3.7 O Sábado Sete Show no ar

19h00. começam a chegar os primeiros calouros. As bailarinas, os curiosos,

o músico... A esta hora, a equipe de produção e o apresentador já estão na

emissora. Inicia-se a checagem dos calouros, no pátio aberto, que funciona como

estacionamento. O cenário começa a ser montado. O apresentador permanece

durante todo o tempo no camarim. Poucas pessoas têm acesso ao espaço que Pell

Marques reserva para os íntimos, meia hora antes, para sua concentração. Lá

ficam também os figurinos do apresentador e das bailarinas, expostos num cabide

improvisado e recobertos com plásticos. Este é também o lugar que o apresentador

troca de roupa (duas vezes durante o show), o mesmo não acontecendo com as

bailarinas, que mudam de roupa num banheiro reservado.

20h00. Já é grande a concentração de pessoas no pátio da emissora. A

equipe deprodução confirma as apresentações, dá instruções e recebe a caravana.

São organizadas filas. Os gruposque vão fazer alguma exibição (quando é o caso)

se reúnem nos recantos, conversando, retocando as maquilagem, fazendo pequenos

ensaios. Os calouros conversam. Alguns cantam trechos da música que vão

apresentar, outros, calados, apenas observam. Na sala que antecede o estúdio, há

duas poltronas, um bebedouro edois banheiros. Égrande omovimento de pessoasque sentam, levantam, entram e saem.

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21h00. Começam a chegar os jurados. Quando algum falta é substituído

pela produção ou pelo apresentador, que procura escolhera pessoaque considera

mais representativa: um cantor que esteja de passagem pelo programa (mas que

nãováseapresentar), um radialista, um empresário, um amigo em visita. Aequipe

de produção dá as instruções ao auditório. Animação e algazarra dão o tom da

platéia. As meninas que não estão maquiladas são chamadas a fazê-lo. O cenário

fíca finalmente pronto.

21h30. Conduzidos pela produção, os integrantes do auditório entram no

estúdio e se acomodam nas cadeiras. As meninas mais bonitas são chamadas a

fícar nas duas primeiras filas. Os acessórios de tiras plásticas flexíveis sãodistribuídos com a recomendação de que devem ser agitados com freqüência. A

cada vez que o programa entra no ar, o auditório tem que se manifestar, comalegria, passando um clima de animação para o telespectador que, de casa, assiste

a programação. Também dentro do estúdio, o músico repassa, com os calouros,trechos das músicas que serão apresentadas. Os jurados se posicionam. A

produção prepara, em pedaços de papel, os nomes dos componentes do júri.Também as fichas que o apresentador lê durante o programa são confeccionadas

na hora, depois de confirmados os nomes dos calouros, das atrações e dos

anunciantes. Os microfones e as luzes são testados. Os calouros saem do estúdio

e ficam na ante-sala. As bailarinas se posicionam. O apresentador faz os últimos

testes de som. O show vai começar.

22h00. Começa a gravação do Sábado Sete Show. A vinheta de abertura

apresenta um carro esporte vermelho, sendo guiado pelo apresentador. Orosto do

apresentador não aparece, e eleé identificado pelo anel que traz no dedo mínimo.

A câmera foca somente a mão no volante. O carro para em frente ao portão da

emissora, identificada pela torre com a marca da emissora. O apresentador desce.

Ouvem-se gritos histéricos de fas. Está no ar o Sábado Sete Show. Pell Marques

saúda o telespectador e o auditório e repassa, rapidamente, as atrações da tarde.

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Apesar de gravado na noite da quinta-feira, todo o texto do programa se refere à

tarde de sábado, quando o programa vai ao ar. Começa a apresentação dos jurados.

A câmera caminha de um lado a outro, ora focando pessoas do auditório, ora se

detendo no rosto de algum jurado. Mas durante a maior parte do tempo, é a figura

do apresentador que está em evidência. O texto de Pell Marques não se limita ao

que está escrito nas fichas. Trabalhando com o improviso, o apresentador brinca

com o auditório, manda recados a amigos e patrocinadores e conversa com os

jurados. Vestido com um blazer escuro e uma blusa clara de gola alta por dentro,

o apresentadorfaz um estilo esporte elegante. As calças e os sapatos também sãó

de cor escura e o cabelo, penteado, querem demonstrar que o programa e sério,

mas descontraído. Como o calor é grande por conta da ação dos refletores, o

apresentador está sempre solicitando uma toalha (no momento em que a câmera

esta ocupada com outra imagem) para enxugar o suor que ameaça desmanchar amaquilagem. Apalavra de ordem éalegria eas bailarinas que se movimentam todo

o tempo estão vestidas com roupas que evidenciam as formas do corpo: maiôs,shorts e mini-blusas, meias e sapatos altos. Tudo com muito brilho e cor. Os

cabelos penteados e o rosto maquilado destacam a imagem no vídeo. Elas jogambeijos em direção à câmera e rebolam o corpo quando a câmera se aproximafechando o foco nas coxas, no bum-bum, nos lábios. O músico, que não tem

figurino produzido, geralmente comparece de jeans e camiseta. O som do

sintetizador é permanente, o quegarante a naturalidadedobalanço das dançarinas.

Pell Marques apresenta o músico ao público. O maestro Pitanga aproveita o

momento em que a câmera está focalizando sua imagem para mostrar seu talento,

enquanto está sendo privilegiado o rosto e o detalhe da mão no teclado.

O primeiro bloco do programa inicia como showde calouros. A esta altura,

os candidatos já estão numerados pelo medalhão que trazem ao pescoço e sabem

a ordem da chamada. Alguns, nervosos, suam frio e torcem as mãos. A voz fica

trêmula. Éomomento de provar que ébom, que éomelhor. Está aberta adisputa.Oapresentador chama oprimeiro candidato da tarde. Ele éconduzido ao palco por

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uma das bailarinas que naquele momento secretaria o apresentador. Ela deixa o

calouro diante do microfone e volta ao tablado, reiniciando a dança, em conjunto

com as outras. O apresentador se aproxima do candidato. Qual é o seu nome? De

onde vem? Os mais feios não escapam dos comentários de Pell Marques que joga

perguntas ao auditório. O apresentador quer saber que música vai ser cantada. O

calouro responde. Começam, ao som dos aplausos do auditório, os primeiros

acordes da canção. O calouro iniciou sua performance. A qualquer sinal de que

desafinou, o apresentador se aproxima. Cola o ouvido na boca do calouro -

situação que na maioria das vezes constrange e deixa o candidato mais nervoso

ainda. Pell Marques se afasta, em direção ao telefone no alto da mesinha. Faz

menção de apanhar o aparelho. Se o candidato retoma a música, o apresentador

desiste; se insiste desafinando, Pell Marques, a um sinal para um dos técnicos

posicionado por trás do vidro, ao fundo do estúdio, faz disparar o toque do

telefone. Éo sinal de que ocalouro foi reprovado. Do fone, sai um jato d'água que

molha, rapidamente, o calouro. A risada é geral. Alguns candidatos, comraiva da

brincadeira (conhecida previamente), saem carrancudos dopalco, acompanhados

pela secretária de palco que lhe estende uma toalha para enxugar os respingos.

Oapresentador chama onúmero dois. Este entrajágesticulando esaudandoo auditório. Pell Marques brinca, diz que ele só vai ser ouvido se falar aomicrofone. O calouro repete a saudação no microfone. Manda abraços para osfamiliares. Um beijo para a namorada ou uma amiga. Prossegue o mesmo ritual,com o apresentador querendo saber o nome, o lugar de onde veio e a música que

será apresentada. O candidato começa sua apresentação. As músicas das paradas

do sucesso ou as românticas que se tornaram imortais são as que mais fazem

sucesso com o auditório. Alguns dos calouros entendem bem isso e já entram com

alguma vantagem. O candidato número dois canta Roberto Carlos, a canção é

Detalhes. O auditório aplaude calorosamente. Pell Marques observa, do lado. O

calouro vai bem, não desafina e é novamente aplaudido pelo auditório. Antes

mesmo de encerrar a apresentação, o candidato é interrompido pelo apresentador.

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que toma pelo braço o calouro, fazendo a posição de vitória. Emocionado ealiviado, o calouro retorna à ante-sala, conduzido pela secretaria e debaixo dos

aplausos daplatéia. Antes de chamar o terceiro, oapresentador retoma suas fichas

e dá inicio à divulgação dos anunciantes/patrocinadores do show. Avisa ao

telespectadorque aquele quadro é aberto à participação do público. Qualquerum

pode ligar, a partir do momento que ele avisar e dar seu voto favorável a qualquer

dos candidatos, pelo número que trazem ao pescoço.

Échegada avez do terceiro calouro da tarde. Éuma mulher. Oapresentadordiz que ela é bonita, que está muito bem vestida e produzidae pede o aplauso do

auditório. Sorridente, a candidata cumprimenta o público e manda também seus

recados, dizendo que, de casa, o pai e a mãe assistem à sua apresentação. Lembra

de cumprimentar o corpo de jurados e se mostra simpática a todos. Dá as

informações básicas ao apresentador e inicia sua performance. Cantando uma

música de ritmo baiano, a caloura agita o auditório que dança e canta sem parar,

A candidata pede mais participação, dizendo: "Cantem agora comigo!", e éacompanhada, aos gritos, pelo auditório. Pell Marques se aproxima e a declara

aprovada. O bloco de comerciais é chamado ao ar pelo apresentador. Começa a

segunda das cinco partes do programa. Continua noar o show dos calouros. Mais

quatro candidatos são chamados. Classificados ou não, eles retornam à ante-sala,

aguardando ojulgamento que só acontece naultima parte do programa. Novamente

o apresentador enxerta na programação, os nomes dos anunciantes, os recados aamigos e empresários que contribuem com o programa, o abraço prá galera da

Ponta Grossa, do Jacintinho, de Arapiraca (8). O disk-calouro é novamente

lembrado por Pell Marques. Basta ligar e votar no seu calouro preferido, mas só

a partir do momento certo. Novamente o bloco de comerciais.

A terceira parte do programa é dedicada às gincanas. Delas participam

escolas publicas ou representações de bairros competindo através de acertos a

perguntas feitas pelo apresentador. Os temas são variados e as equipes já

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UFJP E Biblioteca Contrai

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conhecem, com antecedência o assunto a ser argüido, cabendo apenas aos

integrantes se prepararem para as respostas. Somente quatro ou cinco representantes

de cada delegação participam, mas a torcida é grande. Não há premiação imediata

para os vencedores. No final do ano, as delegações vencedoras se submetem a

nova gincana até que se chegue a vencedora que recebe, como prêmio, o titulo de

campeã e um troféu do programa. O quadro, entretanto, pode não chegar até o final

do ano e ser substituído por outro, a exemplo do que aconteceu em outras

ocasiões, tudo dependendo da orientação do apresentador. Esta gincana ocupa a

terceira e quarta partes do programa, intercaladas pela fala de Pell Marques que

volta anunciar os patrocinadores e avisa aos telespectadores que o telefone da

produção já está à disposição para a votação do melhor calouro da tarde.

A quinta e última parte do programa é reservada à votação dos jurados

sobre o melhor candidato da tarde. Pell Marques apresenta os jurados, conversa

com cada um deles e chama os calouros aprovados novamente ao palco.

Posicionados diante das câmeras, os candidatos recebem o voto do auditório e, em

seguida, o de cada um dos jurados. A votação se limita a apontar aquele

considerado o melhor dentre os aprovados, não havendo pontuação nem critérios

previamente estabelecidos pela produção, embora o apresentador destaque a

afinação, o desembaraço e a performance do calouro como requisitos a serem

considerados. Em caso de empate, o auditório é chamado, novamente, a se

pronunciare o voto do telespectador, quesomente é conhecido no sábado, quando

o programa vai ao ar, é o que define, de fato, a escolha. Por esta razão, o calouro

vencedor não recebe, de imediato, sua premiação, devendo retornar ao programa,

na semana seguinte, para receber o resultado, que lhe é comunicado, por telefone,

pela produção do programa.

O encerramento da programação se dá em clima de muita folia. O

apresentador convoca os jurados a ficarem de pé e acompanhar, batendo palmas,

a música de encerramento do programa, que fica a critério do maestro. O auditório

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semanifesta, aos gritos e aplausos. Éofinal do Sábado Sete Show que só retorna

uma semana depois com novos candidatos, novas gincanas e a apresentação do

calouro" campeão da semana que passou. Quando retorna na semana seguinte, o

calouro reapresenta sua música, recebe os aplausos do auditório e o prêmio: uma

quantia em dinheiro e um medalhão de gesso, com o rosto do apresentador em

relevo. O melhor do ano recebe comopremiação a chance de gravar uma faixa num

Lp produzido por uma gravadora local (A Gogó da Ema). Odisco traz composiçõesde cantores da terra e também músicas do apresentador.

Se num determinado plano - o das relações sociais - o Sábado Sete Show

pode ser compreendido como "socialização " (Berger & Luckmann, 1976), no

plano das representações evidencia-se a "socialidade" (Maffesoli, 1984). O

programaproporcionaaos atores exercitar seu "duplo"- sendo anônimos, tornar-

se artistas - e possibilita aos calouros reintegrar numa nova ordem onde o

cotidiano adverso étranscendido epode então ser assegurado. Éneste sentido quedigo que o interesse da pesquisa não está voltado para o caráter de "alienação",

mas para a eficácia da experiência na vida do calouro.

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NOTAS

(1) Durante quase todo o ano de 1992, Pell Marques manteve no programa um

casal de bailarinos. O quadroera intitulado"A Dançado Calango", uma composição

de sua autoria que tinha como objetivo divulgar a música que o apresentador

pretendia que se popularizasse como coreografia de carnaval, coisa que não

aconteceu.

(2) O "Rei" é Roberto Carlos.

(3) Periferia mais populosa de Maceió. Local onde também se situa a emissora

onde Pell Marques exibiu, pela primeira vez, e durante cinco anos, seu atual

programa.

(4) Os Classificados na Tv" são blocos comerciais veiculados pela Tv Gazeta por

dois apresentadores e que contribuem com o faturamento da emissora através da

venda de espaço da programação.

(5) A rotatividade das bailarinas no Sábado Sete Show é grande. Em entrevista,

Pell Marques apontou a gravidez como o maior motivo de afastamento das

dançarinas do programa. Na interpretação do apresentador, o fato acontece

porque "as meninas são inexperientes e terminam se deixando levar pela fantasia

de serem desejadas por muitos rapazes".

(6) Um caso ilustrativo disso foi a permanência, durante meses, de uma astróloga

no corpo de jurados. Funcionária da emissora, onde realizava um programa

astrológico, a professora participava também do Sábado Sete Show dando seu

voto ao melhor calouro e apresentando, em pequenos blocos, o horóscopo.

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(7) Presenciei, certa vez, uma situação dessas. Um consagrado ia se apresentar noprograma euma das integrantes da equipe de produção cometeu agafe de sugerirque oartista se apresentasse como calouro, para faturar oprêmio. Asugestão foirecebida por ele como ofensiva que respondeu, com desprezo: "e você acha queeu vou descer de ganso para galo, minha filha?".

(8) Arapiraca éasegunda maior alagoana, depois da capital, onde Pell Marquescostuma realizar shows e onde é conhecido da população, principalmente por

conta da veiculação do programa.

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CAP.IV

DESCONSOLO GERAL OU,

ONDE ESTÁ O MOTE DA MENSAGEM?

O que se infere, à primeira vista, nos produtos de massa é sobretudo aacessibilidade a um código facilitado, simplificado, fruto da necessidade

mercadológica de se atingir públicos cada vez maiores. O chamado romance-

folhetim, ou romance popular (1) - a primeira das modalidades da cultura de

massa - e os demais produtos de massa atualmente lançados no mercado ainda

guardam entre si, algumas semelhanças. Eles afirmam suaeficáciapelacriação de

realidades nasolução dedemandas. Isto porque taisprodutos aderem aexpectativas,

desejos e valores dominantes numa determinada cultura. A adolescente solitária

que sonha com seu príncipe encantado contorna a ansiedade e consola a não

realização de seu desejo ao encontrar, numa "Contigo", uma personagem com a

qualse identifica. Pessoas sem dinheiro fantasiam apossibilidade deenriquecerem

magicamente se participarem do "Roletrando" (quadro apresentado no programa

do SílvioSantos, ondeosparticipantes podem ganharmilhões empoucassemanas).

Fragmentados emum meio socialdesagregador, osconsumidores encontram

nos produtos de massa possibilidades para driblar, ainda que simbolicamente, a

situação vividanomomento. Os produtos funcionam como "brechasinstauradoras

de continuidades" (Maffesoli, 1984) que os possibilita reintegrar socialmente. A

solidão, as agruras da pobreza, a doença e o anonimato podem ser revertidos,

afirmam os produtos. Os programas de auditório, em particular, são ricos em

exemplos como estes. Pessoas com expectativas as mais diversas procuram

semanalmente a "Porta da Esperança", no Sílvio Santos, para tentar realizar um

sonho considerado inacessível. Um obeso precisa perder 150 quilos. Para tanto,

necessita permanecer durante meses, talvez anos, num spa (2) e não tem como

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75

pagar o tratamento; uma mulher apaixonada quer montar, em casa, uma academia

de boxe para que o marido possa treinar e se tornar um campeão; uma senhora

procura o programa para conseguir, através da "Porta da Esperança", uma cadeira

de rodas para o filho paralítico; outra quer apenas ter uma cama de ferro, igual a

de Scarlet 0'Hara, de "...E O Vento Levou".

Pouco interessa que o sujeito consiga ou não realizar o desejo esperado,

importa sim, que através desses mecanismos ofertados, a comunicação de massa

oferece aos consumidores respostas às suas demandas. Trabalhando a partir das

ausências e descontinuidades do público, as mensagens se nutrem, instauram

realidades e proporcionam aos consumidores o consolo na forma de uma aquisição

momentânea (ou simples sensação de aquisição) de status, fama, dinheiro e

felicidade.

Eco (1976.) foi um dos autores a apontar a existência do que se definiu

como "estruturas de consolação" (3) nos produtos de massa, e autores mais

recentes, a exemplo de Marcondes Filho (1985) concordam que a comunicação de

massa não pode ser compreendida como coisa imposta, mas como mensagem que

vai ao encontro de necessidades reais do público. Segundo ele, "há uma efetiva

procura e uma real satisfação no consumo da comunicação por meio da fantasia"

(p.125).

E claro que podemos identificar a consolação em muitos momentos da vida,

presente no percurso de qualquer pessoa. A arte mesmo se configura, em muitos

casos, como uma consolação, para quem produz e para quem consome. Podemos

nos dar ao direito, e de fato nos damos, de por alguns momentos do dia nos

entregarmos a ouvir determinadas canções com umsentimento de total desapego,

de descompromisso mesmo com um exercício mais elaborado de compreensão.

Olhar distraidamente a televisão, ouvir e assobiar uma música de consumo, destas

veiculadas diariamente pelas rádios em todos os lugares do mundo, nos determos

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76

numa vitrine de shopping ou numa publicidade de moda. Todas essas pequenas

evasivas se configuram como salutares e normais à situação de fragmentação

vivenciada por todos e sua análise nos remete exatamente a isso.

Mas quero me referir aqui a um outro tipo de consolação, ou, melhor

dizendo, à consolação vivenciada a um outro nível. Aquela experenciada pelo

calouro e que difere da consolação geral justamente pelo grau de envolvimento

que alcança na vida dos agentes. Da consolação articulada que, tendo como

suporte a ausência, proporciona a determinadas parcelas do público consumidor

extrapolarem os níveis de descontração ou relaxamento e encontrarem eficácias

de outra ordem que passam a nortear a vida dos calouros. Falo da consolação que

sustenta, de fato, a ordem contraditória da vida e termina por engendrar soluções

(ainda que fantasiosas) para as adversidades experenciadas pelos agentes porque

se sustenta num conjunto de elementos que a lhe dão corpo outorgando-lhe nova

força.

Na tipificação proposta no capítulo anterior procurei identificar o que

diferencia uma atração da outra a partir, inclusive, do uso diferenciado que cada

um dos agentes faz do Sábado Sete Show. O tipo privilegiado no âmbito da

pesquisa foi o calouro, em contraposição ao anônimo e ao consagrado.

Como já foi dito anteriormente, o calouro reúne uma série de elementos

que o distingue dos demais tipos dando conotação específica ao uso que faz do

programa. Esse uso diferenciado que ocalouro faz do Sábado Sete Show não é um

dado isolado, ao contrário, ele aponta para uma realidade consolidada, ou em vias

de consolidação, para uma otimização de suas ações que conjugadas a outras

reforçam a plausibilidade da iniciativa. Éjustamente essa reunião de elementoscolocados na forma de um conjunto de atividades que desejo aqui aprofundar,

revelando seu sentido.

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77

A participação do calouro no Sábado Sete Show é somente um dos recursos

que o calouro lança mão na consolidação do projeto artístico. A eficácia do

candidato aparecer na televisão não se configura em experiência isolada, mas

articulada a uma série de outras: compor, estudar um instrumento, realizar shows,

cantar em bares, gravar uma fita, entre outras, embora seja, sem dúvida a mais

sedutora. O que os calouros identificam na mídia televisiva é justamente a

possibilidade de reforçar, de consolidar essa expectativa . Alguns relatos são

ilustrativos:

"É preciso fazer muitas coisas. Ensaiar,

fazer shows, circular pelas rádios, dei

xar uma amostra do trabalho prá divul

ga ção.. .jtias_aj)areçerjia_televisã^

um efeito diferente. Quando você está

na televisão, tem um monte de gente

vendo você. É diferente de show. Em

show, só vai quem paga. Televisão não.

Televisão você liga, tá ali, nro Brasil

todo assistir você (E.. 19 anos)

A esta altura do depoimento, E. esquece até que a programação é local e que

o Sábado Sete Show não alcança as fronteiras além do estado alagoano. É umexemplo de que o nível de expectativa experimentado pelo calouro desconsidera

os parâmetros e limites da realidade e inscreve na esfera da fantasia, seus

referenciais.

O calouro J., 18 anos, revela em seu depoimento preocupações de

uma outra ordem:

*'Na televisão é diferente das rádios.)^

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Pela televisão você aparece mesmo.

Na rádio não, é só a voz. E eu acho

que ser artista é um conjunto de coi

sas. É voz, corpo, cabelo, beleza. A-

cho melhor pela televisão porque quem

assiste já está ligando a voz à pessoa.

Também aparece a maneira da gente

cantar, se apresentar, e as pessoas têm

condições de saber se o calouro é ou

não é um bom intérprete, é ou não

um artista completo".

"Cantar na televisão é como cantar

pro mundo todo. No começo dá um

nervosismo na gente, porque tem

que prestar atenção na câmera, saber

qual é a sua, a que faz você aparecer

na televisão olhando para quem tá as

sistindo. Depois não, é como se a gen

te estivesse cantando num show, porque

o auditório é a nosssa platéia. O negó

cio é você ficar ali (diz, apontando em

frente), olhando direto prá sua câmera.

A emoção é muito grande, as pessoas,

as luzes, os equipamentos, e você sabe

que vai ser vista nor milhões de pesso

as. A gente aqui nem tanto, né?. mas

quando é num Faustão. num Sílvio

Santos..." (F.. 19 anos).

78

*grifos meus

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fu F F E Biblioteca Contrailllllii II—>

4.1 A ideologia da felicidade

79

Já nos colocou Edgar Morin (1967) que a felicidade é, efetivamente, a

ideologia do homem moderno. Traçando paralelos entre a ideologia da felicidade

e as religiões, o autor destaca, entretanto, que o que as diferencia é justamente o

caráter terreno da primeira em contraposição à segunda. Apesar de faltar à

ideologia a promessa da imortalidade para que se realize como religião, na

exaltação de valores como o amor, a felicidade e a auto-realização - justamente

por se apresentarem como frágeis e transitórios - a aproximação entre o real e p

imaginário, criada pela ideologia da cultura de massa é muito mais intima que a

estabelecida a partir dos mitos religiosos porque o imaginário da cultura de massa

não está projetado numa vida além, fíxando-se, ao contrário, na vida terrena. Os

próprios modelos da cultura de massa: heróis, artistas, estão entre nós. Neste

sentido, as bases em que a cultura de massa trabalha são mais realistas que as da

religião.

Como tudo o que é produzido culturalmente, também os significados do

que seja a felicidade variam segundo as épocas e as diferentes culturas, e seus

mitos se transfiguram de acordo com os valores dominantes na civilização. Da

maneira como é compreendida pela sociedade ocidental contemporânea, e

propagada largamente pela cultura de massa, através de seus veículos e na forma

de produtos, a idéia de felicidade está associada a valores dominantes da nossa

cultura: dinheiro, fama, amor e auto-realização. Morin (1967) já observa que é

justamente porque se torna a grande fornecedora de mitos que conduzem a tais

valores que podemos entender o movimento que impulsiona a cultura de massa,

num caminho que se constrói do real para o imaginário e do imaginário para o real,

proporcionando não somente a evasão, mas, concomitantemente, a integração.

Desde que se sente participando do universo pautado pelos valores

dominantes, estabelecendo uma vinculação afetiva com esse meio, o sujeito

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sente-se integrado e, portanto, feliz. Para compreender o modelo de vida a que o

sujeito aspira, é necessário a investigação de suas expectativas e ações. Falas do

tipo:

gente aqui na terra com esse nome

de artista é mais valorizada. As portas

stodas se abrem" (F.J9 anos),

dão conta do grau de expectativa dos calouros e de como elaboram as informações

gerais em seus universos próprios. O desejo pela fama e pelo sucesso, por sua vez,

são revelados a partir de depoimentos como o do calouro S., 17 anos, admirador

da dupla sertaneja Leandro & Leonardo:

"Acho que o dinheiro que esses caras

ganham dá prá comprar um carro novo

todo dia. Não cantam mais por dinheiro

não, que já têm demais. Cantam, eu a-

cho que é só pela fama mesmo. Para

aumentar o sucesso".

A expectativa de D., 15 anos, também não foge à regra. Ele diz que quer ser

cantor porque gostaria de ser conhecido e rico. Durante as entrevistas afirmou

que:

"Se ganhasse muito dinheiro como

artista, eu não queria tudo prá mim

só não. Eu ia fazer muita gente cres

cer comigo. Primeiro era a minha

mãe. Ela vive lá em Caruaru (Pe.),

com uma aposentadoriazinha de

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81

nada...'*

O que se interpreta a partir daí é que ser artista funciona como uma espécie

de senha que além de abrir várias portas proporciona gozar do prestigio de um

público muito abrangente. O artista não é um qualquer, mas um sujeito especial,

alguém conhecido e reconhecido. Mas para que estaideologia vivida pelo calouro

se sustente - como de resto toda ideologia - é preciso que encontre eco na

coletividade. Como já propuseram Berger e Luckmann (1976, p.205) "só e

possível o indivíduo manter sua auío-identificação como pessoa de importância

em um meio que confirma esta identidade ".

Esta realidade subjetiva do calouro depende,assim, sempre de plausibilidade

para se manter. Apresentar-se no Sábado Sete Show, como artista, é fácil, já que

não há critérios rígidos de prévia eliminação. Difícil é manter a identidade de

artista, é permanecerartista depois de encerradaa exibição. Para se manter sendo

quem é, ouquem pensaqueé, ocalouro necessita daconfirmação desta identidade.

É, portanto, na fala dos grupos participantes davida do calouro (família, escola,amigos, companheiros de trabalho, vizinhos) que a ideologia se afirma, legitima-

se e garante a eficácia do sentido. Não é à toa que para demonstrar que é alguém

reconhecido, o calouro lança mão da fala de terceiros para demonstrar o

reconhecimento. Alguns dos depoimentos são reveladores disso:

ou:

"São Miguel dos Campos (interior alagoano)

já me considera uma artista", (Idem)

"A galera lá do meu bairro

não costuma assistir ao Pell não,

mas quando eu venho me apresentar,

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ou, ainda:

e, também:

a coisa é diferente. Todo mundo fica

sabendo e quer assistir. Sou muito

conhecido. Aí a rua toda se junta numa

casa prá me ver na televisão", (J., 18 anos)

"Trabalho no restaurante do Bompreço

(supermercado), no setor de compras. Lá

trabalham eu e mais oito. Sábado à tarde

quando o Pell "tá no ar," a gente tudo assiste.

O pessoal lá do setor diz que eu canto bem.

Eles gostam. Dizem que eu tenho talento

e pinta de cantor", (M. A., 27 anos)

82

"Já estou acostumada a cantar em público,

sabe? Sempre sou convidada para as

apresentações da escola ou prás festas lá

do bairro. As pessoas todas me conhecem.

Isso vem desde eu pequena, desde antes de

entrar prá escola".(7?., 13 anos)

Essas formas de prestígio dão conta da importância paulatina que o calouro

passa a adquirir no meio em que vive. Ter feito shows, ganho festivais ou

conquistado prêmios são fatores de destaque apontados pelo próprio calouro

numa tentativa de se autodenominar e se diferenciar dos outros. Vejamos outros

exemplos:

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ou:

EBiblioteca ContráTl

*'Já fiz doze shows, todos lá no interior,

não comecei agora não. Muitos desses

estão vindo ao Pel! pela primeira vez,

às vezes vem até de brincadeira, de gaiatice.

Eu não. Venho porque tenho um trabalho

para mostrar. Já vim umas oito vezes. Não

sou um iniciante,(^£'., 19 anos)

83

"O Pell não quer mais que eu venha

com caloura. Ele acha que já passei

disso. Ele quer que eu venha agora

como artista". (F., 19 anos)

O grau de reconhecimento que o calouro adquire, reforça a "estrutura de

plausibilidade" (Berger e Luckman, 1975).) que sustenta a fantasia. Para que a

idéia de ser artista se mantenha, é necessário que se dissipem do contexto os

elementosque apossampor emxequelevando aodesmoronamento da continuidade.

Mas além da confirmação de que é quem pensa que é, obtida pelo calouro pelos

depoimentos e comentários dos grupos participantes de sua vida, é necessário

ainda que essa confirmação seja feita através dos outros significantes para ele.

Como notaram Berger e Luckman (p.200): "Para conservar a confiança de que

é na verdade a pessoa que pensa que é, o indivíduo necessita não somente a

confirmação implícita desta identidade, que mesmo os contatos diários casuais

poderiamfornecer, mas a confirmação explícita e carregada de emoção que lhe

é outorgada pelos outros significantes para ele ".

Daí a importância que se reveste a premiação do calouro como o melhor

dentre muitos. Ter sido escolhido pelo júri como o vencedor, ou ter recebido

elogios do apresentador ou de um artista já consagrado se constitui no mais

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significativo dos reconhecimentos.

Como já foi dito no capítulo anterior, a instituição do júri está revestida de

autoridade, residindo aí sua credibilidade. Ora, ser reconhecido por Pell Marques

ou por especialistas como sendo o melhor não é o mesmo que ter esse

reconhecimento apontado pelo pai ou pela mãe, por exemplo.

4.2 A socialização do calouro

A entrada do calouro no universo da artisticidade constitui uma forma de

socialização, se se adota a perspectiva deBerger e Luckmann . Para estes autores,

o processo de socialização consiste em uma "ampla e consistente introdução de

um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de umsetor dela " (p. 175)..

Ainda a partir desses, que autores estabelecem uma diferenciação entre a

socialização primária e a secundária, o ingresso do calouro na esfera da artisticidade

se dá nos moldesde umasocializaçãosecundáriaque se constitui na interiorização

de sub-mundos (4) institucionais ou baseados em instituições determinados pela

divisão do trabalho e pela distribuição social do conhecimento como resultado

desta divisãodotrabalho.Osautoresdistinguem portanto, a socialização secundária

da socialização primária, a qual consiste na socialização primeira, adquirida

através da educação familiar, dos primeiros contatos com o mundo e que compõe

a base de socialização de todo indivíduo. A socialização secundária vem depois,

através das opções do sujeito, e geralmente se opõe à primeira.

A socialização secundária exige, assim, a aquisição de vocabulários

específicos, proporciona a identificação subjetiva com a função a ser executada

e as normas a ela relacionadas. Seu caráter depende do status do corpo de

conhecimento do submundo em questão, e suas legitimações, tais como existem,

são decodificadas na forma de uma natureza compensatória. O ingresso nos

submundos, conforme destacam Berger e Luckman são acompanhados ou

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acontecem sob rituais.

Na qualidade de socialização subseqüente à primária, a socialização

secundária trabalha com uma personalidade já formada e um mundo de significados

e normas já interiorizado. Os novos conteúdos e modelos que passam agora a ser

assimilados necessitam sobrepor-se a conteúdos e modelos pré-existentes. Assim,

"para estabelecer e conservar a coerência, a socialização secundáriapressupõe

procedimentos conceituais para integrar diferentes corpos de conhecimento"

(Berger e Luckman, p. 187).

Diferentemente da socialização primária, onde o mundo é interiorizado, via

relações afetivas, como sendo o mundo e não um contexto institucional específico,

na socialização secundária é sobretudo o conteúdo institucional que é proposto

para interiorização, sem menosprezar os elementos afetivos. Isto torna os

procedimentos subseqüentes à socialização primária mais frágeis, necessitando,

em alguns casos, da do recurso a técnicas especiais para produzir a identificação

e a inevitabilidade julgadas necessárias.

A utilização dessas técnicas pode advir de fatores extrínsecos ou intrínsecos,

variando de acordo com o aprendizado ou a identificação do sujeito em socialização.

Berger e Luckman referem-se que uma das circunstâncias que pode criar a

necessidade dessa intensificação é a situação de competição estabelecida no

processo. "Pode-se admitir que um músico em formação nos Estados Unidos

atualmente tem que dedicar-se mais à música com uma intensidade emocional

desnecessária à Viena do século XIX, precisamenteporque na situação americana

existe poderosa competição derivada daquilo que subjetivamente aparece como

sendo o mundo "materialista" e da "cultura de massa" da "briga de foice"

(p.194).

Transferindo oenunciado dos autores para oâmbito específico dapesquisa.

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temos que para o calouro, a participação no Sábado Sete Show se dá como

experiência que reforça o ingresso num universo mais amplo que o experimentado

durante o processo de socialização primária.

Oriundos de um meio social semelhante, os calouros guardam entre si

aproximações com situações de carência material e limites no acesso a bens e

informações culturais. O ingresso no universo da artisticidade, para esses atores,

requer, portanto, o alargamento dos horizontes de expectativas, a escolha de

novos caminhos a serem percorridos, a busca de perspectivas. As incursões em

programas de auditório podem proporcionar essas ^^oportunidades. Entretanto, o

acesso a novos setores do mundo objetivo, no qual pretendem ingressar, não

representam um rompimento com um universo primeiro, mas, mais efetivamente,

um alargamento das expectativas de uma vida mais plena.

As motivações que levam esses atores a optarem pelavida de artistasão de

caráter variado, mas todas apontam para a busca incessante da felicidade, da

fama, do dinheiro e do sucesso - valores que se contrapõem a situação originária.Com o universo primeiro pautado pela ausência de elementos valorizados pelasociedade de consumo - fama, dinheiro, sucesso - os calouros buscam, com o

ingresso na vida artística, preencher suas demandas.

É também o desejo de superar o anonimato a que a suacondição originaria

os submete, que impulsiona esses atores apercorrerem ossub-mundos escolhidos.

Esse ingresso no sub-mundo da artisticidade requer o empreendimento de ações

condizentes com a identidade que passam a interiorizar e que necessita da

legitimação dos outros para que emerja do mundo subjetivo de suas expectativas

para o mundo objetivo do reconhecimento.

A partipação no Sábado SeteShow é um dos rituais que, somado a outros,

proporciona ao calouro o reforço da identidade de artista, mas, como já foi

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mencionado anteriormente, não é o único.

Considerando que o universo de sua socialização primeira não é o único,

mas somente um dos universos possíveis de serem vividos, o calouro passa a

empreender ações que objetivam a superação da realidade primeira. É assim que

muitos deles deixam suas famílias no interior, e partem para a cidade, acalentados

pelo sonho de novas oportunidades. Muitas vezes essa decisão é tomada de

maneira conflituosa, que uma vez superada passa a ser vista como etapa vencida.

Alguns depoimentos dão fundamento a esta interpretação:

"A primeira vez que fui convidada para

cantar fora da cidade foi a maior confusão

lá em casa. Meu pai não queria deixar.

Eu tinha garantido um contrato num bar

em Coruripe (interior alagoano), e ele achava

que esse negócio de artista, prá mulher, é

para virar prostituta. Briguei com ele e depois

de muita confusão ele concordou que eu fosse,

me dizendo que era a primeira e ultima vez,

só que prá eu ir tinha que ser com meu irmão.

Lembro disso e hoje acho até engraçado.

Ele já não liga mais". (R, 19 anos)

Um outro calouro, que perdeu a perna por gangrena, atravessou situação

semelhante de desligamento familiar, com conflitos, entretanto, de uma outra

ordem. Em seu depoimento, E., 19 anos, relata a crise que se instalou em sua vida

após a perda da perna:

'Terdi a perna com 16 anos, foi uma

experiência terrível para mim. Eu

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trabalhava na roça, lá em Cajueiro

(interior alagoano), com meu pai e mais

seis irmãos homens. Não tinha mais

como continuar naquele trabalho e a

sensação de ser um homem inútil, homem

feito, dependendo de todo mundo, era muito

ruim. Passei meses numa cama. Da cama prá

cadeira, somente pensando no que é que eu

ia fazer. Não conseguia encontrar nada. Eu

sofria muito com aquilo, tinha uma namorada

e ela me deixou, mas eu contava com o apoio

dos meus amigos'*.

A solidariedade prestada pelos amigos no momento de dificuldade é

lembrada como algo importante e que jamais poderá ser esquecida:

Recebia visita todo dia. Eles

(os amigos) tentavam me animar.

Lembro bem como foi que essa

história de música entrou na minha

vida. Foi assim, com os amigos

tentando me animar. Eles diziam:

"E., não fique assim. Veja o Roberto

Carlos, ele também não tem uma perna

e é tão famoso, cheio de dinheiro e

mulher."

A entrada da música na vida de E., é expressa como um anúncio do divino.

O cantor que E. já admirava (Roberto Carlos) passa a ser visto de uma outra

maneira depois que ocalouro viveu aexperiência da perda da perna. Aidentificação

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com aquele que passa a ser o seu maior ídolo se dá pela semelhança que os une

(também Roberto Carlos tem uma perna mecânica). O consolo, nesse caso, se

expressa na forma da busca de uma identidade com alguém que ao menos

aparentemente, superouesse trauma, e o fez (E. assimacredita) através da música.

Daí sua preocupação, durantenossas conversas, em saber se Roberto Carlosjá era

cantor antes de perder a perna ou se, da mesma maneira que ele, passou a se

dedicar à música depois do acidente:

"Aquilo foi como uma luz divina

para mim. Eu já gostava do

Roberto Carlos, mas não tinha

nunca a intenção de virar artista.

Quando eu resolvi, todo mundo me

deu a maior força. Ai comecei a

cantar. Com pouco mais de um ano

fiz meu primeiro show, lá mesmo, em

Cajueiro, só que naquela época eu

só cantava música dos outros.

Cantava muito Roberto Carlos e canto

até hoje. Já fiz doze shows e me considero

um artista. Meus shows foram todos no

interior, lá sou mais conhecido, mas

já gravei uma fita, com 10 músicas e já

vim ao Pell bem umas dez vezes. A minha

família me ajuda muito. Quando faço

um show, um irmão cuida da bilheteria,

outro aluga o som. Hoje, eu até agradeço

a Deus - Deus que me perdoe - pelo que

aconteceu comigo. Se não fosse assim

você acha que eu tinha virado um artista?"

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(E., 19 anos)

A saída de E. do interior está assim associada à perda da perna. Residindo

hoje num dos quartos da Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (Adefal),

E. recebe um salário mínimo de aposentadoria por invalidez e está integrado aos

esportes para deficientes. Freqüentemente viaja para outros estados brasileiros

para competições esportivas e representa tambémAlagoas em festivais de canções

restritos a deficientes. Na Adefal, E. sente-se em casa. Durante as entrevistas,

revelou que estar ali é como estar entre os seus.

"Todos nós temos algum tipo de problema.

£ como uma irmandade. Eu me sinto melhor

aqui do que mesmo na casa dos meus pais.

Fiquei também mais independente".

O exemplo de F., 19 anos é também esclarecedor. Vinda do interior, ela

também mudou seu estilo de vida. A casa dos pais é sempre um referencial, mas

atualmente F. viaja semanalmente para outro interior onde canta num bar, nos

fínais-de-semana. Os estudos, sempre interrompidos, fazem com que ela esteja

por três anos cursando a mesma série. Ela justifica:

"É o trabalho. Se quero mesmo ficar

conhecida, não posso perder as

oportunidades que aparecem. Em época

de festa, ninguém me encontra em casa.

Estou aqui, ali, em qualquer lugar.

Canto com trio elétrico no carnaval, no

São João, em comício de político...".

(F., 19 anos)

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91

Essas experiências não significam uma ruptura com o universo anterior: o

da casa, da cidade pequena. No lugar de anular as primeiras experiências, as novas

somam-se às anteriores, alargando o universo anterior. Os calouros passam

também a manejar códigos de outra ordem. O entrosamento com artistas locais e

com a imprensa, - particularmente com os radialistas, - vai se somar a outras

atividades: cantar em bares, participar de festivais, estudar um instrumento,

gravar uma fita. Com isso, os calouros estão, na verdade, aprendendo a dominar

os signos de um novo código, próprio ao universo que agora habitam.

Mas além de passarem a dominar novos códigos e a lançar mão, na

legitimação de suas identidades, das falas dos outros para ele significativos, os

calouros têm outros mecanismos para reforçar a consolidação de seus projetos. O

reforço da identidade é um deles. Este se dá ainda pelas analogias que estabelecem

entre seus percursos e o dos artistas, particularmente com o do ídolo.

Para exemplificar essa situação empreendi investigação sobre como se dá

essa relação entre o calouro e o ídolo e de que forma esses atores, através de

leituras de revistas especializadas navida dos olimpianos, reforçam essa analogia.

4.3 A relação com o ídolo

No processo de anulação do anonimato, a relação que o calouro estabelece

com o ídolo se reveste de sentido e demonstra que o ídolo é uma espécie de espelho

no qual o calouro se projeta. É o referencial utilizado como meta a alcançar.

Essa aproximação com o ídolo, geralmente inacessível para o calouro, é

feita através de muitos caminhos. Para uns, a aproximação se estabelece quando

o calouro "copia" a maneira de vestir, arrumar o cabelo, se apresentar, peculiares

ao ídolo; para outros, a aproximação se estabelece através das analogias que o

calouro constrói entrea biografia do artista e a sua própria através da seleção dos

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g FPE Ganir»

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detalhes da vida do ídolo, suas origens, estilo musical, preferências, maneira de

pensar.

Um exemplo dessa identificação se configura quando determinado calouro

entra no palco., como J., 18 anos, um dos calouros freqüentadores do Sábado Sete

Show e fã inveterado do cantor Fábio Júnior. Quando vai ao programa, sempre

apresenta composições do ídolo. Veste-se e usa o cabelo como o do astro de sua

preferência e ainda cumprimenta o público com um beijo jogado à platéia,

fazendo acenos típicos do cantor.

Durante as entrevistas, na sua casa, pude ver retratos do cantor nas paredes

do quarto e muitos discos e vigús (5), com composições do ídolo. Ele afirma não

perder uma única apresentação de Fábio Júnior na televisão e já ter viajado para

Sergipe para assistir a um show do cantor.

**Sou o que as pessoas chamam de fã.

Nada do Fábio Júnior me escapa. Até

os vigús eu só compro se tiver nem

que seja uma música dele".(ÍJ., 18 anos)

Também F., que se identifica com o estilo de música baiano, apresenta a

cantora Daniela Mercury como a sua preferida. As duas vezes em que, durante a

pesquisa, esteve no programa, pude entrevistá-la e constatar que estava vestida

como a cantora, de vestido curto e justo. Da mesma forma, o cabelo, longo, estava

cortado imitando o da artista. F. explica que gosta de

"...trio elétrico e multidão. Trio elétrico

grande, espaçoso, que de para pular,

dançar. Gosto de muito movimento

e de ficar lá em cima, vendo aquela

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multidão lá embaixo, balançando com

o som." (F., 19 anos)

Ou seja, gosta e trabalha os atributos que lhe concedem o status de se

parecer com a artista que admira e com quem, na verdade, gostaria de parecer.

Confirmando suas preferências, F. declara que:

"se emagrecesse mais dava para

manter um corpo como o da Daniela.

Mesmo ela sendo mais alta que eu",

ou.

''cortando o cabelo mais assim,

desde cima, por igual, ia ficar igual

ao dela".

E., o calouro que não tem uma das pernas, se identifica com o cantor

Roberto Carlos, igualando seu defeito físico com o do cantor. Também como "O

Rei" prefere o estilo romântico. Entre suas composições estão títulos como: "Me

Chama de seu Bebê", "Vem me Amar, Ana Cláudia", "Você Só Quer me Enganar",

"Coração Sofrido", "O Andarilho do Amor" (nome de um dos seus shows) e

"Sonho Ter Você de Volta". Um medalhão no peito, pulseiras, um anel no dedo

mínimo e uma mecha branca no cabelo escuro são outros atributos que copiou do

ídolo (vide cartaz em anexo).

Mas as aproximações possíveis para os calouros estabelecerem com os

ídolos não páram aí. Elas se evidenciam também mediante as informações que os

calouros obtêm sobre a vida dos artistas, através das revistas especializadas,

entrevistas veiculadas pela televisão ou informações esparsas comentadas com

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outros fãs do artista.

4.4 As revistas que lêem

Do universo de consumo dos calouros fazem parte as revistas que tratam da

vida dos olimpianos. Surgem das entrevistas, com maior recorrência, as revistas

"Amiga", "Contigo", "Manchete", "Som Sertanejo" e "Sabadão Sertanejo"

(diferentemente das demais, as duas últimas trazem rápidas biografias sobre a

vida de artistas - no caso, duplas sertanejas - sendo rica em detalhes sobre

tragédias, amores e desventuras na vida dos personagens).

Antonio Fausto Neto (1991) atenta para o fato de que tais publicações

"partem do implícito de qtie seus leitores são, ao mesmo tempo, telespectadores,ou, noutras palavras, estão expostos, em diferentes níveis, as diferentes mídiasque tratam de patrocinar o universo dos olimpianos" (p.73). Ao ressaltar oaspecto gramatical do universo mediático, oautor sublinha ocaráter interelacional

dos vários mídia (televisão, revistas etc) na construção de uma realidade das

estrelas. A partir dosveículos, uma teia de discursos se completa, se auto reforça,

resultando num certo numero de informações que são criadas e alimentadas pelos

próprios mídia.

A análise de dois exemplares dessas revistas nos revela que, comumente,

o que está em pauta são as curiosidades sobre a vida dos artistas: informações de

bastidores, amores secretos, manias, preferências, trajetórias (quase sempre

difíceis), desilusões e - claro! - vitórias.

O que via de regra atrai os calouros/leitores nesse tipo de literatura é a

possibilidade de experimentar identificações. Entre a realidade e o Real (Sodré,

1981) desejado existem brechas que o calouro busca preencher através de

aproximações que estabelece entre a sua origem ou situação social de vida com

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aquelavivida anteriormente pelo artista, criando uma relação mecânica e subjetiva

de superação.

Sãofreqüentes as afirmativas dequetal ouqualcantorvivenciou momentos

difíceis, antes de alcançar a posição de sucesso. Manchetes e textos ilustram bem

essa possibilidade. As citações que se seguem foram retiradas da revista Som

Sertanejo e se referem a depoimentos e trechos sobre a vida da dupla sertanejaChrystian e Ralf: Aqui, as dificuldades: fome, contratos duvidosos são relatadospara demonstrar que somente a força de vontade e a convicção do artista podemsuperar as situações adversas:

"Chrystian e Ralf: "catamos até comida no

chão antes de vencer" (Som Sertanejo -

suplemento especial. Ano 1, n° 11, p.5)

"...quando a coisa apertava, íamos

para a Zona Cerealista no bairro do

Brás, catar o arroz e ofeijão que

caíam das sacas. A gente varria tudo.

Juntava e levava pró mãe cozinhar"

(idem, p.6).

"Eu (Ralf) e ele (Chrystian) íamos todo

dia da Vila Gustavo até o Morumbi

(onde ficava a sede da Rede Bandeirantes).

A mãe lavava nossa roupa todas as noites,

pois só tínhamos uma... "(idem, ibidem).

Asdificuldades relatadasnessasrevistaspelos artistas reforçam a expectativa

do calouro de que ele também pode, à maneira do ídolo, alcançar o status

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desejado. As origens de uma infância pobre, de um sonho norteador que sustente

o iniciante na entrada do universo da artisticidade, as dificuldades enfrentadas, as

desilusões, são relatadas freqüentemente na fala dos próprios calouros que

expressam, nas entrelinhas, apresença da ideologia na construção da identidade:

''Sei que a vida de artista é dura

no inicio, cheia de muitas batalhas.

Ninguém começa de cima. Li numa

revista sobre a vida do Leandro e

Leonardo. Sabia que antes de se

tornarem famosos eles chegaram

a plantar até batatas para sobreviver?"

(B., 16 anos)

ou,

"Alguém faz idéia do quanto a Daniela

Mercury batalhou para chegar aonde

chegou? Com o sucesso todo que ela

faz pelo Brasil à fora? Muitos anos,

eu lhe garanto. E olhe que ela foi atévocalista do grupo do Gilberto Gil..."

(F., 19 anos)

A literatura especializada oferece também indicadores do sucesso, umcerto "know how" confortante para o calouro, as fórmulas, por assim dizer, para

se alcançar a fama em meio à realidade (ainda) adversa. Assim, o talento, a garra

e a fidelidade às raizes (também entendida enquanto fidelidade ao estilo que se

admira) são os caminhos prováveis (porque trilhados) dizem as revistas, para se

tornar um verdadeiro artista, ainda que tais caminhos sejam árduos.

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Ejustamente pela analogia entre as dificuldades que ocalouro identifica na

vidados ídolos, semelhantes àssuas próprias, que seestabelecem as aproximações.

Os exemplos sobre isso são fartos nas revistas:

"O talento e a determinação desses

dois irmãos (Chystian e Ralf) falaram

mais alto do que todas as dificuldades

que tiveram que superar ao longo de

sua caminhada em busca do sucesso.

Eles passaram fome, foram enganados

por contratos mal-feitos e precisaram

brigar para deixar de lado as gravações

em inglês e cantar o que sempre amaram:

música sertaneja" (idem, p.5).

Afidelidade às raízes, entendida aqui como a música sertaneja "autêntica"é também relatada como demonstração de perseverança naquilo que se acredita.

"O sertanejo sempre foi nosso

estilo predileto. Mas as grava

doras não queriam deixar

cantar em dupla. Achavam que

o sertanejo não vendia" (idem,

p.7).

Esse tipo de dificuldade, retratada pelas revistas especializadas no assunto,são de resto compartilhadas pelos calouros, conforme atestei através de vários

depoimentos:

"Nunca vou desistir da carreira. Sei

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F F E ©ibliotocQ ComtlrQl

98

que a vida do artista e um desafio

que não tem fim. Primeiro a gente

grava um trabalho. E uma batalha.

Depois de gravar, outra guerra: a

de saber se as músicas foram bem

aceitas pelo público. Assim, se

fizeram sucesso mesmo. E uma

luta que não acaba nunca.

Nunca mesmo" (E., 19 anos).

ou esse outro, onde além da persistência, o talento é também apontado como

condição para se tornar vitorioso:

"O sucesso não é coisa que cai do

céu. Depende muito da luta de cada

um. Mas é preciso também ter talento.

Talento e força para lutar" (A., 23 anos).

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NOTAS

(1) Waldenyr Caldas (1987) destaca o surgimento da cultura de massa no século

XIX, a partir da literatura de folhetim. O romance folhetim apresentava técnicas

muito simples: em cada exemplar de jornal publicavam-se pequenos textos no

rodapé, de uma estória que deveria sempre continuar no número seguinte. Ao

francês Gustave Plache, em 1820, e atribuída a invenção do folhetim romance que

tem como características principais a linguagem acessível, os temas vibrantes, o

suspense gerando expectativa e muitos diálogos com réplicas breves.

(2) Espécie de clínicas de emagrecimento onde o paciente conta com o conforto

de um hotel, a dieta adequada e o acompanhamento médico necessário.

(3) O termo, como já foi dito, foi usado também porEcléa Bosi (1973) numestudo

sobre os processos de recepção da literatura em massa num grupo de operárias a

partir da hipótese de que o teor e os processos de composição desse tipo de

literatura estariam subordinados a necessidades de evasão e de consolação.

(4) Usei aqui o termo proposto por Berger e Luckmann (op.cit.). Por "sub

mundo", os autores querem diferenciar o mundo básico experimentado na

socialização primáriados demais mundos queo sujeito, emprocessos secundários

de socialização, passa a ter acesso.

(5) Vigús são como são chamadas as revistas que contêm as músicas, já cifradas,

decompositores, numa linguagem musical simplificada. Geralmente são adquiridas

por iniciantes em instrumentos como o violão, por exemplo.

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CONCLUSÃO

Durante a apresentação da pesquisa, levantei duas preocupações que agora

penso estarem resolvidas. Aprimeira delas se referia ao interesse em verificar seo consumo das mensagens de massa sedácom base nalgum tipodecarência, como

já tinham observado alguns teóricos da área; asegunda, conseqüência imediata daprimeira, tratava de descobrir a natureza dessa carência.

A realizaçãodotrabalhodecampo comprovou apertinência das observações

desses autores, sendo possível constatar que parcelas de público são seduzidas

pormensagens que trazem como apelo valores culturalmente aceitos e difundidos

pelos meios de comunicação de massa (fama, sucesso, dinheiro, reconhecimento)

como indicadores do sujeito bem sucedido e vitorioso socialmente.

A partir desta constatação singela e de resto óbvia, não se pode, entreatnto,

reduzir as conclusões ao jogo simplista da vulnerabilidade dos sujeitos à sedução

da fantasia patrocinada pela mídia. Evidentemente que os mass media oferecem

modelos familiares à ordem dominante e aos valores gerais de uma sociedade, e

todos os esforços da comunicação de massa parecem de fato voltar-se para o

patrocínio do sucesso, da fama, e da valorização do cidadão bem sucedido.

O perigo de observações desse tipo, entretanto, estánas possibilidades da

participação que podem ficar reduzidas à forma esvaziada da alienação, ousimples evasão. Ora, épreciso atentar para ofato de que os sentidos da evasão ouconsolação podem extrapolar a visão redutora. Nesse caso, o significado se

revitaliza e o campo das conclusões se amplia.

Tentei demonstrar, ao longo da pesquisa, de que formasujeitos específicos

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I^U FPE BibliotQca Con^rat !

101

- OS calouros - subvertem a lógica apocalíptica abordada pelos estudos sobre o

instigante tema da cultura de massa, em tentativas de superação de uma realidade

dada. Não se trata de avaliar o quão alienados possam estar os sujeitos no

exercício do sonho da artistícidade, mas a eficácia da experiência para a própria

vida dos calouros.

Encarnando o papel de artista (seu duplo), os calouros conseguem subverter

o ordinário dando-lhe nova roupagem, com as cores e o brilho fundamentais à

sustentação do viver cotidiano. Quando se trata de investigar as formas de

consumo das mensagens de massa, o fato relevante não é a alienação do processo,

mas justamente esse descortinamento da cotidianidade e a redescoberta de seu

pontencial de encantamento frente aos infortúnios, de seu caráter, parafraseando

Maffesoli (1984, p.75), de "maravilhoso".

Se as estruturas de consolação existem nas mensagens e são perfeitamente

observáveis através do que é valorizado nas programaçõesveiculadas - a exemplo

do que acontece no Sábado Sete Show, onde as "oportunidades" concedidas aos

atores em suas tentativas de trilhar os caminhos da artisticidade arrebanham toda

uma constelação de atributos e vantagens identificadas comopróprias ao universo

artístico (perda do anonimato, fama, dinheiro, sucesso...) - a socialização dos

atores se converte numa atividade permanente de subversão da cotidianidade, de

transfiguração do ordinário.

O Sábado Sete Show funciona, assim, como um espaço onde uma parcela

dopúblicoconsumidor encontra brechas paraconcretizar expectativas individuais

quesão alimentadas pelasmensagens de massa. Abusca dosucesso, porparte dos

calouros e outros atores, a exemplo das bailarinas e do apresentador, torna-se

ideologia e atitude, mito e rito.

A demonstração da "transcendência" vivenciada pelo calouro fornece as

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bases para essa "transfiguração do ordinário" (Velho, 1992) e a meu ver se

constitui na contribuição específica desta pesquisa. Por trás do caráter utilitário

da experiência e de conclusões apressadas sobre a corrida do calouro rumo ao

estrelato, corre-se o risco de ver ofuscados os verdadeiros estímulos do

empreendimento e de se chegar a uma verdade redutora.

Por isso, considero que o estudo da recepção das mensagens de massa se

constitui num campo fértil para a Antropologia, justamente porque o olhar

antropológico se apresenta como um olhar sensível à fala desses "outros" a que

nos dedicamos conhecer e estudar. Que suas falas, portanto, tenham o espaço

necessário para que se diga mais sobre a cultura de massa e se possa relativizar

a visão negativista que me parece ainda pairar sobre os produtos ofertados aos

públicos consumidores. De que outra forma poderíamos antever a realidade dossujeitos consumidores, senão através de um mergulho nos dados subjetivos dessa

expeiência e na análise pautada pela visão relativizadora que nos oferece a

Antropologia?

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103

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U F P E Biblioteca Cenirai

ANEXOS

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pell Marques confaOatoQoanoP<ihúcloMar- " r - JL • •

qum Fartas, 42 anos, sonhava TH •MKonganhoiroquondo foi atra- |

Oalogoano Pahúdo Mor-qu«s Fartas, 42 anos, sonhavasar anganhairo quondo foi atraído, sotndo na odolascância,paias luzas a cãnraros da talavi-são. Não chagou saquaro pras-tarvastibuiar. Raduzíu sau noma

para Pail Marquas a margulhoudavazna corraIra dashow-mon.

Isso foz multo tampo. Somantaam Alagoas, dapois da pagorráguc a com posso am Sõo Paulo, Pail rasista há daz anos. Elasaconsidera um sar am extinção,mas Insiste afirmando qua sua

poputoridada á moior qua osdeb protogonistas do aplsódtoqua culmimu com o paddo daIrr^aochmant do prasidanta daBapúMca. Como sa astivassafazendo um opaloaos acoiogls-tas da piantõe, o oprasantodòrdas toRlas da sóbodo da TV

Gazeta concedeu a saguintaentrevista ao MocatópoiR

IV^ -Tem muito gente que torce o nariz poro Pel Merques.Como você explica Isso?Pai • Isso é rrxjito simples. Torceo nariz para o Pell Marques porque ele dó bope. Eu dou 84

pontos de audiência.

M - O c^e significa isso 84pontos de audiência?

Pel-Isso é o equivalente a umanovela das 18 horas por ai. Nósocupamos o horário do vídeoshow. Acho também que entreas cento e tontos afiSadas da

reOe Globo, só em Alogoos éque tem um programo de oudí-tório livre, é o nosso. Então é porisso que muita gente torce onariz e torce outros coisos tam

bém, rté?

M - O Pell fvtarques não é umintelectual O Público do Pel

Marques.

Pell- Eu não faço progromoparaa elite, paro o inteleclual. Eufaço programa poro o povo demodo geral, O fBhinho de pcçKJlque diz que nào ossíste o programo do PeB t»1arques, euoctrcque issoé uma chocota. Quemnão conliece Pel Marques? Eusou mais conttecldo do que oPedro CoRor.

M - Mais do que o PC Fariastambém?

Pef-Pode ser. De repente, ho)eela estã em evidência, mas seôu chegor em Sõo Pcwlo, emqucriquer gravadora, qualquer•redoçôo de Iwnal, todo muridotem meu cxquivo. todo rrxjndocont>ece Pell Merques.M - Depois de dez anos deauditório; o que pode oconte-

ipara peroer a tirrvaez '.sou limi-bo). Mos groços a Deus eu oehxei tudo de lodo. Ho(e forrio leite, tomo ógua. Estava me cou-sondo nnal. depressòo, dor decabeça...M - É os Pellefes?PaH• Hoje trabalho com númeroreduzido, somente duos. Ocer-reram muitos problemas, decabeça, de família, de tcbú.Porque dançar em televisào éputa. é rapariga, é esses coisastodos. Dançou, é muher de PeBMarques, ele tásoindocometa..M - Você fó chegou a sercom alguma.

PaH - Nòo. Não. Eutenho o rrrai-or. até o maior cuidado, Eu meconsidero até um poi. pelo pró-drio idode. Aconselho todos. Equondo soem cortosco eu osdeixo no porto de coso.M - Como você vé a tvmoceloense. Tem futuo?Pal -Hóccrénciode cpresento-dores, Não existe incentivo ànossa cuftura. isso é multo rumporquenós temos grortoes valores, muitos tciienlDs, mas infefiz-mente os governantes não noadão o oportuntoode.de volorí-zcr o prata da cosa

- A rede Globo já fez uma

motérto com Pel Marques o nf-vei nociorral..

Pal - Amatéria foifeito porquea rede Stobo queria fazerprocFomo com Pel Merques,moscomoeuestavoenfbcandomulo Chocrinha eles quedemimPeiMciguasengQçodortx»que rvão lembrasseo CtvocrWxi.Eeu r>ão coraeguí busco-essaimagem. Isso pesou.M -O que mudou?

Pal - Euttei ocfjetes fiques. Me*continua tudo multo pobre. EUnão tenho condiçô» de tma»-um (jlfstu de fora, Não

vestir csmeninas com bocB roupas. Tudo pró gente é cMcl. £

atodatemosqueogrodecerpôr -ler esse espaço.M -E corro tircr o programodovermeiv)?

Pel - Acho que o sociedode

Pal llaquac'wu'^piinebtal'

extinção ou em ascençòo?Pell - Em extinção.M - Como é que o cidade terecebe?

Pai! - Com o moior corirbo. Isso

não posso me queixar. Só se forpor trãs de mim. Assim, obo noolho. as pessoas que nrre currvprimentam, os pessoas que euconverso no dio-a-dia. onde

estou cs pessoas me odorom.

Tombém tem aquelas p>essoasque depois queeuvro ascoftostorcem o nariz. Mos ninguémnurxto chegou perto de mrnpcro fazer imo graça. Todosme respeitomeeurespeito todomixKjo. hdepefKiente de quoF

-= quercoiso.g M • Eo progrorra?f Pai - O meu programo cpesorS-deserumaatraçãoemaxtÍr)çõoq é mutto bem venâklo.Temum^ do fdtunxr«nto.

M -Mos você se quetxa docernoccrrelradePelMorquea^odenôoesforfazerKJotmpíO- toBadplecusoide novidode.

Pai • Hoie eu sou o prtnc^.(Risos) O pr(r>cipe dacomunico-çõo.M - Skn. mos você jã panoupor vòrios tronsftymoçóes. petomeros m modo de se vectk?

Pai - A questão da roí^»; r>é?As mudanças vão ocontecervdo. O progrorro não pode ficorsó no teijõo com onoz. A cctoe-ço tem que firtcioroí. Eu tenhoum limite. Um Kmtte de trabolo.

não um limite de

poteroioidade.M - Que Imite á esse?

Pel • Écomo se vooé cotocaneo SilvioSantos, de temo e (jovo-to, no Sdodo Sete 9ow poroopresentor, ros minhas cor^dF

çòes, e colocar o Pel Marquesro lugar do SiMo Santos. Essa 6a grande dlererv^.M •Você jó ir^kouseln^dl-rou no Ctvocfinha jã se ínspfcou

.grama dentro de um'poobão Mi-OqüètataéinveitlmentcsGlobo, de un pocsão SST, da doampresfStonuprutodQcqQ.ixn podrão Borrdeirontes. Um pcra fast um piogcama me-progroma corri os rrresmas cd- ior produzido. Com uma pro-rocterfsticasdosul.Comcenãri- duçâomotor.ApofHcoestã^os Coerentes, com plolétoa ad- rrasnemTéorremZéBemcvdesrrxi de ml pessoas. controttvamoPelMerques. IssoM - O que é que estã tattorr- é outra mágoa. Com os poift-do. Dinheiro, boa vãntade de cot da cldode.Bessó chegamalguém...

Aetie que a soctedoda

davailo sa Juntar a moslKv

os pontos nageêvos. Vanwa

taSM o lelefMo, vanws var

o qua á qua aslã fcêondo.

Nós não somos Infacioies

ofiinguáffl.

m txsro de per* para der um imagem. Isso pesou,oloztoho. M - O que mudou?M - Você gostaria de trobo- Pel-Eu ttel aqueles fiques.Mcntwrpcroaigiínpoillcodesses? continua tudo miito pobre. EUPel - Gostaria porque eu sou não tertoo condlçô» de ikbvprottotond um olfsto de foro. NãoM -Quanto custa o suo e(^ vestirosmeninas com bocsrou-P®? po». Tudo pró gente é cMci. EPel - Hoje (firral de setembro) atodoterTrosqueogrodecerpôrcustoCr$ lOMKiôes. ler esse espoço.M - Pró fazer o quê? M - Ecomo tircro progrcmaMi - Prâ fazer uma ^resento- do vermeiv)?ção de duos troros.Com bento- pal - Ac^ que o sociedodetinos, convidodos. Com Pell deveria se juntar e rrKMtTv osMarques contortdo e donçon- pontos rregottvos. Vamos fazer

Pal - Tudo faz crer que é o do. fazer>dooquloquer>ãofazro próprio Slvto Santos, nuRoul recessão, tnclurive ftoje nôose

a teieviião, vamos ver o c^ueéque ertã faltando. Nós sq.

Gl e procurou umo Irtxi mais dáparafcaBrínve8ttnentos.Nós M - é verdade cjue você se mostoferteres o funguem.original, inspirado no figura do estamosemMoceíó.Nãòsorrbs 'preparo poro errfrcr em cerroGuerreiro dcs Alagoas. Eogoro,esiú tospkodo em quem?Pel ? Em mim mesmo, no PelMorcsjes. A n^r\ha identidode é

essQ.Trobolhar debiozer, cuíeiar

Quer ctererriâo quediferentes de outras cqpitols.Mas não temos fábricas. Nós

não temos estúdio. O cfue existe.aqui é um estúdio cie jomoHsmo.Nõo te rrwsimlocal próprio pcro

bem do moquiogem. cuicíar. se fazerumprogroma de oucl-b«Ti do cabelo,do sopoto. Es- tório. Portanto essaé<jrrrogran-tar elegante pora entrar no lardo telespectadorM - Pell, cjual é suo grandemãgoa com Mcxreíó?

demõgoaqueccrrego.otéhojedentro dos dez anos que estouoqul em Alogoc».

1^ - Nos moldes da TV

commuloiisque.Sempretomo pessooBaquióacomodado?umo bebkinho. Éim t^ de Pel - Isso mesmo, Eu sourelaxomento? <3togoanocommulahonia,maiPel • Anteseu bebto. Isso cri eu sempre digo: ele ficonão rrogo. Desdeo tempo em ocomododo, esperarKlo queque comecei a enterrder de çcto do céu. Eé <^H, né?teíevisãoeutDmavaconhoqM», M - Vocêfópenscxi o^urroquando nõo firrtro liique eumisturava gole de cochoçocrom coca-cola pró me dor for-,ça e tal, né? Até oquj em

I-Aminliagrandemògoaé Alogoarro você é ui"n rer em IMocrelò eu tinhc esse hóblto

vezem pcror de fazer o progro-ma?

Pel-Deporor,nõc. Eupenso emfazer em outro Estodo. Jâ tfveInclusive propostas.

CÉÍCÍÜFiCÍD

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o ANDARILHO DO AMOR |

APOIO: GOVERNO DE ALAGOASSECRETARIA DE COMUNICAÇÃOE ADEFAL, RUA CLEMENTINO DO MONTE

LAMBADA DO PRAZER

ME CHAMA DE SEU BEBÊBAMBOLÊ

• VOCÊ SÓ QUER ME ENGANAR- REAGGUE JAMAICA- CORAÇÃO SOFRIDO

1? — EU VIM DA BAHIA2? — CABOCLA DA SERRA3! — O ANDARILHO DO AMOR4? __ VEM ME AMAR ANA CLÁUDIA5! — GRITO DE AXÉ6! — SONHO TER VOCÊ DE VOLTA

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/

CHRYSTIAN E RALE

CHÃOLNTES DEVENCER"

O talento e a determinação desses doisirmãos faiaram mais aito do que todas

; as dificuldades que tiveram de superarao longo de sua caminhada em busca dosucesso. Eles passaram fome, foramenganados por contratos malfeitos eprecisaram brigar para deixar de lado

l as gravações em inglês e cantar oj que sempre amaram: música sertaneja.

m 1973 assistir à no-P vela das 8 já era mo-P da, e milhões de bra-L sileiros interrompiamo jantar para ficar de olhosgrudados na televisão.Quando Tarcísio Meiraaparecia nas cenas românticas de "Cavalo deAço" ao lodo de GlóriaMenezes, uma canção eminglês servia.de fundo para os diálogos: "Don't SayGoodbye" (Não DigaAdeus).

A música ficou 19 semanas em primeiro lugar

nas paradas, e era presença obrigatória nos baili-nhos da época, embalando milhares de namori-cos. Mas, apesar desseenorme sucesso, seu in

térprete passava fome numa casa humilde da VilaGustavo, em São Paulo.Era Chrystian, que davaseus primeiros passos nomundo artístico, e eraobrigado a cantar em inglês por uma questão demodismo das gravadoras.

"Nunca ganhei um tostão com essa música até

SOM SERTANEJO 5

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^üie, pois j gravadoraToo-Tape disse que nãotinha contrato comigo.Além do mais, tambémnão podia aparecer na te-ievisão, para que não•'f)uho';'-(>m fiun era umpr.isilumi fU;C {'sM\ ,l ( .m-lanrld • (onia n artista,

que não esconde sua raiva. mesnío (IcpoiS dc tantos anos.

Raiz Sertaneja

C'iir\siian "•nime .iriisti-

( o do yoíiinicnse iosc^ Pe-reiM da Silva .NoIqi c ome-f,ou cantando em ingicspor pressão da gravadora.Sa verdade, desde pequeno cie gostava da músicasertaneia. formando cmiadupla com o irnj.io Ralépor mceritivo do pai, seu\Uí'io, taíecido cm 1977.

"Eu nem sabia íalar inglês naquela época. Apenas pronunciava as palavras como me Indicavam,e procurava transmitir osentimento adequado, depois que a produção meexplicava o sentido da letra. Quando me transferipara a RCA, eu e o Ralfchegamos até a assinarum tonlratri para gravarmos s('ftane|o em ituplamas o dis(.n '1,1(1 saiu. Eles

amavam que musica ser

taneia não era uma boaPor muHo tempo Chrvs.

tian e seu irmão foram

ohrigad<;s a cantar em m-glc^s e permanecer qua^r :

no .inommalo. prns a gra-

\ado'a não nueoa que ini|igurm soubesse cjueeles eram lirasiUiiros f,

e'ic|uanlo stia*» miisicav ía-/uim sLn e^'^o, eles c os ir-niàos viviam na maior dasaperturaS com o modestosalário do pai. Ralí (nomeartístico de Ralf Ri-chardson da Silva) contacomo foi aquele momentode sua vida;

"Com 10 anos eu jágravava em inglêse português, como solista e vocalista em discos de outrosartistas. Mas eu e o Chrys-tian ganhávamos muitopouco. Quando a coisa

6 SOM SEf^TAMeJO

ap>ertava, íamos para aZona Cerealista no bairrodo Brás, catar o arroz efeijão que caíam das sacas. A gente varria tudo,juntava e levava pra mãe(Dona Eunice) cozinhar".

Frango Assado

Nc-s.i Mse de v.K«iv

mugr.-s 'I -onhu de(]hr\vh,in era comprar umfrango asxKlo igual aovque ele via guando nosespetos das padarias. Eele loi re.ilizado Irigo apósa prini('ira apanção na TVao lado fio irmâo

Fu I' ele i,imf)s todo

(ii<i da v Ha (lustavo .iié o

Ntiuumbi ioncl(« fic a a se

de tta Rede R.inckurantes),A mãe lavava nossa roupatodas as noites, pois só tínhamos uma. Depois degastar muito sapato, o Vicente Leporace (radialistajá falecido) e o CaetanoZaino nos deram umachance. Cantamos ao vivo. com orquestra, e foium sucesso. Saímos de lá

contratados pelo Zé Lázaro (irmão do também em

presário Marcos Lázaro).Ele nos levou pra casa deLandau e assinamos o

contrato no cháo, poisnão tínhamos mesa. Saí efui comprar o frango. Enchi a pança e fiquei trêsdias com desinteria, porfalta de costume!"

Cansados de gravar eminglês. Chryslian e Ralf resolveram assumir sua vo

cação de sertanejos em1982. Na época, eles játinham prestígio para impor sua vontade, e o LPfoi lançado pela RCE.

"Foram sete LPs e seteDiscos de Ouro. O cita-vo, que lançamos recentemente pela BMC/Ariola,

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BAS NA VIDA DE...•S;.. mi .

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—T

iH-lí' i.imi-nho SM) entrcimo^ nd

Jrcd dt' alcere'^ ou poroportunismo. 5e o suioitonão Ccinidi" umd mn-dd dc siol'̂ ' não tdnid dcjeito nenhum. E a gentecanta!", afirma Chrystian.PO, Sldnay d# Moratt TíiMiri

"O SERTANEJOSEMPRE FOI

NOSSO ESTILOPREDILETO.

MAS AS

GRAVADORASNÀO QUERIAM

NOS DEIXAR• CANTAR EM

DUPLA.

ACHAVAM QUESERTANEJO

NÂO VENDIA."

O sucesse esforços

foi recompensada

SOM SgRTANEJO 7

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Éjjl^^^Qlrf *** *( fc** ^•''• fA. - >• ^•- -

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K?«c"*vjí ^

lomento

relaxar,

r aquelada... No

relho de

. o lugartrvado e

do

ofonista

'enny G.

{"^5^ , •. .*, •'! y: A-.. • ^

E o amor. Nào hanada mais

gostoso quenamorar dentro

da piscina. Hajafôlego!!

Eh nào resiste a umafruta fresquinha e vaiatacando tudo queencontra pela frente.Que saúde!!

E inacreditável, mas a água de piscina dacasa na Serra da Cantareira pode ser atébebida, de tão limpa. Esterilizada e semcloro, a água é transparente...

útf. -• ^f

Viver é ótimo e epreciso agradecerpor um dia tãomaravilhoso.Messiânico, o cantorfaz meditaçãodiária...

i

•k 8«bad&o Sertanejo ir 17

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doação QlC- ~P/77l^fiTlDADF

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39/B277S P567EC/94)