Saussure(LINGUISTICA)
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Saussure é o pai da lingüística moderna. Teve uma enorme influência não só na semiologia e na
antropologia das últimas décadas, mas os seus conceitos foram utilizados em vários campos,
como a sociolingüística (Meillet e Sommerfelt), a estilística genebrina (Bally), a lingüística
psicológica (Sechehaye), os funcionalistas (Frei e Martinet), os institucionalistas italianos (Devoto e
Nencioni), os fonologistas e estruturalistas de Praga (Karcevskij, Trubeckoj e Jakobson), a
lingüística matemática (Mandelbrot e Herdan), a semântica (Hullmann, Prieto, Trier e Lyons), a psicolingüística (Bresson e Osgoop), a história
(Pagliaro e Coseriu), bem como Bloomfield, Hjelmslev e a escola glossemática e Chomsky.
Saussure nasceu em Genebra, na Suíça, em 1857. Especializando-se inicialmente no grupo lingüístico indo-europeu, Saussure, em vida, publicou apenas o livro Trabalho
Sobre o Sistema Primitivo das Vogais Indo-Européias (1879) e
sua tese de doutoramento, intitulada Sobre o Emprego do Genitivo Absoluto em Sânscrito
(1880).
No entanto, sua obra mais importante, o Curso de Lingüística Geral (CLG), só foi
publicado postumamente em 1916, graças aos esforços de dois discípulos
(Charles Bally e Albert Séchehaye), que recolheram anotações de aulas dadas
pelo mestre entre 1906 e 1911. Ao que tudo indica, Saussure teria deixado de publicar o Curso devido à inquietação que suas idéias poderiam provocar,
como já ocorrera, até certo ponto, entre os participantes de suas aulas.
O CLG só adquiriu importância histórica a partir de 1960, basicamente em função de
dois fatores: a perda da influência dos lingüistas alemães e a ascensão dos
lingüistas suíços e russos, e o artigo de Greimas, de 1956: “a atualidade do
saussurismo”. Nesse artigo, comenta Greimas: “eu mostrava que a lingüística era invocada por toda a parte: Merleau-Ponty em
filosofia, Lévi-Strauss em antropologia, Barthes na literatura, Lacan na psicanálise,
mas que nada acontecia na lingüística propriamente dita, e que seria tempo,
portanto, para repor Ferdinand de Saussure em seu justo lugar”.
No CLG, Saussure traça o plano da construção de uma semiologia geral que
integre todas as disciplinas que se interessam pela vida dos signos no seio da
vida social: "Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida dos
sinais no quadro da vida social; ela poderia ser parte da psicologia social e,
conseqüentemente, da psicologia geral; nós a chamaremos de semiologia (do grego
semeion, 'sinal')".
O objetivo dessa ciência está em nos "dizer em que consistem os sinais, que leis os regulam". Entretanto, os sinais não são
apenas os lingüísticos. Por isso, a semiologia diz respeito a outros sistemas
de sinais, como os ritos simbólicos, o alfabeto dos surdomudos, as formas de cortesia, os sinais militares, a própria
moda, os sinais visuais marítimos e assim por diante. Desse modo, a língua é um
sistema semiológico especial, ainda que privilegiado.
"A lingüística é apenas uma parte dessa ciência geral". É na realização desse
ambicioso programa que se inscreve o projeto estruturalista, reagrupando em
torno de um mesmo paradigma todas as ciências do signo. É esse impulso que irá fazer da lingüística a ciência-piloto, no centro do projeto, com a força de um método que pode prevalecer-se de
resultados; ela vai apresentar-se como o cadinho, o lugar de mistura de todas as
ciências humanas.
Para se entender a importância de Saussure, é preciso conhecer os cortes que
ele operou. O primeiro corte é entre a língua (langue) e a fala (parole). A língua é uma ‘instituição social’, ao passo que a fala
é um ato individual. Enquanto instituição social, a língua é um sistema organizado de
sinais que exprimem idéias. A lingüística tem por tarefa estudar as regras deste
sistema organizado (da língua, e não da fala).
Distanciando-se dos seus antecessores gramáticos que
prescreviam as leis do bem dizer, dos filólogos que comentavam os textos,
dos historiadores que comparavam as línguas, Saussure acaba por distinguir a lingüística interna das lingüísticas
externas.
“A lingüística externa pode acumular pormenor sobre pormenor sem se sentir
apertada nas garras de um sistema. Cada autor, por exemplo, agrupará como
entender os fatos relativos à expansão duma língua fora do seu território; se se procuram os fatores que criaram uma
língua literária, face aos dialetos, poder-se-á utilizar sempre a simples enumeração
(...)”
“Na lingüística interna, tudo se passa doutro modo; a língua é um sistema que não conhece a sua própria ordem. Uma
comparação com o jogo de xadrez fá-lo-á sentir melhor. Aí é relativamente fácil
distinguir o que é interno do que é externo: o fato de ter passado da Pérsia para a
Europa é de ordem externa; pelo contrário é interno tudo o que diz respeito ao
sistema e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de marfim, a
mudança é indiferente para o sistema; mas se eu diminuir ou aumentar o número de
peças, esta mudança atinge profundamente a ‘gramática’do jogo”.
Pode-se perceber daí como a ‘lingüística interna’, que estuda as regras pelas quais uma língua se organiza e produz sentido, está na origem da lingüística estrutural. Mantendo a comparação com o jogo de
xadrez, podemos dizer que: - a lingüística externa (histórica) estudará a difusão do jogo de xadrez de país em país;- a lingüística externa (filológica) estudará
os diferentes aspectos e materiais das peças;
- a lingüística interna (estrutural) estudará as regras que fazem com
que o jogo de xadrez se organize de maneira diferente do jogo das damas. Podemos acrescentar as combinações
que estas regras necessariamente engendram.
Restam as habilidades táticas e a maneira de jogar numa determinada partida.
Saussure diria que esta última é a ordem da fala concreta de cada um, que ela
deriva da psicologia.
Estabelecem-se, assim, dois níveis no estudo da linguagem: um, essencial,
explica o próprio Saussure, "tem por objeto a língua, que é social em sua essência e
independente do indivíduo", outro, "secundário, tem por objeto a parte
individual da linguagem, isto é, a fala". Essa doutrina dos níveis, pedra de toque do
estruturalismo, sintetiza-se na dicotomia língua/fala. O objeto da Lingüística, então, passa a ser o estudo da língua enquanto
sistema, e não da fala.
A prioridade da lingüística interna sobre a externa pode ser expressa pela
preponderância que Saussure atribui à sincronia em relação à diacronia. Ele propõe que a pesquisa lingüística seja
descritiva ou sincrônica, e não evolutiva ou diacrônica. Essa dicotomia sincronia/diacronia tem como conseqüência a divisão da ciência da linguagem em duas partes: por um lado, a
Lingüística sincrônica (ou estática ou descritiva), que estuda a constituição da
língua, seus sons, suas palavras, sua gramática, suas regras, etc. num dado
momento; por outro, a Lingüística diacrônica (ou evolutiva ou histórica), que estuda as
transformações produzidas na língua através do tempo.
No Curso, Saussure associa a esses dois tipos de interpretação um sistema de eixos: um
eixo referente à simultaneidade (sincronia) e outro correspondente à sucessividade
(diacronia). Saussure nega não só a primazia do primeiro
eixo sobre o segundo (primazia essa que, antes dele, era admitida sem mais), mas considera evidente o primado do aspecto
sincrônico sobre o outro, pois, para a grande maioria das pessoas que falam, aquele
aspecto é a única e verdadeira realidade. Além disso, rejeita toda e qualquer
possibilidade de estudar simultaneamente as relações no tempo e no sistema. Para ele, "a
oposição entre os dois pontos de vista (sincrônico e diacrônico) é absoluta e não
admite compromisso".
Às dualidades língua/fala e sincronia/diacronia, acrescenta-se uma
terceira dicotomia constituída pelo signo lingüístico, que apresenta um duplo aspecto: um perceptível, audível, o
significante; o outro, contido no anterior, produto dele: o significado. O significante
é de ordem material – sons, gestos, imagens, objetos, etc.
O significado não é a coisa propriamente dita, mas a representação mental da coisa,
“a idéia”.
Saussure preferiu o termo signo (com o seu duplo aspecto de significante e
significado) ao termo símbolo, porque, no caso do signo, a relação entre o
significante e o significado é contratual ou arbitrária. É arbitrário que eu use o termo “irmã”, “soeur” ou “sister” para descrever
um familiar. Mas no símbolo, a relação entre o significante e o significado é
natural e motivada. Por ex.: água, símbolo de pureza, de renovação, de vida...
Para Saussure, as onomatopéias existentes não constituem acervo suficientemente
rico para destruir a tese da arbitrariedade do signo. Esse caráter arbitrário comanda a
noção de "sistema", sendo, portanto, o núcleo das oposições língua/fala, sincronia/ diacronia. Nesse sentido, pode-se afirmar que o signo lingüístico encobre duas faces
da mesma moeda (significante/significado).
Desta forma, a língua se fecha sobre si mesma. O signo só envolve, portanto, a
relação entre o significante (imagem acústica) e o significado (conceito), com
exclusão do referente. A função referencial, também chamada de denotação, é
portanto reprimida.
Considerando a língua como um sistema, Saussure realça a
importância das relações que ocorrem entre grupos associativos em dois
níveis no interior da própria língua: 1) as relações sintagmáticas (contigüidade) e as relações
paradigmáticas (similaridade).
Pelas relações sintagmáticas, todo elemento da língua está em relação com outros, formando cadeias de enunciados,
falados ou escritos. Tais relações em cadeia formam-se in praesentia,
constituindo os sintagmas, ou seja, unidades maiores que agrupam outras
menores. Os grupos associativos in praesentia na cadeia constituem, na
terminologia de Saussure, o eixo sintagmático.
Pelas relações paradigmáticas, existem grupos associativos in absentia, isto é, as
classes de unidades disponíveis na memória. Nesse sentido, cada elemento lingüístico provoca imagens de outros elementos, tanto na pessoa que fala,
quanto na que ouve. A palavra "ensino", por exemplo, desperta associações como "ensinar", '"educação", "aprendizagem", etc. Saussure chama a essas associações de "relações in absentia", pois elas vêm à
tona na ausência dos signos evocados. Cada uma dessas classes de unidades, que
formam as relações in absentia constitui aquilo que o autor chama eixo
paradigmático.
Proximidade (contágio):Magia contagiosa. Lei do contágio: coisas
que estiveram em contato ainda continuam ligadas e influenciando-se mesmo após ele
ter sido rompido. Forma mais simples: identidade da parte e do todo. A parte vale
pelo todo. Rituais: os dentes, o cordão umbulical, os alimentos, os cabelos
cortados. Cuspideiras. O próprio nome.
Semelhança: Magia Homeopática. Lei da semelhança: o semelhante produz
o semelhante, os efeitos se assemelham a suas causas. Para se produzir determinado efeito, basta imitá-lo. Na prática, ambas se
mesclam, visto ambas estabelecerem que as coisas atuam entre si à distância mediante uma atração secreta, uma simpatia oculta.
Pois de início vemos que as ações simpáticas (miméticas) à distância não foram
consideradas suficientes por si. Imaginam-se eflúvios que se desprendem dos corpos,
imagens mágicas que viajam, laços que ligam o encantador e sua ação, cordas, correntes;
até a alma do mago parte para executar o ato que ele acaba de produzir.
Deste modo, tende-se a conceber a similaridade como contigüidade. A
imagem está para a coisa assim como a parte está para o todo. A lei só é
verdadeira se, nas partes, nas coisas em contato, e no todo, circula e reside a
mesma essência que os torna semelhantes.
Exemplos: vodu, bonecas para gravidez de mulheres estéreis. Os índios pipiles e a cópula antes da semeadura; a
sombra e o reflexo. Os basuto e os crocodilos que comiam o reflexo na água.
Frazer e o mito de narciso. Os retratos.
Para Freud, o inconsciente é regido pelo processo primário (energia livre), que flui por condensação (semelhança) e deslocamento
(proximidade). A condensação, conforme diz Freud na
Interpretação dos Sonhos, pode efetuar-se por diferentes meios: um elemento (tema, pessoa,
etc.) é conservado apenas porque está presente por diversas vezes em diferentes
pensamentos do sonho (‘ponto nodal’ ou de interseção); diversos elementos podem ser
reunidos numa unidade desarmônica (personagem compósita, por exemplo); ou, ainda, a condensação de diversas imagens pode chegar a esbater os traços que não
coincidem, para manter e reforçar apenas o ou os traços comuns.
O deslocamento indica o fato de a acentuação, o interesse, a intensidade de uma representação ser susceptível de se soltar dela para passar a outras representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa. Esse fenômeno, particularmente visível na análise do sonho, encontra-se na
formação dos sintomas peiconeuróticos e, de um modo geral, em todas as formações do inconsciente. A teoria psicanalítica do
deslocamento apela para a hipótese econômica de uma energia de investimento susceptível de se desligar das representações e de deslizar por
caminhos associativos. O ‘livre’deslocamento desta energia é uma das características principais
do processo primário tal como ele rege o funcionamento do sistema inconsciente.
Condensação: a visão de si como um cadáver. Deslocamento: paralisia na
perna. Sonhos: desejar ir ao banheiro e não
poder fechar a porta. Os 24 cachorrinhos.
Metáfora: uso de palavra ou expressão em sentido figurado em que a significação
natural de uma palavra é substituída por outra, em virtude de relação de
semelhança subentendida: “Ela está na flor da idade’; ou a luz da inteligência. A
metáfora, diz Aristóteles, (...) ‘é um sinal de dons naturais, pois bem fazer metáforas
é bem perceber as semelhanças’.
A metonímia (etimologicamente: mudança de nome) é elaborada segundo um processo de
transferência de denominação, por meio do qual um objeto é designado por um termo diferente daquele que lhe é habitualmente próprio. Esta
transferência de denominação de um termo para um outro termo, contudo, só é possível com a ressalva de que existam certas condições de ligação entre os dois termos. Os dois termos
porém, come feito, estar ligados por uma relação de matéria a objeto e de continente a
conteúdo (por ex: beber um copo), ou de parte e todo (Uma vela no horizonte), ou numa relação de causa e efeito (a colheita, que é não só o ato
de colher como o efeito desta ação). A mútua imbricação entre esses dois elementos se dá em
virtude de uma relação de proximidade.
Notemos que Saussure nunca falou de ‘estrutura’. Contentou-se com o termo
sistema, que aparece 138 vezes no CLG, para designar as regras internas segundo as quais uma língua se organiza. O termo
‘estruturalismo’ foi empregado pela primeira vez por Jakobson, no I Congresso
Internacional de Lingüística (1928), em Haia.
Ao oferecer uma interpretação da língua que a coloca resolutamente do lado da
abstração para melhor a separar do empirismo e das considerações
psicologizantes, Saussure funda assim uma nova disciplina, autonomizada em relação às outras ciências humanas: a lingüística.
Uma vez estabelecidas as suas regras próprias, ela vai, por seu rigor, seu grau de formalização, arrastar em sua esteira todas
as outras disciplinas e fazê-las assimilar seu programa e seus métodos.