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SAUL BASS E OS CRÉDITOS DO FILME PSICOSE DE ALFRED HITCHCOCK Silvio da Silva Pena IFPE, Departamento de Design Gráfico [email protected] Resumo O presente texto desenvolver-se-á sobre a importância da elaboração da sequência de títulos que os filmes adquiriram ao longo de décadas da arte cinematográfica. Realizaremos uma análise da sequência de abertura de créditos (tipos) do filme Psycho / Psicose (1960) de Alfred Hitchcock, criada pelo designer Saul Bass. Faremos uso das leis da Gestalt e da semiótica como parâmetros para balizar nossas afirmações. Essa sequência com os créditos dos filmes (trecho, no início do filme, em que são apresentados os nomes dos principais atores, produtores e o nome do filme, em geral). Acreditamos ser pequenos “curtas-metragens” dentro do longa-metragem, hoje bem mais desenvolvidos e com interferências em toda a identidade fílmica, peças gráficas, etc., propostas pelos realizadores. Uma questão também que estará presente é a seguinte: hoje poderíamos afirmar que essa sequência é um segmento autônomo, segundo Christina Metz? Palavras-chave: design gráfico, tipografia, Saul Bass, Alfred Hitchcock. Abstract This text will develop on the importance of preparing the sequence of titles that films acquired over decades of cinematic art. We will conduct an analysis of the opening credits sequence (types) of the film Psycho / Psycho (1960) Alfred Hitchcock, created by designer Saul Bass. We will use Gestalt laws and semiotics as parameters to mark our statements. This sequence with the credits of films (stretch at the beginning of the film, in which are presented the names of the main actors, producers and the name of the movie in general). Believe to be small "shorts" within the feature film, now well developed and with more interference across filmic identity, graphic elements, etc. Proposed by the directors. Also an issue that will be present is as follows: Today we would say that this sequence is a standalone segment, according to Christina Metz? Keywords: graphic design, typography, Saul Bass, Alfred Hitchcock.

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SAUL BASS E OS CRÉDITOS DO FILME PSICOSE DE

ALFRED HITCHCOCK

Silvio da Silva Pena IFPE, Departamento de Design Gráfico

[email protected]

Resumo

O presente texto desenvolver-se-á sobre a importância da elaboração da sequência de títulos que os filmes adquiriram ao longo de décadas da arte cinematográfica. Realizaremos uma análise da sequência de abertura de créditos (tipos) do filme Psycho / Psicose (1960) de Alfred Hitchcock, criada pelo designer Saul Bass. Faremos uso das leis da Gestalt e da

semiótica como parâmetros para balizar nossas afirmações. Essa sequência com os créditos dos filmes (trecho, no início do filme, em que são apresentados os nomes dos principais atores, produtores e o nome do filme, em geral). Acreditamos ser pequenos “curtas-metragens” dentro do longa-metragem, hoje bem mais desenvolvidos e com interferências em toda a identidade fílmica, peças gráficas, etc., propostas pelos realizadores. Uma questão também que estará presente é a seguinte: hoje poderíamos afirmar que essa sequência é um segmento autônomo, segundo Christina Metz? Palavras-chave: design gráfico, tipografia, Saul Bass, Alfred Hitchcock.

Abstract

This text will develop on the importance of preparing the sequence of titles that films acquired over decades of cinematic art. We will conduct an analysis of the opening credits sequence (types) of the film Psycho / Psycho (1960) Alfred Hitchcock, created by designer Saul Bass. We will use Gestalt laws and semiotics as parameters to mark our statements. This sequence with the credits of films (stretch at the beginning of the film, in which are presented the names of the main actors, producers and the name of the movie in general). Believe to be small "shorts" within the feature film, now well developed and with more interference across filmic identity, graphic elements, etc. Proposed by the directors. Also an issue that will be present is as follows: Today we would say that this sequence is a standalone segment, according to Christina Metz?

Keywords: graphic design, typography, Saul Bass, Alfred Hitchcock.

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1 Créditos no primeiro cinema e suas configurações gráficas

As vistas produzidas pelo cinematógrafo dos irmãos Lumière, eram conhecidas

por um nome, sem a mesma estar com uma configuração gráfica extradiegética1 na

película. Era o caso de: L'Arrivée d'un train en Gare de la Ciotat / A Chegada do Trem

na Estação la Ciotat (1895); Após esse primeiro momento, passamos a ter cartelas

filmadas com os títulos principais e o nome do filme (fig.01/02). Geralmente fontes

sobreposta às imagens, linearmente ajustadas, sendo a apresentação destas através

de esmaecimento e o aparecimento, finalizando em geral com o nome do realizador.

A mudança desse paradigma foi estabelecida pelo designer gráfico Saul Bass

(1920-1996). Após ser convidado pelo cineasta Otto Preminger (1906-1986) para

elaborar o cartaz do seu filme Carmen Jones (1954), o cineasta sinalizou para Bass

desenvolver também a sequência de títulos de abertura do filme. Foi essa

oportunidade de criar algo mais do que uma simples introdução de títulos sobre

imagens, que o designer passou a desenvolver, de forma contínua, elementos gráficos

como introdução à ação fílmica.

Com o filme The Man with the Golden Arm / O Homem do Braço de Ouro (1955),

também de Preminger, Saul Bass consolidou seu nome como grande realizador no

ofício de manipulador dessas sequência de filme. Por tratar-se de um tema

controverso, Bass tomou com referente um braço, fazendo uma relação dicotômica

entre Braço/Droga. Sendo a abertura animada com retângulos brancos sobre fundo

preto, fazendo no desdobrar desses retângulos, a culminância com a formação destes

em um braço.

Após esse primeiro momento, Bass consolidou-se como um designer de títulos de

referência e passa a trabalhar para outros cineastas tais como Alfred Hitchcock (1899-

1 As configurações gráficas extradiegéticas – não pertencem ao universo diegético

enquanto objetos, mas têm a intenção de informar algo sobre a diegese. Desenvolveremos explicação sobre esse tipo de argumentação mais à frente.

Fig.01 Fig.02

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1980) fazendo os títulos de três filmes, sendo consultor de imagens em um deles

(Psicose). Bass diz o que pensa sobre o desenvolvimento da sequência de títulos:

Minhas impressões iniciais sobre o que os créditos iniciais pode fazer é definir o clima e o núcleo principal subjacente da história do filme, para expressar a história de alguma maneira metafórica. Eu vi os créditos como uma forma de condicionar o público, de modo que, quando o filme começou realmente, os telespectadores já teria uma ressonância emocional com ele. (BASS,1996).

Considerando o estabelecido no âmbito da linguagem cinematográfica a

sequência como um conjunto de cenas ou planos desenrolados num só ambiente ou

que tenham determinada unidade de ação. Christian Metz fala dessa sintaxe como um

grande conjunto sintagmático. Vejamos:

Há uma sintaxe no cinema, mas inda está por fazer, e só poderá ser feita em bases sintáticas e não morfológicas; Saussure observava que a sintaxe não é senão um aspecto da dimensão sintagmática da linguagem, mas que qualquer sintaxe é sintagmática: ideia a ser meditada porque trata de cinema. O “plano” é a menor unidade da cadeia fílmica, a sequência é um grande conjunto sintagmático. (METZ, 1972, p.85)

Essa sequência aparentemente fechada é um discurso do enunciador. Portanto,

quero aqui deixar claro que considerarei a sequência de títulos uma obra artística, não

isolada e sim como afirma Metz, fazendo parte de um grande conjunto sintagmático e

fará parte de um conjunto sintagmático no sentido de propiciar a “impressão de

realidade”. Essa “impressão” em Aumont (2002) destaca o quanto “é importante

observar que reagimos diante da imagem fílmica como diante da representação muito

realista de um espaço imaginário que aparentemente estamos vendo” (2002, p.21).

Até àquele momento, o senso comum entendia os créditos de filme como princípio

divulgar dos nomes e as atividades das pessoas que participaram da execução de um

filme. Porém, alguns autores aproveitam os créditos para, além de passar a

informação sobre os participantes da produção, realizar sequências marcantes logo na

abertura do filme. Em muitos desses casos, a ideia é de alguma forma antecipar para

a audiência algo que ainda está por vir no continuum narrativo.

Títulos bem elaborados tornam-se recursos bastante eficientes para atrair a

atenção do espectador e despertar seu interesse pelo filme, adequando-o

esteticamente e narrativamente ao universo diegético e colocando-o dentro do filme

desde os primeiro segundos.

A nossa educação visual passa por diversas etapas de formação. Da primeira

idade até a velhice estamos sempre em um processo de percepção visual e no nosso

caso específico, limitado pelo retângulo de projeção de uma sala qualquer. Adquirir

esse desenvolvimento e compreender melhor as ações que nos cercam, independente

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de preconceitos ou outros problemas relativos a fatores e modismos de ordem cultura,

muitas vezes, certamente condicionantes da nossa postura ou modo de ver as coisas,

bem como o nosso dever de aprimorar o interpretante.

Vamos proceder a uma análise das imagens que nos são apresentadas

geralmente no início de um longa-metragem. É o que se denominou ao longo do

desenvolvimento da atividade cinematográfica de créditos iniciais. Faremos uso para

análise desses elementos gráficos da Gestalt que é uma escola de psicologia

experimental tendo seu início mais efetivo por volta de 1910, atuando no campo da

teoria da forma, contribuindo para os estudos da percepção, linguagem, inteligência e

aprendizagem. Extraída de uma rigorosa experimentação, sugere uma resposta ao

porquê de umas formas agradarem mais e outras não. Portanto, a nossa intenção é

usar seus postulados como orientação de análise dos sujeitos da enunciação junto

com a semiótica.

Em alguns momentos poderemos resvalar pelo subjetivismo e exatamente por

isso procuramos balizar as nossas afirmações procurando explicar essa relação

sujeito-objeto no campo da percepção. Considerando o sujeito o enunciatário e o

objeto2, os sujeitos da enunciação declarados sobre o retângulo projetado que

certamente emanam conceitos. Gomes Filho afirma:

De acordo com a Gestalt, a arte se funda no princípio da pregnância3

da forma. Ou seja, na formação de imagens, os fatores de equilíbrio, clareza e harmonia visual constituem para o ser humano uma necessidade e, por isso, considerados indispensáveis – seja numa obra de arte, num produto industrial, numa peça gráfica, num edifício, numa escultura ou em qualquer outro tipo de manifestação visual. (GOMES FILHO, 2000, p.17).

A Gestalt analisa os elementos e suas relações em que o designer os escolhe

para através destes, realizar composições ou mesmo padrões de organização,

efetivando suas relações com os limites do quadro projetado. À semiótica interessa

interpretar esses elementos e suas ações no interpretante para conceber os conceitos.

Existem duas forças principais que regem esses conflitos, forças de segregação e

unificação. As forças de unificação agem sobre o nosso interpretante em virtude da

igualdade de estimulação e as de segregação agem em virtude da desigualdade de

estimulação. Essas forças conjugam-se no espaço fílmico estabelecido universalmente

pelo designer de títulos.

2 O termo objeto, para efeito da leitura visual, significa qualquer tipo de manifestação visual

passível de ser lida, em termos de imagens bi ou tridimensionais. 3 Lei ou princípio geral da teoria da Gestalt segundo o qual a configuração perceptiva particular

que reponta entre todos os outros potenciais é tão boa quanto o permitirem as condições prevalentes, e suas propriedades são a simplicidade, a estabilidade, a regularidade, a simetria, a continuidade, a unidade, a concisão; qualidade ou virtude do que se impõe ao espírito, do que produz forte impressão.

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Os elementos gráficos, tipográficos, sons, imagens estáticas ou em movimento

são inseridos naquele espaço como fator de análise de um discurso semiótico. O

sujeito “eu” o enunciador, e um “tu” sujeito enunciatário que gera um interpretante,

contribuindo para a efetivação do momento seguinte à sequência de títulos.

Existe um nível de abstração que é proposto para o enunciatário nesse primeiro

momento, que serve de introdução do mesmo no universo da narrativa romanesca a

partir da decupagem clássica. A relação de mascaramento entre o “eu” enunciador e o

“tu” enunciatário começa a ser estabelecida. Saul Bass exerce esse primeiro contato

interagindo e fornecendo elementos como preparação para um texto seguinte.

O movimento dos elementos gráficos, sujeitos da enunciação dá a esses objetos

uma espécie de corporalidade, possibilitando-lhes desprender-se melhor de um

“fundo”, como “figuras”; livres do seu suporte, o objeto agrega uma espécie de

autonomia dentro do quadro e o seu movimento passa a fluir significações para a

audiência, dando destaque maior para esses elementos.

A observação de qualquer filme, principalmente pós Saul Bass, permite-nos

classificar essas configurações gráficas pertinentes à linguagem cinematográficas,

segundo Isabella Aragão, (CUNHA FILHO, 2005, p.59), sobretudo levando-se em

consideração os estudos pioneiros provocados pelo trabalho de Metz. Ela exemplifica

as seguintes classificações:

1. Configurações gráficas verbais – imagem configurada apenas por palavras.

2. Configurações gráficas pictóricas – entende-se por figura que não se

encaixam na matéria de expressão imagética definida por Metz.

3. Configurações gráficas esquemáticas – imagens compostas por elementos

que não sejam verbais, numéricos ou pictóricos.

4. Qualquer combinação das três acima.

A mesma autora utiliza-se também de outra definição (CUNHA FILHO, 2005, p.

60) para fazer uso da diegese e do extradiegético para configurar esse sistema, como

sendo:

1. Configurações gráficas extradiegéticas – não pertencem ao universo

diegético enquanto objetos, mas têm a intenção de informar algo sobre a diegese.

2. Configurações gráficas totalmente extradiegéticas – não pertencem ao

universo diegético e não fornecem nenhuma informação sobre ele.

3. Configurações gráficas intradiegéticas – Pertencem ao universo diegético

do filme.

Todas estas classificações podem se interagir, no ato da expressividade do

designer de títulos. O momento da junção desses elementos, no espaço destinado a

este, sofre do privilégio da criação livre de parâmetros condicionadores da linguagem

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cinematográfica. As inter-relações dos espaços de efetivação sugeridos por estas

configurações é a área artística do quadro que lhes é destinada.

2 Os créditos de Psicose

Em 1956, o designer Tony Palladino desenhou a capa do livro para a novela

Psycho, de Robert Bloch. Nessa capa constava a palavra psycho com as fontes

rasgadas no sentido horizontal. Três anos mais tarde, Alfred Hitchcock comprou os

direitos do filme e J. Walter Thompson, da agência de publicidade da Universal,

comprou projeto da colagem original de Palladino. Esse logotipo inspirou Saul Bass

para criar sua sequência do título de animação.

Na sinopse do filme, uma jovem mulher Marion (Janet Leigh), que é amante de

Sam (John Gavin), em um momento de desorientação foge da cidade de Phoenix de

carro, levando quarenta mil dólares que seu patrão a havia encarregado de depositar

no banco. À noite, ela para em motel pouco frequentado. O jovem gerente do motel,

Norman Bates (Anthony Perkins) que vive em companhia da mãe, a recepciona.

Psycho / Psicose (1960), filme em preto e branco, foi a terceira e última

colaboração entre Saul Bass e Alfred Hitchcock. Os trabalhos anteriores foram Vertigo

/ Um Corpo que Cai (1958) e North by Northwest / Intriga Internacional (1959). Em

Psicose, a primeira imagem oferecida à audiência é uma tela cheia em cinza claro. A

abertura de créditos, em um primeiro momento, trabalha com uma forma de alta

pregnância que é a linha reta. Objeto este que apresenta um máximo de equilíbrio,

clareza e unidade visual, e um mínimo de complicação visual na sua organização.

Essa linha pode ser definida como uma sucessão de pontos que fará movimentos num

sentido uniforme de direção, por vezes na horizontal do canto a outro da tela, por

vezes vertical, saindo da parte superior ou inferior ou mesmo do centro da tela e

correndo para os lados do quadro. Após transpor para um fundo preto, trabalhasse

com as linhas em cinza. Essa sutileza é valorizada pelo contraste dos tons de preto e

branco no sentido de obter nitidez de expressão dessa forma, mantendo uma

cromaticidade homogenia.

Após a audiência ser apresentada a marca da empresa Paramount (fig.03),

deixando explicita através de pequenas linhas horizontais fazendo referência as linhas

horizontais de uma tela de TV. Temos uma tela cheia na cor cinza com a entrada de

várias linhas em preto na horizontal (fig.04), não obrigatoriamente de forma ordenada,

saindo do lado direito até o canto esquerdo do quadro. Surge então do lado direito do

quadro elementos gráficos em branco de forma desordenada, mas mantendo uma

horizontalidade (fig.05). Essa etapa é de configuração esquemática, onde em seguida

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uma linha preta horizontal trás à parte inferior, outros elementos brancos cujo sentido

passa a intuir uma fonte tipográfica.

Nesse momento passam a existir um vazio entre os elementos gráficos brancos

superiores e inferiores (fig.06). Outra linha surge trazendo outros elementos gráficos,

também brancos e complementa esta parte central compondo quadro de fundo preto e

tipografia branca (fig.07). Em seguida, temos a saída das linhas pela esquerda.

Essa primeira configuração esquemática de tipografia apresentada trás harmonia,

proporcionando certo equilíbrio visual que é logo quebrado pela saída da forma

fragmentada, pela lateral esquerda do quadro, dos elementos que anteriormente

haviam composto o nome ALFRED HITCHCOCK. Essa tipografia se manterá durante

toda a apresentação dos créditos variando em caixa alta e baixa e sem serifa.

Passamos para um deslocamento para a direita do centro da tipografia (fig.09/10),

onde a mesma se desloca no mesmo sentido em que linhas brancas entram pelo lado

esquerdo do quadro. Essas linhas puxam os créditos do nome do filme, no sentido do

primeiro deslocamento e outras linhas surgidas do lado esquerdo do quadro trazendo

parte superior e inferior da palavra PSYCHO, que é logo complementada, quando

outra linha trás o restante da tipografia, parte central do nome, complementando o

título do filme.

Nesse momento é interessante salientar que a saída desse crédito é arbitrada de

uma forma que ocorrerá em outro momento dos créditos. As partes que compõem o

nome do filme e antes de fazerem a sua saída, essas partes da tipografia fazem um

jogo de inter-relações perpassando umas sobre as outras por diversas vezes (fig.11).

Fig.04 Fig.05

Fig.09 Fig.10 Fig.11

Fig.07 Fig.08

Fig.03

Fig.06

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Em seguida, as duas partes superiores que perfaziam o nome do filme,

desprendem-se (fig.12) e projetam-se para o lado superior da tela, enquanto a inferior

segue para a linha horizontal inferior do quadro, ao mesmo tempo em que outras

linhas de forma simétrica partindo do centro da tela acompanham essas formas e

enchem a tela, agora no sentido vertical (fig.13). A sequêncialidade é composta de

forma alternada dividindo a tela ao centro, para logo em seguida, em quadro4

imperceptível tornarem-se lineares outra vez (fig.14).

A coreografia das linhas passa a ser nesse momento no sentido vertical e as

mesmas projetam-se para a linha do quadro superior trazendo de baixo para cima e

em duas fragmentações os tipos do ator ANTHONY PERKINS (fig.15). Esse só é

complementado quando do aparecimento, do lado esquerdo do seu nome, a palavra

STARRING em caixa alta, mas com aproximadamente um terço do tamanho do nome

do ator e em seguida, saída dos créditos do ator (fig.16). Esse mesmo procedimento é

acompanhando pelas principais protagonistas da trama e com alguns componentes da

equipe técnica. (fig.17/18/19/20).

A sequência segue, alternando hora linhas na vertical do modo da anterior, hora

na horizontal trazendo e levando os tipos, evidenciando sempre essa fragmentação.

No decorrer, outros créditos pela constatação do tamanho da fonte, com pouca

4 Também denominado fotograma. O fotograma é cada uma das imagens impressas quimicamente na fita de celuloide do cinematógrafo. Projetadas a uma cadência de 24 por segundo, produzem a ilusão de movimento.

Fig.13 Fig.14

Fig.18 Fig.19 Fig.20

Fig.16 Fig.17

Fig.12

Fig.15

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relevância para a ficha técnica, são levados e trazidos por feixe de linhas hora

horizontal hora vertical.

Na última sequência de títulos temos outra vez o nome de ALFRED HITCHCOCK.

Da vez anterior ele apresentava o filme, nesse final ele é apresentado como diretor do

filme. Também nessa, quando da apresentação do nome do filme, o nome do diretor,

ou seja, as partes que compõem o seu nome fazem também uma espécie de zig-zag

uma sobre as outras. (fig.23)

Hastes das fontes deslocam-se no sentido vertical para o lado superior do quadro

e as outras para o lado inferior. Linhas verticais (fig.24) partem do centro do quadro

chegam até certa altura e voltam para o centro deixando surgir a primeira imagem do

filme, que é um Plano Geral da cidade de Phoenix. (fig.25/26)

3 Análise semiótica

Na análise semiótica dessa sequência, vamos considerar como referente o sujeito

da nossa enunciação, Saul Bass já que o mesmo é o efetivo, segundo os próprios

créditos do filme descrito, o sujeito enunciador dos créditos. Os elementos gráficos

construídos por este enunciador serão as estruturas da narrativa conferida por Bass

como sujeito da enunciação e suas relações visível e invisível dentro do quadro.

Os sujeitos da enunciação aqui presentes, fontes, movimentação destas, linhas,

movimentação das mesmas, sentido de direção das fontes, mudanças de direção de

linhas e fontes e as inter-relações desses elementos, caracterizam-se por não

apresentar de forma explicita as marcas de uma enunciação, como na maioria das

Fig.23

Fig.24 Fig.25 Fig.26

Fig.21 Fig.22

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vezes acontece de uma imagem fotográfica de pessoas ou coisas em movimento

propiciando dessa forma uma significação mais clara de seus enunciados.

O sujeito do enunciado mais presente durante todo o discurso é a linha reta. Essa

linha preta em fundo branco e em outro momento é cinza claro sobre fundo preto, é

definida sobre um plano retangular. Ela transpassa, de forma horizontal todo o quadro

formando, várias delas, uma grade horizontal. Ao término dessa primeira imagem;

recortes, divisão de todo o quadro em partes, efetivando o sentido de contrariedade, o

positivo/negativo, gerando para o enunciatário um sentido de agudeza, produzindo

uma sensação de tensão e até uma agressividade formal (visual), levando para um

grande impacto visual.

O som durante toda a sequência comporta-se de forma emocional, pontuando

todos os instantes da progressão de entrada e saída das configurações gráficas que

penetram no quadro. Este som prolongando-se quando a linha passa por todo o

quadro e detendo-se quando a mesma de forma repentina para no sentido de fazer

surgir parte da tipografia ou para compor todos os créditos. Nos momentos mais

intensos, quando da apresentação do nome do filme e do nome do diretor, ela procura

interpretar o instante de indecisão da quebra das fontes para dá um novo sentido de

direção para as linhas.

A fragmentação das fontes, principalmente no momento em que é apresentado o

nome PSYCHO, a disjunção dos elementos gráficos que compõem aquele crédito,

transmite um ruído visual quando da movimentação desses elementos sobre si. A

fragmentação da consciência de forma mais acentuada sobre o título e de parte desta,

nas personagens que faz o elenco do filme.

Ao término da sequência de abertura, Saul Bass funde a imagem do local onde

ocorrerá a ação com as linhas retas no sentido horizontal, após anunciar o nome do

diretor Alfred Hitchcock. Essas linhas são prenúncios de uma ação fragmentada,

contundente e até agressiva desfazendo-se no horizonte da paisagem inicial, em um

Plano Geral, da cidade com os seus pequenos edifícios onde ocorrerá à ação.

O elemento gráfico principal, corporificado na linha reta e sua movimentação hora

no sentido horizontal, hora no sentido vertical, como também seu contraste

proporcionado pelo preto e branco, proporciona aquele sentido de disjunção

fundamental, pois uma necessita da outra, é a conjunção (ligação) e a disjunção

(separação ou e/ isolamento). Nessa configuração, ao longo do filme temos o

isolamento do casal de amantes; a pretensa indecisão da protagonista do roubo dos

quarenta mil dólares para outro local e assim poder viver sua vida afetiva; também a

construção de estilo gótico do norte californiano da casa onde convive Norman e sua

mãe e a horizontalidade do motel, onde Marion se hospeda. Essas relações de

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aparente disjunção fazem o comprometimento dessas para existir como conjunção e

assim potencializar as relações actanciais criando a tensão necessária para o

desenvolvimento da narrativa.

4 Conclusão

A influência de Bass nos créditos de filmes é condição ao longo desse tipo

desenvolvimento de expressão. Como exemplo, da influência desse criador de títulos,

podemos citar dois recentes filmes: Catch Me If You Can / Prenda-me Se For Capaz

(2002) e Going The Distance / Amor à Distância (2010), nesses dois filmes os créditos

além de comunicar à sua audiência o tema principal da estória, procura introduzir-nos

na diegese do filme, na sua ambientação, anunciando sua intenção desde o início,

conduzindo-nos ao clima ou até mesmo solicitando de nós um repertório de signos

que deverá ser coerente com aquela década ou instante da estória, ou mesmo

costumes de uma época.

O primeiro remete-nos aos anos sessenta com uma abertura bem contrastada em

termos de padrão cromático e formas em setas, fazendo uso dos principais temas que

serão desenvolvidos no filme; o segundo, mais recente, nos apresenta o universo de

uma modernidade onde as distâncias devem ser percorridas pelos protagonistas para

alcançar seus objetivos. São exemplos típicos do traço de Bass na modernidade

tecnológica digital.

Essa evolução tecnológica guiada pelos meios digitais incorporadas ao meio

cinematográfico passa a marcar em termos de temporalidade, fases que se encontram

bem explícitas ao longo dos anos, mas presentes na intertextualidade dos créditos.

Por fim, consideramos a sequência de abertura um seguimento autonômico

comprometido com a diegese de todas as outras sequências que compõem o filme.

Em seu livro, a Significação no Cinema Christian Metz faz a seguinte afirmação:

O seguimento autônomo é a subdivisão de primeiro nível do filme; é uma parte do filme, e não uma parte de parte do filme. Se um segmento autônomo tem cinco planos sucessivos, cada um deles é uma parte do filme, isto é um segmento não-autônomo. Fica claro, no entanto que a “autonomia” dos próprios segmentos autônomos não quer dizer independência, já que cada um deles só adquire seu sentido definitivo em relação ao conjunto do filme, o qual constitui o sintagma máximo do cinema. (METZ, 1972, p.145-146)

Portanto, os créditos são parte integrante e enunciadora do discurso do cineasta,

são usados com a intenção explícita de operar como representações gráficas da

grande sintagmática que é o filme. Esse sistema cria unidade visual, incluindo as

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peças publicitárias, tais como: cartazes, displays, bunners que farão parte dessa

identidade visual.

Referências

AUMONT, Jacques: A Estética do Filme. Campinas: Papirus, 2002.

CUNHA FILHO, Paulo C. (org.): Simulacros & Espetáculos: Caderno de Esboços.

Recife: Bagaço, 2005.

GOMES FILHO, João: Gestalt do Objeto: sistema de leitura visual. São Paulo;

Febasp, 2000.

METZ, Christian. A Significação no Cinema: São Paulo: Perspectiva, 1972.

DVD PSICOSE (1960), Direção: Alfred Hitchcock. Produção: Paramount. Intérpretes:

Anthony Perkins, Janet Leigh e Vera Miles; Roteiro: Joseph Stefano; Edição: George Tomasini; Música: Bernard Herrmann. Tempo:109 min; 2005, letterbox, preto e branco.

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