SAÚDE REPRODUTIVA E MULHERES INDÍGENAS DO ALTO RIO NEGRO

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CADERNO CRH, Salvador, v. 22, n. 57, p. 463-477, Set./Dez. 2009 463 Marta Azevedo O presente artigo descreve e analisa as concepções próprias das mulheres indígenas do Alto Rio Negro sobre saúde reprodutiva, relacionando-as a indicadores de fecundidade. As informações qualitativas apontam para um conhecimento detalhado e complexo que as mulheres indígenas dessa região possuem sobre seu corpo e os cuidados com sua saúde. Os níveis e padrões etários da fecundidade estão relacionados com a etnia das mulheres, portanto, aos sistemas tradicio- nais de cuidados com a saúde desses povos. A pesquisa foi desenvolvida entre 1997 e 2003, na região de Iauaretê, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM), e teve como primeira fonte de dados o Censo Indígena Autônomo do Rio Negro – CIARN –, levado a efeito pela Federação das Organi- zações Indígenas do Rio Negro – FOIRN – em 1992. PALAVRAS-CHAVE: povos indígenas, noroeste amazônico, saúde indígena, demografia e saúde, saúde da mulher. DOSSIÊ SAÚDE REPRODUTIVA E MULHERES INDÍGENAS DO ALTO RIO NEGRO Marta Azevedo * * Doutora em Demografia. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (NEPO) da UNICAMP. Cidade Universitária Zeferino Vaz. Barão Geraldo. Cep: 13083-970 - Campinas, SP - Brasil - Caixa-Postal 6166 [email protected] 1 Estamos tratando aqui do que Ribeiro (1995) chama de “área cultural do rio Negro”, sendo excluídos, portanto, os Yanomami, que, embora também estejam presentes na região, vivem em outra Terra Indígena, e não fazem parte dessa área cultural. Outros povos indígenas, falan- tes de línguas pertencentes às mesmas famílias, foram excluídos da pesquisa por habitarem comunidades loca- lizadas nos países fronteiriços, Colômbia e Venezuela. 2 As denominações Tukano (ou tukano), Maku (ou maku) grafadas em itálico significam as famílias linguísticas, ou todos os povos ou etnias pertencentes a essas famí- lias linguísticas. INTRODUÇÃO A região Alto Rio Negro é habitada atual- mente por 23 povos indígenas, 1 falantes de lín- guas das famílias Tukano, Aruak e Maku. A re- gião faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela, e, em 1998, teve homologadas as cinco terras indíge- nas demarcadas: Alto Rio Negro, Médio Rio Ne- gro I, Médio Rio Negro II, Apapóris e Tea (Figura 1). Os povos de línguas tukano, 2 todos do grupo tukano oriental, são os Barasana, Yurutí, Kubeo, Arapaso, Wanana, Desana, Pira-tapuia, Tukano, Miriti-tapuia, Bara, Karapanã e Tuyuka. Os de lín- guas maku são os Bará, Hupdë, Dow, Nadeb, Yuhup e Nukak (Guariba). Os de línguas aruak são os Baniwa, Baré Werekena e Tariana. A região compreende os municípios de São Gabriel da Cachoeira e um trecho do município de Santa Isabel, ambas as cidades localizadas na mar- gem esquerda do rio Negro. Embora com muitos anos de contato com a população não-índia, cerca de dois séculos, os habitantes dessa região são majoritariamente indígenas e permanecem identi- ficando-se como tais. Atualmente, residem nessa região cerca de 40 mil pessoas, distribuídas em aproximadamente 700 aldeias ou comunidades nas Terras Indígenas, e ainda 14 mil pessoas que habi- tam o centro urbano de São Gabriel da Cachoeira (FOIRN, ISA, 2000). A primeira fonte de dados para a presente pesquisa foi o Censo Indígena Autônomo do Rio Negro (CIARN) de 1992, que levantou informa- ções de 380 comunidades com 60 domicílios em média (Azevedo, 2003). A partir da análise desses dados e em diálogo com as mulheres indígenas da região, decidiu-se investigar o sistema tradicional de cuidados com a saúde das mulheres e a manei- ra como elas percebem suas condições de saúde.

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Artigo de Marta Azevedo

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O presente artigo descreve e analisa as concepções próprias das mulheres indígenas do Alto RioNegro sobre saúde reprodutiva, relacionando-as a indicadores de fecundidade. As informaçõesqualitativas apontam para um conhecimento detalhado e complexo que as mulheres indígenasdessa região possuem sobre seu corpo e os cuidados com sua saúde. Os níveis e padrões etáriosda fecundidade estão relacionados com a etnia das mulheres, portanto, aos sistemas tradicio-nais de cuidados com a saúde desses povos. A pesquisa foi desenvolvida entre 1997 e 2003, naregião de Iauaretê, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM), e teve como primeira fonte de dados oCenso Indígena Autônomo do Rio Negro – CIARN –, levado a efeito pela Federação das Organi-zações Indígenas do Rio Negro – FOIRN – em 1992.PALAVRAS-CHAVE: povos indígenas, noroeste amazônico, saúde indígena, demografia e saúde,saúde da mulher.

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SAÚDE REPRODUTIVA E MULHERES INDÍGENASDO ALTO RIO NEGRO

Marta Azevedo*

* Doutora em Demografia. Pesquisadora do Núcleo deEstudos de População (NEPO) da UNICAMP.

Cidade Universitária Zeferino Vaz. Barão Geraldo. Cep:13083-970 - Campinas, SP - Brasil - Caixa-Postal [email protected]

1 Estamos tratando aqui do que Ribeiro (1995) chama de“área cultural do rio Negro”, sendo excluídos, portanto,os Yanomami, que, embora também estejam presentesna região, vivem em outra Terra Indígena, e não fazemparte dessa área cultural. Outros povos indígenas, falan-tes de línguas pertencentes às mesmas famílias, foramexcluídos da pesquisa por habitarem comunidades loca-lizadas nos países fronteiriços, Colômbia e Venezuela.

2 As denominações Tukano (ou tukano), Maku (ou maku)grafadas em itálico significam as famílias linguísticas,ou todos os povos ou etnias pertencentes a essas famí-lias linguísticas.

INTRODUÇÃO

A região Alto Rio Negro é habitada atual-mente por 23 povos indígenas,1 falantes de lín-guas das famílias Tukano, Aruak e Maku. A re-gião faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela, e,em 1998, teve homologadas as cinco terras indíge-nas demarcadas: Alto Rio Negro, Médio Rio Ne-gro I, Médio Rio Negro II, Apapóris e Tea (Figura1). Os povos de línguas tukano,2 todos do grupotukano oriental, são os Barasana, Yurutí, Kubeo,Arapaso, Wanana, Desana, Pira-tapuia, Tukano,Miriti-tapuia, Bara, Karapanã e Tuyuka. Os de lín-guas maku são os Bará, Hupdë, Dow, Nadeb,

Yuhup e Nukak (Guariba). Os de línguas aruak

são os Baniwa, Baré Werekena e Tariana.A região compreende os municípios de São

Gabriel da Cachoeira e um trecho do município deSanta Isabel, ambas as cidades localizadas na mar-gem esquerda do rio Negro. Embora com muitosanos de contato com a população não-índia, cercade dois séculos, os habitantes dessa região sãomajoritariamente indígenas e permanecem identi-ficando-se como tais. Atualmente, residem nessaregião cerca de 40 mil pessoas, distribuídas emaproximadamente 700 aldeias ou comunidades nasTerras Indígenas, e ainda 14 mil pessoas que habi-tam o centro urbano de São Gabriel da Cachoeira(FOIRN, ISA, 2000).

A primeira fonte de dados para a presentepesquisa foi o Censo Indígena Autônomo do RioNegro (CIARN) de 1992, que levantou informa-ções de 380 comunidades com 60 domicílios emmédia (Azevedo, 2003). A partir da análise dessesdados e em diálogo com as mulheres indígenas daregião, decidiu-se investigar o sistema tradicionalde cuidados com a saúde das mulheres e a manei-ra como elas percebem suas condições de saúde.

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O presente artigo descreve as concepções própriasdas mulheres sobre a saúde do corpo e relacionaalgumas medidas de fecundidade e parturição comas percepções que elas têm do seu corpo.

SAÚDE REPRODUTIVA DAS MULHERES TUKANO

A relação entre o atendimento médico oci-dental e os conhecimentos tradicionais dos povosindígenas sobre saúde e doença é uma questãoimportante para a antropologia. Buchillet (1991),analisando a relação entre os sistemas tradicionaisde saúde e doença dos povos indígenas e o siste-ma médico ocidental, relata que a maior parte dospovos indígenas no Brasil possui seus sistemastradicionais como recurso principal em termos deatendimento à saúde e recomenda que as políticaspúblicas de assistência à saúde indígena sejamarticuladas aos sistemas tradicionais próprios. Paraa autora, a visão do processo de adoecimento e aconcepção de corpo e saúde dos povos indígenastêm como referência suas representações sociaisde corpo, saúde e doença. A doença inexiste forado contexto sociocultural, e o processo de saúde edoença acontece a partir das representaçõessocioculturais da doença dentro de cada socieda-de, revelando-se nas dimensões subjetiva, biofísicae sociocultural (Buchillet, 1991).

Os recursos médicos tradicionais são partede um sistema integrado e estruturado, e não po-dem ser desvinculados da sua totalidade. A antro-pologia da doença busca demonstrar a coerênciainterna e racional do pensamento tradicional, atra-vés das interpretações e comportamentos dos in-divíduos frente à doença. Nesse sentido, nas soci-edades tradicionais, quando o indivíduo adoece,as causas do adoecimento estão relacionadas comas representações sobre o ser humano, com as ati-vidades que o indivíduo desempenha na socieda-de e com o meio ambiente em que está localizado.A doença não pode ser compreendida sem a avali-ação do contexto sociocultural e ambiental em seinscreve. É nesse sentido que os eventos que ocor-rem durante o período reprodutivo das mulheres

são imediatamente inscritos na totalidade de seuscontextos socioculturais e ambientais, havendosempre uma busca das causas sociocosmológicasrelacionadas com infrações de regras culturais decomportamento, dietas, ou outras causas como fei-tiços ou questões ambientais.

No final dos anos 90, havia um grande des-contentamento nas comunidades da região deIauaretê3 (ver Figura 1) quanto ao atendimento àsaúde reprodutiva4 das mulheres. A percepção dasmulheres, professoras indígenas5 e lideranças daAssociação das Mulheres Indígenas de Iauaretê(AMIDI) indicavam que muitas mulheres morriamde parto. As mortes eram referidas pelas professo-ras indígenas como causadas por hemorragia ou“inchamento do corpo” anterior ao parto. O aces-so aos serviços de saúde era prejudicado pela difi-culdade de as mulheres se locomoverem sozinhase pela vergonha de serem atendidas por profissio-nais de saúde não-índios e, em geral, homens.Além disso, havia muitos relatos de mortes mater-nas ocorridas nos anos imediatamente anteriores,tanto por falta de atendimento médico moderno

3 Iauaretê é um pequeno centro urbano em expansão(Andrello, 2006) construído em torno de uma missãosalesiana, fundada em 1929. Cada bairro desse centrourbano possui uma organização política semelhante àde uma comunidade tradicional: o capitão é a liderançaresponsável pelos trabalhos comunitários, pela resolu-ção de problemas que ocorram com os moradores de seubairro e por organizar reuniões, festas ou rituais. O vice-capitão, o catequista e o animador são as outras lideran-ças locais. O acesso até Iauaretê é feito por rio, através debarcos ou voadeiras (pequena canoa de alumínio commotor de popa). De barco, a viagem dura cerca de cincodias a partir de São Gabriel da Cachoeira; de voadeira,cerca de dois dias. Na época da pesquisa, esse povoadoainda não contava com comunicação por telefone, ins-talada em 2001. Existe um gerador que funciona comóleo diesel, e as casas possuem eletricidade durante grandeparte do dia. No quartel do pelotão do exército, que ficaao lado da cidade, existe um ambulatório dirigido porum médico, que atende também aos índios. Havia, naépoca da pesquisa, um pequeno hospital da missão, di-rigido por uma irmã salesiana, atualmente desativado; ehavia também um hospital construído pelos militaresna época do programa Calha Norte, todo equipado, po-rém nunca chegou a ser aberto (mais tarde, em 2004, foiaberto sob responsabilidade do SUS).

4 A Conferência Internacional sobre População e Desen-volvimento do Cairo, em 1994, definiu saúde reprodutivacomo “o bem estar geral, tanto físico, mental e social, dapessoa humana, por tudo que envolve o aparelho genital,suas funções e seu funcionamento, e não somente aausência de doença ou de enfermidade”.

5 A maior parte dos professores indígenas na região do rioNegro é composta de homens, mas, em Iauaretê, já em1997, mais ou menos, existiam muitas mulheres profes-soras, e foi com elas que o trabalho de campo foi iniciado.

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7 O Kumu é um benzedor, rezador; geralmente, cada co-munidade ou família extensa tem um Kumu que tam-bém tem a função de acompanhar partos, cuidar de re-cém nascidos etc.

(ocidental) como por falta de cuidados tradicio-nais. Conforme o relato das professoras, os cuida-dos tradicionais estavam se perdendo e sendo des-valorizados, principalmente entre as mulheres maisjovens. As professoras referiam-se ao fenômenocomo um conflito entre gerações, pois as mais jo-vens não acreditavam mais nos cuidados tradicio-nais, e as mais velhas já não se mostravam dispos-tas a transmitir os seus conhecimentos.

A percepção das professoras de Iauaretê foiconfirmada, em grande medida, pela primeira eta-pa da pesquisa-ação sobre saúde reprodutiva, coma aplicação de um questionário aberto a 60 mulhe-res indígenas de Iauaretê e comunidades adjacen-tes, do rio Tiquié e de comunidades próximas dacidade de São Gabriel da Cachoeira. A principalconclusão extraída dessas informações é que, defato, existe um sistema de conhecimentos e cuida-dos tradicionais com a saúde das mulheres, arti-culado com os demais sistemas de vida dessespovos rio-negrinos. No momento da pesquisa, asmulheres mais velhas, com maior número de fi-lhos, praticavam os cuidados tradicionais com asaúde, incluindo os métodos tradicionais decontracepção, mas as mulheres mais jovens pos-suíam menor conhecimento do sistema tradicio-nal e não o praticavam com a mesma frequência.6

Outra conclusão importante foi que quanto maispróxima a comunidade indígena do hospital e docentro urbano (seja Iauaretê mesmo ou São Gabrielda Cachoeira), maior a desvalorização dos conhe-cimentos tradicionais próprios a essas mulheres.

O objetivo do segundo momento da pes-quisa-ação foi de construir um diálogo entre asconcepções tradicionais das mulheres tukano emrelação ao seu ciclo de vida e a sua saúde, e osconhecimentos ocidentais sobre o tema, na pers-pectiva apontada por Buchillet (1991). Iauaretê foio povoado escolhido para o desenvolvimento dapesquisa devido à sugestão de professores e pelapresença da AMIDI.

A pesquisa se desenvolveu por meio de: a)conversas informais com o grupo de mulheres das

diferentes etnias tukano que frequentavam a sededa AMIDI; b) entrevistas em profundidade e con-versas individuais com quatro mulheres visandoa coletar suas histórias de vida; c) encontros reali-zados com um grande número de mulheres da re-gião, de aproximadamente três dias de duração,nos moldes de ‘grupos de discussão’.

Tratando-se de conversas e encontros entreculturas e línguas completamente distintas, uminstrumento acabou se revelando especialmenteútil: desde o primeiro momento, quando aindaeram montados os glossários com termos de saú-de reprodutiva nas línguas tukano e português,decidiu-se fazer desenhos. Os desenhos foram le-vados aos encontros, onde receberam acréscimos– enquanto novos desenhos eram feitos pelas par-ticipantes. Ao final dos dois encontros, havia umasérie de 70 desenhos, que funcionaram como im-portante instrumento para debater e conhecer asconcepções sobre saúde da mulher, tanto ociden-tais quanto tradicionais. Os desenhos do corposão um registro vivo da troca: resultado das pró-prias observações e experiências das mulheressobre seus corpos, com os ensinamentos dosKumu,7 das sogras e mães, e ainda dos aprendiza-dos escolares dessas mulheres.

A conclusão extraída dessas conversas e en-contros foi que os conhecimentos que as mulherespossuem sobre seu corpo e os cuidados com a saúdereprodutiva são amplos e profundamente relaciona-dos à cosmovisão desses povos. Além disso, o debateentre os profissionais de saúde não-índios e as mu-lheres mostrou-se muito produtivo, pois ficou explí-cita a necessidade de formação dos profissionais parao atendimento específico às mulheres. Observou-setambém a necessidade de planejar um trabalho deeducação para saúde, voltado para essa população,realizado na língua de cada comunidade, partindo doentendimento dos sistemas tradicionais de cuidadocom a saúde das mulheres. Até chegar a essas conclu-sões, no entanto, um longo caminho havia sido per-corrido, todo ele traçado nos desenhos.

6 O processo de perda dos conhecimentos tradicionais ousuas transformações não foram objeto dessa investigação.

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O corpo

A língua majoritária falada pela populaçãode Iauaretê é o tukano, usado como língua francade comunicação entre eles. Cada pessoa adulta falageralmente três línguas: sua língua original (Desana,Tuyuka, Pira-tapuya etc), o tukano e o português.Durante as conversas e entrevistas, cada mulherdava sua opinião sobre uma determinada parte docorpo, sua nomenclatura em tukano, a traduçãodo termo para o português e todas discorriam so-bre as relações entre os órgãos reprodutivos e suasfunções (Figura 2).

As mulheres da AMIDI relacionaram a de-nominação da vagina – que, na tradução literal para

o português, seria ‘porta do feto’ – com o mito desua criação. A concepção da ‘abertura’ da mulherestá relacionada com o mito “O Cataclismo deGüramiye” (Lana, 1995). Segundo o autor, o mitorelata que, quando a canoa ou cobra mítica vinhasubindo o rio, carregada dos PamÖr)mahsã, ouGente de Transformação, estes queriam criar asMalocas das Flautas Sagradas. Para isso, deram ocigarro sagrado para as filhas do trovãoBuhpupõrãnome fumar, e uma delas engravidou.Quando estava pronta para dar à luz, o homemque a tinha engravidado, Boreka, viu que ela ain-da não tinha vagina, somente o buraquinho paraurinar; por isso, ele mediu a “porta do feto” comsua forquilha ou suporte do cigarro, e a cortou

Figura 2 - Desenho do corpo da mulher

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com seu brinco. A vagina ficou sendo denomina-da como a “porta do parto’ (em tukano, nihîsupe8).A palavra nihî quer dizer feto, e muitas outras pa-lavras relacionadas com os órgãos reprodutivos egravidez são derivadas desse radical.

A IMPORTÂNCIA DOS FLUÍDOS CORPORAIS

Como Silverwood-Cope ará-maku, o cria-dor Idn Kamni, fez os seres a partir de uma mistu-ra de sua saliva com a terra. Diemberger (1996)mostra que, para os Khumbo do Nepal, o corpo éparte do cosmo, repleto de sinais e valores. Amulher transmite o sangue para a criança, e o ho-mem, os ossos. Os homens transmitem os ossos,que são a parte dura do corpo humano, e, porisso, os Khumbo acreditam que a transmissão doclã deve ser feita pelo pai. Dessa transmissão dosclãs deriva a transmissão do território masculinoespecífico, reservado aos homens. Os Khumbopossuem uma identidade que é relacionada com oterritório sagrado de cada subgrupo, e o corpo,portanto, estará relacionado a esse território. Oparentesco khumbo é concebido através das idéi-as de sangue e osso, em que os ossos são os laçosconsanguíneos herdados do pai e passados paraos filhos. O esperma define a consanguinidade, eo sangue feminino a afinidade. Um nenê khumbo

é considerado como formado pelo sangue da mu-lher que gera seu sangue e sua carne, e o espermaque forma os ossos e um tipo de alma ligado aociclo do renascimento e às montanhas sagradas,para as quais todos os mortos voltam, sendo amoradia dos ancestrais.

No rio Negro, ocorre algo semelhante: asmulheres transmitem o sangue pelo cordão umbi-lical, e os homens os ossos (Hugh-Jones, S., 1979).As mulheres de Iauaretê relataram que o feto é for-mado pela junção do wahsó feminino, traduzido

como o óvulo ou um fluído expelido pelas mulhe-res durante a relação sexual com o wahsó ou es-perma masculino. Também no Rio Negro o sanguedas mulheres e o “esperma feminino” definem aafinidade, enquanto que o esperma masculino de-fine a consanguinidade.

O sangue e os fluídos corporais são consi-derados extremamente importantes pelas mulhe-res do Rio Negro. Através deles fluem para a gera-ção seguinte algumas das características fundamen-tais dos povos. E essa importância não se limitaapenas ao grupo, mas a toda a região: a mulherporta a afinidade para as comunidades vizinhasou distantes. Desse modo de entender a importân-cia dos fluidos deriva um comportamento funda-mental: a mobilidade feminina. Ela espalha a afi-nidade e articula as comunidades através das ali-anças políticas. Assim, as alianças de sangue aquipoderiam ser entendidas diferentemente das ali-anças de sangue ocidentais, em geral vistas comoalianças de consanguinidade.

Menstruação

O papel articulador dos fluidos se mostracom a puberdade. Na primeira menstruação, há aabertura do corpo das mulheres, que se torna aptopara receber o esperma masculino. O corpo se abrepara o sangue descer. Desde a primeira menstrua-ção, as mulheres ficam “abertas”, pois tanto têmmais poder quanto podem apresentar certo perigopara outras pessoas. O poder vem da presença dosangue, que representa a fertilidade e, ao mesmotempo, o contato com o mundo pré-humano. Demaneira inversa, elas também se tornam vulnerá-veis, e, portanto, devem proceder de determina-das formas para se proteger, não piorar ou não secontaminar. Devido a isso, elas têm de manter cer-to confinamento.

S. Hugh-Jones (1979), que trabalhou com ogrupo tukano Barasana, dessa mesma região, esta-beleceu a relação simbólica da cabaça cheia de cerade abelha, usada nos rituais, com o sangue mens-trual. Os Barasana acreditam que a cera de abelha

8 A grafia das palavras em tukano segue aquela propostapor Ramirez (1997). Apenas no caso de algumas pala-vras sobre as quais as mulheres discordavam da grafiaproposta utilizou-se aquela sugerida por elas. Note-seque todas as mulheres participantes da pesquisa sabiamler e escrever, a maioria delas tendo estudado até a 6ªsérie no internato de Iauaretê.

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é identificada com o fígado, e, por sua vez, para asmulheres de Iauaretê, esse órgão seria o reservató-rio de sangue, o “criador” de sangue. Os Barasanadizem ainda que, quando a cera de abelha se quei-ma, transforma-se numa substância escura e dura,que cheira a sangue menstrual. Da mesma manei-ra, nessa concepção de menstruação, a mulher, porestar aberta, entra em contato com o mundo pré-humano, e a cabaça com breu queimando é usadatambém em rituais, pois se espera que ajude nessarelação com outra esfera. Assim, a menstruação, por

ser periódica, representa uma renovação do corpoda mulher: com a menstruação, o corpo se “limpa”e fica pronto para uma possível gravidez. Na ideo-

logia dos Barasana, essa periodicidade faz com queela possa sobreviver mais do que os homens. Nonível cosmológico, a menstruação está relacionadacom a alternância dos períodos de seca e chuva: amenstruação das mulheres traz a alternância e reno-va a possibilidade de se reproduzir.

Por isso o comportamento especial nesseperíodo de mudança: por ocasião da menarca, amoça fica confinada numa repartição dentro da casa,feita por uma espécie de biombo de tiras trançadas(Figura 3). Após esse período de confinamento, ela

pode tomar banho no rio,mas deve ir acompanha-da do Kumu, que a benzequeimando breu na caba-ça e recitando encanta-mentos para protegê-la docalor do dia e dos peixespequenos do rio, que po-deriam entrar em sua va-gina aberta.9

Durante a primei-ra menstruação, o Kumu

deve benzer a moça, eesse benzimento consis-te em “abri-la” simbolica-mente. É um momentomuito importante. O tra-balho deve ser feito demaneira competente,pois muitos males sãooriundos de um erro.Uma transgressão alimen-

9 Todos os benzimentos sãoespecíficos de cada sib e decada povo. Além disso, estãorelacionados com mitos, quetambém variam de acordocom os povos e sibs da região.Não nos foi possível coletaros mitos relacionados, de cadapovo ou sib. Apenas descre-vemos, de maneira geral, al-gumas formas de benzer e asua importância no cuidadocom a saúde reprodutiva de

todas as mulheres tukano. Buchillet (1990) analisa o po-der das palavras nas récitas dos Kumu ou Yai (pajés demais alta hierarquia e com mais poder do que os Kumu) ea relação metafórica ou de semelhança existente entre aspalavras e os veículos através dos quais as palavras adqui-rem poder.

Figura 3 - Reclusão de moça tariana

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Figura 4 - Benzimento do banho

tar ou uma atitude contrária às regras, como tomarbanho no rio quando menstruada, pode terconsequências sérias. Durante todo tempo, a moçadeve ficar reclusa, sem ver nem falar com outraspessoas, exceto sua mãe e o Kumu. Só deve tomarbanho ao final da menstruação, e depois de tersido benzida. As mulheres mais velhas tambémpoderiam fazer o benzimento, colocando, simboli-camente, uma espécie de biombo feito de tiras tran-çadas à volta da moça, para que peixinhos peque-nos não penetrem em sua vagina, e uma espéciede balaio em sua cabeça, para que seus cabelosnão fiquem queimados com a urina do sol. Alémdessas, muitas outras etapas e récitas são mencio-nadas (Figura 4). Todos os objetos de uso pessoal

da moça também são bentos, assim como os ali-mentos que ela ingere nesse período e logo após.Além da pintura corporal que e feita nesse mo-mento, espreme-se o sumo da pimenta no nariz,para que ela fique com a pele do rosto corada ebrilhante. Se o Kumu não recitar o benzimento daprimeira menstruação corretamente, a moça podecontrair doenças ou ter partos difíceis.

Concepção do feto

A concepção do feto ocorre através de inú-meras relações sexuais. O feto é formado aos pou-cos, pela união do wahsó (sêmen) masculino com

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o wahsó feminino. Não nos foi possível conferircom exatidão o que é este wahsó feminino: algu-mas mulheres o identificaram aos óvulos ou ová-rios nos desenhos, outras relataram que o wahsó

feminino só ocorre com a relação sexual. Seria,nesse caso, uma substância gelatinosa produzidadurante o orgasmo feminino. O sêmen do homemé responsável pela formação dos ossos do feto, e osangue da mulher, transmitido pelo cordão umbi-lical, forma a carne e o sangue.

A mulher grávida é chamada de nihîpahkó

(mãe de feto, nihî: feto, pahkó: mãe), o marido damulher grávida é chamado de nihîpahkï,10 ou paide feto. Todos os nomes dos elementos relaciona-dos ao feto possuem essa palavra na sua composi-ção. Por exemplo: nihîkoó, água do feto; nihîsuhpê,porta do feto ou vagina; nihîsutiró, útero ou lugarde conter ou carregar o feto; nihîkumunó, banco dofeto ou placenta. A placenta, ou nihîkumunó, temum valor simbólico muito importante, pois é o ban-co cerimonial do feto, que se desenvolve com ele. Omenino ou a menina, durante o ritual de iniciação,ganha um banco – kumunó – que o (a) acompanha-rá para o resto de sua vida. Esse banco tem relaçõescom o mito de criação e transformação de cada povo,e é decorado com uma pintura relacionada com osib e povo de cada pessoa. O feto, que “já vem comseu banco”, possui uma identidade social, mesmoestando ainda na barriga da mãe.

Gravidez, parto e dietas

Antigamente, a mulher dava à luz na roça,que é o espaço feminino. Com suas crenças, ela nãopodia parir em casa, devido ao perigo do contágiopelo sangue do parto. Antes de ela voltar para casa,era necessário o Kumu queimar breu na cabaça ebenzer todo o lugar, tanto para proteger esse lugardos perigos do sangue como para proteger a mulhercom a criança. Depois de voltar para casa com ofilho, a mulher ficava isolada por um período de,

em média, três dias, o que varia de acordo com acicatrização do umbigo do recém-nascido, quandoa mãe e o pai devem ficar quietos em suas casas.Posteriormente a esse período, é dado o primeirobanho do recém-nascido. O Kumu deve outra vezbenzer e indicar as comidas a serem ingeridas, bemcomo os objetos do recém-nascido. Essa benção deveser feita queimando-se breu e soprando a fumaçaem cima dos elementos que estão sendo bentos.

Na época em que as mulheres davam à luzna roça, o parto era acompanhado de longe porum Kumu. Com a mudança para locais reservadosdentro da aldeia, ele passou a ficar mais perto,mas ainda sem contato direto com a mulher. Semver diretamente a cena, o Kumu vai benzendo, con-forme as necessidades, durante o trabalho de par-to. Se um bebê está demorando muito a sair, porexemplo, o Kumu pode lançar mão de umbenzimento que é feito com o caroço da uva ama-zônica (regionalmente denominada cucura), que émuito escorregadio, semelhante ao caroço da jabu-ticaba, e auxiliaria, simbolicamente, a passagem dobebê pela vagina. Ou pode lançar mão das unhasdo tatu, que têm a capacidade de escavar rapida-mente por terrenos muitos duros, o que facilitariatambém a saída do bebê.

As posições mais comuns para o parto sãoa de cócoras, com as pernas flexionadas e seguran-do na rede, ou deitada na rede previamente corta-da para que o bebê caia em cima de um pano lim-po. Quando o bebê desliza para o chão, a mulherque está ajudando no parto, em geral a sogra ou amãe da parturiente, espera até que o cordão parede pulsar para cortá-lo. Somente depois disso éque “nasce” a placenta. A placenta pode ser usadapara passar no rosto das mulheres que adquirirammanchas no período da gravidez, e é enterrada. Otrabalho de parto dura, em média, três a quatrohoras, mas as mulheres podem sentir contraçõesdias antes, e é a frequência das contrações quedetermina que elas fiquem em casa.

Foram relatados alguns problemas de partoresolvidos pelas próprias mulheres: apresentaçãopélvica, braço saindo primeiro, dificuldades paraexpelir a placenta e outros. Para cada um desses

10 Estou usando o “i” com tremas para identificar o somda vogal geralmente grafada com “u” cortado ou com “i”cortado, pronunciada como um “a”, levantando-se a lín-gua progressivamente.

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problemas, elas possuem procedimentos a seremexecutados, com ajuda de outras mulheres maisvelhas e do Kumu.

Contracepção

Para não engravidar, as mulheres tomambebidas feitas com alguns tipos de plantas que sãoanteriormente benzidas, procedimento empregadoprincipalmente no período anterior ao casamentoe que produz, segundo as mulheres, uma esterili-zação temporária, que dura cerca de um ou doisanos. Algumas mulheres que responderam o ques-tionário qualitativo relataram que foram bentas antesdo casamento, pois não queriam engravidar antesde se acostumar à nova comunidade. O problemaé que o mesmo Kumu que fez o benzimentocontraceptivo deve desfazê-lo, a não ser que outroKumu saiba exatamente as fórmulas recitadas peloprimeiro. Essas rezas são récitas tradicionalmentesecretas, passadas de pai para filho ou parentepróximo do mesmo sib.

Esses métodos tradicionais são ainda empre-gados, mas existem muitos relatos de queixa sobreo seu não-funcionamento. As mulheres jovens re-latam que os métodos contraceptivos tradicionais

não funcionam mais com elas. Além disso, as mo-ças contam que as mães ficam muito bravas quandorecebem a notícia de uma gravidez indesejada, nãosó porque as filhas estão grávidas e não são casa-das, mas porque isso quer dizer que elas tiveraminúmeras relações sexuais (para se formar, o fetonecessita de muito esperma masculino), enquantoelas relatam que só tiveram uma relação sexual, namaioria dos casos. O fato de as moças terem rela-ções esporádicas com parceiros antes do casamentopode ser aceito pelas mães, mas, em seu imaginá-rio, a gravidez das filhas prova que elas não se limi-taram ao esporádico, mas namoraram muito, e comum intervalo curto entre uma relação e outra.

A gravidez indesejada é a primeira questãomencionada pelas mulheres de Iauaretê quandose fala em saúde reprodutiva. Existem muitos ca-sos de mulheres maduras e jovens que foram mãesde crianças geradas em relações com os militares,

Figura 5 - Pós parto

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e todos eles trazem conflitos com relação às cren-ças tradicionais. As crianças são criadas pelos avôs,pois o avô é quem transmite a elas o pertencimentoétnico do seu grupo. Mas esse arranjo não é aceitopacificamente. Existem conflitos com as mães sol-teiras e certo mal estar com relação a essas crian-ças. Geralmente, quando há uma separação entrecasais, os filhos tendem a ficar com seu pai, e amulher pode voltar para sua comunidade de ori-gem, ficando disponível para se casar outra vez.Os filhos de não-índios não só não ficam com opai, como ficam sem identidade étnica, a não seraquela dada pelo avô.

FECUNDIDADE DAS MULHERES TUKANO,BARE, BANIWA E MAKU

A seguir ,são apresentadas informações so-bre a fecundidade das mulheres tukano, baré,baniwa e maku da região Alto Rio Negro e seusdeterminantes próximos, com o objetivo de avaliaros níveis e padrões de fecundidade por etnias ecompreender o comportamento reprodutivo dessasmulheres face às concepções próprias sobre suasaúde. Os indicadores estimados são as taxas espe-cíficas de fecundidade por idade (TEF), taxas defecundidade total (TFT), idade média ao nascimen-to do primeiro filho vivo e intervalo entre os nasci-mentos vivos ou intervalo intergenésico. As mu-lheres foram agrupadas por etnias. As mulheresTariana foram agrupadas com as tukano, pois, ape-sar de serem um povo de língua aruak, estão casa-das há décadas com os tukano, convivendo namesma sub-região e possuindo concepções sobresaúde reprodutiva semelhantes. As Coripaco foramincluídas entre as Baniwa, pois são culturalmentemuito próximas e residem, em sua grande maioria,na mesma sub-região do rio Içana; as mulhereswerekena foram incluídas entre as Baré, pelo mes-mo motivo anterior, proximidade cultural e de resi-dência; e as mulheres pertencentes aos diferentespovos falantes de línguas maku foram analisadasde forma conjunta, identificadas sob o etnônimoMaku. As informações sobre fecundidade para esse

último grupo de mulheres são poucas e de má qua-lidade, excluídas das análises as mulheres que nãoinformaram a sua idade e a idade de seus filhosnascidos vivos, sobreviventes ou mortos.

Para estimar esses indicadores, foram extraí-das do Censo Indígena Autônomo do Rio Negro de1992 as seguintes informações: a) etnia, idade damãe estimada pelo ano aproximado de nascimento;b) idade dos filhos vivos e mortos; c) data do óbitodos filhos mortos. Foram excluídos os filhosnatimortos. Estão incluídas, nas estimativas, todasas mulheres solteiras, casadas, viúvas e separadas,que, em 1992, tinham entre 15 e 49 anos, o quecorresponde ao período reprodutivo. As informa-ções sobre mulheres que tiveram filhos antes dos15 e depois dos 50 anos de idade foram excluídas.

Para evitar excessivas flutuações dos valo-res dos indicadores de fecundidade11 causadaspelos pequenos números, foram estimadas taxasmédias para o período 1990-92 (Pagliaro; Azeve-do; Santos, 2005).

As taxas de fecundidade total (TFT) dasmulheres baré, baniwa, tukano e maku, no perío-do de 1990 – 1992, indicam que o nível dafecundidade das Maku é o mais alto, sendo a TFTde 6,4 filhos nascidos vivos em média; o mais bai-xo nível é o das mulheres baré, 4,8 (Tabela 1). As

sacifícepseelatotedadidnucefedsaxaT-1alebaT,awinab,érabserehlumsadedadirop2991-0991edodoírepon,ukameonakut

edadi onakuT awinaB éraB ukaM91a51 60,0 31,0 30,0 71,042a02 12,0 91,0 12,0 52,092a52 62,0 02,0 42,0 62,043a03 62,0 12,0 81,0 23,093a53 12,0 41,0 61,0 70,044a04 90,0 11,0 01,0 71,094a54 40,0 30,0 40,0 30,0

TFT 86,5 11,5 38,4 53,62991/NRAIC:etnoF

11 A fecundidade é entendida como a relação entre nasci-mentos vivos e mulheres em idade reprodutiva, num de-terminado momento do tempo. A TFT corresponde aonúmero médio de filhos que uma mulher teria ao terminaro período reprodutivo, e é uma medida que não é influen-ciada pela distribuição etária das mulheres estudadas, sen-do obtida a partir das taxas específicas de fecundidade poridade (TEF), que correspondem ao número médio de nas-cimentos por mulher nas diferentes faixas etárias.

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oaaidémedadi,latotedadidnucefedsaxaT-2alebaTolavretnieohliforiemirpodotnemicsanukaMeéraB,awinaB,onakuT,ocisénegretni

TFT2991-0991

aidémedadiohlifº1

olavretnioidém

onakuT 86,5 80,12 07,2awinaB 11,5 63,91 68,2

éraB 38,4 28,91 26,2ukaM 53,6 32,02 20,3

2991/NRAIC:etnoF

TFTs das Tukano e Baniwa são, respectivamente,de 5,7 e 5,1 filhos. Em relação à fecundidade poridade, o mais alto nível encontra-se na faixa etáriade 30-34 anos para as mulheres tukano, maku ebaniwa, e apenas as baré têm sua fecundidademáxima alcançada em faixa etária mais jovem, de25 a 29 anos. A estrutura de fecundidade dasmulheres maku é mais jovem do que a das mulhe-res tukano, baré e baniwa, sendo a contribuiçãodas mulheres menores de 30 anos de idade nafecundidade total dessa etnia a mais alta.

As taxas de fecundidade total registradaspor Early e Peters (1990) entre os Yanomami estãoentre 8,7 e 7,5 nascidos vivos. Os autores demons-tram que, em todos os períodos estudados, o pa-drão da fecundidade não muda, e, no início doperíodo estudado, em 1958, as taxas específicas etotais foram mais altas, pois a estrutura etária, nes-se período, era muito incomum, pois teriam ocor-rido epidemias e migrações. Nancy Flowers (1994)calculou as taxas específicas e totais de fecundidadedos Xavante por períodos de anos. A taxa total defecundidade no ultimo período calculado (1972 a1977) foi de 9,4 filhos por mulher, tendo sido de-monstrado que os níveis de fecundidade dosXavante estavam aumentando. Somente no perío-do do contato, 1947-51, essa taxa foi de 11,17 fi-lhos. De 1987 a 1990, a TFT era de 8,42. Picchi(1994), no estudo sobre os Bakairi, um povo do

cerrado mato-grossense, en-controu uma TFT de 5,36 fi-lhos para o período de 1979a 1981. Os Kaiabi possuíamuma taxa de fecundidade to-tal de 6 filhos entre 1970 e1979, e de 9,5 filhos entreos anos de 1990 e 1999(Pagliaro, 2002).

Entre os Kaiabi doXingu, (Pagliaro, 2002, 2005),o final do período reprodutivoocorre entre 40 e 44 anos; amaior proporção de nasci-mentos se dá entre as idades

de 25 a 29 anos para as mulheres que já tinhamseu período reprodutivo completo ou quase com-pleto, e entre as idades de 20 a 24 anos para asmulheres de gerações mais jovens, indicando umrejuvenescimento do padrão de fecundidade des-sas mulheres (2002, 2005). Características seme-lhantes de padrão de fecundidade foram registradaspor Pagliaro e Junqueira (2007) para os Kamaiurá.

As médias de idade quando do nascimentodo primeiro filho vivo das mulheres pertencentesaos quatro grupos rio-negrinos variam de 19,4 a21,1 anos. De acordo com essas estimativas, são asmulheres baniwa e baré que têm seus filhos maiscedo, respectivamente aos 19,4 e 19,8 anos, e asmulheres tukano e maku as que iniciam mais tar-de a procriação, respectivamente 21,1 e 20,2 anos.

Early e Peters (1990) apontaram que a mé-dia da idade das mulheres yanomami, ao terem oprimeiro filho, é de 16,8 anos. Os autores ponde-

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Tukano

Baniwa

Baré

Maku

Gráfico 1- Distribuição relativa das taxas específicas de fecundidade dasmulheres baré, baniwa, tukano e maku, no período de 1990 – 1992

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ram ainda que existe um retardamento propositalpara a primeira gravidez, pois os Yanomami acre-ditam que o corpo da jovem que acaba de mens-truar ainda não está com o desenvolvimento com-pleto. Por isso, quando a menina engravida logoapós a primeira menstruação, os pais podem ajudá-la a provocar aborto. Já entre os Kaiabi do Xingu, amédia da idade ao ter o primeiro filho tende a de-clinar entre as coortes de mulheres analisadas porPagliaro (2002, 2005): desde a coorte 1 (mulheresnascidas entre 1950 e 1954) até a coorte 6 (mulhe-res nascidas entre 1975 e 1979), a média da idadepassa de 18,7 e atinge os 16 anos para a últimacoorte (2002). Portanto, para esses povos, a médiade idade ao ter o primeiro filho é menor do queentre os povos aqui estudados.

O intervalo intergenésico, ou período detempo transcorrido entre os nascimentos vivos dosfilhos das mulheres rio-negrinas, é inferior a 3 anosem média, sendo as mulheres maku e baniwa asque possuem o maior intervalo médio, respectiva-mente, 3 e 2,8 anos. O maior intervalo intergenésicoencontrado entre os Yanomami é de 3,2 anos, sen-do um pouco mais alto do que o encontrado entreas mulheres do rio Negro (Early; Peters, 1990). Price(1994) calculou o intervalo médio entre os nasci-mentos para os Nambiquara de 2,5 anos para operíodo de 1976 a 1986 e, para os Kaiabi, os inter-valos intergenésicos variam de 2,4 a 3,1 anos(Pagliaro, 2002, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, procuramos analisar as con-cepções das mulheres indígenas da região do AltoRio Negro relativas ao seu corpo e aos eventos re-lacionados à saúde reprodutiva. Para os tukano, ahumanidade anterior à existência dos homens atu-ais vivia em um estado pré-humano, pois não ha-via afinidade, nascimentos, casamentos. Essa hu-manidade continuou existindo após a série de trans-formações e criações dos diferentes povos a partirda viagem da “canoa-cobra”, e as pessoas, quandomorrem, vão se unir a esses ancestrais (Hugh-Jones,

1979). Os homens podem entrar em contato comessa pré-humanidade em diferentes momentos eespaços, tendo os xamãs como mediadores, conta-to esse que assegura a continuidade da existênciadesses povos, garantindo a continuidade da or-dem social estabelecida e, portanto, a saúde coleti-va. As pessoas também podem entrar em contatocom esse estado pré-humano quando sonham,quando estão doentes, ou quando as mulheresmenstruam ou vão dar à luz, além dos períodosrituais. As mulheres estão relacionadas a essemundo pré-humano através de seu sangue, mens-trual e do parto. Elas detêm o poder da reprodu-ção biológica através do sangue, e os homens de-têm o poder da reprodução da ordem social. Des-sa maneira, durante os períodos da menstruação edo parto, as mulheres estão em contato com esseestado pré-humano, assemelhando-se aos xamãs,que entram em contato com esse mundo de ma-neira voluntária, para realizar curas ou rituais.Durante esses períodos, as mulheres podem serperigosas e, ao mesmo tempo, vulneráveis. O po-der do sangue da mulher é equivalente e comple-mentar ao poder dos ossos (flautas sagradas) doshomens. O feto se forma através do sangue damulher, que dá origem ao sangue e à carne, e oesperma do homem, que dá origem aos ossos.

O controle sobre a fecundidade das mulhe-res tukano se dá pelos benzimentos e (ou) uso deplantas contraceptivas. Esse controle é maior nasprimeiras idades do período reprodutivo, o quese confirma na análise dos indicadores defecundidade, por exemplo, nas médias de idadequando do nascimento do primeiro filho, de 19 a20 anos nas diferentes etnias. As mulheres jovens,antes de se casar, pedem a um Kumu que faça umbenzimento para que não tenham filhos até o mo-mento do casamento ou um pouco depois. Duran-te o casamento, a fecundidade é controlada maisfrequentemente pelo espaçamento entre os filhos.O período de “dieta” das mulheres, quando devehaver a ausência de relações sexuais, é de doisanos, segundo o relato das mulheres de Iauaretê.Essa informação também é confirmada pelos inter-valos intergenésicos encontrados, de 2,6 a 3 anos.

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O outro período em que a mulher lança mão dosbenzimentos contraceptivos é no final do seu perí-odo reprodutivo, quando pedem ao Kumu parabenzê-las de forma que não mais engravidem, in-terrompendo definitivamente seu períodoreprodutivo. É o benzimento da menopausa, quepode ser realizado assim que a mulher sente osprimeiros sintomas do climatério ou já teve inú-meros filhos.

Comparando-se os níveis da fecundidadedessas mulheres do Alto Rio Negro, com exceçãodas mulheres maku, com os encontrados entreoutras populações indígenas, nota-se que eles sãoum pouco mais baixos do que aqueles encontra-dos para os Xavante, Kaiabi e Yanomami, exceçãofeita aos Bakairi.

(Recebido para publicação em julho de 2009)(Aceito em setembro de 2009)

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Marta Azevedo - Doutora em Demografia, área de concentração em Demografia Antropológica e Demografiade Etnias pela Universidade Estadual de Campinas. Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (NEPO)da UNICAMP e sócia colaboradora do Instituto Socioambiental. Antropóloga especialista em populaçõesindígenas, especificamente povos Guarani e povos da região do Alto Rio Negro, estado do Amazonas. Traba-lha com demografia e educação, indicadores sociais e demografia e saúde das mulheres, bem como questõesrelacionadas com a metodologia para captação de informações populacionais sobre povos indígenas. Foi co-organizadora do volume “Demografia dos Povos Indígenas no Brasil” (2005).

SANTE POUR LA REPRODUCTION ET LESFEMMES INDIGENES DU ALTO RIO NEGRO

Marta Azevedo

Dans cet article on décrit et on analyse lesconceptions spécifiques qu’ont les femmesindigènes du Alto Rio Negro en ce qui concerne lasanté de la reproduction, et on y fait le lien avecles indicateurs de fécondité. Les informationsqualitatives montrent une connaissance détailléeet complexe que possèdent les femmes indigènesde cette région en ce qui concerne leur corps et lessoins liés à la santé. Les niveaux et les structuresd’âge de la fécondité sont mis en relation avecl’ethnie des femmes, c’est-à-dire avec les systèmestraditionnels de soins relatifs à la santé de cespeuples. La recherche a été faite de 1997 à 2003,dans la région de Iauaretê, Terre Indigène de l’AltoRio Negro (AM), les premières données utiliséesont été celles fournies par le Recensement IndigèneAutonome du Rio Negro – CIARN –, réalisé par laFédération des Organisation Indigènes (Federaçãodas Organizações Indígenas) du Rio Negro – FOIRN– en 1992.MOTS-CLÉS: peuples indigènes, nord-ouest del’Amazonie, santé indigènes, démographie et lasanté, santé des femmes.

REPRODUCTIVE HEALTH AND INDIGENOUSWOMEN OF THE HIGH RIO NEGRO

Marta Azevedo

The present paper describes and analyzesHigh Rio Negro indigenous women’s ownconceptions about reproductive health, relatingthem to fecundity indicators. Qualitativeinformation point to a detailed and complexknowledge that area’s indigenous women possesson their bodies and the care with their health. Thefecundity levels and age patterns are related withthe women’s ethnicity, and, therefore, to thetraditional healthcare system of these peoples. Thisresearch was developed between 1997 and 2003,in the Iauaretê area Indigenous Land High RioNegro (AM), and had as first source of data RioNegro’s Autonomous Indigenous Census. CIARN.,executed by the Federation of Rio Negro’sIndigenous Organizations. FOIRN. in 1992.

KEYWORDS: indigenous peoples, the northwesternAmazon, indigenous health, demography andhealth, women’s health.

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