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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA
SÍNDROME DE DOWN E A DINÂMICA FAMILIAR.
SAMARA DE OLIVEIRA LUZ
Itajaí, (SC) 2007
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SAMARA DE OLIVEIRA LUZ
SÍNDROME DE DOWN E A DINÂMICA FAMILIAR.
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí, sob a orientação da professora Maria Isabel do Nascimento André, MSc.
Itajaí SC, 2007
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AGRADECIMENTOS
Durante toda a caminhada, para o desenvolvimento deste trabalho pude contar com
o apoio, estímulo e carinho de muitas pessoas. Portanto, nada mais justo do que agradecer a todos que de uma forma ou de outra contribuíram para a realização da minha pesquisa. Algumas destas pessoas tiveram um papel fundamental para a realização desta pesquisa, as quais eu gostaria de deixar registrado meu agradecimento:
Para minha orientadora Maria Isabel do Nascimento André, pela dedicação, atenção, apoio, e especialmente por ter acreditado em mim e ter compartilhando comigo seus conhecimentos, me passando tranqüilidade nas horas de preocupação, me guiando em alguns momentos onde eu me perdia e acima de tudo pelo carinho que sempre teve comigo.
Para as professoras Márcia Aparecida Miranda de Oliveira e Rosária Maria Fernandes da Silva que aceitaram o convite de fazer parte da minha banca, e por dessa maneira contribuírem com meu trabalho, partilhando comigo suas idéias.
Para a família que aceitou gentilmente fazer parte da minha pesquisa, se mostrando
receptiva e compartilhando comigo suas histórias familiares com confiança. Para meu companheiro, Tomás Henrique Melo, que sempre esteve ao meu lado ao
longo do desenvolvimento deste trabalho, me ajudando a refletir, dando idéias e sempre me acolhendo nos momentos de dúvida e indecisão.
Para meu pai, Celso de Oliveira Luz, sendo sempre generoso e gentil, tendo
paciência, amor e dedicação, me apoiando e ouvindo a qualquer hora e especialmente por tudo que aprendi com ele, que se reflete na realização desta pesquisa e em toda minha vida.
Para minha mãe, Elisabete Marta Luz, pelo carinho e compreensão, por ter me
ensinado a ser paciente e dedicada a tudo que faço.
Para minha amiga Aline Cardozo, pela sua amizade e por me escutar nas horas de dificuldades, me ajudando com que o que estava ao seu alcance.
Obrigado(a)!
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..............................................................................................................5
2 EMBASAMENTO TEÓRICO.............................. ...........................................................6
2.1 DINÂMICA FAMILIAR ...................................................................................................8 2.2 SÍNDROME DE DOWN ...............................................................................................11
2.2.1 Histórico .........................................................................................................11 2.2.2 Causas da Síndrome de Down ......................................................................13 2.2.3 Fenótipo .........................................................................................................15 2.2.4 Déficit cognitivo ..............................................................................................16
2.3 FAMÍLIA: DIAGNÓSTICO E CONVIVÊNCIA ......................................................................18
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS ........................... ....................................................23
3.1PARTICIPANTES DA PESQUISA....................................................................................23 3.2 INSTRUMENTO .........................................................................................................24 3.3 COLETA DOS DADOS ................................................................................................24 3.4 ANÁLISE DOS DADOS................................................................................................26
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .......... ................................27
4.1 SISTEMA DE CATEGORIAS ........................................................................................27 4.2 ANÁLISE GERAL DAS TAREFAS..................................................................................39 4.3 IMPRESSÃO GERAL DA FAMÍLIA .................................................................................40
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................. ...........................................................43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... .....................................................45
ANEXO ..........................................................................................................................50
ENTREVISTA FAMILIAR ESTRUTURADA – EFE DE FÉRES-CARNEIRO, 1979. .......................50
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SÍNDROME DE DOWN E A DINÂMICA FAMILIAR
Acadêmica: Samara de Oliveira Luz Orientador: Profª. Maria Isabel do Nascimento André, MSc. Defesa: Junho de 2007 Resumo: Esta pesquisa apresenta um estudo realizado com uma família, com um membro com síndrome de down, que tem como objetivo investigar a dinâmica familiar, identificando os dinamismos do funcionamento familiar, analisando a interação e a dinâmica familiar frente à Síndrome de Down e descrever como se dá a relação entre os membros da família. Primeiramente procurou-se definir a Síndrome de Down como uma falha genética, causada por uma alteração no número de cromossomos em geral, que pode ser diagnosticada no nascimento em razão da presença de uma série de alterações fenotípicas. Além das características fenotípicas, a criança com Síndrome de Down apresenta deficiência mental, que se trata de um déficit no progresso e desenvolvimento do indivíduo que a apresenta. Compreendemos que foi também fundamental ressaltar a influência da Síndrome de Down na dinâmica familiar, sendo que o nascimento de uma criança com esta síndrome causa um grande impacto nos pais, e pode gerar alterações na dinâmica familiar já existente. A realização deste trabalho está baseada em um estudo exploratório de natureza qualitativa e foi utilizado como instrumento a Entrevista Familiar Estruturada de Féres-Carneiro (1996) que tem como objetivo trazer à tona os dinamismos do funcionamento familiar. A entrevista foi realizada com o auxílio de equipamentos de áudio e vídeo, para maior fidedignidade no momento da transcrição do material e para a compreensão dos dados coletados foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo. Em linhas gerais pode-se dizer que a família participante da pesquisa apresenta características semelhantes a famílias sem um membro com Síndrome de Down em sua composição. Palavras-chave: Síndrome de Down, funcionamento, interação familiar. Área de Conhecimento: 7.07.05.01-1 – Relações Interpessoais
Banca:
____________________________________ _________________________________ Profª Márcia Aparecida Miranda de Oliveira, MSc. Profª Rosária Maria Fernandes da Silva, MSc. Avaliadora Avaliadora
__________________________________ Profª Maria Isabel do Nascimento André, MSc.
Orientadora
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1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa investigou a dinâmica de uma família com um de seus
componentes com Síndrome de Down. Esta pesquisa teve por objetivos identificar os
dinamismos do funcionamento familiar, analisar a interação e a dinâmica familiar frente
à Síndrome de Down e descrever como se dá a relação entre os componentes desta
família.
A Síndrome de Down, como apontam Macedo & Martins (2004) foi, durante
muitas décadas, percebida de forma estereotipada, olhada como uma deficiência
mental severa, cujo prognóstico impreciso e negativo propiciava uma percepção
distorcida àqueles que conviviam com uma pessoa que apresentava esta alteração
genética.
O nascimento de uma criança com Síndrome de Down afeta toda a família, e
com a chegada desta criança, todos irão passar por momentos de adaptação, pois, em
nenhum momento, os pais esperam que a criança tão desejada pudesse ter uma
deficiência.
Murphy (1993) ressalta a afirmação acima quando cita que os pais passaram
nove meses imaginando como será seu bebê e qual efeito ele terá sobre a família.
Quando o bebê nasce, os pais não pensam na possibilidade de que suas expectativas
não serão realizadas. Conning (1993) cita, que ao receber a notícia de um bebê com
Síndrome de Down, os pais devem reconstruir seus sonhos e esperanças.
Ferrari & Kaloustian (1994) complementam, quando citam que já na gestação os
pais vislumbram um futuro para seus filhos, e este futuro imaginado por eles
corresponde à vida de uma criança normal e saudável. Mas acontecimentos como o
nascimento de uma criança com Síndrome de Down mudam radicalmente estes planos
e requerem uma nova adequação nos papéis desempenhados pelos membros da
família pois, a criança com Síndrome de Down possui necessidades básicas, comuns
em toda a criança, como alimentação e educação, mas além destas, os pais terão de
enfrentar agravantes associados à Síndrome de Down do filho(a).
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A forma de enfrentamento da família diante desta situação é bastante variável,
conforme aponta Murphy (1993) as pessoas lidam com suas emoções de maneiras
diferentes: algumas se voltam para dentro de si, outras expressam seus sentimentos
abertamente, chorando ou ficando com raiva; outras pessoas buscam informações
ativamente, algumas levam meses para retornarem às suas rotinas e atribuições do
cotidiano. Seus sentimentos de tristeza e perda nunca desaparecem por completo,
contudo algumas pessoas descrevem efeitos benéficos de tal experiência, tais como,
uma nova dimensão quanto ao sentido da vida, podendo muitas vezes fortalecer e
unificar uma família.
É importante que a família supere as dificuldades iniciais e consiga retomar suas
funções, pois segundo Ferrari & Kaloustian (1994), a família é o espaço indispensável
para a garantia da sobrevivência de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e
demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se
estruturando, é ela que propicia os aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários
ao desenvolvimento e bem estar dos seus componentes. A família desempenha um
papel decisivo na educação formal e informal; é em seu espaço que são absorvidos os
valores éticos e humanitários; é também em seu interior que se constroem as marcas
entre as gerações e são observados valores culturais.
Em busca dessa superação necessária, a Síndrome de Down deve ser bastante
explorada, considerando-se que existem muitas questões a serem levantadas, como a
identificação dos dinamismos do funcionamento familiar, a interação e a dinâmica
familiar frente à Síndrome de Down e como se dá a relação entre os membros desta
família. O desenvolvimento deste estudo, com este foco em especial, contribui com as
pesquisas nesta área sendo um estudo que complementa a questão, e assim contribui
fornecendo mais subsídios para uma consulta de nível científico ou social.
Sendo assim esta pesquisa tem o intuito de contribuir para a compreensão
destas relações, dando suporte e servindo de referência para auxiliar na prática dos
pais de crianças com Síndrome de Down em lidar com seus filhos em diversos
aspectos.
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2 EMBASAMENTO TEÓRICO
2.1 Dinâmica Familiar
Segundo Ackerman (1986) a família é uma designação para uma instituição tão
antiga quanto a própria espécie humana. A família é uma entidade paradoxal e
indefinível. Ela assume muitos aspectos. É a mesma em qualquer lugar, contudo nunca
permaneceu a mesma. A constante transformação da família através do tempo é o
produto de um processo incessante de evolução; a forma estrutural da família molda-se
às condições de vida que predominam em um certo tempo e lugar.
Macedo e Martins (2004) ressaltam que a família é entendida como sendo um
sistema social que proporciona aos seus membros a construção de uma identidade
pessoal e social, oportunizando-lhes, também, um ambiente propício ao
desenvolvimento afetivo, cognitivo e social.
A influência da família no desenvolvimento de suas crianças se dá,
primordialmente, através das relações estabelecidas por meio de uma via fundamental:
a comunicação, tanto verbal como não verbal. A família constitui um grupo com
dinâmicas de relação muito diversificadas, cujo funcionamento muda em decorrência de
qualquer alteração que venha a ocorrer em um de seus membros ou no grupo como um
todo (SILVA & DESSEN, 2001).
De acordo com Minuchin (1982), as mudanças familiares, ocorrem pelas
mudanças na sociedade. O mundo ocidental está num estado de transição e a família,
que sempre deve se acomodar à sociedade, está mudando com ele. A família tem
assumido ou renunciado a função de proteção e socialização de seus membros em
resposta às necessidades da cultura. Neste sentido, as funções da família atendem a
dois diferentes objetivos: um é o objetivo interno – a proteção psicossocial de seus
membros; o outro, o objetivo externo - a acomodação a uma cultura e à transmissão
dessa cultura.
Segundo Nichols e Schwartz (1998) a teoria estrutural da família possui três
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componentes essenciais: estrutura, subsistemas e fronteiras. A estrutura descreve as
seqüências que são previsíveis, quando são repetidas, as transações da família
estabelecem padrões duradouros. Esses padrões determinam como, quando e com
quem os membros da família se relacionam. A estrutura envolve um conjunto de regras
veladas que governam as transações da família, ela é moldada em parte por limitações
universais e em parte por limitações idiossincráticas. Esta estrutura da família só se
torna evidente quando as interações reais entre seus membros são observadas no
decorrer do tempo.
As famílias são ainda diferenciadas em subsistemas de membros que se reúnem
para realizar várias funções. Cada indivíduo é um subsistema e todo membro da família
desempenha muitos papéis em vários subgrupos. E os indivíduos, os subsistemas e as
famílias como um todo são demarcadas por fronteiras interpessoais, barreiras invisíveis
que envolvem os indivíduos e os subsistemas, regulando a quantidade de contato com
os outros. (NICHOLS E SCHWARTZ, 1998).
Os referidos autores citam que as fronteiras servem para proteger a autonomia
da família e de seus subsistemas, lidando com a proximidade e com a hierarquia. As
famílias estabelecem as fronteiras que protegem seus subsistemas, sendo que as
fronteiras podem ser rígidas, sendo explicitamente restritivas permitindo assim pouco
contato com os subsistemas externos, resultando em um distanciamento, o que pode
limitar a proximidade, o afeto e a proteção; já quando o subsistema é aglutinado,
apresenta um sentido elevado de apoio mútuo, mas às custas da independência e da
autonomia, pois os pais fazem muito por seus filhos e assim as crianças ficam muito
dependentes.
Nichols e Schwartz (1998) citam ainda que o casal também tem um subsistema,
sendo que o casal deve ter uma fronteira que o separe dos pais, dos filhos e do mundo
exterior, e muitas vezes o que acontece é que quando os filhos nascem o marido e a
esposa abandonam o espaço de que necessitam para apoiar um ao outro. O
nascimento de uma criança transforma instantaneamente a estrutura da família; o
padrão de interação entre os subsistemas pais e filho deve ser elaborado e depois
modificado para se adaptar às circunstâncias modificadas. Uma fronteira clara permite
às crianças interagirem com seus pais, mas os exclui do subsistema cônjuges, pois há
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algumas funções dos cônjuges que não precisam ser compartilhadas com os filhos.
Dentro de um desenvolvimento familiar normal, quando duas pessoas se casam,
as exigências estruturais para a nova união são a adaptação e a determinação de
fronteiras. O advento dos filhos transforma a estrutura da nova família em um
subsistema parental e um subsistema filial. Os filhos desenvolvem uma personalidade
dual dentro da família, uma sensação de pertencer a ela e uma sensação de estar
separado dela; é parte da família, mas é uma pessoa única (NICHOLS E SCHWARTZ,
1998).
Dentro dos subsistemas acima citados, Osório (1996), autor que dedica suas
obras à família e as suas relações, complementa a teoria estrutural de Nichols e
Schwartz (1998) , citando que dentro da família cada membro tem um papel, num casal
sem filhos, os papéis seriam meramente de marido-mulher, em se tratando de uma
família nuclear os papéis são de mãe-pai-filhos. Assim sendo, o casal, tenha ele filhos
ou não, possui o papel conjugal e este papel pressupõe a interdependência dos
participantes deste casal, além do fato de que a sobrevivência dos indivíduos que a
constituem é facilitada pelo compartilhar de tarefas no mútuo preenchimento dos
desejos e necessidades de cada um. Um outro papel desempenhado pela família é o
papel parental, que é o de pai e de mãe. A mãe, em seu papel materno, tem como
tarefas nutrir, cuidar e proteger o filho, além da função de receptáculo das angústias
existenciais de quem esteja correspondentemente no papel de filho. Já o papel paterno,
é o papel onde o pai representa a cunha interposta entre mãe e filho para sinalizar a
este a necessidade de renunciar à posse da mãe e dar curso a seu projeto de
individualização.
Há também o papel fraterno que é o desempenhado pelos irmãos, este papel
oscila entre a solidariedade e a rivalidade, e por vezes está deslocado para a relação
entre marido e mulher, ou entre filho e um dos progenitores. O último dos papéis, é o
filial, que está centrado na dependência, mas esta situação de dependência poderá
comparecer deslocada em outros componentes da família que não os filhos
propriamente ditos, e esta situação é válida também para os outros papéis, pois um
membro da família pode simultaneamente ou em tempos alternados, assumir diferentes
papéis (OSÓRIO, 1996).
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Osório (1996) pontua ainda que além de papéis, a família desempenha também
certas funções, como a biológica, psicológica e social. Do ponto de vista biológico, a
função familiar é a de garantir a sobrevivência da espécie através dos cuidados
ministrados aos recém-nascidos. Já a função psicológica traz o afeto como um
“alimento” indispensável à sobrevivência do ser humano; sem o afeto ministrado pelos
pais ou seus sub-rogados o ser humano não desabrocha, permanecendo fechado em
uma espécie de “concha psíquica”. Outra função psíquica da família é a de servir de
continente para as ansiedades existenciais dos seres humanos durante seu processo
evolutivo. A superação das chamadas “crises vitais” ao longo da existência de cada
indivíduo é, sem dúvida, favorecida por um adequado suporte familiar. E ainda uma
última função psíquica é a de proporcionar o ambiente adequado para a aprendizagem
e também facilitar o intercâmbio de informações com o universo que o cerca. A última
função é a social, que foca a preparação para a cidadania.
Além de toda esta relação com a família, da estrutura familiar, de papéis e de
funções, segundo Maldonado (1994) há uma multiplicidade de fatores que influem na
construção do modo de ser da criança, além do relacionamento com os pais. O filho
não é totalmente um produto dos pais, nem quando muita coisa dá errado (gerando,
nos pais, um sentimento de culpa) nem quando quase tudo dá certo (gerando, nos pais,
um exagerado sentimento de orgulho). A criança vive em um mundo e, portanto, passa
por inúmeras experiências que contribuem para a formação de sua personalidade.
2.2 Síndrome de Down
2.2.1 Histórico
Segundo Schwartzman (1999) os primeiros trabalhos científicos sobre a
Síndrome de Down datam do século XIX; porém, é bem provável que esta síndrome
sempre tenha estado presente na espécie humana.
Schwartzman (1999) cita que os Olmecas, uma antiga tribo que viveu em uma
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região onde hoje é o Golfo do México, entre 1500 aC até 300 dC, deixaram gravações,
esculturas e desenhos de crianças e adultos com características tais que fazem supor
que fossem pessoas com Síndrome de Down.
Nas sociedades européias mais antigas pessoas com deficiência eram pouco
consideradas, em muitos casos eram abandonadas para morrer de inanição ou serem
devorados por animais silvestres. Na cultura grega no século V, os indivíduos com
deficiência não eram tolerados, eram considerados criaturas não humanas e sim um
tipo de monstro pertencente a outras espécies. Na Idade Média, as pessoas com
deficiências foram considerados como produto entre a união de uma mulher e o
Demônio. No período da Renascença, que como sabemos foi um período dominado
pela arte, os pintores freqüentemente retratavam o grotesco e o incomum, e muitos
exemplos de deformidades físicas podem ser observados nos trabalhos de vários
artistas da época (SCHWARTZMAN, 1999).
Foi somente no ano de 1938 que referências à Síndrome de Down foram
encontradas em um dicionário médico publicado por Esquirol. Outros autores
escreveram sobre a Síndrome de Down anos depois, incluindo o médico Langdon
Down, que emprestou seu nome a condição e que já em 1866 havia escrito um
trabalho, assumindo que o quadro já era bastante conhecido (SCHWARTZMAN, 1999).
Werneck (1993) cita que Down fez uma observação interessante, contrariando as
crenças da época. Ele questionou por que algumas crianças, mesmo filhas de pais
europeus, eram tão parecidas entre si e tinham traços que lembravam a população da
raça mongólica, principalmente pela inclinação das pálpebras, similares a dos asiáticos,
e fez uma descrição precisa sobre a população estudada.
De acordo com Pueschel (1993), Langdon Down merece crédito pela descrição
de características clássicas desta condição, distinguindo a criança com Síndrome de
Down de outras com deficiência mental. Assim Down fez uma grande contribuição com
o reconhecimento das características físicas e sua descrição da condição como
entidade distinta e separada. Werneck (1993) pontua que só no final do século XIX
médicos de outros países europeus diagnosticaram a situação descrita por Langdon
Down em alguns de seus pacientes, acrescentando novas informações.
A primeira sugestão de que a Síndrome de Down poderia decorrer de uma
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aberração cromossômica foi do oftalmologista holandês Waardenburg, em 1932. Logo
depois, em 1934, o americano Adrian Bleyer sugeriu que a aberração poderia ser uma
trissomia. Em 1956 Tijo e Levan estabeleceram que o número total de cromossomos na
espécie humana era de 46 e finalmente em 1959 o Dr. Jerome Lejuene descreve a
presença de um cromossomo extra, sendo que é a presença deste cromossomo extra
que caracteriza a Síndrome de Down (SCHWARTZMAN, 1999).
2.2.2 Causas da Síndrome de Down
A Síndrome de Down foi a primeira a ser associada a uma aberração
cromossômica sendo que ela tem sido a principal causa da deficiência mental. A
incidência de Síndrome de Down em recém-nascidos é bastante considerável, sendo
que ela está em torno de 1:600 a 1:800 nascimentos (VOIVODIC, 2004).
A Síndrome de Down é uma falha genética, causada por uma alteração no
número de cromossomos. As células humanas possuem 46 cromossomos agrupados
em 23 pares, e as células de pessoas que com Síndrome de Down possuem 47
cromossomos, ou seja, 1 cromossomo extra que se localiza no par 21, que ao invés de
ter 2 cromossomos, passa a ter 3 cromossomos. Por esta razão a Síndrome de Down é
também denominada trissomia do par 21 (WERNECK, 1993).
Segundo Pueschel (1993) metade dos cromossomos de cada pessoa são
derivados do pai e a outra metade da mãe, ou seja, 23 cromossomos estão no
espermatozóide e outros 23 cromossomos estão no óvulo. Em circunstâncias normais,
a união entre o óvulo e o espermatozóide gera a primeira célula que terá, portanto, 46
cromossomos, e esta irá se dividir formando muitas outras. O que pode ocorrer é que a
célula germinativa (óvulo ou espermatozóide) tenha 24 cromossomos (um cromossomo
adicional) e a outra 23, e no momento da concepção, se formará uma nova célula com
47 cromossomos, se este cromossomo adicional for localizado no par 21, o indivíduo,
se não ocorrer um aborto natural, nascerá com Síndrome de Down. Geneticistas
detectaram, que além da trissomia do par 21, haviam outros problemas cromossômicos
em crianças com Síndrome de Down, que seriam a translocação e o mosaicismo.
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A translocação corresponde de 3% a 4% de crianças com Síndrome de Down,
neste caso (da translocação) o número total de cromossomos nas células é de 46, mas
o cromossomo 21 extra está ligado a outro cromossomo, então, ocorre novamente, um
total de 3 cromossomos 21 presente em cada célula. A diferença da translocação para
a trissomia simples, é que o terceiro cromossomo 21 não é “livre”, mas está ligado ou
translocado a outro cromossomo (PUESCHEL, 1993).
O mosaicismo é o menos comum entre os três tipos de problema cromossômico
em crianças com Síndrome de Down. Ele ocorre em cerca de 1% das crianças com
Síndrome de Down, e é considerado como sendo resultado de um erro em uma das
primeiras divisões celulares. Após o nascimento do bebê, encontram-se algumas
células com 47 cromossomos e outras com o número normal de 46 cromossomos. As
crianças com Síndrome de Down do tipo mosaicismo apresentam traços menos
acentuados de Síndrome de Down, e seu desempenho intelectual é melhor do que a
média para crianças com trissomia 21 (PUESCHEL, 1993).
Pueschel (1993) assinala que independente do tipo, quer seja trissomia 21,
translocação ou mosaicismo, o responsável pelos traços físicos específicos e função
intelectual limitada que são observados na maioria das crianças com Síndrome de
Down, é sempre o cromossomo 21. É importante destacar que um fator bastante
conhecido como influência para a Síndrome de Down, é a idade da mãe. Quanto mais
velha a mãe estiver no período de gestação, maior o risco de ter uma criança com
Síndrome de Down.
Isto ocorre por que o óvulo, a célula reprodutora feminina, tem a idade exata da
mulher, ou seja, à medida que a mulher envelhece, seus óvulos envelhecem também,
isso daria margem a maior ocorrência de fetos malformados de modo geral. Após os 35
anos os riscos de ter um filho com algum tipo de má formação aumentam
consideravelmente (WERNECK, 1993).No entanto, é importante destacar que mães
mais jovens também correm o risco de ter filhos com Síndrome de Dowm, porém a
incidência é menor.
Pueschel (1993) assinala que até o presente, não sabemos o que faz com que
as células se dividam incorretamente e por que os cromossomos não se separam
devidamente. Espera-se que investigações futuras respondam a estas questões.
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Macedo e Martins (2004) assinalam que, as crianças com Síndrome de Down
apresentam, em geral, a mesma diversidade de fatores biológicos, funções e
realizações que existem em todos os seres humanos. Evidencia-se, no entanto, que é a
presença deste terceiro cromossomo no par 21 que traz como conseqüência um
desequilíbrio nas funções das células do corpo humano. No sistema nervoso esse
desequilíbrio ocorre interferindo na aprendizagem e na conduta dos indivíduos. Pode-se
observar que as habilidades intelectuais, de linguagem e o comprometimento emocional
dessas pessoas variam significativamente.
2.2.3 Fenótipo
De acordo com Schwartzman (1999) a Síndrome de Down, em geral, pode ser
diagnosticada no nascimento em razão da presença de uma série de alterações
fenotípicas que, individualmente, não são patognomônicas desta ordem, mas quando
consideradas em conjunto, permitem a suspeita diagnóstica. Vários sinais clínicos
foram descritos em recém-nascidos afetados pela Síndrome de Down, e o conjunto de
dismorfias presente faz com que o diagnóstico possa ser suspeitado logo no
nascimento.
A cabeça da criança com Síndrome de Down é um pouco menor quando
comparada com a das crianças normais, com braquicefalia (parte posterior da cabeça
levemente achatada). O rosto apresenta um contorno achatado, devido aos ossos
faciais pouco desenvolvidos e ao nariz pequeno, com o osso nasal afundado
(PUESCHEL, 1993).
Os olhos têm formato normal, mas as pálpebras são estreitas e levemente
obliquas; as orelhas são pequenas e normalmente os canais do ouvido são estreitos. A
boca é pequena, o céu da boca (palato) é mais estreito e a erupção dos dentes de leite
geralmente é atrasada (PUESCHEL, 1993).
O pescoço pode ter uma aparência larga e grossa, a pele é geralmente clara, os
dedos dos pés são geralmente curtos, e observa-se um espaço grande entre o dedão e
o segundo dedo. A criança apresenta “articulações soltas” por causa de uma frouxidão
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geral dos ligamentos; o tônus muscular é pobre, a força é reduzida e a coordenação
limitada, mas a medida que a criança fica mais velha o tônus e a força muscular
melhoram marcadamente (PUESCHEL, 1993).
Schwartzman (1999) destaca ainda a clinodactilia do 5° dedo das mãos e o
abdomen achatado. Muito embora a presença de vários dos sinais acima descritos
levante na prática a possibilidade de estarmos frente a um indivíduo com Síndrome de
Down, é importante lembrar que eles não são específicos, e que cada um deles,
isoladamente, pode estar presente em indivíduos inteiramente normais.
2.2.4 Déficit cognitivo
Segundo Voivodic (2004) as crianças com Síndrome de Down têm o déficit
cognitivo como uma das suas características mais constantes; sendo que no que se
refere ao aspecto cognitivo, ela provoca um atraso em todas as áreas do
desenvolvimento. A Associação Americana de Deficiência Mental (s/d, apud Voivodic,
2004) define a mesma como: “condição na qual o cérebro está impedido de atingir seu
pleno desenvolvimento prejudicando a aprendizagem e a integração social do
indivíduo”.
De acordo com Mantoan (1992, apud Voivodic, 2004) os indivíduos com déficit
cognitivo configuram uma condição intelectual análoga a uma construção inacabada,
tendo uma lentidão significativa no processo intelectual. Apesar disso, a inteligência de
crianças com déficit cognitivo apresenta certa plasticidade ao reagir satisfatoriamente à
solicitação adequada do meio.
As causas do déficit cognitivo podem ser divididas em pré, peri e pós-natais.
Entre as causas pré-natais estão as causas intra-uterinas, a ingestão de drogas e
álcool pela mãe ou por doenças graves que afetam a grávida. Já peri-natal, ou seja,
durante o parto, a causa pode ser a má oxigenação no cérebro, talvez causada por
traumatismos que o bebê possa sofrer durante o nascimento. Como causas pós-natais
apontamos as infecções como as meningites, as encefalites, e os traumatismos
cranianos, resultados de acidentes (WERNECK, 1993).
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Saad (2003) aponta que cada pessoa faz sua trajetória particular a caminho de
seu desenvolvimento, sendo que algumas apresentam um desenvolvimento mais lento,
que pode chegar a ser desarmônico com relação aos demais, como no caso da
deficiência mental.
Vygotsky (1997, apud Saad, 2003) afirma que a forma de atividade intelectual,
verbal e motriz entre a criança sem atraso mental e a criança com atraso mental é
peculiar e qualitativa. Para ele, ambas possuem a mesma base de desenvolvimento,
portanto o atraso não necessariamente afeta na mesma medida todas as funções e
muito menos a todas as crianças igualmente; ele cita que a criança com alguma
deficiência não é simplesmente menos desenvolvida do que a criança sem atraso
mental; mas sim desenvolvida de outro modo.
Devido à alteração dos processos sensoriais, intelectuais, afetivos e volitivos a
correlação das funções psíquicas varia, sendo que algumas desaparecem ou retardam
muito, enquanto outras se desenvolvem de um modo compensador sob a influência do
exercício independente e do ensino que por sua vez influem sobre outros aspectos da
atividade psíquica e da personalidade da criança com deficiência. Sendo assim, não se
pode partir do pressuposto de que todas as crianças com o mesmo tipo de deficiência
tenham as mesmas necessidades e a mesma personalidade, as potencialidades
complementares, que elas poderão apresentar, podem estar ausentes nas crianças
sem atraso mental (VYGOTSKY 1997, apud SAAD, 2003)
Segundo Fonseca (1995) o déficit cognitivo apresenta um ritmo e uma
atipicidade de desenvolvimento e de maturação que se verificam evoluções conceituais
mal colocadas, além de problemas de atenção seletiva e de auto-regulação de
condutas, em que o meio joga um papel fundamental, aceitando ou rejeitando
comportamentos adaptativos, que são ou não “normalizados” ou “padronizados”.
Carvalho (1997) cita que uma concepção errônea compartilhada durante séculos
pela sociedade é o da incompetência generalizada. Supunha-se até recentemente, que
uma pessoa com déficit cognitivo apresentasse limitações em todas as áreas de
desenvolvimento e em todas as suas realizações presentes e futuras. Os avanços
científicos e a prática educacional têm revelado o contrário, ou seja, que as pessoas
com déficit cognitivo possuem muitas capacidades e habilidades pessoais que
18
permitem o seu ajustamento às exigências do meio físico social.
2.3 Família: diagnóstico e convivência
O nascimento de uma criança modifica toda a estrutura familiar; é um novo
membro que está chegando e necessita de adaptações de toda esta família. Quando
falamos no nascimento de uma criança com Síndrome de Down, tem-se a noção de
que esta adaptação seja ainda mais difícil.
De acordo com Porto (2002) os pais criam toda uma expectativa a respeito dos
filhos durante a gestação, eles esperam que o filho possua uma série de qualidades,
sendo que a qualidade mais esperada é a de gerar uma criança saudável e quando
ficam sabendo que o filho tem Síndrome de Down, suas expectativas são quebradas e
há um grande sofrimento por parte dos pais.
Lebovici (1992, apud MACEDO & MARTINS, 2004) cita que o nascimento de
uma criança fragilizada quase sempre causa muita ansiedade e lembra que dificilmente
a mãe recebe felicitações de amigos e familiares nessa ocasião. No caso do
nascimento de um bebê com Síndrome de Down as reações não são diferentes, pois
uma situação de grande conflito emocional é vivenciada entre as pessoas envolvidas,
gerando um clima tenso entre essa família nuclear: pai, mãe e bebê.
A referida autora ressalta uma importante questão, o momento e o modo como é
comunicado o diagnóstico. Ela cita que a experiência de uma família com o nascimento
de um bebê com Síndrome de Down envolve adaptações e reações que se
assemelham às de outras famílias na mesma situação, por isso a importância da
escolha de uma melhor forma de comunicação do diagnóstico da deficiência do filho à
família, considerando as possíveis conseqüências desse momento para esta: o
choque, a tristeza e a culpa – reações consideradas normais nessa fase – quando não
são bem vivenciadas, podem implicar um conjunto de atitudes que em nada vai
favorecer o desenvolvimento da criança.
Colnago (1991, apud COLNAGO e BIASOLI-ALVES, 2003) afirma que é ainda
19
na maternidade, quando os pais recebem a notícia da possibilidade do bebê ter
Síndrome de Down, que se inicia o processo de sofrimento. Freqüentemente não são
dados a eles os esclarecimentos adequados sobre esta síndrome, o que provoca
incertezas e dúvidas de como ocorrerá a socialização do bebê. Acrescenta-se a isso os
sentimentos de culpa e de tristeza que prevalecem nos pais por terem gerado um bebê
com deficiência.
A referida autora cita ainda que o nascimento de um bebê com uma síndrome
que afeta seu desenvolvimento, ou o de uma criança que apresenta reações diversas
das esperadas, desencadeia vários transtornos nas relações familiares. Podem ocorrer
dificuldades na interação pais-bebê desde os primeiros dias de vida da criança. Em
relação a criança com Síndrome de Down maiores e melhores serão seus ganhos
quanto mais cedo as interações/estimulações positivas se iniciarem.
De acordo com Miller (1995) cada família enfrenta, adapta-se e lida com a idéia
da deficiência à sua maneira, de acordo com seu sistema de valores pessoais e
religiosos, crenças culturais e da personalidade individual de cada um de seus
membros.
Segundo Casarin (1999), a reorganização familiar fica mais fácil quando há
apoio mútuo entre o casal. Nesse caso, o ambiente familiar pode contribuir para o
desenvolvimento e crescimento da criança com deficiência. Contudo, o ambiente pode
também dificultar essa reorganização interna da família, principalmente porque o
nascimento de uma criança, por si só, já acarreta alterações que constituem um desafio
para todos os membros familiares.
De acordo com Silva e Dessen (2001) a família passa por um longo processo de
superação até chegar à aceitação da sua criança com deficiência mental: do choque,
da negação, da raiva, da revolta e da rejeição, dentre outros sentimentos, até a
construção de um ambiente familiar mais preparado para incluir essa criança como um
membro integrante da família. Buscaglia (1993) complementa quando afirma que este é
um período de muitos questionamentos, uma busca por explicações e o surgimento de
sentimentos como a culpa, vergonha e o medo.
Sobre o sentimento de culpa, Buscaglia (1993) ressalta que algumas mães
sentem-se pessoalmente responsáveis pela condição em que seu filho vem ao mundo;
20
culpam-se por não terem sido mais cuidadosas durante a gestação, questionam-se se
terá sido algo que fizeram ou deixaram de fazer. Pensamentos e emoções como estes
produzem fortes sentimentos de auto-recriminação e autocensura, que afetam a
criança, reduzindo sua auto-estima e valorização pessoal.
De acordo com Buscaglia (1993) os pais geralmente sentem vergonha, pois
quando os indivíduos se tornam pais, eles vêm os filhos com uma extensão de si
mesmos e esperam que a criança, de certa forma, se torne um reflexo do melhor de si
próprios e sentem-se envergonhados quando isso não acontece. Há também uma
vergonha mais centrada no outro, que é a preocupação com o que os outros vão
pensar ou o que irão dizer. Os pais já começam a imaginar que parentes e amigos irão
lhes criticar, ridicularizarão e os acusarão de ter agido mal, pois assim como os
próprios pais, eles muitas vezes têm uma vaga e imprecisa idéia sobre as causas da
deficiência.
O medo, segundo Buscaglia (1993), é uma outra emoção comum aos pais de
crianças com deficiência, afinal, tem-se um medo natural daquilo que não se
compreende. Os pais temem então pelo futuro e segurança desta criança, receiam que
não haja escolas adequadas, emprego mais futuramente; assustam-se com o que o
filho irá pensar e sentir, e se eles, pais, serão fortes o bastante para atender a estes
sentimentos e necessidades especiais.
Buscaglia (1993) cita que todos estes sentimentos são apropriados, afinal, a
cruel e dolorosa realidade de ser subitamente presenteado com uma criança com
deficiência e o sentimento de total incapacidade para mudar a situação não são coisas
fáceis de aceitar. Portanto, nada há de errado ou de vergonhoso para qualquer pessoa
admitir que a deficiência de qualquer membro da família (neste caso, o filho) lhe
acarreta sentimentos como os citados acima. De fato são raros os seres humanos que
poderiam de imediato aceitar sem questionamentos, um filho com deficiência.
Buscaglia (1993) ressalta que todos os membros da unidade familiar conhecem
seus papéis e sabem como desempenhá-lo, porém, a cada novo evento de impacto, a
família deve ser reestruturada. A extensão dessa reestruturação será determinada pela
força do estimulo causal, o grau de intimidade dos interrelacionamentos da unidade e a
profundidade das relações emocionais envolvidas.
21
Qualquer mudança em um integrante da família afeta todos os outros. A principal
diferença em uma família onde há uma criança com deficiência é que seus problemas
são intensificados pelos muitos pré-requisitos, necessidades e atitudes que lhes são
impostos devido a deficiência do filho. A importância do papel da família não pode nem
deve ser minimizada, pois é neste campo seguro de experiências que os indivíduos
com deficiência primeiro aprenderão e comprovarão continuamente que, apesar de
suas graves limitações, é permitido que sejam eles mesmos (BUSCAGLIA, 1993).
Ninguém mais do que a família terá um efeito tão duradouro, influente e
significativo sobre esta criança com deficiência. São os membros da família, que
estarão em contato contínuo com o indivíduo, ensinando-lhe os costumes e hábitos da
cultura, estipulando regras. São estes membros, esta família que irá guiar a criança na
luta de desempenhar seu papel de ser humano. Suas atitudes em relação a criança
como pessoa, terão grande influência sobre as atitudes pessoais desta, assim como
seus sentimentos em relação a deficiência afetarão os sentimentos da criança a esse
respeito (BUSCAGLIA, 1993).
Porto (2002) ressalta a questão afirmando que a família influi, sobretudo na
atitude dos pais: a família é o apoio, a sustentação, fonte de afeto e moral, de formação
de valores tão necessários para a formação humana de todas as pessoas e que esta
importância fica ainda maior nas famílias em que os filhos têm de algum tipo de
deficiência, como é o caso da Síndrome de Down, pois estas crianças precisam de
cuidados especiais indispensáveis ao seu desenvolvimento. É na relação com a família
que a criança cresce, se desenvolve e aprende a se relacionar com o mundo que a
cerca. Os pais não podem mudar a condição genética de seus filhos, mas podem e
devem proporcionar a eles tudo de que precisam, amor e um ambiente necessário para
desenvolver todo o seu potencial. Storer & Voivodic (2002) destacam que as atividades
da vida cotidiana na família dão à criança oportunidades para aprender e desenvolver-
se por meio do modelo, da participação conjunta, da realização assistida e de tantas
outras formas de mediar a aprendizagem.
Buscaglia (1993) nos traz então um termo interessante: pais especiais;
afirmando que os pais que trazem ao mundo um filho com deficiência, recebem um
novo papel e tornam-se então pais especiais, afinal, o nascimento de uma criança
22
imperfeita fará com que enfrentem um desafio único, do qual não teriam conhecimento,
se a mesma fosse uma criança perfeita. O autor traz ainda que do nascimento ao fim
da infância, os pais de criança com deficiência devem estar conscientes de que tantas
vezes sentem-se atormentados pelas muitas necessidades físicas de seus filhos, o
sofrimento, o desconforto físico, as freqüentes consultas médicas e em alguns casos as
medicações, que podem deixar de perceber que, assim como as outras crianças, essas
também têm necessidades normais; elas precisam dos mesmos afagos, o mesmo
carinho, o mesmo amor, a mesma atenção, os mesmos estímulos lingüísticos bem
como as mesmas oportunidades de explorarem seus próprios corpos e o ambiente.
Como já destacado, a família é o primeiro e principal contexto onde a criança é
inserida. É o contexto onde a criança cresce e é ajudada a crescer, onde ela aprende,
vivencia suas primeiras relações e também experiências emocionais, além disso, é a
família a grande responsável pela formação da identidade e pelo desenvolvimento
afetivo, social e cognitivo.
A qualidade da dinâmica familiar irá produzir efeitos muito importantes no
desenvolvimento da criança com Síndrome de Down, por isso, não somente a
assistência que a família proporciona à criança, como o acompanhamento e
estimulação realizados por profissionais, mas a atenção que a própria família está
dando, a maneira com que ela está lidando com esta criança que é tão especial, e que
necessita de todo estímulo para um bom desenvolvimento, é também essencial que
esta assistência não tome lugar do relacionamento afetivo e da disponibilidade da
família.Tão importante quanto às atividades de estimulação, são o amor, o carinho, a
disponibilidade dos pais em interagir com a criança e o ambiente familiar favorável,
onde a criança cresça feliz e emocionalmente saudável, proporcionando assim
condições de desenvolvimento para sua personalidade, independência e autonomia.
23
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa aqui apresentada baseia-se em um estudo exploratório de natureza
qualitativa. Segundo Minayo (1999) pesquisas qualitativas são aquelas capazes de
incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às
relações e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento
quanto na sua transformação, como construções humanas significativas.
Concordando que para a realização deste estudo seria apropriado buscar um
espaço onde a clientela já faz parte do contexto, esta pesquisa realizou-se através do
contato com uma escola especial de Balneário Camboriú, em Santa Catarina, espaço
este onde se encontra a criança com Síndrome de Down e que intermediou o contato
entre pesquisadora e família entrevistada.
3.1Participantes da pesquisa
A pesquisa foi realizada com uma família composta por cinco membros, sendo
pai João(*) que não esteve presente em nenhum dos momentos onde a pesquisadora
visitou a casa da família, ele trabalha como vigia noturno e passa o dia em casa, onde
dorme pela manhã e cuida dos filhos a tarde; mãe Marina(*) trabalha no período da tarde
como caixa em um supermercado, e pela manhã cuida da casa e dos filhos; um
menino Daniel(*), com 12 anos de idade, está na sexta série do ensino fundamental,
estuda no período do tarde; uma menina Camila(*) com 7 anos de idade, esta, com
diagnóstico de Síndrome de Down, está na 1º série do ensino fundamental em uma
escola regular no período da manhã, pela tarde freqüenta três vezes por semana a
APAE e uma menina Lívia(*) com 5 meses de idade que no período de trabalho da mãe
é cuidada pelo pai e irmãos, e no período onde a mãe se encontra em casa ela fica sob
os cuidados da mãe; são residentes no município de Balneário Camboriú. Por tratar-se
de uma pesquisa qualitativa, a pesquisadora considerou que apenas uma família seria
(*) Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos participantes.
24
necessária, pois foi realizada uma análise precisa, podendo ocorrer uma ou mais
entrevistas para coletar precisamente os dados propostos.
A família em questão foi selecionada pela psicóloga que trabalha na instituição,
sendo que a mesma também mediou os contatos entre a pesquisadora e a família
selecionada.
3.2 Instrumento
A Entrevista Familiar Estruturada – EFE (Anexo 1) de Féres-Carneiro (1996) foi
escolhida com instrumento utilizado.
De acordo com a referida autora, a EFE é utilizada com o objetivo de trazer à
tona os dinamismos do funcionamento familiar, possibilitando realização, em tempo
mais curto, de uma avaliação das relações familiares.
A Entrevista Familiar Estruturada é composta de seis tarefas, sendo que, duas (1
e 4) são propostas à família como grupo e as outras questões (2,3,5 e 6) a cada
membro individualmente. As tarefas, de uma forma geral, pretendem avaliar padrões
básicos de funcionamento da família. As dimensões individuais de tais padrões são
consideradas, sobretudo no contexto de suas repercussões na dinâmica das relações
familiares.
3.3 Coleta dos dados
Primeiramente foi estabelecido um contato entre a pesquisadora e a instituição,
afim de que a instituição mediasse os contatos entre a pesquisadora e a família a ser
selecionada.
Após este contato com a instituição, a pesquisadora entrou em contato com a
família em questão, marcando um primeiro encontro para apresentar à família a
proposta e objetivos da pesquisa, esclarecer o Termo de Consentimento e para marcar
25
a entrevista em um dia, horário e local apropriados para a mesma.
A Entrevista Familiar Estruturada foi aplicada com a família selecionada para
esta pesquisa na casa dos mesmos, por opção da própria família, concordando que se
sentiriam mais à vontade diante da filmadora e da pesquisadora, pois é um ambiente
comum a todos. Como citado acima para a coleta de dados foram utilizados uma
filmadora e um gravador, mediante a autorização dos participantes, pois estes métodos
permitem maior fidedignidade em relação à obtenção e transcrição dos dados.
Inicialmente foi realizado o primeiro contato por telefone, falando diretamente
com Marina, esta demonstrou ser bastante acessível e interessada em participar da
pesquisa. Foi marcado então um primeiro encontro, em uma quinta-feira, dia 21 de
setembro às 10h para que a pesquisadora pudesse apresentar os objetivos de sua
pesquisa, esclarecer o Termo de Consentimento livre e esclarecido e marcar então a
entrevista. Feitos os devidos esclarecimentos, a pesquisadora destacou a importância
de que toda a família estivesse presente no dia da entrevista, a mãe questionou sobre a
necessidade de o marido participar, a pesquisadora ressaltou que era de grande
importância a presença do mesmo, e ela afirmou que iria conversar com seu marido, e
que ele iria participar. A entrevista ficou marcada então para o sábado, dia 23 de
setembro às 14h, na casa da família.
No dia seguinte, sexta-feira dia 22, a pesquisadora encontrou-se informalmente
com Marina, e esta disse que seu marido não queria participar. A pesquisadora sugeriu
conversar com ele, para esclarecer a pesquisa, e Marina afirmou que preferia ela
mesma conversar com seu marido. No dia seguinte, que seria o dia da entrevista, às
10h, Marina entrou em contato com a pesquisadora, desmarcando a entrevista no
sábado, e remarcando para o domingo, pois segundo ela, no domingo tinha certeza de
que seu marido iria participar, então marcamos a entrevista no domingo, dia 24 de
setembro ás 16h.
A pesquisadora chegou à casa da família entrevistada no horário marcado para a
realização da entrevista, e foi recebida por Marina e Camila. Marina disse que o marido
havia saído, mas que tinha combinado com ela de voltar até as 16h para participar da
entrevista. Ela sentiu-se visivelmente incomodada com o atraso do marido, e pediu ao
filho Daniel que procurasse pelo pai e depois voltasse para participar da entrevista. A
26
pesquisadora conversa durante algum tempo com a Marina e com Camila, até que
Daniel volta e diz não ter encontrado o pai.
Por volta das 17h, conversamos sobre a possibilidade de realizar a entrevista
sem a presença de João. A pesquisadora prepara a filmadora e o gravador, a mãe e os
filhos sentam-se no sofá, onde permanecem até o final da entrevista. Até o momento
em que a pesquisadora foi embora, por volta das 17h45min, o pai não havia chegado.
3.4 Análise dos dados
Inicialmente os dados coletados foram transcritos a partir de registros de
informações gravados, para que todas as informações fossem analisadas com a melhor
precisão possível, não perdendo nenhum detalhe importante para a organização e
análise dos dados.
Para a compreensão dos dados coletados foi utilizada a técnica de Análise de
Conteúdo que de acordo com Minayo (1999) parte de uma leitura de primeiro plano
para atingir um nível mais aprofundado: aquele que ultrapassa os significados
manifestos. Para isso a Análise de Conteúdo em termos gerais, relaciona estruturas
semânticas, que são os significantes, com as estruturas sociológicas, que são os
significados dos enunciados. Articula a superfície dos textos descrita e analisada com
os fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto
cultural, contexto e processo de produção da mensagem.
Na realização da transcrição do material, primeiramente a pesquisadora ouviu a
fita de áudio que foi transcrita e então impresso o material digitado. Posteriormente,
com o material impresso em mãos, a pesquisadora assistiu à fita de vídeo encaixando
as ações de cada membro da família nas respectivas falas, esta etapa foi realizada
duas vezes para que nenhum detalhe importante pudesse ser perdido. Novamente
então foram transcritas as anotações que foram feitas nesta segunda etapa, e iniciou-se
o processo de categorização.
27
4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Através da realização da entrevista e com a análise dos dados coletados,
algumas categorias e subcategorias emergiram, contemplando questões relativas à
dinâmica familiar.
4.1 Sistema de Categorias
O sistema de categorias aqui utilizado é diferente do proposto por Féres-Carneiro
(1996). A autora propõe categorias de avaliação que são feitas a partir dos objetivos da
Entrevista Familiar Estruturada e dos objetivos específicos de cada uma das seis
tarefas, estabelecendo então as seguintes dimensões: comunicação, regras, papéis,
liderança, conflitos, manifestação de agressividade, afeição física, interação conjugal,
individualização e integração.
A autora propõe que cada uma destas dimensões seja analisada
separadamente, formando categorias e subcategorias de acordo com a análise da
entrevista realizada. Porém, nesta pesquisa, o método utilizado para avaliar tais
dimensões, foi analisar o aparecimento/surgimento destas dimensões dentro de cada
uma das tarefas apresentadas. Assim sendo, nem todas as dimensões propostas por
Féres-Carneiro se fizeram presentes, assim como os aspectos de cada dimensão
ressaltados pela autora não deixam de estar, de alguma maneira, inseridos na
discussão aqui proposta.
Na presente sistematização das categorias, procurou-se medir as conseqüências
práticas e teóricas de admitir tais dimensões. Por fins metodológicos admitiu-se um uso
das categorias inserido nas tarefas apresentadas, visando que desta maneira tornar-se-
ia mais conciso e de facilitada compreensão, sendo que as categorias encontram-se
condensadas dentro de cada uma das tarefas, conforme percebeu-se a necessidade de
ressaltá-las.
28
Tarefa nº. 1
De acordo com Féres-Carneiro (1996) esta tarefa propõe que a família atue
enquanto grupo que resolvam e tomem uma decisão em conjunto. Mais importante do
que as respostas dadas é a forma com que família lida com a proposta que lhes é
apresentada. A partir desta proposta que é lançada ao grupo, percebemos de que
maneira se processa a comunicação na família, como cada membro assume seu papel,
como são as regras familiares, como lidam com o conflito, se surgem e como surgem
lideranças.
Assim como nas tarefas que prosseguem, a mãe inicia respondendo, assumindo
a liderança e afirmando seu papel de mãe e diante das circunstâncias, de líder. A
família não atua como grupo, a mãe dá sua resposta e não interage com os filhos.
Marina: “Ah eu acho que a arrumação acho que o mais difícil
não seria arrumar a mudança, seria sair daqui, ir pra outro
lugar, outra casa. Aqui tem os vizinhos, é mais por ela (olha
para Camila) a escola, é que aqui ela tem tudo, ela tem uma
escola, as pessoas todas que conhecem....então é a Camila
pra cá, a Camila pra lá, ajudam a cuidar, quando ela foge
pra rua as pessoas cuidam dela, então às vezes quando tu
vai pra um lugar estranho, às vezes não vão te dar bola.
Apesar que aqui é cada um pra si né, então, mas no caso
das criança eles são bem unidos.”
Em seguida os filhos são questionados e ela, de certa maneira, já induz suas
respostas, em alguns momentos apenas com um olhar, em outros ela mesma
questiona, à sua maneira, mudando o sentido da pergunta inicial, induzindo a filha a
concordar com o que ela havia dito:
29
Marina: A Camila gosta de morar aqui? Gosta?
Camila: (Afirma que sim com a cabeça)
Marina: Então diz “Gosto.” Fala pra tia. “Eu gosto de morar
aqui.”
Segundo Silva e Dessen (2001) a influência da família no desenvolvimento de
suas crianças se dá, primordialmente, através das relações estabelecidas por meio de
uma via fundamental: a comunicação, tanto verbal como não verbal. A família constitui
um grupo com dinâmicas de relação muito diversificadas, cujo funcionamento muda em
decorrência de qualquer alteração que venha a ocorrer em um de seus membros ou no
grupo como um todo.
Nesta tarefa a mãe utilizou de seu papel e liderança para influenciar a decisão
dos filhos, através de sua comunicação verbal e não verbal. Além disso a família não
funcionou enquanto grupo, pois com a hipótese de uma alteração que afetaria a todos
os membros da família, a mãe tomou frente da situação e resolveu por todos.
Tarefa nº. 2
De acordo com Féres-Carneiro (1996) a tarefa nº 2 procura avaliar em que
medida os membros da família são capazes de buscar ajuda sem desmerecer seus
próprios recursos, e a partir daí fornecer dados sobre a auto-estima de cada membro.
Esta tarefa ressalta também como são desempenhados os papéis de pai e mãe.
A mãe novamente inicia respondendo, e em seguida os filhos que repetem muito
do que ela havia dito, mas percebe-se que os membros da família não têm dificuldade
em pedir ajuda aos outros membros quando necessário, o que pode indicar boa auto-
estima, nem desvalorizados nem autovalorizados, mas conscientes de suas limitações
e necessidades.
Marina: Eu peço ajuda.
30
Entrevistadora: Pede ajuda pra quem?
Marina: Para o meu marido ou para o Daniel. Como eu tenho
a neném, eu não consigo fazer muitas coisas, as tarefas da
Camila o Daniel ajuda a fazer. Mas eu não consigo fazer
sozinha entende? Tem que ter alguém ajudando. (...)
Daniel: Quando eu tenho dever de casa, essas coisas, e ai
assim eu não consigo fazer, a mãe me explica, a mãe me
ajuda.
(...)
Entrevistadora: E a Camila?
D: Fala do pai. (Daniel fala baixo no ouvido da irmã.).
Camila: pai.... SIEP...(...)
Marina: (para Camila) Quem é que te ajuda nos deveres
Marina: O Daniel te ajuda nos deveres, né?
Camila: Daniel.
Marina: Os deveres? É né?
Camila: É!
Percebe-se que a ausência do pai, fez com que neste momento o filho retome
esta figura paterna, tentando incluir este pai na sua dinâmica familiare, mas mesmo
quando há esta tentativa, parece que este pai de fato não se faz presente, pois sua
indução a resposta da irmã não foi reforçada por ela.
Segundo Nichols e Schwartz (1998) as famílias são diferenciadas em
subsistemas de membros que se reúnem para realizar várias funções. Cada indivíduo é
um subsistema e todo membro da família desempenha muitos papéis em vários
subgrupos. E os indivíduos, os subsistemas e as famílias como um todo são
demarcadas por fronteiras interpessoais, barreiras invisíveis que envolvem os
indivíduos e os subsistemas, regulando a quantidade de contato com os outros.
31
De acordo com os referidos autores estas fronteiras servem para proteger a
autonomia da família e de seus subsistemas, lidando com a proximidade e com a
hierarquia. As famílias estabelecem as fronteiras que protegem seus subsistemas,
sendo que as fronteiras podem ser rígidas, sendo explicitamente restritivas permitindo
assim pouco contato com os subsistemas externos, resultando em um distanciamento,
o que pode limitar a proximidade, o afeto e a proteção; já quando o subsistema é
aglutinado, apresenta um sentido elevado de apoio mútuo, mas às custas da
independência e da autonomia, pois os pais fazem muito por seus filhos e assim as
crianças ficam muito dependentes.
Percebemos que a família em questão encontra-se em um meio termo entre
rígida e aglutinada. Os pais apóiam os filhos, mas também permitem que eles façam o
que podem por si mesmo, não gerando assim uma grande dependência dos filhos pelos
pais. Ao mesmo tempo em que a mãe admite que precisa muitas vezes de ajuda, tanto
do filho quanto do marido, pois tem muitas tarefas e não consegue fazer tudo sozinha.
Osório (1996) cita que dentro da família cada membro tem um papel, em se
tratando de uma família nuclear os papéis são de mãe-pai-filhos. O papel de pai e de
mãe é chamado de papéis parentais. A mãe, em seu papel materno, tem como tarefas
nutrir, cuidar e proteger o filho, além da função de receptáculo das angústias
existenciais de quem esteja correspondentemente no papel de filho. Já o papel paterno,
é o papel onde o pai representa a cunha interposta entre mãe e filho para sinalizar a
este a necessidade de renunciar à posse da mãe e dar curso a seu projeto de
individualização. Há também o papel fraterno que é o desempenhado pelos irmãos e
este papel oscila entre a solidariedade e a rivalidade.
Percebe-se que os papéis se fazem presentes de acordo com a maneira de pedir
ajuda, fica claro a presença do papel mãe e também o do filho mais velho que auxilia a
mãe e a irmã mais nova, a mãe auxilia os filhos e o marido auxilia a esposa. Apesar de
incluirmos o papel de pai na discussão, este não fica claro, apenas em um momento
Daniel fala para Camila sobre o pai, para que ela responda que o pai também a ajuda,
mas isto não aparece no discurso dele, que quando questionado sobre quem o ajuda,
cita apenas a mãe. Parece que eles apenas querem incluir esta figura do pai, para que
não fique parecendo que o pai não os ajuda.
32
Tarefa nº. 3
A tarefa nº 3 também traz indicações sobre a auto-estima dos membros da
família. Féres-Carneiro (1996) pontua que a tarefa pretende obter indicações sobre a
auto-estima dos membros da família, o modo com que cada um consegue, ou não, ver
coisas boas em si mesmo. A autora destaca que mais importante que a dimensão
individual é avaliar em que medida a dinâmica familiar permite e facilita a formação e a
explicitação de sentimentos de valor positivo nos membros da família.
A mãe inicia respondendo e enumera diversas qualidades em si, pontuando até
mesmo alguns defeitos, mas mostra que se auto valoriza e que tem boa auto-estima:
Marina: Eu sou uma pessoa simples, sincera, sou...às vezes
eu sou muito boazinha, dependendo da situação as pessoas
se aproveitam disso, e assim, eu sou uma pessoa assim
alegre, gosto de... sou criança também, gosto de brincar
com eles (olha para os filhos e sorri, acaricia a cabeça de
Lívia) assim...de vez em quando não pode, não dá também.
Mas eu sou assim, uma pessoa assim bem
espontânea....tem uma amiga, sabe...não tem, pra mim não
tem ruim, se tu tiver um problema eu vou te ajudar tudo...
Na seqüência o filho responde timidamente sobre suas qualidades, ele é breve,
porém destaca um ponto que também pode estar demonstrando boa auto-estima, e
enquanto responde é reforçado pela mãe, que sorri afirmando com a cabeça, com este
gesto a mãe estava permitindo e facilitando a expressão de sentimentos de valor
positivo do filho :
Daniel: (pausa) da esperteza... (silêncio)
33
Quando a filha é questionada, a mãe responde por ela, ela sorri para a filha e
cita apenas uma qualidade da filha, é breve e limitada, não se estendendo muito a falar
sobre qualidades da filha:
Marina: (A mãe olha para a rua, ri e volta a olhar para
Camila) Brincalhona né Camila?
(Camila não responde e nem olha para a mãe continua
olhando para o irmão).
O fato de ela ter respondido pela filha pode demonstrar que em relação a filha
com Síndrome de Down a mãe não seja tão permissiva e facilitadora da formação e
expressão da sua auto-estima.
De acordo com Porto (2002) os pais criam toda uma expectativa a respeito dos
filhos durante a gestação, eles esperam que o filho possua uma série de qualidades,
sendo que a qualidade mais esperada é a de gerar uma criança saudável e quando
ficam sabendo que o filho tem Síndrome de Down, suas expectativas são quebradas.
A fala da mãe é tão pontual e breve, sem falar muito das qualidades da filha, que
pode ser um indicativo desta perda de expectativas citadas pela autora acima. A
qualidade citada pela mãe, pode estar refletindo a sua maneira de lidar com a
deficiência da filha, talvez esta seja uma das poucas qualidades que a mãe consegue
perceber na filha, ela ainda vive um processo de aceitação, e como afirma Miller (1995)
cada família enfrenta, adapta-se e lida com a idéia da deficiência à sua maneira, de
acordo com seu sistema de valores pessoais e religiosos, crenças culturais e da
personalidade individual de cada um de seus membros.
Tarefa nº. 4
De acordo com Féres-Carneiro (1996) a tarefa nº4 tem como principal objetivo
avaliar a relação do casal, porém, como o marido não estava presente este objetivo não
34
pode ser investigado profundamente. Além disso, a autora destaca que esta tarefa
permite também obter dados importantes sobre as regras familiares relacionadas ao
lazer, o manejo de semelhanças e diferenças e a maneira como os indivíduos desta
família se agrupam e se individualizam.
A mãe responde por toda a família falando um pouco do que fazem nos feriados,
através do seu discurso a família parece bem integrada, e separando um tempo para
aproveitarem a família, onde todos saem e almoçam juntos, e em outro período para
que cada membro da família faça o que goste de fazer, a mãe assiste TV, os filhos vão
brincar, o pai sai para visitar alguns amigos etc.
Marina: Um feriado é um domingo. É... De manhã, o meu
marido trabalha a noite e chega de manhã... se ele não vai
dormir cedo, às vezes ele gosta de fazer um churrasquinho,
ai ele toma chimarrão, nós vamos ao mercado com as
crianças, dai... ai assim, ele também gosta de jogar bola com
as crianças, dai a gente vai almoçar, à tarde provavelmente
o Daniel vai brincar ... a Camila fica brincando com a
Lívia...é assim, um domingo né, a gente olha a televisão,
come pipoca, toma chimarrão, que a gente gosta muito de
chimarrão...
Entrevistadora: Aham...E pra ti Daniel como é um feriado?
Daniel: Mesma coisa...
Entrevistadora: E você Camila? O que tu gosta de fazer no
feriado Camila?
Marina: O Camila, o que que a Camila gosta de fazer? (Mãe
fala com ela, volta-se para ela, mas Camila não olha para a
mãe.).
Camila: Não...(Camila não quer que a mãe a interrompa.).
35
Marina: Jogar bola...
Camila: Bola.(Afirma com a cabeça, pega nos dedos como
se estivesse contando.).
Marina: Ham...(Mãe fica pensativa.).
Daniel: Correr.(Daniel fala para a mãe e esta repete para
Camila.).
Marina: Correr!
Camila: Correr...
(...)
As regras familiares relacionadas ao lazer parecem flexíveis e a individualização
de cada um é respeitada. A família aproveita seu feriado para ficarem juntos, fazendo
algumas coisas que todos gostam e ao mesmo tempo depois de um certo horário, todos
se separam e cada um faz o que preferir: Daniel gosta de brincar na rua, Marina gosta
de ver TV com Lívia e Camila, porém em uma conversa informal Marina disse que
Camila gosta de brincar na rua com o irmão, mas que ela tem medo de deixar a filha
solta na rua, o que pode ser um indicativo de que Marina aja de maneira mais protetora
com a filha com Síndrome de Down.
Buscaglia (1993) faz uma colocação interessante sobre este medo, que é tão
comum em pais de filhos com deficiência. De acordo com o autor o medo é uma
emoção comum aos pais de crianças com deficiência, afinal, temos um medo natural
daquilo que não compreendemos. Os pais temem então pelo futuro e segurança desta
criança, receiam que não haja escolas adequadas, emprego mais futuramente;
assustam-se com o que o filho irá pensar e sentir, e se eles, pais, serão fortes o
bastante para atender a estes sentimentos e necessidades especiais.
Tarefa nº. 5
36
Segundo Féres-Carneiro (1996) a tarefa nº5 procura observar se as regras
familiares permitem a expressão de sentimentos agressivos, possibilitando também
avaliar a interação conjugal do grupo familiar através de importantes dados que possam
ser fornecidos, dados estes relacionados ao manejo das discordâncias e dos conflitos,
além de regras sobre autoridade e poder familiar.
A mãe mais uma vez inicia respondendo, e na seqüência o filho; ambos dão uma
resposta parecida onde de acordo com seus discursos, não expressam livremente seus
sentimentos de agressão, preferem conversar e tentar resolver a situação. Já quanto a
filha, a mãe diz que ela manifesta sim seus sentimentos de agressividade :
Marina: Nessa situação.É o porque desse empurrão..o que
que você fez pra ele, o que que aconteceu... porque que ... a
primeira coisa é saber o que que houve, se eu fiz alguma
coisa, o que aconteceu...né.. sempre saber o
porque...(ininteligível)...conversar né..pra pessoa responder
o que que é...procurar conversar...se tu fez alguma coisa
errada...saber o que é, procurar corrigir...só isso
Entrevistadora: E então Daniel, se alguém vem e te da um
empurrão assim, como você reage?
Daniel: (fica pensativo) Ah eu pergunto porque que
eu...Porque que ele fez isso comigo, se eu fiz alguma
coisa...Dai conversa, pede desculpa....essas coisas...
Entrevistadora: Uhum...E a Camila... Como a Camila reage?
Camila: (Ininteligível.).
Marina: Devolve.
Entrevistadora: Devolve? Ela empurra de novo?
Marina: Devolve (Afirmando com a cabeça.).
37
Aparentemente não há regra quanto à manifestação de agressividade de Camila,
a mãe não destacou um limite ou disse se ela pode ou não pode devolver este
empurrão, o que pode indicar que para a filha com Síndrome de Down a manifestação
de agressividade é permitida.
De acordo com Dessen e Silva (2001) a família passa por um longo processo de
superação até chegar à aceitação da sua criança com deficiência mental: do choque,
da negação, da raiva, da revolta e da rejeição, dentre outros sentimentos, até a
construção de um ambiente familiar mais preparado para incluir essa criança como um
membro integrante da família. Buscaglia (1993) complementa quando afirma que este é
um período de muitos questionamentos, uma busca por explicações e o surgimento de
sentimentos como a culpa, vergonha e o medo.
Sobre o sentimento de culpa, Buscaglia (1993) ressalta que algumas mães
sentem-se pessoalmente responsáveis pela condição em que seu filho vem ao mundo;
culpam-se por não terem sido mais cuidadosas durante a gestação, questionam-se se
terá sido algo que fizeram ou deixaram de fazer. Pensamentos e emoções como estes
produzem fortes sentimentos de auto-recriminação e autocensura.
Este sentimento de culpa da mãe, influi e afeta muito a criança, possivelmente
ele também pode estar dando espaço para a diferenciação de regras. Existem as
regras para o filho “normal” e as regras para a filha com Síndrome de Down, pois afinal,
ela é uma criança com deficiência. Muitas vezes na tentativa de compensar uma
possível dificuldade de aceitação, os pais criam regras mais flexíveis para seus filhos
com deficiência, o que pode estar acontecendo com esta família.
Tarefa nº. 6
A tarefa nº6 pretende avaliar, de acordo com Féres-Carneiro (1996), se as regras
familiares permitem o contato físico como manifestação de afeição, sendo importante
observar se ocorre e também como ocorrem os contatos físicos. Além disso, esta tarefa
possibilita avaliar as trocas afetivas da família, a comunicação não verbal e os
processos de integração e individualização no grupo familiar.
38
Esta tarefa possui uma regra, onde não é possível falar, mas logo no inicio desta
tarefa esta regra é quebrada, a família apesar de permitir o contato físico e demonstra-
se inclusive bastante afetuosa, reage de maneira estranha a tarefa, onde um fica
esperando que o outro tome a iniciativa, e sem que isso aconteça a mãe em seu papel
e liderança, pede aos filhos que se movam, que demonstrem que gostam uns dos
outros, se abracem, enfim que tomem uma atitude:
Marina: (fica parada, rindo olhando para os filhos. Daniel é o
primeiro a se mover, ele levanta dá um abraço e um beijo na
mãe, a mãe retribui, ele senta novamente. Ela olha para
Camila.).
Marina: Vamo! (falando diretamente com Camila. Camila
olha para ela, mas não se move).
Marina: Vamo Camila! (Camila não se move, fica olhando
para a mãe. Ela então toca no braço da filha, e a puxa para
que ela lhe dê um abraço, mas Camila não a abraça fica
olhando, Marina abraça Camila e Daniel juntos, esticando o
braço, juntando todos.).
Marina: Aqui todo mundo gosta de todo mundo né? (Olha
para Camila e faz carinho no seu cabelo, Camila sorri e
afirma que sim com a cabeça).
Entrevistadora: Camila você quer mostrar para alguma
pessoa que você gosta dela?
Camila: (afirma com a cabeça, mas não se move.).
Marina: Dá um beijo e um abraço no mano, filha! (Daniel e
Camila se olham, Daniel meio envergonhado, Camila abraça
o irmão, ele retribui, depois do abraço os dois ficam se
olhando e rindo).
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Apesar de não terem seguido a regra da não verbalização, a família, de maneira
geral, manifesta afeição, através dos gestos, sorrisos e olhares que trocam entre si. A
mãe se posiciona mais uma vez como líder e pede para que os filhos dirijam-se a ela,
porém, deve ser considerado também que ela estava com Lívia no colo, o que
dificultava sua movimentação, portanto era mais fácil que os filhos fossem até ela, além
da necessidade de mostrar, nesta última tarefa, que a família é entrosada e que todos
se gostam.
É importante destacar que ao longo de toda a entrevista, foram observados
diversas vezes, gestos, olhares e sorrisos que demonstravam esta afetividade, o
carinho da mãe pelos filhos e também dos filhos com a mãe.
Esta manifestação de afetividade é muito positiva, pois de acordo com Storer &
Voivodic (2002) as atividades da vida cotidiana na família dão à criança oportunidades
para aprender e desenvolver-se por meio do modelo, da participação conjunta, da
realização assistida e de tantas outras formas de mediar a aprendizagem.
A criança que vive em um lar com amor, carinho e afetividade aprende a viver
assim, ela desenvolvendo-se em um meio onde há demonstrações de carinho e afeto,
aprenderá a ser carinhosa e afetuosa com as pessoas desta família.
Pois, como já citado por Ferrari & Kaloustian (1994) é a família que propicia os
aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários ao desenvolvimento e bem estar
dos seus componentes.
4.2 Análise Geral das Tarefas
Após uma análise detalhada de cada tarefa, fez-se necessário abrir espaço para
uma análise geral de todas as tarefas aqui apresentadas. Esta análise geral tem a
intenção de destacar algumas situações e fatos que foram percebidos ao longo de todo
o processo da entrevista, sendo que algumas destas situações e fatos podem estar
sendo bastante relevantes.
40
Em diversos momentos percebe-se uma necessidade da mãe em mostrar uma
família perfeita, onde todos se apóiam, se ajudam e são unidos. Porém, existe um fato
que torna isto muito contraditório, que é a ausência do pai e as circunstâncias desta
ausência e que, além de não estar na entrevista, aparece muito pouco nas falas da
família, como se a família lembrasse de falar sobre o pai/marido em alguns momentos,
apenas para que este não parecesse desinteressado e ausente do cotidiano familiar.
Esta ausência do patriarca também fez com que a mãe, Marina, naturalmente
assumisse a liderança e coordenasse assim a entrevista, pois ela estava sempre
indicando e influenciando as respostas dos filhos. O filho Daniel, além das influências
da mãe, não estava interessado na proposta da entrevista, ficou claro que ele não sabia
ao certo o que estava sendo feito e qual o intuito de tais perguntas, porém quando
questionada, Marina disse ter conversado com os filhos sobre a entrevista. Além disso,
Daniel é pré-adolescente e mostrou-se sempre muito tímido e envergonhado, fato que
pode ter influenciado em suas respostas, pois ele geralmente era bastante breve.
Quanto à filha, Camila, é preciso relevar que a mesma tem Síndrome de Down e,
portanto, alguns déficits na linguagem, pensamento e compreensão, porém a mãe
reduz ainda mais sua autonomia quando responde pela filha, ou diz a ela o que deve
ser dito e controla suas ações.
É fundamental relembrar também que a mãe, ao longo da entrevista, mostrou-se
muito carinhosa com os filhos, bastante receptiva e ao longo de todo o processo para
marcar a entrevista, em contatos informais, demonstrou muita vontade em participar da
pesquisa, falou do seu interesse em conhecer cada vez a Síndrome de Down, a troca
de informações com outros pais de crianças com a mesma síndrome e a busca por tudo
que pode ser feito para estimular e auxiliar no desenvolvimento da filha.
4.3 Impressão Geral da Família
No primeiro contato com Marina, este feito por telefone, para convidá-la a
participar da pesquisa, esta mostrou-se muito interessada em participar. No primeiro
41
encontro, realizado em sua casa, Marina mostrou-se muito simpática e receptiva, falou
algumas vezes que gostava de participar de tudo que envolvesse o estudo da Síndrome
de Down, que achava muito importante este tipo de pesquisa e que gostava de estar
sempre bem informada. Marina concordou em realizar a pesquisa e respondeu por toda
a família, dizendo que todos iriam participar, mesmo sem antes ter consultado o marido,
que nem mesmo sabia que havia sido realizado um contato para convidá-los a
participarem da pesquisa.
No entanto, Marina mostrou-se muito segura, passando uma impressão de
liderar a casa, quando afirmou que não precisava falar com ninguém antes, que todos
iriam aceitar participar, o que na prática mostrou-se diferente. O dia da entrevista foi
desmarcado, para que João pudesse estar presente, Marina garantiu que se fosse no
domingo ele estaria lá, mas mesmo com remarcação do dia e horário em função dele,
João não apareceu para a entrevista, o que põe em dúvida o controle que Marina tentou
demonstrar que tinha diante da situação, e parecendo mais que João a enganou
dizendo que iria, apenas para que Marina não o perturbasse mais pedindo que
participasse.
Aguardamos até o horário combinado, e como ele não chegava, resolvemos
iniciar a entrevista. Sentaram-se todos no sofá, Marina chamou Daniel para sentar-se
também, mas ele queria ir brincar. Marina, com Lívia no colo, sentou-se na ponta
esquerda, Camila no meio e Daniel sentou-se na ponta direita. Durante toda a entrevista
Marina mostrou-se atenta às tarefas, Camila estava agitada, movia-se a todo instante
no sofá, Daniel sentou-se em uma posição e permaneceu nesta durante toda a
entrevista, estava na maior parte do tempo de cabeça baixa, em silêncio, olhava poucas
vezes para a câmera em poucos momentos da entrevista interagia com a mãe e a irmã,
pareceu muito tímido e envergonhado, deu a impressão de que não sabia o que estava
acontecendo, ou o porquê desta entrevista, isso pode ter ocorrido por que a
pesquisadora não esclareceu a ele que estava sendo realizada uma pesquisa, pois a
mãe havia ficado de explicar para toda a família, mas pareceu que a mãe também não
havia lhe explicado o que era, e que ele teve de parar de brincar para participar, então,
não era de seu agrado.
A ausência do pai foi uma importante variável para o trabalho, a mãe assumiu o
42
papel principal e liderou a entrevista. A impressão que se tem, é de que apenas Marina
estava interessada em participar, mas que também não conversou com o marido e com
os filhos de maneira adequada, ela aceitou participar sem antes falar com a família, se
todos queriam, quando questionada, ela disse que sabia que todos iriam aceitar, e que
não havia problema. Ela afirmou que João participaria, que estaria presente, e então
depois de marcar, desmarcar e remarcar a entrevista em função de sua presença, ele
não apareceu para participar da entrevista, mesmo que esteja relacionada a uma
pesquisa sobre Síndrome de Down e que sua filha tenha esta condição.
Marina destacou que considera de grande importância uma pesquisa com o tema
Síndrome de Down, e inclusive relatou que participa de algumas reuniões de um grupo
de pais de filhos com Síndrome de Down, em Florianópolis, quando vai até lá para ver a
médica de Camila. A pesquisadora questionou Marina sobre a presença do marido, ela
disse que ele nunca participou. Então, apesar de que no discurso de Marina, João é um
pai presente e dedicado aos filhos, na prática isto não apareceu, e diante disso a
impressão que fica é mais de um pai ausente e desinteressado.
43
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora em sua entrevista estruturada Féres-Carneiro (1996) proponha que ao
final da análise de toda a entrevista, de acordo com as categorias e subcategorias
apresentadas por ela, seja apontado se a família entrevistada é facilitadora ou não da
saúde emocional de seus membros, em nossa pesquisa optamos pelo uso da
entrevista, mas por critérios de análise diferentes. Assim como citado anteriormente,
para esta pesquisa as categorias e subcategorias de Féres-Carneiro (1996) não foram
utilizadas da maneira proposta pela autora, o objetivo desta pesquisa não era investigar
se a família entrevista é facilitadora ou não de saúde emocional, e sim investigar a
dinâmica de uma família com um membro com Síndrome de Down, e a partir disto
identificar os dinamismos do funcionamento familiar, analisar a interação e a dinâmica
familiar frente à Síndrome de Down e descrever como se dá a relação entre os
membros da família, sendo que estes objetivos foram contemplados no trabalho.
Foi possível perceber as relações que se estabelecem com a presença de um
filho com Síndrome de Down, conhecer uma parte da rotina da família, e que esta não
se dá em função da filha com Síndrome de Down, onde ela é apenas mais um membro
da família, que apesar de necessidades especiais está inserida e contextualizada nesta
família. Com a entrevista é possível perceber a necessidade da mãe em demonstrar
uma família perfeita e integrada; a forte liderança que a mesma desempenhou; a
ausência do pai na entrevista, embora no discurso da mãe ele fosse bastante presente;
a interação entre os filhos, onde foi possível perceber que apesar da irmã ter Síndrome
de Down seu irmão aparentemente não a trata de maneira diferente, diferente da mãe
que em alguns momentos pode estar proporcionando regras bastante flexíveis para a
filha com Síndrome de Down
Ao longo do desenvolvimento desta pesquisa percebem-se alguns intervenientes
que, de alguma forma, demandaram uma análise dos dados diferenciada da proposta
original. Posteriormente à realização da entrevista com a família em questão, ficou clara
a existência de algumas dificuldades na condução da entrevista, o que poderia ter sido
evitado se a pesquisadora tivesse realizado anteriormente um estudo piloto, onde
44
seriam apontados os caminhos adequados para a condução da entrevista. Seria
interessante também, ter feito algumas filmagens com a família antes da entrevista para
que todos pudessem ir se acostumando com a presença da câmera.
Deve-se destacar a importância de realizar novas pesquisas sobre o tema aqui
apresentado, pois atualmente muito se fala em Síndrome de Down, suas implicações,
peculiaridades, características, inclusão etc., mas poucas pesquisas têm enfocado na
relação que a família tem com a criança com Síndrome de Down, as diferenças que
podem existir na educação, nas regras, nos conflitos, nos valores etc. Portanto, é
pertinente que novas pesquisas e estudos sejam desenvolvidos, que se desenvolva
uma entrevista até mesmo um pouco mais voltada para algumas das características
apresentas por crianças com Síndrome de Down e sua relevância e impacto no
ambiente familiar. Além desta, um estudo comparativo entre famílias com filhos com
Síndrome de Down e outras com filhos sem esta condição genética também seria de
grande importância para estar desmistificando certas características que costumam ser
atribuídas a crianças com Síndrome de Down.
A realização desta pesquisa foi de suma importância para a pesquisadora, pois
através desta foi possível aprofundar-se um pouco mais em um tema tão abrangente
como a Síndrome de Down, aprender a realizar uma pesquisa, aprender até mesmo a
lidar com as dificuldades em se desenvolver um Trabalho de Conclusão de Curso, ter
disciplina, comprometimento, cumprir prazos, desenvolver a leitura e a escrita, saber
identificar os erros e falhas, refazer, repensar e ao final de tudo apresentar uma
pesquisa com relevância cientifica e também pessoal.
45
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48
APÊNDICE
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
APRESENTAÇÃO
Gostaria de convidá-lo para participar de uma pesquisa cujo objetivo é verificar a
dinâmica familiar de uma família composta com um membro com Síndrome de Down.
Sua participação consistirá na realização de uma entrevista estruturada para
analisar, através dos relatos verbais gravados e relatos não verbais que serão filmados,
como se dá a dinâmica familiar de uma família constituída de pai, mãe e um filho com
Síndrome de Down. A entrevista será realizada com todos os membros da família em
conjunto.
Quanto aos aspectos éticos, gostaria de informar que:
a) Os dados pessoais serão mantidos em sigilo, sendo garantido o anonimato;
b) Os resultados desta pesquisa serão utilizados somente com finalidade
acadêmica podendo vir a ser publicado em revistas especializadas, porém, como
explicitado no item (a) os dados pessoais serão mantidos em anonimato;
c) Não há respostas certas ou erradas, o que importa é a sua participação;
d) A aceitação não implica que você estará obrigado a participar, podendo
interromper sua participação a qualquer momento, mesmo que já tenha iniciado
o processo, bastando, para tanto, comunicar a pesquisadora;
e) Você não terá direito a remuneração por sua participação, ela é voluntária;
f) Esta pesquisa é de cunho acadêmico e não visa nenhuma interferência na
vida pessoal dos participantes, sendo que os dados obtidos servirão apenas para
verificar a dinâmica familiar.
g) Durante a participação, se você tiver alguma reclamação em relação à
49
pesquisa, do ponto de vista ético, você poderá contatar o pesquisador
responsável pela pesquisa.
Eu __________________________________declaro estar ciente dos propósitos
da pesquisa e da maneira como será realizada. Diante dessas informações, aceito
participar da pesquisa.
Assinatura: _____________________________
Pesquisadora Responsável: Maria Isabel do Nascimento André, Msc.
Assinatura: ____________________________
E-mail: [email protected]
Telefone: (47) 9123-5609
_____________________________________
Pesquisadora: Samara de Oliveira Luz
Assinatura: ____________________________
E-mail: [email protected]
Telefone: (47) 9958-7753
Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí – CCS
50
ANEXO
Entrevista Familiar Estruturada – EFE de Féres-Carn eiro, 1979. Tarefa 1 – “Vamos imaginar que vocês teriam de mudar-se da casa onde moram no
prazo máximo de um mês. Gostaria que vocês planejassem agora, em conjunto, como
seria essa mudança”.
Tarefa 2 – “Quando você está fazendo uma coisa qualquer, mais fica difícil terminar
essa tarefa sozinho, o que você faz?”
Tarefa 3 – Diga de que coisas você mais gosta em você?
Tarefa 4 – “Como é um dia de feriado na família?”
Tarefa 5 – “Imagine que você está em casa, discutindo com uma pessoa qualquer de
sua família, e alguém bate na porta. Quando você vai atender, a pessoa com quem
você estava discutindo lhe dá um empurrão. O que você faz?”
Tarefa 6 – “Cada um de vocês vai escolher uma ou várias pessoas da família, pode ser
qualquer pessoa, e vai fazer alguma coisa para mostrar a essa pessoa que gosta dela,
sem dizer nenhuma palavra”.