Saber Viver - rio.rj.gov.brrio.rj.gov.br/dlstatic/10112/136096/DLFE-2943.pdf/adolaids.pdf · aos...
Transcript of Saber Viver - rio.rj.gov.brrio.rj.gov.br/dlstatic/10112/136096/DLFE-2943.pdf/adolaids.pdf · aos...
Saber ViverE D I Ç Ã O E S P E C I A L P A R A P R O F I S S I O N A I S D E S A Ú D E
ADOLESCÊNCIA E AIDSExperiênciase reflexõessobre o tema
EDIÇÃO ESPECIAL SABER VIVER PROFISSIONAIS DE SAÚDE
JANEIRO 2004
Coordenação, organização e edição:Adriana Gomez e Silvia Chalub
Saber Viver Comunicação - [email protected]
Projeto Gráfico e Arte Final:A 4Mãos Comunicação e Design
Impressão:Minister
Programa Nacional DST Aids:Alexandre Grangeiro, Diretor PNDST Aids
Raldo Bonifácio, Diretor AdjuntoRicardo Pio Marins, Diretor Adjunto
Denise Doneda, Unidade de PrevençãoVera Lopes, Unidade de Prevenção
Eliane Izolan, AscomMauro Siqueira, AscomRogério Scapini, UDAT
Cledy Eliana, UDAT
Ilustrações:Jovens vivendo com HIV/aids que participaram das oficinas
realizadas pelo Programa Nacionalde DST/aids em diversas
cidades do país em maio de 2003.
Tiragem:100.000 exemplares
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta publicação,desde que citados a fonte e o respectivo autor.
As opiniões aqui representadas são de exclusiva responsabilidade dos autores.
Agradecimentos especiais a todos os profissionais de saúdeque participaram desta publicação, divulgando suas experiências.
SVSaber Viver Comunicação
Material financiado pelo Programa Nacional de DST e AIDS / SVS-Ministério da Saúde
Uma atenção especial ao adolescente soropositivopor Vera Lopes, Cledy Eliana e Suely Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6
Adolescência como oportunidadepor Mario Volpi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8
Os adolescentes nos serviços de saúdepor Viviane Castello Branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10
A consulta do adolescente e jovem por Luiza Cromack, Maria Helena Ruzany, Eloísa Grossman e Stella Taquette . . . . . .12
Como atender o adolescente soropositivopor Maria Letícia Santos Cruz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15
Adolescentes e o tratamento anti-retroviralpor Jorge Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .17
A diferença entre quem se infectou pelo HIV por transmissão vertical e horizontalpor Marinella Della Negra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18
Revelação do diagnóstico e aconselhamento em HIV/aidspor Débora Fontenelle, Denise Serafim e Sandra Filgueiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19
Gestante HIV+: o atendimento em sala de esperapor Iraína F de Abreu Farias, Maria de Fátima L Garcia, Regina T C Mercadante,Verônica M da Costa e Virgínia de A Ximenes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22
Sexualidade, uso do preservativo e direito reprodutivopor Valdi Craveiro Bezerra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24
O espaço ideal para o adolescente soropositivopor Sidnei Pimentel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27
Serviço de saúde e sociedade civil: a importância das parceriaspor Alaíde Elias da Silva e Edvaldo Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29
Tributo a um guerreiropor Juliana Mattos e Maria Helena Leite de Castro Mendonça . . . . . . . . . . . . . . . . . .31
Crianças e adolescentes no Fórum ONG/Aids de São Paulopor Elizabeth Franco Cruz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34
A experiência da Brinquedoteca do Gapa/Bapor Gladys Almeida e Isadora Oliveira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .36
Adolescer em casa de apoiopor Júlio Lancelotte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .38
Trabalhar com adolescentes soropositivos: alegrias e problemaspor Maria Lúcia Araújo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39
O outro lado da moedapor Terezinha C R Pinto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40
A inclusão do adolescente na escolapor Nájla Veloso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42
Lições de um programa de redução de danospor Tarcísio de Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45
Jovens em situação de rua: desafios para a prevençãopor Verônica de Marchi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47
Adolescentes em conflito com a leipor André de Souza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49
Oficinas com adolescentes soropositivospor Luiza Cromack . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .50
Livros, sites, telefones e endereços – Dicas úteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .54
Sumário
4 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 5
Trabalhar com jovens soropositivos:
Uma experiênciaenriquecedora
aids no Brasil já completou 20 anos.As previsões
pessimistas que tomavam conta da sociedade no
início da epidemia, felizmente, não se concre-
tizaram.Apesar de muitas perdas,hoje temos o que
celebrar.
A chegada à adolescência de meninos e meninas
que, ao nascer na década de 80 ou início de 90,
infectados pelo HIV, tinham pouca ou nenhuma
chance de tratamento, sem dúvida, é um bom
indício de que a aids está se tornando uma doença
crônica. Cada aniversário desses jovens guerreiros
foi e será motivo de comemoração para eles e para
todas pessoas à sua volta,sejam familiares,funcionários de casas de apoio,voluntários
de ONGs ou profissionais de saúde.Todos, sempre, com a emoção à flor da pele e
também com a certeza de que terão muitos desafios pela frente.
Foi pensando nesses desafios que a Saber Viver elaborou esta publicação destinada
aos profissionais de saúde que, em seu cotidiano profissional, convivem com esses
jovens. Nós nos aliamos ao esforço do Programa Nacional de DST/aids em aperfeiçoar
o atendimento aos adolescentes vivendo com HIV/aids e promover a integração
social deste grupo. Por diversas vezes,este ano,o PNDST/aids reuniu profissionais que
já trabalham com jovens vivendo com HIV/aids em eventos realizados pelo Brasil. Na
maioria deles,a Saber Viver esteve presente,colhendo dados e entrevistando pessoas.
Ao organizar a presente revista,construída a partir dos temas discutidos durantes
os encontros,nosso objetivo é tornar acessível aos profissionais de saúde,experiências
e reflexões que possam colaborar para o aperfeiçoamento de ações voltadas aos
adolescentes vivendo com HIV/aids e tornar a convivência de profissionais e jovens
uma experiência enriquecedora para ambos.
Além desta publicação,está sendo lançada,concomitamente,uma edição especial
da Saber Viver destinada ao jovem soropositivo,voltada ao universo desse grupo.
A partir do que aprendemos com estes trabalhos, temos a certeza de que não há
regras pré-estabelecidas para o atendimento ideal. Pelo contrário, as especificidades
individuais,culturais e sociais de cada jovem devem ser respeitadas e preservadas.
Um grande abraço.
Adriana Gomez e Silvia Chalub
Saber Viver Comunicação
A
Uma atenção especial aoadolescente soropositivo
Programa Nacional de DST/aids desenvolveu, em
2003, uma ampla discussão sobre a situação dos
adolescentes vivendo com HIV no país e sua rede
de apoio social. A partir de um grupo de pro-
fissionais de saúde e representantes de ONGs que,
com sua larga experiência de trabalho junto a ado-
lescentes,expressou diferentes preocupações no sentido de ampliar este trabalho,foi
desencadeada uma série de encontros envolvendo adolescentes de algumas cidades
e profissionais de todos os estados,com o objetivo de juntos elaborarmos diretrizes
e propostas dirigidas ao trabalho com os adolescentes vivendo com HIV.
Mais da metade das novas infecções por HIV que ocorre na atualidade afeta jovens
de 15 a 24 anos de idade.No Brasil,estima-se que,a cada ano,quatro milhões de jovens
tornam-se ativos sexualmente. Segundo a BEMFAM (DHS 1996), a idade mediana da
primeira relação sexual para homens é de 14 anos, e para as mulheres, 15 anos. O
início precoce da vida sexual pode ser considerado um agravante para o com-
portamento de risco frente ao HIV/ aids. Em alguns países da América Latina e Caribe,
pesquisas revelam um baixo índice do uso freqüente do preservativo entre os jovens
de baixa escolaridade e um alto índice de gravidez e abortos realizados em condições
de alto risco,entre pré-adolescentes e adolescentes.
Na população brasileira,desde 2000,estão ocorrendo mais casos de aids em meninas
do que em meninos,com idade entre 13 a 19 anos. No período de 2000 a 2002,foram
notificados 531 novos casos de aids em meninas de 13 a 19 anos,contra 372 casos em
rapazes da mesma idade,mostrando uma proporção de dois novos casos em mulheres
para um caso em homens,logo no início da atividade sexual.Na faixa etária subseqüente
(de 20 a 24 anos), a relação praticamente se igualou, com 2.346 casos em homens e
2.299 casos em mulheres nos últimos dois anos.
O número elevado de ocorrências de gravidez na adolescência em jovens entre 10
e 19 anos (210.946 partos e 219.834 casos de abortos atendidos no Sistema Único de
Saúde - SUS, no período de 1999 até abril deste ano), o aumento da ocorrência de
doenças sexualmente transmissíveis e a intensificação do consumo de drogas lícitas
(álcool, cigarro e tranqüilizantes) e ilícitas (maconha, cocaína e crack) – com a
agravante do uso de drogas injetáveis com compartilhamento de agulhas e seringas
– ajudam-nos a entender melhor porque os jovens brasileiros são,em cada vez maior
número,vulneráveis à infecção pelo HIV/aids.
6 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
OVERA LOPES1, CLEDY ELIANA2 E SUELY ANDRADE3
1. ANTROPÓLOGA, ASSESSORA TÉCNICA DA UNIDADE DE PREVENÇÃO/PN DST AIDS
2. MÉDICA, ASSESSORA TÉCNICA DA UNIDADE DA UDAT/PN DST AIDS
3. PSICÓLOGA, ASSESSORA TÉCNICA DA SCDH/PN DST AIDS
Caracteriza-se, ainda, como fator de
vulnerabilidade dos jovens frente ao
HIV/aids, a violência sexual praticada
contra adolescentes, incluindo o abuso
sexual e a exploração sexual comercial.
A Rede Feminista de Saúde identificou
que 48% dos atendimentos nos serviços
de abortos previstos por lei são de
jovens entre 10 e 19 anos.
Educar os jovens sobre os riscos de
transmissão do HIV, apoiá-los na cons-
trução de habilidades para negociar,
resolver conflitos e ter opiniões críticas
melhora a confiança em si mesmos e
aumenta a capacidade de tomar decisões
responsáveis para se proteger e motivar
seus parceiros e colegas para que tomem
decisões seguras. Não é diferente para os
adolescentes vivendo com HIV.
Como conseqüência do uso da terapia
anti-retroviral no Brasil,atualmente,chega-
mos à primeira geração de adolescentes
vivendo com HIV que se enquadram na
categoria de transmissão vertical.São 1675
pessoas entre 10 e 19 anos fazendo uso da
terapia anti-retroviral no país. No entanto,
ainda nos deparamos com muitas barreiras
que contribuem para uma baixa adesão ao
tratamento em diferentes regiões do país.
Daí a importância da abordagem
integral do adolescente, para além do
tratamento e administração da terapia
anti-retroviral.
O PN DST/Aids tomou a iniciativa de
ouvir os adolescentes sobre o atendi-
mento nos serviços de saúde e na rede
de apoio social para orientar a formu-
lação de diretrizes do Ministério da
Saúde, considerando as demandas dos
adolescentes.Para tanto,foram realizadas
8 oficinas de trabalho com os adolescen-
tes em 8 cidades,além de três encontros
macro regionais, nos quais estiveram
presentes representantes de todas as
unidades federadas: profissionais que
atuam em serviços de saúde,profissionais
da área da saúde do adolescente,ONGs,
adolescentes vivendo com HIV/aids e
adolescentes em situação de risco social.
Finalmente,um fórum nacional alinhavou
propostas para serem discutidas com
outros programas governamentais,já que
a atenção integral ao adolescente
depende de políticas intersetoriais.
As falas dos adolescentes vivendo
com HIV nos mostraram avanços alcan-
çados e,ao mesmo tempo,muitas neces-
sidades e lacunas, tal como consta no
documento preliminar do Fórum Na-
cional:
� Os adolescentes com vida sexual ativa têm
tido acesso ao preservativo nos serviços de saúde;
� Os adolescentes não têm espaços coletivos
de interlocução para tratar de temáticas como a
sexualidade, saúde reprodutiva, acesso e per-
manência na escola, troca de vivências e suas
percepções sobre as instituições de apoio social;
� Os cuidadores/ familiares destes ado-
lescentes têm pouca ou nenhuma oportunidade
de discutirem, em espaços coletivos, suas dúvidas
e alternativas para apoiarem adequadamente os
adolescentes;
� A maioria dos adolescentes que vivem em
instituições de apoio, embora reconheçam e
mantenham vínculo afetivo com estes cuidadores,
têm expectativa de viverem com maior autonomia
para tomada de decisões e em ambiente familiar
– com madrinha, padrinho, avós, tios, etc;
� A revelação do diagnóstico é uma grande
dificuldade para profissionais de saúde e
familiares – sendo que muitos adolescentes,
embora "desconfiem" que são portadores do HIV,
não tiveram ainda seu diagnóstico explicitado. A
maioria destas situações foi constatada entre os
adolescentes da categoria de transmissão vertical;
� Muitos adolescentes têm tomado conhe-
cimento do diagnóstico durante internação, na
transmissão vertical ou no pré-natal, quando da
transmissão sexual;
� Estrutura dos serviços inadequada para
atendimento dos adolescentes – espaços pouco
humanizados e pensados para os adolescentes –
ou são de pediatria ou são de adultos;
� Falta de articulação dos serviços es-
pecializados de aids e serviços de saúde do
adolescente;
� Reconhecem nos profissionais de saúde
um bom acolhimento individual e apontam para a
necessidade de serem atendidos por diferentes
profissionais, como psicólogos e assistentes
sociais;
� Discriminação – receio de revelar seu
estado sorológico a amigos, receio do isolamento,
referência a situações de discriminação pre-
conceito na escola.
Enfim, propor atenção especial para o
adolescente soropositivo nos remete à
necessidade de avaliar o quanto temos
dedicado de atenção ao aolescente de um
modo geral… Como os profissionais da
saúde têm convivido com as especifici-
dades expressas neste período da vida?
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 7
O PN DST Aids tomou a
iniciativa de ouvir os
adolescentes sobre o
atendimento nos
serviços de saúde e na
rede de apoio social
para orientar a
formulação de diretrizes
do Ministério da Saúde,
considerando as
demandas
dos adolescentes
visão predominante e estereotipada de nossa
sociedade sobre adolescência pode ser resumida
na expressão "aborrecência". Mais do que uma
simples brincadeira com a palavra, trata-se de uma
visão fundada no olhar do adulto sobre esta fase
da vida. Um olhar preconceituoso que vê o
adolescente por aquilo que ele não é: não é
maduro, não é responsável, não é paciente, não é
obediente ...
Diversas explicações sobre esta fase da vida
foram construídas a partir da observação de aspectos do desenvolvimento físico e
psicológico do adolescente, resultando numa visão reducionista da adolescência
como fase da explosão de hormônios, das tensões e conflitos por afirmação da
identidade,da inquietude e da contestação dos valores dos adultos.
Ao observarmos a participação dos adolescentes nos diferentes campos da vida
social,percebemos que os aspectos citados fazem parte da adolescência,mas não são
toda a adolescência. Fase da vida,com características específicas de desenvolvimento,
a adolescência está longe de ser um problema como pode parecer a adultos e teóricos
do tema.Antes de tudo,a adolescência é uma grande oportunidade.
Oportunidade para o próprio adolescente, pois, em função do seu desen-
volvimento,sua capacidade de aprendizagem é mais veloz e sua abertura para novas
relações possibilita-lhe transcender ao universo familiar. Como sujeito que vai
ampliando sua autonomia diante do mundo, o adolescente abre-se para novas
experiências,enfrentando desafios e propondo-se a participar como parte da solução
dos seus próprios problemas e dificuldades.
Oportunidade para a família, que passa a ter um sujeito que, além de demandar
atenção e cuidados, pode contribuir na tomada de decisões; ajuda na solução de
problemas; insere a família em novos contextos culturais, artísticos e de lazer; e
interage de forma mais crítica, levando os pais e adultos a reverem suas atitudes,
posturas e valores.Toda a família cresce e evolui quando o adolescente encontra nela
um espaço de realização. O mito de que a adolescência é uma fase de ruptura com a
família não se sustenta quando observamos o resultado da pesquisa “A voz dos
adolescentes” (Unicef, 2002), que demonstrou que, entre diferentes formas de
8 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Adolescênciacomo oportunidade
AMÁRIO VOLPI
OFICIAL DE PROJETOS DO UNICEF NO BRASIL E
COORDENADOR DO PROGRAMA CIDADANIA DOS ADOLESCENTES
expressão, 95% dos adolescentes afirmaram ser a família o seu principal espaço de
realização e de prazer, onde se sentem bem, onde buscam apoio e onde se sentem
valorizados.
A adolescência é também uma grande oportunidade para a comunidade. Grupos
de adolescentes fazendo teatro, música, esportes, defendendo o meio ambiente,
debatendo as questões relativas à sexualidade, produzindo seus próprios meios de
comunicação,organizando ações de voluntariado e assumindo responsabilidades nos
grupos e associações comunitárias dão vida às comunidades e constituem-se em
verdadeiros atores sociais capazes de modificar para melhor o lugar onde vivem. São
adolescentes comunicadores que,na rádio comunitária,no jornalzinho que circula na
escola e no grupo de teatro que debate questões como a violência, movimentam
toda a comunidade com idéias novas e abordagens diferenciadas para velhos temas,
gerando uma dinâmica de descobertas dos valores,da cultura,da história e das pessoas
da comunidade que, em geral, são esquecidas pela supervalorização dos produtos
culturais da sociedade de consumo.
A adolescência é também uma grande oportunidade para as políticas públicas.A
escola,os programas de saúde,de assistências social,de trabalho,de cultura,esporte
e lazer,dentre outros,podem se transformar em espaços de experiências profundas
de cidadania, desde que sejam capazes de favorecer o diálogo, a participação e a
presença dos adolescentes com seus saberes,desejos, sonhos e vivências.
As experiências de participação de adolescentes na gestão das políticas públicas
como, por exemplo, nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente,
demonstram que a simples presença de adolescentes nas plenárias do conselho
modifica a agenda,obriga a um debate mais objetivo e pragmático e traz a discussão
das políticas públicas para o cotidiano de suas necessidades e direitos.
Portanto, os mais de 21 milhões de adolescentes brasileiros representam uma
grande oportunidade de desenvolvimento e mudanças positivas para o país.Tratá-los
como problema implica reprimir todas as forças criativas e construtivas presentes
nesta fase da vida.Tratá-los como cidadãos, sujeitos de direitos e atores sociais com
uma contribuição específica para a sociedade, contribuirá para fazer um mundo
melhor para todos.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 9
Grupos de
adolescentes dão
vida às
comunidades e
constituem-se em
verdadeiros
atores sociais
capazes de
modificar para
melhor o lugar
onde vivem
VIVIANE MANSO CASTELLO BRANCOPEDIATRA – MESTRE EM SAÚDE PÚBLICA COLETIVA – GERENTE DO PROGRAMA
DE SAÚDE DO ADOLESCENTE DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE-RJ
u,que era apenas uma menina de cabeça baixa,perce-
bi que conseguia fazer tudo o que queria: consegui
dar apoio às meninas grávidas, dei informações, con-
segui dar amor e,melhor,consegui me sentir útil.Ago-
ra, vejo a vida com outro olhar.Aprendi que devemos
lutar pelos nossos objetivos" (Branco et al. 2003). O
depoimento de C., jovem de 18 anos, mãe de dois filhos e promotora de saúde do
Adolescentro da Maré, no Rio de Janeiro, ilustra porque diferentes trabalhos (Costa,
1999;Brasil,1999) têm apontado o protagonismo juvenil como estratégia privilegiada
para promover a saúde e o desenvolvimento do adolescente e da comunidade na qual
está inserido. O envolvimento direto do adolescente no planejamento,implementação
e avaliação das ações aumenta sua auto-estima, favorece sua autonomia, amplia suas
oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional,melhora sua qualidade de
vida e contribui para dar legitimidade e relevância ao trabalho do setor saúde junto
a outros jovens.
Embora a experiência venha mostrando a relevância da atuação dos adolescentes
como promotores de saúde nas unidades de saúde e na comunidade, a implantação
dessa proposta não é simples. Para que os profissionais incentivem a participação do
adolescente,é preciso que aceitem a sua autonomia e percebam o que é ser jovem na
sociedade atual e as contribuições que os adolescentes podem dar. Exige, portanto,
uma nova relação dos profissionais de saúde com eles mesmos,com os adolescentes
e com os demais setores da sociedade.A avaliação do Programa de Saúde do Adoles-
cente da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro,realizada em parceria com
o NESC/UFRJ (Branco,2002), identificou alguns dos elementos que dificultam a par-
ticipação dos adolescentes nos serviços de saúde.Ao estudar os sentidos que os pro-
fissionais de saúde atribuem à saúde do adolescente, percebe-se uma ênfase muito
grande na informação. Dessa forma,os profissionais valorizam o seu próprio trabalho,
e a crença na sua capacidade de mudar comportamentos,deixando em segundo pla-
no o papel da sociedade,da família e dos próprios adolescentes em promover a saú-
de.Além disso, ao descreverem o adolescente que sua unidade atende, destacam as
10 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Os adolescentes nos serviços de saúde
E“
carências em detrimento de suas poten-
cialidades. Essas posturas dificultam uma
relação mais horizontal com os adoles-
centes. Por outro lado,o mesmo estudo
mostrou importantes avanços como a
valorização do trabalho em equipe e a
ênfase na disponibilidade do profissio-
nal,na escuta e na adequação da unidade
às necessidades dos adolescentes como
elementos importantes na captação,
adesão e qualidade na atenção.
Para que se possa avançar na promo-
ção da autonomia,da saúde e do bem es-
tar dos adolescentes e ampliar suas opor-
tunidades de participação é fundamental
que os serviços de saúde:
� garantam espaços democráticos
de planejamento, avaliação e troca de
experiências entre os trabalhadores da
unidade. Se os profissionais não opinam
sobre o seu próprio trabalho, como
podem abrir espaço para a participação
dos adolescentes ou de qualquer outro
usuário? As atividades devem favorecer
uma reflexão sobre o papel dos profis-
sionais frente ao adolescente,à família e
à comunidade, de forma a promover
mudanças;
� propiciem a seus trabalhadores
oportunidades de reflexão e auto-conhe-
cimento, abrindo para os profissionais
de saúde novas possibilidades de trans-
formação e crescimento pessoal em ou-
tras áreas que estão além do intelecto
(Branco e Robin, 2002). É importante
que eles possam repensar valores, dese-
jos,sentimentos,surpreender-se consigo
mesmos e descobrir suas próprias poten-
cialidades,sua criatividade e capacidade
de transformação. Só dessa forma pode-
rão valorizar as potencialidades dos ado-
lescentes e estar disponíveis para im-
plantar as inovações propostas por eles;
� percebam que o adolescente não
é "propriedade" de nenhum serviço em
especial.Toda a unidade deve se respon-
sabilizar pelos adolescentes,capacitando-
se para lidar com suas especificidades
individuais, culturais e sociais, mesmo
que haja profissionais mais interessados
e preparados para lidar com esse grupo.
O intercâmbio entre os programas, os
serviços e os usuários de diferentes
gerações é essencial para uma aborda-
gem mais holística.Um adolescente soro-
positivo,por exemplo,além de ser acom-
panhado pelo serviço específico, deve
poder participar dos grupos de adoles-
centes e das demais atividades culturais,
esportivas e lúdicas desenvolvidas pelos
parceiros. Pouco adianta organizar um
serviço de qualidade, se as diferentes
portas de entrada da unidade (como o
balcão,o guarda,o setor de Imunizações,
o teste de gravidez,entre outros) afastam
os adolescentes por desrespeitarem os
princípios básicos do atendimento;
� resguardem o sigilo e a confiden-
cialidade como elementos fundamentais
para a captação e adesão dos adolescen-
tes ao serviço;
� consigam dar visibilidade aos ado-
lescentes que já freqüentam a unidade
de saúde,como clientes ou como acom-
panhantes, aproveitando ao máximo
todas as oportunidades para divulgar e
facilitar o acesso às atividades que o
serviço oferece;
� respeitem as singularidades relati-
vas à idade,gênero,raça/etnia,condição
sócio-econômica, vínculos familiares,
domicílio, incapacidades,escolaridade e
trabalho,entre outras;
� utilizem metodologias participati-
vas que promovam o desenvolvimento
de habilidades e favoreçam a reflexão e
a troca de experiências;
� estabeleçam parcerias e projetos
integrados com outros setores de forma
a ampliar sua atuação junto aos adoles-
centes, criar retaguardas e oferecer
acesso a atividades profissionalizantes,
esportivas, artísticas e de convivência
comunitária;
� ampliem gradativamente os espa-
ços de participação dos adolescentes
nos serviços,ouvindo e implementando
suas propostas e criando parcerias com
grupos organizados de jovens.
Só o esforço integrado dos diferentes
atores poderá tornar os serviços de
saúde mais aptos a interagir com os
adolescentes, incentivando a sua
participação nas atividades de aconse-
lhamento e promoção de saúde desen-
volvidas na unidade e na comunidade.
Dessa maneira, estarão criando oportu-
nidades para que outros jovens de cabe-
ça baixa possam erguê-la e encarar a vida
de forma mais construtiva e otimista.
Referências Bibliográficas:COSTA, A.C.G. O Adolescente como Protagonista. In:
SCHOR,N; MOTA, M.S.T; BRANCO, V.C (org). Cadernos deJuventude, Saúde e Desenvolvimento. Brasília: Ministério daSaúde, 1999.
BRASIL. Saúde e desenvolvimento da juventude brasileira:construindo a agenda nacional. Brasília: Ministério da Saúde,Secretaria de Políticas de Saúde, 1999.
BRANCO, V.M.C., ROBIN, M. Contribuindo para odesenvolvimento pessoal do profissional de saúde. Saúde emfoco. Rio de Janeiro, n.23, julho/2002.
BRANCO, V.M.C. Emoção e razão: os sentidos atribuídospor profissionais de saúde à atenção ao adolescente.Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva. Rio de Janeiro:Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal doRio de Janeiro, 2002.
BRANCO, V.M.C; COUTINHO, M.F.G.C; MEDEIROS, d.C.;PEREIRA,A.R. Fomentando a participação dos adolescentes.Anais do VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. ABRASCO,2003.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 11
s adolescentes atravessam um processo dinâmico e
complexo de mudanças.As transformações do cor-
po, o surgimento de novas habilidades cognitivas e
seu novo papel na sociedade são determinantes do
questionamento dos valores que os cercam. Muitas
vezes se predispõem a novas experiências, que po-
dem ameaçar sua saúde,como por exemplo,exposição a risco de acidentes,relações
sexuais desprotegidas e uso de drogas.
A assistência aos adolescentes e jovens nos serviços de saúde não deve ser desvinculada
do contexto em que vivem.Houve mudanças significativas no perfil de morbi-mortalidade
neste grupo populacional, com aumento de agravos que poderiam ser evitados por
medidas de promoção de saúde e prevenção, como a aids. Cabe aos profissionais de
saúde incluir medidas preventivas como componente fundamental de sua prática clínica.
A equipe de saúdeA atenção integral à saúde de adolescentes e jovens requer a abordagem de
profissionais de diversas disciplinas que devem interagir através de um enfoque multi
ou interdisciplinar. O trabalho multidisciplinar tem como principal característica a
prestação do serviço a uma mesma população através da interconsulta ou referência.
Essa atuação, mesmo com uma boa interação entre os componentes da equipe, é
realizada de forma independente, às vezes em diferentes locais e na maioria das
situações com a visão apenas de sua própria especialidade e/ou disciplina.
O trabalho interdisciplinar é centrado no sujeito,não havendo limites disciplinares.
Define-se a equipe interdisciplinar como um conjunto de profissionais de diferentes
disciplinas que interatuam para prestar o atendimento ao cliente. Ele permite uma
discussão conjunta.As decisões são compartilhadas e tomadas dentro das diferentes
perspectivas,resultando em uma proposta de intervenção mais eficaz.
A recepção nos serviços de saúdeA acolhida aos adolescentes e jovens nos serviços deve ser cordial e compreensiva,
para que se sintam valorizados e à vontade,buscando garantir sua adesão ao serviço,
12 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
A consulta doadolescente e jovem
OLUIZA CROMACK1, MARIA HELENA RUZANY2,
ELOÍSA GROSSMAN3, STELLA TAQUETTE4
1 GINECOLOGISTA E OBSTETRA. MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA PELO NESC/UFRJ2.DIRETORA DO NÚCLEO DE ESTUDOS DA SAÚDE DO ADOLESCENTE (NESA)
3 E 4. PEDIATRAS DO NESA
que deve ser permanentemente acessível. Muitas vezes, eles têm dificuldades em
respeitar os horários de agendamento, determinando que o serviço construa
mecanismos de organização mais flexíveis. Vale lembrar que toda a equipe está
envolvida neste acolhimento e deve estar capacitada para o mesmo: segurança,
porteiro, recepcionista, auxiliar de enfermagem
A adequação do espaço físicoEm geral, os adolescentes preferem uma sala de espera exclusiva para sua
utilização nos horários de atendimento. Esse espaço deve ser, acima de tudo,
acolhedor e confortável para os clientes e seus acompanhantes. Isto pressupõe
locais amplos, bem ventilados e limpos, adequados para o desenvolvimento de
atividades de grupo que podem ter múltiplos objetivos,tais como a apresentação do
serviço, integração com a equipe e educação para a saúde. O acesso a materiais
educativos (livros, revistas, vídeos, programas de informática) é de grande valor
porque, além de facilitar a troca de informações, ajuda a aproveitar o tempo livre e
permite o desenvolvimento de autonomia nas escolhas. Divulgação dos serviços
existentes e local para distribuição de preservativos,bem como materiais específicos
sobre DST/aids e práticas sexuais mais seguras devem estar disponíveis.
A entrevista – características do profissional de saúdeIndependentemente da razão que faz com que o adolescente/jovem procure o
serviço de saúde, cada visita oferece ao profissional a oportunidade de explorar
outros aspectos de sua vida,contribuindo para a detecção,reflexão e resolução de ou-
tras questões distintas do motivo principal da consulta.A entrevista deste usuário e
sua família ou acompanhante é um exercício de comunicação interpessoal, que
engloba a comunicação verbal e a não-verbal.Além das palavras,deve-se estar atento
às emoções, gestos, tom de voz e expressão facial do cliente. É importante formular
perguntas que auxiliem a conversação, buscando compreender sua perspectiva,
afastar preconceitos, evitando fazer julgamentos, especialmente no que diz respeito
à abordagem de determinadas temáticas como sexualidade e uso de drogas.
O profissional de saúde não deve ficar restrito a obter informações sobre o motivo
focal que levou o adolescente ao serviço de saúde,mas oferecer um espaço de escuta,
para que o adolescente se sinta à vontade para trazer dúvidas e anseios, que muitas
vezes escondem-se em uma dor física.
As ações preventivas como componentes da consultaÉ importante trocar informações com os adolescentes a respeito de seu
crescimento físico e desenvolvimento psicossocial e sexual. Deve ser discutida a
importância de se tornarem ativamente envolvidos em decisões pertinentes aos
cuidados de sua saúde, como uso de preservativos e outros métodos para evitar
gravidez, adesão a tratamentos etc.As consultas são momentos privilegiados para o
aconselhamento de práticas sexuais responsáveis e mais seguras.Também se tornam
um espaço de esclarecimento de dúvidas,de conversa sobre a importância do afeto,
do cuidado e do prazer nas relações e de aconselhamento sobre situações de risco
para abuso sexual.
O consumo de cigarros,álcool ou drogas ilícitas e anabolizantes deve ser abordado
nas consultas para reflexão e encaminhamento. Outros assuntos importantes são as
dificuldades na escola e no trabalho. Essa abordagem deverá ser desenvolvida de
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 13
forma criativa,não se revestindo de um caráter inquisitivo. Não há obrigatoriedade de
esgotar todos os tópicos em uma única ocasião.
A familiaÉ importante estar disponível para atender o paciente e sua família sem
autoritarismos, promovendo uma relação profissional horizontal. De forma ideal,
devem existir dois momentos na consulta: o adolescente sozinho e com os fami-
liares/acompanhantes. Entrevistar o adolescente sozinho cria a oportunidade de es-
timulá-lo ao diálogo,buscando que se torne,de forma progressiva,responsável por sua
própria saúde e pela condução de sua vida.A entrevista com a família é fundamental
para o entendimento da dinâmica e estrutura familiar e para a elucidação de dados da
história pregressa e atual. Bem como inserir a família/cuidadores no acompanhamen-
to e apoio do adolescente,construindo um vínculo de parceria entre equipe de saúde
– familiares e adolescente. É fundamental que o adolescente e a família tenham cla-
ro o papel confidencial e sigiloso da consulta do adolescente, que é o foco da equi-
pe, sem o que ficaria comprometida toda a assistência.
Trabalho de grupo/dinâmicasÉ bastante interessante que todo o serviço voltado para adolescentes possa
desenvolver práticas educativas de grupo. Estas práticas visam proporcionar um
espaço de troca de vivências, no qual o adolescente possa sentir-se à vontade para
trazer suas dúvidas e compartilhá-las com o grupo. Neste espaço, trabalha-se com o
conhecimento trazido pelos participantes buscando a construção do conhecimento
daquele grupo. Para isso, são utilizadas técnicas lúdicas, tais como desenho, corte e
colagem, dramatização, exposição de vídeo entre outras.A coordenação idealmente
é realizada por dois profissionais de saúde capacitados, de qualquer categoria
profissional. O adolescente sugere os temas a serem discutidos e estabelece con-
juntamente com a coordenação as normas de funcionamento do grupo. São temas que
sempre surgem:conhecimento do corpo,gênero,sexualidade,namoro,masturbação,
virgindade,contraceptivos e DST/aids.
O grupo deve ter duração máxima de duas horas para não perturbar a rotina de
adolescentes e cuidadores,e a confidencialidade é um ponto a ser marcado. É uma ati-
vidade de que os adolescentes gostam muito e que complementa o trabalho da
consulta individual. O mesmo trabalho pode também ser realizado com familiares e
cuidadores.
ConclusãoO momento da consulta dos adolescentes e jovens,bem como das atividades de
grupo, deve ser aproveitado pela equipe de saúde para a troca de informações. A
equipe deve ter em mente que,tratando-se de uma população em constante mudança,
é necessário que,para aumentar a efetividade dos serviços,exista uma preocupação
de conhecer o que está em transição e os novos costumes adotados.
Outra questão,que muitas vezes os serviços evitam adotar,é a maior participação
do usuário na gestão e na atenção prestada. Com esse grupo etário,o distanciamento
poderá significar a pouca compreensão das normas e condutas, diminuindo a
aderência ao serviço e às atividades planejadas. É muito importante que o adolescente
sinta que faz parte daquele serviço e ajude a construí-lo.
14 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
A atenção integral
à saúde de
adolescentes e
jovens requer a
abordagem de
profissionais de
diversas disciplinas
que devem interagir
através de um
enfoque multi ou
interdisciplinar
oucas são as unidades que possuem serviço ou setor voltado
para a assistência ao adolescente. Normalmente,os serviços
de Medicina do Adolescente estão em hospitais universi-
tários e a maioria dos programas de aids não conta com es-
sa opção de assistência.
Para muitos profissionais de saúde,os adolescentes são
pessoas desagradáveis, mal educadas e intratáveis. A
intolerância e o despreparo de muitos profissionais dificultam e podem inviabilizar o
acesso do jovem aos cuidados necessários.
O serviço que recebe pessoas soropositivas entre 10 e 20 anos deve contar com
profissionais que gostem de trabalhar com adolescentes e que estejam preparados
especificamente para acompanhar portadores de HIV.A identificação de profissionais
com essas características é o ponto de partida para o trabalho.A complexidade da
demanda faz com que seja indispensável o trabalho em equipe. Não queremos aqui
propor nenhuma fórmula ou composição formal de equipe, mas pelo menos duas
pessoas precisam estar envolvidas e disponíveis para a assistência a adolescentes
HIV +. Podem ser dois médicos, um médico e um enfermeiro, um médico e um
psicólogo ou assistente social. O ideal é que essas pessoas estejam articuladas às
diferentes formas de assistência que podem ser necessárias (SAE, Hospital Dia,
internação e atendimento domiciliar) e que mantenham o contato com os pacientes
mesmo quando eles forem transferidos temporária ou definitivamente para esses
serviços. O objetivo deve ser prestar assistência integral ao adolescente HIV+ desde
o momento do diagnóstico até o fim da adolescência (idade variável) quando ele
poderá ser transferido para um programa de aids geral, dentro da mesma unidade e
às vezes com a mesma equipe.
A experiência do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de JaneiroO atendimento a adolescentes soropositivos no Hospital dos Servidores do Estado
ocorre no serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias (DIP). O hospital não conta
com serviço específico para adolescentes. Definimos,no ambulatório geral do DIP,um
horário específico para atendê-los.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 15
Como atender oadolescentesoropositivo
Maria Letícia Santos CruzMÉDICA PEDIATRA E INFECTOLOGISTA DO SERVIÇO DE DOENÇAS INFECCIOSAS DO
HOSPITAL DOS SERVIDORES DO ESTADO DO RJ P O serviço deve
contar com
profissionais que
gostem de
trabalhar com
adolescentes e
que estejam
preparados
especificamente
para acompanhar
portadores de HIV
A equipe é composta por uma
médica infectologista e uma pediatra,
uma psicóloga e duas enfermeiras. O
serviço de DIP conta com uma assistente
social e com setores de SAE,internação,
Hospital Dia e atendimento domiciliar.
Os adolescentes têm consultas
mensais no DIP, geralmente no dia em
que é desenvolvida uma atividade em
grupo. O início dos anti-retrovirais é
adiado enquanto o estado clínico e imu-
nológico (contagem de células CD4)
permitirem. Sempre que possível,
optamos por usar esquemas simplifica-
dos, com drogas que possam ser usadas
uma ou duas vezes ao dia. Todos são
tratados de acordo com o Guia de Trata-
mento Clínico da Infecção pelo HIV em
adultos e adolescentes do Programa
Nacional de DST/aids do Ministério da
Saúde.
No serviço de DIP do Hospital dos
Servidores do Estado, são atendidos
adolescentes provenientes de dois pro-
gramas:aids pediátrico e ambulatório de
prevenção de transmissão vertical do
HIV.Apesar de terem em comum o vírus,
são populações com características bem
distintas.
Da Imunopediatria para o DIPOs pacientes da Imunopediatria
normalmente já são acompanhados
naquele setor há alguns anos e estão
habituados ao ambulatório e enfermaria
de Pediatria. Os pediatras,muitas vezes,
adiam ao máximo a transferência desses
pacientes para o programa de adolescen-
tes. São jovens que, em alguns casos,
apresentam atraso no desenvolvimento
somático e emocional decorrentes da in-
fecção e de situações de perdas asso-
ciadas ao HIV. A transferência geralmen-
te só se concretiza quando se torna
inevitável,como na necessidade de uma
internação hospitalar que não pode mais
ocorrer na enfermaria de pediatria. Nes-
sas situações, a internação tem sido tra-
balhada pela equipe como uma opor-
tunidade de aproximação do jovem com
o serviço do DIP,devido à possibilidade
de contatos diários entre o paciente e
diferentes profissionais. Esses pacientes
geralmente já estão em uso de anti-re-
trovirais e nessa ocasião a administração
das drogas deve ser revista pela equipe,
que identifica quem é o responsável por
"se lembrar" dos remédios.Normalmente
um adulto ou irmão mais velho tem essa
responsabilidade e o adolescente pode
ou não estar comprometido com seu
tratamento. Durante esses primeiros
contatos, o comprometimento com o
próprio tratamento é estimulado.
Outro problema com os adolescen-
tes provenientes do programa de aids
pediátrico é que eles,por vezes,chegam
ao nosso ambulatório ainda sem conhe-
cer sua condição de portador de HIV.
A revelação do diagnóstico pode
levar bastante tempo ou se completar
em poucas consultas.Tudo depende da
resposta do adolescente, à medida que
damos as informações. Logo nas primei-
ras consultas, conversamos na presença
dos pais sobre o que o novo paciente
sabe a respeito do problema que o traz
tão freqüentemente às consultas. Deixa-
mos claro para os pais que vamos preci-
sar informar o adolescente sobre sua
condição de HIV + . Nem sempre os pais
aceitam bem a idéia neste momento. Às
vezes, a família precisa de um tempo
antes da revelação.
Gravidez precoce e HIVAs meninas provenientes do
ambulatório de prevenção de trans-
missão vertical do HIV (onde a cada ano
cresce o número de gestantes infectadas
entre 13 e 18 anos) chegam ao serviço
precisando lidar com dois fatos novos
em suas vidas: a maternidade precoce
(apesar de algumas vezes desejada e até
planejada) e a infecção pelo HIV. O
serviço oferece testagem para os
parceiros das gestantes e aqueles com
diagnóstico positivo para o HIV que
estão na mesma faixa etária das parceiras
também são admitidos para acom-
panhamento.
Grupos de discussãoDesde o início,tivemos a proposta de
formar um grupo de adolescentes que
favorecesse a discussão e a troca de
experiências entre jovens com o mesmo
"desafio". Mas o grupo demorou mais de
oito meses para se formar.Durante os pri-
meiros meses, o encontro dos jovens
ocorreu apenas na sala de espera do
ambulatório,pois a freqüência era muito
irregular e a resistência ao acompanha-
mento era patente. Apesar de conversa-
rem muito pouco entre si, eles percebe-
ram que aquele espaço/horário era
destinado a eles e que o serviço os estava
acolhendo. Nesses primeiros meses,eles
tiveram acesso a atendimentos indivi-
duais com a médica,a psicóloga e a enfer-
meira. Com o tempo,esses encontros in-
formais facilitaram a formação do grupo.
Desde que tiveram início, em 2002,
os encontros em grupo têm acontecido
regularmente e são agendados uma vez
16 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Procuramos afinar
o conhecimento
dos profissionais
sobre adolescência
e discutir os casos
regularmente
O adolescente infectado pelo HIV
através de transmissão sexual ou uso de
drogas injetáveis,após a puberdade,pare-
ce ter curso clínico semelhante ao do
adulto. Entretanto,um número crescente
de crianças infectadas perinatalmente
pelo HIV está atingindo a adolescência e
apresenta curso clínico diferente dos
adolescentes infectados mais tardiamente.
A prescrição de medicação anti-retro-
viral deve ser adaptada de acordo com o
estadiamento da puberdade. Para isto,
utiliza-se a escala de Tanner. O adoles-
cente nas fases iniciais da puberdade
(Tanner I e II) deve ser tratado segundo
as recomendações pediátricas,enquanto
aquele em fase adiantada de maturação
sexual (Tanner V) deve seguir as reco-
mendações estabelecidas para os adultos.
Nas fases intermediárias (Tanner III e IV),
o tratamento deve ser individualizado a
critério médico. As rápidas transfor-
mações biológicas observadas nos adoles-
centes requerem adequações posológicas
freqüentes, monitorando toxicidade e
eficácia do regime anti-retroviral em uso.
Os adolescentes precisam conhecer sua
condição de infectados pelo HIV e ser
totalmente informados sobre os diferentes
aspectos e implicações da infecção,a fim de
cumprirem adequadamente as orientações
médicas. Além disso, necessitam ser
orientados sobre os aspectos de sua
sexualidade e os riscos de transmissão
sexual aos seus parceiros. Finalmente,
devem ser encorajados a envolver seus pais
ou responsáveis em seu atendimento.
A adesão do adolescente à terapia anti-
retroviral sofre a influência de algumas
peculiariedades observadas nessa faixa
etária, tais como: a negação e o medo de
sua condição de infectado pelo HIV;a de-
sinformação; o comprometimento da
auto-estima; o questionamento sobre o
sistema de saúde e a eficácia da tera-
pêutica e as dificuldades em obter apoio
familiar e social.
Com a finalidade de melhorar o acom-
panhamento clínico e a adesão ao trata-
mento,sugerem-se as seguintes estratégias:
� Preparar adequadamente o adoles-
cente para a revelação do diagnóstico,de
preferência com suporte psicológico;
� Negociar um plano de tratamento
em que haja envolvimento e com-
promisso do adolescente, informando-o
adequadamente sobre questões ligadas
ao prognóstico;
� Buscar a participação da família,
amigos e, eventualmente, de instituições
para apoiá-lo durante seu tratamento;
� Estimular a criação de grupos de
discussão entre a clientela de adoles-
centes atendida pelo serviço;
� Na escolha do regime anti-
retroviral, considerar não somente a po-
tência, mas também a viabilidade do
esquema, levando em conta a como-
didade posológica;
� Esclarecer sobre a possibilidade de
efeitos colaterais e conduta frente a
eles.
por mês. Para ser convidado a participar
do grupo, o adolescente precisa co-
nhecer seu estado de portador do HIV.
Os assuntos tratados no grupo são
sugeridos pelos adolescentes. O termo
HIV surgiu desde o primeiro encontro e
raramente deixa de ser o centro das
discussões. Os principais temas abor-
dados em grupo têm sido:preconceitos,
medo de contar o diagnóstico a familiares
e amigos, contar ou não contar para os
namorados,o impacto do diagnóstico em
suas vidas, o que significam os exames
que fazem periodicamente (CD4 e carga
viral) e a possibilidade do vírus se tornar
resistente aos medicamentos.
O entrosamento da equipe de profis-
sionais é fundamental para o bom anda-
mento deste trabalho. Procuramos afinar
o conhecimento dos profissionais sobre
adolescência e discutir os casos regular-
mente. Algumas noções sobre aspectos
práticos ao longo da adolescência po-
dem ser úteis.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 17
Adolescentes e otratamento antiretroviral (modificado do Guia de Tratamento Clínico da Infecção pelo HIV em Crianças 2002/2003)
Jorge Andrade PintoPROF. ADJUNTO DO DEPARTAMENTO DE PEDIATRIA E COORDENADOR DO GRUPO DE AIDS MATERNO INFANTIL DA FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG
uando traba-
lhamos com
adolescentes
soropositivos,
notamos que
há, tanto na
parte clínica
como na psi-
cossocial,uma
grande dife-
rença entre os adolescentes de trans-
missão vertical e adolescentes de
transmissão horizontal.
Os adolescentes do primeiro grupo,
ou seja,infectados através da transmissão
mãe / filho,são adolescentes que durante
sua vida já foram submetidos a segui-
mento e tratamento,deles próprios e de
seus pais. Estão convivendo com pais
doentes ou já são órfãos. São cuidados
por familiares ou estão institucionaliza-
dos. Esta população é tratada com muito
cuidado e poupada,na maioria das vezes,
do seu diagnóstico,crescendo e chegan-
do à adolescência sem ter o conhecimen-
to do porquê do constante acompanha-
mento médico e da medicação utilizada.
Esses adolescentes, devido às con-
dições em que são cercados durante o
crescimento,apresentam,na maioria das
vezes, um retardo em seu desenvolvi-
mento psicossocial. Há uma resistência
por parte de familiares e cuidadores da
revelação diagnóstica,apesar da tentativa
dos profissionais de saúde (médicos,
psicólogos) de convencer os cuidadores
do quanto é importante que o adoles-
cente saiba da sua condição sorológica
para que possa tomar as rédeas de seu
próprio tratamento,de seu cuidado e do
próximo.
Os adolescentes de transmissão hori-
zontal,ou seja, infectados por via sexual,
usuários de drogas endovenosas e
infectados por sangue e hemoderivados,
com exceção desses últimos, que têm
por parte da família e do serviço de saúde
um tratamento e cuidados semelhantes
ao de transmissão vertical, apresentam
um comportamento de sua parte e do
serviço de saúde, totalmente diferente.
Os adolescentes infectados por via
sexual e uso de drogas endovenosas não
têm, via de regra, um atraso no desen-
volvimento psicossocial.São,em sua maio-
ria,originários de famílias desestruturadas
e das quais não recebem apoio.
Quando esses adolescentes, por
alguma razão,procuram o serviço de saúde
e é pedido um teste para HIV (muitos são
adolescentes grávidas que fazem o teste
no pré-natal),o resultado lhe é passado sem
nenhum preparo prévio, mesmo tendo
este adolescente a mesma idade do ado-
lescente de transmissão vertical,como se o
fato de praticar sexo ou usar droga, os
preparassem para receber um resultado
deste porte.
Acredito que,devido ao aumento do
número de adolescentes vivendo com
HIV/AIDS, é a hora propícia para que,
juntos,os profissionais de saúde e esses
adolescentes discutam uma melhor abor-
dagem e o melhor momento, por parte
da equipe profissional e dos familiares
em revelar o diagnóstico, para que pos-
samos ter um resultado mais promissor
no tratamento, na socialização e na
qualidade de vida.
18 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
A diferença entre quem seinfectou pelo HIV portransmissão vertical ou horizontal
Marinella Della NegraSUPERVISORA DA 2ª UNIDADE DE INTERNAÇÃO DO INSTITUTO DE INFECTOLOGIA EMÍLIO RIBAS
Q
prática do aconselhamento desempenha um pa-
pel fundamental no contexto da epidemia da aids
e se reafirma como uma tecnologia de cuidado
estratégico para o momento da revelação do diag-
nóstico do HIV e na promoção da integralidade na
atenção à saúde.
O trabalho no campo da aids tem,por um lado,demonstrado a falência do modelo
técnico-científico-normativo,prescritivo e coercitivo – que é insuficiente para atender
as necessidades das pessoas que vivem e convivem com a aids. E,por outro lado,tem
revelado o quanto faltam respostas no cotidiano dos profissionais de saúde, em
especial no atendimento ao adolescente com HIV/aids. Com certeza, não teremos
respostas para tudo, mas é importante entendermos o aconselhamento como uma
tecnologia estratégica, que favorece o emergir de respostas indispensáveis para o
processo de cuidado à saúde, à medida que o profissional estimula a autonomia e
liberdade do adolescente para expressar suas questões,utilizando seu conhecimento
para escutá-lo melhor e pensar com ele em como podem resolver o seu problema.
O aconselhamento é uma ação em saúde que implica a construção de uma relação
de confiança mútua e o estabelecimento do diálogo "profissional – adolescente" e
"profissional – família – adolescente".Prima pela utilização de linguagem acessível,pela
confidencialidade e o respeito às diferenças e à cidadania. Desta forma, contribui
para que temas relacionados à aids,difíceis e necessários de serem abordados,como
sexualidade, morte, uso de drogas, tabus, estigma e preconceitos, fluam mais
naturalmente.
As principais características do processo de aconselhamento são a ESCUTA e a
TROCA. Escutando os anseios e medos do adolescente, reconhecendo suas crenças
e valores,podemos conhecê-lo melhor. Do mesmo modo, trocando saberes, afetos e
experiências, podemos perceber os limites e também as possibilidades que o
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 19
Revelação do diagnósticoe aconselhamento emHIV/aids
A O aconselhamento
é uma ação em
saúde que implica a
construção de uma
relação de confiança
mútua e o
estabelecimento do
diálogo “profissional
– adolescente” e
“profissional – família
– adolescente”
Débora Fontenelle1, Denise Serafim2 e Sandra Filgueiras3
1MÉDICA CLÍNICA GERAL DO HUPE-UERJ (NÚCLEO DE EPIDEMIOLOGIA ) E GERÊNCIA DE DST/AIDS DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO (SMS),
2 ASSESSORA TÉCNICA DA UNIDADE DE PREVENÇÃO DO PNDST/AIDS,3 PSICÓLOGA SANITARISTA DA ASSESSORIA ESTADUAL DE DST/AIDS - SES/RJ
adolescente tem para lidar com as adversidades do viver com o vírus da aids. O
aconselhamento implica uma reflexão conjunta,na qual o adolescente é estimulado
a participar ativamente e, junto com o profissional, encontrar recursos para o alívio
do sofrimento físico e psíquico. Pressupõe o acolhimento do sofrimento que o
adolescente traz e o entendimento de seu contexto de vida.
O momento da revelação do diagnóstico pelo HIV é uma situação crucial para o
adolescente e pode gerar ansiedade e estresse para o profissional de saúde.A postura
acolhedora do profissional no processo de aconselhamento contribui para uma
melhor condução deste momento. Este processo implica CONHECER.
Quem é o adolescente com HIV/aids que estamos atendendo?� aquele que adquiriu o HIV por transmissão mãe-filho; pelo uso de drogas
injetáveis;por transfusão sanguínea;por transmissão sexual;que descobriu ter
o vírus durante a gravidez; ou que ainda desconhece seu diagnóstico porque
a família não quer / não consegue contar;
� aquele que reage a esta situação com raiva,revolta,desespero,tristeza,negação,
passividade,ou que consegue lidar com sua condição de soropositivo;
� aquele que não tem com quem contar ou o que tem o apoio da família e/ou de
uma rede social;
� aquele que faz parte de algum grupo social (escola, igreja, rua ...) ou não faz
parte de nenhum grupo;
� que se culpa ou culpa o outro;
� que gosta de usar drogas;
� que tem namorado(a),companheiro(a) e tem vida sexual
Qual é a maior preocupação deste adolescente?� fazer parte de um grupo, ter amigos,namorado(a);
� a revelação do diagnóstico para os outros;
� ser discriminado;
� ser abandonado;
� o medo da morte;
� o exercício da sexualidade;
� como viver uma relação afetiva,constituir família.
Conhecendo o adolescente,podemos contextualizar melhor nossas mensagens à
sua vivência e torná-las mais eficazes. Na continuidade do processo de
aconselhamento,aspectos como as dúvidas,o saber,crenças,valores,anseios e medos
deste adolescente potencializam o diálogo, contribuindo para que a orientação de
medidas preventivas seja mais compatível a sua realidade. É importante realizar uma
avaliação de risco com o adolescente,ajudando-o a identificar as situações que vivencia
em relação ao HIV/aids e outras DST,para evitar ou,pelo menos,minimizar os riscos,
de acordo com as suas possibilidades e limites.
Cada adolescente é capaz de despertar diferentes sentimentos em nós,
profissionais. Muitas vezes,nos sentimos impotentes quando os pais não permitem a
revelação do diagnóstico ao adolescente, quando o adolescente não quer revelar o
diagnóstico à parceria sexual. Ficamos ansiosos em abordar aspectos da sexualidade,
nos sentimos culpados pela não adesão do adolescente a medidas de prevenção e ao
20 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
O momento da
revelação do
diagnóstico pelo
HIV é uma
situação crucial
para o
adolescente e
pode gerar
ansiedade e
estresse para o
profissional de
saúde
tratamento e podemos até identificar o adolescente com nossos próprios filhos etc.
Para o aconselhamento fluir, é importante que possamos, além de conhecer o
adolescente, identificar nossos sentimentos e dificuldades durante o atendimento,
evitando ruídos na comunicação e até iatrogenia. Compartilhar com a equipe nossas
dúvidas e sentimentos pode nos ajudar na condução do atendimento. Neste sentido,
entendemos que a construção de uma prática interdisciplinar é de suma importância
para o aprimoramento da atenção. Contar com uma equipe interdisciplinar facilita a
abordagem de questões complexas e, muitas vezes, difíceis de serem tratadas por
um único profissional.
Também a participação da família, de pessoas mais próximas e dos parceiros/as
sexuais do adolescente é fundamental para garantir a integralidade e a resolutividade
da ação.Todos precisam de atenção e apoio emocional para se integrar ao processo
de assistência do adolescente.
Por fim, cabe ressaltar o quanto é comum na assistência ao adolescente com
HIV/aids, principalmente nos infectados por transmissão vertical, uma tendência a
adiar a comunicação de sua condição sorológica. Muitos deles chegam a passar anos
tomando anti-retrovirais sem saber explicitamente o seu diagnóstico. Com o
argumento de "proteger" o adolescente,a família e os profissionais de saúde se tornam
cúmplices no "silêncio" da questão, o que pode implicar a infantilização deste
adolescente. Observamos aí uma enorme dificuldade dos pais e profissionais,adiando
o enfrentamento desta situação e a abordagem de temas como sexualidade,
reprodução,consumo de drogas,doença e morte, supostamente mais "reservados" à
vida adulta.
É importante lembrar que, como qualquer pessoa, o adolescente tem direito de
saber seu diagnóstico. O aconselhamento pressupõe uma postura de acolhimento e
respeito por parte do profissional,para estabelecer o diálogo,apesar das diferenças.
Trata-se de procurar uma comunicação clara e objetiva, dando instrumentos ao
adolescente para cuidar da sua saúde com autonomia e liberdade.
Referências bibliográficas:
CN DST/AIDS. COORDENAÇÃO NACIONAL DE DST E AIDS, 1997. Aconselhamento em DST, HIV e Aids: Diretrizes eProcedimentos Básicos.
ABIA. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS, 2003. Reflexões sobre Assistência à Aids – Relação Médico-Paciente, Interdisciplinaridade, Integralidade.
PAULO FREIRE. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Editora Paz e Terra: 1996. p. 127-137.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 21
As dúvidas,
o saber, crenças,
valores, anseios
e medos deste
adolescente
potencializam
o diálogo,
contribuindo
para que a
orientação de
medidas
preventivas seja
mais compatível
a sua realidade
O atendimento em sala de espera
ASSISTÊNCIA INTEGRAL À GESTANTE HIV+
atendimento à gestante com HIV+ iniciou-se em
1996 no Instituto de Puericultura e Pediatria Marta-
gão Gesteira (IPPMG),uma unidade da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que passou a ser
uma das referências para o Programa de Assistência
Integral à Gestante HIV+ no Estado do Rio de Janeiro. No programa atuam dois
infectologistas,um obstetra,duas enfermeiras,uma assistente social,uma nutricionista
e uma psicóloga. À exceção dos médicos,os demais profissionais realizam também o
atendimento de sala de espera.
Em relação à estratégia proposta como sala de espera,é importante destacar que
a mesma ocorre em um espaço físico restrito no Setor Materno Infantil,onde as ges-
tantes aguardam o atendimento.
Os encontros têm como objetivo trabalhar as informações e vivências, pois
consideramos que, a partir dos sentimentos mais clarificados, há possibilidade de
melhor absorção das informações e conseqüentemente uma perspectiva de adesão
ao acompanhamento,visando evitar a transmissão vertical.
No tocante à adolescência,cabe ressaltar que esta é uma fase de mudanças e desco-
bertas.Na busca de sua identidade individual e grupal,os adolescentes vivenciam cada vez
mais cedo novos valores comportamentais relacionados à afetividade e vida sexual que,
associados à pouca valorização para percepção de risco e o limitado acesso efetivo às in-
formações sobre sexualidade,DSTs,aids e drogas,acabam tornando-os mais vulneráveis.
O despreparo dos serviços de pré-natal em oportunizar um atendimento específico
à gestante adolescente, por diferentes justificativas, acaba retardando o início do
acompanhamento e conseqüentemente observa-se demora na realização dos exames,
dentre eles a testagem para o HIV. Como unidade de referência,recebemos em média
seis adolescentes por mês na faixa de 14 a 18 anos para a confirmação de diagnóstico
de HIV.Não raro,no segundo ou terceiro trimestre de uma gestação não planejada,não
desejada ou rejeitada pela família,isso quando há referência desta e com agravante de
22 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
ORepresentação da adolescente no grupo, sobrea expectativa do filho ser HIV negativo
EQUIPE DA SALA DE ESPERA DO INSTITUTO DE PUERICULTURA (IPPMG) DA UFRJ:IRAÍNA FERNANDES DE ABREU FARIAS (ENFERMEIRA)
MARIA DE FATIMA LAGO GARCIA (PSICÓLOGA)REGINA TIRRE CARNEVALE MERCADANTE (ENFERMEIRA)
VERÔNICA MEDEIROS DA COSTA (NUTRICIONISTA)VIRGINIA HELANE DE ALMEIDA XIMENES (ASSISTENTE SOCIAL)
não terem recebido adequado aconse-
lhamento pré e pós-teste HIV, como
recomendado pelo Ministério da Saúde.
Diante da confirmação do diagnós-
tico, é oferecido à gestante o espaço do
grupo como parte do seu acompanha-
mento.Em nossos encontros,observamos
várias situações conflituosas a partir de
colocações feitas pelas adolescentes ou
por seus responsáveis, que estão relacio-
nadas à: descoberta e aceitação do dia-
gnóstico;revelação do resultado ao com-
panheiro e/ou familiares; início do
tratamento; uso do preservativo; sigilo;
preconceito;direitos e benefícios sociais;
mudança dos hábitos alimentares; lazer,
drogas lícitas e ilícitas; os horários da
medicação;a impossibilidade de amamen-
tar; cuidados no pós-parto com o corpo;
adesão ao acompanhamento do recém
nato; fortalecimento da cidadania e pers-
pectiva de futuro.
Constatamos, ao longo desses anos, a
necessidade de atendermos as adolescen-
tes de forma diferenciada, considerando
as particularidades da fase vivenciada.
Sendo assim, destacamos a importância
em priorizar cada vez mais o acon-
selhamento pré e pós-teste HIV como
marco inicial na trajetória do diagnóstico
e manutenção do acompanhamento em
relação à condição de ser adolescente,
estar grávida e com diagnóstico de HIV,
como garantia da qualidade de vida atual
e futura. Porém,tal não ocorre conforme
preconizado.
Cabe ressaltar a importância da cons-
trução em equipe, de uma abordagem
específica, levando em conta, entre
outros,os seguintes aspectos:
� Assegurar a abordagem multipro-
fissional;
� Acolher desde o atendimento
inicial;
� Estimular o comparecimento de
um responsável no atendimento;
� Considerar as informações prévias
quanto à infecção do HIV/aids,mé-
todos contraceptivos, uso do pre-
servativo etc;
� Esclarecer dúvidas mencionadas e
veladas;
� Sensibilizar o responsável para o
acompanhamento à adolescente
na gestação e pós-parto;
� Estimular o resgate do vínculo
familiar;
� Garantir sigilo;
� Orientar quanto aos cuidados
necessários ao recém-nato;
� Incentivar a continuidade do
acompanhamento da adolescente
e da criança;
� Interagir com as coordenações de
áreas visando assegurar os fluxos
de encaminhamentos precoces;
� Estimular a inclusão em programas
específicos à adolescência.
Devemos destacar que as reações e
sentimentos, mesmo estando a adoles-
cente "assistida", poderão estar fragmen-
tados e suscetíveis às interferências
alheias, e suas expressões podem nos
levar à reflexão...
"O profissional me tratou como umatábua ao me falar do resultado doexame de HIV"
"Estou me sentindo um ET"
"Meu pai disse que estou bichada"
"Estou preocupada com o que euvou falar quando me perguntarem porque não estou dando o peito"
"Eu não sabia que estava fazendoesse exame"
"Você tem aids. Procure estehospital, aqui está o endereço"
"Pensei que ia morrer no diaseguinte"
"Aqui é o único lugar que possoconversar, só tenho vocês pra falarsobre isso..."
Acreditamos que o trabalho em
equipe que valoriza as atividades em
grupo nas discussões sobre a infecção
pelo o HIV junto às adolescentes propor-
ciona novas reflexões sobre a prevenção,
para uma qualidade de vida melhor. O
grupo de sala de espera revela-se um
espaço promissor como estratégia educa-
tiva e terapêutica, pois possibilita o tra-
balho em equipe e a caminhada para a
atuação interdisciplinar.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 23
"Se trago as mãos distantes do meu peito,
é que há distância entre intenção e gesto."
(Fado Tropical – Chico Buarque & Ruy Guerra)
pesar dos três temas do título possuírem uma
estreita correlação óbvia no discurso,a maneira
como nós, governo, profissionais e sociedade,
agimos em relação a cada um deles é de forma
totalmente dissociada e perigosa.
Entendemos a sexualidade como o exercí-
cio da vida com prazer. Exercemos nossa sexua-
lidade quando intencionalmente colocamos
prazer em nossas relações com o mundo e com
nós mesmos. O prazer é um ato intencional da
subjetividade humana, o qual consiste em dar
um sentido e um significado específico a uma sensação, que pode ser agradável,
desagradável ou neutra. No entanto,o prazer não se reduz a esta sensação. Enquanto
para alguns a sensação de queimação intensa de uma pimenta malagueta pode ser uma
experiência extremamente desagradável, para outros a mesma sensação se constitui
num imenso prazer. O que diferencia as duas experiências é o significado dado pelo
sujeito da experiência a esta sensação. Do mesmo modo, apesar do estupro ser uma
relação sexual,a vítima não exerce sua sexualidade nesse momento.O prazer produzido
em um relacionamento sexual consensual parece até o momento não ter precedentes
comparativos,mesmo levando em conta seus efeitos colaterais.A gravidez não planejada
e as DSTs, tendo a aids como a mais recente e mais temida,são seus efeitos colaterais
mais comuns e perseguem a humanidade até os dias de hoje. Enquanto o homem
paga o preço das DSTs,a mulher sofre com os dois.A gravidez não planejada sempre
foi o preço que a mulher, casada ou não, teve que pagar pelo exercício de sua
sexualidade, ou, quando pior, por sofrer o exercício da sexualidade do homem pela
violência ou por seus "deveres matrimoniais",o que de fato é a mesma coisa.
As tentativas para se evitar uma gravidez na história da humanidade vão desde o
coito interrompido,provavelmente a maneira mais antiga,que mesmo interrompido
era e continua sendo pecado, passando por vários métodos de barreira, como as
primeiras camisinhas utilizando intestinos de animais,até os métodos mais eficientes
atualmente,como a camisinha de látex,os contraceptivos orais e o DIU.
24 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Sexualidade,uso do preservativo e direito reprodutivo
Valdi Craveiro BezerraCLÍNICO DE ADOLESCENTES (HEBIATRA), PSICOTERAPEUTA, TERAPEUTA DE FAMÍLIA.
COORDENADOR DO ADOLESCENTRO CENTRO DE REFERÊNCIA, PESQUISA, CAPACITAÇÃO E ATENÇÃO À ADOLESCÊNCIA E FAMÍLIA - DF
A
A camisinha, quando usada corretamente, isto é, sem falha no uso e no
acondicionamento, oferece uma proteção de 99% contra a aids e de 100% para
gravidez não planejada. Considerando as possibilidades de ruptura e deslizamento
intravaginal,o uso da camisinha durante um ano oferece uma proteção para a gravidez
não planejada de 97% se usada de forma correta, e de 86% se for usada sem muitos
cuidados (Trussel e col,2001). Este mesmo autor calculou que a economia feita com
o uso de camisinha por ano por adolescente sairia em média de 946 dólares para o
setor privado e de 525 dólares para o setor público. O custo anual calculado por
adolescente para uma gravidez foi de 1.079 dólares e de 188 dólares com tratamento
para DST,num total de 1.267 dólares para o setor privado e de 677 dólares (541 para
gravidez e 137 com tratamento para DST) para o setor público. (Trussell e col,1997a
e 1997b).A conclusão lógica é que o uso da camisinha é seguro, eficiente e muito
econômico para qualquer governo que invista em seu uso,no entanto,tanto a gravidez
quanto a aids estão aumentando na faixa etária da adolescência. Costumamos
responsabilizar os adolescentes por estas taxas, sem nos perguntarmos por nossa
participação neste fenômeno.
Neste momento entramos no chamado direito reprodutivo, o que significa que
temos o direito de escolher se queremos ou não ter filhos. Para garantir uma escolha
ou outra, lançamos mão dos métodos contraceptivos,e a camisinha é um deles. Com
isso fechamos o ciclo: sexualidade, uso do preservativo e direito reprodutivo. Até
agora parece uma simples lógica matemática,mas a questão é que,em outras palavras,
direito reprodutivo quer dizer que nós, inclusive "nós adolescentes", temos o direito
de nos relacionarmos sexualmente sem termos que pagar com uma gravidez não
planejada ou uma doença sexualmente transmissível pelo pecado de exercermos
nossa sexualidade. A questão é que, na verdade, não concedemos esse direito aos
nossos filhos adolescentes.
Se nossa preocupação como pais, profissionais de saúde, educadores, governo e
sociedade em geral fosse de fato evitar os danos causados por uma gravidez não
planejada ou uma DST/aids, o uso da camisinha como solução para diminuir estes
enormes problemas de saúde pública deveria ser estimulado e principalmente
viabilizado.A camisinha deveria ser distribuída segundo a necessidade de cada um,em
todos os locais de encontros, como as escolas, quartéis, locais de diversão, e
principalmente nos serviços de saúde.
Apesar das campanhas freqüentes para o uso da camisinha, nós, profissionais da
saúde,educação e governo,sistematicamente desenvolvemos formas de distribuição
que são verdadeiras maratonas cheias de constrangimentos,que parecem planos bem
elaborados para afastarmos nossos adolescentes do exercício de uma sexualidade
protegida. Para um adolescente obter 6 camisinhas,dependendo do serviço de saúde,
deverá marcar uma consulta com um médico ou enfermeira e ser cadastrado,o que
significa declarar que já está tendo relacionamento sexual. Toda esta dificuldade
criada é justificada pela necessidade de fazer uma educação sexual e de obter uma
estatística. Esta desculpa,no entanto,pode estar encobrindo a verdadeira razão dessa
estratégia,que é o controle ao exercício da sexualidade do adolescente.
Em agosto de 2003,o governo lançou um projeto dos Ministérios da Educação e
da Saúde para disponibilizar camisinhas para colégios da rede pública de ensino,que
comprovarem que seus alunos já recebem educação sexual. Imediatamente surgiram
"profissionais" questionando a distribuição, afirmando que isso seria um estímulo à
relação sexual desenfreada,ou que a distribuição por si só não resolveria o problema,
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 25
Se nossa
preocupação como
pais, profissionais
de saúde,
educadores,
governo e
sociedade em geral
fosse de fato evitar
os danos causados
por uma gravidez
não planejada ou
uma DST/aids, o
uso da camisinha
deveria ser
estimulado e
principalmente
viabilizado
e outras asneiras mais. Não duvidamos que a educação sexual seja a estratégia mais
importante e eficiente. A questão é que a mesma não sai do papel há mais de 20
anos,pela mesma necessidade de controle da sexualidade do outro. Com isso,criaram-
se dois problemas. O primeiro é que alguns de nossos filhos adolescentes, seguindo
nossos passos iniciados com o advento do contraceptivo oral na década de 60, já
saltaram do avião e já estão tendo relações,queiramos ou não. Em plena queda livre,
nós ficamos discutindo sobre quem empurrou, se realmente era a hora de saltarem,
ou concluímos que está tudo errado e que não deveriam ter feito isso,que deveriam
ter tido aulas de pára-quedismo antes. Nessa situação,o mais sensato e honesto que
temos de fazer é perguntar: "alguém sabe como abrir um pára-quedas?". — Nossa
obrigação é garantir que nossos adolescentes cheguem são e salvos até embaixo, e
com eles vivos, sem danos, discutirmos todas as outras opções. Em outras palavras,
devemos proceder com a distribuição de camisinhas de forma livre e sem
constrangimentos – o pára-quedas. O outro problema diz respeito à turma que ainda
não subiu no avião. São os adolescentes que ainda não iniciaram sua atividade sexual
e, se continuarmos a não fazer nada a respeito, como educação para um exercício
saudável da sexualidade sem problemas,inexoravelmente,ficarão na mesma situação
dos que já estão pulando.
No Adolescentro, disponibilizamos a camisinha na sala de espera em uma caixa
confeccionada para este fim, para quem quiser pegar seu preservativo. Além dos
adolescentes,os pais,mães,tios,avós pegam camisinhas para outros filhos,sobrinhos,
netos e amigos. A cada dia somos gratos a essas pessoas maravilhosas, nossos
verdadeiros multiplicadores no combate contra a aids e a gravidez não planejada,por
fazerem nossa tarefa. Em nenhum momento, nenhum pai ou mãe questionou nossa
atitude. As únicas reações contrárias a esta forma de distribuição vieram dos
profissionais. O mais interessante é que,com este fornecimento de livre demanda,as
questões sobre métodos contraceptivos aumentaram em todas as consultas. Se um
adolescente faz da camisinha um balão de festa,de duas uma:1) Este ato é um ótimo
indicador de uma dificuldade na sua relação com ele mesmo e com o mundo,aí nós
podemos ajudá-lo, ou 2) será pura gozação (merecida) sobre nossa maneira
compulsiva de querer controlar a sexualidade dos outros.
Referências bibliográficas:
TRUSSELL J, KOENIG J, ELLERTSON C, STEWART F. (1997a) Preventing unintended pregnancy: the cost-effectiveness of three
methods of emergency contraception. Am J Public Health, Jun; 87(6):932-7
TRUSSELL J, KOENIG J, STEWART F, DARROCH JE (1997b) Medical care cost savings from adolescent contra-ceptive use.
Fam Plann Perspect, 1997 Nov-Dec;29(6):248-55, 295.
TRUSSELL J, WIEBE E, SHOCHET T, GUILBER E. (2001) Cost savings from emergency contraception pill en Canada. Obstet
Gynecol, May;97(5Pt1):789-93.
26 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
No Adolescentro,
disponibilizamos
a camisinha na
sala de espera ...
nenhum pai ou
mãe questionou
nossa atitude.
As únicas reações
contrárias vieram
dos profissionais
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 27
PEDIATRIA OU AMBULATÓRIO DE ADULTOS
O espaço ideal parao adolescente soropositivo
Sidnei PimentelINFECTOPEDIATRA DO AMBULATÓRIO DE PEDIATRIA E HOSPITAL-DIA DO
CENTRO DE REFERÊNCIA E TREINAMENTO EM DST/AIDS DE SÃO PAULO
alvez um dos tópicos mais discutidos quando se aborda a ques-
tão do atendimento ao adolescente soropositivo é o espaço
ideal para isso. Nesse momento, duas correntes principais se
distanciam: uma defende o seguimento em ambulatório de
pediatria, principalmente motivada pela questão do vínculo
como fator imprescindível para a aderência; a outra é a favor
do seguimento no ambulatório de adultos,uma vez que os adolescentes não se sen-
tiriam bem ao ser atendidos num ambiente voltado para a pediatria,com brinquedos
espalhados e gravuras de bonequinhos nas paredes. Lembremos ainda que falamos de
uma população heterogênea: de um lado, as crianças infectadas por transmissão
vertical,acompanhadas desde a infância e que adolesceram;de outro,aqueles adoles-
centes que adquiriram a doença já nesta fase da vida através de relações sexuais,uso
de drogas ou por via sangüínea.
Em verdade,o espaço ideal para o seu atendimento seria aquele especificamente
criado para a clientela de adolescentes. Ou seja: uma equipe multidisciplinar e
interdisciplinar treinada para as especificidades dos adolescentes, num espaço com
características especiais e atividades voltadas para aquela faixa etária.
Por "equipe multidisciplinar e interdisciplinar treinada" se entende aquela formada
por profissionais de diversas áreas capazes de se inter-relacionar e abordar as questões
específicas surgidas na adolescência, como as dificuldades de adesão, o sigilo do
diagnóstico, o afloramento da sexualidade, a lipodistrofia, o medo do preconceito e
da discriminação etc.
O espaço físico ideal seria aquele que não lembrasse um ambiente infantil (uma
vez que é comum no adolescente o conflito entre manter e abandonar os hábitos e
gostos "de criança") e que possuísse outros ambientes além do consultório em si,
especialmente um espaço para reuniões de grupos de discussões,onde pudessem ser
abordadas questões relativas ao processo da adolescência em si, à promoção de
saúde, bem como outras questões relacionadas à soropositividade, permitindo um
intercâmbio de informações saudável. Uma área de convívio social, com atividades
culturais e educativas que utilizem uma linguagem mais próxima daquela usada pelos
jovens no dia-a-dia,também seria bem vista (e aproveitaria a tendência grupal comum
nos adolescentes, de forma construtiva). Nestes espaços seria fundamental poder
trabalhar a questão do apoderamento do adolescente em relação à sua condição,
desenvolvendo a aptidão para o envolvimento com as questões sociais,aproveitando
T
também da natureza reivindicatória que comumente aflora nesse período do
desenvolvimento. A formação de adolescentes soropositivos multiplicadores de
informações e participantes ativos de ONGs seria uma conquista importantíssima.
Na prática, é verdade, temos uma realidade social e política que ainda nos limita
a capacidade de aplicar todos esses princípios,restando-nos a possibilidade de adap-
tarmos os nossos serviços para oferecer,da melhor forma possível,um atendimento
com qualidade.
Um dos assuntos mais críticos relacionados à questão do adolescente soropositivo
atualmente é a adesão ao tratamento. Diversos fatores influenciam essa adesão:a difi-
culdade em raciocinar longe do hoje e agora,numa perspectiva de futuro; a fantasia
de que "comigo isso não acontece";as atitudes de enfrentamento das condutas impos-
tas e o afastamento em relação aos pais,todas características comuns no processo de
mudanças que é a adolescência. Nesse momento, o vínculo entre o profissional do
serviço de saúde (médico/a,enfermeiro/a,psicólogo/a,etc),o cuidador e o paciente
é de fundamental importância para a superação dos obstáculos "naturais" que surgem.
Em termos práticos, então, e levando em consideração a adesão como um fator
indispensável para o sucesso do processo terapêutico, poderíamos dividir os
adolescentes com relação ao momento de chegada ao serviço de saúde para definir
o ambulatório ideal para seu seguimento.
Os adolescentes seguidos desde a infância deveriam continuar seu acompanha-
mento no ambulatório de pediatria,uma vez que a mudança neste momento implica-
ria conflitos relacionados à readaptação do adolescente/cuidador,confiança na nova
equipe, insegurança frente ao futuro etc, todas questões que poderiam exercer
influência nociva na adesão, muitas vezes comprometendo um trabalho que vinha
sendo feito com aquele paciente/cuidador. Em algum momento do futuro, esses
pacientes terão, obviamente, que deixar o serviço de pediatria, porém acredito que
este processo deva ocorrer de forma lenta e gradual, estabelecendo, ao menos de
início,um acompanhamento em paralelo como forma de adaptação.
Aqueles adolescentes com infecção recente e que iniciam o acompanhamento
nesta fase provavelmente se beneficiariam ao serem seguidos no ambulatórios de
adultos. Certamente esses jovens,baseados na crença errônea de que já venceram os
"ritos de passagem" para a vida de adulto (o início da atividade sexual, por vezes a
paternidade/maternidade e o uso de drogas) teriam grandes dificuldades de adesão
a um serviço de pediatria.
Isso não exclui,obviamente,que esses ambulatórios sejam serviços de pediatria ou
de adultos, tenham que se preparar para oferecer serviços voltados especificamente
para estes "novos" clientes. Ou seja, como já citado anteriormente, uma equipe
multidisciplinar e interdisciplinar treinada para suas especificidades e capaz de
desenvolver atividades voltadas para aquela faixa etária.
Apenas entendendo o adolescente como um indivíduo que vive um processo de
evolução normalmente conturbado e oferecendo a ele suporte para crescer e se
desenvolver adequadamente, teremos um paciente capaz de entender, aceitar e
participar do seu tratamento de forma satisfatória,ou próxima ao ideal.
Um dos assuntos
mais críticos
relacionados à
questão do
adolescente
soropositivo
atualmente é a
adesão ao
tratamento
28 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 29
SERVIÇO DE SAÚDE E SOCIEDADE CIVIL
A Importância das Parcerias
Alaíde Elias da SilvaPRESIDENTE DO GRUPO VIVA RACHID
Edvaldo SouzaCOORDENADOR DO SERVIÇO DE IMUNOLOGIA E
REUMATOLOGIA CLINICA DO INSTITUTO MATERNO INFANTIL DE PERNAMBUCO (IMIP)
primeiro caso de aids em criança (transmissão vertical)
no estado de Pernambuco foi diagnosticado no
Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP) em
1987.A partir deste caso, o IMIP se tornou Centro de
Referência Estadual para aids em crianças em 1988 e Centro de Referência Nacional
em 1992. Inicialmente,a maior proporção de casos era de crianças e adolescentes que
adquiriram o HIV por transfusões. Posteriormente, os casos de aids por transmissão
vertical foram aumentando progressivamente de acordo com acometimento de mu-
lheres em idade fértil.A epidemia da aids, desde seu início, sempre requisitou uma
abordagem mais abrangente do paciente e seus familiares,não se limitando somente
à abordagem médica tecno-científica. Os primeiros profissionais de saúde do início da
epidemia,geralmente de formação médica exclusiva,tiveram que desdobrar sua aten-
ção para áreas da psicologia,enfermagem e serviço social. A aids pediátrica por trans-
missão transfusional não se revestiu de particularidades diferentes da aids do adulto
pela mesma categoria de transmissão. Contudo,a aids pediátrica por transmissão ver-
tical se revestiu de particularidades próprias,como orfandade,revelação de diagnós-
tico em escolas e creches,dependência de cuidador para adesão ao acompanhamento
e tratamento. Posteriormente, foi formada a equipe multiprofissional melhorando a
assistência dos indivíduos portadores de infecção pelo HIV/aids e seus familiares,
porém persistiam dificuldades sociais que limitavam a assistência e uso de anti-retro-
virias:dificuldade financeira para transporte nas visitas agendadas,renda familiar bai-
xa impedindo a oferta de alimentação adequada e cuidados de higiene individual e
ambiental, tudo isso associado a condições precárias de moradia.Todos esses fatores
dificultavam muito a assistência das crianças portadoras de infecção pelo HIV e trazia
muita frustração aos profissionais de saúde, por se sentirem incapazes de atuar fora
de sua área de trabalho.
O Grupo Viva Rachid foi fundado em 1994 pela Sra.Alaíde Elias da Silva, mãe de
um menor que faleceu de aids transfusional em 1993.A Sra.Alaíde sempre lutou pela
melhor qualidade de assistência integral para seu filho Rachid e, com sua morte,
O
resolveu continuar e ampliar sua luta para ajudar as crianças carentes com infecção
pelo HIV/aids atendidas no IMIP. O Grupo Viva Rachid possui equipe de trabalho
multiprofissional atendendo na sede do GVR e também no IMIP,incluindo psicóloga,
terapeutas ocupacionais, assistente social, voluntários, entre outros. Dentre as
atividades realizadas pelo GVR, podemos citar visitas domiciliares, distribuição de
cestas básicas (135/mês),distribuição de vitaminas e suplementos alimentares,eventos
sociais (festa do dia das crianças e de natal), intermediação com conselhos tutelares,
benefícios do INSS, serviços jurídicos, prefeituras e secretarias municipais, reformas
de domicílios,distribuição de filtros,colchões,travesseiros,roupas,geladeiras,fogões,
camas, televisores e armários.
Desde o início das atividades do Grupo Viva Rachid com os pacientes cadastrados
no IMIP,ficou evidente a semelhança e o objetivo principal de Dr. Edvaldo e D.Alaíde,
que era e continua sendo a luta pela melhor qualidade na assistência às crianças e
adolescentes com infecção pelo HIV/aids. De um lado, Dr. Edvaldo lutando por
melhores condições físicas e de conforto no setor assistencial, controlando a oferta
regular de medicamentos, atualizando e capacitando outros profissionais, etc. De
outro lado,D.Alaíde elaborando projetos para dar sustentatibilidade às ações sociais
e filantrópicas realizadas pelo Grupo Viva Rachid e colaborando com a qualidade de
assistência em saúde oferecida pelo IMIP. Essa característica de articulação entre
serviço de saúde e ONG foi sempre ímpar,pelo menos no estado de Pernambuco,e
caracterizada por trabalho mútuo, integrado,articulado e complementar.
Atualmente,essa parceria está trabalhando em projeto de criação de dois grupos
para estimular e melhorar a adesão ao tratamento, revelação de diagnóstico e saber
viver positivamente com o HIV,que são os Grupos de Cuidadores e de Adolescentes.
Pode-se dizer que a qualidade de vida e sobrevida das crianças infectadas pelo HIV
no estado de Pernambuco apresenta dois marcos bem evidentes:a criação do Grupo
Viva Rachid e a terapia anti-retroviral combinada.
30 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Desde o início
das atividades
do Grupo Viva
Rachid com os
pacientes
cadastrados no
IMIP, ficou evidente
a semelhança
e o objetivo
principal de
Dr. Edvaldo e
D. Alaíde, que
era e continua
sendo a luta pela
melhor qualidade
na assistência às
crianças
e adolescentes
com infecção
pelo HIV/aids
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 31
Juliana Martins de MattosMaria Helena Leite de Castro Mendonça
PSICÓLOGAS E COORDENADORAS DO PROJETO CONVHIVENDO
epidemia de aids tem afetado cada vez mais os jovens.
Além disso, com o advento da terapia anti-retroviral
combinada e o acesso universal gratuito aos anti-retro-
virais, o número de internações hospitalares por in-
fecções oportunistas vem diminuindo significativamente e a sobrevida dos pacientes
pediátricos vem aumentando consideravelmente. Com isso,muitas crianças estão se
tornando adolescentes. Diante disso,torna-se um grande desafio para os profissionais
de saúde e educação o atendimento a um número cada vez maior de adolescentes,
tanto no nível da prevenção quanto da assistência.
O trabalho com adolescentes,desenvolvido pelo Projeto ConvHIVendo – Projeto
de Atendimento Psicológico a Crianças e Adolescentes Portadores de HIV/aids, seus
Familiares e Profissionais de Saúde, no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle do
Rio de Janeiro,desde 1995,favorece o encontro,a troca de experiências,a criação de
laços de amizade,o resgate de sonhos e projetos de vida,vínculo afetivo e sentimento
de pertencimento entre os jovens pacientes vivendo com HIV/aids.
Jovens que chegam ao Projeto infectados por transmissão vertical,por transfusão
de sangue ou por transmissão sexual. Jovens com angústias,medos de revelar a seus
pares que são portadores e mais ainda do preconceito e da discriminação expe-
rienciados por quem vive com aids. Os desafios de conciliar tratamento, estudo e a
inserção no mercado de trabalho com a angústia de conviver com medicações difíceis
e de efeitos colaterais muitas vezes severos podem dificultar a reconfiguração de
seus sonhos e projetos de vida.
Esta é a história de T, um jovem que foi infectado por transmissão vertical e
descobriu-se portador aos 13 anos,sozinho. Quando começou a freqüentar o Projeto
ConvHIVendo, era uma pessoa amarga, solitária, em nada acreditava e achava que
nada dava certo para ele. Pessimista, ficou conhecido no grupo por seu estado de
espírito sempre "do contra". Se houvesse sol, preferia que chovesse, e se chovesse,
melhor seria se houvesse sol. Descrente dos homens e de Deus! Sua mãe fora
prostituta e usuária de drogas e bem pequeno o entregou para que o pai e a avó
paterna o criassem.T se ressentia dessa atitude materna e não entendia o que lhe
acontecera. Cuidava da avó paterna e dele mesmo,– pois o pai tinha problemas com
álcool – sentia-se desamparado,desamado e responsabilizava os pais por sua infecção.
Tributo a um jovem guerreiro
O Projeto
ConvHIVendo
favorece o encontro,
a troca de
experiências,
a criação de laços
de amizade, o
resgate de sonhos e
projetos de vida,
vínculo afetivo e
sentimento de
pertencimento entre
os jovens pacientes
vivendo com
HIV/aids
A
Foi assim que T chegou ao Convhivendo! Convidamos para participar das
atividades desenvolvidas pelo Projeto. "Ah! Isso era muito chato!",reclamava T,porque
o grupo ainda começava a se formar. Para motivá-lo a participar dos atendimentos em
grupo, as coordenadoras do ConvHIVendo introduziram uma nova metodologia de
atendimento, incluindo atividades externas.
A partir desse estilo de atendimento,T, devagarinho e desconfiado, chegou ao
grupo,que de forma carinhosa e brincalhona apontava para seu mau humor.
O trabalho de grupo com os adolescentes intercalava então atividades internas no
Hospital e eventos externos – Cristo Redentor,cinema,seguido de almoços,passeios
em parques de diversão, etc.T foi saboreando esses encontros, desfrutando de cada
momento, resgatando o sentimento de pertencimento, de calor humano e
amorosidade que vivenciava junto com o grupo de adolescentes, os familiares
atendidos pelo Projeto e a equipe interdisciplinar, sabores por ele outrora
desconhecidos. Foi se reconhecendo e se validando como ser humano. E na vida,
como na música de Almir Sater e Renato Teixeira,T conheceu outras formas de viver...
"Conhecer as manhas e as manhãs,o sabor das massas e das maçãs. É preciso amor pra
poder pulsar,é preciso paz pra poder sorrir. É preciso a chuva para florir".
No grupo foi se afinando com seus pares e solidificando amizades. Mas a saúde de
T era muito frágil. A descoberta tardia do HIV, o início do tratamento quando seu
organismo já não era capaz de responder tão bem aos medicamentos e o contexto
familiar adversos foram fatores decisivos para uma perspectiva pouco otimista.
Os grupos de familiares e de adolescentes atendidos pelo Projeto,a equipe médica,
os enfermeiros, as coordenadoras do Projeto, todos sofriam a cada recaída que T
apresentava. O Projeto ConvHIVendo e o grupo de familiares cuidavam e o
acompanhavam quando ele se internava. Havia um mutirão de solidariedade e de
afetividade entre os familiares,que passaram a cuidar de T.
Num determinado momento,T estava mais pessimista do que nunca e tinha todas
as razões para isso. Havia um desconforto físico por conta de uma enorme úlcera na
sua língua.T não respondia bem às atuais medicações para o seu tratamento. Nesse
momento,a médica que o atendia iria viajar (era um feriado longo) e telefonou para
uma das coordenadoras falando de sua preocupação com T, que estava muito
deprimido.Temia que seu estado emocional comprometesse ainda mais sua saúde.
Nesse dia de feriado o Hospital não funcionaria. A profissional marcou com ele assim
mesmo e realizou o atendimento no Parque Lage. Momento difícil para ambos,
paciente e profissional! O sol refletia na imagem do Cristo Redentor e a profissional
pedia inspiração a Deus para esse atendimento decisivo.Teria que falar para T que
chegava o limite médico e farmacológico! Que havia um limite para o tratamento dos
homens,só não havia limite para Deus. A profissional sabia que T em nada acreditava.
E assim,nessa conversa tão delicada foi possível falar de espiritualidade,do religar-se
à vida,e assim foi se desenhando uma nova perspectiva para T. Começava uma grande
virada em sua vida,com a inclusão da espiritualidade no seu cotidiano!
Seu tratamento era circundado de amorosidade por todos que o cuidavam,gotas
de afetividade perpassavam a vida desse adolescente. O grupo criou uma rede de
suporte emocional, começou a visitá-lo e a sair com ele. A amizade se solidificou
entre T e M, que passou a ser o irmão que ele tinha, mas não sabia onde estava. Sua
saúde melhorava cada vez mais,apesar de seu CD4 ser apenas 2. Ele não se internou
mais e passou para uma escola técnica federal! É um momento de celebração. T
passou a se considerar o bem-amado do hospital! Por ocasião da premiação pela
32 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Os grupos de
familiares e de
adolescentes
atendidos pelo Projeto,
a equipe médica, os
enfermeiros, as
coordenadoras do
Projeto, todos
sofriam a cada
recaída que T
apresentava.
Havia um mutirão
de solidariedade
e de afetividade entre
os familiares, que
passaram a
cuidar de T
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 33
adesão ao tratamento,evento instituído pelo Projeto ConvHIVendo para estimular os
pacientes a melhor se engajarem no tratamento,T ganhou o 1º lugar! Houve sorteios
de prêmios e T ganhou novamente! Para sua grande surpresa, uma vez que não
acreditava na sorte em sua vida.T passou a sorrir,estava quase alegre,ainda resmungão,
claro,para não perder seu estilo!
Ao completar 19 anos, começou o seu processo de despedida da vida. Sofreu
surtos psicóticos,deixando todos em total desalento. O grupo de adolescentes sofria,
se entristecia com uma nova internação de T.
Porém,quando todos estavam desesperançados,T se recuperou novamente,e mesmo
com menos de 1 de CD4 ele voltou a freqüentar o grupo. Naquele momento,passou a
ser cuidado por seu pai! Aquele pai que esteve ausente por tanto tempo retomava o
tratamento do filho e passava a cuidar dele! Por mais um tempo, pai e filho, juntos,
percorriam o caminho da vida! T passou por mais uma etapa. Como diz Ivan Lins:
"Desesperar, jamais
Aprendemos muitos nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo"
Após algum tempo,T voltou a se internar e dessa vez foi levado à UTI.A médica
que o atendia disse às coordenadoras, que estavam de férias, que continuassem os
atendimentos a T, pois seria o momento da despedida, ele não passaria de 24 horas.
As psicólogas coordenadoras começaram a atender T na UTI e perguntaram a ele o
que gostaria de resgatar,alguma coisa que ele deixou de dizer para alguém.T disse que
gostaria de estar com seu grande amigo M e também que o aparelho de vídeo do
Projeto fosse levado para a UTI para que ele pudesse assistir os filmes "Homem
Aranha" e "O Senhor dos Anéis". Esse era o momento de talvez poder atender seus
últimos desejos e a psicóloga então disse que quando ele retornasse à enfermaria,
providenciaria o vídeo. Disse isso por acreditar que enquanto houvesse vida haveria
esperança.
Para a surpresa de todos,T saiu da UTI, venceu uma infecção generalizada e
retornou à enfermaria. O vídeo foi providenciado e ele pôde assistir todos os filmes
que desejou. Os amigos levaram algumas fitas e as psicólogas alugaram os filmes que
ele pediu,e ele pôde então assisti-los todos!
Na semana anterior ao Carnaval,havia uma previsão de alta para T e ele começou
a fazer planos,mas uma pneumonia o venceu.T partiu,assim como um dia todos nós
partiremos,porém antes descobriu o amor pela vida,conquistou amigos, resgatou o
relacionamento paterno, realizou sonhos, viveu muito mais do que qualquer
prognóstico médico. Viveu melhor! Numa frase dita por ele: "O ConvHIVendo
transformou minha vida. Antes era de casa para o hospital. Agora eu tenho uma
família". O que T. não sabia era que ele transformou o ConvHIVendo,humanizou um
sistema de saúde e trouxe a certeza de ter valido à pena para duas psicólogas
coordenadoras ter criado o Projeto ConvHIVendo,com amor e com afeto!
Após algum tempo,
T voltou a se internar
e dessa vez foi levado
à UTI. A médica
que o atendia disse
às coordenadoras,
que estavam de férias,
que continuassem
os atendimentos a T,
pois seria o momento
da despedida
Elizabete Franco CruzPSICÓLOGA, DOUTORANDA GEISH/FE/UNICAMP, ASSESSORA DE PROJETOS E
ATIVISTA DO GIV GRUPO DE INCENTIVO À VIDA, COORDENADORA DO GT DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES DO FORUM DE ONG AIDS DE SÃO PAULO E
PROFA. UNIVERSIDADE SÃO MARCOS
o ano de 2001, o Fórum de ONG aids de São Paulo
criou um Grupo de Trabalho voltado para a
discussão da problemática de criança e adolescente
vivendo e convivendo com HIV/aids. Esse grupo é
formado por ONG aids vinculadas ao Fórum que
desenvolvem ações de prevenção às DST HIV/aids e
de apoio a crianças e adolescentes vivendo e
convivendo com HIV/aids.
Uma das iniciativas do grupo foi a realização do
Projeto Encontro,que articulou diferentes atores da sociedade civil (incluindo crianças
e adolescentes).
O Projeto Encontro teve como objetivo o empoderamento e melhoria da qualidade
de vida de crianças e adolescentes vivendo e convivendo com HIV/aids no estado de
São Paulo. Suas metas foram contribuir para o fortalecimento de crianças e
adolescentes que vivem e convivem com HIV/aids no estado de São Paulo para o
enfrentamento da vida e da epidemia; incrementar a qualidade de atenção oferecida
por profissionais da saúde, educação, voluntários e familiares de crianças e
adolescentes vivendo e convivendo com HIV/aids;combater o preconceito,estimular
a inclusão social de crianças e adolescentes vivendo e convivendo com HIV/aids.
Para atingir suas metas,o projeto propôs,no primeiro ano do seu desenvolvimento,
um conjunto de atividades: Festa Junina com ênfase na diversidade,Workshop para
profissionais e voluntários,Workshop para familiares e cuidadores e Encontro de
Crianças e Adolescentes Vivendo e Convivendo com HIV/aids.
O projeto reuniu cerca de 700 pessoas na festa junina, 100 profissionais e
voluntários no workshop,350 crianças (40 % soropositivas) e 150 familiares no dia do
Encontro. Contamos com a contribuição de 70 voluntários, que ajudaram no
desenvolvimento das atividades.
Esta iniciativa impactou positivamente a vida de crianças e adolescentes vivendo
com HIV/aids de diferentes maneiras,mas principalmente através:
34 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO FÓRUM DE ONG/AIDS - SP
Articulação, formaçãoe construção de caminhos
N
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 35
� Dos familiares, que tiveram espaço
para repensar suas relações com crian-
ças e adolescentes, principalmente per-
cebendo a importância do diálogo e do
respeito.
Exemplo:uma mãe chorou no intervalo
do almoço porque percebeu que não
vinha tratando sua criança com respei-
to e franqueza, estava emocionada por
descobrir que podia estabelecer a rela-
ção com sua filha baseada em novos pa-
râmetros.Além disso, percebeu que sua
dificuldade era compartilhada por mui-
tas pessoas.
� Dos profissionais e voluntários, que
tiveram oportunidade de rever sua práti-
ca e ficaram sensibilizados para a humani-
zação do atendimento e maior respeito
com as perspectivas e direitos das crian-
ças e adolescentes. O depoimento de um
profissional na ficha de avaliação do
workshop dizia o seguinte:"trabalho com
aids há seis anos e nunca fiquei tão sensi-
bilizado para a questão da criança e do
adolescente como fiquei neste encontro".
� Do exemplo de solidariedade ofereci-
do pelos voluntários.
� Da convivência entre crianças e adoles-
centes soropositivos e soronegativos e da
oportunidade de discussões sobre convi-
vência,prevenção,solidariedade e amizade.
� Da vivência (e não do discurso) da di-
versidade num espaço onde reunimos pa-
cífica e respeitosamente adultos, crian-
ças, adolescentes, velhos, soropositivos,
soronegativos, familiares, voluntários, ne-
gros, brancos, asiáticos, homens, mulhe-
res,homossexuais,heterossexuais de dife-
rentes pertencimentos econômicos.
� Da construção de um espaço onde
pessoas vivendo com aids foram tra-
tadas como sujeitos com direitos e
dignidade.
Além disso, todos nós – crianças,
adolescentes e adultos – vivemos com
emoção a confecção de um laço gigante
preenchido com a produção artística das
crianças e adolescentes.
Quem esteve presente e observou o
cuidado e carinho que as crianças de-
monstravam quando seguravam seus
"paninhos" para colocar no laço,sabe que
o projeto cumpriu seu papel despertando
a solidariedade e respeito com o outro.
Em 2002, nosso ritmo foi um pouco
menor,em decorrência de problemas en-
frentados pelas principais lideranças do
grupo;mesmo assim,conseguimos repetir
a festa junina e manter as reuniões
mensais.
No ano de 2003,novamente voltamos
com força total. Uma das avaliações que
fizemos após o Projeto Encontro foi a ne-
cessidade de ampliar a formação técnica
do movimento social, com vistas à me-
lhoria da qualidade do atendimento.
Neste sentido, estabelecemos uma par-
ceria com o GEISH-Grupo Interdisciplinar
de Sexualidade Humana da Faculdade de
Educação da UNICAMP e,sem nenhum fi-
nanciamento, viabilizamos um curso
mensal para representantes de 15 ins-
tituições ligadas ao Fórum. Nestes encon-
tros, temos realizado leituras e debates
sobre temas como concepções de infân-
cia,adolescência,sexualidade,relações de
gênero, participação e ações educativas
junto à população atendida.
O curso contribuiu para a adesão de
mais pessoas ao GT,para o fortalecimento
do grupo e permitiu que pudéssemos
delinear as iniciativas para 2004, quando
manteremos o curso, desenvolveremos
novamente o Encontro para crianças e
adolescentes, os workshops para profis-
sionais e voluntários,a festa junina,um se-
minário sobre instituições de apoio para
crianças e adolescentes e uma publicação.
A experiência do GT tem sido enrique-
cedora em diferentes aspectos.Um deles é
comprovar o envolvimento,compromisso
e seriedade de pessoas e entidades da
sociedade civil.Outro ponto fundamental
é observar que, paulatinamente, vamos
conseguindo contribuir para uma
mudança de mentalidades,tentando fazer
com que as ações caminhem de uma
perspectiva predominantemente assisten-
cialista para uma perspectiva de direitos,
que inclui a formação técnico política dos
trabalhadores e voluntários deste campo.
Fundamental ainda tem sido o percurso
para subsidiar a revisão das concepções
de infância e adolescência e o incentivo à
participação da população infanto-juvenil
nas ações e decisões.
No entanto,nossa maior vitória é que
conseguimos manter uma articulação de
ONG e dar destaque ao tema da infância
e adolescência na pauta política do mo-
vimento de luta contra a AIDS,no Estado
de São Paulo. Ainda é pouco, porque
temos consciência dos muitos desafios
que temos pela frente,incluindo tocar no
que aparentemente é intocável: a pers-
pectiva adultocêntrica que ainda vigora
nos serviços de saúde, ONGs, escolas,
comunidades – e ampliar o raio de ação e
articulação com os outros fóruns do país.
O caminho está sendo trilhado, e, como
caminhantes,estamos acreditando que o
caminho se faz ao caminhar...
Gladys Almeida1 e Isadora Oliveira2
1PSICÓLOGA E COORDENADORA DA ÁREA DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DO GAPA/BA2PSICÓLOGA DA BRINQUEDOTECA DO GAPA/BA
lúdico, no contexto da aids, vem se revelando como um
componente auxiliar no processo terapêutico, uma outra
forma de cuidado que vai além da medicalização da doença,
que lida com o homem como um todo e com o que ele
tem de mais fundamental:a sua subjetividade.Através desse
viés, se constrói o caminho para a cidadania.
É fato que brincamos desde que nascemos. Brincamos com as nossas mãos,com o
seio materno,com o primeiro objeto que se aproxime do nosso campo visual. E,por
que será que insistimos em continuar brincando? Se pararmos para refletir,cada um de
nós poderá enumerar várias respostas.Afinal,a atividade lúdica permite que possamos
nos desconectar por alguns minutos ou segundos das tensões e aflições cotidianas.Ela
descontrai,nos aproxima das nossas emoções,nos proporciona a descoberta,estimula
a criatividade e permite fluir o sorriso,dentre tantas outras respostas.
A atividade lúdica propicia a formação de conexões associativas no cérebro,
facilita o processo de elaboração acerca dos acontecimentos da nossa vida cotidiana
e daqueles que podem vir para nós como algo traumático ou uma experiência
impactante: a primeira ida à escola, a injeção no hospital, o barulho do motor no
dentista ou,ainda,a perda dos pais,a falta de moradia,a violência em casa e na rua ou
o lidar com um diagnóstico de sorologia positiva para o HIV.Além disso, favorece a
socialização,a superação de desafios e o lidar com os limites impostos pela realidade.
Diante disso, desde 2000, o projeto Brinquedoteca – uma nova perspectiva de
atendimento para crianças pobres portadoras do HIV/aids do Gapa-Bahia garante
um espaço onde crianças e adolescentes vivendo com o HIV ou de certa forma
afetados pelo vírus são acolhidos através de atividades lúdicas, culturais e artísticas,
oficinas de criação,apoio psicológico,social e nutricional. É um lugar que,desde a sua
entrada, propõe uma nova perspectiva no trato da aids, seja pelo encantamento
proporcionado pelas cores das paredes,pelos desenhos do painel logo à entrada ou
pelo clima de acolhimento e calor humano presente no lugar.
A Brinquedoteca do Gapa-Bahia surgiu voltada para o atendimento infantil.
Entretanto, com o passar do tempo, quem era criança cresceu e aí nos vimos
desafiados a criar um espaço onde os adolescentes vivendo com HIV/aids ou afetados
pelo vírus pudessem ter garantido o direito ao desenvolvimento,às oportunidades e
à convivência com outros da sua idade. Um local onde eles sejam escutados em suas
demandas, onde possam compartilhar seus momentos e ter uma posição ativa na
36 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
A experiência dabrinquedoteca do Gapa-Ba
O
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 37
vivência de sua realidade e na busca de soluções para os desafios com que se deparam.
O fato do espaço da brinquedoteca ser bastante flexível tem ajudado bastante,
permitindo que trabalhemos com adultos, crianças e adolescentes, desenvolvendo
atividades diversas de acordo com as demandas e os desejos. Ela se propõe a assegurar
às crianças e aos adolescente um dos seus direitos fundamentais – o direito ao brincar,
ao desenvolvimento e às oportunidades. Esses direitos, garantidos pelo ECA, são
elementos-base para a uma formação humana saudável, para o desenvolvimento do
pensar, da fala, da criatividade, do incremento da consciência crítica em relação ao
mundo e da vivência das regras e os limites sociais.
Além disso, a sala (que parece encantada) tem se estabelecido como uma
referência não só para os cuidadores,no sentido de que é um lugar seguro em que os
garotos e garotas têm o apoio de profissionais de psicologia,serviço social,advocacia,
das letras e das artes,mas para os próprios jovens,que têm respeitados os seus anseios
e,convidados a conhecer o novo e a olhar o mundo com novos olhos,são acolhidos
em atividades para o desenvolvimento e o despertar de suas habilidades. É um espaço
que tem fortalecido o estreitamento de vínculos de amizade, a emergência de
características pessoais de liderança e de expressões de autonomia e solidariedade
entre os adolescentes.
São realizadas oficinas de criação com sucata,material colhido na natureza,máscaras
artísticas, barroterapia, criação literária, contação de histórias, além do atendimento
psicológico,social e jurídico e encaminhamento para outros serviços de apoio.
Como respostas, temos assistido à ampliação do vínculo e do compartilhamento
de idéias junto à equipe médica do ambulatório de aids pediátrica do Hospital das
Clínicas,onde boa parte das crianças e adolescentes é atendida;ao fortalecimento dos
laços entre técnicos e o público atendido; à sensibilização da comunidade para a
garantia dos direitos das crianças e adolescentes; e, principalmente, à garantia do
respeito a direitos fundamentais do homem, como o direito ao desenvolvimento, à
dignidade e à igualdade.
Ademais,a Brinquedoteca desperta a capacidade para mobilizar voluntários através
da sensibilização pela causa, estimula a espontaneidade das crianças e jovens,
sensibiliza os cuidadores em relação à importância do lúdico e de freqüentar um
espaço onde eles possam discutir suas inquietações em relação ao cuidado com a sua
criança e adolescente. Além de ser um local em que fervilham questionamentos e
buscam-se soluções.
A Brinquedoteca do Gapa-BA se constitui como um novo paradigma para a oferta
de um suporte mais humano voltado para as crianças e adolescentes afetados pela
aids,posto que visa assegurar o brincar como um direito fundamental. Nesse espaço,
a criança tem acesso ao mundo mágico dos jogos,dos livros,das bonecas,da música,
onde poderá ter despertado o seu potencial criativo, suas idéias, sentimentos e
autonomia para fazer as suas próprias escolhas.
Acreditar e investir no brincar é um passo elementar para que se possa ter uma
atenção mais abrangente e humana no trato das crianças e adolescentes infectados e
afetados pelo HIV/aids. Jovens que,muitas vezes,têm sido cerceados deste direito em
razão de variadas situações de hospitalizações,adoecimento,orfandade,entre outras
tantas coisas.
No projeto
Brinquedoteca o
Gapa-Bahia garante
um espaço onde
crianças
e adolescentes
vivendo com o HIV
ou de certa forma
afetados pelo vírus
são acolhidos
através de atividades
lúdicas, culturais
e artísticas, oficinas
de criação, apoio
psicológico, social e
nutricional
Adolescer na Casa de ApoioPadre Júlio Lancelotte
RESPONSÁVEL PELA CASA VIDA 1 E 2
dolescer na casa de
apoio é, em primeiro lu-
gar,adolescer no mundo
concreto em que se vive,como acontece
com todos os outros adolescentes. A
síndrome da adolescência tem suas
características próprias e circunstancia-
das para todos os adolescentes, indepen-
dentemente de viverem ou não em Casas
de Apoio por serem HIV positivos.
Antes de serem HIV positivos, eles são
adolescentes,e isso tem que ficar muito cla-
ro para nós,que somos seus responsáveis e
educadores. A questão de serem jovens
soropositivos se compõe com a questão da
adolescência.Essa composição nos questio-
na trazendo desafios que supõem ação e re-
flexão constantes (como já seria o caso da
adolescência comum) e uma clareza de
propósitos e métodos, com o estabeleci-
mento de vínculos positivos e duradouros.
A experiência mostra que mais pro-
blemático do que ser HIV positivo é ter
que morar em uma Casa de Apoio. O HIV
ninguém vê e a Casa de Apoio sim, ligan-
do uma coisa à outra.Morar em uma Casa
de Apoio acaba explicitando socialmente
o HIV: "Moro em uma Casa de Apoio
porque sou HIV positivo".
A responsabilidade de gerenciar e am-
bientar uma Casa de Apoio para Ado-
lescentes HIV positivo é uma tarefa com-
plexa e desafiadora. Como proporcionar
o desenvolvimento de valores? Estabe-
lecer limites, responsabilidades e co-
responsabilidades? Como educar para a
autonomia e a cidadania?
A Casa de Apoio favorece a proteção,
a aderência ao tratamento e a qualidade
de vida em relação à alimentação,
higiene, cuidados de enfermagem e
detecção precoce de intercorrências
clínicas, mas por outro lado pode
favorecer a dependência e o afastamento
da realidade da vida,como saber o custo
para manter uma casa e outras questões
do cotidiano da vida. É preciso levar em
conta, porém, o mundo próprio do
adolescente que quer testar limites e
estabelecer sua própria liberdade.
A Casa de Apoio com adolescentes
tem problemática própria que sugere a
necessidade imperiosa da co-educação,
da participação nas atividades da vida diá-
ria, como limpeza, cuidados com as rou-
pas de uso pessoal (como lavar e passar),
com os estudos, as tarefas escolares e a
freqüência à escola,a profissionalização e
o primeiro emprego.
Os adolescentes não podem viver em
grupos numerosos, pois isso dificulta o
atendimento mais personalizado,além do
acompanhamento psicológico e outras
necessidades que vão surgindo de maneira
acelerada, como psiquiatria, neurologia,
fonoaudiologia, fisioterapia, e outras que
fazem parte da rotina ambulatorial, como
consultas e coletas para exames.A adoles-
cência traz necessidades específicas,como
ginecologia e urologia, as questões da
sexualidade, sociabilidades, contatos com
amigos e amigas e com a família.
Adolescer na Casa de Apoio exige do
adulto presença constante e diálogo per-
manente para que o adolescente possa
enfrentar a perda e o luto, as fantasias e
ansiedades,a busca de modelos em tem-
po de instabilidade, o acesso ao mundo
da informação globalizado, enfim, tudo
aquilo que pai e mãe de filhos e filhas
adolescentes têm que vivenciar.
Os pais e mães biológicos podem di-
zer que são marinheiros de primeira via-
gem; os responsáveis por uma Casa de
Apoio,não.
As Casas de Apoio são fiscalizadas
pelo Judiciário, Ministério Público,
Conselhos Municipais e Tutelares, pelos
financiadores,parceiros e doadores e têm
que se explicar em várias instâncias.
Como explicar ou justificar que um ou
uma adolescente abrigada em Casa de
Apoio está usando drogas ilícitas? Como ex-
plicar uma gravidez ou paternidade precoce
ou doenças sexualmente transmissíveis?
As Casas de Apoio com adolescentes
têm que administrar o aproveitamento
escolar,as questões afetivas e emocionais,
a aderência ao tratamento,o exercício da
sexualidade,a saúde mental,a cidadania,a
integração comunitária e familiar,executar
as sugestões das teorias jurídicas,dos psicó-
logos e terapeutas e,sobretudo,administrar
os sonhos e desejos dos adolescentes que
têm baixa resistência à frustração.
A cobrança é grande, forte e contun-
dente, mas poderíamos concluir que o
amor pode ser mais.
A
38 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Maria Lúcia AraújoPRESIDENTE DA SOCIEDADE VIVA CAZUZA
o nos envolvermos com este trabalho junto a
crianças soropositivas, tínhamos uma única
certeza:vontade de trabalhar.
Conviver diariamente com estas crianças há 10
anos é uma fonte inesgotável de vida, amor e
aprendizado. Conseguimos, juntos, formar uma
família de moldes diferentes,mas com quase todos
os elementos emocionais incluídos nessa palavra
ou conceito. Todas as crianças abrigadas são
originárias de famílias carentes e, muitas vezes,
provenientes de outros abrigos,antes de chegar até nós.
A desintegração do vínculo familiar é fator com o qual temos que trabalhar e
sempre que possível resgatar.A chegada de uma criança, na maioria das vezes com
saúde debilitada,é sempre uma aula de solidariedade.
Preocupação e cuidado fazem com que se sintam "em casa e parte da família".
O avanço na descoberta de novos medicamentos possibilitou maior e melhor
qualidade de vida. Conseqüentemente,começaram nossos problemas e preocupações
com as crianças crescendo e se tornando adolescentes. Chegou a hora de trabalhar
a prevenção entre eles, afinal estamos no lugar de seus pais. É isso que estamos
fazendo nos últimos anos,nem sempre com sucesso,mas sempre com boa intenção.
Se com os nossos próprios filhos já é difícil, com uma criança com aids em uma
instituição é duas vezes mais;mas é um desafio maior também.
Procuramos deixar que sonhem seus sonhos e vivam suas vidas e torcemos para
que as orientações que demos surtam o efeito desejado.
Apesar de tudo,somados ao desgaste emocional e gasto financeiro,achamos que
vale a pena. Enquanto isso,trabalhamos arduamente,vivendo basicamente dos direitos
autorais, legado de Cazuza, que nos deixou bem mais que discos, boas músicas e
poesia. Ficou a coragem de quem, encarando a aids, favoreceu milhões de
soropositivos na luta por respeito e contra o preconceito.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 39
Alegrias eproblemas
Trabalhar com adolescentes soropositivos
A A desintegração do
vínculo familiar é
fator com o qual
temos que trabalhar
e sempre que
possível resgatar
Teresinha C R PintoBIOMÉDICA, PEDAGOGA, PRESIDENTE DA APTA
E CONSULTORA DA PN DST/AIDS/MEC
enso na minha tarefa:escrever aos que,do lado de
lá, nos ajudam a transformar a vida das crianças
HIV+ em vidas cidadãs.
Como Profissional da Educação, chamo de
lado de lá o que me é desconhecido: não vivo,
portanto não conheço, o dia a dia dos atendi-
mentos de emergência,dos choros intermitentes,
da angústia de colocar uma agulha num bracinho
já quase sem veia, no olhar de um adulto que
espera que o seu olhar lhe dê a certeza que ninguém nesse mundo pode dar! Quando
me coloco a tarefa de escrever a vocês – mulheres e homens profissionais dos nossos
serviços de saúde – imagino que vocês tenham imagens e pré-conceitos criados a
partir da experiência que tiveram de passar na escola:experiências prazerosas,ruins,
desastrosas enfim,experiências diversas que constroem a visão de hoje do que somos
nós,os educadores e educadoras e as nossas escolas.
Assim,convido vocês a fechar os olhos e imaginar as cenas que descrevo agora:
Cena 1Atendo ao telefone. É Maria, diretora da Escola de Educação Infantil X da cidade
de São Paulo. Ela me diz que a mãe de sua aluna Yara,de 5 anos, acaba de lhe contar
que é soropositiva e que a menina também é. Pede ajuda para lidar com a questão
porque nunca passou por essa situação e não quer que mãe e filha se sintam
discriminadas.
Em uma reunião na escola, oriento, tiro dúvidas, friso a importância da
confidencialidade do diagnóstico. Noto no quadro da sala uma frase de Paulo Freire
dizendo que escola é lugar de gente feliz! Faço seis encontros de 8 horas com todos
os educadores e educadoras da escola sobre HIV,DST e drogas. Ninguém fica sabendo
que há uma aluna com HIV.
Oriento a diretora a falar com o (a) médico (a) que acompanha a criança a fim de
que possam estabelecer contato e parceria.
Uma semana depois,a mesma diretora me liga estarrecida:quando telefonou para
o serviço de saúde, foi atendida pela assistente do médico. Quando se identificou,
ouviu de imediato: "Olha, não pega, não tem perigo não adianta querer transferir a
criança,aqui a gente é muito ocupado para ficar agüentando essa falta de informação
de vocês de escola...".
40 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
O Outro lado da moeda
P
Dias depois,com a minha intermediação,serviço e escola passam a se entender e
a estabelecer uma admiração mútua. Yara precisou de um aparelho de oxigênio
portátil para poder freqüentar a aula.A decisão de que seria melhor estar na escola que
em casa veio da diretora, o aluguel do aparelho é pago pela APTA, e o transporte da
garota,pela escola.
Yara está feliz. Deixa o aparelho na escola ao ir embora (tem outro em casa forne-
cido pelo serviço).Ao sair,beija o tubo de oxigênio e nós choramos a cada lembrança
dessa cena...
Cena 2:Paulo é uma pessoa soropositiva. Começa a namorar Ana,que não tem o vírus.A
coordenadora da escola fica preocupada e liga para o serviço que atende Paulo,que-
rendo uma orientação. Ouve que precisa avisar aos pais de Ana, pois ela é menor.
Insegura,a coordenadora liga para mim.Aconselho ela a falar com Paulo. Ela faz isso
e ouve dele a certeza que usará preservativo na hora do sexo.
Ela torna a me ligar e pergunta se pode confiar nele. Tenho vontade de lhe
perguntar se ele pode confiar nela, mas, ao invés disso, marco um encontro onde
conversamos longamente sobre o papel de cada uma de nós nesse caso. Chegamos
à conclusão de que não podemos viver a vida de Ana e de Paulo por eles.
Como medir o grau de angústia e tensão que nossas profissões carregam? Durante
anos,e provavelmente ainda será assim ainda por muitos mais,aprendemos a pensar
em compartimentos:saúde,educação,finanças e assim por diante. De repente,chega
uma enfermidade que nos mostra nossa impotência e nossa força. Ao tempo que nos
exaure,nos desafia e nos estimula a fazer diferente,compartilhando e resignificando
nossas profissões. Aqui e ali, experiências animadoras e apaixonantes da parceria
entre serviço e escola,mas ainda é aqui e ali.
Proponho,neste breve artigo,que façamos um pacto de estabelecer de fato uma
parceria que possa servir de orientação de conduta em todo o país: ao saber que
uma aluna ou aluno é soropositivo,o educador deve entrar em contato com o serviço
que a (o) atende para que um trabalho em conjunto se estabeleça, sem cobranças e
pré-conceitos,mas cujo centro é o bem estar da criança. Só o educador que convive
diariamente com essa criança ou adolescente, pode dizer ao (à) médico(a) detalhes
do desenvolvimento emocional de seus alunos. Porém, somente sabendo de sua
condição sorológica, o profissional de educação poderá identificar os distúrbios de
aprendizagem causados pelo HIV para que o profissional de saúde intervenha a
tempo.
Os estudos mostram que as crianças que estudam têm 60% menos internações que
as que não estudam; isso certamente deve ter alguma importância. Isso deve servir
para o início de um pacto de confiança onde os dois lados da moeda compreendam
que não há moeda de um lado só.
Viva a vida,que é fruta rara!
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 41
Os estudos
mostram que as
crianças que
estudam têm 60%
menos internações
que as que não
estudam; isso
certamente deve ter
alguma
importância
u poderia iniciar este artigo citando uma série de ações
ou projetos para inclusão do adolescente soropositivo
na comunidade escolar. Contudo, não acredito que
ações e projetos isolados,pontuais,realmente alterem o
quadro de exclusão que os adolescentes,não apenas os
soropositivos, vivem no nosso país. Ao contrário, os
projetos devem existir em decorrência de um novo
olhar sobre a função da escola, sobre o processo
educativo e sobre o papel do currículo escolar. Além
disso, não poderia perder a oportunidade de propor
esta reflexão a um grupo de profissionais que já avançou
tanto na luta pelo direito e pela inclusão social.
Trabalhando muito proximamente com a equipe do Programa Nacional de Aids do
Ministério da Saúde, percebo que a questão da prevenção das DST/aids demanda
dois eixos de ação: uma frente imediata, com ações e projetos que intervenham
imediatamente nesta realidade e uma frente a médio e longo prazo, que intervenha
no paradigma de currículo que ainda impera em nossas escolas.
Uma breve análise da vida do adolescente em nossas escolasSe fizermos um passeio por algumas escolas brasileiras,especialmente as urbanas,
provavelmente encontraremos adolescentes e jovens sentados em grupo conversando
sobre os mais variados assuntos.Alguns fumando,outros mascando chicletes,outros
se abraçando e beijando,alguns ouvindo música (um rap,um reggae, talvez),muitos
jogos de sedução,e uma constante luta pela aceitação no grupo e pelo sentimento de
"eles me acham legal, então eu sou legal". Enfim,muitas coisas1 acontecendo que não
estão,necessariamente,relacionadas com aquilo que a escola planejou como conteúdo
programático,como atividade curricular.
42 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Propostas do MEC
A inclusão do adolescentesoropositivo na escola
Não acredito que
ações e projetos
isolados, pontuais,
realmente alterem
o quadro de exclusão
que os adolescentes,
não apenas os
soropositivos, vivem
no nosso país
Nájla VelosoDOUTORANDA EM SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO (UNB), MESTRE EM EDUCAÇÃO NA ÁREA DE CURRÍCULOS E PROGRAMAS E GRADUADA
EM PEDAGOGIA. COORDENADORA GERAL DE ENSINO FUNDAMENTAL DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL DO
MEC E REPRESENTANTE DESTE MINISTÉRIO NA COMISSÃO NACIONAL DE DST/AIDS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
E1. Esse movimento na adolescência é bastante explicitado no filme americano "Aos treze", de Catherine Hardwicke e NikkiReed, exibido no Brasil a partir do mês de outubro/2003.
Tudo isso nos parece muito natural.
Seria se não fosse o fato de termos no
Brasil um modelo de escola organizado
por séries e níveis de ensino, com
conteúdos programáticos definidos para
cada ano letivo (que, por sua vez, se
enquadra dentro do ano civil gregoriano)
com provas e testes bimestralmente
planejados e com uma série de atividades
para os adolescentes e jovens
desenvolverem ao mesmo tempo, num
mesmo período.
Tendo por referência a organização
seriada, a escola foi se engessando.
Burocratizou-se ao extremo. É certo que
não temos uma tradição de escola
brasileira ocupada com a aprendizagem,
mas com o ensino que temos. Numa
escola tão centrada neste aspecto (que
eu caracterizo como cognitivista), o
currículo é entendido como o conjunto
dos saberes, dos conteúdos, das
informações a serem transmitidas (por
alguns) ou construídas (por uma
minoria).
Essa perspectiva de escola gera uma
série de responsabilidades,para aqueles
adolescentes e jovens descritos no pará-
grafo anterior, que nem sempre tem
sentido para eles. Eu ouso dizer que
aquilo que a área da saúde entende e
valoriza como "protagonismo" ainda não
está muito próximo de grande parte de
nossas escolas,uma vez que nelas o foco
do processo não é o sujeito atuante em
vida,em tempo de formação e de desen-
volvimento humano.
Makarenko2, um fabuloso sociólogo
ucraniano, do século XIX, afirmava que
toda indisciplina é manifestação de
desacordo. Eu sinto isso quando vou às
reuniões de pais nas escolas dos meus
filhos (sempre escolas públicas!) e mesmo
quando participava dos conselhos de
classe de minha própria escola. Geral-
mente,os professores dos quais os alunos
mais reclamavam de inércia e de
monotonia metodológica eram os que
mais reclamavam da indisciplina das
turmas.
Mas a síntese que eu gostaria de
deixar dessa parte é que os nossos adoles-
centes e jovens vivem num ambiente
escolar que não foi organizado para eles,
que tem como referência a sua formação
e as suas características como sujeito.Pior
que isso:na maioria das vezes,não conta
com e nem valoriza a sua participação
nas decisões,na organização.
Assim, o que recebem de informa-
ções nesse espaço não está, necessa-
riamente, relacionado com seu tempo
de vida. Não é desenvolvido de uma ma-
neira que se encaixe com seus interesses
e a expectativa de seu papel é de um ser
passivo. Muito sério isso,especialmente
quando pensamos que os adolescentes e
os jovens estão numa fase da vida em
que se sentem absolutamente ativos,
capazes, entendedores do mundo e da
realidade, "quase donos dos seus pró-
prios narizes". Eles são praticamente
ignorados na escola.Aliás,há quem diga
que melhor seria ela sem eles. Infeliz-
mente, o resultado desse processo é
quase sempre a não aprendizagem e o
desprezo pela instituição educativa,
quando não a evasão e o abandono.
Mas há algo que julgo mais grave em
tudo isso:esse modelo de educação e de
escola foi feito para alguns. Ele foi
pensado para os que aprendem,para os
de melhor renda, para os brancos, para
os "saudáveis", para os moradores da
cidade e para os de "família". Assim, os
negros, a comunidade indígena, os
pobres,as mulheres,os portadores de al-
guma deficiência física ou mental (per-
manente ou temporária) e a população
do campo, os ciganos, os estrangeiros,
entre outros, nunca foram a população
"legítima" dessa escola.
O Ministro Cristovam Buarque afirma
que ainda não completamos a abolição e
nem construímos a República; apenas,
"libertamos" os escravos de uma situação
e os aprisionamos em outra,pelo desem-
prego, pela falta de educação e pela
desigualdade de oportunidades.
O paradigma de currículo nabusca da aprendizagem eda inclusão de todosO MEC (especialmente a Secretaria
de Educação Infantil e fundamental, de
onde eu falo) tem clareza de sua função
na educação brasileira. Nós não exe-
cutamos políticas em escolas. O que
fazemos é estimular, acompanhar o
desenvolvimento e avaliar as políticas,
em parceira com os sistemas de ensino
municipais e estaduais.
Assim, o que se tem feito é ques-
tionar, promover a reflexão sobre essa
lógica de organização de tempo e de
espaço da escola e, sobretudo, propor
um repensar sobre o currículo e sua
função, a construção coletiva das dire-
trizes político-pedagógicas para o ensino
fundamental, além da proposição de
alguns projetos para ação conjunta com
os sistemas de ensino.
O currículo é um elemento impor-
tante a ser repensado porque foi sobre o
seu tradicional conceito que esse
modelo mais comum de organização
escolar – o seriado – se estabeleceu.
Por muito tempo,o conceito de cur-
rículo foi relacionado ao de carga horária
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 43
2. Anton Makarenko concebeu um modelo de escola baseado na vida em grupo, na autogestão, no trabalho e na disciplina, que contribuiu para a recuperação de jovens infratores.
e de organização de disciplinas. O que
foi, além de hegemônico, para alguns,
inquestionável. Ouso dizer que esse
velho paradigma de currículo não per-
mitiu que a escola e os sistemas,ao longo
dos séculos, pensassem com maior
profundidade sobre a importância da
formação do indivíduo proporcionada
pela escola.
No sentido de ampliar esse conceito
de currículo,a segunda metade do século
XX trouxe importantes contribuições
quando evidenciou questões como liber-
dade e transformação,libertação da escola
de preconceitos, a democracia como
forma de convivência social e a ética
como fundamento das relações humanas.
No mesmo alinhamento, o século
XXI tem enfatizado: 1) o conhecimento
na sua forma mais complexa, em sua
relação dialógica entre o todo e as
partes, 2) o rompimento com a lógica
fragmentadora dos saberes,3) o presente
em movimento, na sua totalidade,
complexidade e multidimensionalidade,
4) o currículo escolar relacionado ao
modelo de homem, de sociedade e de
mundo que se pretende, e 5) os
princípios, valores e fins da educação,
estruturados no posicionamento
curricular. Sinto necessidade de maior
aprofundamento desse conceito, mas,
por uma questão de espaço, ficará para
outra edição da Revista, se houver a
possibilidade.
Propostas e projetos do MECpara abordagem dasexualidade, da prevençãoàs DST/aids e para inclusãodo adolescente soropositivoSempre achei interessante o conceito
de vulnerabilidade. No mês de outubro
tive a oportunidade de,em um encontro
com profissionais da área da saúde,
conhecer um outro conceito que me
chamou muito a atenção: a "resiliência".
Na Física, este termo diz respeito à
resistência ao choque ou a propriedade
pela qual a energia potencial armazenada
em um corpo deformado é devolvida
quando cessa a tensão incidente sobre o
mesmo. Na área das Humanas, a
resiliência passou a designar a capacidade
de resistir flexivelmente à adversidade,
utilizando-a para o desenvolvimento
pessoal,profissional e social.Aprendi que
a resiliência diz respeito à capacidade das
pessoas, dos grupos e das comunidades,
não só de resistir à adversidade, mas de
utilizá-la em seus processos de desen-
volvimento pessoal e social.
No caso da convivência com o HIV,
com a aids e com outras questões da vida,
refletir tendo por parâmetro a resiliência
é absolutamente formativo e educativo.
Será que o currículo da escola,tendo por
foco a formação e o desenvolvimento
humano, não poderia ser permeado por
discussões dessa natureza?
Dentre muitas ações que este
Ministério vem desenvolvendo, vou me
restringir a citar aquelas desenvolvidas
em parceira com o Ministério da Saúde:
1) Estão sendo coletados dados sobre
a formação de professores que os
sistemas têm desenvolvido sobre a
sexualidade e DST/aids, como subsídio
para a implantação e implementação de
políticas públicas nessa área;
2) Está sendo implementado o
Projeto "Saúde e Prevenção nas Escolas",
inicialmente em seis municípios, que
pressupõe uma sistemática de contínua
e permanente de formação de profes-
sores sobre o tema – abordando, inclu-
sive, a relação do profissional com os
alunos que vivem com aids – que tem
por estratégia de consolidação da cultura
da prevenção, a disponibilização de
preservativos na escola;
3) Estão programados seminários
regionais para o final do ano de 2003 e
início de 2004,com vistas a propor termo
de compromisso com os sistemas na
oferta de cursos para profissionais da
educação na ampla dimensão da pro-
moção da saúde.Uma das temáticas será a
convivência com os alunos soropositivos;
4) Levantamento e desenvolvimento
do programa "Escolas Promotoras da
Saúde",em parceria também com a OPAS;
5) Socialização, junto aos sistemas de
ensino,das propostas de alunos que vivem
com aids no encontro promovido pelo
Programa Nacional de DST/aids e Unicef,
em Brasília,no mês de agosto de 2003;
6)Discussão com a Secretaria de
Ensino Superior sobre a formação inicial
e a abordagem das questões relativas à
promoção da saúde e relação com alunos
que vivem com aids.
Enfim, pensamos que muitas das
distorções e anomalias presenciadas em
nossas escolas são fruto de uma
concepção reduzida de currículo e da
ausência de políticas de formação inicial
e continuada, suficientemente capazes
de promover a reflexão e a conscien-
tização dos nossos profissionais da
educação sobre o seu relevante papel na
efetiva condição de cidadania de todo o
povo brasileiro.
Não há que se esperar que em um
curto espaço de tempo, seja por um
projeto ou por uma política,questões de
natureza tão complexas sejam sanadas mo-
mentaneamente. Mas há que se manter a
esperança de que através da reflexão, da
conscientização e da formação alcan-
cemos uma existência digna daquilo que
pode ser chamado de vida,para todos.
44 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Tarcísio AndradeMÉDICO, PSICANALISTA, PROFESSOR ADJUNTO-DOUTOR DA
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA. PESQUISADOR E COORDENADOR DA DIVISÃO DE REDUÇÃO
DE RISCOS E DANOS DO CENTRO DE ESTUDOS E
TERAPIA DO ABUSO DE DROGAS – CETAD/UFBA
o Brasil, os usuários de drogas sob maior
risco de infecção pelo HIV, os Usuários de
Drogas Injetáveis (UDI),são,em sua maioria,
do sexo masculino e com média de idade
em torno de 25 anos. Um estudo realizado
no Centro Histórico de Salvador, em 1996,
mostrou que 20% dos UDI HIV positivos
tinham menos de 18 anos de idade e uma
taxa de infecção maior do que o restante
dos entrevistados. Esse dado, embora
específico daquele local,chama atenção para a maior vulnerabilidade dos jovens UDI
às complicações infecciosas decorrentes do uso de drogas.Tal fato tem como provável
explicação a menor autodeterminação desses jovens diante dos adultos que os iniciam
no uso injetável. Os mais jovens, habitualmente, dispõem de menos recursos para a
aquisição de droga e,não incomum,as conseguem por intermédio de um adulto que
também disponibiliza os equipamentos de injeção,muitas vezes já utilizados por ele
próprio.
Com a intensificação do consumo de crack no Brasil,sobretudo na segunda metade
da década de 90, tornou-se evidente a grande vulnerabilidade das mulheres usuárias,
sobretudo as mais jovens e menos experientes,à infecção pelo HIV e outras DST.Pelas
mesmas razões apresentadas para os UDI mais jovens,no universo do uso de drogas,
as mulheres estão habitualmente colocadas em situação de desvantagem em relação
aos homens,sobretudo aquelas mais jovens e inexperientes.Não incomum,a aquisição
do crack se faz mediante a troca por práticas sexuais, que, quando genitais, muitas
vezes se dão sem a devida excitação e conseqüente lubrificação vaginal,o que propicia,
pelo atrito,escoriações,sangramentos e maior risco de infecção por HIV e outras DST.
Em estudo recente realizado pela Divisão de Redução de Riscos e Danos do
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 45
Jovens usuários de drogas com e sob risco de HIV:
Lições de um programa deredução de danos
Ser jovem,
sobretudo
adolescente e
usuário de
drogas, reúne
duas condições
socialmente
desfavoráveisN
CETAD/UFBA entre 124 mulheres (idade ± 24 anos) revelou 1.6% de infecção pelo HIV
e 2.4% para Hepatite C.
Ser jovem, sobretudo adolescente e usuário de drogas, reúne duas condições
socialmente desfavoráveis. Em verdade, o adolescente não tem um lugar na nossa
cultura ocidental pós-moderna:fatos idênticos ocorridos com adultos e considerados
acidentes, entre adolescentes, não incomum, são rotulados de imprudência e
desatenção; termos como "aborrecente" refletem a intolerância dos adultos para os
jovens nessa quadra da vida. Mas o que definitivamente denuncia a falta de lugar do
adolescente em nossa cultura é a tão familiar frase dos pais para seus filhos "estude
para ser alguém na vida", o que significa que nesse momento ele não é ninguém.
Quando às condições de jovem e usuário de droga se soma a de HIV positivo, torna-
se ainda mais difícil. Difícil para o próprio portador, que, além do seu discurso de
contestação aos que o discriminam e o oprimem, também carrega consigo esse
mesmo discurso, se recrimina por essas condições e sonha com um mundo adulto,
de realizações e de plenos direitos.
A não percepção pelos profissionais de saúde dessas peculiaridades pode
constituir fator de entrave na provisão,e também na aceitação por parte do portador,
dos cuidados necessários à condição de jovem usuário de droga e HIV positivo.
A grande contribuição dos princípios e práticas das políticas de Redução de
Danos na minimização dos riscos e agravos decorrentes do uso de drogas — não
apenas das injetáveis, mas de toda e qualquer substância lícita ou ilícita que altere a
senso-percepção do sujeito — está no respeito ao direito dos usuários de drogas às
suas drogas de consumo. Estendido esses princípios a outros campos de práticas,seja
na esfera pedagógica, social ou da prevenção e assistência à saúde, teremos como
resultados ações mais sintonizadas com as necessidades das populações e,portanto,
muito mais eficazes.
A adequada assistência à saúde constituída na capacidade técnica,mas sobretudo
na individualidade do outro, visto em todas as suas potencialidades, condições
demográficas, culturais, comportamentos e atitudes, possibilitará uma melhor
percepção do jovem usuário de droga HIV positivo. Desse modo, torna-se possível
perceber os motivos para a negação do estado de portador e ou doente com aids,uma
vez que,apesar dos avanços obtidos,torna-se muito difícil nessa quadra da vida aceitar
algo cuja solução definitiva lhe foge ao controle. Do mesmo modo, o uso de drogas
que na maioria das vezes é para os usuários, independente de idade, uma forma de
automedicação, entre os jovens HIV positivos, não incomum, se constitui em um
meio de enfrentar a adversidade e propiciar tranqüilidade,ânimo,melhora do apetite
ou mesmo disfarçar os efeitos da doença,quando já manifestada e não adequadamente
tratada. Essa última condição tem sido observada entre jovens HIV positivo fora de
tratamento,que encontram no uso de crack uma forma para disfarçar a anorexia e o
desgaste físico decorrente da doença.
46 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Quando a essas
condições de
jovem e usuário de
droga se soma a
de HIV positivo,
torna-se ainda
mais difícil
um passado não tão distante assim, a rua como
lugar de brincadeiras e aventuras fez parte da
infância de muitos de nós. Este espaço de práticas
antigas e tradicionais em nossa sociedade é um
local de sociabilidade, sobrevivência e trabalho
para crianças, jovens, famílias entre outros.
No entanto, a utilização da rua como espaço
para aquelas crianças e adolescentes excluídos
ou que se excluem, os transforma em "meninos
de rua","infratores","drogados" e inúmeros adjetivos que associam sempre à pobreza
e à marginalidade.
Pelo perigo que simbolicamente esta situação representa para a sociedade,desde
o final do século passado,vimos o surgimento de políticas sociais e regulamentações
jurídicas com o objetivo de disciplinar esses meninos e meninas,vistos até hoje,pela
maioria da sociedade,como possíveis agentes da desordem e das crises nacionais.
Na década de 80, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, crianças e
adolescentes, até então classificados como em "situação irregular", passam a ser
considerados sujeitos de direito,com prioridade absoluta na garantia desses direitos.
Mas a realidade ainda é outra. O que presenciamos atualmente é um aumento pro-
gressivo dessa população, cujas garantias, prometidas pela Constituição, não saíram
ainda do papel e,como afirma Dimenstein,o direito de se viver decentemente ainda
é proibitivo para muita gente.
Diante desse retrato, que aos poucos vem sendo modificado pela atuação de
movimentos sociais,de pesquisadores,de setores comprometidos com a infância e ju-
ventude e pela esperança de que o país encontre realmente seu caminho para uma
sociedade mais justa, ainda há muito a construir e refletir sobre as nossas práticas e
políticas sociais.
Buscando desenvolver um trabalho que levasse em conta a situação de abandono
destes jovens, inauguramos em 2000, no município de Itajaí/SC, o CAPS - Centro de
Atenção Psicossocial a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade às
drogas, violência e DST/aids, que tem por objetivo a promoção da saúde física e
mental dessa população.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 47
Jovens em situação de rua:
Desafio para a prevenção
N Todo e qualquer
programa e ação
de prevenção e
assistência deve
considerar valores,
crenças, costumes
e práticas
individuais
e grupais
Verônica de MarchiPSICÓLOGA E COORDENADORA DO CAPS DE ITAJAÍ/SC
O maior desafio a que nos propomos
é o de estabelecer uma metodologia
que, fundamentada numa visão de so-
ciedade,de homem,de vida e mesmo de
uma educação, possibilite um reco-
nhecimento do universo desses jovens
de forma a resgatar sua auto-estima e
conseqüentemente vislumbrar oportu-
nidades de construção de um projeto de
vida. E como realizar este percurso com
adolescentes marcados por situações
extremadas de risco e violência? Como
trazê-los, espontaneamente, para um
espaço de opções mais saudáveis?
O CAPS não é somente um centro de
atendimento,é antes de tudo um centro
de atenção. Estar atento significa estar o
tempo todo comprometido com o
receber,com o escutar,com o olhar,com
o acolher o sofrimento destes adoles-
centes, que aparece a todo instante, a
qualquer momento. E todos ali
presentes, da recepção ao técnico,
devem estar atentos.
Esta metodologia está fundamentada
em princípios que consideramos nortea-
dores para o trabalho de prevenção e
assistência que desenvolvemos, tais
como:
� A atenção à criança e ao adolescente
deve ser integrada e integral, realizada
por uma rede multidisciplinar e inter-
setorial de cuidados que promova o
desenvolvimento físico, mental e
social dessa população;
� A estruturação de vínculos saudáveis
como instrumento primordial de tra-
balho com crianças e adolescentes
permite a adaptação ativa à realidade e
uma retroalimentação dialética entre o
sujeito e o meio, promovendo mudan-
ças nos padrões comportamentais e
afetivos e fortalecendo a estruturação
da identidade individual e grupal.
� A vulnerabilidade ao consumo e
abuso de SPA e as DST/HIV/aids exige
das intervenções de prevenção e
redução de danos, a compreensão do
contexto sociocultural de vida, das ca-
racterísticas biológicas e psicológicas
desses jovens, das questões de sexua-
lidade e gênero,de sociabilidade e gru-
pos, além dos aspectos psicofarmaco-
lógicos das SPA.
� A exclusão familiar, escolar e social é
o maior fator de vulnerabilidade à
saúde de crianças e adolescentes, de-
corrente:da situação de miséria econô-
mica em que vive grande parte da po-
pulação do Brasil; de práticas pedagó-
gicas inadequadas às demandas e ne-
cessidades desses jovens; da falta de
instrumentos técnicos e de vontade
política para implementação das dire-
trizes de atenção propostas pelo Esta-
tuto da Criança e do Adolescente/ECA;
e da carência de uma verdadeira REDE
de serviços de saúde, assistência so-
cial, educação e de Organizações da
Sociedade Civil que promova a saúde
física, mental e a cidadania desses pe-
quenos brasileiros.
Crianças e adolescentes em situação
de vulnerabilidade social são seres
plenos de potencialidades, e, nesse
sentido, a prevenção e a redução de
danos à saúde devem estar orientadas
pelo desenvolvimento e fortalecimento
dessas habilidades e competências.
A adolescência, como momento
crucial e característico do desenvol-
vimento humano e pelo seu caráter de
transição biológica e psicossocial, leva o
indivíduo a viver conflitos internos e
externos na construção de sua identi-
dade individual e grupal, na busca de
vivências afetivas e de prazer, de sua
independência econômica, do ques-
tionamento de valores e normas fami-
liares e sociais. Todo e qualquer pro-
grama e ação de prevenção e assistência
deve considerar, portanto, além das
características de desenvolvimento do
adolescente, seus valores, crenças,
costumes e práticas individuais e
grupais, sua linguagem e simbologia.
Referências bibliográficas:
BUCHER, Richard. Drogas e Sociedade nos tempos daAids. Brasília: Ed. UNB, 1996.
CARVALHO, Denise B.Birche; SILVA, MariaTerezinha(org.). Prevenindo a drogadição entre crianças eadolescentes em situação de risco. Brasília:MS/COSAM/;UnB/PRODEQUI;UNDCP. 1999.
DIMENSTEIN, G. O cidadão de papel. São Paulo: Atica.1995
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 15ª ed. Riode Janeiro: Ed. Paz e Terra. 2000
LESCHER, Auro Danny et al.Cartografia de uma Rede.SãoPaulo: UNIFESP/MS/UNDCP/COFECUB/USP. 1998.
MARTINS, Jose de Souza. A experiência precoce dapunição. In: O massacre dos inocentes. A criança sem Infânciano Brasil. São Paulo: Ed. Hucitec, 1991.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Cadernos Juventude, Saúde eDesenvolvimento. Vol. 1 Brasília: 1999.
PASSETTI, Edson. Violentados: crianças, adolescentes ejustiça. São Paulo:Ed. Imaginário.1999.
PILOTTI, Francisco; RIZZINI,Irene. A arte de governarcrianças. Rio de Janeiro: Santa Úrsula. 1995.
RIZZINI, Irene. O Século perdido: raízes históricas daspolíticas públicas para a Infância no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.Universitária. 1997
VERONESE, Josiane Rose Petry. Entre violentados eviolentadores. São Paulo: Ed. Cidade Nova. 1998.
48 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
o trabalhar junto a
jovens privados
de liberdade, nos-
so objetivo é im-
pulsioná-los a tri-
lhar um caminho
diferente daquele que eles já conhecem
– o caminho da criminalidade. Nossa
meta é criar oportunidades para que
esses jovens percebam que só eles têm o
poder de mudar seu projeto de vida.
Atualmente,coordeno o projeto Sen-
sibilização e Conscientização em DST,
HIV/aids e Drogas, que há três anos de-
senvolve oficinas com jovens internos na
Febem. Durante as dinâmicas realizadas,
pudemos perceber que muitos deles
guardam dentro de si uma criança que
raramente teve oportunidade de brincar.
Diante disso,foi preciso mudar nossa pos-
tura como educadores, cuidadores e
monitores para que obtivéssemos algum
resultado com esse trabalho.Também se
tornou evidente, ao trabalhar com esses
adolescentes, a necessidade de incluir
seus pais e acompanhantes e os funcioná-
rios da Febem nas dinâmicas do projeto.
Passamos a olhá-los com um olhar dife-
renciado, não como números, mas
individualmente. Cada um tem sua his-
tória e sua família,que sofre também pelo
preconceito de ter um filho na Febem.
É importante que a sociedade
perceba que aqueles adolescentes que
vemos, através da TV, em telhados du-
rante as rebeliões, não vivem em uma
realidade que não nos diz respeito. Eles
poderiam ser um membro da nossa
família ou comunidade que,por algum
momento, não foi assistido de forma
correta, por nós ou pelo governo. Pre-
cisamos urgentemente de políticas pú-
blicas específicas para estes jovens.
Desde a prevenção contra DST/aids,
devido à vulnerabilidade em que vivem
dentro das unidades de detenção, até
subsídios para sua liberdade.
É preciso acreditar que o futuro vai
ser melhor e ter consciência de que a
chance de mudar a nossa história que
está em nossas próprias mãos.
Como funcionam as oficinasDurante a semana,os adolescentes e
funcionários são divididos em três
turmas de oficinas. Pais e acompanhan-
tes participam nos finais de semana,
aproveitando o dia de visitas, para não
sobrecarregar financeiramente pessoas
já tão sofridas e com dificuldade de obter
o dinheiro da passagem, muitas do
interior de SP.
No primeiro ano do projeto, realiza-
mos o vídeo "A Escolha".Vídeo pioneiro,
onde o adolescente constrói desde a
história até o trabalho de ator.
No segundo ano do projeto, foi feito
o vídeo "Adolescência Interrompida".
Este projeto foi um pouco mais com-
plexo devido à situação atual da Febem.
O vídeo,na verdade, se transformou em
um pequeno documentário, com a
participação dos adolescentes.
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 49
Adolescentes emconflito com a lei
André de SouzaEDUCADOR SOCIAL / PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO VIDA POSITIVA
A
m fevereiro de 2003,impulsionado entre outras coisas
pelos dados epidemiológicos,o Programa Nacional de
DST/aids convocou uma reunião com técnicos de
várias partes do país que trabalham com adolescentes
e HIV, no intuito de incrementar ações voltadas para
esta população.
Uma das primeiras estratégias pensadas foi a
organização de grupos focais com adolescentes ligados
a diferentes serviços do país para que estes pudessem
ter voz na construção das referidas estratégias.
Desta forma,no período de abril a maio,foram realizadas oficinas em 8 cidades do
Brasil com adolescentes vivendo com HIV.
As oficinas tiveram duas horas de duração e participaram adolescentes de várias
idades,de ambos os sexos,em grupos de no máximo 12 jovens.
Os principais objetivos eram fazer uma avaliação do serviço em que o adolescente
estava inserido, perceber como o adolescente se sente vivendo com HIV e traçar
propostas para melhorar sua assistência e qualidade de vida.
As oficinas foram divididas em três momentos:o primeiro,para apresentação do
grupo e sua proposta;o segundo,para que se falasse sobre o serviço; e o terceiro,que
buscou perceber o adolescente vivendo com HIV e seu cotidiano.
Foram utilizadas técnicas lúdicas, que facilitassem a expressão de todos e
tornassem o encontro agradável.
Sobre os serviçosDe maneira geral, os adolescentes gostavam dos serviços nos quais estavam
inseridos.Têm ótima relação com o (a) médico (a) assistente. Contudo, apenas dois
locais já desenvolviam algum tipo de trabalho de grupo, o que os adolescentes
consideram uma experiência rica e agradável.
"...é uma chance de fazer amigos..."
"...hoje eu aprendi como fazer para tomar o remédio quando eu saio..."
"...importante que fosse feito também com nossos pais..." … "...eles sabem
menos que a gente e ficam muito tristes..."
Colocaram como carência nos serviços a participação de profissionais de outras
categorias, já que muitas vezes o atendimento é basicamente médico.
"...eu gosto de ser atendido pela psicóloga..."
50 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Oficinas com adolescentessoropositivos
Os principais objetivos
[das oficinas] eram
fazer uma avaliação
do serviço em que o
adolescente estava
inserido, perceber
como o adolescente
se sente vivendo com
HIV e traçar propostas
para melhorar sua
assistência e
qualidade de vida
ELuiza Cromack
GINECOLOGISTA E OBSTETRA. MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA PELO NESC/UFRJ
Os locais e horários de atendimento
foram vistos como inadequados. Muitas
vezes são atendidos na pediatria, onde
não se identificam com toda a estrutura
voltada para crianças. Os horários muitas
vezes impedem a freqüência à escola,
levando-os constantemente a ter que
justificar suas faltas, o que é constran-
gedor para eles.
O acesso aos preservativos e a ma-
teriais educativos sobre o tema não era
visível na maioria dos serviços.
Revelação do diagnósticoEssa questão surgiu como problema
em todos os grupos,já que era necessário
que o adolescente conhecesse seu estado
sorológico para participar das atividades
e,em muitos serviços,vários adolescentes
não conheciam. Os profissionais e fami-
liares/cuidadores ainda têm muita difi-
culdade em lidar com esta questão.
Quem contar, quando e como fazer? Os
familiares e cuidadores têm medo da
discriminação e da reação dos filhos. Os
profissionais muitas vezes têm
dificuldade para discutir com as famílias.
Na verdade,o que se observou foi que,
em geral,os adolescentes já sabiam antes
da revelação feita pela família e/ou pelos
profissionais de saúde,por causa de seus
medicamentos,do local de atendimento,
de conversas familiares.Contudo,esta não
explicitação gerava um aprisionamento
para o adolescente, que se via sem ter
com quem discutir estas questões.
Eles querem saber de seu estado
sorológico, para entender o motivo do
tratamento, a tristeza dos familia-
res/cuidadores, a quantidade dos medi-
camentos e os preconceitos sociais.
"...eu já desconfiava , aí fui ler o
vidro do remédio..."
"...eu sou revoltado até hoje, não
desculpo minha mãe por ter demorado
tanto a me contar..."
"...agora eu sei porque minha mãe
olha pra mim e chora"
"...claro que é melhor saber , mas
tem uma idade certa..."
Muitas vezes o profissional ameniza
para o adolescente a importância dos
cuidados com sua saúde, levando ao
comprometimento da mesma.
"...passei a tomar menos os
remédios, é só para controlar..."
Os adolescentes vivendo com HIV/aidsFalaram muito do seu afeto por coisas
e atividades, da necessidade e desejo de
amigos e da dificuldade de tê-los e "não
poder contar" ou da dificuldade de
aproximação. Falou-se da vivência da
orfandade e a ausência de figuras
parentais.
O lazer apareceu, em geral, como
solitário, mas com desejo de expansão
para um grupo. As meninas se ressentem
da falta de amigas e os meninos gostariam
de praticar esportes coletivos
"...se as pessoas não quiserem
brincar com você, deixa pra lá..." (mãe
falava para filha)
"...eu queria ter mais amigos..."
Surge espontaneamente a preo-
cupação com os namorados (contar ou
não contar; quando o namorado só quer
transar, aceitariam ou não?):
"...eu uma vez até ensaiei contar,
mas na hora não saiu..."
"...penso um dia em casar e ter
filhos..."
Os meninos se mostraram preocupa-
dos se poderiam ser pais sem transmitir
o vírus para a mulher; as adolescentes,
mais preocupadas com a transmissão
vertical.
Existe uma tristeza no adolescer e não
poder viver esta adolescência como
outros.
"...eu queria poder contar para meus
amigos..."
"...se você pensar nisso 24horas/dia,
você não vive..."
[Profissionais de Saúde] << Saber Viver 51
O acesso aos
preservativos
e a materiais
educativos sobre
o tema não era
visível na maioria
dos serviços
Discriminação e PreconceitoEste assunto sempre foi impregnante
nos grupos e as instâncias mais mencio-
nadas são aquelas com as quais os ado-
lescentes mais convivem: a família e a
escola.
"...minha prima foi guardar a
caneca dela de alumínio dentro do
guarda roupas. Eu falei para ela que
ali passava rato; ela preferiu mesmo
assim..."
Em todos os grupos surgiram situa-
ções bastante graves de discriminação e
preconceitos na escola. Houve casos de
expulsão, afastamento temporário e
muitas vezes necessidade de mudança
de escola.
"...eu sempre levava atestado
quando ficava doente, aí elas (as
freiras da escola) foram investigar o
que a doutora tratava e me expul-
saram da escola. Eu gostava daquela
escola, não queria sair..."
"... eu tinha que sentar na última
fileira, a professora disse que eu não
podia respirar o mesmo ar que os
outros alunos".
Questionadas pelas famílias sobre a
necessidade de falar na escola, muitas
mães contam como uma atitude de "ho-
nestidade", outras buscam apoio e soli-
dariedade,ou ainda há aquelas que que-
rem "dividir o problema com alguém".
"...eu gosto de ser honesta, mas aí a
professora foi fazer uma palestra e todo
mundo ficou sabendo, até a minha
filha..."
Muitas vezes,a desinformação leva a
esta atitude que expõe o/a adolescente à
discriminação.
"Minha mãe teve que contar na
escola, afinal eu podia me machucar
na Educação Física...".
Escolas de futebol e natação, por
exemplo, também excluem os adoles-
centes que vivem com HIV.
"...nunca tem turma pra mim..."
Comentários finaisComo lições aprendidas, podemos
ressaltar as seguintes necessidades:
� Realização de grupos com adoles-
centes e grupos com familiares e cuida-
dores para troca de vivências, informa-
ções,aumento da rede de apoio.
� Facilitação do acesso à informação,
a materiais educativos e aos preservativos.
� Melhora do fluxo para atendi-
mentos por outras categorias profissio-
nais e outras especialidades médicas.
� Promoção de treinamentos e dis-
cussões entre profissionais, buscando
minimizar sua ansiedade no cotidiano do
lidar com os adolescentes HIV+ e seus
familiares/cuidadores.
� Promoção de fóruns permanentes,
junto aos diversos setores (saúde,educa-
ção, ação social, cultura, esportes, lazer)
visando facilitar a inclusão dos adoles-
centes e seus familiares
Para terminar uma frase dita por uma
das adolescentes:
" ... às vezes fica tudo escuro, cheio
de nuvens..."
Cabe a nós, profissionais que vivem
com HIV, tentar clarear um pouco (ou
muito) esse horizonte.
AS OFICINAS FORAM PLANEJADAS E REALIZADAS POR LUIZA
CROMACK E CLAUDIO PICAZIO – PSICÓLOGO/SEXÓLOGO E
INTEGRANTE DA ONG REVIVER NO PROJETO TECER O FUTURO
(UNICEF)
52 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
Em todos os
grupos, surgiram
situações bastante
graves de
discriminação
e preconceitos
na escola
54 Saber Viver >> [Profissionais de Saúde]
BOAS LEITURASA história social da família e da criançaPhillip Ariés
A história da vida privadaPhillip Ariés e outros
A arte de governar criançasIrene Rizzini
Aids e EscolaTeresinha Pinto e Isabel da Silva Telles
Diferentes desejosCláudio Picazio
O século perdido - Raízes históricas daspolíticas públicas para a infância brasileiraIrene Rizzini
Sexo Secreto: Temas polêmicos da sexualidadeCláudio Picazio
SITES PARA PESQUISACoordenação Nacionalde DST e AidsPrograma Nacional de Aids do Ministério daSaúde. Dados sobre a epidemia no paíse últimas informações.www.aids.gov.br
Agência AidsDivulga notícias, informações e artigos sobrea doença. Reúne ainda dados estatísticos,dicas de livros e relação de ONGs voltadas aotratamento e orientação de doenteswww.agenciaaids.com.br
Abrapia - Associação Brasileira multi-profissional de Proteção à Infância eAdolescênciaONG que trabalha na promoção e defesa dosdireitos de crianças e adolescentes.www.abrapia.org.br
Associação Internacional pelo Direito daCriança Brincar - IPAOrganização não governamental, formada porprofissionais que atendem creches, trabal-ham em saúde e realizam serviços deassistência social.www.ipa-br.org.br
Centro de Referência, Estudo e Açõessobre Crianças e Adolescentes - CecriaCentro de pesquisa, capacitação e formação,criado para estudar as questões relacionadasa violação, promoção, proteção e defesa dosdireitos da criança e adolescente.www.cecria.org.br
ECOS - Comunicação em SexualidadeONG que produz materiais educativos na áreade sexualidade e aids.www.ecos.org.br
Grupo Pela ViddaONG que trabalha com o compromisso depromover a integração das pessoas vivendocom HIV e Aids, o respeito à sua cidadania, asua participação no enfrentamento da epi-demia, e também contribuir para a prevençãoe o controle da Aids.www.pelavidda.org.br
GAPA - Grupo de Apoio à Prevenção à AidsONG existente em diversos estados do país ,desenvolve trabalhos em prol dos direitos eintegração das pessoas portadoras de Aids.www.gapars.com.br www.gapabahia.org.br
NEPAIDS - Núcleo de Estudos para aPrevenção da AidsCentro de estudos e discussão e divulgaçãode conhecimento sobre HIV/ Aids.www.usp.br/nepaids
Projeto Adolec - BIREMEBiblioteca virtual que tem por objetivo pro-mover acesso on-line à informação científicapara a saúde do adolescente no Brasil.www.adolec.br
TELEFONES ÚTEISMinistério da Saúde0800-611997 – Ligação gratuita
Disque adolescentes – S. PauloTel: (11) 3819 2022 – das 11 às 14 horas
Tele Aids – Centro Corsini0800-111213 – Ligação gratuita – De 2ª a 6ªfeira, das 8h às 18h
ALGUMAS ONGS QUE PROMOVEMPALESTRAS, DINÂMICAS E OFICINASSOBRE HIV/AIDS EM ESCOLAS PARAPROFISSIONAIS DA ÁREA DE EDUCAÇÃOE/OU PARA OS JOVENS
BahiaFederação de Bandeirantes do BrasilTel: (71) 247-6906Rua Recife, 142 - Jardim Brasil Barra AvenidaSalvador-BACep: 40.140-360
CearáGapa-CETel: (85) 253-4159Rua Castro e Silva, 121/sala 305Fortaleza-CECep: 60.030-010
Distrito FederalGapa-DFTel: (61) 326-7000SCLN 404, bloco b, loja 50 – Asa NorteBrasília-DF – Cep: 70.845-520
ParáFederação de Bandeirantes do BrasilTel: (91) 229-4790Av. Senador Lemos, 421 – UmarizalBelém-PACep: 66.050-000
PernambucoFederação de Bandeirantes do BrasilTel: (81) 3241-8989Av. Rosa e Silva, 670/603 – AflitosRecife-PECep: 52.020-220
São PauloAssociação de Apoio à Criança HIV PositivoProjeto ReviverTel: (11) 6692-1112Rua Toledo Barbosa, 964 - BelenzinhoSão Paulo – SPCep: 03.061-000
APTA - Associação para Prevenção eTratamento da AidsTel: (11) 3266-3345Alameda Ribeirão Preto, 28 – Conjunto 21 RSão Paulo-SPCep: 01.331-001
Rio de JaneiroGrupo Pela Vidda RioTel.: (21) 2518-3993Av. Rio Branco, 135/sala 709 - CentroRio de Janeiro - RJCep: 20.040-006
Rio Grande do SulRNP+ núcleo Porto AlegreTel: (51) 3227-3777Rua Lopo Gonçalves, 626 – Cidade BaixaPorto Alegre – RSCep: 90.050-350
RoraimaRNP- núcleo Boa VistaTel: (95) 626-8155Rua Manoel Felipe, 309 – BuritisBoa Vista – RRCep: 69.309-070
Santa CatarinaGerminar – Centro de Desenv. HumanoTel: (47) 349-3415Rua Felipe Schmitt, 174/sobreloja – CentroItajaí-SC Cep: 88.301-010