RVISTA MURAL JANEIRO 2012

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TRIBUNAIS DE JUSTIÇA PROCESSO PENAL CARNAVAL O impacto dos juros da economia brasileira, por Raimundo Aben Athar Os professores Rodrigo Rezende e Alexandre de Sá falam da fragilidade do reconhecimento pessoal como única fonte de prova William Douglas explica como flexibilizar o tempo de estudo nesta época Erros judiciários condenam inocentes. A máquina da verdade pode ajudar? “MORTE EM VIDA” Janeiro 2012 - Nº 88

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TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

PROCESSO PENAL CARNAVAL

O impacto dos juros da economia brasileira,por Raimundo Aben Athar

Os professores Rodrigo Rezende e Alexandre de Sá falam da fragilidade do reconhecimento pessoalcomo única fonte de prova

William Douglas explica como

fl exibilizaro tempo de estudo

nesta época

Erros judiciários condenam inocentes. A máquina da verdade pode ajudar?

“MORTE EM VIDA”Janeiro 2012 - Nº 88

M U R A LM U R A LM U R A LDireito em MovimentoDireito em MovimentoDireito em MovimentoDireito em MovimentoDireito em MovimentoDireito em Movimento

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“Se lembra da minha voz?”

ROSSANA FISCILETTICoordenadora

ROSSANA FISCILETTICoordenadora

Conselho Editorial: Dr. Aurélio Wander BastosDra. Cláudia Ribeiro Pereira NunesDr. Ivan Simões GarciaDr. Ricardo Lodi RibeiroDr. Nilton Cesar Flores

Jornalista Responsável: Carlos Wesley - MTb/RJ 17.454Coordenação Geral: Rossana FiscilettiCoordenação de Pesquisa: André CostaReportagem, Editoração eletrônica e Projeto gráfi co: Mídia JurídicaDiagramação e capa: Jorge Raul de SouzaImagem de capa: Ossile

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Para falar com a Redação: Tel.: (21) 2215-7291 Av. Almirante Barroso, 2, 18º andar, Cep: 20.031-000E-mail: [email protected] anunciar ligue: RJ: (21) 2215-7291 e 9956-7625Projeto de marketing e publicidade: Webcom Comunicação, Marketing e Publicidade Ltda.

M U R A L é uma publicação de CULTURA JURÍDICA da Réplica Publicações (Mídia Jurídica) dirigida a estudantes e operadores do Direito.

A Mídia Jurídica não se responsabiliza por informações e opiniões contidas nos artigos, entrevistas, depoimentos e teor dos anúncios pu-blicitários, que são de inteira responsabilidade dos seus autores e não refl etem, necessariamente, a posição desta revista.

O SENHOR vive; e bendito seja o meu rochedo, e exaltado seja o Deus da minha salvação.

Sal. 18:46

Processo PenalFragilidade do reconhecimento pessoalcomo única prova para a condenação penal ......................... 16 e 17

Colunas

Ano novo, novas ideias, novos planos e projetos, velhas promessas... Vou parar de fumar. Vou trocar de carro. Vou ter mais tempo para conviver com a minha família. Vou entrar num curso e estudar muito para passar num concurso. E vai por aí afora.

Passa a festa do Réveillon, acaba o recesso da Justiça também e recomeça a rotina de sempre. Continuará tudo como antes se não houver uma atitude firme.

Na televisão, os noticiários mostram os estragos da chuva. Só falta botar como fundo musical aquela música do Jorge Ben Jor, “Choove chuuvaa, chove sem parar”!

Pois é. Todo ano é a mesma coisa: chuva de verão, enchentes, deslizamentos de encostas, desastres naturais, mortos e desabrigados, campanhas de doação de roupas, cobertores e alimentos. Então, por que não tomam medidas para prevenir a população contra esses temporais de efeitos desastrosos e que acontecem todos os anos na mesma época e nos mesmos lugares?

A esse panorama trágico, juntam-se as figuras dos governadores, prefeitos e ministros sobrevoando de helicópteros as áreas flageladas, antes das renovadas promessas – sim, porque nos anos passados já as fizeram do mesmo modo – de providenciar moradias populares, de aluguéis sociais, de medidas preventivas, etc, etc e etc.

Em países, como o Japão, por exemplo, onde acontecem frequentes terremotos, são construídos edifícios, estradas e pontes, além de abrigos especiais, prevendo-se uma situação decorrente destes fenômenos. E mesmo quando ocorrem situações extremas, imediatamente são executados planos de socorro e volta à normalidade.

Voltamos à questão: por que não se faz nada, antes que o desastre aconteça, sabendo-se que fatalmente virá? O Ministério de Integração tem verbas para estes fins. Será por culpa da burocracia legislativa? Será por incompetência de gestão administrativa? Por que todo ano acontece a mesma coisa no verão?

Até aqui, tudo o que dissemos cabe na crônica jornalística da mídia diária. Mas, do ponto de vista do Direito Constitucional e do Direito Administrativo, como responsabilizar a omissão de prefeitos e de outras autoridades? Ou, Municípios, Estados e União? Por que nunca foi aplicada a lei contra eles? Na próxima edição da Revista MURAL, publicaremos matéria com o jurista Luiz Oliveira Castro Jungstedt, abordando este assunto com a profun-didade jurídica que requer.

Então, até quando as pessoas ficarão inteiramente por conta da própria sorte – ou da falta dela –, através de seguidos verões, enquanto os gestores da coisa pública ficam impunes?

E, parafraseando um antigo comercial de shampoo: “Se lembra da minha promessa do verão passado? Continua a mesma...”

Os Juros da Economia Brasileira e seus efeitosno orçamento dos Tribunais de Justiça .................................... 4 a 8

Encontros Jurídicos

Matéria de Capa Por que é tão difícil provar a verdade? .................................. 10 a 13O uso do polígrafo é criticado pelo professor Denis Sampaio ........................................................ 14 e 15

Artigo

Desaposentação em debate ................................................................ 9

Mais Que Vencedores ................................................................... 18

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ARTIGO

OS JUROS DA ECONOMIA BRASILEIRA E SEUS EFEITOS

NOS ORÇAMENTOS DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA

O ente público estima receitas e despesas em função, é óbvio, de vários fatores. Se há previsão de aumento das despesas, deve-se prever aumento das receitas. Um orçamento, em essência, é simples assim.

Diretor Geral de Planejamento, Coordenação e Finanças do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Perito na área de Contabilidade e Finanças. Professor universitário da FGV-RJ, Universidade Candido Mendes-RJ e SUESC-RJ. Instrutor da ANBIMA, CRC-RJ e ABERJ. Executivo do Mercado Financeiro desde 1974 até 2008. Autor de vários artigos e livro publicado na área contábil-financeira.

Raimundo Aben Athar

A té fins de setembro, na eco-nomia brasileira, não havia previsão de algum agente

econômico que estabelecesse uma taxa de juros básica da Economia, a chamada taxa Selic, para 2012, menor que 12,5%aa. Em novembro de 2011, os juros futuros apontavam para uma taxa básica, já em 2012, entre 9,5% e 10,5%aa.

Este quadro, particularmente, para os principais Tribunais de Justiça, que possuem convênio com bancos para a administração dos depósitos judiciais, é por demais preocupante. Por dois motivos principais: (a) Queda subs-tantiva nas receitas sobre as aplica-ções financeiras das sobras de Caixa e (b) Queda no valor da remuneração pela administração dos depósitos judiciais. O efeito combinado será, tanto mais devastador, quanto maior for a dependência destas receitas para o equilíbrio orçamentário de cada Tribunal, ou seja, as despesas irão aumentar, mas as receitas não. No governo federal, se isto acontecer, aumenta-se impostos e/ou emite-se títulos da dívida pública e/ou emite-se papel-moeda, mas no Poder Judi-ciário, não há alternativa, a não ser cortar despesas.

Não se pode mais “tapar o sol com a peneira”, a dependência dos TJ(s), principalmente sobre os recursos pagos pelos bancos oficiais, é muito significativa, com o agravante de que, em alguns estados, os bancos oficiais parecem nem competirem mais entre si, simplesmente definiram seus espa-ços e onde está um, o outro não entra.

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ARTIGO

TURMAS PRESENCIAIS: INSCRIÇÕES ABERTAS!INÍCIO EM 30/01/2012: CURSO REGULAR EXTENSIVO / NOITE (para Magistratura do Trabalho e MPT) INSCRIÇÕES ANTECIPA-DAS COM DESCONTO – CONFIRA EM NOSSO SITECURSO CÍCLICO: GRUPO DE ESTUDOS PARA O MPT (estudo direcionado, com aulas teóricas e resolução de questões) – Prof. Fábio Villela (Procurador do Trabalho)CURSO CÍCLICO: DE SENTENÇA (Prof. Marcelo Segal – Juiz do Trabalho) PLUS: correção individual das sentenças + aulas de português gratuitas, com a Prof.ª Maria Lúcia Diéguez

INSCRIÇÕES ABERTAS PARA NOVOS CURSOS VIRTUAIS (ON LINE): SUMULAS 7 OJs - Iniciado em 05/12/11PREPARATÓRIO PARA O 17º CONCURSO DO MPT - Início 06 de fevereiroREGULAR EXTENSIVA (para Magistratura & MPT) - previsão para segunda quinzena de março

CURSO TOGA MANTÉM OS MELHORES ÍNDICES DE APROVAÇÃO

NOS CONCURSOS DA MAGISTRATURA DO TRABALHO & MPT!!!

Notícia: 17º Concurso para Procurador do Trabalho terá 40 vagas “O Conselho

Superior do Ministério Público do Trabalho aprovou, no dia 24/11/2011, a

realização do 17º Concurso Público para Provimento de Cargos de Procurador

do Trabalho. São 40 vagas para vários estados do Brasil. Ainda não há data

para publicação do edital e realização das provas.”

Praça Ana Amélia, nº 9/ 7º andar – Centro – Rio de Janeiro/RJ(próximo ao antigo TRT da Rua Santa Luzia) - Telefones: (21) 2220-7590 ou 2262-7203

Site: www.cursotoga.com.br // Email: [email protected]

Assim, é imperiosa uma análise aprofundada dos efeitos e das conse-quências que estão por vir, levando os TJ(s) de todo o Brasil a colocarem uma “lupa” sobre três questões principais, relacionadas aos depósitos judiciais, as quais precisam ser urgentemente discutidas: (a) A questão da atuali-zação (juros e correção monetária) dos débitos e depósitos judiciais; (b) A questão das instituições bancárias acolhedoras de depósitos judiciais e (c) A questão da remuneração para se administrar os depósitos judiciais.

Evidente que tais assuntos não são tratados somente no Código de Processo Civil, pelo contrário, há uma profusão de leis federais e estaduais sobre o tema, ainda assim, quando se trata, por exemplo, de juros e cor-reção monetária, tanto o STJ, quanto o STF estão abarrotados de ações sobre tais questões. Registre-se que, quando cada Tribunal de Justiça, em

cada estado da federação, busca uma saída, seja para maximizar suas disponibilidades financeiras, seja para simplesmente agilizar um processo ou ainda para facilitar uma condição para melhorar a prestação jurisdicio-nal, não faltam afirmações de que há “vício de iniciativa”, “vício quanto à espécie legislativa”, “vício de com-petência”, para obstar as iniciativas do Poder Judiciário e alguns desses “vícios” vão parar em instâncias su-periores.

Para completar o quadro sombrio, ainda há um projeto de lei que acaba de de ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e está pronti-nho para ir a plenário, o qual obriga os TJ(s) que possuem contratos ou convênios a entregarem 23% da re-muneração dos depósitos judiciais aos MP(s), Procuradorias e Defensorias dos estados da federação, quer dizer, se a taxa de juros realmente diminuir,

de uma base menor, serão utilizados pelos TJ(s) 77% das receitas, pois 23% serão destinados às entidades mencionadas se o projeto se tornar em lei.

Como veremos a seguir, há uma probabilidade enorme de não sobrar recursos para nenhum órgão, TJ(s), MP(s), Defensorias e Procuradorias. Vejamos o porquê:

Sobre os depósitos judiciais, os Tribunais de Justiça do Brasil, desde passaram a ter algumas dúvidas: Em qual banco depositar? Quanto remunerar? Quanto cobrar para um banco administrar? Cada um desses questionamentos, para alguns juristas, não são nem cabíveis e, portanto, sequer deveriam ser levantados. Por exemplo, há a tese de que somente bancos oficiais, e aqui o conceito de banco oficial é o conceito de banco público, é que podem acolher depó-sitos judiciais. Outros juristas afirmam

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“Uma proposta é alterar o signifi cado de “Depósito Judicial” para “Depósito

à Disposição da Justiça”

ARTIGO

que não se pode cobrar nada dos bancos para estes administrarem os depósitos judiciais, já que o judiciário, nessa ótica, não é depositante, nem é depositário dos valores. E mais: há dúvidas e interpretações diversas so-bre qual índice deve ser aplicado para as correções dos depósitos e débitos judiciais. Surgem assim, várias teorias que vão do conceito do nominalismo puro aos conceitos de um nominalis-mo, digamos exótico, com pitadas dos conceitos da legalidade e equidade.

Quando um depósito é efetuado na rede bancária, o valor deposi-tado pode assumir diversos nomes, pode ser um depósito à vista, um depósito a prazo (CDB ou RDB) um depósito interfinanceiro, um depó-sito de poupança e um depósito judicial. Para cada tipo de depósito, há formalidades e direcionamentos (obrigação de emprestar conforme determinação do Banco Central) exigidos pela autoridade monetária, para cumprimento da política mone-tária do país. Para o Banco Central, o “depósito judicial” é uma subconta dos “Depósitos a Prazo Fixo”, sem ser um CDB ou um RDB. Importante registrar que a remuneração dos depósitos judiciais não é fruto de uma negociação entre depositante e depositário, como o é no caso do CDB ou RDB. A remuneração dos depósitos judiciais é TR+0,5%am e é fruto de uma regra, uma norma e não de uma negociação entre cada TJ e cada banco oficial.

Com a redução da taxa de juros básica da economia (a taxa Selic), o governo federal estuda alterar o cálculo da rentabilidade da cader-neta de poupança, indexando-a à taxa Selic. E por que promove tal estudo? Porque se a taxa básica da economia diminuir para um dígito, todos correrão para a poupança, que tornar-se-á mais atrativa, pois não possui imposto de renda e, até R$ 70,0 mil, é garantida pelo Fundo Garantidor de Crédito. Seria o caos por vários motivos, os Fundos de Investimentos, os CDB(s) e RDB(s) deixariam de ser atrativos e pior: os recursos oriundos da caderneta de poupança respondem pelo direcio-namento dos créditos imobiliários, havendo, com estas mudanças, um

brutal desequilíbrio no mercado financeiro brasileiro.

No que tange aos depósitos ju-diciais, vale lembrar que o custo de captação para os bancos é TR+0,5%, a mesma taxa da caderneta de pou-pança e o ganho pela aplicação é a taxa Selic (a taxa sem risco). Ora, se estas taxas forem praticamente as mesmas, por que os bancos pagariam para ter os depósitos judiciais?

Tanto os juros de 1%am da justiça, quanto os juros da caderneta de pou-pança são juros “tabelados” e ferem o conceito de economia de mercado. Atualmente, garantir na caderneta de poupança 6,17%aa, a juros compos-tos, ou 0,5%am, a juros simples mais a variação da Taxa Referencial (TR), é desconsiderar o que ocorre nos mercados do mundo e na própria economia brasileira, com impactos no mercado monetário, no mercado cambial, no mercado de capitais e no mercado de crédito (mercados que compõem o mercado financeiro).

Há vários índices no mercado que podem substituir a remuneração dos depósitos judiciais, alguns são cha-mados de índices de inflação e são normalmente aplicados sobre direitos e obrigações, são também chamados de correção monetária e indexam os contratos e são usualmente usados para a determinação de regras de reajustes de valores nominais que dependem da inflação. E aqui uma questão: Se a variação do depósito e/ou débito judicial for medido por um índice que reflita a inflação, o depósito ou débito judicial poderá “diminuir” de um mês para outro, pois pode haver deflação. Isso mesmo, imaginar um índice puro de inflação para se corrigir um valor é imaginar a possibilidade de uma dívida dimi-nuir (índice negativo) ao invés de a dívida aumentar, principalmente se a medição for mensal. Uma coisa é o valor nominal sofrer acréscimos

menores em relação a um padrão ou índice utilizado pelo mercado financeiro, outra coisa é o valor efe-tivamente diminuir. Estamos tratando aqui de uma atualização monetária sobre um determinado valor principal que expresse a perda de capacidade aquisitiva, não somente por conta da inflação, mas também e fundamen-talmente, por conta da variação de uma taxa que equilibre os desejos dos agentes econômicos. Esta taxa de equilíbrio é chamada de taxa de juros da Economia, que é, na verda-de, um quantum para se expressar o nível de equilíbrio entre produção (mercadorias e serviços disponíveis) e quantidade de moeda circulando na Economia e contempla um prin-cípio de atualização monetária e um princípio de remuneração de valores (juros). No Brasil, tal taxa de equilí-brio é chamada de “taxa Selic” e é definida, em tese, no ponto onde há o equilíbrio entre o desejo de consumir bens e serviços e o desejo de poupar.

A taxa Selic está embutida em qual-quer preço da economia brasileira, pois representa o custo de oportunida-de de toda essa economia. Explicando melhor: se alguém deseja montar um negócio, esse alguém, como agente econômico, pensa assim: “se comprar papéis do governo, sou remunerado em média, pela taxa Selic, a 11,5%aa, praticamente sem risco, então meu negócio tem que me remunerar com uma taxa superior à taxa Selic”.

Por que essa argumentação? Para provar que não deve ser um índice “puro” de inflação de preços a corri-gir débitos e depósitos judiciais e sim um índice que reflita um nível básico de equilíbrio que está ocorrendo em determinado momento na Economia.

Mas, um ponto deve estar claro para cada Tribunal de Justiça do Bra-sil: quanto mais próximo do custo do dinheiro na economia e a correção dos Depósitos Judiciais nas contas

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gráficas respectivas ocorrer, menos os bancos pagarão para administrá-los. Não que os depósitos judiciais deixarão de ser atrativos, muito pelo contrário, todavia, os banqueiros quando negociam com os TJ(s) usam como custo de oportunidade a taxa Selic (a taxa sem risco) e não a taxa média que os bancos emprestam a seus clientes, pois esta taxa para empréstimos, embute vários outros custos, inclusive o risco de crédito pela possível inadimplência de seu cliente.

Assim, a escolha de tal índice é uma “escolha de Sofia” e deverá estar presente quando da decisão entre escolher um indicador “melhor” para negociações com os bancos e “pior” para a aplicabilidade conceitual so-bre juros e correção aqui discutidas.

Uma única mudança na econo-mia, como por exemplo, a poupança indexada à Selic, tornaria todas as questões levantadas no início deste artigo completamente sem sentido, posto que os banqueiros, públicos ou privados, nada pagariam por contra-tos para administrarem os depósitos judiciais.

Atenção! Se forem os TJ(s) os depositantes dos depósitos judiciais, toda a receita pelas aplicações financeiras seria do próprio Tribu-nal e não teria que haver contrato algum. É claro, para isto acontecer, mudanças profundas em várias legis-lações deverão ocorrer e inúmeras audiências públicas virão no rastro, mas façamos o seguinte exercício: Se as receitas financeiras e as receitas com contrato terminassem agora o que seria dos TJ(s) dos maiores estados da federação? Consegui-riam honrar seus compromissos? É simples a lógica e que não se acuse os TJ(s) de incompetência. Vejamos o porquê: As receitas financeiras e de contratos com Bancos são des-tinadas para investimentos e outras melhorias. Todo investimento pre-cisa, no futuro, de gastos com sua manutenção e seu funcionamento, ou seja, custeios... Em sua maioria, contratos com bancos públicos vêm ocorrendo desde 2004, sempre com taxas de juros generosas na Econo-mia brasileira, com exceção de um

breve período de 2009, quando a taxa Selic chegou a 8,75%. Assim, vários investimentos foram feitos, que geraram vários custeios. Logo, se a receita financeira e a receita com contratos forem subtraídas ou deixarem de existir, há que se cortar os investimentos do futuro, com custo político baixo, mas também os custeios do presente, gerados por investimentos do passado, com custo político muito, muito alto.

Vejamos a seguinte situação: Ima-ginem um TJ com depósito judicial médio de R$ 10.000.000.000,00, em determinado mês. Imagine uma taxa de contrato de 0,30%am sobre tal valor médio. Imagine que o TJ recebe o valor da remuneração no início do mês seguinte e aplique o valor recebido imediatamente no mercado financeiro a 100% da taxa Selic e que a taxa Selic foi de 0,99%am. Lembrando: A remune-ração exemplificada, bem como a taxa mensal somente são possíveis, se, e somente se, a taxa de juros na economia estiver entre 12,0%aa e 12,5%aa. Assim, teríamos:

V a l o r p e l o c o n t r a t o : R$ 10.000.000.000,00 x 0,30% = R$ 30.000.000,00

Valor pela aplicação financeira de R$ 30.000.000,00 x 0,99% = R$ 297.000,00

Total no Caixa deste TJ no final do mês: R$ R$ 30.297.000,00.

Mas, se fosse o TJ a administrar seus depósitos e o valor médio aplica-do tenha sido R$ 10,0 bilhões? Aque-le TJ receberia R$ 99.000.000,00 no mês. Claro está que os TJ(s) numa situação como a exemplificada assu-miriam os riscos e os custos para ad-ministrarem as contas, mas nada que não seja operacionalmente possível de ser feito.

E se as taxas diminuírem aos níveis projetados pelos agentes econômicos?

Com taxas, a 9,5%aa, numa hipótese de negociação bem otimis-ta, um banco não pagaria mais de 0,20%am.

Se as médias da simulação ante-rior forem as mesmas, teríamos:

V a l o r p e l o c o n t r a t o : R$ 10.000.000.000,00 x 0,20% = R$ 20.000.000,00

Valor pela aplicação financeira de R$ 20.000.000,00 x 0,76% = 152.000,00

Total no Caixa no final do mês: R$ 20.152.000,00

Pelas simulações, o orçamento médio anual, com taxas de 12,5%, era de R$ 363,5 milhões. Com taxas de 9,5%, atinge R$ 241,8 milhões. Quer dizer, R$ 121,7 milhões “escoam pelo ralo”, se o cenário econômico projetado pelos analistas de mercado vier a ocorrer. Que ente público “perde” receitas em tal magnitude e não precisa de profundos ajustes?

Daí a necessidade de se discutir, desde já, as questões aqui levanta-das. Vejamos algumas propostas, as quais, para produzirem os efeitos desejados, podem ser aplicadas de forma isolada e/ou combinadas:

(1) Alterar CPC – Código de Processo Civil, incluindo que to-dos os bancos, sejam públicos ou privados, possam receber os de-pósitos judiciais, desde que alguns indicadores econômico-financeiros e de capilaridade sejam atendidos;

(2) Alterar a remuneração dos depósitos judiciais retirando a forma atual de TR+0,5% (taxas da caderneta de poupança);

(3) Alterar o significado de “De-pósito Judicial” para “Depósito à Disposição da Justiça”. Tornando o Poder Judiciário o depositante, desta forma, 100% da receita fi-nanceira seria dos Tribunais. Um fato é cristalino, o governo

brasileiro sinaliza com alterações na economia, tais mudanças, como vimos, poderão gerar desequilíbrios nos orçamentos de vários TJ(s) no Brasil. Não se sabe exatamente o quanto e quando os juros diminuirão, mas eles diminuirão e diminuindo as conseqüências não serão boas para os TJ(s) que contam com expressivas receitas financeiras e receitas deriva-das de contratos e/ou convênios com bancos para “fechar” seus respectivos orçamentos.

A meu ver, não há salvo melhor juízo, o encaminhamento destas questões precisa ser discutido urgen-temente, inclusive com os banqueiros à mesa.

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Dando prosseguimento aos programas de debates jurídicos em parceria com

a OAB Niterói, o IDS América Latina e a Revista MURAL, o se-gundo encontro acontecerá no dia 29 de fevereiro abordando o tema DESAPOSENTAÇÃO com dois eminentes juristas do Direito Previdenciário: Fábio Souza e Fábio Zambitte Ibrahim.

A “desaposentação” é um tema extremamente relevante da atualidade jurídico-previ-denciária, influenciando a vida de milhões de segurados que continuam a trabalhar após a aposentadoria. Trata-se da discussão sobre a possibilidade da reversão de aposentadoria, aproveitando-se o tempo de atividade enquanto o trabalha-

ENCONTROS JURÍDICOS

DESAPOSENTAÇÃOdor estava em benefício para a obtenção de uma nova apo-sentadoria em condições mais favoráveis. O STJ é favorável e o STF está analisando em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral.

O palestrante Fábio Souza é Juiz Federal, professor de Direito Previdenciário da UFRJ e do IDS América Latina, Mestre e Douto-rando em Direito Público (UERJ) e em Sociologia e Direito (UFF), Presidente da Comissão de Di-reito Previdenciário da EMARF (Escola da Magistratura Federal da 2ª Região)

O palestrante Fábio Zambitte Ibrahim é Auditor Fiscal da Re-ceita Federal, Doutor em Direito Público (UERJ), Mestre em Direito Previdenciário (PUC- SP), pro-

fessor e coordenador de Direito Previdenciário da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), professor de Pós-Graduação lato-sensu da CEPED-UERJ e da FGV, conse-lheiro representante do Governo do Conselho de Recursos da Pre-vidência Social (MPS), professor de Direito Previdenciário do CEJ 11 de Agosto, autor de obras ju-rídicas pela Editora Impetus entre elas, “desaposentação” e “Curso de Direito Previdenciário”.

Portanto, o debate sobre “DE-SAPOSENTAÇÃO” será no dia 29/02/2012, no auditório da OAB Niterói (Av. Ernani do Ama-ral Peixoto, 507/ 11° andar), com início às 18h. Para os estudantes de Direito serão atribuídas horas para efeito de estágio.

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MATÉRIA DE CAPA

1. INTRODUÇÃONo passado, as Ordálias eram forma de

punição e critério para obtenção da ‘verdade’, funcionando como um ‘Jogo da vida’, onde em nome de Deus e para aferir se determinada pessoa falava ou não a verdade, eram impostas diferentes formas de crueldade humana (prova do fogo, prova das serpentes, prova do rio, prova do duelo, entre outras), onde mesmo quem não fosse culpado confessava a culpa ou não sobrevivia1. A obtenção da verdade se confundia entre a fé e a força. Felizmente, hoje é utilizado o processo racional. Contudo, resta saber qual é o limite para se apurar a verdade dos fatos.

2. OBTENÇÃO DA VERDADEO jurista e professor Paulo Rangel, afirma

que a verdade dos fatos se diferencia da ver-dade dos autos:

“Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória. Afirmar que a verdade, no processo penal, não existe é reconhecer que o juiz penal decide com base em uma mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade processual, como se ela fosse única, é uma grande mentira. (...)A verdade processual deve ser vista sob um enfoque da ética, não do consenso, pois não pode haver consenso quando há vida e liberdade em jogo, pelo menos

O erro é a falsa percepção da realidade. Equívocos no deslinde de um crime são comuns e fazem parte da história da sociedade humana, se diferenciando apenas em razão da época e modos de julgamento. Modernamente, a tecnologia vem aprimorando diversos instrumentos, como a vídeo conferência, o software para análise de voz e o retrato falado, com intuito de evitar erros e garantir a máxima dignidade da pessoa humana.

André Costa e Rossana Fisciletti

POR QUE É TÃO DIFÍCIL

PROVAR A VERDADE?

enquanto se estiver compromissado com o outro como ser igual a nós, por sua diferença. A verdade obtida, consensu-almente, somente terá validade se for através da ética da alteridade. A verdade é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a moti-vação recaem sobre tudo que se apurou nos autos do processo”. 2

Inicialmente, a investigação de um delito, geralmente, é o nascedouro da sequência de desacertos capazes de levar à condenação um inocente. A investigação de um crime requer cuidado, dedicação e compromisso com a verdade, evitando falhas na colheita de provas e a possível contaminação de parte ou de toda a persecução penal. O Código de Processo Penal elenca um rol de precauções que a autoridade policial deve tomar (art. 6º).

A partir da análise de diversos casos onde houve falha judicial, pode-se observar que um erro se propaga – culminando no cerceamento da liberdade de um indivíduo – a partir de uma sucessão de equívocos que vão, geralmente, da investigação até o trânsito em julgado de uma decisão.

3. ERROS DE JULGAMENTO: CASOS EMBLEMÁTICOS

A título de exemplo, citamos três casos de grave erro judicial:

Primeiro caso: O famoso caso de Manoel da Motta Coqueiro, datado de 1847, conhe-cido como a Fera de Macabu, condenado à pena de morte por uma chacina de oito colonos em uma de suas propriedades; “todos os indícios apontavam para o fazendeiro; as autoridades policiais locais, seus adversários políticos imediatamente o acusam do crime” (...) ele é julgado duas vezes de forma parcial e condenado à morte. Logo a condenação é ratificada pelos tribunais superiores, e D. Pedro II nega-lhe a graça imperial. Pela primeira vez no Brasil um homem rico e com destacada posição social vai subir a forca. Pouco tempo

depois do enforcamento descobre-se que o fazendeiro tinha sido a inocente vítima de um terrível erro judiciário. Abalado o Imperador, um humanista em formação decide que dali em diante ninguém mais será enforcado no Brasil.3

Segundo caso: Outro caso de injustiça, considerado pelo Superior Tribunal de Justiça como um dos maiores erros judiciários do Brasil, foi o de Marcos Mariano da Silva, confundido com um homônimo. Inocente, ficou recluso sem ao menos possuir ordem judicial de prisão, so-frendo as mazelas do sistema carcerário. Marcos Mariano teve graves sequelas, como a de ficar cego em razão de rebelião ocorrida no interior do presídio, contrair tuberculose e desenvolver um câncer. Ingressou com ação indenizatória contra o Governo de Pernambuco, que foi condenado a pagar o valor aproximado de R$ 2 milhões (indenização que não chegou a usufruir integralmente, pois faleceu em novembro de 2011). O STJ negou o provimento do recurso especial impetrado pelo Estado de Pernambuco em acórdão do Min. Luiz Fux, que discorreu seu relatório com base no princípio da dignidade da pessoa humana:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE ATOS PRATICADOS PELO PODER JUDICIÁRIO. MANUTENÇÃO DE CIDADÃO EM CÁR-CERE POR APROXIMADAMENTE TREZE ANOS (DE 27/09/1985 A 25/08/1998) À MINGUA DE CONDENAÇÃO EM PENA PRIVATIVA DA LIBERDADE OU PROCEDIMENTO CRIMINAL, QUE JUSTIFICASSE O DETIMENTO EM CADEIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO. ATENTADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. (...). Fixada a gravidade do fato, a indenização ima-terial revela-se justa, tanto mais que o processo revela o mais grave atentado à dignidade humana, revelado através da via judicial. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana,

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na autodeterminação; na vontade livre daqueles que usufruem de uma vivência sadia. É de se indagar, qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dig-nidade se tanto quanto experimentou foi uma “morte em vida”, que se caracterizou pela supressão ilegítima de sua liberdade, de sua integridade moral e física e de sua inteireza humana?. Anote-se, ademais, retratar a lide um dos mais expressivos atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sob esse enfoque temos assentado que “a exigibillidade a qual-quer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu re-gramento superior estabelecendo no art. 1º que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafas-tabilidade da jurisdição, marcando a rela-ção umbilical entre os direitos humanos e o direito processual”. (REsp 612.108/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 03.11.2004) 12. Recurso Especial des-provido. Recurso Especial, nº 802.435/PE (2005/0202982-0). Rel: Ministro Luiz Fux. Recorrente: Estado de Pernambuco. Recorrido: Marcos Mariano da Silva.

Terceiro caso: No último dia 12 de janeiro, o desembargador Luís Carlos Ribeiro dos San-tos, do TJ de São Paulo, concedeu o HC (Proc. 0303484-67.2011.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Criminal), ao agente de saúde Michel Silveira da Silva, que ficou preso por 72 dias, de-nunciado pelo crime de roubo. A vítima apontou o agente de saúde na rua como sendo o autor de um assalto à mão armada e ele foi preso de forma irregular, pois havia provas testemunhal e documental de que estava trabalhando no momento do crime. No boletim de ocorrência constou que Michel foi preso em flagrante, nove dias depois do assalto.

4. USO DA TECNOLOGIA EM BUSCA DA VERDADE

A tecnologia tem sido usada para facilitar a comprovação e elucidação de casos, podendo evitar que erros tão grosseiros sejam cometidos. Hoje, a vídeo conferência (Lei 11.900/2009), apesar de inúmeros protestos de constituciona-listas – sob o argumento de não observância de princípios como o do juiz natural, o da identi-

dade física do juiz e os da publicidade, ampla defesa e contraditório – vem sendo amplamente usada nos processos, assim como a intercep-tação telefônica (Lei 9.296/96). Outro recurso é o polígrafo ou software analisador de voz, usado em outros países como meio de prova e que recentemente passou a ganhar adeptos na justiça brasileira.

A acepção da palavra ‘prova’, segundo o jurista Renato Brasileiro de Lima, é dividida em três: prova como atividade probatória – conjun-to de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade dos fatos relevantes para o julgamento –; prova como resultado – caracterizada pela formação da convicção do órgão julgador no curso do processo quanto à existência (ou não) de deter-minada situação fática –; e, prova como meio – instrumentos idôneos à formação da convicção do órgão julgador acerca da existência (ou não) de determinada situação fática.4

4.1 ANALISADOR DE VOZNo texto “A Constituição e as Interven-

ções Corporais no Processo Penal: existirá algo além do corpo?”5, o autor Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, observa, utilizando o Direito Comparado da Alemanha, a nítida distinção entre intervenções corpo-rais (realizadas no corpo mesmo) e registros corporais (realizados na superfície do corpo, incluindo suas cavidades naturais):

“Ainda que não se insiram no conceito de intervenções corporais, a coleta coercitiva de padrões grafotécnicos e vocais do acusado também têm sido consideradas inadmissíveis pela juris-prudência brasileira. Do mesmo modo, o de reconhecimento de pessoa e a reconstituição do crime só poderiam ser procedidas com a anuência do acusado.A omissão da advertência quanto ao direito ao silêncio também pode ser motivo de nulidade do processo porque integrante da garantia de proteção absoluta à incolumidade física e moral da pessoa do acusado”.

Contrariamente ao formalismo legislativo e jurisprudencial, a Secretaria de Segurança do Rio Grande do Sul adquiriu um moderno software para análise de voz e este passou a se utilizado pela polícia gaúcha, influenciando na libertação de Cristiano Marini, que apesar de inocente ficou preso durante 1 ano e 20 dias, após o executor do fato - acusado de cometer um homicídio - o apontar como sendo o mandante do crime, com o intuito de obter o benefício da redução de pena (delação premiada). O vídeo do depoimento do atirador passou pelo crivo do detector de

mentiras e esta prova foi considerada pelo júri popular, absolvendo Marini.

Em Caxias do Sul, o empresário João Otacílio Buzin foi preso acusado de assassinar sua noiva. A polícia gravou o telefonema da vítima chorando, pedindo resgate e a perícia com a utilização de um aparelho analisador de voz concluiu que não se tratava da pes-soa sequestrada. João Otacílio também teve seus depoimentos submetidos à máquina da verdade. Esta prova foi apresentada e aceita pelo tribunal do júri que o absolveu. A Primeira Câmara Criminal de Caxias do Sul negou provimento à apelação do Ministério Público: “RÉU ABSOLVIDO. DECISÃO QUE NÃO SE CONTRARIA À PROVA DOS AUTOS”. Ap. n. 70008995342.

5. ATUAÇÃO DO CNJ

Sensível às ilegalidades do sistema prisional brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pioneiramente criou um mutirão com o objeti-vo de corrigir e solucionar toda ou qualquer irregularidade.

Entre 2010 e 2011 (conforme tabela), o programa Mutirão Carcerário criado em 2008, segundo noticiado pelo sítio institucional do órgão6, conseguiu a libertação de 21 mil pessoas que estavam presas irregularmente. O Mutirão realiza diagnósticos do sistema de justiça criminal brasileiro e hoje é reconhecido não só como uma política de segurança públi-ca, mas também como um programa de direitos humanos. Em entrevista coletiva, o presidente CNJ e do STF, ministro Cezar Peluso afirmou não conhecer um programa análogo no mundo que tenha resultado na reparação de tantas situações ilegais.

Conforme divulgado pelo CNJ, dentro de um universo de 475 mil detentos existentes em todo o país 43% são presos provisórios.

6. CONCLUSÃOA verdade dos fatos não é simples de se

revelar. A tendência é usar a tecnologia da análise de voz para otimizar o tempo na eluci-dação de casos.

O uso do polígrafo não é amplamente aceito no sistema jurídico brasileiro por falta de regulamentação, o que não afasta a possibili-dade de seu uso em fase de inquérito policial, a exemplo da Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul. Ressalte-se que nos casos citados em que o instrumento foi utilizado, o corpo de jurados o aceitou como prova informa-tiva do fato. O polígrafo pode ser usado como meio de prova, desde que por perito habilitado para obter as informações necessárias e com o consentimento do indiciado/réu.

Regulamentar o uso deste recurso é fun-damental para que haja aceitação dos órgãos

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julgadores, embora tenham vozes importantes contrárias ao seu uso, como a do Defensor Pú-blico e professor Denis Sampaio, que concedeu a entrevista a seguir.

REFERÊNCIAS1. Foucault explica que “A tortura é um jogo judiciário estrito. E a esse título, mais longe do que as técnicas da Inquisição, ela se liga as antigas provas que se utilizavam nos processos acusatórios: ordálias, duelos judiciais, julgamentos divinos. Entre o juiz que ordena a tortura e o suspeito que é torturado, há ainda como uma espécie de justa: o “paciente” — é o termo pelo qual é designado o supliciado — é submetido a uma série de provas, de severidade graduada e que ele ganha “aguentando”, ou perde confessando”. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 26. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 36.2. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 8. 3. Trecho do livro “Fera de Macabu – A história e o ro-mance de um condenado à morte”, MARCHI, Carlos. Rio de Janeiro: Record, 1998.4. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. 1. Rio de Janeiro: Impetus, p. 833-835. 5. CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. A Constituição e as Intervenções Corporais no Processo Penal: existirá algo além do corpo? In: KLEVENHUSEN, Renata Braga (organizadora). Temas sobre Direitos Huma-nos em Homenagem ao Professor Vicente Barreto, Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2009, p. 101 e 102.6. BRASIL, Sítio Eletrônico do Conselho Nacional de Justiça. Mutirão Carcerário libertou mais de 21 mil pessoas em dois anos. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>.

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Denis Sampaio: Defensor Público, Mestre em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes, Doutorando pela Universidade Clás-sica de Lisboa, Professor de Processo Penal da EMERJ, FESUDEPERJ, CEJ, FGV e Pós Gradu-ação da UCAM, autor de diversos artigos e livros, entre eles: A verdade no Processo Penal - A permanência do Sistema Inquistorial através do discurso sobre a verdade real (Lumen Juris).

Uma das mais importantes opiniões contrárias à aplicação da ‘máquina da verdade’ é a do defensor público Denis Sampaio. Nesta entrevista, ele afi rma que a utilização deste instrumento confi gura “prova ilícita pela violação à dignidade do indivíduo, parâmetro máximo de proteção constitucional”.

USO DO POLÍGRAFO NO PROCESSO PENAL

O que acha do uso do polígrafo (detec-tor de mentiras ou máquina da verda-de) nas ações penais?

Para começarmos a refletir sobre o uso do polígrafo, temos que analisar a possibilidade (ou não) das intervenções corporais como medidas de investigação ou obtenção de provas nas ações penais. Este tema além de antigo, indica diversas discussões sobre as medidas de investigação que se realizam sobre o corpo das pessoas, com o objetivo de descobrir circunstâncias fáticas que interessem à análise da responsabilidade criminal do indivíduo.

No nosso direito processual penal, há diver-sos meios de intervenções corporais codificados. Podemos exemplificar a partir da busca e revista pessoal (art. 244, CPP), identificações criminais datiloscópicas (Lei 12.037/09), perícias, teste de alcoolemias pela dosagem de álcool no sangue ou através do bafômetro, para constatar o estado etílico do condutor do veículo automotor (art. 277, Lei 9503/97), etc.

No entanto, outros meios conhecidos não são regulamentados no ordenamento jurídico brasileiro e, contextualizando nosso tema, o próprio uso do polígrafo ( também conhecido como um exame de detecção psico-fisiológica de fraude - psychophy-siological detection of deception (PDD)).

O primeiro impeditivo constitucional (tipicida-de processual) é a própria ausência de regulamen-tação normativa deste meio de obtenção de prova. Ao contrário do Direito Processual Português, em que deixa em aberto a possibilidade do acusado se sujeitar a realização de eventuais exames, mesmo havendo recusa (art. 172, n. 1, Cod. Proc. Port. Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente), no nosso or-denamento o impedimento da realização dar-se-á pela ausência de previsão e a impossibilidade de coação corporal.

Certo é que, todos os meios de intervenções corporais devem seguir a determinação constitu-cional do valor do homem, não podendo afetar qualquer direito ou garantia do indivíduo, com ênfase à sua dignidade, a integridade física e mental, a sua capacidade de autodeterminação. Por isso, não podemos autorizar a possibilidade de utilização destas medidas quando ocorrer violação à sua personalidade, ainda que a intenção seja positiva à busca da demonstração dos fatos.

Além da questão que envolve a integridade

do próprio corpo do indivíduo, não podemos es-quecer da garantia constitucional do silêncio, bem como o princípio da não autoincriminação (nemo tenetur se detegere) reconhecido como garantia internacional através da Convenção Americana de Direitos do Homem (art. 8º, n. 2, alínea g). Nesta linha, nenhum indivíduo tem o dever de produzir provas contra si próprio, não havendo necessidade de um comportamento ativo para a demonstração do fato, até porque, outra garantia constitucional (estado de inocência) impõe o ônus da prova à acusação.

Portanto, ao nosso sentir, a Constituição da República, por todos seus ditames democráticos, veda a utilização do polígrafo no processo pe-nal, na medida em que haveria grave violação à integridade física e mental do acusado e sua capacidade de autodeterminação. Esta eventual intervenção configuraria prova ilícita pela violação à dignidade do indivíduo, parâmetro máximo de proteção constitucional.

Esse instrumento poderia ser usado em todas as fases da apuração de um crime, desde o Inquérito Policial?

Partimos da premissa de que todos os envolvi-

dos na seara penal (procedimental) têm a melhor das intenções na busca de uma solução justa. Assim, inclusive em sede policial. Por isso, um dos pontos mais delicados ao deslinde da causa pe-nal, dar-se-á na fase de investigação. O Inquérito Policial possui a função básica de estruturar a ação penal que almeja uma decisão final. Por isso, a força e obrigatoriedade são ditames necessários à investigação, a partir de toda a estrutura codifi-cada e os melhores meios de iniciar, desenvolver e concluir as apurações. São preceitos ilimitados? Claro que não. Há limites. Estes estarão, na sua maioria, no texto constitucional.

Assim, como defendemos que o uso do polígrafo gera diversas violações constitucionais, caracterizando-o como prova ilícita, também dis-cordamos da sua utilização na fase do Inquérito Policial (ainda que houvesse autorização judicial) e, caso haja essa intervenção nesta fase, como denota-se prova proibida, ocorrerá a derivação da ilicitude da prova para todo contexto consequente (art. 157, § 1º., CPP).

A recusa do indiciado/acusado em se submeter ao polígrafo induz presunção de culpa?

Como não há previsão legal para a “má-quina da verdade” no processo penal brasileiro, bem como pelas garantias constitucionais já expostas, esta medida investigativa denota-se ilícita, por isso, nenhuma das autoridades envol-vidas no sistema criminal deverá, teoricamente, desenvolvê-la. Porém, a indagação torna-se mais ampla. A questão pode abarcar outras interven-ções corporais contra o acusado, por exemplo, fornecimento de padrões gráficos para o exame pericial ou mesmo se submeter ao bafômetro.

A resposta, ao nosso sentir, seguirá sempre na proteção constitucional da disponibilidade do acusado, uma vez que o direito ao silêncio, bem como o princípio da não produção de provas com si próprio garantem ao indiciado/acusado a recusa de qualquer intervenção contra ele. Aqui as máximas da integridade física e mental, personalidade e dignidade devem seguir como parâmetro de proteção constitucional. Nesta linha interpretativa, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela ausência de necessidade de fornecimento de material gráfico (RCL n. 2040), não havendo, inclusive, plausibilidade jurídica para a tipificação do crime de desobediência (art. 330, CP) caso o indiciado/acusado não fornecesse o material em

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alusão (HC 77.135-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 8.9.98.). Da mesma forma decidiu o Superior Tribunal de Justiça, (HC. 166377, Rel. Min. Og Fernandes).

Por conseguinte, não se torna obrigatória realização do bafômetro para a constatação do grau etílico do condutor de veículo auto motor, como já se tornou popularmente conhecida essas recusas nas blitz da “Lei Seca”.

Conclui-se, portanto, que como o indiciado/acusado não se mostra objeto da prova, nem mesmo do processo, mas sim indivíduo detentor de todos os direitos e garantias constitucionais previstos, poderá sim se recusar a submissão ao polígrafo e, ressalta-se, que esta recusa jamais poderá ser reconhecida como elemento de valoração negativa pelo juízo, ou seja, não servirá como presunção acerca de um fato para a formação do convencimento do juiz contra o indiciado/acusado. Deve-se lembrar que será, tão somente, o exercício de garantia fundamental que jamais figurará como atividade prejudicial àquele.

O resultado da análise de voz (como de baixo risco) pode ser unicamente le-vado em consideração para inocentar alguém? É prova sufi ciente para isso?

Em decorrência de alguns casos de inope-rância do uso do polígrafo em outros países, já vem sendo desenvolvido outras intervenções pessoais para a detecção de eventuais fraudes ou inverdades. Uma delas é a análise da voz, sendo publicizada como de baixo risco em relação à confiabilidade da medida.

Este sistema é baseado na tecnologia da ave-

riguação do estresse vocal, realizada a partir de uma série de algarismos complexos que detectam estresses do interlocutor para depois classificá-los. Os indícios ocorrem em virtude da provocação do estresse a partir da mentira, excitação ou exageros, constatando a ausência de normalidade na exposição da fala, o que poderá configurar irrealidades quanto aos fatos indagados.

Da mesma forma que o polígrafo, o sistema de análise da voz, quando utilizado compulso-riamente, gera uma intervenção corporal que violaria a dignidade do indivíduo, na medida em que se busca a demonstração de um fato sem a ressalva da garantia constitucional do silêncio.

Porém, sabemos que o conteúdo da auto defesa, ainda que passiva, figura-se como dis-ponível, podendo o acusado, se voluntariamente assumir o risco, realizar este exame. O que está radicalmente rechaçado, é a realização de pro-postas ardilosas ou enganosas como meio de in-duzir a autoincriminação. Por isso, imprescindível a prévia informação sobre o direito de não falar, que jamais corresponderá prejuízo ao acusado e, com certa dificuldade prática, o beneficiará, na medida em que o ônus da prova incumbe à acusação, e ele, teoricamente (como fator cons-titucional), nada precisa provar.

Por outro lado, em decorrência do princípio constitucional da proporcionalidade, qualquer prova, ainda que ilícita, se vier a beneficiar o acu-sado, seria válida à análise judicial (denominada prova ilícita pro réu).

Porém, não podemos minimizar todo o con-texto probatório. Para a formação de uma decisão judicial não mais será possível a utilização de

único meio de prova (o sistema da prova legal ou tarifada não mais faz parte do nosso ordena-mento processual e sim o livre convencimento motivado), até porque o valor das provas será sempre relativo em decorrência da necessidade de análise de todo o conjunto de postulações, produções e argumentações.

Ainda que haja, por grau de excepcionali-dade, a realização da análise da voz, por si só, não será suficiente para absolver o acusado. Por óbvio, será necessária a valoração do conjunto de dados probatórios e, claro, sopesar esta medida merecedora de análise criteriosa. Aliás, como qualquer outro meio de prova.

A partir dessas indagações outras surgem para reflexão. Qual seria a função primordial do uso do polígrafo e da análise de voz? Descobrir a verdade? Ou se realmente o acusado está expon-do fatos inverídicos? Meios ardilosos de confissão, ainda que indireta? Chegar a conclusão que as inverdades expostas merecem a resposta penal? E as garantias do silêncio e situação de inocência onde seriam encaixadas?

São reflexões não para serem respondidas, mas para confirmarem que sempre devemos pautar o processo penal como uma ciência dependente da atividade democrática, em que qualquer burla a esse paradigma seria reviver épocas medievais prejudiciais a todos os indivíduos, inclusive aqueles que não estão interligados no arcabouço do sistema criminal. Por isso, jamais o avanço científico poderá trazer em seu bojo o retrocesso no campo da ética, da crença e fraternidade nas relações entre os homens.

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os dois principais são: 1) o intervalo até a retenção (a diminuição da precisão da lembrança se deve ao esquecimento normal, o qual é mais rápido após a aquisição e antes da retenção, tornando-se mais lento em seguida) e 2) as informações obtidas após o ocorrido (durante o intervalo entre a aquisição e a retenção, ou mesmo após a retenção, a testemunha está exposta a novas informações sobre o acontecimento presenciado, por exemplo, por comentários posteriores de outras testemunhas, os quais criarão problemas para distinguir entre a informação original e a incorporada pos-teriormente).1

Quanto ao primeiro fator de deterio-ração da lembrança não há muito a que discorrer, aplicando-se tão somente uma regra aritmética para a qual a relação entre o tempo e a lembrança são inversamente proporcionais, ou seja, quanto maior o tem-po transcorrido entre o fato e o momento da recuperação desta informação na memória, menor e pior será a lembrança.

No tocante à contaminação da memória

por informações externas, devemos afirmar que frequentemente a informação posterior ao evento, recebida pela testemunha ou pela vítima, lhes é proporcionada durante a tomada da declaração pelo sujeito (poli-cial) que está incumbido da investigação e, ainda que inconscientemente, ele conduz o depoimento na direção que melhor condizer com seu preconceito sobre o deslinde dos fatos. Assim, as perguntas que obedeçam a determinados interesses parciais, baseadas em premissas falsas e em expectativas do entrevistador, podem distorcer, seriamente, a lembrança dos fatos, por uma testemunha.

De fato, não há uma preocupação acentuada dos profissionais encarregados da investigação preliminar (inquérito poli-cial, por exemplo) e da instrução processual acerca da psicologia do testemunho e do reconhecimento. De nada adianta uma boa aquisição e retenção da memória se houver falha justamente no terceiro momento, isto é, na recuperação da lembrança.

Adentrando mais profundamente ao segundo tipo de vício da memória (informações externas após o ocorrido), veremos alguns estudos acerca das dis-torções da memória, realizados por Eli-zabeth Loftus2, iniciados ainda na década de setenta. Esses estudos apresentaram resultados impressionantes e até mesmo assustadores, pois concluíram que a lem-brança pode ser altamente manipulada a partir de informações errôneas sobre acontecimentos nunca vividos, e também pode haver modificação dos fatos viven-ciados. Loftus realizou centenas de expe-riências, com mais de vinte mil pessoas, a fim de constatar como a exposição a informações não verdadeiras distorce a memória. Averiguou, através de trabalho de campo, ser a desinformação capaz de modificar as lembranças de maneira previsível e até mesmo espetacular, nas situações mais cotidianas: “a informa-ção errônea pode se imiscuir em nossas lembranças quando falamos com outras pessoas, quando somos interrogados de maneira evocativa, ou quando uma

Rodrigo de Souza Rezende e Alexandre de Sá Domingues

D iante de tamanha importância é que o reconhecimento pessoal seja talvez um dos “mais solenes atos

processuais realizados numa persecução cri-minal” - ou, ao menos, deveria ser, estando hoje disciplinado nos artigos 226 e seguintes do Código de Processo Penal.

Há, ainda, previsão para o caso de re-conhecimento “sigiloso”, caso se receie que o reconhecedor por intimidação ou outra influência não diga a verdade no momento do reconhecimento, providenciando-se para que a pessoa a ser reconhecida não veja o seu reconhecedor (art. 226, III, do CPP).

Por fim, assinala o Código Processual Penal que, nos casos em que várias forem as pessoas a efetuarem o reconhecimen-to, cada uma fará a prova em separado, evitando-se qualquer comunicação entre elas (art. 228 do CPP). Sem dúvida este é o mais importante e o mais desrespeitado de todos os comandos legais referentes às formalidades do reconhecimento pessoal.

Isto se afirma porque é comum o contato anterior entre os reconhecedores, ainda que fora dos domínios territoriais do Poder Judici-ário, onde estes conversam especificamente a respeito da pessoa a ser reconhecida, o que macula por completo o ato de reconhe-cimento posteriormente realizado em juízo.

Em se tratando de crime com repercus-são na mídia, essa mácula é ainda maior, pois que a apresentação pela imprensa induz ao reconhecimento, mesmo quando inviável. Não são raros os casos em que o reconhecedor no primeiro momento não podia sequer descrever o acusado, e após a exposição na mídia o reconhece como sendo o autor do crime.

Devemos asseverar que o reconhecimen-to pessoal, muito mais que um “ato proces-sual” é um “complexo ato psicobiológico”, chamado de processo mnemônico, o qual se dá na seguinte ordem: AQUISIÇÃO -> RETENÇÃO -> RECORDAÇÃO.

Vários são os fatores responsáveis pela deterioração da lembrança, sendo que

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ARTIGO

A FRAGILIDADE DO RECONHECIMENTO PESSOAL COMO ÚNICA PROVA PARA

CONDENAÇÃO PENALO reconhecimento pessoal tem sido uma das provas mais aceitas e utilizadas no processo penal, tendo força para derrubar todo um conjunto probatório produzido.

Rodrigo de Souza Rezende, advogado criminalista; especialista em Direito Eleitoral pela Faculdade Anhanguera-UNIDERP; professor concursado de Direito Constitucional e de Direito Penal no Centro Paula Souza; membro efetivo da Comissão de Direito Criminal da 57ª Subseção da OAB/SP – Guarulhos.

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ARTIGO

reportagem nos mostra um evento que nós próprios vivemos”.

Para o processo, a possibilidade de uma testemunha ou vítima fornecer um relato não verdadeiro, a partir da falsificação da recordação, compromete, integralmente, a confiabilidade do testemunho ou do reco-nhecimento, gerando um imenso prejuízo ao acusado.

Não se pode afastar a tendência daque-le que toma os depoimentos em explorar unicamente a hipótese acusatória, induzin-do os questionamentos, fruto do modelo inquisitorial, bem como o despreparo dos profissionais para lidar com essa situação.

Mais preocupante é que, na maioria das vezes, diante da ausência de outros elemen-tos probatórios, o julgador emite um juízo de culpabilidade com base unicamente na palavra de reconhecedores ou testemunhas cuja memória foi absolutamente viciada, prova esta que deveria ser considerada, consequentemente, imprestável para todos os fins, principalmente, para a condenação.

O presente artigo não pretende pôr em descrédito essa prova, mas sim demonstrar que, dependendo do contexto, ela não é suficiente, por si só, para afastar a presunção de inocência.

A ausência de resquícios materiais, os quais poderiam desmentir a falsificação da lembrança, gera a problemática de des-vendar o que de fato ocorreu, diante da

“contaminação” do contexto no qual a prova foi produzida. Esse equívoco poderá ocorrer pelo induzimento realizado por parentes, por amigos, por policiais ou julgadores, ao for-mularem os seus questionamentos, bem como pela mídia, devido à notoriedade do caso.

Assim, pela peculiaridade do reconheci-mento pessoal, que é um ato complexo - ato processual + ato psicobiológico (processo mnemônico) -, é imprescindível que não só os requisitos legais sejam estritamente

obedecidos (artigos 226 e seguintes do CPP), mas também os requisitos subjetivos, tais como curto espaço de tempo entre a ocorrência dos fatos e a inquirição; além da não contaminação da memória por in-formações externas e indutivas, dessa forma se garantirá que a memória externada pelas testemunhas e ou reconhecedores espelhem exatamente a realidade, homenageando-se precipuamente o dogma da “verdade real”.

Desrespeitados quaisquer desses requi-sitos, o único caminho é a decretação da ilegalidade e da imprestabilidade da referida prova, desentranhando-a, inclusive, dos autos, pois sua manutenção no processo, em condições inadequadas de produção, poderá levar a um desfecho completamente afastado da justiça e da própria verdade dos fatos.

Alexandre de Sá Domingues, advogado; presidente da Comissão de Direito Criminal da OAB - subseção de Guarulhos; professor de Direito Processual Penal do Centro Universitário Metropolitano de São Paulo UNIMESP-FIG. Notas:

1 Vid. GIACOMOLLI, Nereu José e GESU, Cristina Carla di - AS FALSAS MEMÓRIAS NA RECONSTRUÇÃO DOS FATOS PELAS TESTEMUNHAS NO PROCESSO PENAL - Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília - DF, nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.2 Elizabeth F. Loftus é uma psicóloga americana e espe-cialista em memória humana. Ela realizou uma extensa pesquisa sobre o efeito da desinformação e da natureza das memórias falsas. Loftus foi reconhecida em todo o mundo por seu trabalho, recebendo inúmeros prêmios e títulos honoríficos. Em 2002, Loftus foi 58ª em uma lista dos 100 mais influentes pesquisadores em psicologia no século 20 e, a melhor classificação mulher na lista.

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William Douglas*

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Ven

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resFogo, carnaval e os concursos

*William Douglas é juiz federal, professor, escritor, mestre em Direito, aprovado em 1º lugar para juiz, delegado e defensor público/RJ, e especialista em Políticas Públicas e Governo.

Faltando um mês para o Carnaval carioca de 2011, um grande incêndio atingiu a Cidade do Samba, local dispo-nibilizado pela Prefeitura do Rio de Janeiro para abrigar as escolas de samba da cidade, em substituição aos antigos e deteriorados galpões espa-lhados pela região portuária. Das 14 unidades, quatro foram gravemente atingidas (aquelas pertencentes à Portela, União da Ilha, Grande Rio e a da Liga das Escolas de Samba – LIESA).

Representantes e integran-tes fi caram frustrados e muitos acharam que o carnaval, ao me-nos para as escolas atingidas, estaria perdido. Mas, indo na contramão das expectativas, outras escolas, componentes e o poder público se uniram, como puderam, para ajudar na reconstrução do que foi perdi-do pelas escolas prejudicadas. Tudo para colocá-las novamen-te na avenida.

Essa demonstração de so-lidariedade e ajuda mútua esconde uma grande l ição para quem está prestando concursos. Assim como as es-colas competem na avenida, os concurseiros disputam por sua vaga, mas, ao contrário do que muitos pensam, o outro con-curseiro não é um adversário. Sempre reforço que a única e maior concorrência na sua jor-nada pela vaga é você mesmo! Sua dedicação e empenho em busca do seu objetivo ditarão seu lugar na fi la.

Uma das formas de prepa-ração para concursos que re-comendo em meus livros são

os grupos de estudo, nos quais concurseiros com diferentes níveis de conhecimento e in-teresse por disciplinas podem compartilhar informações, tirar dúvidas e aprimorar, cada vez mais, sua bagagem. Afi nal, é bom lembrar que:

Compartilhar conhecimentos é uma excelente forma de rever a matéria e fi xar conteúdos.

Ainda sobre o carnaval, mui-tos concurseiros fi cam preocu-pados com a possibilidade de fazer uma pausa nos estudos para viajar ou passar algum tempo com os amigos/família, e acabar não se dedicando o sufi ciente às matérias. A pala-vra de ordem nesse momento é FLEXIBILIDADE.

Como está o seu comprome-timento com o estudo?

Você está se dedicando e seguindo o seu planejamento?

A pausa para dar atenção à família e aos amigos, quando bem administrada, pode ser positiva e acrescentar qualida-de ao seu estudo. Não adianta recusar um convite para poder estudar durante o feriado e pas-sar os dias pensando em como está na praia, no bloco ou como estão seus amigos.

Assuma o que vai fazer e viva bem com isso. O importante é que você ou estude, ou descan-se, ou faça um pouco de cada, mas que decida o que vai fazer. E, tomada a decisão – que pode ser compartilhada com a família – siga tal decisão com a alma em paz.

O descanso planejado, equi-librado e periódico faz parte de uma boa preparação.

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