Romance Dos Três Reinos - V0.14

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Romance dos Três Reinos 三國演義 de Luó Guànzhōng 羅貫中 Traduzido por Diego Aurélio Cotrim Ramires baseado em sua versão original e na versão inglesa de C.H. Brewitt-Taylor Direitos de imagem das personagens: Koei Co. Ltd. Ilustrações: Wikipedia Mapas do Autor 1

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Tradução Parcial Livre do livro "Romance dos Três Reinos", romance que abrange e narra o período que se sucede à queda da dinastia Han e dá sequência à era dos Três Reinos, parcialmente correlata à Era das Trevas europeia.Tradução de Diego Aurélio Cotrim Ramires

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Romance dos Três Reinos三國演義

de Luó Guànzhōng

羅貫中

Traduzido por Diego Aurélio Cotrim Ramiresbaseado em sua versão original e na versão inglesa de C.H. Brewitt-Taylor

Direitos de imagem das personagens: Koei Co. Ltd.Ilustrações: Wikipedia

Mapas do Autor

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Page 2: Romance Dos Três Reinos - V0.14

ÍNDICE

I Três Heróis Prestam Juramento De Amizade Eterna No Jardim Dos Pêssegos; 08 Uma Vitória Aniquila Os Rebeldes Nos Campos De Batalha

II Zhāng Fēi Açoita O Oficial do Governo; 15 Hé Jìn Conspira Para Assassinar Os Eunucos

III Nos Jardins De Wenming, Dŏng Zhuō Denuncia Dīng Yuán; 23 Com O Lebre Vermelha, Lĭ Sù Suborna Lǚ Bù

IV Deposição do Imperador: O Príncipe de Chenliu Ascende ao Trono; 31 Planos Contra Dŏng Zhuō: Cáo Cāo Concede Uma Espada Como Presente

V Cáo Cāo Faz Apelo aos Poderosos Senhores; 38 Os Três Irmãos Lutam Contra Lǚ Bù

VI Ao Incendiar A Capital, Dŏng Zhuō Comete Uma Atrocidade;46 Ao Ocultar o Selo Hereditário Imperial, Sūn Jiān Rompe A Confiança

VII Yuán Shào Combate Gōngsūn Zàn Às Margens Do Rio Pan; 52 Sūn Jiān Ataca Liú Biăo A Cruzar O Grande Rio

VIII Wáng Yŭn Prepara o Plano Em Cadeia; 58 Dŏng Zhuō Adentra Em Fúria O Pavilhão Da Fênix

IX Por Wáng Yŭn, Lǚ Bù Aniquila Dŏng Zhuō; 65 Lĭ Jué Ataca A Capital A Conselho De Jiă Xŭ

X Em Armas, Mă Téng Segue A Resgatar O Imperador; 73 Ao Comando De Tropas, Cáo Cāo Marcha A Vingar Seu Pai

XI Liú Bèi Resgata Kŏng Róng Em Beihai;79 Lǚ Bù Derrota Cáo Cāo Próximo A Puyang.

XII Táo Qiān Pela Terceira Vez Oferece Xuzhou A Liú Bèi;87 Cáo Cāo Retoma Yanhzhou de Lǚ Bù.

XIII Lĭ Jué E Guō Sì Duelam Em Changan;93 O Imperador Estabelece Anyi Como A Nova Capital.

XIV Cáo Cāo Desloca A Corte A Xuchang;101 Lǚ Bù Investe À Noite Em Xuzhou

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Região de Ba Shu Região de ChuCód. Cidade Província Cód. Cidade ProvínciaA01 Yongchang Yizhou A01 Shangyong JingzhouA02 Yunnan Yizhou A02 Xiangyang JingzhouA03 Jianning Yizhou A03 Wan JingzhouA04 Jiangzhou Yizhou A04 Xinye JingzhouA05 Chengdu Yizhou A05 Jiangxia JingzhouA06 Zitong Yizhou A06 Jiangling JingzhouA07 Wudu Yizhou A07 Wuling JingzhouA08 Hanzhong Yizhou A08 Changsha JingzhouA09 Yongan Yizhou A09 Lingling Jingzhou

A10 Guiyan Jingzhou

Região de Nen Bei Região de Wu YuCód. Cidade Província Cód. Cidade ProvínciaA04 Nanpi Jizhou A01 Wu YangzhouA05 Pingyuan Jizhou A02 Huiji YangzhouA07 Ye Jizhou A03 Jianan YangzhouB08 Jinyang Bingzhou A06 Chaisang YangzhouB09 Shangdang Bingzhou A07 Jianye YangzhouC01 Xiangping Youzhou B04 Nanhai JiaozhouC02 Beiping Youzhou B05 Jiaozhi JiaozhouC03 Ji YōuzhōuD06 Beihai Qīingzhōu

Região de Xi Bei Região de Zhong YuanCód. Cidade Província Cód. Cidade ProvínciaA01 Wuwei Liangzhou A01 Luòyáng SizhouA02 Xiping Liangzhou A02 Henei SizhouB03 Tianshui Yongzhou B04 Chenliu YanzhouB04 Anding Yongzhou B05 Puyang YanzhouB05 Changan Yongzhou C03 Xuchang Yuzhou

C06 Rŭnán YuzhouC07 Xiaopei YuzhouD08 Lujiang XuzhouD09 Shouchun XuzhouD10 Xiapi Xuzhou

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Cao Cao e Aliados

曹Cáo操Cāo

曹 Cáo洪Hóng

曹 Cáo仁 Rén

李 Lĭ典Diăn

夏Xià 侯Hóu 惇Dūn

夏Xià 侯Hóu 淵Yuān

樂Yuè 進 Jìn

Dŏng Zhūo e Aliados

董Dŏng 卓 Zhūo

李 Lĭ 儒 Rú

牛Niú輔 Fŭ

郭Guō 汜 Sì

張 Zhāng 濟 Jì

李 Lĭ 傕 Jué

李 Lĭ 肅 Sù

Aparições Femininas Lǚ Bù e Aliados

貂Diāo蟬Chán

呂 Lǚ布 Bù

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Diversos – Oficiais e Protetores Imperiais

何Hé進 Jìn

陳 Chén琳 Lín

盧 Lú植 Zhí

王Wáng允Yŭn

韓Hán馥 Fù

劉 Liú岱Dài

張 Zhāng邈Miăo

丁Dīng原Yuán

皇Huáng甫 Fŭ嵩 Sōng

Gōngsūn Zàn e Aliados

公Gōng孫 Sūn瓚 Zàn

趙 Zhào 雲Yún

Imperadores

靈 Líng帝Dì

獻Xiàn帝Dì

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Liú Bèi e Aliados

劉 Liú備 Bèi

關Guān羽Yŭ

張 Zhāng飛 Fēi

Liú Biăo e Aliados

劉 Liú表 Biăo

蔡 Cài 瑁Mào

黃Huáng 祖 Zŭ

蒯Kuăi 良 Liáng

蒯Kuăi 越Yuè

Turbantes Amarelos

張 Zhāng角 Jiăo

張 Zhāng 苞 Bāo

張 Zhāng梁 Liáng

Sūn Jiān e Aliados

孫 Sūn堅 Jiān

孫 Sūn策Cè

桓Huán階 Jiē

程 Chéng普 Pŭ

黃Huáng蓋Gài

韓Hán當Dàng

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Yuán Shào e Aliados Yuán Shù e Aliados

袁 Yuán紹 Shào

文Wén醜 Chŏu

袁 Yuán紹 Shù

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Capítulo I

Três Heróis Prestam Juramento De Amizade EternaNo Jardim Dos Pêssegos;

Uma Vitória Aniquila Os Rebeldes Nos Campos De Batalha

1. O mundo sob os céus, após um longo período de divisão, tende a unir-se; após um longo período de união, tende a dividir-se. Quando enfraquecida a regência da Dinastia Zhōu, sete reinos conflitantes ascenderam, lutando entre si até o Reino do Qín haver prevalecido e tomado controle do Império. Mas, assim que o destino do Qín havia se concretizado, ergueram-se dois reinos opostos, Chŭ e Hàn, a fim de lutar pelo domínio. E o Hàn sai vitorioso.

2. A boa sorte do Hàn começara quando Liú Bāng, o Supremo Ancestral1, matara uma serpente branca para com isto erguer os estandartes de uma insurreição, a qual tivera fim apenas quando o império inteiro pertencesse ao Hàn2. Esta herança magnífica foi entregue a sucessíveis imperadores do Hàn por centenas de anos, até a rebelião de Wáng Măng causar uma secessão. Mas logo Liú Xiù, o Fundador do Hàn do Leste, restaurou o Império, e os Imperadores do Hàn continuaram sua regência por outros duzentos anos até os tempos do Imperador Xiàn, o qual esteve fadado a ver o início da divisão do império em três partes, conhecidas pela história como Os Três Reinos.

3. Porém, o declínio ao desgoverno apressou-se nos reinados dos dois predecessores do Imperador Xiàn – os Imperadores Huán e Líng, sendo que o último sentou-se ao Trono do Dragão por volta da metade do segundo século.

4. O Imperador Huán não dava atenção à boa-gente de sua Corte, mas entregava sua confiança aos eunucos do Palácio. Ele viveu e morreu, passando o cetro ao Imperador Líng, cujos conselheiros eram Dóu Wŭ, o Marechal do Regente, e o Guardião Imperial Chén Fán. Dóu Wŭ e Chén Fán, enojados pelas interferências abusivas dos eunucos em assuntos do Estado, planejaram sua destruição. Mas Cáo Jié, o Eunuco Chefe, não seria descartado facilmente. O plano vazara, e os honestos Dóu Wŭ e Chén Fán foram executados, deixando os eunucos mais fortes que antes

5. Deu-se no dia de lua cheia do quarto mês, o segundo ano, da Era da Calma Estabelecida3, que seguia o Imperador Líng ao Salão da Virtude. Conforme chegou próximo ao trono, um redemoinho arrebatador ergueu-se de um dos cantos do salão e vede!, dos suportes de madeira do telhado descendeu uma monstruosa serpente negra que se enrolou sobre o assento de Vossa Majestade. O Imperador caiu em desmaio. Aqueles mais próximos a ele prontamente o ergueram e o levaram a seu palácio, enquanto os

1 Imperador Gāo do Hàn (256 a.C. - 195 a.C). (N. do T.)2 202 a.C. (N. do T.)3 168 d.C. (N. do T.)

membros da Corte se dispersavam e fugiam. A serpente desapareceu.

6. Mas em seguida sucedeu-se uma terrível tempestade, trovões, granizo e torrentes de chuva, perdurando até a meia-noite e causando ruína por todos os lados. Dois anos depois a terra tremeu na capital Luòyáng, enquanto pela costa uma onda gigantesca impetuava-se, tendo ela, em seu repuxo, dragado todos os residentes rumo ao mar. Outro mal presságio foi registrado dez anos mais tarde, quando o título do reinado foi mudado para Radiante Harmonia4: algumas galinhas subitamente cocoricaram. Na lua nova do sexto mês, um longo acúmulo de nuvens fazia seu caminho Salão da Virtude adentro, enquanto no mês seguinte foi visto um arco-íris na Câmara do Dragão. Longe da capital, uma parte da Montanha de Yuan desmoronou, deixando uma marcante fenda atrás de si.

7. Tais eram alguns dos vários presságios. O Imperador Líng, fortemente movido por esses sinais de desprazer dos Céus, despachou um édito demandando de seus ministros uma explicação para tais calamidades e deslumbres.

8. Cài Yōng, Conselheiro da Corte, respondeu bruscamente: “Os arco-íris que descem dos céus e as trocas de sexos em galos e galinhas são trazidos pela interferência de Imperatrizes e eunucos nas questões de Estado.”.

9. O Imperador leu este relatório entre longos suspiros e Cáo Jié, Eunuco Chefe, de seu lugar logo atrás do trono, perturbadamente notou estes sinais de angústia. Tão-logo surgiu momento oportuno, Cáo Jié pôs seus companheiros a par de tudo e uma acusação foi lançada contra Cài Yōng, que foi posto para fora da Corte e forçado a se recolher à sua casa de campo.

10. Com esta vitória, os eunucos fortaleceram-se. Dez deles, par a par em vilania e associados em atos malignos, formaram um poderoso grupo conhecido como os Dez Regulares Serviçais – Zhāng Ràng, Zhào Zhōng, Chéng Kuàng, Duàn Guī, Fēng Xŭ, Guō Shèng, Hóu Lăn, Jian Shuo, Cáo Jié e Xià Yùn.

11. Um deles, Zhāng Ràng, ganhara influência a ponto de se tornar o conselheiro mais honorável e confiável do Imperador. O Imperador chegava a chamá-lo de “Pai Adotivo”. E então a administração corrupta do Estado foi rapidamente de mal a pior, até o ponto de o país estar fértil a rebeliões e infestado de salteadores.

12. Nesta época havia, no distrito de Jùlù, uma certa família chamada Zhang, da qual três irmãos chamavam-se Zhāng Jiăo, Zhāng Băo e Zhāng Liáng, respectivamente. Zhāng Jiăo, o mais velho, era um graduado sem cargo que se dedicara à medicina. Certo dia, enquanto colhia ervas medicinais no bosque, Zhāng Jiăo conheceu um distinto e venerável senhor de claros olhos cor-de-esmeralda e compleição viçosa que portava um cajado de carvalho. O senhor indicou uma caverna a Zhāng Jiăo e lá deu

4 178 d.C. (N. do T.)

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a ele três volumes do Livro dos Céus.

13. “Estes livros,”, disse o distinto senhor, “compõem o Artes Essenciais da Paz. Com a ajuda destes volumes, vós podereis converter o mundo e resgatar a humanidade. Devereis ser obstinado; caso contrário, estejais seguro disto, tereis muito sofrimento.”

14. Com uma humilde reverência, Zhāng Jiăo tomou posse dos volumes e perguntou pelo nome de seu benfeitor.

15. Sou o velho ermitão do cume do Monte Hua – Zhuāng Zĭ, o Sábio Taoísta”, foi a resposta, e desapareceu no ar.

16. Zhāng Jiăo estudou com afinco aquele livro e se esforçava, dia e noite, para pôr seus preceitos em prática. Em breve, já podia ele evocar os ventos e comandar a chuva, a ser conhecido como o Místico do Caminho da Paz.

17. Durante o primeiro mês do primeiro ano da Estabilidade Central5 corria uma grande peste pela terra, por conseqüência da qual Zhāng Jiăo distribuiu remédios encantados aos mais afetados. Os medicamentos divinos trouxeram várias benesses, e não tardou a receber o título de Mestre Sábio e Digno. Ele então passou a ter discípulos que o seguiam, os quais iniciava aos mistérios e despachava pela terra. Eles, como seu mestre, podiam escrever encantos e recitar fórmulas, e a fama deles aumentava o número de seguidores.

18. Zhāng Jiăo começou a organizar seus discípulos. Ele estabeleceu trinta e seis circuitos, sendo o maior com dez mil ou mais membros e o menor com cerca de metade deste número. Cada circuito tinha seu chefe, que recebia o título militar de General. Eles falavam ferozmente sobre a morte dos Céus azuis e o estabelecimento de outros, dourados; diziam que um novo ciclo se iniciava, e que traria bom augúrio a todos os membros; e persuadiam as pessoas a marcar os símbolos de primeiro ano do novo ciclo nas portas de suas casas.

19. Juntamente com o crescimento do número de seus colaboradores, crescia também a ambição de Zhāng Jiăo. O Mestre Sábio e Digno sonhava com o Império. Um de seus partidários, Mă Yuányì, foi enviado com presentes a fim de obterem apoio dos eunucos do Palácio.

20. A seus irmãos disse Zhāng Jiăo: “Em planos como o nosso, a etapa mais difícil é obter o apoio popular. Mas ele já é nosso. Uma oportunidade como esta não deve ser ignorada.“

21. E começaram a se preparar. Várias bandeiras e estandartes foram produzidas, e escolhido um dia para o levante. Então Zhāng Jiăo escreveu cartas a Fēng Xŭ, e enviou-as por meio de Táng Zhōu, um de seus seguidores que, oh infortúnio!, atraiçoou sua confiança e relatou o plano à Corte. O Imperador convocou Hé Jìn, o confiável Marechal

5 184 d.C. (N. do T.)

do Regente, e o encarregou de se voltar a este assunto. Mă Yuányì foi prontamente levado e decapitado. Fēng Xŭ e vários outros foram postos na prisão.

22. Com seu plano revelado, foram os irmãos Zhāng forçados de pronto a entrar em campo. Eles outorgaram a si mesmos grandiosos títulos: Zhāng Jiăo, o Senhor dos Céus, Zhāng Băo, o Senhor da Terra, e Zhāng Liáng, o Senhor dos Homens. E com estes nomes publicaram este manifesto:

23. A Boa Fortuna Do Hàn Exauriu-se, e o Homem Sábio e Digno Surgiu. Discerni o Desejo Dos Céus, Vós, Oh Povo, e Caminhai Pelo Caminho Da Retidão, Pelo Qual Apenas Atingi a Paz.

24. Não faltou apoio. Por todos os lados, as pessoas cingiam suas cabeças com faixas amarelas e juntavam-se ao exército do rebelde Zhāng Jiăo; então logo sua força estava quase a meio milhão de recrutados, e as tropas oficiais temiam apenas ao saber dos rumores de sua vinda.

25. Hé Jìn, Marechal do Regente e Guardião Imperial, solicitou preparações para agir contra os Turbantes Amarelos, e um édito convocava todos a lutar contra os rebeldes. Ao mesmo tempo, Lú Zhí, Huángfŭ Sōng e Zhū Jùn, três Comandantes Imperiais, marchavam em direção a eles por três direções distintas com soldados experientes.

26. Enquanto isso, Zhāng Jiăo liderava seu exército em direção a Yōuzhōu, a região a noroeste do império. O Protetor Imperial de Yōuzhōu era Liú Yān, um herdeiro da Casa Imperial. Estando a par da aproximação dos rebeldes, Liú Yān reuniu-se com o comandante Zhou Jing para consultá-lo acerca da situação.

27. “Eles são vários e nós, poucos. Devemos recrutar mais tropas para nos opormos a eles.”

28. Liú Yān aquiesceu, e distribuiu avisos chamando por voluntários para servirem contra os rebeldes. Um destes avisos foi posto no distrito de Zhuō, onde vivia um homem de grande espírito.

29. Este homem não era um erudito, tampouco tinha devoção aos estudos. Mas era tolerante e cativante, embora sendo um homem de poucas palavras, e conservava suas emoções sob uma calma exterior. Ele sempre aspirara por nobres empresas e cultivara a amizade de homens notáveis. Ele era de grande estatura. Suas orelhas eram longas, lóbulos tocando seus ombros, e suas mãos iam até abaixo de seus joelhos. Seus olhos eram grandes e proeminentes, com isto podendo ele enxergar até as laterais de suas orelhas. Sua compleição era clara como jade, e tinha ele ricos lábios vermelhos.6

6 A descrição, que a princípio pode parecer estranha, pode ser interpretada como a caracterização de suas

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30. Ele era descendente do Príncipe Sheng de Zongshan, cujo pai, o quarto Imperador da Dinastia Hàn, fora o Imperador Jĭng7. Seu nome era Liú Bèi. Há muitos anos um de seus ancestrais fora Governador naquele mesmo distrito, mas perdera sua posição devido a negligências cometidas em oferendas cerimoniais. De qualquer forma, permanecera lá aquele ramo da família, gradualmente tornando-se cada vez mais pobre conforme os anos passavam. Liu Yong, seu pai, fora um erudito e um virtuoso oficial, mas morrera jovem. Viúva e órfão foram deixados sós, e Liú Bèi era conhecido por ter devoção filial.

31. Nestes tempos caíra a família em profunda pobreza, e Liú Bèi provia seu sustento vendendo sandálias de palha e tecendo capachos. O lar da família ficava em uma vila próxima à importante cidade de Zhuō. Perto da casa havia uma grande amoreira cujo perfil curvo, visto de longe, assemelhava-se ao dossel de uma carroça. Percebendo a abundância de suas folhas, um adivinho previra que um dia surgiria da família um homem distinto.

32. Quando criança, Liú Bèi brincava sob esta árvore com outras crianças da vila e a escalava, dizendo: “Eu sou o Filho dos Céus, e esta é minha carruagem!”. Liú Yuánqĭ, seu tio, tinha ciência de que Liú Bèi não era uma criança comum e dizia a ele que sua família desaprovava tal comportamento.

33. Quando Liú Bèi estava com quinze anos, sua mãe o exortou a viajar, para com isto cuidar de sua educação. Por algum tempo ele serviu a Zhèng Xuán e Lú Zhí, tendo-os como seus mestres. E então fez grande amizade com Gōngsūn Zàn.

34. Liú Bèi contava com vinte e oito anos quando o levante dos Turbantes Amarelos convocava soldados. Ver o aviso o entristeceu, e ele suspirava enquanto o lia.

35. Subitamente uma voz áspera vinda de trás de si exclamou: “Senhor, por que suspiras enquanto nada fazes para ajudar a nosso País?

36. Voltando-se rapidamente, viu atrás de si um homem de estatura aproximadamente igual à sua que tinha a cabeça como a de um leopardo, grandes olhos, queixo aguçado como o de uma andorinha e bigodes como os de um tigre. Ele tinha uma voz grave e falava alto, e era tão cativante quanto um enérgico corcel. Liú Bèi logo viu que aquele não era um simples homem, e perguntou-lhe quem era.

37. “Zhāng Fēi é meu nome”, respondeu o estranho. “Vivo nesta região, onde tenho uma fazenda; sou também açougueiro e comerciante de vinhos, e gostaria de travar conhecimento com pessoas dignas. Vossos suspiros ao lerdes aquele aviso impeliram-me a ter convosco.”

virtudes em proporções físicas; de grande estatura, ouvidos e olhos atentos, mãos firmes, pele clara e lábios vermelhos. (N. do T.)

7 Reinado de 157 a.C. a 141 a.C. (N. do T.)

38. Liú Bèi respondeu: “Sou da Família Imperial, Liú Bèi é meu nome. Gostaria de acabar com esses Turbantes Amarelos e restaurar a paz à terra, mas, oh tristeza!, não tenho meios para tanto.”

39. “Eu disponho dos meios”, disse Zhāng Fēi. “Poderíamos recrutar algumas tropas e ajudar com o que pudermos”.

40. Estas foram boas notícias para Liú Bèi, e os dois se dirigiram à hospedaria da vila a fim de conversar a respeito do projeto. Conforme bebiam, um homem alto e grande surgiu, a puxar atrás de si uma pequena carroça pela rua. À frente da soleira, deteve-se e entrou na hospedaria, a fim de descansar, pedindo por vinho.

41. “E sê rápido!”, disse ele. “Pois estou com pressa para chegar à cidade e oferecer-me ao exército.”.

42. Detidamente Liú Bèi observou o recém-chegado homem e viu que dispunha de uma robusta compleição, longas barbas, rosto vívido como uma maçã e lábios vermelhos e profundos. Seus olhos eram como os de uma fênix, e tinha sobrancelhas afiladas e espessas como bichos-da-seda. Toda sua aparência era digna e inspirava temor. Liú Bèi atravessou o cômodo, sentou-se a seu lado e perguntou-lhe seu nome.

43. “Sou Guān Yŭ”, respondeu ele. “Sou nativo do lado leste do rio, mas estou a fugir pelas águas há cinco anos porque acabei com um rufião, o qual, por ser rico e poderoso, achava-se no direito de ser tirano. Vim para ingressar no exército daqui.”.

44. Então Liú Bèi expressou a Guān Yŭ suas intenções e os três seguiram à fazenda de Zhāng Fēi, onde poderiam conversar sobre a nova empresa.

45. Disse Zhāng Fēi: “Os pessegueiros no pomar nos fundos de casa estão em pleno florescimento. Amanhã instituiremos lá um sacrifício e declararemos nossas intenções aos Céus e à Terra, e juraremos nós três fraternidade e unidade de metas e sentimentos: assim, chegaremos à nossa grande tarefa.”

46. De muito bom grado aquiesceram Liú Bèi e Guān Yŭ.

47. Três mentes funcionando como uma, prepararam no dia seguinte os sacrifícios: um boi preto, um cavalo branco e vinho para a oferenda. Por entre as fumaças dos incensos que queimavam sobre o altar, inclinaram suas cabeças e recitaram este juramento:

48. “Nós três – Liú Bèi, Guān Yŭ e Zhāng Fēi –, apesar de sermos de famílias diferentes, juramos fraternidade e prometemos ajuda mútua até o derradeiro fim. Amparar-

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nos-emos quando em dificuldades; ajudar-nos-emos quando em perigo. Pedimos não o mesmo dia de nascimento, mas almejamos morrer juntos. Que os Céus, que tudo regem, e a Terra, que tudo produz, olhem dentro de nossos corações. Se nos desviarmos do caminho da retidão, ou nos esquecermos de sermos benevolentes, que os Céus e os Homens Nos aniquilem!”

49. Ergueram-se. À frente de Liú Bèi ajoelharam-se os outros dois, sendo ele o irmão mais velho e Zhāng Fēi, o mais novo. Feita esta cerimônia solene, abateram outro boi e prepararam um banquete, ao qual convidaram vários aldeões. Trezentos juntaram-se a eles, e todos banquetearam e beberam no Jardim dos Pêssegos.

50. No dia seguinte, foram reunidas armas. Mas não havia cavalos para guiar. Isto foi de grande pesar. Mas logo animaram-se com a chegada de dois comerciantes de cavalos que traziam vários destes animais.

51. “São os Céus que nos ajudam!”, disse Liú Bèi.

52. E os três irmãos puseram-se a receber os comerciantes. Eles eram Zhāng Shìpíng e Sū Shuāng, ambos de Zhōngshān. Todos os anos iam eles rumo ao norte para comprar cavalos. Agora estavam eles a caminho de casa por conta dos Turbantes Amarelos. Os irmãos os convidaram a ter com eles na fazenda, onde vinho foi servido a todos. Então Liú Bèi expôs a eles seus planos de se empenhar pela tranquilidade. Zhāng Shìpíng e Sū Shuāng ficaram contentes com o que ouviram, e prontamente lhes deram quinze corcéis; além disso, quinhentas onças de ouro e prata e seiscentos e trinta quilos de aço para a forja de armas.

53. Os irmãos demonstraram sua gratidão, e os mercadores acabaram por seguir seu rumo. Então foram convocados ferreiros a fim de forjarem-se armas. Para Liú Bèi forjaram um par de espadas que evocavam a ancestrais; para Guān Yŭ confeccionaram uma Guandao8

denominada o Sabre do Dragão Verdejante, que pesava 45 quilos; e para Zhāng Fēi forjaram uma lança de três metros chamada Alabarda da Serpente. Cada um tinha também um elmo e armadura completa.

54. Assim que as armas ficaram prontas, a tropa, agora com a força de cinco mil homens, marchou até encontrar-se com o Comandante Zhou Jing, o qual os apresentou a Liú Yān, o Protetor Imperial. Quando encerraram-se as cerimônias das apresentações, Liú Bèi descreveu sua ascendência, e Liú Yān prontamente conferiu a ele a estima devida à relação que tinha.

55. Há muitos dias havia sido anunciado que a rebelião havia se iniciado de fato, e Chéng

8 Arma que consiste de um pesado bastão de 1,5 a 2 metros de comprimento, geralmente de madeira ou metal, em cuja uma ponta é forjada uma pesada lâmina e, noutra, um contrapeso de metal para balancear seu manuseio. (N. do T.)

Yuănzhì, um dos chefes dos Turbantes Amarelos, invadira a região com um contingente de quinze mil rebeldes. Liú Yān solicitou a Zhou Jing e aos três irmãos que impusessem sua resistência, com as quinhentas tropas, contra os rebeldes. Liú Bèi animadamente encarregou-se de liderar à frente e marcharam até os pés das colinas de Daxing, onde viram os rebeldes. Eles tinham seus cabelos soltos na altura dos ombros, e suas testas estavam cingidas com faixas amarelas.

56. Assim que os dois exércitos estavam frente a frente, Liú Bèi tomou a dianteira, com Guān Yŭ à sua esquerda e Zhāng Fēi, à sua direita.

57. Brandindo sua arma, Liú Bèi pôs-se a censurar os rebeldes, exclamando: “Oh descontentes! Por que não desmontais de vossas montarias e vos rendeis?”

58. Chéng Yuănzhì, seu líder, enviou, cheio de ira, Dèng Mào, um de seus generais, à frente da batalha. Prontamente tomou a frente Zhāng Fēi, com sua Alabarda da Serpente pronta para o ataque. Uma investida apenas e Dèng Mào caiu de seu cavalo, perfurado no coração. Neste momento o próprio Chéng Yuănzhì galopou rapidamente com seu corcel e investiu, espada em riste, pronto a aniquilar Zhāng Fēi. Mas Guān Yŭ brandiu seu poderoso Sabre do Dragão Verdejante pelo ar e trotou em direção a Chéng Yuănzhì. Com esta visão, o medo apossou-se de Chéng Yuănzhì e, antes mesmo que pudesse defender-se, caiu-lhe o grande sabre, que cortou-o em duas partes.

59. Os dois heróis, a toda guerra inveterados,Exércitos à prova, ousadamente cavalgaram.Todos seus feitos por três reinos são contados,E os poetas tais eventos nos cantaram.

60. Seu líder aniquilado, depuseram os rebeldes suas armas e fugiram. Os soldados dos oficiais apressaram-se em seu encalço. Vários milhares renderam-se e a vitória fora alcançada. Com isto, aquela parte da rebelião foi contida.

61. Após retornarem, Liú Yān os recebeu pessoalmente e distribuiu recompensas. Mas, no dia seguinte, chegaram cartas da parte de Gōng Jĭng, Protetor Imperial da região de Qīngzhōu, relatando que os rebeldes estavam fazendo cerco na cidade de Zhou e que esta estava a ponto de sucumbir. Precisavam rapidamente de ajuda.

62. “Eu irei”, disse Liú Bèi, tão-logo ouvira das novas.

63. E partiu ele sem demora com seus próprios soldados, reforçados pela força de cinco mil sob Zhou Jing. Os rebeldes, ao verem a ajuda a caminho, ferozmente atacaram em uníssono. A força de apoio, sendo comparativamente menor, não venceria facilmente e se retirou a cerca de dezesseis quilômetros, onde montaram acampamento.

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64. “Eles são muitos e nós, poucos.”, disse Liú Bèi a seus irmãos. “Nós os derrotaremos apenas pela boa estratégia.”.

65. Então prepararam uma emboscada. Guān Yŭ e Zhāng Fēi, com um bom grupo de homens, dirigiu-se para trás das colinas, à esquerda e à direita, e lá ocultaram-se. Assim que soassem os gongos, deveriam revelar-se para dar apoio ao exército principal.

66. Preparações feitas, os tambores fizeram-se ouvidos, exortando Liú Bèi a avançar. Os rebeldes também seguiram em frente. Mas Liú Bèi repentinamente retirou-se da batalha. Pensando ser esta a oportunidade esperada, os rebeldes urgiram em frente e foram guiados por sobre a colina. Então soaram os gongos para a emboscada. Guān Yŭ e Zhāng Fēi surgiram pela direita e pela esquerda da colina, enquanto Liú Bèi a contornava para se encontrar com os rebeldes. Sob o ataque pelos três flancos, os rebeldes sofreram grandes baixas e fugiram em direção aos muros de Qīngzhōu. Mas Gōng Jĭng, o Protetor Imperial, liderou uma força com intento de atacá-los e os rebeldes foram completamente derrotados; muitos, mortos. Qīngzhōu não corria mais perigo.

67. Seja feroz como o tigre o soldado,Por estratégia é o inimigo derrotado.Um herói chega e o seu nome ressoa,Destinado como ele é à Coroa.

68. Terminadas as celebrações em honra à vitória, o Comandante Zhou Jing propôs retornarem a Yōuzhōu.

69. Mas Liú Bèi disse: “Fomos informados de que Lú Zhí, o Comandante Imperial, está perdendo vantagem para uma horda de rebeldes liderados por Zhāng Jiăo em Guăngzhōng. Lú Zhí fora meu professor, e gostaria de ir em seu auxílio.”.

70. Então Liú Bèi e Zhou Jing separaram-se e os três irmãos, com suas tropas, seguiram rumo a Guăngzōng. Lá encontraram o acampamento de Lú Zhí, foram levados à sua presença e expuseram a razão de sua vinda. O Comandante os recebeu com grande alegria, e permaneceram juntos enquanto ele traçava seus planos.

71. Naquele mesmo tempo, os quinze mil homens das tropas de Zhāng Jiăo e os quinze mil homens das tropas de Lú Zhí embatiam-se frente a frente. Nenhum deles obtivera progresso.

72. Lú Zhí disse a Liú Bèi: “Consigo cercar estes rebeldes aqui. Mas os outros dois irmãos, Zhāng Băo e Zhāng Liáng, estão firmemente entrincheirados contra Huángfŭ Sōng e Zhū Jùn em Yĭngchuān. Vos darei mais mil homens; com estes, podereis ir até lá para acompanhardes a situação, e poderemos então assentar o momento para um ataque conjunto.

73. Então Liú Bèi partiu e marchou tão rápido quando podia em direção a Yĭngchuān. Ao mesmo tempo, as tropas imperiais obtinham êxito em seus ataques, e os rebeldes se retiraram para Chángshè. Eles acamparam pela grama espessa.

74. Vendo isto, disse Huángfŭ Sōng a Zhū Jùn: “Os rebeldes estão acampando nos campos. Podemos atacá-los com fogo.”.

75. Então os Comandantes Imperiais solicitaram a todos os homens que cortassem feixes de grama seca e preparassem uma emboscada. Naquela noite o vento soprava forte e, na segunda vigília, iniciaram o incêndio. Ao mesmo tempo, as tropas de Huángfŭ Sōng e Zhū Jùn atacaram os rebeldes e atearam fogo em seu acampamento. As chamas ascendiam até os céus. Os rebeldes foram postos em grande confusão. Não havia tempo de selar os cavalos ou de cingir suas armaduras: eles debandaram por todas as direções.

76. A batalha prosseguiu até a aurora. Zhāng Liáng e Zhāng Băo, juntamente com um grupo de rebeldes voadores, encontrou um modo de escapar. Repentinamente, porém, surgiu uma tropa de soldados com estandartes carmesim para se opor a eles. Seu líder era um homem de estatura média, com pequenos olhos e longas barbas. Ele era Cáo Cāo, de Beijuo, com a posição de Comandante da Cavalaria. Seu pai era Cáo Sōng, mas ele não era um Cao por ligação de sangue. Cáo Sōng nascera na família Xiàhóu, mas fora adotado pelo eunuco Cáo Téng e recebera seu nome de família.

77. Quando jovem, Cáo Cāo apreciava a caça e deleitava-se com músicas e danças. Era ele habilidoso e repleto de malícia. Um tio, ao ver o jovem tão instável, costumava irritar-se com ele e contou a seu pai sobre suas desfeitas. Seu pai o repreendeu.

78. Mas Cáo Cāo esperava por um momento oportuno. Um dia, ao ver seu tio chegando, foi-se ao chão, simulando uma crise. O tio foi-se rápida e alarmadamente ter com seu pai, o qual encontrou o jovem em perfeito estado de saúde.

79. “Mas seu tio dissera que tivestes uma crise. Estás melhor?”, disse seu pai.

80. “Nunca sofri de crises ou moléstias de espécie alguma.”, disse Cáo Cāo. “Mas perdi a afeição por meu tio, e ele vos enganou.”.

81. Depois disso, não importasse o que seu tio dissesse a seu respeito, seu pai não lhe dava atenção. Então o jovem cresceu licencioso e sem controles.

82. Certo homem chamado Qiao Xuan disse a Cáo Cāo: “A rebelião está prestes a eclodir, e apenas um homem de grandes habilidades pode restaurar a tranquilidade. E vós sois este homem.”.

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83. E Hé Yóng, de Nányáng, disse: “A Dinastia do Hàn está a ponto de ruir. Aquele que restaurará a paz é este homem e apenas ele.”.

84. Cáo Cāo procurou por Xŭ Shào, um homem de sabedoria em Rŭnán, para saber acerca de seu futuro.

85. “Qual é o meu estado de ser?”, inquiriu Cáo Cāo.

86. O homem não lhe deu resposta, e Cáo Cāo insistiu mais e mais em sua pergunta.

87. Então respondeu Xŭ Shào: “Durante a paz, um sujeito capaz; em tempos de caos, um astucioso herói!”.

88. Cáo Cāo teve grande alegria ao ouvir isto.

89. Cáo Cāo completou vinte anos e ganhara renome por integridade e clemência. Ele começou sua carreira como Oficial Comandante em um distrito próximo ao do Distrito da Capital. Nos quatro portões que segurava, mantinha ele bastões de variados tipos e punia qualquer infração à lei, não importando o posto do transgressor. Certo dia, um tio do eunuco Jiao Shuo fora visto pelas ruas com uma espada e posto na prisão. Conseqüentemente, foi sovado pelos bastões. Depois disto, ninguém ousava mais desviar-se da retidão novamente e o nome de Cáo Cāo tornou-se mais conhecido. Logo foi convocado pelo magistrado de Dùnqiū.

90. Com a irrupção dos Turbantes Amarelos, Cáo Cāo obteve o posto de General e foi posto para comandar cinco mil soldados de cavalaria e de tropas regulares para prestar auxílio no combate de Yĭngchuān. Coincidira de ele encontrar os rebeldes recém-derrotados, os quais fez em pedaços. Milhares foram exterminados e incontáveis bandeiras e tambores foram capturados, juntamente com grandes somas em dinheiro. Porém, Zhāng Băo e Zhāng Liáng conseguiram escapar; depois de uma breve conversa com Huángfŭ Sōng, seguiu Cáo Cāo em seu encalço.

91. Enquanto isso, Liú Bèi e seus irmãos avançavam em direção a Yĭngchuān, onde ouviram a assuada da batalha e viram chamas subindo alto nos céus. Mas chegaram muito tarde para o combate. Eles viram Huángfŭ Sōng e Zhū Jùn, aos quais contaram a respeito de Lú Zhí.

92. “A força dos rebeldes está abalada aqui,”, disseram os comandantes, “mas eles certamente farão com que Guăngzhōng junte-se a Zhāng Jiăo. Vós não tendes nada a fazer senão apressar-vos de volta.”.

93. Os três irmãos então mudaram seu destino. Pela metade do caminho, viram um grupo de soldados que escoltavam um prisioneiro em uma cela sobre um carro de bois. Assim

que se aproximaram, viram eles que o prisioneiro não era outro senão Lú Zhí, o homem a quem iam prestar auxílio. Desmontando de seu cavalo, Liú Bèi perguntou-lhes o que ocorrera.

94. Lú Zhí explicou: “Eu cercara os rebeldes e estava a ponto de aniquilá-los quando Zhāng Jiăo usou alguns de seus poderes sobrenaturais e evitou minha vitória. A Corte enviou o eunuco Zhuo Feng para saber os motivos de meu malogro e o oficial pediu algo como suborno. Eu disse a ele como estávamos sendo pressionados e perguntei a ele onde, dadas as circunstâncias, poderia eu encontrar algum presente a ele. Ele então foi-se com muita ira e relatou que eu ficara na base sem participar das batalhas e, com isto, desmotivara meu exército. Fui então substituído por Dŏng Zhuō, e tive de ir à Capital para responder pela acusação.

95. Esta história causou grande ira em Zhāng Fēi. Ele estava a ponto de aniquilar a escolta e libertar Lú Zhí. Mas Liú Bèi o aplacou.

96. “O Governo tomará a decisão correta,”, disse Liú Bèi. “Vós não podeis agir impensadamente!”.

97. E a escolta e os três irmãos tomaram caminhos diferentes.

98. Não havia sentido em prosseguir naquela rua em direção a Guăngzhōng, então Guān Yŭ sugeriu retornarem a Zhuo e tomaram o caminho de volta. Dois dias depois, ouviram eles o tumulto da batalha por detrás de algumas colinas. Apressando-se para o alto, eles viram os soldados do governo sofrendo grandes baixas, e viram que aquela região do País estava repleta de Turbantes Amarelos. Nas bandeiras dos rebeldes estavam escritos os dizeres ‘Zhāng Jiăo, o Senhor dos Céus’.

99. “Ataquemos Zhāng Jiăo!”, disse Liú Bèi a seus irmãos, e galoparam a fim de ingressar na batalha.

100. Zhāng Jiăo tinha vantagem sobre as tropas de Dŏng Zhuō e aproveitava-se dela. Estava ele engajado em uma perseguição quando os três irmãos avançaram sobre seu exército, causando confusão entre suas tropas e os fazendo recuar mais de vinte metros. Então os irmãos retornaram ao acampamento com o general que resgataram.

101. “Que oficiais tendes vós convosco?”, perguntou Dŏng Zhuō, assim que teve oportunidade de falar com os irmãos.

102. “Nenhum.”, disseram eles.

103. E Dŏng Zhuō os tratou com desrespeito. Liú Bèi retirou-se calmo, mas Zhāng Fēi estava furioso.

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104. “Nós acabamos de resgatá-lo de uma batalha feroz”, exclamou Zhāng Fēi, “e agora é ele rude conosco! Nada senão sua morte pode aplacar minha ira!”.

105. Zhāng Fēi avançou em direção à tenda de Dŏng Zhuō, firmemente a empunhar uma espada afiada.

106. E antes como era, o é hoje ainda:O simples homem pode ter um bom sucesso,A posição de oficial está já vinda;Zhāng Fēi, o homem que é brusco e impulsivo,Pode ele onde encontrar alguém em par?Porém matar alguém, o homem, o não grato,Teriam logo muitas mortes sucedido.

107. O destino de Dŏng Zhuō será discorrido em capítulos posteriores.

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Capítulo II

Zhāng Fēi Açoita O Oficial do Governo; Hé Jìn Conspira Para Assassinar Os Eunucos

1. Dŏng Zhuō nascera no longínquo noroeste, em Lintao, nas Terras do Vale do Oeste. Como Governador de Hedong, Dŏng Zhuō era arrogante e autoritário. Mas o dia em que tratou Liú Bèi com insulto teria sido seu último, não tivessem Liú Bèi e Guān Yŭ contido seu irado irmão Zhāng Fēi.

2. “Lembra-te que tem ele a comissão do governo.”, disse Liú Bèi. “Quem somos nós para julgá-lo e aniquilá-lo?”.

3. “É amargo receber ordens de canalha como ele. Preferiria acabar consigo! Vós podeis ficar por aqui, caso quiserdes, mas eu procurarei outro lugar.”, disse Zhāng Fēi.

4. “Somos nós três apenas um em vida e morte; entre nós não há divisão. Iremos todos prontamente.”.

5. Assim falou Liú Bèi, e seu irmão ficou satisfeito. Então os três partiram e não perderam tempo durante a viagem até chegarem a Zhū Jùn, o qual os recebeu bem e aceitou sua ajuda ao ataque a Zhāng Băo. Neste momento, Cáo Cāo juntou-se a Huángfŭ Sōng, tentava-se destruir Zhāng Liáng e havia em Quyang uma grande batalha.

6. Zhāng Băo estava a comandar cerca de oitenta mil tropas. Os rebeldes lideraram seu exército a uma posição sólida na parte de trás das colinas. Após decidido o ataque, Liú Bèi foi escolhido líder do assalto. Ao lado dos rebeldes, Gāo Shēng, um general de Zhāng Băo, surgiu para a batalha. Liú Bèi enviou Zhāng Fēi para aniquilar Gāo Shēng. Cavalgou Zhāng Fēi em máxima velocidade, sua lança preparada em riste. Após alguns assaltos, Zhāng Fēi feriu Gāo Shēng, o qual perdeu sua montaria. E com isto Liú Bèi deu ordens ao exército principal para avançar.

7. Então Zhāng Băo, enquanto ainda montado, soltou seus cabelos, agarrou sua espada e proferiu seus encantamentos. Logo então o vento pôs-se a uivar e os trovões a ribombar, enquanto uma densa nuvem negra descendida dos céus tomava conta dos campos. E então parecia que os eram invulneráveis os cavaleiros e tropas de soldados, os quais puseram-se a atacar as tropas imperiais. O pânico tomou-os e Liú Bèi liderou suas tropas para fora de combate, mas estavam em desordem e retornaram, derrotados.

8. Zhū Jùn e Liú Bèi ponderaram acerca do problema.

9. “Zhāng Băo usa magia.”, disse Zhū Jùn. “Amanhã, então, prepararei um contra-feitiço sob a forma de sangue de cabras e porcos abatidos. Este sangue deverá ser espalhado de

cima do precipício sobre a multidão por soldados em emboscada. Com isto, seremos capazes de quebrar o poder de sua arte xamânica.”.

10. Então foi feito. Guān Yŭ e Zhāng Fēi tomaram para si mil homens cada e os ocultaram nos altos penhascos na parte posterior das colinas, e tinham um grande suprimento de sangue de porco e de cabra, além de outras coisas impuras. E, no dia seguinte, quando os rebeldes com estandartes flamulantes e tambores rufantes surgiram para o embate, cavalgou Liú Bèi à frente para encontrá-los. Ao mesmo momento em que os exércitos se encontraram, novamente iniciou Zhāng Băo sua magia e novamente os elementos começaram a debater-se juntos. A areia voava em nuvens, detritos eram varridos pelo chão, colunas negras de vapor preenchiam os céus e massas estrondosas de cavaleiros e tropas de lá descendiam. Liú Bèi virou-se, como antes, para fugir e os rebeldes o seguiram. Mas, assim que passaram pelos penhascos, soaram os clarins e os soldados ocultos explodiram bombas, jogaram sujeira e sangue. As turbas de soldados e cavalos no ar caíram por terra como fragmentos de papel rasgado, o vento cessou de soprar, os trovões apaziguaram-se, a areia assentou-se e os detritos permaneceram imóveis sobre o chão.

11. Zhāng Băo rapidamente percebeu que sua magia havia sido neutralizada e pôs-se à retirada. Então foi atacado pelos flancos por Guān Yŭ e Zhāng Fēi e, na retaguarda, por Liú Bèi e Zhū Jùn. Os rebeldes foram subjugados. Liú Bèi, vendo de longe o estandarte de Zhāng Băo, o Senhor da Terra, galopou em direção a ele, mas conseguiu apenas feri-lo com uma flecha no braço esquerdo. Ferido como estava, fugiu Zhāng Băo para dentro de Yangcheng, onde se fortaleceu e onde era sitiado por Zhū Jùn.

12. Batedores, enviados para receber notícias de Huángfŭ Sōng, relataram: “O Comandante Huángfŭ Sōng obteve grande êxito, e Dŏng Zhuō sofreu vários reveses. Portanto a Corte remaneja Huángfŭ Sōng à posição do último. Zhāng Jiăo morreu antes da chegada de Huángfŭ Sōng. Zhāng Liáng agregou o exército de seu irmão ao seu, mas não houve brechas contra Huángfŭ Sōng, cujo exército obteve sete vitórias consecutivas. E Zhāng Liáng foi abatido em Quyang. Além disso, o ataúde de Zhāng Jiăo foi exumado, seu cadáver, decapitado, e sua cabeça, após exposição pública, foi enviada à capital Luòyáng. A turba rendeu-se. Por estes serviços, Huángfŭ Sōng foi promovido a General das Carruagens Voadoras e Protetor Imperial de Jizhou.”.

13. “Huángfŭ Sōng não se esqueceu de seus amigos. Seu primeiro ato após obter poder foi relatar ao trono o caso de Lú Zhí, o qual foi então restabelecido a seu anterior posto por conduta meritória. Cáo Cāo também recebeu recompensa por seus serviços e agora se prepara para ir a Jinan, em seu novo posto.”.

14. Ao ouvir isto, Zhū Jùn apertou mais a pressão sobre Yangcheng, e a aparente ruptura da rebelião já se tornava evidente. Então Yán Zhèng, um dos oficiais de

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Zhāng Băo, matou seu líder e levou sua cabeça como prova de submissão. Com isto a rebelião naquela parte do país estava contida, e Zhū Jùn reportou-se ao Governo.

15. As brasas dos Turbantes Amarelos, porém, ainda ardiam. Três outros rebeldes, Zhào Hóng, Hán Zhōng e Sūn Zhòng, uniram cerca de trinta mil rebeldes e começaram a assassinar, pilhar e incendiar, denominando-se como vingadores do Mestre Zhāng Jiăo.

16. A Corte ordenou ao bem-sucedido Zhū Jùn que liderasse suas experientes e valorosas tropas a destruir os rebeldes. Ele prontamente marchou em direção à cidade de Wancheng, onde os rebeldes mantinham cerco. Assim que Zhū Jùn chegou, foi Hán Zhōng de encontro a ele. Zhū Jùn enviou Liú Bèi e seus irmãos para atacarem o lado sudoeste da cidade. Prontamente liderou Hán Zhōng os melhores de seus homens a fim de defendê-la. Enquanto isso, o próprio Zhū Jùn liderava uma tropa composta por dois mil cavaleiros a fim de atacar o lado oposto. Os rebeldes, achando terem perdido a cidade, abandonaram o sudoeste e voltaram para lá com a intenção de amparar os defensores. Liú Bèi fazia pressão contra a retaguarda, e foram inevitavelmente subjugados. Eles se refugiaram na cidade, a qual então estava sitiada. Tão logo a fome urgia sobre os sitiantes, enviaram eles uma mensagem oferecendo rendição, mas Zhū Jùn recusou a oferta.

17. Disse Liú Bèi a Zhū Jùn: “Ao vermos que o fundador da Dinastia Hàn, Liú Bāng, o Supremo Ancestral, receberia os submissos e acolheria os favoráveis, por que rejeitar a estes?”.

18. “As condições são diferentes.”, respondeu Zhū Jùn. “Naqueles velhos tempos, a desordem era universal e o povo não tinha um soberano fixo. Portanto, a submissão era bem-vinda e o apoio, recompensado a fim de encorajar as pessoas a se renderem. Agora o império está unido, e os Turbantes Amarelos são os únicos descontentes. Receber sua rendição é não encorajar o bem. Permitir bandidos, quando bem-sucedidos, é dar caminho a toda e qualquer concessão, e acatar sua rendição quando falham faz apenas encorajar o banditismo. Vosso plano não é bom.”.

19. Liú Bèi respondeu: “Não deixar os bandidos se renderem, sim. Mas a cidade está cercada como se por um barril de ferro. Caso a solicitação dos rebeldes seja recusada, estarão eles desesperados e lutarão até a morte, e dificilmente teremos força contra uma miríade de tais homens. Além disto, há na cidade muitas outras pessoas, todas fadadas à morte. Retiremo-nos por um dos flancos e ataquemos apenas o oposto. Eles com certeza fugirão e não terão desejo de combater. Então os subjugaremos.”.

20. Zhū Jùn viu neste um bom conselho, e o seguiu. Como previsto, os rebeldes fugiram, liderados por Hán Zhōng. Os sitiantes os seguiram conforme fugiam, e Hán Zhōng foi morto. Os rebeldes se espalharam por todas as direções. Mas os outros dois chefes rebeldes, Zhào Hóng e Sūn Zhòng, surgiram com grandes reforços e, conforme parecessem muito fortes, os soldados imperiais se retiraram e o novo corpo de rebeldes entrou novamente em Wancheng.

21. Zhū Jùn acampou a cerca de cinco quilômetros da cidade e se preparou para o ataque. Logo então chegaram tropas de cavaleiros e soldados do leste. Na liderança estava um general de rosto amplo, corpo como o de um tigre alerta e torso como o de um altivo urso. Seu nome era Sūn Jiān. Ele era um nativo de Fuchun, na velha região de Wu, e descendente do famoso Sūn Zĭ, o Estrategista9.

22. Quando tinha dezessete anos, Sūn Jiān estava com seu pai próximo ao Rio Qiantang e viu um grupo de piratas, que havia saqueado um comerciante, a repartir seu butim próximo à margem.

23. “Podemos capturá-los!”, disse ele a seu pai.

24. Então, a empunhar sua espada, sem hesitar correu pela margem do rio e gritou algo, como se estivesse a chamar por seus homens. Isto fez com que os piratas acreditassem que os soldados estavam em seu encalço e fugiram, deixando o butim onde estava. Ele conseguiu de fato matar um dos piratas. Por isto tornou-se ele conhecido e foi recomendado a um cargo.

25. Então, em colaboração com os oficiais locais, conseguiu reunir um grupo de mil pessoas e ajudou a conter a rebelião de Xu Chang, que se intitulava o Imperador Sol e tinha dez mil seguidores. Xu Hao, o filho do rebelde, também foi morto, juntamente com seu pai. Por isto, Sūn Jiān foi elogiado por Zhang Min, Protetor Imperial, em uma notificação enviada ao Trono, e recebeu promoção ao posto de magistrado de Yandu, depois de Xuyi, e posteriormente de Xiapi.

26. Quando foi deflagrada a rebelião dos Turbantes Amarelos, Sūn Jiān reuniu os jovens de sua vila, alguns da classe dos comerciantes, organizou uma tropa de mil e quinhentos soldados experientes e pôs-se a campo. Agora chegava ele ao campo de batalha.

27. Zhū Jùn recebeu Sūn Jiān de bom grado e ordenou a ele que atacasse o portão sul de Wancheng. Os portões norte e oeste foram simultaneamente atacados por Liú Bèi e Zhū Jùn, mas o portão leste fora deixado livre com o intuito de dar aos rebeldes uma chance de fuga. Sūn Jiān foi o primeiro a escalar os muros e aniquilar mais de vinte rebeldes com sua espada. Os rebeldes fugiram, mas Zhào Hóng, seu líder, cavalgou em direção a Sūn Jiān com sua lança pronta para o golpe. Sūn Jiān desceu do muro, lançou para longe sua lança e com ela derrubou Zhào Hóng de seu cavalo. Então Sūn Jiān, a montar o cavalo de Zhào Hóng, cavalgou aqui e ali, a abater os rebeldes conforme avançava.

28. Os rebeldes fugiram para o norte. Ao encontrarem Liú Bèi, recusaram-se a lutar e

9 Sūn Zĭ, conhecido mais popularmente como Sun Tzu (Sūn Wŭ) (544 a.C. – 496 a.C.) autor do clássico Arte da Guerra (孫子兵法). (N. do T.)

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dispersaram-se. Mas Liú Bèi sacou seu arco, preparou uma flecha e alvejou seu líder, Sūn Zhòng, o qual caiu por terra. O exército principal de Zhū Jùn chegou e, após tremendo massacre, os rebeldes se renderam. Com isto a paz foi conquistada pelas dez províncias da área de Nányáng.

29. Zhū Jùn retornou à capital Luòyáng, foi promovido a General da Cavalaria Voadora e recebeu o governo de Henan. Ele não se esqueceu daqueles que o auxiliaram a conquistar a vitória; portanto, relatou os méritos de Liú Bèi e Sūn Jiān ao trono.

30. Sūn Jiān, tendo amigos influentes e conexões que o sustentavam, rapidamente conseguiu indicação para o cargo de Comandante de Changsha e pôs-se a caminho a fim de assumir o novo posto. Mas Liú Bèi, apesar da notificação de Zhū Jùn, esperou em vão por preferência, e os três irmãos ficaram muito tristes.

31. Certo dia, a andar pela capital, Liú Bèi encontrou Zhang Jun, um oficial da Corte, a quem relatou seus serviços e compartilhou seus lamentos. Zhang Jun estava muito surpreso com tal negligência e certo dia, enquanto na Corte, falou com o Imperador a respeito.

32. Disse ele: “Os Turbantes Amarelos rebelaram-se porque os eunucos vendem cargos e barganham postos. Há emprego apenas a seus amigos, punição apenas a seus inimigos. Isto levou à rebelião. Seria portanto benfazejo aniquilar os Dez Eunucos, expor suas cabeças e proclamar o que fora feito por todo o império. Então recompensai os dignos. Com isto, a terra seria toda tranqüila.”.

33. Mas ferozmente opuseram-se os eunucos a isto e disseram que Zhang Jun estava a insultar o Imperador, e Ele ordenou aos guardas que pusessem Zhang Jun para fora.

34. Os eunucos, porém, reuniram-se em conselho e um deles disse: “Com certeza alguém que prestou serviço contra os rebeldes está ressentido por ter sido deixado para trás.”.

35. Eles então prepararam uma lista de pessoas pouco importantes que receberiam preferência. Entre elas estava Liú Bèi, que recebeu o posto de magistrado da província de Anxi,

36. Os três irmãos chegaram a Anxi, e em pouco tempo a administração da província estava tão reformada e o governo tão sábio que em um mês já não havia uma infração à lei. Os três irmãos viviam em harmonia, comendo sobre a mesma mesa e dormindo sobre o mesmo leito. E quando Liú Bèi ia a sessões públicas ou estava em companhia de outros, estavam Guān Yŭ e Zhāng Fēi prontos a lhe prestar auxílio, fosse pelo dia inteiro.

37. Quatro meses após sua chegada, veio-lhes uma ordem geral pela redução no número de oficiais militares que ocupassem postos civis e Liú Bèi começou a temer que estivesse dentre aqueles que seriam postos para fora. Certo dia o oficial inspetor, de nome Du Biao,

chegou e foi recebido logo à fronteira. Mas à deferência educada de Liú Bèi não respondeu, salvo por um aceno com seu látego quando montava em seu cavalo. Isto deixou Guān Yŭ e Zhāng Fēi furiosos. Mas o pior estava por vir.

38. Tão logo o chegou inspetor às suas dependências, tomou lugar sobre a tribuna, deixando Liú Bèi em posição inferior a si. Após um longo tempo, endereçou-se a Liú Bèi.

39. “Magistrado, qual é a vossa origem?”

40. Liú Bèi respondeu: “Sou descendente do Príncipe Sheng de Zhōngshān. Desde quando travei meu primeiro combate contra os rebeldes dos Turbantes Amarelos na província de Zhuo, já estive em mais de trinta batalhas, pelas quais obtive senão algum mérito. Minha recompensa foi este cargo.”.

41. “Tu mentes sobre tua descendência e tua declaração de serviços é falsa!”, rugiu o inspetor. “Agora a Corte ordenou a redução dos tipos de classe baixa e oficiais corruptos como vós.”.

42. Liú Bèi pensou algo consigo e retirou-se. Em seu retorno à magistratura, reuniu-se em conselho com seus secretários.

43. “Tal atitude pomposa pode apenas significar que o inspetor deseja um suborno.”, disseram.

44. “Nunca corrompi as pessoas com o valor de sequer uma moeda: de onde, portanto, viria um suborno?”

45. No dia seguinte, tinha o inspetor oficiais de baixos postos à sua frente e os forçou a prestar testemunho de que seu mestre havia oprimido o povo. Liú Bèi logo se pôs a refutar esta acusação, mas os guardas dos portões o puseram para fora e não pôde entrar.

46. Zhāng Fēi havia afogado suas mágoas com vinho durante o dia inteiro e bebera demais. Chamando por seu cavalo, cavalgou ele até os alojamentos do inspetor e, logo aos portões, havia ali uma turba de pessoas já de cabelos brancos a chorar amargamente. Ele perguntou-lhes o porquê.

47. Disseram eles: “O inspetor compeliu os subordinados menores a prestarem falso testemunho contra nosso magistrado, com o desejo de prejudicar o virtuoso Liú Bèi. Nós viemos para implorar a ele por misericórdia, mas não somos permitidos de entrar. Além disto, fomos agredidos pelos guardas dos portões.”.

48. Isto levou o irascível e parcialmente intoxicado Zhāng Fēi à fúria. Seus olhos

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arregalaram-se até se tornarem círculos; ele cerrou seus dentes; em questão de instantes estava ele fora de si, a forçar seu caminho dentre os apavorados guardas prédio adentro e a chegar aos aposentos de trás. E então viu ele Du Biao, o Inspetor Imperial, sentado sobre a tribuna e com os subordinados inferiores a seus pés.

49. “Opressor do povo! Salteador!”, exclamou Zhāng Fēi. “Sabes tu quem sou?”.

50. Mas, antes que o inspetor pudesse responder, Zhāng Fēi o agarrou pelos cabelos e o arrastou para baixo. Em outro instante já estava fora e o amarrou firmemente contra o poste de amarra à frente do prédio. Então, quebradas algumas varas de um salgueiro, aplicou Zhāng Fēi em sua vítima uma severa surra, de modo que restara apenas sua mão vazia após o décimo galho estar pequeno demais para açoitá-lo.

51. Liú Bèi estava sozinho, remoendo suas lástimas, quando ouviu um chamado à sua porta. Ele perguntou o que sucedera.

52. Disseram a ele: “O General Zhāng Fēi amarrou alguém em um poste e o está surrando!”.

53. Indo prontamente para fora, Liú Bèi viu quem era a infeliz vítima e perguntou o motivo a Zhāng Fēi.

54. “Se não batermos neste tipo de escória até a morte, quê poderemos esperar?”, disse Zhāng Fēi.

55. “Nobre senhor! Salvai-me!”, exclamou o inspetor.

56. Era sempre Liú Bèi gentil e gracioso, e então convenceu seu irmão a libertar o oficial e seguir seu caminho.

57. Chegou então Guān Yŭ, a dizer: “Irmão, após teus magníficos serviços, conseguistes apenas este pequeno posto e mesmo aqui, foste insultado por este sujeito. Vamos acabar com este homem, partir daqui e ficar em casa até que consigamos algo maior.”.

58. Liú Bèi contentou-se apenas em segurar o selo oficial que estava em volta do pescoço do inspetor, a dizer: “Se ouvir que fizestes mal ao povo, vos matarei com toda a certeza. Estamos partindo.”.

59. O inspetor foi ao Governador de Dingzhou, prestou reclamação e foram despachadas ordens para a prisão dos irmãos, mas eles foram a Daizhou e buscaram refúgio com Liu Hu, o qual os abrigou devido à descendência nobre de Liú Bèi.

60. Neste tempo os Dez Regulares Serviçais tinham tudo em suas mãos, e ordenaram à morte todo aquele que hes fizesse oposição. De cada oficial que ajudara a suprimir os

rebeldes, demandavam presentes; e, caso não fossem enviados, eram removidos do cargo. Ambos os Comandantes Imperiais Huángfŭ Sōng e Zhū Jùn caíram vítimas destas intrigas e foram privados de seus cargos, enquanto por outro lado os eunucos recebiam as maiores honrarias e recompensas. Treze eunucos receberam títulos de nobreza, incluindo Zhào Zhōng, o qual foi nomeado General da Cavalaria Voadora. O governo ficava pior e pior, e todos estavam irritados.

61. Rebeliões ocorriam em Changsha, lideradas por Ōu Xīng, e em Yuyang, lideradas por Zhāng Jŭ e Zhang Chun. Foram enviadas tantas notificações quanto os flocos de neve no inverno, mas os Dez as suprimiram todas. Estava certo dia o Imperador em um banquete com os Dez num de seus jardins quando Liu Tao, o Conselheiro da Corte, repentinamente apareceu, a mostrar grande aflição. O Imperador perguntou-lhe qual era o problema.

62. “Senhor, como podeis banquetear com estes enquanto o Império está em seus últimos suspiros?”.

63. “Tudo está bem.”, disse o Imperador. “Onde há algo de errado?”.

64. Disse Liu Tao: “Salteadores estão por todos os lados e saqueiam as cidades. E é tudo culpa dos Dez Eunucos, que vendem cargos e prejudicam as pessoas, oprimem oficiais leais e enganam seus superiores. Todos os virtuosos já deixaram seus serviços e voltaram às suas regiões. O infortúnio está diante de nossos olhos!”.

65. Com isto, os eunucos descobriram suas cabeças e se prostraram aos pés de seu mestre.

66. “Se o Ministro Liu Tao nos desaprova,”, eles disseram, “estamos em perigo. Oramos para que nossas vidas sejam poupadas e que possamos voltar às nossas fazendas. Nós cedemos nossas propriedades para ajudar a custear as despesas militares.”.

67. E eles choraram amargamente.

68. O Imperador virou-se irritado para Liu Tao, a dizer: “Tu também tens teus serviçais: por quê não podes com os meus?”.

69. E depois disto o Imperador chamou seus guardas e os ordenou que retirassem Liu Tao e o pusessem à morte.

70. Liu Tao bradou em alto tom: “Minha morte nada importa. Triste é que a Dinastia Hàn, após vários séculos de reinado, esteja a ruir rapidamente!”.

71. Os guardas o puseram para fora e estavam prestes a executar a ordem do

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Imperador quando um ministro os deteve, exclamando: “Não atacais! Esperai até que eu tenha falado com Vossa Majestade.”.

72. Era o Ministro do Interior, Chen Dan. Ele foi ter com o Imperador, a quem disse: “Por qual crime foi o Conselheiro Liu Tao posto à morte?”.

73. “Ele vilificou meus serviçais e insultou-me.”, disse o Imperador.

74. “O Império todo comeria a carne dos eunucos se pudesse e, Senhor, mesmo assim Vos respeita como se fossem Vossos pais. Eles não têm méritos, mas são criados como nobres. Além disto, Fēng Xŭ estava coligado com os Turbantes Amarelos. A não ser que Vossa Majestade perceba isto, o Estado desmoronará!”.

75. “Não houve prova contra Fēng Xŭ.”, respondeu-lhe o Imperador. “Quanto aos Dez Eunucos, não há dentre eles ninguém digno de fé?”.

76. Chen Dan tocou com sua testa os degraus do trono e não se demoveu de sua crítica. Então o Imperador irou-se e ordenou sua remoção e aprisionamento junto a Liu Tao. Naquela noite, Liu Tao e Chen Dan foram assassinados.

77. Então os eunucos enviaram um falso édito a Sūn Jiān que o proclamava Governador de Changsha e que continha ordens para suprimir a rebelião de Ōu Xīng. Em menos de dois meses, Sūn Jiān trouxe a tranquilidade à província. Por isto foi posto Senhor de Wucheng.

78. Mais à frente, Liú Yú foi nomeado Protetor Imperial de Yōuzhōu a fim de marchar em direção a Yuyang e suprimir Zhāng Jŭ e Zhang Chun. Liu Hu de Daizhou recomendou Liú Bèi a Liú Yú, o qual recebeu Liú Bèi, deu a ele o posto de Comandante e o despachou contra os rebeldes. Ele lutou contra eles, os fustigou e acabou com seu espírito de luta. Zhang Chun, um dos líderes, era por demais cruel e seus subordinados se voltaram contra ele. Um de seus oficiais então o matou e trouxe sua cabeça, o que fez com que os outros se rendessem. Zhāng Jŭ, o outro líder, viu que tudo estava perdido e suicidou-se.

79. Com Yuyang agora tranqüila, os serviços de Liú Bèi foram relatados ao Trono, e ele recebeu perdão total pelo insulto ao inspetor imperial. Ele foi nomeado Marechal Substituto de Xiami, e então Oficial Comandante de Gaotang. Então Gōngsūn Zàn elogiou os serviços anteriores de Liú Bèi e ele foi promovido a Magistrado de Pingyuan. Este local era muito próspero, e Liú Bèi recuperou um pouco de seus velhos hábitos de antes dos dias de adversidades. Liú Yú também recebeu preferência e foi promovido a Grande Comandante.

80. No verão do sexto ano da Estabilidade Central10, o Imperador Líng ficou seriamente

10 189 d.C. (N. do T.)

doente e convocou Hé Jìn ao Palácio a fim de assentar o futuro. Hé Jìn viera de uma humilde família de açougueiros, mas sua irmã havia se tornado concubina de posição e deu a luz a um filho do Imperador, de nome Liú Biàn. Depois disto ela se tornou Imperatriz Hé e Hé Jìn tornou-se o poderoso Marechal do Regente11.

81. O Imperador se apaixonara também por uma bela garota, Lady Wáng, que deu a luz a um filho de nome Liú Xiàn. A Imperatriz Hé envenenou Lady Wáng por ciúmes, e o bebê foi posto aos cuidados da Imperatriz Dong, a qual era mãe do Imperador Líng. Lady Dong era a esposa de Liu Chang, Senhor de Jiedu. Conforme passou-se o tempo e o Imperador Huán não tinha filhos de sua prole, adotou o filho de Liu Chang, o qual o sucedeu como Imperador Líng. Após sua ascensão, o Imperador Líng levou sua mãe para viver no Palácio e conferiu a ela o título de Imperatriz Dowager12.

82. A Imperatriz Dong sempre tentou persuadir seu filho a nomear Liú Xiàn como o Evidente Herdeiro, e de fato o Imperador amava tenramente o garoto e estava disposto a fazer como sua mãe dizia.

83. Quando estava próximo o fim do Imperador, Jian Shuo, um dos eunucos, disse: “Caso Liú Xiàn obtiver sucesso, Hé Jìn deve ser assassinado para evitarmos qualquer medida contrária.”.

84. O Imperador também percebeu isto. E convocou Hé Jìn para ter consigo.

85. Mas, logo aos portões da Cidade Proibida, Hé Jìn foi avisado sobre o perigo pelo Comandante Pan Yin, o qual disse: “Isto deve ser uma armadilha de Jian Shuo para destruir-vos!”.

86. Hé Jìn voltou a seus alojamentos e chamou vários de seus ministros para terem consigo, e encontraram-se então para discutir sobre como pôr os eunucos à morte.

87. Nesta assembléia falou um homem contra o plano: “A influência dos eunucos data de um século e meio atrás, durante os reinos dos Imperadores Chong e Zhi. Isto se espalhou como uma erva daninha por todas as direções. Como poderemos destruí-la? Mantenhais secreto este plano acima de tudo, ou nossos clãs inteiros serão exterminados.”.

88. Hé Jìn baixou seus olhos e viu Cáo Cāo, o General dos Padrões Militares.

89. Hé Jìn estava extremamente irritado com este discurso e exclamou: “Quê sabem inferiores como tu sobre os caminhos do Governo?”.

11 O mais alto posto na hierarquia militar da época. (N.do T.)12 Imperatriz Dowager Dong: título dado à Imperatriz que, já falecido seu marido, não tem mais

autoridade imperial. (N. do T.)

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90. E no meio da confusão surgiu Pan Yin para dizer: “O Imperador não mais governa. Os eunucos decidiram manter sua morte um segredo e forjaram um comando ao Marechal do Regente a fim de ir ao palácio e acertar a sucessão. Enquanto isto, para evitarem problemas, inscreveram o nome do Príncipe Xiàn.”.

91. E, logo Pan Yin terminara de falar, chegou-lhes o édito a chamar por Hé Jìn.

92. “A questão do momento é decidir quem será o herdeiro de direito.”, disse Cáo Cāo. “Podemos lidar com os traidores mais tarde.”.

93. “Quem ousa juntar-se a mim em apoiar o herdeiro legítimo – o Príncipe Biàn?”, perguntou Hé Jìn, o Marechal do Regente.

94. E de pronto pôs-se à frente alguém, dizendo: “Dai-me cinco mil tropas experientes e entraremos no palácio, definiremos o herdeiro legítimo, aniquilaremos os eunucos e limparemos de vez o governo! E então a paz se fará pelo império.”.

95. O enérgico homem era Yuán Shào, filho de Yuán Feng, anterior Ministro do Interior e sobrinho de Yuan Wei, Guardião Imperial. Yuán Shào mantinha então o posto de Comandante Imperial.

96. Hé Jìn reuniu cinco mil guardas reais. Yuán Shào vestiu armadura completa e pôs-se no comando. Hé Jìn, apoiado por Hé Yóng, Xún Yōu, Zheng Tai e mais de trinta outros ministros e oficiais de alto cargo, seguiram palácio adentro. Na sala onde estava o sepulcro do último imperador, puseram Liú Biàn ao trono. Depois de encerrada a cerimônia e de haverem todos se curvado diante do novo Imperador, entrou Yuán Shào a fim de prender o eunuco Jian Shuo, que fugiu em pânico para os jardins do Palácio e se escondeu detrás dos arbustos, onde foi descoberto e assassinado por Guō Shèng, um dos Dez Eunucos. Os guardas sob comando de Jian Shuo renderam-se todos.

97. Yuán Shào disse: “Seus grupos romperam-se. O momento mais oportuno de aniquilar os eunucos é agora!”.

98. Mas Zhāng Ràng e os eunucos dos Dez pressentiram o perigo e apressaram-se a ter com a Imperatriz Hé.

99. Eles disseram: “Aquele que concebeu o plano para prejudicar Vosso irmão foi Jian Shuo: apenas ele estava envolvido, e mais ninguém. Agora o Marechal Regente, sob conselho de Yuán Shào, quer acabar com todos nós. Imploramos Vossa piedade, oh Vossa Majestade!”.

100. “Não temei!”, disse a Imperatriz Hé, cujo filho havia se tornado Imperador. “Eu vos protegerei.”.

101. Ela chamou por seu irmão e lhe disse: “Tu e eu somos de origem menor, e devemos nossa boa sorte aos eunucos. O descaminhado Jian Shuo está agora morto; preci-sas tu pôr todos os outros à morte conforme aconselhou Yuán Shào?”.

102. E Hé Jìn obedeceu a seu desejo. Ele se explicou a seu grupo, dizendo: “O verdadeiro ofensor, Jian Shuo, encontrou seu destino e seu clã será punido. Mas não precisamos exterminar o grupo inteiro, nem prejudicar seus colegas.”.

103. “Acabai com eles, do tronco às raízes,”, exclamou Yuán Shào, “ou eles irão arruinar-vos!”.

104. “Já decidi.”, disse Hé Jìn, friamente. “Não digais mais nada.”.

105. Em alguns dias Hé Jìn tornou-se Presidente do Secretariado, e seus associados receberam altos cargos.

106. A Imperatriz Dong convocou o eunuco Zhāng Ràng e seu grupo em conselho.

107. Disse ela: “Fui eu quem trouxe à frente a irmã de Hé Jìn. Hoje seu filho está no trono, todos os oficiais são seus amigos e sua influência é enorme. Quê posso fazer?”

108. Zhāng Ràng respondeu: “Vossa Alteza deve administrar o estado por ‘detrás do véu’; criai Liú Xiàn, o filho do último Imperador, como a um príncipe; dai a Vosso irmão, Dong Chong, Tio Imperial, um alto posto e o colocai sobre o exército; e usai-nos. Isso, apenas, bastará.”.

109. A Imperatriz Dong consentiu. No dia seguinte reuniu ela a Corte e despachou um édito com o propósito referido. Ela nomeou Liú Xiàn como Príncipe de Chenliu e Dong Chong como General da Cavalaria Voadora, e permitiu que os eunucos participassem novamente dos assuntos de Estado.

110. Quando viu a Imperatriz Hé todo o sucedido, preparou ela um banquete, ao qual convidou a Imperatriz Dong, sua rival.

111. No meio do banquete, quando todos estavam já bastante inebriados pelo vinho, a Imperatriz Hé ofereceu uma taça a sua convidada, dizendo: “Não é bom que nós duas nos envolvamos em assuntos de estado. No início da Dinastia Hàn, quando a Imperatriz Lu pôs suas mãos no Governo, todos os clãs foram postos à morte. Nós deveríamos ficar contentes, amuradas em nossos palácios, e deixar as questões de Estado ao encargo dos oficiais de Estado. Isto seria bom para o País, e confio que Vós agireis de acordo.”.

112. Mas isto apenas irritou a Imperatriz Dong, que disse: “Tu envenenaste Lady

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Wáng por ciúmes. Agora, a confiar no fato de que Teu filho está sentado no Trono e que Teu irmão é poderoso, falas Tu estas coisas absurdas. Eu darei ordens para que Teu irmão seja decapitado, e isto pode ser feito tão facilmente quanto o virar de minhas mãos!”.

113. A Imperatriz Hé, por sua vez, irou-se e disse: “Tentei vos persuadir com palavras justas. Por quê irritar-se tanto?”.

114. “Oh!, filha desqualificada de açougueiro!, quê sabes tu a respeito de cargos?”, exclamou a Imperatriz Dong.

115. E a discussão acalorou-se cada vez mais.

116. Os eunucos persuadiram as senhoras a se retirarem. Mas à noite a Imperatriz Hé convocou seu irmão no Palácio e lhe contou o que ocorrera. Ele saiu e reuniu-se em conselho com os principais oficiais do estado. No dia seguinte foi realizada uma assembléia e uma notificação foi apresentada, dizendo:

117. A Imperatriz Dong, sendo a mãe de criação de Liú Xiàn, Príncipe de Chenliu, um príncipe regional – apenas um colateral – não poderá mais ocupar parte alguma do Palácio. Ela será removida a seu lugar de origem em Hejian e partirá imediatamente.”

118. E, enquanto enviavam uma escolta para remover a Imperatriz Dong, um forte guarda foi posto nos aposentos de Dong Chong, Tio Imperial. Eles levaram seu selo de oficial e ele, sabendo ser este seu fim, suicidou-se em seus aposentos particulares. Seus dependentes, os quais lamentavam sua morte, foram dispersados pelos guardas.

119. Os eunucos Zhāng Ràng e Duàn Guī, tendo perdido sua ama, enviaram grandiosos presentes ao irmão mais novo de Hé Jìn, Hé Miáo, e à sua mãe, Lady Wuyang, e, com isto, coisas boas foram ditas à Imperatriz Hé a fim de conquistar sua proteção. E então obtiveram favorecimento, mais uma vez, na Corte.

120. No sexto mês daquele ano, os emissários secretos de Hé Jìn envenenaram a Imperatriz Dong em sua residência. Seu corpo foi levado à capital e enterrado nas Tumbas de Wen. Hé Jìn fingiu doença e não foi ao funeral.

121. O Comandante Yuán Shào foi um dia ter com Hé Jìn, a lhe dizer: “Os dois eunucos, Zhāng Ràng e Duàn Guī, estão espalhando lá fora a notícia de que vós causastes a morte de duas antigas imperatrizes e estais a almejar o Trono. Este é o pretexto para destruir-vos. Não vos poupe desta vez, ou pagareis como Dóu Wŭ e Chén Fán, os quais no reinado anterior perderam suas chances porque o segredo não havia sido mantido e pagaram com suas próprias vidas. Agora vós e vosso irmão tendes vários comandantes e oficiais convosco, então a destruição dos eunucos será fácil. É uma oportunidade enviada pelos céus. Não demorai mais!”.

122. Mas Hé Jìn respondeu: “Deixa-me pensar a respeito.”.

123. Os serviçais de Hé Jìn ouviram a discussão e secretamente informaram as pretendidas vítimas, as quais enviaram mais presentes a Hé Miáo, o irmão mais novo.

124. Corrompido por estes, Hé Miáo pôs-se a ter com sua irmã, a Imperatriz Hé, e lhe disse: “O General é o apoio principal do novo Imperador, mas mesmo assim não é gracioso e misericordioso e pensa apenas em massacre. Caso ele mate os eunucos sem motivo algum, poderia isso trazer a revolução.”.

125. Logo após isto, entrou Hé Jìn e a Ela contou seu desígnio de pôr os eunucos à morte.

126. Ela discutiu com ele: “Aqueles oficiais se ocupam com questões do palácio e são antigos serviçais. Matar os antigos serviçais logo após a morte de seu mestre pareceria desrespeitoso ao Templo Ancestral da Dinastia.”.

127. E, como Hé Jìn mantinha vacilante seu pensamento, assentiu com um murmúrio e saiu.

128. “E então?”, disse Yuán Shào ao encontrá-lo.

129. “Ela não consentirá. Quê pode ser feito?”

130. “Convocai uma tropa e matai-vos. É imperativo. Não vos importai com Seu consentimento!”.

131. “Este é um excelente plano.”, disse Hé Jìn. E enviou ordens por todos os cantos para os soldados marcharem rumo à capital.

132. Mas o Secretário Chén Lín objetou: “Não! Não agi sem a consideração devida. O provérbio diz: ‘Cobrir os olhos e tentar agarrar andorinhas é enganar a si próprio.’. Se em uma questão tão pequena não podeis vós concretizar vosso desejo, que dirá dos grandes problemas? Agora, pela virtude do Imperador e com o exército em vossas mãos, sois como cabriolante tigre e ascendente dragão: fazei como desejardes. Usar tamanhos poderes contra os eunucos traria vitória tão facilmente quanto acender uma fornalha para queimar um fio de cabelo. Vós necessitais apenas agir prontamente: usai vossos poderes e derrotai-vos de uma vez, e todo o império estará convosco. Mas evocar forças à capital, para agrupar diversos chefes militares, cada um com aspirações diferentes, é virar nossas armas contra nossas pessoas; é colocar-nos sob poder de outros. Nada exceto a falha pode resultar disto, e disto resultará devastação.”.

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133. “O ponto-de-vista de um mero rato de biblioteca.”, disse Hé Jìn, com um sorriso de escárnio.

134. Então um daqueles com Hé Jìn subitamente bateu palmas, rindo-se: “Resolver este problema é tão fácil quanto virar uma das mãos! Para quê tanta conversa?”.

135. Quem o disse foi Cáo Cāo.

136. Quereis tirar de perto de teu Príncipe os vis descaminhados,Então conselho procurais do sábio povo do Estado.

137. O que disse Cáo Cāo será revelado nos capítulos à frente.

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Capítulo III

Nos Jardins De Wenming, Dŏng Zhuō Denuncia Dīng Yuán;Com O Lebre Vermelha, Lĭ Sù Suborna Lǚ Bù

1. Foi isto o que disse Cáo Cāo: “O mal dos eunucos existe já há muito, mas a verdadeira causa do problema atual é a influência indevida permitida a eles pelos imperadores e o favoritismo impróprio do qual gozam. Mas o confinamento seria de ampla força a ser empregada contra este tipo de mal, e livrar-se dos principais culpados é o suficiente. Por que aumentar a confusão ao convocar tropas de outras regiões? Qualquer intenção de aniquilar a todos seria rapidamente conhecida, e o plano falhará.”.

2. “Então, Cáo Cāo, tens algum plano próprio, eu presumo.”, disse Hé Jìn, com desdém.

3. Cáo Cāo retirou-se da reunião, proclamando: “Então aquele que leva o mundo ao caos é Hé Jìn!”.

4. Então, sem demora, Hé Jìn enviou cartas secretas para perto e para longe, a diversas bases.

5. Deve-se lembrar que Dŏng Zhuō falhou em sua tentativa de acabar com a rebelião dos Turbantes Amarelos. Ele teria sido punido, não tivesse fartamente subornado os Dez Eunucos por sua proteção. Mais tarde, por meio de conexões com a capital, obteve ele sucessivas promoções, de General a General do Exército da Linha de Frente, a Senhor de Aoxiang, a Protetor Imperal na região oeste de Xizhou e a Comandante de um exército de duzentas mil tropas. Mas Dŏng Zhuō era traiçoeiro e desleal em seu âmago. Então, quando recebeu a convocação à capital, celebrou efusivamente e não perdeu tempo em obedecê-la. Ele deixou Niú Fŭ, Comandante Imperial, um de seus cunhados, encarregado das tarefas administrativas de Xizhou e partiu rumo a Luòyáng. Dŏng Zhuō levou consigo um gigantesco exército e quatro generais: Lĭ Jué, Guō Sì, Zhāng Jì e Fán Chóu.

6. Lĭ Rú, cunhado e conselheiro de Dŏng Zhuō, disse: “Apesar de uma convocação formal ter sido endereçada a ti, há vários pontos obscuros nesta empresa. Seria de bom-uso enviar uma notificação a atestar claramente nossos objetivos e intenções. Então poderemos proceder.”.

7. Então Dŏng Zhuō compôs algo como isto:

8. “Vosso serviçal tem conhecimento de que as contínuas rebeliões devem sua origem a Zhāng Ràng e aos Regulares Serviçais da Câmara Interna, os quais agem contra todos os preceitos reconhecidos. Para deter a ebulição em um caldeirão, a melhor forma é extinguir seu fogo; cortar um abscesso, mesmo que

doloroso, é preferível a apoiar o mal. Ousei executar avanço militar em direção à capital, com Vossa permissão, e agora faço votos de que Zhāng Ràng e os outros eunucos sejam removidos, para a felicidade da Dinastia e do Império.”.

9. Hé Jìn leu esta notificação e mostrou-a a seus comuns.

10. Então disse o Ministro Zheng Tai: “Uma fera agressiva e selvagem: caso vier, sua caça serão humanos!”.

11. Hé Jìn respondeu: “Vós sois por demais temeroso: vós sois inadequado a grandes planos.”.

12. Mas disse também Lú Zhí: “Há muito conheço esse homem. Embora de aparência inocente, é ele o próprio lobo em seu âmago. Permitai-vos, e consigo entrará a calamidade. Vos detenhai, não vos deixai vir, e com isto evitareis transtornos.”.

13. Hé Jìn estava obstinado, e ambos Zheng Tai e Lú Zhí resignaram de seus cargos e aposentaram-se, e assim também o fizeram mais de metade dos ministros de estado, enquanto Hé Jìn preparava calorosa recepção a Dŏng Zhuō, o qual montou acampamento próximo ao Lago de Shenchi e lá permaneceu sem tomar outras ações.

14. Zhāng Ràng e os eunucos sabiam que este movimento era dirigido contra eles e disseram: “Este plano é de Hé Jìn. Se não atacarmos primeiro, nosso clã inteiro será exterminado.”.

15. Então ocultaram um grupo de cinqüenta rufiões armados próximo ao Portão da Grande Virtude no Palácio da Felicidade, onde vivia a Imperatriz, e entraram a fim de ter consigo.

16. Disseram eles: “O General, fingindo agir sob ordens, convocou exércitos à Capital a fim de destruir-nos. Imploramos a Vós, Vossa Majestade, por piedade e salvação!”.

17. “Ide ao General e confessai vossos erros.”, disse a Imperatriz.

18. “Caso façamos isto, então seremos cortados em pedaços! Melhor seria convocar o General em Vossa presença e ordená-lo que cesse sua empresa. Caso não ceda, então desejamos apenas a morte em Vossa presença.”

19. A Imperatriz Hé despachou o pedido solicitado.

20. Hé Jìn estava a caminho de ter consigo quando Chén Lín o aconselhou a não entrar, dizendo: “Os eunucos estão certamente por trás da ordem e querem causar-vos mal.”.

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21. Mas Hé Jìn via apenas a ordem da Imperatriz e estava cego a todo o resto. Disse ele: “Este é, claramente, um édito da Imperatriz. Qual mal?”.

22. “Nosso plano não mais é um segredo.”, disse Yuán Shào. “Ainda assim ides, se estais pronto a galgar vosso caminho adentro.”

23. “Evacuai os eunucos primeiro!”, disse Cáo Cāo.

24. “Rapazote tolo!”, disse Hé Jìn. “Quê podem atentar contra o homem que mantém as forças do império sobre a palma de sua mão?”.

25. Yuán Shào disse: “Caso fordes, então iremos como escolta, apenas como precaução.”.

26. Então ambos Yuán Shào e Cáo Cāo escolheram quinhentos dos melhores soldados sob seu comando, pondo-os sob o comando de Yuán Shù, irmão de Yuán Shào. Yuán Shù, em armadura, manejou suas tropas para junto à entrada da Cidade Proibida, enquanto Yuán Shào e Cáo Cāo, empunhando espadas, seguiram como escolta.

27. Assim que se aproximou Hé Jìn do Palácio da Felicidade, disseram os oficiais da Câmara Interna: “As ordens são para permitir a entrada do Marechal Regente apenas, e a mais ninguém.”.

28. Então a escolta foi deixada para fora. Hé Jìn entrou, orgulhosamente. No Portão da Grande Virtude encontrou Zhāng Ràng e Duàn Guī, e seus seguidores rapidamente o cercaram. Hé Jìn começou a se alarmar.

29. Então Zhāng Ràng, em um tom brusco, pôs-se a vituperá-lo: “Qual crime cometera a Imperatriz Dong, para que fosse posta à morte? E, quando a Mãe do País foi enterrada, quem fingiu doença e não compareceu? Levamos a ti e à tua insignificante família mercante a ter toda a sorte de dignidade e riquezas que possuis, e esta é tua gratidão! Tu nos aniquilaria. Tu tens a nós por sórdidos e sujos: quem se prestará à limpeza?”.

30. Hé Jìn foi tomado pelo pânico e olhou à sua volta, a buscar meios de escapar, mas todos os portões haviam sido fechados. Os eunucos cercaram-no mais e surgiram os assassinos, os quais cortaram Hé Jìn em dois.

31. Cerrando Hàn, já em seus dias quase findos,Incauto, estúpido é Hé Jìn, de alto posto.Muitos conselhos; e ele, seus ouvidos moucos,Foi às espadas dos eunucos sucumbido.

32. Morreu então Hé Jìn. Yuán Shào e Cáo Cāo esperaram por muito tempo. Logo, impacientes pela demora, chamaram-no dos portões: “Vossa carruagem o aguarda, Oh

General!”

33. Como resposta foi a cabeça de Hé Jìn arremessada sobre o muro. Um decreto foi proclamado:

34. Hé Jìn perpetrou traição e portanto foi aniquilado! Seus colaboradores serão poupados.”

35. Bradou Yuán Shào: “Os eunucos assassinaram o Alto Ministro. Que venham ajudar-me aqueles que abaterão este grupo vil!”

36. Então Wu Kuang, um dos generais de Hé Jìn, ateou fogo nos portões. Yuán Shù, à frente de seus guardas, fez seu caminho adentro e pôs-se a abater os eunucos sem distinção à idade ou posto. Yuán Shào e Cáo Cāo seguiram para as dependências internas do Palácio e quatro dos eunucos – Zhào Zhōng, Chéng Kuàng, Xià Yùn e Guō Shèng – fugiram para a Guarita da Flor Azul, onde foram dilacerados em pedaços; O fogo se alastrava, a destruir as construções.

37. Quatro dos Dez Regulares Serviçais, – Zhāng Ràng, Duàn Guī, Cáo Jié e Hóu Lăn – liderados por Zhāng Ràng, levaram a Imperatriz, o Imperador Bian e o Príncipe Xian de Chenliu em direção ao Palácio do Norte.

38. Lú Zhí, desde que resignara de seu cargo, estivera em seu lar, mas, logo ao saber acerca da revolução no Palácio, cingiu sua armadura, empunhou sua lança e preparou-se para o combate.

39. Ele viu o eunuco Duàn Guī levando consigo a Imperatriz e bradou-lhe: “Oh Rebelde, como ousas abduzir a Imperatriz?”

40. O eunuco fugiu. A Imperatriz atravessou uma das janelas e foi escoltada a um lugar seguro.

41. O General Wu Kuang entrou em um dos salões internos, onde encontrou Hé Miáo, espada em riste.

42. “Tu também participastes do complô para acabar com teu próprio irmão.”, exclamou Wu Kuang. “Assim como os outros, deves morrer!”

43. “Matemos aquele que conspirou contra seu próprio irmão mais velho!”, exclamaram vários.

44. Hé Miáo olhou à sua volta: seus inimigos estavam por todos os lados. Ele foi feito em pedaços.

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45. Yuán Shù ordenou a seus soldados que se dividissem e procurassem pelas famílias de todos os eunucos, não poupando ninguém. No massacre foram mortos vários homens imberbes por engano.

46. Cáo Cāo foi pessoalmente tentar extinguir as chamas. Ele então implorou à Imperatriz Hé que assumisse o controle da situação, e soldados foram enviados a fim de perseguir Zhāng Ràng e resgatar o jovem Imperador e o jovem Príncipe de Chenliu.

47. Enquanto isso, Zhāng Ràng e Duàn Guī haviam levado para longe o Imperador e o Príncipe. Eles atravessaram fumaça adentro e afora, viajando sem cessar até chegarem nas Colinas de Beimang. Era então a terceira vigília. Eles ouviram grande gritaria atrás de si, e viram soldados em seu encalço. Seu líder, Min Gong, um comandante de Henan, bradava: “Traidores! Parai! Parai!”.

48. Zhāng Ràng, ao ver que havia perdido, pulou no rio, onde se afogou.

49. Os dois garotos, aterrorizados e a ignorar o significado de toda aquela confusão, não ousaram verter sequer uma lágrima. Eles rastejaram pela grama ao longo da margem do rio e se esconderam. Os soldados se espalharam por todas as direções, mas falharam em encontrá-los; Então lá permaneceram eles até a quarta vigília, famintos e a tremer de frio devido ao encharcante orvalho. Deitaram-se sobre a espessa grama e choraram sobre os braços um do outro, em silêncio, para que ninguém os encontrasse.

50. “Este não é lugar para ficarmos.”, disse o Príncipe Xian. “Precisamos encontrar alguma forma de sair daqui.”.

51. Então as duas crianças amarraram juntas as suas roupas e conseguiram escalar a margem. Eles estavam em uma moita espinhenta e estava tudo escuro. Eles não viam caminho algum. Estavam em desespero quando, repentinamente, milhões de vaga-lumes surgiram à sua volta e perfizeram círculos no ar, frente ao Imperador.

52. “Os Céus nos estão ajudando!”, disse o Príncipe Xian.

53. A pilha de palha estava próxima à casa de uma fazenda. Durante a noite, enquanto dormia o fazendeiro, teve este a visão de dois sóis vermelhos e claros descendo por detrás de sua moradia. Alarmado pelo que viu, ele prontamente vestiu-se e saiu à busca deles. Então viu ele uma brilhante luz a despontar de uma pilha de palha. Ele apressou-se em sua direção e lá viu dois jovens.

54. “A qual casa pertenceis, jovens cavalheiros?”, perguntou-lhes o fazendeiro.

55. Estava o Imperador assustado demais para responder, mas seu companheiro disse: “Ele é o Imperador. Houve uma revolução na Cidade Proibida, e de lá fugimos. Sou seu irmão, Príncipe de Chenliu.”.

56. O fazendeiro curvou-se diversas vezes e disse: “Meu nome é Cui Yi. Meu irmão Cui Lie é o antigo Ministro do Interior. Meu irmão estava desgostoso com o comportamento dos eunucos, por isso resignou e se ocultou aqui.”.

57. Os dois rapazes foram levados à fazenda, e, genuflexo, seu anfitrião lhes serviu alimento e bebida.

58. Fora dito que Min Gong havia saído a perseguir o eunuco Duàn Guī. Em tempo Min Gong acercou-se de Duàn Guī e exclamou: “Onde está o Imperador?”.

59. “Ele desapareceu! Não sei onde ele está!”

60. Min Gong matou Duàn Guī e pendurou sua cabeça ensanguentada sobre o pescoço de seu cavalo. Então enviou suas tropas a fim de procurarem por todas as direções, e cavalgou ele mesmo com este mesmo objetivo. Pois que chega à fazenda. Cui Yi, ao ver o que estava pendurado sobre o pescoço de seu cavalo, inquiriu-o e, satisfeito com a história, levou-o ao Imperador. O encontro foi afetuoso. Todos comoveram-se às lágrimas.

61. “O Estado não pode existir sem seu líder.”, disse Min Gong. “Faço votos de que Vossa Majestade retorne à cidade.”.

62. Na fazenda havia apenas um cavalo comum, e o selaram para o Imperador. O jovem Príncipe foi posto sobre o cavalo de Min Gong. E, com isto, deixaram a fazenda. Não além de um quilômetro e meio de lá, encontraram outros oficiais, e várias centenas de guardas e soldados realizavam impositivo cavalgar. Na cavalgada estavam Wáng Yŭn, Ministro do Interior, Yang Biao, Grande Comandante, Chúnyú Qióng, Comandante do Exército Esquerdo, Zhao Meng, Comandante do Exército Direito, Bào Xìn, Comandante do Exército da Retaguarda e Yuán Shào, Comandante do Exército do Meio. Lágrimas rolaram livremente assim que os ministros encontraram seu imperador.

63. Um homem foi enviado à frente da capital a fim de expor a cabeça do eunuco Duàn Guī.

65. Tão logo puderam, puseram o Imperador em melhor montaria e o jovem Príncipe tinha já um cavalo para si. Então o Imperador retornou a Luòyáng, como dizia a cantiga das crianças pelas ruas:

66. Mesmo o Príncipe, sem cargo,Imperador, sem governar,Das Colinas de Beimang vem o brilhante cavalgar.

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67. A cavalgada ainda não havia ido longe quando viram vindo, em sua direção, um grande grupo de soldados com estandartes flamulantes, ocultando o sol e erguendo uma grande nuvem de poeira. Os oficiais empalideceram-se, e estava o Imperador em estado de grande alarme. Yuán Shào pôs-se à frente.

68. “Quem sois vós?”, bradou Yuán Shào.

69. Por sob a sombra de um estandarte bordado surgiu seu líder, a dizer: “Tendes vós o Imperador?”

69. O Imperador estava por demais acometido pelo pânico para responder, mas o Príncipe de Chenliu apressou-se à frente e exclamou: “Quem sois vós?”.

70. “Dŏng Zhuō, Protetor Imperial da Região de Xizhou.”.

71. “Viestes a fim de proteger a Carruagem ou de roubá-la?”, disse o Príncipe Xiàn.

72. “Vim para protegê-la.”, disse Dŏng Zhuō.

73. “Se é esta a verdade, o Imperador está aqui: por que não desmontais?”

74. Dŏng Zhuō prontamente desmontou de sua montaria e fez reverência à esquerda da estrada. Então falou o Príncipe Xian de modo gracioso consigo. Do início ao fim havia se portado o Príncipe de modo tão perfeito que Dŏng Zhuō, em seu âmago, admirara seu comportamento, e aí surgia o primeiro desejo de pôr o Imperador de lado para favorecer o Príncipe de Chenliu.

75. Chegaram eles ao palácio no mesmo dia, e lá houve uma afetuosa conferência com a Imperatriz Hé.

76. Mas, tão logo haviam restaurado a ordem ao Palácio, o Selo Hereditário Imperial, o selo especial do Imperador, havia desaparecido.

77. Dŏng Zhuō montou acampamento para for a dos muros, mas todos os dias era visto pelas ruas com uma escolta de soldados com armaduras, a tal ponto que as pessoas simples ficaram em estado de constante perturbação. Ele também ia e vinha pelo Palácio, sem dar atenção a todas as regras de propriedade.

78. Bào Xìn, Comandante do Exército de Retaguarda, falou sobre o comportamento de Dŏng Zhuō a Yuán Shào, a dizer: “Este homem ancora em si alguns maus desígnios e deve ser removido.”.

79. “Nada pode ser feito até que o governo esteja mais bem assentado.”, disse Yuán Shào.

80. Então Bào Xìn encontrou-se com Wáng Yŭn, Ministro do Interior, e perguntou-lhe o que pensava.

81. “Discutamos acerca disso.”, foi a resposta.

82. Bào Xìn nada mais disse, mas deixou a capital e retirou-se para as montanhas de Taishan.

83. Dŏng Zhuō induziu os soldados dos irmãos Hé Jìn e Hé Miáo a se agregarem sob seu comando, e conversou em particular com Lĭ Rú, seu conselheiro, acerca da deposição do Imperador em favor do Príncipe de Chenliu.

84. “O governo está realmente sem um líder. Não há melhor momento que este para pôr em prática teu plano. A demora apenas arruinaria tudo. Amanhã, agrupa os oficiais no Jardim de Wenming e apresenta a eles o assunto. Põe todos os opositores à morte, e teu prestígio estará assentado.”.

85. Assim falou Lĭ Rú, e tais palavras agradaram fortemente Dŏng Zhuō.

86. Então, no dia seguinte, Dŏng Zhuō realizou um banquete e convidou várias pessoas. Como temiam-no todos os oficiais, nenhum deles ousou ausentar-se. Dŏng Zhuō dirigiu-se aos jardins após todos já presentes e tomou seu lugar com espada à bainha. Quando o vinho já havia sido vertido por diversas vezes, Dŏng Zhuō ordenou que cessassem a bebida e a música e começou a falar:

87. “Tenho algo a dizer. Ouvi, quietos, vós todos!”.

88. Todos se viraram em sua direção.

89. “O Imperador é o senhor de tudo. Se nele falta dignidade e comporta-se de maneira não aparente, não é ele o melhor herdeiro das prerrogativas ancestrais. Aquele que está agora ao trono é um fraco, inferior ao Príncipe de Chenliu em inteligência e amor ao aprendizado. O Príncipe está por todas as formas mais adequado ao trono. Desejo depor o Imperador e em seu lugar entronar o Príncipe. Quê pensais vós?”

90. A assembléia ouviu a tudo em perfeito silêncio, ninguém a ousar ser o primeiro a proferir palavra em dissidência. Mas um deles o ousou; repentinamente levantou-se de seu lugar um dos convidados, esmurrou a mesa e exclamou:

91. “Não! Não! Quem sois vós, que ousais proferir tais ousadas palavras? O Imperador é filho do último Imperador e não seguiu em descaminho. Por que então deve ser ele deposto? Sois vós um rebelde?”.

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92. Quem o disse foi Dīng Yuán, Protetor Imperial de Bingzhou.

93. Dŏng Zhuō pôs seus olhos sobre Dīng Yuán, a vociferar: “Há vida àqueles que estão comigo, e morte aos que estão contra mim!”.

94. Dŏng Zhuō sacou sua espada e investiu contra o objetor. Mas o observador Lĭ Rú percebeu que, atrás de Dīng Yuán, estava um particularmente perigoso comparsa dos seus, o qual estava a manusear sua alabarda de modo ameaçador, e cujos olhos inflamavam-se com ira.

95. Então Lĭ Rú apressadamente se interpôs, dizendo: “Mas esta é a câmara de banquetes, e questões de Estado devem ser deixadas para fora. As questões podem ser amplamente discutidas amanhã.”.

96. Seus companheiros e demais convidados persuadiram Dīng Yuán a deixar o local e, após sua partida, Dŏng Zhuō disse: “Não é o que disse justo e razoável?”.

97. “Estais equivocado, Ilustre Senhor.”, disse Lú Zhí. “O antigo Imperador Tai Jia, da Dinastia Shāng, não era iluminado. Por este motivo manteve-o o sábio Ministro Yi Yin murado no Palácio Tong até que ele estivesse reformado. Logo depois o Príncipe de Changyi ascendeu ao trono e, em vinte e sete dias, ele cometeu mais de três mil erros categóricos. Por este motivo, Huo Guang, o Marechal Regente, declarou no Templo Ancestral que o Príncipe de Changyi havia sido deposto. Nosso Imperador é jovem, mas é inteligente, benevolente e sábio. Ele não cometeu um erro sequer. Vós, Senhor, sois protetor imperial de uma região fronteiriça, e não um oficial metropolitano; portanto, não tendes experiência na administração do Estado. Tampouco tendes as intenções puras de Yi Yin e Huo Guang, as quais qualificaram suas ações. O Mestre disse: ‘Apenas com os propósitos de Yi Yin pode alguém agir como Yi Yin. De outra forma, tal feito é traição.’”.

98. Dŏng Zhuō, irritado, sacou sua espada prestes a matar o ousado Lú Zhí, mas dois outros oficiais objetaram.

99. “O Ministro Lú Zhí é exemplo digno por todo o país, e sua morte agitaria os corações de todo o povo!”, disseram Cài Yōng e Peng Bo, Conselheiros da Corte.

100. Então Dŏng Zhuō aplacou suas mãos.

101. Então disse Wáng Yŭn: “Tamanha questão como a deposição e substituição de imperadores não é algo a ser decidido após um banquete regado a vinho. Deixemos isto para outra ocasião.”.

102. Então dispersaram-se os convivas. Dŏng Zhuō pôs-se em pé próximo ao portão, com espada em mãos, observando sua partida. Estando lá, Dŏng Zhuō reparou que galopava

consigo um lanceiro em um belígero corcel e perguntou a Lĭ Rú quem o cavaleiro era.

103. “Aquele é Lǚ Bù, o filho adotivo de Dīng Yuán. Mantém distância de seu caminho, meu Senhor.”

104. Dŏng Zhuō foi-se portão adentro, a fim de que não pudesse ser visto. Mas, no dia seguinte, foi-lhe relatado que Dīng Yuán viera à cidade com um pequeno exército e estava o desafiando para uma batalha. Dŏng Zhuō, com seu exército, seguiu em frente, a aceitar o desafio. E os dois exércitos puseram-se prontos em seu tempo devido.

105. Lǚ Bù era uma figura de grande destaque à frente. Seus cabelos estavam cingidos por um belo ornamento de ouro e trajava um manto ricamente bordado com milhares de flores, um elmo ornamentado com penas de faisão, armadura ao peito e, em volta de sua cintura, havia um cintilante cinturão de jade com fecho com formato de cabeça de leão. De lança em riste, cavalgava logo atrás de seu mestre, Dīng Yuán.

106. Dīng Yuán, a cavalgar à frente, apontou seu dedo para Dŏng Zhuō e se pôs a vilificá-lo.

107. “Infeliz de fato foi este Estado quando os eunucos haviam se tornado tão poderosos a ponto de o povo parecer ter sido guiado com terreno pantanoso sob seus pés. Agora vós, desprovido sequer do menor dos méritos, ousais falar sobre a deposição do imperador de direito e o entronamento de outro. É isto desejar a rebelião, e nada mais!”.

108. Dŏng Zhuō nada pôde responder, posto que Lǚ Bù, ávido pelo combate, pôs-se a vir em sua direção. Dŏng Zhuō fugiu e o exército de Dīng Yuán surgiu. A batalha encaminhava-se favorável a Dīng Yuán, e as tropas derrotadas recuaram cerca de quinze quilômetros e montaram outro acampamento. Neste ponto, Dŏng Zhuō convocou seus oficiais para uma assembléia.

109. “Este Lǚ Bù é fantástico.”, disse Dŏng Zhuō. “Caso o tivesse a meu lado, poderia desafiar o mundo inteiro!”.

110. Com isto surgiu um homem, a dizer-lhe: “Contentai-vos, Oh meu Senhor! Sou da mesma vila que ele e o conheço muito bem: é ele valoroso, mas não astuto; ele porá seus princípios aparte assim que vislumbrar vantagens em tal empresa. Com esta minha pomposa lábia, poderei persuadi-lo a erguer suas mãos e se juntar a vosso lado.”.

111. Dŏng Zhuō estava maravilhado e observava com admiração o interlocutor. Era ele Lĭ Sù, um general sob o Exército do Tigre Imperial.

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112. “Quais argumentos apresentareis a ele?”, perguntou-lhe Dŏng Zhuō.

113. “Vós tendes um belo corcel, o Lebre Vermelha, um dos melhores já criados. Devo tomar posse deste corcel, bem como de ouro e pérolas, a fim de conquistar seu coração. Então irei e o persuadirei. Ele certamente abandonará os serviços de Dīng Yuán a favor dos vossos.”.

114. “Quê pensas tu?”, disse Dŏng Zhuō a seu conselheiro, Lĭ Rú.

115. “Não se pode ressentir por um cavalo para se conquistar um Império.”, foi a resposta.

116. Então deram a Lĭ Sù o que fora pedido – mil onças de ouro, dez cordéis de lindas pérolas, um cinto cravejado de jóias e o Lebre Vermelha – e estas posses o acompanharam em sua visita a seu conterrâneo.

117. Lĭ Sù chegou ao acampamento e disse a seu vigia: “Diz ao General Lǚ Bù que um velho amigo seu veio a visitá-lo.”.

118. Ele foi levado prontamente para dentro.

119. “Digno irmão, estiveis em boa saúde desde nosso último encontro?”, saudou-o Lĭ Sù, enquanto em reverência.

120. “Há quanto não nos vemos!”, respondeu-lhe Lǚ Bù, reverenciando em retorno. “E onde estás agora?”.

121. “Sou general do Exército do Tigre Imperial. Tão-logo soube que és forte apoiador do Trono, não pude expressar o quanto celebrei pelas novas. Vim para presentear-te com um fantástico corcel, capaz de percorrer quinhentos quilômetros em um só dia, capaz de cruzar rios e galgar montanhas acima como se fossem niveladas como o solo plano. Seu nome é Lebre Vermelha. Será o apoio ideal a teu valor.”.

122. Lǚ Bù ordenou a seus guardas que o levassem até o corcel. Ele era de cor uniforme, como a do sol vermelho e radiante – não havia sequer um pêlo de outra cor. Dos cascos à crina media ele cerca de dois metros de altura e, da cabeça à ponta de sua cauda, media cerca de dois metros e meio de comprimento. Quando relinchava, seu som preenchia os empíreos céus e agitava os oceanos.

123. Vede a ele, corcel lépido e incansável,E por seus cascos a poeira ao céu louvável,

Que rios cruza e montanhas altas galga,Que divide a purpúrea névoa vaga,

E, desdenhoso, põe àparte a rédea rija,E, da cabeça, lança ao longe áurea brida:

É ele como flamejante, rubro dracoTal descendido dos mais plenos dos céus altos.

124. Lǚ Bù estava encantado com o cavalo e disse: “Que poderei eu fazer em retorno a tal criatura?”.

125. “Que retorno poderia eu esperar? Vim ter contigo com o sentido do que é correto.”, respondeu-lhe Lĭ Sù.

126. Vinho foi trazido, e beberam-no.

127. “Vimo-nos por tão poucas vezes, mas frequentemente encontro teu honrado pai.”, disse Lĭ Sù.

128. “Estás bêbedo.”, disse Lǚ Bù. “Meu pai é morto há anos.”.

129. “Não, não; falo de Dīng Yuán, o homem do momento.”.

130. Disse Lǚ Bù: “Sim, estou a seu lado, mas apenas porque não consigo coisa melhor.”.

131. “Senhor, teu talento é mais alto que os céus, mais profundo que os mares. Quem por todo o mundo não se curva perante vosso nome? Fama, fortuna e honrarias estão à vossa disposição. E dizes que não conseguiste algo melhor que continuar como subordinado!”.

132. “Pudesse eu apenas encontrar um mestre a quem servir.”, disse Lǚ Bù.

133. “O pássaro astuto escolhe o galho para se empoleirar; o servo sábio escolhe o mestre a quem se curvar. Aproveita o momento quando este surgir, pois o arrependimento chega sempre por demais tarde.”.

134. “Tu estás agora no governo. Quem pensas realmente tu como o mais bravo de todos?”, perguntou-lhe Lǚ Bù.

135. “Desprezo a todos, exceto por Dŏng Zhuō. Ele é alguém que respeita a sabedoria e reverencia a erudição; é ele seletivo em suas recompensas e em suas punições. Com certeza é ele destinado a ser um grande homem.”.

136. Lǚ Bù disse: “Gostaria de poder servi-lo, mas temo que não haja meios para tal.”.

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137. Então Lĭ Sù revelou os cordéis de pérolas, os ouros e o cinto cravejado de jóais e os colocou à frente de seu anfitrião.

138. “O que é isto? Quê significa isto?”, disse Lǚ Bù.

139. “Dispensa os criados.”, solicitou Lĭ Sù. E então prosseguiu: “Dŏng Zhuō há muito respeita tua bravura e enviou estes a ti por minhas mãos. O Lebre Vermelha também vem de sua parte.”.

140. “Mas, caso goste ele assim de mim, quê poderei eu fazer em troca?”.

141. Lĭ Sù disse: “Se um sujeito estúpido como eu pode tornar-se um general do Exército do Tigre Imperial, é-me impossível dizer que honras aguardam por vós.”.

142. “Sinto não poder oferecer-lhe serviço digno de menção.”.

143. Lĭ Sù disse: “Há um serviço que podeis realizar, uma empresa realmente fácil; mas não sei se realizaríeis tal feito.”.

144. Lǚ Bù ponderou longamente em silêncio, então disse: “Eu poderia acabar com Dīng Yuán e trazer seus soldados para o lado de Dŏng Zhuō. Quê pensas a respeito disto?”

145. “Fizesses isso e não haveria maior serviço a ser prestado. Mas tal empresa deve ser realizada rapidamente.”.

146. E Lǚ Bù prometeu a seu amigo que faria o combinado e retornaria pela manhã.

147. Então Lĭ Sù partiu. Naquela mesma noite, durante a segunda vigília, entrou Lǚ Bù, espada em punho, na tenda de seu mestre. Lá encontrou Dīng Yuán a ler sob a luz de uma solitária vela.

148. Ao ver quem entrara, Dīng Yuán disse: “Filho meu, quê sucede?”.

149. “Sou ousado herói.”, disse Lǚ Bù. “Não pensa que desejo ser filho teu!”.

150. “Por que esta mudança, Lǚ Bù?”.

151. Como resposta desferiu Lǚ Bù potente golpe, e sobre o chão rolou a cabeça de Dīng Yuán.

152. Então Lǚ Bù chamou os serviçais e lhes disse: “Ele era um homem injusto, e eu o abati. Que aqueles que apóiam a mim permaneçam aqui. Os outros estão livres para partir.”

153. A maioria fugiu. No dia seguinte, com a cabeça do homem assassinado como presente, dirigiu-se Lǚ Bù pessoalmente a Lĭ Sù, o qual o levou a Dŏng Zhuō. Ele o recebeu com calorosas boas-vindas e lhe serviu vinho.

154. “Tua vinda é bem recebida como o gentil orvalho sobre a ressequida grama.”, disse Dŏng Zhuō.

155. Lǚ Bù solicitou a Dŏng Zhuō que também se sentasse e então fez-lhe reverência, a dizer: “Permite-me que me curve a ti como meu pai adotivo!”.

156. Dŏng Zhuō deu a seu novo aliado uma armadura de ouro e mantos de seda, e conclamou o banquete de boas-vindas. Então separaram-se.

157. Com isto, a influência e o poder de Dŏng Zhuō aumentaram rapidamente. Ele concedeu o senhorado de Hu (um antigo estado) e o posto de Comandante do Exército Esquerdo a Dŏng Mín, seu irmão. Ele indicou Lǚ Bù como Senhor de Luòyáng, Comandante do Distrito da Capital e Comandante da Cavalaria. Dŏng Zhuō proclamou-se Ministro dos Trabalhos, Grande Comandante e Comandante do Exército da Linha de Frente.

158. Lĭ Rú, o conselheiro, nunca cessava de urgi-lo ao desígnio de depor o jovem Imperador.

159. O agora todo-poderoso Dŏng Zhuō preparou um banquete na capital, aonde todos os oficiais do Estado foram convidados. Ele também ordenou a Lǚ Bù que pusesse de prontidão, à esquerda e à direita, uma companhia de homens armados. O banquete teve início e diversos pratos foram servidos, sem que algo distinguisse aquele de nenhum outro banquete.

160. Então, repentinamente, ergueu-se o anfitrião e sacou sua espada, dizendo: "Aquele que está acima de nós, sendo ele fraco e irresoluto, não é adequado para os deveres de seu alto posto. Portanto eu, assim como antes fizeram Yi Yin e Huo Guang, removerei este Imperador, dando a ele o título de Príncipe de Hongnong, e entronarei o atual Príncipe de Chenliu. E aqueles que não apoiarem a mim pagarão com a morte!".

161. O medo dominou a todos e todos permaneceram em silêncio, exceto por Yuán Shào, o qual disse: "O Imperador é inocente de qualquer culpa, e removê-lo do poder em favor de um comum não é nada senão rebelião, e nada mais!".

162. "O império está em minhas mãos!", bradou Dŏng Zhuō. "Escolho eu este caminho; quem ousa dizer não? Pensas que minha espada carece de fio?".

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163. "Se tua espada é afiada, nunca perde seu fio a minha!", disse Yuán Shào, enquanto sua espada brilhava, saída da bainha.

164. Os dois homens encararam-se face a face em meio aos convivas.

165. Ao sucumbir Dīng Yuán, assassinato vil,Grande perda o lado de Yuán Shào sentiu.

166. O destino de Yuán Shào será revelado em outros capítulos à frente.

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Capítulo IV

Deposição do Imperador: O Príncipe de Chenliu Ascende ao Trono;Planos Contra Dŏng Zhuō:

Cáo Cāo Concede Uma Espada Como Presente

1. Dŏng Zhuō estava prestes a atacar Yuán Shào, mas Lĭ Rú o deteve, dizendo: “Não agi pelo calor da discussão, porquanto neste momento urgem assuntos maiores.”.

2. Yuán Shào, espada ainda desembainhada, deixou a assembléia. Ele deixou os selos de seu cargo junto aos Portões do Leste e seguiu rumo à região de Jizhou.

3. Disse Dŏng Zhuō a Yuán Wei, Guardião Imperial: “Teu sobrinho portou-se impropriamente, mas o perdoo por ti. Quê pensas de meu plano?”

4. “O que pensais está correto.”, foi a resposta.

5. “Aquele que se opuser a meu plano será julgado pela lei marcial!”, disse Dŏng Zhuō.

6. O banquete chegou a seu fim e os ministros, embora aterrorizados, juraram obediência.

7. Dŏng Zhuō perguntou a Zhou Bi, o Conselheiro, e a Wu Qiong, Comandante, quê pensavem a respeito da partida de Yuán Shào.

8. Disse Zhou Bi: “Ele partiu com seus ânimos em grande ira. Tal estado de ânimos pode prejudicar a atual situação, em especial porque a família Yuán é renomada por preencher altos cargos por quatro gerações e porque seus protegidos e dependentes estão por toda parte. Caso reúnam pessoas de bravura e evoquem seus comuns, estarão às armas todos os mais valentes guerreiros e serão perdidas todas as montanhas de Shandong. Melhor seria perdoardes Yuán Shào e lhe conceder um cargo. Ele então estaria feliz por ter sido perdoado e não causaria mal algum.”.

9. Disse Wu Qiong: “Yuán Shào gosta de bolar planos, mas falha em decisão e portanto não deve ser temido. Mas seria de bom efeito dar-lhe um posto e, com isso, ganhar a boa vontade do povo.”.

10. Dŏng Zhuō seguiu seu conselho e, no mesmo dia, enviou uma mensagem a fim de oferecer a Yuán Shào o governo de Bohai.

11. No primeiro dia do nono mês foi convidado o Imperador a dirigir-se ao Salão da Virtude, onde havia uma grande reunião de oficiais.

12. Lá Dŏng Zhuō, espada em punho, encarou o grupo e disse: “O Imperador é um fracote

inapto ao peso de governar este País. Agora ouvi o documento que preparei!”.

13. E leu Lĭ Rú o seguinte:

14. “O zeloso Imperador Líng muito cedo deixou seu povo. O Imperador é o guia de todo o povo desta terra. Sobre o atual Imperador Biàn, agraciou-nos os Céus pequenas benesses apenas: em dignidade e conduta é ele deficiente, e em lamentação é ele remisso. Apenas a mais completa virtude pode agraciar dignidade imperial. A Imperatriz Hé o treinara impropriamente, e toda a administração do Estado quedou-se em confusão. A Imperatriz Dong morreu repentinamente e não se sabe por quê. A doutrina dos três laços – Céus, Terra e Homem – e a continuidade da interdependência entre os Céus e a Terra foram ambos prejudicados.”.

15. “Mas Liú Xiàn, Príncipe de Chenliu, é sábio e virtuoso, além de ser dotado de graça e formosura. Ele se completa em todas as regras de propriedade: Seu lamento é sincero e Seu discurso é sempre correto. Panegíricos de Si são realizados por todo o império. É Ele apropriado ao grande dever de consolidar o Império do Hàn.”

16. “Agora portanto é deposto o Imperador e proclamado o Príncipe de Hongnong, e a Imperatriz Hé afasta-se da administração.”

17. “Peço aos Céus que o Príncipe de Chenliu aceite o trono em conformidade com os decretos dos Céus e da Terra, as vontades do povo e o preenchimento das esperanças da humanidade.”.

18. Isto lido, ordenou Dŏng Zhuō aos oficiais que depusessem o Imperador do trono, removessem seu selo e o fizessem prostrar-se frente ao norte, com isso demonstrando-se servo fiel do Trono e a aguardar por ordens. Além disto, ordenou Dŏng Zhuō que a Imperatriz Hé despisse seu vestido real de cerimônia e aguardasse por ordens imperiais. Ambas as vítimas desta opressão choraram amargamente, e cada ministro presente foi profundamente afetado.

19. Um ministro transformou seu descontentamento em palavras, exclamando: “O falso Dŏng Zhuō é o autor deste insulto, contra quem arriscarei minha vida para saná-lo!”.

20. E, dito isto, avançou em direção a Dŏng Zhuō, ameaçando-o com seu bastão do

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cargo.

21. Era ele Ding Guan, Presidente do Secretariado. Dŏng Zhuō ordenou que o removessem dali e, sumariamente, o pusessem à morte. Antes de morrer, Ding Guan não teve medo da morte e não cessou de bradar contra o opressor.

22. O desígnio faltoso concebeu Dŏng Zhuō,Que destronou seu Rei e o difamou.Braços cruzados todos viram; um ousou:Ding Guan, pois que dos atos injustos bradou.

23. Então o Imperador entronado, o Príncipe de Chenliu, dirigiu-se à parte superior do salão, a fim de receber as congratulações. Após isso o antigo Imperador – agora Príncipe de Hongnong -, sua mãe e Lady Tang, a Consorte Imperial, foram removidos para o Palácio da Calma Eterna. Os portões de entrada foram trancados e impediam que qualquer um entrasse.

24. Foi digno de pena! Lá estava deposto o jovem Imperador, após reinar por menos que metade de um ano, tendo sido outro colocado em seu lugar. O novo Imperador era Liú Xiàn, o segundo filho do falecido Imperador Líng. Ele contava com nove anos de idade, cinco anos mais novo que seu irmão deposto. O novo estilo do reinado mudou para Inauguração da Tranquilidade, o primeiro ano13.

25. Ao se tornar o Primeiro Ministro, tornou-se Dŏng Zhuō mais arrogante e poderoso. Quando curvou-se perante ao trono, não declarou seu nome. Ao ir à Corte, não se apressava. Armado e calçando botas, entrava nos salões de recepção. Detinha ele riquezas que excediam a de qualquer outro.

26. Lĭ Rú, seu conselheiro, insistia constantemente a Dŏng Zhuō que empregasse pessoas de reputação, a fim de obter a estima do povo. Então, Dŏng Zhuō reestabeleceu vários dos oficiais que foram vítimas dos eunucos. Para aqueles que haviam morrido, concedeu ele cargos e posições a seus progenitores. Quando disseram a ele que Cài Yōng era um homem de talento, convocou-o Dŏng Zhuō. Mas Cài Yōng não tinha interesse em ir. Dŏng Zhuō enviou-lhe uma mensagem dizendo que, caso não fosse, ele e todo seu clã seriam exterminados. Então Cài Yōng cedeu e compareceu. Dŏng Zhuō foi muito gracioso consigo, e o promoveu três vezes em apenas um mês. Cài Yōng tornou-se Conselheiro da Corte. Tal era a generosidade do Primeiro Ministro.

27. Enquanto isso, estavam o Imperador deposto, sua mãe e sua consorte amurados no Palácio da Calma Eterna e viam seus suprimentos diários diminuindo gradualmente. O Imperador deposto chorava incessantemente. Um dia, um par de andorinhas que pairavam aqui e ali foram em direção a si, que declamou:

13 190 d.C. (N. do T.)

28. “A Primavera e o tenro, verde matoObservam, em alegria, os pássaros ao alto; Frente à fonte de águas crespas têm assentoe, dentro aos olhos, luzem alegre alento;Com longo olhar, vejo as telhas, a brilhar,Do Palácio, onde abriguei-me e fiz-me lar.Mas, ai! a vós, quais abriguei em retidão,Nos calaremos, enquanto os dias se vão?”

29. O mensageiro, enviado de tempos em tempos por Dŏng Zhuō a fim de saber notícias dos prisioneiros, apoderou-se desse poema e o mostrou a seu mestre.

30. “Então demonstra ele seu ressentimento com poemas, eh? Um bom motivo para botá-los todos para fora do caminho.”, disse Dŏng Zhuō.

31. Lĭ Rú foi enviado ao palácio acompanhado por dez homens, a fim de consumar o feito. Estavam os três em um dos cômodos superiores quando chegou Lĭ Rú. O Imperador estremeceu ao saber, pela camareira, o nome do visitante.

32. Lĭ Rú então entrou e ao Imperador ofereceu um cálice de vinho envenenado. O Imperador perguntou qual era o significado daquilo.

33. “A Primavera é a estação de confraternizações e relações harmoniosas, e o Primeiro Ministro vos envia um cálice de vinho da longevidade.”, disse Lĭ Rú.

34. “Se é esse o vinho da longevidade, compartilhai também dele conosco.”, disse a Imperatriz Hé.

35. Então Lĭ Rú tornou-se brutalmente franco.

36. “Vós não bebereis?”, perguntou ele.

37. Ele chamou os homens, que traziam adagas e cordas, e pediu ao Imperador que olhasse para eles.

38. “O copo, ou eles?”, disse ele.

39. Então disse Lady Tang: “Permitai que beba sua consorte, ao invés de seu Senhor. Poupai a Mãe e seu Filho, eu Vos rogo!”

40. “Pois quem pensas ser, para morrer em lugar de um príncipe?”, disse Lĭ Rú.

41. Então, mais uma vez estendeu o cálice à Imperatriz e ordenou-a que bebesse.

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42. Ela imprecou contra seu irmão, o inconseqüente Hé Jìn, autor de todos aqueles problemas. Ela não iria beber.

43. Em seguida, aproximou-se Lĭ Rú do Imperador.

44. “Deixai-me despedir-me de minha mãe.”, implorou ele, e o fez nestas palavras:

45. “Os Céus e a Terra estão mudados, Ai! O sol e a lua deixam seus caminhos...Eu, antes o centro de todos os olhos, sou levado aos mais remotos confinamentos.Oprimida por um ministro arrogante, minha vida beira seu fim;Tudo me falha, e vãs são minhas fartas lágrimas.

46. Lady Tang disse:

47. “Os céus estão prestes a se despedaçar e a Terra, a desmoronar;Eu, consorte de um Imperador, afligir-me-ia caso não O seguisse.Chegamos ao final da linha; não caminham juntos o vivaz e o fenecido.Ai!, resto sozinha com a aflição em meu coração.”

48. Assim que disseram essas palavras, caíram em prantos, uns nos braços dos outros.

49. “O Primeiro Ministro está aguardando resposta minha,”, disse Lĭ Rú, “e vós demorais por muito. Pensais que há alguma esperança de vos chegar auxílio?”

50. A Imperatriz novamente pôs-se a fazer protestos: “O rebelde força-nos à morte, mãe e filho, e os Céus nos abandonaram. Mas Tu, instrumento deste crime, certamente perecerás!”.

51. Com isto cresceu mais a ira de Lĭ Rú, que pôs suas mãos sobre a Imperatriz e a atirou pela janela. Então ele ordenou aos soldados que estrangulassem Lady Tang e forçassem o jovem a engolir o vinho da morte.

52. Lĭ Rú relatou seus feitos a seu mestre, o qual ordenou a ele que enterrasse as vítimas fora da cidade. Depois disso, tornou-se o comportamento de Dŏng Zhuō mais atroz que antes. Ele passava as noites no Palácio, abusava das concubinas e chegou até a dormir sobre o Coxim do Dragão.

53. Certa vez liderou ele seus soldados rumo à cidade de Yangcheng no momento em que os aldeões, homens e mulheres, reuniam-se de todas as partes para o festival anual da primavera. Suas tropas cercaram o local e o saquearam. Eles levaram consigo carroças cheias do butim, mulheres capturadas e mais de mil cabeças decapitadas. O séqüito

retornou à capital, Luòyáng, e espalhou a história de que obtiveram grande vitória sobre alguns rebeldes. Eles cremaram as cabeças sob os muros, e mulheres e jóias foram repartidas entre os soldados.

54. Um general, de nome Wu Fu, enojava-se de tamanha ferocidade e buscava a chance de acabar com a vida de Dŏng Zhuō. Wu Fu andava sempre com uma couraça cingida sob suas vestes de Corte e carrevaga consigo, em oculto, uma afiada adaga. Certo dia, quando Dŏng Zhuō surgiu à Corte, encontrou-o Wu Fu ainda nos degraus e tentou apunhalá-lo. Mas era Dŏng Zhuō um homem muito poderoso, e debateu-se com Wu Fu até vir Lǚ Bù em seu auxílio. Lǚ Bù repeliu o assaltante.

55. “Quem vos ordenou rebelar-vos?”

56. Wu Fu lançou-lhe um olhar fulminante e disse: “Onde está a rebelião? Teus crimes preenchem os Céus e qualquer um dentre o povo mataria a ti, caso pudesse. Como lamento por não poder amarrar-te em bigas e despedaçar-te, para assim aplacar a ira do mundo!”

57. Dŏng Zhuō ordenou aos guardas que o levassem para fora e o dilacerassem em pedaços. Wu Fu cessou de vociferar apenas quando deixou de viver.

58. Oh!, servo tão leal, da Dinastia há tempos idos,Em valor, alto como os Céus, em era alguma igualado;Pois o rebelde, mesmo à Corte, mataria, oh afamado!Durante tempo eterno por herói é conhecido!

59. Depois disso, estava sempre Dŏng Zhuō bem protegido.

60. Em Bohai, ouviu Yuán Shào acerca dos abusos do poder de Dŏng Zhuō e enviou, em segredo, uma carta a Wáng Yŭn, Ministro do Interior:

61. “O rebelde Dŏng Zhuō ultraja os Céus e depôs seu Imperador. O povo nada ousa falar dele. Isto é compreensível. Mas vós vedes suas agressões como se nada soubésseis acerca delas. Como sois, então, zeloso e leal ministro? Organizei um exército e desejo varrer a habitação real, mas não o ouso impensadamente. Caso também o queirais, encontrai então uma oportunidade para conspirarmos algo contra esse homem. Caso quiserdes usar de força, estou sob vosso comando.”.

62. A carta chegara, mas Wáng Yŭn não encontrava momento oportuno para conspirar contra Dŏng Zhuō.

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63. Um dia, enquanto estava entre os seus, muitos dos quais há muito em serviço, disse Wáng Yŭn a seus colegas: “É hoje meu aniversário; gostaria que fôsseis nesta tarde a meu humilde lar, para uma pequena celebração.

64. “Certamente iremos.”, responderam eles, “e vos desejamos longevidade.”.

65. Naquela noite foram postas as mesas em um cômodo interno da casa, e seus amigos lá se reuniram. Tão logo algumas rodadas de vinho foram servidas, repentinamente cobriu o anfitrião seu rosto e pôs-se a chorar.

66. Os convidados foram tomados por grande sobressalto.

67. “Senhor, por que choras em teu próprio aniversário?”, disseram eles.

68. “Não é meu aniversário.”, respondeu-lhes Wáng Yŭn. “Mas desejava reunir-me com todos e, temendo a desconfiança de Dŏng Zhuō, disto fiz pretexto. Aquele homem insulta o Imperador e faz tudo conforme sua vontade, deixando as prerrogativas imperiais em perigo iminente. Lembro-me dos tempos em que nosso ilustre fundador destruiu o Qín, aniquilou o Chu e obteve o Império. Quem haveria de prever o dia em que Dŏng Zhuō subjugaria a todos nós sob sua vontade? Este é o motivo de meu pranto.”.

69. Então todos choraram consigo.

70. Sentado dentre os demais convidados, porém, estava Cáo Cāo, que não se juntou ao choro e, ao invés disto, bateu sonoral palma e riu alto.

71. “Se todos os oficiais do governo chorarem até o amanhecer, e do amanhecer até o anoitecer, acabará isto com Dŏng Zhuō?”, disse Cáo Cāo.

72. Wáng Yŭn virou-se para ele, irritado.

73. “Teus antepassados desfrutaram da fortuna do Hàn. Não sentes gratidão? Consegues tu rir?”

74. “Ri pelo absurdo de uma assembléia como esta ser incapaz de assentar a morte de um homem. Tolo e incapaz como sou, cortaria sua cabeça e a penduraria nos portões, como oferenda ao povo.”.

75. Wáng Yŭn ergueu-se de seu assento e aproximou-se de Cáo Cāo.

76. “Ultimamente,”, continou Cáo Cāo, “venho curvado minha cabeça a Dŏng Zhuō com o único desejo de encontrar uma oportunidade para destruí-lo. Agora começa ele a ter-me em confiança, e então por algumas vezes consigo fazer-me próximo de si. Tu tens uma espada com sete gemas preciosas que tomarei emprestada, irei a seu palácio e, com ela, o

matarei. Não me importo se morrer por isto.”.

77. “É boa fortuna para o mundo que assim o seja!”, disse Wáng Yŭn.

78. Com isso, Wáng Yŭn serviu ele mesmo um cálice a Cáo Cāo, que o verteu e prestou juramento. Depois disso foi trazida a valiosa espada e entregue a Cáo Cāo, que a ocultou sob suas vestes. Ele bebeu seu vinho, despediu-se dos demais convidados e deixou a sala. Mais tarde partiram os outros.

79. No dia seguinte Cáo Cāo, com a espada consigo, foi ao palácio do Primeiro Ministro.

80. “Onde está o Primeiro Ministro?”, perguntou ele.

81. “Na sala de hóspedes pequena.”, responderam os serviçais.

82. Então entrou Cáo Cāo e lá encontrou seu anfitrião, sentado sobre uma poltrona. Lǚ Bù estava a seu lado.

83. “Por quê tão tarde, Cáo Cāo?”, disse Dŏng Zhuō.

84. “Meu cavalo está lento e não está em boas condições de cavalgar.”, respondeu Cáo Cāo.

85. Dŏng Zhuō dirigiu-se a Lǚ Bù, seu braço direito.

86. “Vieram do oeste alguns bons cavalos. Vai e escolhe um bom cavalo como presente a ele.”.

87. E Lǚ Bù partiu.

88. “Este traidor está condenado!”, pensou Cáo Cāo. Ele queria tê-lo atacado naquele momento, mas sabia que Dŏng Zhuō era muito poderoso e temia agir. Ele queria estar seguro de seu golpe ser fatal.

89. A corpulência de Dŏng Zhuō era tanta que não conseguia ficar sentado por muito tempo, de modo que se levantou e ficou de costas para Cáo Cāo.

90. “ A hora é agora!”, pensou o assassino e segurou firmemente a espada.

91. Mas, assim que Cáo Cāo estava prestes a dar seu golpe, olhou Dŏng Zhuō para cima e viu, por um espelho, o reflexo de Cáo Cāo atrás de si com espada à mão.

92. “Quê estás fazendo, Cáo Cāo?”, disse Dŏng Zhuō, virando-se bruscamente. E

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neste mesmo momento surgiu Lǚ Bù, guiando um cavalo.

93. Cáo Cāo em grande azáfama prostrou-se de joelhos e disse: “Tenho aqui uma preciosa espada, a qual gostaria de presentear a Vossa Benevolência.”.

94. Dŏng Zhuō apanhou-a. Tinha uma boa lâmina, de mais de trinta centímetros, cravejada com sete preciosas gemas e estava bastante afiada – verdadeiramente uma bela espada. Dŏng Zhuō entregou a arma a Lǚ Bù enquanto Cáo Cāo retirou sua bainha, a qual também o entregou.

95. Então saíram eles para ver o cavalo. Cáo Cāo foi profuso em seus agradecimentos e disse que gostaria de testar o animal. Então Dŏng Zhuō ordenou aos guardas que lhe trouxessem sela e brida. Cáo Cāo guiou o animal para fora, montou sobre a sela, estalou vigorosamente seu látego e galopou rumo ao leste.

96. Lǚ Bù disse: “Logo que cheguei, pareceu-me que aquele homen estava prestes a apunhalar-te e apenas um repentino pânico o deteve e o fez presentar-te com a arma.”.

97. “Suspeitei eu dele também!”, disse Dŏng Zhuō.

98. Logo chegou Lĭ Rú e contaram-lhe o incidente.

99. “Cáo Cāo não tem família aqui na capital, mas vive só e tem seu lar não longe daqui.”, disse Lĭ Rú. “Manda chamá-lo. Se ele vier prontamente, a espada foi dada como presente. Mas caso ele der alguma desculpa, suas intenções eram más. E então podereis prendê-lo.”.

100. Eles enviaram quatro guardas da prisão com ordem de ir até Cáo Cāo.

101. Ficaram por longo tempo ausentes e então retornaram, dizendo: “Cáo Cāo não retornou a sua casa, mas cavalgou em veloz galope pelos Portões do Leste. Às perguntas do comandante dos portões, respondeu ele que estava sob encargo de uma mensagem especial para o Primeiro Ministro. Ele então partiu em grande velocidade.”.

102. “Sua consciência pesou-lhe, e então ele fugiu. Não restam dúvidas de que ele pretendia assassinar-te!”, disse Lĭ Rú.

103. “E eu, que confiava tanto nele!”, disse Dŏng Zhuō, enfurecido.

104. “Deve haver alguma conspiração. Assim que o capturarmos, saberemos tudo sobre ela.”, disse Lĭ Rú.

105. Cartas e desenhos do fugitivo Cáo Cāo foram enviadas a toda parte, com ordens para capturá-lo. Foi oferecida patente de nobreza e uma grande recompensa em dinheiro, enquanto aqueles que o abrigassem estariam sujeitos a compartilhar sua pena.

106. Cáo Cāo viajou em grande velocidade em direção a Qiao, província de seu lar. A caminho, em Zhongmou, foi reconhecido pelos guardas do portão e mantido prisioneiro. Eles o levaram ao Magistrado. Cáo Cāo declarou que era um comerciante, de nome Huang Fu. O magistrado olhou detidamente seu rosto e permaneceu em profundo pensar.

107. Até que disse o Magistrado: “Quando estava na capital, a procurar por um cargo, conhecia-te por Cáo Cāo. Por que tentas acobertar tua identidade?”

108. O Magistrado ordenou que Cáo Cāo ficasse na prisão até o amanhecer, quando poderiam enviá-lo à capital e solicitar a recompensa. Ele deu aos soldados vinho e comida como recompensa.

109. Perto da meia-noite enviou o Magistrado um confiável servo, a fim de trazer o prisioneiro a seus cômodos particulares para inquiri-lo.

110. “Eles dizem que o Primeiro Ministro tratou-te bem. Por que tentaste fazer-lhe mal?”, disse o Magistrado.

111. “Como podem as andorinhas e os pardais compreender o vôo do grou e do ganso selvagem? Sou vosso prisioneiro e serei enviado para a capital em troca de uma recompensa. Por que tantas perguntas?”.

112. O Magistrado dispensou os serviçais e, virando-se para o prisioneiro, disse: “Não desdenha de mim. Não sou um mero mercenário; não encontrei ainda senhor a quem servir.”.

113. Disse Cáo Cāo: “Meus ancestrais desfrutaram da abundância dos idos do Hàn, e diferir-me-ia eu de um pássaro ou uma fera, caso não tivesse o desejo de retribuí-Lo com gratidão? Curvei meus joelhos a Dŏng Zhuō a fim de, com isto, tentar encontrar o melhor momento para investir contra ele e, com isso, remover este mal do Estado. Falhei, por ora. É assim o desejo dos Céus.”.

114. “E aonde ias?”

115. Para casa, para minha província. Então eu enviaria mensagens convocando todas as pessoas de coragem para juntar forças e aniquilar o tirano. É este meu desejo.”.

116. Depois disso soltou o Magistrado as amarras de seu prisioneiro, levou-o ao assento superior e curvou-se, dizendo. “Sou chamado Chén Gōng. Minha velha mãe e minha família estão na província de Dongjun, a leste. Estou profundamente tocado com tua lealdade e retidão, e abandonarei meu posto para seguir-te!”.

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117. Cáo Cāo estava encantado com esta mudança da situação. Chén Gōng prontamente reuniu algum dinheiro para os gastos de sua jornada e deu a Cáo Cāo outras vestes. Então tomou cada um posse de uma espada e cavalgaram em direção a Qiao.

118. Três dias depois, chegaram a Chenggao. Cáo Cāo apontou seu látego em direção a uma cabana floresta adentro e disse: “Lá vive meu tio, Lǚ Bóshē, irmão de juramento de meu pai. E se fôssemos até ele, perguntássemos acerca de minha família e pedíssemos abrigo por esta noite?”.

119. “Excelente!”, disse Chén Gōng; e para lá cavalgaram, desmontaram quando no portão da fazenda e entraram.

120. Lǚ Bóshē os saudou e disse a Cáo Cāo: “Ouvi dizer que o governo enviou ordens rigorosas para todos os lados a fim de aprisionar-te. Teu pai foi-se esconder em Chenliu. Como aconteceu isso tudo?”

121. Cáo Cāo contou-lhe tudo e disse: “Não fosse por este homem aqui comigo, já teria sido cortado em pedaços.”.

122. Lǚ Bóshē fez longa reverência a Chén Gōng, dizendo: “Tu és a salvação da família Cao. Mas acalma-te e descansa, prepararei-vos leito em meu humilde lar.”.

123. Lǚ Bóshē então levantou-se e foi para os aposentos internos, onde permaneceu por longo tempo. Quando saiu, disse: “Não há bom vinho em casa. Irei à vila para buscar um pouco a vós.”.

124. Então rapidamente montou ele em sua mula e cavalgou rumo à vila. Esperaram sentados por longo tempo os dois viajantes. Repentinamente ouviram, dos fundos da casa, o som de uma faca sendo amolada.

125. Cáo Cāo disse a Chén Gōng: “Ele não é meu tio verdadeiro. Começo a desconfiar quanto ao significado de sua partida. Ouçamos.”.

126. Moveram-se eles então em silêncio para uma cabana de palha nos fundos.

127. Então disse alguém: “Amarrar antes de matar, eh?”.

128. “Como pensei!”, disse Cáo Cāo. “Agora, a não ser que ataquemos primeiro, seremos pegos!”.

129. De pronto Cáo Cāo e Chén Gōng fizeram seu caminho adentro, espadas em punho, e mataram, homens e mulheres, todos que ali dentro estavam, ao todo oito pessoas.

130. Depois disso, exploraram a casa. Na cozinha, encontraram eles um porco amarrado,

pronto para o abate.

131. “Fostes tu por demais desconfiado,”, disse Chén Gōng, “e matamos pessoas de bem!”.

132. Cáo Cāo e Chén Gōng prontamente montaram em seus cavalos e partiram. Logo encontraram Lǚ Bóshē, seu anfitrião, voltando para casa e, sobre a sela à sua frente, viram eles duas jarras de vinho. Em suas mãos levava ele frutas e vegetais.

133. “Por que estais partindo, senhores?”. Lǚ Bóshē chamou-os.

134. “Pessoas procuradas não podem ousar demorar-se.”, disse Cáo Cāo.

135. “Mas até ordenei que abatessem um porco! Por quê recusais minha humilde hospitalidade? Rogo para que voltais comigo.”

136. Não lhe deu atenção Cáo Cāo, a urgir seu cavalo à frente. Mas então sacou sua espada e voltou em direção a Lǚ Bóshē.

137. “Quem é aquele que vem lá?”, disse Cáo Cāo.

138. Lǚ Bóshē virou-se e olhou para trás e, no mesmo instante, Cáo Cāo golpeou Lǚ Bóshē.

139. Chén Gōng estava assustado.

140. “Nós já estávamos errados o bastante,”, exclamou Chén Gōng. “E agora, o que é isto?”.

141. “Assim que chegasse em casa e visse sua família morta, achas tu que isso suportaria ele calmamente? Tivesse ele dado alarme e nos seguido, teríamos sido mortos.

142. “Matar de modo deliberado é muito errado.”, disse Chén Gōng.

143. “É melhor pormos o mundo abaixo que pôr-nos abaixo o mundo!”, foi a resposta.

144. Chén Gōng pôs-se a pensar, apenas. Eles cavalgaram por certa distância à luz da lua e então achegaram-se a uma hospedaria para se abrigarem. Tendo antes dado alimento a seus cavalos, logo Cáo Cāo pôs-se a dormir. Mas Chén Gōng continuou pensativo.

145. “Eu o tomei por um homem verdadeiro e deixei tudo para trás para segui-lo, mas

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é ele cruel como um lobo. Caso poupá-lo, fará ele apenas mais mal.”, pensou Chén Gōng.

146. E Chén Gōng ergueu-se, com o intuito de matar seu companheiro.

147. Ao coração, crueldade e fel; não é homem genuíno;Em maldade não difere de Dŏng Zhuō, seu inimigo.

148. O futuro de Cáo Cāo será contado nos próximos capítulos.

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Capítulo V

Cáo Cāo Faz Apelo aos Poderosos Senhores;Os Três Irmãos Lutam Contra Lǚ Bù

1. No fim do último capítulo, Chén Gōng estava prestes a acabar com Cáo Cāo. Mas Chén Gōng refletiu por um instante: “Juntei-me a ele para seguir o que é correto. Agora, caso matá-lo, faria apenas o injusto e concenar-me-ia o povo. Melhor é partir em silêncio.”.

2. Levantando-se de sua cama antes do nascer do sol, Chén Gōng montou em seu cavalo e cavalgou em direção ao leste, onde ficava Dongjun, sua província natal.

3. Cáo Cāo acordou pela manhã e se deu pela falta de seu companheiro. Pensou ele: “Chén Gōng julga-me bruto devido a algumas coisas egoístas que eu disse, e então partiu. Devo partir também, sem mais demora.”

4. Então rumou Cáo Cāo o mais rápido que pôde em direção a Qiao. Assim que encontrou-se com seu pai, contou-lhe tudo que ocorrera e disse-lhe que desejava dispor das herdades da família para, com o ouro recebido, recrutar soldados.

5. “Nossas posses são pequenas,”, disse seu pai, “e não são suficientes para feito algum. Há aqui por perto, porém, um homem letrado, de nome Wei Hong, descuidado em riquezas mas cuidadoso em virtudes, cuja família é muito rica. Com sua ajuda, poderemos esperar pelo sucesso.”.

6. Um banquete foi preparado, e Wei Hong a ele foi convidado.

7. Cáo Cāo fez-lhe um discurso: “o Hàn perdeu sua liderança e Dŏng Zhuō é realmente um tirano. Ele zomba de seu príncipe e é cruel com o povo, que nada pode fazer senão ranger, em ira, os dentes. Eu restauraria o Hàn, mas disponho de meios insuficientes. Senhor, apelo a vossa lealdade e espírito cívico.”.

8. Wei Hong respondeu: “Há muito desejava eu isto, mas, até agora, não encontrava a pessoa certa para executar tamanha empresa. Uma vez que tu, Cáo Cāo, tens desígnio tão nobre, deixo eu, de boa vontade, todas as minhas posses à disposição de tal causa.”.

9. Aquelas eram muito boas novas e, sem demora, um chamado de recrutamento foi devidamente preparado e enviado tanto ao perto quanto ao longe. Então, organizaram um grupo de voluntários e ergueram um grande estandarte branco de recrutamento, com os dizeres Lealdade e Honra nele escritos. A resposta veio sem demora, e era o número de voluntários farto como as gotas que caem das chuvas.

10. Certo dia chegou um homem de nome Yuè Jìn , de Yangping, e outro, de nome Lĭ

Diăn, de Jùlù. Estes dois haviam sido designados ao grupo particular de Cáo Cāo. Havia um terceiro, Xiàhóu Dūn, de Qiao. Ele descendia de Xiàhóu Yīng14, de tempos antigos. Desde sua infância, Xiàhóu Dūn fora treinado nas artes da luta com lança e bastão e, contando ainda com seus catorze anos, foi acolhido por um mestre em armas. Certo dia disse um homem coisas desrespeitosas sobre seu mestre, e Xiàhóu Dūn matou o difamador. Por esse feito, porém, foi ele forçado a fugir e já há algum tempo estava em exílio. Agora vinha ele a fim de oferecer seus préstimos, acompanhado por seu primo, Xiàhóu Yuān. Cada um trouxe consigo mil soldados treinados. Estes dois eram, na verdade, irmãos de Cáo Cāo por nascimento, uma vez que o pai de Cáo Cāo era originalmente da família Xiàhóu e havia sido apenas adotado pela família Cao.

11. Alguns dias mais tarde chegaram dois primos de Cáo Cāo, de nomes Cáo Rén e Cáo Hóng, cada um com mil seguidores. Os dois eram cavaleiros habilidosos e treinados ao uso de armas.

12. O treinamento teve início e Wei Hong dispôs sua fortuna para a compra de roupas, armaduras, bandeiras e estandartes. De todas as partes, recebiam contribuições de grãos.

13. Assim que recebeu Yuán Shào o chamado de Cáo Cāo às armas, reuniu sob seu comando um total de trinta mil homens. Ele então marchou de Bohai a Qiao, a fim de lá encontrar Cáo Cāo. Em seguida, foi publicado um manifesto:

14. “Cáo Cāo e seus correligionários, movidos pelo senso de dever, assim elaboram esta proclamação. Dŏng Zhuō desafia a Terra e os Céus. Ele está destruindo o Estado e prejudicando o príncipe. Ele polui o Palácio e oprime o Povo. Ele é mau e cruel. Seus crimes são muitos. Há pouco recebemos comandos secretos para convocar soldados e estamos comprometidos com a limpeza do Império e a destruição daqueles que fazem o Mal. Alistaremos um exército voluntário e empregaremos todos os nossos esforços para manter a Dinastia e socorrer o povo. Respondais a este chamado, Oh Nobres, reunindo vossos soldados.”

15. Muitos, de todos os cantos, responderam ao chamado, como mostra a lista:

16. 一. Yuán Shù Governador de Nányáng 二. Han Fu Protetor Imperial da Região de Jizhou

14 Xiàhóu Yīng (? – 173 a.C.) foi um importante general de Liú Bāng. Recebeu o título de Marquês de Ruyin, sendo frequentemente lembrado como Senhor de Tang. (N. do T.)

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三. Kong Zhou Protetor Imperial da Região de Yuzhou四. Liú Dài Protetor Imperial da Região de Yanzhou五. Wáng Kuāng Governador de Henei 六. Zhāng Miăo Governador de Chenliu 七. Qiáo Mào Governador de Dongjun 八. Yuán Yí Governador de Shanyang 九. Bào Xìn Senhor de Jibei 十. Kŏng Róng Governador de Beihai 十一. Chang Chao Governador de Guangling 十二. Táo Qiān Protetor Imperial da Região de Xuzhou 十三. Mă Téng Governador de Xiliang十四. Gōngsūn Zàn Governador de Beiping十五. Zhāng Yáng Governador de Shangdang十六. Sūn Jiān Governador de Changsha 十七. Yuán Shào Governador de Bohai

17. O contingente variava em tamanho, de dez mil a trinta mil, mas cada um era completo em si com seus oficiais, civis e militares, e líderes de batalha. Estavam a caminho da capital, Luòyáng.

18. Gōngsūn Zàn, o Governador de Beiping, passava, com seu grupo de quinze mil homens, perto da província de Pingyuan. Lá avistou ele, por entre as amoreiras do caminho, um estandarte amarelo, sob o qual marchava uma pequena companhia. Ao se aproximarem, viu ele que seu líder era Liú Bèi.

19. “Meu bom irmão, quê fazes aqui?”, perguntou-lhe Gōngsūn Zàn.

20. “Foste tu gentil comigo em outro momento, e por tua recomendação fui feito magistrado desta província. Soube que passarias por aqui e vim para saudar-te. Poderia eu exortar-te a prosseguir cidade adentro e lá descansar vossas montarias?”.

21. “E quem seriam estes dois?”, perguntou-lhe Gōngsūn Zàn, apontando para os irmãos de Liú Bèi.

22. “Estes são Guān Yŭ e Zhāng Fēi, meus irmãos de juramento.”

23. “Estiveram eles a combater contigo os Turbantes Amarelos?”, perguntou Gōngsūn Zàn.

24. “Todo meu sucesso foi devido a seus esforços.”, disse Liú Bèi.

25. “E quais postos têm eles?”.

26. “Guān Yŭ é arqueiro montado; Zhāng Fēi, da força de arqueiros.”

27. “Então são de valor inestimável!”, disse Gōngsūn Zàn, em suspiro. Então prosseguiu: “Todo o melhor que há pela terra está agora unido a fim de destruir o rebelde Dŏng Zhuō. Meu irmão, faríeis o melhor em abandonar este local tão apoucado e juntar-vos a nós para restaurarmos a Casa do Hàn. Por quê não?”.

28. “Gostaria eu de irmos.”, disse Liú Bèi.

29. “Tivésseis vós deixado que eu o matasse naquela outra ocasião, e não haveríeis de ter este problema hoje.”, disse Zhāng Fēi a Liú Bèi e Guān Yŭ.

30. “Uma vez que as coisas assim o são, arrumemo-nos para partir.”, disse Guān Yŭ.

31. Então, sem mais demora, os três irmãos, com alguns cavaleiros, juntaram-se a Gōngsūn Zàn e marcharam com ele para juntarem-se ao grande exército.

32. Um por um, todos os senhores feudais inscreveram-se e montaram acampamento. Seus campos estendiam-se por mais de doze quilômetros. Assim que todos chegaram, Cáo Cāo, como líder, preparou cavalos e novilhos para o sacrifício e convocou todos os senhores para uma grande assembléia, a fim de decidir seu plano de ataque.

33. Então falou Wáng Kuāng, o Governador de Henei: “Fomos movidos a nos reunir aqui por um nobre senso de justiça. Agora devemos primeiro escolher um chefe e curvarmo-nos em obediência.”.

34. Então disse Cáo Cāo: “Por quatro gerações, foram os mais altos postos do estado preenchidos pelos membros da família Yuán, e os que os apóiam estão por toda parte.

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Como decendente dos antigos ministro do Hàn, Yuán Shào é homem adequado a ser o senhor a nos liderar.”.

35. Yuán Shào por repetidas vezes recusou à honra. Mas disseram todos eles: “Há de ser Ele! Não haveria outro!”.

36. E, então, aquiesceu.

37. No dia seguinte foi erguido um altar de três níveis, e lá fincaram eles os estandartes de todos os grupos, em cinco direções. E colocaram, em seu redor, machados de ouro e caudas brancas de iaque, emblemas de autoridade militar e selos de liderança.

38. Estando todos prontos, o senhor líder foi exortado a subir ao altar. Vestido com mantos cerimoniais e carregando uma espada consigo, Yuán Shào para lá dirigiu-se, em reverência. Lá queimou ele incenso, jurou obediência e recitou este juramento:

39. “A Casa do Hàn quedou-se sobre dias maus, e aqueles de autoridade imperial estão enfraquecidos. O ministro rebelde, Dŏng Zhuō, tomou vantagem da discórdia para provocar o mal, e a calamidade se abate sobre honradas famílias. A crueldade recai pesadamente sobre o Povo. Nós, Yuán Shào e seus aliados, temendo pela segurança das prerrogativas imperiais, juntamos forças militares a fim de resgatar o Estado. Agora juramos nós empregarmos toda nossa energia e agirmos de acordo com o último limite de nossas forças. Entre nós não haverá ação egoísta ou de propósitos divergentes. E que perca sua vida e não deixe posteridade aquele que se desviar deste juramento. Oh!, Todo-Poderosos Céus e Terra Universal e iluminados espíritos de nossos antepassados, sede Vós testemunhas Nossas!”

40. Terminada sua leitura, Yuán Shào passou o sangue do sacrificio sobre seus lábios e sobre o daqueles que compartilharam consigo o juramento. Todos ficaram profundamente emocionados pela cerimônia e vários verteram lágrimas.

41. Feito isto, o senhor chefe foi ajudado a descer do altar e levado à sua tenda, onde tomou o mais alto assento e os demais organizaram-se de acordo com seu posto e idade. Lá, vinho foi servido a todos.

42. Em certo momento disse Cáo Cāo: “Compraz-nos a todos obedecer o líder que estabelecemos hoje, e também dar apoio ao Estado. Não deve haver sentimento de rivalidade ou superioridade entre nós.”.

43. Yuán Shào respondeu: “Indigno como sou, e mesmo como chefe eleito, devo de modo imparcial recompensar os méritos e punir as ofensas. Que cada um anteveja que está sob

as leis nacionais e os princípios de exército. Estes não devem ser rompidos.”.

44. “Apenas Vossos comandos serão obedecidos!”, exclamaram todos.

45. Então Yuán Shào disse: “Meu irmão, Yuán Shù, foi indicado Chefe do Comissariado. Ele tem condições de garantir que o campo inteiro esteja bem provido de alimento, mas no momento é necessário um líder que cruze a passagem do Rio Si e provoque uma batalha. As demais forças devem procurar uma posição estratégica para posterior apoio.

46. Então Sūn Jiān, o Governador de Changsha, ofereceu-se para a tarefa.

47. “Tu és valente e feroz, e és perfeito para esta empresa!”, disse Yuán Shào.

48. O grupo sob comando de Sūn Jiān partiu e logo chegou à passagem do Rio Si. A guarda de lá enviou um ligeiro mensageiro à capital, a fim de anunciar ao Primeiro Ministro a urgência da situação.

49. Desde que se estabeleceu Dŏng Zhuō em sua posição, cercou-se ele por luxos sem precedentes. Tão logo chegaram as urgentes novas ao Conselheiro Lĭ Rú, prontamente foi ter com seu mestre, o qual, em grande alarma, convocou um grande conselho.

50. Lǚ Bù adiantou-se à frente e disse: “Nada teme, meu pai. Vejo a todos os senhores que estão além das paragenso como fossem meros feixes de palha. E, com os guerreiros de nosso temeroso exército, porei todos à morte e pendurarei suas cabeças pelos portões da Capital!”.

51. “Com teu apoio, posso sossegar-me!”, disse Dŏng Zhuō.

52. Mas alguém atrás de Lǚ Bù interrompeu sua fala, dizendo: “Um cutelo para abater um galinha! Não há necessidade de ir o General: cortarei suas cabeças tão facilmente quanto tiro algo de meus bolsos!”.

53. Dŏng Zhuō olhou em direção à voz e repousou seus olhos sobre um robusto homem de feições fortes, flexível e ágil como uma fera. Ele tinha a cabeça arredondada como a de um leopardo e ombros como os de um gorila. Seu nome era Huà Xióng, de Guanxi. Dŏng Zhuō comemorou as palavras valorosas de Huà Xióng, prontamente o indicou Comandante da Valente Cavalaria e designou a ele uma tropa de quinze mil homens e cavalareiros. Huà Xióng e três outros generais – Lĭ Sù, Hú Zhĕn e Zhào Cén – imediatamente seguiram em direção à passagem do Rio Si.

54. Entre os senhores feudais, o Senhor de Jibei, Bào Xìn, tinha ciúmes por temer que Sūn Jiān, escolhido como líder daquele embate, recebesse grandes honrarias. Por

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conta disto almejava Bào Xìn encontrar primeiro o inimigo e, para tal feito, enviou, em segredo, seu irmão Bào Zhōng com três mil homens por um caminho diferente. Tão logo chegou na passagem o pequeno exército, engajaram-se em batalha.

55. Reagindo rapidamente, Huà Xióng e um corpo de quinhentos cavaleiros blindados varreu a passagem, exclamando: “Fugi não, rebeldes!”.

56. Mas Bào Zhōng estava temeroso e recuou, Huà Xióng seguiu-o, seu exército avançou, a espada veio abaixo e Bào Zhōng foi golpeado ainda sobre seu cavalo. A maior parte do exército de Bào Zhōng foi capturado. A cabeça de Bào Zhōng foi enviada ao palácio do Primeiro Ministro. Huà Xióng foi promovido a Comandante Chefe.

57. Sūn Jiān chegou próximo à passagem. Ele tinha consigo quatro generais: Chéng Pŭ, de Tuyin, cuja arma era uma lança em espiral de ponta semelhante à cabeça de uma serpente; Huáng Gài, de Lingling, o qual trazia consigo um pesado chicote de ferro; Hán Dàng, de Lingzhi, com um pesado sabre; e Zŭ Mào, de Wujun, o qual lutava com um par de espadas.

58. O Comandante Sūn Jiān vestia um capacete de pura prata, à sua volta cingida uma faixa púrpura. Ele trazia consigo sua espada de lingote de ferro antigo, e cavalgava um corcel malhado de crina lustrosa.

59. Sūn Jiān avançou em direção à passagem e saudou os defensores, dizendo-lhes: “Ajudantes do tirano, sede breve e rendei-vos!”.

60. Huà Xióng ordenou a Hú Zhĕn que liderasse cinco mil homens contra Sūn Jiān. Chéng Pŭ, com sua lança, avançou e engajou-se em batalha. Após alguns poucos golpes, Chéng Pŭ matou Hú Zhĕn com um golpe certeiro em sua garganta. Então Sūn Jiān deu fez sinal a seu exército principal, para que avançassem. Mas, da passagem, as tropas de Huà Xióng arremessaram uma chuva de pedras, o que fez com que os assaltantes recuassem para o campo em Liangdong. Sūn Jiān enviou as novas da investida a Yuán Shào.

61. Sūn Jiān enviou também uma mensagem urgente, na qual requisitava suprimentos ao comissário.

62. Mas um conselheiro disse a Yuán Shù: “Sūn Jiān é como tigre do leste. Caso ele tome a capital e destrua Dŏng Zhuō, teremos um tigre no lugar de um lobo. Não vos enviai alimento. Esfomeai suas tropas, assim decidindo o destino daquele exército.”.

63. E Yuán Shù deu ouvidos ao detrator, não enviando grãos nem forragem. Logo, os famintos soldados de Sūn Jiān mostraram seu desafeto com indisciplina, e seus espiões enviavam as notícias aos defensores da passagem.

64. Lĭ Sù compôs um plano com Huà Xióng, dizendo-lhe: “Empreenderemos hoje à noite um ataque rápido contra Sūn Jiān pela retaguarda e dianteira, para assim o capturarmos.”.

65. Huà Xióng concordou, e preparou-se para o ataque. Então avisaram a todas as tropas, e receberam refeição completa. À noite, deixaram a passagem e embrenharam-se por caminhos secretos até chegarem à retaguarda do campo de Sūn Jiān. A lua estava brilhante e o vento, frio. Eles chegaram perto da meia-noite, e os tambores rufaram o ataque iminente. Sūn Jiān prontamente aprumou-se em suas vestes de combate e pôs-se a cavalo. Ele cavalgou diretamente em direção a Huà Xióng e os dois cavaleiros engajaram-se em combate. Mas, antes de terem trocado vários golpes, surgiu por trás o exército de Lĭ Sù, a incendiar tudo que via.

66. O exército de Sūn Jiān caiu em confusão e fugiu em desordem. Estava garantida a desordem, e em breve restava apenas Zŭ Mào ao lado de Sūn Jiān. Os dois puseram-se a galope e fugiram. Estando Huà Xióng atrás de si, em perseguição acirrada, empunhou Sūn Jiān seu arco e disparou duas flechas em rápida seqüencia, ambas errando seu alvo. Ele alinhou um terceiro projétil ao arco, mas envergou-o com tanto furor que ele rompeu-se. Ele atirou a flecha ao chão e partiu a pleno galope.

67. Então disse Zŭ Mào: “O turbante púrpura de meu senhor é um artigo que os rebeldes facilmente reconhecerão. Dai-mo, e eu o usarei!”.

68. Então Sūn Jiān trocou seu turbante e seu capacete de prata pelo capacete do general, e os dois partiram por caminhos separados. Os perseguidores, procurando apenas pelo turbante púrpura, seguiram atrás daquele que o trazia vestido, e Sūn Jiān conseguiu escapar por um caminho seguro.

69. Zŭ Mào, sendo avidamente seguido, despiu-se dos adereços à cabeça, os quais pendurou sobre um poste à frente de uma pequena casa parcialmente queimada, e entrou pela densa floresta adentro. As tropas de Huà Xióng, ao avistarem a faixa púrpura, imóvel, não ousaram aproximar-se; mas cercaram-na por todos os lados e alvejaram-na com flechas. Logo descobriram o truque, aproximando-se mais do poste.

70. Este era o momento que Zŭ Mào aguardava. Prontamente avançou, com suas duas espadas em punho, e investiu contra o líder. Mas Huà Xióng era muito ágil. Com um alto brado, Huà Xióng rasgou Zŭ Mào e derrubou-o de seu cavalo. Huà Xióng e Lĭ Sù prosseguiram com o massacre até o raiar do dia, e então voltaram com suas tropas para a passagem.

71. Chéng Pŭ, Huáng Gài e Hán Dàng logo encontraram seu chefe e os soldados reuniram-se. Sūn Jiān sentia muito pesar pela perda de Zŭ Mào.

72. Assim que chegaram a Yuán Shào as notícias desse desastre, sentiu ele grande

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desgosto e convocou todos os senhores para um conselho. Eles se reuniram e Gōngsūn Zàn foi o último a chegar.

73. Assim que estavam todos sentados dentro da tenda, Yuán Shào lhes disse: “O irmão do General Bào Xìn, desobedecendo as regras que estabelecemos, pôs-se imprudentemente a atacar o inimigo. Ele foi morto e, com ele, vários de nossos soldados. Agora foi Sūn Jiān derrotado. Nosso espírito de combate sofreu, e quê há de ser feito?”.

74. Todos permaneceram em silêncio. Erguendo seus olhos, Yuán Shào olhou para cada um dos presentes até deitá-los sobre Gōngsūn Zàn, e então sobre três homens que estavam atrás de seu assento. Eles eram de notável aparência, e sorriam pelo canto de seus lábios.

75. “Quem são esses homens atrás de ti?”, disse Yuán Shào.

76. Gōngsūn Zàn pediu a Liú Bèi que fosse à frente, e disse: “Este é Liú Bèi, Magistrado de Pingyuan e irmão meu, com o qual dividi minha humilde cabana quando éramos estudantes.”.

77. “Deve ser o mesmo Liú Bèi que dispersou a rebelião dos Turbantes Amarelos.”, disse Cáo Cāo.

78. “É o próprio.”, disse Gōngsūn Zàn, pedindo a Liú Bèi que fizesse reverência à assembléia. Liú Bèi então contou sobre seus préstimos e sua origem, com todos os detalhes.

79. “Como é ele da linhagem do Hàn, deve sentar-se.”, disse Yuán Shào, e exortou Liú Bèi a sentar-se.

80. Liú Bèi o agradeceu modestamente, recusando.

81. Disse Yuán Shào: “Esta consideração de minha parte não é por vossa fama e vosso cargo. Eu vos respeito como um a um descendente da família imperial.”.

82. Então sentou-se Liú Bèi sobre seu assento, em lugar inferior ao dos da longa fila de senhores. E seus dois irmãos, braços cruzados, posicionaram-se logo atrás de si.

83. Chegou, durante a reunião, um mensageiro com a notícia de que Huà Xióng estava se aproximando com uma tropa de cavaleiros blindados. Eles exibiam o turbante púrpura, capturado de Sūn Jiān, sobre a ponta de uma vara de bambu. O inimigo logo pôs-se a dirigir insultos àqueles da paliçada, desafiando-os ao combate.

84. “Quem aqui ousa ir-se à frente, em combate?”, disse Yuán Shào.

85. “Eu irei.”, disse Yú Shè, renomado general de Yuán Shù, dando um passo à frente.

86. Então foi-se Yú Shè e, quase que imediatamente retornou alguém a dizer que havia caído Yú Shè com o terceiro golpe de Huà Xióng.

87. Começou o medo a deitar sua fria mão sobre a assembléia.

88. Han Fu, o Protetor Imperial, disse: “Tenho em meu exército um bravo guerreiro. Pān Fèng é seu nome, e ele conseguiria acabar com Huà Xióng.”.

89. Então Pān Fèng recebeu ordens de se embater com o inimigo. Com seu grande machado de batalha em suas mãos, Pān Fèng montou em seu cavalo e seguiu adiante. Mas em breve chegou-lhes a fatídica notícia de que o General Pān Fèng também morrera. Com isto, as faces dos presentes empalideceram-se.

90. “Como é pena que meus dois competentes generais, Yán Liáng e Wén Chŏu, não estão aqui! Então teríamos alguém que não temeria Huà Xióng.”, disse Yuán Shào.

91. Mal terminara ele de falar quando, de um canto inferior, uma voz exclamou: “Eu irei, cortarei a cabeça de Huà Xióng e voltarei aqui com ela!”.

92. Todos voltaram-se em direção àquele que falara. Ele era alto e tinha uma longa barba. Seus olhos eram como os de uma fênix e suas sobrancelhas, espessas e grossas como bichos-da-seda. Seu rosto era de um vermelho escuro e sua voz, profunda como o som de um grande sino.

93. “Quem é ele?”, perguntou Yuán Shào.

94. Gōngsūn Zàn disse-lhe que era Guān Yŭ, irmão de Liú Bèi.

95. “E qual é seu posto?”.

96. Ele está, por treino com Liú Bèi, como arqueiro montado.”.

97. “Ora, quê! Um insulto a nós todos!”, rugiu Yuán Shù, de seu assento. “Não temos nós um líder? Como ousa um arqueiro falar-nos tais coisas? Acabemos com ele!”.

98. Mas Cáo Cāo interviu: “Paz, Oh Yuán Shù! Uma vez que fala este homem palavras tão elevadas, certamente é ele valente. Deixemo-lo tentar. Caso falhe, então acercamo-nos de si.”.

99. Huà Xióng rir-se-ia de nós, se enviássemos um mero arqueiro para lutar contra ele.”, disse Yuán Shào.

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100. “Este homem não parece comum como os outros. E como poderia o inimigo saber que é ele apenas um arqueiro?”, disse Cáo Cāo.

101. “Se falhar, então podeis cortar minha cabeça.”, disse Guān Yŭ.

102. Cáo Cāo ordenou que um pouco de bebida fosse aquecida e ofereceu uma taça a Guān Yŭ, conforme este partia.

103. “Fica ela contigo,”, disse Guān Yŭ, “pois em breve estarei de volta.”.

104. Guān Yŭ seguiu em frente, arma em punhos, e montou sobre a sela de seu cavalo. Aqueles que estavam dentro da tenda ouviram o feroz rufar dos tambores e, então, um som estrondoso, como se os céus estivessem ruindo, a terra, ascendendo, as colinas em tremor e as montanhas, repartindo-se em duas. E eles então tiveram doloroso medo. E, enquanto escutavam a tudo com ouvidos atentos, vede! ouviu-se o gentil som dos guisos de um cavalo e Guān Yŭ retornou, jogando a seus pés a cabeça do líder morto, o inimigo Huà Xióng.

105. A bebida ainda estava quente!

106. Este valoroso feito foi em verso celebrado:

107. Está o poder do homem sem igual ou outro,Com seus tambores, aos portões, a rufar;Deixou Guān Yŭ sua taça quente e, ao voltar,Fez-se o valor: a taça, quente, e Huà Xióng, morto.

108. Cáo Cāo estava muito empolgado com tal sucesso.

109. Mas foi ouvida a voz de Zhāng Fēi, a exclamar: “Meu irmão acabara com Huà Xióng; quê esperamos? Por que não invadimos a passagem e seguimos em busca de Dŏng Zhuō? Poderia haver momento mais propício, senão este?”.

110. Novamente fez-se ouvida a tempestiva voz de Yuán Shù: “Nós, altos oficiais, somos por demais dóceis e pacientes. Cá está este insignificante seguidor de um pequeno magistrado, a ousar exibir-se à nossa frente! Expulsai-o da tenda, eu vos digo!”.

111. Mas novamente interveio Cáo Cāo: “Não devemos considerar seu posto de magistrado, no qual grandes feitos empreendeu?”.

112. “Se tens um mero magistrado em tamanha estima, então retiro-me, simplesmente.”, disse Yuán Shù.

113. “Não é uma palavra o suficiente para se acabar com um grande intento?”, disse Cáo Cāo.

114. Então ele pediu a Gōngsūn Zàn que levasse os três irmãos de volta a seus alojamentos, e então os outros comandantes também se retiraram. Naquela mesma noite, Cáo Cāo presenteou, secretamente, os três irmãos com bebidas e carnes, a fim de amenizar os ânimos após tamanha ventura.

115. Assim que voltaram as tropas de Huà Xióng e a Lĭ Rú contaram a respeito da derrota e morte de seu líder, quedou-se ele em grande inquietação. Ele escreveu cartas de urgência a seu mestre, o qual chamou em reunião seus confiáveis conselheiros.

116. Lĭ Rú resumiu a situação, a dizer: “Perdemos nosso melhor líder, e o poder rebelde tornou-se por demais forte. Yuán Shào é o líder dessa aliança e seu tio, Yuan Wei, detém o cargo de Guardião Imperial. Caso aqueles da capital juntem forças com aqueles do interior, sofreremos nós. Portanto, precisamos removê-los do caminho. Então requisito a vós, Senhor Primeiro Ministro, que estejais à frente de nosso exército e rompais esta aliança.”.

117. Dŏng Zhuō concordou e, prontamente, ordenou a Lĭ Jué e Guō Sì, dois de seus generais, que reunissem quinhentos homens e os incumbisse de cercar a residência de Yuan Wei, Guardião Imperial, matar todos os que lá estivessem, sem restrições de idade, e, depois, pendurassem sua cabeça ao lado externo dos portões, como troféu. E Dŏng Zhuō comandou duzentos mil homens, a avançar em duas frentes. Os primeiros cinquenta mil estavam sob comando de Lĭ Jué e Guō Sì, e estavam incumbidos de proteger a passagem do Rio Si. Eles não precisariam lutar, necessariamente. Os outros cento e cinquenta mil, sob comando do próprio Dŏng Zhuō, seguiram em direção à passagem da Armadilha do Tigre. Seus conselheiros e comandantes – Lĭ Rú, Lǚ Bù, Fán Chóu, Zhāng Jì e outros – marchavam junto ao exército principal.

118. A passagem da Armadilha do Tigre estava a pouco mais de vinte quilômetros da capital, Luòyáng. Tão logo eles chegaram, ordenou Dŏng Zhuō a Lǚ Bù que ficasse com trinta mil soldados e erguesse uma forte paliçada à frente da passagem. O corpo principal, sob comando de Dŏng Zhuō, ocuparia a passagem.

119. As notícias acerca deste movimento chegaram aos senhores aliados. Yuán Shào convocou um conselho.

120. Disse Cáo Cāo: “A ocupação da passagem partiria nosso exército em dois; desta forma, devemos nos embater com o exército de Dŏng Zhuō.”.

121. Então oito dos comandantes – Wáng Kuāng, Qiáo Mào, Bào Xìn, Yuán Yí, Kŏng Róng, Zhāng Yáng, Táo Qiān e Gōngsūn Zàn – receberam ordens para dirigirem-se à passagem da Armadilha do Tigre e enfrentar o inimigo. Cáo Cāo e suas

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tropas foram consigo, a fim de lhes prestar auxílio se necessário.

122. Dos oito, foi Wáng Kuāng, Governador de Henei, o primeiro a chegar em seu destino, de onde surgiu Lǚ Bù, com três mil cavaleiros blindados, a fim de travar batalha. Assim que ordenou o avanço de suas tropas, soldados e cavalaria, Wáng Kuāng assentou-se abaixo do grande estandarte e olhou detidamente seu inimigo.

123. Lǚ Bù era de figura notável, à linha de frente. Sua cabeça era adornada por arranjo de três arcos de ouro rubro e penas de faisão. Ele vestia um manto vermelho como veludo, feito com seda de Xichuan e ornamentado por milhares de flores, uma armadura dourada e adornada com a cabeça de uma fera, presa aos lados por argolas, e um belo cinturão, cuja fivela assemelhava-se à cabeça de um leão, afivelado à cintura. Seu arco e suas flechas pendiam sobre seus ombros, e tinha consigo um longo e pesado tridente. Ele estava montado em seu ofegante corcel Lebre Vermelha. Era, de fato, Lǚ Bù o homem dentre os homens e Lebre Vermelha o corcel dentre os corcéis.

124. “Quem ousa combatê-lo?”, perguntou Wáng Kuāng, virando-se àqueles atrás de si.

125. Em resposta, Fāng Yuè, um valente general de Henei, pôs-se à frente, lança pronta à batalha. Lǚ Bù e Fāng Yuè ficaram frente a frente: antes do quinto golpe, caiu Fāng Yuè com um golpe do tridente e Lǚ Bù avançou. As tropas de Wáng Kuāng acabaram por se dispersar por várias direções. Lǚ Bù ia e vinha, matando todos que por ele cruzavam. Era ele irrefreável.

126. Por sorte, duas outras tropas, lideradas por Qiáo Mào e Yuán Yí, resgataram o ferido Wáng Kuāng, e Lǚ Bù recuou. Os três, tendo perdido muitos homens, recuaram mais de quinze quilômetros e ergueram uma paliçada. E, não depois de muito tempo, juntaram-se a eles os outros cinco comandantes. Eles realizaram um conselho e chegaram ao consenso de que Lǚ Bù era herói que nenhum homem poderia enfrentar.

127. E, enquanto quedavam-se eles em grande ansiedade e incerteza, foi-lhes anunciado que Lǚ Bù retornara a fim de desafiá-los. Eles montaram em seus cavalos e posicionaram-se à frente de oito forças, cada qual firmemente plantada ao chão. À volta de si estava o exército rival, comandado por Lǚ Bù, de incontáveis cavaleiros e soldados, de esplêndidos estandartes bordados a oscilar com a brisa.

128. Eles investiram contra Lǚ Bù. Certo Shun, um general do Governador Zhāng Yáng, cavalgou à frente, lança em punho, mas, logo ao primeiro encontro com Lǚ Bù, caiu por terra. Isto causou medo a todos os outros. Então galopou à frente Wu Anguo, um general sob comando do Governador Kŏng Róng. Wu Anguo ergueu sua maça de ferro, prestes a golpear seu rival. Lǚ Bù, brandindo seu tridente e a galopar em seu corcel, foi de encontro a Wu Anguo. Os dois combateram e trocaram cerca de dez golpes, até que um golpe do tridente de Lǚ Bù rompeu o pulso de Wu Anguo. Deixando cair sua maça, ele fugiu. Então, todos os oito senhores puseram suas tropas em marcha a fim de salvá-lo, e Lǚ Bù

recuou novamente.

129. Terminado o embate, já pelos alojamentos, reuniram-se os senhores novamente em conselho.

130. Cáo Cāo disse: “Ninguém é suficientemente poderoso contra os prodígios de Lǚ Bù. Reunamos todos os senhores e discutamos algum plano. Se pudermos nos livrar de Lǚ Bù, então seria Dŏng Zhuō facilmente aniquilado.”.

131. Ainda enquanto estavam assim reunidos, surgiu Lǚ Bù novamente, desafiando-os, e novamente os comandantes investiram contra ele. Desta vez Gōngsūn Zàn, brandindo sua lança, foi-se de encontro ao inimigo. Após poucos golpes, virou-se e fugiu Gōngsūn Zàn; seguiu-o Lǚ Bù o tão rápido quanto seu Lebre Vermelha conseguia. Lebre Vermelha era um corcel capaz de correr mais de quatrocentos quilômetros por dia, sendo ágil como o vento. Os senhores observavam Lebre Vermelha ganhando velocidade sobre o cavaleiro voador, e o tridente de Lǚ Bù estava pronto a golpear Gōngsūn Zàn ao coração. Foi quando, repentinamente, surgiu um terceiro cavaleiro, de brilhantes olhos e bigodes riços, armado com uma alabarda de cerca de três metros.

132. “Fica, Oh duas vezes bastardo!”, rugiu ele. “Eu, Zhāng Fēi de Yan, estou à tua espera!”.

133. Ao ver tal oponente, desistiu Lǚ Bù de sua perseguição a Gōngsūn Zàn e foi-se em direção ao novo adversário. Zhāng Fēi estava exultante, e pôs-se a cavalgar à frente com todas as suas energias. Os dois eram dotados de espetacular força e trocaram cerca de meia centena de golpes, sem ter nenhum dos dois alguma vantagem sobre o oponente. Então Guān Yŭ, impaciente, cavalgou à frente com seu gigante e pesado Sabre do Dragão Verdejante e atacou Lǚ Bù pelo outro flanco. Os três corcéis formaram um triângulo e seus cavaleiros trocaram entre si cerca de trinta golpes; mas, mesmo assim, firme permanecia Lǚ Bù.

134. Então Liú Bèi foi-se à frente, em auxílio a seus irmãos, com suas duas espadas ancestrais erguidas e prontas a darem seu golpe. O corcel de crina esvoaçante posicionou-se em ângulo, e agora Lǚ Bù era posto a pelejar contra os três guerreiros que o cercavam, os quais alternadamente golpeava, e eles a si, parecendo o brilho de suas armas como lamparinas que se agitam, suspensas, no Ano Novo. E àquela batalha observavam com admiração os guerreiros dos oito exércitos.

135. Mas a guarda de Lǚ Bù começou a fraquejar, e a fadiga lentamente tomava conta de si. Sustentando firmemente o olhar sobre o rosto de Liú Bèi, Lǚ Bù ensaiou uma feroz investida contra ele, fazendo com que Liú Bèi recuasse no mesmo instante. Então, baixando sua alabarda, Lǚ Bù fez passagem pelo ângulo que se abrira e escapou.

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136. Mas permitiriam eles tal fuga? Eles galoparam com seus cavalos e o seguiram a todo galope. Os soldados dos oito exércitos bradaram altos vivas e todos puseram-se à desabalada marcha à frente, fazendo pressão a Lǚ Bù conforme este chegava próximo ao abrigo da passagem da Armadilha do Tigre. E, à frente dos perseguidores, seguiam os três irmãos.

137. Um antigo poeta contou tal famosa batalha nestas famosas linhas:

138. Teve o Hàn, por Huán e Líng, iniciado o triste fado -Decair-se a glória, tal qual sol ao cair-lhe o negro manto:Destronou Bian Dŏng Zhuō, ministro infame do Estado.Muito fraco era Xian, sem seu poder, sem seu comando.

Bradou, altíssono, Cáo Cāo a vilania a quatro cantos,Reunindo-se os senhores juntos a si, em grande ira.Em assembléia Yuán Shào foi feito líder, rogos tantosEm jurar fidelidade à Régia Casa e à Paz Tranquila.

Dentre todos os guerreiros é Lǚ Bù o mais destemido,Tendo, dele, seu valor e primazia o mar atino.Pelo corpo, prata, escamas de dragão, trazia cingido;Á cabeça, arranjo d'ouro e penas de nobre faisão,Pela cintura, afivelado por duas feras, cinturão;Vestes bordadas e esvoaçantes com o vento fino;Á planície, vento forte e seu corcel, tão destemido;Brilhando ao sol o algoz tridente, feito lago cristalino.Quem ousava encará-lo quando avançava ele, então?Em pensar sofriam todos, a lhes fremir o coração.

Pôs-se à frente então, Zhāng Fēi, valente guerreiro do norte,Em punho firme a Alabarda da Serpente, forte, grande.Pela ira, encrespava em cerdas rijas seu bigodeE os seus olhos dardejavam, como raios, luz brilhante.

Durou o embate certo tempo, sem vencedor e sem vencido.

Marchou Guān Yŭ à frente e, à alma, a dor por toda a feita.Como o gelo sob o sol brilhava o Sabre do Dragão,Suas claras vestes revoando como leve borboleta.Gritaram anjos e demônios ao som dos cascos, de trovão;A seus olhos, feroz ira que por sangue clama e aceita.

Veio Liú Bèi em seu auxílio, com as Espadas Ancestrais,

Tremendo até mesmo os Céus, tais suas fúrias magistrais.

Achegaram-se os irmãos do inimigo, embate longo,Esquivando-se Lǚ Bù dos golpes certos, sem vacilo.O som dos brados altos, claros, foi dos Céus ouvidoAté a polar, longínqua estrela, indo, da batalha, o fogo.

Pensou então Lǚ Bù em fuga, já cansando-se, exaurido,E vendo, próximas, colinas, desejou fazer-se abrigo.Brandindo então sua alabarda e baixando o cume rijo,Muito rápido saiu, deixando a luta e fugindo;

Cabeça baixa, a seu corcel as rédeas deu;Virou-se e, fugindo, voltou ele para os seus.

139. Os três irmão continuaram a perseguição até a passagem. Olhando para o alto, viram eles uma imensa nuvem negra sendo levada pelo vento do oeste.

140. “Lá certamente está Dŏng Zhuō!”, exclamou Zhāng Fēi. “Qual é o sentido em perseguirmos Lǚ Bù? Melhor seria cercar o maior chefe dos rebeldes e, com isto, arrancar o mal pela raiz!”.

141. E deu ele rédeas a seu corcel, indo além da passagem.

142. Para conterdes a os rebeldes, o vosso líder cercai;Quereis serviço valioso, valioso homem achai.

143. Os capítulos seguintes revelarão o resultado da batalha.

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Capítulo VI

Ao Incendiar A Capital, Dŏng Zhuō Comete Uma Atrocidade;Ao Ocultar o Selo Hereditário Imperial, Sūn Jiān Rompe A Confiança

1. Zhāng Fēi cavalgou sem cessar em direção à passagem, mas os defensores arremessavam chuvas de pedras e de flechas que não o deixavam avançar, e então recuou. Todos os oito senhores felicitaram os três irmãos por seus préstimos e a história da vitória foi chegada a Yuán Shào, que ordenou a Sūn Jiān que avançasse imediatamente.

2. Com isto, Sūn Jiān e dois confiáveis generais, Chéng Pŭ e Huáng Gài, foram em direção aos alojamentos de Yuán Shù.

3. Riscando o chão de terra com seu bastão, Sūn Jiān disse: “Dŏng Zhuō e eu não temos nenhuma contenda pessoal. Mesmo assim entreguei-me à batalha, independentemente das consequências, expus-me ao risco de ser ferido e lutei, às batalhas, até seu mais amargo fim. E por quê? Para que eu talvez fosse aquele a livrar meu país de um rebelde – não sem vantagens particulares à vossa família. Vós, mesmo assim, a seguirdes a caluniosa lábia de certo conselheiro, retivéreis os suprimentos que eram a mim absolutamente necessários e, por conseguinte, amarguei derrota. Como podeis explicar isto, General?”.

4. Yuán Shù, confuso e temeroso, não encontrava palavras como resposta. Ele condenou à morte aquele detrator, a fim de aplacar os ânimos de Sūn Jiān.

5. Então, disseram a Sūn Jiān: “Um oficial que veio da passagem a trote vos deseja encontrar, General. Ele está no campo.”.

6. Sūn Jiān então retirou-se e retornou a seu próprio campo, onde viu ser Lĭ Jué, um dos mais leais comandantes de Dŏng Zhuō, seu visitante.

7. “A quê viestes?”, disse Sūn Jiān.

8. Lĭ Jué respondeu: “Vós sois a pessoa por quem tem respeito e admiração meu mestre, que me enviou a fim de selar aliança de matrimônio entre as duas famílias. Ele deseja que sua filha se torne esposa de vosso filho.”.

9. “Quê? Dŏng Zhuō, aquele rebelde e renegado, aquele subversor do Trono! Desejaria poder destruir suas nove gerações, como oferenda ao Império! Pensas tu que teria eu o desejo de formar uma aliança com tal família? Não te matarei, mas vai-te embora!, e vai-te rápido! Atravesses a passagem e pouparei tua vida. Se demorares, farei pó de teus ossos e retalhos de tua carne!”.

10. Lĭ Jué virou-se e fugiu. Ele retornou a seu mestre e contou-lhe acerca da rude recepção

que tivera. Dŏng Zhuō inquiriu a Lĭ Rú, seu conselheiro, como agir em resposta a tudo que acontecia.

11. Lĭ Rú disse: “A recente derrota de Lǚ Bù abalou de certa forma o desejo de combate das nossas tropas. Melhor seria retornar à capital e remover o Imperador a Changan, uma vez que cantam pelas ruas as crianças:

12. Um Han está a Oeste, um Han ao Leste está;O cervo, em Changan, menos se preocupará.

13. Lĭ Rú prosseguiu: “Se refletires sobre este dístico, aplica-se ele sobre a presente situação. A metade do primeiro verso refere-se ao fundador da dinastia, Liú Bāng, o Supremo Ancestral, que se tornou regente na cidade de Changan, a oeste, a qual foi Capital do Império por doze reinados. A outra parte corresponde a Liu Xiu, o Anterior Fundador do Hàn, que fez sua regência em Luòyáng, Capital do leste durante os doze reinados anteriores. A revolução dos Céus traz-nos de volta a este momento inicial. Portanto, transfere a Capital a Changan, havendo assim motivo algum para a ansiedade.”.

14. Dŏng Zhuō estava extremamente satisfeito e lhe disse: “Não tivesses assim o dito, não o teria compreendido!”.

15. Então, a levar Lǚ Bù consigo, Dŏng Zhuō pôs-se em Luòyáng a dar início a tal desígnio.

16. Lá então convocou ele ao Palácio seus oficiais em um grande conselho, dirigindo-se assim a eles: “Após dois séculos de regência aqui, exauriu-se a boa fortuna real; antevejo que a aura regencial migrara para Changan, motivo pelo qual desejo mudar a Corte. É melhor que todos se preparem para a jornada.”.

17. Yang Biao, Ministro do Interior, disse: “Rogo a vós que reflitais. A Terra Além das Passagens é toda em ruínas. Não há razão para renunciar aos templos ancestrais e abandonar as tumbas imperiais aqui. Temo que o povo ficará alarmado. Fácil é alarmá-los, mas difícil é apaziguá-los.”.

18. “Tu te opões aos planos do Estado?”, disse Dŏng Zhuō, em ira.

19. Outro oficial, Huang Fu, o Grande Comandante, apoiava seu colega. “Durante a Era do Recomeço15, Fan Chong, um dos rebeldes dos Sobrancelhas Vermelhas, incendiou Changan e deixou o lugar em ruínas, sobrando-lhe apenas suas lajes partidas16. Lá permaneceram alguns, e outros foram para outras regiões. Não é correto

15 23 d.C a 25 d.C. (N. do T.)16 Durante o período de 9 a.C. a 23 d.C., Wáng Măng , oficial da Dinastia Hàn, usurpou o trono da

familia Liu e fundou a Dinastia Xīn, tendo sua capital em Changan; em outubro de 23 d.C., a capital foi

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abandonar estes palácios em troca de um inóspito terreno.”

20. Dŏng Zhuō respondeu: “O Leste das Passagens está imerso em sedição, e o Império está em plena rebelião. A cidade de Changan é protegida pelas Montanhas Yaohan e pela Passagem Hangu. Além disso, é próxima a Longyou, de onde podem ser trazidas lenha, pedras, tijolos e materiais para construção. Em pouco menos de um mês os palácios estarão construídos. Que isto cesse, então, tuas irrefletidas palavras!”.

21. Assim mesmo, Xu Shuang, Ministro dos Trabalhos, levantou outro protesto, a mostrar preocupação com o transtorno gerado ao povo, mas Dŏng Zhuō também o repeliu.

22. “Como posso levar senão um punhado de pessoas comuns em consideração, quando afeta meu desígnio a todo o Império?”, disse Dŏng Zhuō.

23. Naquele dia os três objetores - Yang Biao, Huang Fu e Xu Shuang – foram afastados de seus cargos e reduzidos à posição de comuns.

24. Assim que ia Dŏng Zhuō tomar posição sobre seu assento, encontrou ele dois outros oficiais que a ele fizeram reverência. Eram eles Zhou Bi, Chefe do Secretariado, e Wu Qiong, o Comandante dos Portões da Cidade. Dŏng Zhuō os deteve, perguntando-lhes quê queriam.

25. Disse Zhou Bi: “Queremos tentar dissuadir-vos de vosso desejo de mudar a capital para Changan.”.

26. Dŏng Zhuō respondeu: “Persuadistes a mim a fim de conceder um posto a Yuán Shào. Agora volta-se ele como traidor, e sois vós da mesma estirpe!”.

27. E, sem mais demora, ordenou a seus guardas que levassem ambos para fora da cidade e os pusessem à morte. A ordem para mudar-se imediatamente à nova capital foi proclamada.

28. Lĭ Rú, enquanto falava com Dŏng Zhuō, disse-lhe o seguinte: “Dispomos de pouco dinheiro e pouco alimento, e as pessoas ricas de Luòyáng poderiam facilmente ser pilhadas. Esta é uma boa ocasião para relacioná-los com os rebeldes, assim confiscando suas propriedades.”.

29. Dŏng Zhuō enviou cinco mil homens com o intuito de pilhar e matar. Eles capturaram milhares de cidadãos ricos e, pondo-lhes bandeiras que os marcavam como Traidores e Rebeldes, os mandaram para fora da cidade e os puseram à morte. Suas propriedades

atacada por bandidos e o palácio, saqueado. Wáng Măng, visto por alguns como usurpador do trono e, por outros, como honesto seguidor dos preceitos de Confúcio, morreu em batalha, junto a diversos membros da Corte. Após seu reinado, restaurou-se a Dinastia Hàn, e Liu Xiu (Imperador Guangwu) subiu ao trono. (N. do T.)

foram todas confiscadas.

30. A tarefa de levar os habitantes, alguns milhões, foi dada a dois dos comandantes de Dŏng Zhuō, Lĭ Jué e Guō Sì. O povo foi levado em grupos, cada um entre dois grupos de soldados que os guiavam em direção a Changan. Um enorme número de pessoas caía pelas laterais da estrada e morria sobre as valas, e a escolta pilhava os fugitivos e abusava das mulheres. Um gemido de lágrimas ascendia aos plenos Céus.

31. As ordens finais de Dŏng Zhuō, ao deixar a capital Luòyáng, foram de incendiar toda a cidade: palácios, templos e tudo o que lá havia foi devorado pelas chamas. A capital se transformou em vasta terra desolada.

32. Dŏng Zhuō ordenou a Lǚ Bù que profanasse as tumbas dos imperadores e de suas consortes para saquear suas jóias, e os soldados aproveitaram a situação para violar os túmulos de oficiais e saquear os cemitérios. O espólio da cidade, de ouro e prata, de pérolas, sedas e magníficos ornamentos, preenchia milhares de carroças. Com estes, e com as pessoas do Imperador e sua criadagem, Dŏng Zhuō moveu-se em direção à nova Capital no primeiro ano da Inauguração da Tranquilidade17.

33. Com Luòyáng assim abandonada, Zhào Cén, general de Dŏng Zhuō que protegia a passagem do rio Si, deixou seu posto, o qual foi logo ocupado por Sūn Jiān. Liú Bèi e seus irmãos tomaram a passagem da Armadilha do Tigre e os senhores aliados avançaram.

34. Sūn Jiān apressou-se em direção à antiga capital, a qual ainda ardia em chamas. Assim que chegou, viu colunas de fumaça negra que se espalhavam por sobre toda a cidade e estendiam-se por quilômetros à sua volta. Não havia lá um ser vivo, sequer uma ave, sequer um cão, sequer um ser humano. Sūn Jiān ordenou a seus soldados que apagassem as chamas e preparassem locais para acamparem os senhores aliados.

35. Cáo Cāo encontrou-se com Yuán Shào e lhe disse: “Dŏng Zhuō seguiu rumo ao oeste. Precisamos atacar sua retaguarda o quanto antes. Por quê permaneceis inerte?”.

36. “Nossos colegas todos estão cansados, e não há nada a ser ganho com um ataque.”, disse Yuán Shào.

37. Cáo Cāo disse: “Este momento é o mais propício, dada a confusão que agora impera – palácios incendiados, o Imperador, abduzido, o mundo em ira e ninguém a saber para onde curvar-se. A vilania terá em breve seu fim, e um golpe apenas poderá exterminar Dŏng Zhuō. Por quê não o perseguir?”.

38. Mas os senhores aliados pareciam ter um pensamento apenas, e este pensamento era o de postergar qualquer ação. Então, nada fizeram.

17 190 d.C. (N. do T.)

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39. “Este povo indigno não é capaz de discutir coisas dignas!”, exclamou Cáo Cāo.

40. Então ele e seus seis generais – Xiàhóu Dūn, Xiàhóu Yuān, Cáo Rén, Cáo Hóng, Lĭ Diăn e Yuè Jìn -, juntamente com dez mil homens, deram início à perseguição.

41. A estrada que ia em direção à nova capital passava por Yingyang. Assim que lá chegou Dŏng Zhuō, seu governador, Xú Róng, foi-se à frente para receber a comitiva.

42. Lĭ Rú disse: “Por haver risco de sermos seguidos, seria prudente ordenar ao Governador deste lugar que prepare uma emboscada fora da cidade. Ao garantirem passagem aos perseguidores, serão eles derrotados por nós e, quando em fuga, interceptados pela emboscada. Isto desencorajará qualquer um com o intuito de nos perseguir.”.

43. Então Dŏng Zhuō ordenou a Lǚ Bù que comandasse a força de retaguarda. Muito em breve viram eles Cáo Cāo, e riu-se Lǚ Bù ao avistá-lo. Ele organizou sua tropa em formação de combate.

44. Cáo Cāo cavalgou à frente, a exclamar: “Rebeldes, abdutores, opressores do povo, aonde ides?”.

45. Respondeu Lǚ Bù: “Simplório traiçoeiro, que dizeres loucos serão esses?”.

46. Então da tropa de Cáo Cāo surgiu Xiàhóu Dūn com sua lança em punho, e Lǚ Bù e Xiàhóu Dūn puseram-se em combate. O combate mal havia começado quando Lĭ Rú, em companhia de outros, surgiu à esquerda. Cáo Cāo ordenou a Xiàhóu Yuān que fosse também ao embate. Pelo outro lado, porém, surgiu Guō Sì e suas tropas. Cáo Cāo enviou Cáo Rén para o embate com Guō Sì. A investida do inimigo era muito poderosa e as tropas de Lǚ Bù estavam em grandioso número, então Xiàhóu Dūn foi obrigado a recuar à linha principal. Com isto, as tropas blindadas de Lǚ Bù fizeram seu ataque e deram a derrota por completa. O exército derrotado de Cáo Cāo recuou, em retirada, para próximo à cidade.

47. Ao entardecer, aproximadamente ao tempo da segunda vigília, chegaram eles próximos ao sopé de uma colina e a lua, alta, deixava a terra clara como o dia. Lá, detiveram-se a fim de se recomporem. Tão logo faziam os preparativos para cozinharem a comida, ouviram altos brados e, por todos os lados, da emboscada surgiam as tropas do Governador Xú Róng, prontas para atacar.

48. Cáo Cāo, imerso em grande azáfama, fez-se montaria e fugiu. Sem saber, foi-se direto aonde Xú Róng o aguardava. Então, esquivou-se para outra direção, mas Xú Róng disparou uma flecha que o atingiu no ombro. Com a flecha ainda em sua ferida, fugiu Cáo Cāo a fim de sobreviver. Conforme passava por sobre uma colina, dois soldados, que lá o

estavam aguardando, surgiram repentinamente e feriram seu cavalo, o qual caiu e rolou sobre a relva. E, assim que desmontava de sua sela, foi ele capturado e feito prisioneiro.

49. Foi quando surgiu em galope ligeiro um cavaleiro e, brandindo sua espada, cortou ambos os captores e resgatou Cáo Cāo. Era Cáo Hóng o cavaleiro.

50. Cáo Cāo disse: “Estou condenado, meu bom irmão. Vai, e salva a ti!

51. “Meu senhor, monta em meu cavalo! Eu seguirei a pé!”, disse Cáo Hóng.

52. “E quê será de ti, caso aqueles miseráveis surjam?”, disse Cáo Cāo.

53. “O mundo pode ficar sem Cáo Hóng, mas não sem ti, meu senhor!”.

54. “Se sobreviver, a ti deverei minha vida!”, disse Cáo Cāo.

55. Então pôs-se ele à sela. Cáo Hóng arrancou sua armadura, empunhou sua espada e pôs-se a andar junto ao cavalo. Assim seguiram eles até a quarta vigília, quando viram, à sua frente, um amplo veio de água e, atrás de si, ainda escutavam dos perseguidores os brados cada vez mais próximos.

56. “É este o meu destino,”, disse Cáo Cāo, “estou mesmo condenado!”.

57. Cáo Hóng ajudou Cáo Cāo a desmontar de seu cavalo. Então, despindo-se de suas vestes de combate e de seu capacete, Cáo Hóng carregou o ferido em suas costas e seguiu pelo veio d’água. Assim que chegaram à outra margem, os perseguidores já haviam ganho acesso à margem oposta, de onde disparavam flechas.

58. Ensopado, prosseguiu Cáo Cāo. Aproximava-se a aurora. Seguiram eles por vários quilômetros, até que pararam para descansar ao sopé de um precipício. Repentinamente ouviram altos brados, e então um grupo de cavaleiros surgiu. Era o Governador Xú Róng, o qual havia cruzado o vau do rio. Foi neste momento que, de súbito, surgiram Xiàhóu Dūn e Xiàhóu Yuān com várias dúzias de homens.

59. “Não feri meu senhor!”, exclamou Xiàhóu Dūn a Xú Róng, o qual prontamente investiu contra ele.

60. Mas foi breve o combate. Xú Róng rapidamente caiu sob um golpe de lança de Xiàhóu Dūn, e suas tropas foram dispersadas. Em pouco tempo, chegaram os outros generais de Cáo Cāo. Tristeza e alegria entrelaçavam-se entre os cumprimentos. Eles reuniram as poucas centenas de soldados remanescentes e retornaram a Luòyáng.

61. Assim que os senhores aliados adentraram em Luòyáng, Sūn Jiān, após ter

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extinto todas as chamas, ergueu acampamento próximo às muralhas, tendo sua própria tenda sido montada próxima ao Templo Dinástico. Seu pessoal removeu os detritos e fechou as fendidas tumbas. Os portões foram barrados com travas. Ao lado do Templo Dinástico montaram eles um abrigo e, então, rogaram aos senhores que se reunissem e lá prestassem homenagens, sacrifícios e orações.

62. Finda a cerimônia, os demais partiram e Sūn Jiān retornou a seu acampamento. Naquela noite, competiam em brilho a lua e as estrelas. Sentando-se ao ar livre e a mirar os altos céus, percebeu ele uma névoa que se espalhava sobre as estrelas da Constelação do Dragão.

63. “A estrela do Imperador está esmaecida.”, disse Sūn Jiān, com um suspiro. “Eis que um ministro rebelde perturba o Estado, o Povo queda-se em poeira e cinzas e a Capital é feita em ruínas!”.

64. E suas lágrimas rolavam sobre seu rosto.

65. Então apontou ao sul um soldado, a dizer: “Há um facho de luz colorida vinda de um poço!”.

66. Sūn Jiān ordenou a seu pessoal que acendesse tochas e entrasse no poço. Logo trouxeram consigo o cadáver de uma mulher havia sido morta e estava lá há provavelmente algum tempo. Ela vestia roupas palacianas e, sobre seu pescoço, pendia um saquitel bordado. Ao abrirem-no, lá encontraram um pequeno baú vermelho de tranca dourada e, dentro dele, viram um quadrado selo de jade, com cerca de dez centímetros em cada um de seus lados. Sobre ele haviam sido delicadamente talhados cinco dragões entrelaçados. Um dos cantos estava partido, tendo sido consertado com ouro. Havia oito caracteres no estilo do entalhe de selo, os quais podiam ser assim interpretados:

67. Foi Pelos Céus O Mandato Agraciado:Que Tenha Ele Longevidade e Prosperidade.18

68. Sūn Jiān mostrou-o a seu conselheiro, o General Chéng Pŭ, que prontamente o reconheceu como sendo o Selo Hereditário Imperial, do próprio Imperador.

69. Chéng Pŭ disse: “Este selo tem história. Em tempos idos, Bian He viu uma fênix sentando-se sobre uma pedra ao sopé das montanhas Jing. Ele ofereceu a pedra à Corte. O Rei do Chu rachou a pedra em duas e, lá, encontrou uma gema de jade. Ao vigésimo sexto ano da Dinastia Qín19, um entalhador transformou-a em selo e Li Si, o Primeiro Ministro do Imperador, entalhou os caracteres.20 Dois anos depois, enquanto o Imperador

18 Do chinês, 受命于天 既寿永昌 . (N. do T.)19 221 a.C. (N. do T.)20 Bian He, descobridor da referida pedra, estava muito empolgado com sua descoberta e resolveu dá-la como

presente a seu regente, o rei Li de Chu; o rei, porém, não acreditando que a pedra continha a referida gema,

navegava pelo lago Dongting, achegou-se uma terrível tempestade. O Imperador arremessou o selo à água como oferenda, e a tempestade cessou imediatamente. Dez anos depois, enquanto o Imperador passava por Huaying, um ancião que ia próximo à estrada entregou o selo a um de seus serviçais, dizendo-lhe ‘É o selo agora restaurado ao Dragão Ancestral!’ e, então, desaparecendo no ar. Assim, a jóia retornou ao Qín.”

70. “No ano seguinte faleceu o Imperador. Mais adiante Zi Ying, o último Imperador do Qín e neto do falecido Imperador, presenteou o selo a Liú Bāng, o Supremo Ancestral, fundador da Dinastia Hàn. Duzentos anos depois, durante a rebelião de Wáng Măng , Lady Yuan, a mãe do Imperador, golpeou dois dos rebeldes, Wang Xun e Su Xian, com o selo, quebrando assim um de seus cantos, que foi consertado com ouro21. Liu Xiu, o Anterior Fundador do Hàn, tomou sua posse em Yiyang e, até os dias de hoje, conservou-se ele junto à Dinastia.“

71. “Ouvi dizer que este selo havia sido perdido durante a confusão no Palácio, quando os Dez Regulares Serviçais seqüestraram o Imperador. Foi dada sua falta logo ao retorno de Sua Majestade. Agora meu senhor o tem em vossas mãos, e isto certamente trará dignidade imperial. Mas vós não deveis permanecer aqui, a norte. Retornai a vosso lar ao sul do Grande Rio22, onde podeis conceber planos para a realização do grande desígnio.”

72. “Tuas palavras soam de acordo com meus pensamentos.”, disse Sūn Jiān. “Amanhã direi que não me sinto muito bem e, então, partirei.”.

73. Os soldados receberam ordens de guardar segredo sobre a descoberta. Mas entre eles havia um que era compatriota de Yuán Shào, daquela aliança o eleito líder. Pensou ele que tal informação poderia lhe ser de grande valia, então eis que se desviou de seu acampamento e traiu seu mestre. Ele foi ao acampamento de Yuán Shào, informou-o acerca do segredo e recebeu uma generosa recompensa. Yuán Shào manteve a informação em seu acampamento apenas.

74. No dia segunte preparava-se Sūn Jiān para partir, dizendo: “Minha saúde não está boa, e desejo retornar a Changsha.”.

75. Riu-se Yuán Shào, dizendo-lhe: “Sei de quê padeces: chama-se Selo Hereditário

ordenou que fosse amputada uma das pernas de Bian He, como punição por tentar enganar seu rei. Após a morte do rei Li, subiu o rei Wu ao trono e, mais uma vez, Bian He tentou presentear a pedra. O rei também não acreditou em Bian He, e ordenou que sua outra perna fosse amputada. Seu sucessor, o rei Wen, de Chu, acreditou nas palavras de Bian He e ordenou que se lapidasse a pedra, onde, para sua surpresa, encontraram um fragmento de jade branca sem igual; a jade foi lapidada em formato de disco e foi batizada, em homenagem a seu infeliz descobridor, de ‘Disco de Jade de He). (N. do T.)

21 Wáng Măng forçou a imperatriz a entregar-lhe o selo. A imperatriz, encolerizada, arremessou o selo ao chão, quebrando um de seus cantos, que foi mais tarde consertado com ouro pelo mesmo Wáng Măng. (N. do T.)

22 O rio Yangtze, ou Yángzĭ. (N. do T.)

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Imperial!”.

76. Aquele foi um choque para Sūn Jiān que, empalidecido, disse: “De onde vêm tais palavras?”.

77. Yuán Shào disse: “Os exércitos foram organizados com o propósito de trazer o bem ao Estado e remover de si toda a opressão. O selo é propriedade do Estado e, uma vez que o tens em tua posse, deves publicamente entregá-lo a mim, como líder. Tão logo for Dŏng Zhuō exterminado, deve ele retornar ao Governo. Quê pretendes, ao ocultá-lo e fugir-te com ele?”.

78. Como pode o selo estar em minha posse? “, disse Sūn Jiān.

79. “Onde está aquilo que foi tirado de dentro de um poço, próximo ao Salão dos Paradigmas?”.

80. “Eu não o tenho; por quê importunais a mim?”.

81. “Se não o tens, trata então de confeccioná-lo – ou serás severamente punido!”.

82. Apontou Sūn Jiān os céus e, como juramento solene, proclamou: “Caso esteja eu em posse de tal jóia, a ocultá-la, que seja infeliz meu fim e minha morte, violenta!”.

83. Os demais senhores disseram: “Com um juramento como este, julgamos que ele não deve tê-la consigo.”.

84. Então Yuán Shào chamou seu informante.

85. “Quando tu içastes aquele objeto de dentro do poço, estava este homem convosco?”, perguntou ele a Sūn Jiān.

86. A ira de Sūn Jiān tornou-se como fogo, fazendo-o saltar à frente com intuito de acabar com a vida daquele homem.

87. Yuán Shào sacou também sua espada, dizendo: “Se tocares neste soldado é contra mim um insulto que fazes!”.

88. De trás de Sūn Jiān, puseram-se à frente os generais Chéng Pŭ, Huáng Gài e Hán Dàng; atrás de Yuán Shào, os generais Yán Liáng e Wén Chŏu estavam prontos para agir. Por instantes, espadas deslizavam para fora de suas bainhas por todos os cantos. Mas a confusão foi aplacada graças aos esforços dos demais, e Sūn Jiān deixou a assembléia. Logo, desmontou acampamento e marchou em direção a sua terra.

89. Yuán Shào não ficou satisfeito. Ele escreveu uma mensagem à região de Jingzhou,

enviando a carta por mãos confiáveis, com ordens ao Protetor Imperial, Liú Biăo, para que detivesse Sūn Jiān e confiscasse seu selo.

90. Logo após este incidente chegaram as novas sobre a derrota e o infortúnio de Cáo Cāo e, assim que vinha ele de volta ao campo, Yuán Shào foi recebê-lo e conduzi-lo ao acampamento. Eles também prepararam um banquete para consolá-lo.

91. Durante o banquete disse, triste, Cáo Cāo: “Meu objetivo era o bem comum, e todos vós com nobreza me apoiastes. Meu plano era que Yuán Shào, com suas tropas de Henei, se aproximasse de Mengching, enquanto minha força em Qiao iria manter Chenggao e os demais dentre vós ocupariam Suanzao, a fim de fechar as passagens de Huanyuan e Daigu e, com isto, tomar posse e controle dos celeiros, de regiões estratégicas e, assim, manter seguro o Distrito da Capital. Planejava eu que Yuán Shù, com seu exército de Nányáng, ocupasse as províncias de Danshi e Xilin, passando pela passagem de Wu a fim de socorrer às três áreas de apoio. Todos teriam ordens de se manter alertas e não oferecer combate. A vantagem repousa sobre uma coalisão militar variada. Que poderia mostrar ao Império a possibilidade de lidar com os rebeldes. Poderíamos ter convencido as pessoas a se juntarem a nós contra Dŏng Zhuō. A vitória poderia ter sido nossa. Mas, então, surgiram dúvidas e faltaram atitudes; a confiança do povo foi perdida, e estou envergonhado.”.

92. Nenhuma resposta foi proferida, e todos se retiraram. Cáo Cāo percebeu que os demais não confiavam em si e, em seu coração, sabia que não havia nada que poderia ser feito. Então, guiou seus homens rumo à região de Yanzhou.

93. Gōngsūn Zàn disse então a Liú Bèi: “Yuán Shào é incapaz, e tudo será feito em caos. Melhor seria irmo-nos também.”.

94. Então, desmontaram acampamento e rumaram ao norte. Em Pingyuan, pôs-se Liú Bèi no comando e foi-se, a fim de fortalecer-se e fortificar seu próprio exército.

95. Liú Dài, o Protetor Imperial de Yanzhou, desejava ter emprestado grãos de Qiáo Mào, Governador de Dongjun. Tendo seu pedido negado, Liú Dài atacou o campo, acabou com a vida de Qiáo Mào e agregou seu exército a si. Yuán Shào, vendo a aliança desfazendo-se, marchou rumo ao leste.

96. A caminho de casa, passou Sūn Jiān pela região de Jingzhou. Liú Biăo, o Protetor Imperial de Jingzhou, era descendente da casa imperial e nativo de Shanyang. Enquanto jovem, fizera amizade com várias pessoas de renome e seus companheiros eram como ele chamados de Os Oito Sábios. Os outros sete chamavam-se:

97. 一. Chen Xiang, de Rŭnán二. Fan Pang, de Rŭnán

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三. Kong Yu, de Luting四. Fan Kang, de Bohai五. Tan Fu, de Shanyang六. Zhang Jian, de Shanyang七. Cen Zhi, de Nányáng

98. Liú Biăo era deles amigo. Ele tinha consigo três renomadas pessoas que o auxiliavam no governo daquela região. Eram eles Kuăi Liáng e Kuăi Yuè, de Yanping, e Cài Mào, de Xiangyang.

99. Tão logo chegou a carta de Yuán Shào, detalhando os atos falhos de Sūn Jiān, ordenou Liú Biăo a Kuăi Yuè e Cài Mào que, com dez mil soldados, barrasse a estrada. Assim que se aproximou Sūn Jiān, pôs-se a tropa em ordem de combate e puseram-se seus líderes à frente.

100. “Por quê barrais a estrada com tropas armadas?”, perguntou Sūn Jiān.

101. “Por quê tu, serviçal do Hàn, segregas o selo especial do Imperador? Deixa-o comigo agora, e podes seguir teu caminho.”.

102. Sūn Jiān, com grande ira, ordenou ao General Huáng Gài que se pusesse em combate. Pelo outro lado, cavalgou prontamente Cài Mào, de espada pronta para o golpe. Mas, após alguns golpes, aplicou Huáng Gài, com seu chicote, um firme golpe sobre o coração, protegido pela armadura, de Cài Mào. Cài Mào virou-se com seu cavalo e fugiu, com isto seguindo Sūn Jiān seu caminho.

103. Ouviu-se, porém, o alto e repentino som de gongos e tambores vindo de trás de uma colina, e lá estava Liú Biăo pessoalmente, comandando um grande exército.

104. Sūn Jiān cavalgou diretamente em sua direção e, fazendo longa reverência, falou: “Por quê vós, fiando-vos em uma carta de Yuán Shào, tentais coagir o líder de uma região vizinha à vossa?”.

105. “Vós escondestes a jóia do Estado, e quero que a restituais.”, foi a resposta de Liú Biăo.

106. “Caso a tenha comigo, que sofra eu então de morte violenta!”

107. “Se quiserdes que eu acredite em vós, deixai revistarmos vossos pertences.”.

108. “E que força tens tu para zombares assim de mim?”.

109. Apenas a retirada imediata de Liú Biăo evitou o iminente confronto. Sūn Jiān seguiu seu caminho Mas, por detrás de uma segunda colina revelou-se, repentinamente,

uma emboscada, e Kuăi Yuè e Cài Mào ainda estavam a persegui-lo. Sūn Jiān parecia estar completamente cercado.

110. Para quê detém o homem bela jóia do Estado,Se basta tê-la para haver conflito armado?

111. O modo como Sūn Jiān desvencilhou-se de suas dificuldades será em breve narrado.

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Capítulo VII

Yuán Shào Combate Gōngsūn Zàn Às Margens Do Rio Pan;Sūn Jiān Ataca Liú Biăo A Cruzar O Grande Rio

1. Sūn Jiān fora cercado, como visto no último capítulo. Porém, auxiliado por Chéng Pŭ, Huáng Gài e Hán Dàng, rompeu o cerco, perdendo cerca de mais da metade de suas tropas. Sūn Jiān retornou às Terras do Sul, os territórios a sudoeste do Grande Rio. Daquele dia em diante, seriam Sūn Jiān e Liú Biăo inimigos declarados.

2. Yuán Shào estava em Henei. Contando com poucos suprimentos, decidiu recorrer a Han Fu, Protetor Imperial de Jizhou, de quem obteve os vitais recursos para seu exército.

3. Então Peng Ji, um dos conselheiros de Yuán Shào, disse a ele: “Vós sois a força verdadeiramente mais forte por aqui. Por quê então dependerdes de outros para obterdes alimento? A região de Jizhou é vasta e rica. Por quê não ocupá-la?”

4. “Não tenho um bom plano.”, respondeu-lhe Yuán Shào.

5. Vós podeis enviar, em segredo, uma carta a Gōngsūn Zàn, solicitando a ele que realize um ataque. Han Fu, o Protetor Imperial de Jizhou, sendo incapaz, certamente pedirá a vós que tomeis sua região, e vós então a conquistaríeis sem erguer sequer um dedo.”.

6. Então a carta foi enviada. Assim que Gōngsūn Zàn viu ali a proposta de um ataque conjunto e uma futura partilha do território, concordou em oferecer seu apoio. Enquanto isso, Yuán Shào enviou um aviso a Han Fu, alertando-o sobre a ameaça de Gōngsūn Zàn. Han Fu procurou então conselho dos Conselheiros Xun Chang e Xīn Píng.

7. Xun Chang disse: “O Governador Gōngsūn Zàn de Beiping tem sob seu comando um grande e forte exército. Caso venha ele a atacar-nos, não teríamos esperança, especialmente se obtiver o apoio de Liú Bèi e seus irmãos. No momento é Yuán Shào mais valente que a maioria, e tem sob seu comando vários hábeis e famosos líderes. O melhor a fazerdes é pedir a ele que vos auxilie a administrar a região. Yuán Shào certamente vos tratará com generosidade, e não necessitaríeis temer Gōngsūn Zàn.”.

8. Han Fu concordou, e expediu uma mensagem a Yuán Shào pelas mãos de Guan Chun.

9. Mas o Comandante Cheng Wu protestou contra seu mestre, dizendo: “Yuán Shào é um homem cobiçoso com um exército faminto, e tão dependente a nós para existir quanto um infante nos braços de sua mãe. Cessai o afluxo de leite e o infante perece. Por quê deveis entregar a região a ele? Não é nada senão permitir um tigre em rebanho de ovelhas!”.

10. Han Fu respondeu: “Sou um dos colaboradores da família Yuán e conheço as

habilidades de Yuán Shào, que são por longe melhores que as minhas! Por quê és tão enciumado? Os antigos aconselhavam a complacência ao sábio.”

11. Cheng Wu suspirou: “Jizhou está perdida!”.

12. Quando as notícias se espalharam, mais de trinta oficiais de Jizhou deixaram seus cargos e a cidade. Cheng Wu e Guan Chun, porém, ocultaram-se nos subúrbios, a fim de aguardar a chegada de Yuán Shào.

13. Eles não esperaram por muito tempo. Alguns dias depois chegou Yuán Shào com seus soldados, e Cheng Wu e Guan Chun tentaram assassiná-lo com espadins. Esta tentativa foi falha. Os generais de Yuán Shào, Yán Liáng e Wén Chŏu, decapitaram Geng Wu e Guan Chun no mesmo instante. Com isto, ambos morreram e o objeto de seu ódio seguia Jizhou adentro.

14. O primeiro ato de Yuán Shào foi conferir a Han Fu um pomposo título - “General Que Demonstra Grandeza e Coragem de Vigor em Armas” -, mas a administração foi confiada a quatro dos mais leais a Yuán Shào – Tian Feng, Jŭ Shòu, Xŭ Yōu e Peng Ji -, os quais privaram o Protetor Imperial de todo seu poder. Cheio de desgosto, Han Fu logo abandonou tudo, até sua família, e cavalgou sozinho a fim de ter refúgio com o Governador de Chenliu, Zhāng Miăo.

15. Ao saber da invasão de Yuán Shào, Gōngsūn Zàn enviou seu irmão, Gōngsūn Yuè , a fim de encontrar o usurpador e demandar sua parcela da região.

16. “Quero ver teu irmão mais velho pessoalmente. Ele e eu temos assuntos a discutir.”, disse Yuán Shào.

17. Com isto, Gōngsūn Yuè foi enviado de volta, Mas, depois de ter percorrido mais de vinte quilômetros pela estrada a caminho de casa, viu surgir um grupo de soldados.

18. “Somos guardas do Primeiro Ministro Dŏng Zhuō!”, exclamaram os soldados.

19. No mesmo instante, Gōngsūn Yuè foi morto por uma chuva de flechas. Aqueles entre os seguidores de Gōngsūn Yuè que conseguiram escapar levaram as notícias ao irmão de seu antigo mestre.

20. Gōngsūn Zàn quedou-se em grande ira e disse: “Yuán Shào prevaleceu-se a mim a atacar, e agora tomou inteira posse! Também simula ele que os assassinos de meu irmão não eram dos seus! Não devo eu vingar a injúria de meu irmão?”

21. Gōngsūn Zàn empregou toda sua força para o ataque. Ao saber do movimento, Yuán Shào enviou seu exército e se encontraram às margens do rio Pan. Eles

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estavam de lados opostos do rio, por sobre o qual havia uma ponte.

22. Gōngsūn Zàn assentou-se de seu lado da ponte e bradou a seu inimigo: “Renegado, como ousas enganar-me?”.

23. Yuán Shào cavalgou ao outro lado da ponte e, apontando para Gōngsūn Zàn, respondeu: “Han Fu cedeu seu lugar por ser inadequado a reger! Quê isso a ti interessa?”.

24. Gōngsūn Zàn respondeu: “Antes, foste tido como leal e de espírito cívico, e o escolhemos chefe da aliança. Agora, teus feitos provam que teu comportamento é cruel, baixo e feito os instintos de um lobo! Como podes olhar o mundo pela face?”.

25. “Quem irá capturá-lo?”, bradou Yuán Shào, em fúria.

26. Prontamente, Wén Chŏu cavalgou com sua lança em punho. Gōngsūn Zàn cavalgou pela ponte em direção ao lado do inimigo, onde os dois travaram combate. Dez golpes trocados mostraram a Gōngsūn Zàn a temível força de Wén Chŏu, e então evadiu-se do embate. O inimigo avançou. Gōngsūn Zàn refugiou-se em sua formação, mas Wén Chŏu fez seu caminho adentro e cavalgou aqui e ali, matando pela esquerda e pela direita. Os quatro melhores generais de Gōngsūn Zàn realizaram ataques conjuntos, mas um deles caiu com o primeiro golpe do bravo guerreiro e os outros três fugiram. Wén Chŏu seguiu-os, alcançando a retaguarda das tropas. Gōngsūn Zàn rumou em direção às montanhas.

27. Wén Chŏu forçou seu cavalo ao mais rápido que podia correr, a exclamar roucamente: “Desce! Desmonta e te rende!”.

28. Gōngsūn Zàn fugiu, temendo por sua vida. Seu arco e sua aljava escaparam de seus ombros, seu capacete caiu pelo caminho e seus cabelos fluíam velozmente atrás de si, conforme cavalgava ele para dentro e para fora dos aclives e declives das colinas. Então seu corcel tropeçou e ele foi arremessado, rolando e rolando até o sopé do declive.

29. Wén Chŏu estava agora muito próximo, e posicionava sua lança para a investida. Então, repentinamente, surge de um abrigo de um pequeno monte à sua esquerda um general de aspecto juvenil, mas bravamente assentado em seu corcel e a portar uma rija lança. Ele cavalgou em direção a Wén Chŏu, e Gōngsūn Zàn escalou a colina a fim de ver o que se passava.

30. O novo guerreiro era de estatura média e sobrancelhas fartas, olhos grandes, rosto amplo e forte maxilar, sendo jovem de imponente presença. Os dois trocaram cerca de cinquenta golpes, e até então nenhum obtivera vantagem sobre o outro. Chegou, então, a força de apoio de Gōngsūn Zàn e Wén Chŏu virou-se e cavalgou de volta aos seus. O guerreiro não o perseguiu.

31. Gōngsūn Zàn apressou-se colina abaixo e perguntou ao jovem quem era.

32. Prestou ele longa reverência e respondeu: “Meu nome é Zhào Yún, de Changshan. Servi a Yuán Shào; mas, ao ver que era ele desleal a seu Príncipe e sem zelo para com o povo, deixei-o e seguia a seu encontro, a fim de vos oferecer meus préstimos. Nosso encontro em tal local foi-me de todo inesperado.”.

33. Gōngsūn Zàn ficou muito satisfeito e juntos voltaram os dois ao campo, onde prontamente ocuparam-se com as preparações para um novo embate.

34. No dia seguinte, Gōngsūn Zàn se preparou para o combate com a divisão de seu exército em duas alas. Ele organizou cinco mil cavaleiros ao centro, todos montados em cavalos brancos. Gōngsūn Zàn, em outros tempos, realizara préstimos contra as tribos fronteiriças do norte, dos povos de Qiang, onde sempre posicionava seus cavalos brancos à frente de seu exército e, por isto, era conhecido por General Comandante De Cavalos Brancos. As tribos o temiam a ponto de sempre fugirem tão-logo os corcéis brancos, suas criaturas sagradas, eram avistados.

35. Pelo lado de Yuán Shào eram Yán Liáng e Wén Chŏu os Líderes da Frente. Cada um contava com mil besteiros e arqueiros. Metade deles foi posicionada em cada um dos lados, sendo que aqueles à esquerda estavam incumbidos de alvejar Gōngsūn Zàn por sua direita e os do lado direito, por sua esquerda. Ao centro estava Qū Yì, com cerca de oitocentos besteiros e dez mil soldados e cavaleiros. Yuán Shào comandava a força de reserva, pela retaguarda.

36. Em tal luta, Gōngsūn Zàn empregou seu mais novo oficial pela primeria vez e, por ainda não estar certo acerca da boa-fé de Zhào Yún, deixou-o com o comando de uma força pela retaguarda. O Líder da Frente era Yán Gāng, sendo o próprio Gōngsūn Zàn comandante à frente. Ele tomou assento sobre seu cavalo à ponte, tendo a seu lado um enorme estandarte vermelho onde se viam os dizeres General Comandante em bordados de ouro.

37. Do nascer ao pôr do sol rufaram os tambores que incitavam à batalha, mas fez Yuán Shào movimento algum. Qū Yì ordenou a seus arqueiros que se ocultassem sob seus escudos. Eles escutaram o rugido de explosões, o zumbido de flechas e o rufar dos tambores conforme Yán Gāng se aproximava pelo outro lado, mas Qū Yì e seus homens permaneceram mais acercados que nunca e não se dispersaram. Eles aguardaram até que Yán Gāng estivesse próximo de si e então, ao tomar o ar o estampido de bombas, todos os seus oitocentos homens fizeram suas flechas, como uma imensa nuvem, voarem pelos ares. Yán Gāng chegou a recuar e haveria de se retirar da batalha, mas em fúria cavalgou Qū Yì em sua direção, brandiu sua espada e o abateu.

38. Então perdeu Gōngsūn Zàn aquela batalha. As duas alas que deveriam vir em seu auxílio foram mantidas afastadas pelos arqueiros sob comando de Yán Liáng e

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Wén Chŏu. As tropas de Yuán Shào avançaram em direção à ponte. Então cavalgou Qū Yì à frente, abateu o portador do estandarte e os demais que ali estavam. Ao ver isto, Gōngsūn Zàn virou sua montaria e galopou em retirada.

39. Qū Yì o perseguiu. Mas, logo que havia alcançado o fugitivo, surgiu à frente então Zhào Yún, o qual cavalgou sem se demorar em direção a ele com sua lança pronta para o ataque. Após trocarem alguns golpes, caiu por terra Qū Yì. Zhào Yún então atacou os soldados e inverteu a situação. A avançar ora nesta, ora naquela direção, seguia como se não houvesse ali oponente algum e, ao ver isto, virou-se Gōngsūn Zàn e voltou novamente ao combate. A derradeira vitória estava a seu lado.

40. De seus batedores, enviados a fim de saber como seguia a batalha, soube Yuán Shào acerca das boas novas sobre a vitória obtida por Qū Yì sobre os portadores do estandarte, a captura da bandeira e a perseguição que empreendera. Yuán Shào então deixou para trás sua cautela e cavalgou à frente em companhia de Tian Feng e alguns guardas, a fim de observar o inimigo e deleitar-se sobre sua vitória.

41. “Ha ha!”, riu-se Yuán Shào. “É Gōngsūn Zàn um incapaz!”.

42. Mas, tão-logo dissera Yuán Shào tais palavras, viu ele à frente o ousado Zhào Yún. Seus guardas apressaram-se em preparar seus arcos; mas, antes que sequer pudessem lançar seus projéteis, estava Zhào Yún em meio a eles e seus homens pereciam por onde quer que passasse. Os outros fugiram. O exército de Gōngsūn Zàn, então, reuniu-se e investiu contra Yuán Shào.

43. Tian Feng disse então a seu mestre: “Senhor, refugiai-vos nesta construção vazia!”.

44. Mas Yuán Shào arremessou seu elmo ao chão, exclamando: “Aquele com bravura prefere encarar a morte em campo de batalha a buscar segurança por detrás de muros!”.

45. Tal valente discurso deu nova coragem a seus soldados, que agora combatiam com ferocidade e obtinham tantos sucessos que Zhào Yún não mais conseguia avançar. Yuán Shào logo recebeu reforços com a chegada de seu exército principal, e Yán Liáng e os dois exércitos urgiram à frente. Zhào Yún teve tempo apenas de pôr seu mestre a salvo da turba. Então combateram contra os inimigos, voltando rumo à ponte. Mas as tropas de Yuán Shào ainda avançavam e abriam caminho em direção à ponte, com isto a forçar uma multidão de seus oponentes rio adentro, onde muitos se afogaram.

46. Yuán Shào liderava as tropas pessoalmente, e avançavam sem cessar. Mas, a não mais de três quilômetros de distância, logo foi ouvido alto bradar, de onde então, repentinamente, surgiram grandes massas de tropas lideradas por Liú Bèi, Guān Yŭ e Zhāng Fēi.

47. Em Pingyuan souberam eles acerca do duelo entre seu protetor e seu inimigo, Yuán

Shào, e prontamente seguiram em seu auxílio. Agora os três cavaleiros, cada um deles com suas valorosas armas, urgiram diretamente em direção a Yuán Shào, que estava tão tomado pelo medo que sua alma parecia deixar seu corpo e ascender além dos confins dos Céus.

48. Sua espada esvaiu-se de suas mãos e ele fugiu por sua vida. Ele foi perseguido para além da ponte, onde Gōngsūn Zàn chamou por seu exército e retornaram ao campo.

49. Após trocarem cumprimentos, Gōngsūn Zàn disse: “Não tivésseis vindo a fim de ajudar-nos, estaríamos em situação muito ruim.”.

50. Liú Bèi e Zhào Yún trocaram cumprimentos e, naquele mesmo instante, uma calorosa afeição surgiu entre ambos, como se sempre estivessem eles unidos.

51. Yuán Shào perdera aquela batalha e Gōngsūn Zàn não iria arriscar-se em outra. Eles reforçaram suas defesas e seus exércitos permanceram inativos por mais de um mês. Enquanto isso, as notícias do combate chegaram à capital Changan e aos ouvidos de Dŏng Zhuō.

52. Lĭ Rú, seu conselheiro, achegou-se de seu mestre e disse a ele: “Os dois ativos líderes de agora são Yuán Shào e Gōngsūn Zàn, que estão em embate próximo ao rio Pan. Finge que tens comando imperial com o propósito de selar a paz entre ambos, e ambos te apoiarão em gratidão por tua intervenção. “.

53. “Perfeito!”, disse Dŏng Zhuō.

54. Ele então enviou Ma Midi, Guardião Imperial, e Zhao Qi, Administrador da Corte, com o objetivo de empreender tal missão. Tão logo chegaram eles próximos ao norte do Rio Amarelo, enviou Yuán Shào comitiva de recepção a cinquenta quilômetros de seus alojamentos e recebeu o comando imperial com o maior dos respeitos. Os dois oficiais então rumaram em direção ao acampamento de Gōngsūn Zàn e a ele apresentaram o motivo de sua vinda. Gōngsūn Zàn enviou então cartas a seu oponente, propondo trégua. Os dois emissários retornaram à capital, a fim de relatarem seu dever cumprido. Gōngsūn Zàn retirou seu exército do campo. Ele também enviou um memorial com grandes elogios a Liú Bèi, que ascendeu ao cargo de Governador de Pingyuan.

55. Foi afetuosa a despedida de Liú Bèi e Zhào Yún. Seguraram eles suas mãos por longo tempo, seus olhos vertendo-se em lágrimas, e não conseguiam separar-se.

56. Zhào Yún disse, a soluçar: “Pensava antes ser Gōngsūn Zàn um verdadeiro herói, mas agora vejo que não difere ele de Yuán Shào. São ambos iguais entre iguais.”.

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57. “Mas agora estais a seu serviço. Certamente nos encontraremos novamente.”, disse Liú Bèi.

58. Choraram ambos os homens ao se separarem.

59. Yuán Shù, em Nányáng, ao saber que seu irmão havia chegado a Jizhou, enviou mensageiro a ele solicitando mil cavalos. O pedido foi negado, e a inimizade surgiu entre os irmãos. Yuán Shù também enviou emissários a Jingzhou a fim de pedir grãos, mas Liú Biăo, o Protetor Imperial, não os enviou. Em seu ressentimento, Yuán Shù escreveu a Sūn Jiān, Governador de Changsha, com o intento de convencê-lo a atacar Liú Biăo. Dizia a carta:

60. “Quando Liú Biăo vos deteve em vosso caminho rumo a vosso lar, foi isto por meu irmão o haver instigado a tal feita. Agora os mesmos planejam atacar seus territórios nas Terras do Sul, portanto é melhor investirdes contra Liú Biăo. Capturarei meu irmão para vos ajudar, e ambos os ressentimentos serão com isto aplacados. Vós tereis Jingzhou e eu, Jizhou.”.

61. “Não tolero Liú Biăo.”, disse Sūn Jiān, tão logo acabara de ler esta carta. “Ele certamente dificultou meu caminho rumo à minha terra, e certamente haverei de esperar por muitos anos para vingar-me, caso não aproveite esta oportunidade!”.

62. Ele reuniu em conselho seus oficiais.

63. “Melhor que não vos fieis em Yuán Shù. É ele por demais falaz.”, disse Chéng Pŭ.

64. “Quero vingança. Quê importa a mim o auxílio dele?”, disse Sūn Jiān.

65. Ele ordenou a Huáng Gài que preparasse uma frota naval, tropas e suas provisões. Grandes naus de guerra receberam vários cavalos a bordo. A força logo foi posta a caminho.

66. Chegaram a Liú Biăo as notícias acerca destes preparativos, e ele prontamente convocou seus conselheiros e comandantes.

67. Kuăi Liáng aconselhou a ele que se desprendesse de sua ansiedade, dizendo: “Deixai o General Huáng Zŭ à frente do exército de Jiangxia pronto para o primeiro ataque e vós, Senhor, dai a ele apoio com as forças de Xiangyang. Que venha Sūn Jiān a cavalgar pelos rios e estribar pelos lagos: que força sobrará a ele após aqui chegar?”.

68. Então Liú Biăo ordenou a Huáng Zŭ que estivesse preparado para marchar, e um grande exército foi reunido.

69. Deve-se aqui dizer que tinha Sūn Jiān quatro filhos, sendo sua esposa da família Wu. Seus nomes eram, em ordem, Sūn Cè, Sūn Quán, Sūn Yi e Sūn Kuāng. Sūn Jiān teve uma segunda esposa, irmã de sua primeira. E sua segunda esposa deu a ele um filho e uma filha, sendo eles Sūn Lăng e Sun Ren, respectivamente. Sūn Jiān também adotara um filho da família Yu, e dera a ele o nome de Sun Hu. E ainda tinha um irmão mais novo, de nome Sūn Jìng.

70. Assim que estava Sūn Jiān prestes a partir com sua expedição, seu irmão Sūn Jìng, acompanhado por seus seis filhos, deteve-se à frente de sua montaria e tentou dissuadi-lo, dizendo: “Dŏng Zhuō é o real governante do Estado por ser o Imperador fraco em seu mando. O país inteiro está em rebelião, todos estão sedentos por território. Nossa área é comparativamente pacífica, e é errado começar uma guerra movida meramente por um ressentimento menor. Rogo a ti, irmão, pensa antes de partir.”.

71. Sūn Jiān respondeu: “Irmão, diz nada mais. Desejo fazer sentida minha força pelo império, e não devo vingar aquilo que causou dano a mim?”.

72. Então, pai, deixa-me acompanhar-te.”, disse Sūn Cè, o filho mais velho.

73. O pedido foi aceito, e pai e filho embarcaram a fim de devastar a cidade de Fankou.

74. Huáng Zŭ havia posicionado arqueiros e besteiros pela margem do rio. Tão logo achegaram-se as naus, uma rajada de flechas foi de encontro a elas. Sūn Jiān ordenou às suas tropas que permanecessem sob a cobertura de suas embarcações, com as quais então navegaram para um lado e para outro, evadindo-se dos ataques por três dias. Por várias vezes as naus fingiam a pretensão de aportar, o que fazia com que chuvas de flechas voassem da margem. Finalmente acabaram-se as flechas dos defensores e Sūn Jiān, que as havia recolhido, constatou que havia milhares delas consigo. Então, com o vento propício, as tropas de Sūn Jiān dispararam-nas de volta ao inimigo. Aqueles que estavam próximos à margem foram postos em grande desordem e fugiram. O exército, então, aportou. Duas divisões, lideradas por Chéng Pŭ e Huáng Gài, rumaram em direção ao acampamento de Huáng Zŭ por estradas diferentes e, entre elas, marchava Hán Dàng. Sob este ataque triplo a situação de Huáng Zŭ não estava boa. Ele deixou Fankou e apressou-se rumo a Dengcheng.

75. Deixando as naus sob comando de Huáng Gài, Sūn Jiān liderou a força de ataque. Huáng Zŭ saiu da cidade e engajou-se em batalha pelo campo aberto. Assim que havia Sūn Jiān dispersado seu exército, cavalgou ele à frente. Sūn Cè, cingido em sua armadura, tomou lugar ao lado de seu pai.

76. Huáng Zŭ cavalgou com dois generais – Zhang Hui, de Jiangxia e Cheng Sheng,

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de Xiangyang.

77. Brandindo seu látego, provocou Huáng Zŭ seu inimigo: “Oh vós, rebeldes do sul! Por quê invadis as terras de um sábio da Casa Regente?”.

78. Zhang Hui o desafiou para um combate, e Hán Dàng o aceitou. Os dois campeões trocaram cerca de trinta golpes, e então Cheng Sheng, ao ver exaurindo-se a energia de seu companheiro general, cavalgou em seu auxílio. Sūn Jiān viu Cheng Sheng aproximar-se, pôs de lado sua lança, preparou seu arco e atirou uma flecha que feriu o rosto de Cheng Sheng. Ele caiu de seu cavalo. O pânico tomou Zhang Hui ao ver a queda de seu companheiro, e não mais podia defender-se. Então Han Dang, com um golpe certeiro de sua espada, partiu o crânio de Zhang Hui em duas partes.

79. Ambos derrotados, galopou Chéng Pŭ a fim de fazer Huáng Zŭ seu prisioneiro, o qual arremessou seu elmo ao longe, desmontou de seu corcel e fugiu entre suas tropas em busca de segurança. Sūn Jiān liderou o ataque e levou o inimigo ao rio Hàn, onde ordenou a Huáng Gài que navegasse com suas naus rio acima e lá as amarrasse.

80. Huáng Gài liderou suas tropas derrotadas de volta à cidade e disse a Liú Biăo: “Sūn Jiān foi por demais forte contra meu exército!”.

81. Foi solicitado conselho de Kuăi Liáng, e ele disse: “Nossos soldados recém-derrotados não têm espírito para combater agora. Precisamos portanto fortificarmo-nos em nossa posição, enquanto procuramos auxílio de Yuán Shào. Então poderemos nos desenredar desta feita.”.

82. “Um estúpido movimento!”, disse Cài Mào. “O inimigo está aos portões da cidade: devemos cruzar nossos braços e esperar sermos massacrados? Dai-me tropas e irei ao combate até o derradeiro fim!”.

83. Então Cài Mào recebeu o comando de dez mil tropas e seguiu rumo às colinas de Xian, onde traçou sua linha de batalha. Sūn Jiān liderou os invasores, agora corados pelo sucesso.

84. Assim que se aproximou Cài Mào, lançou Sūn Jiān longo olhar sobre ele e disse: “É ele o cunhado de Liú Biăo. Quem irá capturá-lo?”.

85. Chéng Pŭ preparou sua lança de ferro e partiu à frente. Após alguns golpes, virou-se Cài Mào e fugiu. O exército de Sūn Jiān seguiu à frente e abateu os inimigos até que o campo estivesse repleto de corpos, e Cài Mào recuou e refugiou-se em Xiangyang.

86. Kuăi Liáng disse: “Cài Mào deve ser posto à morte por lei marcial! Esta derrota foi devido à sua obstinação.”.

87. Mas Liú Biăo não desejava punir o irmão de sua esposa.

88. Sūn Jiān cercou Xiangyang e diariamente investia contra as muralhas. Certo dia um forte vendaval tomava os ares, e o bastão que sustentava seu estandarte foi partido.

89. “Muito infausto!”, disse Hang Dang. “Devemos voltar.”.

90. Sūn Jiān disse: “Venci cada batalha que enfrentei e a cidade está a ponto de ceder. Devo eu retornar por conta de um vento que partiu a vara de uma bandeira?”.

91. Ele ignorou o conselho e atacou as muralhas ainda mais vigorosamente.

92. Na cidade, os defensores vislumbraram um presságio.

93. Kuăi Liáng disse a Liú Biăo: “Na noite passada, vi uma grande estrela que se fazia cadente pela parte dos céus que corresponde ao território de Sūn Jiān. Calculo que isto signifique a queda de Sūn Jiān.”.

94. Então Kuăi Liáng aconselhou a Liú Biăo que buscasse auxílio de Yuán Shào tão logo quanto possível.

95. Então escreveu-lhe Liú Biăo. Ele então quis saber quem estaria disposto a fazer seu caminho pelo bloqueio afora, a fim de entregar a carta a Yuán Shào. Um certo Lǚ Gōng, guerreiro de grande força, ofereceu a ele seus préstimos.

96. Kuăi Liáng disse: “Caso aceites esta tarefa, escuta meu conselho. Terás quinhentos soldados: escolhe bons arqueiros. Passa pela formação do inimigo e faz teu caminho até as colinas de Xian. Serás perseguindo, mas envia cem soldados colina acima a fim de posicionarem grandes pedras, e deixa cem arqueiros em emboscada floresta adentro. Estes não devem fugir dos que os perseguem, mas sim guiá-los por caminhos tortuosos rumo ao local onde as rochas foram posicionadas. Estas rochas serão roladas colina abaixo, e as flechas serão disparadas. Caso tenhas êxito, atira várias bombas como sinal, e os exércitos da cidade irão em teu auxílio. Caso não sejas seguido, então foge o mais rápido que puderes. Esta noite será perfeita, uma vez que a lua não se faz muito clara. Começa ao anoitecer.”.

97. Recebidas as recomendações, preparou Lǚ Gōng seu exército a fim de as pôr em prática. Tão logo o dia iniciava seu ocaso, rumou ele em silêncio a caminho dos Portões do Leste.

98. Sūn Jiān estava em seus alojamentos quando ouviu brados, e a ele então surgiu um soldado, a dizer: “Há um grupo de cavaleiros saindo da cidade!”.

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99. Sūn Jiān prontamente montou em seu cavalo e cavalgou com trinta cavaleiros a fim de descobrir quê pretendiam. As tropas de Lǚ Gōng já haviam se ocultado pelo denso bosque. Sūn Jiān cavalgou à frente de sua escolta, e logo encontrou-se sozinho e próximo do inimigo. Ele ordenou à sua tropa que aguardasse. Lǚ Gōng prontamente virou-se e pôs-se à frente, como se estivesse a iniciar o combate. Mas trocaram eles apenas um golpe quando novamente fugiu Lǚ Gōng, tomando o caminho entre as colinas. Sūn Jiān o seguiu, mas logo perdeu o inimigo de vista.

100. Sūn Jiān contornou a colina. Soaram então os gongos e, colina abaixo, seguiam-se chuvas de pedras, enquanto, dentre as árvores, flechas voavam em nuvens. Sūn Jiān foi atingido por diversas flechas e uma enorme pedra atingiu sua cabeça. Ele e sua montaria foram ambos mortos. Sūn Jiān contava com apenas trinta e sete anos no momento de sua morte.

101. Sua escolta foi subjugada e, dela, todos os homens foram mortos. Lǚ Gōng então detonou uma série de bombas, sinal de seu sucesso, conforme combinado. Com tal sinal, Huáng Zŭ, Kuăi Yuè e Cài Mào lideraram três exércitos para fora da cidade e rumaram em direção às tropas das Terras do Sul, deixando-as na maior das confusões que poderia haver.

102. Assim que Huáng Gài ouviu os sons da batalha, liderou suas tropas para fora das naus. Ele encontrou Huáng Zŭ e o tomou como prisioneiro após breve embate.

103. Chéng Pŭ pôs-se a caminho de Sūn Cè a fim de lhe contar as tristes novas. Tão logo saiu de onde estava, cruzou com Lǚ Gōng. Chéng Pŭ prontamente galopou com seu cavalo em grande velocidade e achegou-se dele. Após alguns golpes caiu Lǚ Gōng com um golpe de lança. A batalha então tornou-se caótica e continuou até o raiar do dia, quando ambos recuaram com seus exército. Liú Biăo retornou à cidade.

104. Assim que retornou Sūn Cè ao rio, soube que seu pai havia perecido durante o combate e seu corpo, carregado para dentro das muralhas. Ele caiu em grande pranto, e seu exército juntou-se a ele em lamentos e lágrimas.

105. Como posso eu retornar, a deixar o corpo de meu pai entre eles?”, exclamou Sūn Cè.

106. Huáng Gài disse: “Temos Huáng Zŭ como prisioneiro. Permiti a entrada de um dos nossos à cidade a fim de dialogarmos a paz, trocando nosso prisioneiro pelo corpo de nosso senhor.”.

107. Mal havia ele terminado seu discurso quando Huán Jiē, um dos oficiais das tropas, ofereceu-se como mensageiro, dizendo: “Sou um antigo amigo de Liú Biăo. Ofereço-me para esta missão.”.

108. Sūn Cè concordou. Então Huán Jiē para lá seguiu e a paz foi discutida.

109. Liú Biăo disse a Huán Jiē: “O corpo já está dentro de um ataúde e pronto para ser entregue, tão-logo Huáng Zŭ retorne. Cessemos ambos esta luta e nunca mais invadamos os territórios uns dos outros.”.

110. Huán Jiē agradeceu e retirou-se.

111. Mas, assim que Huán Jiē desceu os degraus, repentinamente surgiu Kuăi Liáng salão adentro, dizendo: “Não, não! Deixai-me falar e mostrar-vos-ei que sequer um inimigo pode sobreviver. Rogo a vós que antes deixai este homem à morte, e então empregai meus meios.”.

112. Seguindo o inimigo, Sūn Jiān é assassinado;Em pacífica missão, Huán Jiē é ameaçado.

113. O destino do mensageiro será revelado em próximos capítulos.

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Capítulo VIII

Wáng Yŭn Prepara o Plano Em Cadeia;Dŏng Zhuō Adentra Em Fúria O Pavilhão Da Fênix

1. Foi isto o que disse Kuăi Liáng: “Sūn Jiān agora se foi, e seus filhos são jovens apenas. Aproveitai este momento de fraqueza e invadi as Terras do Sul, e estará ela sob vosso comando com o soar de um tambor apenas. Caso devolverdes o corpo e selardes a paz, daríeis a eles tempo para que cresçam em poder, e o mal se abaterá sobre Jingzhou.”.

2. “Como posso eu deixar Huáng Zŭ em suas mãos?”, disse Liú Biăo.

3. “Por quê não sacrificar um guerreiro imprudente por toda uma região?”

4. “Mas é ele meu caro amigo, e errado é abandoná-lo.”.

5. Então foi permitido que Huán Jiē retornasse aos seus, com o entendimento que o corpo de Sūn Jiān fosse dado como troca. Sūn Cè libertou seu prisioneiro, trouxe para si o ataúde de seu pai e as lutas cessaram. Sūn Jiān foi enterrado nas planícies de Que. Terminadas as cerimônias, Sūn Cè guiou suas tropas de volta às suas terras.

6. Em Changsha, um dos territórios a sul do Grande Rio, Sūn Cè impôs a si a tarefa de reger bem. Por ser humilde e generoso, tinha a seu lado homens de sabedoria e valor, a estarem todos os melhores e mais bravos do país consigo reunidos.

7. Enquanto isso Dŏng Zhuō, na capital Changan, ao saber da morte do turbulento Sūn Jiān, disse: “Um mal que pressionava meu coração foi removido!”.

8. Ele perguntou que crianças deixara Sūn Jiān e, quando lhe disseram que o mais velho deles contava com apenas dezessete anos, libertou de seu pensamento toda a ansiedade.

9. Deste momento em diante, sua arrogância e espírito de dominação tornaram-se cada vez piores. Ele tratava a si por “Reitor Imperial”, um nome repleto de honra, e tudo em seu comportamento replicava o estado imperial. Ele tornou seu irmão Senhor de Huazhou e o nomeou Comandante do Exército Esquerdo. Um sobrinho seu, Dong Huang, foi feito Conselheiro da Corte e nomeado comandante da Guarda do Palácio e todos de seu clã, jovens ou velhos, eram enobrecidos. A cerca de doze quilômetros da capital, Dŏng Zhuō ordenou a construção de uma cidade chamada Meiwo, uma réplica exata da cidade de Changan e de seus palácios, seus celeiros, seu tesouro e seus paióis, e lá empregou um quarto de milhão de pessoas a fim de construi-la. Lá, acumulou suprimentos suficientes para vinte anos. Ele selecionou oitocentas das mais belas jovens e as enviou a fim de viverem em sua nova cidade. As somas em riquezas sob todas as formas eram incalculáveis. Toda sua família e seus colaboradores encontraram alojamentos nesta

cidade.

10. Dŏng Zhuō visitava a cidade em intervalos de cerca de um mês e todas as suas visitas seguiam como fossem imperiais, com postos pelas laterais da estrada a fim de oferecerem conforto aos oficiais e membros da Corte que o recebiam próximo aos Portões Reais, a noroeste.

11. Em certa ocasião, Dŏng Zhuō ofereceu um grande banquete a todos aqueles que lá se reuniam para ver sua partida; enquanto este ocorria, surgiu um grande grupo de rebeldes do norte que voluntariamente rendia-se. Dŏng Zhuō fez com que fossem levados até ele conforme sentava-se à mesa e aplicou sobre eles crueldades sem justificativa alguma. As mãos de uns foram arrancadas e, de outros, seus pés; um deles teve seus olhos arrancados; um outro, perdeu sua língua. Alguns foram queimados até a morte. Gritos de agonía ascendiam aos altos Céus, e os membros da Corte desmaiavam em terror. Mas o autor de tal miséria comia e bebia, conversava e sorria como se nada estivesse a ocorrer.

12. Certo dia estava Dŏng Zhuō a presidir uma grande reunião de oficiais, os quais estavam dispostos em duas grandes fileiras. Após ter ido e vindo por eles o calor do vinho, Lǚ Bù lá entrou e sussurrou algo no ouvido de seu mestre.

13. Dŏng Zhuō sorriu e disse: “Ah!, eu o sabia! Levai o Ministro dos Trabalhos Zhang Wan para fora!”.

14. Todos os outros empalideceram. Pouco tempo depois, um serviçal trouxe sua cabeça sobre uma bandeja vermelha e a mostrou a seu anfitrião. Eles quase morreram de pavor.

15. “Não temei.”, disse Dŏng Zhuō, a sorrir. “O ministro Zhang Wan estava em conluio com Yuán Shù a fim de assassinar-me. Vós senhores, que motivo algum tendes, não necessitais temer.”.

16. Os oficiais apressaram-se a dispersar. Um deles ,Wáng Yŭn, Ministro do Interior, que testemunhara tudo aquilo, retornou a seu palácio muito aflito e pensativo. Na mesma noite, uma noite iluminada pelo brilho claro da lua, apossou-se ele de seu cajado e pôs-se a caminhar pelos jardins particulares de sua casa. Próximo a uma das treliças de trepadeiras, mirou profundamente os céus e suas lágrimas rolavam por seu rosto. Repentinamente, ouviu sussurros vindos do Pavilhão das Peônias e alguém a suspirar profundamente. Sem fazer-se percebido, aproximou-se e lá viu uma das criadas cantarinas23 da casa, de nome Diāo Chán. A jovem foi levada a seu palácio,

23 “Criadas cantarinas”: criadas, geralmente dotadas de beleza e dotes artísticos, que cantavam em casas de chá e em certos tipos de comércios, além de também entreterem as famílias e os senhores mais abastados da região. (N. do T.).

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onde foi ensinada a cantar e a dançar. À época em que era bela jovem24, era ela graciosa e esperta, a qual Wáng Yŭn respeitava mais como filha do que como criada.

18. Após ouvi-la por certo tempo, surgiu Wáng Yŭn à sua frente, a dizer: “Quê estás aprontando aí, garota travessa?”.

19. Aterrorizada, a jovem prostrou-se de joelhos, a dizer: “Ousaria vossa indigna camareira fazer algo de errado?”.

20. “Então pelo quê suspiras aqui, na escuridão?”

21. “Pode vossa criada falar do fundo de seu coração?”

22. “Diz-me toda a verdade. Não oculta nada.”

23. E a garota disse: “Vossa criada tem sido agraciada pela mais abundante gentileza. Ela foi ensinada a cantar e a dançar e foi tratada com tanta gentileza que, mesmo que fosse partida em pedaços pelo bem de seu senhor, não pagaria com isto sequer a milésima parte do que recebera. Ultimamente, percebeu ela que as sobrancelhas de seu senhor franziam de preocupação, e sabia que isto era devido a problemas de Estado. Mas ela não vos ousaria perguntar. Nesta tarde parecia ele mais triste do que nunca estivera, e sentia-se ela miserável por conta do estado de seu senhor. Mas ela não sabia que seria vista. Caso seja de valia, não se curvaria ela perante uma miríade de mortes.”.

24. Uma ideia repentinamente ocorreu a Wáng Yŭn, e bateu no chão com seu cajado. E ele disse: “Quem pensaria que o futuro do Hàn está sobre tuas mãos? Vem comigo!”.

25. A garota o seguiu casa adentro. Lá, dispensou ele todos os criados, fez com que Diāo Chán tomasse assento e curvou-se à sua frente. Ela estava assustada e prostrou-se ao chão, a perguntar em terror quê significava aquilo.

26. Disse Wáng Yŭn: “Podes compadecer-te com o povo do Hàn!”.

27. E a fonte de suas lágrimas verteu-se novamente.

28. “Meu senhor, como disse vossa criada há pouco, usai-a para quê quiserdes. Vossa criada jamais se curvará.”, disse a jovem.

29. Wáng Yŭn ajoelhou-se, a dizer: “O povo está à beira da destruição, o Príncipe e seus oficiais estão em risco e tu!, tu és a única salvação. O miserável Dŏng Zhuō deseja depor o Imperador, e ninguém dentre nós encontra meios de detê-lo. Agora tem ele um filho, em

24 A tradução de Moss Robert traz sua idade como sendo dezesseis; a de C. H. Brewitt-Taylor, como sendo

vinte e um. O original traz 年方二八 , “acabara de completar 16 anos”. Optou-se, portanto, por manter o sentido de que, à época, já atingira ela certo grau de desenvoltura e amadurecimento. (N. do T.)

verdade é ele bravo guerreiro; ambos pai e filho, porém, têm grande fraqueza à beleza, e empreenderei o que posso chamar de ‘plano em cadeia’. Primeiro, propor-te-ei em casamento a Lǚ Bù; após noivardes, presentear-te-ei a Dŏng Zhuō e tu aproveitarás cada oportunidade a fim de botá-los um contra o outro, a gerar, assim, contendas entre ambos; o filho, por fim, acabará com seu pai adotivo e, então, porá um fim a este grande mal. Com isto, restauraria os altares das terras, a fim de que vivam novamente. Tudo isto está sob teu poder: fazê-lo-ias?”.

30. “Vossa criada prometeu não ante a própria morte. Podeis usar vossa criada da forma que vos aprouver, e farei o melhor de mim.”

31. “Mas, caso isto se torne conhecido, estaremos então todos perdidos!”

32. “Não temei.”, disse ela. “Se vossa criada não demonstrar gratidão, que pereça ela sob uma miríade de espadas!”.

33. “Obrigado, obrigado!”, disse Wáng Yŭn.

34. Então Wáng Yŭn retirou do tesouro de sua família diversas pérolas e ordenou que o joalheiro confeccionasse com elas uma bela diadema de ouro, a qual foi enviado como presente a Lǚ Bù. Ele ficou encantado com tal presente e pôs-se a ir ter com seu doador, a fim de agradecê-lo. Assim que Lǚ Bù chegou, foi econtrado logo aos portões por Wáng Yŭn em pessoa e, próximo ao anfitrião, encontrou uma mesa onde havia diversas iguarias, a seu deleite. Ele foi conduzido a um aposento mais reservado e assentou-se sobre o assento de honra.

35. Lǚ Bù disse: “Sou apenas um simples oficial no palácio de um ministro. Vós sois um exaltado oficial do Estado. Por quê tratais a mim de tal maneira?”.

36. “Porque por toda a terra não há herói a vós igualado. Curvo-me não a um cargo de oficial; pobre como sou, curvo-me ante vossas habilidades.”

37. Isto deixara Lǚ Bù fortemente grato, e seu anfitrião continuou a congratulá-lo e a elogiá-lo e a enchê-lo de vinho, a discorrer acerca das virtudes do Primeiro Ministro e daqueles sob seu comando.

38. Lǚ Bù ria e vertia grandes cálices.

39. Em certo momento, grande parte dos criados foi dispensada, mantidos apenas alguns a fim de pressionar o convidado a beber.

40. Quando estava o convidado já inebriado pela bebida, disse repentinamente Wáng Yŭn: “Permitai que entre!”.

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41. Logo surgiram duas criadas em vestes brancas, tendo entre si a formosa e fascinante Diāo Chán.

42. “Quem é ela?”, disse Lǚ Bù, despertado por repentina sobriedade.

43. “Esta é minha garotinha, Diāo Chán. Incomodar-vos-ia com minha intimidade? Fostes muito amigo, e pensei que gostaríeis de vê-la.”

44. Wáng Yŭn ordenou a Diāo Chán que oferecesse a ele um cálice de vinho, e seus olhos encontraram-se com os do guerreiro.

45. Wáng Yŭn, fingindo-se já inebriado, disse: “Minha filha vos implora, General, que aceiteis um cálice ou dois de vinho. Nós todos contamos convosco, todos de nossa casa.”.

46 Lǚ Bù implorou a Diāo Chán que se sentasse. Ela fingiu desejar retirar-se.

47. Seu mestre a pressionou para que continuasse lá, dizendo: “O General é um caro amigo. Tu deves ficar aqui.”.

48. Então ela tomou assento, modestamente, próxima de seu mestre.

49. Lǚ Bù mantinha fixo seu olhar sobre a jovem, enquanto vertia cálices e mais cálices de vinho.

50. “Gostaria de presentear-vos ela como vossa criada: aceitaríeis?”, disse Wáng Yŭn.

51. O convidado pôs-se a falar.

52. “Se assim o é, podeis contar com minha humilde gratidão.”, disse Lǚ Bù.

53. “Escolheremos sem demora o dia propício e a enviaremos ao Palácio.”

54. Lǚ Bù estava repleto de satisfação. Ele não conseguia mirar outra coisa senão Diāo Chán, e olhares afetuosos brilhavam de seus olhos cristalinos.

55. Chegou, porém, a hora do hóspede partir, e Wáng Yŭn disse: “Pedir-vos-ia que permanecêsseis aqui por esta noite, mas o Primeiro Ministro poderia suspeitar de algo.”.

56. Lǚ Bù o agradeceu efusivamente e partiu.

57. Alguns dias depois, quando Wáng Yŭn estava à Corte e Lǚ Bù estava ausente, Wáng Yŭn prestou ele profunda reverência a Dŏng Zhuō e disse: “Aprazer-me-ia que aceitásseis cear em meu humilde lar: poderia Vosso nobre pensamento curvar-se a este fim?”.

58. “Convidásseis a mim e certamente apressar-me-ia a cear convosco.”, foi a resposta.

59. Wáng Yŭn agradeceu-o. Então, retornou à sua casa e preparou, no saguão de recepções, um banquete onde faziam-se presentes todas as melhores iguarias da terra e do mar. Belíssimos bordados cercavam o assento principal ao centro, e por todos os lados foram penduradas elegantes cortinas. Ao meio-dia do dia seguinte, assim que chegou Dŏng Zhuō, Wáng Yŭn recebeu-o logo aos portões, a seguir todos os protocolos da Corte. Ele estava presente quando desceu Dŏng Zhuō de sua carruagem, ocupando ele e cerca de cem guardas armados o saguão. Dŏng Zhuō tomou assento sobre o assento mais alto, com sua comitiva dividida em duas colunas à esquerda e à direita, enquanto Wáng Yŭn sentou-se humildemente sobre o canto mais inferior. Dŏng Zhuō ordenou aos seus que conduzissem Wáng Yŭn a um assento a seu lado.

60. Disse Wáng Yŭn: “A grandiosa e abundante virtude do Primeiro Ministro é como as mais altas montanhas. Sequer os antigos sábios, Yi Yin25 e o Duque de Zhou26, igualam-se a Ele.”.

61. Dŏng Zhuō sorriu. Eles serviram-se dos pratos e do vinho, e teve início a música. Wáng Yŭn tratava seu convidado com assíduos elogios e deferência apropriada. Conforme anoitecia e o vinho já executara seu trabalho, Dŏng Zhuō foi convidado aos aposentos internos. Então ele dispersou seus guardas e adentrou.

62. Lá, ergueu o anfitrião seu cálice e verteu-o em honra a seu convidado, dizendo: “Desde minha infância compreendo um pouco de astrologia, e venho a estudar o aspecto dos céus. Li nele que os dias do Hàn estão contados, e que os méritos do grande Primeiro Ministro comandam os anseios de todo o mundo, assim como quando o Rei Shun sucedeu o Rei Yao, e o Rei Yu continuou o trabalho do Rei Shun, e tudo pela força de seus próprios méritos, conforme ao pensamento dos Céus e os anseios do povo.”.

63. “Como ouso eu esperar por isto?”, disse Dŏng Zhuō.

64. “Desde os tempos antigos, aqueles que andam pelo caminho correto substituíram aqueles que se desviam dele; aqueles que carecem de virtude caíram à frente daqueles que a possuem. Pode alguém escapar do Destino?”

25 Yī Zhì, mais conhecido como Yī Yĭn (1648 a.C. – 1549 a.C.), foi Primeiro Ministro no início da Dinastia Shāng. Com sua ajuda Cheng Tang, o fundador da Dinastia Shāng (~1.600 a.C. – 1.100 a.C.), conseguiu derrotar Xià Jié, o Rei Jié, último regente da Dinastia Xià (~2.100 a.C. – 1.600 a.C.) (N. do T.).

26 Dan, o Duque de Zhōu, era irmão do Rei Wu de Zhōu (dinastia que regeu a China de 1112 a.C. a 256 a.C.). De acordo com lendas chinesas, foi ele o autor dos 64 hexagramas que compõem o Yìjīng (I-Ching). (N. do T.)

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65. “Caso estejam sobre mim os decretos dos Céus, deves tu ser o primeiro a ter em mérito!”

66. Wáng Yŭn prestou reverência. Então trouxeram lampiões para dentro e todos os criados foram dispensados, exceto pelas jovens que serviam o vinho. A noite, então, prosseguia.

67. Em certo momento disse Wáng Yŭn: “ O som destes músicos corriqueiros é muito comum para Vossos ouvidos, mas há em meu lar uma jovem que talvez Vos satisfaça.”.

68. “Excelente!”, disse o convidado.

69. Baixou, então, a cortina. Os estridentes tons musicais dos instrumentos de junco27

soavam pelo salão, e em certo momento um de seus criados guiou à frente Diāo Chán, a qual então dançou para fora das cortinas.

70. Um poema a elogia:

71. A um palácio estava ela a nascer, Tímida, esguia e graciosa, então Como leve, fugaz ave ao amanhecer Sobre orvalhados, tenros lírios em botão. Tivera eu tal jovem como minha, apenas,

Não me abalaria por posses terrenas.

72. Outro poema canta o seguinte:

73. Paira o som; surge, a planar feito andorinha,Donzela tenra e delicada como a seda;Cativa o convidado e tristeza o aninha,Pois em breve ir-se-á por sua vereda.Sorri; ninguém assim o faz, nem ouro o compra,Não precisa de ornado fino, em rara jóia.Finda a dança, e quando o rubro olhar se encontra,Qual será deles escolhido à vitória?

74. A dança chegou a seu término. Dŏng Zhuō ordenou que trouxessem a criada e para lá seguiu ela, a curvar-se em longa reverência ao aproximar-se dele. Ele estava arrebatado por sua beleza e modesta graça.

27 Shēng, instrumento que consiste, basicamente, em tubos verticais de bambu ou madeira, encaixados em um bocal; e Yu, semelhante ao Shēng. Enquanto o Shēng é tocado a fim de produzir harmonia, toca-se o Yu melodicamente. (N. do T.)

75. “Quem é ela?”, disse Dŏng Zhuō.

76. “Uma cantarina. Seu nome é Diāo Chán.”.

77. “Então sabe ela cantar?”

78. Seu mestre exortou-a a cantar e assim o fez, acompanhada pelo som de gubans28. Aqui contou-se um pouco acerca de sua juvenil beleza:

79. Tu te ergues de teu assento, tenra dama,Teus cerejados lábios, brilho a lumiar,Teus dentes, alvos como as pérolas do mar,Teu hálito, fragrante, exala amor - e o chama.Mas tua língua é feito espada a pleno fio;É dura recompensa a morte, o leito frioPor amar a ti - a ti somente, oh dama!

80. Dŏng Zhuō estava extasiado e elogiou-a calorosamente. Ela foi ordenada a presentear um cálice de vinho ao convidado, o qual recebeu-o de suas mãos e perguntou sua idade.

81. Ela respondeu: “Vossa indigna criada está à flor da juventude29.”.

82. “Uma prefeita fada!”, disse Dŏng Zhuō.

83. Então surgiu Wáng Yŭn e disse: “Caso não seja incômodo ao Primeiro Ministro, gostaria de oferecê-Lo esta pequena criada.”.

84. “Como poderia eu ser grato o suficiente por tamanha gentileza!”

85. “Seria a ela de boa fortuna caso pudesse ser Vossa criada.”, disse Wáng Yŭn.

86. Dŏng Zhuō agradeceu calorosamente seu anfitrião.

87. Então ordenou-se que fosse preparada uma carruagem coberta, a fim de conduzir Diāo Chán ao palácio do Primeiro Ministro.

88. Logo em seguida partiu Dŏng Zhuō, e Wáng Yŭn o acompanhou por todo o trajeto.

28 Gŭbăn é um instrumento assemelhado a uma castanhola, consistido por duas peças planas de madeira rija ou de bambu amarradas por uma das pontas. Seu som de cliques acompanha alguns gêneros de narrativas orais chinesas, muitas vezes cantadas. (N. do T.)

29 Vide nota nº 16. (N. do T.)

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89. Após terem partido, Wáng Yŭn tomou sua montaria a fim de cavalgar de volta à sua casa. Após ter percorrido metade do caminho, encontrou duas colunas de soldados portando lampiões vermelhos a escoltar Lǚ Bù, que estava montado e armado com seu tridente.

90. Ao avistar Wáng Yŭn, logo à frente foi-se Lǚ Bù, deteve-se, agarrou-o pelas mangas de suas vestes e disse, em grande ira: “Tu prometestes Diāo Chán para mim, e agora tu a concedeste ao Primeiro Ministro. Quê é isto?”.

91. Wáng Yŭn disse a ele: “Este não é local para conversarmos. Vos rogo que vades a meu lar.”.

92. Então seguiram eles juntos, e Wáng Yŭn conduziu Lǚ Bù a um cômodo mais reservado.

93. Após a usual troca de saudações, Wáng Yŭn disse: “Por quê considerais a mim como faltoso, General?”.

94. “Disseram-me que tu enviastes Diāo Chán ao Palácio do Primeiro Ministro em carruagem coberta. Quê significa isto?”

95. “Certamente não compreendeis de todo. Ontem, enquanto estava à Corte, disse-me o Primeiro Ministro que necessitava conversar algo comigo em minha própria casa. Então naturalmente preparei-me para sua chegada e, enquanto estávamos a cear, disse-me ele: ‘Ouvi algo a respeito de uma garota de nome Diāo Chán, a qual prometestes a meu filho, Lǚ Bù. Pensei tratar-se apenas de boato, então desejei perguntar-vos se é isto verdade. Pois que também quero vê-la.’. Não podia eu negar seu pedido, então surgiu ela e curvou-se ante ao senhor dentre os senhores. Então disse ele que era este um afortunado dia, e que desejaria levá-la consigo e noivá-la convosco. Pensai, Senhor: vindo o Primeiro Ministro em pessoa, poderia eu demovê-lo?”.

96. “Não estais de todo errado.”, disse Lǚ Bù. “Mas, por certo tempo, não vos havia compreendido. Devo desculpas a vós.”.

97. “A garota possui um pequeno dote, o qual remeterei tão logo tenha ela chegado a vossas dependências.”

98. Lǚ Bù agradeceu-o e partiu. No dia seguinte foi-se ele rumo ao Palácio a fim de descobrir a verdade, mas nada ouviu a respeito. Então, fez caminho pelos aposentos particulares e inquiriu as criadas. Uma delas disse a ele que o Reitor Imperial havia trazido na noite anterior uma nova companheira para casa e ainda não havia se levantado. Lǚ Bù estava em grande ira. Em seguida, esgueirou-se ele pela parte posterior dos aposentos de dormir de seu mestre.

99. Enquanto isso, Diāo Chán já havia acordado e estava a pentear seus cabelos próxima à janela. Ao olhar para fora, viu uma longa sombra a estender-se sobre o pequeno lago. Ela reconheceu o adorno dos cabelos e, ao olhar ao redor, percebeu estar ali não outro senão Lǚ Bù. Com isto contraiu suas sobrancelhas, a simular o mais profundo desgosto, e com seu tenro lenço limpou seus olhos por diversas vezes. Lǚ Bù pôs-se a observá-la por longo tempo.

100. Logo após entrar a fim de prestar-lhe as saudações matinais, estava Dŏng Zhuō sentado na sala de recepções.

101. Ao vê-lo, Dŏng Zhuō perguntou: “Há alguma novidade?”.

102. “Nada.”, foi a resposta.

103. Lǚ Bù esperou enquanto Dŏng Zhuō servia-se de sua ceia matinal. Ao que assentou-se ao lado de seu mestre, avistou ele por uma das cortinas e lá viu uma mulher por detrás de um biombo, a revelar apenas metade de seu rosto e, de tempos em tempos, a lançar-lhe olhares amorosos. Naquele instante sentiu ele ser seu amado, e seus pensamentos divagavam apenas nela. Em certo momento, percebeu Dŏng Zhuō sua expressão e principiou-se a suspeitar de algo.

104. “Se não há nada a ser tratado, podes ir.”, disse Dŏng Zhuō.

105. Amuado, Lǚ Bù retirou-se.

106. Dŏng Zhuō agora não pensava em mais nada senão em sua nova amante, e por mais de um mês tratou com negligência todos os assuntos, a devotar-se inteiramente ao deleite. Certa vez esteva ele um pouco indisposto e Diāo Chán esteva constantemente a seu lado, nunca sequer despindo-se a fim de mostrar-lhe sua solicitude. Ela gratificava cada um de seus caprichos. Cada vez mais sentia Dŏng Zhuō afeição por ela.

107. Certa fez seguiu Lǚ Bù a fim de inquirir seu pai acerca de sua saúde. Dŏng Zhuō estava ainda a dormir, e Diāo Chán estava sentada à cabeceira do leito. Inclinando-se para a frente, mirou o visitante e pôs uma mão a apontar seu coração e a outra, a Dŏng Zhuō; vertia-se ela em lágrimas. Lǚ Bù sentiu seu coração como se fosse partido. Dŏng Zhuō, ainda sonolento, abriu seus olhos e, ao ver o olhar de seu filho fixado sobre algo atrás de si, virou-se e viu a quem mirava.

108. Ele repreendeu com ira seu filho, dizendo: “Ousas cortejar minha preciosidade?”.

109. Ele ordenou a seus criados que conduzissem Lǚ Bù para fora, exclamando: “Jamais deixai que entre aqui novamente!”.

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110. Lǚ Bù seguiu para casa em grande ira. Ao encontrar Lĭ Rú, contou a ele a causa de sua raiva.

111. O conselheiro apressou-se a ter com seu mestre e disse: “Senhor, tu aspiras ser o governante do Império. Por quê, então, por uma pequena falta culpas tu o General? Caso se volte ele contra ti, está tudo acabado.”.

112. “Então quê posso eu fazer?”, disse Dŏng Zhuō.

113. “Chama-o amanhã; trata-o bem; cobre-o de presentes e palavras justas; e tudo estará bem.”

114. Então Dŏng Zhuō assim o fez. Ele chamou por Lǚ Bù, portou-se de forma graciosa e disse: “Estava eu ontem afobado e irritadiço devido à minha doença e tratei-te de modo incorreto, eu o sei. Perdoa-me.

115. Ele deu a Lǚ Bù trezentas onças de ouro e vinte rolos de brocados. E, então, a contenda havia sido erguida. Mas, apesar de o corpo de Lǚ Bù estar com seu pai adotivo, seu coração estava com sua noiva prometida, Diāo Chán.

116. Dŏng Zhuō, já então recuperado, retornou à Corte e Lǚ Bù o seguiu, como sempre. Certo dia, ao ver Dŏng Zhuō engajado em profunda conversa com o Imperador, Lǚ Bù, armado como estava, retirou-se do palácio e cavalgou em direção à morada de seu mestre. Ele lá encontrou Diāo Chán, e ela pediu a ele que fosse ao jardim, onde em breve juntar-se-ia consigo. Ele para lá foi, levando seu tridente consigo, e encostou-se contra uma das vigas do Pavilhão da Fênix a fim de esperar por Diāo Chán.

117. Passado longo tempo surgiu ela, a caminhar graciosamente conforme passava sob os arqueados salgueiros e a partir as flores do caminho por onde ia. Ela estava fabulosa, uma perfeita fada do Palácio da Lua.

118. Lágrimas enchiam seus olhos quando chegou e disse: “Apesar de não ser eu filha verdadeira do Ministro, assim mesmo tratou-me ele como sua própria filha. O desejo de minha vida tornou-se completo no momento em que ele prometeu-me a ti. Mas oh!, quê pensar da maldade do Primeiro Ministro, a roubar minha humilde pessoa como o fez. Sofri muito. Esperava eu morrer, sequer contando-te a verdade. Então segui a viver, suportando minha vergonha o melhor que podia. Agora que me encontrei contigo, posso acabar com tudo. Meu pobre ímpio corpo não mais é adequado a servir um herói. Posso morrer diante de teus olhos e então provar o quão sincera sou!”.

119. E, ao dizer isto, curvou-se sobre o lago de lótus. Lǚ Bù agarrou-a em seus fortes braços e chorou conforme a segurava firmemente.

120. “Eu sabia: sempre soube de teu coração!”, soluçou ele. “Antes nunca tivéssemos a chance de conversarmos!”.

121. Ela atirou seus braços em torno de Lǚ Bù.

122. “Se não puder ser tua esposa nesta vida, sê-la-ei em outros tempos.”, sussurrou ela.

123. “Se não me casar contigo nesta vida, não sou herói algum.”, disse ele.

124. “Cada dia parece-me durar um ano inteiro. Oh!, resgata-me! Meu senhor!”.

125. “Furtei-me por apenas breve momento e temo que o velho rebelde suspeite de algo, portanto não posso demorar-me por muito.”, disse Lǚ Bù.

126. Diāo Chán agarrou-se às suas vestes, dizendo a ele: “Se temes tanto o velho usurpador, jamais verei outro nascer do sol!”.

127. Lǚ Bù deteve-se.

128. “Dá-me um pouco de tempo para pensar.”, disse ele.

129. E ele tomou posse de seu tridente, a fim de partir.

130. “Na profunda reclusão do harém, ouvi histórias acerca de teus feitos. Tu és o único homem que supera a todos os outros. Não saberia eu que tu, dentre todos os heróis, ficarias contente sob o domínio de outro.”.

131. E vertiam-se as lágrimas novamente!

132. Uma onda de vergonha inundou seu rosto. A deixar seu tridente contra o pilar, virou-se e achegou a garota próxima a seu peito, confortando-a com palavras tenras. Os amantes estavam muito próximos, a balançar-se lentamente, em emoção. Não conseguiram recompor-se para dizerem adeus.

133. Enquanto isso, Dŏng Zhuō deu-se pela falta de seu braço direito e a dúvida preencheu seu coração. A retirar-se apressadamente da presença do Imperador, montou sua carruagem e retornou a seu Palácio. Logo aos portões estava o conhecido corcel de Lǚ Bù, o Lebre Vermelha, sem seu cavaleiro. Dŏng Zhuō inquiriu seus vigias e disseram-lhe que o General lá estava. Ele dispensou seus criados e foi-se, sozinho, rumo a seus aposentos privados. Lǚ Bù não estava lá. Ele chamou por Diāo Chán, mas não houve resposta. Ele então perguntou onde estava ela, e as camareiras lhe disseram que ela estava no jardim, entre as flores.

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134. Então seguiu Dŏng Zhuō rumo ao jardim e lá viu os amantes sob o Pavilhão, engendrados em tenra conversa. Em uma coluna a seu lado estava encostado o tridente de Lǚ Bù.

135. Dŏng Zhuō deixou escapar um uivo de ira, assustando os amantes. Lǚ Bù virou-se, viu quem lá estava e fugiu. Dŏng Zhuō tomou posse do tridente e pôs-se a persegui-lo. Mas tinha Lǚ Bù ágeis pés, enquanto era seu mestre por demais corpulento. Não tendo esperanças de capturar o fugitivo, arremessou Dŏng Zhuō o tridente. Lǚ Bù esquivou-se e a arma foi-se ao chão. Dŏng Zhuō pegou-a novamente e seguiu a correr. Mas, desta vez, já estava Lǚ Bù muito à frente. Assim que estava Dŏng Zhuō a sair pelos portões do jardim, chocou-se violentamente contra outro homem que corria e ao chão desabou.

136. Urgido em ira estava, tal coluna que aos Céus sobe,Quedou-se ao chão em massa corpulenta e disforme.

137. Será em breve revelada a identidade do outro corredor.

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Capítulo IX

Por Wáng Yŭn, Lǚ Bù Aniquila Dŏng Zhuō:Lĭ Jué Ataca A Capital A Conselho De Jiă Xŭ

1. Aquele que colidira com o irado Dŏng Zhuō era seu mais confiável conselheiro, Lĭ Rú, que não caíra com a colisão e, prontamente, pôs-se a ajudar Dŏng Zhuō a firmar-se sobre o chão e guiá-lo à biblioteca, onde sentaram-se.

2. “A quê vieste?”, disse Dŏng Zhuō.

3. “A passar por teus portões, soube que foste a seus jardins particulares a fim de procurar por seu filho adotivo. Então surgiu Lǚ Bù, a correr e a exclamar que desejavas matá-lo, e com isto vim o mais rápido que pude a fim de interceder por ele quando, acidentamente, colidi-me contigo. Descupa-me! Mereço eu a morte.”.

4. “Aquele miserável! Como posso eu tolerar vê-lo a brincar com minha preciosidade? Serei eu o instrumento de sua morte!”

5. “Vossa Graciosidade estais a cometer um engano. É novamente o caso das ‘borlas arrancadas’, peço que lembreis daquele banquete de outros tempos, onde todos os convidados arrancaram as borlas de seus chapéus. Naquele banquete, o Rei Zhuang, do Chu, não fez alarde acerca das liberdades tomadas com sua rainha, apesar de a borla em suas mãos atraiçoar o culpado Jiang Xiong. Sua reserva foi-lhe de boa fortuna, uma vez que o mesmo Jiang Xiong salvou sua vida quando atacado pelos soldados do Qín30. Afinal, Diāo Chán é apenas uma criada, mas Lǚ Bù é seu amigo mais confiável e o mais temido comandante.Caso aproveitardes esta oportunidade para concedê-lo a garota, vossa gentileza conquistaria sua eterna gratidão. Vos imploro, Senhor, que pensais bem a respeito.”

6. Dŏng Zhuō hesitou por longo tempo. Sentou-se, a murmurar consigo. Então, disse: “O que dizes é correto. Devo pensar a respeito.”.

7. Lĭ Rú sentiu-se satisfeito. Ele despediu-se de seu mestre e foi-se por seu caminho. Dŏng Zhuō seguiu a seus aposentos particulares e chamou por Diāo Chán.

30 “O Banquete dos Heróis”: O termo refere-se a um incidente ocorrido durante um banquete oferecido pelo Rei Zhuāng de Chŭ, na região onde hoje é são as regiões central e sul da China. Aproveitando-se do momento em que todas as velas do banquete se apagaram por uma lufada repentina de vento, Jiang Xiong, um de seus jovens oficiais, apaixonado por uma de suas concubinas, aproximou-se da jovem a fim de cortejá-la; ela, porém, arrancou a borla de seu chapéu e foi falar com seu mestre, pedindo que punisse o culpado. O rei, porém, ordenou que, antes que as velas fossem novamente acesas, todos os demais oficiais arrancassem também as borlas de seus chapéus. Tal demonstração de compreensão tocou fortemente o oficial e, posteriormente, durante batalha, arriscou sua vida a fim de proteger seu rei. (N. do T.)

8. “Quê estavas a fazer lá fora com Lǚ Bù?”, disse ele.

9. Ela pôs-se a chorar, dizendo. “Tua criada estava nos jardins, entre as flores, quando surgiu ele próximo a mim. Estava assustada, e afastei-me. Ele perguntou por quê fugia eu de um filho da família e seguiu-me até o Pavilhão da Fênix, onde víreis a nós. Ele levava consigo seu tridente por todo momento. Senti ser ele homem vicioso e que forçaria a mim à sua vontade, então tentei atirar-me ao lago de lírios; mas ele tomou-me em seus braços e segurou-me, de modo que estava eu perdida. Por boa fortuna, naquele exato momento surgistes e salvastes minha vida!”.

10. “Quê pensas sobre conceder-te eu a ele?”

11. Atordoada, ela lamentou profusamente: “Quê fizera tua criada? Minha honra em servir Vossa Alteza não pode suportar ser entregue a um mero inferior! Nunca! Prefiriria eu morrer!”.

12. E, com isto, apossou-se de uma adaga que ornava a parede a fim de acabar com sua vida.

13. Dŏng Zhuō arrancou-a de suas mãos e, a lançar seus braços em torno de si, exclamou: “Estava apenas a brincar contigo!”.

14. Ela reclinou-se sobre seu peito, a ocultar sua face e a suspirar amargamente.

15. “Isto é coisa de Lĭ Rú.”, disse ele. “Ele é muito atrelado a Lǚ Bù. É dele a sugestão, eu o sei. Pouco importa-se ele pela reputação do Reitor Imperial e por minha vida. Oh!, poderia devorá-lo vivo!”

16. “Pensas que posso suportar perder-te?”, disse Dŏng Zhuō.

17. “Apesar de amar-me, não posso eu ficar aqui. Lǚ Bù tentará arruinar-me caso permaneça eu aqui. Eu o temo!”

18. “Iremos a Meiwo amanhã, tu e eu, e seremos felizes juntos e não teremos preocupações.”

19. Ela secou suas lágrimas e o agradeceu. No dia seguinte, foi-se Lĭ Rú novamente, a fim de persuadir Dŏng Zhuō a enviar a donzela a Lǚ Bù.

20. “Este é um dia propício.”, disse Lĭ Rú.

21. “Ele e eu temos relação de pai e filho. Não posso muito bem fazê-lo.”, disse Dŏng Zhuō. “Mas nada mais direi acerca de sua falta. Podes dizer isto a ele, e confortá-lo o melhor que puderes.”.

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22. “Estaríeis sendo logrado pela mulher?”, disse Lĭ Rú.

23. Dŏng Zhuō enrubesceu-se, a dizer: “Gostaríeis de conceder tua esposa a outra pessoa? Não dizei mais nada a respeito disso. Seria melhor que não o fizésseis!”.

24. Ao que leu este episódio, escreveu um sábio em história um ou dois versos:

25. Lá introduz uma mulher somente,Põem-se a surgir conspirações;Dos soldados e suas provisõesNão há necessidade, realmente.Puseram-se em combates violentos,Foram valorosos feitos registrados;Mas em um lar, em seus jardins reservados,Da vitória é conquistado seu momento.

27. A ordem para seguir rumo a Meiwo foi dada, e todo o corpo de oficiais reuniu-se a fim de dar início à partida. Diāo Chán, de sua carruagem, avistou Lǚ Bù entre a multidão. Ela prontamente baixou seus olhos e adotou aparência de mais profunda melancolia. Iniciada a cavalgada e, já quando a carruagem quase desaparecia de vista, seu amante desapontado tomou assento em sua montaria, de onde poderia avistar sobre a poeira que se erguia pelo caminho. Uma inexprimível tristeza preeenchia seu coração.

28. Uma voz repentinamente disse: “Por quê não acompanhas o Primeiro Ministro, a ficares aqui, a suspirar?”.

29. Era Wáng Yŭn.

30. “Estive em repouso em meu lar devido a uma doença que se acometeu sobre mim recentemente,”, continuou ele, “, então não mais o vi. Mas forcei-me a sair hoje a fim de presenciar a partida do Primeiro Ministro. Este encontro é dos mais afortunados. Mas por quê estavas a suspirar?”.

31. “Justamente por conta daquela tua filha.”, disse Lǚ Bù.

32. A dissimular grande surpresa, Wáng Yŭn disse: “Já há tanto tempo não fora a ti concedida!”.

33. “O velho rufião apaixonou-se por ela!”.

34. “Certamente não pode ser isso verdade.”.

35. Lǚ Bù contou a ele toda a história enquanto Wáng Yŭn a ouvia silente, porém

ocasionalmente batia no chão, a demonstrar irritação e perplexidade.

36. Depois de longo tempo, disse Wáng Yŭn: “Não sabia que era ele tamanha fera!”

37. Tomando Lǚ Bù pelas mãos, disse: “Vem à minha casa, e conversaremos a respeito disso.”.

38. Então partiram juntos em direção à sua casa e recolheram-se em um de seus aposentos mais reservados. Depois de estarem assentados, Lǚ Bù contou a ele toda a história do ocorrido no Pavilhão da Fênix, da exata forma como acontecera.

39. Wáng Yŭn disse: “Ele parece ter corrompido minha garotinha e roubado tua esposa. Ele será objeto de vergonha e do ridículo perante o mundo inteiro. E aqueles que não rirem dele rirão de tu e de mim. Oh!, sou velho e não tenho forças, e nada posso fazer. Mais digno de pena do que a ser culpado! Mas tu, General, tu és um guerreiro, o maior herói de todo o mundo. E, mesmo assim, fostes posto a esta vergonha, e exposto a esta situação!”.

40. Uma onda de feroz ira acometeu Lǚ Bù. A socar a mesa, gritou e rugiu.

41. Seu anfitrião ostensivamente tentou acalmá-lo, dizendo: “Esqueci-me: não devia ter falado o que falei. Não te ires, rogo a ti!”.

42. “Acabarei com o desgraçado, eu o juro! Não poderei de nenhuma outra forma lavar-me de minha vergonha.”.

43. “Não, não! Não diz tal coisa,”, disse Wáng Yŭn, a deitar sua mão sobre a boca de Lǚ Bù. “Trarás problemas à minha família e a mim, pobre que sou!”.

44. “Aquele que nasce grandioso não por muito pode pacientar-se sob a dominação de outra pessoa!”, disse Lǚ Bù.

45. “É necessário alguém maior que o Primeiro Ministro para limitar o escopo de teus vários talentos.”

46. Lǚ Bù disse: “Não me importaria em matar o velho desgraçado, não fosse pela relação que temos. Temo provocar a crítica hostil da posteridade.”.

47. Wáng Yŭn meneou sua cabeça e disse: “Teu nome é Lǚ Bù; o dele, Dŏng Zhuō. Onde estava o sentimento paternal quando arremessou o tridente contra ti?”.

48. “Teria sido descaminhado, não tivesses dito isto!”, disse Lǚ Bù, acalorado.

49. “Wáng Yŭn observou o efeito de suas palavras e continuou: “Seria um feito leal

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restaurar a Casa do Hàn, e a história poria perpetuamente teu nome à posteridade. Caso concederes teu apoio a Dŏng Zhuō, serás um traidor e teu nome será manchado por todos os tempos.”.

50. Lǚ Bù ergueu-se de seu assento e curvou-se ante a Wáng Yŭn.

51. “Já o decidi.”, disse ele. “Não necessitas temer, Senhor.”.

52. “Mas podes falhar e trazer sobre si grande infortúnio.”, disse Wáng Yŭn.

53. Lǚ Bù sacou sua adaga, fez um pequeno corte em seu braço e prestou juramento com o sangue que vertia.

54. Wáng Yŭn prostrou-se de joelhos e agradeceu-o.

55. “Então os sacrifícios do Hàn não serão em vão, e tu serás Seu salvador. Mas deve isto permanecer em segredo, e explicar-te-ei como a trama deverá ser conduzida.”.

56. Lǚ Bù partiu, tomado por grande emoção.

57. Wáng Yŭn tinha em confiança dois de seus colegas, Shisun Rui, Administrador da Corte, e Huang Wan, Comandante Imperial.

58. Shisun Rui disse: “O momento é favorável. O Imperador acaba de recuperar-se de Sua doença, e podemos enviar alguém a Meiwo a fim de persuadir Dŏng Zhuō a vir aqui para discutir algum assunto. Enquanto isso, obtemos um decreto secreto autorizando Lǚ Bù a emboscar-se logo aos portões do Palácio, a fim de matar Dŏng Zhuō tão-logo entre. Este é o melhor plano a adotar.”.

59. “Mas quem ousaria ir?”, disse Huang Wan.

60. Lĭ Sù, o General do Exército do Tigre Imperial, está apto a ir. Ele é da mesma região que Lǚ Bù, e está muito irritado com o Primeiro Ministro por não tê-lo promovido. Sua ida assegurar-nos-ia que o plano estará completo.”.

61. “Muito bem.”, disse Wáng Yŭn. “Vejamos quê pensa Lǚ Bù a respeito.”.

62. Quando foi Lǚ Bù consultado, disse a eles que a persuasão de Lĭ Sù o levara a matar Dīng Yuán, seu antigo benfeitor.

63. “Se Lĭ Sù recusar esta missão, irei matá-lo!”, disse Lǚ Bù.

64. Então chamaram por Lĭ Sù.

65. Assim que chegou ele, Lǚ Bù disse: “Noutros tempos, tinhas me persuadido a matar Dīng Yuán e aliar-me a Dŏng Zhuō. Agora, vemos que Dŏng Zhuō significa o mal para o Imperador e é um opressor do povo. Suas iniquidades são muitas, e é ele odiado pelos deuses e pelos humanos. Vai a Meiwo, diz que tens ordens do Imperador a fim de convocar o Primeiro Ministro ao Palácio. Ele virá, e será posto à morte. Terás crédito por ser leal e restaurar o Hàn. Aceitaríeis?

66. “Também desejo acabar com ele,”, foi a resposta. “Mas não consigo encontrar ninguém a fim de ajudar-me. Como posso eu hesitar? Tua intervenção vem direto dos Céus!”.

67. E Lĭ Sù partiu uma flecha em duas, como registro de seu juramento.

68. “Caso suceda isto, que glorioso posto será teu!”, disse Wáng Yŭn.

69. No dia seguinte, Lĭ Sù, acompanhado por uma pequena escolta, partiu rumo a Meiwo anunciou a si como portador de um decreto. Ele foi conduzido à presença de Dŏng Zhuō. Após tê-lo saudado propriamente, Dŏng Zhuō perguntou sobre quê o decreto tratava.

70. “Vossa Majestade recuperou-se e deseja que Seus ministros o encontrem no Palácio, a fim de considerar a questão de sua abdicação em vosso favor. É disto que trata esta convocação.”.

71. “Quê pensa Wáng Yŭn acerca disso?”

72. “Wáng Yŭn já iniciou a construção do Terraço da Abdicação, e aguarda apenas a chegada de meu senhor.”

73. “Na noite passada, sonhei que um dragão enrolava-se em torno de meu corpo,”, disse Dŏng Zhuō, fortemente satisfeito,”e agora recebo estas boas novas! Não devo negligenciar a oportunidade.”.

74. Então Dong ordenou que os quatro mais confiáveis de seus generais protegessem a cidade. Lĭ Jué, Guō Sì, Fán Chóu e Zhāng Jì puseram-se a proteger Meiwo com um exército de três mil soldados do Exército do Urso Voador. Então, Dŏng Zhuō anunciou suas intenções de partir pelo amanhecer.

75. “Quando for eu Imperador, serás Comandante do Distrito da Capital.”, disse ele.

76. “Vosso ministro vos agradece.”, disse Lĭ Sù.

77. Dŏng Zhuō foi-se a fim de se despedir de sua mãe, de noventa anos.

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78. “Onde estás indo, meu filho?”, perguntou ela.

79. “Irei receber a abdicação do Hàn; em breve, sereis a Imperatriz Dowager!”

80. “Senti-me um pouco nervosa e indisposta nestes últimos dias. É um mal sinal.”.

81. “Aquela que está prestes a se tornar a Mãe do Estado certamente deve ter premonições.”, disse seu filho.

82. Ele despediu-se dela com estas palavras.

83. Antes de partir, disse a Diāo Chán. “Quando for Imperador, serás a Senhora do Palácio.”.

84. Ela fez a ele longa reverência a fim de agradecê-lo, mas sabia de tudo e, dentro de si, celebrava.

85. Dŏng Zhuō saiu, montou sua carruagem e deu início à jornada rumo à capital Changan junto com uma imponente escolta. A menos de quinze quilômetros, as rodas de sua carruagem partiram-se. Ele a deixou e montou um cavalo. Prosseguiram mais dez quilômetros, e então o cavalo bufou e relinchou, sacudiu sua cabeça e rompeu seu arreio.

86. Dŏng Zhuō virou-se para Lĭ Sù, e perguntou-lhe quê estas coisas pressagiavam.

87. “Significa que recebereis a abdicação do Hàn, que renovará todas as coisas: a montardes a carruagem de jóias preciosas e a montardes sobre a sela de ouro.”.

88. E Dŏng Zhuō estava satisfeito e convencido com a resposta. Durante o segundo dia da jornada, uma violenta ventania varria os campos, e o céu cobriu-se por uma densa névoa.

89. “Quê significa isto?”, disse Dŏng Zhuō.

90. O astuto Lĭ Sù tinha também uma interpretação para aquilo, dizendo: “Vós estais ascendendo ao Palácio do Dragão: deve haver luz clara e vapores vívidos a fim de dignificarem vossa majestosa chegada.”.

91. Dŏng Zhuō não tinha mais dúvidas. Ele então chegou e encontrou, pelos portões da cidade, diversos oficiais a recebê-lo, exceto por Lĭ Rú, que estava doente e não tinha condições de deixar seus aposentos. Ele entrou e seguiu rumo a seu próprio Palácio, de onde Lǚ Bù surgiu a fim de congratulá-lo.

92. “Ao sentar-me sobre o Trono, comandarás todos os exércitos do Império, cavalaria e soldados.”, disse Dŏng Zhuō.

93. Naquela noite, dormiu Dŏng Zhuō em meio à sua escolta. Nos subúrbios, naquela mesma tarde, algumas crianças cantavam uma pequena cantiga, e suas palavras divagaram pelo vento até seus aposentos.

94. Verdejantes, em frescor, estão os prados;Espera três dias, não vês gume afiado.

95. A música parecia ominosa, mas Lĭ Sù estava novamente preparado com uma interpretação apropriada: “Significa apenas que o Liú está a ponto de desaparecer, e o Dŏng será exaltado!”.

96. Na manhã seguinte, logo ao primeiro raio de luz do alvorecer, Dŏng Zhuō preparou-se para sua aparição à Corte. A caminho avistou ele um daoista em vestes negras e com turbante branco, e levava consigo um cajado curto com uma longa faixa de tecido branco a ele atado. Em cada ponta do tecido havia a imagem de uma boca31.

97. “Quê significa isto?”, disse Dŏng Zhuō.

98. “Ele é um louco.”, disse Lĭ Sù, e ordenou aos guardas que o pusessem para fora.

99. Dŏng Zhuō seguiu seu caminho e encontrou todos os oficiais, em vestes da Corte, alinhados à estrada. Lĭ Sù caminhou ao lado de sua carruagem, espada em punho. Assim que chegou Lĭ Sù próximo ao portão norte da Cidade Proibida, viu os soldados de Dŏng Zhuō ao lado de fora, e apenas aqueles que conduziam a carruagem do Palácio, cerca de vinte ao todo, foram permitidos a seguir adentro.

100. Ao que chegou Dŏng Zhuō próximo ao Saguão de Recepções, observou que Wáng Yŭn e todos os demais oficias próximos à porta estavam armados.

101. “Por quê estão todos armados?”, disse Dŏng Zhuō a Lĭ Sù.

102. Lĭ Sù permaneceu silente, enquanto ajudava a conduzir a carruagem rumo à entrada.

103. Repentinamente, Wáng Yŭn bradou: “O rebelde está aqui! Onde estão os executores?”.

104. A seu chamado surgiram, de ambos os lados, soldados armados com piques e lanças, a atacar Dŏng Zhuō. Mas a armadura que geralmente vestia o protegeu, e lanças não puderam penetrá-la.

105. Ele afundou-se em sua carruagem, ferido nos braços, a chamar por seu filho: “Onde está Lǚ Bù?”.

31 Cajado curto, tecido e bocas: alusão figurativa ao ideograma 呂 (Lǚ), de Lǚ Bù (呂布). (N. do T.)

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106. “Aqui, e com um decreto para lidar com um rebelde!”, disse Lǚ Bù, conforme surgia à frente de seu pai adotivo.

107. Então arremeteu sua lança de tridente contra a garganta de sua vítima. Lĭ Sù arrancou sua cabeça e ergueu-a.

108. Lǚ Bù, a segurar seu tridente com sua mão esquerda, com a direita sacou o decreto de seu peito, exclamando: “O decreto ordena matar o Rebelde Dŏng Zhuō – e nenhum outro!”.

109. A assembléia inteira exclamou: “Vida Longa ao Imperador!”.

110. Um simpático poema canta algumas linhas, em piedade:

111. Sê Rei, oh! nobre, espera o tempo e suas vontades,Ou da riqueza alento tenhas, se falhardes;Imparciais os Céus o são, e também justos,Antes rija, Meiwo repousa em leito frusto.

112. Despertada a sede por sangue, Lǚ Bù urgia por mais matanças, a exclamar: “Lĭ Rú fora o principal iniciador de vários crimes de Dŏng Zhuō! Quem irá matá-lo?”.

113. Lĭ Sù voluntariou-se para ir em sua busca. Mas então ouviram um chamado aos portões, dizendo-lhes que um dos criados da casa trouxera Lĭ Rú, amarrado. Wáng Yŭn ordenou sua imediata execução em público.

114. A cabeça de Dŏng Zhuō foi exposta em uma estrada pública, repleta de pessoas. Ele era muito gordo; os guardas perfuravam seu corpo com lascas de madeira e, com elas, faziam tochas; com isto, espalhou-se a gordura do cadáver por todo o chão. Os que por lá passavam golpeavam sua cabeça e davam pontapés em seu corpo.

115. Wáng Yŭn ordenou a um corpo de quinze mil soldados sob comando de Lǚ Bù, Huángfŭ Sōng e Lĭ Sù que destruíssem Meiwo. Ao saber das notícias acerca de seu mestre, Lĭ Jué, Guō Sì, Fán Chóu e Zhāng Jì fugiram durante a noite rumo ao oeste, conduzindo o Exército do Urso rumo à região de Liangzhou.

116. Ao chegar em Meiwo, tomar a posse de Diāo Chán foi seu primeiro feito. Então, abateram todos os membros da família Zhuō, a poupar nenhum, sequer a mãe de Dŏng Zhuō, já muito idosa. As cabeças de Dŏng Míng, o irmão de Dŏng Zhuō, e de Dong Huang, seu sobrinho, foram apresentadas em público. Em Meiwo haviam sido ocultas diversas jovens de boas famílias. Estas foram postas livres. Todas as propriedades foram confiscadas. As riquezas eram enormes: centenas de milhares de onças em dinheiro, milhões de moedas de cobre, pérolas, jóias, sedas, veludo, peles e estoques de grãos.

117. Assim que retornaram a fim de relatar o sucesso, Wáng Yŭn recompensou os soldados e ofereceu-lhes uma celebração. Foram feitos banquetes no Saguão do Ministério, ao qual todos os oficiais foram convidados. Eles bebiam e congratulavam uns aos outros. Enquanto ainda comemoravam, anunciaram que alguém surgira e lamentava sobre o corpo de Dŏng Zhuō, exposto em público.

118. “Dŏng Zhuō foi posto à morte”, disse Wáng Yŭn, em grande ira. “Todos estão satisfeitos por termos nos livrado dele e, mesmo assim, ainda há quem esteja inclinado a lamentar sobre ele. Quem é?”.

119. Então Wáng Yŭn ordenou que o lamurioso fosse preso e trazido à sua frente. Logo foi trazido e, assim que o viram, todos se surpreenderam. Pois não era outro senão Cài Yōng, Conselheiro da Corte.

120. Wáng Yŭn disse a Cài Yōng, em grande ira: “Dŏng Zhuō foi posto à morte como rebelde e toda a terra a comemora. Tu, ministro do Hàn, ao contrário de comemorares, choras por ele. Por quê?”.

121. Cài Yōng reconheceu sua falta, a dizer: “Não possuo eu talento, porém sei quê é correto. Não sou eu homem a virar as costas à Dinastia e inclinar-me a Dŏng Zhuō. Mas por uma ocasião vivenciei sua gentileza32 e não pude evitar meu pranto. Sei ser grave minha falta, mas rogo que considereis tais motivos. Caso deixardes minha cabeça e apenas cortardes meus pés, podeis usar-me a fim de contribuir com a continuação da história da Dinastia, pela qual terei a boa fortuna de ser permitido a expiar minha falta.”.

122. Todos compadeceram-se dele, por ser homem de grande talento, e imploraram que fosse poupado.

123. Ma Midi, o Guardião Imperial, secretamente intercedeu por ele, a dizer: “Cài Yōng é renomado como homem erudito e pode escrever história gloriosa, e seria desaconselhável entregar à morte homem renomado por sua retidão sem a devida consideração.”.

124. Mas foi o apelo em vão, por ser agora o Alto Ministro firme e obdurado.

125. Wáng Yŭn disse: “Há séculos, o Imperador Wu poupou Sīmǎ Qiān e o empregou à elaboração dos Anais, o que trouxe como resultado as várias histórias injuriosas que chegaram até nós. Este é um período de provação e de grande perplexidade, e melhor é não ousarmos permitir que especiosos como este ergam seus

32 Cài Yōng refere-se à elaboração do Livro do Hàn Posterior, obra historiográfica oficial chinesa que faz parte do cânone Vinte e Quatro Histórias (二十四史 ); Ma Didi, Yang Biao, Lú Zhí e Cài Yōng, à época, trabalhavam em sua elaboração – com a permissão de Dŏng Zhuō. (N. do T.)

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pincéis a criticar aqueles da Corte de um jovem príncipe e a nos criticar, como certamente o fará.”

126. Sendo em vão os protestos e apelos, Ma Midi retirou-se.

127. Mas disse a seus colegas: “É então Wáng Yŭn despreocupado com o futuro? Pessoas de valor são o esteio do Estado; leis são os cânones da ação. Destruir o esteio e anular as leis é apressar a destruição!”.

128. Como já fora dito, estava Wáng Yŭn obdurado. Cài Yōng, cuja ofensa cometida fora uma expressão de gratidão, fora posto à prisão e, então, estrangulado. O povo daqueles tempos chorava por Cài Yōng, porque recusavam-se a ver qualquer ofensa que houvesse cometido e sua morte fora punição demais severa.

129. Dŏng Zhuō, o ditador,Tiranizou o Estado,E caiu; seu único lamuriador De seu terrível destino compartilhou.

Zhuge Liang, em reclusão,Satisfazia-se em sonhar;Sentiu o seu valor e nuncaOs planos de um traidor ajudou.

130. Os generais Lĭ Jué, Guō Sì, Fán Chóu e Zhāng Jì, os quais haviam sido designados por Dŏng Zhuō a proteger Meiwo, fugiram tão logo seu mestre foi aniquilado e rumaram em direção ao oeste, à província de Shanxi, na região de Liangzhou. De lá, enviaram uma mensagem a tratar acerca de anistia. Mas Wáng Yŭn não tinha intenção de ouvi-los.

131. “Quatro deles foram os principais instrumentos das agressões de Dŏng Zhuō. Fosse agora uma anistia geral proclamada, seriam estes homens excluídos de seu benefício.”, disse Wáng Yŭn.

132. O mensageiro retornou e relatou aos quatro que não havia esperança de perdão, e que lhes restava apenas fugir.

133. Então seu conselheiro, Jiă Xŭ, disse: “Caso baixarmos nossos braços e fugirmos por nós mesmos, seremos então fáceis presas a qualquer magistrado de vilarejo que nos capture. Convençamos o povo de Shanxi a fim de juntarem-se a nós e fazermos investida repentina na capital, a vingarmos-nos por Dŏng Zhuō. Se obtivermos êxito, controlaremos a Corte e o Império; haverá tempo suficiente para fugirmos, caso falharmos.”.

134. Foi adotado o plano, e espalharam a história de que Wáng Yŭn tinha a intenção de massacrar a região.

135. Levando assim o povo a um estado de terror, deram um passo além e disseram: “Não há vantagem em morrer por nada. Revoltai-vos e juntai-vos a nós!”.

136. Eles então induziram o povo a se juntar consigo e conseguiram reunir um contingente igual a cem mil homens. A horda estava dividida em quatro partes, e todas seguiram a fim de ssaquear a capital Changan. Durante o caminho, encontraram Niú Fŭ, Comandante Imperial, genro de seu antigo senhor. Niú Fŭ havia partido a fim de vingar-se por seu sogro e foi nomeado líder da linha de frente.

137. Conforme avançavam as tropas de Liangzhou, chegaram estas novas a Wáng Yŭn, que consultou Lǚ Bù.

138. “São todos um bando de ratos!”, disse Lǚ Bù. “Não vos importai com seus números. Não ficai sequer em mínimo ansioso!”

139. Então Lǚ Bù e Lĭ Sù seguiram a fim de se encontrarem com a turba. Lĭ Sù, que estava à frente, encontrou Niú Fŭ. Eles combateram. Niú Fŭ estava em desvantagem e bateu em retirada, após ter sofrido massacre. Mas Niú Fŭ retornou inesperadamente em um ataque à noite, encontrou Lĭ Sù desprevenido e arrastou as tropas de Lĭ Sù por mais de um quilômetro, a matar muitos.

140. Lĭ Sù relatou a derrota e Lǚ Bù enfureceu-se com ele, a dizer: “Manchaste minha reputação como guerreiro e destruíste nosso espírito de combate!”.

141. E Lǚ Bù pôs Lĭ Sù à morte, expondo sua cabeça nos portões do acampamento.

142. No dia seguinte avançou Lǚ Bù com seu exército e encontrou Niú Fŭ. Ele estava em condição superior à de Niú Fŭ, e o repeliu. Naquela noite, Niú Fŭ chamou por Hú Chē'Èr, o homem dentre os seus por quem tinha mais confiança, a fim de aconselhá-lo.

143. Hú Chē'Èr disse: “Lǚ Bù é por demais bravo guerreiro e é muito esperarmos superá-lo. Nosso caso não tem esperança. Nossa melhor opção é desertar destes quatro generais, ocultar seus itens de valor e deixar o exército com apenas alguns de nossos seguidores.”.

144. O plano de Hú Chē'Èr foi adotado e, então, naquela mesma noite os dois traidores e alguns outros fizeram seu caminho afora. Estavam eles apenas em metade de dúzia. Chegaram próximos a um rio e, enquanto o cruzavam, Hú Chē'Èr, tentado pela cobiça por riqueza, abateu seu companheiro. Então, seguiu a fim de oferecer a cabeça de Niú Fŭ a Lǚ Bù. Este inquiriu acerca da questão e, quando um dos seguidores contou-lhe a verdade, pôs ele o duplo traidor Hú Chē'Èr à morte.

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145. Lǚ Bù então avançou contra os rebeldes, a cair sobre as tropas de Lĭ Jué. Sem dar a eles tempo para formarem-se em batalha, atacou-os Lǚ Bù. Lanças prontas e cavalos a curvetear, o exército seguiu em frente sem muita resistência e Lĭ Jué, não conseguindo manter seu posto, retrocedeu por longo caminho. Lĭ Jué assentou-se à falda de uma colina a mais de vinte quilômetros de distância e, então, chamou por seus seguidores a fim de se reunirem em conselho.

146. Lĭ Jué disse: “Lǚ Bù, apesar de bravo em batalha, não é estrategista e não é de fato formidável. Liderarei minhas tropas a fim de segurarem a boca do desfiladeiro e, a cada dia, incitá-lo-ei a atacar-nos; assim que vier ele contra mim, pode o general Guō Sì atacar sua retaguarda, da mesma maneira que fez Péng Yuè quando lutava contra o Chu.33

Enquanto alterno ataque e retirada, os generais Fán Chóu e Zhāng Jì marcharão, em direções diferentes, rumo a Changan. Tal ataque em dois pontos deve acabar com ambos Wáng Yŭn e Lǚ Bù.”

147. Então prepararam-se a fim de empreender este plano. Tão logo chegou Lǚ Bù às colinas, um grupo de Lĭ Jué surgiu a fim de atacá-lo. Lǚ Bù empregou violenta investida contra o inimigo, o qual recuou às colinas, de onde disparavam flechas e arremessavam pedras como chuva que cai. As tropas de Lǚ Bù se detiveram. Neste momento, relatou-se que a retaguarda estava sendo atacada e lá surgira Guō Sì. Lǚ Bù prontamente urgiu em direção ao novo inimigo, mas o rufar dos tambores imediatamente deu o sinal para recuar, e Lǚ Bù não conseguiu atacá-los. Conforme chamava por seu exército, soaram os gongos do outro lado e Lĭ Jué, seu outro oponente, surgia a atacar sua linha de frente. Mas, antes que pudesse Lǚ Bù juntar-se à batalha, era sua retaguarda novamente assaltada por Guō Sì, que, por sua vez, recuava imediatamente.

148. Com isto foi fisgado Lǚ Bù até o ponto em que seu peito estava quase explodindo de fúria. A mesma tática prosseguiu por vários dias. Ele não podia nem atacar seus enemigos, nem escapar deles. Suas tropas não tinham descanso.

149. Em meio a esta manobra distrativa cavalgou um mensageiro em grande pressa, a relatar: “A Capital está em perigo iminente por um ataque em conjunto de Fán Chóu e Zhāng Jì!”.

150. Lǚ Bù prontamente ordenou que marchassem a fim de salvar a capital, o que resultou em uma completa derrota quando ambos seus oponentes Lĭ Jué e Guō Sì seguiram em seu encalço. Suas baixas foram graves.

151. Ele logo chegou a Changan e encontrou lá os rebeldes em números enormes e a cidade praticamente cercada. O ataque de Lǚ Bù surtiu pouco efeito e, conforme seu

33 Referência à batalha entre o Imperador Hàn Gāo, Liú Bāng, e Xiang Yu, auto-intitulado Rei Hegemônico do Oeste de Chŭ. Péng Yuè, à época oficial de Liú Bāng, participou ativamente do ataque. O embate entre Liú Bāng e Xiang Yu durou cinco anos (206 a.C. – 202 a.C.); Liú Bāng foi o vencedor e, com isto, proclamou-se Imperador, estabeleceu a Dinastia Hàn e transformou Changan em capital do Império. (N. do T.)

temperamento se tornava cada vez mais selvagem sob cada derrota, muitos de seus soldados migraram para o lado dos rebeldes. Ele caiu então em grande melancolia.

152. Então alguns dos apoiadores remanescentes de Dŏng Zhuō ainda pela cidade, liderados por Lĭ Mēng e Wáng Fāng, puseram-se a prestar auxílio aos assaltantes e, alguns dias depois, abriram secretamente os portões da cidade e adentro seguiam os sitiantes. Lǚ Bù esforçou-se ao máximo, mas não conseguia conter a onda de ataques. A comandar algumas centenas de cavaleiros, investiu contra os Portões da Tranca Negra e chamou por Wáng Yŭn, que estava do outro lado.

153. “Este caso é agora desesperado. Cavalga comigo até local mais seguro!”

154. Wáng Yŭn respondeu: “Fui agraciado com o espírito do Estado, devo obter sucesso em restaurar a tranquilidade que desejo. Mas, caso não o consiga, então ofereço meu corpo como sacrifício. Não fraquejarei ante ao perigo. Manda meus agradecimentos aos nobres apoiadores além da Passagem por seus esforços, e pede a eles que se lembrem de seu País!”.

155. Lǚ Bù urgiu e urgiu Wáng Yŭn, mas ele não desejava partir. Logo despontaram chamas por toda a cidade e Lǚ Bù precisou partir, a abandonar sua família a seu próprio destino. Ele fugiu, a procurar por refúgio com Yuán Shù.

156. Lĭ Jué, Guō Sì e seus companheiros líderes deram licenciosidade total a seus rufiões, que roubaram e assassinaram como bem queriam. Muitos altos oficiais pereceram. Os ministros Chong Fu, Lu Kui e Zhou Huan, e os Comandantes Imperiais Cui Lie e Wang Qín, todos morreram em meio à luta.

157. Em tempo os rebeldes adentraram a parte interna do Palácio, e os membros da Corte imploravam ao Imperador que seguisse ao Portão da Propagadora Paz, a fim de tentar conter a rebelião.

158. À vista do pequeno guarda-sol amarelo, Lĭ Jué e Fán Chóu exortou seus exércitos e todos eles bradaram: “Vida longa ao Imperador!”

159. O Imperador posicionou-se ao lado da torre e se dirigiu a eles: “Quê significa isto, Nobres, em adentrardes a Capital deste modo sem regras e sem minha convicação?”.

160. Os dois líderes ergueram seus olhares e disseram; “Dŏng Zhuō, o Primeiro Ministro de Vossa Majestade, foi aniquilado por Wáng Yŭn e estamos aqui a fim de nos vingarmos por Dŏng Zhuō. Não somos rebeldes, Senhor. Permitai-nos ter Wáng Yŭn apenas, e recuaremos nossas tropas.”.

161. Wáng Yŭn estava de fato entre os membros da Corte e ao lado do Imperador.

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162. Ao ouvir tal exigência, disse Wáng Yŭn: “O plano foi concebido em benefício do Trono. Mas, como vinha de lá todo o mal, não Vos ressintais em perder-me. Sempre combati o mal e irei abaixo, a esses rebeldes.”.

163. O Imperador estava imerso em prantos e a tremular. Mas o fiel ministro saltou dos muros, a exclamar: “Wáng Yŭn está aqui!”.

164. Os dois líderes sacaram suas espadas, a exclamar: “Por que crime foi nosso mestre posto à morte?”.

165. “Seus crimes preenchiam os Céus e cobriam a Terra; língua alguma pode enumerá-los. O dia de sua morte foi um dia decelebração em toda a cidade, como bem sabeis.”, disse Wáng Yŭn.

166. “E, se foi ele culpado por algum crime, quê fizemos nós para não sermos perdoados?”

167. “Oh rebeldes sediciosos, para quê discutir? Estou pronto para morrer.”

168. E Wáng Yŭn foi morto à base da torre.

169. Pelo sofrer do povo então tocadoE, ante o pesar do Príncipe, vexado,Compôs Wáng Yŭn a morte do traidor,Disto obtendo o alívio a toda a dor.

Por todos é herói considerado,Leal e fiel ele ao Estado:Guardou em vida as principescas torres;Sua alma guarda as torres até hoje.

170. Após terem acabado com o leal ministro aos pés do Imperador, procederam a exterminar também toda sua família. Todos caíram em prantos.

171. Então conversaram entre si os rufiões: “Já tão longe que estamos, quê seria melhor senão escapar com o Imperador e completar nosso plano? “.

172. Condenara o traidor sua própria carga,Deveria a rebelião enfim cessar;Os seus, porém, licenciosos a vagar,A paz de todo o Império deixam perturbada

173. O destino do Imperador será revelado no próximo capítulo.

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Capítulo X

Em Armas, Mă Téng Segue A Resgatar O Imperador; Ao Comando De Tropas, Cáo Cāo Marcha A Vingar Seu Pai

1. No último capítulo, os rebeldes Lĭ Jué e Guō Sì propuseram assassinar o Imperador Xiàn; Zhāng Jì e Fán Chóu, seus seguidores, porém, opuseram-se a isto.

2. “Não. O povo não aprovaria Sua morte neste momento. Restaurai-Vos a Seu poder e estabeleceis o controle de Changan a vossos aliados. Removei seus apoiadores, e então poderemos planejar Sua morte. E o Império estará em suas mãos.”

3. Então, cessaram o ataque.

4. O Imperador novamente falou de sua torre, e disse: “Por quê vós ainda permaneceis? Assassinastes Wáng Yŭn: agora, removei teus soldados.”.

5. Então, Lĭ Jué e Guō Sì responderam: “Vossos serviçais desejam postos como recompensa por seus bons serviços à Dinastia.”.

6. “Quais postos, senhores?”

7. Todos os quatro anotaram seus desejos e os entregaram ao Imperador, que não teve outra escolha senão ceder ao que fora solicitado; então, foram estabelecidos:

8. Lĭ Jué foi nomeado General das Carruagens Voadoras, Senhor de Chiyang, Comandante do Distrito da Capital e Administrador da Corte, além de ter sido agraciado com uma Insígnia Militar.

9. Guō Sì foi nomeado General do Exército da Retaguarda, Senhor de Meiyang e Administrador da Corte, além de ter sido agraciado com uma Insígnia Militar.

10. Fán Chóu foi nomeado General do Exército Direito e Senhor de Wanian.

11. Zhāng Jì foi nomeado General da Cavalaria Voadora e Senhor de Pingyan.

12. Lĭ Mēng e Wáng Fāng, por terem aberto os portões da cidade, foram nomeados Comandantes Imperiais.

13. Após receberem cargos de nobreza, Lĭ Jué e Guō Sì agradeceram o Imperador e seguiram rumo a Xunung, aos subúrbuis de Changan, e lá montaram acampamento. Outros líderes rebeldes também foram agraciados com cargos. E, mais uma vez, estava a Capital livre de tropas.

14. Os seguidores de Dŏng Zhuō, tendo já conquistado tanto, não se esqueceram de seu antigo líder. Eles procuraram por seu corpo a fim de enterrá-lo, mas encontraram apenas alguns de seus fragmentos. Então, escultores pagos por eles esculpiram uma estátua à sua compleição em fragrante madeira, despacharam-na de modo apropriado e instituíram sacrifícios e orações dignos de um nobre. O que restara de seu corpo fora vestido em principesco manto, e um principesco ataúde fora providenciado para seu sepultamento. Eles escolheram Meiwo como sua tumba e, encontrado dia auspicioso, digiriram-se para lá com o ataúde.

15. Mas uma terrível tempestade, repleta de trovões, desabou logo ao dia do sepultamento, e o solo inundou-se. O ataúde foi levado pelas águas, e seus pobres restos mortais foram arremessados para fora por trovões. Por uma segunda vez, sepultaram o ataúde; algo similar, porém, ocorreu naquela noite. E, então, por uma terceira vez, em outro local, tentaram sepultá-lo – mas a terra rejeitava seus restos mortais. O fogo dos trovões havia já os consumido por inteiro. Então, deve-se dizer que os Céus sustinham excessiva ira por Dŏng Zhuō

16. Então, Lĭ Jué e Guō Sì detinham o real poder do Cetro e oprimiam o povo. Eles também removeram os serviçais do Palácio e os substituíram por seus próprios protegidos, que, de modo praticamente prefeito, mantinham sob sua vigilância toda ação do Imperador a ponto de O restringirem e O constrangerem grandemente. Todas as nomeações e remoções eram conduzidas pelos dois rebeldes. Pelo bem da popularidade, convocaram em especial Zhū Jùn, general veterano, à Corte e o fizeram Administrador da Corte, associando-o ao governo.

17. Certo dia, chegou-lhes um relatório a alertar que Mă Téng, Governador de Xiliang, e Hán Suì, Protetor Imperial de Bingzhou, este a trazer cem mil tropas consigo, aproximavam-se rapidamente da Capital com o intuito de atacar os rebeldes em nome do Imperador.

18. Estes líderes do Oeste haviam orquestrado com cuidado seus planos. Mă Téng e Hán Suì enviaram amigos de confiança à Capital, a fim de procurar por quem os apoiasse. Eles conspiraram com três oficiais, Ma Yu e Chong Shao, Conselheiros da Corte, e Liu Fan, Comandante Imperial, a fim de serem eles seus aliados internos e tramarem eles contra os rebeldes. Os três obtiveram do Trono dois éditos secretos, conferindo a Mă Téng a posição de Comandante Que Conquista O Oeste e a Hán Suì, o título de Comandante Que Protege O Oeste. Com estes poderes, os dois comandantes uniram forças e iniciaram sua marcha.

19. Os quatro líderes do grupo ao poder, Lĭ Jué, Guō Sì, Fán Chóu e Zhāng Jì, consultaram seus soldados a fim de saber como proceder com o ataque.

20. Disse o Conselheiro Jiă Xŭ: “Uma vez que marcham os atacantes por certa

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distância, será nosso plano fortificarmo-nos e aguardarmos até que a escassez de alimentos trabalhe por nós. Em cem dias serão consumidos seus suprimentos, e eles baterão em retirada. Podemos persegui-los, e certamente os capturaremos.”.

21. Ergueram-se Lĭ Mēng e Wáng Fāng, e disseram: “Este é um mal plano. Dai-nos dez mil homens: acabaremos com ambos e ofereceremos suas cabeças frente às vossas insígnias.”.

22. “Lutar imediatamente significa derrota.”, disse Jiă Xŭ.

23. Lĭ Mēng e Wáng Fāng exclamaram em tom uníssono: “Se falharmos, dispomo-nos a perder nossas cabeças. Mas, caso vençamos, então que seja tua cabeça nossa prenda.”.

24. Jiă Xŭ sugeriu então a Lĭ Jué e Guō Sì: “A pouco mais de cem quilômetros a oeste da Capital repousam as Colinas de Zhouzhi. As passagens são estreitas e difíceis. Enviai os generais Zhāng Jì e Fán Chóu a fim de ocuparem este ponto de vantagem e se fortificarem, para com isto poderem prestar apoio a Lĭ Mēng e Wáng Fāng.”.

25. Lĭ Jué e Guō Sì aceitaram este conselho. Eles partiram com quinze mil cavaleiros e soldados, e Lĭ Mēng e Wáng Fāng partiram em bom estado de espírito. Eles montaram acampamento próximos a cento e cinquenta quilômetros de Changan.

26. As forças do Oeste chegaram, e Mă Téng e Hán Suì lideraram suas tropas ao ataque. Encontraram eles Lĭ Mēng e Wáng Fāng, seus oponentes, em campo de batalha.

27. Mă Téng e Hán Suì cavalgavam à frente, lado a lado. A apontar os líderes rebeldes, os comandantes os ofendiam, a exclamar: “São estes traidores! Quem irá capturá-los?”

28. Mal foram proferidas estas palavras quando então surgiu um jovem general de compleição alva e clara como jade, olhos como estrelas cadentes, corpo ágil e fortes membros. Ele trazia consigo longa lança e era conduzido por excelente montaria. O jovem líder era Mă Chāo, filho de Mă Téng, que contava com dezessete anos de idade.

29. Apesar de ainda jovem, era ele de extrema valia. Wáng Fāng, desdenhando-o por conta de sua juventude, galopou à frente, a fim de atacá-lo. Após de trocarem alguns golpes, foi Wáng Fāng atingido e caiu sob um golpe da lança do jovem Mă Chāo. O vitorioso voltou-se em direção à sua formação, mas Lĭ Mēng cavalgou em sua direção, a fim de vingar seu colega abatido.

30. Mă Chāo aparentemente não vira Lĭ Mēng, mas seu pai exclamou-lhe: “Estás sendo perseguido!”.

31. Mal havia Mă Téng dito isto quando viu que era o perseguidor agora prisioneiro, sentado sobre a montaria de seu filho. Mă Chāo sabia que estava sendo perseguido mas

fingira não o perceber, aguardando até que seu inimigo estivesse próximo e já a erguer sua lança, pronta ao ataque. Então, repentinamente, guinou Mă Chāo sua montaria. O golpe da lança encontrou o ar vazio apenas e, conforme emparelhavam-se os cavalos, os poderosos braços de Mă Chāo investiram com sua lança e arremessaram Lĭ Mēng de sua sela. Com isto, foram deixados os soldados de Lĭ Mēng e Wáng Fāng sem comandante algum, e então debandaram por todas as direções. Os exércitos de Mă Téng e Hán Suì seguiram, em perseguição, e com isto conquistaram a plena vitória. Eles seguiram a uma das passagens e, lá, montaram acampamento. Então, decapitaram Lĭ Mēng e expuseram sua cabeça.

32. Logo ao saberem Lĭ Jué e Guō Sì que ambos seus ostentados generais sucumbiram sob as mãos de um jovem rapaz, reconheceram que Jiă Xŭ dera bom conselho e fora agraciado com clara presciência. Então, passaram a prezar mais por seus planos e resolveram agir na defensiva. Eles recusavam todos os desafios para o combate.

33. Então, inevitavelmente, após alguns meses, exauriram-se todos os suprimentos da força de Xiliang, e seus líderes consideravam a retirada.

34. Eis que, então, um serviçal doméstico da família de Ma Yu traiu seu mestre e relatou sobre a conspiração dos três oficiais da Corte, sobre o auxílio aos atacantes. Em vingança, Lĭ Jué e Guō Sì, os dois chefes, capturaram os três conspiradores, Ma Yu, Chong Shao e Liu Fan, juntamente com todos os membros de suas residências e os decapitaram em praça pública. As cabeças dos três foram expostas à frente dos portões principais da Capital.

35. Fán Chóu perseguiu o outro exército. Tão-logo aproximou-se, cavalgou vorajosamente Hán Suì à frente e dirigiu-se a ele, dizendo: “Tu e eu, Senhor, somos companheiros de mesma vila; por quê comportar-se de modo tão inamistoso?”.

36. Fán Chóu respondeu: “Devo obedecer os comandos de meu chefe.”.

37. “Estou aqui a serviço do Estado. Por quê pressionas tanto a mim?”, disse Hán Suì.

38. Dito isto, virou-se Fán Chóu com seu cavalo, chamou por suas tropas e deixou Hán Suì em paz. Inadvertidamente, testemunhou um sobrinho de Lĭ Jué toda esta cena e, ao ver o inimigo permitido a partir, livre, retornou e contou tudo a seu tio. Em ira por ter escapado seu inimigo, Lĭ Jué teria enviado um exército a fim de vingar seu general.

39. Mas novamente surgiu Jiă Xŭ, a dizer: “O povo não está ainda assentado, e foi de grande risco provocar outra guerra. Ao invés disso, convida Fán Chóu a um banquete e, enquanto segue a festividade, executa-o por derrelição de dever.”.

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40. Este pareceu um bom conselho a Lĭ Jué e, então, foi preparado o banquete. Zhāng Jì e Fán Chóu aceitaram seus convites e para lá dirigiram-se, animadamente.

41. Próximo ao fim da festividade, houve uma repentina mudança em Lĭ Jué, seu anfitrião, e repentinamente perguntou a Fán Chóu: “Por quê estivestes em intriga com Hán Suì? Estás te tornando traidor, é isso?”.

42. O infeliz convidado foi removido do cômodo. Antes mesmo que pudesse formular suas palavras como resposta, viu ele que os assassinos avançavam, munidos de espadas e machadas. Em um só momento, estava tudo acabado; a cabeça de Fán Chóu jazia sob a mesa.

43. Desmesuradamente assustado, Zhāng Jì, seu companheiro visitante, prostrou-se ao chão.

44. “Fán Chóu era um traidor”, disse o anfitrião, erguendo Zhāng Jì pelos braços, “e cometeu seus delitos. Tu és meu amigo, e não necessitas temer.”.

45. Lĭ Jué estabeleceu a Zhāng Jì o comando do exército de Fán Chóu, com o qual retornou a seu quartel, em Hongnong.

46. Nenhum dos líderes dentre os colegas ousava atacar o grupo recém-ascendido dentre a desafeição de Dŏng Zhuō, enquanto, por outro lado, Jiă Xŭ nunca cessava em urgir seus senhores a se dedicarem ao bem do povo e, com isto, tentando pessoas sábias a se unirem a eles. E, com estes meios, principiou-se o Governo a prosperar e a Corte, a reassegurar sua autoridade.

47. Um novo problema, porém, surgiu sob a forma de ressurgência dos Turbantes Amarelos, em Qingzhou. Eles vieram, sob numerosos chefes, em centenas de milhares; saqueavam eles todos os lugares por onde passavam.

48. O Ministro Zhū Jùn disse conhecer alguém capaz de destruir esta sedição e, quando perguntado sobre quem seria o homem por ele indicado, Zhū Jùn disse: “Tu queres destruir esta horda de rebeldes; tu falharás, a não ser que obtenhas os préstimos de Cáo Cāo.”.

49. “E onde está ele?”, perguntou-lhe Lĭ Jué.

50. “Ele é Governador de Dongjun. Possui ele numeroso exército, e bastará ordená-lo a agir. Este levante será rompido.”

51. Uma mensagem foi prontamente despachada, ordenando a Cáo Cāo e Bào Xìn, Senhor de Jibei, que agissem em conjunto a fim de conterem a rebelião.Tão-logo recebeu Cáo Cāo este comando da Corte, assentou com seu colega a primeiro atacar os rebeldes

em Shouyang. Certeiro, investiu Bào Xìn ao meio do levante rebelde, causando danos por onde cruzava, mas foi abatido em batalha. Cáo Cāo perseguiu os rebeldes, conforme fugiam. Dez mil renderam-se. Então, agregou Cáo Cāo seus inimigos de outrora a seu comboio. Logo que chegava seu exército a alguma região, mais rendiam-se e juntavam-se a ele. Após três meses utilizando-se de tal tática, vencera e agregara milhares e milhares de soldados e aldeões comuns.

52. Destes novos combatentes, foram selecionados os mais bravos e fortes e, com eles, foi estabelecido o Exército de Qingzhou. Os demais foram enviados de volta a seus lares e campos. Em consequência destes sucessos, tornavam-se o prestígio e fama de Cáo Cāo muito imponentes, e cresciam diariamente. Ele relatou seus sucessos à Capital, Changan, e foi recompensado com o título de General Que Protege O Leste.

53. Em seu quartel em Yanzhou, recebeu Cáo Cāo sábios conselheiros e bravos guerreiros, e muitos reuniam-se em torno de si. Dois hábeis homens, Xún Yù e Xún Yōu, tio e sobrinho, ambos de Yanzhou, surgiram em uma mesma ocasião. O tio já estivera a serviço de Yuán Shào.

54. Cáo Cāo celebrou, ao saber que conquistara o sábio Xún a seu lado. Disse: “Xún Yù é meu Zhāng Liáng!”.34

55. Ele nomeou Xún Yù como General-Em-Marcha. Xún Yōu, seu sobrinho, era renomado por suas abilidades e estivera a serviço da Corte quando residia em Luoyang, mas abandonara sua carreira e retornara à sua vila. Cáo Cāo o nomeou Intrutor Militar.

56. Xún Yù disse a Cáo Cāo: “Há certo homem de sabedoria em Yanzhou, mas não sei eu a serviço de quem está ele.”.

57. “Quem é ele?”

58. “Chéng Yù é seu nome. Ele pertence à parte leste de Yanzhou.

59. “Sim, já ouvi a seu respeito.”, disse Cáo Cāo.

60. Um mensageiro foi então enviado à sua terra natal, a fim de procurar por ele. Chéng Yù estava às colinas, em estudos, mas retornou, ante ao convite de Cáo Cāo.

61. “Provar-me-ei indigno de tuas recomendações,”, disse Chéng Yù a seu amigo Xún Yù, “pois sou despreparado e ignorante. Mas te esqueceste de Guō Jiā, tem companheiro de vila? Ele é verdadeiramente hábil. Por quê não estender a rede para

34 Zhāng Liáng, ou Zhang Zifang, fora o mestre estrategista de Liu Bang. Sua família servira o Estado do Hàn como ministros-chefes durante o período dos Estados Combatentes. (N. do T.)

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também conquistá-lo?”.

62. “Havia dele quase me esquecido.”, disse Xún Yù.

63. Então, falou a Cáo Cāo acerca desse homem, que foi prontamente convidado.

64. Guō Jiā, a debater com Cáo Cāo acerca de vários assuntos, recomendou Liu Ye, de Henan, que era descendente de Liú Xiù, Fundador do Hán Ulterior. Tão-logo chegou Liu Ye, foi ele responsável por convidar mais dois homens: Măn Chŏng, de Shanyang, e Lǚ Qián, de Wucheng, ambos conhecidos por Cáo Cāo devido à sua reputação. Estes dois trouxeram a seu novo mestre o nome de Máo Jiè, de Chenliu, que também respondeu ao convite. Então um famoso líder, juntamente com sua tropa de algumas centenas de homens, chegou também a fim de oferecer seus préstimos. Era ele Yú Jìn, de Taishan, perito cavaleiro e arqueiro, habilidoso além de seus companheiros em toda modalidade de exercício militar. Ele foi nomeado Inspetor do Exército.

65. Então, noutro dia, apresentou alguém Xiàhóu Dūn a Cáo Cāo.

66. “Quem é ele?”, perguntou-lhe Cáo Cāo.

67. “É ele de Chenliu e seu nome é Diăn Wéi. Ele é o mais bravo dentre os bravos, o mais forte dentre os fortes. Estava ele dentre o povo de Zhāng Miăo, mas discutiu com seus companheiros de tenda e matou dúzias deles com seus punhos. Então, fugiu para as montanhas, onde o encontrei. Estava eu a alvejar quando o vi, a perseguir um tigre por uma fonte d'água. Eu o persuadi a se juntar à minha tropa, e o recomendo a ti.”

68. “Vejo não ser ele homem qualquer”, disse Cáo Cāo. “É ele vistoso e direito, e aparenta ser muito poderoso e valente.”.

69. “Ele o é. Certa vez, matou ele um homem a fim de vingar um amigo, e carregou sua cabeça por todo o mercado público. Centenas o viram, mas não ousaram aproximar-se de si, As armas que utiliza agora são um par de lanças, cada uma pesando pouco mais de cinquenta quilos, e as porta ele mesmo sobre sua cela.”

70. Cáo Cāo exortou ao homem que desse provas de suas habilidades. Diăn Wéi então galopou aqui e ali, portando suas lanças. Então viu ele, longe, próximo às tendas, um gigantesco estandarte a flamular perigosamente com a força dos ventos, e a ponto de cair. Uma multidão de soldados estava em vão se empenhando em mantê-lo erguido. Desmontou ele, gritou aos homens que se afastassem e segurou o bastão de forma firme com apenas uma das mãos, mandendo-o perfeitamente erguido mesmo com os fortes ventos.

71. “É este o velho E Lai35 novamente!”, disse Cáo Cāo.

35 E Lai, general do Rei Zhou, ó último da Dinastia Shangt (data-data). Era considerado guerreiro de força

72. Ele concedeu a Diăn Wéi um posto em seu quartel e, além disso, presenteou-o com um manto ricamente bordado, que agora vestia, e uma ligeira montaria com graciosa sela.

73. Cáo Cāo encorajava pessoas hábeis a auxiliá-lo, e tinha consigo conselheiros civis e valentes generais em seu exército. Ele se tornou famoso pelo Leste da Passagem.

74. O pai de Cáo Cāo, Cáo Sōng, vivia em Langye, para onde havia ido por ser lá um local livre da tormenta dos duelos entre facções. Cáo Cāo desejava unir-se a ele. Como filho devoto, Cáo Cāo enviou Ying Shao, Governador de Taishan, a fim de escoltar seu pai até Yanzhou. O ancião Cáo Sōng leu a carta com grande alegria, e a família se preparou para a mudança. Eram eles quarenta ao todo, levando consigo carroças e centenas de serviçais.

75. A estrada trilhava pela região de Xuzhou, governada por Táo Qiān, Protetor Imperial, homem sincero e correto que, há muito, desejava atingir bons termos com Cáo Cāo mas, até então, não encontrara formas de estabelecer um laço de união. Ao saber que a família do grande homem passava por sua região, pôs-se Táo Qiān a recebê-los, tratando-os com grande cordialidade, celebrando banquetes e entretendo-os por dois dias; quando partiram, ele os escoltou até sua fronteira. Ainda, enviaram como escolta o general Zhāng Kăi, acompanhado por um grupo de quinhentos homens.

76. O comboio chegou então a Huafei. Era o fim do verão, já despontando o outono, e, neste local, foram detidos por uma tremenda tempestade de chuva. O único abrigo era um antigo templo, e para lá seguiram eles. A família ocupou os cômodos principais e a escolta, as duas laterais. Os homens da escolta estavam ensopados, irritados e descontentes.

77. Então Zhāng Kăi chamou dois de seus oficiais a um ponto discreto e disse: “Somos os antigos Turbantes Amarelos, e nos submetemos a Táo Qiān apenas porque não tivéramos outra opção. Agora está aqui a família Cáo sem equipamento algum, e poderemos ficar ricos muito facilmente. Então teremos muitos tesouros, e nos debandaremos às montanhas.”.

78. Eles todos concordaram. A tempestade continuava noite afora e, conforme aguardava Cáo Sōng ansiosamente por sinais de bom tempo, repentinamente escutou murmúrios vindos do lado oeste do templo. Seu irmão, Cáo De, sacou sua espada, foi-se a investigar quê era aquilo e, prontamente, Cáo De foi cortado em pedaços. Cáo Sōng tomou uma das concubinas pela mão, foi-se com ela pela passagem contra os fundos do templo e, com isto, esperava escapar. Mas a dama era por demais robusta, e

física extraordinária. (N. do T.)

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não conseguiu passar pelas estreitas aberturas; os dois, portanto, ocultaram-se em um dos pequenos galpões dali. Porém, foram encontrados e abatidos.

79. O infeliz Governador Ying Shao fugiu, temendo por sua vida, a Yuán Shào. Os assassinos fugiram para o sul do Rio Huai com seu butim, após incendiarem o antigo templo.

80. Cáo Cāo, por tantas eras como é louvado,Assassinara até quem lhe dera abrigo;Não foge o Nêmesis de seu fatal castigo,Assassinados também foram seus amados.

81. Alguns da escolta conseguiram fugir e levaram as vis notícias a Cáo Cāo. Ao ouvi-las, quedou-se à terra em grande pranto. Eles o ergueram.

82. Dentes cerrados, murmurou: “O povo de Táo Qiān assassinou meu pai: não podem mais nos recobrir os mesmos Céus. Varrerei Xuzhou da face da terra. Apenas assim satisfarei minha vingança.”.

83. Cáo Cāo delegou a Xún Yù e a Chéng Yù um pequeno exército de trinta mil homens, a fim de guardarem o quartel leste e as três cidades de Juancheng, Fanxia e Dongjun. Então, seguiu ele com todo o exército remanescente a fim de destruir Xuzhou e vingar a morte de seu pai. Lideraram Xiàhóu Dūn, Yú Jìn e Diăn Wéi à frente, sob as ordens de Cáo Cāo para aniquilarem todos os habitantes de cada cidade capturada.

84. Nesta ocasião, estava Chén Gōng a serviço em Dongjun, e também em termos amigáveis com Táo Qiān. Ao saber do intento de Cáo Cāo em dizimar toda a população, foi-se Chén Gōng em grande pressa a fim de ter com seu antigo companheiro. Cáo Cāo, ao saber do intento de Chén Gōng, negou-se prontamente a recebê-lo. Mas, então, não pode se esquecer da gentileza com a qual fora tratado por Chén Gōng, e por fim chamou-o à sua tenda.

85. Chén Gōng disse: “Dizem que vais vingar a morte de teu pai em Xuzhou, a destruir seu povo. Vim aqui para dizer-te algo. Táo Qiān, o Protetor Imperial, é humano e de boa-fé. Ele não busca obter proveito para sua própria vantagem, sem se importar com os meios e com os outros. Teu digno pai encontrou sua infeliz morte nas mãos de Zhāng Kăi. Táo Qiān é isento de culpa. Mais inocente ainda é o povo, e assassiná-los seria vil. Rogo que penses a respeito disto.”.

86. Cáo Cāo retorquiu, em ira: “Tu certa vez me abandonaste, e agora tens a imprudência de vir a encontrar-me! Táo Qiān abateu minha família inteira, e arrancarei seu coração como vingança. Eu o juro! Podes dizer o que quiseres sobre teu amigo. Será como se nada tivesse eu escutado.”.

87. A intercessão falhara. Chén Gōng suspirou e seguiu seu rumo.

88. Ele disse: “Ai!, não posso ir-me à frente de Táo Qiān e encará-lo pela face.”.

89. Então Chén Gōng cavalgou à cidade de Chenliu, a fim de prestar serviços ao Governador Zhāng Miăo.

90. O exército de vingança de Cáo Cāo deixava detritos por onde quer que passassem, aniquilando o povo e profanando seus cimitérios.

91. Ao saber Táo Qiān de tais terríveis eventos, mirou ele os Céus e disse: “Devo ser eu culpado por alguma falta ante aos Céus, para recair tamanho mal sobre meu povo!”.

92. Ele convocou seus oficiais.

93. Um deles, Cáo Bào, disse: “Agora está o inimigo à nossa frente: não podemos nos sentar e aguardar pela Morte com nossos braços cruzados. Ajudar-vos-ei ao combate.”.

94. Táo Qiān relutantemente enviou o exército ao campo. A certa distância, avistou o exército de Cáo Cāo a ocupar, como a geada, vasta área e a se estender, ao perto e ao longe, como a neve. Em meio ao exército havia um grande estandarte e, em ambos os lados, liam-se os dizeres Vingança.

95. Assim que avistou suas tropas, cavalgou Cáo Cāo à frente, vestido em branco, como luto, a insultar Táo Qiān.

96. Mas Táo Qiān avançou e, sob sua insígnia, curvou-se longamente e disse: “Desejei fazer amizade convosco, Ilustre Senhor, e então enviei Zhāng Kăi a fim de escoltar vossa família. Não sabia eu que aquele coração rebelde em nada havia mudado. A culpa disto não é minha, como podem vossos olhos observar.”.

97. “Velho miserável! Assassinaste meu pai, e agora ousas murmurar estas palavras sem sentido!”, disse Cáo Cāo.

98. E então perguntou quem estaria apto a capturar Táo Qiān.

99. Xiàhóu Dūn aceitou a incumbência e foi-se afora. Táo Qiān seguiu à parte interna de sua formação e, conforme avançava Xiàhóu Dūn, seguiu Cáo Bào em seu encalço. Mas, tão-logo os dois cavalos se encontraram, formou-se ali um ciclone, e a torrente de poeira e detritos levou ambos os lados à plena confusão. Ambos recuaram.

100. Táo Qiān retirou-se à cidade e reuniu seus oficiais em conselho.

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101. “A força contra nós é muito poderosa.”, disse ele. “Entregar-me-ei como prisioneiro, e deixarei que ele aplaque sobre mim sua vingança. Devo salvar o povo.”.

102. Mas foi ouvida uma voz, a dizer: “Há muitos anos governastes esta região, e o povo vos ama. Mesmo sendo forte o inimigo, não é ele capaz de arrebentar nossos muiros, especialmente quando são estes protegidos por vós e vosso povo. Eu tenho um plano que talvez faça com que Cáo Cāo morra em local onde não encontrará enterro.”.

103. Estas corajosas palavras espantaram a assembléia, e avidamente perguntaram qual era o plano.

104. Ao se empenhar pela amizade, Colheu Táo Qiān o ódio mortal.Onde o perigo ameaça, grave, Encontrou seguro, ele, ao mal.

105. O próximo capítulo revelará quem surgiu à assembléia.

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Capítulo XI

Liú Bèi Resgata Kŏng Róng Em Beihai;Lǚ Bù Derrota Cáo Cāo Próximo A Puyang.

1. Chamava-se Mí Zhú aquele que dissera saber como derrotar Cáo Cāo de uma vez por todas. Mí Zhú viera de família abastada de mercadores, em Donghai, e comerciantes, em Luoyang. Certo dia, enquanto seguia daquela cidade rumo a seu lar, encontrou ele uma dama incrivelmente bela a caminhar, penosamente, pela via. Ela pediu a ele que a permitisse subir à montaria; ele então deteve-se, e cedeu ele a ela seu assento. Ela o convidou a dividir o assento consigo; também subiu ele à montaria, mas sentou-se em rija e vertical posição e jamais sequer mirava sua direção. Viajaram eles por alguns quilômetros; então, agradeceu-lhe ela e desceu da montaria.

2. Logo antes de partir, disse ela: “Sou a Deusa do Fogo, das Terras Do Sul. Seguia eu com a missão dos Deuses Supremos, de incendiar tuas dependências; tua extrema cortesia, porém, tocou-me profundamente. Aconselho-te: apressa-te a teu lar e remove aquilo teu de valor, pois lá chegarei nesta noite.”.

3. Em seguida, desapareceu. Mí Zhú apressadamente findou sua jornada e, tão-logo chegara, removeu tudo de sua casa. Naquela noite, de fato, principiou-se na cozinha um incêndio que logo envolveu toda a casa. Depois disto, dedicou ele sua riqueza a fim de trazer alívio aos pobres e confortar os aflitos. Táo Qiān concedeu a ele o cargo de magistrado que agora mantinha.

4. Foi este o plano proposto por Mí Zhú: “Irei a Beihai e suplicarei ao Governador Kŏng Róng por auxílio. Outro de nós deverá seguir a Qingzhou em missão semelhante, a fim de obter o auxílio de Tien Kai, Protetor Imperial. Caso os exércitos destas duas regiões marchem contra Cáo Cāo, ele certamente recuará.”.

5. Táo Qiān aquiesceu com o plano e redigiu duas cartas. Quis ele saber quem seria o voluntário a seguir rumo a Qingzhou, e um certo Chén Dēng ofereceu-se; após partir, foi a missão rumo ao norte oficialmente confiada a Mí Zhú. Enquanto isso, Táo Qiān e seus dois generais defenderiam a cidade da melhor forma possível.

6. Kŏng Róng era nativo de Qufu, no antigo estado de Lu. Era ele um dos descendentes de vigésima geração do grande Mestre Kǒng Fūzǐ36. Desde muito cedo era Kŏng Róng rapaz muito inteligente. Aos dez anos, seguiu a fim de se encontrar com Li Ying, Governador de Henan; os guardas, porém, o impediram de entrar.

7. Mas, quando disse Kŏng Róng: “Sou amigo íntimo do Ministro Li Ying.”, foi-lhe permitida a entrada.

36 Confúcio. (N. do T.)

8. Li Ying perguntou a Kŏng Róng que relações haveriam entre suas famílias, para que pudesse isto justificar o termo que empregara para sua entrada.

9. O garoto respondeu: “Indagou há muito Kǒng Fūzǐ, meu ancestral, a seu ancestral, Lǎozǐ , sábio Taoista, acerca de cerimônias. Então, conhecem-se por muitas gerações nossas famílias.”.

10. Li Ying estava impressionado com a pronta sagacidade do garoto.

11. Visitou-lhe certo dia Chen Wei, Alto Ministro, a quem Li Ying narrou a história de seu jovem convidado. “Incrível, este garoto.”, disse Li Ying, a apontar Kŏng Róng.

12. Chen Wei respondeu: “Não é sempre fato que o jovem perspicaz venha a crescser perspicaz homem.”.

13. O garoto prontamente o mirou e disse: “Pelo que dizeis, Senhor, fôreis por certo um dos jovens perspicazes.”.

14. Dito isto, riram-se o conselheiro do Ministro e o Governador e disseram: “Este garoto certamente será nobre recipiente.”.

15. Era, então Kŏng Róng conhecido desde sua infância. Quando então homem, ascendeu a Comandante Imperial e foi enviado como Governador de Beihai, onde tornou-se renomado por sua hospitalidade. Costumava ele citar estas linhas:

16. “Que estejam as salas repletas de amigosE as taças, que estejam repletas de vinho.Assim é como gosto.”

17. Após seis anos em Beihai, era seu povo devoto a ele. Estava Kŏng Róng sentado em meio a seus convidados, como de costume, no dia em que chegou Mí Zhú; em resposta, quando inquirido acerca do motivo de sua visita, apresentou-lhe Mí Zhú a carta de Táo Qiān, onde se lia que Cáo Cāo pressionava a cidade de Xuzhou e o Protetor Imperial suplicava por auxílio.

18. Então, disse Kŏng Róng: “Teu mestre e eu somos bons amigos, e tua presença aqui impele-me a ir em seu auxílio. Não tenho eu, porém, nenhuma contenda com Cáo Cāo, então primeiro escreverei a ele, a fim de tentar assentar a paz. Caso recuse ele minha oferta, então porei meu exército em marcha.”.

19. “Cao Cao não escutará propostas de paz: está ele muito seguro de sua força.”, disse Mí Zhú.

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20. Kŏng Róng redigiu sua carta e instruiu também para que fossem reunidas suas tropas. Outro levante dos Turbantes Amarelos surgiu justamente àquele momento, com cerca de dez mil componentes, e seus rufiões seguiam a roubar e a matar em Beihai. Foi necessário lidar com eles em primeiro lugar, e então Kŏng Róng liderou suas tropas para fora da cidade.

21. Guăn Hài, o líder rebelde, cavalgava à frente, a exclamar: “Sei que é esta região fértil e pode por certo ceder dez mil carroças de grãos. Dá-me isto, e nos retiraremos; recusa, e abateremos as muralhas da cidade e destruiremos cada um dos teus cidadãos.

22. Kŏng Róng respondeu-lhe: “Sou servo do grande Hàn, confiada a mim a segurança destas terras. Pensas tu que alimentarei rebeldes?”.

23. Guăn Hài açoitou sua montaria, brandiu sua espada sobre sua cabeça e cavalgou à frente. Zong Bao, um dos generais de Kŏng Róng, tomou sua lança em punho e cavalgou à batalha; após rápido embate, porém, foi abatido Zong Bao. Logo entraram os soldados em pânico, e debandaram à cidade, a fim de lá buscarem proteção. Kŏng Róng estava muito abatido; Mí Zhú, que agora não mais via esperanças de sucesso em sua missão, sentia pesar além do exprimível.

24. A visão das muralhas da cidade era grandemente triste, uma vez que estavam os rebeldes em enorme número. Em um dos dias, enquanto sobre a muralha, avistou Kŏng Róng ao longe um homem, armado com uma lança, a cavalgar intensamente entre os Turbantes Amarelos, os dispersando à sua frente como a palha ante aos ventos.

25. Depois de certo tempo, atingiu o homem a base da muralha e exclamou: “Abri os portões!”.

26. Os defensores, porém, não abririam os portões a um desconhecido; com a demora, uma multidão de rebeldes aglomerava-se em torno do cavaleiro, ao longo da beira do fosso. A cavalgar repentinamente, avançou o guerreiro entre os rebeldes e derrubou cerca de uma dúzia deles, e outros tantos, com isto, recuaram. A este ponto, ordenou Kŏng Róng a seus guardiões que fossem abertos os portões e fosse permitido ao estranho que adentrasse. Tão-logo estava ele dentro da cidade, desmontou de sua montaria, pôs de lado sua lança, subiu à muralha e prestou humilde reverência ao Governador.

27. “Meu nome é Tàishĭ Cí, e sou da região de Laihuang. Retornei do Norte apenas ontem a meu lar, a fim de ver minha mãe, e então soube que estava vossa cidade à mercê de um ataque rebelde. Minha mãe dissera a mim que föreis muito gentil consigo, e aconselhou-me a tentar vos ajudar. Então parti, sozinho, e aqui estou eu.”.

28. Era isto animador. Kŏng Róng já conhecia Tàishĭ Cí por sua repotação como valente homem lutador, apesar de nunca terem se encontrado antes. Por ter seguido o filho ao longe de seu lar, concedeu Kŏng Róng à sua mãe proteção especial e fez com que não

sofresse ela de carência alguma. Isto conquistara o coração da velha senhora e enviou ela então seu filho, a fim de demonstrar sua gratidão.

29. Kŏng Róng mostrou seu apreço ao tratar seu convidado com o mais alto respeito, a presenteá-lo com roupas e armaduras, selas e cavalos.

30. Disse Tàishĭ Cí: “Dai-me mil soldados; sairei e debandarei aqueles homens.”.

31. “És corajoso guerreiro, mas são eles muito numerosos. Ir-se em meio a eles é assunto sério.”, disse Kŏng Róng.

32. “Enviou-me minha mãe por conta de vossa bondade a ela. Como posso eu olhá-la pela face, caso não impeça eu o cerco? Prefiro eu conquistar ou perecer.”.

33. “Ouvi que Liú Bèi é um dos heróis de nosso mundo. Tivéssemos seu auxílio, não haveriam dúvidas acerca do resultado. Mas não há ninguém para enviar a mensagem.”

34. “Ir-me-ei, tão-logo receba vossa carta.”.

35. Kŏng Róng então redigiu cartas e as entregou a seu auxiliador.

36. Tàishĭ Cí cingiu sua armadura, montou em seu cavalo, atrelou seu arco e sua aljava a seu cinturão, tomou pelas mãos sua lança, firmemente atou seu bornal ao arco de sua sela e cavalgou para fora dos portões da cidade. Ele partiu sozinho.

37. Reunira-se ao longo do fosso um grande grupo de sitiantes, e então puseram-se a interceptar o cavaleiro solitário. Mas Tàishĭ Cí avançou por dentre eles, a cortar vários, e finalmente abriu seu caminho.

38. Guăn Hài, ao saber que um cavaleiro partira da cidade, adivinhara qual seria sua missão e, acompanhado por um grupo de cavaleiros, seguiu Tàishĭ Cí. Guăn Hài os dispersou, para com isto cercar completamente o cavaleiro mensageiro. Tàishĭ Cí então pôs de lado sua lança, apoderou-se de seu arco, ajustou suas flechas uma por uma e as disparou à sua volta. Uma vez que ao chão ia-se um cavaleiro a cada tanger da corda de seu arco, aqueles que o perseguiam não ousavam aproximar-se.

39. Com isto, teve sua via livre e cavalgou apressadamente rumo a Liú Bèi. Chegou Tàishĭ Cí a Pingyuan e, após saudar seu anfitrião de modo apropriado, contou-lhe como estava Kŏng Róng cercado e que buscava ele seu auxílio. Ele então apresentou a carta, e leu-a Liú Bèi.

40. “E quem sois vós?”, perguntou-lhe Liú Bèi.

41. “Sou Tàishĭ Cí, de Laihuang Não tenho eu laços de parentesco com Kŏng Róng,

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tampouco de vizinhança; mas estou atrelado aos laços dos sentimentos, e compartilho suas lágrimas e infortúnios. Os Turbantes Amarelos investiram contra a cidade; está ele sem mais ninguém a quem recorrer, e a destruição é iminente. Sois vós conhecido por humano, direito e ávido a amparar os necessitados. Portanto, sob seu comando, enfrentei todos os perigos e galguei meu caminho em meio aos inimigos para rogar a vós que o salveis.”

42. Liú Bèi sorriu, a dizer: “Sabe ele que há no mundo um Liú Bèi?”.

43. Então Liú Bèi, em companhia de Guān Yŭ e Zhāng Fēi, reuniu três mil tropas e seguiu a fim de ajudar a romper o cerco. Tão-logo avistou Guăn Hài esta nova força a chegar, liderou suas tropas ao combate, a acreditar que poderia facilmente lidar com tão pequena força militar.

44. Os irmãos, Tàishĭ Cí consigo, assentaram-se sobre seus cavalos à frente de seu corpo militar. Guăn Hài apressou-se à frente. Tàishĭ Cí estava pronto à luta, mas Guān Yŭ deu início ao combate. Ele cavalgou à frente, e as duas montarias encontraram-se. Os soldados produziam grande barulho. Após alguns golpes, ascendeu e descendeu o sabre verdejante do dragão de Guān Yŭ; com o golpe, foi-se o líder rebelde ao chão.

45. Foi este o sinal para que Zhāng Fēi e Tàishĭ Cí também participassem, e avançaram eles lado a lado. Lanças em riste, arremeteram eles contra o inimigo, e Liú Bèi urgiu à frente seus homens. O Governador sitiado observava seus bravos libertadores, a conter os rebeldes como tigres entre um rebalho de ovelhas. Ninguém os vencia, e então Kŏng Róng enviou seu próprio exército à linha de batalha, para com isto estivessem os rebeldes entre dois exércitos. A força dos rebeldes estava completamente rompida e diversas tropas renderam-se, enquanto as demais debandaram-se por todas as direções.

46. Os vitoriosos foram recebidos na cidade e um banquete foi preparado em sua honra. Mí Zhú foi apresentado a Liú Bèi; relatou a ele a história do assassinato de Cáo Sōng por Zhāng Kăi, o ataque vingativo de Cáo Cāo a Xuzhou e sua vinda, a suplicar por assistência.

47. Liú Bèi disse: “O Protetor Imperial Táo Qiān é homem gentil de alto caráter, e é pena que sofra estes males por não ser ele culpado por nada.”.

48. “Sois vós descendente da família imperial,”, disse o Governador Kŏng Róng, “e está Cáo Cāo causando dano ao povo; um homem forte, a abusar de sua força. Por quê não seguir comigo, a fim de salvar os que padecem?”.

49. “Não ouso eu recusar; mas são fracas minhas forças militares, e devo agir com cautela.”.

50. “Embora meu desejo em ampará-lo surja por conta de antiga amizade, de toda forma é isto um ato correto. Não acredito que vosso coração não esteja inclinado ao correto.”, disse

Kŏng Róng.

51. Liú Bèi disse: “Sendo assim, ide primeiro e dai-me tempo a encontrar-me com Gōngsūn Zàn, de quem tomarei emprestado mais tropas e cavalos. Retornarei em breve.”.

52. “”Não rompereis vossa promessa?”, disse o Governador.

53. “Que tipo de homem pensas tu que sou?”, disse Liú Bèi. “O Sábio disse: 'É a Morte comum a todos; aquele sem a Verdade não pode manter seu Ser.'. Consiga ou não as tropas, certamente virei pessoalmente.”.

54. O plano foi então assentado. Mí Zhú preparava-se para retornar, enquanto Kŏng Róng preparava-se para sua expedição.

55. Tàishĭ Cí preparava-se também para partir, a dizer: “Minha mãe ordenou que viesse a vosso auxílio, e agora, felizmente, estais salvo. Chegaram-me cartas de meu companheiro de vila, Liú Yóu, Protetor Imperial de Yangzhou, a chamar-me; preciso partir. Encontrar-nos-emos novamente.”

56. Kŏng Róng ofereceu recompensas a Tàishĭ Cí, mas ele nada aceitou e partiu. Quando sua mãe o encontrou, estava ela satisfeita por seu sucesso e dizia que estava grata por ter sido capaz de provar sua gratidão. Após isto, partiram para Yangzhou.

57. Liú Bèi partiu em direção a seu amigo Gōngsūn Zàn e, a ele, expôs seu desígnio em auxiliar Xuzhou.

58. “Tu e Cáo Cāo não sois inimigos. Por quê então desgastar-se em prol de outrém?”

59. “Eu o prometi,”, respondeu-lhe Liú Bèi, “e não ouso quebrar a promessa.”.

60. “Emprestarei a ti dois mil cavalos e tropas.”, disse Gōngsūn Zàn.

61. “Gostaria eu também de contar com os serviços de Zhào Yún”, disse Liú Bèi.

62. Gōngsūn Zàn aquiesceu com isto também. Marcharam eles: as tropas de Liú Bèi à frente, e Zhào Yún, com as tropas emprestadas, à retaguarda.

63. Em tempo, retornou Mí Zhú, a dizer que Kŏng Róng também obtivera os préstimos de Liú Bèi. Chén Dēng, o outro mensageiro, retornou e relatou que Tien Kai também enviaria auxílio. O coração de Táo Qiān, então, acalmou-se um pouco.

64. Mas ambos os líderes, embora tivessem prometido auxílio, temiam por demais seu antagonista e montaram acampamento entre as colinas, a grande distância, temerosos

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por se aproximarem demais das tropas de Cáo Cāo, que sabia da vinda daqueles exércitos e em duas partes dividiu seu exército em partes, a fim de os encontrarem, com isto a postergar o ataque à cidade.

65. Liú Bèi seguiu a ter com Kŏng Róng, que disse: “É o inimigo muito poderoso, e com grande habilidade lidera Cáo Cāo suas tropas. Devemos ter cautela. Façamos observações cautelosas, antes de executarmos qualquer golpe.”.

66. “Temo eu pela fome na cidade.”, disse Liú Bèi. “Eles não poderão resistir por muito tempo. Deixarei minhas tropas junto às tuas, sob vosso comando, e, acompanhado por Zhāng Fēi, arremeteremos contra os inimigos, a abrir com isto caminho e seguir a ter com Táo Qiān.”

67. Aprovou Kŏng Róng este plano; ele e Tien Kai tomaram suas posições à formação chifre-de-boi, com Guān Yŭ e Zhào Yún posicionados em ambos os lados, a fim de ampará-los.

68. Logo que Liú Bèi e Zhāng Fēi, a liderar mil tropas, arremeteram contra o exército de Cáo Cāo, conseguiram avançar tão à frente quanto a distância de seu acampamento quando, então, ergueu-se ao ar grande rufar de tambores, e cavalos e tropas agitavam-se como vagas no oceano. Seu líder era Yú Jìn.

69. Yú Jìn avistou sua montaria e exclamou: “Loucos de lugar algum!, aonde ides?”.

70. Zhāng Fēi escutara Yú Jìn, mas não lhe deu resposta. Ele apenas cavalgou à frente, a fim de atacar aquele que falara. Após trocados alguns golpes, acenou Liú Bèi com suas duas espadas, como sinal para que suas tropas marchassem. Elas bloquearam a via de Yú Jìn, que então estava à sua frente. Zhāng Fēi conduziu a perseguição e, enquanto o fazia, chegou às muralhas da cidade.

71. Avistavam da muralha os sitiantes um gigantesco estandarte, com os dizeres Liú Bèi de Pingyuan bordados em cor branca, e o Protetor Imperial ordenou que fossem abertos os portões, a fim de garantir a entrada daqueles que vieram ao resgate. Liú Bèi foi muito bem recebido, conduzido à residência, e em sua honra foi preparado um banquete. Os soldados também banquetearam.

72. Táo Qiān estava encantado com Liú Bèi, a admirirar sua aparência de alto espírito e claro discurso. Táo Qiān ordenou a Mí Zhú que oferecesse o selo e a insígina do cargo de protetorado. Mas Liú Bèi encolheu-se, assustado.

73. “Quê significa isto?”, disse Liú Bèi.

74. Táo Qiān disse: “Há problemas por todos os lados, e as regras da regência não são mais mantidas. Vós, Senhor, sois membro da Família Imperial e eminentemente apto a

apoiá-Los, e às Suas prerrogativas. Estou à margem da senilidade, e desejo aposentar-me em vosso favor. Vos rogo: não recusai, e relatarei minhas ações à Corte.”.

75. Liú Bèi ergueu-se de seu assento e curvou-se à frente de seu anfitrião, dizendo: “Posso eu ser descendente da Família Imperial, mas é meu mérito pequeno e minhas virtudes, parcas. Duvido eu de minhas aptidões ante até esta presente empresa, e apenas o sentimento de fazer o correto enviou-me ao teu auxílio. Ouvir tal discurso faz-me titubear. Certamente pensais que vim com ambição em meu coração. Que os Céus não mais me amparem, caso tenha eu tais pensamentos.”.

76. “É o verdadeiro sentimento de um pobre e velho homem.”, disse Táo Qiān.

77. De tempos em tempos renovava Táo Qiān sua oferta, conferir a região de Xuzhou a Liú Bèi, mas mantinha este sua recusa.

78. Ao meio disto surgiu Mí Zhú, a dizer: “Os inimigos alcançam as muralhas, e algo deve ser empregado a fim de os repelir. Pode esse assunto aguardar momento mais tranquilo.”.

79. Disse Liú Bèi: “Escreverei a Cáo Cāo, a pressioná-lo a acabar com o cerco. Caso recuse, atacaremos sem demora.”

80. Foram enviadas ordens aos três campos, a fim de permanecerem inertes até que a carta chegasse às mãos de Cáo Cāo.

81. Cáo Cāo estava reunido em conselho no momento em que foi anunciado o mensageiro, com uma carta de guerra. Ela foi levada e entregue a ele e, tão-logo a abriu, pôde perceber ser ela de Liú Bèi.

83. Era esta a carta, em modo muito aproximado:

84. “Desde nosso encontro, próximo à Passagem, designou-nos o Destino por diferentes partes do mundo, e não fui eu capaz de vos prestar meus devidos respeitos. Ao que toca à morte de vosso nobre pai, foi isto devido à natureza viciosa de Zhāng Kăi, e disto não há culpa por parte de Táo Qiān. Agora, enquanto perturbam as terras os remanescentes dos Turbantes Amarelos, e enquanto os partidários de Dŏng Zhūo mantêm suas mãos sobre a Capital, desejo que vós, Ilustre Senhor, considerais a crítica posição da Corte acima de vossas contendas pessoais, e então retirais vossas tropas do ataque a Xuzhou, ao resgate do Estado. Tal gesto traria a felicidade àquela cidade e a todo o Império.”.

85. Cáo Cāo deu vazão a uma torrente de insultos: “Quem pensa ser este Liú Bèi, a ousar escrever-me e urgir-me? Além disso, é ele satírico.”.

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86. Cáo Cāo despachou ordens a fim de deitar à morte o portador da carta e a exercer maior pressão em seu cerco.

87. Mas Guō Jiā divergiu, dizendo: “Veio Liú Bèi de muito longe, a fim de auxiliar Táo Qiān, e está empregando ele primeiramente a polidez, antes de apelar às armas; rogo a ti, meu senhor, responde com palavras justas, e seu coração será com isto apascentado por sentimento de segurança. Então, ataca com vigor e a cidade sucumbirá.”.

88. Cáo Cāo viu neste um bom conselho, e então poupou o mensageiro, ordenando a ele que aguardasse a fim de despachar resposta. Enquanto ocorria isto, veio-lhes um cavaleiro, portando infortunadas novas: “Lu Bu invadiu Yanzhou, e agora mantém Puyang. As três demais regiões, Juancheng, Fanxia e Dongjun, encontram-se sob severo ataque.”.

89. Quando sucederam Lĭ Jué e Guō Sì, os dois partidários de Dŏng Zhūo, em seus ataques à Capital, fugiu Lǚ Bù rumo a Yuán Shù; este, porém, observou-o apenas de soslaio por sua instabilidade, e recusou-se a recebê-lo. Lǚ Bù, então, seguiu a Yuán Shào, irmão de Yuán Shù; este aceitou o guerreiro, e fez uso de si em um ataque a Zhāng Yān, em Changshan. Seu sucesso, porém, encheu-o de orgulho; seu comportamento arrogante incomodou tanto os demais comandantes a ponto de Yuán Shào desejar aniquilar Lǚ Bù. Para escapar deste destino, fugiu Lǚ Bù para Zhāng Yáng, Governador de Shangdang, o qual aceitou seus préstimos.

90. Pang Shu, que até então ocultava-se e protegia a família de Lǚ Bù em Changan desde seu desaparecimento, restaurou-a ao guerreiro. Isto causou grande ira em Lĭ Jué e Guō Sì, que deitaram Pang Shu à morte e escreveram ao protetor de Lǚ Bù que também o fizesse consigo. Para escapar disto, novamente fugiu Lǚ Bù, desta vez juntando-se a Zhāng Miao, Governador de Chenliu.

91. Lǚ Bù chegou no momento em que Chén Gōng era apresentado por Zhang Chao, irmão de Zhāng Miăo.

92. Disse Chén Gōng a Zhāng Miăo: “Iniciou-se a ruptura do Império, e guerreiros montam cerco sobre o que podem. Estranho é que vós, com todas as vantagens em população e provisões das quais dispõe, não almeja a independência. Cáo Cāo seguiu em expedição contra o Leste, deixando sem defesa seu próprio território. Lǚ Bù é um dos bravos combatentes destes dias. Caso vós e ele, juntos, atacardes e capturardes Yanzhou, poderíeis então proceder com a dominação.”.

93. Estava Zhāng Miăo satisfeito com aquele conselho, e resolveu deitá-lo à prática. Ele ordenou um ataque e, logo estava Lǚ Bù em posse de Yanzhou e suas regiões vizinhas, exceto apenas por três pequenas áreas: Juancheng, Fanxia e Dongjun, que eram vigorosa e desesperadamente defendidas por Xún Yù e Chéng Yù, em conjunto. Cáo Rén, sobrinho de Cáo Cāo, combatera em diversas batalhas, mas fora repedidamente derrotado e o mensageiro, com tais más novas viera a solicitar imediato auxílio.

94. Cáo Cāo perturbou-se profundamente com isto e disse: “Se minha própria região for perdida, não terei eu lar para onde retornar. Devo fazer algo imediatamente.”.

95. “Melhor seria estabelecer a qualquer custo os bons termos com Liú Bèi, e então retornar a Yanzhou.”, disse Guō Jiā.

96. Então escreveu Cáo Cāo a Liú Bèi, entregou a carta ao mensageiro que a aguardava e desmontou o cerco. As novas sobre a partida do inimigo foram muito gratificantes a Táo Qiān, que então convidou seus vários defensores à cidade de Xuzhou e preparou diversos banquetes e festividades em sinal de sua gratidão.

97. Após um dos banquetes, cessadas as festividades, procedeu ele em seu desejo de se aposentar em favor de Liú Bèi.

98. Ao confiar a Liú Bèi o assento de maior honra, curvou-se Táo Qiān à sua frente e então dirigiu-se à assembléia: “Sou velho e debilitado, e meus filhos carecem das habilidades necessárias a assumir um cargo importante como este. O nobre Liú Bèi é um descendente da Casa Imperial. Possui ele vultuosas virtudes e grandes talentos. Deixai-o assumir o comando desta região, e retiro-me eu inclinado a apenas dispor de tempo para me dedicar à minha saúde.”.

99. Liú Bèi respondeu: “Vim ao chamado do Governador Kŏng Róng, pois era isto o correto a ser feito. Xuzhou está salva; mas, caso a assuma, certamente diria o mundo que sou homem vil.”.

100. Mí Zhú disse: “Não recusai. A Casa do Hàn está a cair, seu reino, a ruir, e é agora tempo para os feitos de valor e préstimos de valia. É esta região fértil, rica e bem povoada, e sois vós o homem a governá-la.”.

101. “Mas não posso aceitar.”, disse Liú Bèi.

102. “Está o Protetor Imperial Táo Qiān em grande sofrimento”, disse Chén Dēng “e nisto não encontra problemas. Não recusai, Senhor.”.

103. Disse Liú Bèi: “Yuán Shù pertence a uma família de líderes, que detiveram os mais altos cargos do Estado por quatro vezes em três gerações. A multidão o respeita. Por quê não o convidar a esta tarefa?”.

104. “Porque Yuán Shù é um ressequido esqueleto em uma escura tumba: não vale a pena conversar a respeito de si. É esta oportunidade um presente dos Céus, e jamais cessareis em arrepender-vos de sua perda.”, disse Kŏng Róng.

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105. Assim disse Kŏng Róng; mas, mesmo assim, ainda recusava Liú Bèi obstinadamente.

106. Dirigiu-se a ele Táo Qiān, em lágrimas, a dizer: “Morrerei, se me deixardes, e não haverá aqui ninguém para cerrar meus olhos.”.

107. “Irmão, deves aceitar esta oferta.”, disse Guān Yŭ.

108. “Por que tamanha confusão?”, disse Zhāng Fēi. “Não tomamos o lugar; é ele quem deseja concedê-lo a ti.”.

109. “Vós todos persuadis a mim para fazer o que é errado.”, disse Liú Bèi.

110. Ao ver que não seria capaz de persuadir Liú Bèi, disse então Táo Qiān: “Como estais determinado, talvez consentiríeis montar acampamento em Xiaopei. É apenas uma pequena cidade, mas podereis de lá manter vigilância e zelar pela região.”.

111. Eles todos, em uma só voz, rogaram a Liú Bèi que consentisse, e então aquiesceu ele. Findo o banquete da vitória, chegou-se o tempo de dizer adeus. Ao partir Zhào Yún, alternadamente segurava suas mãos Liú Bèi, enquanto enxugava as lágrimas que rolavam de seus olhos. Seguiram Kŏng Róng e Tien Kai para seus lares, em suas respectivas regiões.

112. Ao chegarem Liú Bèi e seus irmãos em Xiaopei, primeiramente reergueram as defesas daquele local, e então despacharam proclamações, a fim de acalmar os habitantes.

113. Enquanto isso, marchava Cáo Cāo rumo à sua própria região.

114. Cáo Rén o encontrou e disse a ele: “É Lǚ Bù por demais poderoso, e tem Chén Gōng como seu conselheiro. Yanzhou está praticamente perdida, com excessão de três regiões, que são vigorosa e desesperadamente defendidas por Xún Yù e Chéng Yù.”.

115. Cáo Cāo disse: “Sei eu que é Lǚ Bù bravo combatente, mas nada mais; não dispõe ele de engenho algum. Então, não necessitamos por demais temê-lo.”.

116. Ele então ordenou que fosse montado forte acampamento, até que pudessem pensar em algum vitorioso plano.

117. Ao tomar conhecimento do retorno de Cáo Cāo, convocou Lǚ Bù dois de seus generais subordinados, Xue Lan e Li Fang, a fim de auxiliá-lo, e a eles conferiu a tarefa de manter a cidade de Yanzhou, dizendo: “Há muito aguardava oportunidade para empregar vossas habilidades. Concedo agora a vós dez mil soldados, e mantereis a cidade enquanto sigo eu a atacar Cáo Cāo.”.

118. Eles aceitaram.

119. Mas Chén Gōng, o estrategista, surgiu apressadamente, a dizer: “General, estais partindo; a onde?”.

110. “Acamparei com minhas tropas em Puyang, nosso ponto de vantagem.”

111. “Estais a cometer um equívoco.”, disse Chén Gōng. “Os dois oficiais que escolhestes a defender a cidade são inadequados a tal tarefa. Quanto à expedição, lembrai-vos que, a cerca de cem quilômetros ao sul, à traiçoeira estrada rumo às Montanhas de Taishan, há um excelente ponto de vantagem, onde poderíeis posicionar, em emboscada, vossos melhores homens. Cáo Cāo então seguirá em dupla marcha rumo à sua terra natal, tão-logo tome conhecimento do ocorrido. Se atacardes quando metade de suas tropas tiverem cruzado este ponto, podeis então cercá-los.”.

112. Disse Lǚ Bù: “Ocuparei Puyang e observarei o desenvolvimento dos fatos. Como podes adivinhar meus grandes planos?”.

113. Lǚ Bù então deixou Xue Lan a comandar Yanzhou e partiu.

114. Ao se aproximar Cáo Cāo do perigoso trecho de estrada próximo às Montanhas de Taishan, alertou-o Guō Jiā para que tivesse cautela, porquanto lá haveria, sem dúvida, uma emboscada.

115. Mas riu-se Cáo Cāo, a dizer: “Todos nós conhecemos as disposições de Lǚ Bù.

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Xue Lan está a proteger a cidade. Acreditas que Lǚ Bù armaria emboscada? Ordenarei a Cáo Rén que cerque Yanzhou, e irei eu mesmo a Pyuang.”.

116. Em Puyang, ao saber da proximidade do inimigo, disse: “O inimigo padece de fadiga por conta de longas marchas; atacai rapidamente, antes que possam se recuperar.”.

117. Lǚ Bù respondeu: “Eu, um único cavaleiro, não tenho medo de nada. Venho e vou por onde quero. Pensas tu que temo eu Cáo Cāo? Deixa assentar seu acampamento; eu o tomarei após isto.”.

118. Cáo Cāo aproximou-se de Puyang, e montou acampamento. No dia seguinte comandou seus comandantes, que dispunham seus exércitos em campo aberto. Cáo Cāo assentou-se sobre seu cavalo entre dois estandartes, a observar enquanto seu oponente chegava e realizava formação em uma área circular.

119. Lǚ Bù estava à frente, seguido por oito de seus generais, todos fortes homens: Zhang Liao, de Mayi, apoiado por Hăo Méng, Cao Xing e Cheng Lian; e Zang Ba, de Huaying, apoiado por Wei Xu, Song Xian e Hou Cheng. Juntos, lideravam eles um exército de cinquenta mil homens.

120. Os tambores principiaram-se a rufar como trovões e Cáo Cāo, apontando seu oponente, disse: “Tu e eu não temos contenda alguma; por quê, então, invadiste minhas terras?”.

121. “O Império do Hàn é a posse de todos. Qual é a tua parcela especial?”, disse Lǚ Bù.

122. Dito isto, ordenou Lǚ Bù a Zang Ba que cavalgasse à frente e os desafiasse. Ao lado de Cáo Cāo, o desafio foi aceito por Yuè Jìn. As duas montarias aproximaram-se; duas lanças foram erguidas ambas juntas, e foram trocados cerca de trinta golpes, sem vantagem para nenhum dos combatentes. Xiàhóu Dūn, então, cavalgou a fim de auxiliar seu colega e, como resposta, também seguiu Zhang Liao, pelo lado de Lǚ Bù. E os quatro duelaram.

123. A feroz ira tomou Lǚ Bù. Apossando-se de seu tridente, urgiu seu Lebre Vermelha à frente, aonde ocorria o combate. Ao vê-lo aproximar-se, ambos Xiàhóu Dūn e Yuè Jìn fugiram; Lǚ Bù, porém, perseguiu-os e Cáo Cāo perdera aquela batalha. Eles recuaram cerca de quinze quilômetros e montaram acampamento. Lǚ Bù retornou aos seus e reuniu suas tropas.

124. Após dia ruim para si e para os seus, convocou Cáo Cāo um conselho, e Yú Jìn disse: “Hoje vi, do topo das colinas, um acampamento de nossos inimigos a oeste de Puyang. Estão eles em poucos homens apenas e hoje à noite, após a vitória do dia, o campo não será defendido.Ataquemos; caso consigamos tomar seu campo, preencheremos de medo o coração de Lǚ Bù. É este nosso melhor plano.”.

125. Também assim pensava Cáo Cāo. Ele e Cáo Hóng, Lĭ Diăn, Máo Jiè, Lǚ Qián, Yú Jìn e Diăn Wéi, seus seis generais, juntamente com vinte mil cavaleiros e soldados partiram naquela noite por uma via secreta rumo ao acampamento.

126. Lǚ Bù celebrava a vitória daquele dia em seu acampamento quando o alertou Chén Gōng, dizendo: “O acampamento do oeste é um ponto importante, e pode ser atacado.”.

127. Mas Lǚ Bù respondeu: “O inimigo não ousará aproximar-se, depois da derrota de hoje.”.

128. “Cáo Cāo é comandante deveras capaz.”, respondeu Chén Gōng. “Deveis estar atento a seus movimentos, caso contrário atacará nosso ponto fraco.”.

129. Foram então realizados preparativos para a defesa. Foi ordenado ao generais Gāo Shùn, Wei Xu e Hou Cheng que marchassem para lá.

130. Cáo Cāo chegou ao acampamento ao anoitecer, e pôs-se imediatamente a atacar pelos quatro lados. Os defensores não podiam consigo, fugiram por todas as direções e o acampamento foi capturado. O grupo defensor lá chegou próximo à quarta vigília, e à frente seguiu Cáo Cāo, logo encontrando Gāo Shùn. Iniciou-se então outra batalha, e durou até o amanhecer. Então, foram ouvidos rufares de tambores ao oeste, e disseram a Cáo Cāo que o próprio Lǚ Bù seguia para lá. Com isto, abandonou Cáo Cāo o ataque e fugiu.

131. Gāo Shùn, Wei Xu e Hou Cheng o perseguiram, tendo Lǚ Bù na liderança. Yú Jìn e Yuè Jìn, os dois generais de Cáo Cāo, atacaram os perseguidores, mas não conseguiram subjugá-los. Cáo Cāo seguiu rumo ao norte; detrás de algumas colinas, porém, surgiram Zhang Liao e Zang Ba, a atacar. Lǚ Qián e Cáo Hóng foram enviados a fim de deter os atacantes, mas Lǚ Qián e Cáo Hóng foram ambos derrotados. Cáo Cāo buscou abrigo ao oeste. Lá novamente deparou-se com quatro generais de Lǚ Bù: Hăo Méng, Cao Xing, Cheng Lian e Song Xian.

132. O combate tornou-se desesperado. Cáo Cāo arremeteu contra o inimigo. O alarido era terrível. Flechas descendiam sobre eles como a chuva, e não podiam fugir.

133. Cáo Cāo estava desesperado e exclamou, em temor: “Quem pode salvar-me?”.

134. Então, dentre os combatentes surgiu Diăn Wéi, com suas lanças duplas, a exclamar: “Não temei, meu senhor!”.

135. Diăn Wéi saltou de seu cavalo, recostou suas lanças contra uma parede e tomou posse de diversas machadas de batalha. Virou-se ele a seus seguidores e disse:

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“Quando estiverem esses rufiões a dez passos, chamai por mim.”.

136. Então seguiu ele à frente a largos passos, cada vez mais à frente, sem se importar com as flechas que voavam pelos ares. Seguiram-no os cavaleiros de Lǚ Bù e, quando se aproximaram, exclamaram os seguidores de Diăn Wéi: “Dez passos!”.

137. “Cinco, e então chamai-me!”, gritou-lhes de volta Diăn Wéi, e seguiu.

138. “Cinco passos!”

139. Então girou Diăn Wéi sobre seus calcanhares e arremessou as machadas de batalha. A cada arma sucumbia um homem de sua cela, e machada sequer errou seu alvo.

140. Assim abatidos dez ou mais homens, fugiram os demais. Lepidamente montou Diăn Wéi seu corcel, preparou suas lanças gêmeas e arremeteu-se novamente à batalha, com vigor que homem algum podia igualar. Seus oponentes sucumbiram, um a um, e com isto permitiu ele que Cáo Cāo, em segurança, partisse daquele posto de batalha. Cáo Cāo e seus comandantes seguiram rumo a seu acampamento.

141. Mas, tão-logo caiu a noite, preencheram seus ouvidos os sons da perseguição, e logo surgiu Lǚ Bù em pessoa.

142. “Cao Cao, rebelde, não fugi!”, bradou Lǚ Bù conforme se aproximava, tridente pronto à investida.

143. Todos se detiveram e miraram os rostos uns dos outros: os soldados estavam cansados; suas montarias, gastas. O medo os aniquilara, e procuravam eles, com o olhar, algum lugar para se refugiarem.

144. “Em segurança teu senhor lideraríes para fora da pressão;Mas, e se caso o inimigo o perseguir, então?”

145. Não podemos dizer aqui qual seria o destino de Cáo Cāo, mas será isto relatado no próximo capítulo.

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Capítulo XII

Táo Qiān Pela Terceira Vez Oferece Xuzhou A Liú Bèi;Cáo Cāo Retoma Yanhzhou de Lǚ Bù.

1. Findou-se o último capítulo com Cáo Cāo em grande perigo. A ajuda, porém, chegou-lhe. Xiàhóu Dūn e seus soldados encontraram seu chefe, perseguiram o perseguidor e lutaram contra Lǚ Bù até o anoitecer. Chovia em torrentes, a encharcar por onde se precipitava; e, conforme se esvanecia a luz do dia, retiraram-se; Cáo Cāo chegou a seu acampamento. Generosamente recompensou ele Diăn Wéi, e promoveu seu posto.

2. Assim que chegou a seu acampamento, Lǚ Bù convocou Chén Gōng, seu conselheiro. Chén Gōng, então, propôs um novo estratagema.

3. Ele disse: “Há em Puyang rica e importante família, de nome Tian, numerosa aos milhares e suficientemente grande a povoar uma cidade inteira. Fazei com que um deles visite o acampamento de Cáo Cāo, a levá-lo pretensa carta secreta acerca da ferocidade de Lǚ Bù, do ódio de seu povo e de seu desejo em se livrarem dele. Ainda, a dizer que apenas Gāo Shùn protege a cidade, e que sua família não auxiliará quem quer que venha salvá-lo. Cáo Cāo crerá no engodo e adentrará a cidade e, por fogo ou emboscada, o destruiremos. Podem suas habilidades se igualar ao abranger do Universo, mas ele não escapará.”.

4. Lǚ Bù considerou que este truque poderia ser empregado, e então assentou com a família Tian os arranjos necessários para que fosse despachada a carta.

5. A carta secreta, recebida logo após a derrota, sentindo-se Cáo Cāo incerto quanto a qual passo tomar em seguida, foi lida com muita alegria. Ela prometia auxílio interno e dizia que o sinal seria uma bandeira branca com os dizeres Retidão nela inscritos.

6. “Dar-me-ão Puyang os Céus!”, disse Cáo Cāo, efusivo.

7. Surgiu então Liú Yè, a dizer: “Não é Lǚ Bù estrategista; é, porém, Chén Gōng repleto de astúcia. Sinto eu traição nesta carta, e deveis ser cauteloso. Caso fordes, adentrai apenas com a terça parte de vosso exército e deixai o restante de vossos homens fora da cidade, como corpo de reserva.”.

8. Cáo Cāo aquiesceu em tomar tal precaução. Ele seguiu rumo a Puyang, onde avistou a alegria em bandeirolas a flamular. Observando mais meticulosamente, avistou, dentre elas, próxima aos portões do oeste, a bandeira branca e sua devida inscrição. Exultou-se seu coração.

9. Naquele dia, próximo ao meio-dia, abriram-se os portões e, de lá, surgiram dois corpos de soldados preparados ao combate. Gāo Shùn era o comandante da vanguarda e Hou

Cheng, o comandante da retaguarda. Cáo Cāo ordenou a Diăn Wéi, seu oficial, que investisse contra eles. Nenhuma das tropas, porém, travaram embate direto; retornaram elas à cidade. Com este movimento, estavam Diăn Wéi e suas tropas próximos à ponte levadiça. Foram vistos, na cidade, diversos soldados que, a se aproveitarem da confusão, escaparam e saíram da cidade.

10. A Cáo Cāo disseram eles: “Somos colaboradores da família Tian.”, e a ele entregaram cartas secretas que diziam:

11. “O sinal será dado próximo à primeira vigília, sob a forma do soar de um gongo. Será este o momento de atacar. Os portões serão abertos.”.

12. Cáo Cāo ordenou então a Xiàhóu Dūn que marchasse à esquerda e a Cáo Hóng, à direita. Ele liderou o exército principal pessoalmente, em companhia de Xiàhóu Yuān, Lĭ Diăn e Yue Jing, em direção à cidade.

13. Lĭ Diăn aconselhou cautela a seu mestre, dizendo: “Deveis permanecer fora da cidade, meu senhor. Deixai que entremos primeiro.”.

14. Cáo Cāo, porém, ordenou que se fizessem silentes, a dizer: “Caso não avance eu, quem avançará?”.

15. Então, à primeira vigília, os guiou Cáo Cāo pelo caminho. A Lua ainda não surgira. Conforme aproximava-se aos portões do oeste, ouviram eles estalidos e, então, um alto brado; tochas moviam-se para lá e para cá. Os portões foram em seguida amplamente abertos e Cáo Cāo, a açoitar sua montaria, galopou cidade adentro.

16. Mas, logo ao chegar ante à residência do Estado, percebeu ele que as ruas estavam deveras desertas e, então, soube que fora logrado. Girou ele seu cavalo e bradou a seus seguidores para que batessem em retirada. Foi este o sinal para outro movimento. A explosão de uma bomba, como sinal, foi ouvida muito próxima e ecoou, como rugido ensurdecedor, por todos os lados. Soavam os gongos e rufavam os tambores por todos os cantos, a troar feito rios que, tumultuosamente, retornam às suas nascentes, e feito oceanos, a ferver em suas profundezas. Liderados por Zhang Liao e Zang Ba, generais de Lǚ Bù, surgiram tropas de soldados pelo leste e pelo oeste.

17. Cáo Cāo arremeteu ao norte e lá encontrou Hăo Méng e Cao Xing, a barrar sua via. Cáo Cāo tentou seguir ao sul, mas lá encontrou seus inimigos, comandados por Gāo Shùn e Hou Cheng. Diăn Wéi, confiável comandante de Cáo Cāo, ferozes olhos e dentes cerrados, arremeteu por último e escapou, com o inimigo em seu encalço.

18. Mas, tão-logo chegou Diăn Wéi à ponte levadiça, mirou ele atrás de si e deu pela falta de seu mestre. Diăn Wéi imediatamente retornou e atravessou um dos becos da

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cidade. Em seu caminho, encontrou Lĭ Diăn.

19. “Onde está nosso senhor?”, exclamou Diăn Wéi.

20. “Procuro eu também por ele.”, disse Lĭ Diăn.

21. “Rápido!, consegue ajuda de fora!”, bradou Diăn Wéi. “Eu o procurarei.”.

22. Lĭ Diăn então apressou-se a buscar por auxílio enquanto Diăn Wéi abria seu caminho, a procurar por Cáo Cāo por onde seguia. Ele não foi encontrado. Ao sair da cidade, apressou-se Diăn Wéi ao encontro de Yue Jing, a quem perguntou onde seu senhor estava.

23. “Adentrei por duas vezes a cidade à sua procura, mas não o encontrei.”, disse Diăn Wéi.

24. “Sigamos juntos.”, disse Yue Jing.

25. Eles cavalgaram até os portões, mas o estampido das bombas, oriundo dos portões da torre, espantou o cavalo de Yue Jing a ponto de este recusar-se a avançar. Diăn Wéi, então, sozinho seguiu cidade adentro, a perfurar as colunas de fumaça e a atravessar as labaredas de fogo. Lá entrou ele e procurou por todos os cantos.

26. Logo que avistou Cáo Cāo seu rijo protetor, Diăn Wéi, a fazer seu caminho afora e desaparecer, deixando-o cercado, tentou ele novamente alcançar os portões do norte. Em seu caminho, afiladamente delineado contra o intenso brilho, avistou ele a imagem de Lǚ Bù, a seguir em seu encalço e com seu tridente pronto a matar. Cobriu Cáo Cāo sua face com sua mão, açoitou sua montaria e galopou à frente.

27. Lǚ Bù, porém, prosseguiu seu galope atrás de si e, a tocar seu elmo com seu tridente, exclamou: “Onde está Cáo Cāo?”.

28. Cáo Cāo virou-se e, a apontar um cavalo pardacento bastante à frente, exclamou: “Ali está, naquele cavalo pardacento! É ele!”.

29. Ao ouvir isto, deixou Lǚ Bù de seguir Cáo Cāo para galopar à frente e seguir o cavaleiro de montaria pardacenta.

30. Aliviado, seguiu Cáo Cāo rumo aos portões do leste. Encontrou-se então com Diăn Wéi, o qual o tomou sob sua proteção e combateu seus inimigos, deixando uma trilha de mortos atrás de si até chegarem aos portões. Lá, ferozmente impetuava-se o fogo, e caíam vigas em chamas por todos os lados. O Elemento Terra parecia ter-se transformado no Elemento Fogo. Diăn Wéi afastou os detritos de madeira em chamas com sua lança e cavalgou fumaça adentro, abrindo caminho a seu senhor. Logo ao atravessarem os portões, despencou da torre dos portões uma viga de madeira em chamas. Cáo Cāo desvencilhou-se

dela com um golpe de seu braço, mas ela atingiu o lombo de seu cavalo e o derrubou. A mão e o braço de Cáo Cāo estavam deveras queimados e seus cabelos e barbas, chamuscados. Retornou então Diăn Wéi, a seu auxílio. Por boa-fortuna chegou logo Xiàhóu Dūn próximo a si, e os dois guerreiros ergueram Cáo Cāo e o assentaram sobre o cavalo de Xiàhóu Dūn. E, com isto, escaparam eles da cidade em chamas. Atravessaram eles diversos combates até o amanhecer.

31. Cáo Cāo retornou a seu acampamento. Seus oficiais reuniram-se em torno de sua tenda, ansiosos por notícias acerca de sua saúde. Ele logo recuperou-se, e riu-se quando rememorou sua fuga.

32. “Enleei-me na armadilha daquele tolo, mas terei minha vingança.”, disse ele.

33. “Comporemos em breve novo plano.”, disse Guō Jiā.

34. “Usarei seu próprio truque para minha vantagem. Espalharei a falsa notícia de que fui queimado em meio ao fogo, e que morri próximo à quinta vigília. Ele virá ao ataque tão-logo se espalhe a notícia, e terei para si uma emboscada preparada às colinas de Maling. Desta vez, pegá-lo-ei.”.

35. “Decididamente um belo estratagema!”, disse Guō Jiā.

36. Os soldados puseram-se então à lamentação, e por todos os cantos ouvia-se a notícia de que Cáo Cāo estava morto. E, logo ao ouvir isto, prontamente reuniu Lǚ Bù seu exército a fim de executar um ataque-surpresa, a seguir pela estrada próxima às colinas de Maling rumo ao acampamento de seu inimigo.

37. Conforme passava pelas colinas, ouviu ele à frente rufares de tambores e, então, de todos os lados, a cercá-lo, surgiam os soldados em emboscada. Apenas pela desesperada luta desvencilhou-se da turba de combatentes e, com suas tropas tristemente reduzidas, retornou a seu acampamento, em Puyang. Lá, reforçou as fortificações e não se prontificou a atacar.

38. Surgiram repentinamente, naquele ano, milhares de gafanhotos que consumiram todas e quaisquer folhas verdes que encontravam. Houve então grande fome e, ao noroeste, o preço dos grãos ascendeu a quinze cordões37 por carroça. Apelou o povo até mesmo ao canibalismo. O exército de Cáo Cāo sofria, e marchou ele a Juancheng.

37 Em tempos remotos (~1766 a.C. a ~1154 a.C.), costumava-se empregar conchas de cauri, molusco encontrado em regiões tropicais dos oceanos Índico e Pacífico, como moeda de troca; passou-se mais à frente à cunhagem, em primeiro momento de pequenas placas de ouro e, em um segundo momento, em pequenas placas moldadas à forma de espadins, trevos e círculos. As moedas, então, traziam um orifício, por onde podia-se atar diversas delas por cordões e, com isto, comercializar com o dinheiro de modo mais prático. Os cordões continham valores-padrão para diversas transações - neste caso, para o comércio de grãos. Outros países da Ásia adotaram o mesmo raciocínio para lidarem com suas moedas. (N. do T.)

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Lǚ Bù guiou suas tropas a Shanyang. À força, portanto, cessou o combate.

39. Táo Qiān, Protetor Imperial em Xuzhou, que contava já com mais de sessenta anos de idade, repentinamente adoentou-se seriamente e convocou Mí Zhú, seu confidente, a seus aposentos a fim de assentar os preparativos para o futuro.

40. Quanto à situação, o conselheiro disse: “Cáo Cāo abandonou seu ataque a esta região por conta do cerco inimigo a Yanzhou; agora, mantêm eles a paz por conta da fome, apenas. Mas Cáo Cāo certamente investirá em seu ataque durante a Primavera. Quando Liú Bèi recusou-se a permitir que vos aposentásseis, estivéreis a pleno vigor. Agora, estás fraco e adoentado, e podes fazer disto um pretexto para vose aposentares. Ele não recusará novamente.”.

41. Foi então despachada uma mensagem à pequena cidade de Xiaopei, a chamar Liú Bèi a um conselho de assuntos militares. Isto o trouxe à cidade, acompanhado por seus irmãos e por uma pequena escolta. Rapidamente desvencilhando-se de todas as indagações acerca de sua saúde, logo apontou Táo Qiān sua conversa ao objeto real de seu chamado por Liú Bèi.

42. “Senhor, vos pedi a virdes aqui unicamente porque estou perigosamente adoentado e posso eu morrer a qualquer instante. Vos vejo, Ilustre Senhor, a considerardes o Hàn e seu Império mais importante que tudo; aceita os símbolos do óficio desta região, a comissão e o selo, e em paz poderei cerrar meus olhos.

43. “Tendes vós dois filhos; por quê não vos delegar, a fim de vos trazer alívio?”

44. “Carecem ambos dos talentos necessários. Confio que Vós vos instruireis após minha partida, mas não deixai a eles a condução dos assuntos.”

45. “Mas sou eu inadequado a tão grande tarefa.”

46. “Recomendar-Vos-ei quem Vos possa auxiliar. É ele Sūn Qián, de Beihai, que pode ser recomendado a algum cargo.”.

47. Voltando-se a Mí Zhú, disse Táo Qiān: “O nobre Liú Bèi é o mais proeminente homen destes tempos, e deves tu servi-Lo bem.”.

48. Mesmo assim, declinou Liú Bèi tal posto; pouco tempo depois o Protetor Imperial, a apontar seu coração, demonstrando sua sinceridade, feneceu.

49. Findas as cerimoniosas lamentações dos oficiais, foi trazida a Liú Bèi as insígnias do cargo. Mas ele não as aceitou. Nos dias que se sucederam, reuniram-se habitantes da cidade e de regiões próximas à frente da residência do Estado, a se prostrarem ao chão e, em lágrimas, chamarem por Liú Bèi para que aceitasse o ofício.

50. “Se não aceitares, não poderemos viver em paz.”, disseram eles.

52. Somaram os irmãos sua persuasão a estes pedidos, até que consentiu ele em assumir os deveres administrativos. Ele logo designou Sūn Qián e Mí Zhú como seus conselheiros e Chén Dēng, como seu secretário. Ele transportou suas tropas de Xiaopei à cidade de Xuzhou, e despachou proclamações a fim de tranquilizar o povo.

53. Ele também participou das cerimônias fúnebres: ele e também seu exército em vestes de luto. Findos as máximas cerimônias e sacrifícios, foi confiado ao póstumo Protetor Imperial um local para o sepultamento próximo à fonte do Rio Amarelo. O testamento do falecido foi enviado à Corte.

54. As novas acerca dos eventos em Xuzhou chegaram em tempo aos ouvidos de Cáo Cāo, agora em Juancheng.

55. Disse ele, em grande ira: “Perdi minha vingança. Liú Bèi simplesmente ascendeu ao comando da região sem despender sequer metade de uma flecha: permaneceu ele inerte, e conquistou seu desejo. Mas eu o deitarei à morte e, então, desenterrarei o cadáver de Táo Qiān como vingança pela morte de meu nobre pai!”.

56. Foram despachadas ordens ao exército, a fim de se prepararem para uma nova campanha contra Xuzhou.

57. Mas Xún Yù, seu conselheiro, admoestou Cáo Cāo, a dizer: “O Supremo Ancestral protegeu a Terra Das Passagens38 e Liú Xiù, Seu ilustre sucessor do Trono, capturou Henei. Ambos consolidaram primeiramente suas posições, podendo então comandar todo o Império. Todo Seu progresso foi de sucesso a sucesso. Portanto, atingiram Seus grandes desígnios, apesar das dificuldades.

58. “Ilustre Senhor, são Yanzhou e o Rio Amarelo vossas Henei e Terras Das Passagens; a tivéreis, noutro momento, e é a região o mais estratégico ponto do Império. Caso empregueis esta expedição contra Xuzhou, deixando aqui muitas tropas para sua defesa, não atingireis vossos desígnios; caso deixeis poucos, cairá Lǚ Bù sobre nós. E, finalmente, caso percais esta região e falhardes em obterdes Xuzhou, para onde vos retirareis? Aquela região não está vaga. Apesar de ter-se ido Táo Qiān, mantém-na Liú Bèi; e, uma vez que o povo o apóia, por si combaterão eles até a morte. Abandonar este lugar para isto é como trocar o grande pelo pequeno, cambiar o tronco pelos galhos: é desprender-se da segurança e avançar ao perigo. Vos imporo a refletirdes bem a respeito.”.

59. Cáo Cāo respondeu: “Deixar aqui inertes os soldados durante tamanha escassez não é bom plano.

38 Região em torno de Changan. (N. do T.)

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60. “Assim sendo, seria mais vantajoso atacar as regiões de Chengcheng, Yingchuan e Runan, ao leste, e alimentar seu exército com suas provisões. Hé Yí e Huang Shao, remanescentes dentre os Turbantes Amarelos, lá estão estocados com provisões e tesouros de todos os gêneros, obtidos por eles e acumulados pelas vias do roubo por onde quer que cruzassem. Rompei-vos, e podereis alimentar vosso exército com seus grãos. Além disso, tanto a Corte quanto a população juntar-se-ão em vosso lovor.”

61. Este novo desígnio foi de forte apelo a Cáo Cāo, que então rapidamente pôs-se a empregar os preparativos a fim de conduzir tal plano. Incumbiu ele Xiàhóu Dūn e Cáo Rén de proteger Juancheng enquanto seu exército principal, sob seu comando, marchava com o intuito de capturar Chencheng. Feito isto, marcharam a Runan e a Yingchuan.

62. Sabiam Hé Yí e Huang Shao, os líderes dos Turbantes Amarelos, que Cáo Cāo se aproximava. Saíram eles então à frente de um grande corpo de combatentes, a fim de se oporem às suas tropas. Encontraram-se eles nas Colinas de Shanyang. Apesar de serem numerosos os rebeldes, eram eles homens comuns: um mero grupo de feras, sem organização e carente de disciplina. Cáo Cāo ordenou a seus mais fortes arqueiros e mais vigorosos besteiros que os mantivessem encurralados.

63. Diăn Wéi foi enviado ao duelo. Os líderes rebeldes escolheram um campião dentre suas fileiras, o qual cavalgou à frente e sucumbiu ao terceiro golpe trocado. O exército de Cáo Cāo então urgiu à frente, e então montou acampamento nas colinas.

64. No dia seguinte o próprio líder rebelde, Huang Shao, liderou à frente seu exército e organizou seu raio de batalha ao redor de um círculo. Ele cingia vestes verdejantes e um turbante amarelo ao em torno de sua cabeça. Sua arma era uma maça de ferro.

65. Ele bradou: “Sou He Man, o demônio que alveja pelos Céus. Quem ousa combater-me?”.

66. Cáo Hóng bradou em alta voz e pulou de sua cela, a fim de aceitar o desafio. Espada à mão, avançou caminhando e ambos engajaram-se em combate, frente a ambos seus exércitos. Trocaram eles cerca de cinquenta golpes, sem até então obterem vantagem um sobre o outro. Cáo Hóng então fingiu derrota e fugiu. Hé Màn o perseguiu. Tão-logo estava ele próximo a si, fez-se Cáo Hóng dissimulado e então, virando-se repentinamente, feriu seu adversário. Outro golpe, e Hé Màn jazia morto.

67. Lĭ Diăn prontamente investiu à frente, em meio aos Turbantes Amarelos, e pôs suas mãos sobre Huang Shao, o chefe dos rebeldes, o qual foi por ele feito prisioneiro. As tropas de Cáo Cāo avançaram, e dispersaram os rebeldes. Os espólios em tesouros e alimentos eram imensos.

68. Hé Yí, o outro líder rebeldes, fugiu com algumas centenas de cavaleiros rumo às

Colinas de Kobei. Mas, enquanto seguiam seu rumo, repentinamente surgiram tropas lideradas por certo espadachim, que permanecerá anônimo neste momento. Este bravo homem possuía robusta constituição física, era corpulento e firme, e media sua cintura cerca de dez palmos. Fazia ele uso de uma espada longa.

69. Ele barrou o caminho de fuga. Hé Yí preparou sua lança e cavalgou em direção ao guerreiro. Mas, logo ao primeiro encontro, tomou ele Hé Yí sob seu braço e o aprisionou. Todos os rebeldes foram tomados por grande terror, desmontaram de seus cavalos e permitiram que os amarrassem. Como gado, então, conduziu-os o vitorioso até um cerco de altas escarpas.

70. Diăn Wéi, ainda a perseguir os rebeldes, chegou às Colinas de Kobei. O espadachim foi ao seu encontro.

71. “És tu também um dos Turbantes Amarelos?”, disse Diăn Wéi.

72. “Mantenho algumas centenas deles como prisioneiros em um cerco daqui próximo.”

73. “Por quê não vos trazeis?”, disse Diăn Wéi.

74. “Faze-lo-ei, caso obtiveres esta espada de minhas mãos.”

75. Isto irritou Diăn Wéi, e ele o atacou. Engajaram-se eles em duelo e durou o combate duas longas horas, ainda sem vencedor ou vencido. O espadachim foi o primeiro a recobrar suas forças, e novamente pôs-se ao desafio. Eles duelaram até o anoitecer e então, como padeciam suas montarias de grande desgaste, foi o combate mais uma vez suspenso.

76. Enquanto isso, alguns dos homens de Diăn Wéi seguiram rumo a Cáo Cāo, a fim de relatar a ele a história acerca daquele incrível embate; apressou-se ele, acompanhado por diversos oficiais, a fim de para lá seguirem, observarem e aguardarem os resultados da batalha.

77. No dia seguinte, cavalgou novamente o guerreiro desconhecido, e Cáo Cāo pode observá-lo. Cáo Cāo celebrava, em seu coração, por ver tão bravo herói, e desejou conquistar seus préstimos. Cáo Cāo então ordenou a Diăn Wéi que fingisse derrota.

78. Diăn Wéi cavalgou à frente, em resposta ao desafio, e cerca de trinta golpes foram trocados. Diăn Wéi então virou-se e fugiu rumo aos seus. O bravo o seguiu, acercando-se dos inimigos, mas foi repelido por uma chuva de flechas.

79. Cáo Cāo rapidamente conduziu seus homens a cerca de dois quilômetros e meio e, então, secretamente enviou um certo número dos seus a fim de escavarem uma

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armadilha, e outro tanto de suas tropas, munidas de ganchos, foi incumbido de aguardar, em emboscada.

80. No dia seguinte, seguiu Diăn Wéi acompanhado por cem cavaleiros. Seu adversário, bem-disposto, seguiu a fim de encontrar Diăn Wéi.

81. “Por que o líder derrotado aventura-se à frente, novamente?”, exclamou ele, rindo-se.

82. O espadachim seguiu à frente, a fim de assentar o duelo; mas Diăn Wéi, após pouco tempo de combate, guinou seu cavalo e bateu em retirada. Seu adversário investiu à captura, agiu imprudentemente e, logo, ele e seu cavalo foram logrados pela armadilha. Os gancheiros capturaram-no, ataram-no e o conduziram à frente de Cáo Cāo.

83. Logo ao avistar o prisioneiro, deixou Cáo Cāo sua tenda, dispensou os soldados e, com suas próprias mãos, desatou as amarras de seu prisioneiro. Ele então lhe trouxe vestes, convidou-o a tomar assento e a ele perguntou quem era e de onde viera.

84. “Chamo-me Xŭ Chŭ. Sou de Qiao. Logo que foi deflagrada a rebelião, algumas centenas de parentes meus e eu erguemos uma fortaleza, como baluarte à nossa proteção. Vieram-nos certo dia os salteadores, mas dispunha eu de pedras para recebê-los. Ordenei a meus parentes que continuassem trazendo-me pedras, as quais arremessava eu sobre os salteadores, acertando sempre alguém a cada arremesso. Isto faz com que debandassem. Certo dia retornaram, e dispunhamos de poucos grãos; foi com eles assentada uma troca de bois-de-arado por grãos. Eles entregaram os grãos e já levavam os bois quando as feras, então, agitaram-se e arrebentaram suas baias. Tomei dois dos bois por suas caudas, e os conduzi para trás por cerca de cem passos. Os salteadores impressionaram-se a ponto de não mais pensarem nos bois, e partiram. Então, nunca mais nos causaram problemas.”

85. “Ouvira eu de teus incríveis feitos.”, disse Cáo Cāo. “Juntar-se-à a meu exército?”.

86. “É este meu mais forte desejo.”, disse Xŭ Chŭ.

87. Xŭ Chŭ então convocou seu clã, ao todo algumas centenas de homens, e formalmente submeteram-se a Cáo Cāo. A Xŭ Chŭ foi conferido o cargo de general, e recebeu ele amplas recompensas. Hé Yí e Huang Shao, os dois líderes rebeldes, foram executados. Estavam agora Runan e Yingchuan perfeitamente pacificadas.

88. Cáo Cāo retornou com seu exército a Juancheng. Xiàhóu Dūn e Cáo Rén seguiram à frente, a fim de recebê-lo, e a eles foi dito que espiões relataram: a cidade de Yanzhou foi deixada sem defesa. Xue Lan e Li Fang, generais de Lǚ Bù, deixaram seus postos a fim de saquearem as regiões vizinhas. Queriam eles que seu senhor sem demora para lá seguisse.

89. “Com nossos soldados ainda frescos pela vitória, sucumbirá a cidade a uma leve batida de tambor apenas.”, disseram eles.

90. Cáo Cāo então marchou com seu exército direto rumo à cidade. Era o ataque deveras inesperado, mas Xue Lan e Li Fang, os dois líderes, apressaram-se com seus poucos soldados ao combate. Xŭ Chŭ, o mais novo recruta, dissera que desejava capturar os dois generais, fazendo deles um presente à sua introdução.

91. Foi-lhe dada tal tarefa, e cavalgou ele à frente. Li Fang, lança em punho, avançou ao embate. O combate foi breve, posto que sucumbiu Li Fang ao segundo golpe. Xue Lan, seu colega, recuou com suas tropas; logo descobriu, porém, que empreendia Lĭ Diăn cerco à ponte levadiça, com isto não podendo ele abrigar-se na cidade. Xue Lan guiou seus homens rumo a Juye; seus soldados espalharam-se aos quatro ventos e, com isto, foi Yanzhou recapturada.

92. Chéng Yù então propôs uma expedição, a fim de tomar Puyang. Marchou Cáo Cāo com seu exército em perfeita ordem. Seus líderes eram Diăn Wéi e Xŭ Chŭ; lideravam Xiàhóu Dūn e Xiàhóu Yuān a ala esquerda, lideravam Lĭ Diăn e Yuè Jìn a ala direita, e lideravam Yú Jìn e Lǚ Qián a retaguarda. Cáo Cāo comandava pessoalmente o centro.

93. Assim que se aproximaram de Puyang, desejou sair sozinho Lǚ Bù e, sozinho, empreender ataque; porém Chén Gōng, seu conselheiro, protestou, a dizer: “General, não deveis avançar até que cheguem os outros oficiais.”.

94. “Quem temo eu?”, disse Lǚ Bù.

95. Arremessou ele então a cautela aos ventos, e seguiu para fora da cidade. Lá, encontrou seus oponentes e pôs-se a ultrajá-los. O formidável Xŭ Chŭ foi-se a combater consigo mas, após vinte golpes trocados, não se encontrava nenhum dos combatentes em pior situação do que quando iniciaram o combate.

96. “Ele não é homem que pode ser superado por outro homem.”, disse Cáo Cāo.

97. Ele então ordenou a Diăn Wéi que atacasse Lǚ Bù por outro flanco. Lǚ Bù suportou o duplo ataque. Os líderes dos flancos logo em seguida se juntaram ao combate: a atacá-lo à esquerda, Xiàhóu Dūn e Xiàhóu Yuān; a cercá-lo à direita, Lĭ Diăn e Yue Jing. Tinha agora Lǚ Bù seis oponentes. Provaram-se eles de fato muitos para si e, então, guinou ele seu cavalo e cavalgou de volta à cidade.

99. Mas, tão-logo avistaram-no os membros da família Tiang a retornar, derrotado, ergueram a ponte levadiça.

100. Lǚ Bù bradou: “Abri os portões! Deixai-me entrar!”.

101. Mas disseram os Tian: “Debandamo-nos para Cáo Cāo!”.

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102. Foi isto pesaroso a seus ouvidos e, antes de partir, o homem derrotado os insultou amplamente. Chén Gōng fugiu pelos portões do leste, levando consigo a família do general.

103. Com isto sucumbiu Puyang às mãos de Cáo Cāo e, por seus recentes préstimos, foi a família Tian perdoada por sua prévia falta.

104. Liú Yè, porém, disse: “É Lǚ Bù uma fera selvagem: vivo, será um grande perigo. Caçai-o!”.

105. Foi ordenado a Liú Yè que mantivesse guarda em Puyang. Cáo Cāo determinou-se a seguir Lǚ Bù até Dingtao, onde seguira a fim de buscar refúgio.

106. Lǚ Bù, Zhāng Miăo e Zhang Chao adentraram a cidade. Gāo Shùn e outros generais estavam fora, a procurar por suprimentos. O exército de Cáo Cāo então chegou, mas não empreendeu ataque por vários dias; recuaram ele e seu exército cerca de vinte e quatro quilômetros, e lá ergueram uma paliçada. Era tempo de colheita, e então ordenou a seus soldados que ceifassem o trigo para servir como alimento. Relataram isto os espiões a Lǚ Bù, que para lá seguiu a fim de observar quê ocorria. Mas, logo ao observar que estava a paliçada de Cáo Cāo situada próxima a um denso bosque, temeu ele por uma emboscada e bateu em retirada. Cáo Cāo soube acerca da ida e partida de Lǚ Bù, e adivinhara o motivo.

107. “Teme ele uma emboscada em meio ao bosque.”, disse Cáo Cāo. “Aqui, hastearemos bandeirolas e o despistaremos. Há próximo ao acampamento extenso dique mas, atrás de si, não há água. Prepararemos lá uma emboscada a Lǚ Bù, quando vier este a fim de incendiar o bosque.”.

108. Cáo Cāo então ocultou todos os seus soldados detrás do dique, exceto por meia centena de tamborileiros, e reuniu diversos camponeses sob ordens de permanecerem pela paliçada, com isto aparentando ela não estar vazia.

109. Retornou Lǚ Bù aos seus, e relatou a Chén Gōng o que vira.

110. “É Cáo Cāo deveras engenhoso e repleto de astúcia.”, disse o conselheiro. “Não agi”.

111. “Usarei fogo desta vez, e incendiarei sua emboscada.”, disse Lǚ Bù.

112. Na manhã seguinte, dirigiu-se Lǚ Bù para fora da cidade e, de lá, avistou ele bandeirolas a flamular por todos os cantos do bosque. Ele ordenou suas tropas a avançarem, a atearem fogo por todos os lados. Mas, para sua surpresa, ninguém surgira a fim de defender a paliçada. Mesmo assim ouvia ele as batidas de tambores, e a dúvida preenchia sua mente.Viu então ele, repentinamente, um grupo de soldados a sair de um abrigo da paliçada. Ele galopou à frente, a fim de ver quê significava aquilo.

113. Como sinal, explodiram-se bombas; para fora urgiram as tropas, e todos os seus líderes à fente seguiram. Xiàhóu Dūn, Xiàhóu Yuān, Xŭ Chŭ, Diăn Wéi, Lĭ Diăn e Yuè Jìn: atacaram todos eles em uníssono. Encontrava-se Lǚ Bù em grande perda, e fugiu ao campo aberto. Cheng Lian, um de seus generais, foi morto por uma flecha de Yuè Jìn. Foram perdidos dois terços de suas tropas; os que restaram, derrotados, seguiram a relatar quê ocorrera a Chén Gōng.

114. “Melhor é partirmos.”, disse Chén Gōng. “Uma cidade vazia não pode ser mantida”.

115. Chén Gōng e Gāo Shùn então, em companhia da família de seu senhor, abandonaram Dingtao. Ao adentrarem a cidade os soldados de Cáo Cāo, não encontraram eles resistência alguma. Zhang Chao cometeu suicídio, ateando fogo a si próprio. Zhāng Miăo fugiu a Yuán Shù.

116. Com isto, sucumbiu o Nordeste inteiro sob o poder de Cáo Cāo. Ele imediatamente tranquilizou o povo, reconstruiu as cidades e suas defesas.

117. Lǚ Bù, em sua fuga, encontrou-se com seus dois generais, e Chén Gōng também se juntou a ele; não estava Lǚ Bù em total desamparo.

118. “Tenho pequeno exército apenas,”, disse Lǚ Bù, “mas, ainda assim, o suficiente para partir Cáo Cāo.”

119. E, então, retomou a via de onde viera. De fato:

120. Assim alterna-se a Fortuna: ora em derrota, ora em vitória;Deve o conquistador de hoje amanhã seguir embora?

121. O destino de Lǚ Bù será mais à frente relatado.

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Capítulo XIII

Lĭ Jué E Guō Sì Duelam Em Changan;O Imperador Estabelece Anyi Como A Nova Capital.

1. O último capítulo narrava a derrota de Lǚ Bù, que reunia em Dingtao o restante de suas tropas. Assim que todos os seus generais haviam se juntado a si, principiou-se a se sentir forte o bastante a nocamente travar batalha contra Cáo Cāo.

2. Disse Chén Gōng, oposto a esta via: “É Cáo Cāo demasiadamente forte neste momento. Procurai por local onde possamos descansar por algum tempo, antes de prosseguirmos.”.

3. “Poderia eu seguir rumo a Yuán Shào.”, disse Lǚ Bù.

4. “Enviai alguém à frente, a fim de sondar a região.”

5. Lǚ Bù aquiesceu.

6. Chegaram a Jizhou as novas acerca do combate entre Cáo Cāo e Lǚ Bù e Shĕn Pèi, um dos conselheiros de Yuán Shào, alertou-o: “É Lǚ Bù uma fera selvagem. Caso tome posse de Yanzhou, tentará certamente agregar a si esta região. Por vossa própria segurança, melhor seria prestar auxílio à sua destruição.”.

7. Yuán Shào, então, enviou Yán Liáng, juntamente com cinquenta mil homens, a fim de destruir Lǚ Bù. Souberam disto os espiões, e logo o relataram a Lǚ Bù, o qual se pôs em grande apreensão e chamou por Chén Gōng.

8. “Ide a Liú Bèi, que recentemente agregara Xuzhou.”.

9. Foi-se Lǚ Bù prontamente para lá.

10. Ao saber disto, disse Liú Bèi: “É Lǚ Bù um herói, e recebê-lo-emos com honra.”.

11. Mas Mí Zhú era fortemente contrário a recebê-lo, dizendo: “É ele fera cruel e sedenta por sangue.”.

12. Mas Liú Bèi respondeu-lhe: “Como seria o infortúnio em Xuzhou evitado, caso não tivesse ele atacado Yanzhou? Não pode ser ele nosso inimigo, agora que busca por asilo.”.

13. “Irmão, é deveras bom teu coração. Mesmo que seja como dizes, é ainda assim melhor que nos preparemos.”, disse Zhāng Fēi.

14. O novo Protetor Imperial, seguido por grande séquito, encontrou-se com Lǚ Bù a cerca

de dezesseis quilômetros dos portões da cidade, e os dois líderes cavalgaram lado a lado. Procederam eles à residência e lá, findas as elaboradas cerimônias de recepção, sentaram-se a fim de conversar.

15. Disse Lǚ Bù: “Após termos Wáng Yŭn e eu conspirado a assassinar Dŏng Zhūo, e após meu infortúnio à sedição de Lĭ Jué e Guō Sì, vaguei de um lugar a outro, e nenhum dos nobres ao leste das Montanhas de Huashang demonstrou-se favorável a receber-me. Assim que Cáo Cāo, por maligna ambição, invadiu esta região e vós, Senhor, viestes ao auxílio destas terras, auxiliei-vos ao atacar Yanzhou, a divergir com isto uma parcela de suas tropas. Não pensara eu então que seria vítima de vil trama e perderia meus líderes e meus soldados. Mas agora, a vosso desejo, ofereço-me a vós para que, unidos, concretizemos grandes desíginos.”.

16. Liú Bèi respondeu-lhe: “Ao quando falecido o póstumo Táo Qiān, não havia ninguém para administrar Xuzhou e, então, assumi este posto por algum tempo. Agora, posto que aqui estais, General, mais apropriado seria que declinasse eu a vosso favor.”.

17. Liú Bèi com isto estendeu a insígnia e o selo de autoridade a Lǚ Bù; estava ele a ponto de aceitá-los quando então avistou Guān Yŭ e Zhāng Fēi, sentados atrás do Protetor Imperial, a mirá-lo por olhos em ira.

18. Lǚ Bù então sorriu e disse: “Posso ser eu algo como combatente, mas não posso eu reger grande região como esta.”.

19 Repetiu Liú Bèi sua oferta, mas disse-lhe Chén Gōng: “O forte convidado não oprime seu anfitrião. Não necessitais temer, Senhor Liú Bèi.”.

20. Com isto, desistiu Liú Bèi. Foram realizados banquetes e preparados locais de descanso para Lǚ Bù e comitiva.

21. Tão-logo conveniente, retornou Lǚ Bù ao banquete. Para lá seguiu também Liú Bèi, acompanhado por seus dois irmãos. Ao decorrer do banquete, solicitou Lǚ Bù a Liú Bèi que se recolhessem a um dos cômodos particulares, aonde Guān Yŭ e Zhan Fei os seguiram. Lá, ordenou Lǚ Bù à sua esposa e sua filha que se curvassem ao seu benfeitor. Demonstrou aqui também Liú Bèi excessiva modéstia.

22. Lǚ Bù disse: “Bom irmão mais novo, não necessitas ser tão modesto.”.

23. Zhāng Fēi ouviu o que dissera Lǚ Bù e seus olhos brilharam, exclamando ele: “Que espécie de homem és tu, que ousa tratar nosso irmão por 'irmão mais novo'? É ele da família regente – uma folha de jade em galho de ouro. Sai e, pelo insulto, lutarei por trezentos assaltos contigo.”

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25. Liú Bèi apressadamente reprimiu seu impulsivo irmão, e Guān Yŭ o persuadiu a sair. Liú Bèi então desculpou-se, a dizer: “Fala meu pobre irmão com selvageria, depois de beber. Espero que não o culpeis.”.

26. Fez Lǚ Bù sinal com a cabeça, mas nada disse. Logo em seguida, partiram os convidados. Mas, conforme o anfitrião escoltava Liú Bèi à sua carruagem, avistou ele Zhāng Fēi a galopar, armado à rixa.

27. “Lǚ Bù, tu e eu duelaremos aqueles trezentos assaltos!”, bradou Zhāng Fēi.

28. Liú Bèi ordenou a Guān Yŭ que o reprimisse. No dia seguinte, seguiu Lǚ Bù a seu anfitrião, a fim de partir.

29. “Vós, Oh Senhor, gentilmente recebestes a mim; temo, porém, que teus irmãos e eu não podemos estar em acordo. Procurarei eu então outro asilo.”

30. “Caso fordes, General, é minha a culpa. Ofendeu-te meu rude irmão, e deve eventualmente desculpar-se. Enquanto isso, quê pensais em buscar temporário abrigo em Xiaopei, onde acampara eu por certo tempo? É o local pequeno e razoável apenas, mas é próximo àqui e farei com que sejais supridos com tudo que necessitáreis.”

31. Agradeceu-o Lǚ Bù, e aceitou a oferta. Guiou ele para lá suas tropas, e fez de lá sua residência. Após terem partido, enterrou Liú Bèi aquele incidente que o incomodara e Zhāng Fēi àquilo não mais se referiu.

32. Já fora dito que Cáo Cāo subjugara o leste das Montanhas de Huashang. Reportou-se ele ao Trono, e foi recompensado com o título de Senhor de Feiting e General Que Exibe Firme Virtude. Àquele tempo comandava a Corte o rebelde Lĭ Jué; entitulara-se ele Marechal Do Regente e Guō Sì, seu colega, se entitulara Grande Comandante. Sua conduta era abominável, mas ninguém ousava criticá-los.

33. Yang Biao, Guardião Imperial, e o Ministro Zhū Jùn conversaram em particular com o Imperador Xiàn, e disseram: “Dispõe Cao Cao duzentas mil tropas e diversos líderes e conselheiros habilidosos. Bom seria ao Império se à Família Imperial emprestasse ele seu apoio, nisto um auxílio a livrar o Governo deste vil grupo.”

34. Lágrimas verteram de Vossa Majestade: “Estou Eu exausto dos insultos e desdéns desses miseráveis, e ficaria Eu mui satisfeito em tê-los daqui removidos.”.

35. “Pensei em plano para apartar Lĭ Jué e Guō Sì e, com isto, causar a destruição de um pelo outro. Cáo Cāo então viria e tornaria limpa a Corte.”, disse Yang Biao.

36. “Como conseguireis isto?”, perguntou-lhe o Imperador.

37. “É Lady Qiong, esposa de Guō Sì, por muito ciumenta; podemos nos aproveitar de sua fraqueza para, com isto, suscitar-se querela .”

39. Então recebeu Yang Biao ordens para agir, a portar édito secreto que o apoiava. Lady Kai, esposa de Yang Biao, deu qualquer pretexto para visitar Lady Qiong em seu palácio e, em determinado momento durante sua conversa, disse: “Fala-se sobre amasio secreto entre o General teu marido e a esposa do Ministro Lĭ Jué. Isto é um grande segredo mas, caso saiba disto o Ministro Lĭ Jué, tentaria ele certamente causar dano a seu marido. Penso que seria prudente teres pouco a ver com aquela família.”.

40. Lady Qiong surpreendeu-se com isto, mas disse: “Perguntei-me realmente por quê estivera ele ultimamente a dormir noutro lugar senão em casa, mas não imaginava eu que a isto estivesse relacionado qualquer ato vergonhoso. Eu nunca o saberia, não mo tivesses contado. Devo eu pôr fim a isto.”.

41. Seguiu a conversa; ao que partia Lady Kai, agradeceu-lhe Ladi Qiong calorosamente pela informação que lha foram dadas.

42. Passaram-se alguns dias, e então certa vez seguiu Guō Sì às dependências de Lĭ Jué para o almoço.

43. Lady Qiong não desejou que para lá seguisse ele, e disse: “É Lĭ Jué muito denso, e não há quem consiga penetrar em seus desígnios. Ambos vós não sois de igual cargo e, caso cause ele mal a ti, quê seria de tua pobre criada?”.

44. Guō Sì não lha deu atenção e não prevaleceu o desejo de sua esposa, o de que permanecesse ele em casa. Ao fim da tarde chegaram-lhes alguns presentes vindos do palácio de Lĭ Jué e, secretamente, pôs veneno às iguarias antes que fossem estas ofertadas a seu senhor.

45. Guō Sì logopôs-se a experimentá-las mas, antes, disse ela: “Não é sábio consumir o que vem de fora. Antes, sirvamo-la a cão.”

46. Fizeram-no eles, e o cão morreu. Fez este incidente com que Guō Sì duvidasse das gentis intenções de seu colega.

47. Certo dia, ao término dos despachos da Corte, Lĭ Jué convidou Guō Sì a seu palácio. Após chegar Guō Sì em seu lar naquela tarde, além de abalado por ter vertido muito vinho, foi tomado por cólicas. Sua esposa disse desconfiar ser isto ação de veneno e, prontamente, adimistrou-lhe emético que aliviou sua dor.

48. Guō Sì começava a sentir ira, a dizer: “Fizéramos tudo unidos, e ajudáramo-nos sempre um ao outro; agora, quer ele causar dano a mim. Caso não desfira eu o primeiro golpe, sofrerei certamente de dano.”.

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49. Guō Sì então pôs-se a preparar seus guardas a qualquer repentina emergência.

50. Foi isto relatado a Lĭ Jué e ele, por sua vez, irou-se e disse: “Então é assim que age Guō Sì!”.

51. Lĭ Jué então reuniu seus guardas e urgiu a atacar Guō Sì. Dispunham ambas as casas de dez mil homens e a querela tornou-se séria a ponto de combaterem aguerrida batalha sob as muralhas da cidade. Quando findou-se o embate, puseram-se ambos os lados a saquear o povo.

52. Então Li Xian, um sobrinho de Lĭ Jué, repentinamente cercou o Palácio, assentou o Imperador e a Imperatriz em duas carruagens e encarregou Jiă Xŭ e Zuo Ling de levá-los dali. Os serviçais do Palácio deviam segui-los a pé. Conforme seguiam aos portões dos fundos, encontraram o exército de Guō Sì, que então pôs-se com suas flechas a alvejar a cavalgada. Eles abateram diversos serviçais, antes de chegar o exército de Lĭ Jué e forçá-los a recuar.

53. As carruagens deixaram o Palácio e, eventualmente, chegaram ao acampamento de Lĭ Jué; enquanto isso, saqueavam o Palácio os soldados de Guō Sì, e consigo carregavam todas as mulheres que lá estavam ao seu acampamento. O Palácio então foi incendiado.

54. Tão-logo soube Guō Sì do paradeiro do Imperador, urgiu ele a atacar o acampamento de Lĭ Jué. Entre estas duas facções opostas, estava o Imperador fortemente alarmado. De fato:

55. Decaiu-se, lento, o Hàn; e por Liú Xiù, pois, vigorou-se.Foram doze antes de si, foi sucedido ele por doze.Tolos foram os dois recentes, rondam riscos os altares: Degenerados dias; e, aos eunucos, autoridade.

Pôs Hé Jìn, simples e inepto, exército ao comando,À sanha de findar co'os vermes, guerreiros ao seu mando;Expulsaram leopardos; lobos, tigres ganham abrigo.Pelo vil ser de Xizhou vindo, foi todo o Mal concebido.

Puro Wáng Yŭn ao coração, por dama o vil logrou:Por pai e filho disputada, dissenção semeou.Disto o embate resultou, e então não mais a Paz reinou.

Não sabiam que Guō Sì e Lĭ Jué o Mal perpetuariam,Pôs-se em pranto o Império do Meio; pelo nada, combatiam.

Deitou-se a Fome ao Palácio e, aos tinires, mui pesar;

Por quê lutam os guerreiros? Por quê a terra, a fragmentar?Desviaram-se da senda lá, dos Céus, a apontar.

Deve o Rei isto ponderar; pesado, em si, é tal fardo.Não é um dever qualquer ser o Grão-Chefe do Estado:Se falhardes, vacilardes, sofrem por calamidades;O Reino banham por seu sangue, ruínas às todas partes.

Lede Vós, pranto embebido, os antigos tais registros:Das eras, longa é a História; é mais longa a do infortúnio.Onde houver quem a governar, é como chefe o augúrio.Isto, e lâmina afiada: a se manter, basta só isto.

56. O exército de Guō Sì então surgiu, e seguiu Lĭ Jué à frente do embate. As tropas de Guō Sì não empreenderam sucesso, e recuaram. A Meiwo, então, removeu Lĭ Jué os prisioneiros imperiais, estabelecendo Li Xian, seu sobrinho, como seu carcereiro. Foram reduzidos seus suprimentos, e recrudecia a fome sobre as faces dos eunucos. O Imperador enviou mensageiro a Lĭ Jué, a fim de pedir a ele cinco carroças de arroz e cinco carcaças de novilhos para seus serviçais.

57. Lĭ Jué, em ira, respondeu: “Às manhãs e às tardes recebe a Corte alimento. Por quê pedem por mais?”.

58. Ele enviou-lhes carne pútrida e grãos estragados e, com este novo insulto, vexou-se muito o Imperador. Yang Qi, Conselheiro Imperial, aconselhou paciência, a dizer: “É Lĭ Jué como criatura em sua base; mas, sob as presentes circunstâncias, deve Vossa Majestade sujeitar-se a esta situação. Não deveis provocá-lo.”.

59. O Imperador curvou-se, silente, mas lágrimas rolavam sobre Suas vestes. Então surgiu alguém, com as novas de que um exército de cavaleiros, sabres a brilhar ao sol, aproximavam-se a fim de resgatá-Lo. Ouviram então o soar dos gongos e o rufar dos tambores.

60. Enviou o Imperador alguém, a fim de observar quem era. Mas era Guō Sì, e novamente recaiu-se-lhes a tristeza. Então ergueu-se grande alarido; seguia Lĭ Jué a fim de combater Guō Sì, a quem insultava pelo nome.

61. “Tratei-te bem; por quê queres matar-me?”, disse Lĭ Jué. “És tu um rebelde; por quê não devo eu assassiná-lo?”, exclamou Guō Sì.

62. “Tratas-me por rebelde, quando protejo eu o Imperador?”

63. “Tu Vos abduziste; chamas isto de proteção?”

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64. “Por quê tantas palavras? Engajemo-nos em batalha e assentemos a questão em um único combate; ao vencedor, caberá a custódia do Imperador.”

65. Os dois generais combateram à frente de seus exércitos, mas nenhum dos dois prevalecera sobre o outro.

66. Então avistaram eles Yang Biao a cavalgar em sua direção, a exclamar: “Descansai, Oh Comandantes!, pois convidei um frupo de oficiais a fim de se assentar a paz.”.

67. Os dois líderes então recuaram a seus acampamentos. Logo, Yang Biao, Zhū Jùn e sessenta outros oficiais chegaram ao acampamento de Guō Sì. Foram todos postos ao confinamento.

68. “Viemos com boas intenções,”, queixaram-se eles, “ e assim somos tratados.”.

69. “Lĭ Jué fugiu com o Imperador; preciso eu manter os oficiais.”, disse Guō Sì.

70. “Quê significa isto? Um detém o Imperador; o outro, seus oficiais. Quê quereis?”, disse Yang Biao.

71. Guō Sì perdeu sua paciência e sacou sua espada, mas Yang Mi, um de seus Comandantes, o persuadiu a não abater seu interlocutor. Guō Sì então libertou Yang Biao e Zhū Jùn, mas manteve os outros em seu acampamento.

72. “Aqui estamos nós, dois oficiais do Trono, e não podemos amparar nosso Senhor. Nascêramos em vão.”, disse Yang Biao.

73. A atirar seus braços em torno um do outro, choraram eles e desfaleceram à terra. Zhū Jùn retornou a seu lar, quedou-se em grave enfermidade e morreu.

74. Dia após dia, por quase três meses, seguiram a combater os dois a diversários, sofrendo cada lado grandes baixas de soldados.

75. Era Lĭ Jué irreligioso e fazia uso de mágica. Frequentemente chamava ele bruxas, a rufarem tambores e evocarem espíritos, até mesmo quando em seu acampamento. Jiă Xŭ costumava censurá-lo, mas deveras inutilmente.

76. Disse Yang Qi ao Imperador: “Jiă Xŭ, apesar de ser amigo de Lĭ Jué, nunca parece perder o senso de lealdade a Vossa Majestade.”.

77. Logo em seguida, chegou-lhes Jiă Xŭ. O Imperador despachou seus criados e disse a Jiă Xŭ, em pranto: ”Não podeis apiedar-vos do Hàn e ajudar-Me?”.

78. Jiă Xŭ prostrou-se ao chão, a dizer: “É este meu mais caro desejo. Mas, Senhor, nada

mais dizei; deixai que Teu servo conceba um plano.”.

79. O Imperador enxugou suas lágrimas e, logo em seguida, chegou-lhes Lĭ Jué. Portava ele uma espada a seu lado e, a largos passos, achegou-se frente ao Imperador, cuja face tornou-se da cor da argila.

80. Então Lĭ Jué disse: “Guō Sì falhou em seu dever, e aprisionou os oficiais da Corte. Ele deseja assassinar Vossa Majestade e, não fosse por mim, teríeis sido capturado.”. O Imperador uniu suas mãos em saudação e agradeceu Lĭ Jué, que então partiu. Chegou-lhes Huángfŭ Li não muito tempo depois; o Imperador, a conhecê-lo por homem de persuasiva lábia e oriundo da mesma região de Lĭ Jué, solicitou-lhe que seguisse às duas facções a fim de tentar assentar a paz.

81. Aceitou Huángfŭ Sōng a missão e seguiu, primeiramente, a Guō Sì, que a ele disse: “Libertarei os oficiais se Lĭ Jué restaurar o Imperador à plena liberdade.”.

82. Huángfŭ Li então seguiu rumo à outra facção. A Lĭ Jué disse ele: “Por ser eu um homem de Xiliang, selecionaram-me o Imperador e os oficiais a fim de assentar a paz entre vós e vosso adversário. Guō Sì consentiu em cessar a querela; concordaríeis com a paz?”.

83. “Depus eu Lǚ Bù; mantive eu o governo por quatro anos, e tenho eu muitos grandes serviços a meu crédito, conforme sabe disto todo o mundo. Aquele outro, ladrão de cavalos, ousou deter os oficiais do Estado e se pôs contra mim. Jurei abatê-lo. Olha à tua volta. Não pensas tu que é meu exército suficientemente grande a abatê-lo?”.

84. “Não é isto correto.”, disse Huángfŭ Li. Em Youqiong, em tempos antigos, Hòu Yì, orgulhoso e confiante em suas habilidades como arqueiro, não deu ouvidos aos outros e sozinho governou, perecendo então.39 Presenciastes recentemente o poderoso Dŏng Zhūo a ser traído por Lǚ Bù, o qual usufruiu de várias benesses. Em pouco tempo, estava a cabeça de Dŏng Zhūo pendurada sobre os portões. Vedes vós então que uma mera força não é suficiente a garantir a segurança; Sois agora general, convosco todas as machadas, látegos e símbolos de posição e alto ofício; vossos descendentes e todo vosso clã ocupa distintas posições. Deveis confessar que o Estado vos recompensaste liberalmente. Em verdade, mantém Guō Sì os oficiais do Estado; fizestes, porém, o mesmo ao Mais Reverenciado. Qual é pior que o outro?”.

85. Enfurecido, sacou Lĭ Jué sua espada e exclamou: “Mandaste a ti o Imperador a fim de troçar-me e humilhar-me?”.

39 Hòu Yì é uma personagem da mitologia chinesa; frequentemente citado como o deus do manejo de arco e flecha que desceu dos Céus para amparar a Humanidade. Chang'E, sua noiva, é considerada uma das deidades atribuìdas à lua. (N. do T.)

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86. Mas Yáng Fèng, seu comandante, o deteve.

87. “Guō Sì ainda é vivo,”, disse Yáng Fèng, “e abater o mensageiro imperial daria a ele um bom pretexto a erguer exército contra ti. E todos os nobres juntar-se-iam a ele.”.

88. Jiă Xŭ também persuadiu Lĭ Jué e, gradualmente, aplacou-se sua ira. Huángfŭ Li foi urgido a partir. Mas não estava Huángfŭ Li satisfeito com o insucesso. Logo ao deixar o acampamento, exclamou em alto tom: “Lĭ Jué não obedecerá o comando do Imperador; matará ele seu príncipe para ascender ele próprio ao Trono.”

89. O Conselheiro Hu Miao tentou aquietar a boca de Huángfŭ Li, a dizer-lhe: “Não profere tais palavras. Irás apenas trazer mal a ti próprio.”.

90. Mas Huángfŭ Li imprecou também contra ele, a dizer: “És também oficial do Estado e, mesmo assim, apóias o rebelde. Quando à vergonha é posto o Príncipe, morre o ministro. É este nosso código. Se devo eu sofrer a morte às mãos de Lĭ Jué, que seja assim então!”.

91. E então manteve Huángfŭ Li sua torrente de insultos. Soube o Imperador do incidente, convocou Huángfŭ Li e o enviou de volta a Xiliang, sua terra natal.

92.Não mais que a metade das tropas de Lĭ Jué era de Xiliang; também contava ele com o auxílio dos Qiang, o povo das tribos além da fronteira. Ao que propagou Huángfŭ Li as notícias de que era Lĭ Jué um rebelde e, portanto, eram-no também todos aqueles que o auxiliavam, e de que seria aquele o dia do derradeiro acerto de contas, perturbaram-se os soldados. Lĭ Jué enviou Wang Chang, General do Exército do Tigre, um de seus soldados, a fim de aprisionar Huángfŭ Li; Wang Chang, porém, possuía senso do que é correto, e estimava Huángfŭ Li como homem honrado. Ao invés de conduzir tais ordens, portanto, retornou Wang Chang e disse que não conseguiu encontrá-lo.

93. Jiă Xŭ apelou aos sentimentos das tribos bárbaras. Disse ele a eles: “O Filho dos Céus sabe que sois leais a Ele, e que combatestes bravamente e padeceram gravemente.Decretou Ele um édito secreto, para que vades de volta a suas casas; Ele, então, recompensar-vos-á.”.

94. Tinham os homens da tribo contendas contra Lĭ Jué, por este não pagar a eles seu devido soldo, e então prontamente ouviram as insidiosas persuasões de Jiă Xŭ e desertaram.

95. Jiă Xŭ então aconselhou o Imperador: “É Lĭ Jué cobiçoso por natureza. Desertaram-no, e está ele debilitado; deve a ele ser concedido alto posto, a fim de apaziguá-lo.”.

96. O Imperador então indicou oficialmente Lĭ Jué como Marechal do Regente. Isto causou-lhe grande agrado, e atribuiu ele sua promoção às orações e encantamentos das sábias bruxas. Abundantemente gratificou ele estas pessoas.

97. Mas seu exército fora esquecido. Estava Yáng Fèng, seu comandante, irritado; disse ele ao General Song Guo: “Sujeitamo-nos a todo tipo de riscos e expusemo-nos a chuvas de pedras e flechas a seu serviço; mesmo assim, ao invés de conceder a nós qualquer recompensa, atribui ele todo o crédito àquelas suas bruxas.”.

98. “Acabemos nós consigo, e resgatemos o Imperador.”, disse Song Guo.

99. “Explode tu uma bomba como sinal, e atacarei pelo lado externo.”

100. Os dois então concordaram em agir em conjunto naquela mesma noite, durante a segunda vigília. Ouviram-nos, porém, e foi Lĭ Jué informado acerca do plano. Song Guo foi capturado e morto. Naquela noite, aguardou Yáng Fèng, próximo ao acampamento, pelo sinal; conforme aguardava, de lá saiu Lĭ Jué em pessoa. Iniciou-se então desordenado combate, que durou até a quarta vigília. Yáng Fèng, porém, fugiu e buscou refúgio em Xian.

101. Mas, naquela ocasião, começava o exército de Lĭ Jué a se tornar escasso; agravava-se mais isto por conta das baixas causadas pelos frequentes ataques de Guō Sì. Vieram-lhe então novas de que Zhāng Jì, frente a um grande exército, vinha de Shangxi a fim de assentar a paz entre as duas facções e estava disposto a atacar quem a isto se opusesse, embora quanto a isso estivesse ele ainda recalcitrante. Lĭ Jué tentou obter apoio, apressando-se em enviar mensagem a Zhāng Jì e dizendo-lhe que estava pronto a assentar a paz. Então assim também procedeu Guō Sì.

102. O embate entre as duas facções chegou então finalmente a seu fim, e Zhāng Jì solicitou ao Imperador que seguisse a Hongnong, próxima a Luoyang.

103. Estava o Imperador agraciado, e disse: “Há muito desejava retornar ao Leste!”

104. Zhāng Jì foi recompensado com o título de Comandante da Cavalaria Voadora, e foi altamente honrado. Ele providenciou para que o Imperador e a Corte dispusessem de bons suprimentos. Guō Sì libertou todos os oficiais seus prisioneiros, e Lĭ Jué preparou transporte para a Corte, a fim de se deslocarem ao leste. Lĭ Jué ordenou aos membros de sua Guarda Real que escoltassem a cavalgada.

105. Seguira tudo sem incidente até a região de Xinfeng. Próximo à Ponte de Baling sopraram com grande violência os outonais ventos do oeste mas, logo sobre os uivos da ventania, ouviu-se o marchar de um grande corpo militar. Detiveram-se eles à ponte e barraram a via.

106. “Quem vem lá?”, exclamou uma voz. “Está aqui a Carruagem Imperial; quem ousa detê-La?”, disse Yang Qi, a cavalgar à frente.

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107. Os dois líderes do grupo que barrava o caminho seguiu frente a Yang Qi, a dizer-lhe: “Ordenou-os o General Guō Sì que protegêssemos a ponte e detivéssemos todos os espiões. Tu disseste que está aqui o Imperador; devemos vê-Lo, e então deixar-vos-emos passar.”

108. O cortinado de pérolas foi então suspenso e o Imperador disse: “Eu, o Imperador, aqui estou. Por quê não recuais e deixai-Me passar, senhores?”

109. Todos bradaram: “Longa vida ao Imperador!”, e abriram passagem ao cortejo, para que seguisse.

110. Mas, logo que isto relataram a Guō Sì, quedou-se ele em muita ira, a dizer: “Tencionava eu sobrepujar Zhāng Jì, capturar o Imperador e mantê-Lo em Meiwo. Por quê deixastes Ele seguir?”.

111. Pôs ele à morte os dois oficiais, enviou grupo a fim de perseguir a cavalgada e, próximo a Huaying, achegaram-se eles ao cortejo. Ergueu-se grande alarido à retaguarda dos viajantes, e comandou-lhes uma voz: “Parai o comboio!”

112. Esvaiu-se o Imperador em lágrimas.

113. “Saímos do covil do lobo à boca do tigre!”, disse Ele.

114. Ninguém sabia quê fazer; estavam todos por demais assustados. Mas, tão-logo estava o exército rebelde a investir, ouviram eles o rufar de tambores e, detrás de algumas colunas, surgiu a campo aberto um grupo de mil soldados a portar grande estandarte, com os dizeres Yáng Fèng, General do Hàn.

115. Derrotado por Lĭ Jué, fugiu Yáng Fèng ao sopé das colinasde Xian e, agora, veio a oferecer seus préstimos tão-logo soubera acerca da jornada do Imperador. Ao constatar que seria agora necessário combater, organizou ele sua linha de batalha. Cui Yong, general de Guō Sì, cavalgou à frente e pôs-se a proferir uma torrente de insultos. Virou-se Yáng Fèng e disse: “Onde está Xú Huàng?”

116. Surgiu em resposta um valente guerreiro, a portar pesada machada de batalha. Galopou ele à frente a investir diretamente contra Cui Yong, o qual sucumbiu logo ao primeiro golpe. Urgiu com isto à frente todo seu exército e derrotou Guō Sì. O exército derrotado recuou cerca de onze quilômetros, enquanto à frente cavalgava Yáng Fèng a fim de se encontrar com o Imperador, que a ele disse: “Fora este grande serviço por ti prestado; salvaste minha vida.”.

117. Yáng Fèng curvou-se e agradeceu-Lhe, e pediu-lhe o Imperador que chamasse aquele que abatera o líder rebelde. Xú Huàng foi então conduzido à carruagem, onde curvou-se e foi apresentado como Xú Huàng de Hedong.

118. O Imperador reconheceu os feitos do guerreiro.

119. A cavalgada então seguiu viagem. Yáng Fèng prestou-lha escolta até a cidade de Huaying, o local de parada devido ao anoitecer. Duan Wei, o comandante daquela região, os supriu com vestes e alimentos. E então pernoitou o Imperador naquela noite no acampamento de Yáng Fèng.

120. Guō Sì reuniu suas tropas no dia seguinte e surgiu frente ao acampamento; Xú Huàng cavalgou à frente, a fim de engajar-se em batalha. Mas Guō Sì organizara seu exército de modo que cercaram eles o acampamento por completo, deixando o Imperador ao centro de tudo. Era a posição deveras crítica, quando então chegou-lhes auxílio pelas mãos de um general que galopava do sudoeste, e fugiram os rebeldes conforme seguia este seu assalto. Xú Huàng então aniquilou-os, e obtiveram eles vitória.

121. Assim que tiveram tempo para ver quem era aquele que os auxiliara, descobriram sê-lo Dŏng Chéng, o tio do Imperador, ou o Tio do Estado. Quedou-se o Imperador em pranto conforme relatava ele seus lamentos e perigos. Disse Dŏng Chéng: “Tende boa coragem, Senhor. Juramos o General Yáng Fèng e eu acabar com ambos os rebeldes Guō Sì e Lĭ Jué para, com isto, purificar o mundo.”.

122. O Imperador ordenou que viajassem rumo ao leste tão-logo quanto possível e, então, seguiram eles, dia e noite, até chegarem a Hongnong, seu destino.

123. Liderou Guō Sì seu exército derrotado de volta ao acampamento. Ao se encontrar com Lĭ Jué, a ele relatou o resgate do Imperador e para onde seguira Ele.

124. “Caso cheguem eles às Montanhas de Huashang e se estabeleçam ao leste, despacharão eles proclamações a todo o País, a chamar por nobres a fim de nos atacar; nós e nossas famílias estaremos então em perigo.”, disse Guō Sì.

125. “Zhang Ji detém Changan, e devemos ter cautela. Não há nada que evite um ataque em conjunto a Hongnong, onde podemos então assassinar o Imperador e repartir o Império entre nós.”, disse Lĭ Jué.

126. Viu Guō Sì neste um bom plano, então reuniram-se em um só local seus exércitos, a saquear por onde passavam. Conforme seguiam a Hongnong, deixavam atrás de si um rastro de destruição.

127. Souberam Yáng Fèng e Dŏng Chéng acerca da aproximação dos rebeldes logo que estes seguiam em seu encalço; Yáng Fèng e Dŏng Chéng então retornaram e decidiram encontrá-los em Dongjian.

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128. Haviam Lĭ Jué e Guō Sì previamente assentado seus planos. Por serem poucas as tropas leais ao Imperador, comparadas à sua própria horda, superariam eles o exército rival como se uma inundação os cercasse. Então, chegado o dia da batalha, espalharam-se eles a cobrir as colinas e preencher as planícies. Dedicaram-se Yáng Fèng e Dŏng Chéng exclusivalmente à proteção do Imperador e da Imperatriz. Os oficiais, criados, arquivos e resgistros, além de todo o aparato da Corte, foi legado a cuidar de si próprio. Os rebeldes investiram contra Hongnong; os dois protetores, porém, conduziram o Imperador em segurança até Shanbei.

129. Assim que demostraram os generais rebeldes sinais de perseguição, puseram-se Yáng Fèng e Dŏng Chéng a manejar espada de dois gumes; enviaram eles mensageiro, a fim de discutir os termos para assentar a paz com Lĭ Jué e Guō Sì. Ao mesmo tempo, despacharam édito secreto a fim de solicitar auxílio de Hán Xiān, Li Yue e Hu Cai, líderes dos rebeldes da Onda Branca. Era Li Yue salteador e inspirara rebeldes pelo País, mas era assim desesperada a necessidade por auxílio.

130. Os três, prometido o perdão por suas faltas e crimes e sua promoção a altos cargos, naturalmente responderam ao chamado; estava a facção leal ao Imperador então fortalecida, de modo que foi Hongnong recapturada. Enquanto isso, porém, deixavam Lĭ Jué e Guō Sì em ruínas todo lugar por onde passavam, assassinando os mais velhos e fracos e forçando os mais fortes a se juntarem às suas tropas. Quando engajavam em batalha, forçavam estes soldados-à-força à frente e chamavam-nos por 'soldados que ousam a morrer'.

131. O exército de Lĭ Jué e Guō Sì era insuperável. Assim que se aproximou Li Yue, o líder da Onda Branca, seguido por seu exército, ordenou Guō Sì a seus soldados que espalhassem roupas e itens de valor pela estrada. Os antigos salteadores não resistiram à tentação, e então deu-se início à dispersão. O soldados de Guō Sì então lançaram-se sobre os soldados em desordem, e infligiram-lhes grande dano. Yáng Fèng e Dŏng Chéng então foram forçados a escoltar o Imperador ao norte.

132. Seguiram-nos Lĭ Jué e Guō Sì.

133. Disse Li Yue: “É grave o perigo. Rogo a Vossa Majestade, montai em Vosso cavalo e segui em frente.”.

134. Respondeu-lhe o Imperador: “Não posso Eu abandonar meus oficiais.”. Choraram eles, e combateram o melhor que podiam. Hu Cai, o líder da Onda Branca, foi morto em um ataque. Acercou-se o inimigo; deixou o Imperador sua carruagem e seguiu a pé. Escoltaram-No Yáng Fèng e Dŏng Chéng à margem do Rio Amarelo. Procurou Li Yue por um barco, a fim de conduzi-Lo à outra margem. Estava então muito frio; Imperador e Imperatriz encolhiam-se, a tremer, próximos um do outro. Chegaram eles ao rio; eram as margens, porém, por demais altas, e não conseguiram embarcar. Yáng Fèng então propôs que fossem atadas as bridas dos cavalos, e por elas fosse suspenso o Imperador pela

cintura. Fu De, irmão da Imperatriz, porém, encontrou alguns rolos de seda branca próximos a alguns soldados abatidos; pela seda envolveram eles então as duas figuras imperiais e, com isto, desceram-Nos próximos à embarcação. Li Yue então tomou posição à proa, a portar sua espada. Fu De conduziu a Imperatriz à embarcação.

135. Era a barca deveras pequena para abrigar todos, e aqueles que não conseguiram embarcar agarraram-se às amarras; Lĭ Jué cortou-as, e caíram eles n'água. Eles transportaram o Imperador, e retornaram a fim de buscar os demais. Houve grande confusão ao embarque, e foram eles obrigados a decepar os dedos e mãos daqueles que persistiam em se agarrar ao barco.

136. As lamentações ascendiam aos Céus. Assim que se reuniram próximos à outra margem, muitos eram os desaparecidos; restava cerca de apenas uma dúzia dos seguidores do Imperador. Yáng Fèng encontrou carroça puxada por um novilho, e então transportou o Imperador e a Imperatriz rumo a Dayang. Não dispunham eles de comida alguma e, conforme avançava a noite, buscaram eles abrigo em uma humilde casa com teto de telhas. Seus moradores serviram a eles um pouco de painço cozido, mas era ele muito bruto para ser engolido.

137. Conferiu o Imperador no dia seguinte títulos àqueles que O protegeram. Li Yue foi nomeado General Que Conquista o Norte e Hán Xiān, General Que Conquista O Leste.

138. Seguiu o grupo adiante. Logo dois oficiais chegaram ao cortejo, e curvaram-se, em muitas lágrimas, perante Vossa Majestade. Eram eles Yang Biao, o Marechal do Regente, e o Ministro Han Rong. Ergueram o Imperador e a Imperatriz suas vozes, e com eles também quedaram-se em pranto.

139. Disse Han Rong a seu colega: “Confiam os rebeldes em minhas palavras. Fica tu como guarda do Imperador; tomarei minha vida em minhas mãos, e tentarei trazer a paz.”.

140. Após partir Han Rong, descansou o Imperador por algum tempo no acampamento de Yáng Fèng. Mas Yang Biao solicitou ao Imperador que seguisse rumo a Anyi e, lá, estabelecesse a Capital. Logo que chegou a caravana à cidade, não encontraram lá sequer uma simples construção, e vivia a Corte em cabanas de palha desprovidas até mesmo de portas. Cercavam-nas por uma cerca-viva de espinhos, como proteção; e, em meio a isto, convocou o Imperador conselho com seus ministros. Acamparam os soldados em torno do cercado.

141. Li Yue e seus comparsas rufiões então mostraram suas verdadeiras cores. Mantinham eles os poderes do Imperador conforme desejavam, e oficiais que os ofendiam eram surrados ou insultados mesmo à frente do Imperador. Propositalmente forneciam eles vinho espesso e alimento bruto ao consumo do Imperador. Esforçava-

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se Ele em engolir quê Lhe enviavam. Li Yue e Hán Xiān então juntaram-se, a recomendar ao Trono os nomes de prisioneiros, soldados comuns, feiticeiros e aproveitadores, e com isto obtiveram todos eles cargos oficiais. Eram eles mais de duas centenas de tal povo. Como não haviam meios para serem gravados selos, pedaços de metal foram moldados em certo formato a fim de servirem para tal finalidade.

142. Seguiu Han Rong ao encontro de Lĭ Jué e Guō Sì. Após escutar suas vigorosas persuasões, concordaram os dois generais rebeldes em libertar os oficiais e o povo do Palácio.

143. Houve grande escassez de alimentos naquele mesmo ano, e o povo sujeitava-se a comer as gramas que beiravam as estradas. Famintos, caminhavam aqui e ali. Mas comida e vestimentas eram enviadas ao Imperador por Zhāng Yáng, Governador de Henei, e por Wang Yi, Governador de Hedong; a Corte, com isto, pode desfrutar de certo repouso. Dŏng Chéng e Yáng Fèng enviaram trabalhadores a fim de restaurarem os palácios em Luoyang, com o intuito de para lá deslocarem a Corte. Opunha-se Li Yue a isto.

144. Razoou Dŏng Chéng: “É Luoyang a Capital original, oposta à miserável cidade de Anyi. Tal remoção seria razoável.”.

145. Respondeu-lhe Li Yue: “Podes conseguir remover a Corte, mas permanecerei eu aqui.”.

146. Mas, tão-logo fora dado o consentimento do Imperador para que seguissem adiante, Li Yue secretamente tramou com Lĭ Jué e Guō Sì para que capturassem o Imperador. O plano porém vazara e a escolta, a fim de evitar tal desígnio, preparou-se para tais eventualidades e urgiram à passagem das Colinas de Zhiguan o mais rápido que conseguiam. Soube disto Li Yue e, sem ao menos aguardar seus colegas rebeldes para que se juntassem a si, seguiu em frente a fim de agir sozinho.

147. Próximo à quarta vigília, no momento em que seguia a cavalgada pelas Colinas de Zhiguan, ouviram eles brados: “Parai as carruagens! Lĭ Jué e Guō Sì aqui estão!”.

148. Foi tomado o Imperador por grande medo, e se agravara Seu terror ao avistar o lado todo da montanha repentinamente a iluminar-se. De fato:

149. O tal rebelde grupo, em dois partido outrora,A fim do que é iníquo, em três juntam-se agora.

150. A forma como escapou o Filho dos Céus destes perigos será narrada no próximo capítulo.

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Capítulo XIV

Cáo Cāo Desloca A Corte A Xuchang;Lǚ Bù Investe À Noite Em Xuzhou

1. Encerrara-se o último capítulo à chegada de Li Yue, o qual falsamente bradara que os exércitos dos arquirrebeldes Lĭ Jué e Guō Sì viera a fim de capturar a cavalgada imperial. Mas Yáng Fèng reconhecera a voz de Li Yue, e ordenou a Xú Huàng que se pusesse à frente, a combatê-lo. Seguiu então Xú Huàng e, ao primeiro golpe, sucumbiu o traidor. Dispersaram-se os rebeldes da Onda Branca, e assim chegaram em segurança os viajantes às Colinas de Zhiguan. Suprira-os lá abundantemente Zhāng Yáng, Governador de Henei, com alimentos e outros bens necessários, e prestou ao Imperador escolta a Zhidao. Por tal ajuda em tempo tão fortuito, conferiu o Imperador a Zhāng Yáng o título de Grande Comandante. Deslocou Zhāng Yáng seu exército a noroeste de Luoyang, e em Yewang montou acampamento.

2. Em tempo, adentraram em Luoyang. Muro adentro, pairava tudo em destruição. Os palácios e saguões foram incendiados, estavam as ruas cobertas por grama e sarça, obstruídas por montes de ruínas. Representavam-se os palácios e cortes por telhas partidas e muros prestes a ruir. Um pequeno palácio foi, porém, logo construído e, lá, apresentaram os oficiais da Corte suas congratulações, em campo aberto e entre as silentes sarças e espinheiros. O estilo do reinado fora mudado, de Estabilidade Próspera a Tranquilidade Reconstruída, o Primeiro Ano40.

3. Era aquele um ano de aguda escassez. O povo de Luoyang, mesmo reduzido em número a ponto de serem eles em apenas algumas centenas, não proviam do suficiente para se alimentarem e, então, vagueavam pelas cercanias, a arrancar lascas dos troncos das árvores e raízes de plantas a fim de com isto satisfazerem sua excruciante fome. Oficiais do Governo, dos mais altos cargos, seguiam pela região afora a fim de obterem combustível. Foram muitas pessoas esmagadas pelos muros das casas incendiadas, que ao chão desmoronavam. Em tempo algum durante toda a decadência do Hàn oprimia tanto a miséria como neste período.

4. Diz um poema, escrito em piedade ao sofrimento daqueles tempos:

5. Aos cerros de Mangdang flui da Serpente Branca o sangue;Pendões de guerra, rubros-sangue, em todo canto instadosE, chefe a chefe, às suas fronteiras lutam, inestanques;E, meio à turba e embate, é até o Reinado ameaçado.

Abate o País perversidão se o Rei é fraco,E é o banditismo o mando quando falha a Dinastia;

40 196 d.C. (N. do T.)

Tivesse alguém por ferro o coração, sentir opaco,'Inda assim por certo, ao ver a tudo, afligir-se-ia.

6. Yang Biao, Marechal do Regente, falou ao Trono, a dizer: “O decreto a mim conferido há certo tempo nunca fora posto em prática. É Cáo Cāo agora muito forte ao leste das Montanhas de Huashang, e bom seria associá-lo ao Governo para que apóie ele a Casa Regente.”.

7. Respondeu a isto o Imperador: “Não há necessidade para novamente referir-se a esta questão. Envia-o mensageiro tão-logo desejares.”.

8. O decreto foi então despachado, a levá-lo um mensageiro ao leste de Huashang. Ao saber do retorno da Corte à Capital Luoyang, reuniu ele seus conselheiros.

9. Expos assim Xún Yù a questão ante a Cáo Cāo e seu conselho: “Há oitocentos anos apoiou Wen, Senhor de Yin, o Príncipe Xiang da cadente Dinastia Shang e, então, apoiaram-no todos os demais senhores feudais. Liu Bang, o Fundador do Hàn, obteve apoio popular ao enlutar-se pelo Imperador Yi do Qin. É agora o Imperador Xian fugitivo pelas estradas. Tomar a liderança, ao oferecer-Vos um exército a fim de restaurá-Lo à sua honra, é imprecedente oportunidade a se obter consideração universal. Deves, porém, agir rapidamente; caso contrário, fazê-lo-á alguém antes de ti.”.

10. Compreendeu isto Cáo Cāo e, prontamente, preparou seu exército a fim de se deslocarem. Naquele exato momento, fora-lhes anunciada a chegada de um mensageiro imperial, a portar o comando que Cáo Cāo aguardava; imediatamente, então, partiu Cáo Cāo.

11. Em Luoyang, quedava-se tudo em desolação. Seus muros desabavam, e não havia meios de reerguê-los; ainda, rumores e relatos acerca da vinda de Lĭ Jué e Guō Sì mantinham sobre todos um estado de constante ansiedade.

12. O assustado Imperador falou com Yáng Fèng, a dizer-lhe: “Quê pode ser feito? Não há resposta do leste de Huashang, e estão os inimigos já mui próximos.”.

13. Então disseram Yáng Fèng e Hán Xiān: “Nós, Vossos ministros, combateremos por Vós até a morte.”.

14. Mas Dŏng Chéng disse: “Nossas fortificações são frágeis e nosso exército, diminuto, de modo que não podemos esperar pela vitória; ademais, quê significa a derrota? Não vejo nada melhor, senão deslocarmo-nos ao leste das Montanhas de Huashang.”.

15. Aquiesceu com isto o Imperador e, então, foi-se iniciada sem mais delongas a

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jornada. Por haver pouca montaria, deslocavam-se a pé os oficiais da Corte. A não mais que um vôo de flecha além dos portões avistaram eles uma densa nuvem de poeira, de onde fazia-se ouvido o clangor e clamor de um exército a avançar. Estavam o Imperador e sua consorte amortecidos pelo medo. apareceu-Lhes então um cavaleiro; era ele o mensageiro imperial, a retornar do leste de Huashang.

16. Cavalgou ele à carruagem imperial, prestou reverência e disse: “Conforme Vosso comando, vem-nos Cáo Cāo junto a toda sua força militar do leste de Huashang; mas, ao saber da vinda de Lĭ Jué e Guō Sì, novamente a se aproximarem da Capital, enviou ele Xiàhóu Dūn à frente. Consigo estão vários hábeis líderes, e cinquenta mil soldados experientes. Protegerão eles Vossa Majestade.”.

17. Foi-lhes então varrido todo o medo. Logo depois, chegaram Xiàhóu Dūn e seu grupo. Foram Xiàhóu Dūn, Xŭ Chŭ e Diăn Wéi todos apresentados ao Imperador, o Qual graciosamente dirigiu-Se a eles. Veio-lhes então alguém, a relatar que se aproximava um grande exército do leste e, ao comando do Imperador, seguiu Xiàhóu Dūn à frente a fim de certificar-se de quem eram aqueles que marchavam. Logo retornou, a dizer que eram eles a infantaria de Cáo Cāo.

18. Em pouco tempo, seguiram Cáo Hóng, Lĭ Diăn e Yuè Jìn rumo à carruagem imperial e seus nomes foram devidamente anunciados. Cáo Hóng disse: “Ao saber Cáo Cāo, meu irmão, acerca da aproximação dos rebeldes, temeu ele que fossem poucas as tropas despachadas; ordenou-me, portanto, que rapidamente marchássemos e prestássemos reforços.”.

19. “É Cáo Cāo de fato confiável servo!”, disse o Imperador.

20. Foram expedidas ordens a avançarem, guiada a escolta por Cáo Hóng. Vez ou outra, surgiam-lhes membros da escolta a dizer que mui rapidamente aproximavam-se os rebeldes. Ordenou o Imperador a Xiàhóu Dūn que dividisse seu exército em duas partes a fim de se oporem a eles. Dispuseram-se os exércitos de Xiàhóu Dūn e Cáo Hóng em duas alas, cavalaria à frente e soldados, à retaguarda. Atacaram eles vigorosamente e expeliram os rebeldes de Lĭ Jué e Guō Sì, inflingindo-lhes severas perdas em mais de dez mil homens. Xiàhóu Dūn e Cáo Hóng então imploraram ao Imperador que retornasse a Luoyang, cabendo a Xiàhóu Dūn proteger a cidade.

21. Chegou Cáo Cāo no dia seguinte, acompanhado por seu grande exército; devidamente acampados, adentrou ele a cidade a fim de comparecer à audiência. Ajoelhou-se ele aos pés dos degraus, mas foi exortado a erguer-se à frente do Imperador e foi agradecido. Cáo Cāo respondeu: “Por ter sido receptor de tamanha graciosidade, deve Vosso servo muita gratidão ao Estado. É plena a mensura da vilania dos dois rebeldes; disponho eu de duzentos mil bons soldados a fim de me opor a eles, e são estes soldados plenamente aptos a assegurar a segurança de Vossa Majestade e do Trono. A preservação do sacrifício do Estado é a real questão deste momento.”.

22. A Cáo Cāo conferiram altas honras. Ele foi nomeado Comandante do Distrito da Capital e Ministro da Guerra, e foi ele agraciado por Insígnia Militar.

23. Lĭ Jué e Guō Sì, os dois rebeldes, desejavam atacar o exército de Cáo Cāo, fatigado por sua longa marcha. Mas Jiă Xŭ, seu conselheiro, opôs-se a isto, a dizer: “Não há esperança de vitória. Possui ele fortes soldados e bravos líderes. Trazer-nos-ia a submissão uma anistia.”.

24. Irou-se Lĭ Jué por esta sugestão, a exclamar: “Desejas desencorajar o exército?”

25. E sacou ele então sua espada, pronta a abater Jiă Xŭ. Outros oficiais, porém, por ele intercederam e salvaram o conselheiro. Jiă Xŭ, àquela mesma noite, saqueou o acampamento e, sozinho, partiu rumo à sua vila natal.

26. Alguns dos rebeldes decidiram ir à batalha. Em resposta, enviou Cáo Cāo os líderes Xu Chun, Cáo Rén e Diăn Wéi, acompanhados por trezentos cavaleiros. Os três líderes avançaram sobre os rebeldes, mas rapidamente recuaram. Foi esta manobra repetida por mais de uma vez, até que estivesse formado o verdadeiro campo de batalha.

27. Li Xian e Li Bie, sobrinhos de Lĭ Jué, cavalgaram então à frente. Ao lado de Cáo Cāo prontamente avançou Xŭ Chŭ, e abateu Li Xian. Assustara-se Li Bie a ponto de cair-se de sua sela. Também ele fora abatido. Xŭ Chŭ, vitorioso, retornou aos seus e consigo levou as cabeças de seus oponentes. Ao ofertá-las a seu líder, cumprimentou-o Cáo Cāo com leve tapa às costas e exclamou: “És tu de fato meu Fán Kuài41!”.

28. Foi em seguida empregado movimento total à frente; lideravam Xiàhóu Dūn e Cáo Hóng as duas alas, Cáo Cāo a comandar ao centro. Avançaram eles ao rufar dos tambores. Os rebeldes recuaram, e então fugiram. Seguiram-nos; liderava seu exército Cáo Cāo à frente, em pessoa, espada à mão. Durou o massacre até o anoitecer; dez mil foram mortos, e muitos outros renderam-se. Seguiram Lĭ Jué e Guō Sì rumo ao oeste, a voarem, em pânico, tal como cães em casa prestes a desmoronar. Não havendo lugar para se refugiarem, seguiram às colinas e ocultaram-se dentre a mata cerrada.

29. O exército de Cáo Cāo retornou, e novamente montou acampamento próximo à Capital. Yáng Fèng e Hán Xiān disseram, então, um ao outro: “Prestara Cáo Cāo grande préstimo, e será ele o homem no poder. Não haverá lugar para nós.”.

30. Apresentaram-se eles então ao Imperador, a dizerem que desejavam perseguir os 41 Fán Kuài fora cunhado e um dos melhores amigos de Liú Bāng, o Supremo Ancestral do Hàn;

açougueiro de mesma origem de Liu Bang, era carne de cachorro sua especialidade. Tornou-se ele famoso pelo papel de importância que desempenhara durante a tentativa de assassinato de Liu Bang, ocorrida durante banquete aos portões de Hong; também participara ativamente durante o embate entre o Chu e o Hàn. É até hoje considerado a deidade dos açougueiros. (N. do T.)

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rebeldes; sob tal desculpa, recuaram suas tropas e acamparam em Daliang.

31. O Imperador certo dia convocou Cáo Cāo a uma audiência. Adentro foi chamado o mensageiro, e percebeu Cáo Cāo que parecia ele incrivelmente bem; não conseguia compreender isto Cáo Cāo, ao notar que pareciam todos os demais estar tomados pela fome. Então disse Cáo Cāo: “Aparentas estar bem e deveras alimentado; como consegues estar assim, senhor?”.

32. “Vivi em miséria por trinta anos; é por isto, apenas.”

33. Assentiu com isto Cáo Cāo. “Qual é teu cargo?”.

34. “Fora eu recomendado por ter filial piedade e honestidade. Mantivera eu cargos sob os mandos de Yuán Shào e Zhāng Yáng, mas àqui vim ao saber do retorno do Imperador. Sou eu agora um de seus secretários. Sou nativo de Dingtao, Dŏng Zhāo é meu nome.”. Ergueu-se Cáo Cāo de seu assento e seguiu a seu encontro, a dizer: “Ouvira eu a teu respeito; como estou feliz em conhecer-te!”.

35. Foi trazida bebida à tenda; chamaram por Xún Yù, o qual fora devidamente apresentado. Veio-lhes, enquanto conversavam, mensageiro a relatar que se movia um grupo rumo ao leste. Cáo Cāo ordenou que fosse descoberto quem era aquele povo, mas disso sabia já Dŏng Zhāo.

36. “São eles antigos líderes rebeldes, Yáng Fèng e Hán Xiān, General da Onda Branca. Estão eles a marchar por terdes vindo, Ilustre Senhor!”.

37. “Não confiam eles em mim?”, disse Cáo Cāo.

38. “Não são eles dignos de vossa atenção. São eles um pobre bando.”.

39. “Quê se deve pensar da partida de Lĭ Jué e Guō Sì?”

40. “São eles como tigres sem garras e pássaros sem asas; não escaparão de vós por muito tempo. Não são eles dignos de preocupação.”.

41. Observou Cáo Cāo que possuíam seu convidado e ele muito em comum, então pôs-se ele a conversar sobre assuntos de Estado.

42. Disse Dŏng Zhāo: “Vós, Ilustre Senhor, com vosso nobre exército, varrêreis a rebelião e vos tornastes o lastro do Trono; é isto feito digno dos antigos Cinco Protetores. Os demais oficiais, porém, vê-lo-ão por formas diferentes, e não serão todos a vós favoráveis. Penso que não é aconselhável aqui permanecerdes, e aconselho o deslocamento da Capital a Xuchang. Deve-se lembrar, porém, que fora a restauração da Capital amplamente divulgada e está a atenção do povo toda concentrada em Luoyang; esperam eles um

período de repouso e tranquilidade. Outro movimento desagradaria a muitos. A realização de extraordinário feito, porém, pode significar a aquisição de extraordinário mérito. Cabe a vós tal decisão.”.

43. “É exatamente minha própria inclinação!”, disse Cáo Cāo, ao tomar as mãos de seu convidado. “Não há perigos, porém? Há Yáng Fèng, em Daliang, e também os oficiais da Corte!”.

44. “É isto facilmente arranjado. Escrevei a Yáng Fèng, a deitar em descanso sua mente. Cruamente dizei então aos altos oficiais que aqui à Capital não há alimento, e portanto vos deslocareis a outro lugar onde o haja, assim lá não havendo mais risco de escassez. Ao ouvirem isto, certamente aprová-lo-ão.”.

45. Estava agora decidido Cáo Cāo; ao partir seu convidado, novamente tomou-lhe as mãos Cáo Cāo e disse: “Necessitarei de teus conselhos em assuntos futuros.”.

46. Agradeceu-o Dŏng Zhāo, e partiu. Cáo Cāo e seus conselheiros, então , em segredo debateram acerca da mudança de capital.

47. A isto disse Wang Li, astrólogo, a Liu Ai, Presidente do Ofício Imperial: “Estivera eu a estudar as estrelas. Estivera o Metal42 a se aproximar da Estrela da Guarda às cercanias da Mensura, e estivera o Almocreve43 a cruzar o Rio dos Céus. Retrocedera o Fogo44, em conjunção ao Metal logo aos Portões dos Céus, de forma que estão Metal e Fogo associados. Deve, portanto, emergir um novo regente. Está exaurida a aura do Hàn, e devem os estados de Jin e Wei certamente ascender.”.

48. Foi ao Imperador apresentado memorial, a relatar:

49. “Segue seu caminho o Mando dos Céus, e Metal, Madeira, Água e Fogo, os cinco elementos, estão fora de proporção. A Terra, a atacar o Fogo, é como o Wei, a atacar o Hàn; em Wei está o sucessor do Hàn.”

50. Ao ouvir Cáo Cāo acerca destes prenúncios e memoriais, enviou ele mensageiro ao astrólogo, a dizer-lhe: “É tua lealdade deveras reconhecida, mas os caminhos dos Céus estão além de serem deslindados. Quanto menos dito, melhor assim o é.”.

51. Cáo Cāo então razoou com Xún Yù acerca destes assuntos. Expos desta forma seu conselheiro o significado daquilo: “É o Fogo a virtude do Hàn; é a Terra vosso elemento. Está Xuchang sob a influência da Terra, e tua boa-fortuna então depende de lá chegardes. Pode o fogo superar a Terra, como pode a Terra multiplicar a Madeira. Com isto concordam Dŏng Zhāo e Wang Li, e necessitais apenas aguardar por vosso

42 Vênus. (N. do T.)43 Vega e Ursa Maior. (N. do T.)44 Marte. (N. do T.)

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tempo propício.”.

52. Cáo Cāo então assentou seus pensamentos.

53. À Corte, no dia seguinte, disse ele: “Está a Capital deserta; não pode ser restaurada, e tampouco pode ser facilmente suprida por alimentos. É Xuchang nobre cidade, abundante em recursos e próxima a Luoyang, bacia de grãos. Encontra-se lá tudo necessário a uma capital. Aventuro-me eu a requerer que a Corte seja para lá deslocada.”.

54. A isto não ousou o Imperador opor-Se e estavam os oficiais por demais intimidados a expressar qualquer opinião independente, de modo que foi então estabelecido o dia da partida. Cáo Cāo comandara a escolta, e seguiram-na todos os oficiais. Viajaram eles por certa distância e à frente, então, avistaram altas barragens e, detrás de tal bloqueio, surgiu-lhes então o rufar de tambores. Yáng Fèng e Hán Xiān então de lá surgiram e barraram a via. Estava Xú Huàng à frente de todos, a bradar: “Cáo Cāo está a sequestrar o Imperador!”.

56. Cavalgou Cáo Cāo à frente e mirou detidamente àquele homem. Parecia ele homem de boas impressões e, secretamente em sua alma, admirava-o deveras Cáo Cāo, mesmo sendo ele um inimigo. Cáo Cāo então ordenou a Xu Chun que avançasse e combatesse Xú Huàng. Travou-se o embate por machada de batalha contra espada de folha larga e ambos os homens trocaram mais de meia centena de golpes, sem vantagem para nenhum dos lados. Cáo Cāo então ordenou que fossem soados os gongos, e então recuou com suas tropas.

57. Ao acampamento, foi convocado um conselho. Cáo Cāo disse: “Não necessitamos debater acerca dos dois rebeldes; é Xú Huàng, porém, valoroso general e, contra si, não desejo eu empregar grande força. Desejo conquistá-lo a nosso lado.”.

58. Então seguiu à frente Măn Chŏng, a repondê-lo: “Não deixai que tal questão vos preocupe; conversarei eu consigo. Disfarçar-me-ei como soldado nesta tarde, e inflitrar-me-ei pelo campo inimigo a fim de conversar consigo. Inclinarei seu coração a vosso favor.”.

59. Măn Chŏng, devidamente disfarçado àquela noite, seguiu à outra facção e foi-se a ter com Xú Huàng em sua tenda, onde sentou-se sob o lume de uma vela. Xú Huàng ainda trajava sua armadura.

60. Măn Chŏng então repentinamente pôs-se à frente e o saudou, a dizer: “Estiveras bem desde que partimos, velho amigo?”.

61. Ergueu-se, surpreso, Xú Huàng; mirou ele por longo tempo a face daquele que falava consigo e, então, disse-lhe: “Quê! És tu Măn Chŏng, de Shanyang? Quê fazes aqui?”.

62. “Estou eu a ofício do exército do General Cáo Cāo. Ao ver hoje meu velho amigo à frente do exército, desejei eu conversar consigo. Arrisquei-me então ao furto desta tarde e, então, aqui estou.”.

63. Xú Huàng convenceu-o a entrar, e então sentaram-se.

64. Disse então Măn Chŏng: “Há pela terra poucos valentes como és. Por quê és hoje subordinado a Yáng Fèng e Hán Xiān, teus chefes atuais? É meu chefe o mais proeminente homem de todo o mundo – um homem, como todos sabem, aprecia o soldado e regojiza-se ante ao sábio. Hoje conquistara teu valor sua inteira admiração e, portanto, assegurou-se ele de que não fosse o ataque vigoroso a ponto sacrificar-te.”.

65. Por longo tempo sentado permaneceu Xú Huàng, a ponderar sobre a oferta.

66. Então disse ele, a suspirar: “Sei que estão meus mestres condenados ao fracasso, mas sigo eu por longo tempo seus fortúnios e não gostaria de abandoná-los.”.

67. “Sabes tu porém que o pássaro prudente escolhe sua árvore, e o sábio servo escolhe seu mestre. É muito imprudente aquele que encontra mestre digno e o deixa partir.”.

68. “Desejo executar o que me dizes.”, disse Xú Huàng, erguendo-se.

69. “Que tal deitá-los à morte, como presente introdutório?”, disse Măn Chŏng.

70. “É grande o erro ao servo a abater seu mestre. Não farei isto.”.

71. “Verdade; és realmente um bom homem.”.

72. Então Xú Huàng, a levar apenas alguns de seus cavaleiros consigo, naquela noite partiu e desertou ao lado de Cáo Cāo. Chegaram logo as novas a Yáng Fèng, que então à frente de mil fortes cavaleiros pôs-se a capturar o desertor.

73. Conforme se aproximavam, bradou Yáng Fèng: “Traidor! Para!”

74. Mas caíra Yáng Fèng em uma emboscada. Repentinamente iluminou-se toda a lateral da montanha pelo lume de tochas e, de lá, surgiram as tropas de Cáo Cāo, comandadas senão por ele próprio.

75. “Já estou aqui há muito, a esperar. Não foge!”, bradou Cáo Cāo.

76. Quando retornou Cáo Cāo a seu acampamento, foi-lhe apresentado o general que há pouco rendera-se, por todos bem acolhido. Então novamente rumo à nova Capital

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partiu a cavalgada. Passado algum tempo chegaram a Xuchang, e lá construíram palácios e saguões, um templo ancestral e um altar, terraços e edifícios públicos. As muralhas foram reparadas, armazéns foram constrúidos e tudo, enfim, foi posto em ordem.

77. Foram concedidas recompensas aos aderentes a Cáo Cāo e a outros. Dŏng Chéng e trinta outras pessoas foram promovidas à posição de senhorio. Todo bom serviço foi recompensado; outros tantos, os quais mereciam-no, foram punidos: tudo de acordo com a decisão de tão-somente Cáo Cāo.

78. Cáo Cāo foi nomeado a Primeiro-Ministro, Marechal do Regente e Senhor de Wuping. Xún Yù foi nomeado a Conselheiro Imperial e Presidente do Secretariado; Xún Yōu, Ministro da Guerra; Guō Jiā, Ministro de Rituais e Religião; Liú Yè, Ministro dos Trabalhos; Máo Jiè, Ministro da Agricultura, auxiliado por Ren Jun a supervisionar as fazendas militares e armazéns. Chéng Yù foi nomeado Senhor de Dongping; Dŏng Zhāo, Magistrado de Luoyang; Măn Chŏng, Magistrado de Xuchang. Xiàhóu Dūn, Xiàhóu Yuān, Cáo Rén, Cáo Hóng, Lǚ Qián, Lĭ Diăn, Yue Jing, Yú Jìn e Xú Huàng foram nomeados a Comandantes; Xŭ Chŭ e Diăn Wéi, a Comandantes do Distrito da Capital. Todo bom serviço recebia pleno reconhecimento.

79. Era Cáo Cāo então como o único homem da Corte. Eram todos os memoriais a ele enviados primeiro e, então, eram remetidos ao Trono. Ao que estavam em ordem as questões de Estado, realizou Cáo Cāo um grande banquete em seu alojamento particular a todos os seus conselheiros e, lá, assuntos externos à Capital foram o assunto dos debates.

80. Então Cáo Cāo disse: “Liú Bèi mantém seu exército em Xuzhou, e conduz ele a administração da região. Lǚ Bù fugiu a Liú Bèi quando derrotado, e a ele Liú Bèi cedeu Xiaopei para que lá vivesse. Caso entrem ambos em termos para somarem forças e atacar-me, encontrar-me-ei em séria posição. Que precauções podem ser tomadas?”

81. Ergueu-se então Xŭ Chŭ, a dizer: “Dai-me quinze mil dos melhores soldados, e ao Primeiro-Ministro darei ambas as cabeças.”.

82. Xún Yù disse: “Oh Líder, sois bravo, mas deveis considerar as atuais circunstâncias. Não podemos dar início a uma repentina guerra, tão-logo a Capital fora reestabelecida. Há porém um certo ardil conhecido como 'Tigres Rivais e Uma Presa'. Liú Bèi não possui decreto algum que o autorize a governar a região. Vós, Senhor Primeiro-Ministro, podeis obter um decreto a ele e, quando o enviardes, o qual conferirá a ele o que é direito em adição a seu poder, podeis também encaminhar-lhe uma nota particular, a solicitar-lhe que elimine Lǚ Bù. Caso assim o faça ele, terá então perdido um valoroso guerreiro a seu lado e, em ocasião propícia, pode ser então combatido. Caso falhe ele, Lǚ Bù então o terá abatido. É este o ardil dos 'Tigres Rivais e Uma Presa'; agridem-se e mordem-se um ao outro.”.

83. Cáo Cāo concordou ser este um bom plano e, então, obteve a indicação formal, a qual

enviou a Liú Bèi. Esta o nomeava General Que Conquista o Leste, Senhor de Yicheng e Protetor Imperial de Xuzhou. Ao mesmo tempo, seguia consigo uma nota particular.

84. Em Xuzhou, ao ouvir Liú Bèi acerca da mudança de Capital, pôs-se ele a preparar uma saudação felicitatória. Em meio a isto foi anunciado um mensageiro imperial, o qual foi recebido com toda cerimônia ao exterior dos portões. Recebida em reverência a epístola, foi ao mensageiro preparado um banquete.

85. O mensageiro disse: “Este decreto foi a vós obtido pelo Primeiro-Ministro Cáo Cāo.”.

86. Agradeceu-o Liú Bèi. O mensageiro sacou então sua carta secreta.

87. Apôs lê-la, disse-lhe Liú Bèi: “Esta questão pode ser facilmente acertada.”.

88. Findo o banquete, seguiu o mensageiro a seus alojamentos, a buscar por repouso. Liú Bèi, antes de recolher-se, reuniu seus conselheiros a fim de ponderarem sobre a carta.

89. “Não há necessidade em compunção alguma por deitá-lo à morte,”, disse Zhāng Fēi, “é Lǚ Bù um homem mau.”

90. “Mas veio ele a mim por proteção em sua fraqueza: como posso eu deitá-lo à morte? Seria isto imoral.”, disse Liú Bèi.

91. “Fosse ele um bom homem, seria isto difícil.”, respondeu-lhe Zhāng Fēi.

92. Liú Bèi não consentiu.

93. No dia seguinte, ao chegar-lhes Lǚ Bù a fim de prestar suas congratulações, foi ele recebido como sempre. Ele disse: “Vim para felicitar-vos por terdes recebido da Munificência Imperial.”

94. Agradeceu-o Liú Bèi em devida forma. Mas, então, avistou Zhāng Fēi a sacar sua espada e urgir pelo saguão, como se estivesse a fim de aniquilar Lǚ Bù. Prontamente interviu Liú Bèi e deteve Zhāng Fēi.

95. Surpreendeu-se Lǚ Bù, e disse: “Por quê desejas abater-me, Zhāng Fēi?”.

96. “Cáo Cāo diz que és imoral, e conclama meu irmão a matar-te!”, exclamou Zhāng Fēi.

97. Liú Bèi admoestou e admoestou Zhāng Fēi a retirar-se, e conduziu Lǚ Bù aos aposentos particulares. Lá então contou a Lǚ Bù todo o ocorrido e a ele mostrou a

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carta secreta.

98. Chorou Lǚ Bù ao terminar sua leitura: “É este o plano daquele vilão, para entre nós semear a discórdia.”.

99. “Não sê ansioso, irmão mais velho.”, disse Liú Bèi. “Prometo eu não ser o culpado por tal infame crime.”.

100. Por várias vezes expressou Lǚ Bù sua gratidão, e consigo permaneceu Liú Bèi por algum tempo. Estavam eles a conversar e a beber até tarde.

101. Disseram-lhe Guān Yŭ a Zhāng Fēi, noutro momento: “Por quê não matá-lo?”

102. Liú Bèi disse: “Por temer Cáo Cāo que o ataquemos Lǚ Bù e eu, tenta ele separar-nos e nos fazer engolir um ao outro, enquanto à frente urge ele e toma vantagem. Há alguma outra razão?”.

103. Guān Yŭ aquiesceu silente, mas Zhāng Fēi disse: “Quero tirá-lo do caminho; ao mínimo, causar-nos-á problemas mais à frente.”.

104. “Não é isto o que deve fazer um homem nobre.”, disse seu irmão mais velho.

105. Logo foi dispensado o mensageiro e, a portar a resposta de Liú Bèi, retornou ele à Capital. Dizia a carta apenas que a instrução tomaria tempo a ser planejada e implementada. Mas o mensageiro, ao avistar Cáo Cāo, contou a ele a história acerca da promessa de Liú Bèi a Lǚ Bù.

106. Então disse Cáo Cāo: “O plano falhara; e agora?”.

107. Respondeu-lhe Xún Yù: “Tenho eu outro truque, chamado 'Tigre Contras Lobo', onde é tigre posto a devorar o lobo.”.

108. “Ouçamos mais a respeito.”, disse Cáo Cāo.

109. “Enviai mensagem a Yuán Shù, a dizer que porta Liú Bèi um memorial secreto ao Trono onde atesta seu desejo em subjugar as regiões ao sul, ao entorno do Rio Huai. Com isto irritar-se-á Yuán Shù, e o atacará. Ordenareis então a Liú Bèi que acabe com Yuán Shù e, então, estarão ambos a destruir um ao outro. Lǚ Bù pensará certamente que é esta sua chance oportuna e novamente será traidor. É este o truque do 'Tigre Contra Lobo'.”

110. Cáo Cāo viu neste um bom plano e despachou mensageiro, também a portar édito falso a Liú Bèi. Ao chegar-lhes este, foi recebido por todas as devidas cerimônias; ordenava o édito a captura de Yuán Shù. Após partir o portador, Liú Bèi convocou Mí Zhú, o qual disse ser tal édito um grande ardil.

111. “Pode ser,”, disse Liú Bèi,” mas não deve o Comando Real ser desobedecido.”.

112. O exército foi então devidamente preparado e o dia, acertado.

113. Disse Sūn Qián: “Deve aqui permanecer um homem de confiança, a fim de proteger a cidade.”.

114. E Liú Bèi perguntou a seus irmãos qual deles empreenderia tal tarefa.

115. “Eu protegerei a cidade.”, disse Guān Yŭ.

116. “Necessito eu constantemente de teus conselhos; como podemos então nos separar?”, disse Liú Bèi.

117. “Protegerei eu a cidade.”, disse Zhāng Fēi.

118. “Tu falharás.”, disse Liú Bèi. “Após uma de tuas sessões de bebidas, ficarás como selvagem e fustigarás os soldados. És além disso deveras impetuoso, e não escutareis o conselho de ninguém. Estarei eu em desassossego por todo instante.”.

119. “Sendo assim, não bebo eu mais. Não fustigarei os soldados e sempre escutarei conselhos.”, disse Zhāng Fēi.

120. “Temo que a boca não corresponde ao coração.”, disse Mí Zhú.

121. “Segui eu meu irmão mais velho por todos estes anos e nunca rompi com sua fé. Por quê és então desdenhador?”, disse Zhāng Fēi.

122. Liú Bèi disse: “Apesar de ter-mo dito isto, não me sinto deveras satisfeito. Solicitarei ao Conselheiro Chén Dēng que o auxilie e o mantenha sóbrio. Não cometerás então engano algum.”.

123. Estava Chén Dēng desejoso a aceitar tal dever, e foram então dadas as ordens finais. O exército de trinta mil cavaleiros e soldados partiu de Xuzhou e marchava rumo a Nanyang.

124. Ao saber Yuán Shù acerca do memorial a propor serem tomadas as posses de seus territórios, lançou-se ele a imprecar contra Liú Bèi.

125. “Tecedor de capachos! Trançador de sapatos de palha! Foste tu esperto o bastante a tomar posse de uma grande região e galgar seu caminho pelos cargos dos nobres. Estava eu a ponto de atacar-te, e agora ousas tramar contra mim! Oh!, como te detesto!”

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126. Yuán Shù então prontamente expediu ordens a fim de preparar um exército de cem mil homens, sob o mando de Ji Ling, a fim de atacar Xuzhou. Encontraram-se os dois exércitos em Xuyi, onde acampava Liú Bèi sobre uma planície, colinas ao fundo e riacho a seu flanco, pois era seu exército pequeno.

127. Era Ji Ling nativo da região do leste de Huashang Brandia ele uma pesadíssima espada de três gumes.

128. Após ter assentado seu acampamento, cavalgou ele à frente e pôs-se a imprecar contra seus oponentes, a bradar: “Liu Bei, Oh!, rústico aldeão!, como ousas invadir estas terras?”.

129. “Porto eu um decreto a ordenar-me destruir o Governador que se porta impropriamente. Caso te opuseres, serás certamente punido.”, respondeu-lhe Liú Bèi.

130. Jì Líng em grande ira cavalgou à frente, a brandir sua arma.

131. Mas Guān Yŭ exclamou: “Tolo!, não tenta lutar!”.

132. E Guān Yŭ cavalgou à frente, a fim de encontrar seu inimigo. Eles então combateram e, após trinta golpes, nenhum obtivera vantagem sobre o outro. Jì Líng então solicitou descanso. Guān Yŭ então retornou com seu cavalo, aos seus cavalgou e lá esperou por Jì Líng.

133. Chegado o momento a renovar-se o combate, Jì Líng enviou Xun Zheng, um de seus oficiais, a combater em seu lugar.

134. Mas Guān Yŭ disse: “Diz a Jì Líng que venha. Preciso assentar consigo quem será o tigre, e quem será o cordeiro.”.

135. “És tu um líder sem reputação e indigno a combater contra nosso General.”, respondeu-lhe Xun Zheng.

136. Tal resposta causou grande ira em Guān Yŭ, o qual então empreendeu apenas um ataque a Xun Zheng e o derrubou ao chão. Em vista a tal sucesso, urgiu Liú Bèi seu exército e as tropas de Jì Líng foram derrotadas. Recuaram eles à foz do Rio Huaiyin, e recusavam todos os desafios.

137. Muitas de suas tropas, porém, foram enviadas ao acampamento de Liú Bèi para empreender sucessivos ataques, e muitos deles foram abatidos. Logo, estavam já os dois exércitos frente a frente.

138. Em Xuzhou, após iniciada a expedição de Liú Bèi, deixou Zhāng Fēi seu colega e

auxiliador, Chén Dēng, a cargo da administração da região, conquanto mantinha ele os assuntos militares sob sua supervisão. Após pensar sobre a questão por algum tempo, realizou ele um banquete a todos os oficiais militares.

139. Assim que estavam todos sentados, fez ele um discurso: “Antes de partir meu irmão, ordenou-me ele que me mantivesse eu sem copo algum de vinho, por temer acidentes. Podeis hoje, cavalheiros, beber como quiserdes. Mas, a partir de amanhã, é a bebida proibida, pois devemos manter em segurança a cidade. Então, podeis vos servir!”.

140. E, dito isto, ele e todos os seus convivas puseram-se a beber juntos. Ele, a portar o vinho, seguiu a Cáo Bào, o qual recusou-o, a dizer: “Jamais bebo eu, pois me é pelos Céus proibido.”.

141. “Quê! Um combatente não bebe vinho?”, disse o anfitrião. “Quero que tomes apenas um copo.”.

142. Temia Cáo Bào ofender seu anfitrião, então bebeu.

143. Zhāng Fēi agora já havia vertido grandes copos com todos os seus convidados, um a um, portanto havia ingerido grandes quantidades de álcool. Ele estava então já deveras intoxicado. Mas, mesmo assim, bebia ele mais e insistia em beber um copo com cada convidado. Chegou-lhe então a vez de Cáo Bào, que então recusou-o.

144. “Não posso de fato beber.”, disse Cáo Bào.

145. “Acabaste de beber: por quê recusas agora?”

146. Pressionou-o Zhāng Fēi, mas mesmo assim restitira Cáo Bào.

147. Zhāng Fēi então, em sua ébria loucura, perdeu o controle de seu temperamento e disse: “Se desobedeceres as ordens de teu General, serás então surrado por uma centena de bastonadas!”.

148. Ele então chamou seus guardas. Chén Dēng então interviu, a lembrá-lo das claras recomendações de seu irmão.

149. “Vós, civis, cuidai de vossos assuntos civis e deixai-nos em paz!”, disse Zhāng Fēi.

150. A única forma de escapar do anfitrião era implorar por remissão, e assim o fez Cáo Bào, a dizer: “Senhor, vísseis a face de meu genro, perdoar-me-íeis.”.

151. “Quem é teu genro?”

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152. “Lǚ Bù.”

153. “Não desejava eu realmente surrá-lo; mas, se pensas assustar-me com Lǚ Bù, fazê-lo-ei. Surrar-te-ei como se o estivesse surrando!”, disse Zhāng Fēi.

154. Interpuseram-se os demais convidados a implorar que se dissuadisse de tal intuito; estava porém seu ébrio anfitrião por demais obdurado, e recebeu o infeliz convidado cinquenta bastonadas. Aos fervorosos rogos dos demais foi o restante do castigo, então, cessado.

155. Findara-se o banquete, e o surrado Cáo Bào partiu, a inflamar-se em ressentimento. Enviou ele naquela mesma noite uma carta a Xiaopei, a relatar os insultos que recebera de Zhāng Fēi. Narrara a carta a Lǚ Bù acerca da ausência de Liú Bèi, e propunha que fosse empreendido um ataque repentino naquela mesma noite, antes que estivesse Zhāng Fēi recuperado de seu estado ébrio. Prontamente Lǚ Bù convocou Chén Gōng, e a ele narrou tais fatos.

156. “É Xiaopei local para ocuparmos temporariamente.”, disse Chén Gōng. “Se podeis capturar Xuzhou, façai-o. É esta uma boa oportunidade.”.

157. Rapidamente preparou-se Lǚ Bù e partiu, acompanhado por quinhentos cavaleiros e seguido por Chén Gōng e Gāo Shùn, junto ao corpo central.

158. Estava Xiaopei distante cerca de apenas vinte e quatro quilômetros, de modo que logo à quarta vigília estava Lǚ Bù sob suas muralhas. Era noite de claro brilho da lua. Não o vira nenhum dos vigias.

159. Aproximou-se Lǚ Bù à muralha e exclamou: “Chegou o mensageiro secreto de Liu Bei!”.

160. Os guardas da muralha estavam a mando de Cáo Bào, e então chamaram-no. Veio-lhes Cáo Bào e, ao avistar quem lá estava, ordenou que fossem abertos os portões. Deu Lǚ Bù o sinal secreto, e a gritar adentraram os soldados.

161. Estava Zhāng Fēi em seus aposentos, a dormir pelos vapores do vinho. Seus criados apressaram-se a acordá-lo e a dizê-lo que abrira o inimigo os portões da cidade.

162. Disseram eles: “Lǚ Bù adentrara, e há combates pela cidade!”.

163. Cono selvagem cingiu Zhāng Fēi sua armadura e tomou posse de sua potente Alabarda da Serpente. Mas, conforme montava seu cavalo aos portões, surgiram então os soldados atacantes. Urgiu ele então ao combate mas, ainda parcialmente intoxicado, executou senão pobre combate. Lǚ Bù, por conhecer das artes de Zhāng Fēi, não o

pressionou por demais e Zhāng Fēi galgou seu caminho, seguido por dezoito Guardas de Yan, rumo aos portões do Leste e, de lá, para fora da cidade, a deixar a família de Liú Bèi a seu próprio destino.

164. Cáo Bào, ao ver tão pequeno exército sob o comando de Zhāng Fēi, ainda parcialmente intoxicado, urgiu à frente. Avistou Zhāng Fēi quem avançava, e estava ele então como enlouquecido pela ira. Ele galopou em direção a Cáo Bào e o fez recuar após alguns golpes. Ele seguiu Cáo Bào até o fosso e o feriu às costas. A montaria de Cáo Bào, assustada, levou seu mestre fosso adentro, e ele então afogou-se.

165. Uma vez fora da cidade, reuniu Zhāng Fēi suas tropas e cavalgaram eles rumo ao sul.

166. Lǚ Bù, após ter surpreendido a cidade, pôs-se à tarefa de restaurar a ordem. Delegou ele um guarda à residência de Liú Bèi, para que ninguém pudesse perturbar sua família.

167. Zhāng Fēi, com seus parcos seguidores, seguiu ao acampamento de seu irmão, em Xuyi, e a ela contou a história de traição e surpresa. Todos ficaram fortemente abalados.

168. “Não vale a pena comemorar o sucesso; não vale a pena lamentar o fracasso.”, disse Liú Bèi, a suspirar.

169. “Onde estão nossas irmãs?”, perguntou-lhe Guān Yŭ.

170. “Compartilharam elas do destino da cidade.”

171. Aquiesceu Liú Bèi, silente.

172. Guān Yŭ, a esforçar-se, controlou suas admoestações e disse: “Quê disseste quando prometeste proteger a cidade, e que ordens deu-te nosso irmão? Agora está a cidade perdida e, consigo, nossas cunhadas. Fizeste tu bem?”.

173. Estava Zhāng Fēi tomado pelo remorso. Sacou ele sua espada, a fim de acabar com sua própria vida.

174. “Ergueu ele o seu copo, em juramento,E, a ele, ninguém ousou negativa;Sacou sua arma, remorso em pensamento,A fim de acabarcom a sua vida.”

175. O destino de Zhāng Fēi será contado no próximo capítulo.

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