REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS E SUA … · REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA...
Transcript of REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS E SUA … · REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA...
-
REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS
TEMPLOS E SUA (IN)CONSTITUCIONALIDADE
REPEAL OF TAX IMMUNITY TEMPLOS
AND ITS (IN) CONSTITUTIONALITY
Luiz Fernando Oliveira do Nascimento1
Marcondes da S. Figueiredo Júnior (Or.) 2
RESUMO
Este trabalho analisa a possibilidade da revogação da imunidade tributária dos templos em face
do atual ordenamento jurídico nacional, bem como as consequências de uma alteração
legislativa nesse sentido. O objetivo é apresentar, discutir e avaliar a proposta de extinção da
prerrogativa fiscal das entidades religiosas, além das consequências em caso de aprovação de
uma emenda constitucional. O estudo empregado no presente tema utiliza-se da pesquisa
bibliográfica, qual seja a análise sobre a imunidade tributária dos templos e a possibilidade de
sua extinção, e da pesquisa documental, retratando os motivos que deram ensejo à sugestão
popular 02/2015. O resultado obtido foi a impossibilidade de reforma legislativa em face da
atual Constituição Brasileira. Desse modo, devido às vedações trazidas pela vigente Carta
Magna, a aprovação de uma emenda constitucional abolitiva deste direito dado às igrejas,
acarretaria em posterior declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Imunidade Tributária. Garantia Constitucional. Sugestão Popular 02/2015.
Inconstitucionalidade. Templos.
1 Graduado em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade do Tocantins e Mestre em Estudos de Cultura e Território na Universidade Federal do Tocantins. Professor da Faculdade Católica Dom Orione.
-
2
INTRODUÇÃO
A imunidade tributária sobre os templos é uma limitação imposta pelo legislador
constituinte para garantir o livre exercício destas entidades, desde que destinadas ao seu
propósito ideológico-religioso. Entretanto, devido às diversas problemáticas e notícias de
crimes praticados por estas instituições religiosas, muito se tem discutido sobre a possibilidade
de seu fim.
Assim, temos por certo que o pálio de sustentação para tal imunidade seria a
manutenção da pluralidade litúrgica, ou seja, a facilitação do exercício da liberdade religiosa
como forma, também, de reafirmar o estado laico.
Tamanha é a relevância deste tema, que sua alteração atingiria sobremaneira os
aspectos econômicos, sociais e morais da sociedade brasileira, ou seja, não envolveria apenas
os templos, mas toda a coletividade que tem, em sua cultura, um entrelaço com a religião.
Assim, a revogação desta limitação traria ao Estado mais arrecadação para a
consecução de seus fins, impostos pelo artigo 3º da Constituição Federal, mas acarretaria um
dano imensurável às religiões e, consequentemente, aos brasileiros, já que obrigação tributária
causaria uma deficiência à autonomia das igrejas (no sentido amplo da palavra).
Porquanto, afetados os templos, estes não conseguiriam realizar sua finalidade
institucional de dar assistência moral, espiritual, social e material para seus membros e todos
aqueles que de alguma forma são beneficiados.
Para tanto, a metodologia empregada no presente tema utiliza-se da pesquisa
bibliográfica, vez que esta é a base para todo trabalho que tem uma origem teórica, qual seja o
estudo sobre a imunidade tributária dos templos e a possibilidade de sua extinção, bem como a
pesquisa documental, a qual é realizada a partir de textos e documentos cientificamente
autênticos, retratando os motivos que deram ensejo à sugestão popular 02/2015, em trâmite no
Senado Federal.
Ademais, temos como objetivo apresentar, discutir e avaliar a possibilidade de
extinção da prerrogativa das entidades religiosas, bem como suas consequências em caso de
aprovação de uma emenda constitucional revogando esta proteção.
Por fim, indagamos, é possível uma emenda constitucional extinguindo a imunidade
tributária dos templos, e, se existindo, quais as consequências jurídicas que estas acarretariam
ao ordenamento jurídico pátrio?
-
3
Assim, para buscar responder tais indagações, o presente artigo traz de início um
escorço sobre o sistema tributário nacional, faz alusão ao conceito e finalidade da imunidade,
bem como alude sobre a imunidade religiosa frente à Constituição Federal.
1 BREVE ANÁLISE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
Para respondermos à problemática apresentada, é necessário explorarmos alguns
aspectos do sistema tributário nacional, para só então adentramos ao cerne da discussão
trabalhada. Assim, para compreender a tratativa em comento, passaremos à análise do que é o
tributo, suas espécies, nascimento e exequibilidade.
Precipuamente, no que diz respeito ao tributo, o próprio Código Tributário Nacional
(CTN) afirma, em seu artigo 3º, que “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída
em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Segundo
PAULSEN, tal conceito pode ser definido como
...prestação em dinheiro exigida compulsoriamente, pelos entes políticos ou por outras
pessoas jurídicas de direito público, de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem
promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele
sua capacidade contributiva ou que consubstancie atividade estatal a elas diretamente
relacionada, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado,
para o financiamento de fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado
ou por terceiros em prol do interesse público. Tais características evidenciam-se
quando da leitura, no texto constitucional, do capítulo Do sistema tributário nacional.
(2017.p.54)
Nesse sentido extrai-se que este instituto é uma obrigação paga em dinheiro por todos
os membros da sociedade, que não constitui pena, cuja cobrança é obrigatório por parte do ente
tributante.
Não obstante, as espécies de tributos estão elencadas em diversos dispositivos legais,
tais como o artigo 5º do CTN, artigos 145, 148 e 149 da Constituição Federal (CF/88) e
estruturado em outros diplomas esparsos na legislação pátria, podendo salientar, enquanto
espécies, os impostos, as taxas, a contribuição de melhoria, as contribuições sociais e o
empréstimo compulsório, cada qual com suas peculiaridades.
Ademais, faz-se imprescindível a abordagem apenas do imposto, sem o qual a análise
das imunidades dos templos estaria prejudicada. Pois o comando inserto no art. 150, inciso VI,
da Constituição Pátria, faz alusão à vedação dos entes em cobrarem impostos nos casos
-
4
delineados nas alíneas que se seguem, dentre eles, os templos de qualquer culto, art. 150, inciso
VI, alínea “b” da Constituição Cidadã.
Destarte, tal espécie tem seu conceito explanado no artigo 16 do Código Tributário
Nacional, descrevendo que “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma
situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Desse
modo, toda vez que a lei prescreve uma conduta normativa a ser tributada, temos a hipótese de
incidência, que se concretiza com a prática do contribuinte da previsão legal, o que chamamos
de fato gerador, ou seja, toda vez que alguém (sujeito passivo) pratica um fato (fato gerador)
previsto na legislação tributária (hipótese de incidência), nasce o imposto, que acaba por criar
uma obrigação tributária exequível após o lançamento (procedimento em que se apura o valor
a ser cobrado).
Diante disso, dito as nuances do sistema tributário brasileiro, passamos ao estudo do
conceito fundamental ao desenvolvimento deste artigo, que com o apoio das informações já
prestadas, elucidará os possíveis caminhos que a extinção da imunidade traria.
2 CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Feitas as ponderações necessárias sobre o sistema nacional tributário, é mister
trabalhamos o conceito de imunidade tributária, sem o qual torna inviável a compreensão da
matéria abordada, conforme demonstraremos a seguir.
Para PAULSEN (2017) “As regras constitucionais que proíbem a tributação de
determinadas pessoas ou bases econômicas relativamente a tributos específicos, negando,
portanto, competência tributária, são chamadas de imunidades tributárias”.
Em suma, seu conceito se resume na determinação da própria Carta Magna de não
incidir a cobrança de determinados tributos a algumas pessoas físicas ou jurídicas (SABBAG,
2017). No caso das imunidades dos templos, estas são inexigíveis quanto à cobrança de
impostos – uma espécie de tributo – como manda o artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da
Constituição Federal, o que não impede, entretanto, que ela preste contas ao Fisco sobre o fato
gerador que lhe deu causa. Nesse sentido ALEXANDRE (2017) relata que a obrigação
acessória independe da principal, de modo que o ente que se beneficia da não incidência do
imposto, deve escriturar suas receitas e despesas, dentro das formalidades exigidas.
Observe que quando o autor fala sobre a obrigação principal, ele se refere à própria
obrigação tributária – sua finalidade principal (por isto o nome) – o qual nada mais é que o
Estado impor ao indivíduo que ele pague determinado imposto. Outrossim, quando trabalha a
-
5
ideia de obrigação acessória, esta se relaciona com os mecanismos de fiscalização e controle
das receitas das pessoas (físicas ou jurídicas) quando realizam o fato gerador de algum tributo,
o que não significa que esta seja dependente daquela, já que ambas são autônomas.
Não obstante, as entidades religiosas devem sempre atender às obrigações acessórias,
para que o fisco verifique se o propósito ideológico-religioso atende aos fins do contribuinte.
Logo, complementa o mesmo autor
Mesmo no que concerne às entidades imunes, as obrigações acessórias existem no
interesse da fiscalização e arrecadação de tributos, visto que são obrigadas a escriturar
livros fiscais para que a Administração Tributária tenha como fiscalizá-las e verificar
se as condições para a fruição da imunidade permanecem presentes (ALEXANDRE,
2017, p. 331):
Logo, percebemos que a imunidade dos templos não se traduz em uma
irresponsabilidade fiscal, ou seja, a ausência de obrigação com relação ao ente federativo, pelo
contrário, implica em uma obrigação ainda maior em prestar contas da destinação de seus
recursos para atender à propositura ideológica descrita em seu contrato social ou estatuto.
Destarte, SABBAG (2017, p. 299) finaliza, com o zelo que lhe é peculiar, abordando
o conceito geral de imunidade tributária:
Assim, a norma imunitória determina até onde o poder tributário pode agir,
estipulando os contornos da competência tributária das entidades políticas e, também,
revela um direito subjetivo de todos aqueles que se mostram como destinatários de
seus efeitos, de forma direta ou indireta.
Desse modo, verificamos que a imunidade tributária se resume em uma limitação do
Estado, em favor do contribuinte, imposto pela própria Constituição Federal de 1988, se
enquadrando, portanto, em uma garantia individual do cidadão, conforme analisaremos com
mais profundidade ao final deste trabalho.
3 FINALIDADE DA IMUNIDADE NOS TEMPLOS
Precipuamente, cumpre ressaltar que esta garantia constitucional nem sempre se fez
presente em nossa sociedade, muito embora a menção religiosa estivesse presente em todos os
preâmbulos das Cartas Constitucionais Brasileiras (HARADA, 2017).
Neste contexto, as Constituições Nacionais sempre garantiram a liberdade do exercício
religioso, inclusiva a Imperial, que adotou, em seu artigo 5º, o Catolicismo, in verbis: “A
Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras
-
6
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.
Note-se que ela permite o exercício de outros cultos, mesmo que de forma restrita se
comparado com a da Católica, nascendo, junto com o Estado Brasileiro, a base do que hoje
entendemos ser uma garantia ao exercício da fé.
Com a evolução da sociedade e inspirado pelos ideais norte-americanos, houve, em
1891, uma ruptura com a monarquia, a qual deu origem à primeira Constituição Republicana
do, então, Estados Unidos do Brasil, o qual, mesmo rompendo com a Igreja Católica e se
tornando laico, previu direitos ao livre exercício de crença (independentemente da religião),
permanecendo omisso quanto ao exercício da Fazenda sobre estas entidades.
Dessa forma, as Constituições de 1934, bem como a de 1937, continuaram a tratar as
entidades religiosas da mesma forma, dando-lhes o direito ao livre exercício sem mencionar a
existência de imunidades.
Destaca-se que a única novidade trazida pela Carta de 1937 foi enquadrar os direitos
até aqui citados ao título “Dos direitos e garantias individuais”, enfatizando a importância dos
cultos para o povo brasileiro.
Assim foi até o advento da Constituição de 1946, a qual trouxe novamente em seu
texto a previsão dos respectivos direitos no artigo 31, porém, foi inovadora ao trazer limitações
ao poder de tributar, criando o que conhecemos hoje como imunidade tributária nos templos de
qualquer culto.
Foi com esta norma que surgiu à imunidade das igrejas, sendo replicada tal garantia
em todas as Constituições posteriores, revelando-se a importância de se primar pela autonomia
das instituições religiosas, que somente pode ser alcançada com a garantia de que o Estado não
interfira em sua independência financeira, base para a consecução dos demais fins a que se
destina.
Vale mencionar que com o pleno exercício da liberdade religiosa, temos por certo que
configura uma exegese para a possibilidade da pluralidade litúrgica, onde tem o papel de
reafirmar a laicidade estatal.
Quanto às imunidades dos templos de qualquer culto, CARRAZZA aduz que
Nenhum destes impostos - nem qualquer outro – pode incidir sobre os templos de
qualquer culto, em conseqüência da regra imunizante agora em estudo. É fácil
percebermos que esta alínea “b” visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade
das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades
tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de
cultos religiosos. A Constituição garante, pois, a liberdade de crença e a igualdade
-
7
entre as crenças (Sacha Calmon Navarro Coelho). Umas das fórmulas encontradas
para isto foi justamente esta: vedar a cobrança de qualquer imposto sobre os templos
de qualquer culto (2001, p. 618).
Lado outro, a finalidade da imunidade sobre os templos se traduz em dar autonomia
plena ao culto dos templos, de modo a limitar que a Administração Pública venha a constranger
seu exercício, o que não significa em ausência de obrigação com o Fisco, como vimos
anteriormente, mas uma dispensa ao pagamento de impostos, cujo valor será revestido a sua
atividade, efetivando a liberdade e outros direitos previstos na Constituição da República
Federativa do Brasil.
4 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO FIM DA IMUNIDADE DOS TEMPLOS
Elucidado os elementos essenciais para a abordagem da problemática central,
passaremos a análise dos motivos que ensejaram uma discussão para o fim da imunidade
tributária nos templos com o advento da sugestão popular 02/2015, em trâmite no Senado
Federal, e seus reflexos jurídicos em caso de aprovação. Vale mencionar que aqui também está
em discussão se, de acordo com a Constituição Federal do Brasil de 1988, haveria possibilidade
de supressão da imunidade religiosa.
4.1 Motivos para seu Fim
Os principais motivos que deram início a esta movimentação popular para a extinção
deste “privilégio” seriam as reiteradas denúncias de crimes praticados por instituições religiosas
e a suposta lesão ao princípio da igualdade ou, mais especificadamente, no Direito Tributário,
solidariedade tributária, a qual determina que todos devem compartilhar da obrigação de pagar
tributos.
Tamanha vem sendo a incredibilidade das igrejas que até mesmo juristas se
pronunciam pela extinção das imunidades, dentre os quais podemos citar um trecho da
entrevista do Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, o qual relata: "É impossível
auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem precisa camuflar o aumento de sua renda,
escapar da tributação e lavar dinheiro do crime organizado” (VALOR ECONÔMICO, 2014
apud CONSULTOR JURÍDICO, 2014).
Note-se que até mesmo na impressa o assunto ganha força, com destaque à matéria
feita pelo colunista do jornal Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, em 04 de abril de 2017,
-
8
cujo título é “Por que deus não paga imposto?”. O respectivo autor faz uma crítica à volumosa
quantia de dinheiro que estas entidades movimentam, in verbis: “Em tempos em que se debate
a viabilidade fiscal do Estado, é estranho que templos, que movimentam R$ 21 bilhões de reais
por ano (dados de 2011) – cifra igual ao faturamento do setor de serviços na cidade de São
Paulo (2016) –, não paguem um centavo de imposto”.
Curial observar, que é normal nos tempos atuais de crise econômica vivenciada em
nosso país, que as pessoas queiram evitar que suas vidas sejam atingidas pelas exações fiscais,
tentando, no caso, contestar o aumento da tributação, mormente, quando o estado deixa de
arrecadar receita ao imunizar templos de qualquer culto. No entanto, devemos pensar de forma
sistêmica, quanto às mudanças da sociedade, sem buscar prejudicar aqueles que atuam no bem
estar coletivo; ademais, na grande maioria, tais entidades religiosas vem realizando a assistência
social, tão deficitariamente realizada pelo Estado.
Não obstante, é claro que existem instituições que fogem à regra e não cumprem os
seus propósitos ideológico-religioso, mas, nem por isso, as imunidades tributárias devem ser
extintas. Nos dizeres do filósofo Leandro Karnal, o qual o comparativo se faz presente no caso,
o sábio professor menciona: “Por uma pessoa não está funcionando um remédio, não se deve
executá-la na câmara de gás, mas mudar o remédio, achar algo mais eficaz [...]”.
Desse modo, não é porque algumas instituições cometem crimes e/ou fogem de sua
função social, que referida garantia deve ser revogada, pelo contrário, é necessária uma maior
fiscalização sobre estas entidades, exigindo o devido cumprimento das obrigações tributárias
acessórias e a implantação de novos métodos e instrumentos de fiscalização, a qual, com as
inovações tecnológicas, se tornam de maior praticidade o seu incremento.
Apesar de tudo isso, o movimento a favor da extinção ganhou destaque e em 2015,
através do site do Senado Federal, foi criada a sugestão popular 02/2015, onde se aborda a
possiblidade de supressão da dispensa constitucional de pagar o tributo, retirando tal
beneplácito dos templos religiosos.
4.2 Sugestão Popular 02/2015
A respectiva sugestão popular surgiu através do Portal e-Cidadania, ferramenta
disponível no sítio do Senado Federal, que oportuniza ao cidadão estímulos para a participação
nos processos legislativos, inclusive propondo sugestões normativas, com as quais, atingida
determinada quantidade de apoio, convertem-se em sugestão popular numerada e passa a ser
-
9
analisada e discutida pela respectiva casa. Consta no portal e-cidadania, presente no sítio
https://www12.senado.leg.br/ecidadania/comofuncionaideia que
As Ideias Legislativas que recebem 20 mil apoios em 4 meses são encaminhadas para
a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e formalizadas
como Sugestões Legislativas, nos termos do art. 6º, parágrafo único, da Resolução nº
19 de 2015 e do art. 102-E do Regimento Interno do Senado.
Na CDH, as Ideias Legislativas são debatidas pelos senadores e ao final recebem um
parecer.
A proponente desta reforma, Gisele Suhett Helmer, argumenta no sentido de que as
igrejas trabalham com concorrência entre elas, buscando a captação de capital através do maior
número de fiéis que frequentam o estabelecimento, ou seja, o recrutamento de membros agiria,
em uma linguagem econômica, como uma capitalização de recursos, diferentemente do que
ocorre com outras instituições sem fins lucrativos, cujo trabalho, segunda a internauta, se dá em
harmonia com as demais pessoas jurídicas ou físicas, inexistindo qualquer conflito financeiro,
já que os objetivos almejados são semelhantes.
Dessa justificativa, percebemos que a visão dela advém de uma experiência empírica,
a qual não reflete as finalidades e exigências que as entidades religiosas devem cumprir com
estrita obediência, revelando, na verdade, a deficiência do Estado em fazer valer suas normas,
o que acaba gerando um descontentamento da população ao ver o enriquecimento ilícito dos
respectivos templos.
Muito embora a autora da sugestão popular 02/2015 queira o fim, segundo ela, deste
privilégio, a simples exigência da realização efetiva da obrigação tributária acessória, aliado à
criação de novos mecanismos de fiscalização, seria suficiente para evitar a realidade
demonstrada pela respectiva proposta, o que evitaria a distorção dos valores institucionais
típicas dos templos, auxiliando o Estado na consecução dos fins a que se destina.
Outrossim, as igrejas que seguem os seus propósitos, cada qual explanada no ato de
sua criação (estatuto ou contrato social) e que de forma genérica deem assistência moral,
espiritual, social e material ao cidadão, direta ou indiretamente, sem contrariar a lei, merecem,
sem sobras de dúvidas, serem beneficiadas com o não pagamento de impostos.
Dessa forma, não há que se falar em enriquecimento ilícito dentro destas instituições
se devidamente fiscalizadas, uma vez que as atividades que fogem das finalidades, trabalhadas
em tópico próprio, passam a atuar de acordo com as regras de mercado, sendo, portanto,
tributáveis, já que a Administração Pública deve obedecer ao denominado Princípio da Livre
Concorrência. Nesse sentido relata Kiyoshi Harada (2017, p. 276):
https://www12.senado.leg.br/ecidadania/comofuncionaideia
-
10
Os atos de mercancia, praticados por algumas seitas, ainda que disfarçadamente, e que
contribuem para erguer rios e montanas de dinheiro com a inocência de seus fiéis, não
podem continuar à margem da tributação, sob pena de ofensa à isonomia tributária. A
Constituição Federal de 1988 só coloca sob proteção da imunidade o patrimônio, a
renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dos templos (§4º do
art. 150). Não estende os benefícios às atividades decorrentes de finalidades
essenciais, como ocorre na hipótese de imunidade recíproca. Isto quer dizer que
determinado prédio de propriedade de uma igreja, que não esteja sendo utilizado para
fins religiosos, sujeita-se, por exemplo, à incidência do IPTU, não importando saber
se o produto do aluguel desse prédio está ou não sendo aplicado na consecução de
finalidade religiosa.
Disso, extrai-se que a referida imunidade não fere o princípio da isonomia, desde que
atendidas as suas finalidades, já que o não pagamento do imposto faz com que aquele dinheiro
seja diretamente investido na sociedade, o que seria extremamente desnecessário e prejudicial
se estes valores tivessem que sair das instituições, passar para o Estado, para só então destinar
à sociedade, quando a própria igreja pode fazer de imediato, dando-se efetividade ao brocardo
jurídico: “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua
desigualdade”.
Esta frase elimina a ideia de igualdade formal e traz à tona a igualdade substancial, a
qual é a verdadeira essência da isonomia, que transparece em um verdadeiro Estado
Democrático de Direito.
Ademais, como acima explicitado, a imunidade religiosa já foi albergada na mais alta
Corte, para fins de determinação do alcance da norma imunizante, no beneplácito das entidades
de assistência social sem fins lucrativos, ou seja, da chamada imunidade subjetiva do art. 150,
inciso VI, alínea “c”, justamente pelo papel social que as entidades religiosas desempenham.
4.3 Reflexos Jurídicos
Como visto anteriormente, a imunidade tributária nos templos de qualquer culto é um
direito e garantia fundamental, a qual prevê a não incidência do imposto independentemente da
quantidade de fiéis e seu campo de influência (SABBAG, 2017). Assim, tratando-se de garantia
prevista na Constituição Federal em seu artigo 150, VI, “b”, vale destacar o mandamento do
artigo 60, §4º, do mesmo diploma normativo:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
-
11
IV - os direitos e garantias individuais.
Denote-se que da interpretação do dispositivo constitucional, percebemos que os
direitos e garantias individuais não são passíveis de emenda, o que nos remete a impossibilidade
de revogar as imunidades conferidas às igrejas.
Muito embora haja entendimento no sentido de que apenas os direitos e garantias
fundamentais individuais não são passíveis de restrição, este posicionamento é minoritário, uma
vez que, com passar do tempo, a jurisprudência e a doutrina passaram a realizar uma
interpretação extensiva, aplicando aos direitos e garantias – individuais ou não – a
imutabilidade, característica inerente às cláusulas pétreas, tendo como principal fundamento o
Princípio da Vedação ou Proibição ao Retrocesso, previsto nos tratados internacionais, em que
o Brasil é signatário.
Destaca-se que quando falamos em imutabilidade, seu significado deve ser entendido
como a inviabilidade de limitação, o que não impede, por consequência, uma alteração nos
respectivos dispositivos, desde que destinados à ampliação de seu rol ou abrangência.
Ademais, é impossível, nos termos da atual Constituição, a revogação da imunidade
tributária dado aos entes sagrados, já que o poder constituinte derivado encontra-se limitado às
cláusulas pétreas, que proíbem expressamente a restrição de qualquer garantia
constitucionalmente prevista.
Assim, uma possível aprovação da sugestão popular 02/2015, em trâmite no Senado
Federal, estaria claramente eivada de vício material – irregularidade que afronta a matéria da
constituição e não o procedimento (LENZA, 2005) – o que acarretaria em uma posterior (após
entrar em vigência) declaração de inconstitucionalidade da respectiva alteração legislativa.
Diante disso, uma discussão a respeito da extinção desta prerrogativa é inviável na
conjectura fático-jurídica do atual ordenamento jurídico pátrio, a qual só cabe ser proposta no
caso de uma ruptura jurídica que permita a presente tratativa, ou seja, o fim deste “privilégio”
só seria possível com a criação de uma nova constituição, visto que este é o único meio
juridicamente idôneo capaz de limitar as prerrogativas já consagradas.
-
12
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desse modo, a imunidade tributária nos templos de qualquer culto não é um privilégio
como apontam os críticos, mas uma garantia dada pelo constituinte para dar proteção ao livre
exercício da fé, que estaria abalada se houvessem cobranças, especialmente as que representam
as crenças minoritárias deste país.
Mesmo que os impostos sirvam para atingir as finalidades do Estado, previsto no artigo
3º da CF/88, o não pagamento pela igreja se coaduna com o respectivo texto legal, uma vez que
um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a promoção do bem estar de todos, o que
seria cabalmente abalado com a perda da autonomia dos templos, que deixariam de promover
assistência material, moral, social e, principalmente, espiritual, direito, este, inclusive, que
traduz o exercício dos cultos religiosos, previsto no artigo 5º, VI, da Carta Magna, consagrado
como garantia fundamental.
Destarte, é de extrema importância que a cidadão saiba qual o papel das entidades
religiosas, cuja responsabilidade vai muito além da arrecadação de dízimos em troca de
“palavras vazias”. Seu papel se estende à busca do bem estar coletivo, de modo a retribuir ao
fiel a fé que é constantemente praticada, prestando ao participante daquela seita o amparo
espiritual e/ou material, de que tanto necessita o povo brasileiro, que, por muitas vezes, acaba
sendo ludibriado por instituições desvirtuadas, as quais lhes usurpam a dignidade, a esperança
e a expectativa de uma vida melhor, além de ocasionar uma mancha tão grande à imagem
religiosa a ponto de culminarmos na sugestão popular 02/2015.
Ante o exposto, é inconstitucional qualquer medida que visa, nos termos do atual
ordenamento pátrio, a abolição da referida garantia constitucional, por violar direitos expressos
no próprio texto da Lei Maior, o que deve e será declarado pelo Supremo Tribunal Federal, se
porventura vier a ser aprovado pelo Poder Legislativo.
-
13
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui
normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Portal da
Legislação. Brasília: 25 de outubro de 1966. Disponível em:
. Acessado em 21 de abril de 2018.
BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. Portal da
Legislação. Promulgada em 22 de abril de 1824. Disponível em:
. Acessado em 08 de
abril de 2018.
BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Portal da Legislação. Promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
. Acessado em 08 de
abril de 2018.
BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Portal da Legislação. Promulgada em 16 de julho de 1934. Disponível em:
. Acessado em 08 de
abril de 2018.
BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Portal da Legislação. Promulgada em 10 de novembro de 1937. Disponível em:
. Acessado em 08 de
abril de 2018.
BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.
Portal da Legislação. Promulgada em 18 de setembro de 1946. Disponível em:
. Acessado em 08
de abril de 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Portal da Legislação. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em:
. Acessado em 08 de
abril de 2018.
BRASIL, Senado Federal. Portal e-Cidadania. SUG 02/2015. Disponível em:
. Acessado em 21
de abril de 2018.
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2001.
Consultor Jurídico. Imunidade de Igrejas é Usada para Lavagem de Dinheiro. Disponível
em: . Acesso em 09 de abril de 2017.
http://www.conjur.com.br/2014-mar-25/imunidade-tributaria-igrejas-utilizada-lavagem-dinheirohttp://www.conjur.com.br/2014-mar-25/imunidade-tributaria-igrejas-utilizada-lavagem-dinheiro
-
14
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 26ª edição. São Paulo: Editora Atlas,
2017.
Leandro Karnal – O Mal que foi a Ditadura no Brasil. YouTube. Canal: O Mundo que somos.
Publicado em 07 de setembro de 2017. Disponível em:
. Acessado em 22 de abril de 2018.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 8ª edição. São Paulo: Editora
Método, 2005.
MAIA, Cleusa Aparecida da Costa. A Imunidade Tributária dos Templos de Qualquer
Culto nas Constituições Brasileiras. Disponível em:
. Acessado em 08 de abril de 2018.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 8ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2017.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 9ª edição. São Paulo: Editora Saraiva,
2017.
SCHWARTSMAN, Hélio. Por que deus não paga imposto?. Folha de São Paulo. São Paulo,
16 de abril de 2017. Versão Digital. Disponível em:
. Acessado em 21 de abril de 2018.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. 37ª edição. São Paulo: Editora
Malheiros, 2014.