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18 revista Liberdades. | Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais | nº 18 – janeiro/abril de 2015 | ISSN 2175-5280 | Expediente | Apresentação | Entrevista | Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa | Artigos | Globalização e o Direito Penal | Carlo Velho Masi | Voltaire de Lima Moraes | A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível? | Bruno Seligman de Menezes | Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar em casos de crimes políticos: seria o terrorismo um crime político? | Gabriela Carolina Gomes Segarra | A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva | Carlos Eduardo da Silva Serra | Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do sistema penal e ao ciclo da criminalização | Raíssa Zago Leite da Silva | El discurso de los menores bajo medida judicial | Concepción Nieto Morales | História | O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal no Brasil contemporâneo | Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino | Resenha de Livro |“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas”, de Carl Hart | Roberto Luiz Corcioli Filho

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18revista Liberdades.

| Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais | nº 18 – jane i ro/abril de 2015 | ISSN 2175-5280 |

Expediente | Apresentação | Entrevista | Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa | Artigos | Globalização e o Direito Penal | Carlo Velho Masi | Voltaire de Lima Moraes | A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível? | Bruno Seligman de Menezes | Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar em casos de crimes políticos: seria o terrorismo um crime político? | Gabriela Carolina Gomes Segarra | A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva | Carlos Eduardo da Silva Serra | Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do sistema penal e ao ciclo da criminalização | Raíssa Zago Leite da Silva | El discurso de los menores bajo medida judicial | Concepción Nieto Morales | História | O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal no Brasil contemporâneo | Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino | Resenha de Livro |“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas”, de Carl Hart | Roberto Luiz Corcioli Filho

INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS2Revista Liberdades - nº 18 – janeiro/abril de 2015 I Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

EexpedienteDiretoria da Gestão 2015/2016

Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Diretoria Executiva

Presidente:Andre Pires de Andrade Kehdi

1º Vice-Presidente:Alberto Silva Franco

2º Vice-Presidente:Cristiano Avila Maronna

1º Secretário:Fábio Tofic Simantob

2ª Secretária:Eleonora Rangel Nacif

1ª Tesoureira:Fernanda Regina Vilares

2ª Tesoureira:Cecília de Souza Santos

Diretor Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais:Carlos Isa

Conselho Consultivo

Carlos Vico MañasIvan Martins MottaMariângela Gama de Magalhães GomesMarta SaadSérgio Mazina Martins

Ouvidor

Yuri Felix

Colégio de Antigos Presidentes e Diretores

Alberto Silva Franco Alberto Zacharias Toron Carlos Vico Mañas Luiz Flávio Gomes

Mariângela Gama de Magalhães Gomes Marco Antonio R. Nahum Marta Saad Maurício Zanoide de Moraes Roberto Podval Sérgio Mazina Martins Sérgio Salomão Shecaira

Coordenação da

Coordenador-Chefe:Roberto Luiz Corcioli Filho

Coordenadores-Adjuntos:Alexandre de Sá Domingues, Giancarlo Silkunas Vay, João Paulo Orsini Martinelli, Maíra Zapater, Maria Gorete Marques de Jesus e Thiago Pedro Pagliuca Santos.

Conselho Editorial:Alexandre Morais da Rosa, Alexis Couto de Brito, Amélia Emy Rebouças Imasaki, Ana Carolina Carlos de Oliveira, Anderson Bezerra Lopes, André Adriano do Nascimento Silva, André Vaz Porto Silva, Antonio Baptista Gonçalves, Bruna Angotti, Bruno Salles Pereira Ribeiro, Camila Garcia, Carlos Henrique da Silva Ayres, Christiany Pegorari Conte, Cleunice Valentim Bastos Pitombo, Daniel Pacheco Pontes, Danilo Dias Ticami, Davi Rodney Silva, Décio Franco David, Eduardo Henrique Balbino Pasqua, Fábio Lobosco, Fábio Suardi D’ Elia, Francisco Pereira de Queiroz, Fernanda Carolina de Araujo Ifanger, Gabriel de Freitas Queiroz, Gabriela Prioli Della Vedova, Giancarlo Silkunas Vay, Giovani Agostini Saavedra, Humberto Barrionuevo Fabretti, Janaina Soares Gallo, João Marcos Buch, João Victor Esteves Meirelles, Jorge Luiz Souto Maior, José Danilo Tavares Lobato, Leonardo Smitt de Bem, Luciano Anderson de Souza, Luis Carlos Valois, Marcel Figueiredo Gonçalves, Marcela Venturini Diorio, Marcelo Feller, Maria Claudia Girotto do Couto, Matheus Silveira Pupo, Maurício Stegemann Dieter, Milene Maurício, Rafael Serra Oliveira, Renato Watanabe de Morais, Rodrigo Dall’Acqua, Ryanna Pala Veras e Yuri Felix.

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INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS3Revista Liberdades - nº 18 – janeiro/abril de 2015 I Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

Eexpediente ........................................................................................................................2

Apresentação ...................................................................................................................5

Entrevista

Spencer Toth Sydow entrevista Luis Ernesto Chiesa .............................................................................7

Artigos

Globalização e o Direito Penal ..............................................................................................................16

Carlo Velho Masi e Voltaire de Lima Moraes

A independência judicial e o inconsciente do julgador: um diálogo (im)possível? ........................44

Bruno Seligman de Menezes

Algumas indagações sobre a desnecessidade da proibição de extraditar em casos de crimes políticos: seria o terrorismo um crime político? .................................................59

Gabriela Carolina Gomes Segarra

A perspectiva psicanalítica do crime e da sociedade punitiva ........................................................79

Carlos Eduardo da Silva Serra

Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do sistema penal e ao ciclo da criminalização ........................................................................................101

Raíssa Zago Leite da Silva

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INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS4Revista Liberdades - nº 18 – janeiro/abril de 2015 I Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

El discurso de los menores bajo medida judicial ................................................................................110

Concepción Nieto Morales

História

O pensamento de Enrico Ferri e sua herança na aplicação do direito penal no Brasil contemporâneo ......................................................................................................................127

Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino

Resenha de Livro

“Um preço muito alto: a jornada de um neurocientista que desafia nossa visão sobre as drogas”, de Carl Hart ....................................................................................................152

Roberto Luiz Corcioli Filho

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INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS5Revista Liberdades - nº 18 – janeiro/abril de 2015 I Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

ApresentaçãoInicia-se 2015. No ano que passou as edições da Revista Liberdades trouxeram textos que sempre nos provocaram

a reflexão. A primeira edição do novo ano, creio, conseguirá manter a linha.

Iniciamos com uma entrevista repleta de pontos polêmicos. Concedida pelo professor da Universidade de Nova Iorque, Luis Ernesto Chiesa, a Spencer Toth Sydow, o entrevistado revela a importância de seus mestres George Fletcher e Francisco Muñoz Conde, em uma formação em Direito Penal que reúne as visões continental e anglo-saxã sobre a matéria. Fornece detalhes da analogia em Direito Penal possível no direito americano e expõe sua polêmica posição determinista do agir humano.

Entre os artigos, Carlo Velho Masi e Voltaire de Lima Moraes retomam a Globalização, criminalidade internacional e política criminal. Após uma abordagem histórica e teórica da globalização e duvidar de sua linearidade, preocupam-se com seus efeitos sobre a produção em matéria penal.

Nesta edição, duas expedições sobre uma ciência sempre presente e pouco penetrada pelos operadores do Direito.

No primeiro artigo, Bruno Seligman de Menezes adentra no diversificado e fascinante mundo da psicologia para, à luz do pensamento Freudiano, investigar a imparcialidade judicial.

Carlos Eduardo da Silva Serra, analisando correntes psicológicas diversas, investiga suas influências nas teorias criminológicas sobre o delito e a culpa.

Gabriela Carolina Gomes Segarra discute o instituto da extradição e a diferenciação entre crimes comuns e crimes políticos. Em especial a discussão gira em torno da dificuldade de conceituação do “político” que qualifica o delito e da evidente preocupação com a classificação do terrorismo naquela categoria.

De forma direta e didática, Raíssa Zago Leite da Silva apresenta o labelling Approach, em um texto que tem como maior mérito a fluidez e brevidade das ideias em, após descrever a teoria, relacioná-la com a seletividade do sistema penal e suas consequências mais evidentes.

A perene preocupação com a formação socioeducativa dos adolescentes submetidos a medidas judiciais é explanada por Concepción Nieto Morales. Em seu texto, investiga as causas da criminalidade juvenil espanhola analisando aspectos como família, escola, amigos e drogas, e as confronta com a legislação da Espanha sobre a matéria.

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Um preço muito alto é um livro de memórias escrito por Carl Hart. Roberto Luiz Corcioli Filho nos apresenta uma resenha das memórias de um professor que ultrapassam a narrativa de fatos vividos e invadem um contexto de crítica social sobre o tratamento das drogas e sua política proibicionista.

Na seção de história, Enrico Ferri, notório pensador positivista, é retratado por Maria Paula Meirelles Thomaz de Aquino de forma cuidadosa e responsável. No texto, a autora consegue um retrato fiel e bem elaborado sobre as ideias de Ferri, os institutos que auxiliou a criar e como tais contribuições afetaram e ainda afetam sistemas penais pelo mundo, inclusive no Brasil. O Texto tem ainda outro mérito: foi produzido no seio do grupo de estudos avançados do instituto.

A primeira edição do ano marca também a passagem do cetro. Nas próximas edições, a revista contará com nova coordenação, algo sempre necessário e salutar para sua sobrevivência. Certamente, a qualidade será superada e toda a sorte é desejada ao trabalho que se inicia.

Boa leitura e um bom ano.

Alexis Couto de Brito

Coordenador-chefe da Revista Liberdades (gestão 2013-2014).

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Labelling Approach: o etiquetamento social relacionado à seletividade do sistema penal e ao ciclo da criminalização

Raíssa Zago Leite da SilvaPós-graduanda em direito pela PUC/SP.Membro efetiva da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da OAB/SP.Advogada.

Resumo: O objetivo desse artigo é explicar a Teoria do Labelling Approach e relacioná-la à seletividade do sistema penal atual. Para isso, será explicado o surgimento dessa teoria no contexto histórico e criminológico da época e suas influências. Ademais, serão expostos seus elementos e o panorama das instâncias de controle na sociedade, juntamente com o efeito destas no etiquetamento social. Acerca do etiquetamento social, será exposta uma relação entre ele (Teoria do Labelling Approach) e a seletividade no sistema penal. Por fim, serão apresentadas as consequências do estigma criado pelo sistema na vida do indivíduo que passa por esse processo.

Palavras-chave: Labelling Approach; Instâncias de controle; Estigmatização; Seletividade do sistema penal.

Sumário: Introdução – 1. Surgimento da Teoria do Labelling Approach: 1.1 Contexto histórico e influências – 2. Instâncias de controle e etiquetamento social – 3. Seletividade do sistema penal relacionada às ideias do Labelling Approach: 3.1 Consequências do estigma na vida do indivíduo – Conclusão – Bibliografia.

Introdução

O presente artigo tem por escopo abordar a Teoria do Labelling Approach, desenvolvida no fim da década de 1950 e início da de 1960 pelos autores pertencentes à Escola de Chicago,1 nos EUA. O surgimento dessa teoria será contextualizado tanto historicamente como no âmbito criminológico da época. Ademais, serão citadas as influências para a criação dessa teoria e os principais autores que contribuíram para o seu surgimento como Howard Becker, Erving Goffman, Edwin Lemert, entre outros, que buscavam questionar o paradigma funcional dominante no momento histórico, o etiológico.

1 Diversos estudos dessa escola poderiam ser citados como contribuição à criminologia, tanto às escolas do consenso, que concebem o crime como uma falha das instituições e compartilhamento das regras sociais pelos indivíduos, quanto às escolas do conflito, para as quais o pressuposto da natureza coercitiva da ordem social é um princípio heurístico, e não um juízo factual (SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004).

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Após a explicação da Teoria do Labelling Approach, serão apontados seus principais elementos e serão destacadas as instâncias de controle, que fazem parte do processo de etiquetamento social.

Ademais, será relacionada a Teoria do Labelling Approach com a seletividade do sistema penal.

Para que se possa contextualizar as consequências do estigma na vida do indivíduo marginalizado, será apresentada a conceituação de E. Lemert sobre os desvios primários e secundários para que, com isso, se chegue a uma conclusão sobre a importância dessa estigmatização no aumento da criminalidade.

1. Surgimento da Teoria do Labelling Approach

A Teoria do Labelling Approach surge como um novo paradigma criminológico, resultado de mudanças sociocriminais que sofreu o direito penal. Ele foi chamado de paradigma da reação social, pois critica o antigo paradigma etiológico, que analisava o criminoso segundo suas características individuais. O novo paradigma tem por objeto de análise o sistema penal e o fenômeno de controle.

A partir desse momento, passa-se a observar o indivíduo como um membro de uma sociedade, de grupos, não somente o seu lado particular. Nesse sentido, esse novo paradigma analisa as situações em que o indivíduo pode ser considerado um desviante. O desvio e a criminalidade passam a ser considerados uma etiqueta, um rótulo, atribuídos a certos indivíduos por meio de complexos processos de interação social, e não mais uma qualidade particular, intrínseca da conduta individual.

Como sustenta Baratta,2 em relação ao novo paradigma da reação social em contrapartida com o outro paradigma até então estudado na história criminológica: “a criminologia ao longo dos séculos tenta estudar a criminalidade não como um dado ontológico pré-constituído, mas como realidade social construída pelo sistema de justiça criminal através de definições e da reação social, o criminoso então não seria um indivíduo ontologicamente diferente, mas um status social atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal e pela sociedade que classifica a conduta de tal individuo como se devesse ser assistida por esse sistema. Os conceitos desse paradigma marcam a linguagem da criminologia contemporânea: o comportamento criminoso como comportamento rotulado como criminoso”.

Com isso, observa-se que a Teoria do Labelling Approach surgiu em um contexto criminológico diferenciado, no qual houve uma troca de paradigmas com importantes modificações no pensamento da época. A relevância das relações

2 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 11.

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sociais na análise do comportamento desviante mudou o enfoque do pensamento criminológico, que, anteriormente, buscava uma resposta sobre a criminalidade nas características intrínsecas de cada indivíduo, e não no contexto social em que ele estava inserido.

Com essa nova análise, o estudo da criminologia pôde evoluir muito em relação ao pensamento etiológico sustentado no momento anterior.

1.1 Contexto histórico e influências

Além do contexto criminológico do surgimento do Labelling Approach, deve-se observar em que contexto histórico essa teoria surgiu.

Como foi citado anteriormente, ela surgiu no fim da década de 1950 e início da de 1960, nos EUA, e foi idealizada pelos integrantes da “Nova Escola de Chicago”. Segundo Shecaira,3 “a Teoria do Labelling surge após a 2.ª Guerra Mundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial, estando em pleno desenvolvimento o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as fissuras internas vividas na sociedade americana. A década de 60 é marcada no plano externo pela divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário da chamada Guerra Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta das minorias negras por igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dos movimentos estudantis na reivindicação pelos direitos civis”.

Nesse contexto, com novas formas de conflitividade social, exigiu-se a criação de um novo paradigma criminológico. Com isso, surge o termo “desvio social”, para englobar todas as condutas que não se enquadravam nas definições legais ou psiquiátricas, como a homossexualidade, o uso de drogas, o movimento hippie etc., que, em síntese, atentavam contra o status quo.

Foi em meio a esses conflitos históricos que surgiu o Labelling Approach, que é um paradigma que traz o crime e a criminalidade como construções sociais. Essa teoria teve influências marxistas, como apontam Hassemer e Conde:4 “Próxima à criminologia de cunho marxista porque, para Marx, a delinquência não era um comportamento anterior a qualquer sistema de controle social ou jurídico, mas sim um produto desse sistema. Outrossim, as ideias de Marx contribuíram para a teoria do etiquetamento, especialmente pela crítica ao mito do Direito Penal como igualitário,

3 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 371-374.4 CONDE, Francisco Muñoz; HASSEMER, Winfried. Introdução à criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 107-109.

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demonstrando a impossibilidade de existir um direito (penal) que prega igualdade em uma sociedade extremamente desigual”.

Ademais, temos o pensamento de Molina, que acredita que, “Segundo esta perspectiva interacionista, não se pode compreender o crime prescindindo da própria reação social, do processo social de definição ou seleção de certas pessoas e condutas etiquetadas como criminosas. Crime e reação social são conceitos interdependentes, recíprocos, inseparáveis. A infração não é uma qualidade intrínseca da conduta, senão uma qualidade atribuída à mesma através de complexos processos de interação social, processos altamente seletivos e discriminatórios. O labelling approach, consequentemente, supera o paradigma etiológico tradicional, problematizando a própria definição da criminalidade. Esta – se diz – não é como um pedaço de ferro, um objeto físico, senão o resultado de um processo social de interação (definição e seleção): existe somente nos pressuposto normativos e valorativos, sempre circunstanciais, dos membros de uma sociedade. Não lhe interessam as causas da desviação (primária), senão os processos de criminalização e mantém que é o controle social o que cria a criminalidade. Por ele, o interesse da investigação se desloca do infrator e seu meio para aqueles que o definem como infrator, analisando-se fundamentalmente os mecanismos e funcionamento do controle social ou a gênesis da norma e não os déficits e carências do indivíduo. Este não é senão a vítima dos processos de definição e seleção, de acordo com os postulados do denominado paradigma do controle”.5

Com isso, podemos concluir que o Labelling Approach surgiu num momento histórico de muitas lutas sociais dentro e fora dos EUA, em que o paradigma da defesa social surgiu para confrontar o etiológico, no qual o indivíduo passou a ser analisado como parte de uma sociedade, de grupos sociais, com identidade social, não somente como ser individual.

Além disso, o crime passou a ser pensado como algo que foi estipulado por complexos processos de interação social, não como consequência de uma conduta. A infração só é infração porque alguém assim a determinou.

2. Instâncias de controle e etiquetamento social

No tocante às instâncias de controle, podemos analisar as de controle informal e formal. As de controle informal são as da própria sociedade, como, por exemplo, a escola, a família, a opinião pública etc. Já as de controle formal são estatais: policial, judicial e executivas.

5 MOLINA, Antonio García-Pablos de, Criminología: Una Introducción a sus fundamentos teóricos para Juristas, Valencia: Tirant lo Blanch, 1.996, p. 226-227.

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Molina6 trata dessa divisão: “Os agentes de controle social informal tratam de condicionar o indivíduo, de discipliná-lo através de um largo e sutil processo (...) Quando as instâncias informais do controle social fracassam, entram em funcionamento as instâncias formais, que atuam de modo coercitivo e impõem sanções qualitativamente distintas das sanções sociais: são sanções estigmatizantes que atribuem ao infrator um singular status (de desviados, perigoso ou delinquente)”.

Em Outsiders, Becker7 explica de que forma as regras são feitas e como, em certos momentos, tentam impô-las. Ressalta-se também que essas regras sociais definem padrões de comportamentos, apontando uns como certos e outros como errados, e quando uma pessoa infringe tal regra, que é considerada errada pelo grupo, esta passa a ser vista como um outsiders.

Por outro lado, tem-se a mesma problemática com uma mudança de foco, uma vez que quem está sendo julgado pelo grupo pode não aceitar, por achar que os julgadores não são competentes para tal função, daí decorre outro significado para outsiders, tirando o foco de quem a priori teria desviado seu comportamento das regras ditadas pelo grupo e colocando a quem supostamente julgou. Acerca disso, podemos afirmar que um comportamento somente é desviante se as instâncias de controle o definirem como tal.

Sergio Salomão Shecaira,8 ainda baseando-se na obra de Becker, afirma que “aquele que viola alguma regra em vigor pode ser interpretado como uma pessoa não confiável para a vivência em um grupo e que pode alcançar um traficante de drogas ou alguém que bebeu em excesso em uma festa e que se porta de maneira inconveniente”.

Diante disso, o autor conclui que, surgindo a intolerância, haverá uma espécie de estigmatização desse agente.

E. Goffman, em sua obra Estigma, cita a possibilidade de exclusão de um indivíduo da sociedade pela soma dos processos de exclusão.

Com isso, podemos concluir que o criminoso não é considerado como tal pelo ato que pratica, mas sim pela etiqueta que lhe é colocada, e tal rótulo poderá excluí-lo da sociedade, sendo ele estigmatizado e rejeitado.

Temos, por exemplo, as cifras ocultas da criminalidade, a partir das quais alguns crimes nunca são punidos, ou sequer chegam ao conhecimento das instâncias de controle oficiais. Com isso, passa-se a punir somente uma classe de pessoas e tipos específicos de crimes, fazendo com que a punição e o direito penal não sigam o princípio da igualdade.

6 MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 134.7 BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 15.8 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: Ed. RT, 2004. p. 292

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3. Seletividade do sistema penal atual relacionada às ideias do Labelling Approach

Como foi citado anteriormente, o crime não é definido pela conduta do agente, mas sim pelo que as instâncias de controle definem como tal. Ademais, também foi citado que nem todos os crimes são perseguidos pela sociedade e pelo Estado, punindo-se, assim, somente parte dos crimes e das pessoas, o que chamamos de seletividade.

Fica claro que, pela Teoria do Labelling Approach ou etiquetamento social, as instâncias de controle definem o que será punido e quem será punido, o que nos remete a uma relação com a seletividade do sistema penal.

De acordo com Eugenio Raúl Zaffaroni,9 “estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de colarinho branco, dourada, de trânsito, etc.)”.

O sistema penal brasileiro é um retrato dessa seletividade. Basta analisarmos o perfil da população majoritariamente encarcerada. Qual seja, população esmagadoramente masculina; por um público dominado por jovens (59% dos encarcerados possuem de 18 a 29 anos), negros e, ainda, por apresentar escolaridade defasada, vez que cerca de 49% são analfabetos ou possuem ensino fundamental incompleto.10

Diante desse rótulo recebido, o indivíduo é marginalizado e tem muitas dificuldades de viver em sociedade, o que acaba acarretando uma série de fatores negativos no agente selecionado.

4. Consequências do estigma na vida do indivíduo marginalizado

Edwin M. Lemert,11 um autor muito relevante para o Labelling Approach, destaca que são dois os tipos de desvios existentes: o primário e o secundário.

Com isso, ele estabelece que o desvio primário ocorre por fator sociais, culturais ou psicológicos. O indivíduo delinque por circunstâncias sociais, como observamos no paradigma da reação social.

9 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991. p. 130.10 Dados extraídos do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça.11 Apud BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p.

89.

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Já o desvio secundário é consequência da incriminação, da estigmatização, da reação social negativa a respeito daquele outsider. Os efeitos psicológicos causados pela rotulação são tão danosos ao indivíduo que ele se torna marginalizado e excluído da sociedade. Ele passa a entrar na carreira criminosa.

Sobre a consequência do desvio primário e o desencadeamento no desvio secundário, vale transcrever o pensamento de Shecaira:12 “Quando os outros decidem que determinada pessoa é non grata, perigosa, não confiável, moralmente repugnante, eles tomarão contra tal pessoa atitudes normalmente desagradáveis, que não seriam adotadas com qualquer um. São atitudes a demonstrar a rejeição e a humilhação nos contatos interpessoais e que trazem a pessoa estigmatizada para um controle que restringirá sua liberdade. É ainda estigmatizador, porque acaba por desencadear a chamada desviação secundária e as carreiras criminais”.

Baratta13 escreve a respeito do desvio secundário, quando cita Lemert em seu livro: “(...) sobre o desvio secundário e sobre carreiras criminosas, põem-se em dúvida o princípio do fim ou da prevenção e, em particular, a concepção reeducativa da pena. Na verdade esses resultados mostram que a intervenção do sistema penal, especialmente as penas detentivas, antes de terem um efeito reeducativo sobre o delinquente determinam, na maioria dos casos, uma consolidação da identidade desviante do condenado e o seu ingresso em uma verdadeira e própria carreira criminosa. (...) pode-se observar, as teorias do labelling baseadas sobre a distinção entre desvio primário e desvio secundário, não deixaram de considerar a estigmatização ocasionada pelo desvio primário também como uma causa, que tem seus efeitos específicos na identidade social e na autodefinição das pessoas objeto de reação social (...)”.

Com isso, podemos observar que, além do efeito do desvio primário trazido pelas instâncias de controle sob o indivíduo marginalizado, o desvio secundário somente afirma essa marginalização, fazendo com que o agente infrator, excluído da sociedade pela pena privativa de liberdade, consolide seu status de criminoso que o perseguirá além dos muros da prisão.

Esse status de criminoso influenciará a vida do indivíduo, que poderá não ter outra forma de sobreviver em sociedade senão dentro do crime, pois, em decorrência do rótulo, esse agente dificilmente conseguirá se reposicionar na sociedade, por já ter sido um “desviante”.

12 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. São Paulo: RT, 2004. p. 291.13 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 90-91.

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Conclusão

Diante de todo o exposto, resta claro que as instâncias de controle, tanto informais, quanto formais, descritas na teoria do Labelling Approach, estigmatizam o indivíduo que não se enquadra na sociedade, fazendo com que ele se torne um desviante, o que traz graves consequências na vida daquele que recebeu o rótulo.

Tendo em vista esse primeiro desvio, o outsider chega até o submundo dos presídios, que faz com que ele se consolide como um criminoso, como alertam os pensadores dessa teoria de desvio secundário. Ao entrar nesse segundo ciclo, o criminoso não consegue retornar à sociedade, uma vez que dela já foi anteriormente excluído, e, assim, recorrerá mais uma vez ao crime.

Isso nos leva a pensar sobre a função das prisões na sociedade. Diz-se que uma das funções da pena privativa de liberdade é a ressocialização. Primeiramente, não se pode ressocializar alguém que nunca foi socializado e alguém que está sendo excluído pelos muros da prisão, pois, se observarmos a teoria dos desvios primários e secundários, o indivíduo que foi preso já era um desviante na sociedade, ou seja, não era socializado. Com isso, não há como conceber que a função da pena privativa de liberdade, materializada na prisão, seja ressocializadora.

Além disso, se observarmos o ciclo supracitado a prisão só consolida a exclusão do indivíduo da sociedade. Ao passar pela prisão, aquele indivíduo que já era marginalizado pela sociedade por não se enquadrar, ganhará mais um rótulo e será ainda mais excluído. O desvio secundário é essencial para a formação criminosa daquele agente. Com isso, temos que, além de não ser possível ressocializar alguém que nunca foi socializado, a prisão só dessocializa ainda mais o indivíduo, fazendo com que sua personalidade ganhe outros rótulos e pontos desviantes, o que o exclui cada vez mais.

Assim, a prisão não é a solução para uma “ressocialização”. Primeiramente, seria necessário incluir os desviantes primários na sociedade, a partir dos projetos sociais e políticas públicas, fazendo com que se sentissem membros pertencentes do seio social, e não excluídos, rejeitados. Além do processo de inclusão, ou seja, da própria “socialização”, há a necessidade de uma reforma nas instâncias de controle formais, de modo que o tratamento dispensado aos indivíduos fosse o mais igualitário possível, valendo, assim, a lei para todos, sem distinção de classe social ou de tipo de crime.

Ainda, para aqueles que já cometeram crimes, a prisão deveria ser a alternativa, e não a regra. Desse modo, o ideal seria que o direito penal fosse utilizado como ultima ratio e que as penas alternativas fossem mais aplicadas pelo Poder Judiciário. Porém, como esta não é a realidade existente e não parece ser um caminho factível, deveria, ao menos, existir uma melhoria e expansão nos projetos de reintegração social.

INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS109Revista Liberdades - nº 18 – janeiro/abril de 2015 I Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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Sendo assim, se o desvio primário fosse reduzido, o preconceito e o estigma das instâncias de controle, amenizados, e o desvio secundário, evitado ou diminuído, os indivíduos passariam a se sentir mais pertencentes e poderiam ter uma vida bem mais integrada uns com os outros, o que, consequentemente, diminuiria a criminalidade e o ciclo da estigmatização dos agentes desviantes.

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