Revista Supernova

32
Revista 04 de agosto de 2011 | Edição 1 | Ano I Oxi Doze Tribos “Lambe-lambe” A droga, considerada o “novo crack”, é a mais agressiva já existente A vida em comunidade na “Terra prometida” Ofício já foi muito valorizado nas praças de Londrina pg 14 pg 18 pg 24

description

Prmeira edição impressa da revista Supernova desenvolvida pelos alunos do 3º ano de Comunicação Social hab. Jornalismo, turma 2009, período noturno, da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Transcript of Revista Supernova

Page 1: Revista Supernova

Revista04 de agosto de 2011 | Edição 1 | Ano I

Oxi

Doze Tribos

“Lambe-lambe”

A droga, consideradao “novo crack”, é a mais agressiva já existente

A vida em comunidade

na “Terra prometida”

Ofício já foi muito valorizado nas praças de Londrina

pg 14

pg 18

pg 24

Page 2: Revista Supernova

02 04 de agosto de 2011

Após a votação na Câmara dos Deputados do novo Código Florestal – que permite a derrubada de milhares de quilômetros de

florestas – fiquei muito desapontado. A esmagado-ra maioria dos votantes se posicionou a favor de tal projeto. Os parlamentares justificaram seus votos a favor dizendo que o novo código traria crescimento agroeconômico para o Brasil. Realmente isto acon-tecerá, mas imagino que o motivo real esteja na re-lação estreita entre políticos e latifundiários.

Contudo meu desapontamento com a política deu lugar ao entusiasmo, quando soube da notícia de que grupos de diversos campos da sociedade se voltaram contra o novo código. As Ongs na diantei-ra subsequentes a outros grupos de grande poder de voz, como a OAB, promoveram resistência em

aceitar a destruição das florestas, até então prote-gidas pela lei. A opinião pública cobra a derrubada do Código Florestal, no entanto, agora do Senado – que é o próximo poder a discutir se o aprova ou não - e da Presidente, que prometeu vetá-lo.

Mas enquanto, no campo político, se desenro-la a discussão em busca do desfecho do projeto, latifundiários, senão criminosos, avançam voraz e desenfreadamente contra as matas protegidas pelo código que ainda está vigente e que estão tentan-do modificar. E também não posso esquecer que as vozes defensoras das florestas brasileiras estão sendo silenciadas, pelos mesmos criminosos que derrubam matas e que ainda contam com a anistia que o texto do novo código propõe beneficiá-los.

Fagner Bruno

Problema crônico da maioria das cidades brasileiras, principalmente as de médio e grande porte, os flanelinhas, que se in-

titulam “guardadores de carros”, controlam cada vez mais os estacionamentos públicos, delimitam espaços e cobram ilegalmente serviços não soli-citados pelos motoristas, que, mediante o ato co-varde da ameaça indireta de ter o carro riscado, amassado ou roubado, se sente constrangido e acaba pagando para não sofrer represálias.

A situação é tão absurda que hoje, em Lon-drina, os flanelinhas dominam alguns trechos de ruas, cobrando durante o dia o equivalente a R$ 2, e à noite, nas proximidades de boates, restau-rantes e eventos, de R$ 10 a R$ 20 com tíquete impresso e pagamento antecipado. Sem falar na parafernália: colete personalizado, apito, crachá, placas e cones para bloquear as vagas. Na gran-de São Paulo é ainda pior: durante o dia o valor cobrado é de aproximadamente R$ 10; à noite em torno de R$ 20 a R$ 30; e em eventos, como a

final da Libertadores entre Santos e Peñarol, no Pacaembu, até R$ 50.

E o poder público, por que não se manifesta? Pela legislação, a polícia militar pode agir ape-nas quando há denúncia por parte do cidadão e a liberdade de ir e vir descaracteriza ato de va-diagem do flanelinha. Já a Prefeitura, indiferente, parece “lavar as mãos”. Mas infelizmente se es-quece aqui o direito de ir e vir do motorista, afinal a rua é pública, e também não há porque se pagar por um serviço não solicitado.

Entendo que a situação é grave, cada vez au-menta mais e é necessário coibir essa atividade ilegal pois pessoas de bem estão sendo lesadas. Para isso, o tema deve ser discutido com serieda-de e o Código de Posturas do município revisto. E não podemos considerar este como um problema social. Problemas sociais são a fome, a miséria, falta de moradia ou desemprego. Extorsão é cri-me, e todo crime deve ser combatido.

Plínio Venditto

CrônicaO código florestal anti-florestas

Opinião Extorsão consentida

Page 3: Revista Supernova

Meio Ambiente

pg.Ruralistas pressionam por novo código 04

Indígenas

pg.Índios vivem em condições precárias em Londrina 08

Saúde

pg.Transplantes de órgãos no Brasil 11

Drogas

pg.Conheça o “novo crack” 14

Comportamento

pg.A vida na comunidade Doze Tribos de Israel 18

Cidades

pg.A arte que vem da periferia 22

Fotografia

pg.História do “lambe-lambe em Londrina 24

Educação

pg.O importante papel do xadrez nas escolas 28

Cultura

pg.Bethânia se beneficia com a Lei Rouanet 30

Para o jornalista, que segue sua carreira sob as discussões da regulamentação da profissão, assim como outros desafios

que desvalorizam o jornalismo atualmente, aos es-tudantes dessa mesma área não é diferente. E sa-ber trabalhar com jornalismo não é simplesmente saber escrever, é preciso batalhar de verdade para que cada palavra tenha razão para ser escrita.

Ao longo do primeiro semestre de 2011, os alu-nos do terceiro ano de jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, produziram a versão on-line da revista SuperNova.

O fruto desse trabalho, que pertence à discipli-na de Técnicas de Reportagem III, rendeu quatro edições eletrônicas. Agora, com esta versão im-pressa de SuperNova, escolhemos as principais reportagens que mereceram destaque. Não me-nos importantes foram as demais, pois em cada uma delas houve a participação de um grupo e logo, a colaboração de todos.

Essa coletânea de reportagens reúne nove ma-térias com assuntos de interesse tanto nacional quanto local e pretende oferecer ao leitor muito mais que a apresentação de nossa produção jor-nalística, mas também muita informação e conteú-do num contexto londrinense.

SuperNova impressa é isso: nasce de um tra-balho em equipe para alcançar como resultado novos conceitos, novas percepções e perspecti-vas, mas sem dispensar o rigor ético, objetivo e imparcial que o jornalismo exige, pois as palavras que usamos para compor esse material realmente tiveram bons motivos para estarem aqui.

Boa leitura.

Expediente

Editorial

Docente responsável: Rosane BorgesProdução: Estudantes do 3º ano de Comunicação Social hab. Jornalismo da UEL

Edição:Amanda FrançaFagner BrunoHellen PereiraPlínio Venditto

Diagramação:Carol MoureCinthia MilanezEnrickson VarsoriYuri Bobeck

Reportagem: Beatriz BevilaquaDanylo AlvaresLucas GodoyLucas RodriguesLuciana de CastroLuciana FrancisoMarcy SaraivaVanessa FreixoWillian Casagrande

SUMÁRIO

Revista laboratório

04 de Agosto de 2011Edição 1

Ano I

Page 4: Revista Supernova

Meio Ambiente

04 04 de agosto de 2011

O Código Florestal brasileiro, Lei nº 4.771, foi sancionado em se-tembro de 1965 no governo João

Goulart e sofreu diversas alterações ao longo de seus 46 anos de vigência. Ele é uma modificação de um texto já feito no ano de 1934 que definia as áreas nativas e as que poderiam servir para extração de lenha. O atual Código Florestal, des-de sua reformulação, é o responsável por definir as leis que regem a manu-tenção das florestas, matas e as vege-tações das propriedades rurais, ditando suas normas de proteção, exploração e manutenção.

Além de definir a Amazônia Legal – delimitação feita para melhor planejar a área que engloba 9 estados da Floresta

Aldo Rebelo comemoraa aprovação de seu texto

pela Câmara dos Deputados

A hora e a vez do Código FlorestalEmbate entre ambientalistas e ruralistas apressa

a aprovação do novo Código FlorestalAmazônica – o Código Florestal regula as Reservas Legais e Áreas de Preser-vação Permanente (APPs). As Reservas Legais, hoje em dia, correspondem a 20% do território da propriedade rural. Nessa área devem ser cultivadas es-pécies nativas de vegetação que, por conseguinte, ajudam também a manter a fauna natural da região. As APPs são porções vegetais que protegem rios, cór-regos, nascentes, lagos, topos de morro, serras e montes. Possuem regras dis-tintas para cada tipo desses elementos (observe o Box). Essas medidas foram tomadas com o pretexto de estabelecer uma relação harmônica entre a explora-ção e a natureza, ouvindo a opinião de ruralistas, ambientalistas e entidades científicas.

Nos últimos anos surgiu uma forte

pressão da bancada ruralista – a re-presentação da parcela da sociedade ligada com a agropecuária, geralmen-te encabeçada por movimentadores do agronegócio - sobre o Governo Federal para que essas leis se tornassem menos rígidas. Segundo os ruralistas, as áreas dedicadas à preservação diminuem a produtividade no campo e geram prejuí-zos para o produtor. Devido a essas rei-vindicações, a Câmara dos Deputados esboçou um primeiro texto idealizado pelo Deputado Federal Sérgio Carvalho (PSDB-RO) propondo novas regras. O discurso foi arquivado em 2003 e a Câ-mara iniciou um ciclo intenso de conver-sas com os principais órgãos ligados à agricultura e ao meio ambiente, além de entidades cientificas, políticos, ambien-talistas e representantes da sociedade

LUCIANA DE CASTRO

Car

ta C

apita

l

Page 5: Revista Supernova

0504 de agosto de 2011

rural. Foram realizadas também audiên-cias públicas para ouvir as opiniões e queixas da sociedade civil.

O resultado dessas conversas gerou ideias para um novo Código Florestal com medidas mais permissivas para o agricultor, partindo da proposta já rela-tada por Carvalho. O responsável por juntar todas essas sugestões foi o De-putado Federal Aldo Rebelo (PCdoB--SP) que apresentou o texto pronto no primeiro semestre de 2010. Os novos argumentos diminuem as APPs de for-ma considerável e extinguem as Reser-vas Legais nas propriedades com até 4 módulos fiscais (medida que varia de estado para estado, em Londrina, por exemplo, um módulo fiscal equivale a 12 hectares). Além disso, propõe a anistia – quitação da divida legal - a quem come-teu crimes ambientais até ano de 2008.

Corrida pela aprovaçãoEntre o período de formulação e

definição de um novo texto para o Có-digo Florestal, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou em dezembro de 2009 o Decreto nº 7.029, intitulado como “Programa Mais Ambiente”, que, em concordância com o Código Florestal, reafirmava a obrigatoriedade da averba-ção da Reserva Legal e das APPs nas propriedades rurais – averbar significa legalizar a implantação dessas áreas no órgão ambiental do estado e registrar no cartório de registro de imóveis. O prazo para se adequar à norma é até o dia 11 de junho de 2011, depois desta data o agricultor fica na ilegalidade. O perigo da situação não é necessariamente o de multas pela fiscalização ambiental, mas, sim, pelo bloqueio de créditos e fi-nanciamentos feitos aos produtores pelo Banco do Brasil que começará a ser feito imediatamente no outro dia que finda o Decreto.

Essa decisão do Banco do Brasil mexe diretamente com a produção no campo, afinal, muitos agricultores ne-cessitam de financiamento para traba-lhar. Consequentemente, o deputado Aldo Rebelo foi ainda mais pressionado para que o Código fosse logo aprovado ou vetado, afinal, os produtores rurais precisam saber como agir para ficarem dentro da lei para contar com o auxílio do Banco do Brasil. “A gente precisa fazer a regularização e não tem como. Depois eu preservo uma área da proprie-dade e ela sai de lei, como é que fica? Eu quem saio no prejuízo?”, questiona o agricultor Claudionor Boveto, dono de 30 hectares no distrito de São Luiz, zona rural de Londrina.

Prejuízo no campoCom a data cada vez mais próxima,

as entidades ligadas ao movimento ru-ralista começaram a se mobilizar pela aprovação do texto de Rebelo. Houve protestos gigantescos? em frente à Câ-mara dos Deputados – primeira casa por onde a proposta passa. Favoráveis ao texto de Aldo Rebelo, agricultores, órgãos como a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), muitos políticos como a Senadora Kátia Abreu (PSD-TO) e o Go-vernador Confúcio Moura (PMDB-RO) e partidos, como o PSDB, pediam rapidez

“É fácil para ativistas de ONGsfalarem o quanto devemos tirarde nossas propriedades, eles nãovivem do que a terra dá”, contestaAlmir Montecelli, Diretor Agrícolae produtor de algodão

Ambientalistas protestaramconfrontando o novoCódigo Florestal

Gaz

eta

do P

ovo

Miri

am P

roch

now

na decisão. Um dos argumentos usados pelo gru-

po é de que o agricultor possui a terra, ele quem pagou, registrou e a mantém. Nesse raciocínio, é o agricultor quem deve decidir o quê e onde plantar den-tro da propriedade. “Comprei o meu sítio para plantar soja e trigo. Eu não quero perder mais de 5 hectares para plantar árvores que não me dão retorno”, co-menta o agricultor Claudionor Boveto sobre a Reserva Legal. O Diretor de Ati-vidade Agrícola da Sociedade Rural do Paraná em Londrina e produtor rural, Al-mir Montecelli, exemplifica a situação “É como se alguém pedisse que em nossas casas, na área urbana, fossem retirados 20% da área para plantação de árvores.

Page 6: Revista Supernova

06 04 de agosto de 2011

Uma das áreasintocáveis daAmazônia Legal

Foto

: G1

Luci

ana

de C

astro

O biólogo e ambientalistaEduardo Panachão se

declara totalmente contra à proposta de um novo

Código Florestal

Ninguém iria querer fazer, é uma área considerável. Agora imagi-ne para quem depende da terra o que isso significa”. Os ruralis-tas afirmam que o principal afetado com as exigências do Código vigente é o agricultor familiar, isto é, o pequeno proprietário, pois não possui dinheiro e tempo para implantar as áreas de preser-vação na propriedade e acaba perdendo uma grande quantidade de terra cultivável.

Montecelli comenta outro argumento levantado em pauta na discussão do Código Florestal. Com o Decreto Mais Ambiente vencendo em 11 de junho e o Código Florestal se mantendo da forma como está, todas as propriedades rurais “perderão” 20% de terras além das APPs. Segundo o diretor, essa perda vai gerar desemprego no campo, diminuição crítica da produção agrícola e, em ordem, falta de alimentos e aumento no preço dos vegetais “Até com o texto do Aldo Rebelo isso já vai acontecer em menor escala”, afirma, “E esses são problemas que afetam todo o mundo, afinal, somos exportadores”.

Por fim, o Diretor Agrícola critica a forma pela qual os gover-nos de países estrangeiros, como Alemanha e Estados Unidos, repudiam o novo texto do Código Florestal. Ele argumenta: “Eles [estrangeiros] exploram o país que possuem da forma que bem entendem, agora nos pressionam para que viremos ‘mato’. Como se devêssemos preservar para que eles possam enriquecer”.

Impacto ambientalEm contrapartida, os ambientalistas iniciaram uma campanha

massiva contra o novo Código Florestal. Apoiados em estudos científicos, ONGs e movimentos sociais, como a WWF (World Wil-dlife Fund) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), pedem que o Código Florestal se mantivesse como está nas leis atuais. De acordo com o biólogo e presidente da ONG MAE (Meio

Ambiente Equilibrado), Eduardo Panachão, a proposta de Aldo Rebelo “é um atentado contra o meio ambiente”. O ambientalista explica: “O novo Código pretende diminuir as matas ciliares pela metade e isso significa, em termos mais claros, proteção pela metade aos nossos cursos d’água. Significam margens erodidas, tratamento de água mais caro, assoreamentos nos rios. E, como se não bastasse, ainda quer extinguir as Reservas Legais das pe-quenas propriedades”. Segundo Panachão, a maioria das proprie-dades rurais de Londrina vai perder as áreas nativas que garantem a biodiversidade da região. A situação se torna ainda mais drástica em estados onde os módulos fiscais têm grandes medidas, como é o caso do Amazonas onde cada módulo equivale a 100 hectares. “Estão ameaçando um ecossistema riquíssimo como o amazônico em prol do agronegócio”, defende.

Os ambientalistas também repudiaram a anistia que pode ser aprovada. A lei deve assegurar que os crimes ambientais cometi-dos até 2008 sejam perdoados legalmente e que as áreas desma-tadas não precisam ser reconstituídas “O novo texto ainda permite que áreas que deveriam ser preservadas até mesmo dentro da nova lei sejam usadas para outros fins. É lamentável”, opina Edu-ardo Panachão. O biólogo observa que em seus trabalhos de cam-po, auxiliando pequenos agricultores na regularização ambiental, a grande dificuldade dos produtores é a falta de incentivo do pró-prio governo que custeia e burocratiza tais ações. O agricultor José Carlos Dutra, produtor de café em São Luiz, concorda: “Eu tenho mais de 30 metros de mata ciliar que é pedido na lei, sempre fez bem para minha plantação. Só não legalizei ainda porque é processo caro e demorado”.

O incentivo governamental que os agricultores deveriam re-ceber, segundo Panachão, vai além da melhoria do processo de legalização. Ele afirma que os proprietários de terra deveriam ser

Page 7: Revista Supernova

0704 de agosto de 2011

Como é que vai ficarConfira como é a lei vigente do Código Florestal

e como o novo texto pretende mudá-lo

Áreas de Preservação Permanente (APPs):Atualmente:- As matas ciliares devem ter 30 metros em cada mar-

gem de um curso d’água com até 10 metros de largura. - Os topos de morro, montes e serras com declividade

acima de 45°, restingas fixadoras de dunas ou estabiliza-doras de mangues e áreas com mais de 1800 metros de altitude não são áreas cultiváveis.

- Não existem “áreas consolidadas”.Com o texto aprovado:- A dimensão das matas ciliares cai em 50%.- É permitido o manuseio de culturas perenes ou de

ciclo longo nas áreas de topos.- As áreas desmatadas que não precisam ser recons-

tituídas devido à anistia passam a ser chamadas de áreas rurais consolidadas, isto é, se tornaram áreas cultiváveis.

Reserva Legal: Atualmente:- As Reservas Legais equivalem a 20% das proprie-

dades rurais. Excetuando na área de floresta da Amazô-nia, que equivale a 80%, e no cerrado da Amazônia, que é de 35%.

Com o texto aprovado:- As propriedade rurais com até 4 módulos fiscais não

precisam mais ter Reserva Legal.

Anistia:Com o texto aprovado: - Crimes ambientais de desmatamento terão perdão

judicial e não deverão passar pelo processo de reconsti-tuição das áreas. (L.C.)

O novo Código Florestal propõea anistia a quem desmatou áreasde preservação até 2008

Rep

rodu

ção

orientados sobre a rentabilidade da Reserva Legal e como implan-tar na propriedade. “Ao invés de ceder ao agronegócio e diminuir o verde do nosso país, as nossas autoridades deveriam param de usar o pequeno agricultor como ‘escudo’ e passar a orientá-los que é possível lucrar com a Reserva Legal”, explica.

Rumo à sançãoDepois de anos de discussão e de mais de uma semana de

sessões, a Câmara dos Deputados aprovou, no dia 24 de maio, por 410 votos a favor, 63 contrários e uma abstenção, o texto de Aldo Rebelo. Porém, a lei não entra vigor a partir dessa data. É preciso passar pelo Senado, onde será analisada por três comis-sões. Só então é encaminhado para o Plenário, onde é sanciona-da ou vetada pela Presidenta Dilma Rousseff (PT).

Dilma já adiantou que irá vetar o texto caso ele se mantenha como aprovado pela Câmara após sair do Senado. A principal questão que a Presidenta discorda é a da anistia aos desmata-dores. “Não concordo que o Brasil seja um país que não tenha condição de combinar a situação de grande potência agrícola com a potência ambiental que também é. Não sou a favor da consolidação a anistia dos desmatamentos”, afirmou Rousseff em discurso oficial.

O dia 11 de junho está próximo, a ilegalidade e o bloqueio de créditos no Banco do Brasil também. Na melhor das hipóteses, o Senado anunciou no dia 2 de junho que pode demorar 45 dias para dar uma resposta. Porém, se Dilma Rousseff vetar qualquer uma das propostas do texto, dessa vez redigido pelo Senador Jor-ge Viana (PT-AC), o projeto volta para a Câmara dos Deputados e percorre o mesmo caminho que demorou anos para fazer. Até lá, ambientalistas e ruralistas continuam num confronto permeado pelas estratégias políticas dos senadores e deputados.

Page 8: Revista Supernova

Indígenas

08 04 de agosto de 2011

Tribo dos EsquecidosGrupo de índios Kaingang vive em estado de favelização em Londrina

DANYLO ALVARES

T io, dá um trocadinho?” Mediante a resposta nega-tiva e ao questionamento sobre a ausência total de vestimentas em pleno outono londrinense, não

houve resposta alguma. O garotinho franzino, sujo e de idade aparentemente inferior a três anos olhou hesitante, como se ouvisse algo ininteligível. O veículo, então, tocou em frente. O breve diálogo foi o primeiro contato estabelecido pela equipe de Supernova com o grupo Kaingang que habita a área urbana de Londrina. Apesar de ingênua e pouco pretensiosa, a fala do indiozinho abre espaço para a discussão de uma realidade cada vez mais notável: a situação de mendicância e o proces-so de favelização por que tem passado os índios que habitam as cidades. Nossa reportagem conferiu de perto como vivem

e a quais circunstâncias estão expostos os cerca de 30 indígenas que ocupam as margens da rua Pedro Antônio da Silva, localizada entre as avenidas Duque de Caxias e Dez de Dezembro.

No passado, centro culturalA região ocupada atualmente pelos índios fica ao lado

do antigo Centro Cultural Kaingang Wãre, inaugurado durante as comemorações do dia nacional do índio, em 1999, na gestão do então prefeito Antônio Carlos Belina-ti. O local contava com oito casas-abrigo, que serviam de guarida para os índios que vinham da Reserva Indígena Apucaraninha (a 80 km do centro da cidade) para Londrina comercializar seus produtos, além de funcionar como um espaço para mostras permanentes de artesanato típico. Embora o terreno em que o Centro Cultural foi erguido e a responsabilidade sobre sua manutenção ficasse a cargo

Foto

s: D

anyl

o A

lvar

es

Péssimas condições de moradia: famílias inteiras sob lonas, tecidos e tábuas

Page 9: Revista Supernova

da Prefeitura, cabia aos hóspedes limpar e conservar as instalações. Tais diretrizes, no entanto, nunca foram cumpridas à risca. O que culminou em 2008, sob justifi-cativa de insalubridade por parte da Vigilância Sanitária, no embargo e na desativação do Centro.

Situação atualHoje, a faixa de terra, que ainda recebe a alcunha

de Centro Cultural Kaingang, já não representa o refe-rencial étnico a que o nome se propõe. O que se vê são barracos debilmente estruturados com lonas e tábuas, mato alto em alguns pontos e muita sujeira. Imagens que logo nos remetem a uma visão estereotipada de in-vasões e assentamentos, cenas comuns nos grandes municípios. A antropóloga da Secretaria Municipal de Assistência Social, Marlene de Oliveira, explicou que após a extinção do Centro Cultural, muitas discussões foram promovidas com representantes do grupo a fim de se oferecer alternativas de abrigo durante a esta-dia dos índios em Londrina. Transporte de ida e volta e hospedagem em hotéis foram algumas das propostas preteridas por eles. Mesmo sem infra-estrutura alguma, várias famílias decidiram ficar e ali levantaram barracos e estabeleceram morada. Vadico Marcolino, de 53 anos, atual representante dos acampados, diz que as famílias se revezam na ocupação do lugar “A turma vem para vender o que produz e retorna à Reserva depois”, escla-rece o líder. Entretanto, o espaço de tempo envolvido no processo de comercialização das cestas de palha e de-mais artigos Kaingang pode variar muito. E neste ponto residem muitos problemas.

Condições das moradias Acomodados em cabanas paupérrimas e sob pre-

cárias condições de segurança, higiene e alimentação, diversas famílias permanecem na cidade durante me-ses. Enquanto isso, as crianças ficam longe da escola e à mercê de inúmeros perigos. O último exemplo foi a prisão de Rodrigo Oliveira dos Santos, 29, capturado e espancado por índias no último dia 30 de maio. Acusado pela tribo de habitualmente exibir a genitália para garo-tos e mulheres, o rapaz foi surrado pelas indígenas e amarrado ao tronco de uma árvore até a chegada da po-lícia. Além dos riscos inerentes ao não cercamento do local, distantes de suas raízes socioculturais, os índios recorrem à mendicidade porta a porta e em semáforos pelas redondezas a fim de complementar a renda que, segundo Marcolino, “dá apenas para quebrar o galho”. A mendicância, porém, potencializa ainda mais a situação de vulnerabilidade a que eles já se submetem.

MendicânciaPara a assistente social da coordenação técnica lo-

cal da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Londrina, Evelise Viveiros Machado, o índio “habituou-se a mendi-gar”. “Anteriormente, eles vinham à cidade apenas para vender o que confeccionavam, mas hoje é diferente. Muitos deles prolongam a estada porque acham que pe-dir é mais fácil do que plantar”, confessa. Evelise ressal-ta que a Reserva Apucaraninha oferece toda a estrutura para que eles vivam comodamente sem se distanciarem dos hábitos históricos indígenas. “A Secretaria de Esta-do da Agricultura e do Abastecimento (SEAB) concede

sementes e fertilizantes para manutenção dos cerca de 75 hec-tares de arroz, 60 de feijão, 200 de milho, do plantio de hortas, eucalipto e palmito pupunha. Lá, eles têm casas, posto de saúde e escola de 1ª à 6ª série do ensino fundamental, mesmo assim, não podemos impedi-los de vir para cá. Nossa recomendação é a permanência na aldeia, mas eles, tal qual todo cidadão, têm livre arbítrio. A questão é que optar pela vida na cidade pode acarretar muitos ônus “.

A assistente social informou ainda que a Funai entrega perio-dicamente cestas básicas aos moradores da Reserva. Marlene de Oliveira reitera a ideia de que as carências sofridas pela co-munidade indígena situada em Londrina são acentuadas, muitas vezes, por opção dos próprios índios. De acordo com a antropó-loga, todas as famílias são cadastradas e usufruem de progra-mas municipais e federais de distribuição de renda. “Porém, todo serviço de amparo prestado pela Prefeitura ocorre no interior da Reserva. Se os ajudássemos aqui, legitimaríamos o estado ir-regular das moradias em que eles estão, seria o mesmo que endossar a permanência deles em circunstâncias degradantes”,

0904 de agosto de 2011

Crianças em idade escolar ficam longe das salas de aula durante o tempo que os pais levam para

vender o que produzem

Page 10: Revista Supernova

10 04 de agosto de 2011

destaca. Segundo Marlene, o trabalho da Prefeitura tem sido no sentido de conscientizar o indígena de que ele tem o seu espaço, e de que a área urbana impõe outros padrões comportamentais. Para isso, foram elaboradas, juntamente com representantes Kaingang, cartilhas em forma de ma-nual que orientam os índios quanto a modos de conduta, hábitos higiênicos e alimentares com o intuito de atenuar a discriminação sofrida por eles. “O Sinal Verde (projeto de assistência que atende pessoas em situação de risco) en-frenta dificuldades em abordar cidadãos indígenas porque, no entendimento deles, pedir esmola não constitui constran-gimento”, diz a antropóloga. Fora os ganhos ofertados pela Funai e pelo Município, povos indígenas são considerados segurados especiais pela Previdência Social. Ou seja, o índio tem direito a benefícios para si e sua família, como aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-acidente, salário maternidade, pensão por morte e auxílio-reclusão.

Insatisfação Apesar das aparentes benesses, a comunidade visita-

da por Supernova exibiu evidente descontentamento com a gestão municipal. “Bate foto aqui, mostra para o Barbosa como é que a gente vive”, indignou-se um dos moradores ao exibir o rudimentar e improvisado fogão sobre o qual cozia o almoço. Vadico Marcolino diz esperar que a Prefeitura tome uma atitude e melhore as condições do lugar. O líder já rea-firmou que “os Kaingang permanecerão no local”.

Promessa

A esperança a que se refere o líder do grupo trata-se do anúncio feito pelo prefeito de Londrina, Homero Barbo-sa Neto, que diz respeito à reconstrução do Centro Cultural Wãre. A declaração foi dada pelo líder do executivo muni-cipal no dia 19 de abril, durante festividades da semana do índio. Segundo informações da Secretaria Municipal de Assistência Social, o novo Centro contará com oito casas--abrigo de tipologia diferenciada – já que as antigas eram cobertas com folhas de palmeiras ou palha e ofereciam risco de incêndio –, área comum para a produção de artesanato, biblioteca com acervo voltado à cultura do índio e uma es-pécie de loja para a comercialização de souvenires e demais produtos Kaingang. Visando evitar ao máximo os problemas decorrentes da habitação estendida e não projetada, a Pre-feitura promete instituir regras claras de permanência para os que quiserem alojamento no novo Centro. As famílias in-dígenas não poderão prolongar a instalação por mais do que alguns dias.

Vários motivos explicam a vinda do índio às cidades. Um deles é a sedução exercida pelos centros urbanos, operada em sua maioria pelos meios de comunicação em massa, que não excetuam as aldeias do seu poder de alcance. Outra possível explicação diz respeito ao ethos (termo sociológico que designa, grosso modo, um valor de identidade social) indígena, que traz em sua essência costumes seminôma-des. Fator social ou não, a verdade inconveniente é que este grupo representa apenas mais uma pluma no grande cocar dos marginalizados indígenas.

Índios utilizam tanques para a limpeza de utensílios dométicos e banhos. Água usada no preparo de alimentos também vem do mesmo lugar.

Page 11: Revista Supernova

Poucas mãos para salvarFalta de capacitação de profissionais impede

crescimento de transplante de órgãos

Saúde

A população não é a princi-pal culpada sobre a não doação de órgãos e sim

a falta de preparo e de informa-ção dos profissionais que estão a cargo de transformar as pes-soas que morrem em doadores de órgãos. A afirmação anterior é de Joel de Andrade, diretor da Associação Brasileira de Trans-

plante de Órgãos (ABTO), e vem contradizer a ideia de que o baixo número de transplantes de órgãos no Brasil acontece principalmente pelo desconhe-cimento e preconceito das pes-soas em relação ao assunto.

Se a população tem receio em falar sobre doação de ór-gãos, é porque certos mitos as circundam e se tornam fatores desfavoráveis no momento da

decisão sobre doar ou não os órgãos de algum parente pró-ximo. Uma questão levantada é que a religião, de um modo geral, não permite esse ato. A Aliança Brasileira pela Doação de Orgãos e Tecidos (ADOTE) desmistifica essa afirmação e expõe em seu site (www.adote.org.br) que os princípios de so-lidariedade e de amor ao próxi-mo, comum às religiões, carac-

VANESSA FREIXO

Luciano Pontes

Mais de 30 mil brasileiros aguardam por um transplante de rim

Page 12: Revista Supernova

12 04 de agosto de 2011

terizam o ato de doar e cabe a cada seguidor a decisão de ser ou não doador de órgãos.

Por isso são necessários agentes de saúde capacitados não só para fazer o diagnóstico do paciente apto a doar e para a retirada dos órgãos, mas tam-bém para esclarecer as dúvidas das famílias de potenciais doa-dores. Para Ogle Beatriz, coor-denadora da Central de Trans-plantes em Londrina, o problema é que “vários profissionais que estão se formando sem conteú-do específico na grade curricular dos cursos da área da saúde”.

Para amenizar essas lacunas e capacitar sobre o processo de doação e transplantes de ór-gãos e tecidos, a ABTO promo-ve cursos por todo o país para assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, neurologistas e mé-dicos intensivistas. Em Londrina, o curso foi realizado no início do mês de abril, em parceria com a

Comissão Intra-Hospitalar

de Transplantes do Hospital Uni-versitário e a Central Regional de Transplantes de Londrina.

Ogle Beatriz afirma que apri-morar profissionais é um gran-de avanço e o resultado dessas formações já pode ser percebido na cidade. “Na região de Lon-drina, temos equipes e centros mais esclarecidos. Por meio da capacitação, é possível verificar, fazer diagnóstico e se familia-rizar com o processo, além de ter segurança na verificação da morte encefálica”, disse. A morte encefálica ocorre quando todas as funções do cérebro param completamente de funcionar. Esse quadro é irreversível e faz do paciente que assim se encon-trar um potencial doador.

Mas mesmo que o avanço de-penda do maior número de equi-pes treinadas, a sensibilização familiar ainda é muito importan-te, pois depende dela a autoriza-ção para que o transplante seja concretizado. A pessoa que em

vida se considera doadora não precisa deixar nada por escri-to, basta comunicar à família o desejo da doação e pedir que a vontade dela seja atendida, caso isso seja possível.

Gláucia Celestino Reis, assis-tente social da Central de Trans-plantes, reforça a importância de informar a família sobre o desejo de ser um doador e faz um pedi-do: “A frase de conscientização diz ‘Informe sua família que você é um doador de órgãos’, mas eu vou mais além e digo: convença sua família que você é um doa-dor de órgãos”.

Atual SituaçãoNa última década, o Brasil

passou de três para dez doado-res por milhão de habitantes. É pouco perto de países como a Espanha, que têm 34 doadores para a mesma faixa da popula-ção, e os Estados Unidos, que chegam a 26 doadores. Mas apesar dos resultados brasi-leiros ainda não serem satisfa-tórios, o crescimento de trans-plantes cresce anualmente. Só ano passado, a taxa de doado-res efetivos com órgãos trans-plantados cresceu na faixa de 10,3% em relação a 2009.

Os rins são os órgãos que têm maior demanda de trans-plantes. Mais de 30 mil brasi-leiros estão na fila de espera aguardando um doador com-patível, mas somente 4.630 pessoas receberam transplan-te renal em 2010, número que é maior em 8% ao ano anterior. Em Londrina e região, segundo a coordenadora da Central de Transplantes Ogle Beatriz, 535 pessoas estão na espera para receber um órgão compatível.

Google Im

agens

Na última década, o Brasil passou de

três para dez doadores por milhão

de habitantes

Page 13: Revista Supernova

1304 de agosto de 2011

Mudança de VidaPaulo Henrique de

Souza, 36 anos, rece-beu transplante de cór-nea em um dos olhos há pouco mais de um ano. A visão de Paulo foi preju-dicada pela doença de-generativa do olho cha-mada ceratocone, que afina a córnea e muda o formato dela de concha para cone. Para ele, a doença prejudicava seu dia a dia e o sustento da família, pois Souza trabalha como caseiro e barman e, no trabalho noturno, é preciso boa visão para enxergar no escuro as letras peque-nas dos cardápios.

O transplante de cór-nea para Paulo Henri-que de Souza foi uma mudança de vida: “Eu consegui. Entrei na fila de transplantes em novembro (2009), em maio já consegui fazer o

transplante e tudo mudou radicalmente. Em uma semana, já estava dirigin-do de novo e enxergando mais que o normal. O transplante foi maravilho-so, ficou perfeito. Hoje eu consigo ver só com o olho transplantado, porque antes eram somente borrões. Continuo trabalhando à noite, trabalho du-rante o dia também e tudo mudou da água para o vinho”.

Goo

gle

Imag

ens

Para Paulo de Souza, o transplante de córnea

foi mudança de vida

Page 14: Revista Supernova

14 04 de agosto de 2011

“Nunca experimente o crack. Ele causa de-

pendência e mata”. Essa frase foi larga-mente difundi-da há um ano e meio pelo Ministério da Saúde (MS), na época ad-ministrado por José Gomes Te m p o r ã o . C a m p a n h a Nacional de Alerta e Prevenção do Uso de Cra-ck, iniciada em dezembro de 2009 e que se estende até hoje, aditivada por outras ações com o mesmo di-

recionamento, veio para combater a epidemia da droga no Brasil – a

qual, segundo pesquisa da Frente Parla-mentar Mista de Combate ao Crack, de 2010, já viciou 1,2 milhões de brasileiros. O mote era a tríade comba-te, prevenção e tratamento. No entanto, esse velho

problema, ainda sem qualquer pre-visão de término, está se fundindo a outro ainda pior: o oxidado, ou simplesmente oxi, considerada a

droga mais perigosa e barata exis-tente.

O oxi pode ser considerado o “novo crack”. É uma pedra com-posta por uma mistura de pasta base de cocaína com combustível, como querosene e gasolina, e cal virgem, mas pode ser aditivada com outros elementos - até água de bateria. A diferença em relação à mistura do crack – pasta base de cocaína, amoníaco e bicarbonato de sódio, em geral - barateia a pro-dução: o oxi é a droga mais barata já vista em circulação e pode ser vendida em alguns lugares a R$2, enquanto o crack é encontrado no mercado das drogas por cerca de R$8. O oxidado tem aspecto mui-to semelhante ao do crack, em-bora apresente, dependendo da

“O sujeito acaba se isolando da família, dos amigos, de tudo. Abdica-se da vida

particular para fumar em tempo quase

integral.”

Pedra de oxi diferencia-se da de crack por ser mais amarelada ou arroxeada, de

acordo com a mistura

bahi

anot

icia

s.co

m.b

r

Outra pedra no meio do caminho

Enquanto o crack ainda preocupa as autoridades, o oxi, droga mais potente e barata já encontrada, caminha para se

tornar o novo grande problema de saúde pública brasileiro

Drogas

Page 15: Revista Supernova

1531 de março de 2011

quantidade de substâncias em sua composição, cor mais amarelada ou mais arroxeada. Quando quei-mado no cachimbo, produz uma fumaça enegrecida, enquanto a do crack é branca. Também solta um óleo viscoso, com cheiro muito for-te, devido à presença de combustí-vel na mistura. A pedra de oxi tem, em média, o dobro de quantidade de cocaína do que a de crack. As duas pedras são vendidas, geral-mente, de modo indiscriminado, o que reforça a ideia de que o oxi pode estar circulando no país há tempos sem ter sido notado. Outro fator que piora o quadro é a facili-dade em se produzir o oxi, pois, já que usa produtos que são legaliza-dos, diferentemente do crack – que apresenta substâncias de venda controlada. Misturando o combus-tível e a cal junto da pasta base, em uma panela, obtém-se a droga sem problemas.

O oxidado começou a circular no Brasil em meados dos anos 2000, no Acre, estado que faz divi-sa com a Bolívia e o Peru. Embora as autoridades não confirmem, a droga pode ter se espalhado por 11 estados brasileiros: Acre (AC), Amazonas (AM), Ceará (CE), Bahia (BA), Distrito Federal (DF), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Paraná (PR) e Rio Grade do Sul (RS). A maior apre-ensão foi em São Paulo, na Capi-tal: 5 mil papelotes, os quais esta-vam prontos para consumo, foram encontrados em um barraco na favela de Heliópolis, Zona Sul, por policiais da Divisão Estadual de Narcóticos (Denarc). A Polícia Civil (PC) do Paraná, do Ceará e do Rio de Janeiro ainda não confirmou as apreensões.

No Paraná, já houve dois casos de possíveis apreensões da dro-ga. Em Cascavel, 143 gramas de pedras que continham o princípio

ativo bezoilmetilecgonina, comum ao crack, à cocaína e ao oxida-do, e em Maringá, 600 gramas de pedras contendo o mesmo princí-pio ativo. O delegado do Denarc de Londrina, Lanevilton Theodoro Pereira, não quis conversar com a reportagem a respeito das apreen-sões porque, segundo ele, as infor-mações são oficiosas.

Difícil identificaçãoPara agravar o problema do

oxidado no País, mais especifi-camente no Paraná, é muito difí-cil identificá-la. As apreensões já executadas demoraram dias para serem confirmadas – e algumas, provavelmente, nem serão. O quí-mico legal Vinicius Felix Perazolo, chefe do Laboratório de Toxicolo-gia do Instituto Médico Legal (IML) de Londrina, explica que a única maneira viável de identificar a dro-ga no estado é por meio da análise com o aparelho de Cromatografia Líquida de Alta Eficiência (CLAE) - High Performance Liquid Chroma-tography (HPLC), em inglês -, que leva o nome de uma técnica que distingue os componentes da dro-ga por pressão atmosférica. O apa-relho, no entanto, não está dispo-nível. “O único CLAE do Paraná, o do IML de Curitiba, está quebrado desde novembro do ano passado”, diz Perazolo.

Segundo o químico, pequenas

doses das substâncias apreendi-das pela Polícia Científica vão para análise no IML de Curitiba. O Ins-tituto da Capital, então, emite lau-dos que comprovam se há subs-tâncias ilícitas. Mas há, de acordo com Perazolo, análise de apenas quatro substâncias nas amostras, dentre elas o princípio ativo ben-zoilmetilecgonina, a cafeína e a li-docaína, estas duas disponíveis à população em uma simples xícara de café ou em um remédio anesté-sico. “Não há identificação de mais substâncias, portanto não há pos-sibilidade de saber do que a amos-tra é composta.”

Problemas estruturais também acometem a toxicologia da Polícia Científica do Paraná e prejudicam o serviço da identificação do oxi. A unidade de Londrina, que, con-junta com a de Curitiba, é a única do estado, tem uma área de cober-tura de 80 municípios, sendo que, no estado todo, há só 73 médicos legistas. A falta de abrangência e de recursos humanos é notável, e isso reflete na qualidade do atendi-mento. “Há cerca de três mil aná-lises, parte delas oriundas daqui, estacionadas em Curitiba, e não é possível parar e resgatá-las porque a demanda é contínua”, explica. No dia 19, o Tribunal de Contas do Es-tado (TCE) anunciou que fará uma auditoria nas 17 unidades do Para-ná, a fim de verificar as dificuldades

Vinícius Felix Perazolo, químico legal. “No Paraná,

não há a identificação das substâncias por

enquanto”

Will

ian

Cas

agra

nde

Page 16: Revista Supernova

16 04 de agosto de 2011

infraestruturais, financeiras e de recursos huma-nos dos órgãos.

“Barato” de-vastador, trata-mento comple-xo

Se o crack já causa efeitos devastadores e é muito vician-te, o oxi pode tomar o seu lugar e popularizar-se ainda mais, tanto por não ser caro quanto por causar dependência mais rapidamente. O vício vem logo com as primeiras vezes, mas a sensação de prazer - o popular “barato” - aparece quase que instantaneamente, em menos de 10 segundos, e dura alguns mi-nutos – dependendo da mistura, pode chegar a 15 minutos. Essa efemeridade do prazer que a subs-tância causa é o principal fator da

sua capacidade de vício, já que, quan-to maior otempo de “barato”, menor é a necessidade de se drogar no-vamente para se sentir satisfeito.

Segundo o psi-quiatra Luis Pau-lo Garcia, alguns dos efeitos mais

agudos que acometem quem usa oxidado, crack ou cocaína, são ta-quicardia, hipertensão, hipertinía (exacerbação do humor) e a popu-lar “paranóia” ou “nóia” (sensação de perseguição que vem junto do “barato”). O oxi, porém, causa al-guns resultados a mais, como diar-réia e vômitos, provocados pela inalação dos gases provenientes dos combustíveis. Apesar de ele ser, em tese, mais perigoso, Gar-cia comenta que é difícil afirmar,

muitas vezes, o que o usuário con-sumiu. “É muito comum ver droga batizada hoje em dia. Até na cocaí-na, que é a mais pura e mais difícil de misturar, é possível incluir fari-nha ou outras substâncias muito tóxicas para aumentar o lucro e a massa do produto”, diz.

A história de vida de quem usa drogas pesadas é, em geral, sofri-da. Por serem mais baratas, circu-lam predominantemente em luga-res como favelas e bairros pobres, alastrando-se e provocando epi-demias de vício. Garcia vê nessas drogas “outras opções”, que pro-vocam uma cadeia complexa: são baratas e mais potentes e, por isso, acabam se tornando as únicas ca-pazes de satisfazer as necessida-des psíquicas dos usuários. Quem usa, após pouco tempo, tem suas relações sociais seriamente preju-dicadas. “O sujeito acaba perdendo o emprego, isolando-se da família,

O único aparelho presente no PR que

pode ser usado para identificar o oxi está quebrado desde novembro

Jovem fumando pedraem lata. Cena é comum em algumas cidades do Acre, onde o uso deoxi é comparadoa uma epidemia

politicaetc.com.br

Page 17: Revista Supernova

17

dos amigos, de tudo. Abdica-se da vida particular para fumar em tem-po quase integral.”

Usuários de drogas pesadas como o oxi tendem a procurar aju-da médica, infelizmente, em último caso, segundo o psiquiatra. “Pri-meiro, eles minimizam o vício e não se consideram dependentes, mesmo que consumam regular-mente; depois, passam a ver que a necessidade de fumar o oxi é imperiosa, diária, e decidem fazer

a desintoxicação. Mas, mesmo as-sim, muitos deixam a internação em último caso.” De acordo com o psiquiatra, arrastar o problema é o mais comum e também o mais perigoso. “Com usuários de algu-mas drogas lícitas, como o álcool, o vício pode chegar anos após o primeiro contato. O oxi e o crack, pelo contrário, viciam rapidamente e merecem muito mais cuidados, porque podem matar em pouco tempo, talvez meses.” A opinião do

especialista vem para complemen-tar uma pesquisa recente, a única conhecida a respeito da droga no país. A Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda), en-tidade que organiza projetos para disseminar políticas públicas liga-das ao enfrentamento dos proble-mas causados pelas drogas, em parceria com o Ministério da Saú-de, observou 100 usuários de oxi por um ano. No término da pesqui-sa, um terço deles morreu.

É inevitável pensar em uma po-lítica de saúde pública para cons-cientizar os indivíduos sobre os efeitos do oxi. Garcia é da opinião de que, mesmo antes do oxidado ser alvo de estudos massivos, o Estado deve começar desde já a informar, por meio da mídia e de trabalhos sociais, sobre os efeitos da droga. “(O oxi) É muito nocivo, não pode esperar. Além disso, atin-ge os usuários do crack, que são muitos e podem se confundir ao usar a nova droga”, enfatiza. Não esperar que o problema tome pro-porções enormes como as do cra-ck deve ser a principal preocupa-ção do governo. Afinal, o oxidado existe, e da forma mais obscura e perigosa possível: está camuflado.

Qual é qual?As semelhanças entre o crack e o oxi são grandes, mas as duas drogas

guardam diferenças fundamentais. Confira as mais importantes:

- Modo de produção: mistura de pasta base de coca ou cocaína, amoníaco, bicarbonato de sódio e água.- Concentração de cocaína: 40%- Aparência: branca.

- Modo de produção: mistura de pasta base de coca ou cocaína, cal virgem e querosene ou gasolina.- Concentração de cocaína: 80%- Aparência: branca, se houver mais cal virgem; amarelada, caso haja mais gasolina; roxa, quando há igual propor- ção de cal e gasolina.

“Tratamento demoraa ser buscado”,

afirma o psiquiatraLuiz Paulo Garcia

Willian Casagrande

CRACK OXI

Page 18: Revista Supernova

Comportamento

A Terra Prometida no Paraná

As cerimônias, modo de vida

e polêmicas em torno de uma comunidade religiosa que

ganha adeptos pelo mundo

Page 19: Revista Supernova

1904 de agosto de 2011

LUCIANA FRANCISO

Um som parecido com o de um berrante sai de uma concha e ecoa por todo o sítio. É hora de

ir para o refeitório, fazer alguns exercícios e tomar café. São 8h00 e a comunidade Doze Tribos de Israel inicia mais um dia de trabalhos, estudos e louvor a Deus. A rotina desse povo, que procurar viver como os primeiros cristãos, é dividida em horários seguidos à risca por todos os membros. Médicos, pedagogos, engenheiros e até ex-moradores de rua dividem o mesmo espaço. Cerca de 80 pessoas entre um mês e 60 anos vivem na comunidade situada em Londrina. Os dias dos seguidores passam como os

nossos, só que guiados pelo calendário hebraico. Espalhados em várias partes do mundo, as tribos levam os nomes dos 12 filhos de Israel. No Brasil, vive a de Naftali. O que os uniu foi à necessidade de pôr em pratica os ensinamentos da Bíblia. O movimento compartilha tudo, de casas a alimentos, e sobrevive de pequenas empresas, além de contar com a ajuda de tribos que possuem mais recursos.

Todas as tribos educam suas crianças em casa, com o objetivo de criar uma geração de pessoas puras. A comunidade não assiste à televisão e possui acesso à internet pra vender seus produtos artesanais e se comunicar com outras tribos. De tempos em tempos,

os integrantes vendem seus produtos em feiras pelo país e aproveitam para divulgar sua filosofia de vida e convidar pessoas a fazer parte do grupo. Após um tempo como visitante no sítio da comunidade, quem se identificar com o modo vida pode ser batizado. Nas águas de um rio ou lagoa, a pessoa é banhada e em seguida lhe é dado um nome hebraico.

O primeiro beijo do casal é no dia do casamento. A cerimônia que une duas pessoas é o fim de um período conhecido como “tempo de espera”, equivalente ao namoro. Um conselho formado por pessoas mais velhas averigua se a relação poderá dar certo e só aí o casal se aproxima. Nesse tempo, os

A comunidade participa de uma celebração que pode durar 8 horas , para comemorar a união de dos membros Naftali e Hamoriah

Page 20: Revista Supernova

20 31 de março de 201118 31 de março de 2011

pretendentes ficam mais próximos, mas não são permitidos abraços ou beijos - os momentos juntos são reservados ao diálogo. Dar as mãos, só quando tiver a certeza de que irão casar, ou seja, na ocasião do noivado.

Muitas cerimônias fazem parte da vida em comunidade. Todo dia os membros se reúnem ao nascer e ao pôr do sol. Eles cantam, dançam, oram e compartilham suas experiências. Ninguém preside o encontro, de acordo com a espontaneidade vão surgindo orações, músicas e histórias. Por vezes se escuta uma voz coberta pelas outras. Essa voz pertence ao tradutor, responsável por transmitir aos estrangeiros o que se fala nas reuniões.

Os jovens e o “tempo de espera”Aos 20 anos, Yasha ou Neane Ribeiro

está há três semanas no “tempo de espera”. A jovem trabalha no escritório da fábrica de velas e o namorado é um dos trabalhadores da pequena empresa. Para a relação dos dois fluir, foi necessário que ambos comunicassem aos mais velhos o interesse em se aproximar, e só a partir daí um conselho se reuniu e aprovou a relação. “Passamos boa parte do tempo conversando. É assim que saberemos se juntos nosso futuro será

feliz”, explica Yasha. Questionada se a decisão do conselho fosse contrária, Neane respondeu que na comunidade quase tudo se resolve com diálogo e nesse caso não seria diferente. “Os mais velhos nos conhecem, sabem se combinamos ou não”, comenta a jovem sobre a influência que o conselho exerce na vida dos casais.

Neane é de Natal, no Rio Grande do Norte e está na comunidade há cinco anos. Yasha diz que a convivência em grupo também tem problemas, mas a diferença reside na solução dos impasses. Procura-se conversar e resolver desavenças antes que alguma mágoa atrapalhe a relação entre os membros do movimento. Acompanhando a conversa com uma bíblia na mão, está o pretendente da moça, Assael, ou Alexandre Figueira, de 26 anos. O jovem complementa as respostas da namorada com explicações bíblicas. Ao fim da entrevista, quando perguntado sobre a falta de adornos e maquiagem nas mulheres da comunidade, Assael responde, timidamente: “A verdadeira beleza vem de dentro, assim não é necessário enfeitá-la”. E a explicação finda aí, sem que seja preciso citar outro versículo do Livro Sagrado.

Rekah, nascida e criada na comunidade

Os cabelos longos em trança chamam a atenção para Leviyah, de 34 anos. As roupas largas vestem uma mulher eloquente e muito bonita. Ao lado dessa londrinense, está sua filha Rekah Boeira, de 10 anos. Vestida em trajes semelhantes ao da mãe, a menina acompanha a entrevista com olhos curiosos e em silêncio. Rekah é fruto do casamento de 11 anos de Leviyah e Roeh Paratz, ou como consta em seus documentos, Samantha e Bill Boeira. “Tinha 16 anos e buscava algo que me ligasse a Deus, deixei tudo para viver isso aqui”, esclareceu Leviyah sobre o motivo que a fizera procurar a comunidade. De acordo com Samantha, os nomes dados após o batismo são como apelidos e simbolizam algum objetivo ou qualidade da pessoa. O nome Leviyah, significa “ligada a Deus” em hebraico. A mãe de Rekah se orgulha em dizer que a filha carrega um nome equivalente à meiga. Sobre métodos contraceptivos, Samantha comenta que os integrantes da comunidade optam pelo uso do preservativo, por não interferir no ciclo menstrual da mulher. Fora do movimento, a esposa de Roeh

Especialmente aos sábados a comunidade dispõe um tempo wpara ficar ao lado das crianças

Arquivo Pessoal

Page 21: Revista Supernova

21

Dos EUA para o mundoA comunidade Doze Tribos de Israel foi fundada no iní-

cio da década de 70, em Chattanooga, no Tenesse, por Elbert Spriggs Jr, sua mulher e amigos. O grupo se reunia para orar e estudar a Bíblia na casa dos Spriggs e com o tempo passou também a viver junto. Nesta época, man-tinha um restaurante como forma de sustento. A Doze Tribos tem base fundamentada na Bíblia, nas tradições judaico-cristãs e nas vivências do fundador. Spriggs fre-quentou comunidades hippies e chegou a participar de missões proféticas da Igreja Batista.

Com o passar dos anos, o movimento angariou se-guidores que estavam descontentes com sua religião e desejavam colocar em prática o modo de vida descrito na

Bíblia. Foi assim que o movimento se expandiu e criou raízes em várias partes do mundo. Cada tribo está em um país, com exceção dos Estados Unidos, que possui mais de uma tribo. Em meados da década de 90, o movimento chegou ao Brasil.

O primeiro estado a receber os seguidores foi o Ceará, e após alguns meses o grupo migrou para o Sul do Brasil à procura de terras mais férteis. Quando o movimento se estabeleceu em Londrina, os integrantes comandaram por três anos o restaurante Segunda Eva. Hoje, a comunida-de vive no Sítio Vale dos Altos (em frente ao Thermas de Londrina ), e está aberta a visitantes que se identifiquem com o estilo de vida dos seguidores. (L.F.)

Paratz tem familiares que a visitam. Apesar de afirmar que no começo houve resistência da família em aceitar sua decisão.

Os escândalos que envolvem a Doze Tribos de Israel

Nem só de flores vive o movimento. Em outros países surgiram polêmicas acerca da educação das crianças. Em 2001, na cidade de Nova York, uma comunidade foi denunciada por utilizar mão de obra infantil em suas indústrias. Na Alemanha, três anos depois, sete pessoas foram presas por educar seus filhos em casa, o que é considerado crime no país. Na Espanha, ex-membros acusam o movimento de ser manipulador, além de rejeitar a medicina tradicional e de ser perverso com as crianças.

Alheios às polêmicas de outros países a comunidade de Londrina recebe bem o visitante e o alerta que nada é obrigatório dentro do movimento. “Se a pessoa não se adaptar ao nosso modo de vida, pode ir embora, não há nada que o prenda aqui”, diz Leviyah. Quem relata as dificuldades da vida em grupo é Elazar, ou Erandir Silveira, de 41 anos, um dos integrantes que migrou com a Doze Tribos para o Sul do país. De acordo com Elazar, um dos desafios de se viver em grupo é despertar a voluntariedade nas pessoas, já que, para ocupar as funções que cada um tem na comunidade, não se recebe salário. Silveira ainda completa que os lucros dos produtos que vendem são repartidos de acordo com as necessidades de todos.

Elazar ocupa a função de coordenador pedagógico e explica que o currículo dos pequenos inclui as mesmas disciplinas e anos que o de uma criança fora do movimento. Dentro das comunidades há professores que se revezam para ministrar as aulas, que começam aos quatro anos - o ensino nesta idade é uma preparação para os anos escolares que virão. O coordenador afirma que os seguidores levam a vida da forma mais natural possível, mas não se recusam a ir ao médico caso estejam doentes.

Elazar mostra os chás orgânicos produzidos por uma das empresas da comunidade

Luminária feita de cera de abelha produzida pela fábrica“ Da Colméia” , nome fantasia de uma empresa da comunidade

Arquivo Pessoal

Luciana Franciso

Luci

ana

Fran

ciso

Page 22: Revista Supernova

Grafite, a arte que vem da periferia

Manifestação artística integrante do movimento hip hop, o grafite é considerado o “grito da periferia”, e por isso ainda bastante

discriminado. O II Encontro de Grafite de Londrina mostrou um pouco dessa arte, e deixou marcas nos muros do cemitério São Pedro

MARCY SARAIVA

Quem passou ao lado do cemitério São Pedro no centro de Londrina, não importando a idade, parou ao menos um minuto para assistir a um espetáculo nada convencional.

Aproximadamente 30 grafiteiros que participavam do II Encontro de Grafite de Londrina, levaram aos muros do cemitério muita cor, criando imagens realistas ou surreais, chamando atenção dos passantes.

O grafite é uma manifestação artística integrante do movimen-to hip hop, uma arte considerada o “grito da periferia”, e por isso ainda bastante discriminada, mas que aos poucos começa a ga-nhar mais espaço na sociedade.

Segundo Junior, grafiteiro nascido e criado em Londrina, mais conhecido como Carão, o grafite moderno nasceu nos subúrbios de Nova Iorque, com o Taki 183, mas a arte de desenhar em pare-des é desde a idade da pedra. “Como é considerada um ‘grito da periferia’, nossa arte era muito discriminada, só agora, as pessoas começam a diferenciar o grafite da pichação”, contou.

Há mais de dez anos grafitando, Carão tem trabalhos espalha-dos pela cidade, pelo Brasil e pela Europa. “É muito gratificante ter essa oportunidade de expor meu trabalho em Londrina. Inclusive, estou participando de uma exposição com outros artistas na Casa de Cultura da UEL, e é muito bom poder mostrar meu trabalho na cidade em que nasci e me criei”, disse.

O trabalho foi coordenado por Carão e por seu amigo Hugo, também londrinense, que reuniram neste evento grafiteiros diver-

Carão se realiza na arte, “Como tatuador, tenho que fazer o que meu cliente quer, como grafiteiro, posso criar algo novo sempre”, conta

Cidades

Page 23: Revista Supernova

sas cidades do Paraná e até de outras partes do mundo. Se-gundo Carão, que também é tatuador, a inspiração do grafiteiro vem de todo lugar. “Eu busco inspiração em tudo o que vejo, um outdoor, uma combinação de cores, eu olho e vejo que aquela combinação é legal para usar em meus desenhos”, explicou o artista.

Carão contou que tenta sempre fazer desenhos diferentes, coisas distintas umas das outras. “Tento sempre fazer algo que nunca fiz, cada vez mais difícil, para estar sempre evoluindo dentro da arte”, contou o artista que começou pichando muros e hoje faz de seu hobby, sua arte. “Todos que fazem grafite, um dia picharam, e quem picha, um dia vai fazer grafite, isso é uma realidade”, confidenciou.

Segundo o secretário de Cultura, Leonardo Ramos, o prin-cipal objetivo é tornar esse local de melancolia, que é o cemité-rio, num ambiente mais agradável, pela ação da arte do grafite. “Além disso, é um acontecimento cultural para a cidade, que re-úne pessoas de vários lugares. Esperamos que muitas pessoas prestigiem o resultado, que é excelente”, disse.

PreconceitoCarão conta que o grafite ainda é considerado uma picha-

ção, concepção que é fruto de preconceitos e desconhecimento. “Infelizmente as pessoas vêem jovens e latas de tinta e já acham que é pichação. E não é nada disso, como todos podem ver, o trabalho é bem realizado, é um trabalho difícil, minucioso”, com-plementou.

Morador da zona norte de Londrina, Carão conta que os jo-vens que participam do movimento hip hop geralmente são mar-ginalizados pela sociedade. “Na verdade, os jovens que entram para esse movimento, estão buscando uma alternativa para não entrar nas gangues, para se manter longe do mundo do crime”,

Os sete pilares do Hip HopDJ (disc-jockey)Operador de discos, que faz bases e colagens rítmicas

sobre as quais se articulam os outros elementos. RapO rap é um ritmo de música oficial do movimento hip

hop. A tradução literal de rap é Rhythm and Poetry, ou seja, uma poesia feita através de rimas.

Beat BoxO termo beatbox (que, a partir do inglês, significa literal-

mente caixa de batida)consiste na arte de reproduzir sons de bateria com a voz, boca e cavidade nasal.

MC (mestre de cerimônias)Mestre de Cerimônia é o porta-voz que relata, através

de articulações de rimas, os problemas, carências e ex-periências em geral dos guetos. O MC tem como principal função animar uma festa e contribuir com as pessoas para se divertirem.

GrafiteExpressão plásti-

ca, o grafite repre-senta desenhos, apelidos ou men-sagens sobre qual-quer assunto, feitas com spray, rolinho e pincel em muros ou paredes.

DançaO que separa a

dança do hip hop de outras formas de dan-ça são os movimentos de improvisação (freestyle) e que os dançarinos frequentemente envolvem-se em disputas nas competições de dança.

ModaA moda do hip hop é um estilo de se vestir de origem

afro-americana, caribenha e latina. Geralmente, as roupas utilizadas no hip hop são largas, para que os movimentos fiquem maiores, dando mais efeito visual para a dança. Também são utilizados bonés, muitas vezes virados para trás ou de lado(M.S)

Aib mostra que a mulher também tem seu espaço no movimento hip hop

Wmc se apresenta com rimas de improvisação durante evento de grafite

2304 de agosto de 2011

explicou. “Ao invés de armas, as ‘crews’ (equipes) usam a dan-ça, a música e a arte para disputar batalhas não violentas”, dis-se.

Bianca, mais conhecida como Aib, foi uma das poucas mu-lheres que estavam participando do evento, mas afirma, dentro do movimento hip hop, não existe preconceito contra as garo-tas. “Grafito há muito tempo, e estou de volta ao Brasil há pouco mais de quatro meses, mas conheço muitas meninas que estão envolvidas no hip hop, e são valorizadas pela sua arte, seja na dança, no grafite ou na música”, confirmou a artista curitibana.

Page 24: Revista Supernova

Fotografia

Não pisque:os fotógrafos da praça em LondrinaNa cidade a profissão popularmente conhecida como “lambe-lambe” teve seu auge na década de 60 e hoje se encontra em via de extinção

24 04 de agosto de 2011

LUCAS GODOY

Na popularmente chamada de “praça da bandeira”, ao lado da Catedral no centro de Londrina, uma cena pode parecer estranha:

Um caixote de madeira apoiado em uma estrutu-ra simples, forrado de retratos, um chapéu preto, dois baldes e um cavalinho enfeitado em cor laran-ja. O que será? Por alí também se vê um senhor que caminha com dificuldade, traje social, cabelos brancos, barba aparada, pela simpatia deve ter lá os seus 65 anos de vida bem vivida.

Trata-se do último fotógrafo popularmente co-nhecido como “lambe-lambe” que ainda está em atuação em Londrina. Por mais que hoje a profis-são pareça estranha ela já foi lucrativa e impor-tante. Talvez por isso a morte de Luiz Juliani, filho de José Juliani, foi noticiada com destaque no dia 17 de março como símbolo do fim de um ciclo que começou nos anos 30. A fotografia Lambe--lambe foi a primeira a permitir a ampliação ins-

tantânea da fotografia. O equipamento era prati-camente um estúdio fotográfico móvel, continha os materiais necessários à captura da imagem e os químicos para revelação. E é um pouco desta história que vamos conhecer aqui.

Um pouco de históriaPara compreender a importância dos velhos

fotógrafos, é preciso imaginar um período em que muitas pessoas passavam a vida sem um registro de si próprias em imagem. Se existisse, na maioria das vezes, era uma lembrança do ca-samento com todos os familiares e convidados. Tantas eram as cabeças que alguns encontra-vam dificuldade em reconhecer depois cada uma delas, era um exercício dialógico entre a imagem material e a recordação dos que viveram a foto-grafia.

Em Londrina isso começa a mudar com a campanha publicitária da Companhia de Terras Norte do Paraná. Não bastou lotear as grandes

Page 25: Revista Supernova

2504 de agosto de 2011

propriedades da colônia e criar uma infraestru-tura básica, foi preciso convencer os imigrantes que esta era a uma terra produtiva. Com o su-cesso da divulgação, chega a Londrina o primei-ro fotógrafo.

O pioneiroJosé Juliani foi o primeiro fotógrafo residen-

te na cidade. Entretanto, conforme relata o pes-quisador da Universidade Estadual de Londrina Paulo César Boni, em 1933, quem estava aqui pensava apenas em sobreviver. A fotografia não era uma prioridade.

Por este motivo, só entre 1933 e 34 a sorte e o saber fotográfico falaram a favor do pioneiro. Os fotógrafos da companhia de terras vinham de outras cidades. José Juliani é convidado devido à ausência de um destes fotógrafos e a urgência em mandar a imagem para Londres, ela serviria de es-cala para a construção de uma turbina hidrelétrica. Com o excelente resultado obtido ele passa a ser

o fotógrafo oficial e busca divulgar tudo o que mos-trasse as qualidades da região.

Ainda assim, o pesquisador e produtor do do-cumentário “José Juliani, o fotógrafo documenta-dor das transformações sociais e urbanas de Lon-drina”, Paulo Henrique Silveira, relata que, como amante da fotografia, Juliani jamais deixou de fotografar por conta em seu estúdio e em even-tos. Com o crescimento populacional a fotografia passa cada vez mais a fazer parte do dia-a-dia do povo londrinense.

Em 1965 seu estúdio torna-se defasado em relação aos demais e por não gostar de artificia-lidades constrói e instala uma máquina instantâ-nea, a popular “lambe-lambe”, em frente à biblio-teca municipal. Em seguida passa esse ponto ao seu filho Luis Juliani e cria outro na Praça Ma-rechal Floriano Peixoto, ao lado da Catedral. Alí permaneceu por muitos anos.

A época de ouroCom histórias como essa, o ofício se tornou va-

Década de 60: José Juliani fotografado por Haruo Ohara. Imagem faz parte da exposição “Expressão visual de um autodidata: José Juliani, o colono-fotógrafo” que permanece até abril no Museu Histórico de Londrina

Fotos: Lucas Godoy e H

aruo Ohara

Page 26: Revista Supernova

Novos olhares: Crianças ainda se encantam com a obra de Messias Bezerra. Manter a velha profissão requer boa dose de amor e criatividade

lorizado. Quando José Juliani chegou na praça já haviam outros fotógrafos. No auge, de acordo com o último “lambe-lambe” em atividade, Messias Be-

zerra: “teve uma época que estávamos em 16 fotógrafos”. Mesmo assim não

havia competição: “tinha do-mingo que chegava a fazer fila de 70, 80 pessoas para tirar foto. Eu não dava con-ta e indicava outro fotógrafo.

A gente fazia muito isso e todo mundo tinha trabalho”. Ele con-firma que nesta época a pro-fissão foi muito lucrativa: “não dava nem tempo de tomar água ou ir no banheiro”.

Para o pesquisador Mar-celo Franco, em estudo apresentado na Universi-dade Federal de Minas

Gerais, essa “época de ouro” se deu, pois o estado passou a exigir a foto para a confecção de vários documentos como carteira profissional, título de eleitor e identidade. E também pela capacidade única que os fotógrafos de jardim, como também eram chamados, tinham de produzir e entregar as fotografias instantaneamente. No início, quando se usava a chapa de vidro para capturar imagens esse instantâneo, em preto e branco, significava cerca de 20 minutos.

Seu Messias, como é conhecido, relata tam-bém que os postais faziam muito sucesso. Mui-tos vinham de regiões afastadas para o centro e queriam uma recordação, muitos estavam pela primeira vez diante de uma máquina fotográfica.

As duas quedasDe acordo com Bezerra houve duas grandes

baixas na profissão. A primeira foi por volta de 1986 quando chegaram a Londrina as máquinas

Page 27: Revista Supernova

Polaroids. O equipamento portátil possuía um fil-me colorido que era projetado para fora da máqui-na logo após a captura, desse modo, a fotografia instantânea se tornou mais acessível.

A segunda grande queda foi à introdução da fo-tografia digital. Ficou mais difícil encontrar mate-rial para a fotografia com filme ou chapa de vidro. E a elevação do custo fazia praticamente impossí-vel competir com os estúdios digitais. Além disso, seu Messias lembra que “ninguém mais queria a foto em preto e branco, passaram a querer a co-lorida”.

Por esses motivos, ele passou a fotografar em cores com uma máquina de filmes e usava o cai-xote apenas para cortar o negativo. Agora ado-tou a digital e disse que mantém o caixote pela questão histórica. Ao ser questionado porque ain-da está na praça, responde meio sem jeito, meio apaixonado: “não sei fazer outra coisa, por isso sou lambe-lambe, a gente pega gosto pelo que faz”.

Mas bastaram alguns minutos de conversa para descobrir sabe muito mais. Prova disso são os ca-valos de madeira. Ele os criou para atrair clien-tes, mas logo os colocou venda. Hoje, podem ser comprados por R$150 e complementa: “também faço boi, jacaré, já fiz até um carrinho de algodão doce”. E em sua casa conserta máquinas fotográ-ficas antigas e tripés. Diz ter aprendido muita coi-sa por si e também com os amigos na praça.

Além disso, é convidado para participar de eventos, se dirige até o local com traje de época e, com sua “lambe-lambe”, produz e entrega as fotos na hora. Também já participou duas vezes da Bienal de Artes na capital a convite da prefei-

2704 de agosto de 2011

Londrina e a fotografiaLondrina é reconhecida pelos símbolos do café, da terra fértil e vermelha, o sol intenso e pela

grande diversidade cultural de seu povo. Hoje, mais de 76 anos após sua fundação, é também pal-co de fotógrafos apaixonados e reconhecidos. De anônimos a personalidades como Haruo Ohara, olhares atentos e mãos habilidosas produziram registros que contribuem com a identidade londri-nense. Não é atoa que o fotoclube recebeu da prefeitura, em 1973, o status de entidade de utilida-de pública apenas três anos após sua fundação. E em 1997 a Universidade Estadual de Londrina passou a ofertar o primeiro curso de pós-graduação em fotografia do Brasil.

Nestes dias, com a grande difusão da fotografia digital, basta um passeio pelo coração urbano, o calçadão, as feiras populares ou parques para ver curiosos fotógrafos, amadores ou profissio-nais, procurando o ângulo, o recorte, a luz ou a apenas compartilhar o momento com aqueles que não puderam comparecer (L.G.)

tura de Curitiba.O pesquisador da Universidade Estadual Célio

Costa explica que “as pessoas se reúnem em vol-ta dele para bater um papo sobre outras coisas, eles não falam só de fotografia, falam de política e outros assuntos. Todos conhecem o seu Messias alí e assim ele agrega pessoas e difunde conheci-mento”. De certo modo, ele hoje é mais do que um fotógrafo. É um retrato vivo destes profissionais em extinção.

O fotógrafo e pesquisador

Célio Costa explica que,

se hoje a foto colorida e

digital domina o mercado, o preto

e branco é mais usado

como parte de processos artísticos

Page 28: Revista Supernova

28 04 de agosto de 2011

Os benefícios do xadrez

Em Londrina, estudantes do ensino público utilizam o esporte para desenvolver o raciocínio e o convívio social

Educação

“Vejo no xadrez um mo-delo exato da vida humana, com sua

luta diária, suas crises e seus in-cessantes altos e baixos”, disse uma vez o russo Garry Kasparov, campeão mundial do esporte. A analogia estava correta. O xadrez, jogo milenar e de origem bastante controversa, ensina a lidar com as adversidades e estimula a tomada de decisões. Mais do que um jogo de estratégia, ele melhora o racio-cínio lógico e a concentração, so-bretudo em crianças e jovens em idade escolar.

A reportagem de Supernova

conversou com o diretor da Escola Estadual Benjamin Constant em Londrina, Paraná, e com alguns enxadristas - nome dado aos pra-ticantes do esporte – talentosos da região. O londrinense Lucas Henriquwe da Silva, de 16 anos, foi campeão brasileiro colegial no ano passado e neste ano já ven-ceu o campeonato paranaense na categoria sub 18. Lucas Henrique explica como o xadrez entrou em sua vida “A escola foi primordial no meu aprendizado. Eu des-cobri aqui o jogo, fui incentiva-do por amigos e principalmente pelo nosso diretor, depois acabei procurando livros técnicos e trei-nando com outros jogadores pela

internet”. O estudante também reparou ao longo dos anos que seu raciocínio lógico ficou muito mais rápido e que a dedicação e o “foco” foram fatores primordiais para torná-lo um grande jogador.

Na escola Benjamin Constant também há outros talentos, como Lucas Tacconi da Silva, também de 16 anos e campeão paranaen-se por cinco vezes consecutivas, e Renan Felix Jacob, que também já foi campeão paranaense. Para Renan, o ensino de xadrez deve-ria ser implantado em todas as es-colas públicas brasileiras, porque, segundo o estudante, além de aprimorar vários campos do inte-lecto, o esporte estimula a socia-

BEATRIZ BEVILAQUA

Fotos: Beatriz Bevilaqua

Page 29: Revista Supernova

2904 de agosto de 2011

bilidade “A gente acaba também aprendendo a conviver com ou-tras pessoas, descobrindo outras realidades”, afirma.

DificuldadesProfessor Dirceu Vivan, que

assumiu a direção da Escola Es-tadual Benjamin Constant em 2001, trabalha juntamente com o “Projeto Futuro”, uma iniciativa desenvolvida pela Prefeitura da cidade por meio da Fundação de Esportes de Londrina (FEL) que visa, dentre outras tantas medi-das, introduzir efetivamente o xa-drez nas escolas públicas. No mo-mento, a FEL tem tido problemas em encontrar estagiários com ex-periência em xadrez para monito-rarem os alunos e, por isso, des-de o início deste ano, o projeto de xadrez está parado nas escolas estaduais. Ainda assim, alguns professores de Educação Física trabalham a modalidade durante as aulas. A Fundação de Esportes garantiu que haverá outro proces-so seletivo em junho desse ano para a contratação dos monitores “Esperamos que apareçam es-tagiários qualificados em xadrez para que o projeto possa voltar”, disse o porta-voz da Fundação.

Além desse impasse, os en-xadristas Lucas Henrique, Lucas Tacconi e Renan Jacob também comentam as dificuldades que enfrentam quando as competi-ções ficam fora da cidade “Nós precisamos de algum patrocínio para as competições, ficamos angustiados em não saber se va-mos conseguir chegar até o local do evento. Juntamos as nossas economias para poder participar, mas nunca sabemos se de fato a quantia será suficiente para a via-gem. É muito frustrante!”, lamenta Tacconi.

Escolas municipaisAo contrário das escolas esta-

duais, que dependem do Proje-to Futuro para dar continuidade ao ensino do xadrez, as escolas municipais de Londrina têm o jogo introduzido na disciplina de Educação Física desde o ano de 1994. O idealizador dessa inicia-tiva, Professor Eduardo Abraão, explica como a ideia surgiu “Intro-duzimos o jogo na disciplina por-que os alunos não estavam tendo um bom desempenho nas aulas de Matemática. Em pouco tempo foi possível perceber a evolução dos estudantes, o xadrez ajuda no desenvolvimento do raciocínio lógi-co”, atesta. Abraão conta que um dos exercícios feitos em sala de aula com os alunos é a produção das peças e do tabuleiro utilizados no jogo com materiais reciclados “É interessante porque trabalha-mos o jogo e ao mesmo tempo a questão da preservação do meio ambiente”, explica Abraão.

Nas escolas de Londrina tam-bém existem campeonatos inter-

nos de xadrez e todos os parti-cipantes ganham medalhas de mérito, independente da coloca-ção. Eduardo Abraão acredita que essa medida incentiva os jovens iniciantes no esporte. Outra estra-tégia de incentivo é a produção de peças de xadrez em alto relevo para que deficientes visuais pos-sam ser inseridos no esporte, essa novidade deve chegar em bre-ve às escolas da rede municipal de ensino. Todos esses esforços tentam trazer maior popularidade ao xadrez, que traz benefícios vi-síveis ao ser humano, como, por exemplo, o desenvolvimento do

rac ioc í -nio lógi-co ob-servado pelo Pro-f e s s o r Eduardo

Abraão entre os alunos do ensino municipal. Mais do que isso, o es-porte também valoriza a autoes-tima do jogador e possibilita uma disputa saudável entre duas pes-soas, trazendo ao jovem a chance de viver ainda melhor em grupo ou comunidade.

Renan Jacob, campeão paranaense, Lucas Henrique, campeão brasileiro, o Diretor Dirceu Vivan e Lucas Tacconi,

campeão paranaense por 5 vezes consecutivas

“o xadrez ajuda no desenvolvimento do

raciocínio lógico”

Page 30: Revista Supernova

30 04 de agosto de 2011

Cultura

Cultura, Estado, Blogs e BethâniasNão faz muitos dias que

a polêmica se instaurou. Maria Bethânia, para le-

var a cabo o projeto de um blog de poesias, receberá R$ 1,3 mi com a captação de recursos amparados pela Lei Rouanet. O tal projeto que leva o nome de “O Mundo Precisa de Poe-sia” trouxe à tona um debate que estava, talvez, adormecido, mas não esquecido. Este não é o primeiro benefício recebido pela cantora por meio de políti-cas públicas para a cultura, nem por ela nem por seu irmão Caetano Veloso. Mas será que estes artistas realmente neces-sitam de amparo estatal para realizar projetos deste formato? Ou até mesmo para realizarem suas turnês, algo que não raro acontece?

Do que vem de toda dis-cussão é óbvio que nem tudo se aproveita, entretanto deixar a polêmica passar batida é igno-rar a importância que a arte tem para o ser humano... para além do arroz e feijão, como defende Tom Zé dizendo que produzir arte é o grau mais alto da capa-cidade humana. Para falar um pouco sobre assunto entrevis-tamos o músico André Siqueira,

que entre outras coisas, leciona no departamento de Música da Universidade Estadual de Londrina. Ao contrário de uma minoria de articulistas que classificam o financiamento estatal para as artes como bolsa-artista ele é assumidamente a favor do investimento do estado na área da cultura.

Para iniciar o tema Siqueira declara que é essencial que tenham-os subsídio estatal para o fomento artístico. O artista afirma que é muito difícil conseguir trabalhar com uma planilha razoável sem o

Reprodução de Los Sembradores de Diego Rivera

LUCAS RODRIGUESCrédito

Page 31: Revista Supernova

Sobre Bethânia, Caetano e outros artistas já consolidados que fazem uso da Lei Rouanet, André Siqueira comenta que acha um horror. Eles têm, como cidadãos, direito a inscrever seus projetos, mas Siqueira considera a conduta imoral, por considerar que estes não pre-cisam mais deste tipo de incen-tivo. Porém, o pior de tudo, em sua opinião foi “a conduta de, após ter um parecer reprovado pela comissão avaliadora dos projetos da lei Rouanet, esse parecer ter sido desconsidera-do pelo ministro da Cultura que concedeu, à canetada, a aprova-ção para o subsídio aos projetos desses artistas, mais especifi-camente Bethânia na turnê com Omara Portuondo que teve in-gressos caríssimos e o projeto de Zii e Zie de Caetano”. Seja como for, ele salienta que dentro de tudo isso há algo de positivo, que este quadro reflete a crise nas majors, nas grandes grava-doras: “a fonte secou”.

Siqueira discorda das vozes que declaram ineficiente o finan-ciamento estatal para as artes e cita o exemplo de Pedro Alex-andrino, um luthier de Barão de Cocais, Minais Gerais, que por meio de políticas públicas en-sina crianças pobres a fabricar e a tocar instrumentos musicais. E finaliza a entrevista question-ando: “vamos acabar com isso? Sem a lei do mecenato esses projetos não são possíveis. E para onde irá o orçamento des-tinado à Cultura? Essa é outra questão importante. Continuare-mos com nosso enorme ‘com-plexo de vira-latas’?

3104 de agosto de 2011

sical em particular e das artes em geral cada vez mais coop-tado pelos grandes meios de comunicação e pelas grandes mídias, não há espaço para dois pontos extremos e frágeis que sustentam a cultura artística no Brasil: as culturas tradicio-nais, rurais ou urbanas, e as estéticas que flertam de algum modo com os códigos da arte contemporânea. O que fica no miolo disso é essa arte efêmera de fácil digestão, pseudo-poe-sia, o fast-food musical que to-mou conta de grande parte dos meios de comunicação e que, de fato, não precisa ser incenti-vada, pois tenho dúvidas até de que ela seja realmente nossa; nossas manifestações culturais sempre foram mais complexas do que isso que vemos hoje”.

Quando perguntado sobre como ele vê as atuais políticas públicas para a cultura e a Lei Rouanet responde: “precisa-mos de ampliação na estrutura e funcionamento dessas políti-cas. Não é só da lei de mecena-to que precisamos. Precisamos de um plano de educação para as artes que reflita os conhe-cimentos tradicionais e que sejam adequados às várias regiões do país. Necessitamos, de maneira urgente, de uma continuidade na descentraliza-ção das verbas e das políticas. A lei acabou de passar por uma revisão da qual um dos pontos positivos foi a criação do fundo nacional de cultura que deve, a médio prazo, fortalecer o inter-câmbio e a troca de experiên-cias entre artistas e produtores culturais”.

subsídio no Brasil. Sua posição é clara: “a busca pela criação de novas linguagens e estilos é árdua, não dá retorno financeiro imediato e precisa ser incenti-vada sim. Precisamos quebrar com essa idéia de que o artista vive de luz. Com o mercado mu-

Reprodução de Los Sembradores de Diego Rivera

04 de agosto de 2011

Page 32: Revista Supernova