Revista Modelo - Woodstock

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1 WOODSTOCK 22 de novembro de 2011 WOODSTOCK Festival que abriu as portas do Brasil ao rock mundial, volta para casa 10 anos depois.

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Trabalho de faculdade entregue em 2011 - Unesp

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WOODSTOCK

Festival que abriu as portas do Brasil ao rock mundial, volta para casa 10 anos depois.

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ÍNDICE

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Guerrinha, técnico do Itabom/Bauru, analisa a atual fase do esporte

14O cinema nacional em 2011 e as expec-tativas para o próxi-mo ano

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11Veja como foi a Festa do Peão em Barretos

34Conheça a arte do pi-racicabano Elias dos Bonecos.

Padre Beto fala para a Woodstock que povo brasileiro é acomodado.

33

Saiba mais sobre o festival de cultura “grátis”, o Circuito Fora do Eixo

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3026

Como as exibições cin-ematográficas alternativas vem tomando conta de uma cidade do interior paulista

A Woodstock analisa a atual situação da F1 no Brasil

Como as mídias sociais estão ganhando força entre os jovens brasilei-ros.

Tumblr: a tríplice fron-teira das redes sociais

Os melhores 1500 quilômetros da minha vida

Uma viagem no tempo percorrendo a década de 1980, o surgimento do maior festival de música do mundo e a narrativa de se viver o Rock in Rio dez

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Carta ao leitor

Amigo leitor, com imenso prazer que escrevo o primeiro edital desta primeira edição da revista Woodstock, que já nasceu um sucesso. Semanalmente, espero que entreguemos um materi-al de qualidade para vocês, que merecem o nosso agradecimento por nos dar a chance de mostrar a nossa nova cara no mercado editorial. Nova cara que vem repleta de atrações dos mais variados estilos. Desde uma passagem na famosa Festa do Peão de Bar-retos, com toda a observação aguçada do repórter Rodrigo Pes-soa, até uma cobertura de perto em um dos maiores festivais de música do mundo, o Rock in Rio, com Henrique Costa. Alémdisso,confiraoutrasmatériasimperdíveis,comoummergulhonoscineclubesdointeriorpaulista,umperfildeumdosmais inusitados artistas do nosso grande Brasil, uma entrevista com o técnico do basquete bauruense Guerrinha e muito mais!Versatilidade é o nosso segundo nome e estamos aqui para en-treter e informar você, amigo leitor. Espero que desfrute de uma boa leitura e não se esqueça de mandar-nos sugestões e rec-lamações. Essa revista é para você. Em nome da Revista Woodstock, nossos profundos agra-decimentos.

Gustavo Cerezetti

GrupoWoodstock

Gisele Moreno

Gustavo Cerezetti

Edgar Saraiva

Henrique Costa

João Paulo Benini

Marina Crespo

Murilo Fermino

Patrícia Vergara

Renato Pincelli

Rodrigo Pessoa

Sergio Viana

Symar João

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ENTRE - VISTAS

Guerrinha“Não há ídolos no basquete

brasileiro”

Guerrinha, técnico do Itabom/Bauru, analisa a atual fase do esporte

Por João Paulo Benini

ASCIDO EM FRANCA, a Meca do bas-quete brasileiro,

Jorge Guerra, o Guerrinha, tem o sangue basqueteiro correndo nas veias e seu nome escrito na modali-dade, seja como jogador nas décadas de 1980 e 90 e, mais recentemente, como técnico. Guerrinha fez parte do grupo que venceu o Pan-americano de Indianápolis em 1987, ao lado de lendas como Marcel e Oscar e foi campeão nacional com a equipe do Bauru/Tilibra/Copimax em 2002, atendeu à reportagem da Wood-stock para um bate-papo sobre o panorama do bas-quete nacional.

N

Woodstock – A geração bicampeã mundial em 1959 e 1963 detém os maiores títulos basquete nacional. Após essa con-quista, o auge do basquete brasileiro foi o Pan de 87 com a vitória sobre os EUA. Qual a emoção de ter conquistado esse título em terras norte-ameri-canas? Guerrinha – Foi um prê-mio para a geração de Os-car e Marcel. Nós jogamos juntos por 15 anos, seja em Olimpíadas ou Mundiais, sempre entre os cinco mel-hores, em Pan-americanos

sempre com medalhas de prata ou ouro. Essa geração, mesmo que de forma profissional, defendia as cores do Brasil com carinho e amor. Ser convocado para a seleção era como ser chamado pelo Exército, você atendia à solici-tação, cantava o hino nacional e se emocionava.

Wood – No seu tempo de jogador o Brasil não perdia para a Argentina. A que se deve esse crescimento?Guerrinha – A Argentina enviou mais de 300 jovens com cidadanias italiana e espanhola foram para a Europa. Dentre esse jovens estavam Ginobili (Emanuel Ginobili, ala argentino do San Antonio Spurs), Scola (Luis Scola, ala-pivô argentino do Houston Rockets). Todos esses ga-rotos saíram, assim como o Spliter (Thiago Spliter, ala-pivô brasileiro do San Antonio Spurs), e ficaram jogando

campeonatos europeus de nível superior. Esse não foi um trabalho da Argentina. Essa geração medalhista de ouro, em Atenas 2004, tem dois jogadores para coman-dar o time, como a nossa teve Oscar e Marcel, da seleção bicampeã mundial teve Wlamir e Amaury. A Argentina tem outros bons jogadores, mas são esses dois que fazem a diferença.

Wood – O Brasil estag-nou?Guerrinha - No Bra-sil não tivemos nenhum grande jogador. Teve a ger-ação do Vanderley (Van-derlei Mazzuchini, diretor da Confederação Brasileira de Basquete), do Rogério (Rogério Klafke, ala-pivô do Winner/Limeira) e do Demétrius (Demétrius Fer-raciú, técnico do Winner/Limeira) que não emplacou por não ter um jogador de grande destaque. Mais re-centemente tivemos a ger-ação do Nenê, Leandrinho, Anderson Varejão, Guil-herme Giovanonni, Alex, mas o basquete mundial mudou e o jogador pensa mais em si próprio, no lado pessoal, num bom contra-to, do que na seleção. Antes nós ficávamos três meses treinando e jogando juntos, hoje isso é impossível.

Wood – Então você acred-ita que a parte financeira interfira no atendimento às convocações e ao dis-tanciamento em relação à torcida?Guerrinha – Sem dúvida, interesses. É um mundo completamente diferente do nosso. Na seleção você encontra jogadores que ganham 40 milhões de

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dólares por ano com outros que gan-ham 5 mil dólares por mês. Há muitas coisas em jogo que afastam os joga-dores da seleção, como seguros, con-tusões. E mesma a realização finan-ceira atrapalha um pouco, não esses que atenderam a seleção para o pré-olímpico, mas os outros.

Wood – Você comentou a geração do Alex, do Guilerme Giovanonni. Es-ses atletas passaram pela sua comis-são técnica (Guerrinha foi auxiliar de Lula Ferreira entre 2003 e 2007), mas os resultados não apareceram. O Brasil não conseguiu classificação para as Olimpíadas e foi mal em mundiais. Tem um por quê?Guerrinha – Não é todo time que tem um Scola e um Ginobili, que na bola decisiva o cara chama e decide. O Chicago Bull foi campeão porque tinha o Michael Jordan. Tinha outros grandes jogadores, mas o diferencial era o Jordan. O Los Angeles Lak-ers tem o Kobe Briant, entendeu. O Dallas Mavericks tem o Nowitzky. A geração é vencedora quando tem jogadores diferenciados e atualmente o Brasil não tem.

Wood – O basquete paulista sempre foi hegemônico no Brasil, mas desde 2003 não vence um campeonato. (A final de 2006 entre COC/Ribeirão Preto e Franca foi paralisada na Justiça e o campeonato não acabou). Você concorda que o basquete pau-lista tenha perdido força?Guerrinha – Não, porque o atual campeão quem é? É Brasília com o time formado no COC/Ribeirão. Se você tiver dinheiro, leva o time campeão para qualquer lugar. Qual o trabalho que Brasília e Flamengo fiz-eram para serem campeões? Nenhum. Você pega os melhores jogadores, com 400 mil reais de orçamento e vai ser campeão. Eu quero ver começar o trabalho do zero como aqui no Itabom/Bauru e modelar os joga-dores, como o Fischer, o Larry. Para o basquete brasileiro é legal que só São Paulo não seja campeão, mas na realidade qual o trabalho dos outros

campeonatos estaduais. São quase in-existentes. São Paulo continua sendo o celeiro. Os times de outros estados vêm buscar jogadores formados aqui.

Wood – O investimento no basquete de base é satisfatório?Guerrinha – A Liga está fazendo um investimento na base que não é feito nem pelo governo, pela confed-eração ou pelas federações. A Liga está montando um campeonato de desenvolvimento sub-21, para ajudar na formação de novos jogadores. Mas o grande problema do basquete de hoje é comum a todos os esportes, menos o futebol, que é a falta do es-

SER CONVOCADO

PARA A SELEÇÃO ERA COMO

SER CHAMADO PELO EXÉRCITO, VOCÊ ATENDIA À SOLICITAÇÃO,

CANTAVA O HINO NACIONAL E SE EMOCIONAVA

”porte nas escolas. Não temos política esportiva. Nós não temos mais clubes que ajudavam nessa formação, assim fica difícil formar novos atletas.

Wood – O basquete enfrenta todo começo de campeonato a incerteza se os times vão conseguir patrocíni-os. O basquete vende bem o seu produto ou está faltando visão aos empresários em usarem a modali-dade para expor suas marcas?Guerrinha - As duas coisas. O bas-quete precisa disputar uma Olimpía-da, ter ídolos que nós não temos. A minha geração é mais conhecida do

que a seleção atual, mesmo que nes-sa geração tenha atletas na NBA. O ídolo vem com resultados e nós não temos tido pela seleção.

Wood – Os dois últimos técnicos da seleção brasileira de basquete são estrangeiros. O nível técnico deles é melhor que dos treinadores brasilei-ros?Guerrinha – O Moncho Monsalve (espanhol) veio para dar satisfação, porque é um técnico para dar clínicas, não é técnico de seleção. Ele aprovei-tou o trabalho que vinha sendo feito nos clubes. Agora o Rubén Magnano é um técnico de muita capacidade, tem muito a acrescentar, mas não é isso que faz a diferença. Se outros téc-nicos como o Lula e o Hélio Rubens tivessem o Ginobili e o Scola estariam classificados para a Olimpíada e teri-am medalha olímpica. Wood – A Confederação tentou a naturalização do Larry, seu atleta no Itabom/Bauru. Você concorda com essa política? Guerrinha – Não, não sou favoráv-el. O Brasil tem jogadores e técnicos em condições. No caso do Larry, ele está aqui há quatro anos, já é um bra-sileiro de coração, está familiarizado. Mas trazer um jogador sem saber nossa cultura não dá. O mesmo vale para os técnicos. Tem que saber da re-alidade do esporte.

Wood – Para finalizar, gostaria que comentasse os nomes de jogador e técnico mais promissores no bas-quete nacional.Guerrinha – Acho que o Demétrius e o Gustavinho (Gustavo de Conti, técnico do Paulistano). Mas o Demé-trius teve uma vivencia diferenciada. Ele foi jogador de seleção, participou de Olimpíada (em Atlanta, 1996), vem desenvolvendo um início de trabalho muito bom e com resultado (é o at-ual campeão paulista pelo Winner/Limeira). Jogador tem o Raulzinho, o Rafael Luz, mas nenhum carimbado. Esse vai ser um grande jogador! To-dos jogadores normais.

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Cultura ColetivaMÚSICAS E FESTIVAIS

Por Murilo Fermino

ez horas da manhã, che-go meia hora atrasado ao compromisso do dia, com

o resto do café que salvaria meu dia, vejo o alvo da minha matéria, uma casa antiga, colorida, em que no portão se encontra o seguinte aviso “Não pare, seu carro pode não estar

aqui quando você voltar”. A mora-dia que aparenta uma certa rebeldia, não é só uma casa, mas sim a sede do Enxame Coletivo, um dos represent-antes da tão comentada rede Fora do Eixo. Coloco a caneca vazia dentro do carro, e entro na casa (que com o portão aberto me deu a liberdade de “ir entrando”). Bato a porta e faço aquele ar afobado, querendo passar a impressão que estava correndo a mil

Acesso gratuito ao mercado mu-sical gera uma nova forma de produção.

por hora desde às 7 da matina, pron-to pra explicar meu atraso e passar aquele ar de repórter responsável. Ao receber a permissão para entrar, com um sonoro “ENTRA”, abro a porta e entro na sala, vejo uma moça trabal-hando no computador. Pronto para começar a “jorrar“ minhas desculpas e explicações, ela faz um movimento rápido, pega uma câmera, pede pra eu dar meia volta, entrar de novo e falar quais seriam minhas ações na

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sede. Meio confuso e com sono, vol-to, fecho a porta e tento organizar os pensamentos. Entro novamente e já dou de cara com a câmera, com aque-la voz linda de quem não acordou há muito tempo, descido simplesmente compartilhar minha pauta com ela: “Vim aqui fazer uma reportagem so-bre a produção da rede Fora do Eixo, e como o Enxame Coletivo é um dos 93 pontos fora do eixo espalhados pelo Brasil, nada melhor vir aqui pas-sar o dia e acompanhar a rotina dos novos produtores culturais, e pro-curar ao melhor estilo Gonzo, mos-trar como a sua rotina diferenciada de trabalho vem mudando o cenário musical nacional. Logo após a repentina en-trevista, entra na sala um rapaz que me fez esquecer completamente o atraso. Com uma camisa larga e uma samba canção, ele fala que o final de semana no Enxame Coletivo havia sido longo, e que o “expediente” da casa tinha começado mais tarde. Um dos privilégios de transformar

a própria casa no local de trabalho. Gabriel Ruiz, responsável pelo de-partamento de música e planejamen-to do Enxame, explica que a casa havia recebido outro Coletivo no final de semana, em uma das práti-cas da rede Fora do Eixo, a Imersão. Explicando melhor o que é esse pro-cesso, ele diz que novos coletivos (no caso o coletivo Colombina, da cidade de Taquaritinga) permanecem um tempo em pontos fora do eixo já organizados, recebendo uma espécie de workshop, passando por módu-los de Comunicação, Planejamento e Sustentabilidade Interna. Gabriel me pede licença, ele é o responsável do dia pelo pré-almoço da casa, que nada mais é que lavar a louça e guar-da - lá, questão de logística. Me volto para a entrevista-dora relâmpago. A moça continua no computador, descido fazer as apre-sentações formais da profissão. Ao me apresentar, e saber seu nome, Lais Bellini, pergunto o que tanto ela faz no PC. Lais me explica que ela está

respondendo emails da lista da rede Fora do Eixo, uma das principais fer-ramentas que a entidade fornece. As listas, diz ela, permitem que as redes tenham uma comunicação ativa, di-vidindo informações instantâneas com todos os pontos fora do eixo do Brasil. Além disso, a comunicação fa-cilitada, permite que os pontos fora do eixo agenciem suas bandas entre si, tendo assim uma espécie de “car-tel” artístico a baixo custo . Deixo Lais continuar seu trabalho, e sigo conhecendo a casa. Passando pela “sala de re-uniões” ( que nada mais é que a sala de uma casa com uma vitrola e várias pinturas na parede), sinto o cheiro bom da comida, e a música dos Bea-tles nos ouvidos. Ao chegar a cozinha me deparo com Lucas Grilli, antigo amigo, que é responsável pela área de Intercambio do Enxame. Enquanto o amigo cozinha, pego uma cadeira e pergunto pra ele como é misturar a rotina da casa com o trabalho. Ele me explica que a própria manutenção da

Crianças aguardam o início do filme “Lula, filho do Brasil” promovido pelo Circuito Fora do Eixo.

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casa faz parte do trabalho, já que em sua visão, a casa fora do eixo de Ba-uru funciona como um organismo, e que a linha do trabalho e da vida nor-mal se misturam. Ao que percebi, os integrantes do Enxame ultrapassam a linha tradicional trabalho - casa - casa trabalho, e mostram que a casa é um trabalho e as vezes, o trabalho pode ser a casa também. Lucas me fala que o final de semana foi corrido, já que no sábado ouve uma Noite Fora do Eixo. Essas noites, são um dos prin-cipais eventos do Enxame Coletivo, apresentando artistas que não se en-quadram no padrão comercial atual, dando assim espaço para a música regional e outros estilos não aprecia-dos pelas gravadoras, um dos princi-pais objetivos da Rede Fora do Eixo, o fomento da música independente. Olho no relógio que marca uma da tarde, descido deixar o produtor/cozinheiro em paz, e digo que volto após o almoço, para acompanhar as atividades da tarde. Vou almoçar e descansar um pouco, nada mais justo.

o voltar a casa, por volta das quinze e trinta, entro e vejo que o clima está diferente.

Ao entrar na antes sala de estar, ela realmente se transformou em uma sala de reunião séria, onde Gabriel Ruiz se encontra com outros 2 colab-oradores discutindo o festival SEDA. O SEDA, que eu já havia acompan-hado no ano anterior, é a Semana de Audiovisual, realizado em Bauru, procura apresentar trabalhos Audio-visuais Independentes, e esse ano, vai oferecer várias oficinas e palestras no campo audiovisual para os bauruens-es. Acompanhando a reunião, vejo o nascimento do projeto de divulgação do evento, sendo decidido tipos de divulgação, lugar de gravações de um Teaser (vídeo que divulga o evento), formas de divulgações virais (dissem-inação que se espalha rápido) entre outros termos que não entendo, coi-sas desse pessoal da cultura. Os co-laboradores, como o próprio nome já

explica, estão ali gratuitamente, sen-do possível uma troca de Cards (uma espécie de dinheiro virtual, em que os afiliados da Rede Fora do Eixo e seus parceiros utilizam. Cada serviço prestado tem um valor estipulado, as-sim acumula-se cards, trocando por serviços e modos de colaborações possíveis de cada entidade) pelo seu trabalho. Ao perguntar sobre Lucas, Gabriel me avisa que ele se encontra em outra reunião no fundo da casa. Vou até o fundo da casa e me deparo com a “sala de reunião 2”. Um sofá em meio a uma jabutica-beira, com uma brisa fresca de mato, Lucas Grilli conversa com um dos músicos da Noite Fora do Eixo do sábado. “Sapeando” a conversa, per-cebo que eles discutem o resultado da noite, em que apesar do pouco pub-lico havia sido muito boa. Pergunto como uma noite musical pode ser boa sem um grande público, e meu amigo me explica que um grande nu-mero de expectadores é sempre bom, mais não o principal. Ele fala que um dos principais objetivos da Rede Fora do Eixo é incentivar a cena cultural das cidades como um todo, e que isso havia acontecido, já que foi por incentivo próprio da banda da noite toda a organização do evento, pro-curando o Enxame Coletivo para em

conjunto produzirem a ação. Isso, é o que diferencia uma produção co-laborativa das produções comerciais, enquanto as grandes gravadoras in-sistem em errar, promovendo apenas o artista, o Fora do Eixo tenta au-mentar a cena cultural, criando assim um cenário favorável a musica e out-ros tipos de arte, permitindo que os artistas caminhem com suas próprias pernas em um terreno favorável. Após o fim das reuniões, os integrantes do Enxame se prepar-am para ir para o Cine Ouro Verde, projeto de cinema desenvolvido em parceria com o Ouro Verde 100% e o Ministério da Cultura, que através de um cine clube que tem apresentações semanais, incentiva a cultura do cin-ema na cidade. Enquanto os meni-nos bolam algumas idéias para noite, olho no relógio que marca 18:30, e descido partir para não atrapalhar a produção do Cine. Agradeço a aten-ção do dia todo e me dirijo para o carro. Percebo que passando a tarde ali, também pude ultrapassar a linha simples do trabalho, onde uma re-portagem virou apenas uma conversa interessante e uma esperança de que a mudança em campos que parece totalmente “dominados” só depende da nossa vontade, da nossa colabo-ração.

Apresentação de banda do Enxame Coletivo no Parque Vitória Régia, Bauru, SP

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MÚSICAS E FESTIVAIS

Festa do Peão em Barretos

Por Rodrigo Pessoa

música “Ai, se eu te pego” como a mais tocada do evento, e também Jorge & Mateus, a melhor dupla ser-taneja da atualidade segundo a maio-ria dos fãs com quem falei.

ábado, 21:15 horas, Via das Comitivas em Barretos. De-morei uma hora para con-

seguir atravessar de carro a pista de acesso ao Parque do Peão, que tem somente 4 km de comprimento. O trajeto congestionado me fez pensar na quantidade de pessoas que teria no evento, considerado a maior festa de peão de boiadeiro da América Latina. E este foi o recorde de público em um único dia durante a festa, mais de 70 mil pessoas na Arena de Rodeios e por volta de 100 mil dentro do Parque do Peão. As atrações esperadas para o dia foram Gusttavo Lima, a maior revelação do estilo sertanejo da nova geração, Michel Teló, que teve sua

S

Sorte que fui de carona, porque a fila de carros e o preço alto do esta-cionamento que estava em torno dos R$ 30 faziam com que o turista des-animasse antes mesmo de entrar no parque. Como eu já estava com o in-gresso em mãos, consegui entrar sem problemas no local da festa. Esse ano não foi o primeiro que os ingressos se esgotaram com antecedência. Quem

A cidade do interior paulista reúne quase 1 milhão de pessoas nos 11 dias de evento, o maior da América Latina.

#parquedopeão

deixou para comprar na hora, chegou a encontrar o ingresso três vezes mais caro que o normal em mãos de camb-istas, que vendiam sem restrições nos arredores das catracas.Já no Parque do Peão, após quase uma hora e meia desde que saí de casa, notei que o público aderiu à risca a vestimenta sertaneja: chapéu, camisa xadrez e botas eram comuns a praticamente todos que estavam por perto. A culinária no Parque do Peão era muito diversa. Havia barracas de lanches, espetos de carne, restau-rantes, batata-frita, comida japonesa, mas tudo estava muito salgado, e me refiro ao preço. O valor mínimo por onde vi, para comer ou beber alguma

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coisa estava na faixa dos R$ 4. Mas o preço era o que menos importava para os turistas, que vêm de todo canto do Brasil. O maior número de turistas são do Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Goiás, além claro, de todo interior de São Paulo. Caroline da Silveira, de Goiânia, tirou suas férias no mês de agosto somente para ir para Barretos aproveitar os 11 dias de evento. ”É a segunda vez que passo minhas férias em Barretos, a festa daqui tem algo diferente”. Num canto, onde a movimentação de pessoas era menos intensa, encon-trei um pequeno parque de diversões. Pude perceber que o Parque do Peão também tem opção para o público infantil. Já que além desse parque de diversões também há o Rancho do Peãozinho, que realiza atividades vol-tadas ao público infantil. Depois de algum tempo caminhando por lá, vi a falta de ban-heiros que havia no parque. Até a fila para banheiros químicos eram grandes. Porém, muitos nem se im-portam com esse fato e faziam suas necessidades ao ar livre, em arbus-tos e muros espalhados pelo Parque do Peão. E sem nenhum tipo de ad-vertência por parte da segurança que assistia ao público durante suas ne-cessidades fisiológicas.

Outro show que movimen-tou o público em Barretos foi o de Ivete Sangalo. A can-tora baiana, que já está acos-tumada a se apresentar em solo paulista, realizou o show com o mesmo repertório que se apresentou em Madison Square, e lotou a Arena de Rodeios. E o melhor de tudo, ela fez seu show no dia dedi-cado ao Hospital de Câncer de Barretos, e assim todo o valor arrecadado naquele dia foi destinado à entidade. Naquele dia, Ivete Sangalo junto dos “Independentes” conseguiu juntar quase 4 mil-hões de reais para o hospital que atende diariamente cerca de 3 mil pessoas, pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

MÚSICAS E FESTIVAIS

#fezbonito

#amo rodeio x

#odeio rodeio Passadas quase duas horas desde que cheguei ao parque, final-mente fui para a Arena de Rodeio. De lá, notei a empolgação do público com o rodeio internacional de touros. Para muitos, o rodeio não é considerado um esporte, mas vejo como o crítico Roland Barthes considera, como o duelo natural do homem tentando dominar o animal. Durante a semana que antecedeu o sábado em que fui à Festa do Peão, a polêmica da reali-

zação dos rodeios voltou à tona. Na primeira sexta-feira da festa (19/08), um bezerro foi sacrificado depois da prova “Bulldog”. No dia em que fui não pude acompanhar essa prova, mas como acompanho rodeio há al-gum tempo, confesso que é a prova que mais me assusta. Em resposta ao movimento que o Twitter mobilizou, havia muitos cartazes com a hashtag amorodeio, já que todos por lá pareciam não se im-portar com a causa feita pelos inter-nautas. Caio Dias, de Ribeirão Preto, declarou: “Não acho que o rodeio de Barretos faça mal aos animais que participam das provas, a festa existe faz muito tempo e nunca provaram nada contra”. A opinião de Caio é um reflexo do que Marcos Murta, presidente dos “Independentes”, or-ganizadores da festa, pensa sobre o assunto. Murta disse à Globo que “o caso do bezerro sacrificado foi um caso isolado dentro dos 56 anos de evento, e que todos os animais são muito bem tratados”.

#show Da arquibancada assisti aos shows daqueles que são considerados os principais nomes do sertanejo uni-versitário. Gusttavo Lima, maior reve-lação do segmento em 2011, mostrou que mesmo jovem, já sabe lidar com o público de aproximadamente 70 mil espectadores. Jorge & Mateus mos-traram porque são considerados a melhor dupla sertaneja do momento. Muito carismáticos e interagindo com o público o tempo todo, a dupla can-tou todos seus sucessos, que foram acompanhados pela multidão.Pouco tempo depois dos shows, fui para o lado de fora da Arena. O show de Michel Teló fechou a noite barret-ense e abriu o domingo junto do nas-cer do sol. Às 6:00 da manhã deixei o Parque do Peão e fui para casa e senti que cada passo que dei naquele lugar valeu a pena.

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CINEMA

O cinema nacional em 2011

E AS EXPECTATIVAS PARA O PRÓXIMO ANO

Insistente na temática social e apelativo nas produções da neochanchada, cin-ema brasileiro patina e vai ficando para trás no quesito estética e conteúdo,

deixando boa parte do público de mal com a produção nacional

Por Gisele Moreno e Marina Crespo

uando o assunto é a sétima arte, é impossível dar as cos-tas ao nosso próprio cin-

ema. Seja para defendê-lo ou criticá-lo ferozmente, o cinema brasileiro é pauta em todas as rodas, quando não nas mesas de bar. Por isso, a equipe da Woodstock preparou uma reporta-gem completa para entender Que cin-

ema é este. Qual é o momento atual do nosso cinema, que fase ele vive, qual o balanço geral dos lançamentos de 2011 e as expectativas para 2012. Claro que não deixaríamos de fora o nosso prestigiado Tropa 2, que na última semana foi – obviamente – o escolhido para concorrer a uma co-biçada vaga no OSCAR do próximo

ano. Para deixar você por dentro des-sa pancada de assuntos, conversamos com duas feras do cinema, o crítico André Setaro e o cinéfilo Rubens Ewald Filho. Os titãs da crítica na-cional também dão o seu palpite so-bre as chances de Tropa de Elite na disputa pelo Oscar. Você confere agora.

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#FavelaMoviealvez você não tenha ouvido essa

expressão, mas com certeza já se deparou com essa sensação: a de que, de uns anos pra cá,

o cinema brasileiro tem demonstrado uma certa insistência em filmes com temáticas de favela, violência, cor-rupção e pobreza. As mazelas sociais do nosso país volta e meia entram na

telona, o que nos últimos anos deixou o espectador um pouco de saco cheio. É claro que esse estilo proporcionou ao cinema nacional obras-primas, como o aclamado Cidade de Deus (com quatro indicações ao Oscar no ano de 2004) e os fenômenos Tropa de Elite, o segundo com uma bilheteria histórica que superou, inclusive, o hollywoodi-ano Avatar como o filme de maior bil-heteria no Brasil. Mas, apesar dos méritos da

era #favelamovie, parece que é una-nimidade a “ressaca” dos brasileiros em relação a esses temas. Nesse ano, filmes nesse estilo que chegaram aos cinemas não tiveram sucesso: Bróder e Assalto ao Banco Central, por exemplo, evidenciaram o pouco entusiasmo do público.

Intrigada com essa questão, a equipe da Wood con-versou com o crítico André Setaro.

T

Wood - Os filmes brasileiros parecem persistentes com a temáti-ca social, deixando de lado outros gêneros. Essa obsessão por esses te-mas está fazendo com que o cinema

nacional fique pra trás? Isso não cansou o público brasileiro?

Setaro - O pressuposto de que o cinema seja instrumento de consciên-cia social, enche o saco de qualquer pessoa que gosta de cinema. O cin-ema até, digo eu, pode ser instru-mento de consciência social. Mas a obsessão do conteúdo é contrapro-ducente. As pessoas e, inclusive, os cineastas, parecem que não enten-dem que o valor cinematográfico de um filme se encontra na maneira de o realizador articular os elemen-tos da linguagem cinematográfica, criando, com isso, uma estrutura au-diovisual. Não é o tema “nobre” que faz a grandeza de um filme.

Wood - De onde vem essa raiz tão forte do cinema brasileiro querer tratar, em muitos de seus filmes, de mazelas sociais?

Setaro - Acreditam os cineastas que o tratamento de temas exóti-cos é mais adequado ao gosto do público. E acreditam também que o exotismo, a miséria, a desgraça do drama humano e social brasileiro são apreciados no exterior. A atual lei de incentivo, com a mas-todonte captação de recursos, limita muito a expressão no cinema bra-sileiro, porque a iniciativa privada somente oferece recursos aos filmes com viabilidade comercial (atores da Globo no elenco etc.).

#Nechanchada?Alguns cineastas e diretores, percebendo essa ressaca do público brasileiro pelo

gênero favelamovie, vêm tentando inovar. Dos lançamentos de 2011 que chegaram aos cinemas, é notória a predominância dos filmes classifica-dos como Neochanchada: Cilada.com, Qualquer gato vira-lata, De pernas pro ar,

Não se preocupe, nada vai dar certo e al-guns outros. Esse fenômeno se deu principalmente por um fator social e econômico: a ascensão das classes C e D. Eram classes sociais que não freqüentavam os cinemas, e agora passaram a fazê-lo. Shoppings cent-ers foram e estão sendo abertos em bairros e cidades onde não havia cin-

emas, e a presença dessas classes mais populares têm sido determinante na mudança do perfil dos filmes nacion-ais. Hoje, estrear em salas de cinema de bairros populares se mostra tão importante quanto estrear em bairros nobres. Pessoas que não costumavam ir ao cinema ou iam só para ver film-es estrangeiros, têm ido para assistir

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Entre-Vistas: André Setaro

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filmes nacionais, e a comédia acaba sendo esse denominador comum que agrada a grande massa.

as, se por um lado esse es-tilo leva um público diver-sificado às salas e permite

a identificação de mais pessoas com o cinema nacional, por outro acaba prejudicando-o, já que na maioria das vezes são filmes fracos, que limitam-se a fazer o público rir de piadas prontas e apelativas, sem se preocupar com os

enredos, que são geralmente bastante pobres. Fala-se que a Neochanchada teve seu pontapé inicial há alguns anos, com o filme Se eu fosse você, tendo o número 2 da seqüência le-vado mais de 6 milhões de pessoas ao cinema. Mas a grande controvérsia é: levar mais pessoas às salas não sig-nifica qualidade dos filmes, e parece que o cinema nacional tem ficado pra trás... Quanto mais pessoas assistem aos filmes, maior a rentabilidade da

produção, mas infe-l i z m e n t e isso tem significado m e n o r pres t íg io dos filmes enquanto produtos audiovis-uais.André Setaro nos esclarece!

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CINEMA

#EagoraJosé?Pois é. Segundo palavras do crítico André Setaro, “esta nova fase da neo-chanchada é um câncer que, se domi-nado a tempo, pode não atingir a me-tástase para o cinema brasileiro.” Se muitos, como os próprios produ-tores (Bruno Mazzeo, Clélia Bessa,

Flavio Tambelini - são alguns ex-emplos), elogiam o gênero pela sua capacidade de levar mais pessoas às salas e diversificar o público, os mais especialistas e apreciadores revelam uma aversão por esses longas, que com o impulso da Globo Filmes vem

mitigando a estética cinematográfica e fazendo verdadeiros “novelões” nos cinemas. Não se assuste se, ao sentar na poltrona do cinema para assistir a um desses longas, você por um mo-mento achar que está em seu sofá de frente com a novela das 9...

Wood - Fala-se que o cinema na-cional agora inaugura uma nova fase, a Neochanchada, comédias para agradar principalmente as classes C e D, que passaram a freqüentar salas de cinema de uns tempos pra cá. Será que isso real-mente vai ocorrer? E onde ficam outros gêneros no cinema nacional?

Setaro - Esta nova fase da neo-chanchada é um câncer que, se dom-inado a tempo, pode não atingir a metástase para o cinema brasileiro. No cinema brasileiro con-temporâneo, de uns tempos para cá, foram feitos muitos filmes de expressão televisiva, mas nunca cinematográfica, que o crítico pau-lista Inácio Araújo, num momento de rara inspiração, chamou de poé-tica da insignificância. Uma mixórdia típica dessa poética da insignificância é De pernas pro ar.

A ascensão da classe C e D e os cinemas fast foods dos shoppings são, de certa maneira, responsáveis pela aceitação das mixórdias citadas (Cilada.com, De pernas pro ar etc.). Temos, com esses filmes uma imensa apologia da marcha-a-ré, um retrocesso em todos os sentidos, uma quase destruição da verdadeira linguagem cinematográfica. Tam-bém o público, nesse particular, está cada vez mais consumista e, usando uma expressão demodée, alienado.

Wood – A Globo Filmes tem partic-ipado da maioria dessas produções da chamada Neochanchada. Como você avalia a entrada da Globo Filmes no mercado do cinema?

Setaro - A entrada da Globo Film-es no mercado cinematográfico bes-tializou o cinema brasileiro. Há uma estética televisiva que foi incorpora-

da à estética cinematográfica, preju-dicando, profundamente, esta. Produzidos pela Globo Filmes, os produtos audiovisuais da poética da insignificância - não sei se há as exceções de praxe - agridem o cinema enquanto expressão de flui-dez e inteligência. É o caso, por ex-emplo, de O homem do futuro, de Cláudio Torres, com Wagner Moura (um bom ator que vem trabalhando em filmes que não ascendem o rés-do-chão). Há, nessa enxurrada de fi-tas oriundas da Globo, uma estética televisiva, “televisão para passar no cinema”, por assim dizer, como at-esta o também péssimo Cilada e Cia. Mas a obra-prima da poética da in-significância é, sem dúvida, De per-nas pro ar. Nunca se viu nada tão ruim desde que Affonso Segretto, em 1897, filmou as primeiras vistas da Baía da Guanabara.

Entre-Vistas: André Setaro

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Se você nunca viu, a Woodstock dá a dica!

Reforçando o elogio do crítico André Setaro ao

filme, O Segredo dos Seus Olhos é de encher a boca.

Uma co-produção de Espanha e Argentina, o filme foi lançado em 2009 e não demorou para despertar admiração e encan-tamento. A conseqüência foi natural: O Segredo dos Seus olhos faturou o Oscar de mel-hor filme estrangeiro em 2010, não dando chance para os out-ros concorrentes. O filme, de gênero drama, traz também momentos de reflexão, cenas envolventes, diálogos pro-fundos e piadas inteligentes. Um filme extraordinário que rendeu enorme prestígio ao cinema argentino, e as com-parações do cinema dos her-manos com o brasileiro volta-ram a tona...

Setaro – O cinema brasileiro está, atualmente, deixando muito a dese-jar nos quesitos de estética e narrati-va, porque preocupado apenas com a captação de recursos para que sejam feitos filmes voltados para o mercado. De certa forma e de certa maneira, poderia dizer que o cin-ema brasileiro é amador em termos de conteúdo. Veja o cinema argen-tino, por exemplo. É muito melhor. O cinema nacional seria capaz de realizar um filme da categoria de O segredo de seus olhos?

Sobre essa questão, a Wood conversou com João Vicente Pal-

lio, cineasta formado pela FAAP-SP, blogueiro e amante da arte.

Pallio - “O Segredo dos seus Olhos” é um filme perfeito no quesito estéti-ca cinematográfica. Além disso, con-segue ser triste, divertido, reflexivo, dramático, apaixonante. Filme bom é assim, tem várias temáticas. Aqui no país não tem filmes com misturas de gêneros. Ação é só tiro. Comédias são ridículas como é o zorra total. Cadê a complexidade, a mistura de temas?Isso nos dá a sensação de que o cinema brasileiro está a anos luz de qualquer outro país que tenha câmeras e dire-tores. Em relação ao cinema argen-tino, o abismo é fato.

#TropadeElite2iante do que já foi dito sobre o cinema nacional, nada seria melhor para

levantar a bola do cine brasilei-ro do que uma vitória no Oscar 2012. E essa semana foi escol-hido o nosso representante para concorrer a uma vaga na catego-ria de Melhor Filme Estrangeiro, o aclamado Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro, filme de José Padilha estrelado por Wagner Moura, o mais visto da história

do cinema brasileiro. A bilheteria avassaladora de 11 milhões não é o único mérito do filme, uma denúncia forte e assumida, nunca vista antes nas telas.Herança valiosa do fenômeno #favelamovie, Tropa de Elite 2 é – indiscutivelmente - um filme do qual os brasileiros se orgulham. A adoração por Wagner Moura como protagonista, que literalmente encarnou seu person-agem, é unânime.

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#Mas Será que dá? Opinião de quem entende...

Gosto de ‘Tropa de elite 2’, porque é um ‘thriller’ bem construído e uma obra de denúncia social. Mas o pes-soal da academia que escolhe o mel-hor filme estrangeiro é mais chegado a filmes intimistas do que a filmes realistas, como é o caso de ‘Tropa’. Gostaria que fosse o premiado, pois seria bom para o cinema brasileiro. Acredito, porém, ouvindo a voz da razão, que não será nem indica-do.

(André Setaro)

Tropa 2 é um ótimo filme e merecia ser indicado. Mas também não havia outra alternativa, só ele poderia ser escolhido. Mas acho muito difícil ganhar, é um filme de uma leitura difícil para o estrangeiro. O tropa I não teve a menor repercussão, não foi sequer distribuído nos Estado Unidos, e foi taxado como fascista no resto mundo. Lá fora não tem a mesma leitura. Tem que ter uma bula pra explicar como entender esse filme. Eu acho que eles deviam pegar o Wagner Moura, que está

em um bom momento, lá fora, fazendo filme estrangeiro, e usá-lo para vender o filme. Aí era uma boa sacada: vende o Wagner e o tropa 2.

(Rubens Ewald Filho)

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Os melhores

1500Km da minha vida

Uma viagem no tempo percorrendo a década de 1980, o surgimento do maior festival de música do mundo e a narrativa de se viver o Rock in Rio dez anos depois da sua última reali-zação no Brasil

Por Henrique Costa

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OS MELHORES 1500KM DA MINHA VIDA

idade maravilhosa, cheia de encantos mil. Cidade mara-vilhosa, coração do meu

Brasil. A marcha de carnaval com-posta por André Filho traduz em melodia o que se vê através das orlas e da natureza carioca. Nas entrelin-has capta-se a miscigenação de raças e credos, a ideologia à flor da pele, os movimentos pró-democráticos do Rio de Janeiro, cidade que sempre foi palco de acontecimentos mar-cantes a história nacional. É neste cenário que em meados da década de oitenta a cidade dos desfiles de carnaval e das marchas contra a di-tadura passa a ser também a cidade do rock ‘n roll.Cheguei à rodoviária do Tietê às 23 horas da sexta-feira, 23 de setem-bro, em São Paulo. O ônibus partiria dentro de uma hora, nesse tempo perdi as contas de quantas pessoas vestindo a camiseta do Red Hot Chi-li Peppers passaram por mim. A an-siedade vencia o sono e não pensava em outra coisa a não ser aquele show que esperara por mais de seis meses. Dentro do ônibus notei que grande quantidade dos passageiros, talvez todos, estava indo para o mesmo lu-gar: Rock in Rio. Às sete da manhã desem-barco na rodoviária da Cidade Maravilhosa. O clima do festival era inevitável, ali centenas de pessoas desembarcavam a cada hora com o mesmo objetivo. No caminho até o apartamento, o clima nublado não me permitiu admirar o Pão de Açú-car, muito menos o Cristo Redentor. Passando pelo apartamento do meu amigo e companheiro da aventu-ra Rock in Rio, Caio Casagrande, tivemos tempo para um cochilo de aproximadamente uma hora e pro-curar alguma coisa para comer. Por volta das 14 horas partimos a pé rumo à Cidade do Rock. Depois de uma hora de caminhada avista-

mos uma multidão de pessoas, estávamos a poucos metros da im-ensidão Rock in Rio. Apesar do imenso número de pessoas, a entrada foi tranquila, e após passar pela tradicional revista de segurança adrentei a outro universo, o uni-verso da música “por um mundo melhor”. Com o mapa da Cidade do Rock gravado na minha ca-beça, não queria per-der tempo. A primeira parada foi na loja de souvenires, era uma oportunidade rara, não podia deixar de levar uma lembrança para casa. Após per-correr todo o mapa da Cidade do Rock nos dirigimos para o palco Mundo com o objetivo de conseguir um lugar perto e com boa visão. Com a sobra de três ho-ras para o início do primeiro show, e mais de sete para a tão esperada apresentação dos californianos do Red Hot Chili Peppers, fui comprar algo para comer, enquanto Caio guardava nosso lugar. Na minha frente na fila duas moças, que parecem ser mãe e filha, não escondiam a ansiedade e acredito que na minha testa também estava marcado o sinal da expecta-

tiva. A demora me fez puxar papo com elas levando à conclusão de que estava certo. Rafaela Bell vinha de Blumenau, Santa Catarina, para acompanhar sua filha, Isabela Bell, no show da banda favorita da garota. O bate-papo se desenrola e descubro que o rock está no sangue da família Bell. Em 1985, Roberto Bell, pai de Isabela, marcou presença nas apre-sentações de Scorpions e AC/DC na primeira realização do maior festi-val de música do mundo. Seis anos mais tarde Rafaela sairia de Blume-nau rumo ao Maracanã, na segunda edição do Rock in Rio. “Me orgulho muito de ter recebido essa herança de meus pais, o rock ‘n roll” comenta a garota de 16 anos. “É indescritível a sensação de poder retornar a um evento como esse, principalmente para acompan-har minha filha, vale cada quilômet-ro rodado e cada centavo gasto”, co-menta a mãe Rafaela. Agradeci a aprazível con-versa e retornei ao local combinado.

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No caminho notei inúmeras bandei-ras de diversos estados brasileiros e até mesmo de outros países. A chuva que caiu pouco antes do primeiro show levou embora a canseira que ameaçava se manifestar.Sem atrasos, a banda paulista NXZe-ro entrou no palco às 19 horas. Man-ifestaram-se na plateia algumas vaias que ganhavam maiores proporções nos intervalos entre uma música e outra. Na minha frente um remanes-cente de outra edição do Rock in Rio manifestava o aborrecimento com a banda paulista, deixando claro que aguentar aquele som era o preço a se pagar para contemplar Red Hot Chili Peppers. Na sequência foi a vez da banda Stone Soul se apresentar. Desconhecida por grande parte dos espectadores, a banda estadun-idense surpreendeu e arrancou gri-tos de “mais um” dos presentes. Mais tarde eu descobriria que o cantor da banda, Corey Taylor, se apresentaria novamente no domingo com sua

outra banda, essa com um rock mais pesado, Slipknot. Para mui-tos que sonham e ser um rock-star, Taylor pode se gabar de ter duas bandas e am-bas estarem presentes no maior festival de música do mundo. Os intervalos en-tre um show e outro pareciam uma eterni-dade, e sob o coman-do de Dinho Ouro Preto, a banda Capital Inicial deu sequência ao evento. A emoção do vocalista em par-ticipar novamente do Rock in Rio era nítida no rosto e em uma apresentação inques-tionável a banda do

Distrito Federal tirou toda a plateia do chão ao dedicar “Que país é esse?” ao presidente do Senado, José Sarney. Um dos momentos mais marcantes da viagem foi entre um show e outro. Para ser sincero, não me recordo se foi no primeiro inter-valo ou no segundo. Torcendo para que aquele intervalo passasse o mais rápido possível, avisto pelos poucos espaços presentes na multidão uma bengala guia. Tive a certeza de que o Rock in Rio rompe barreiras, prin-cipalmente as das limitações físicas. Desprovido da visão, aquele rapaz pode contemplar de uma maneira mais aguçada o som da banda cali-forniana que em instantes se apre-sentaria para aquela multidão de 100 mil pessoas, e seu rosto expressava a mesma expectativa que a mãe e a filha poucas horas atrás. Seguindo o roteiro, a banda Snow Patrol deu continuidade ao Rock in Rio. Dialogando bastante

com o público, o vocalista Gary Lightbody surpreendeu ao convidar a brasileira Mariana Aydar para can-tar “Set The Fire to the Tird Bar”. A apresentação seria perfeita, não fosse um problema no som que obrigou os irlandeses a recomeçar a principal música: Open YourEyes.O intervalo final pareceu não acabar, e o menor sinal de que a banda cali-forniana entraria no palco levou a multidão à loucura. Iniciando com a música “Monarchy of Roses” do novo álbum, Red Hot Chili Peppers fez as dores de mais de oito horas em pé sumirem rapidamente. Vestindo a camisa da seleção brasileira de 2002, o baixista Flea delirava nos solos e nas brincadeiras em cima do palco. Mencionando a participação da banda Metálica (também da Cal-ifórnia) no domingo, Flea brincou dizendo que era o fim de semana californiano do Rock in Rio. Com a difícil tarefa de substituir o lendário John Frusciante que recentemente deixou a banda, o guitarrista Josh klinghoffer mostrou autoridade e o porquê de ser o escolhido como sub-stituto de Frusciante. Ao sair do palco pela primei-ra vez, a plateia tinha certeza que era apenas uma pausa, só não esperava ver todos os integrantes voltarem vestindo a mesma camiseta. Na es-tampa, o rosto de Rafael Mascaren-has, filho da atriz Cissa Guimarães morto após ser atropelado em julho de 2010 no Rio de Janeiro. Rafael era fã da banda californiana e comple-taria 20 anos naquele mesmo dia que sua banda favorita se apresentava no Rock in Rio. Ao dizer as palavras “Happy birthday Rafa” (Feliz an-iversário Rafa, em português), An-thony Kiedis, vocalista do Red Hot, arrancou aplausos intermináveis daquela multidão de pessoas que apreciavam o show e atitude da ban-da.

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Cada novo acorde era mui-to bem recebido. Ao som de “Oth-erside” e “By the Way” quis que o mundo parasse e que aquele mo-mento se fixasse para sempre na minha memória. Desejei que todos os meus amigos estivessem ali comi-go, contemplando aquele show que representava um marco na minha vida.

Após 1 hora e 40 minutos de show e uma apresentação impecável, Red Hot Chilli Peppers se despedia do Rock in Rio ao som de “Give it Away”. E eu, ainda anestesiado pela emoção de estar na Cidade do Rock curtindo minha banda favorita, con-templei sem reação ao tradicional show pirotécnico que marcava o en-cerramento do segundo dia de Rock

in Rio. Parecia estar despertando de um sonho ao ouvir a frase, “É, chegou a hora de ir embora” pro-ferida por Caio. Levo na bagagem de volta a conclusão que os mais de 1500 quilômetros distribuídos em aproximadamente 20 horas de viagem passaram despercebidos após aquele show que nunca mais sairá da minha cabeça.

Relatos de uma memóriaengenheiro civil Joaquim Ig-nácio, na época estudante, teve a honra de se aventurar

e conferir de perto o marco inicial do Rock in Rio. Ignácio afirma que não poderia deixar de ver astros do rock ‘n roll, e por isso decidiu encarar mesmo que sozinho o que, evidentemente, se tornaria inesquecível à sua vida. “O que mais me motivou foi a oportunidade de ver bandas que na época só eram vistas pela televisão”, aponta o engenheiro. “Quem era roqueiro não deixava de ver todos os sábados a tarde um programa que se chamava Rock Concert, na Globo, onde delirávamos ao som de Led Zepelin, Black Sabat e Depp Purple. O Brasil não era rota das turnês das grandes bandas de rock da Inglater-ra e dos Estados Unidos. Acho que nosso dinheiro não era tão valoroso para atrair estes espetáculos mundiais, além de vivermos naquela época um regime militar que não permitia a im-portação de equipamentos musicais e instrumentos. Portanto, ir no Rock in Rio era ver o profissionalismo e a perfeição da sonoridade do mais puro rock mundial ao vivo e a cores”, co-menta com entusiasmo.Joaquim Ignácio saiu de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, rumo à rodoviária do Tietê. “Fui sozinho

e com a mais pura certeza de que chegaria naquele mesmo dia na Ci-dade do Rock. Entretanto, me depa-rei com uma multidão que queria a mesma coisa que eu. Naquela época não havia ônibus para todos, e as fi-las eram intermináveis. Passei a noite na rodoviária da capital paulista e embarquei para o Rio de Janeiro na manhã seguinte”. O clima de festival e a ex-pectativa em ver as apresentações de AC/DC, Scorpions e White Snake contagiavam toda aquela atmosfera. E o engenheiro que iniciara a viagem sozinho já estava rodeado de amigos. “Quando cheguei à rodoviária do Rio, fui juntamente com alguns amigos que fiz no trajeto, num bairro da zona Norte da cidade carioca, chamado Tijuca, para encon-trarmos outras pes-soas que também ir-iam ao show”, relata Ignácio.“Ao chegar à Ci-dade do Rock, a emoção era grande, e o congestiona-mento também. Porém, depois de passarmos por uma pequena fila nas cat-racas e a tradicional

revista pessoal, entramos finalmente na imensidão do local. Havia chovido muito momentos antes e a lama era grande. O curioso, e hoje chego a achar cômico, é que havia um boato na época sobre uma grande catástrofe numa reunião de jovens na America do Sul, predita por Nostradamus a qual tornava o ambiente misterioso. Porém, algumas horas depois, quan-do os acordes das guitarras davam os primeiros sinais, já não lembrávamos mais de nada, nem da lama em nos-sas roupas nem de Nostradamus. A emoção era imensa em ver o profis-sionalismo e a sonoridade daquelas bandas, isto jamais vai sair da minha mente”, conta emocionado por re-viver as lembranças daquele verão de 1985.

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Não parou por aísucesso inquestionável do maior festival de rock já visto até então não morreria

naquela década, e seis anos mais tarde, em 1991, foi a vez do maior estádio de futebol do mundo receber o Rock in Rio. Pelo Maracanã, passaram mais 700 mil pessoas e outras 580 milhões de pessoas puderam acompanhar as transmissões feitas para 55 países.Entretanto, o mundo viu o Rock in Rio calar-se por dez anos. Pelo espaço de uma década o som dos instrumen-tos soou apenas nas lembranças dos brasileiros que prestigiaram as primei-ras edições do acontecimento ou que acompanharam através da televisão.Esse hiato impulsionou a volta em 2001, quando o evento ganhou as raízes de um movimento cultural, e passou a ter a legenda Por Um Mundo Melhor. Com uma nova Cidade do Rock, reconstruída no mesmo local da antiga, com a capacidade inédita de 250 mil pessoas por dia, a abertu-ra da terceira edição do Rock in Rio também representou um marco na comunicação brasileira. Às 19 horas do dia 12 de janeiro de 2001, três mil emissoras de rádio e 522 emissoras de televisão do Brasil silenciaram pelo período de três minutos em prol de um mundo melhor. Até hoje, esse foi o maior movimento de comunicação

já realizado no mundo. Três anos mais tarde, o Rock in Rio cruzaria o Atlântico para a primeira realização em território es-trangeiro. A capital portuguesa foi escolhida como sede da quarta edição do evento que, para a ocasião, passou a ter o nome da cidade: Rock in Rio Lisboa. No Brasil ficou nítida a de-saprovação, tanto por parte da mídia quanto por parte do público, da reali-zação do Rock in Rio em território es-trangeiro. Entretanto, os brasileiros teriam de se conformar. O Rock in Rio Lisboa foi realizado novamente em 2006, 2008 e

2010. Em 2008, o evento foi realizado também na Espanha, e pela primeira vez o festival era realizado em dois países diferentes no mesmo ano. Em 2010, a dupla realização voltou a acon-tecer nos países ibéricos. Entretanto, em 2011, o Rock in Rio volta pra casa com a certeza de ser muito bem recebido pelo povo brasileiro. Abrindo sua décima edição, o Rock in Rio traz na mala mais de cinco milhões de pessoas, 656 artistas e 780 horas de muita música e curtição transmitidos ao vivo para mais de um bilhão de telespectadores em 80 país-es.

oi no verão de 1985 que Roberto Medina concretizava um grande plano que abriria as portas da América Latina aos grandes eventos musicais traçando-a como rota dos artistas rock and roll: nas-cia ali o maior festival de música do mundo e, é claro, levava o nome da cidade maravilhosa: Rock

in Rio. Naquele ano, durante nove dias de evento, o Brasil teve a honra de receber astros do rock mundial como AC/DC, Ozzy Osbourne, Iron Maiden, Queen, Scorpions e muitos outros que levaram mais de um milhão de pessoas à capital carioca. Para a ocasião, foi construído o local que ficou conhecido como Cidade do Rock, localizado em Jacarepaguá, zona Oeste do Rio de Janeiro. A Cidade do Rock continha o maior palco já visto no mundo, com cinco mil metros quadrados.

FAbrindo Portas

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“No escurinho do...!”

CINEMA

Como as exibições cinematográ-ficas alternativas vem tomando conta de uma cidade do interior paulista

Por Sergio Viana

volume das vozes vai dimin-uindo aos poucos logo que a luz é apagada. Apreensivas

as pessoas tentam enxergar o que ou quem está a sua volta. As cadeiras não são tão confortáveis, a todo momento o ranger de alguém se ajeitando toma conta do silêncio -alguns sentam no chão sobre blusas e mochilas -, nada de pipoca, doces ou refrigerantes, mesmo assim o fundo branco da sala é tomado aos poucos por projeções de luz que fazem com que os espectado-res possam embarcar numa viagem de aproximadamente 120 minutos, entre personagens e situações que poderiam ser reais, mas não passam de ficção. Esse cenário pouco sofisti-cado na e aparente não muito confor-tável tem tomado conta de algumas tardes e noites da cidade de Botucatu, no interior de São Paulo. Com cerca de 130 mil habitantes, apenas um cin-ema, daqueles à moda antiga, que não fica dentro de um shopping center e que costuma ter uma exibição por dia,

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a cidade demonstra ter uma demanda pela sétima arte maior do que a aten-dida. Hoje em dia a cidade dos “Bons Ares e das Boas Escolas”, como é conhecida, abriga cerca de cinco cineclubes, cada um com carac-terísticas bem diversificadas e público fiel. Quem resolver passar uma tem-porada por lá pode até montar uma agenda com os dias da semana e o tipo de filme que quer assistir: às terças-feiras tem clássicos de velho oeste e da Velha Hollywood; sempre na últi-ma quinta-feira do mês são exibidos longas contemporâneos nacionais ou estrangeiros que não costumam con-seguir espaço no circuito comercial; e aos sábados a noite clássicos do cin-ema cult e filmes alternativos. Existem várias afirmações que tentam definir o que é um cineclube, alguns dizem que basta um grupo de amigos e certa frequência para car-acterizá-lo, outros que é preciso ter um grupo de cinéfilos que consiga discutir os mínimos detalhes sobre o desempenhos de atores ou diretores. Para Robert Coelho, diretor de teatro e membro do cineclube Paratodos, é o espaço aberto para todos e a ocorrên-

cia de “discussões pós-projeções, seja discutindo aspectos técnicos do filme ou a mensagem que ele traz pelo con-teúdo”. Usando o nome do antigo Cinema Paratodos, que ficava no cen-tro de Botucatu e hoje abriga o Teatro Municipal da cidade, o cineclube de Robert iniciou suas atividades abertas ao público há três anos. “Queríamos chamar mais gente pra ver [os filmes]. Estamos em sete organizadores, antes disso havia um grupo bem maior que se reunia para ver filmes e debater”. Devido às atividades paralelas de to-dos os integrantes do Paratodos as exibições que chegaram a ser sema-nais, hoje acontecem apenas na última quinta-feira do mês num espaço ce-dido pelo Núcleo de Orientação Inte-gral da Aprendizagem (NOIA), curs-inho bem conhecido na cidade, e cada sessão conta com “trinta a cinquenta pessoas, alguns alunos do cursinho, outros que vão desde o inicio, mas sempre tem gente nova também”, res-salta Coelho. A estudante do ensino médio, Carol Tiéghi, tem sido uma frequen-tadora assídua dos cineclubes botu-catuenses. “Tenho ido a algum deles toda a semana. Já no cinema mesmo, eu não vou há uns meses, viu?”. Os motivos de Carol preferir as peque-nas salas a um cinema convencional vão desde saber que verá filmes que não passarão na televisão ou cinema comercial, os debates que às vezes “pegam fogo” e o próprio público que também costuma frequentar. “Os cineclubes são gratuitos, o que os torna acessíveis a todo tipo de gente. Geralmente eu participo dos debates. Um que me marcou muito foi um que aconteceu na Associação Arte e Con-vívio [instituição que oferece oficinas aos usuários de serviços de saúde mental] depois da exibição de Edward Mãos-de-Tesoura, ouvi depoimentos muito bonitos e cada um falava do seu próprio Edward. Foi bem legal”, co-menta Carol.

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Cineclube é atividade social?ara Isabela Araújo, é sim! Presidente do Cineclube Paratodos e atual coordena-

dora do Ponto de Cultura recebido pela Associação Arte e Convívio, Is-abela acredita que os filmes podem ajudar “a aumentar sua compreen-são de mundo, de fatos cotidianos, de relações pessoais. E tudo isso junto contribui para a autonomia dos usuários dos serviços de saúde men-tal”. Apesar de as exibições serem feitas no espaço da Associação to-das são abertas a comunidade botu-catuense e inclusive anunciadas em forma de convites pelo Facebook, as-sim como os demais cineclubes da ci-dade. O número de espectadores está em torno de 15 pessoas por sessão e Araújo afirma que mesmo parecendo um número pequeno os filmes ren-dem boas discussões. O que chama mais atenção ao cineclube da Arte e Convívio é que a cada seleção de filmes (que varia en-tre quatro e cinco, dependendo do mês) é chamado um convidado es-pecial que indicara os títulos a partir

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de determinado tema. “O convidado fica livre para escolher os filmes e a coordenação apenas avalia se existem

cenas fortes de sexo ou violência que possam tumultuar a exibição ou a dis-cussão”.

Menos comercial. Mais alternativas.alvez o surgimento de cineclubes numa ci-dade de médio porte como Botucatu seja um fato difícil de explicar ou que dispense

explicações – além de só merecer agradecimentos. Contudo, é inevitável questionar se esse tipo de projeto tem conquistado novos espaços ou tomado conta de um público que antes procurava mais os cinemas e as locadores de vídeo. Robert Coelho é um dos que acreditam nessa hipótese “culpando” a internet por esse fenômeno. “Hoje em dia é muito fácil baixar um filme que ás vezes nem chegou em DVD na locadora. Penso que de certa forma isso também influência o surgimento de ci-

neclubes. As pessoas interessadas num cinema mais artístico acabam se unindo. E como também é bem mais fácil encontrar clássicos e filmes autorais na internet, o pessoal mais jovem tem uma oportu-nidade de conhecer um pouco mais sobre cinema do que antes. Depende do Google”, conclui. Já Isabela Araújo acredita na distinção de públicos. “Não acredito em decadência do número de pessoas no cinema ou nas locadoras. Quem gos-ta de discutir filme no final da sessão também gosta de ir ao cinema, mas não necessariamente quem vai ao cinema, gosta da dinâmica do cineclube”, fi-naliza.

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CULTURA DIGITAL

Tumblr.A tríplice fronteira das redes sociaisPor Renato Pincelli

uantas redes sociais você precisa ter hoje? Para men-sagens curtas, tem o Twitter;

para fotos Flickr (ou o velho clás-sico Fotolog); se você for músico, MySpace ou Last.fm; se você estiver inspirado e quiser escrever qualquer coisa com mais de 140 caracteres, é melhor usar um serviço de blog como o Blogger ou o Wordpress. Mas não seria melhor fazer tudo isso num lu-gar só? E de preferência com um visual facilmente personalizável e já compatível com dispositivos móveis? Se você acha que sim, sua resposta pode estar no Tumblr, ou tumblr. (leia “tâmbler”). Criado em 2007 por David Karp e Marco Arment e mantido

por apenas 18 funcionários, o tumblr. começou a crescer há cerca de um ano. E de forma espetacular. Hoje é a plataforma de publicação que mais cresce. Segundo dados do Alexa, serviço on-line especializado em es-tatísticas sobre sites, o tumblr. já é o 46º. endereço mais visitado no mun-do e o 25º. nos Estados Unidos, onde tem o maior número de usuários. O mais recente relatório do instituto de pesquisas norte-americano Nielsen indica que o tumblr. já é a terceira rede social em tempo de permanên-cia. Embora ainda esteja atrás dos gi-gantes Facebook e Blogger, o tumblr. já retém mais leitores que o twitter. Em junho, o tumblr. ultrapassou o WordPress em número de blogs cria-

dos e acaba de comemorar seu 10º. bilionésimo post. Qual o motivo do boom do tumblr.? Em uma palavra: simplici-dade. Ao permitir a publicação e a personalização sem exigir do usuário conhecimentos específicos de lingua-gens como HTML e CSS, o tumblr. é uma ótima opção para o blogueiro de primeira viagem. Ou mesmo para quem quer apenas compartilhar o que encontra em outros tumblelogs (os blogs do tumblr). Além disso, o tumblr fica numa fronteira difusa entre blog, rede social e sistema de compartilhamento. Pelo lado social, há grande semelhança com o Twitter, já que é possível “seguir” e ser “segui-do”, além de reblogar facilmente um

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conteúdo que lhe agrade (sem ter que ficar na base do Ctrl+C -> Ctrl+V). Al-iás, no tumblr., como no twitter, o número de re-blogagem é bem-vindo e visto como uma medida de popularidade. Mas isso não sig-nifica que essa plataforma de publicação seja uma rede pobre onde todo mundo repete todo mundo. Para Filipe Soté, de 16 anos, a reblogagem constante não é problema: “Também há o caso da criatividade. Tem que ter alguém para criar os posts, para que os out-ros possam reblogar”. Es-tudante de Campo Grande, Soté também usa seu tum-blelog (pensacaralho.tum-blr.com) para fins sociais: “Sim, na verdade conhecer gente nova foi meu segun-do objetivo com o tumblr, sendo o primeiro postar minhas criações”. Parte disso se deve ao principal público dessa rede, forma-do por jovens entre 18 e 34 anos, segundo o Quantcast. Ainda segundo o Alexa, a maioria dos usuários tem curso superior ou ainda está na faculdade. Muitos blogam através de seus ce-lulares ou tablets. Outro público-alvo importante para tumblr. são artistas. Apesar da fa-cilidade para compartilhar

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textos, vídeos, e áudio, o que mais se posta no tum-blr. são fotos. E não são qualquer fotos — a própria empresa nova-iorquina es-tima que 20% dos blogs são relacionados a atividades artísticas como moda e fo-tografia. Para Soté, esse é o principal motivo pelo qual o tumblr. não é um novo twitter: “O tumblr é algo mais prático para postar fotos e compartilhá-las. E o twitter é usado para você postar o que acontece no momento. O tumblr é mais no geral.” A analista de re-des sociais Tamirys Seno Barboza (tammynhocan-acabeca.tumblr.com) con-firma: “Enquanto o twitter foca em rapidez, agilidade e conteúdo curto, fácil de ser absorvido, o Tumblr tem um ritmo mais lento, destacando fotos, citações e vídeos. O Facebook, por sua vez, possui um ritmo mais lento ainda, onde você compartilha coisas mais ín-timas, como fotos pessoais e links que você realmente indica.” Tamirys também afirma que o Tumblr, como o Twitter, pode ser uma forma de divulgação de blogs tradicionais. Isso ocorre “justamente para di-vulgar conteúdos que não dariam volume suficiente

para um post, mas que ao mesmo tempo as pessoas gos-tariam de compartilhá-lo, como fotos, uma ilustração, um vídeo curto, etc.” Ou um GIF. Depois de anos esquecidos, os GIFs animados voltaram a ser bastante comuns na internet. Mas foi no tumblr. que surgiu um novo estilo de GIF chamado cinemagraphs, que são imagens parcialmente animadas. Muitos cinemagraphs são frames curtos de filmes ou sé-ries (alguns até com legendas, já que esse tipo de imagem não tem áudio).

mbora sejam caracterizados pela diversidade de conteúdo e assuntos, muitos tumblrs são monotemáticos — quase sempre seguem a fór-

mula Fuck Yeah X, onde X pode ser quase qualquer coisa, de tubarões e ilustrações científicas a lembranças dos anos 90 e memes. Todo esse conteúdo é fruto de criações cole-tivas. Através do botão submit é possível acrescentar a sua colaboração para o seu tema preferido nos blogs que têm essa opção disponível. Não é apenas o conteúdo que mantém o usuário preso no tumblr. por mais tempo. Há uma pequena ar-madilha que se revela irresistível: o infinite scrolling ou rolagem infinita. Ou seja, à medida que você vai descendo por um tumblelog através da barra de rolagem, novas pági-nas são carregadas automaticamente. Muitas páginas têm apenas esse recurso em lugar dos clássicos “páginas mais recentes” e “páginas mais antigas”. Tamirys Seno resume bem o que é o tumblr.: “É uma forma de atingir uma nova parcela de público, que muitas vezes não tem paciência ou tempo para ler um post com calma, e o Tumblr aparece como uma ótima solução de distração e compartilhamento.”

Filipe Soté, 16 anos, de Cam-po Grande-MS, conta para a Wood porquê ele gosta e usa o Tumblr.

Wood - Porque você usa o Tumblr.? Filipe - Eu uso o Tumblr porque é uma rede social pouco usada por pessoas que eu conheço, além de ter muitas funções, como postar fotos e vídeos e compartil-há-los como num blog comum, sem pre-cisar ter uma conta. Eu conheci através de umas amigas, que só sabiam falar de Tumblr. E de tanto falarem, me interessei, e acabei gostando.

Wood - Com tanto reblog, por que é legal postar conteúdo original no tumblr.?Filipe - Muitas vezes para reconhecimen-to, mas também existe o fato de o tumblr servir para mostrar o que você sente, e o que você sente muitas vezes não pode ser dito por outras pessoas, tem que vir de você. Também há o caso da criatividade. Tem que ter alguém para criar os posts, para que os outros possam reblogar.

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Hoje não... hoje não...

O Brasil teve a tradição de bons pilotos na F1. Contudo, desde a morte de Ayrton Senna, ainda não tivemos um Campeão do Mundo. O brasileiro que está mal acostumado ou tivemos espasmos de grandes pilotos ao longo dos 8

títulos nacionais na categoria?

m 1951, Chico Landi ja-mais poderia imaginar que o Brasil se tornaria um dos

maiores celeiros de pilotos que a Fórmula 1 já recebeu. O brasileiro acabou se acos-tumando mal em ter pilotos sempre disputando o título. Foi Emerson, em 1972 e 1974 quem abriu as por-tas desse gostinho vencedor para o Brasil. Mas somente sete anos de-pois, o país teve outro título mun-dial. Dessa vez, com Nelson Piquet. Logo depois, um tal de Ayrton Sen-na da Silva chegou em 1984, um ano após Piquet ser bi-campeão de F1. Digo que os brasileiros ficaram mal acostumados, pois Senna entraria para o seleto grupo dos Mitos do esporte. Sua dedicação e uma lou-cura apaixonante por carros de cor-rida, o tornou o maior piloto bra-sileiro de todos os tempos. Foram três títulos mundiais guiando uma McLaren, entre 1988 e 1991. O legado desses grandes campeões na F1 fez crescer a bus-ca dos jovens pelas categorias de base do automobilismo. O kart, a primeira delas, teve vários pilotos inscritos e diversos campeonatos realizados ao logo de todos esses anos. Outras categorias maiores e mais evoluídas tecnologicamente

foram criadas e com isso alguns pilotos nascidos em pistas nacion-ais, com ajuda financeira, acabaram partindo para a Europa, em busca de um suporte que o país ainda não podia oferecer.Desde a morte de Senna, o auto-mobilismo brasileiro está em uma trajetória de decadência. No mo-mento, não existem mais categorias de base que possam formar, por pior que seja, um piloto em solo nacional. De acordo com Flávio Gomes, comentarista de automobi-lismo dos canais ESPN e da rádio Estadão/ESPN, “O esporte auto-motivo brasileiro deixou de existir e é por isso que hoje temos um piloto há mais de 20 anos na cat-egoria, fruto de um automobilismo que não existe mais, que é o caso de Rubens Barrichello”. Ele explica que “o mesmo acontece com Felipe Massa, que também é fruto de uma base que não existe mais, como a Fórmula Renault, Chevrolet e da Fórmula Ford. Pelo fato de não termos mais esse automobilismo de base, não vai aparecer mais nin-guém. Se aparecer, vão ser casos isolados.” Sérgio Jimenez, atualmente piloto da Stock Car, em entrevista à WOODSTOCK, afirma que “um

piloto precisa querer muito para poder saber cada dia mais sobre o carro de corrida e principalmente as reações do carro para poder passar para o engenheiro as informações para que o carro precise para mel-horar. Infelizmente hoje o Brasil está com duas categorias fraquís-simas de Fórmula, sem nenhum grande incentivo para os pilotos”. Vale ressaltar que Felipe Massa até teve uma boa iniciativa criando a Fórmula Futuro, mas que ainda não tem grande visibilidade. Para Jimenez, se quiser tentar a carreira par a F1 tem que ir a Europa. “além de tudo isso, infelizmente depende muito do dinheiro para dar uma continuidade.” O piloto é muito elogiado pela mídia especializada, como um dos grandes valores da nova ger-ação. Contudo, a falta de investi-dores durante sua participação na GP2, categoria de acesso à F1, ti-rou o sonho de continuidade à sua carreira. “Sempre meu objetivo era alcançar a F1. Cheguei a disputar a GP2, mas faltou o apoio financeiro para eu continuar. Cheguei ate essa categoria com grande dificuldade, sem apoio de nenhuma grande em-presa e infelizmente minha família não tinha dinheiro para me ajudar.

Por Edgar Saraiva

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Hoje em dia se você não tem pa-trocínio ou estar com a pessoa certa, na hora certa, não conseguirá andar em uma boa equipe”. O insucesso dos pilotos bra-sileiros que chegam à F1 e não ob-tém o esperado, acaba o classifican-do como fracassado. Em entrevista à revista WARM UP, de Maio de 2011, o ex-piloto e atual dono de equipe na Stock Car, Ricardo Zonta, explica que “qualquer piloto que chega à F1 é cobrado, pois se chegou lá, ‘tem a obrigação’ de ser bem-sucedido. Cada estreante é a esperança de novas vitórias para o Brasil e assim vai ser sempre. Nunca vai mudar. A pessoa pode não saber quem você é, mas se está na F1, tem de ganhar de qualquer forma.”Para Victor Martins, editor chefe da revista WARM UP, “esse jejum de títulos, acaba fazendo com que es-

teja havendo uma evasão de público fã do esporte que já foi tido como o segundo na preferência nacional, perdendo, claro, para o Futebol. A carência de ídolos, perda de jovens querendo pilotar kart, falta de inves-timento e recursos, acabam culmi-nando com o desaparecimento de categorias e desinteresse do públi-co”. De acordo com o jornal O Glo-bo de 21 de setembro, o Ibope vem caindo em relação a audiência na F1. Em 3 anos, caiu de 18 para 10 pon-tos. Cotas de patrocínio não devem aumentar para 2012, devido ao des-interesse do público pela Fórmula 1. É claro que é impossível cri-ar um campeão. Para isso, é preciso talento. Contudo, o incentivo finan-ceiro e a criação de condições para que se possa achar pilotos que ten-ham o mínimo de aptidão possível, tem que ser feito. É unânime entre

os entrevistados que algo tem que ser feito na Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA). Deve ser feito um projeto que desenvolva o automobilismo novamente em ter-ritório nacional. É preciso refazer e reformar autódromos, criar mecan-ismos de infra-estrutura para criar e descobrir pilotos além de valorizar as categorias. Outra coisa que pode ser feita, segundo Victor Martins é “negociar com montadoras para criar competições e melhorar a en-genharia dos carros, que podem até chegar ao consumidor nas ruas, aquecendo o mercado com medidas que hoje não existem’. Só assim, será possível voltar a vibrar com aquela musiquinha novamente, nas manhãs de domingo, sendo, como sempre, saudosista aos velhos tempos dos grandes Fittipaldi, Piquet e Senna, todos do Brasil.

Ayrton Senna

As 100 vitórias brasileiras na F1

Emerson Fittipaldi11 temporadas 149 Corridas 14 vitórias / 2 Títulos

José Carlos Pace6 temporadas 73 Corridas1 vitória

Nelson Piquet14 temporadas 208 Corridas23 vitórias / 3 Títulos

*Ainda na F1

11 temporadas 162 Corridas41 vitórias / 3 Títulos

Rubens Barrichello*18 temporadas 324 Corridas GP da índia 11 vitórias

Felipe Massa*8 Temporadas 151 Corridas11 vitórias

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Protesto em 140 caracteres

CULTURA DIGITAL

Como as mídias sociais estão ganhando força entre os jovens brasileiros e se tornando a nova forma de protesto do século 21.

Por Patrícia Vergara

m 1992, no auge das denúncias contra o presi-dente Fernando Collor de

Mello, estudantes brasileiros reu-nidos e representados pela UNE (União Nacional dos Estudantes) e pela UNBES (União Nacional dos Estudantes Secundaristas) saíram as ruas das principais capitais do país com as caras pintadas e com nariz

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de palhaço para protestar contra a corrupção e exigir o impeachment do então presidente. Quase dez anos depois, em 2011, estudantes saíram às ruas também com nariz de palhaço, dessa vez em um cenário regional: manifestações contra abu-sos da Câmara dos Vereadores de São José do Rio Preto pararam a ci-dade com o nome de #vergonhaRi-oPreto. Os dois protestos são difer-entes em apenas um ponto: a forma como foi organizado. Enquanto o primeiro, contra o presidente Col-

lor, aconteceu da iniciativa dos es-tudantes da UNE, os manifestantes do #vergonhaRioPreto se reuniram através de um só local: a internet. Twitter e Facebook, redes sociais onde você expressa suas opiniões e impressões sobre o co-tidiano, foram usadas para reunir a população de Rio Preto, indig-nada com o que foi denominado “Pacotão da Maldade”: conjunto de projetos de leis da Câmara que pretendia aumentar o número de cadeiras dos vereadores, aumentar em 75% o salário dos vereadores e

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também do prefeito, e retornar 266 cargos comissionados sem concur-so publico (este último, já havia sido condenado pelo Ministério Público anteriormente). A manifestação ganhou re-percussão nacional, com mais de 1.400 posts no microblog, 2.698 se-guidores do grupo de discussões cri-ado no Facebook, além de aparições em programas televisivos de grande prestígio como Jornal Nacional e CQC. “Me senti na obrigação de registrar a um ato histórico. Rio Pre-to cansou de levar lambadas. Fiquei surpreso com a repercussão que está tendo, com mais de 2,5 mil aces-sos”, afirmou Fernando Macaco, re-sponsável por um vídeo que mostra a manifestação em frente à Câmara Municipal no dia da votação do “pa-cotão”. O vídeo se tornou um dos símbolos do protesto, divulgado por grandes ícones das redes soci-ais, como os apresentadores Rafinha Bastos e Rosana Hernann que, jun-tos, tem mais de quatro milhão de seguidores no Twitter. Os rio-pretenses, junto com o Twitter, conseguiram impedir que o aumento de cargos e no salário dos vereadores fosse aprovado.

Macaco e Nathalie se surpreenderam com a repercussão do video sobre a manifestação na Câmara.

O movimento #VergonhaRi-oPreto continua ativo na in-ternet. No desfile do dia 7 de Setembro, pelo menos 400 es-tudantes participaram de um enterro simbólico dos vere-adores da cidade.

undiaí é outra prova que a mo-bilização nas redes sociais está ganhando força. Organizado

pelo Facebook, uma marcha realiza-da na cidade mobilizou mais de mil pessoas para pressionar o prefeito, que acabou vetando o projeto que aumentaria 62% do salário dos ver-eadores. Para o analista de sistema Jones Martins, criador da idéia do

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ANem só de política se faz uma marcha

s redes sociais também são marcadas por protes-tos ideológicos e até de

marketing. Consumidores descon-tentes usam o Twitter e Facebook para serem ouvidos. A marca de roupas Arrez-

protesto no Facebook, o melhor da internet é poder reunir muitas pes-soas por um mesmo objetivo sem muito trabalho. “Vimos em um jor-nal da cidade uma mensagem contra a ganância dos vereadores feita em um cartaz. Aquela mensagem teve uma tremenda repercussão a um custo praticamente zero, então tive a ideia. Mesmo se fosse um grupo pequeno presente no protesto, es-taria manifestando uma indignação de pessoas que não podem ir à Câ-mara pro conta de trabalho ou es-cola” disse a Woodstock.

zo decidiu tirar das lojas brasilei-ras uma coleção inteira de roupas feitas com pele de animal cham-ada “Pelemania”, devido à reper-cussão negativa que a campanha fez na internet, principalmente do Twitter e Facebook. No primeiro, a empresa foi acusada de maus tratos aos animais e muitos con-sumidores chegaram a dizer que não comprariam mais produtos da grife. Já no Facebook, apagou os comentários negativos dos inter-nautas. Em 2010, o mesmo acon-

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CULTURA DIGITAL

teceu com a marca de chocolates Twix. Após uma intensa campanha viral na internet, uma “chuva” de Twix programada entre internau-tas acabou gerando efeito negativo e muita reclamação nas redes de relacionamento. A ação foi executada em

um estacionamento da Avenida Paulista em São Paulo, porém a forma desigual de distribuição de chocolates, jogados manualmente, misturados com uma grande quantidade de papel picado, foi motivo de descontentamento de quem esteve presente.

As críticas foram expos-tas principalmente no Twitter e em blogs, gerando inclusive uma página de protesto exclusiva para a ação, e acabaram criando uma polêmica que colocou a hashtag #chuvadetwix no Trending Topics Brasil.

ão é só no Brasil que mí-dias sociais com Twit-ter e Facebook estão fa-

zendo a diferença no cotidiano das pessoas. Temos exemplos no Egito, Afeganistão, Estados Uni-dos, etc. A Internet parece ir um passo além de todos o outros meios de comunicação: permite não só a postura de consumidor de con-teúdos, mas também de algum modo horizontaliza os vínculos,

permitindo que todos possam ser emissores e receptores de notí-cias, opiniões ou outras mensa-gens. Segundo Felipe Machado, diretor de mídia digitais do jor-nal Diário de SP, a política não pode ignorar mais os meios de comunicação vindos da internet. O que resulta desafiante é a ma-neira em que o debate político se manifesta através das novas tecnologias “É difícil pensar que possa articular-se um intercâm-

bio de idéias sério sobre, por ex-emplo, a maneira de combater a inflação, mediante a idéia central do Twitter, que é se expressar em 140 carateres.” Para ele, o que acontece atual-mente em Rio Preto, é o exem-plo que todos devem seguir. “Ali, o movimento não ficou só na internet, nem só em uma pauta. Todos continuam brigando por melhorias até hoje, ao vivo e pela net.”

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ENTRE - VISTAS

“Há coisas seríssimas acontecendo nesse país e ele [povo brasileiro] não toma conta, simplesmente não se importa. Mas quando o time perde, aí sim ele

invade o campo, protesta”Por Symar João

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Padre Beto

oberto Francisco Daniel, conhecido Padre Beto. Bauru-

ense, nasceu em 1965. For-mado em Direito, História e em Teologia, esta última pela Universidade Estadual Lud-wig-Maximilian de Munique, Alemanha, onde concluiu seu doutorado em Ética. Hoje Padre Beto ministra aulas em faculdades de Bauru, escreve para jornais, faz assessoria à empresas e o que mais o agra-da, atua como padre perante a população. Seu posiciona-mento diferenciado e sua luta para defender o que acredita vão fazer dessa entrevista um prato saboroso. A entrevista aconte-ceu no Empório Árabe, res-taurante localizado no centro de Bauru. Não conhecia o Padre. Cheguei atrasado uns cinco minutos e logo vi na entrada um homem sozinho, roupa estranha e um brinco na parte superior da orelha direita. Pensei, será que é ele? Achei melhor perguntar para o que seria o dono do restau-rante. Dúvida solucionada, sim, era ele o conhecido Pa-dre Beto. Recebeu-me sor-ridente e perguntou se não ia almoçar ressaltando que eu era seu convidado. Achei melhor não, o padre já estava finalizando sua refeição e tin-ha compromissos.Expliquei para ele a proposta da revista e ele estava perdido assim como eu. Só que eu

logo disse: Padre, o que ouvi falar de você é que se difer-encia dos outros padres pelas suas posições. Rapidamente encaminhamos a entrevista com foco no povo brasileiro, drogas, política e por que razão ele só decidiu ser padre depois dos seus 27 anos. “O povo infeliz-mente foi e é criado com uma mentalidade que é a do fo-rasteiro, nós temos uma men-talidade de que esse país não é nosso. Que eu nesse país ten-ho que me fazer, não tenho que cuidar da coisa pública, isso é a mentalidade dos nos-sos antepassados, italianos, portugueses, japoneses, que vieram aqui para se fazer e voltar para sua terra natal, isso aqui nunca foi pátria, e nós herdamos essa mentali-dade.” Ele não tem paróquia, não exerce funções

administrativas na Igreja e tem sua independência finan-ceira com as aulas que minis-tra em três faculdades de Ba-uru. Também faz serviços de assessoria a empresas na área de Ética. Isso é só o começo, Padre Beto tem um site, está nas redes sociais, tem pro-gramas de rádio, escreve para jornais, e o que mais gosta, atua em um campo vasto, como ele diz, nas funções de sacerdote.Em suas homilias, que signifi-ca conversa em família, está a diferença. Ele não apenas fala, mas aponta o dedo na cara das pessoas, e também para ele mesmo. Lê o evan-gelho do próximo domingo já na segunda, passa a semana inteira refletindo e no sábado escreve, pensa, pesquisa, es-tuda e insere na atualidade as palavras bíblicas que matutou nesses dias. No domingo,

conversa com os fiéis. Quem tiver curiosidade e vontade de não ser alienado, pode assis-tir às homilias na internet, no site www.padrebeto.com.br. “As drogas tinham que ser legalizadas”. “As re-ligiões alienam”. “A violência é necessária em determinados casos”. Estas são algumas de suas afirmações polêmicas. Mas por quê? Porque daí a conscientização se tornaria mais fácil, embalagens in-formativas, cobrança de im-postos e identificação dos consumidores. As religiões prometem a cura, enquanto deveriam incitar o povo a lu-tar pelos seus direitos, saúde de qualidade para não ficar doente. As igrejas pedem din-heiro a seus fiéis como se fossem para elas, e não é, o dinheiro está indo para a in-stituição, para pagar gastos com água, luz e serviços. A relação com Deus é outra, se baseia no campo espiritual. O entrevistado é uma pessoa indignada, franca, pessimista em relação ao fu-turo do nosso país. “O povo tem que invadir órgãos públi-cos, tem que se organizar. Por exemplo, não tem um pronto-atendimento decente em um bairro, os moradores desse bairro têm que ir à prefeitura e cobrar do prefeito, nós não saímos daqui enquanto não houver promessa, e se não cumprir, mês que vem esta-mos de volta.”

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TÁ ROLANDO

O Velho e o RioA arte do piracicabano Elias dos Bonecos e seu legado para a

preservação do meio ambientePor Gustavo Cerezetti

EMINGWAY QUE ME PERDOE , MAS meu personagem é mais in-teressante. O dia exato eu

não me lembro direito. Lembro-me que eu era garoto e a figura daquele homem deslizando em meio às águas melífluas do Rio Piracicaba ficou mar-cada em minha memória. Os bonecos com os braços estendidos às margens de um rio e de uma sociedade estão lá, sempre sorrindo, andrajosos, mas ao mesmo tempo solenes. Entrevistei Elias Rocha, mais conhecido como Elias dos Bonecos, em uma tarde de

um dia comum, para um trabalho es-colar sobre a cidade. Não dei a mere-cida importância àquele trabalho na época, entreguei-o somente com o texto bruto e sem reflexões, mas eu espero que essas novas páginas pos-sam servir como reparação ao meu erro. A cena me é vaga. Não consigo me recordar de alguns detalhes, mas o es-sencial ainda está gravado nas minhas lembranças, como uma marca indel-ével. Recordo-me também que Elias estava sentado, em outro momento,

em uma cadeira na cozinha e que o chão estava sujo e empoeirado. O rá-dio estava ligado e tocava as músicas que eu ouvia quando era menino e tril-haram a minha infância. A música por um instante me levou a alguns lugares que me pareciam muito distantes; lu-gares onde a inocência e a sensibili-dade despertavam em minha alma e a consciência e razão era somente uma parte muito pequena em um todo. Dei uma olhada pela casa e vi que ali rei-nava o abandono, a solidão. Ao mes-mo tempo em que me senti incomo-

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Filhos das ÁguasPrefeitura Municipal de Piracicaba realizou uma pesquisa pra catalogar os

principais ícones da cidade. O Rio de Piracicaba venceu a peleja com folga. “A história do rio é também a história de Piracicaba”, afirma Jovelice dos Santos, professora, historiadora e colaboradora do livro “Arco, Tarco, Verva”, sobre a cultura caipira. “A cidade foi criada às margens do rio, foi desenvolvida às margens do rio e atraiu pessoas de todos devido ao rio”. A historiadora afirmou que a comunidade ribeirinha era muito

grande na primeira metade do século XX. Muitos viviam da pesca, do arte-sanato ou trabalhavam em casa, cos-turando e trabalhando no manejo de barcos e iscas. Elias nasceu e cresceu em meio a esse ambiente, cercado das pequenas casinhas coloridas e sobre-postas e dos assoalhos de madeira úmida. A secretária de Ação Cultural de Piracicaba, Rosângela Camolese disse que o rio ainda traz, por ano, centenas de turistas e que muitas manifestações artísticas são realiza-das anualmente às margens dele. “A Festa do Divino, o Engenho Cen-

tral, a Festa das Nações, o Museu da Água, o Salão Internacional de Hu-mor... Sem contar as serestas na Rua do Porto e as exposições na Casa do Povoador” explica Rosângela. E foi bem ali, observando cuidadosamente as águas caudalosas do Rio de Piraci-caba, que Elias teve a inspiração para a realização de sua obra. Ainda muito moço, quando a mãe de Elias mor-reu, o rio se tornou uma espécie de religião para ele, como costumava dizer: “o rio é minha mãe, se não fosse ele, teria passado fome. Só ao rio devo obrigações”.

dado por todo aquele cenário, vi que ali pairava uma atmosfera acolhedora, como se sobre a sujeira e descuido flutuasse algo indefinível e me senti bem ao perceber isso. Elias me cum-primentou com extrema amabilidade, dando-me um abraço duradouro. Não sabia se ele estava satisfeito assim com a minha presença ou se fazia isso com todos que ousassem visitá-lo, mesmo assim, retribuí o abraço com igual alegria.

alava com dificuldade, mas era claro e conciso. Minha figura infantil se sentiu um pouco in-

timidada com as rugas estampadas em quase toda a superfície de seu rosto. Não sabia definir a sua expressão, confesso que até hoje, tentando me recordar daquele dia, ainda não con-sigo descrevê-la, mesmo com a sarai-vada de palavras novas que aprendi ao longo desses cinco anos. Mas era uma expressão sábia como a de quase to-dos os velhos, isso eu posso garantir. Só que Elias não era somente mais um velho. Pelo menos não para a história daquela cidade. Elias nasceu no dia 3 de agosto de 1931, em uma chácara lo-calizada na margem esquerda do Rio

Piracicaba, um dos sete filhos do pi-racicabano descendente de índios Renato Rocha e da cabocla Sebasti-ana Rocha. A infância não foi fácil, a pobreza e a fome assolavam a comu-nidade ribeirinha, que freqüentava o Colégio do Grupo Escolar Francisca de Castro, no qual Elias também es-tudava. Quando perguntei sobre seus estudos, Elias não foi claro, meio que desconversou, alegando nunca ter dado muita relevância aos livros. Foi nessa época em que Elias começou a desenvolver suas atividades manuais, ao trabalhar numa olaria, ajudando a fazer tijolos.F

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tempo foi passando e Elias continuou morando exata-mente no mesmo lugar, sem-

pre sozinho, mas com muitos amigos. A urbanização chegou à cidade e trouxe uma tristeza para Elias. Ele pode ver sua mãe, sua musa inspiradora, seu amigo de longa data e seu sustento apodrecer perante a uma sociedade que não mais se importava com a sua presença. O Rio de Piracicaba tornou-se um dos rios mais poluídos do estado e suas águas claras foram gradualmente se tornando acinzentadas, quase lívidas. Os bonecos de Elias se tornaram focos de protesto contra a degradação do rio e do meio ambiente. “Eu e meu pai costumávamos pescar e nadar nesse rio e hoje nem peixe

dá mais nele, tudo o que a gente acha aí é lixo”, disse Elias, meio amargu-rado. A população doava roupas e matérias primas para a construção dos bonecos, que Elias con-tinuou a fazer, mesmo com idade avançada. Com o novo principio de sustentabilidade, os bonecos de Elias repre-sentavam todo um ideal ecológico, eram feitos de

sucata e eram depositados às margens do rio, como meros espectadores da degra-dação inevitável. O documentário “O Lixo Ex-traordinário”, indicado ao Oscar de melhor documentário deste ano, retrata a história do artista plástico Vik Muniz que, junto com catadores de lixo, faziam grandes obras de arte usando como ma-téria prima o que encontravam nos ater-ros sanitários. Vik Muniz estudou, é rico, mora em Nova York e suas obras foram utilizadas como abertura de uma novela das oito da Rede Globo. Não tirando o mérito do artista, mas será que a grande expressão artística é encontrada nas salas de aula? Será que se o sambista Cartola

tivesse sentado em uma sala universitária, ele se tornaria o poeta tão grandioso que é? Será que se Elias dos Bonecos segui-sse pelos estudos, ele aceitaria morar em uma casa de pau a pique a vida toda e viver de doação de colegas? O que torna Elias Rocha mais artista do que os outros é o fato de nunca ter sequer pensado em pegar um livro sobre história da arte para ler. Elias seguiu sua tradição e seus va-lores e hoje, mesmo pouco conhecidos pelo grande público ou pelos críticos que freqüentam os vernissages mundo afora, ele representa a forma mais pura da arte brasileira. Uma arte meio irreal, contra-ditória, ecológica, feita assim, como ele costumava dizer, de brincadeira, mas que representam toda a influência de uma época em meio ao conturbado período de progresso mundial. Seu espólio foi imenso para Pi-racicaba e o Brasil, um exemplo de que a arte está em todos os lugares, até nos menos prováveis. Elias Rocha, o Elias dos Bonecos, morreu no dia 1 de abril de 2008, e quisera esse modesto repórter que isso fosse mentira. Até hoje sua casa e seus bonecos estão expostos, no mes-mo lugar, como guardiões de um lugar que só existia na lembrança de um velho artesão.

A função simbólica dos bonecos

Os Bonecos Viajantesuando cresceu, Elias começou a trabalhar em uma metalurgia, mas pe-

diu demissão após uma greve que reivindicava condições melhores de trabalho. Foi então que resolveu se dedicar ao artesanato e comprou uma carroça e um cavalo. “A maté-ria prima eu tiro das ruas” disse-me ele na entrevista. “Tudo estava ali, o barro no chão, o ferro nos entulhos, os trapos no lixo.” Foi assim que

Elias começou a fazer os famosos bonecos que logo ganharam fama na cidade. Sem conhecimento artís-tico e sem saber que seus bonecos em breve seriam classificados como arte naif pelo Brasil, Elias deposi-tava suas obras às margens do rio, como uma espécie de culto. Com a industrialização e o progresso da ci-dade, os bonecos continuaram ali e foram além. Em 1999, um grupo de teatro amador levou os bonecos de

Elias para Trento na Itália, compon-do o cenário de uma peça, intitulada “Lugar Onde o Peixe Pára”. Depois de cumprirem o papel, os bonecos foram deixados em solo italiano como parte de um intercâmbio cul-tural entre os países. Mas os bonecos de Elias não pararam, foram expos-tos no elitista Museu de Arte de São Paulo, o MASP, no Sesc Pompéia e no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.

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Opinião

Pão e CircoJoão Paulo Benini

O Brasil tem experimentado ao longo da última década um crescimento econômi-co sedimentado, com grande impacto no setor de commodities agrícolas e minerais. O aumento do poder de compra do assalariado também fez com que o setor de serviços conseguisse índices bastante satisfatórios e o real se valorizasse a cada dia frente ao dólar. Essa enxurrada de capital entrando na economia tupiniquim fez com que o Brasil fosse considerado a “bola da vez” para grandes eventos mundiais, seja no mercado espor-tivo ou no entretenimento puro. Os exemplos cristalinos dessa onda foram o Pan-ameri-cano do Rio de Janeiro, em 2007, e serão a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 em âmbito esportivo e o retorno do Rock in Rio 2011. Desde o Pan, ao povo é vendida a falsa ideia de participação ativa nas competições esportivas, com acesso facilitado e ingressos a preços acessíveis. Essa argumentação dos organizadores dos jogos são endossados pela imprensa que comprou a versão e que pou-co, ou quase nada, noticia sobre o andamento das obras, os custos da obras e todo o papel que a mídia séria deveria estar fazendo. Todos esses eventos esportivos não são para o povo local, são sim para estrangei-ros, os europeus e norte-americanos brancos e de olhos azuis, além, é claro, dos asiáticos

tão apaixonados pela cultura brasileira quem vêm deixar seu dinheiro em terras nacionais. Não se engane povo brasileiro, você será minoria dentro os espectadores.Outro ponto que vale ser ressaltado é a conta desses mega eventos. Quem vai pagar essa conta? Com certeza não vai ser a FIFA nem tampouco o Comitê Organizador Local, responsável pela organização do evento. Com os governos locais nas três esferas de poder sendo os grandes mecenas de todas as obras, não só as de mobilidade urbana que são papeis do Estado, mas principalmente na construção das praças esportivas. Todos os estádios da Copa do Mundo de 2014 estão sendo financiados pelo Estado, assim como já havia ocorrido nos jogos de 2007 e, muito provavelmente, deva acontecer com a Olimpíada. Mas o leitor de Woodstock pode questionar se não vale o Estado investir em estádios para alavancar o esporte que é paixão nacional. Não, não pode e não deve. Essas arenas serão entregues à iniciativa privada, leia-se aqui grandes clubes do futebol brasileiro, sem qualquer contrapartida por parte das entidades esportivas. E isso não é tudo. Há estádios sendo construídos em cidades sem qualquer necessidade de investimentos na casa dos bolhões de reais. Cuiabá não tem futebol profissional nas três primeiras divisões do futebol brasileiro e vai ganhar um estádio de 42.000 mil pessoas. Manaus está no mesmo patamar da capital do Mato Grosso, sem futebol de destaque há bastante tempo. Em Pernambuco a coisa é ainda mais feia. Os três times profissionais da capital já têm seus respectivos estádios. O Náutico tem o Aflitos, o Santa Cruz tem o Gigante do Arruda e o Sport tem a Ilha do Retiro. Mesmo assim está sendo levantada uma nova arena, há mais de 30 quilômetros de distancia do centro da cidade, mesmo com os clubes dizendo que não teriam interesse em mandar seus jogos no estádio da Copa. A cereja do bolo está em São Paulo. Tudo indicava que o Morumbi, estádio do São Paulo Futebol Clube, seria o escolhido, pois tem a capacidade necessária de 66 mil pessoas sentadas, além de precisar de pequenos re-toques para se adequar ao padrão exigido. Mas nada disso foi levado em conta. A opção dos organizadores, com a convivência da imprensa que assistiu a tudo calada, foi pela construção de um novo estádio, em Itaquera, com a desculpa esfarrapada de levar desenvolvimento para a Zona Leste, historicamente esquecida pelos governos pau-listas.Mentira! A escolha do terreno em Itaquera se deu por motivos políticos, já que o presidente do Corinthians, An-drés Sanchez, é aliado do mandatário da CBF Ricardo Teixeira, enquanto o cartola são-paulino Juvenal Juvêncio é desafeto do todo poderoso do futebol nacional. Aliada à desavença política, ainda se poderia inflar muito mais o orçamento em uma construção completa do que em uma reforma, caso do Morumbi. E o povo? O povo que pague a conta. Essa sim será a grande participação do povo brasileiro, não só no mês da Copa ou da Olimpíada, mas por longos anos arcando com a carga tributária animalesca que se impõe no Brasil.

João Paulo Beninié colunista da Woodstock

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