Revista Episteme - Edição nº02

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Revista Científica da Faculdade Católica Salesiana. É instrumento multidisciplinar de divulgação da iniciação e pesquisa científicas, nas versões impressa e on-line, aberto às contribuições advindas das comunidades científicas regional e nacional.

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EPISTEMERevista Científica da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo

Diretor GeralPe. Oscar de Faria Campos

Diretor ExecutivoDr. Jolmar Luis Hawerroth

CORPO EDITORIAL

EditorClaudia Câmara de Jesus Weindler

Conselho EditorialAlessandra Rodrigues Garcia dos SantosAlexandre AranzedoElisangela Maria MarchesiFábio VenturimFernanda Tonini GobbiHugo Luiz de SouzaJoão Luiz Coelho de FariaMárcia Valéria GonçalvesMarisa MarquezePaulo Cesar DelboniRodrigo Alves do Carmo

Conselho CientíficoCynthia Ditchfield (Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos – USP / Pirassunga)Geovani Medina (UDESC – Santa Catarina)Juarez Jonas Thives Junior (Grupo Estácio de Sá – Santa Catarina)Lídio de Souza (Programa de Pós-graduação em Psicologia; Dept. de Psicologia Social e do De-senvolvimento – UFES)Marcos Tomasi (UDESC – Santa Catarina)Washington Luiz Silva Gonçalves (Dept. de Fisiologia – UFES)Zenólia Christna Campos Figueiredo (Centro de Educação Física e Desportos – UFES)

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ISSN 2179-2380

EPISTEMERevista Científica da Faculdade

Católica Salesiana do Espírito Santo

Vitória-ES, 2013, vol. 02, nº. 01

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CapaSetor de Comunicação Integrada

Revisão GeralAna Lúcia de Carvalho

EditoraçãoCamila Câmara de Jesus

DiagramaçãoSetor de Comunicação Integrada

ImpressãoGM Gráfica

EditoraFCSES

ISSN2179-2380

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade Católica Salesiana do Espírito SantoBibliotecária Responsável Janine Silva Figueira CRB6:429

Tiragem: 500 exemplares / Periodicidade: ANUAL

E64 Episteme: Revista Científica da Faculdade Católica Salesiana do Espirito Santo. - v.2, n1 (jan./dez. 2013). - Vitória, ES: Faculdade Católica Salesiana do Espirito Santo, 2013.

104p. ; 18,0 X 26,5cm

Anual. ISSN 2179-2380

1. Conhecimento Multidisciplinar - Periódico. l . Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo CDU 001.2(05)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................................................7

CIÊNCIAS BIOLÓGICASAbordagens biotecnológicas para o controle de viroses em plantasPaolla Mendes do Vale de Abreu; João Gilberto Zanotelli Piccin;Silas Pessini Rodrigues; José Aires Ventura e Patricia Machado Bueno Fernandes..................................9-16

Ocorrência de enteroparasitas em mãos de escolares de ensino fundamental, Vitória, ESGer F. Couto; Gabriela C. Zamprogno ; Viviane C. Meneguzzi..................................................................17-22

EDUCAÇÃO FÍSICAO se-movimentar na educação física e as experiências de ser criançaVictor José Machado de Oliveira; David Gomes Martins; Dr. Nilton Poletto Pimentel..............................23-29

ENFERMAGEMAvaliação da percepção do usuário sobre a atuação das equipes de saúde da família no município de Santa TeresaAna Paula Peroni; Bruno Walter Ramalho Novelli; Carina Babler; Maria José Foeger ............................30-36

FARMÁCIABioprocessos e bioprodutos em uma era sustentávelFilipe Dalla Bernadina Folador; Helber Barcellos da Costa; Mauricio da Silva Mattar .............................37-42

Histórico da homeopatia e sua representação social no cenário capixabaCecília Paula Candida Pereira da Silva; Sarah Martins Barbosa; Helber Barcellos da Costa; Mauricio da Silva Mattar ...............................................................................43-48

Nanotecnologia Aplicada a FármacosBárbara Mathias Fahning; Elyomar Brambati Lobão; Mauricio da Silva Mattar;Helber Barcellos da Costa ........................................................................................................................49-57

FILOSOFIAPensando Deus, o humano e as virtudes cristãs – análise do poema de Cordel Os Martírios de GenovevaDr. Carlos Cariacás ....................................................................................................................................58-66

FISIOTERAPIAAnálise ergonômica intervencional em uma equipe de auxiliares de serviços geraisJania Jacob Amâncio Miranda; Letícia Costa Santos; Mariana Mariano Alves Nogueira;Celine Cristina Raimundo Pedrozo ...........................................................................................................67-73

NUTRIÇÃOAvaliação nutricional em crianças do projeto “Caminhando Juntos”Taísa Sabrina Silva Pereira; Paula Regina Campos; Alessandra Garcia ....................................................74-82

PSICOLOGIAReligiosidade/espiritualidade e sua relação com a saúde mentalAndréa Campos Romanholi; Lisiane Fernanda Ferreira; Márcio Fernandes de Oliveira; Welison Dias de Sousa ............................................................................................................................83-89

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Pastoral da criança: contexto de desenvolvimento infantilLusineide Cardoso de Melo; Christyne Gomes Toledo de Oliveira ............................................................90-95 SERVIÇO SOCIALPrograma Bolsa Família: autonomia ou legitimação da pobreza?Ms. Alaísa de Oliveira Siqueira..................................................................................................................96-104

NOTAS AOS COLABORADORES................................................................................................................106

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APRESENTAÇÃO

A Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo busca dar um importante passo em direção à organização administrativa e acadêmica planejada para 2014, alcançar o status de Centro Universitário.Mesmo que a Legislação educacional brasileira não obrigue as faculdades e centros universitários ao exercício da iniciação e pesquisa científicas, a comunidade acadêmica da Católica, por meio dos seus representantes nos Conselhos Superiores e Colegiados de Curso, acredita na importância dessa estratégia para um processo de ensino-aprendizagem de excelência que não tenha por base somente a reprodução do conhecimento ou a realidade que a cerca. Por isso, desde 2003 os esforços voltados para a publicação docente são uma realidade na Instituição, com a veiculação da Revista Capixaba de Filosofia e Teologia (REDES), que vem corroborar a qualidade acadêmica alcançada no curso e coroar as ações desenvolvidas por meio do convênio com o Instituto de Filosofia e Teologia de Vitória (IFTAV). Em 2008, a Faculdade concretizou mais um investimento no incentivo à produção docente com o lançamento de Editais internos anuais de financiamento, com recursos próprios, de projetos voltados ao desenvolvimento de iniciação e Pesquisas Científicas. Dessa forma, a Instituição almeja permitir a qualificação docente e do ensino de graduação por meio da prática sistemática da investigação científica. Surgiu, então, mais um veículo de publicação, a Episteme: Revista Científica da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, que não se destina somente às publicações dos segmentos internos da IES, já que a ideia é construir um instrumento que priorize a construção e divulgação do conhecimento. Recentemente, foram lançadas as revistas com as produções científicas apresentadas na X Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão – A Produção do Conhecimento no Contexto Universitário. A Revista Eletrônica – X Sepex foi dividida nas categorias TCC, Estágio, Projeto Integrador, Projeto de Extensão, Temas Livres e Iniciação Científica e é fruto do empenho de nossos alunos e professores. Em sua décima edição, o evento, que é semestral, teve 152 trabalhos inscritos, afirmando cada vez mais seu caráter de integração acadêmica e focos na prática acadêmica e interdisciplinaridade. Entregamos agora à comunidade acadêmica mais uma edição da Episteme, um instrumento multidisciplinar de divulgação da iniciação e pesquisa científicas, nas versões impressa e on-line, que está aberta às contribuições advindas das comunidades científicas regional e nacional. Estamos dando um grande passo para potencializar os processos educacionais, o que certamente permitirá à Instituição não somente diferenciar ainda mais os serviços prestados à Sociedade, mas também consolidar a excelência acadêmica requerida em seu planejamento estratégico e necessária ao alcance do status de Centro Universitário em 2014. Parabenizo a comunidade acadêmica por mais esta publicação para a divulgação dos novos conhecimentos gerados a partir da indissociabilidade entre o ensino, iniciação e pesquisa científicas e a extensão.

Jolmar Luis HawerrothDiretor Executivo da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo.

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Abordagens biotecnológicas para o controle de viroses em plantas

Paolla Mendes do Vale de Abreu, João Gilberto Zanotelli Piccin, Silas Pessini Rodrigues; José Aires Ventura e Patricia Machado Bueno Fernandes1

Núcleo de Biotecnologia, Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Marechal Campos, 1468, 29040-090, Vitória, ES, Brasil. e-mail: [email protected]. Tel. 55.27. 3335-7348 / Fax. 55.27.2122-7275

RESUMOAs viroses são problemas importantes para a agricultura moderna e o seu controle representa um desafio para o manejo de áreas cultivadas. As principais estratégias de resistência das plantas a vírus se baseiam em mecanismos naturais ou em engenharia genética. Recentemente, a maior compreensão dos mecanismos moleculares envolvidos na resistência da planta facilitou o desenvolvimento de novas estratégias antivirais. Plantas modificadas geneticamente, em particular aquelas apresentando a via de silenciamento de RNA, são alvo de interesse crescente e representam a possibilidade de estratégias futuras mais efetivas. Neste trabalho são discutidos aspectos relacionados à resistência a viroses em plantas.

Palavras-chave: Resistência. Silenciamento do RNA. RNA de interferência.

ABSTRACTVirus diseases are significant threats to modern agriculture and their control remains a challenge to Cultivation management. Main virus resistance strategies are based on natural resistance or engineering virus-resistant plants. Recent progresses in understanding the molecular mechanisms underlying the roles of resistance genes has promoted the development of new anti-virus strategies. Engineered plants, in particular those who RNA-silencing via, have bean increasingly important and are likely to provide more effective strategies in future. A general discussion on the biotechnology of plant responses to virus infection is followed.

Keywords: Resistance. RNA silencing. Interference RNA.

1 Introdução

Os vírus estão entre os mais importantes patógenos de plantas. As conseqüências de infestações virais em áreas cultivadas vão desde a redução da qualidade à completa devastação das culturas vegetais. Para o gerenciamento de uma doença causada por vírus é necessário um extenso conhecimento sobre a infecção viral e seus efeitos na planta hospedeira de modo a permitir um procedimento correto de controle. A redução de perdas das culturas está baseada no controle da disseminação do vírus e não no tratamento das plantas infectadas, como normalmente é utilizado em doenças bacterianas ou fúngicas (VENTURA et al., 2004).

Em geral, danos à barreira composta de parede celular e membrana plasmática permitem a propagação de alguns vírus dentro de uma célula viável da planta, um processo conhecido como inoculação (RODRIGUES et al., 2009). Se uma interação compatível acontecer entre o vírus e a planta, ocorre a replicação das partículas virais e a propagação destas no hospedeiro por meio dos plasmodesmos e dos feixes vasculares (LOUGH; LUCAS, 2006; SCHOLTHO, 2005). A intensidade desses processos pode variar entre cada sistema planta versus vírus específico. As plantas, por sua vez, apresentam um arsenal de respostas de defesa, com o objetivo de reduzir a replicação do vírus. Em alguns casos, o uso de cultivares com elevados níveis de resistência

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representa uma estratégia viável para reduzir a perda na colheita. Alternativamente, estirpes virais podem ser utilizadas para aumentar a resposta de defesa, agindo, portanto, como uma vacina. Avanços no entendimento da bioquímica de infecções virais, tal como o silenciamento de RNA, têm resultado em novos métodos potenciais para eficientemente limitar doenças causadas por vírus (BUCHON; VAURY, 2005; BERKHOUT; HAASNOOT, 2006).

2 COMO OS VÍRUS SE PROPAGAM DENTRO DO HOSPEDEIRO?

Os vírus promovem a infecção em hospedeiros suscetíveis através de uma série de estratégias. Essas estratégias envolvem modificações bem documentadas nas células das plantas hospedeiras que potencializam a infecção. Em um hospedeiro suscetível, os vírus de planta frequentemente induzem alterações fisiológicas, como a queda nas taxas de fotossíntese, aumento da respiração celular e acúmulo de compostos nitrogenados (OPARKA, 2004; WATSON, 2005; SCHOLTHO, 2005). Também pode ocorrer no hospedeiro a interferência na regulação do ciclo celular (GUTIERREZ, 2000) e no tráfego de moléculas entre as células (CRAWFORD; ZAMBRYSKI, 1999). Entretanto, os mecanismos responsáveis por essas alterações fisiológicas ainda são pouco conhecidos. Isso se deve, em parte, ao fato de que diferentes infecções virais podem induzir diferentes alterações fisiológicas nas plantas. Não se sabe ao certo em que momento os vírus passam a se replicar e quando eles começam a se movimentar entre as células, tornando-se capazes de alterar a fisiologia da célula hospedeira, o que dificulta identificar os eventos que levam ao desenvolvimento da doença (CULVER; PADMANABHAN, 2007). Os plasmodesmos¹ e os vasos do floema² podem ser usados para permitir que partículas virais se movam dentro do corpo do hospedeiro. Para isso, os vírus codificam proteínas de movimento (moviment protein – MP) (THOMPSON, 2006), capazes de alterar a permeabilidade dos plasmodesmos e o tamanho limite de exclusão³ . A MP de Tobacco mosaic virus (TMV), por exemplo, se associa a fibras de actina na região do desmotúbulo derivado do retículo endoplasmático. Essa associação promove o aumento do tamanho limite de exclusão, permitindo que partículas virais se movimentem através do desmotúbulo do plasmodesmo (MAULE, 2008). Como consequência, o transporte de carboidratos, pequenos RNAs e proteínas pode ser diretamente

afetado durante a infecção viral, alterando a alocação de recursos celulares bem como dos sinais de comunicação (BIEMEL; SONNEWALD, 2006), que são importantes para o desenvolvimento vegetal e a resistência à doença (HAYWOOD et al., 2005; MALDONADO et al., 2002). Após a replicação viral e a propagação das partículas virais na planta hospedeira, muitas partículas estão disponíveis para serem transmitidas para outra planta, por exemplo, através de um vetor, iniciando assim um novo ciclo de vida. O hospedeiro, entretanto, não é passivo – durante esses processos a planta pode se defender contra a infecção se ela possuir genes de resistência, que são efetivos contra o vírus invasor, ou se mecanismos gerais de resistência são ativados (BAKER et al., 1997). Tais respostas podem ser gerais ou específicas e o seu conhecimento detalhado é valioso na implementação de medidas preventivas apropriadas.

¹Plasmodesmos são canais responsáveis pela conexão citoplasmática entre células vizinhas, possibilitando a troca de moléculas funcionais e estruturais. Eles podem atuar ainda no transporte a longa distância pela associação com o floema.

²Floema é o tecido responsável pela translocação de nutrientes orgânicos, especialmente açúcares produzidos pela fotossíntese, característico pela capacidade de translocar uma grande quantidade de material muito rapidamente.

³Tamanho limite de exclusão de um plasmodesmo corresponde ao tamanho máximo das moléculas capazes de atravessar o plasmodesmo e está relacionado diretamente ao diâmetro do canal e à afinidade com as proteínas que revestem o canal.

3 COMO AS PLANTAS SE DEFENDEM CONTRA VIROSES?

MODELO DE RESISTÊNCIA R VERSUS AVR O sistema imune natural da planta baseia-se em genes de resistência dominantes e recessivos. Nesse modelo, plantas com genes de resistência dominante (R) interagem com gene de avirulência do patógeno (Avr) em um relacionamento genético alelo-específico (PARKER et al., 2007; JONES; DANGL, 2006). Uma forma localizada de morte celular programada, chamada de resposta hipersensitiva (RH), é freqüentemente observada nesse tipo de interação. Embora isso não previna a invasão do hospedeiro pelo patógeno, a RH pode limitar a expansão da região afetada. Em geral, todos os genes dominantes (R) conhecidos foram agrupados em oito classes com base em sua estrutura protéica predita. Muitas das proteínas que esses genes codificam possuem uma cauda zipper de leucina N-terminal (LZ) ou outra

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seqüência espiralada de aminoácidos, uma seqüência de sítios de ligação de nucleotídeos localizada centralmente (NBS) e repetições ricas em leucina C-terminal (LRR), de vários tamanhos (MARTIN et al., 2003). Todos os genes R que conferem resistência a viroses pertencem à classe NBS-LRR (TAO et al., 2003). Genes R que conferem RH podem reconhecer subunidades de RNA polimerase, movimento de proteínas, cápsula protéica (CP) e segmentos genômicos como fatores de avirulência. Um mecanismo para explicar a genética de genes Avr-R de resistência a doenças é que produtos do gene R servem como receptores diretos de proteínas Avr codificadas pelo patógeno (CHISHOLM et al., 2006; PARKER et al., 2007). Um mecanismo alternativo é aquele em que proteínas R poderiam formar complexos para reconhecer moléculas do patógeno no estágio inicial de invasão. A ligação às moléculas do patógeno poderia induzir uma seqüência de eventos celulares e constituir na resposta de defesa, inibindo o crescimento do patógeno (JONES; DANGL, 2006; PARKER et al., 2007). Pouco conhecimento existe sobre a resposta da planta controlada por genes recessivos de resistência. Essa resistência poderia ser o resultado de um mecanismo passivo em que fatores específicos do hospedeiro requeridos pelo vírus para completar seu ciclo de vida estão ausentes ou presentes na forma mutada (DIAZ-PENDON et al., 2004). Uma mutação no fator eIF4Ep em pimenta (KANG et al., 2005), alface (NICAISE et al., 2003) e pêra (GAO et al., 2004), por exemplo, prejudica o ciclo de infecção do potivírus por meio de um mecanismo não conhecido.

MODELO DE RESISTÊNCIA POR PEQUENOS RNAs A resistência derivada do patógeno (PDR) é possível por meio da expressão de sequências de RNA virais. A aquisição de resistência, assim, é dependente do RNA transcrito. Essa resistência viral mediada pelo RNA pode ser considerada um exemplo de silenciamento do gene pós-transcricional (PTGS) em plantas (GOLDBACH, et al., 2003). Napoli e colaboradores (1990) primeiramente mostraram o fenômeno de PTGS em Petunia hybrida expressando transgenicamente o gene para a enzima chalcona sintase. Eles observaram uma inativação coordenada e recíproca do gene do hospedeiro e do transgene codificando o mesmo RNA. Esse processo foi chamado de silenciamento do RNA ou interferência do RNA (RNAi) (DING; VOINNET, 2007). Mais tarde, o processo foi demonstrado ocorrer em uma variedade de organismos eucariotos (ULLU et al., 2004).

O processo de silenciamento envolve diferentes moléculas pequenas de RNA. A clivagem de uma dupla fita de RNA (dsRNA) precursora em pequenos RNAs (21-26 nt) por uma enzima que tem domínio RNase III (DICER), gera pequenos RNAs, que são conhecidos como pequenos RNAs de interferência (small interfering RNAs - siRNA) (Figura 1) (SOOSAAR et al., 2005).

Figura 1: Representação esquemática da formação de siRNAs pela clivagem da Dicer. Em A, um longo precursor de dsRNA é clivado em um passo dependente de ATP pela enzima DICER em duplexes de 21-24 nt. Em B, um outro passo também depen-dente de ATP, os siRNAs são extraídos, provavelmente por uma RNA helicase, tornando-se fita simples. Depois, complexos de ribonucleoproteína são rearranjados no complexo de silencia-mento induzido por RNA (RISC), que inclui uma proteína Argo-naute que se liga a fita simples do siRNA. Em C, a RISC se liga e cliva o RNA alvo complementar no meio da região pareada. Por fim, os siRNAs específicos são produzidos e liberados. Fonte: INVITROGEN BY LIFE TECHNOLOGIES (2010).

siRNAs podem se originar de longos dsRNAs, de sequências repetidas codificadas no genoma, de transposons4 ou como produtos da atividade celular da RNA polimerase dependente de RNA (RdRp). As moléculas de siRNA também surgem de fontes exó-genas, tais como vírus (Figura 2) (SOOSAAR et al., 2005).

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Figura 2: Diferentes vias do RNAi. Em A, a defesa antiviral por siRNAs e em 2, a formação de miRNAs e a regulação da expressão gênica realizada por eles. Em A, uma molécula de dsRNA, que pode ser de origem viral, é processada pela enzima DICER no citoplasma em pequenas moléculas de RNA dupla-fita (siRNA). Uma das fitas do siRNA é guiada pela RISC em associação com a proteína AGO

4Transposons são sequências de DNA que podem se mover para diferentes posições dentro do genoma da célula, um processo conhecido como transposição. Nesse processo, eles podem causar mutações. São também chamados de “jumping genes”, e são exemplos de elementos genéticos móveis.clivada, impedindo a replicação e a propagação viral. Em B, as moléculas de miRNA são primeiramente expressas no núcleo como moléculas primárias de miRNA (pri-miRNA), que são processadas pela enzima DROSHA em precursores de miRNA (pre-miRNA). Estes são levados ao citoplasma, pelo auxílio de proteínas de exportação presentes na membrana nuclear, como a proteína Exportin 5. No citoplasma os pre-miRNAs são processados pela DICER em moléculas maduras de miRNA, de aproximadamente 21-25 nt. Uma das firas do miRNA é guiada pela RISC em associação com a enzima AGO a uma molécula de RNAm alvo complementar, onde a RISC se liga a região 3’ não traduzida, promovendo, assim, a inibição da tradução. As moléculas de miRNA, portanto, são responsáveis pela regulação da expressão gênica.

Uma segunda classe de pequenos RNAs, microRNAs (miRNAs), são produtos endógenos. Os miRNAs são expressos inicialmente como RNA primário (primiRNA) e são posteriormente processados pelas enzimas Drosha e Dicer em precursores de miRNA (premiRNA) de aproximadamente 70 nucleotídeos e miRNA maduro de 21-25 nucleotídeos, respectivamente. Somente uma das fitas do miRNA maduro, a fita guia, é levada ao complexo de silenciamento induzido por RNA (RNA induced RNA silencing - RISC) para guiar a clivagem de mRNA homólogo (Figura 2) (BERKHOUT;

HAASNOOT, 2006). Ambos, siRNA e miRNA, guiam a RISC e se tornam capazes de reconhecer e destruir fitas simples de RNAs complementares (BAULCOMBE, 2004 ; MEISTER; TUSCHI, 2004) (Figura 3). Adicionalmente, foi demonstrado que os siRNAs (24-26 nt) levam à metilação de DNA homólogo causando o remodelamento da cromatina e o consequente silenciamento de genes no nível transcricional (transcriptional gene silencing - TGS). Em contrapartida, os miRNAs causam a inibição da tradução pelo pareamento específico de base com o RNAm alvo. miRNAs celulares são importantes para a regulação de genes celulares, mas existem evidências de que eles podem também ter como alvo o material genético de vírus invasores (BERKHOUT; HAASNOOT, 2006). O silenciamento do RNA foi primeiro reconhecido como um mecanismo antiviral que protegia organismos contra vírus de RNA (WATERHOUSE et al., 2001). Entretanto, um papel geral do silenciamento do RNA na regulação da expressão do gene se tornou evidente. Muitos genes de miRNA são evolutivamente conservados. Sua função nas plantas é principalmente clivar uma seqüência complementar localizada dentro da região 3’ não traduzida do RNAm alvo (MEISTER; TUSCHI, 2004). O silenciamento de RNA em planta parece ser mais diverso em comparação com outros organismos. Alguns aspectos do silenciamento são comuns a todos os organismos eucarióticos (por exemplo, o requerimento das proteínas Dicer e Argonaute). A metilação de uma seqüência específica de DNA (RNA directed DNA methilation – RdDM) pode ser induzida por moléculas de dsRNA em vários sistemas de planta (CAO et al., 2003). Já se sugeriu que RdDM também ocorre em mamíferos (KAWASAKI; TAIRA, 2004), mas não em fungos (FREITAG et al., 2004). O silenciamento em plantas é sistemicamente transmitido dentro do corpo da planta (HIMBER et al., 2003). Um processo similar parece estar ausente em mamíferos e insetos, mas ocorre em C. elegans (BAULCOMBE, 2004). Além disso, o tamanho dos siRNAs pode variar de 21 a 25 nt em diferentes espécies. Em plantas são encontrados siRNAs com 21 nt e 24 nt (TANG et al., 2003), mas somente dois tamanhos, 21 nt e 25 nt, estão presentes no fungo Mucor circinelloides (HAMILTON et al., 2002), enquanto que somente fragmentos de 21 nt de siRNAs parecem estar presentes em animais (PRINS et al., 2008). Uma estratégia empregada para aumentar

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a eficiência do RNAi é amplificar a quantidade de moléculas chave que agem no processo de RNAi, por exemplo siRNAs. Esse mecanismo de amplificação, chamado transitividade, significa que novas seqüências homólogas do siRNA são sintetizadas (BUCHON; VAURY, 2005). Esses novos siRNAs podem, então, procurar ou destruir algum RNAm homólogo. Estudos iniciais feitos em plantas e nematodos relataram que a RdRp poderia estar envolvida na geração de siRNAs secundários homólogos a todo o comprimento do RNAm alvo (FORREST et al., 2004). Dois modos de ação têm sido propostos. Primeiro, RdRp é ativa para gerar novamente siRNAs. Segundo, RdRp usa o siRNA como um primer para extensão, e sintetiza novos longos dsRNAs (MAKEYEV; BAMFORD, 2004). Esses RNAs novamente sintetizados são capazes de reiniciar o RNAi e então amplificar o sistema (Figura 3).

A

B

Figura 3: Mecanismo de transitividade. Na célula (a) dsRNAs são reconhecidos pela via do RNAi e clivados por uma Dicer para formar siRNAs. Esses siRNAs procuram e destroem RNAs alvo homólogos na célula em que foram gerados. Um sinal móvel permite que a via de silenciamento do RNAi seja ativada em células adjacentes (b), onde a RdRp pode gerar novos siRNAs para reiniciar o RNAi, amplificando do sistema. Esse fenômeno é conhecido como transitividade. Fonte: (a) Modificado de INVITROGEN BY LIFE TECHNOLOGIES (2010); (b) Modificado de BUCHON; VAURY (2005).

Uma diferença no comprimento dos siRNAs têm sido observadas: normalmente siRNAs têm de 21-22 nucleotídeos de comprimento. Os siRNAs re-sultantes de um passo de amplificação, entretanto, são de 24-26 nucleotídeos de comprimento. Essas descobertas destacam uma complexidade inespera-da das pequenas moléculas de RNA envolvidas na via do RNAi (HAMILTON, 2002).

Vias de silenciamento do RNA Três vias de silenciamento do RNA foram descritas em plantas (Figura 4) (BAULCOMBE, 2004). Estas são: o silenciamento de siRNA citoplasmático, importante nas células infectadas por vírus, o silen-ciamento de RNAm endógeno por miRNA e uma ter-ceira via associada com a metilação do DNA e supres-são da transcrição.

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Figura 4: Vias de silenciamento do RNA. Em A, a clivagem de RNA mensageiro específico por miRNAs ou siRNAs. Em B, a repressão específica da tradução por miRNAs ou siRNAs. Em C, o silenciamento transcricional por siRNAs que se anelam à heterocromatina, tornando-a inativa.

Estas vias todas se iniciam com a produção de transcritos de RNA do genoma do organismo com complementaridade ou complementaridade próxima de 20 a 25 pares de bases (pb), que podem formar alça de dsRNA (MEISTER; TUSCHI, 2004). Tais transcritos são considerados precursores de miRNA. Seu processo de amadurecimento envolve proteínas como a Dicer que possuem atividade de endonuclease da RNase tipo III dsRNA específico e domínio de ligação ao dsRNA. O processo, que se inicia pela enzima Drosha, ocorre no núcleo da célula e o precursor do miRNA é então exportado para o citoplasma por meio de exportadores nucleares tal como a proteína exportin 5 (LUND et al., 2004). No citoplasma, os precursores de miRNA são em seguida processados pela Dicer produzindo miRNA dupla-fita com cerca de 21nt de comprimento (ELBASHIR et al., 2001). Moléculas de dsRNA também podem ser derivadas da polimerização, pela RdRp, de RNA de origem viral e pela hibridização de transcritos com sequências repetidas, como um transgene ou transposon (MEISTER; TUSCHI, 2004). Além disso, moléculas de dsRNA podem ser artificialmente introduzidas. Tais dsRNAs induzem a produção de siRNAs, que geralmente guiam a degradação do RNAm alvo e a modificação da cromatina. Os pequenos RNAs (siRNA e miRNA) produzidos se associam à RISC. No mínimo um membro da família das proteínas AGO está presente na RISC, provavelmente interagindo diretamente com o RNA alvo no complexo. O domínio PAZ da AGO especificamente reconhece o término da hélice de bases pareadas do siRNA e miRNA dupla-fita (MA et al., 2004). Proteínas AGO se ligam preferencialmente a pequenos RNAs de uma seqüência específica. Os pequenos RNAs na RISC guiam a degradação de uma seqüência específica de complementaridade ou complementaridade próxima do RNAm alvo. A primeira evidência da regulação da tradução guiada por miRNA foi em C. elegans, onde o miRNA complementar para um gene específico reduziu a síntese protéica sem afetar os níveis de RNAm (MAKEYEV; BAMFORD, 2002). Processos similares também ocorrem em plantas. Embora os mecanismos da repressão da tradução

sejam pobremente entendidos, miRNAs parecem bloquear o alongamento da tradução ou o seu início (SEGGERSON et al., 2002). Quatro diferentes genes da Dicer são relatados em plantas, com cada Dicer preferencialmente processando dsRNA de uma fonte específica. Por exemplo, DCL1 e DCL4 processam precursores de miRNA, enquanto DCL2 e DCL3 estão envolvidos no processamento de siRNAs de vírus de planta e de seqüências repetidas respectivamente (MEISTER; TUSCHI, 2004). Muitos trabalhos mostram que a planta, ao entrar em contato com um dsRNA exógeno, silencia sequências homólogas de RNA, sejam elas da própria planta ou de organismos invasores. Dessa maneira, é possível construir linhas de plantas transgênicas que expressem um dsRNA capaz de induzir o silenciamento de uma sequência específica de RNA viral, o que as tornaria resistentes a esse vírus. Raízes de beterraba, por exemplo, foram transformadas com Agrobacterium rhizogenes expressando dsRNA do gene da replicase de Beet necrotic yellow vein virus (BNYVV), o que conferiu resistência à doença causada por este (PAVLI et al., 2010). Também, plantas transgências de tomate transformadas com o dsRNA do gene AC4 de Tomato leaf curl virus produziram um pool de siRNAs efetivos no silenciamento desse gene (PRAVEEN et al., 2010). Isso mostra, portanto, que a via de silenciamento de RNA é uma alternativa potencial para o controle das doenças virais em plantas.

4 CONCLUSÃO Os vírus são capazes de se replicar dentro de uma célula viável e se propagar para as demais células da planta utilizando proteínas de movimento. As plantas, no entanto, apresentam um arsenal de respostas de defesa para tentar impedir a replicação viral e o progresso da infecção - a via de silenciamento do RNA ou RNA de interferência é um caminho para resistir às infecções virais. Para escapar desse mecanismo de defesa, os vírus são capazes de produzir proteínas que agem suprimindo enzimas e outras moléculas que estão envolvidas nas diferentes vias de silenciamento do RNA. É possível, no entanto, que plantas se tornem resistentes a vírus pela aplicação da biotecnologia, que permite a geração de plantas geneticamente modificadas, com superexpressão de genes envolvidos nessa via do RNA de interferência.

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Ocorrência de enteroparasitas em mãos de escolares de ensino fundamental, Vitória, ES

Ger F. Couto1; Gabriela C. Zamprogno2 ; Viviane C. Meneguzzi3

Faculdade Salesiana de Vitória, Av. Vitória, 950, Forte São João. Vitória, ES. CEP: 29017-950, e-mail: [email protected]. Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Ciências Biológicas, Laboratório de Malacologia, Av. Marechal Campos

1468, Vitória, ES. CEP: 29.040-090, e-mail: [email protected]; [email protected].

RESUMOEsse estudo objetivou avaliar a freqüência de ovos de helmintos e cistos de protozoários em mãos de escolares através do isolamento, identificação e quantificação de parasitos das amostras antes e após a orientação de lavagem correta das mãos. Foi desenvolvido em uma Escola de Ensino Fundamental da rede pública Municipal em Vitoria, ES. As coletas foram realizadas em alunos de 5 turmas em abril de 2010. Em cada turma foram escolhidos aleatoriamente 15 alunos. Realizou-se a coleta do material das mãos dos alunos utilizando-se o método de Graham (1941). As lâminas foram examinadas em microscopia óptica. Posteriormente, foi feita uma orientação sobre a correta lavagem das mãos, foi solicitada a realização desse procedimento aos estudantes e uma nova coleta foi realizada. Utilizou-se um questionário dirigido aos alunos, contendo questões relacionadas aos hábitos de higiene e saneamento básico. Dentre os 75 alunos examinados nas coletas das mãos, 20 estavam contaminados com parasitas, perfazendo um total de 27%. Foram identificados ovos dos helmintos Ascaris lumbricoides (52% de frequência), Enterobius vermicularis (24%) e Trichuris trichiura (5%) e cistos do protozoário Entamoeba coli (19%). Poliparasitismo ocorreu em um aluno (A. lumbricóides e E. vermiculares). Observou-se que com o aumento do nível de escolaridade houve uma diminuição de positividade das amostras. Após a orientação correta da lavagem das mãos não foi registrado nenhum parasito, evidenciando a importância da educação em saúde bem como a melhoria do ensino.

Palavras-chave: Parasitoses. Escolares. Mãos.

ABSTRACTThis study aimed to evaluate the frequency of helminth eggs and protozoan cysts in hands of schoolchildren through the isolation, identification and quantification of parasites before and after the guidance of proper hands washing. It was developed in a school in Vitoria, ES. The samples were taken in students from five classes in April 2010. In each class were randomly selected 15 students. Students hands material were sampled using the method of Graham (1941). The laminas were examined using optical microscopy. After the direction on the proper washing of hands It was requested to conduct this procedure to students and a new Sample was taken. Was performed a questionnaire to students with questions related to hygiene and sanitation. Among the 75 students surveyed in the collections of the hands, 20 were infected with parasites, making a total of 27%. We identified helminth eggs of Ascaris lumbricoides (52% of frequency), Enterobius vermicularis (24%) and Trichuris trichiura (5%) and cysts of protozoan Entamoeba coli (19%). Polyparasitism occurred in one student (A. lumbricoides and E. vermiculares). It was observed that with increasing education level was a decrease of positive samples. After the correct orientation of hand washing has not registered any parasite, indicating the importance of health education and improving education.

Keywords: Parasites. Students. Proper hands washing.

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1 INTRODUÇÃO

As parasitoses intestinais assumem um importante papel para a saúde pública, uma vez que podem ocasionar perdas econômicas pela ausência ao trabalho ou diminuição da produtividade, deficiências no rendimento escolar, gastos com serviços médicos e paramédicos (Bloch, 1981). Condições precárias de higiene, dificuldades econômicas e desconhecimento sobre medidas preventivas são fatores que contribuem para que as populações menos favorecidas e, em especial as crianças, se tornem o alvo preferido para a incidência das parasitoses intestinais, o que constitui um dilema nacional, cuja solução se torna difícil por envolver variáveis diversas, como o ambiente, condições sociais, econômicas e culturais dos afetados. A alimentação dentro de padrões higiênico-sanitários satisfatórios é uma das condições essenciais para a manutenção e promoção da saúde. Além da obtenção de alimentos seguros, a deficiência higiênica é um dos fatores responsáveis pela ocorrência de surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTA’s). O aspecto de maior preocupação é a higienização incorreta.Pedrazzani et al. (1990) mostraram a importância de práticas educativas como melhores fomentadoras de informações e formadoras de opiniões para melhoria da qualidade de vida (Pedrazzani et al. 1990). Para Belinelo et al. (2006) a erradicação das verminoses requer melhoria das condições socioeconômicas, saneamento básico e, principalmente, na educação em saúde. Práticas educativas são de fundamental importância para as crianças, pois contribuem para o desenvolvimento da responsabilidade perante o seu próprio bem-estar e na manutenção de um ambiente saudável (ANVISA, 2006). Neste contexto, os educadores têm como compromisso transmitir corretamente aos seus alunos informações sobre o assunto, devido a sua grande importância em saúde pública (Heukelbach et al. 2003). É notória a necessidade de medidas simples de educação em saúde, tais como lavagem das mãos e alimentos ou uso de calçados em escolares. A microbiota transitória coloniza a camada mais superficial da pele e sua remoção mecânica é proporcionada pela higienização das mãos com água e sabão, sendo eliminada com mais facilidade com a utilização de solução anti-séptica (ANVISA, 2006). Enfim, ações de higiene que promovam a integração dos hábitos de saúde individuais, coletivos e ambientais são eficazes no combate às diversas

infecções. As atividades de educação em saúde são consideradas importantes instrumentos para a garantia de melhores condições de vida. A ocorrência de parasitoses intestinais em idade infantil, especialmente na idade escolar, consiste em um fator agravante da subnutrição, podendo levar à morbidade nutricional, geralmente acompanhada de diarréia crônica (Macedo, 2005). Esses fatores podem refletir diretamente no rendimento escolar, justificando assim a importância de se avaliar os estudantes e a educação em saúde na escola. A higiene pessoal e domiciliar, incluindo uma grande quantidade de medidas, tem sido investigada como fator de risco de doença redutível pelo saneamento. Dentre todos os fatores avaliados por estudos sobre o tema, o ato de higiene pessoal mais estudado tem sido a lavagem das mãos. Feachem & Koblinsky (1984) desenvolveu uma extensa avaliação do efeito da higiene pessoal e domiciliar sobre o controle da diarréia infantil, a partir de estudos realizados em hospitais, centros de saúdes e comunidade. O autor avaliou casos mais significativos, para a inferência de valores quantitativos: o primeiro em Bangladesh, o segundo nos Estados Unidos, ambos analisando lavagem das mãos, e o terceiro na Guatemala, este referente à melhoria e diversos aspectos da higiene doméstica e pessoal. Esrey et al. (1991) concluíram por meio da relação de hábitos de higiene, incluindo a lavagem das mãos, uma redução esperada de 33% na morbidade por diarréia, mediante o aperfeiçoamento das práticas higiênicas. Neste sentido, o presente estudo objetivou identificar a ocorrência de ovos de helmintos e cistos de protozoários em mãos de alunos de uma escola da rede pública de ensino municipal de Vitória, estado do Espírito Santo (ES), com a finalidade de fornecer subsídios para o desenvolvimento de ações e medidas de controle, visando à orientação e o esclarecimento sobre os riscos que as parasitoses causam na saúde dessas crianças.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho foi desenvolvido em uma Escola de Ensino Fundamental da rede pública Municipal em Vitoria, ES. As coletas foram realizadas em alunos de 5 turmas distintas: 5ª, 6ª, 7ª A, 7ª B e 8ª séries. As coletas foram realizadas no período entre 12 a 16 de abril de 2010. Para cada turma selecionada, foram escolhidos aleatoriamente 15 alunos para cada

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turma, selecionando-os a partir da lista de freqüência da escola, totalizando 75 alunos. Para verificar a ocorrência de parasitos foi realizada a coleta do material das mãos dos alunos utilizando-se o método de Graham (1941). Esta técnica consiste em colar uma fita adesiva transparente de 6 cm por cinco ou seis vezes sobre cada mão de cada aluno e, posteriormente, fixá-la longitudinalmente sobre lâmina devidamente identificada. As lâminas foram examinadas em microscopia óptica. As coletas em cada criança foram realizadas antes do processo de lavagem das mãos. Posteriormente, foi feita uma orientação sobre a correta lavagem das mãos e foi solicitada a realização desse procedimento aos estudantes. Após a lavagem das mãos, foi realizada uma nova coleta nos alunos selecionados anteriormente. Para a lavagem das mãos foi utilizada a metodologia descrita e recomendada pela ANVISA (2006) sobre higienização simples das mãos com a finalidade de remover os microorganismos que colonizam as camadas superficiais da pele, assim como o suor, oleosidade e as células mortas, retirando a sujidade propícia à permanência e à proliferação de microorganismos. Além dessa metodologia, para complementar a higienização, foi solicitada ao aluno a utilização de álcool gel nas mãos. Para definir possíveis fatores de risco na transmissão de parasitoses, utilizou-se um questionário dirigido aos alunos, contendo questões relacionadas aos hábitos de higiene e saneamento básico. Foi solicitada a autorização dos pais. Para verificar a existência de correlação entre a ocorrência de parasitos e a idade dos alunos foi realizado do teste de Spearman, com nível de significância de 5%.

3 RESULTADOS 3.1 AVALIAÇÕES DAS MÃOS ANTES DA LAVAGEM Dentre os 75 alunos examinados nas coletas das mãos, 26% apresentaram as mãos contaminadas com parasitas intestinais (Figura 1a). De forma geral, foram identificados cistos do protozoário Entamoeba coli e ovos dos helmintos Enterobius vermicularis, Ascaris lumbricoides e Trichuris trichiura. Ascaris lumbricoides foi o parasito de maior ocorrência (52% das amostras positivas), presente em 11 amostras. Enterobius vermiculares ocorreu em 24% das amostras positivas, Entamoeba coli em 19% e Trichuris trichiura em 5% (Figura 1b).

Deste total, poliparasitismo ocorreu em apenas um aluno da 5ª série (2%), que apresentou ovos de Ascaris lumbricoides e de Enterobius vermiculares concomitantemente. Dados apresentados no presente estudo corroboram com informações na literatura de que A. lumbricoides é o helminto mais freqüente nos países pobres, sendo sua estimativa de prevalência de aproximadamente 30% (Zaiden et al., 2008). Diversos fatores interferem na prevalência desta parasitose, tais como: grande quantidade de ovos produzidos e eliminados, viabilidade do ovo infectante por até um ano e fácil dispersão, condições precárias de saneamento básico e conceitos equivocados sobre a transmissão da doença e hábitos de higiene (Zaiden et al., 2008). Este parasito é transmitido através de água ou alimentos contaminados com ovos. Assim como a ascaridíase, a helmintíase provocada pelo parasito E. vermiculares tem alta prevalência nas crianças em idade escolar devido aos fatores: somente a espécie humana parasitada por essa espécie, fêmeas deste helminto eliminam grande quantidade de ovo na região anal, os ovos em poucas horas se tornam infectantes e podem resistir até três semanas em ambiente doméstico (Zaiden et al., 2008). A doença provoca prurido anal e inflamação no ceco e apêndice. Outra essa espécie parasitária que também apresenta elevada prevalência em crianças é Trichuris trichiura. Os ovos deste parasita contaminam o ambiente em áreas que apresentam deficiências em saneamento básico, e, por serem extremamente resistentes, são facilmente disseminados pelo vento, contaminando os alimentos (Zaiden et al., 2008). A tricuríase pode causar sintomas como dores de cabeça, dor epigástrica e no baixo abdômen, diarréia, náusea e vômitos (Zaiden et al., 2008). A transmissão ocorre através de água e alimentos contaminados, também podendo ser disseminado por vetores mecânicos, tais como moscas domésticas. A única espécie de protozoário identificada nos resultados apresentados foi E. coli, que é transmitida através da ingestão de cisto maduros, presentes em alimentos ou água sem tratamento. No entanto, essa espécie não é patogênica ao ser humano (Zaiden et al., 2008).

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Figura 1 - Positividade das amostras obtidas das mãos dos alunos antes da lavagem das mãos (a); Ocorrência de parasitos nas mãos dos alunos antes da lavagem das mãos (b).

A Figura 2 apresenta a porcentagem de amostras positivas por série/turma. Observa-se que com o aumento do nível de escolaridade houve uma diminuição de positividade das amostras, indicando melhores hábitos de higienização.

Houve uma correlação negativa estatisticamente significante (r = -0,87) entre a freqüência de parasitos encontrados nos estudantes e a idade média, ou seja, quanto maior a idade da criança, menor a frequência de parasitos (Figura 3).

Figura 2 - Porcentagem de amostras positivas e negativas por série/turma obtidas nas mãos dos alunos.

Figura 3 - Correlação entre a frequência de parasitos e a idade média dos estudantes. O valor do teste de Spearman o valor de p estão inseridos na figura.

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos parasitas encontrados por série/turma. A. lumbricoides apresentou a maior ocorrência em todas as turmas, exceto na 7a b, onde A. lumbricoides, E. vermicularis e E. coli apresentaram o mesmo porcentual (33,33%).

alunos que bebem água diretamente da torneira representam a maior parte da amostra (superior a 50%). Já nas turmas 7ª A e 8ª A, a maioria dos alunos utiliza água filtrada (Figura 4a). Quanto à lavagem das frutas antes do consumo, acima de 85% dos alunos responderam que realizam a lavagem prévia (Figura 4B). Quanto à lavagem das mãos antes das refeições, as turmas 7ª A e 8ª A apresentaram os maiores valores percentuais quanto a resposta negativa (33% e 27%, reespectivamente) (Figura 4c). Segundo a resposta dos alunos, a maioria (acima de 80%) mantém as unhas limpas e bem cortadas (Figura 4d).

3. 2 ANÁLISE DOS FATORES DE RISCO ASSOCIADOS Segundo as respostas dos alunos aos questionários, nas turmas 5ª A, 6ª A e 7ª B os

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Figura 4 - Respostas dos alunos aos questionários aplicados quanto à: Procedência de água utilizada para beber nos domicílios (a); Hábito de lavar as frutas antes da ingestão (b); Hábito de lavar a mãos antes das refeições (c); Hábito de manter as unhas limpas e bem cortadas (d).

3.3 AVALIAÇÃO DAS MÃOS APÓS A LAVAGEM

Após a orientação correta da lavagem das mãos não foi registrado nenhum parasito nas mãos das crianças, evidenciando a importância da educação em saúde. A higienização das mãos é a medida individual mais simples e menos dispendiosa para prevenir a propagação das infecções relacionadas à assistência à saúde (6). As mãos constituem a principal via de transmissão de microorganismos, pois a pele é um possível reservatório de diversos microorganismos, que podem se transferir de uma superfície para outra, por meio de contato direto ou indireto (objetos contaminados) (6).

4 DISCUSSÃO

Zaiden et al. (2008), em estudo realizado em material fecal de crianças em uma creche na cidade de Rio Verde, GO, verificaram que 40% das amostras foram positivas para protozoários e/ou helmintos. Da mesma forma, Costa et al. (1999), encontraram um percentual de 35%. No presente trabalho, o índice de resultados positivos para parasitos para as mãos dos estudantes foi de 27%. Com isso podemos concluir que a porcentagem obtida é preocupante, pois se trata de mãos, onde normalmente espera-se uma menor incidência de parasitas, comparando-se com o material fecal. A ocorrência de poliparasitismo, embora em apenas um estudante, também reforça essa preocupação quanto à saúde pública. A predominância de Ascaris lumbricoides foi também encontrada em estudos desenvolvidos com crianças menores em creches de São Paulo (Coelho et al., 1999; Costa et al., 2009). A infecção por esse helminto está associada a fatores sociais, econômicos e culturais que proporcionam condições favoráveis à sua expansão, sobretudo em regiões onde os fatores ambientais são apropriados (Zaiden et al., 2008). A educação em saúde para criança é uma importante medida para controle das helmintoses, especialmente considerando as características da doença durante a infância: alta prevalência, alta porcentagem de resistência ao tratamento, alta taxa de eliminação de ovos e alto nível de infecção (Zaiden et al., 2008). Todos esses fatores indicam que as crianças têm uma papel importante na manutenção do ciclo de

A. lumbricoides (Zaiden et al., 2008), explicando a predominância desse parasitos em estudos com crianças. Pelo presente estudo, pode-se sugerir que com maior escolaridade maior o conhecimento quanto aos hábitos de higiene pessoal e, consequentemente, menor a ocorrência de parasitoses intestinais. De acordo com o questionário aplicado nesse estudo, mais da metade das crianças examinadas utilizam água diretamente da torneira, o que pode ser uma fonte importante de infecção, especialmente se estiver relacionada à baixa qualidade de tratamento da água (Costa et al., 2009). Em relação aos demais hábitos de higiene citados no questionário, segundo a maioria dos alunos existe a prática de hábitos saudáveis por parte deles. Foi evidenciado também que a lavagem correta das mãos permitiu a remoção total de parasitos anteriormente identificados. Medidas simples de higiene como a lavagem das mãos com água e sabão permitem a remoção de grande parte da microbiota transitória, permitindo um maior controle na disseminação desses microorganismos, diminuindo a probabilidade de desenvolver uma infecção ou de veicular esses microorganismos para outros indivíduos (Rodrigues et al., 2006). Os resultados dessa pesquisa demonstram a necessidade da melhoria na qualidade do ensino de educação em saúde. Por meio da educação em saúde, permite-se o exercício pleno da cidadania, sendo fundamental para as crianças, pois ajuda a desenvolver nelas a responsabilidade perante o seu próprio bem estar, a praticar hábitos saudáveis e contribuir para a manutenção de um ambiente preservado (Makiyama & Tschurtschenthaler, 2010). AGRADECIMENTOS

À professora Maria José Leão pela colaboração durante as coletas. Ao Laboratório Biolife, pela utilização dos equipamentos para as análises microscópicas. À Escola municipal onde as amostragens foram realizadas, pela autorização e contribuição à pesquisa realizada.

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O se-movimentar na educação física e as experiências de ser criança

Victor José Machado de Oliveira¹, David Gomes Martins², Coautor: Dr. Nilton Poletto Pimentel

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, Av. Vitória, 950, Forte São João, 29.017-950, Vitória, ES, Brasil. ¹[email protected], ²[email protected].

RESUMO

Este estudo é fruto das atividades desenvolvidas no Estágio Curricular Supervisionado I e tem por objetivo traçar um diálogo reflexivo sobre o processo educacional da Educação Física na Educação Infantil no contexto de uma creche na cidade de Vitória/ES, a partir do enfoque teórico da semiótica e fenomenologia. A metodologia pautou-se numa pesquisa de cunho qualitativo que utilizou das seguintes ferramentas metodológicas: revisão de literatura, observação e coparticipação nas aulas de Educação Física e a Análise de Conjuntura Educacional. Tomando como objeto de estudo o Se-movimentar fomentou-se entender como se configuram as aulas de Educação Física no cotidiano da educação infantil, para então (re)pensar uma práxis pedagógica que atendesse à formação das crianças, entendendo-as em suas singularidades/alteridades.

Palavras-chave: Educação Física infantil; Semiótica; Fenomenologia.

ABSTRACTThis study is based on Supervised Pratices I activities and aims to draw a reflective dialogue about the educational process of Physical Education in Early Childhood Education in the context of a Day care center of Vitoria/ES, from the theoretical approach of semiotics and phenomenology. A qualitative study was performed using the following methodological tools: literature reviewing, observation and co-participation in classes of Physical Education and Situation Analysis of Education. The self-movement subject leaded to understand how to configure the Physical Education classes routine of the childhood education, and then thinking/rethinking a pedagogical praxis that reaches the formation of the children, understanding them in their singularities/alterities.

Keywords: Physical Education for children; Semiotics; Phenomenology.

1 INTRODUÇÃO

As últimas décadas desvendam uma maior preocupação com a Educação Infantil brasileira, o surgimento de legislações vinculadas à faixa etária que corresponde à infância tem aumentado no decorrer do tempo. Sabe-se que “até 1930 não havia nenhuma iniciativa do governo brasileiro em prol da educação infantil” (SOBREIRA, s/d, s/p). A Educação Infantil começa a ganhar espaço de preocupação quando é reconhecida na Constituição Federal de 1988. Em decorrência dessas conquistas, outros apoios vieram através da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990) e da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação

Nacional (LDB) (BRASIL, 1996). Outro documento que traz contribuições é o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI), ao afirmar que o trabalho a ser realizado na Educação Infantil deve ter por finalidade desenvolver integralmente nas crianças os aspectos físicos, psicológicos, intelectual, social e afetivo (BRASIL, 1998). Desvendando um estudo de Go Tani (2001), uma inquietação surgiu. Uma vez com o surgimento de várias abordagens em educação física na década de 80, “era de esperar transformações significativas na prática pedagógica da educação física escolar” (TANI, 2001, p. 110). Em outras palavras: era esperada uma pragmática que, de certa forma, não ocorreu, distanciando-se do empirismo na aplicação dessas abordagens, que muito se detiveram somente

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aos discursos/âmbitos acadêmicos, assim pouco chegando de fato no cotidiano das aulas de educação física. Eis a necessidade de buscar uma práxis pedagógica que atenda a formação das crianças enquanto sujeitos capazes, produtoras de saberes, de cultura e de linguagens. Inicialmente o problema levantado concerne na possibilidade de conceber uma prática pedagógica na Educação (Física) Infantil que leve em conta as crianças, seus repertórios/experiências singulares, assim como seus pontos de vista baseados, de fato, no princípio da alteridade (SILVA et al, 2007). 'Junto a esse entendimento ainda devemos atentar a singularidade estrutural e funcional da Educação Infantil. Como nos aponta Libâneo et al (2009) mediante a resolução CNE/CEB nº 1, de 7 de abril de 1999 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 1999) as instituições que atendem esse nível de ensino devem promover “práticas de educação e cuidados, possibilitando a integração entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivos/linguísticos e sociais da criança, entendendo que ela é um ser completo, total e indivisível (art. 3º, inciso III)” (LIBÂNEO et al, 2009, p. 253). Percebe-se que esforços têm sido feitos para trazer essas abordagens à prática cotidiana, levando em conta os fatores que perpassam este tempo-espaço. Aqui também é o caso, por isso o objetivo desse texto está em entender a prática pedagógica da Educação Física na Educação Infantil estabelecendo diálogos com a fenomenologia e semiótica, assim refletindo o processo educacional de uma práxis pedagógica para crianças neste nível de ensino, e desta forma compreender a relação empírica e teórica desse tempo-espaço, obtidas a partir das/nas experiências do Estágio Curricular Supervisionado I¹ (ECS I). Desta forma elegemos como objeto de estudo o Se-movimentar nas aulas da Educação Física na Educação Infantil sob a perspectiva semiótico-fenomenológica (SILVA et al, 2007; BETTI, 2007), pois entendemos que essa abordagem tem muito a contribuir na percepção empírica das teorias expostas até aqui, percebendo seus limites e possibilidades, assim denotando uma práxis pedagógica ressignificada das mesmas.

2 CAMINHOS PERCORRIDOS: O CAMPO DE ESTÁGIO, OS SUJEITOS E A ANÁLISE DE CONJUNTURA Este estudo configurou-se a partir das atividades realizadas no ECS I, onde estivemos envolvidos no campo de estágio através da proposta de observação, análise e coparticipação.

Pretendendo desenvolver um trabalho que atendesse a excelência da formação acadêmica, através da instrumentalização teórico-científica, a pesquisa de campo e levantamento de dados da instituição e do bairro o qual está localizada, o contato com os funcionários – porteiro, cozinheiras, auxiliares de serviço geral, professores (as), coordenadora, e diretora –, com as crianças e a observação sistemática de aulas, orientaram a construção do relatório final de estágio e uma proposta de intervenção para este tempo-espaço, e que muito contribuíram para a estruturação das reflexões contidas nesse texto sobre as atividades desenvolvidas. O campo de estágio compreendeu a Creche Menino Jesus, localizada no Centro da cidade de Vitória/ES. A creche foi fundada em 07 de outubro de 1935 pelas filhas de caridade de São Vicente de Paula, do antigo colégio do Carmo. Em 2010 atendeu a 112 crianças (1 à 6 anos) em tempo integral nos turnos matutino e vespertino. A instituição apresenta um diferencial das demais do sistema público de ensino, não tendo fins lucrativos e apresentando duas direções – uma administrativa ligada à mantenedora (Associação Brasileira de Cultura Popular) e uma pedagógica ofertada pela Prefeitura Municipal de Vitória. Os sujeitos de nossas observações e coparticipações nas aulas de Educação Física foram as crianças do Grupo 6. A turma é mista, sendo composta por 21 crianças sendo 10 do sexo masculino e 11 do sexo feminino, todos tendo completos os 6 anos de idade, muitas dessas crianças provém das comunidades ao redor do centro e dos morros que ficam no entorno. Quanto ao caminho metodológico traçado, este foi pautado em três momentos. Na primeira etapa estivemos reunidos em pontos de encontros na Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, onde fizemos leituras analíticas e debates de temas relacionados à prática pedagógica da Educação Física Escolar. A segunda etapa foi marcada pela ida a campo, conformando-se numa Análise da Conjuntura

¹ O Estágio Curricular Supervisionado I – estágio obrigatório – é uma atividade formativa da graduação em Licenciatura em Educação Física da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. Nossa experiência se deu numa creche da cidade de Vitória, ES, no período letivo de 2010/2.

Educacional. Nesta fase aconteceu a análise dos espaços e materialidade – do bairro e da creche –; entrevistas com os funcionários, professores e crianças; também tivemos acesso ao Plano Pedagógico o que nos permitiu uma aproximação com a realidade

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institucional. A Análise da Conjuntura Educacional busca compreender inicialmente o contexto social de forma ampla, integrada e indissociável, assim superando as visões/percepções limitadas do senso-comum. Neste momento poder-se-á estabelecer uma articulação dos elementos que compõe essa conjuntura: os sujeitos/atores, os acontecimentos/fatos, os cenários/espaços, registros documentais, as correlações de forças que se colocam num patamar de disputas, bem como a relação entre conjuntura e estrutura (SOUZA apud PINTO, 2003). Concomitante a esse processo ocorreu a terceira etapa onde observamos/participamos de seis aulas de educação física. Neste momento realizamos relatórios referentes às aulas, no intuito de se aproximar do grupo podendo conhecê-lo melhor, assim analisando as práticas e peculiaridades envolvidas neste contexto. Uma vez obtidos os dados colhidos nos momentos supracitados, elaboramos uma proposta de intervenção pedagógica – plano de unidade temática – orientando estratégias, delimitando objetivos, metas, conteúdos, cronogramas de intervenção e avaliação que atendesse a realidade da turma.

3 ANÁLISE DE CONJUNTURA EDUCACIONAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O CAMPO

Historicamente a Educação Infantil foi vista de forma assistencialista e higienizadora. Segundo Krieger (s/d, p. 2) “as creches são produto da revolução industrial”. Isso ocorreu de fato com a intensa urbanização, a participação da mulher no mercado de trabalho e consequentes mudanças na estrutura familiar (BRASIL, 1998, p. 11). A Constituição Federal (BRASIL, 1988) assegura a Educação infantil como dever do estado e direito da criança. Porém esse direito deve estar atrelado no comprometimento com os padrões de qualidade, tanto quanto os aspectos político-pedagógicos, quanto os aspectos físico-estruturais, como nos aponta Zilma Oliveira (2008, p. 47) “no sentido de garantir o bem-estar das crianças”. Confirmando esse pensamento o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) aponta que “a estes princípios cabe acrescentar que as crianças têm direito, antes de tudo, de viver experiências prazerosas nas instituições” (BRASIL, 1998, p. 14). Ainda segundo o RCNEI

A busca da qualidade do atendimento envolve questões amplas ligadas às políticas públicas, às decisões de ordem orçamentária, à implantação de políticas de recursos humanos, ao estabelecimento de padrões de atendimento que garantam espaço físico adequado, materiais em quantidade e qualidade suficientes e à adoção de propostas educacionais compatíveis com a faixa etária nas diferentes modalidades de atendimento, para as quais este Referencial pretende dar sua contribuição (BRASIL, 1998, p. 14).

A estruturação do espaço, a forma como os materiais estão organizados, a qualidade e adequação dos mesmos são elementos essenciais de um projeto educativo. Espaço físico, materiais, brinquedos, instrumentos sonoros e mobiliários não devem ser vistos como elementos passivos, mas como componentes ativos do processo educacional que refletem a concepção de educação assumida pela instituição. (BRASIL, 1998, p. 68)

Percebendo o comprometimento da Creche Menino Jesus, logo quando chegamos, vê-se uma grande placa com as propostas e valores da institui-ção. Esse é um marco que se faz referenciar pelas frases pedagógicas e religiosas a respeito da for-mação humana, educação infantil, e concepção de criança.

Quanto ao espaço físico e recursos materiais o RCNEI aponta que:

Desta forma percebemos a importância da qualidade estrutural para esse momento em que as crianças passam ali. Segundo a Proposta Pedagógica da Creche baseada na legislação vigente (LDB/96, ECA, Constituição Federal) a instituição “tem por finalidade desenvolver integralmente em seus alunos os aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social” (SBCP – CRECHE MENINO JESUS, 2010, p. 5). Subsequente a essa proposta é inexorável a constituição de espaços físico/estruturais que atendam a demanda das crianças atendidas de forma que realmente possam desenvolver-se integralmente. É forte a relação entre a aprendizagem e os espaços físico/estruturais e os materiais utilizados nesse momento, uma vez que, é na interação com o objeto que as crianças constroem mecanismos mais gerais de funcionamento da inteligência (adaptação, organização, assimilação e acomodação). Quanto ao processo da construção do conhecimento o RCNEI destaca que “as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre

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aquilo que buscam desvendar” (BRASIL, 1998, p. 21). Em vista destas colocações entende-se que é de suma importância oferecer uma boa estrutura, pois a mesma influenciará na construção do conhecimento no processo de ensino-aprendizagem. Na medida em que “[...] é preciso que o espaço seja versátil e permeável à sua ação, sujeito às modificações propostas pelas crianças e pelos professores em função das ações desenvolvidas” (BRASIL, 1998, p. 69), notamos que inicialmente a creche consegue atender a essa demanda. Porém percebemos que a estrutura não foi pensada para atender uma instituição de ensino, tendo que ser feita mudanças na composição de uma casa antiga para abrigar uma instituição oferecedora de serviços educacionais. Isso fica claro em perceber-se a diferença nos tamanhos das salas, sendo umas maiores e outras menores. Segundo a professora isso acaba comprometendo num primeiro momento quando a cada ano trocam-se as crianças das turmas. Por exemplo, um grupo que estava numa sala maior passa para uma menor, formando uma problemática para o trabalho com essas crianças. De fato em todos os momentos em que estivemos na instituição não percebemos falta de organização por parte dos espaços. Essa divisão do ambiente, das salas de aula, entre os outros “[...] são mais indicados para estruturar espaços para crianças pequenas ao invés de grandes áreas livres” (BRASIL, 1998, p. 69). A extensa gama de materiais que a instituição apresenta denotam as potencialidades na construção da qualidade das atividades desenvolvidas dentro das aulas de educação física. Portanto não queremos com isso dizer que uma aula alcançará o objetivo da qualidade da construção do conhecimento somente com os materiais e os espaços. Até mesmo a utilização de materiais alternativos mostra-se também fiel na conquista dos objetivos de uma aula. Para tal é necessário a conjugação de outros fatores e sujeitos como o professor, os alunos, o “estado de espírito” destes, e as subjetivações de cada indivíduo segundo sua realidade. Mas é importante ressaltar que bons materiais é o mínimo que se pode oferecer neste e em qualquer nível de ensino.

Como aponta o RCNEI osRecursos materiais entendidos como mobiliário, espelhos, brinquedos, livros, lápis, papéis, tintas, pincéis, tesouras, cola, massa de modelar, argila, jogos os mais diversos, blocos para construções, material de sucata, roupas e panos para brincar etc. devem ter presença obrigatória nas instituições de educação infantil de forma cuidadosamente planejada. (BRASIL, 1998, p. 69-71).

A instituição apresenta os recursos materiais em consonância com o trabalho desenvolvido. E também de forma acessível e segura como propõe o RCNEI. Conforme isso aconteça poder-se-á proporcionar as crianças nesse momento que “usar, usufruir, cuidar e manter os materiais são aprendizagens importantes nessa faixa etária” (BRASIL, 1998, p. 71). Um espaço importante que percebemos foi a brinquedoteca. Segundo Krieger (s/d, p. 3) “a brincadeira para a criança é um espaço de investigação e conhecimento de si mesma e do mundo”. Em conformidade o RCNEI aponta que “os brinquedos constituem-se, entre outros, em objetos privilegiados da educação das crianças” (BRASIL, 1998, p. 71). Então ter contato com uma gama de brinquedos possibilita á criança dar significados as suas relações interpessoais, e corrobora na construção sócio-afetivo-emocional, tanto quanto no processo ensino-aprendizagem. Quanto à Educação Física, esta se configura como momento importante na educação básica. Ela deve ter autonomia e atuação como qualquer outra disciplina na escola, e ainda mais, deve ser uma disciplina da e para a escola, sem se tornar auxiliar em detrimento de outras. Neste instante percebemos que na Creche Menino Jesus a Educação Física não toma características de disciplina auxiliar – se é possível dizer que a Educação Infantil é composta por disciplinas. Porém de fato percebe-se que a ampla diversidade de materiais destinados às atividades da Educação Física caracterizam sua importância nesse momento da formação das crianças atendidas pela creche. A instituição apresenta uma gama de materiais que possibilitam desenvolver aulas significativas às crianças, conforme apontam os órgãos competentes que pensam essa faixa etária e momento de ensino. Pensar os espaços e materiais é parte do processo de construção do plano de ensino, e da organização didático-metodológica das atividades de aprendizagem. Isso tem que ver com a qualidade do ensino prestado neste âmbito, uma vez que esse tempo-espaço deve proporcionar o desenvolvimento integral das crianças. Assim estruturar as aulas de Educação Física pautando-se nos preceitos de acessibilidade e segurança, pode gerar momentos de aprendizado e de relações interpessoais onde as crianças tenham acesso à construção do conhecimento de forma prazerosa e lúdica.

4 SEMIOSES E ALTERIDADES: REFLEXÕES POR UMA EDUCAÇÃO (FÍSICA) INFANTIL)

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Percebemos que a infância é um momento importante na vida do indivíduo. Uma vez configurada no início de uma caminhada que não tem volta, cabe a esses continuarem, assim desenvolvendo seus aspectos bio-psico-sócio-culturais. Este momento configura-se numa fase de possibilidades únicas às crianças – que muito pouco se sabe sobre elas mesmas enquanto suas manifestações empíricas/concretas – pois no momento que deixamos de ser perdemos o que se chama de “arte infantil” (MALRAUX apud SILVA et al, 2007). Esse pensamento não consubstancia quanto à criança como tendo um talento, mas no tocante do talento que tem a criança, de ser o aqui-agora. Pensar uma Educação (Física) Infantil implica perceber como fator importante o deslocamento da esfera do conhecimento para a do pensamento, ou seja, compreender “as crianças como alteridades, e que, portanto, também pensam, produzem saberes e não, obrigatoriamente, somente recebem os saberes nossos, de adultos” (SILVA et al, 2007, p. 4). Assim poder-se-á orientar outra concepção a não ser aquela visão bancária verticalizada apontada por Paulo Freire (1996), do professor que domina o conhecimento depositando-o na cabeça dos seus alunos. Neste ponto concordamos com Silva et al (2007) no momento que sua visão de infância alça olhares para além do que, de forma maçante, tem-se pensado a respeito desses sujeitos.

Isto implica dizer que devemos deslocar a concepção que temos de “infans” como o não-ser (impotente), o não-ter (capacidade, formação) e o não-saber (falar, produzir, criar), para concebê-la como uma potência, uma afirmação. As crianças são formadas social, histórica e culturalmente, é verdade, mas também são formadoras; elas são pensadas social, histórica e culturalmente, mas também elas próprias pensam. (SILVA et al, 2007, p. 4).

Muitos professores acabam por supervalorizar a linguagem verbal em sua prática pedagógica, remetendo ao pensamento de que “o hábito de acreditar que a representação linguística é aquela que constitui a racionalidade” (SILVA et al, 2007, p. 4). Porém, percebe-se que esse pensamento menospreza a criança, colocando-a no paradigma do “vir a ser”, e assim acaba por fechar o fluxo de possibilidades do seu desenvolvimento integral. Concernente a esse pensamento Rocha apud Silva e Baumel (2009) alerta-nos a respeito de atentarmos às diferentes linguagens “verbais” e “não verbais”.

[...] e lembremos que, quando o outro é uma criança, a linguagem oral não é central e nem única, ela é fortemente acompanhada de outras expressões corporais, gestuais e faciais. Isso já nos indica alguns dos problemas metodológicos envolvidos na pesquisa com crianças (ROCHA apud SILVA; BAUMEL, 2009, p. 2).

Levando-se em conta a teoria semiótica peirceana, constata-se que a linguagem verbal não é a matriz fundamental da expressão humana. Desta forma não se corre o risco de diminuir as possibilidades do universo fenomênico do poder ser. Entretanto a linguagem verbal é uma das formas de semioses – entendida como o processo de produção de signos/linguagem (SILVA et al, 2007). Percebemos em nossas experiências como formas de semioses todas aquelas vivenciadas pelas crianças no seu cotidiano, atentando para aquelas que compõem a cultura corporal de movimento (COLETIVO, 1992), como por exemplo: os jogos, as brincadeiras, as brincadeiras cantadas. Outro elemento que percebemos importante na mediação da construção do conhecimento está na contação de histórias, do “faz de conta”, que proporciona às crianças o desenvolvimento nos aspectos motores, sociais, afetivos e cognitivos.

Sob esta ótica intenta-se eleger como imperativo realizar uma inter-locução (diálogo) de forma que as crianças possam interagir construindo novos signos, uma vez que, “em todos os contextos do se-movimentar há produção de signos e de relações interpretantes” (BETTI, 2007, p. 216). Ao proporcionar as crianças nesse momento experiências significativas pretende-se oportunizar a ampliação de sua leitura de mundo, de suas vivências e dos significados que lhe atribuem, tanto quanto aos valores que poderão ser trabalhados como a cooperação, respeito, afetividade, amorosidade e solidariedade.

É necessário realizar um trabalho que vise as crianças como sendo produtoras de conhecimento, participantes ativas das atividades propostas, e não meros “bonecos” que possamos inferir o que irão fazer ou não. De forma integrada e concomitante através de experiências no Se-movimentar, abordando a infância como espaço de construção de signos, através de elementos advindos dos jogos, brincadeiras, brincadeiras cantadas e contação de história, momentos que estarão a dispor das crianças em sua construção enquanto alteridade/

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singularidade, levando em conta os aspectos físico-motores, cognitivos, afetivos, sociais e culturais pensando assim a criança como um ser completo, total e indivisível. Dessa forma aspira-se organizar ações pautadas nas vivências da cultura de movimento. A educação deve ser alegre, motivante e contagiante. Deve assegurar a criança recursos para que possa se desenvolver, e não somente se adaptar para a vida em sociedade. Educar está para além de adestrar. Por isso percebemos que o diálogo “verbal” e “não verbal” são formas das crianças interagirem durante as aulas. Assim poder-se-á promover aulas significativas que atendam a construção de crianças alegres e críticas – porque não?! – nas suas ações e interpretações ético-estéticas.

Com respeito à semiótica aqui pensada é na experiência vivida que a própria alteridade irá se manifestar, produzir, confrontar e evoluir em seu universo cultural. Ora, é na mediação que uma práxis pedagógica em Educação (Física) Infantil pode configurar-se de forma comprometida, assim propondo novos horizontes pedagógicos neste nível educacional. É imperativo estarmos atentos de que devemos procurar conhecê-las. “Como é ser criança, quais seus interesses, quais suas necessidades, o que ela sabe: eis o nosso objeto de desejo” (SILVA et al, 2007, p. 9).

Acreditamos que a Educação (Física) Infantil é uma fase que proporciona à criança exteriorizar seus anseios, desejos e experiências, levando-as a condição de produtores das práticas corporais que compõe – ou podem um dia vir a compor – a cultura corporal de movimento. Procuramos perceber a criança em sua totalidade, assim possibilitando-as serem construtoras do seu próprio saber e fazer. Apostamos na brincadeira, no jogo, pois é isso que as crianças fazem melhor, sendo estes momentos potencialidades de produção de signos. Essas atividades compõe um mundo vasto e rico da cultura infantil, repleta pelo se-movimentar apresentado nas mais variadas formas. A contação de histórias também se mostra profícua no momento que se pretende oportunizar a ampliação da leitura de mundo da criança, de suas vivências e dos significados que elas atribuem. Outro fator que atentamos é o de que as crianças não são seres cristalizados pela cultura à qual estão inseridas, elas são o aqui-agora e ainda bem que assim o seja. É neste momento que poderemos observar as crianças na esfera empírica. Isso ocorre

porque “a criança se doa às possibilidades do presente” (SILVA et al, 2007, p. 7), ou seja, ela não se preocupa com o que ela é ou tem. Severamente essa condição se perde quando a criança deixa de ser criança, quando lhe são inculcadas metáforas do “o que você vai querer ser quando crescer?”. Desta forma poder-se-á mediar atividades significativas, onde as crianças poderão ter experiências que contribuam para seu desenvolvimento integral enquanto Ser, dentro do Se-movimentar, destacando sua emancipação das cristalizações impostas pela sociedade inclusive aquelas estabelecidas pelos veículos midiáticos, enfim, de corroborar para a superação de uma sociedade nos moldes neoliberais.

As crianças são formadas sócio-histórico-culturalmente, mas elas também são formadoras. Pensa-se que para efetivar uma prática pedagógica na Educação (Física) Infantil, é necessário ao professor ser o interlocutor proporcionando experiências propícias ao Se-movimentar. Desta forma a criança poderá então dialogar com o mundo. Neste momento é importante afirmar que a construção de uma proposta que realmente se coloque comprometida com a realidade das crianças não pode ser construída unilateralmente, então levar em conta os sujeitos envolvidos nesse tempo-espaço, seus anseios, desejos e reflexões são de suma importância na constituição desse processo.

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Avaliação da percepção do usuário sobre a atuação das equipes de saúde da família no município de Santa Teresa

Ana Paula Peroni¹, Bruno Walter Ramalho Novelli², Carina Babler³, Maria José Foeger4.

¹Escola Superior São Francisco de Assis - ESFA, Rua Bernardino Monteiro 700 – Dois Pinheiros, 29.650-000, Santa Teresa - ES, Brasil, [email protected][email protected], ³[email protected],

[email protected]

RESUMO

A Estratégia Saúde da Família - ESF, definida como um programa de reorientação da atenção à saúde no Brasil tem promovido a substituição do modelo tradicional assistencialista e centrado na cura, por um novo modelo focado na prevenção de doenças e na promoção de saúde. A expansão da ESF ampliou o acesso ao Sistema Único de Saúde, sendo assim, o desafio está na melhoria da qualidade das ações e serviços prestados. Este projeto avaliou a percepção do usuário sobre as equipes da Saúde da Família no município de Santa Teresa-ES, por meio de entrevistas realizadas com 246 usuários, seguindo um roteiro pré-estabelecido que abordou as mudanças quanto à assistência à saúde a partir da implantação da ESF. Os usuários consideraram um melhor acesso aos serviços de saúde após a implantação da ESF, sendo que 66,77% dos entrevistados buscam o atendimento na unidade da ESF. O atendimento recebido foi avaliado como bom, numa escala que variou de excelente a péssimo. As principais dificuldades relatadas foram: o atraso para início do atendimento e a ausência de um local para repouso e/ou observação dos pacientes. Concluiu-se que o trabalho desenvolvido pelas equipes nestas localidades vem contribuindo para a melhoria na qualidade de saúde dos usuários da ESF e que estes são fundamentais no processo de avaliação e consolidação da ESF.

Palavras-chave: Atenção á Saúde; Promoção da Saúde; Sistema Único de Saúde; Profissional da Saúde; Avaliação em Saúde.

ABSTRACT

The Family Health Strategy - ESF, defined as a program of reorientation of health care in Brazil, has promoted the replacement of the traditional welfare model and focused on healing, a new model focused on disease prevention and health promotion. The expansion of the ESF expanded access to the Unified Health System, so the challenge is to improve the quality of actions and services. This project evaluated the perception of the User’s teams on Family Health in Santa Teresa-ES, through interviews with 246 users, following a pre-determined, as discussed changes to health care from the implantation of the ESF. Users found a better access to health services after the implementation of the ESF, and 66.77% of respondents seek medical care in the ESF. The care received was assessed as good, on a scale ranging from excellent to awful. The main difficulties reported were: the delay to start of care and the lack of a place to rest and / or observation of patients. Concluded that work teams in these cities has contributed to the improvement in quality of health of users and the ESF that they are fundamental in the process of evaluation and consolidation of the ESF.

Keywords: Health Care; Health Promotion System Unit; Professional Staff Health; Evaluation Health.

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1 INTRODUÇÃO

A crise do modelo da Saúde Coletiva, historicamente marcado pelo modelo de atenção centrado na cura das doenças, superespecializado e hospitalocêntrico, suscitou a emergência de propostas que visassem à transformação do sistema de atenção em saúde, de suas práticas e do processo de trabalho (TRAD; BASTOS, 1998). A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde, em Alma Ata, no ano de 1978, teve papel fundamental na construção da proposta de atenção primária em saúde, já que elevou a atenção primária em saúde como a estratégia para se alcançar a meta de Saúde para Todos no Ano 2000, definida pela Assembléia Mundial da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1977 (CALVO; HENRIQUE, 2008). Nos primeiros anos da década de 1990, a descentralização e o crescente papel dos municípios no controle e execução das ações de saúde favoreceram o acesso das populações aos cuidados básicos de saúde, o que ocasionou avanços no processo de reformas, bem como novas demandas a partir do novo perfil epidemiológico e da ampliação da consciência social e de novos problemas. A questão do acesso e da qualidade dos serviços de saúde ofertados à população passou a se constituir num grande desafio. Esse desafio tornou evidente a necessidade de transformação do modelo de atenção. Para enfrentar esta nova realidade, o Ministério da Saúde lançou, em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF), uma estratégia de redirecionamento da atenção à saúde, baseada nos princípios do SUS como: universalidade, integralidade, equidade e resolubilidade. Tendo como precursor o Programa de Agentes Comunitários - PACS, o PSF em sua concepção inicial tinha como principal propósito tornar-se “porta de entrada” do usuário ao SUS e ampliar o acesso da população aos serviços de saúde. No entanto, a atenção básica a saúde não pode ser enfocada apenas como mera ”porta de entrada”, ela deve resolver de 80 a 85% da demanda de saúde (SANTOS, 2002). Desta forma, a avaliação e o monitoramento das ações de saúde constituem-se nos principais pilares para assegurar a integralidade e a qualidade da atenção à saúde aos usuários do SUS. Entretanto, a insuficiência e a precariedade frequentes dos sistemas de informação disponíveis não têm permitido a construção dos indicadores necessários para o monitoramento e avaliação do

desempenho do sistema nacional de saúde. Nos documentos mais atuais, como Avaliação da Implementação do Programa Saúde da Família em Dez Grandes Centros Urbanos entre outros, percebe-se a preocupação do Ministério da Saúde com a avaliação da atenção básica no Brasil, inclusive pela criação da Coordenação de Acompanhamento e Avaliação da Atenção Básica (BRASIL, 2004; BRASIL, 2002). Neste sentido foi proposto realizar no município de Santa Teresa-ES, um processo avaliativo da atuação das equipes da Saúde da Família na percepção dos usuários, uma vez que estes se caracterizam como importantes parceiros e sujeitos do programa. O município de Santa Teresa está localizado a 83 Km de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo. Possui uma área de 694,53 km2 representando 1,5073% do estado, sua população total é de 20.622 habitantes de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2000. Santa Teresa foi colonizada por imigrantes italianos que em 1874, deslocaram-se para a região do atual município. Pelo decreto estadual nº. 3468, de 17/03/1933 foi elevada à condição de cidade com a denominação de Santa Teresa. Em divisão territorial datada de 15/07/1999, o município é constituído de seis distritos: Santa Teresa (Sede), Alto Caldeirão, Alto Santa Maria (a qual pertence à comunidade de Várzea Alegre), Santo Antônio do Canaã, São João de Petrópolis e Vinte e Cinco de Julho. A justificativa para a realização do processo avaliativo da atuação das equipes da Saúde da Família no município reside no fato de não ter ocorrido ainda nenhuma avaliação da ESF sob a ótica do usuário, diante disso elaborou-se os seguintes questionamentos: com a implantação da ESF no município houve mudanças nas condições de saúde da população? Como está o nível de satisfação dos usuários? O que a população pode sugerir para melhorar o desempenho da ESF? Tendo em vista que a ESF fundamenta o seu campo de atuação em princípios que buscam solucionar os problemas de saúde no nível local a partir de prioridades, e que uma das principais formas apontadas para solucionar estes problemas é envolvendo a população; responder a estes questionamentos tomando por base opiniões dos usuários, favorece não só o conhecimento de aspectos do trabalho que vem sendo desenvolvido pela ESF no município, mas também contribui para uma maior participação comunitária.

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2 METODOLOGIA Este projeto tratou-se de um estudo do tipo transversal – cujo fator e efeito são observados num mesmo momento histórico e descritivo – no qual se busca descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade (ROUQUAYROL, 1994). Realizou-se um estudo do tipo quantitativo com entrevistas estruturadas, as quais foram posteriormente analisadas de forma temática quanto ao seu conteúdo. O estudo permitiu observar, descrever e classificar o desempenho das equipes da Saúde da Família no município, por meio de entrevistas realizadas com os usuários seguindo um roteiro pré-estabelecido que abordou as mudanças quanto à assistência à saúde a partir da implantação da ESF, tais como: acesso aos serviços de saúde, qualidade no atendimento médico-odontológico, disponibilidade de medicamentos, pontualidade no atendimento, vacinação e resolubilidade que definirão o nível de satisfação dos usuários em excelente, bom, regular ou péssimo. No estudo foram entrevistados usuários da Estratégia Saúde da Família dos distritos de: Santo Antônio do Canaã (criado em maio de 1991), com 919 famílias cadastradas; São João de Petrópolis (criado em dezembro 1895) com 719 famílias cadastradas; Alto Caldeirão (criado em maio de 1991) com 598 famílias e Alto Santa Maria (criado em dezembro 1895) com 834 famílias cadastradas no Sistema de Atenção Básica – SIAB.Aplicou-se uma delimitação amostral de 10% sobre o número total de famílias cadastradas nos quatro distritos selecionados para a pesquisa, tendo sido adotado desta forma, uma média de 80 entrevistas com os usuários de cada distrito. Foram assegurados aos participantes, o sigilo e o anonimato de suas falas e exposições. Os sujeitos tiveram participação livre no estudo, e foram fornecidas as informações necessárias a torná-los conscientes sobre a decisão em participar ou não da pesquisa. Os resultados foram organizados em duas categorias: caracterização dos sujeitos da pesquisa, agrupando informações sobre sexo, faixa etária, nível de escolaridade e ocupação; e percepção dos usuários sobre a atuação da ESF contemplando dados sobre as mudanças no serviço de saúde oferecido, nível de satisfação dos usuários entrevistados, nível de resolução dos problemas apresentados, dificuldades no serviço, pontos relevantes da Estratégia Saúde

da Família - ESF e contribuições dos usuários para melhoria da qualidade e do funcionamento da Estratégia Saúde da Família - ESF (AGUIAR; MOURA, 2004). Após a tabulação dos dados estes foram apresentados em tabelas e gráficos que possibilitaram uma melhor visualização e discussão dos resultados.

3 RESULTADOS

Caracterização dos entrevistados da pesquisaA pesquisa teve a participação de duzentos e quarenta e seis (246) pessoas, sendo que 82,52% dos entrevistados eram do sexo feminino e 17,48% do sexo masculino, ou seja, houve uma predominância na procura pelos serviços de saúde por mulheres.A faixa etária dos usuários entrevistados variou entre 15 e 60 anos, predominando a faixa dos 36 aos 60 anos, com 46,56% dos entrevistados na pesquisa. Com relação à escolaridade foram constatados os dados apresentados na figura 1.

ESCOLARIDADE

4% 13%

34%14%

7%

23%4% 1%

Analfabetos Sabe ler e escreverE.F. Incompleto E.F.CompletoE. M. Incompleto E. M. CompletoE. Superior Pós- Graduação

Figura 1. Nível de Escolaridade dos Usuários da ESF em Santa Teresa-ES.Fonte: Dados coletados em entrevistas realizadas com os usuários do município.

Quanto à atividade profissional, 52,84% dos entrevistados eram lavradores; 26,83% eram diaristas, professores, auxiliar de serviços gerais, faxineira, oleiro, aposentados, entre outros; 15,04% se ocupavam de tarefas domésticas, correspondendo ao universo feminino e 5,28% eram estudantes.

Percepção dos usuários sobre a atuação da ESFCom o objetivo de avaliar se o usuário tem identificado o ESF como porta de entrada ao Sistema Único de Saúde, foi questionado a este, se em caso de doenças, qual seria o primeiro local pela busca de atendimento.Como resultado deste questionamento, obteve-se os seguintes dados apresentados na figura 2.

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Busca pelo Atendimento

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Hospitais Farmácias Outros ESF

Figura 2. Locais de busca de atendimento em casos de doenças.Fonte: Dados coletados em entrevistas realizadas com os usuários do município.

Quando questionados sobre a resolubilidade de seus problemas de saúde por meio dos serviços oferecidos pela ESF observaram-se os dados apresentados na figura 3.

Resolubilidade

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Em parte Totalmente Nada resolve

Figura 3. Resolubilidade dos problemas de saúde por meio da ESFFonte: Dados coletados em entrevistas realizadas com os usuários do município.

A avaliação do usuário quanto ao atendimento recebido está disposto na figura 4.

Avaliação quanto o Atendimento

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Excelente Bom Regular Ruim

Figura 4. Avaliação do usuário em relação ao atendimento recebidoFonte: Dados coletados em entrevistas realizadas com os usuários do município.

Dentre os entrevistados 87,80% disseram que após a implantação da Estratégia Saúde da Família em sua localidade houve uma melhoria no acesso

aos serviços de saúde, ao passo que 12,20% não identificaram melhorias. Sobre as melhorias identificadas pelos usuários, foram listadas as seguintes, com as respectivas frequências com que foram citadas: melhoria do acesso ao serviço de saúde (114), melhor acesso ao atendimento médico e do dentista (141), atendimento na própria comunidade (149), oferta de serviço diariamente (81), disponibilidade dos medicamentos (155), vacinação (136) e verificação da pressão arterial (129). Já em relação às dificuldades enfrentadas destacaram-se: atraso em relação ao início do atendimento, ausência de lugar para repouso/observação para pacientes, ausência de ambulância para transporte do paciente. Como forma de avaliar as experiências que se mostraram produtivas após a implantação da ESF nas comunidades, foi questionado aos usuários o que eles consideravam de mais positivo na ESF. Um dos pontos mais citados foi atendimento proporcionado pela equipe, seguido da garantia de vacinas, e o atendimento oferecido especificamente por algum membro da equipe.

Durante a entrevista com os usuários foi aberto um espaço para que eles pudessem deixar sugestões no sentido de melhorar o funcionamento da ESF em sua localidade, as quais foram listadas na tabela 1.

Tabela 1. Sugestões dos usuários para melhorias da ESF no município.

SUGESTÕES S.A Canaã

S.J Petrópolis

A. Caldeirão

V.Alegre

TOTAL

Assistência médica e odontológica mais completa

45 40 26 37 148

Pontualidade no atendimento

36 51 34 9 130

Disponibilidade de um pediatra na equipe

52 54 21 43 170

Implantação de uma sala de repouso e/ou observação

39 40 36 34 149

Uso de uniformes por toda a equipe

10 25 13 7 55

Serviço de assistência ao parto normal

10 13 2 11 36

Melhoria de transporte do paciente

24 16 31 10 81

Fonte: Dados coletados em entrevistas realizadas com os usuários do município

4 DISCUSSÃO

Considerando que a Estratégia Saúde da Família (ESF) busca solucionar os problemas de

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saúde a partir de prioridades, e que uma das formas apontadas para solucionar estes problemas é envolvendo a população, há necessidade de se conhecer as características da população assistida.Os dados encontrados nesta pesquisa revelaram uma predominância na procura pelos serviços de saúde por mulheres, o que não foge à realidade do tipo de demanda da maioria dos serviços de saúde. Alguns autores associam esse fato à própria socialização dos homens, em que o cuidado não é visto como uma prática masculina. A procura por serviços de saúde se encontra intimamente relacionada ao que se entende por ser homem, uma vez que falar de seus problemas de saúde pode significar uma demonstração de fraqueza, de feminilização perante a sociedade em que ele vive. (GOMES,2008). Outro fator apontado para o menor percentual de homens são os horários de funcionamento dos serviços de saúde, aos quais são incompatíveis com o horário da jornada de trabalho, justificando assim a baixa presença desses usuários nas unidades de saúde. Portanto, se as ESF estão comprometidas com uma abordagem na perspectiva da família, estas devem proporcionar condições de aproximar os homens dos serviços de saúde e vice-versa, bem como valorizar as atividades de visita domiciliar que também possibilita o contato com a família. Em relação a faixa etária dos usuários entrevistados, observou-se uma maior procura pelos serviços de saúde entre usuários na faixa dos 36 aos 60 anos, seguido da faixa dos 21 aos 35 anos. É preciso lembrar a importância de se englobar na pesquisa as diferentes faixas etárias visto que as demandas, necessidades de saúde e percepções sobre o serviço de saúde variam de acordo com a faixa etária dos indivíduos. Com relação ao nível de escolaridade foi possível observar que dentre 13% dos entrevistados sabiam ler e escrever, 14% possuía o Ensino Fundamental Completo e 23% o Ensino Médio Completo, isto tem impacto direto no nível de saúde da população, uma vez que a educação bem como o status profissional configura determinantes estruturais de saúde ou de determinantes sociais de iniquidades de saúde. A Estratégia Saúde da Família foi consolidada como estratégia prioritária para a reorganização da Atenção Básica no Brasil. A portaria Nº. 2.488/2011 (BRASIL, 2011) a qual revogou a portaria nº. 648/2006 estabelece revisão das diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, além de aprovar a Política Nacional de Atenção Básica para a Estratégia

Saúde da Família (ESF). Considerando que um dos fundamentos da Atenção Básica é possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade, reafirmando os princípios básicos do SUS, foi questionado ao usuário, se em caso de doenças, qual seria o primeiro local pela busca de atendimento.De acordo com os dados apresentados foi possível perceber que os usuários têm identificado o ESF como “porta de entrada” ao Sistema Único de Saúde, visto que quando questionados qual seria o primeiro local pela busca de atendimento apontaram o ESF como primeira opção. Isso traduz o processo de des-hospitalização e humanização do Sistema Único de Saúde que vem ocorrendo no Brasil nas últimas décadas. O Decreto nº. 7.508, de 28 de julho de 2011, (BRASIL, 2011) que regulamenta a Lei nº. 8.080/90 define que “o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde se inicia pelas portas de entrada do SUS e se completa na rede regionalizada e hierarquizada”. Neste sentido, a Atenção Básica deve cumprir algumas funções para contribuir com o funcionamento das Redes de Atenção à Saúde, e dentre estas se encontra a resolubilidade. Quando questionados sobre a resolubilidade de seus problemas de saúde por meio dos serviços oferecidos pela ESF, muitos dos usuários disseram que a ESF resolvia apenas em parte dos seus problemas.Sobre essa questão, é importante ressaltar que os profissionais que atuam no ESF devem esclarecer à população adstrita a respeito da hierarquização dos serviços de saúde, explicando o poder de resolução da atenção primária contando com um serviço organizado e a parceria de cada indivíduo, família e comunidade. Esse esclarecimento é fundamental para que a própria população possa participar do processo de organização da demanda nos três níveis de atenção. No que se refere à avaliação do usuário quanto ao atendimento recebido, os dados obtidos revelaram predominância do nível de satisfação como bom, ou seja, a maior parte dos entrevistados considera que a ESF tem conseguido em parte, atender e resolver de forma satisfatória os problemas de saúde da população adstrita. No geral, esses resultados são bastante animadores, tendo em vista que a maior parte dos usuários entrevistados foi capaz de identificar ou não as melhorias com relação ao serviço de saúde a partir da implantação da ESF em sua localidade. Entretanto, é preciso que a ESF esteja atenta para o fato de que a

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expectativa da maioria da população atendida no SUS é baixa, soma-se ainda a este fato, o conformismo, o medo de reclamar e ser mal entendido e o viés da simpatia por quem está entrevistando ser um dos membros da ESF. Entre as melhorias identificadas as mais citadas foram: melhoria do acesso ao serviço de saúde, melhor acesso ao atendimento médico e do dentista atendimento na própria comunidade. As melhorias apontadas pelos usuários são de grande importância, uma vez que a proposta da ESF é justamente a promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos e manutenção da saúde da comunidade adstrita. A garantia da integralidade e a qualidade dos serviços à saúde requerem que a atenção prestada à população, em diferentes níveis, tenha capacidade de reconhecer adequadamente a variedade de necessidades e demandas relacionadas à saúde das comunidades e oferecer os recursos adequados para empreendê-las. Dentre as dificuldades apontadas pelos usuários das ESF do município de Santa Teresa destacaram-se: o atraso em relação ao início do atendimento, que parece estar relacionado com a moradia de alguns membros da ESF ser na sede do município de Santa Teresa; e a ausência de lugar para repouso/observação para pacientes. É importante entender a hierarquização dos serviços de saúde e o papel da ESF nesta hierarquização, visto que não é objetivo da ESF criar centros de internações, no entanto uma infraestrutura mínima de repouso e observação deve ser garantida. O Ministério da Saúde determina prestar assistência integral à população adstrita, respondendo à demanda de forma contínua e racionalista, garantindo o acesso à continuidade do tratamento dentro de um sistema de referência e contra-referência para os casos de maior complexidade ou que necessitem de internação hospitalar. A avaliação tem o potencial de envolver o cidadão na construção de um modelo de saúde universal e igualitário, e dentro desta perspectiva a participação dos usuários torna-se imprescindível na implantação da ESF. A ESF deve estar atenta para abrir canais de participação aos usuários dentro dos serviços de saúde e que seja de maneira sistemática e contínua. Neste sentido, os usuários entrevistados da ESF de Santa Teresa apresentaram como sugestões: assistência médica e odontológica mais completa, isto perfeitamente explicado pelo de fato de residirem

em localidades distantes dos principais centros, onde se concentram serviços de saúde mais complexos. Além desta sugestão, também foi citada a disponibilidade de um pediatra na equipe e implantação de uma sala de repouso e/ou observação.A partir da pesquisa desenvolvida junto aos usuários da Estratégia Saúde da Família nas localidades do município de Santa Teresa, pode-se constatar que o trabalho desenvolvido pelas equipes nestas localidades vem contribuindo para a melhoria na qualidade de saúde dos usuários da ESF. Isto pode ser verificado a partir dos resultados obtidos nos quais 61,77% dos usuários entrevistados avaliou como bom o atendimento prestado pelas equipes da ESF. No entanto, no que se refere ao nível de satisfação dos usuários, deve-se considerar que muitas vezes há uma baixa expectativa destes em relação ao Sistema Único de Saúde oferecido. Neste sentido é de fundamental importância estimular a conscientização da população, para que ela se torne gradativamente ativa e parceira nesse processo de mudança do sistema de saúde. A escuta do usuário torna-se imprescindível ao processo de avaliação da atuação da ESF, uma vez que estes são capazes de apontar as melhorias e os desafios a serem superados para que se consiga a implementação de um serviço de saúde universal, equitativo, democrático, resolutivo e de qualidade.

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Bioprocessos e Bioprodutos em uma era sustentável

Filipe Dalla Bernadina Folador1, Helber Barcellos da Costa2, Mauricio da Silva Mattar3

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, Av. Vitória, 950, Forte São João, Vitória-ES, CEP: 29017-950, [email protected]; [email protected];

[email protected]

RESUMO

Significativa atenção tem sido direcionada aos recursos naturais disponíveis no que se diz respeito à disponibilidade destes para as futuras gerações bem como conservação do meio ambiente e o impacto que as ações antrópicas têm gerado sobre os ecossistemas. Desta forma, pretende-se relacionar os principais avanços da ciência que caminham em paralelo às tendências de sustentabilidade. Destaca-se, no bojo das discussões sustentáveis, a biotecnologia e os avanços por ela direcionados, que vão desde a fermentação tecnológica até a engenharia genética de microorganismos, além do uso de técnicas cromatográficas alinhadas com a purificação de bioprodutos. Seja para minimizar o impacto ambiental através do aproveitamento de resíduos e diminuição do uso de aditivos químicos ou para otimizar bioprocessos de obtenção e purificação de produtos de origem biológica, as novas tecnologias colocam-se como importantes alicerces para as perspectivas de uma recentemente implantada era sustentável.

Palavras-chave: Biotecnologia, Alta Pressão Hidrostática, Cromatografia, Fermentação.

ABSTRACT

Preservation of natural resources has been emphasized in recent discussions about their availability for next generations, especially because human actions have been shown damages on the environment. Considering this situation, it is important to point out the mainly scientific advances and discoveries which represent new trends in sustainability. Technological fermentation, genetic engineering and bioprocess like chromatography correspond to biotechnological techniques applied to development of bioproducts, such as those obtained from byproducts that are environmental contaminants or promotion of new products characterized by chemical additives less. These technologies can be considered important basis for perspectives about new comprehension of a sustainable world.

Keywords: Biotechnology, High Hydrostatic Pressure, Chromatography, Fermantation.

1 INTRODUÇÃO

A temática sustentabilidade cada vez mais se desvincula de um campo teórico e de desejos de implantações práticas para a real instituição de ações nas mais diversas áreas da atividade humana. O alarde generalizado acerca da continuidade dos recursos naturais para as próximas gerações engendrou movimentações importantes no campo científico, muito inclinado em desenvolver propostas para minimização do impacto sócio-ambiental oriundo das novas tecnologias.

A biotecnologia é um instrumento balizador dessa tendência. Inserida nos setores farmacêutico, cosmético, químico, alimentício, têxtil e energético, gera bioprodutos de baixo impacto com alto valor comercial agregado, posto que bioprocessos valem-se de mecanismos de produção com menos desperdícios de materiais e energia (OECD, 2001). Deve se destacar a grande atenção voltada aos materiais ligno-celulósicos, importantes fontes de carbono passíveis de serem transformados em biocombustíveis por microrganismos não recombinantes ou mesmo engenheirados

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geneticamente. Estes desenvolvimentos são encorajados pela potencial redução do efeito estufa e da emissão de gases (ROGERS; JEON; SVENSON, 2005), além de dar destinação a estes materiais, pois em muitas situações são reconhecidamente subprodutos de atividades agrícolas e de processamento de alimentos, por exemplo. É importante mecionar também as leveduras modificadas geneticamente que secretam diesel, diferente daquelas conhecidas por secretarem como produto da fermentação moléculas de etanol. Não menos importante, deve-se chamar atenção de bioprodutos no ramo farmacêutico a partir da produção de substâncias de valor terapêutico por Organismos Geneticamente Modificados (OGM), como a obtenção de proteínas heterólogas a partir de lavouras de tabaco, milho e outros vegetais (HOOD; HOWARD, 2002), processos biotecnlógicos esses que foram capitaneados especialmente pela produção da insulina por microrganismos que sofreram alterações em seu código genético. A obtenção de enzimas acompanha, portanto, essa perspectiva, haja vista serem sistemas catalíticos de muito interesse em diversas áreas, por exemplo em sínteses químicas, procedimentos estes que são potencialmente geradores de resíduos poluentes e de alta periculosidade (OLIVEIRA; MANTOVANNI, 2009). Tendo em vista a enormidade de bioprocessos e bioprodutos gerados, este trabalho objetiva-se em expor aqueles relacionados à biotecnologia e que sejam instrumentos fomentadores da sustentabilidade, no sentido de se apropriar de produtos ou subprodutos de baixo interesse sócio-econômico e, a partir do processamento, obter novas aplicações.

2 HISTÓRICO

A biotecnologia, na magnitude conhecida atualmente, desenvolveu-se de fatos pregressos especialmente fundamentados nos processos fermentativos para a produção tanto de pães quanto de vinhos. No final do século XIX, destacam-se os trabalhos dos cientistas Eduard Büchner, que enunciou a fermentação apenas com enzimas extraídas de leveduras, e Emil Fisher, inclinado no estudo da especificidade das enzimas (BUCHOLZ; KASCHE; BORNSCHEUER, 2005; OLIVEIRA; MANTOVANNI, 2009). Foram, dessa forma, responsáveis por abrir caminhos para o desenvolvimento de diversos gêneros de produtos, desde combustíveis à complexidade

de proteínas e componentes da farmacoterapia, inseridos no ramo farmacêutico. A biotecnologia, conforme é desenvolvida hoje, congrega uma série de ciências, dando-lhe o caráter multidisciplinar, e permite a realização de trabalhos com moléculas, células, tecidos e organismos vivos, sendo desenvolvidos em uma esfera tecnológica com vistas para o avanço do conhecimento e estabelecimento de novas tecnologias (MATTAR, 2010). Neste sentido, a biotecnologia não se resume aos processos fermentativos exclusivamente, mas também à manipulação do conteúdo genético de organismos vivos vislumbrando melhorias de suas qualidades ou alterações para síntese de determinadas substâncias. Além disso, ela se vale de ferramentas importantes que permitem a exploração dos organismos para obtenção e purificação de substâncias naturalmente produzidas ou sintetizadas a partir das referidas modificações. Destacam-se, por exemplo, a cromatografia e a alta pressão hidrostática como importantes técnicas inseridas no rol dos bioprocessos.

2.1 ALTA PRESSÃO HIDROSTÁTICA

A alta pressão hidrostática (HHP) apresenta variada aplicabilidade. Instigou a comunidade científica quando foi verificada a sobrevivência de organismos vivos em regiões potencialmente adversas à presença da vida, onde as pressões são elevadas (AERTSEN et al., 2009). Atualmente a avaliação deste interferente físico na modulação gênica e inativação de microrganismos têm sido objetos de estudo. HHP, em uma de suas aplicações, corresponde a um alternativa técnica de processamento de alimentos por vias não térmicas. A conservação de alimentos por HHP foi iniciada por Hite no final do século XIX, objetivando a eliminação de microrganismos do leite. O Brasil ainda não apresenta posição de destaque quanto à utilização desta tecnologia para estes fins, que pode dispensar temperatura e aditivos químicos na preservação de alimentos. Todavia, pesquisas têm demonstrado a larga possibilidade de se aplicar HHP para conservar diferentes tipos de alimentos, por exemplo a descontaminação da água de coco verde (COIMBRA, 2009; MATTAR, 2010). Mattar (2010) demonstrou que um determinado tratamento por HHP possibilitou, por exemplo, a redução em 4, 2 e 5 ciclos logarítmicos para microrganismos mesófilos, psicrotrófilos e bolores e leveduras, respectivamente, para

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águas de coco contaminadas após a extração e durante a comercialização em carrinhos de venda. A HHP permite, por exemplo, a manutenção de características sensoriais nutricionais dos alimentos, importantes no que diz respeito a comercialização para aqueles produtos cunhados por apelos naturais, isentos de aditivos químicos conservantes. O mecanismo de ação da HHP está essencialmente relacionado à influência sobre sistemas protéicos e estas interferências estruturais poderão culminar em modificações significativas e perdas de funcionalidade. Em razão destas possíveis alterações, pesquisas têm sido desenvolvidas no sentido de se utilizar HHP para a atenuação de vírus em produção de vacinas. Silva e outros (1991) demonstraram que a pressão de 260 MPa (MegaPascal) aplicada por 12 h reduziu em 104 a infectividade do vírus envelopado causador da estomatite vesicular. Segundo os autores, modificações morfológicas, pelo desacoplamento de subunidades do capsídeo viral, foram responsáveis pela atenuação viral. Este avanço sugere, por exemplo, que a atenuação de vírus e microrganismos podem ser desenvolvidos por processamentos físicos em detrimento da aplicação de substâncias químicas tóxicas, o que é naturalmente realizado com, por exemplo, a utilização de formalina e etilenimina binária (AERTSEN, 2009). Inserido no contexto da sustentabilidade está a inserção desta técnica na terceira geração de biocombustíveis. Esta geração de biocombustíveis é caracterizada pelo fornecimento de substâncias fermentessíveis através do pré-tratamento das fibras ligno-celulósicas (resíduos do coco, bagaço da cana-de-açúcar, resíduos do pinhão-manso e milho) com isenção de substâncias químicas. Este pré-tratamento fundamenta-se na utilização de enzimas hidrolíticas que expõem, portanto, produtos próprios à fermentação. A HHP, por sua vez, apresenta-se útil quanto ao favorecimento da atividade das enzimas hidrolíticas sobre seus substratos, visto que HHP desagrega a organização das fibras celulósicas, apresentando os sítios para ação enzimática, favorecendo a digestibilidade (RAMOS, 2003).

2.2 CROMATOGRAFIAS

O processo de separação e purificação de bioprodutos, chamado também de dowstream processing é um segmento muito importante na indústria biotecnológica, representando 80 a 90 % do custo de produção (BELTER et al., 1988 citados por

SARTORELO, 2004). Como, geralmente, são empregados vários estágios na recuperação dos produtos, o rendimento global de cada produto depende tanto do número de estágios necessários, quanto do rendimento individual de cada um deles. Assim, torna-se necessário buscar, no estudo da recuperação de biomoléculas, uma redução no número de estágios, assim como uma otimização do rendimento de cada um. Uma forma de reduzir o número de etapas de recuperação e purificação do produto é o desenvolvimento de processos de alta produtividade e alto rendimento (FREIRE; SANTANNA Jr.) As técnicas cromatográficas aliadas à busca de novos fármacos, bioprodutos ou substâncias com potencial farmacológico e/ou terapêutico têm demonstrado crescente interesse de pesquisadores e das indústrias farmacêuticas na busca de possibilidades analíticas que permitam maior rapidez e eficácia na descoberta de substâncias bioativas. (FERRARI et al.; 2008). Relevante citar nesse momento o processo de purificação da insulina recombinante. O produto recombinante apresenta algumas impurezas derivadas da utilização da Escherichia coli que podem levar à resposta imunogênica. A purificação da insulina obtida é essencial e ocorre em colunas cromatográficas que exploram a interação molecular dos compostos com as fases da coluna (WALSH, 2003). Na esfera sustentável esse aspecto toma uma dimensão ainda maior. Pesquisas têm sido intensificadas na busca de novos processos viáveis de purificação de substâncias bioativas a partir de resíduos agroambientais, utilizando cromatografias. Costa (2010) desenvolveu um processo de purificação de bromelina, enzima proteolítica do abacaxizeiro a partir dos resíduos agrícolas dessa cultura. A bromelina é uma enzima de grande interesse biotecnológico e tem tido ampla aplicação na indústria de alimentos e cosmética. Ela apresenta ainda aplicação para indústria farmacêutica com algumas indicações clínicas, tais como: agente antitumoral, modulação imune, limpeza de ferida, aumento do efeito de antibiótico, ação mucolítica, ajuda na digestão, aplicação em doenças cardiovasculares e circulatórias, em procedimentos cirúrgicos e ferimentos da musculatura esquelética (COOREMAN et al., 1976, citado por CABRAL, 2001). Entre as vantagens do processo desenvolvido por Costa (2010) é que bromelina não está presente nos primeiros estágios de desenvolvimento do fruto,

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porém, seu nível aumenta, rapidamente, mantendo-se elevado até o amadurecimento, onde tem um pequeno decréscimo. Além disso, esse processo visa a purificação de um produto com alto valor comercial, que ainda não é produzido no Brasil, a partir de resíduos da produção do abacaxi, atualmente sem destino. Sales (2009) realizou uma triagem e avaliou in vitro e in vivo a atividade antifúngica de formas extrativas vegetais bioativas com potencial para o controle dos fungos Fusarium subglutinans f. sp. ananas (Sin.: Fusarium guttiforme) e Chalara paradoxa, patógenos do abacaxizeiro. Através da cromatografia Sales isolou compostos a partir de tinturas-mãe de plantas medicinais. As amostras apresentaram respostas estatisticamente iguais ou superiores quando comparadas ao tratamento com fungicidas, revelando assim um grande potencial do uso dessas formulações em substituição aos defensivos agrícolas. Neves (2010) utilizou a cromatografia para buscar em algas do gênero Ulva compostos químicos com propriedade antimicrobianas. O autor encontrou nessas algas potentes agentes antimicrobianos frente a bactérias multiresistentes causadoras de infecção hospitalar e ainda, essas algas são produzidas em excesso na praia da Curva da Jurema no município de Vitória e que a prefeitura recolhe e encaminha para o lixo semanalmente caminhões abarrotados delas. Assim, a cromatografia, por ser uma técnica bem elucidada e conhecida tem sido extensivamente explorada em uma era sustentável na busca de bioprodutos, fármacos e de novos métodos viáveis de purificação de compostos a partir de resíduos agroindustriais.

2.3 FERMENTAÇÃO

Não menos importante, os processos fermentativos retomam a própria origem da humanidade. A produção de bebidas alcoólicas e de diversos alimentos fomentaram a utilização de microrganismos enquanto detentores de uma maquinaria celular para a sínstese de substâncias de interesse para o homem. Naturalmente, a fermentação evolui consideravelmente, ganhando vultuoso destaque com a inserção de técnicas biotecnológicas, em especial aquelas alicerçadas em biologia molecular, pontuando-se o recrutamento de microorganismos para produção de insulina humana recombinante. Neste interim, é válido ressaltar a importância

sustentável da fermentação. Folador (2009) aplicou a fermentação como forma de aproveitamento de resíduos do café. Estes resíduos são identificados como fonte de contaminação de solo e lençóis freáticos, conforme destacado por Matos, Santos e Fia (2000), quando avaliaram a interferência dos íons presentes nestes resíduos depositados em solo. Em seu estudo, Folador (2009) propõe a utilização de resíduos oriundos da despolpa do café, os quais apresentam teores de carboidratos passíveis de serem fermentados por cepas de Saccharomyces cerevisae. O resultado foi a obtenção de uma bebida com baixo teor alcoólico e que preserva aroma e sabor do café. Esse desenvolvimento garante uma destinação aos resíduos de café, potenciais poluidores, além de se gerar um produto de valor agregado e uma forma de incrementar a renda dos produtores. Neste rol de aproveitamento de subprodutos e resíduos pontua-se a fermentação em estado sólido que utiliza diversos estes substratos como suportes para a produção valiosas substâncias, como o ácido cítrico, um dos produtos de fermentação mais produzidos no mundo, conforme proposto por Rodrigues (2006), que avalia a polpa cítrica (cascas, sementes e polpas de laranjas) sendo rica em carboidratos e outros nutrientes e prontos para fermentação e produção do ácido cítrico. No rol dos biocombustíveis insere-se também este bioprocesso (LOSS, 2011) Esses recentes e inovadores métodos permitem-nos sugerir um termo para a fermentação, de modo a contemplar a nova era dessa processo, a fermentação tecnológica, pautados nas modificações genéticas realizadas em microrganismos. No bojo destes avanços, destaca-se a atual pesquisa de obtenção de diesel combustível através da modificação genética de leveduras para a síntese de diesel em vez de álcool (Murley, 2009). A percepção humana sobre a manipulação de microrganismos permitiu grandemente o desenvolvimento de diversas áreas, como a síntese de hormônios e fármacos, além da produção de alimentos e combustíveis. O domínio desta técnica e o conhecimento de diversos microrganismos fermentadores permitiu, ao longo dos séculos de utilização deste bioprocesso, a melhor compreensão bioquímica destes eucariotos, que se tornaram, indubitavelmente, microscópicas fábricas de produzir o que o homem deseja.

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3 CONCLUSÕES No tocante aos bioprocessos de recuperação e de purificação de bioprodutos, muito ainda há pra ser feito. Há um vasto “nicho” aberto, em primeiro lugar devido a biodversidade de nosso país. Aliado à biodversidade está a sustentabilidade, na busca pelo aproveitamento, destinação de resíduos e redução dos riscos ambientais. Um outro aspecto relevante está no desenvolvimento de técnicas que mantém a integridade estrutural da molécula de interesse durante os vários estágios de purificação. Assim, Fermentação, HHP e Cromatografias são apenas exemplos de um mundo que está aberto e precisa ser explorado. Novos bioprocessos e melhoramento da viabilidade dos existentes precisam surgir para melhor aproveitamento da diversidade de bioprodutos existentes e ainda desconhecidos.

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Histórico da homeopatia e sua representação social no cenário capixaba

Cecília Paula Candida Pereira da Silva, Sarah Martins Barbosa1, Helber Barcellos da Costa, Mauricio da Silva Mattar

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, Av. Vitória , 950, Forte São João, Vitória, ES – CEP 29017-950 e-mail: [email protected]

RESUMO

A homeopatia é uma especialidade cada vez mais consolidada no âmbito da saúde e que tem sido aceita e valorizada pela população, principalmente com a implementação dos centros de referência. Com vistas a essa tendência, este trabalho objetivou abordar o histórico da homeopatia e sua representação social em cenário capixaba, comparando as percepções da população e de profissionais da saúde sobre o conhecimento da homeopatia. Pautada em uma sistemática de tratamento diferenciado, que considera o sujeito em sua totalidade e sua relação com o meio, a homeopatia não é reconhecida desta forma pela população e pelos próprios profissionais da área da saúde, sendo visualizada como um tratamento de bases naturais, fitoterápica e adjuvante de outros tratamentos. Esse entendimento pode se apresentar pernicioso, pois o desconhecimento das fundamentações terapêuticas da homeopatia está associado à veiculação de informações deturpadas que podem prejudicar o tratamento de determinadas enfermidades. Portanto, faz-se fundamental a discussão envolvendo homeopatia nos cursos de graduação e inclusive fomentar-se a realização de cursos específicos de modo que os profissionais possam se apropriar de conhecimentos coerentes e se tornarem propagadores de informações, pontuando-se, além disso, a necessidade emergente de profissionais habilitados para suprir a demanda crescente por essa terapêutica.

Palavras-chave: Conhecimento, Cursos Profissionalizantes, Profissional de Saúde.

ABSTRACT

Homeopathy, as a medical specialization, is well consolidated in health area because the acceptance and valorization given by the majority population, which is especially resulted from implementation of reference centers of homeopathy. According to these new trends, this work aimed to review some historical aspects of homeopathy and its social representation in Espirito Santo state, evaluating the understanding of population and health professionals about this subject. Formally, homeopathy is a distinct therapeutic that considers patients in their totality and also their relationship with whole environment. However, it is not recognized in the same way by the population and most part of health professionals. Homeopathy has been known as natural, phytotherapic and adjuvant treatment. This comprehension can be dangerous, because incorrect understanding about theorical aspects of homeopathy is closely related to broadcast of wrong information that can interfere negatively in some diseases treatment. So, it is fundamental the existence of homeopathy in health graduation courses and to promote specific courses for updating once these professionals are responsible for knowledge disclosure and, in addition, the increasing demand of homeopathy is requiring able professionals to act in this therapeutic area.

Keywords: Knowledge, Professional Courses, Health Professional.

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1 INTRODUÇÃO

Fundamentada em 1796 por Christian Friedrich Samuel Hahnemann a Homeopatia é uma especialidade farmacêutica e médica que atua de forma totalitária elevando o conceito do tratamento clínico, visando o doente e não a doença. Promovendo uma atenção humanística, a homeopatia provém de uma vertente há muito conhecida e alguns dos seus princípios foram levantados pela primeira vez por Hipócrates, que definia saúde como o estado de harmonia do homem com a natureza, o equilíbrio organismo e meio ambiente (FONTES et al., 2009). A Homeopatia surge envolta à expectativa de uma terapêutica menos iatrogênica1 em contraposição às utilizadas na época como as sangrias, o uso de eméticos, laxantes, sudoríferos e diuréticos, que espoliavam o organismo das forças e dos humores vitais indispensáveis à manutenção da saúde (TEIXEIRA, 2006a). Corresponde, na atualidade, a um método terapêutico empregado mundialmente e recomendado desde a declaração de Alma-Ata em 1978 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). E também declarado pela mesma como o segundo mais importante sistema médico usado, visto que a prescrição é apropriada para cada indivíduo e seu custo é mais acessível quando comparada à alopatia (GALHARDI, 2005; DIAS, 2011). Produtos homeopáticos possuem maior veiculação em países como a Alemanha, França, Estados Unidos da América, Canadá e Brasil, e a globalização permite maior disseminação destes conhecimentos, e desperta o interesse de profissionais das mais diversas áreas da saúde (PRISTA et al., 2002; MURIAS, 2002). Esta publicação visa, pois, preencher uma lacuna no conhecimento sobre Homeopatia frente a irrenunciável crescente evolução da farmácia homeopática no país, que se esbarra, contudo, com a discreta vivência dos prestadores de saúde com o atendimento homeopático. Vislumbra-se, desse modo, apresentar um retrato da presença homeopática no estado do Espírito Santo, favorecendo a analise dos pontos que devem ser reforçados para o melhor aproveitamento desta especialidade farmacêutica e médica regionalmente.

¹Iatrogênica: refere-se a um estado de doença, efeitos adversos ou complicações causadas por ou resultantes do tratamento médico (RAMOS, 2004).

2 HISTÓRICO DA HOMEOPATIA

Homeopatia advém da união de duas palavras de origem grega: homoios que significa mesmo, igual, semelhante e pathos que significa doença, sofrimento. Corresponde a uma sistemática de tratamento de enfermos por meio de doses infinitamente pequenas com substâncias capazes de produzir, em indivíduos sadios, sintomas semelhantes aos da doença que está sendo tratada (MARINS, 1986a). Christian Friedrich Samuel Hahnemann, alemão e fundamentador da Homeopatia, formou-se médico pela Universidade de Erlanger em 1779. Atuou por vários anos e, enquanto conhecedor da realidade médica, discordou de várias práticas aplicadas na época, deixando isto claro em uma carta editor Hufeland, que foi intitulada “Resumo de uma carta a um médico de alto valor sobre o necessário renascimento da medicina” (Federação Brasileira de Homeopatia, [entre 2003 e 2011]). Hahnemann deixa a prática médica dedicando-se a traduções de livros, quando se depara com o tratado sobre a quinina ou quina do Peru. Hahnemann inicia questionamentos sobre a publicação, pois se tratava de uma substância agressiva, sendo utilizado para febre, contudo nem sempre com êxito. Postulou, portanto, que “para conhecer o efeito que um medicamento pode produzir em um enfermo, devemos observar a reação que ele provoca em um indivíduo de boa saúde.”, surgindo, assim, com esta ponderação um dos pilares da homeopatia: a experimentação no homem sadio (MARINS, 1986b; CORRÊA et al., 1997). Durante sua vida, experimentou mais de 50 medicamentos, publicou 21 livros e realizou 25 traduções, sua principal obra o Organon Del Heilkunst (Organon da arte de curar), publicado na Alemanha em 1810, que vendeu seis edições em que Hahnemann desenvolve seus ensinamentos. (FONTES et al., 2009; MONTEIRO; IRIART, 2007). O intuito de identificar a sintomatologia que as substâncias medicinais causavam no ser humano tinham a finalidade de aplicá-las seguindo as bases do princípio da similitude curativa. De acordo com Oliveira (2006), a lei dos semelhantes pode ser explicada como “[...] qualquer substância capaz de provocar determinados sintomas em seres humanos sadios e também capaz de curar um enfermo que apresente quadro mórbido semelhante”. Para a Homeopatia a verdadeira cura se dá quando uma doença natural for vencida por uma doença artificial, porém, a cura só ocorrerá se for

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respeitada a lei dos semelhantes (NETO, 2011). Hahnemann descreve duas fases distintas e sucessivas de sintomas que o medicamento provoca no organismo: o efeito primário, promotor de modificações nos diversos sistemas orgânicos e o efeito secundário, reação neutralizadora do próprio organismo aos distúrbios primários promovidos pelos fármacos, na tentativa de restabelecer o equilíbrio interno perdido, ou seja, a força de conservação ou homeostase (TEIXEIRA, 2006a).

2.1 EVOLUÇÃO DA HOMEOPATIA NO BRASIL

Enquanto especialidade médica, a Homeopatia foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 1980, com pressupostos científicos estabelecidos, aplicação clínica diversa, projetos nas áreas de pesquisa básica e clínica, além de ser oferecida nos serviços públicos de saúde e com iniciativas de ensino na graduação médica (TEIXEIRA, 2007b). Por outro lado, a inserção da Homeopatia nos cursos de graduação em Farmácia iniciou com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996, entretanto somente com a resolução CNE/CES 02/2002 que foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso, regulamentando a formação generalista e definindo sub-áreas do conhecimento, como a Homeopatia (CORRÊA; LEITE, 2011; BRASIL, 2002). No âmbito social por meio da Portaria 971/2006, o Ministério da Saúde (MS) aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que assegura o acesso dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) à medicina tradicional chinesa/acupuntura, fitoterapia e homeopatia. Posteriormente, o MS reforça a importância da presença da Homeopatia e demais Práticas Integrativas e Complementares (PIC) no SUS com a publicação da portaria 154/2008, inserindo essas práticas na Estratégia de Saúde da Família por meio dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) (BRASIL, 2006; BRASIL, 2008). E em 2007 foi publicada a Portaria 3.237, que inclui os medicamentos homeopáticos da Farmacopéia Homeopática Brasileira para serem disponibilizados aos usuários do SUS (Brasil, 2008).

2.2 HOMEOPATIA NO ESPÍRITO SANTO

Um marco importante e de consolidação da Homeopatia no Espírito Santo se deu com a

implementação, em 1999, do Centro de Referência em Homeopatia (CRH), destinado ao atendimento homeopático que, segundo Novaes (2007), os principais objetivos estão pautados na sistematização do atendimento, na organização de ações e atividades e oferta de serviço de qualidade à população. Avaliando o estudo promovido por Corrêa; Leite (2008), a presença do centro de referência possibilita acesso igualitário e consolida de forma significativa o tratamento não-alopático, além disso representa a valorização em torno da homeopatia a partir do atendimento profissional regular. Isso pode ser corroborado a partir dos levantamentos realizados pela Secretaria de Saúde do Espírito Santo (SESA) (ESPÍRITO SANTO, 2010), que identificou 78,3% dos usuários apresentaram satisfação máxima com relação aos serviços prestados pelo CRH. Esse resultado se deve ao compromisso dos profissionais com o serviço, ao tempo dedicado a cada paciente durante a consulta e ao número de consultas realizadas por cada médico homeopata (NOVAES et al., 2005). Corroborando com esses resultados positivos, Novaes (2007), que analisou a prática Homeopática inserida na Rede Pública de saúde de Vitória, demonstrou a avaliação também satisfatória pelos gestores em relação ao atendimento, frente ao reduzido número de queixas registradas. Os profissionais, por sua vez, consideram satisfatório pela possibilidade de ofertar tratamento adequado até aquela população de baixa renda, e os usuários apresentam um conhecimento razoável das vantagens do tratamento homeopático por mais que fosse considerado pelos usuários como um tratamento em longo prazo. Embora a Homeopatia tenha participação positiva em tratamentos de determinadas enfermidades além de sua satisfatória aceitação entre os usuário, ela está submetida a concepções desenvolvidas pela própria população, isto é, a Homeopatia, por ser alicerçada em uma sistemática distinta, com termos peculiares e muitas vezes distantes da capacidade de compreensão da maioria, está sujeita a avaliações e conceituações desenvolvidas pela sociedade tendo, assim, sua própria representação social. Confirma-se o exposto quando Arruda (2002) destaca que as representações sociais são comumente formuladas na esfera consensual, em contextos históricos, e desvinculada do método científico e investigativo. A formação deste conhecimento que transcorre principalmente de forma informal produz

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no contingente populacional e profissional um conceito por muitas vezes distorcido da Homeopatia, conceito este que impede que alguns sejam capazes de avaliá-los como insuficiente, pois ainda que a informação seja fácil de ser apreendida, os meandros conceituais tecnicistas não são facilmente acessíveis a todos (FIGUEIREDO; MACHADO, 2011). Micali et al. (1995), por exemplo, avaliaram 80 indivíduos aleatoriamente no município de Vitória, estado do Espírito Santo, e cerca de 81% dos entrevistados afirmaram apresentar algum conhecimento sobre homeopatia. Não obstante, o referido conhecimento arraigava-se nos tratamentos naturais e fitoterápicos. Mageste et al. (1998), por outro lado, pesquisaram o tema homeopatia entre 12 médicos alopatas de diferentes especialidades. O estudo evidenciou que 75% reconhecem-na como uma especialidade médica e 11 deles apresentavam conhecimentos que não destoavam do senso comum, condizentes ao tratamento natural, fitoterápico e adjuvante na atenção de doenças crônicas de fundo emocional, alérgicas e respiratórias. Mediante a esses expressivos resultados, é irrenunciável que a parcela formadora de opinião e perpetuadora de informação e conhecimentos qualificados encontra-se tal como o majoritário contingente populacional em relação aos aspectos inerentes à homeopatia. Machado et al. (2004), ainda em cenário regional, avaliaram a representação da Homeopatia entre farmacêuticos não homeopatas. Semelhantemente ocorreu a associação com tratamento natural, alternativo e a Hahnemann, concluindo que os farmacêuticos possuem conhecimento condizente apenas com a formação básica.

3 CONSIDERAÇÕES

É evidente que a homeopatia no cenário capixaba está concretizada, contudo há o contraponto da falta de conhecimento científico desta especialidade. A representação social da homeopatia, ainda que seja sedimentada na sociedade com propostas naturalistas, é parcialmente válida, pois permite a popularização de mais uma oportunidade terapêutica ao tratamento de enfermidades. Todavia, esta mesma concepção não deve estar presente entre os profissionais de saúde, haja vista serem perpetuadores de informações para a construção de conhecimento sólidos. Estes profissionais, indubitavelmente, devem

ao menos se apropriar de saberes fundamentais de modo a balizarem as informações que circundam a população, pois é fundamental que ela seja capaz de compreender que, da mesma forma que outras terapêuticas, a homeopatia também apresenta limitações. Esta percepção é crucial, uma vez que em determinadas circunstâncias os pacientes, por questões pessoais ou motivados por possibilidades de cura imediatista, refuntam tratamentos bem estabelecidos em busca de caminhos alternativos certos da resolução dos problemas que os afligem. Posto que as propostas de atuação multiprofissional são realidade cada vez mais estruturadas no cotidiano da saúde, é imprescindível que os profissionais atuantes nesta área apresentem conhecimentos que forneçam informações coerentes aos usuários de medicamentos homeopáticos. É válido, pois, enfatizar a necessidade deste tipo de discussão nos cursos de formação e pós-graduação, qualificando pessoas em uma área em franca expansão.

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Nanotecnologia aplicada a fármacos

Bárbara Mathias Fahning1, Elyomar Brambati Lobão2, Mauricio da Silva Mattar, Helber Barcellos da Costa

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, Av. Vitória, 950, Forte São João, CEP: 29017-950, Vitória-ES, [email protected]; [email protected].

RESUMO

A nanotecnologia baseia-se na interdisciplinaridade entre física, química, biologia, engenharias, computação e medicina, o que permite sua aplicação em vários campos, evidenciando-se a nanotecnologia farmacêutica, área das ciências farmacêuticas envolvida no desenvolvimento, caracterização e aplicação de sistemas terapêuticos em escala nanométrica, utilizando nanomateriais para desenvolver fármacos dentro do sistema chamado de liberação modificada. Os fármacos de liberação controlada compartilham o objetivo de melhorar a terapia medicamentosa em relação às limitações potenciais dos fármacos convencionais. Fármacos dessa categoria já podem ser encontrados no mercado e seu uso já é algo corriqueiro entre pacientes, além disso, passaram a fazer parte de um nicho do mercado industrial farmacêutico. O presente artigo apresenta uma revisão inovadora que explora a nanotecnologia aplicada à elaboração de fármacos de liberação modificada e apresenta as principais estratégias utilizadas em sua elaboração e as vantagens apresentadas em seu uso.

Palavras-chaves: Nanobiotecnologia, Nanoestruturas, Fármacos de Liberação Modificada. ABSTRACT

Based on interdisciplinarity, nanotechnology corresponds to association of different areas of knowledge like physics, chemistry, biological sciences, engineering, computer and health sciences. Considering all applications of these recent advances, pharmaceutical nanotechnology is in evidence. It is directly related to development, characterization and application of therapeutical systems arranged in nano-size particles able to release drugs properly in their action site, well known as drug delivery systems, in attempt to increase therapeutical outcomes in comparison with traditional releasing systems. Because medicines with nanoparticles have been widely commercialized, this article is an innovative approaching of this new trend in pharmacy nanobiotechnology, showing to pharmacists new opportunities for their careers and demonstrating, in addition, relevant aspects in drug development considering pharmaceutical sciences.

Keywords: Nanobiotechnology, Nanostructures, Drug Delivery Systems.

1 INTRODUÇÃO

A nanotecnologia é a aplicação tecnológica de objetos que tenham ao menos uma de suas dimensões físicas medindo entre 0,1 e 100 nanômetros, ou seja, aproximadamente 10-9 metros ou 1 bilionésimo de

metro, algo menor que a espessura de um fio de cabelo (INSTITUTO INOVAÇÃO, 2005). O termo nanotecnologia se refere às técnicas de manipulação de átomos, de modo que se possa rearranjá-los e modificar a natureza das interações das forças nos materiais (Martins, 2009). Seu objetivo

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é criar novos materiais e desenvolver novos produtos através de técnicas que possibilitem ver e manipular átomos, ou seja, com a construção de novas moléculas pode-se conseguir materiais com características precisas e individualizadas (BARBASTEFANO et al., 2005). A maior das motivações para o desenvolvimento de objetos nanométricos reside na possibilidade de produção de moléculas inéditas que possuam diferentes e incomuns propriedades físicas e químicas. É papel da nanotecnologia se aproveitar destas novas propriedades para desenvolver produtos com diferentes tipos de aplicações tecnológicas (ROSSI – BERGMANN, 2008). O desenvolvimento da nanotecnologia tem demonstrado um campo científico multidisciplinar, encontrando aplicações nas mais diversas áreas, desde setores de energia e eletrônica até indústrias farmacêuticas (ROSSI – BERGMANN, 2008). Na indústria farmacêutica, com o uso de nanomateriais desenvolveram-se os fármacos de liberação controlada, frequentemente descritos como “Drug Delivery Systems”, que oferecem inúmeras vantagens quando comparados a outros de dosagem convencional (PIMENTEL et al., 2007).

2 BREVE HISTÓRICO DA NANOTECNOLOGIA

Em 1959 surgiu a discussão acerca da nanotecnologia no meio científico quando o físico norte-americano Richard Feynman proferiu uma conferência na reunião da Sociedade Americana de Física, a qual deu o título de “Há muito espaço lá embaixo”. Nesta ocasião Feynman discutiu a possibilidade da manipulação de átomos e de construção de objetos nanometricamente pequenos, com características próprias e individuais. A ele só não foi possível colocar suas idéias em prática por não existirem possibilidades de se enxergar os átomos para que se pudessem manipulá-los (VELOSO, 2007). Apesar de todas essas idéias, a palavra nanotecnologia ainda não havia sido proferida por Feynman. Entretanto, em 1974, um pesquisador da universidade de Tóquio chamado Norio Taneguchi utilizou o novo termo para descrever a fabricação precisa de novos materiais com tolerâncias nanométricas (MARTINS, 2009).Como ainda não havia meios para que se conseguisse ver e manipular átomos, foi preciso que desenvolvessem aparelhos que possibilitassem esse trabalho. Nesse sentido, a criação dos microscópios de tunelamento por Binning e Rohrer nos anos

80 foi um grande marco no desenvolvimento da nanotecnologia, já que possibilitou não só enxergar os átomos, mas também como manipulá-los na escala nanométrica (MARTINS, 2009). O termo nanotecnologia foi popularizado mais tarde, quando Erick Dexler, em 1986 publica o livro intitulado “Engines of Criation - The New Era of Nanotechnology”, considerado um tanto quanto ficcional (MARTINS, 2009). Um grande feito para o desenvolvimento da nanotecnologia foi quando, em 1989, o físico norte americano Donald Eigler e seus colaboradores conseguiram construir um logotipo da empresa de computadores IBM (International Business Machines) sobre uma superfície de níquel utilizando 35 átomos de xenônio, a letra I da sigla era formada por nove átomos e media aproximadamente 5 nm. As imagens correram por todo o mundo e a possibilidade de avanços em pesquisas nessa área fica evidente (MARTINS, 2009). Um outro marco no desenvolvimento da nanotecnologia é a construção de nanotubos de carbono, em 1991, por Sumio Lijima, com base nas descobertas feitas por Ricahrd Smalley a cerca de uma nova forma de blocos de construção, os chamados buckminsters ou buckyballs. Segundo Fonseca (2009), o nanotubo de carbono é basicamente uma folha de carbono enrolada de modo a conectar suas extremidades formando um tubo. Esses nanotubos vem revolucionando a nanotecnologia por exibirem resistência mecânica extremamente alta e aplicações singulares, como por exemplo, serem utilizados como nanopinças no posicionamento de átomos e moléculas. Hoje a nanotecnologia não é mais uma promessa para o futuro. Países desenvolvidos e alguns em desenvolvimento vem investindo com força total em pesquisa e desenvolvimento nesse campo. O motivo desses investimentos é o enorme mercado potencial que está em jogo (SILVA, 2003). Silva (2003) destaca a importância do desenvolvimento da nanotecnologia sobre a economia mundial citando redução de matérias-primas, do consumo energético de importantes processos industriais, menos agressão ao meio ambiente e maior proteção à saúde do consumidor. Segundo Motta (2009), entre os anos de 2000 e 2003 acreditava – se que esta área era de oportunidades ilimitadas para maioria dos setores. Nos anos anteriores, foi possível verificar que havia um montante de aplicações na área de nanotecnologia relativos a valores de 2 bilhões

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de dólares anuais (Rossi-Bergmann, 2010). Já em 2008, em termos globais, foram aplicados cerca de 8 bilhões de dólares para investimentos públicos em pesquisas, salientando que os países lideres nesses investimentos são: Europeus (Reino Unido, França, Alemanha, Finlândia, Suíça, Itália, Suécia, Dinamarca, Países Baixos), Estados Unidos e Japão. Atualmente, no Brasil existem algumas iniciativas com o intuito de incentivar a pesquisa no ramo da nanotecnologia. Uma primeira tentativa do governo foi a elaboração do Programa Nacional de Nanotecnologia em 2000, que tem como foco conquistar uma fatia do mercado global de materiais, produtos e processos baseados em nanotecnologia o que implica em investimentos na formação de recursos humanos, pesquisa, inovação, criação de novas empresas e ampliação das áreas de atuação nas indústrias nacionais (MOTTA, 2009). Mesmo com todas as tentativas, investimentos e desenvolvimento de pesquisas na área de nanotecnologia, o Brasil vivencia a fase inicial do desenvolvimento observada nos países lideres há uma década (MOTTA, 2009).

3 APLICAÇÕES

A nanotecnologia se tornou um dos mais promissores campos de pesquisa da atualidade e por não possuir uma tecnologia específica e sim interdisciplinar baseada na física, química, biologia, engenharias, computação e medicina, permite que vários campos façam seu uso (ALVES, 2004). De acordo com NNI (2011), a nanotecnologia está ajudando a melhorar consideravelmente, ou até mesmo revolucionar, muitos setores industriais. Dentre os setores em maior evidência no âmbito da nanotecnologia estão: tecnologia da informação, energia, ciência ambiental, medicina, segurança interna, a segurança alimentar e transporte, entre muitos outros. A nanobiotecnologia é uma área que merece destaque e pode ser, portanto, definida como o estudo, processamento, fabricação e desenho de dispositivos orgânicos, nanomateriais para atuação biológica ou biomateriais, nos quais pelo menos um componente funcional possui tamanho nanométrico. Áreas importantes da nanobiotecnologia incluem a nanomedicina (biologia molecular e genética), a física-médica (diagnóstico), o desenvolvimento de nanofármacos (fármacos encapsulados), além da nanocosmecêutica (cosméticos com efeitos farmacológicos consideráveis) (DURÁN et al., 2010).

Os nanofármacos, foco desta revisão, mais especificamente fármacos de liberação controlada, obtidos através do desenvolvimento de macromoléculas nanométricas capazes de, como uma gaiola química, armazenar em seu interior a molécula de uma droga ou o princípio ativo de um medicamento, de modo que venham a funcionar como vetores capazes do transporte pelo organismo e do controle, seja da taxa de liberação, seja do ambiente fisiológico adequado, para que essa liberação do composto específico ocorra. Da mesma forma, a macromolécula pode ter sua parte exterior preparada para que sua dissolução, liberando o fármaco, ocorra apenas em tecidos-alvo específicos, minimizando os efeitos colaterais da droga utilizada. Por fim, as dimensões nanométricas das moléculas-gaiola podem levar inclusive à preparação de medicamentos capazes de vencer a barreira das membranas cerebrais, levando ao desenvolvimento de uma nova geração de fármacos específicos para o tratamento de alterações bioquímicas ou de tecidos do cérebro (MELO; PIMENTA, 2004).

3.1 NANOTECNOLOGIA APLICADA A FÁRMACOS

A nanotecnologia farmacêutica é a área das ciências farmacêuticas envolvida no desenvolvimento, caracterização e aplicação de sistemas terapêuticos em escala nanométrica ou micrométrica. O estudo desses sistemas tem sido realizado com o objetivo de direcionar e controlar a liberação de fármacos (SAKATA et al.,2007). Alves et al. (2008) afirmam que as nanopartículas possuem as características necessárias para que esses sistemas de liberação de fármacos controlados sejam efetivos. Permitem que sejam entregues em local apropriado, tem suas concentrações mantidas em níveis adequados por longos períodos de tempo, além de prevenir sua degradação. As nanopartículas permitem ainda maior eficiência de encapsulação e liberação controlada se comparadas aos sistemas de encapsulação convencionais, além de possuírem tamanho pequeno suficiente para serem injetadas diretamente no sistema circulatório e oferecerem a possibilidade de administração por outras vias como pulmonar, nasal, transcutânea e oral (ALVES et al., 2008). Alves et al. (2008) acrescentam os tipos de nanoestruturas utilizadas pela indústria farmacêutica para a encapsulação de ativos: lipossomas, nanopartículas poliméricas, ciclodextrinas,

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nanopartículas lipídicas e dendrímeros.

3.1.1 LIPOSSOMAS

Castanho; Santos (2002) definem lipossomas como associações coloidais de lipídios anfipáticos, que se organizam espontaneamente em estruturas fechadas tipo concha esférica. Podem ser preparados a partir de misturas lipídicas naturais extraídas e purificadas, ou a partir de lipídios sintéticos, disponíveis comercialmente. Essas vesículas esféricas são constituídas de uma ou várias bicamadas concêntricas de lipídeos, que isolam um ou vários compartimentos aquosos internos do meio externo (CASTANHO; SANTOS, 2002). Esse tipo de estrutura permite a encapsulação de compostos de naturezas hidrofílicas, hidrofóbicas e anfifílicas, e liberação controlada do conteúdo encapsulado por difusão e/ou por erosão da vesícula (ALVES et al., 2008). Além disso, são sistemas altamente versáteis, cujo tamanho, lamelaridade, superfície, composição lipídica, volume e composição do meio aquoso interno podem ser manipulados em função dos requisitos farmacêuticos e farmacológicos (FRÉZARD et al., 2005). Em 1995, a Doxorrubicina foi o primeiro medicamento lipossomal a ser introduzido no mercado utilizada no tratamento do sarcoma de Kaposi associado à AIDS. Depois disso, muitas outras formulações lipossomais surgiram no mercado: Myocet® e DaunoXome® (fármacos utilizados no tratamento de câncer) que reduziram significativamente a toxidez cardíaca da droga; Anfotericina B (medicamento para tratamento de micoses e leishmaniose visceral), que reduziram sensivelmente sua toxidez renal (ROSSI-BERGMANN, 2008). O principal problema da administração sistêmica de lipossomas é o fato de que quando entram na corrente sanguínea são rapidamente capturados pelos macrófagos que fazem parte do sistema retículo-endotelial. Para além dos macrófagos, os lipossomas são absorvidos rapidamente e em grande extensão pelos outros órgãos do SER (Sistema Retículo-Endotelial), principalmente o fígado, o baço e os nódulos linfáticos, mas, mais tardiamente, também pelos pulmões e medula óssea, o que diminui o seu tempo de semi-vida plasmática a minutos. Este fenômeno de captura condiciona a utilização primordial dos lipossomas no tratamento de doenças relacionadas com os órgãos referidos:

fígado ou baço (SHARMA ; SHARMA apud MATOS; MOUTINHO, 2008).

3.1.2 NANOPARTÍCULAS POLIMÉRICAS

O termo nanopartículas poliméricas aplicado à liberação controlada de fármacos refere-se a dois tipos de estruturas diferentes, nanoesferas e nanocápsulas (SCHAFFAZICK et al., 2003). As nanocápsulas são constituídas por um invólucro polimérico disposto ao redor de um núcleo oleoso, podendo o fármaco estar dissolvido neste núcleo e/ou adsorvido à parede polimérica. Por outro lado, as nanoesferas, que não apresentam óleo em sua composição, são formadas por uma matriz polimérica, onde o fármaco pode ficar retido ou adsorvido (SCHAFFAZICK et al., 2003). Sistemas de liberação nanoestruturados poliméricos agem como compartimentos transportadores de substâncias ativas e apresentam vantagens, quando comparados aos sistemas microemulsivos e lipossomais, que justificam sua aplicação, dentre elas, a boa estabilidade física, química e biológica, fácil preparo e boa reprodutividade, além de serem aplicáveis a uma ampla variedade de substâncias visando melhorar suas propriedades químicas (QUINTANAR-GUERRERO et al., apud CAMPOS, 2008).

3.1.3 CLICLODEXTRINAS (CDs)

CDs são oligossacarídeos cíclicos formados por moléculas de D-glicose unidas através de ligações glicosídicas α(1→4), obtidas a partir da degradação enzimática do amido pela CGtase, enzima sintetizada por vários microorganismos (BRITTO et al., 2004; SZEJTLI apud BOLDRINI, 2005). Do ponto de vista estrutural, as CDs apresentam-se na forma de “cones truncados” com o lado mais largo formado pelas hidroxilas secundárias em C-2 e C-3 e a face mais estreita constituída pelas hidroxilas primárias ligadas em C-6 (BRITTO et al., 2004). A dimensão da cavidade é determinada pelo número de unidades de glicose constituintes da CD. Os átomos de oxigênio envolvidos nas ligações glicosídicas (em C-1 e C-4) e os átomos de hidrogênio ligados em C-3 e C-5 determinam o caráter hidrofóbico do interior da cavidade das CDs. A presença das hidroxilas livres na parte externa das CDs confere a essas moléculas um caráter hidrofílico (BRITTO et al., 2004).

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Esse arranjo estrutural das moléculas de glicose nas CD’s possibilita a utilização desses compostos como hospedeiros na formação de complexos de inclusão. A presença de uma cavidade hidrofóbica e de grupos hidroxilas livres na parte externa da molécula permite a dissolução em meio aquoso de compostos (hóspedes) de baixa solubilidade (BRITTO et al., 2004). As CDs aptas a formar complexos de inclusão possibilitam mascarar odores e sabores desagradáveis de certos fármacos, reduzir ou eliminar irritações oculares ou gastrointestinais e prevenção de interações e incompatibilidades (CUNHA-FILHO; SÁ-BARRETO, 2007). A utilização de diferentes CDs em formulações farmacêuticas pode aumentar a solubilidade, a estabilidade e reduzir a toxicidade de fármacos ou aumentar a absorção de substâncias bioativas como, por exemplo, da insulina, onde a CD diminui a capacidade da insulina de formar dímeros e hexâmeros em meio aquoso (ANDREAUS et al., 2010).A incorporação das CDs em sistemas farmacêuticos constitui uma realidade consolidada. Segundo estatística recente, as associações com CDs já foram estudadas com 515 princípios ativos, melhorando sua biodisponibilidade, estabilidade e segurança (SZEJTLI apud CUNHA-FILHO; SÁ-BARRETO, 2007). Algumas das desvantagens das CDs estão relacionadas a sua toxicidade. Dentre as mais citadas na literatura, tem-se o fato da toxicidade das CDs esta diretamente vinculada à absorção sistêmica e, consequentemente, sua dependência da via de administração. Na adminstração oral de CDs, estudos comprovam sua inocuidade a elevadas doses (AMERICAN PHARMACEUTICAL ASSOCIATION apud CUNHA-FILHO; SÁ-BARRETO, 2007). A administração de preparados por via endovenosa provoca precipitação microcristalina desta CD nos rins devido a sua limitada solubilidade, além da formação de complexos com o colesterol, provocando sérios danos renais (DAVIS; BREWSTER apud CUNHA-FILHO; SÁ-BARRETO, 2007).

3.1.4 NANOPARTÍCULAS LIPÍDICAS

As NLS tem uma estrutura basicamente composta por um núcleo sólido coberto por uma camada de moléculas de agentes tensoativos (MARQUES, 2009). Os lipídios utilizados na preparação de NLS são triglicerídeos, mistura de glicerídeos ou ceras. Esses ingredientes são bem toleráveis fisiologicamente e aprovados para

aplicações farmacêuticas em humanos. Nos últimos anos, este carreador passou a ser utilizado no transporte de fármacos lipofílicos, apresentando um largo espectro de vias de administração: aplicação intravenosa e intramuscular, parenteral, oral, oftálmica e tópica (MARCATO, 2009). Uma desvantagem dessa estrutura é a sua baixa capacidade de encapsulamento que varia de 25-50% dependendo da solubilidade do ativo na matriz lipídica, do método utilizado e do estado polimórfico da matriz lipídica. A utilização de lipídios muito semelhantes gera cristais perfeitos. Como o fármaco se localiza entre as cadeias lipídicas e nas imperfeições dos cristais, a alta organização dos cristais diminui a eficiência de encapsulamento (MARCATO, 2009). Quando comparadas às nanopartículas poliméricas apresentam de 10 a 100 vezes menos toxicidade. Aliando a este fato sua boa capacidade de estocagem (estabilidade de até 3 anos) e a sua propriedade de esterilização em autoclave sem perder a forma esférica e sem um significativo aumento no tamanho das partículas, torna-se possível sua produção em larga escala (MARCATO, 2009). Além disso, promovem liberação sustentada e/ou direcionada para um alvo específico, têm uma permanência mais duradoura na corrente sangüínea, atravessam a barreira hemato-encefálica sem danificar estruturas, muitas vezes promovem o aumento da estabilidade da droga, apresentam boa tolerabilidade, uma boa biodisponibilidade após administração oral, e alta reprodutividade em larga escala (HU et al., apud TOMAZINI et al., 2007).

3.1.5 DENDRÍMEROS

O termo dendrímero descreve uma arquitetura de uma nova classe de moléculas que, fundamentalmente, são formadas por um núcleo ligado a seus ramos. São altamente ramificadas, porém simétricas e tendem a ter uma estrutura em forma de uma esfera com cerca de 1 a 10 nm (SANTOS, 2008; ROSSI-BERGMANN, 2008). São sintetizados a partir de uma unidade central por estágios repetitivos e caracterizados por grande número de subgrupos funcionais reativos e espaços interiores protegidos (AGUILÓ et al., 2010). Essas macromoléculas tridimensionais possuem pontos de ramificação em cada unidade monomérica. São capazes de reproduzir estruturas com grupos funcionais terminais e definidos números de gerações, cada qual aumentando seu tamanho em

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uma geração que tem o dobro do peso molecular da geração anterior. O número de gerações se refere ao número de unidades monoméricas adicionadas que vão desde o centro até a periferia do dendrímero, resultando em homoestruturadas camadas (AGUILÓ et al., 2010). Esta adição torna cada geração mais ramificada que a anterior até se obter uma estrutura globular e densa que não pode crescer mais devido a efeitos estéricos entre os diferentes ramos (JESUS, 2008). Existem estudos sobre a entrega de drogas através de transportadores macromoleculares de dendrímeros, como estruturas dendríticas (poliamido poliaminas) com grupos funcionais que podem se ligar a agentes antineoplásicos (agentes antitumorais), apresentando assim grande eficiência do medicamento, alta capacidade de entrega, baixa toxicidade, boa solubilidade aquosa e boa atividade antitumoral in vivo. Os conjugados formados entre dendrímeros e antineoplásicos agem sobre os tumores sólidos, pois, estes permitem o acúmulo desses conjugados por possuírem tamanho de 10 a 500 nm. Além disso, os dendrímeros mostram-se extremamente eficazes no transporte da droga até o tumor sem agredir células sadias (TASSANO, 2008; JESUS, 2008). Há também estudos voltados aos dendrímeros poli(amidoamina) com atividade antiviral contra o vírus HIV (imunodeficiência humana) (TASSANO, 2008). Um tipo diferente de transportadores são os dendrímeros poli(amidoamina) complexados com prata para tratamento antimicrobiano em queimaduras. Estes dendrímeros permitem uma concentração alta e localizada de prata que destrói os microorganismos sem danificar as células (JESUS, 2008).

4 FÁRMACOS DE LIBERAÇÃO MODIFICADA X FÁRMACOS CONVENCIONAIS

Os fármacos de liberação convencional são delineados para liberar rapidamente a dose total de fármaco presente, logo após ter sido administrado. Além disso, presume-se que o fármaco liberado está na forma terapeuticamente ativa e disponível imediatamente para a absorção na circulação sistêmica (AULTON, 2005). Contanto que o tamanho da dose e a frequência de administração estejam corretos, concentrações plasmáticas de fármaco no estado estacionário podem ser alcançadas prontamente, e a

seguir, mantidas, por meio da administração repetida de Formas Farmaceuticas Sólidas Orais (AULTON, 2005). AULTON (2005) afirma que os fármacos de liberação convencional apresentam muitas limitações potenciais sistemáticas, tais como flutuações da concentração plasmática e sucessivas administrações do medicamento. Todos os produtos de liberação controlada compartilham o objetivo comum de melhorar a terapia medicamentosa em relação às limitações potencias dos fármacos convencionais (GENNARO, 2004) (Tabela 1). A partir do momento que os objetivos do uso de fármacos de liberação controlada são alcançados, muitas vantagens podem ser observadas quando as duas formas farmacêuticas em questão são comparadas. por exemplo, os medicamentos de liberação controlada apresentam menor flutuação dos níveis plasmáticos do fármaco, redução da frequência de administração, maior conveniência e adesão, redução no efeitos colaterais e, por fim, redução nos custos globais com a saúde (ALLEN et al., 2007). Apesar de todas as vantagens, fármacos de liberação controlada apresentam certas limitações: precisam ser revestidas para que se atinja maior excelência destes produtos. Fatores fisiológicos, tais como pH gastrintestinal, atividade enzimática, gravidade da doença, entre outros, que freqüentemente interferem na biodisponibilidade do fármaco convencional, também podem exercer o mesmo efeito em sistemas de liberação controlada impedindo a precisão no controle da doença e na absorção desses fármacos (AULTON, 2005). Formulações de liberação controlada custam mais por dose unitária do que formas farmacêuticas convencionais contendo o mesmo fármaco. Isso pode ser justificado pela forma de fabricação e preparo desses sistemas que podem requerer aparelhagem e materiais de maior custo (AULTON, 2005). O tamanho em que as formas farmacêuticas de liberação controladas são apresentadas também é problema, já que esses se apresentam em dispositivos muitas vezes maiores que os de forma farmacêutica convencional, o que pode causar dificuldade em engolir ou rejeição e dor em casos de implantes (ALLEN et al., 2007).

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Tabela 1 – Exemplos de medicamentos de liberação controlada de fármacos disponíveis no mercado.

Medicamento Fármaco Nanopartícula Vantagens

AmBisome® Anfotericina B LipossomaBem tolerada e

efeitos colaterais raramente relatados.

Daunoxome® Daunorrubicina Lipossoma

Prolonga o tempo de circulação e maximiza

a seletividade da daunorrubicina para

os tumores.*

Cicladol® Piroxicam Ciclodextrina

Absorção mais rápida e melhor

distribuição plasmática

em dose única diária.**

Fonte: * Gilead Sciences, 2011 ; ** Chiesi Farmacêutica LTDA, 2011

5 CONCLUSÕES A nanotecnologia, juntamente com as nanociências, procura manipular a matéria em escala nanométrica de modo a estudar as novas moléculas e desenvolver seu uso utilizando suas propriedades precisas e individuais. As aplicações da nanotecnologia englobam todas os vértices do conhecimento, unindo disciplinas, como física, química e biologia para que se desenvolvam técnicas inéditas e se alcancem objetivos comuns. Várias áreas da indústria, que vão desde a área eletrônica a médica, já utilizam as técnicas nanotecnológicas . A indústria farmacêutica é uma das que se destaca entre o uso da nanotecnologia em suas atividades. O desenvolvimento das chamadas Drug Deliveries é um dos grandes feitos da nanotecnologia nessa área, já que possibilitou um grande avanço no que se diz respeito a tratamento, menos efeitos colaterais, menos agressão ao paciente e cura mais acelerada. Fármacos de liberação modificada, sem dúvida, deixaram de ser promessa de futuro e passam a fazer parte de um nicho do mercado industrial farmacêutico, trazendo novas características aos fármacos convencionais, e em sua maioria, trazem somente melhoria e eficiência terapêutica.

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Pensando Deus, o humano e as virtudes cristãs – análise do poema de Cordel Os Martírios de Genoveva

Dr. Carlos Cariacás Faculdade de Direito da Universidade Nove de Julho, Rua Vergueiro, 235/249.

Vergueiro - São Paulo-SP, Brasil - [email protected]

RESUMO

O poema da literatura de Cordel intitulado Os martírios de Genoveva carregam imagens sobre Deus envolto pelo cenário medieval e alimentado pelo repertório •das virtudes cristãs. O presente artigo é fruto do contato com o criativo pensamento popular que por ora analisamos com base na retórica de Perelman – mediante os estudos comparados das religiões.

Palavras-chave: imagem de Deus. Virtudes cristãs. Humano. Cordel.

ABSTRACT

The Cordel literature poem entitled Os Martirios de Genoveva carries images of God surrounded by the medieval environment and fed by the repertoire of Christian virtues. This article is the result of popular creative thinking which we will presently analyse based on the rhetoric of Perelman – through comparative studies of religions.

Keywords: images of God. Christian virtues. Human. Cordel literature.

1 INTRODUÇÃO

Há muito a pesquisa no Brasil se volta a descobrir o que nos é inerente enquanto pensar próprio. Não basta, se a questão for sonhar e trabalhar para construir e edificar o país com base educativa sólida, ficar atrelado tão somente à história que não é nossa. Urge hoje, mais do que nunca, rastrear, levantar, analisar, dialogar com o que é produzido nessa terra. E é em consonância com essa visão que disponho a trazer para análise o poema intitulado Os martírios de Genoveva, fruto da vitalidade da Literatura de Cordel. O Cordel é classificado como literatura popular; patrimônio da cultura ibérica que por aqui aportou e fincou raízes na cultura brasileira tornando-se um com a alma brasilis. Diz-se Cordel devido serem os impressos postos dependurados em cordas para a exposição dada, geralmente, em mercados públicos. Destarte a Literatura de Cordel é fonte da mais fina expressão do pensar popular. Portanto, objeto mais do que estimável para adentrar nos caminhos do pensar brasileiro. O citado poema em estudo, navegando em

um conto amoroso marcado pelo sofrimento, traz embutido em seu bojo olhares sobre o modo popular de pensar Deus, o homem e as virtudes cristãs. O intuito deste trabalho é, justamente, percorrer o trajeto traçado pelo poeta na intenção de desvendar as suas veredas reflexivas. É um poema vinculado a cosmologia e a moral cristã. Escreve o filósofo Joaquim Severino (1994, p. 45) “... que o atual ocidente deve sua origem histórica ao encontro de três pequenos povos: Os romanos, os judeus e os gregos.” Por sua vez, a cultura desses povos foi fundida na epifania do cristianismo. É justo recordar que os cristãos ocupam um lugar privilegiado na história da humanidade por terem ajudado a impulsionar a cultura Ocidental com boa parte de suas peculiares características. Em linhas gerais, o Cristianismo, que nasceu no Oriente - mas que se desenvolveu no ocidente - cativou a população do período antigo devido a novidades que carregava consigo. Em tempos vividos sob o prisma da diferença e da escravidão (como fora o período Antigo), os cristãos primitivos lançaram fortes apelos para a vivência dos valores da igualdade e da

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liberdade que viriam a se tornar princípios basilares da ética no Ocidente. O cético Popper reconhece que foram graças aos cristãos que os princípios basilares se tornaram direitos inalienáveis do homem (ZILLES, 1991, p. 94). Isso devido ao fato de que, em sua gênese, o Cristianismo teve grande sucesso e repercussão por seu livre acolhimento dispensado a todos os tipos de pessoas excluídas da sociedade (MESSADIÉ, 2001, P. 296S). Por isso, Delumeau (1977, p. 13) afirma que “Ser-lhe-á reconhecido o mérito de ter feito penetrar na consciência coletiva valores éticos e culturais que se saudarão com respeito...” Os cristãos, por sua parte, buscando construir o reino dos céus na terra edificaram no Ocidente boa parte da moral vigente contribuindo, dessa feita, muitíssimo com a formação da ética, divulgando e enraizando valores vistos como nobres como, por exemplo, a justiça, a valorização do homem, o cuidado para com os necessitados mediante o exercício da caridade, as virtudes...(REALE; ANTISSERI, 1990, p. 373). Entre tantas realizações pariram para o mundo uma imagem de Deus sob o atributo do amor (amor doação total e completamente desinteressado). E, por sua vez, tendo gerado a imagem de um Deus amor, procuraram ser fieis a essa crença. Escreve Reale; Antisere (1990, p. 296) “Esta passagem da primeira Epistola de João resume muito bem o arco da temática do amor cristão: ‘... amemo-nos uns aos outros, pois o amor é de Deus e aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus’(...)” É importante ressaltar que a distinção dos cristãos na história, como arautos do bem, do progresso e da felicidade humana, não se deve a seus dogmas, ou aos seu inúmeros patriarcas e Papas. Também não foi a instituição do sacerdócio (os deuses de todas as religiões também instituíram seus sacerdotes), ou a Eucaristia (os fiéis de Mitra na antiga Roma comungavam de pão e de vinho dizendo ser o corpo e o sangue da divindade) (MESSADIÉ, 2001, p. 296), ou a ideia de ressurreição (crença já difundida no antigo Egito). Esses elementos se constituíram como que acessórios estéticos para a história da humanidade no referente à importância do surgimento do cristianismo. Mas, então, o que oferece lugar de distinção ao cristianismo no correr da história? A resposta é: a sua essência. Por essência entende-se “Aquilo que faz cada coisa ser ela mesma e não outra, colocando à parte características acidentais e secundárias, como forma, tamanho, cor, etc. É a natureza de cada coisa (SOUZA, 1995, p. 23)”.

A essência, pois, é, justamente, o conjunto daqueles elementos que fez com que o cristianismo entrasse para a história, a saber: o amor ágape, a revolução das bem-aventuranças e a sua visão de homem.... ( MESSADIÉ, 2001, p. 301)Portanto, os cristãos não somente colocaram na pauta da história humana elementos novos que reformulariam os costumes e impulsionariam o tratado da ética, como também, remodelariam a imagem de Deus.

2 MÉTODO

A pesquisa se envereda pelo espírito dos Estudos Comparados das Religiões que, em linhas gerais, “(...) é descritivo dos fenômenos religiosos, mas, na medida em que toda comparação é também interpretação, a confrontação entre as religiões manifesta a sua tendência de ir “além”, procurando entender o valor e o significado das religiões”- conforme sinaliza Terrin (2003, p. 21).Por esta feita compararemos a tradição secular do Cristianismo com as manifestações da teologia popular desenvolvidas no poema em questão. Concomitante se apropria de elementos da retórica de Perelman (2005, p 40 ) com vista a ir no encalço da percepção da construção discursiva demandada pelo poeta.

3 EM OS MARTÍRIOS DE GENOVEVA UMA IMAGEM DE DEUS ESSENCIALMENTE CRISTÃ

Várias são as imagens de Deus formadas ao longo da história ocidental. Tanto os romanos quanto os gregos gestaram os seus deuses. Entretanto, a gestação mais importante, mais saliente para a história religiosa do Ocidente foi a dos judeus (devido a fixação da fé cristã). Afonso Murad (1994, p.39), se apoiando na Teologia de J.L Segundo, fala que a cultura judaica, donde provém o cristianismo, configurou a imagem de Deus seguindo o percurso histórico. Dividindo a história judaica em períodos Murad observou que no 1º período Deus foi plasmado pelos judeus como mistério tremendo. Enquanto que no 2º período o mesmo se mostra como providência moral, seguindo-se uma imagem de Deus transcendente e criador (3º período), Legislador e juiz moral (no 4º período) e, por fim, culmina o seu estudo no Deus de Jesus Cristo (MURAD, 1994, p. 39). Estão inculados, no patrimônio do Cordel, textos que trazem em seu enredo como que

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fragmentos desses períodos da história de Deus no Ocidente. É o caso de alguns poemas publicados pela Casa de Rui Barbosa (PROENÇA, 1986, P.26), a saber: Os martírios de Genoveva, Os martírios de Rosa de Milão e o Imperatriz Porcina, aos quais chamamos de sinóticos, devido a seus aspectos de verossimilhança. São poemas muito antigos que foram produzidos na Europa medieval. Essas estórias atravessaram o oceano e no Nordeste se transformaram em Cordel sendo muito bem aceitas pela população. É importante saber que os referidos poemas foram reeditados. Com as reedições, o poeta, como cronista da mentalidade popular, atualizou a linguagem mantendo, ao mesmo tempo, o velhos traços medievais. Dedico-me a analisar os Martírios de Genovena - de autoria de Leandro Gomes de Barros (1986, p. 53-80) por apresentar, de modo constante, em seu enredo, a invocação do nome de Deus que salta dos lábios de Genoveva a todo o momento, sobretudo, como auxílio último da personagem em estado de perigo. Marcando, destarte, uma forte presença religiosa no enredo. Por sinal, de todos os poemas que li e estudei, este é o que se destaca pela quantidade de invocações ao nome de Deus (trinta e seis no total). Ele se encontra no Tomo I, sob o número 54 (Casa de Rui Barbosa) e refere-se à produção divulgada na primeira metade do século XX e anterior a ela. No término do poema encontramos o local e a data em que foi feito ”Recife, 9-11-943”. O poema relata a história da vida de uma jovem chamada Genoveva que foi dada em casamento pelo seu pai a um moço nobre em sinal de gratidão por ter esse ter salvado a vida daquele em um duelo. Os jovens, após se casarem, partem daquelas paragens e Genoveva, com muito pesar por ter deixado seus velhos pais, porém contente com o seu esposo, procurou seguir sua vida em terras distantes. O poema, em toda a sua extensão, é rico ao expressar o contexto medieval em que se passa a história. Fora o contexto social, o que merece destaque é a ênfase dada à vivência das virtudes. Genoveva, destinada ao casamento, foi aconselhada pelos seus pais a andar de maneira virtuosa e nunca esquecer Deus. E assim ela o fez, e por todos foi amplamente reconhecida e querida, causando grande alegria para o seu esposo devido à prática dos valores cristãos. Porém, a alegria não permaneceu para sempre. Sobreveio uma guerra e o jovem conde partiu para frente de batalha com os seus homens,

deixando um administrador de nome Golo nos cuidados de suas terras e de sua casa. Dando início aos martírios de Genoveva. Aproveitando-se da distância de seu senhor e impulsionado pela luxúria Golo procurou seduzir a jovem condessa. Genoveva, por sua vez, recusando a proposta foi encarcerada, vindo a ter um filho na prisão (vale lembrar que, quando o jovem conde saiu para a guerra Genoveva não tinha ainda se dado conta de sua gravidez, coisa que só ocorreu após a partida do esposo). Como a jovem não cedeu às vontades de Golo em seus insistentes convites, este planejou matá-la. De modo desonesto, enviou uma carta ao conde acusando Genoveva de traição esponsal, dizendo que estava grávida de qualquer e que, como administrador e sendo fiel servidor, a encarcerou. Solicitando, destarte, ao seu senhor, recomendações quanto ao que fazer. Já supondo o sangue colérico do conde, acreditava que a resposta seria, certamente, a morte. A ordem veio prontamente como previra: decapitar a mulher e fazer o mesmo com o seu filho. Porém, antes de ser levada pelos que a deviam matar, Genoveva entregou uma carta confessional a uma mulher chamada Berta pedindo-lhe que a entregasse ao conde assim que ele retornasse da guerra. A carta, que contava toda a verdade, pedia ao marido que perdoasse Golo assim como ela o perdoara pela sentença tão cruel. Sendo levada para a floresta por seus algozes, suplicando pela vida de seu filho, pediu clemência (pois esses sabiam da verdade quanto a sua vida). Comovidos, os algozes a deixaram partir contanto que nunca saísse da floresta, e ela assim o fez. Estando na floresta, a condessa encontrou uma cabra que lhe serviu de companhia. O leite daquele animal foi usado como alimento tanto para o seu filho quanto para ela. Depois de demorada guerra, Golo investiu contra o condado toda a sorte de malefícios, acreditando que o seu senhor já não voltaria com vida da empreitada militar. Mas a história entra num revés. O conde, por sua vez, ficou sabendo por pessoas confiáveis dos intentos de Golo e voltando ao seu feudo é por todos bem recepcionado e aclamado com grande fervor. Ao receber a carta das mãos da fiel amiga de Genoveva, percebeu toda a terrível trama na qual foi envolvido e na qual fez, assim supunha, o extermínio daquelas vidas tão inocentes. Não matou Golo conforme o pedido de

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Genoveva. Contudo, a vida do conde caiu em grande desespero não havendo o que fazer para alegrá-lo. Um dia, debaixo de pedidos insistentes dos amigos, resolveu sair para uma caçada na floresta. Por lá se deparou com uma cabra que rapidamente fugiu indo se refugiar numa caverna (a mesma que servia de moradia para Genoveva). Ao entrar naquele recinto o triste conde se defrontou com uma mulher que mais parecia um espectro, mas que, em sua fisionomia, recordava a sua Genoveva. Por um momento o conde, assustado, pensou ser o espírito de sua esposa que viera ter com ele. Genoveva, vendo o susto de seu esposo, procurou acalmá-lo e tranqüilizar o seu desespero passando, dessa feita, a tudo explicar-lhe. O conde tudo ouviu e, caindo em si (recebendo o perdão de Genoveva) voltou com ela e o seu filho – cheios de jubilo - para o seu castelo. Relata o poema em seu término que ambos, após presenciarem a chegada de uma numerosa geração, morrem em idade avançada.

4 DISCUSSÃO

4.1 Os atributos que aparecem em Os Martírios de Genoveva

Identificamos como uma cultura plasma a imagem de Deus nos apoiando em seus atributos. Entretanto, somente as teologias populares ao se referirem aos atributos de Deus o fazem de maneira indireta, restando ler as entrelinhas do enredo. Por exemplo: ao dizer que Deus é onipotente (modo direto- assim como faz a filosofia e a Teologia) a cultura popular usa modos indiretos (próprios da teologia popular). 1Desse modo, a teologia, de modo indireto, assim se refere – “Deus é grande e tudo vence” (1986, p. 62) enquanto que, comumente, a Teologia abordaria da seguinte maneira: “Deus é onipotente”. Muitos são os atributos empregados de modo indireto no poema, por exemplo:

Deus ama a verdade (35)² (...) Deus te acompanhará/ em toda a tua existência, ama a Deus, confia nele/ com fé e obediência/ nunca faças cousa alguma, que te manches a consciência (135) (...) Deus que te defenda/ das tentações infernais/ ama a virtude/ segue as lições de teus pais (160 (...) Deus reserva para si/ imensa prosperidade (185) (...) Deus é quem sabe a verdade.. (185) (...) Portanto, meu Deus, mandai-me/ abrir a minha masmorra, /atendei minha

aflição/ valei-me antes que eu morra/ sem vosso divino auxílio/ não há mais quem me socorra (465) (...) No mesmo instante sentiu o coração lhe dizer... Para os homens és criminosa/ para Deus estais inocente/ nisto ela adormeceu/ e ficou tranqüilamente/ com essa doce esperança/ gravada na sua mente (495 e 500). (...) Vem cá meu filho querido/ teu berço será os meus braços, nascestes nesta masmorra, cheia de mil embaraços/ só Deus sabe para onde,

¹Uso o termo Teologia (com T maiúsculo) quando me dirijo ao discurso feito pelo magistério eclesiástico e erudito e, teologia ( com t minúsculo) quando me refiro ao discurso popular acerca de Deus. ²A numeração entre parênteses correspondem à numeração das estrofes marcadas pela “Casa De Rui Barbosa”. Emprego por conta própria o negrito para destacar os atributos.

dirigirá nossos passos (530). (...) Vossa misericórdia reside em qualquer lugar(550) (...) Ficou a jovem princesa/ Lastimando a sua sorte, pedindo a Deus que abrandasse aquela fera tão forte (590) (...) Vou comparecer com Deus/ no seu justo tribunal,/ aonde a sentença é reta/ na vida espiritual!/... lá só se recebe o bem...(675) (...) Louvado seja Deus, uma cabra/ em vez de um lobo ruim,/vou ver se ela tem leite/ para meu filho e para mim/ tinha tanto que em cabra nunca ela viu tanto assim (955)3 (BARROS, 1986, p. 53-69).

Desse modo, os principais atributos legados a Deus são os de: providente, misericordioso, amante da verdade, justo e justiceiro. Esses atributos e o enredo do poema oferecem a contemplação de uma imagem de Deus plasmada segundo elementos que remetem à essência da vida cristã. Ora, ao adjetivar Deus o autor estabelece para o leitor a diferença entre este e o humano estabelecendo uma ordem para compreendê-lo. Esta ordem se assenta nos argumentos, conforme diz Perelman (2005, p. 393) concernentes as diferenças de grau. O autor levanta argumentos em forma de adjetivos não somente qualitativamente como também se estende em demonstrar a quantidade que pode ser empregado para a divindade. Soando, numa perspectiva religiosa, quase como que uma ladainha. Perfazendo, destarte o imaginário religioso de seu auditório. Os Martírios de Genoveva carregam de modo mais do que evidente uma forte presença da herança cristã. Não me refiro àquela gestada pela cristandade medieval, mas ao que entendemos como essência do cristianismo. O autor mesmo reconhece essa herança e influência cristã sobre os povos ao cantar sobre a história que está para contar: “Nesta história se ver/ a virtude progredir, a verdade triunfar/ o mau se submergir; a honra se salientar/ a falsidade cair

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(BARROS, 1986, p. 53)”.

E oferece os motivos que levaram a isso:

Nesse tempo n’Alemanha/ A luz do cristianismo,/ tinha melhorado tudo/ não tinha mais despotismo/ já tinha se dissipado,/ As trevas do paganismo./ Logo que chegou a luz/ da santa religião/ nova lei, novos costumes/ tomaram força e ação/ os homens se industrializaram,/ tudo teve aumentação [sic](BARROS, 1986, p. 53)

Segundo essa conjuntura, Genoveva desponta como o protótipo de cristã: cheia de fé, esperança e caridade. A fé é a virtude que dá acesso à intimidade com o sagrado e a esperança e a virtude que mantêm acesa essa intimidade. Por sua vez, a prática da caridade é o sinal concreto de que o fiel está andando nas sendas da intimidade com o seu Deus (JOSAPHAT, 1999, p. 32). O poema de Genoveva trabalha, numa constante, a temática das virtudes teologais.

3A harmonia existente entre a cabra e a personagem remonta à imagem paradisíaca do Gênesis prefigurado no desejo edênico de volta às origens. Cf. BORN, A Van den. Dicionário enciclopédico da bíblia. São Paulo: Loyola, 1998. p. 563.

Na perspectiva da retórica Genovena é disposta como ser perfeito para modelo. A personagem carrega consigo características irrepreensíveis para a conjuntura da moral cristã. Fazendo com que a mesma seja uma encarnação viva do modelo que a tradição cristã almejaria para o fiel. Por conseguinte as linhas do poema não mede esforços para assinalar que o modelo de perfeição evangélica de Genovena não se reduz a vivencia dos dias favoráveis; é nas adversidades que a mulher mostra o quão centrada em virtude a mesma está. Como afirma Perelman sobre o uso deste tipo de técnica: “O Ser perfeito se presta mais do que qualquer outro modelo a essa adaptação porque, por sua própria qualidade e por essência, ele tem algo de inapreensível, de desconhecido e porque, por outro lado, ele não vale somente para um tempo e um lugar (PERELMAN, 2005, p. 423)”. Genovena se mostra como desconhecida de toda a maldade, é impulsionada pelo autor a ser uma mulher atemporal na vivencia das virtudes. E esta atemporalidade é marcada pela Constancia de sua ação que independente das circunstâncias de maneira ataráxica se posta como além do mal, porém, toda centrada no bem. Assim como Genoveva, Deus é, nesse poema,

virtuoso e amoroso, tendo sempre em seu olhar a contemplação das bem-aventuranças. Deter-me-ei agora em observar de modo mais detalhado como que a imagem de Deus foi configurada neste poema.

4.2 O amor ágape e a imagem de um Deus-amor providente. O Teólogo Andrés Torres Queiruga é uma das grandes personalidades da atualidade no que diz respeito à revisão da Teologia cristã à luz dos anseios da humanidade. Em sua obra Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus (1999) expõe que o núcleo central da experiência cristã é o amor chamado de ágape que se manifesta de modo desinteressado. Tal experiência primordial deve levar os cristãos a se empenharem em viver segundo esse grande critério que justifica a sua fé. Os cristãos são convidados a viver no amor, porque Deus é amor, como diz a Epístola de João e conforme prolonga Dodd (apud QUEIRUGA) 1999, p. 119) “O amor não é tão-somente uma atividade a mais de Deus, mas toda a sua atividade é uma atividade amorosa. Se cria, cria por amor; se governa as coisas, o faz no amor; quando julga, julga com amor. Tudo quanto faz é expressão de sua natureza, e sua natureza é amar. No poema Os Martírios de Genoveva são nítidos a presença deste elemento (o amor ágape) que compõe a essência do cristianismo. Isso porque o agapagismo possui um modo de ser que se apresenta pelo zelo, escuta ao clamor dos aflitos, socorro aos necessitados. Não é um conceito baseado num discurso vazio, ele se materializa em ações concretas na vida. Assim, se pode dizer que Deus é plasmado como amor por ser reconhecido pela personagem como aquele que ouve os seus clamores, que socorre com a sua providência as necessidades da pobre personagem. Essa imagem de Deus-amor providente será uma constante, tanto neste poema quanto em outros poemas da literatura de Cordel. A imagem de um Deus providente já era divulgada nos primórdios do Cristianismo (assim como nas origens do Judaísmo) fazendo, destarte, parte da essência da mensagem cristã. A Providência divina consiste em “(...) além de se dirigir para o criado em geral, dirige-se ainda e particularmente para os homens individuais, especialmente para os mais humildes e necessitados...” (REQALE; ANTISSERI, 1990, p.382) Essa é, portanto, a primeira imagem de Deus que se vê divulgada nos velhos poemas de Cordel que atravessaram o mar e que pelo sertão se difundiram.

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É o que se observa em Os Martírios de Genoveva:

- No momento de seu casamento, quando o bispo, em tom profético, diz que “Deus reserva para si/ Imensa prosperidade...” (BARROS, 1986, p. 56)

- Quando pede a Deus que salve a vida dela e de seu filho da atrocidade que os carrascos estão prestes a cometer (BARROS, 1986, p. 66). Eles, por sua vez, amolecem o coração diante daquela cena e rogos incessantes feitos a Deus e a eles e a deixam partir sob a condição de que ela não saísse mais daquela floresta.

- Na floresta, a providência de Deus se manifestará a todo o momento como mesmo já antecipa o verso do poeta ao relatar aquele instante dramático pelo qual passava Genoveva e o seu pequeno filho: “- Graças a Deus- disse ela- já estou em melhor estado,/ mas a fome a devorava/ muito mais por outro lado/ só mesmo Deus dava um jeito,/ que já tinha preparado (BARROS, 1986, p.68)”. E começa, então a narrar dos benefícios que o Deus-providente preparou para a virtuosa condessa.

- Quando ela e seu filho, embrenhados na floresta vê aproximar-se uma cabra com os seios fartos de leite. Reconhecendo, nesse fato, uma ação do Deus providente, o exalta: “Louvado seja Deus, uma cabra/ em vez de um lobo ruim... (BARROS, 1986, p. 69)”. Ora, essa cabra não somente lhes fornecia leite, como também se tornou fiel companhia. A personagem atribui como obra da providência de Deus esse feliz ocorrido.

- No momento em que o vestido de Genoveva se definha e que acontece dela encontrar um carneiro “... que o lobo feriu porém não matou/ com a lã dele ela fez,/ uma capa e se embrulhou (BARROS, 1986, p. 69) “. As cenas citadas muito se aproximam daquele ensinamento dado por Jesus sobre a confiança na Providência divina, contado no Evangelho de Mateus (6, 25-30), que fala:

Por isso vos digo: não vos preocupeis com a vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que a roupa? Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, o vosso Pai celeste as alimenta. Ora, não valeis vós mais do que elas? Quem dentre vós, com as suas preocupações, pode prolongar, por pouco que seja, a duração da sua vida?

E com a roupa, por que andais preocupados? Aprendei dos lírios dos campos, como crescem, e não trabalham e nem fiam. E no entanto, eu vos asseguro que nem Salomão em todo o seu esplendor, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que existe hoje e amanhã será lançado no forno, não fará ele muito mais por vós...

Tanto o poema quer engrandecer a imagem da Providência de Deus que, ao citar o maldoso Golo assim o descreve: “... um homem sem consciência/ Profanador da virtude,/ chefe da impaciência/ Desacreditava em Deus/ Zombava da Providência (BARROS, 1986, p. 58)”. Genoveva, entretanto, confiava estritamente no socorro que poderia vir do alto e que se manifestou de modo sutil quando, por fim, seu esposo (já muito atribulado pelo seu terrível ato), partindo a convite de amigos para uma caçada na floresta (lugar onde estava a martirizada), encontra a sua amada. O enredo circunscrito em um clima profundamente religioso, em que, de modo sutil, Deus favorece a fiel Genoveva diante dos empecilhos que a vida lhe impôs, termina como que fazendo coro ao tom profético do bispo que disse à jovem, no momento de seu casamento, que Deus lhe reservara imensa prosperidade. Ora, o tratamento dado a imagem de Deus não estabelece nada de novo no concernente ao que é peculiar dos meios populares do Nordeste no modo de pensar a divindade. O autor se envereda pelo que Perelman (2005, p. 185)) chama de “Forma do discurso e comunhão com o auditório”. Isto porque o poeta se atêm a formas discursivas já conhecidas por parte de seu auditório a ponto de manter a comunhão e a coesão de sua fala com a perspectiva esperada por parte da mente do devoto. De sorte que “(...) as expressões, as fórmulas se tornam rituais, são escutadas dentro de um espírito de comunhão com total submissão (PERELMAN, 2005, p. 186)”.

4.3 Uma imagem de Deus sob a ótica das bem-aventuranças Ora, a essência do cristianismo se concentra em sua mensagem - como mesmo afirma Reale; Antiseri (1991, p. 390) “A mensagem cristã assinalou sem dúvida a mais radical revolução de valores da história humana. Nietzsche chegou a falar até mesmo de total subversão dos valores antigos, subversão que tem sua formulação pragmática no “Sermão da Montanha’, que podemos ler no Evangelho de Mateus...”

As bem-aventuranças consistem em proclamações que evocam a felicidade. Escreve

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Gourgues que as antigas comunidades cristãs davam grande importância para as proclamações de felicidade. A “... felicidade proclamada pelas bem-aventuranças está relacionada com as atitudes, experiências e comportamentos...” que desembocam na “... problemática da ‘especificidade da ética cristã (GEORGUES, 1999, p. 12)”. Por isso, falar em bem-aventuranças é falar em boas obras (GEORGUES, 1999, p. 20). Em Os Martírios de Genoveva, se observa que a personagem mantém uma profunda ligação com Deus e com os atribulados, desvalidos e aflitos que a divindade colocava em seu caminho (segundo a espiritualidade cristã). Aprendeu a ser desse modo desde cedo devido a educação recebida de seus pais que eram extremamente virtuosos - é o que diz o poeta: “... em tudo era preciosa/ modesta e trabalhadora/ cortês e religiosa/ graças à educação,/ de sua mãe extremosa (BARROS, 1986, p.54)”. Logo após o casamento com o conde, Genoveva mostra-se interessada em socorrer os atribulados, cuidar dos doentes e amparar os necessitados: “... para o céu pedindo a Deus/ pelo bem dos tribulados (BARROS, 1986, p. 54)”. Sendo esposa de um governante suplica-lhe: “Pedindo com lágrimas nos olhos/ que amparasse os desvalidos/ remisse os tribulados/ consolasse os oprimidos/ para que ele mais ela,/ fosse de Deus escolhidos (BARROS, p. 57)”. Assim, Genoveva revela-nos uma imagem de Deus que não se restringe somente a amar os desvalidos da sorte humana. O discurso sobre Deus, no poema, apresenta o caminho da felicidade para os ricos e afortunados pela sorte do mundo que consiste em seguir o critério da solidariedade. No verso acima, Genoveva apresenta, em sua fala, esse critério, visto por ela como que usado por Deus para escolher os seus eleitos, levando-nos a pensar que os ricos serão felizes (bem-aventurados) se exercerem a solidariedade. Dessa sorte, o enredo nos apresenta de modo velado, nas entrelinhas do texto, uma imagem do divino marcada pela solidariedade. A solidariedade torna-se - assim se pode dizer- a condição necessária para que os agraciados pela sorte do mundo possam ser protegidos pelos céus. (MURAD, 1994, p. 39). Ora, quanto às bem-aventuranças se pode afirmar que elas se apresentam como que uma carta de crédito celeste usada pelos homens para exercerem o bem e muito apreciada por Deus. As bem-aventuranças é, destarte, sinal da opção do divino pelos pobres em espírito (porque deles é o

reino dos céus), pelos mansos (porque herdarão a terra), pelos aflitos (porque serão consolados), pelos que têm fome e sede de justiça (porque serão saciados), pelos misericordiosos (porque alcançarão misericórdia), os puros de coração (porque verão a Deus), pelos que promovem a paz (porque serão chamados filhos de Deus) e pelos perseguidos por causa da justiça (porque deles é o Reino dos céus). Genoveva, que tanto olhou pelos destinatários das bem-aventuranças, acabou passando por todas aquelas situações.

- Foi perseguida por Golo e presa em estado de gravidez: “Assim passou muitos meses/ sem ninguém ir visitá-la,/ só via o infame Golo/ quando ia atormentá-la/ dizendo: dou-lhe o perdão,/ só depois de desonrá-la (BARROS, 1986, p. 61)”.

- Manteve a pureza de coração quando a tentação a cercava: “Ela respondia sempre:/ - antes prefiro a prisão,/ morrerei nesta masmorra/ cheia de tribulação/ porém sempre virtuosa,/ com toda a reputação (BARROS, 1986, p. 61)”.

- Conheceu a aflição na cadeia e no terrível momento em que os carrascos se preparavam para matá-la.

- Ficou pobre e jogada na floresta, contentando-se e louvando a Deus pelo auxílio que naquelas terras lhe proporcionou.

- Foi mansa e misericordiosa. “Os mansos poderíamos dizer, são aqueles que não agem com violência, enquanto que os misericordiosos são aqueles que não reagem com violência.” (GEORGUES, 1999, p. 65) Isso se observa quando os carrascos enviados por Golo, estando prestes a matá-la, são perdoados por ela (numa atitude que muito lembra as palavras de Cristo no momento da cruz) ao dizer: “Perdoa também os homens/ que mandastes para dar-me fim,/ se eles não fossem obrigados/ jamais fariam assim... (BARROS, 1986, p. 65)”. E no pedido feito ao seu esposo na carta entregue por sua amiga Berta: “A carta dizia assim:/ ‘olha não mates ninguém,/ evita quanto puderes/ derramar sangue de alguém/ perdoa teu inimigo,/ que eu perdoei-os também (BARROS, 1986, p. 71)”.

5 CONCLUSÃO

O Cordel tece saberes, dialoga sobre a vida,

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constrói parâmetros para manter coeso moralmente uma dada população. Esta ideia muito divulgada foi contestada por outros autores que afirma ser o cordel constituído de modo dialógico (ARAUJO, 2007, p. 70). È o que tramita no pensamento de Gonçalves quando afirma:

O cordel, menos que uma poesia moral, repleta de ensinamentos que elaboram soluções de conflitos, parece ser mais uma crítica moral ao assumir a forma de peleja (combate, debate, discussão, desafio) construída, sobretudo, através da ironia enquanto figura de linguagem (RAPPORT; OVERING, 2000, p.14). Ao não enfatizar uma verdade moral encarnada no poeta, problematiza uma moralidade social ou imaginária. A ironia no cordel parece ser de extrema importância para a sua compreensão, visto que desestabiliza um possível tom didático-moral de caráter conservador. Ironia, aqui, deve ser pensada enquanto uma forma de propor uma relação entre mundos que se encontram no imaginário do cordel (GONÇALVES, 2011, p. 221).

De fato os combates, debates, discussões e desafios podem ter esta vertente, No entanto, a cultura popular também demandam espaços de acomodação das tradições onde a perspectiva de uma moral ascética e em conformidade com o estabelecido também se mantém e se vigora – como é o caso do poema que por ora analisei. No poema em questão se observa o vinculo da tradição costumeira cristã perfazendo os hábitos da memória do nordestino. A manutenção de elementos da moralidade se encaminha no texto no sentido de promover a equiparação da alma do leitor com os sentidos do desejável conforme estabelecido pelo o poema, assim como o seu auditório, acredita ser bom. O interessante deste poema que dada de tempo não muito distante do nosso é que se reporta para uma conjuntura medieval que se faz presente na ressequida terra agreste. O poema usa, por sua vez, de estruturas tradicionais da retórica no modo de conduzir seu discurso onde a imagem de Deus se constitui não propriamente a partir de uma moral clerical, mas da experiência singular e tranquila de se pensar e desejar a vida (conforme marca o percurso da existência e do querer do sertanejo).

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Análise ergonômica intervencional em uma equipe de auxiliares de Serviços Gerais

Jania Jacob Amâncio Miranda; Letícia Costa Santos; Mariana Mariano Alves Nogueira; Celine Cristina Raimundo Pedrozo¹

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. Av. Vitória 950, Forte São João, 29040-330, Vitoria, ES, Brasil ¹[email protected]

RESUMO

A ergonomia é o estudo das adaptações do ambiente de trabalho ao trabalhador e é uma ferramenta de extrema importância, já que um ambiente de trabalho mal adaptado é um dos principais fatores no surgimento de doenças ocupacionais. Sendo assim, este estudo analítico intervencional tem como objetivo avaliar as variáveis físicas e fatores humanos envolvidos no processo de alteração biomecânica nos trabalhadores auxiliares de serviços gerais da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. A pesquisa foi constituída por 4 etapas, sendo elas: questionário, avaliação estática, avaliação dinâmica e concepção ergonômica, para avaliar o grau de satisfação, alterações posturais e principais posturas adotadas na jornada de trabalho, respectivamente. Os resultados indicaram principalmente repetitividade de movimentos e realização de movimentação incorreta pelos funcionários, portanto as intervenções ergonômicas propostas se basearam principalmente nas movimentações incorretas. Desse modo, novas formas de organização do trabalho podem ser propostas para redução de riscos, desde a qualificação até a própria orientação dos trabalhadores.

Palavras-chave: Ergonomia, DORT, Limpeza, Intervenção.

ABSTRACT

Ergonomics is the study of adaptations to the workplace to the worker and is a tool of extreme importance, since a poorly adapted working environment is a major factor in the occurrence of occupational diseases. Thus, this analytical study is to evaluate interventional physical variables and human factors involved in the process of change in biomechanics auxiliary workers in the general services of the Salesian Catholic College of the Espirito Santo. The research comprised four stages, namely: questionnaire, static assessment, dynamic assessment and ergonomic design to assess the degree of satisfaction, postural changes and main postures used in the working day, respectively. The results indicated mainly repetitive movements and execution of incorrect handling by staff, so the ergonomic interventions proposed are based mainly on the drives incorrect. Thus, new forms of work organization can be proposed for reducing risks from qualification until the actual orientation of workers.

Keywords: Ergonomics, RSI, Cleansing, Intervention.

1 INTRODUÇÃO

A ergonomia, segundo Iida (2002, p 33) é o estudo da adaptação do trabalho ao homem, e tem se mostrado como uma ferramenta eficiente na identificação dos fatores causadores de doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. Tendo em

vista, que o ambiente mal adaptado ao trabalhador é um fator de risco para o aparecimento de Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), a eliminação ou a redução da exposição às condições de risco e a melhoria dos ambientes de trabalho para promoção e proteção da saúde do trabalhador se faz necessária (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001, p.17).

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As DORT podem ser definidas como sendo afecções músculo esqueléticas e seu aparecimento é favorecido pelas condições desfavoráveis de trabalho, incluindo movimentação repetitiva, aplicação de forças, levantamento e transporte de pesos, posturas incorretas, entre outras (MACIEL, 2000, p.26). Já segundo Ribeiro et al (2006, p.30-32), as principais posturas causadoras de patologias osteomusculares em trabalhadores de serviços gerais são flexão e rotação de tronco, agachamento, ortostatismo prolongado e transportes de cargas de maneira inadequada. As estruturas músculo-esqueléticas, independendo do tipo de atividade e organização do trabalho, são alvos freqüentes de agressões, tais como, posturas incorretas adotadas durante a jornada até fatores psicossociais e emocionais que acabam por gerar posturas de proteção (posturas estáticas prolongadas) (RENNER, 2005, p.19). As Lesões por esforços repetitivos (LER) e as DORT têm como aspecto comum, manifestações dolorosas e incapacidades funcionais transitórias ou permanentes. Essas manifestações se devem às afecções que acometem tecidos, tais como, músculos, fáscias, tendões, ligamentos, articulações, nervos, vasos sangüíneos e tegumento, sendo estas relacionadas às atividades laborativas (YENG et al., 2001, p.14). Inicialmente os sintomas são aliviados com descanso, porém com o decorrer do tempo essas queixas tendem a se tornar mais freqüentes durante o trabalho, e até mesmo ocorrem em atividades que não se relacionam a realização da função e no repouso (LEITE; SILVA; MERIGHI, 2007, p.24-26). De acordo com dados Ministério da Saúde do ano de 2001, a maioria dos trabalhadores com diagnóstico de LER/DORT, são jovens e mulheres que desempenham atividades que exige maior esforço e repetitividade, dos mais diversos ramos de atividade. Já dados estatísticos publicados em 2006 pelo ministério da saúde revelam que as taxas de incidência de doenças relacionadas ao trabalho no ano de 2005 (a cada 10.000 habitantes) no Brasil era igual a 12,29, na região sudeste 13,35 e no Espírito Santo 7,15. No que se refere a faixa etária mais acometida, encontram-se indivíduos com idade entre 45-59 anos, principalmente do sexo feminino. Segundo Deliberato (2002, p.29), os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho causam afastamento dos trabalhadores cerca de 70,6% dos casos. A respeito da legislação sobre ergonomia, o Brasil se baseia na Norma Regulamentadora – NR-17,

elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. De modo a proporcionar o máximo de conforto, segurança e desempenho, esta norma estabelece parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores. Dentre as condições de trabalho, ainda são considerados aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos, às condições ambientais do posto de trabalho e à própria organização do trabalho. (Lida,2002, p.31). Tendo em vista tais aspectos relacionados à saúde do trabalhador, o presente estudo busca analisar o posto de trabalho, principais instrumentos utilizados, posturas adotadas e identificar os mecanismos causadores de lesão nos funcionários do setor de Serviços Gerais da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, com o objetivo de promover melhorias na organização do trabalho, adaptar os instrumentos, condições e ambiente ao trabalhador, prevenindo assim, patologias osteomusculares relacionadas à função exercida, bem como qualidade dos serviços e saúde do trabalhador.

2 METODOLOGIA

O presente trabalho se caracteriza como um estudo analítico intervencional, realizado com 24 funcionários auxiliares de serviço geral, de ambos os sexos, da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, do município de Vitória, Espírito Santo. Este estudo foi dividido nas seguintes etapas: instrução da demanda, assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, aplicação de questionário, avaliação postural estática, avaliação postural dinâmica e por fim, intervenção ergonômica. Na primeira etapa, os funcionários em questão, foram instruídos sobre o estudo, tendo livre escolha sobre a participação e até mesmo abandono em qualquer fase da pesquisa, e caso ocorresse o abandono, estariam isentos de punição ou ônus de qualquer natureza. Após estarem cientes sobre os objetivos do estudo, houve assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Para avaliação dos riscos ergonômicos, uma das avaliadoras aplicou o questionário semi-estruturado, elaborado pelas autoras, que abordava itens, tais como, repetitividade, intensidade e freqüência de realização de esforços, posturas mais adotadas e mais incômodas, riscos na realização do trabalho, cansaço ao fim do expediente, grau de

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adaptação dos instrumentos e presença de dor. Em seguida, os voluntários, com roupas adequadas, foram avaliados individualmente. A ficha de avaliação postural continha uma figura, onde a examinadora utilizou como referência. A examinadora avaliou os voluntários numa sala, em condições iguais de iluminação e a uma distância de 2 m do voluntário com a utilização de um simetógrafo. Nenhum ponto anatômico foi marcado no corpo do voluntário para a avaliação postural. Foi solicitado que permanecessem em postura natural, olhando para o horizonte e mantendo os membros superiores ao longo do corpo. Os itens avaliados no plano frontal anterior e posterior foram: simetria dos ombros, da clavícula, a EIAS (espinha ilíaca ântero superior), ângulo inferior da escápula, EIPS (espinha ilíaca póstero superior), da linha poplítea. No plano frontal anterior, os joelhos (normal, valgo ou varo); no plano frontal posterior, a inclinação dos pés (normal, valgo ou varo); no plano sagital esquerdo, a posição da cabeça (normal ou protusa), lordose cervical e lombar (normal, retificada ou hiperlordose), cifose torácica (normal, retificada ou hipercifose), posição da pelve (normal, antevertida ou retrovertida), posição do joelho (normal, hiperflexão ou recurvatum). Após aplicação de questionário e avaliação estática, realizou-se a avaliação postural dinâmica dos participantes, para verificar as principais posturas adotadas na execução das tarefas e principais movimentos realizados. Nesse momento os instrumentos de trabalho utilizados também foram analisados para saber se atendiam às necessidades individuais de cada trabalhador. Ao mesmo tempo da avaliação dinâmica os instrumentos de trabalho utilizados também foram analisados de acordo com os aspectos físicos de cada indivíduo e usando como referencial a Norma Regulamentadora NR-17, que aborda aspectos relacionados à ergonomia. Simultaneamente à coleta de todos os dados necessários na avaliação dinâmica, os funcionários foram informados sobre os principais problemas observados, sendo os mesmos instruídos sobre o melhor modo de realização de tarefas para prevenir posturas incorretas e conseqüentemente a ocorrência de doenças ocupacionais. Nesta etapa de concepção de soluções ergonômicas, foram feitas mudanças referentes às más posturas e também ao posto de trabalho e equipamentos utilizados tornando possível uma adaptação compatível com as necessidades de cada

trabalhador, a fim de melhorar a qualidade de vida desses funcionários, e conseqüentemente aumentar a qualidade de serviço prestado pelos mesmos. Na análise dos dados coletados foi utilizada a planilha eletrônica do Microsoft Office Excel 2007. As variáveis foram apresentadas de forma quantitativa por meio de porcentagem e organizadas em gráficos e tabelas.

3 RESULTADOS

O setor de Limpeza da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, até a presente pesquisa, contava com 24 funcionários, sendo que estes ocupam o cargo de auxiliares de Serviços Gerais. Para identificar alguns aspectos dessa função, com base no ponto de vista ergonômico, um questionário, com perguntas fechadas foi aplicado a todos os participantes. Itens como repetitividade, principais posturas adotadas, pausas, entre outros foram questionados. A primeira pergunta visava saber a constância de movimentos repetitivos, e 100% dos entrevistados relataram que realizam repetitividade com grande freqüência. As questões 2 e 3 abordam as posições mais adotadas e as posições mais incômodas, respectivamente. Foi possível constatar que a posição mais adotada é a de pé curvado (43%), e esta foi considerada também a postura causadora de maior desconforto (80%). Dentre outras posturas adotadas na execução do trabalho estão: caminhando (27%), de pé (18%) e de pé inclinado (12%). Já entre as posturas causadoras de incômodo, 8 % consideram a postura de pé mais incômoda, 4% de pé inclinado, 4% posição sentada, e os outros 4% relataram não sentir desconforto. Quando perguntados sobre a intensidade do trabalho executado, se este era muito ou pouco pesado, 15 funcionários (62%) relataram que o trabalho é pouco pesado, e os 8 funcionários restantes (38%) consideraram o trabalho muito pesado e exaustivo. Outro questionamento realizado foi quanto à freqüência de realização de esforços, tais como, levantar, empurrar e puxar objetos e materiais. 67% dos funcionários relataram que realizam esses esforços com muita freqüência. Quando perguntados sobre o nível de cansaço ao fim do expediente, 21 funcionários relataram que no fim do dia o grau de exaustão é grande, e somente 3 dos 24 funcionários relataram sentir pouco cansaço

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ao fim do expediente. Em relação às pausas realizadas durante a jornada de trabalho, a maioria dos funcionários mostraram-se satisfeitos (75%). Os outros 25%, relatam insatisfação, pois, como o trabalho exige grande repetitividade de movimentos e realização de esforços, as pausas deveriam ser maiores.Por fim, quando perguntados sobre a presença de dor, 19 funcionários relataram sentir dor em pelo menos alguma região do corpo. Esses trabalhadores foram então questionados se eles consideravam

essa dor relacionada ao trabalho, e 18 deles (95%) disseram que sim, que a dor estava diretamente relacionada ao trabalho executado.Após a aplicação do questionário, foi dado início à avaliação postural estática, que avaliou os seguintes itens nas vistas anterior, posterior e laterais: cabeça, ombros, quadris, joelhos, pés, escápulas, presença de gibosidade, coluna dorsal, protrusão de abdome, e por fim coluna lombar.

Os resultados obtidos encontram-se na Figura 1.

Na avaliação dinâmica, as atividades observadas foram limpeza de pátio, salas de aula, corredores, laboratórios, auditório, escritórios, piscina e banheiros, coleta e transporte de lixo, transporte de materiais e higienização de vasilhames.Pôde-se constar que, na função de varrer, os problemas observados são elevação de um dos ombros e inclinação lateral de tronco, e na varrição de teto notou-se uma extensão excessiva de pescoço. No que se refere às vassouras utilizadas, somente as utilizadas para limpeza de pátios estavam impróprias para esta função, pois eram as mesmas usadas na execução da limpeza interna dos prédios. Em relação à postura de agachamento, a maioria dos funcionários realizava esta erroneamente, pois os mesmos faziam flexão de coluna, e mantinham os joelhos estendidos. Em relação ao transporte de cargas, este é

feito manualmente ou com uso de carrinhos. Quando o material a ser transportado excede o tamanho do elevador, o mesmo é carregado manualmente por 2 funcionários pelas escadarias (ex: carregamento de painéis), e estes realizam esta função corretamente, pois dividem a carga e transportam esta verticalmente e junto ao corpo. Ao usarem o carrinho de transporte, a posição adotada para puxarem o mesmo é a de rotação interna e extensão de ombro, e cotovelos estendidos, posição correta para esse tipo de carrinho. A limpeza da piscina conta com 2 funcionários, que fazem a manutenção (escovação de paredes, limpeza de borda e filtração). Na escovação de paredes e limpeza de borda, a postura adotada é a de agachamento ou 4 apoios e eventualmente inclinação de tronco. Cada funcionário é responsável pela limpeza de uma piscina, sendo que uma delas

Figura 1: Alterações posturais presentes na avaliação estática.

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é utilizada para hidroterapia, ou seja, além dessas funções já citadas, ainda é incluída a limpeza de barras e corrimões onde são realizados movimentos repetitivos para esfregar. No processo de filtração da piscina, os resíduos presentes na água são retirados após um processo de decantação (devido à aplicação de produtos). Nesse processo é feita uma movimentação repetitiva de flexão e extensão de cotovelo. Nessa atividade, o tronco do indivíduo fica levemente inclinado e para ter um maior alcance o mesmo realiza uma maior inclinação associado à rotação de tronco. Foi observado ainda, que em alguns momentos o funcionário utilizava apenas um membro superior para a realização da tarefa. Por fim, outra função que exigia grande repetitividade é a desempenhada pelas funcionárias encarregadas da limpeza do Laboratório de Nutrição, onde as atividades incluem esfregar panelas, fogão e demais utensílios de cozinha, e o tempo sendo insuficiente para a realização das mesmas, devido ao horário das aulas práticas. As intervenções propostas foram relacionadas predominantemente ao modo de realização das atividades, já que os instrumentos de trabalho estavam bem adaptados a estes trabalhadores. No que se refere à flexão de coluna ao abaixar, a orientação feita foi manter sempre o tronco ereto em posição neutra e realizar movimentos de flexo-extensão de membros inferiores (MMII). Ao limpar locais, tais como salas de aula, foi orientado aos mesmos colocarem o balde sobre mesas ou cadeiras para evitar a flexão da coluna, e conseqüentemente preservar esta estrutura. Orientações quanto à elevação de ombros e inclinação de tronco ao varrer foram de deixar o corpo na posição mais neutra possível, e tentar, sempre que possível, alterar o braço dominante com o não dominante no momento da varrição, para evitar contraturas e deformidades no lado mais solicitado. Todos os funcionários observados realizam muita repetitividade, sendo que a solução mais efetiva neste caso são pausas que devem ser realizadas sempre que o funcionário apresentar algum tipo de desconforto ou fadiga muscular. 4 DISCUSSÃO

Considerando a avaliação realizada com os funcionários auxiliares de serviços gerais, do setor de limpeza, da Faculdade Católica, os principais problemas observados foram intensidade do

trabalho, posicionamentos e movimentações incorretas na execução de tarefas, e principalmente a repetitividade de padrões de movimentos. Alguns itens do questionário puderam ser confirmados na avaliação dinâmica, tais como repetitividade de movimentos e posicionamentos mais adotados. Segundo Ciarlini et al.(2005, p.11-16), o desenvolvimento de doenças ocupacionais é multifatorial, e os elementos observados na avaliação dos funcionários estão entre os fatores de risco. Além da repetitividade e manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado estão o esforço físico, invariabilidade de tarefas, pressão mecânica sobre determinadas partes do corpo, trabalho muscular estático, choques e impactos, vibração, frio e fatores relacionados à organização do trabalho. Outro dado significativo dentre os achados da avaliação estática está a hiperlordose lombar. Como a coluna lombar é sujeita a cargas extremamente altas, devido ao fato de uma superposição do peso corporal adicionado a forças como levantamento de pesos, essas vértebras são as mais comumente envolvidas nos processos dolorosos e essa sobrecarga favorece ao aumento da curvatura lombar (LACERDA, 2003).p.4. Para Hall (2000, p.19), a hiperlordose é conseqüente de um desequilíbrio entre o fortalecimento dos músculos lombares e o enfraquecimento dos músculos abdominais, e essa curvatura tende a aumentar ainda mais quando há uma inclinação anterior da pelve. Dados relevantes também foram encontrados na realização do agachamento de forma incorreta – flexão de coluna associado à extensão de joelhos. Para Grandjean (1998, p.43), uma curvatura da coluna com os joelhos estendidos provoca uma maior carga no disco intervertebral da região lombar, e essa sobrecarga tende a aumentar quando o indivíduo faz o levantamento de cargas. No que se refere ao transporte de cargas, Lida (2002, p.33) sugere manter a carga próxima ao corpo; utilizar cargas simétricas, isto é, transportar aproximadamente o mesmo peso em ambas as mãos, e quando se tratar de cargas grandes, fazer o transporte por meio de dois carregadores; quando possível fazer uso de meios auxiliares (como carrinhos). Quanto ao uso de carrinhos e transporte de cargas, Dul e Weerdmeester (2000, p.24), relatam que tensões em braços, ombros e costas podem ser geradas com movimentos de puxar ou empurrar cargas. Desta forma, o posicionamento ideal para puxar ou empurrar é aquela em que o indivíduo oscila o peso do próprio corpo a favor do movimento.

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Para que a força seja empregada corretamente e de forma simétrica, os carrinhos devem ter pegas em forma de barras e altura do carrinho não deve atingir no máximo 130cm, para que o trabalhador possa enxergar sobre ele e o peso não deve exceder 700Kg para deslocamento manual. Dentre os problemas observados, o principal foi a repetitividade, pois esta característica foi pertinente a todas as tarefas desempenhadas. Assim sendo, Knoplich (1987, p.20), garante que a repetitividade de movimentos corporais adotados por um profissional, é capaz de comprometer a sua musculatura e a sua constituição óssea e articular, sobretudo da coluna e dos membros, que em curto prazo pode resultar em episódios de dores que se prolongam além do horário de trabalho, e em longo prazo podem aparecer deformidades, paralisias e dificuldades na movimentação do corpo ou as extremidades. Por fim, é importante ressaltar sobre o tipo de vassoura correta para a varrição de grandes áreas. No caso analisado, a tarefa de varrição de pátio é feita utilizando-se vassouras convencionais (vassouras de piaçava, cepa de 20cm) e são realizados mais movimentos que seriam necessários se a vassoura correta fosse utilizada (vassouras com 40cm de cepa). Com base no presente estudo, foi possível correlacionar alguns dos fatores causadores de queixas músculo-esqueléticas e alterações posturais que interferem na vida dos trabalhadores auxiliares de serviços gerais da Faculdade Católica, correlacionando os achados da observação dinâmica com a estática. Pôde-se observar que, como fatores de risco causadores de DORT estão as condições de trabalho, tais como, repetitividade e intensidade de trabalho (realização de esforços).

AGRADECIMENTOS

À Faculdade Católica Salesiana de Espírito Santo que possibilitou a conclusão deste estudo.

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Avaliação nutricional em crianças do projeto “caminhando juntos”

Taísa Sabrina Silva Pereira1, Paula Regina Campos2, Alessandra Rodrigues Garcia3

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, Av. Vitória, 950, Forte São João, Vitória-ES, 1 [email protected], (27) 8126-0971.2 [email protected], (27)3331-8500.

3 [email protected], (27)3331-8500.

RESUMO

O objetivo deste estudo foi avaliar o estado nutricional e consumo alimentar de crianças em risco social assistidos pelo Programa “Caminhando Juntos” (Cajun) da Prefeitura Municipal de Vitória/ES. Além disso, verificar a adequação nutricional do cardápio oferecido às crianças e se as práticas de manipulação das merendeiras estão condizentes com a legislação. Foram avaliadas 37 crianças de ambos os sexos, com idade entre 7 e 10 anos, sendo aferidos peso e estatura para obtenção do Índice de Massa Corporal (IMC); aplicado o formulário de marcadores de consumo alimentar - SISVAN para avaliar a ingestão alimentar dos últimos sete dias; realizada avaliação nutricional do cardápio e comparado à recomendação do Programa Nacional de Alimentação do Escolar (PNAE) e aplicado questionário para avaliar a manipulação e qualidade sanitária. Dos escolares investigados, 70% foram eutróficos, 11% baixo peso, 16% sobrepeso e 3% obesos. Nos últimos sete dias 51,4% não consumiram salada crua, 48,6% legumes e verduras cozidas, 32,4% frutas frescas ou salada de frutas, 2,7% feijão, 13,5% leite e iogurtes, 29% não consumiram hambúrguer, 40,5% biscoitos doces e balas e 24,3% refrigerante. O cardápio não atingiu a recomendação do PNAE, e as condições sanitárias não estavam adequadas à legislação. Apesar da evidência de condição nutricional adequada segundo o IMC, foram verificados distúrbios nutricionais incidentes como baixo peso, sobrepeso e obesidade, podendo estar associados a hábitos alimentares inadequados. A inadequação do valor energético do cardápio e as condições sanitárias podem estar associadas ao fato de não terem um profissional especifico da área.

Palavras - chave: Crianças, Estado nutricional, consumo alimentar.

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate nutritional status and dietary intake of children in social risks assisted by the program “Caminhando Juntos” (CAJUN), in Vitória-ES. Furthermore, we intented to check the nutritional adequacy of menus offered to children and if the cooks’ handling practices are consistent with the law. It was assessed 37 children of both genders aged 7 – 10 years old. Weight and height were measured in order to calculate body mass index (BMI). The Form of Consumer Food Labels (SISVAN) was applied to evaluate food intake of the last seven days. Nutritional assessment was performed and compared to the menu PNAE recommendation. To evaluate manipulation and sanitary quality a questionnaire was applied.Among the assessed scolarchips, 70% were eutrophic, 11% underweight, 16% overweight and 3% obese. During the study period, 51.4%; 48.6% and 32.4% of the children did not ingested raw salad, vegetable/ cooked vegetables and fresh fruits in none of the days, respectively. The menu did not meet the recommendation of the PNAE, and sanitary conditions were not in accordance with the law. Despite of the evidence of adequate nutritional state, according BMI, it was verified nutritional disturbs as underweight, overweight and obesity, which can be associated with unsuitable feed habits. The inadequacy of the menu energy value and

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sanitary conditions may be associated with the lack of specific professional to assume this function.

Keywords: Children, Nutritional Status, food con¬sumption;

1 INTRODUÇÃO

A alimentação é um direito humano e, representa um fator propício para a legitimação de todos os outros direitos inerentes ao conceito e exercício da cidadania e, portanto deveria ser assegurado a todos. Entretanto, uma parcela considerável da sociedade brasileira e mundial sofre com a escassez de alimentos (OLIVEIRA et al, 2009). Dentro desse contexto, insere-se o processo de transição nutricional, determinada por uma mudança nos hábitos alimentares, com uma alimentação inadequada, pobre quanto à ingestão de frutas, verduras e leguminosas e que estabelece estreita relação com a transição demográfica e epidemiológica. Tal contexto caracteriza-se pela redução da prevalência da desnutrição, presença da deficiência de micronutrientes, aumento dos casos de obesidade que contribuem com a ocorrência crescente das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) (COUTINHO; GENTIL; TORAL, 2008). A avaliação do estado nutricional, segundo Martins (2008), consiste na identificação profunda e completa da condição nutricional de indivíduos e populações e quando realizada por meio da medição dos indicadores nutricionais, ajuda a determinar uma possível ocorrência da alteração do estado nutricional. Entre os métodos de avaliação destaca-se a avaliação do consumo alimentar, que consiste em um levantamento de dados relacionados à qualidade e quantidade dos nutrientes ingeridos; exame físico, que permite a avaliação dos sinais de carências ou excessos nutricionais e avaliação antropométrica, que por meio da medida das dimensões corporais, notadamente peso, altura, circunferências e dobras cutâneas, viabiliza um diagnóstico do estado nutricional do indivíduo com noções da sua composição corpórea. A prática da educação nutricional, segundo Boog (1999), aparece como algo importante para a vida, apresentando o sentido de educar como sendo a criação de novos sentidos e significados para o ato de comer promovendo a saúde. No entanto, para sua realização deve ocorrer no cotidiano social e por meio de ações de instrução e ensino planejadas por profissionais capacitados. Segundo Rotenberg e Vargas (2004), hábitos e práticas alimentares

são influenciados pelos ensinamentos maternos e associados aos consumos urbanos, iniciados na infância. A manutenção da saúde depende de uma boa alimentação por meio do equilíbrio nutricional. A dieta desequilibrada propicia uma deficiência orgânica aumentando a nossa susceptibilidade às doenças, potencializando a ação dos microrganismos patogênicos. Portanto, a relação entre saúde e doença é diretamente proporcional ao equilíbrio da dieta e ao controle higiênico-sanitário dos alimentos (SILVA JUNIOR, 2002). De acordo com a Resolução FNDE/CD Nº 015, de 16 de junho de 2003 (BRASIL, 2003) o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem como objetivo suprir parcialmente as necessidades nutricionais dos alunos, com vistas a garantir a implantação da política de Segurança Alimentar e contribuir para a formação de bons hábitos alimentares. O projeto Caminhando Juntos (Cajun) consiste em um centro de referência local com capacidade de articulação, visando desenvolver em crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social a auto-estima, integração com a família, escola e comunidade por meio de atividades lúdico-recreativas, esportivas e culturais. As atividades que são desenvolvidas ocorrem em horário extra-escolar e enquadram-se nas seguintes áreas: Artes Circenses; Música; Teatro; Dança; Capoeira; Esportes e Poesia. A partir da análise do perfil nutricional é possível detectar os riscos nutricionais de uma população, bem como traçar ações diante dos problemas relacionados à saúde e doença. Dessa maneira, o presente trabalho tem o intuito de avaliar o estado nutricional, o consumo alimentar e os conhecimentos sobre uma prática alimentar adequada de crianças assistidas pelo programa Cajun da Prefeitura de Vitória-ES. Além disso, verificar a adequação nutricional do cardápio oferecido às crianças e se as práticas de manipulação das merendeiras estão condizentes com a legislação. 2 MATERIAIS E MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido junto ao Projeto Cajun da Praia do Suá, da cidade de Vitória,

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ES. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, sob o número 50/2010. No Cajun encontram-se cadastradas 120 crianças e adolescentes. A amostra foi composta por 37 crianças, com idade entre sete e dez anos, de ambos os sexos. O projeto foi apresentado na reunião de pais, onde os mesmos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (Anexo A) e responderam ao Questionário de identificação e avaliação. Para os que não estavam presentes, o TCLE foi encaminhado para casa, e o questionário preenchido por telefone. O estado nutricional foi avaliado por meio da avaliação antropométrica, sendo aferido o peso e a altura para posterior cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), definido como sendo a razão entre massa corporal (kg) e o quadrado da estatura (m) [IMC = Peso/Estatura2]. Para aferição do peso foi utilizada a balança TANITA BF-681W capacidade de 150kg, precisão de 100g, a medida foi realizada com o indivíduo em pé, descalço e vestindo roupas leves. A estatura foi aferida por meio do antropômetro portátil SECA com escala em cm, com o indivíduo adequadamente encostado no aparelho. O IMC foi classificado segundo a tabela IMC/idade (WHO, 2007). O consumo alimentar foi avaliado por meio da aplicação do Formulário de Marcadores de Consumo Alimentar – SISVAN – O instrumento é semelhante às versões adotadas em pesquisas de monitoramento de práticas de risco à saúde. O objetivo foi identificar com que freqüência o entrevistado consumiu alguns alimentos ou bebidas nos últimos sete dias. O instrumento foi aplicado por entrevistadores devidamente treinados (BRASIL, 2008). (Anexo B) A avaliação da qualidade nutricional das refeições foi realizada durante uma semana. Para análise nutricional do cardápio foi utilizado o programa de Nutrição Nutwin (2005), sendo que o valor nutricional foi estabelecido a partir de um prato padrão oferecido às crianças. Os valores foram comparados às recomendações do PNAE (BRASIL, 2006a). Salvo que o projeto não recebe verba do Fundo Nacional de Desenvolvimento da educação (FNDE), mas sim da Prefeitura Municipal de Vitória. O nível de conhecimento das crianças sobre nutrição foi avaliado por meio de um jogo educativo Passa ou Repassa Nutricional (Anexo C). As técnicas de higiene pessoal, ambiental, de equipamentos e utensílios e de manipulação de alimentos desenvolvidas pelas merendeiras foram avaliadas por meio de um questionário (Anexo D).

A coleta de dados foi realizada em cinco visitas por uma equipe formada por acadêmicas de Nutrição. A primeira visita foi realizada na reunião de pais, que consistiu na apresentação do projeto. Na segunda e na terceira visita foram coletados os dados antropométricos das crianças, sendo realizado em dois dias nos dois turnos: matutino e vespertino, pois as crianças que participavam do Cajun realizavam oficinas em dias alternados, no horário fora do período escolar. Na quarta e na quinta visita realizada, também atendendo os dois turnos, foram aplicadas o jogo educativo e realizado uma oficina culinária.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Descrição da Amostra A amostra foi composta por crianças com idade compreendida entre 7 a 10 anos, de ambos os sexos, sendo 54,1% do sexo feminino e 45,9% masculino. Em relação à atividade física, 100% das crianças praticavam, tendo em vista que o Cajun oferece diversas oficinas que favorecem a prática de atividade física como balé, capoeira e recreação. As oficinas são realizadas duas vezes na semana e com duração de uma hora cada. Desta forma 40,5% jogam futebol e 32,4% queimada, sendo estas atividades praticadas na oficina de recreação, que visa resgatar as brincadeiras antigas (Tabela 1). Com isto, as atividades desenvolvidas pelas crianças favorecem um gasto energético maior, sendo fundamental não só contra a obesidade, mas para manter um estado desejável de saúde e junto com o acompanhamento de uma dieta equilibrada favarocendo um desenvolvimento saudável.

Tabela 1 – Descrição da amostra segundo as variáveis estudadas.

Variável n %Masculino 17 45,9Feminino 20 54,1Idade7 7 18,98 11 29,79 11 29,710 8 21,6Pratica Atividade FísicaSim 37 100Não - -Tipo de Atividade FísicaBalé 7 18,9Futebol 15 40,5

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Capoeira 1 2,7Queimada 12 32,4Natação 2 5,4

A aplicação do questionário Critério de Classificação Econômica Brasil desenvolvido pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas (ABEP, 2008), revelou que na população estudada 75,7% das famílias foram classificadas na classe C e 21,6% na classe D e apenas 2,7% na classe B. O analfabetismo e o estudo até a terceira série do ensino fundamental foi observado em 5,4% dos chefes de famílias, outros 54,1% concluíram o ensino fundamental completo e 29,7% concluíram o ensino médio completo (Tabela 2).

Tabela 2 – Situação Socioeconômica das famílias investigadas, segundo o Critério de Classificação Econômica Brasil desenvolvido pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas Nacional (ABEP, 2008).

Variável n %Nível Socioeconômico (ABEP)B 1 2,7C 28 75,7D 8 21,6Grau de Escolaridade do chefe da famíliaAnalfabeto/ 3 serie ensino fundamental

2 5,4

Fundamental incompleto 4 10,8Fundamental completo 20 54,1Médio completo 11 29,7

Avaliação Antropométrica

De acordo com a avaliação antropométrica verificou-se que 70% apresentavam eutrofia, 11% baixo peso, 16% sobrepeso e 3% obesos (Figura 1). Silva (2005), em um estudo com 1616 crianças e adolescentes de diferentes condições socioeconômicas encontrou uma prevalência de sobrepeso de 14,5% e 8,3% de obesidade, desta forma o nosso estudo por ser uma amostra bem menor apresentou uma alta prevalência de sobrepeso e obesidade. A Pesquisa de Orçamento Familiar - POF 2008-2009 (BRASIL, 2010a), revelou que uma a cada três crianças de 5 a 9 anos apresenta excesso de peso. Já a avaliação do déficit de peso da média nacional foi de 4%. Deste modo, o resultado encontrado no presente estudo, revela que o índice de baixo peso

está superior a média nacional.Figura 1 – Distribuição do diagnóstico nutricional de crianças na faixa etária de 7 a 10 anos assistidas pelo Cajun, segundo a classificação do IMC/IDADE.

A POF 2002-2003 (BRASIL, 2006b) mostrou que há forte tendência de diminuição da prevalência de desnutrição com o aumento da renda familiar. Foi observado que crianças com idade entre 5 e 9 anos, cujas famílias possuem renda inferior a um quarto de salário mínimo per capita apresentavam 9,2% de desnutrição e famílias que recebiam mais 5 salários mínimos per capita apresentava 2,1%, denotando a forte determinação que a renda familiar exerce sobre o risco da desnutrição infantil no país. Sendo assim, no presente estudo realizado também com crianças em vulnerabilidade social encontrou- se valores aproximados com a pesquisa citada acima. Evidências científicas revelam que crianças e adolescentes obesos apresentam baixa auto-estima, afetando o desempenho escolar e os relacionamentos, além de pesquisas evidenciarem o surgimento da aterosclerose e da hipertensão arterial na infância. O hábito alimentar e de atividades físicas são formados nessa faixa etária, daí provém à preocupação em prevenir, diagnosticar e tratar a obesidade ainda na infância (ABRANTES; LAMOUNIER; COLOSIMO, 2002).

Avaliação do Consumo Alimentar e do Nível de Conhecimento de Nutrição

As práticas alimentares são adquiridas durante toda a vida, destacando-se os primeiros anos como um período muito importante para o estabelecimento de hábitos alimentares que podem promover ou não a saúde do indivíduo. Observa-se que na avaliação do consumo alimentar realizada entre os dias 18 a 24 de Outubro de 2010, (Figura 2) 51,4%; 48,6% e 32,4% das crianças não consumiram em nenhum dos dias salada crua, legumes/verduras cozidos e frutas frescas, respectivamente. Já com relação ao consumo de feijão e leite/ iogurtes foi observado que 59,2% e 51,4%, respectivamente, consumiram nos últimos sete dias.

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Figura 2 – Frequência do consumo alimentar (alimentos saudáveis) das crianças do Cajun.

No estudo realizado por Carvalho et al (2001) com adolescentes de 10 a 19 anos as frutas foram consumidas por mais de 80% dos indivíduos e 80 a 90% da amostra consumiu feijão pelo menos uma vez na semana. De acordo com a POF 2008-2009 (BRASIL, 2010b), mais de 90% dos brasileiros consomem menos frutas, legumes e verduras do que o recomendado pelo Ministério da Saúde. A pesquisa demonstrou ainda, que os alimentos mais comuns na mesa dos brasileiros de todas as classes, regiões e idades são café, feijão, arroz, sucos, refrigerantes e carnes bovinas. De acordo com a POF a parcela mais pobre da população brasileira é a que mantém uma dieta mais saudável, considerando os itens presentes na mesa dessas pessoas diariamente. Na Figura 3, nota-se que houve baixo consumo dos alimentos não saudáveis nos sete dias estudados, sendo que nenhuma criança consumiu batata frita todos os dias. Observa-se que 29,7% das crianças não consumiram hambúrguer, 40,5% não consumiram biscoitos doces e balas e 24,3% não ingeriram refrigerantes. Ao observar a frequência de consumo de refrigerante, constatou-se que 32,4% dos indivíduos o consumiram de 3 a 6 dias na semana. Tal resultado representa um consumo elevado quando comparado ao leite.

Figura 3 – Frequência do consumo alimentar (alimentos não saudáveis) das crianças do Cajun.

As dificuldades para motivar os indivíduos a alterar o seu consumo alimentar tem sido muito estudas, devendo-se considerar a complexa gama de fatores ambientais, nutricionais, psicológicos,

sociais e culturais envolvidos nesse comportamento. A maior barreira para a prática de mudanças na dieta é a crença de que não há necessidade de alteração dos hábitos alimentares, decorrente, na maioria das vezes, de uma interpretação errada do próprio consumo (TORAL, 2006). O consumo alimentar na infância e adolescência tem sérias implicações no crescimento, na promoção de saúde, em longo prazo, e no desenvolvimento do comportamento alimentar durante a vida adulta. Além disso, o estilo de vida nessa fase, ao sofrer influências, como as exercidas pelo convívio familiar, amigos, mídia e pressão social, poderá acarretar alterações no consumo alimentar, levando a prejuízos nutricionais em função das elevadas demandas ocasionadas pelo rápido crescimento e desenvolvimento ocorridos nesse período (TORAL, 2006). Programas de educação nutricional são necessários para enfrentar o atual quadro de morbi-mortalidade da população, que tende a agravar-se pela tendência que vem sendo observada nos padrões de consumo alimentar. Há receptividade, interesse e necessidade social de ações de educação nutricional, porém inexiste o espaço institucional, entendido por cargos e funções nas organizações de saúde (BOOG, 1999). Sendo assim, a Educação Nutricional tem como desafio a aproximação desses múltiplos componentes no intuito de promover um hábito de vida mais saudável por meio do esclarecimento dos inúmeros fatores determinantes da alimentação humana (BOOG, 1999). Ao avaliar o questionário aplicado sobre Nutrição, foi possível observar que as crianças envolvidas no Cajun possuíram um nível de conhecimento de Nutrição favorável às suas idades, pois souberam responder as questões. Tal conhecimento é justificado pelo fato do tema “Alimentação e Saúde” ter sido debatido com as crianças no primeiro trimestre do ano, sendo trabalhada a importância da alimentação adequada, a pirâmide alimentar, e realizadas atividades lúdicas promotoras de umas alimentação saudável. Em um estudo realizado em São Paulo, em escolas públicas, foi analisado o desenvolvimento, implementação e impacto de um programa de educação nutricional sobre conhecimentos e atitudes relativos a hábitos alimentares saudáveis de crianças e foi observado uma melhora na escolha alimentar dos estudantes e redução no consumo de alimentos com alta densidade energética (GAGLIANONE et al, 2006).

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No presente estudo, apesar da evidência de condição nutricional adequada segundo o IMC, foram verificados distúrbios nutricionais incidentes como baixo peso, sobrepeso e obesidade, podendo estar associados a hábitos alimentares inadequados. Para uma melhor classificação do estado nutricional seria necessária uma avaliação bioquímica, pois avaliaria se mesmo as crianças eutróficas estão sem comprometimento nutricional (anemia, hipovitaminose A, dislipidemias). Do ponto de vista nutricional, a importância do consumo de uma alimentação equilibrada aliada as práticas de atividades físicas, evitam o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis como obesidades, dislipidemias, hipertensão.

Apesar de obterem um conhecimento de nutrição não se justifica que elas façam escolhas alimentares adequadas. Pelo fato de não disporem de condições econômicas suficientes para o consumo de uma alimentação equilibrada, acabam consumindo o que lhe é mais acessível, ou o que é oferecido nos ambientes escolares. Desta forma, faz se importante a presença do profissional habilitado a elaborar os cardápios destes locais a fim de obter uma alimentação equilibrada.

Avaliação da Qualidade Nutricional do Cardápio

Na avaliação do cardápio oferecido às crianças, foi observado que nem sempre a recomendação nutricional estabelecida pelo PNAE é atingida (Figura 4). Visto que, o cardápio não é elaborado por nutricionista, já que no momento da pesquisa não havia este profissional na rede da Prefeitura de Vitória responsável pelo atendimento ao Projeto Caminhando Juntos.

Figura 4 – Comparação do valor calórico oferecido as crianças comparado à recomendação calórica do PNAE.Para crianças de 6 a 10 anos a recomendação de 20% das necessidades equivalem a 300 calorias, 260 mg de cálcio, 1,6 mg de ferro, 120mcg de vitamina

A e 9 mg de vitamina C (BRASIL, 2009). Desta forma como observado em alguns dias a recomendação foi atingida e em outros não. Conrado (2007), também não encontrou a adequação do cardápio segundo as recomendações do PNAE, sendo que o ponto de corte utilizado em seu estudo foi de 350 calorias, diferente do utilizado no presente estudo. Flávio e colaboradores (2008) avaliou o cardápio de merenda escolar em 16 escolas e destas 15 estavam abaixo da meta proposta pelo PNAE, não atingindo a recomendação das necessidades nutricionais. Para análise nutricional do cardápio foi utilizado o programa de Nutrição Nutwin (2005). Após a análise foi observado que a recomendação de cálcio foi atingida apenas na segunda feira, a recomendação de ferro e vitamina C foi atingida apenas na quarta feira, os demais dias e nutrientes não foi atingida a recomendação preconizada pelo PNAE (Tabela 3).

Tabela 3 – Analise Nutricional do cardápio servido no Cajun Praia do Suá.

DIAS DA

SEMANA

VET

(Kcal)

CHO

(Kcal)

PTN

(Kcal)

LIP

(Kcal)

Ca

(mg)

Fe

(mg)

Na

(mg)

Vit A

(RE)

Vit C

(mg)

Segunda 331,32 160,72 38,12 132,48 300,24 1,52 363,26 69,6 2,18

Terça 88,73 72,56 13,56 2,61 2,55 0,51 2,55 - -

Quarta 490,26 354,76 22,64 112,86 170,8 2,38 339 182 36,68

Quinta 177,45 126,8 21,4 29,25 10,42 0,58 1,36 - 0,47

Deste modo, o cardápio deve passar por algumas modificações, pois não atingiu as recomendações do PNAE. Sendo assim, é importante a presença do profissional de nutrição para elaboração dos cardápios visando garantir a adequação da alimentação oferecida em termos qualitativos e quantitativos, levando em conta as diferenças culturais e regionais, além da disponibilidade de alimentos em cada local.

Avaliação das Práticas de Higienização do Manipulador e dos Equipamentos

Na Tabela 4 é apresentada a descrição do serviço de alimentação, quanto a adequação dos procedimentos de boas praticas de manipulação e procedimentos de manipulação dos alimentos. Nota-se que há muitas inadequações por parte da merendeira nos procedimentos realizados com alimentos, conforme a RDC 216, de 15 De Setembro de 2004 (BRASIL, 2004). Tais procedimentos poderão

0

100

200

300

400

500

600

Segunda Terça Quarta Quinta

Valo

r cal

óric

o

Dias da Semana

Recomendado

Oferecido

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ocasionar o surgimento de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA), nas crianças que consomem as refeições. Com isto compreende-se que é necessária a realização de treinamentos de boas práticas de manipulação a fim de evitar danos a saúde das crianças assistidas pelo Cajun.

Tabela 4 – Características observadas no manipulador de alimentos quanto à situação e condições das boas práticas de alimentação.

CARACTERÍSTICAS OBSERVADASADEQUADOS

SIM NÃOFoi realizado treinamento sobre

Higiene e Manipulação de Alimentos

X

Uniforme específico para o manipulador de alimentos

X

Ocorre o uso de toucas XOcorre o uso de sapatos

fechadosX

As unhas são curtas e sem esmalte

X

Utiliza adornos (brincos, anéis) durante as preparações dos

alimentos

X

Higienização das mãos é realizada com produtos

adequados

X

Ocorre o acondicionamento de alimentos adequadamente

X

Descongelamento de alimentos XHigienização de Hortaliças e

legumesX

Segundo Cavalli (2007), para a segurança alimentar é de extrema relevância a capacitação dirigida aos colaboradores, para operacionalizar sistemas de controle de qualidade. Contudo, os treinamentos para a gestão da qualidade requerem custos e necessitam de profissionais da área de alimentos e nutrição para a sua concretização. Para Teixeira (2000), o recebimento de alimentos é a primeira etapa de controle higiênico sanitário no estabelecimento e deve compreender atividades de conferência da qualidade dos produtos recebidos. Para a higienização de hortaliças e legumes não são seguidas as recomendações de boas Praticas de Manipulação de Alimentos, sendo utilizado apenas vinagre e limão. O descongelamento de alimentos também é realizado de forma inadequada, ocorrendo sob a bancada e a temperatura ambiente, favorecendo assim a proliferação de microrganismos. As boas práticas de manipulação e os procedimentos realizados com os alimentos deveriam

ser orientados e supervisionados por profissional qualificado tendo em vista que a não realização dos procedimentos corretos com a alimentação podem levar a surtos alimentares. Desta forma a implantação de medidas de segurança alimentar se faz necessário o mais rápido possível. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar da evidência de condição nutricional adequada segundo o IMC, foram verificados distúrbios nutricionais incidentes como baixo peso, sobrepeso e obesidade, podendo estar associados a hábitos alimentares inadequados. A inadequação do valor energético do cardápio e das condições higiênico-sanitárias podem estar associadas a inexistência de um profissional específico da área de nutrição.

REFERÊNCIAS

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Religiosidade/espiritualidade e sua relação com a saúde mental

Andréa Campos Romanholi¹, Lisiane Fernanda Ferreira², Márcio Fernandes de Oliveira³, Welison Dias de Sousa4.

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, Av. Vitória, 950, Forte São João, Vitória-ES, [email protected][email protected], ³[email protected], [email protected]

RESUMO

Este artigo trata do tema religiosidade/espiritualidade e saúde mental. O conteúdo foi derivado de uma pesquisa dos alunos da Faculdade Salesiana de Vitória, realizada na disciplina Estágio Básico I, no segundo semestre de 2008. A pesquisa teve como objeto a investigação da questão da religião no tratamento de usuários dos serviços de saúde mental e teve como objetivos principais a análise do papel da religiosidade na vida de usuários e seus familiares e a relação que os mesmos estabelecem entre este aspecto, seu transtorno e o processo terapêutico. Buscou-se investigar como a dinâmica religiosa é compreendida pelos profissionais que lidam com a saúde mental e como é trabalhada por eles no processo terapêutico dos usuários dos serviços, além de coletar informações sobre as possíveis relações entre psicose e religiosidade/espiritualidade. O trabalho de campo foi realizado no Centro de Atenção Psicossocial Moxuara (CAPS Moxuara) e na Unidade de Saúde da Família Jesus de Nazareth, ambas as instituições públicas de saúde. Como procedimento de coleta de dados, foram realizadas entrevistas semi-etruturadas em 11 sujeitos divididos nas categorias: usuários, familiares e profissionais de serviços de saúde mental. A análise de conteúdo foi utilizada para analise dos resultados que apontaram um papel predominantemente positivo para a religião, sendo esta positividade derivada principalmente pelo fato de possibilitar socialização e contatos, além de fornecer apoio e ter efeito de doação de significado, suporte e superação de dificuldades para usuários e familiares. Porém, também foi citado seu possível papel de disparadora de psicoses, à semelhança de outras vivências intensas.

Palavras-chave: Religião. Saúde mental. Psicose. Tratamento psiquiátrico. Sociabilidade.

ABSTRACT

This article deals with the subject religiosity/spirituality and mental health. The content was derived from a survey of students from Salesiana College of Vitória, held in the discipline Basic Stage I, in the second half of 2008. The research aimed to investigate the issue of religion in the treatment of mental health service users and had as main objectives the analysis of the role of religion in the lives of users and their families and the relationship they establish between this, his disorder and the therapeutic process. We attempted to investigate how the religious dynamic is understood by professionals who deal with mental health and how they work in the service users therapeutic process, in addition to collect information about possible relationship between psychosis and religiosity / spirituality. Field work was conducted at Moxuara Psychosocial Care Center (Moxuara CAPS) and at the Jesus of Nazareth Family Health Unit, both public health institutions. As a procedure for collecting data, were realized semi-structured interviews in 11 people divided into categories: users, family and professionals working in the mental health services. The content analysis was used to analyze the results that showed a predominantly positive role for religion, and this

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positivity derived mainly because of possible socialization and contacts, in addition to providing support and take effect on donation of meaning, support and overcoming difficulties for users and families. However, it was also said its possible role in firing psychoses, like other intense experiences.

Keywords: Religion. Mental health. Psychosis. Psychiatric treatment. Sociability.

1 INTRODUÇÃO

A importância dada à religiosidade e à espiritualidade pelos diversos grupos humanos nos faz refletir sobre a relação entre essa dimensão humana e a saúde mental. “A religiosidade [...] é uma das dimensões mais marcantes e significativas (assim como doadora de significado) da experiência humana cotidiana, da subjetividade” (DALGALARRONDO, 2008, p.16). Podemos definir como religião a crença no transcendente, em algo ou alguém que criou e controla todo o universo, e que lhe deu vida e a possibilidade de eternizar-se num plano espiritual após a morte. Já a religiosidade é a crença e prática da religião, o que envolve seus dogmas, normas morais e éticas e os seus rituais. A espiritualidade envolve questões concernentes ao propósito e ao significado da vida, não adotando uma crença ou prática religiosa específica (PANZINI et al., 2007, p.106). A religiosidade/espiritualidade é tão antiga quanto ambivalente: acompanha a humanidade ao longo de sua história, “tendo inspirado o que há de melhor no ser humano, e também o que há de pior” (LOTUFO NETO, 1996, p. 1). Em toda e qualquer organização humana podemos verificar aspectos da espiritualidade seja em crenças, mitos, práticas ou rituais, o que demonstra o quão prevalente esta dimensão é para o ser humano. Segundo Almeida et. al. (2000, p.1), “as dimensões espirituais e religiosas da cultura estão entre os fatores mais importantes que estruturam a experiência humana, as crenças, os valores, o comportamento e os padrões de adoecimento”. Porém, embora tenha esta relevância, a psiquiatria tende a ignorar ou a considerar negativas ou patológicas tais dimensões da vida. Possivelmente por esta razão, os estudos sobre a espiritualidade e a religiosidade e sua relação com a saúde mental e com os tratamentos não foram muito proeminentes por longo tempo. A pesquisa bibliográfica aponta que desde o final do século XIX e início do XX já se produziam alguns estudos no Brasil acerca das relações entre religião e transtornos mentais (DALGALARRONDO, 2007, p.31). Porém, os olhares dispensados à religião

por médicos, psiquiatras e psicólogos, em geral tem sido de desinteresse ou de patologização, ou seja, ora a religiosidade é considerada como sem importância, ora tida como causa e/ou evidência de transtornos mentais (PANZINI et al., 2007, p.106). Mas tais visões vêm se modificando devido tanto a estudos que têm, com seus resultados, confirmado a importância da religiosidade/espiritualidade, quanto pela prática terapêutica apontar que esse aspecto não deve ser ignorado (DALGALARRONDO, 2007, p.29 ). Segundo Herrera (apud DALGALARRONDO, 2007, p.26), no Brasil a pesquisa científica sobre religião teve inicio com a institucionalização da sociologia no país e, embora tenham se intensificado nos últimos 15 anos, a maioria dos estudos ainda se situa predominantemente nos campos da antropologia, sociologia e teologia, sendo minoritárias as pesquisas em psicologia e saúde. Tal panorama tem mudado nas duas últimas décadas no Brasil, quando vemos surgir vários estudos sobre o tema, como cita Dalgalarrondo (2007, p. 32):

Pode-se, finalmente, constatar uma rica multiplicidade de temas abordados nesses estudos sobre religiosidade e saúde mental. A presença do religioso no modo de construir e vivenciar o sofrimento mental tem sido observada por muitos dos pesquisadores. Assim é o caso tanto em estudos com contornos mais qualitativos e etnográficos, como com os mais bem quantitativos e epidemiológicos. Isso também é constatável tanto para os transtornos mentais mais leves, como ansiedade e depressão, como para os quadros graves, como nas psicoses. A busca por algum alívio do sofrimento, por alguma significação ao desespero que se instaura na vida de quem adoece, parece ser algo marcadamente recorrente na experiência, sobretudo para as classes populares.

A abordagem da espiritualidade/religiosidade na sua relação com a saúde mental e com o tratamento pode ser feita a partir de diversas inter-relações, tal como análise da presença de transtornos mentais em pessoas religiosas, análise de como a religião interfere na vivência do sofrimento, qual a sua influência na recuperação, etc. Também é importante analisar o lugar e a função da religião em cada cultura ou grupo cultural antes de se fazer quaisquer leituras interpretativas que possam desvirtuar o sentido das crenças e/ou práticas particulares de populações

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específicas. Enfim, para se compreender a dimensão religiosa faz-se necessária a articulação entre diversas áreas do saber (antropologia, filosofia, sociologia, psicologia, entre outras), pois, como expressa Dalgalarrondo (2008, p.16):

A religião é, seguramente, um objeto de investigação dos mais complexos, posto que, como fenômeno humano, é, a um só tempo, experiencial, psicológico, sociológico, antropológico, histórico, político, teológico e filosófico. Enfim, implica abordagens e dimensões várias e de distintas espécies da vida coletiva e individual. Ela é, não se pode negar, fenômeno humano de decisiva centralidade e de complexidade incontornável.

Por saúde mental entenda-se não a ausência de transtornos mentais, mas, como conceito mais amplo, a capacidade do ser humano em produzindo resiliência psicológica, administrando a própria vida em suas atividades e exigências emocionais cotidianas. (PARANÁ, 1997, p.1). Delimitamos nossa pesquisa na investigação sobre as relações estabelecidas entre religiosidade/espiritualidade, saúde mental e processo terapêutico pelos usuários, familiares e profissionais do CAPS Moxuara, localizado em Cariacica e da Unidade de Saúde da Família de Jesus de Nazaré, localizada em Vitória. 2 JUSTIFICATIVA O IBGE, citado por Peres et al (2007, p. 140), traz a informação de que entre os brasileiros aproximadamente 92% acreditam na vida após a morte e apenas 7,3% da população não tem religião. Este dado por si mesmo já indica a importância da espiritualidade e da religiosidade no nosso país, o que a torna um tema de destaque para a realização de pesquisas. No campo da pesquisa em saúde mental e psicopatologia, a relevância do tema se destaca um tanto mais quando vemos que “a maioria dos estudos que investigou a relação entre a religiosidade/espiritualidade e a saúde mental revelou que níveis mais elevados da participação religiosa estão associados com maior bem-estar e saúde mental” (MOREIRA-ALMEIDA, apud PERES et al, 2007, p. 140).

Outro aspecto a ser considerado quando pensamos na pertinência de pesquisas sobre religiosidade e saúde mental está no fato de que parte dos usuários de serviços de saúde mental e seus familiares relacionam o transtorno mental a algum aspecto do campo da religiosidade. Dalgalarrondo (2007, p.32), ao fazer um levantamento e revisão

dos estudos contemporâneos sobre religião e saúde mental, mostra que na concepção de causa e determinantes dos transtornos mentais entre usuários e familiares, sempre estão presentes questões ligadas a “problema espiritual”, “causas sobrenaturais” ou outras formas de nomear o fator religioso como presente na causação do problema. Por outro lado, além de ser comum a ligação feita por usuários e familiares entre fatores espirituais ou religiosos na etiologia dos transtornos, também é frequente a busca de formas diversas de experiências religiosas como forma de lidar com o sofrimento. Como cita Dalgalarrondo (2007, p. 32) “a experiência com a religião ajudou-os a nomear suas vivências psicóticas e lhes atribuir sentido. Serviu também para lhes assegurar um senso de identidade”. Assim, consideramos que uma maior aproximação do tema com as relações entre religiosidade, espiritualidade, saúde mental e processo terapêutico se justifica tanto no sentido de buscar ampliar o conhecimento científico do sentido destas relações como também ampliar os vínculos e os benefícios do tratamento, por ser um aspecto relevante para aproximar os profissionais de saúde das formas de entendimentos daqueles de quem cuidam. Ainda que sejamos reticentes quanto às orientações no sentido de que se utilize da espiritualidade como eixo dos tratamentos, concordamos com Moreira-Almeida (2007, p.4) quando diz:

Não importa se possuímos crenças materialistas ou espirituais, atitudes religiosas ou anti-religiosas, necessitamos explorar a relação entre espiritualidade e saúde para aprimorar nosso conhecimento sobre o ser humano e nossas abordagens terapêuticas.

3 OBJETIVOS E MÉTODO

Esta pesquisa teve como objetivo geral investigar as relações estabelecidas entre religiosidade/espiritualidade, saúde mental e processo terapêutico pelos usuários, familiares e profissionais do CAPS Moxuara e da Unidade de Saúde da Família de Jesus de Nazaré. Este foi dividido em três objetivos principais: (1) investigação do papel da religiosidade na vida de usuários e seus familiares e como relacionam este aspecto com seu transtorno – ou do familiar - e processo terapêutico; (2) investigação de como a dinâmica religiosa é compreendida pelos profissionais que lidam com a saúde mental e como é trabalhada por eles no processo terapêutico dos usuários dos serviços e (3) coleta de informações sobre as possíveis relações

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entre psicose e religiosidade/espiritualidade. Adotamos como metodologia de pesquisa a abordagem qualitativa. O tema ainda pouco explorado trouxe aos pesquisadores desafios que por si só foi mai incentivador, suscitando sentimentos de desbravar frentes de assuntos muitos presente no social mais pouco estudado, principalmente em psicologia. A pesquisa tem caráter exploratório e os dados colhidos foram analisados considerando-se a singularidade do contexto local e cultural dos sujeitos da pesquisa, buscando, também articular os resultados locais com as análises e resultados apresentados por pesquisadores que investigam o tema no contexto nacional e internacional. Como instrumento de coleta de dados utilizamos entrevistas semiestruturadas em dois usuários, dois familiares e dois profissionais (Artista Plástica e Assistente Social) do Centro de Atenção Psicossocial Moxuara (CAPS Moxuara), e dois usuários, um familiar e dois profissionais (Psicóloga e Farmacêutica) da Unidade de Saúde da Família Jesus de Nazareth, ambas instituições públicas de saúde. As entrevistas foram gravadas com a devida autorização dos sujeitos e transcritas para a análise. Inicialmente propomos complementar estes dados por meio do método de grupo focal, porém o tempo gasto na revisão do projeto e as dificuldades em encontrar usuários com familiares na instituição CAPS Moxuara no horário do estágio inviabilizaram a sua realização. Os dados de campo foram analisados pela técnica da análise de conteúdo, por ser uma técnica que permite organizar fatos sociais em dados suscetíveis de tratamento quantitativo ou qualitativo e sua organização de forma significativa para a teoria, o que possibilita a ampliação do conhecimento sobre um tema e sua transmissão para os demais pesquisadores (TOBAR; YALOR, 2001, p.105).

4 APRESENTAÇÃO DO CAMPO Nossa pesquisa de campo foi realizada em duas instituições: no CAPS Moxuara, serviço ligado à Secretaria Estadual de Saúde e localizado em Cariacica e na Unidade de Saúde de Jesus de Nazaré, unidade da rede de serviços da Secretaria Municipal de saúde de Vitória. A pesquisa, tal como toda outra, contou com dificuldades no que se refere a permissão para coleta de dados. Apenas após liberação via secretaria de saúde e faculdade foi possível iniciar o trabalho de campo. No CAPS, foram realizadas seis visitas em

quatro semanas consecutivas; pois os dias e horários que tínhamos disponíveis nem sempre eram os mais adequados; tanto para encontrar usuários, com seus respectivos familiares, quanto para entrevistar os profissionais que estavam ocupados com suas demandas, seja preparando uma exposição com os trabalhos desenvolvidos pelos usuários, ou prestando assistências várias para o melhor acompanhamento do mesmo. Na Unidade de Saúde da Família Jesus de Nazaré, a psicóloga da instituição marcou as entrevistas com os usuários e seus familiares, bem como com os profissionais. O tema proposto se mostrou interessante aos entrevistados, porém mobilizador de reflexão e até de esquiva de alguns para não responder, possivelmente por tocar em questões de valores e ética de cunho pessoal e profissional.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nas entrevistas realizadas não surgiram diferenças significativas na fala das três categorias entrevistadas (usuário, familiar e profissional), pois todos vêem a religiosidade principalmente como algo positivo na vida do sujeito, tendo uma visão semelhante no que se refere à positividade da relação entre saúde mental e religiosidade/espiritualidade.Porém, para os profissionais a positividade desta relação está principalmente no indivíduo religioso encontrar um lugar num grupo social, como citado por um profissional:

[...] é muito bom para ele [...] a pessoa começa a frequentar a igreja e estabelecer relações de amizade, de sociabilidade. Isso ajuda. A igreja é um grupo, ela forma grupos, e esses ajudam, são importantes, eles contribuem, eles são socializantes. (profissional)

Já para os usuários e familiares em geral, apesar de também terem apontado este fator socializador da religião como algo presente e positivo, aparece também a ênfase na positividade decorrente de sua crença e fé, como observado na fala de um dos usuários:

Passei por problema seríssimo de saúde mental, de problema mental também, né. Deus restabeleceu a minha saúde, com apoio dos médicos também, então acho que na presença do Senhor a gente só tem a crescer.

Experiências religiosas de cura ou outras

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formas de manifestação divina apareceram na fala de usuários, mas também entre os familiares, o que nos permite inferir se tratar de experiências típicas da cultura religiosa, e não decorrentes do transtorno psicótico, ao menos não exclusivamente. Koenig (2007, p.95) menciona que “enquanto cerca de um terço das psicoses têm conteúdo religioso, nem todas as experiências religiosas são psicóticas”.

Eu fui pagar uma promessa dessa minha irmã, aí ó. Do filho dela que ia nascer. Na hora que ele ia nascer eu passei em frente a Nossa Senhora Aparecida e clamei pra ela. [...] Ela ia tomar injeção desse tamanho e ia mata ela. Iriam matá-la. Ai na hora os médico ficaram doido lá e ninguém aplico nada nela. E depois eles veio... veio, nasceu, mas com problema de... de refluxo. Mas graças a Deus ele tá melhorando. Esse mês nós vamo pagá a promessa que nós fizemo. (Usuário)

Coincidiu de que quando eu falei o horário que eu estava no hospital que o neném nasceu, foi o horário que ele estava intercedendo, pedindo sabe, a Nossa Senhora que intercedesse mesmo, para que tudo corresse bem, pra que nós dois saíssemos com vida daquele parto ali. [...] Podem até dizer que é coincidência, mas, para ele não foi, foi um pedido que foi atendido, e eu também acreditei nisso. (Familiar do Usuário)

Nos dois serviços pesquisados não encontramos nenhum tipo de oposição à busca pela religiosidade/espiritualidade por parte dos usuários, porém também não há nenhuma utilização desta dimensão no processo terapêutico, exceto em casos em que o serviço sabe que um líder religioso se faz muito presente na vida de algum usuário específico, quando há ocasiões em que o profissional do serviço busca interlocução com este como parte do tratamento de tal usuário. No CAPS, onde acontecem vários grupos e oficinas, não há por iniciativa dos profissionais nenhum espaço para discussão religiosa. Porém, como o serviço lida com a oferta de espaços para que os usuários encontrem formas de se expressarem e se manifestarem, existe a abertura para que os usuários criem por eles próprios este espaço de expressão religiosa caso queiram, como foi o caso citado por um usuário de se reunir com colegas para falar da religião enquanto estão no CAPS:

Quando nós, com o internado Rabelo, sentava ali debaixo do pé de manga ali, eu que sou católico, Max Mota que é católico, Paulo Sérgio que é católico, [?] que é católico e o Jaime que é adventista. Aí a gente fala do evangelho de Domingo. [...] falamos da nossa religião.

O que o cara pregô no evangelho ... leitura e tudo. E o Jaime já fala da religião dele. Quer dizer, é uma... é um repasse, né. Ele fica meditando no evangelho. O Jaime falando do dia que ele era adventista, e nós falamos do dia que nós fomos católico. (Usuário)

Todos os entrevistados apóiam a busca por uma religiosidade, exceto que os profissionais o fazem de forma menos diretiva, a incentivando apenas se o usuário trouxer isto ao profissional. A fala dos profissionais entrevistados evidencia o rompimento de uma estereotipia que as ciências médicas modernas mantinham desde muito: a associação da religião apenas como a projeção de fantasias e de ilusões humanas e sua presença sempre como sintomática nos quadros patológicos. Esta postura resultava em certa desconsideração das experiências religiosas/espirituais na análise da estruturação da experiência humana, tendendo os profissionais da saúde mental, de acordo com Almeida et al (2000, p.1):

[...] a ignorar ou a considerar patológicas as dimensões religiosas e espirituais da vida [...]. Assim como a religiosidade é tradicionalmente vista de modo negativo pela psiquiatria, as experiências místicas e espirituais são tidas como evidências de psicopatologia.

Nas entrevistas realizadas nesta pesquisa, os profissionais foram unânimes em afirmar que pode existir tanto fatores negativos como positivos na religiosidade/espiritualidade do usuário dos serviços de saúde mental, a depender da forma como a religiosidade é vivida.

Assim, emergiram apontamentos sobre a religiosidade/espiritualidade como fator que auxilia na estabilização do usuário e no enfrentamento de suas dificuldades, como na fala de profissional:

Algumas religiões [...] ajudam a confortar a pessoa, [...] ajuda a aceitar os tropeços da vida, as dificuldades, as doenças. (Profissional)

Este aspecto de tranquilização e conforto da religião também aparece na fala de um familiar:

Quando ele tá fora eu acho assim, que ele fica mais assim com problema, fica mais com estado de nervo. E quando ele vai pra igreja direto, ele começa a reunir, aquilo já acalma mais, já muda o semblante dele. (Familiar de usuário)

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Acerca disto, citando vários estudos Peres et al (2007, p. 140) relatam que na maioria destes a relação entre a religiosidade/espiritualidade e a saúde mental revelou que níveis mais elevados da participação religiosa estão associados com maior bem-estar e saúde mental, o que permite pensar que a religiosidade pode ter efeito preventivo nos transtornos mentais, funcionando positivamente no manejo de situações estressoras. Segundo Dalgalarrondo (2007, p. 177):

Tanto os numerosos estudos transversais como alguns estudos de seguimento bem conduzidos evidenciam que, de modo geral, sujeitos que se envolvem com a vida e atividades religiosas, como frequência a cultos, orações e leitura de textos religiosos, e se consideram “pessoas mais religiosas” apresentam maior bem estar psicológico e menores prevalências de depressão, uso, abuso ou dependência de substâncias, ideação e comportamentos suicidas.

A positividade da religiosidade/espiritualidade na fala dos profissionais no que se refere à fé e crença do usuário, não está relacionada à sua busca pela divindade, mas na busca por um sentido na vida:

[...] ele também traz uma questão de você acreditar em algo, de acreditar... de você acreditar em coisas. De estar muito num quadro de depressivo, acha que as coisas não têm jeito, não tem solução né... Então eu acho que a religião ela reforça né, ela traz muito forte no sentido de você acreditar em alguma coisa, de acreditar na vida acreditar, na possibilidade de vida. (Profissional)

Os profissionais também citam que religiosidade da família a torna mais tolerante às diferenças do usuário:

Elas têm uma capacidade maior de entendimento da doença, uma certa facilidade de lidar, uma certa tolerância, uma certa resignação em tá cuidando desse doente... (Profissional)

O maior enfoque, como já citado, foi no usuário ter um lugar e sentimento de pertencimento ao grupo, o que pode ser um auxílio terapêutico:

[...] eu tenho alguns pacientes que às vezes trazem já a questão de terem alguma religião e aí eu reforço a participação até pra poder tá dentro de um grupo social, pra não tá reforçando a questão do isolamento. Porque é muito comum, assim, a gente às vezes [...]

Como aspecto negativo, foi citada a dificuldade de se lidar com pessoas que possuem certo tipo de transtorno, o que pode acontecer

também nos grupos religiosos onde muitas vezes os usuários não são compreendidos e acabam por ser destituídos dos lugares que ocupavam dentro desse grupo, numa atitude de exclusão por parte do grupo que é muito impactante para seu mundo já tão limitado de relações.

Em algumas igrejas, algumas pessoas são excluídas, porque ela atrapalha, na hora de uma leitura, um grupo de leitura, essa pessoa, ela atrapalha, ela fala muito, desordenadamente... Então eu já atendi um caso em que eles afastaram a pessoa, excluíram porque ela atrapalhava os cultos. (Profissional)

Esta ocorrência de exclusão e destituição do lugar ocupado por esse indivíduo dentro de um grupo social apareceu ainda entre os usuários entrevistados, onde foi citado um caso em que além da exclusão do grupo houve a questão da perda dos vínculos, onde todas as pessoas que antes mantinha algum tipo de contato social passaram a ignorar sua existência. Dois dos quatro profissionais entrevistados apontaram como podendo ter a religião um efeito negativo quando interfere no tratamento e na medicação dos usuários. Dependendo da vivência que o usuário e seus familiares experimentam com sua religião e seus dogmas, há possibilidade de suspensão da medicação e do acompanhamento profissional, prejudicando assim o usuário. Com relação a isso, foi relatado um caso de uma usuária que estava estabilizada há dois anos e, por influência de alguns membros de sua religião, suspendeu a medicação, tendo seu quadro agravado, ocasionando sua internação em um hospital psiquiátrico.

É de partir o coração, que cê vê uma pessoa que estava estável há dois anos, bem, uma vida boa, uma vida tranquila, e parou de tomar medicação há dois meses e tá aí... (Profissional)

A possibilidade de a religião influir no próprio surgimento do transtorno, ao invés de produzir qualidade de vida, foi citada por um profissional:

Todo o tipo de mudança muito brusca, se a pessoa já tiver uma pré- disposição, ela desenvolve, e essa busca desenfreada, muito intensa da religiosidade, da espiritualidade, pode ser um fator desencadeante, assim como a perda de uma pessoa, o rompimento da relação amorosa, ahh.. um parto. (Profissional)

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em nossa pesquisa, observamos que a experiência religiosa tem, em geral, influenciado positivamente a saúde mental e qualidade de vida de usuários das instituições pesquisadas e de seus familiares, proporcionando-lhes inserção social e uma rede de apoio, bem como oportunizando significação para suportar e buscar a superação de suas dificuldades, oriundas ou não de transtornos mentais. No que se refere à rede de inserção e apoio social, surprendeu-nos sua presença e frequência nas falas dos entrevistados, sobretudo dos profissionais, pois esse produto da religião não foi pensado nem esperado ao propormos a pesquisa. Também foi-nos apontada a possibilidade de experiências religiosas serem fatores disparadores de psicose, assim como outros eventos intensos na vida dos sujeitos (óbito de pessoas queridas, parto, etc.). Notamos a dificuldade que algumas pessoas entrevistadas e possíveis entrevistadas têm de tratar sobre o tema, possivelmente por este estar vinculado ao campo do pessoal, do particular, do foro íntimo, dificultando, por esta forma de encarar o fenômeno religioso, diálogos e reflexões acerca das relações (positivas e negativas) que a religião mantém com os campos da saúde, da qualidade de vida, da política, do social, entre outros. Apontamos como temas a serem mais explorados: a religião como rede de inserção e apoio social; a construção histórica do interdito de reflexão e diálogo religioso – da não-discussão da religião, o famoso “religião não se discute” – e de suas influencias político-sociais e, por conseguinte, na qualidade de vida.

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Pastoral da criança: contexto de desenvolvimento infantil

Lusineide Cardoso de Melo¹, Christyne Gomes Toledo de Oliveira²

¹Psicóloga - Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo - Av. Vitória, 950 - Ilha Monte Belo, Vitória - ES, 29017-950, Brasil. E-mail: [email protected]²Doutoranda em Psicologia - Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, Av. Fernando Ferrari, 51.

Goiabeiras, Vitória, ES - 29075-910, Brasil. Professora da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo - Av. Vitória, 950 - Ilha Monte Belo, Vitória - ES, 29017-950, Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO

No âmbito do estudo do desenvolvimento infantil (DI), o processo de aquisição de habilidades por parte da criança sofre influência tanto de aspectos hereditários quanto ambientais. Nesta perspectiva, considerando a Pastoral da Criança (PC), na figura de seus líderes, como um dos contextos que influenciam no desenvolvimento das crianças assistidas, esta pesquisa teve como objetivo identificar e analisar os conhecimentos e as habilidades de líderes da PC a respeito do desenvolvimento infantil, bem como sua forma de atuação junto às famílias assistidas. Foram avaliados 34 líderes, por meio de questionário e entrevista. O método da análise de conteúdo proposta por Bardin (1997) orientou a análise dos dados coletados. Como resultado observou-se que menos da metade (44%) dos líderes demonstraram ter conhecimento sobre com quais idades às crianças desempenham certas habilidades: físicas, motoras, cognitivas, linguísticas e sociais. O que pode ser um indicativo da necessidade de elaboração de uma proposta de intervenção que permita a estes líderes a aquisição de conhecimento teórico e prático a respeito do processo de desenvolvimento das crianças, uma vez que conhecer o que é típico de cada idade é fundamental para prevenir possíveis problemas de desenvolvimento e promover uma estimulação adequada para cada etapa de desenvolvimento.

Palavras-chave: Desenvolvimento infantil; Pastoral da Criança; Líderes da Pastoral.

ABSTRACT

Within the study of child development (CD), the process of skill acquisition by the child suffers the influence of both hereditary and environmental aspects. In this perspective, considering the Children’s Pastoral (CP), in the figure of its leaders, as one of the contexts that influence the development of the children attended, this research aimed to identify and analyze the knowledge and skills of the PC leaders about child development, as well as their form of action together with the assisted families. A total of 34 leaders were assessed through a questionnaire and an interview. The method of content analysis proposed by Bardin (1997) guided the data analysis. As a result, it was observed that less than half of the leaders (44%) proved to have knowledge about with what ages the children perform certain physical, motor, cognitive, linguistic and social abilities, which may be an indicative of the need to develop an intervention proposal that enables these leaders to acquire theoretical and practical knowledge about the process of children’s development, since knowing what is typical of each age is crucial to prevent potential developmental problems and to promote adequate stimulation for each stage of development.

Keywords: Child development; Pastoral care of the child; Pastoral leaders.

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1 INTRODUÇÃO

Os processos de desenvolvimento humano são temas de diversas pesquisas, com enfoques variados no campo da psicologia, que objetivam “entender como se estabelece à aquisição de habilidades (físicas, motoras, cognitivas, linguísticas e sociais) por parte da criança, bem como compreender suas inter-relações com aspectos genéticos, ambientais e sociais” (BEE, 1997, p. 31).

O desenvolvimento humano é entendido por Bronfenbrenner (1996, p. 5) a partir de uma perspectiva ecológica que considera as múltiplas inserções e adaptações da criança ao seu ambiente, e vice-versa. Esta abordagem concebe o desenvolvimento como “uma mudança duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com o seu ambiente”. De acordo com Bee (2003, p. 42) a interação da criança com seu ambiente são recíprocos, porque “o meio ambiente não ‘acontece’ simplesmente para as crianças, criando uma situação sem saída. As crianças interagem com o seu meio ambiente” promovendo seu desenvolvimento e efeitos mútuos e recíprocos. Educar uma criança e promover as condições ideais para o adequado desenvolvimento de suas habilidades motoras, cognitivas, linguísticas e sociais está entre as tarefas mais complexas a ser desempenhada por um indivíduo adulto. As condições ideais tais como espaço físico limpo e arejado; relacionamentos afetivos e que estimulem a autoestima, a autonomia; educar por reforço positivo invés de punição etc., são alguns dos eventos que cabem ao cuidador adulto propiciar à criança no seu processo de crescimento. Entretanto, “tal tarefa não é antecedida, na maioria das vezes, de uma preparação por parte dos pais ou cuidadores para assumir seu importante papel de educadores no desenvolvimento das habilidades necessárias a um apropriado desempenho de seus filhos” (WEBER, 2009a, p.130 -134). Nesta condição de cuidadores, podemos incluir os líderes do Organismo da Pastoral da Criança (PC) da Igreja Católica, que conforme o seu Estatuto tem como objetivo: “Contribuir para a promoção do desenvolvimento integral das crianças desde sua concepção e, em função delas, promover também suas famílias e comunidades” (PASTORAL DA CRIANÇA, 2007, p.298). A PC na Grande Vitória/ES foi implantada em maio de 1984 e iniciou suas atividades voluntárias em Nova Rosa da Penha, bairro do Município de Cariacica.

Desde então a PC foi difundida em outras localidades da Grande Vitória e interior do Estado como Colatina e Afonso Cláudio (PASTORAL DA CRIANÇA, 2002). A PC tem como fundamento “os direitos da gestante e da criança assegurados na Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA”. São três os eixos que norteiam o serviço de voluntariado prestado pelos líderes: “a caridade cristã, a formação contínua e a celebração”. E entre as atividades desenvolvidas pelos líderes, podemos destacar: “acompanhamento das famílias, gestantes e crianças 0 a 5 anos e 11 meses de idade, realização de visita domiciliar, celebração da vida (pesagem, brincadeiras, rodas de conversas etc.) e reunião para reflexão e avaliação” que são realizadas mensalmente (PASTORAL DA CRIANÇA, 2002, p. 10 e 16). Weber (2009b, p.10) constata que “atualmente, são muitas as dificuldades encontradas pelos pais e mães em educar seus filhos e em manter uma interação saudável na esfera familiar, o que torna os grupos de orientação essenciais na atualidade”. O pressuposto é que cabe ao adulto (líderes, educadores, pais ou responsáveis) garantir as condições imprescindíveis para o desenvolvimento infantil nos aspectos que independem das questões genéticas. Nesse sentido, pressupõe-se que a atuação desses líderes na orientação da família, se voltada a aspectos relevantes do desenvolvimento infantil, pode ser uma mediação fundamental para prevenir possíveis problemas de desenvolvimento das crianças (que, muitas vezes, estão em situação de risco pessoal e social) bem como encaminhá-las precocemente a serviços especializados. A questão colocada por essa pesquisa consiste em saber quais são os conhecimentos que os líderes da PC possuem sobre desenvolvimento infantil e como eles orientam os pais ou cuidadores das crianças assistidas sobre a estimulação e os cuidados necessários para promoverem um desenvolvimento adequado à criança da gestação aos 5 anos e 11 meses. A relevância desta pesquisa é decorrente da identificação e análise dos conhecimentos que os líderes adquiriram por ocasião das capacitações que participaram antes de assumirem a missão de serem líderes da PC.

2 MÉTODO

Esta pesquisa de natureza descritiva teve como objetivo identificar e analisar os conhecimentos que os líderes da Pastoral da Criança, possuem sobre o desenvolvimento infantil, bem como suas formas de atuação junto às famílias assistidas.

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2.1 ParticipantesParticiparam deste estudo 34 líderes, sendo 32 mulheres.

Estes líderes acompanhavam cerca de 270 crianças e 10 gestantes, num total de 222 famílias, e atuavam em 10 comunidades pertencentes à área da Região de Maruípe na Grande Vitória.

2.2 Instrumentos

Na coleta de dados, foram utilizados os seguintes instrumentos: a) Questionário sócio-demográfico – com dados como sexo, idade, escolaridade, estado civil, tempo e local de atuação na PC, quantidade de famílias atendidas - para caracterização da amostra; b) Questionário sobre Desenvolvimento Infantil – com dados sobre desenvolvimento físico, motor, de linguagem, cognitivo e social das crianças; e c) Roteiro de entrevista – com dados sobre os conhecimentos quanto a fatores que auxiliam ou prejudicam o desenvolvimento infantil bem como as práticas desenvolvidas pelos líderes na PC. 2.3 Procedimento

A pesquisa foi realizada em duas etapas, descritas a seguir:

Etapa 1: Identificação e caracterização dos participantes - os líderes foram identificados a partir do cadastro de voluntariado da PC que atuam na Região de Maruípe na Grande Vitória. Os líderes foram convidados pessoalmente pela pesquisadora. Assinaram o termo de consentimento e logo após iniciou as avaliações em que eles respondiam individualmente o questionário sociodemográfico.Etapa 2: Coleta de dados com os líderes da pastoral - os líderes responderam individualmente e por escrito o questionário sobre desenvolvimento infantil após o roteiro de Entrevista. Sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, toda a coleta dos dados com os líderes ocorreu após autorização destes, em consonância com a Norma nº 196/96 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP/Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1996).

2.4 Análise dos dados

A análise dos dados foi realizada utilizando o método da Análise de Conteúdo proposta por Bardin. A autora define a análise de conteúdo como sendo

“uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação” (Bardin, 1997, p.19).

3 RESULTADO

3.1 Caracterização da amostra

A amostra foi composta por 94,1% de mulheres, com média de 51,2 anos de idade. Cerca de 41% dos líderes eram casados, tinham uma média de 2 filhos (29 %) e dividiam suas casas com até 4 familiares (47%). A grande maioria dos líderes (67%), eram pessoas inseridas no mercado de trabalho e garantiam o seu sustento com renda mensal de até três salários mínimos. No que se refere à questão da escolaridade cerca de 45% cursaram o ensino fundamental, 15% o ensino superior e 3% não possuíam nenhuma escolaridade. Quanto ao tempo de atuação dos líderes nas ações da PC, cerca de 61% participavam da mesma pastoral há mais de 5 anos, cerca de 27% atuavam há pelo menos 4 anos e 12% estavam na PC há menos de 1 ano. Mediante tal constatação, fica o questionamento: O que motiva tais pessoas a permanecerem atuando tanto tempo em um trabalho voluntário da PC? Podemos ter uma ideia sobre este fato pelas respostas dadas à pergunta de como eles se sentem atuando na Pastoral da Criança: “Sinto-me feliz por fazer um trabalho importante”. Ou “Muito feliz em poder ajudar as famílias”. Ou ainda, “Eu me sinto útil, em poder ajudar as mães destas crianças, passando para elas um pouco do que aprendi na formação”. Em relação à quantidade de famílias, gestantes e crianças que cada líder acompanhava, os resultados indicaram um total de 222 famílias, 10 gestantes e 273 crianças, com média de acompanhamento de oito famílias, uma gestante e nove crianças para cada líder. 3.2 Avaliação sobre aspectos do desenvolvimento Infantil

Em relação à avaliação do conhecimento dos líderes a respeito da idade média em que as crianças apresentam certas habilidades cognitivas, linguísticas, motoras e sociais, pode-se verificar na Tabela 1, que os líderes responderam corretamente cerca de 24% a 65% das questões. Entretanto, os itens que eles apresentaram mais dificuldades foram em relação aos aspectos sociais e cognitivos, como por exemplo: usar gestos

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para se comunicar, seguir o movimento lento de alguém com a cabeça, demonstrar que reconhece pessoas familiares.

Avaliados quanto aos conhecimentos dos fatores que interferem positivamente (ajudam) ou negativamente (atrapalham) no desenvolvimento

Indicadores Acertos Proporção1- Sentar sem apoio 22 65%2- Usar gestos para se comunicar 9 26%3- Ficar em pé sem ajuda 13 38%4- Engatinhar 22 65%5- Andar com apoio 20 59%6- Comunicar-se usando pequenas frases 17 50%7- Andar 14 41%8- Agarrar e soltar objetos 12 35%9- Falar a primeira palavra 17 50%10- Controlar o movimento do esfíncter 17 50%11- Demonstrar que reconhece pessoas familiares 10 29%12- Comer alimentos sólidos 21 61%13- Sorrir em resposta ao sorriso de alguém 12 35%14 Seguir o movimento lento de alguém com a cabeça 10 29%15- Levantar a cabeça e os ombros, apoiando-se nos braços quando colocado de bruços 16 47%

16- Virar a cabeça na direção de algum barulho 17 50%17- Manter a cabeça firme quando colocado em pé 8 24%

Tabela 1: Total e proporção de acertos dos líderes quanto aos indicadores de desenvolvimento infantil

infantil, pode-se verificar na Tabela 2, que 38% a 88% demonstraram mais dificuldades de identificar principalmente os fatores de risco ao desenvolvimento, tais como da própria criança, familiar, social, o que pode ser o indicativo da necessidade de elaboração de uma proposta de intervenção que possibilite a estes

líderes um maior conhecimento teórico e prático a respeito de uma triagem do desenvolvimento, identificando as crianças com maiores riscos, o que aumenta a possibilidade da minimização dos danos, caso algum atraso seja identificado.

Tabela 2. Proporção de respostas corretas dadas pelos líderes da PC em relação aos fatores que podem interferir ou retardar desenvolvimento infantil

Fatores de risco ao desenvolvimento infantil %Submeter a criança a castigos físicos 82Falta de aconchego 62Parto prolongado 79Mãe usuária de drogas lícitas e ilícitas 82Gravidez não planejada e não desejada 59Linguagem pobre da mãe ou dos familiares 47Uso da chupeta 38Ambientes pouco espaçosos, desorganizados e mal iluminados. 74Mãe estressada e deprimida 88Pessoas com problemas emocionais vivendo com a criança 82Internação hospitalar 56Mãe que estabelece vínculo afetivo pobre com o bebê 82

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Em contrapartida, eles demonstraram capacidade de identificar as variáveis que auxiliam no desenvolvimento das crianças, tais como os aspectos voltados para o desempenho motor. Quanto aos possíveis sinais de atraso no desenvolvimento infantil relacionados com a própria criança, os que tiveram os maiores índices de concordâncias entre os líderes, foi o fato das crianças se apresentarem de forma retraída, aparentando solidão, timidez, tristeza, medo e baixo peso (Figura 1).

Figura 1 - Frequência de respostas dos líderes sobre indicativos de risco para o desenvolvimento infantil presentes na própria criança.

Os líderes identificaram como sinais de dificuldades para o desenvolvimento infantil, no contexto familiar, os fatores como: drogadição, alcoolismo, brigas, convívio familiar conflituoso e sem diálogo. Tais eventos foram citados com frequência na categoria de risco para o DI (Figura 2). Dell’Aglio; Koller e Yunes (2006, p. 177) trabalham justamente essas questões e consideram, ainda, que “na constituição de uma família, leva-se em conta a qualidade de suas inter-relações e não apenas sua estrutura”. A constatação dos líderes e afirmação das autoras indica que para haver um DI saudável é necessário um ambiente familiar com pelo menos o mínimo de investimento parental como, também, é descrito por Weber (2009b, p. 15).

Figura 2 – Frequência de respostas dos líderes sobre indicativos de

risco para o desenvolvimento infantil presente no contexto familiar.

Quanto aos sinais de dificuldades no desenvolvimento infantil, que dizem respeito ao contexto social, o fator mais relatado foi à alimentação precária. Entretanto, observa-se que a falta de acesso a melhores condições de vida que diz respeito ao macrossistema fica evidente no que se refere aos fatores que prejudicam o DI (Figura 3).

Figura 3 – Frequência de respostas dos líderes sobre indicativos de risco para o desenvolvimento infantil presente no contexto social.

Ao serem solicitadas a falarem sobre como adquiriram os conhecimentos que possuem sobre o DI 63% responderam que os obtiveram por meio de capacitações, treinamentos, cursos, reuniões, reciclagens, palestras, por curiosidade, lendo o material da Pastoral (jornais, folhetos, entre outros); na prática (atuando, convivência com os líderes e famílias) e outras pastorais. Quanto aos procedimentos que utilizam para identificar os problemas de DI os líderes citaram: a visita domiciliar, a pesagem (peso, altura, idade), a observação e a percepção do comportamento das crianças, promovendo reuniões com os pais. Os líderes ao descreverem sobre a forma de atuação informam que quando se detecta situações graves, como desnutrição, baixo peso ou violência contra a criança, estes fatos são discutidos em reuniões mensais na comunidade, para serem tomadas as devidas providências por parte da coordenação da PC, como por exemplo, encaminhamento à unidade de saúde, ao pediatra, ao serviço de nutrição etc. Os líderes informaram, ainda, que orientam as famílias a respeito das condutas em relação às crianças, por meio de conversas e, aconselhamentos, incentivando os pais a darem limites com amor e paciência, respeitando a singularidade de cada criança. Além disso, destacam à importância de se ter uma religião e, quando necessário, de recorrerem às autoridades municipais. Outra estratégia é a observação do contexto familiar (visita domiciliar) com o objetivo de observar como ocorrem os

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relacionamentos entre os adultos e as crianças, como são organizados os ambientes dos lares onde residem, e ainda analisam se os cartões de vacina das crianças estão em dia. Sobre a percepção das mudanças no desenvolvimento das crianças que são acompanhadas, a maioria dos líderes afirma que são expressivas, pois as crianças manifestam alegria, brincam à vontade, criam vínculo afetivo entre elas e com os líderes, demonstrando-se mais seguras, espertas, animadas e saudáveis. Em relação aos obstáculos encontrados para execução das atividades na PC os líderes destacaram a falta de apoio por parte da coordenação a nível paroquial para fazerem as visitas domiciliares, e a dificuldade de conseguir motivar os pais a participarem das Celebrações da vida. Além disso, apontaram a carência de projetos voltados para a integração da criança na comunidade, e a necessidade de formação por meio de palestras a respeito de assuntos pertinentes a educação das crianças.

4 DISCUSSÃO

A orientação da PC é que todo o voluntário, que se dispõe a ser líder, passe por uma capacitação, a qual engloba o conhecimento da realidade social, cultural do país para que juntamente com outros líderes enfrentem o desafio de salvar vidas e sejam capazes de criarem estratégias que promovam ambientes favoráveis ao desenvolvimento das crianças acompanhadas. A PC está implantada em diversas comunidades onde há necessidade de uma ação em favor do bem-estar físico, psicológico e espiritual das crianças. A PC tem como meta orientar os líderes sobre desenvolvimento infantil, porém constatamos com essa pesquisa a dificuldade, por parte dos líderes, de identificarem e avaliarem alguns aspectos importantes do desenvolvimento das crianças, sobretudo nos aspectos psicossociais e cognitivos. Esta comprovação pode ser indicativa da necessidade de elaboração de uma proposta de intervenção que possibilite a estes líderes um maior conhecimento teórico e prático a respeito de uma triagem do desenvolvimento infantil, identificando as crianças com maiores riscos, o que aumenta a possibilidade de minimização dos danos, caso algum atraso seja identificado.

Agradecimentos: Sou grata a todos que de alguma forma

contribuíram com a realização desta pesquisa: o PIBIC, a Juliana Marge Pagnozzi coordenadora do IC da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo, as professoras: Fabiana Ramos e Christyne Gomes Toledo de Oliveira e aos líderes da Pastoral da criança. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1997. 226 p.BEE, H. O Ciclo Vital. Porto Alegre: Artmed, 1997. 656 p.________. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003. 421 p.BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 267 p.MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde: Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. http://www.conselho.saude.gov.br/Web_comissoes/conep/index.html. DELL’AGLIO DD, kOLLER SH, YUNES MAM. Resiliência e Psicologia Positiva: interfaces do risco à proteção. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2006. PASTORAL DA CRIANÇA. Guia do Líder da Pastoral da Criança. Editora: Posigraf. Curitiba, 2002. 256 p.____________. Guia do Líder da Pastoral da Criança. Editora: Posigraf. Curitiba, 2007. 304 p.WEBER, L. Programa de qualidade na interação familiar: manual para aplicadores. Curitiba: Juruá, 2009a. 160 p. __________. Eduque com carinho: Equilíbrio entre Amor e Limites. Curitiba: Juruá, 2009b. 101p.

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Programa Bolsa Família: autonomia ou legitimação da pobreza?

Ms. Alaísa de Oliveira Siqueira

Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. Avenida Vitória, 950, Forte São João, Vitória – ES. 29.017-950. 3331-8500. [email protected]

RESUMO

O presente artigo é resultado da Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC – Rio) e tem como objetivo estudar as mudanças e significados do Programa Bolsa Família (PBF) na realidade familiar da população atendida por um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) da região da Grande Vitória. O PBF é o maior programa sócio assistencial operando no país, atendendo aproximadamente 11,1 milhões de famílias brasileiras (2008). Objeto de questões e debates acerca de seu caráter meramente clientelista, assistencialista ou de alavanca à economia dos setores mais pobres do país, o programa é apontado como fonte de apoio e legitimidade política dos governos federal e estadual, apesar de constituir-se em uma política de transferência de renda com valores irrisórios em relação às necessidades da população atendidas. Face às divergências que esse programa vem suscitando, torna-se importante seu estudo, principalmente devido ao seu nível altamente seletivo e focado nos “segmentos mais vulneráveis”, contradizendo os princípios universalizantes da Constituição Federal/88 e da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS/1993). A pesquisa foi realizada no CRAS Novo Horizonte, Cariacica/ES. Foram aplicadas 16 entrevistas semiestruturadas, por meio de visitas domiciliares, possibilitando a observação da realidade da população assistida. Pode-se afirmar que o PBF hoje é imprescindível para os que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza, ainda que evidenciada a necessidade de uma maior articulação com as políticas de saúde e da educação como também com as demais políticas, principalmente o Programa de Geração de Trabalho e Renda para superar seu caráter focalizado e operar mudanças efetivas na realidade das famílias beneficiárias.

Palavras-chave: Política Social. Programa Bolsa Família (PBF). Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).

ABSTRACT

This article resulted from a Dissertation submitted to the Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (PUC – Rio) and to study at aims analyzing the changes and meanings of the Brazil’s Family Fund Program (PBF) in the reality of families being assisted by CRAS- Centro de Referência de Assistência Social (Social Assistance Reference Center) from the Greater Victoria. PBF is currently the country’s largest socio-assistance program, assisting about 11,1 million Brazilian families (2008). Reason of several questions and debates about its merely clientelistic or assistential characteristic or its role as economic booster to the poorest sectors in the Brazil, this program has been pointed out as great support and political legitimacy from the federal and state governments, even though it is an income transfer policy with irrelevant amounts concerning the needs of the assisted families. Due to the controversy this program has raised, we considered this study extremely important, especially because of its highly selective level, focused on the “the most vulnerable segments” opposing the universal principles of the Federal Constitution of 1988 and the Organic Law of Social Assistance (LOAS/1993). The study was carried out at CRAS Novo Horizonte, Cariacica, Espírito Santo

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(ES). Were used 16 semi-structured interviews were carried out through home visits, in order to observe the reality of the assisted family. It can be asserted that the PBF is an essential program to those living in poor or extremely poor conditions, even though it needs to be more articulated to health and education policies, as well as other public policies, especially the Income and Work Generation Program, in order to overcome its focalized feature and promote effective changes in the reality of the families it assists.

Key-words: Social Policy. Family Fund Program (PBF). Social Assistance Reference Center (CRAS).

1 INTRODUÇÃO

O Programa Bolsa Família (PBF) é o maior programa sócioassistencial atualmente no país, que atende cerca de 11,1 milhões de famílias brasileiras. O PBF tem sido objeto de várias questões e debate entre os que o consideram uma política meramente clientelista e assistencialista e os que o consideram como alavancando a economia dos setores (e regiões) mais pobres do país. O programa vem sendo apontado como a grande fonte de apoio e legitimidade política dos governos federal e estadual, apesar de constituir-se em uma política de transferência de renda de valor irrisório em relação às necessidades da população mais pobre. Face às divergências, questões e debates que esse programa vem suscitando na sociedade e no meio profissional, esta pesquisa objetiva estudar as mudanças e significados do PBF na realidade familiar da população atendida pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) – CRAS IV Novo Horizonte, Cariacica – Espírito Santo. A partir da segunda metade da década de 1990, surge uma grande novidade na política social brasileira que são os Programas de Transferência de Renda do Governo Federal destinados à população pobre do país. Essa mudança na política social e nos programas sociais compensatórios ocorreu a partir da própria Constituição Federal (CF) de 1988, que assegurou por meio da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/1993) benefícios assistenciais às pessoas idosas e aos portadores de necessidades especiais – o Benefício de Prestação Continuada (BPC)¹.

1O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um programa de política social, garantido pela Constituição Federal de 1988, no capítulo II da Assistência Social, seção IV, inciso V e regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), capítulo I, artigo 2º, inciso V (Lei nº 8.742 de 7 de dezembro de 1993) e está em vigor desde 1º de janeiro de 1996. É um benefício de 01 (um) salário mínimo destinado a pessoas idosas, a partir de transferência de renda vêm se consolidando como importante faceta do sistema de proteção social brasileiro.

As políticas de transferência de renda vêm se consolidando como importante faceta do sistema de

proteção social brasileiro. Outro programa importante de Transferência de Renda do Governo Federal diz respeito ao Bolsa Família. O PBF é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, instituído pelo Governo Federal em outubro de 2003, que tem como público-alvo famílias em situação de extrema pobreza e também aquelas consideradas pobres, que apresentam, em sua composição, gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes com idade entre 0 a 17 anos. O PBF é um programa audacioso que tem como objetivo articular três dimensões essenciais no enfrentamento e na superação da fome e da pobreza: o alívio imediato da pobreza; o reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de saúde e educação e a promoção de programas complementares (programa de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento de registro civil e demais documentos). Dentro dessa perspectiva, o PBF tem uma dimensão intersetorial na medida em que, propõe uma atuação de várias áreas de intervenção, sendo, entretanto um programa (não propriamente uma política) de governo. Apesar da previsão de participação de outras áreas, o PBF está prioritariamente articulado à Assistência Social. A Assistência Social está garantida na Constituição Federal de 1988 no artigo 203 formando o tripé da Seguridade Social, ao lado da Previdência Social e da Saúde. Foi regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS/1993) que em seu artigo 1º, a define como política de Seguridade Social, sendo direito do cidadão e dever do Estado prover os mínimos sociais mediante a um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, garantindo assim as necessidades básicas a quem dela necessitar, independentemente de contribuição. O modelo de assistência social que vem sendo implementado nos últimos governos - Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva - é marcado por algumas tendências que indicam uma permanente resistência em constituir a assistência social como política de Seguridade Social. Entre os indicativos desta afirmação, citamos o acesso aos benefícios da LOAS, implementados tardiamente e com caráter altamente seletivo, reduzindo os direitos constitucionais e transformando-os em

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políticas focalizadas e compensatórias. Consideramos de suma importância o estudo sobre o PBF, pois trata-se de certa forma, de um novo modelo de proteção social com base em programas de transferência de renda adotados pelo Governo Federal. O surgimento e a implantação do programa têm sido marcados por posições contraditórias. Para o Governo Federal, o PBF nasce para enfrentar o maior desafio da sociedade brasileira que é o de

65 (sessenta e cinco) anos (Estatuto do Idoso – lei nº 10.741, artigo 34 de 03 de outubro de 2003) e a pessoa portadora de deficiência, incapacitada para a vida independente e para o trabalho, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

combater a fome e a miséria e também promover a emancipação das famílias mais pobres do país. Outro fator determinante para estudo do tema citado é que os programas de assistência social no Brasil têm sido direcionados pelos atuais governos a determinados “públicos”, a “segmentos mais vulneráveis”, a “grupos ou focos” que se encaixam em seus critérios altamente seletivos, contradizendo os princípios universalizantes da Constituição Federal de 1988.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica acerca dos temas: Política de Assistência Social, contextualização dos Programas de Transferência de Renda, Programa Bolsa Família – PBF, Centro de Referências de Assistência Social – CRAS, Família. Foi realizado também um levantamento e estudo da ampla legislação e documentos oficiais relativos ao PBF. Foi utilizada a pesquisa qualitativa, de cunho exploratório, visto que se fez necessária a investigação de um fenômeno dentro do seu contexto real. Para a coleta dos dados foi utilizada a técnica da entrevista semiestruturada a partir de um roteiro básico de questões adaptados às condições de diálogo com os diferentes entrevistados. O universo dessa pesquisa abrange o PBF no ano de 2007, no município de Cariacica (ES). Trata-se de um dos maiores municípios do Estado do ES, possuindo 356.536 mil habitantes (IBGE 2007), e que vem enfrentando sérios problemas na área econômica, social e política. Até o final do mês de maio de 2007 no CRAS de Novo Horizonte, foram contabilizadas 505 (quinhentas e cinco) famílias cadastradas. Sendo que 77 (setenta e sete) delas recebem o Bolsa Família.

Das 77 (setenta e sete) famílias que recebem o Bolsa Família, foram selecionadas aleatoriamente 20%, ou seja, foram entrevistadas 16 (dezesseis) beneficiários do Bolsa Família, assistidos no CRAS Novo Horizonte. Os dados foram coletados a partir de visitas domiciliares no período de outubro de 2007 a janeiro de 2008. Os beneficiários do programa entrevistados foram esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa e procedimentos éticos utilizados e assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE), concordando em participar da pesquisa. As entrevistas foram gravadas e transcritas. A utilização da técnica da entrevista semiestruturada possibilitou uma análise qualitativa em relação às mudanças e significados do PBF na realidade familiar da população atendida no CRAS.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta pesquisa identificamos quais seriam as possíveis mudanças ocorridas na realidade de vida dos beneficiários do PBF assistidos pelo CRAS IV Novo Horizonte, Cariacica (ES) e qual o significado desse benefício para a vida deles.Para a realização da pesquisa acerca da relação entre o PBF e as famílias, foram selecionados 16 (dezesseis) grupos domésticos (20%) do número atendido no CRAS analisado. Foi observado pelo estudo realizado junto às 16 famílias, que estas vivem em situação de extrema pobreza, sendo que 56% não possuem renda, isso somado aos 13% que vivem com menos de 1(um) salário mínimo e aos 31% que vivem apenas com um salário mínimo. Em relação à qualificação profissional das famílias, verificou-se a predominância do alto índice de desemprego (57%), somados aos 25% que estão inseridos no mercado de trabalho informal, e também aos 6% que sobrevivem fazendo “bicos”. Em relação ao roteiro utilizado para realização da pesquisa empírica, consideramos importante analisá-lo a partir de 7 grandes modalidades.

1) Conhecimento da existência do programa Ao serem questionados sobre como ficaram sabendo da existência do PBF, podemos notar duas grandes situações. Uma primeira relacionada via parentes e vizinhos – vale dizer à comunicação que circula comunitariamente – e uma segunda situação por meio de comunicação de massa, com ênfase na televisão. É importante ressaltar a ausência de informação via técnicos (escola, CRAS e seus técnicos)

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e dos próprios aparelhos do Estado. Os dois modos de comunicação adotados pelos usuários reafirmam as formas mais confiáveis para a população de acesso à informação contemporânea (referendada para relações pessoais/televisão).

2) Forma de inserção no programa Um aspecto a ser destacado em relação à forma de inserção do PBF em Cariacica é a centralização dos cadastros na Secretaria Municipal de Assistência Social e Trabalho - SEMAST, diferente da forma de cadastramento dos outros municípios do Estado. Essa centralização traz algumas consequências importantes como: menor vinculação do beneficiário ao CRAS, sendo que sabemos que estes deveriam fazer o acompanhamento sistemático dos usuários conforme preconiza o SUAS; menor nível técnico dos cadastradores; redução das possibilidades de acesso ao CadÚnico por parte dos técnicos locais e consequentemente dificultando sua utilização como instrumento de pesquisa para realização de diagnóstico da realidade do território. A rigor, o contato da família beneficiária do programa com o CRAS de Cariacica, fica reduzido a situações de perda ou suspensão do benefício, os usuários só procuram pelo CRAS para esclarecimento sobre a suspensão do benefício. Mesmo nessa situação, o CRAS não possui as informações necessárias para responder às demandas de seus usuários, uma vez que os dados estão centralizados na SEMAST. Essa centralização dos dados e a forma pela qual é realizada a inserção dos usuários no PBF em Cariacica acabam dificultando o acompanhamento das famílias via CRAS.

3) Conhecimento e cumprimento das condicionalidades No que diz respeito ao conhecimento em relação ao cumprimento das condicionalidades todos responderam que tinham conhecimento. Foi, portanto, necessária uma retradução do termo técnico condicionalidades, uma vez que os entrevistados não sabiam o significado dele. Quando retraduzido foi entendido por todos, assumindo uma dimensão de dever, ou de um conjunto de deveres que todos deveriam cumprir para que continuassem no programa. Para a efetivação do cumprimento das condicionalidades, faz-se necessária a oferta de serviços por parte do Estado. Nesse sentido, foram observadas duas grandes situações. A primeira em relação à condicionalidade

referente à educação, sem maiores ressalvas. Todos alegaram ter conhecimento e cumprirem com suas obrigações. Do ponto de vista da qualidade do ensino, não foi feito nenhum questionamento, assim como não houve nenhuma observação referente às frequentes greves existentes na área da educação. Alguns entrevistados relataram que seus filhos também têm conhecimento sobre as obrigações em relação à escola e que colaboram muito para o cumprimento delas. Também foi alegado ser de obrigação da família o acompanhamento dos filhos na escola. Podemos observar que existe uma solidariedade da família em relação ao cumprimento da condicionalidade.

[...] meu menino mesmo não gosta de faltar no colégio. Todo dia ele tem que ir, se tiver de faltar ele reclama, então sempre eles vão, sem problema pra mim de faltar (Entrevistada 7).[...] igual... eu acordo eles, eles não reclamam nada, vai e... e eles sabem que eles tem que cumprir isso.. não falta a escola ... eles sabem (Entrevistada 10).[...] Ah, mas é obrigação da mãe mesmo fazer isso... e acompanhar como o menino ta no colégio, eu olho o caderno dele, olho a bolsa dele porque eu não gosto que ele mexa nas coisas dos outros. Olho o estojinho dele direitinho... ajudo ele no trabalho escolar...É obrigação de mãe mesmo... (Entrevistada 15).

A segunda condicionalidade, no que se refere à saúde, a dificuldade apareceu praticamente em todas as entrevistas realizadas. As principais queixas foram: ausência de posto de saúde no bairro, o que torna praticamente inviável o cumprimento das condicionalidades; falta de vacina; balança quebrada; ausência do profissional no posto; falta de recurso financeiro para estar se locomovendo até a unidade de saúde.

Diante das informações obtidas, foi constatado que o município de Cariacica não está estruturado para fornecer as contrapartidas exigidas pelo PBF, como é o caso da vacina que falta nos postos de saúde. Também não oferece um bom atendimento à população, uma vez que os usuários relatam não ter informações e o atendimento ser sempre demorado, enfrentando filas e sendo mal atendidas. Isto é, os serviços e o tratamento oferecidos aos beneficiários do Bolsa Família na área da saúde são desqualificados, e na maioria das vezes acaba reforçando e reafirmando a condição de subalternidade dessa população atendida.

4) Valor do benefício e prioridade de utilização

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Verificamos que o valor do benefício recebido pelo PBF, varia entre R$ 36,00 (trinta e seis reais) a R$ 112,00 (cento e doze reais), e que para a maioria dessas famílias, esse valor não é suficiente para o seu sustento, uma vez que necessitam de ajuda dos parentes, vizinhos e até mesmo da igreja que frequentam, ou seja, o dinheiro do benefício é somente para suprir suas necessidades a curto prazo, isto quer dizer que as mudanças ocorrem somente no plano do imediato. Podemos observar que o corte de renda extremamente baixo, renda mensal per capita de ½ salário mínimo, é uma das formas de ruptura da lógica do direito, pois não atende à totalidade das pessoas que necessitam de assistência, negando mais uma vez o que está garantido na Constituição Federal de 1988. Ao perguntarmos aos entrevistados, o que eles compram em primeiro lugar com a renda do Bolsa Família, todos relataram que é o alimento. Os principais mantimentos citados foram: o arroz, o feijão, o leite, a farinha e algumas vezes a carne.

[...[ comida né... só da pra comida... arroz, feijão... às vezes o leite pro menor... o resto nós ganha dos vizinho... e da igreja... (Entrevistada 8).Compro arroz, feijão, farinha ... quando dá uma carninha... mas é difícil... tem muita gente que me ajuda né... (Entrevistada 12).

Outra questão relevante é em relação ao vestuário. Para a maioria dos familiares entrevistados é difícil sobrar dinheiro para comprarem roupas para seus filhos, a maioria das vezes eles ganham dos parentes, vizinhos ou da igreja.

[...] roupa não porque que as roupa é... a gente ganha e o dinheiro não dá pra comprar... (Entrevistada 1).[...] os vizinho.. dá uma roupa.. um sapato às vezes ... e tem a cesta do CRAS que recebo todo mês né... mais eu não queria pedir não... tenho vergonha de pedir... mais tá bom.. Deus é que sabe né... já foi pior antes... antes de recebe esse dinheiro... agora tá bom... (Entrevistada 4). [...] só tenho ele... esse dinheiro... a gente passa bastante dificuldade.. as vezes minha mãe me ajuda.. quando ela pode .. porque é difícil pra ela também... tem o pessoal da igreja também que ajuda nois... com roupa... sapato... o caderno... as coisa da escola.. e tem também a cesta que recebo das menina do CRAS.. elas ajudam muito a gente... (Entrevistada 8).[...] O pessoal da igreja que eu vou... tem uma vizinha muito boa que me ajuda... da roupa pra meus menino ... caderno... e ganho coisas da igreja.. [...] cesta básica e tem também roupa pros menino que eu ganho... (Entrevistada 12).

5) Importância do recebimento do PBF e mudanças ocorridas

Em relação à importância do recebimento do benefício, podemos dizer que existem dois elementos a serem discutidos: o primeiro diz respeito à regularidade no recebimento da renda, fator presente em muitas entrevistas, os beneficiários podem contar com a renda todo mês. O segundo elemento seria o alívio para aqueles que estão vivendo constantemente com a incerteza. A garantia do recebimento do Bolsa Família seria um horizonte de certeza, dentro de um mundo de incertezas.

[...] você pode ta contando com aquele dinheirinho né...todo mês pra fazer alguma coisa assim é...compra alguma coisa pras meninas né, que se precisa né...que a gente sempre precisa (Entrevistada 3). [...] eu preciso muito dele né... antes os meu filho passava fome... tinha que pedi nos vizinho, na igreja... agora dá pra compra uma comidinha né... se não fosse esse dinheiro não sei o que eu ia fazer... é muito triste ver os filho da gente com fome né. Deus é muito bom que fez a gente recebe o dinheiro do bolsa... (Entrevistada 5).[...] Ah, é bom porque pelo menos cento e doze ajuda muito... antes faltava comida... a gente sentia fome e não tinha nada pra come... agora não... tem sempre uma coisinha pra come... né... a gente passava muita necessidade ... faltava comida.. leite pros meninos... a gente sentia muita fome... é também ...é...incentiva as crianças a irem estudar mais...e melhorou bastante. [...] o negócio é esse mesmo né que...é....eu acho que ta bom demais... esse programa ajuda muito nós né... se não fosse ele eu tava passando fome com meus meninos... graças a Deus que tem ele né... (Entrevistada 10).

Foi constatado também, que mesmo o valor monetário sendo extremamente baixo, a certeza do recebimento funcionava como garantia de pagamento ao comércio local, isso significa que o cartão do Bolsa Família funciona como uma espécie de “moeda de troca” ou “fiança” antecipada com garantia de um pagamento posterior.

[...] bom dá pra fazer compra, compra... igual eu comprei uma sandalinha pra ele que ele pediu ai to pagando aos pouquinhos todo mês lá na loja (Entrevistada 4).

Na verdade a compra anterior ao pagamento, isto é, “fiado” é uma prática comum no meio popular. Essa prática vinha sendo corroída pelo aumento da pobreza e pela inadimplência (ou não pagamento) das famílias frente ao comércio. O PBF reintroduz o elemento de confiabilidade, no sentido de que os comerciantes têm certa garantia da possibilidade de

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recebimento. Se por um lado existe um aumento de credibilidade, por outro lado, esse é limitado em relação ao valor do benefício, que é extremamente baixo, quando não irrisório. Para grande parte dos entrevistados, a expectativa ao saber da inclusão no benefício permite uma projeção de futuro, e que com essa renda sua vida irá melhorar. Verifica-se entre os familiares a grande importância para suas vidas no que diz respeito às mudanças ocorridas no padrão de vida. Podemos constatar que apesar do benefício se constituir em um valor irrisório, para aqueles familiares que nada possuem, o PBF constitui-se de uma renda certa, porém insuficiente, mas que sem a qual não sobreviveriam. Configura-se em um direito de provisão mínima, de sobrevivência, pois permite o aceso apenas aos mínimos vitais, principalmente às necessidades mínimas de alimentação.

[...] Ah... mudou... pelo menos agora a gente não passa fome, vive difícil... mas fome não, tem sempre um arroz, um feijão para gente comer... mas é muito difícil... (Entrevistada 1).[...] É... mudou muito... porque ajuda bastante né? Porque eu compro material das meninas. Pago as compras que eu faço... a comida né... na verdade as minhas conta...to vivendo da...mais da Bolsa... antes faltava comida... agora posso comprar a comida ... que não falta né... (Entrevistada 14).Acho que mudou tudo... porque antes com o dinheiro da pensão não dava não... faltava comida, leite pros menino... roupa... material de escola... agora gasto o dinheiro só com os meninos... comida pra eles .... (Entrevistada 16).

Fica bastante evidente que esses direitos são marcantes para essas famílias, seja por meio do valor transferido a elas, mesmo que insignificante, pela possibilidade, pela esperança de um futuro melhor para seus filhos.

6) O trabalho como horizonte de referência Pode-se notar que alguns entrevistados ainda desejam recuperar a condição de trabalhador e almejam se inserir no mercado de trabalho, mesmo percebendo suas limitações.

[...] é pouco o dinheiro... é melhor que nada... mas é muito difícil... se fosse um trabalho aí sim dava pra viver melhor... mas eu não

consigo emprego... não sei ler direito... aí é difícil.. as vezes consigo uns bico mas as vezes não (Entrevistada 1).[...] o problema é o trabalho... o tal do bico. E...eu que de vez em quando, que aparece alguma coisa que eu faço, meu marido é mais difícil... ele ta sempre sem nada... se tivesse o trabalho aí não precisava da bolsa.. né (Entrevistada 3).[...] mas o que eu queria era um emprego para mim e pra meu marido.... porque o dinheiro do bolsa é muito pouquinho... falta pra completar a comida... fazê o que ... é a vida que Deus deu pra gente (Entrevistada 3).

Outro aspecto importante observado é que para alguns familiares, o recebimento do benefício é algo vergonhoso e que se estivessem inseridos no mercado de trabalho, eles não precisariam receber ajuda do benefício.

[...] eu queria mesmo que meu marido trabalhasse... igual como era antes... aí não precisa da ajuda desse dinheiro... porque as vezes eu tenho vergonha né... de receber dinheiro... de pedir ajuda pros parente né... porque o dinheiro não dá.. falta pra comida...pras roupa... pra tudo... tem que fica pedindo sempre... nunca dá... eu tenho muita vergonha disso.... (Entrevistada 11).

Para a autora Pereira (1996), a noção de pobreza que prevalece no país é a de pobreza absoluta que sugere ações mecânicas e pontuais. Os programas sociais existentes não têm por finalidade redistribuir renda ou riqueza, mas contornar carências crônicas. O benefício tem que ser insuficiente para não ferir a ética capitalista do trabalho, não devendo desencorajar o assistido a encontrar outros meios de sustento por esforço próprio. Assim, o acesso ao benefício tem que ser custoso e estigmatizante a fim de tornar o seu ganho um incômodo vergonhoso, do qual a pessoa gostaria de se livrar.

7) Cartão Bolsa Família: sua utilização e possibilidades de avanços Um último aspecto analisado nas entrevistas foi em relação ao cartão Bolsa Família. Podemos destacar também duas grandes situações: a primeira situação diz respeito ao acesso ao cartão. Ao serem questionados sobre onde recebem o benefício todos relataram que recebem na lotérica, pois essa é a

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forma mais fácil de retirarem seu dinheiro. No caso do caixa eletrônico eles têm dificuldades de usarem o cartão, no que se refere tanto a utilização da máquina como na memorização da senha. Já na lotérica tem o funcionário que passa o cartão para eles tornando a retirada do benefício mais fácil.

[...] sempre eu recebo na casa lotérica porque se eu for na caixa eletrônica eu não consigo passar ele ... na lotérica a menina já me conhece né... (Entrevistada 13).

A segunda situação a ser refletida, seriam as possibilidades de avanços que o cartão trouxe para a política de transferência de renda. Os principais avanços com relação ao uso do cartão referem-se ao direito que os usuários têm de realizarem a retirada do benefício e ainda, aplicarem o recurso com autonomia. Mencionar essa situação é importante na medida em que, essa forma de retirada e uso do recurso pelos usuários não era possível nas políticas assistenciais brasileiras. Sobre esse aspecto podemos destacar que no governo Fernando Henrique Cardoso, na operacionalização do Programa Bolsa Escola, os beneficiários deveriam aplicar a renda nos itens listados pelo governo. Este fato corrobora para o nosso argumento de que o uso do cartão no Programa Bolsa Família representa um avanço em termos de autonomia para o beneficiário, embora exista um longo percurso até a realização de um programa de transferência de renda de qualidade. Portanto, cabe ainda destacarmos que as políticas sociais no município de Cariacica se dão de forma pontual, fragmentada, isolada e seletiva, trazendo dificuldades aos beneficiários no acesso a política, principalmente no acesso as informações de qualidade. Indicamos que se faz necessária uma maior articulação com as demais políticas sociais, principalmente em relação à saúde e à educação, no sentido de tornar eficiente a universalização dessas políticas, com o intuito de superação da exclusão social. Entender a lógica, o significado e os impactos dos Programas de Transferências de Renda para seus usuários, exige um olhar crítico sobre como a sociedade brasileira está estruturada, de que forma os programas sociais no Brasil foram formulados, quais são os usuários dos programas assistenciais e qual o papel que o Estado vem cumprindo dentro do ideal neoliberal implantado no país nos anos de 1990. As medidas adotadas pelo Governo Federal são decorrentes de processos históricos ocorridos

no mundo e no Brasil, do contexto internacional da globalização e da expansão do neoliberalismo que vai culminar na desregulamentação do Estado e na sua reforma. Esse quadro tem deixado marcas profundas nas políticas sociais, principalmente no campo da assistência social uma vez que sua construção como política pública é recente, os embates pela sua universalização são constantes, seu orçamento é irrisório e permanentemente sofre cortes.Segundo Silva; Yazbeck; Giovanni (2004, p. 26):

Na realidade, os anos 1990, representam um período de profunda contradição no campo do bem-estar social no Brasil. Tem-se, de um lado, um avanço no plano político-institucional, representado, sobretudo, pelo estabelecimento da Seguridade Social e dos princípios de descentralização e de participação social, enunciados na Constituição Brasileira de 1988. De outro lado, tem-se, no plano da intervenção estatal no social, um movimento orientado por posturas restritivas, com a adoção de critérios cada vez de maior rebaixamento do corte de renda para fixação da linha da pobreza, para permitir acesso das populações, por exemplo, aos Programas de Transferência de Renda em grande expansão no Brasil, a partir de 2001. Assim, não se verificará expansão de programas e serviços sociais não a conjuntura na qual o crescimento da pobreza demanda mais atenção do Estado em relação ao atendimento das necessidades coletivas básicas da população trabalhadora. Tudo isso é agravado pelo desmonte de direitos sociais conquistados.

Os Programas de Transferência de Renda surgiram como uma alternativa para combater a pobreza e os níveis de desigualdades sociais. São políticas desenvolvidas pelos governos centrais empregadas no combate à fome e à pobreza em países em desenvolvimento como é o caso do Brasil. Esses programas promovem a transferência direta de renda aos segmentos mais vulneráveis da população e são articulados a condicionalidades que no caso brasileiro, relacionam-se com as áreas de educação e saúde. Segundo Brito; Macedo (2004, p. 15-16):

[...] o Estado estabelece, com o apoio de organismos internacionais, novas estratégias de combate à pobreza, que têm como alvo privilegiado os grupos chamados vulneráveis. Consequentemente, uma

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primeira observação sobre essa estratégia indica a focalização e a fragmentação dos programas sociais, que representam um gradual deslocamento do modelo de seguridade social delineado no marco constitucional de 1988, tendo como princípio básico a universalização do acesso a bens e serviços.Essa tendência de seletividade e focalização acaba aprofundando a conformação dual da seguridade social, no Brasil, que é apontada na história da proteção social no país. Aos grupos mais vulneráveis socialmente, e não inseridos no mercado de trabalho, destina-se a assistência social, enquanto os trabalhadores inseridos no mercado formal do trabalho vinculam-se à previdência social [...].

Sendo assim, podemos notar que a partir desse contexto, o Brasil lança mão de políticas sociais compensatórias, fragmentadas, seletivas e focalizadas. O objetivo de tais políticas é o de focalizar alguns segmentos da população, aqueles que se encontram em estado de vulnerabilidade social.Essas políticas focalizadas têm em comum garantir uma transferência direta de renda a todas as famílias que possam comprovar insuficiência de recursos, legitimando assim, os Programas de Transferência de Renda que ganham centralidade no âmbito das políticas sociais brasileiras. Até março de 2003, eram 7 (sete) os principais programas federais2: o Bolsa Escola; o Bolsa Alimentação; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI); o Auxílio Gás; o Cartão Alimentação; o Projeto Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano e o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em 2003, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – surge um novo momento para o desenvolvimento dos Programas de Transferência de Renda que é a criação do Programa Bolsa Família – PBF, unificando os quatro Programas de Transferência de Renda anteriores: Bolsa Escola, Auxílio Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação. O PBF é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, instituído pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em outubro de 2003, por meio da Medida Provisória nº 132, criado pela Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004. Apesar de todos os avanços alcançados nos direitos sociais, o que fica ainda evidenciado é a tensão existente entre a Assistência Social e o trabalho, uma vez que parte da população que está inserida no mercado de trabalho possui seus direitos garantidos por lei e para aqueles que não

estão inseridos no mercado formal, resta recorrerem à Assistência Social, que sempre foi destinada aos pobres. Aqui podemos fazer uma comparação entre o sistema dual existente na Seguridade Social, apontada ao longo dos anos na história da proteção social do Brasil. Os trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho estão protegidos pela legislação trabalhista, resultando em uma carteira de trabalho assinada e consequentemente protegidos pelo INSS por meio da Previdência Social. Aos grupos mais vulneráveis da sociedade e não inseridos no mercado de trabalho, estes possuem um registro no CadÚnico gerando o Número de Identificação Social (NIS), resultando no recebimento do Cartão Bolsa Família e posteriormente no recebimento do benefício do Bolsa Família e este grupo está destinado à Assistência Social. Podemos concluir que, o PBF está legitimando seus beneficiários na condição de pobres, uma vez que eles possuem um Número de Identificação Social (NIS) que comprova que são usuários do programa e consequentemente são atendidos pela Assistência Social.

2Todos esses programas estavam destinados a um público específico, cujo corte de renda, para fixação da linha da pobreza, era de ½ salário mínimo de renda per capita, com exceção do BPC que determina uma renda per capita ainda menor - inferior a ¼ do salário mínimo.

Vale destacar que em momento algum estamos desmerecendo o Programa Bolsa Família, e muito menos descartando sua importância para a população empobrecida do país. O que podemos pontuar é a desarticulação do programa com as demais políticas sociais, principalmente uma política macroeconômica de distribuição de riqueza e de geração de emprego e renda, fazendo com que este programa assuma uma posição meramente compensatória.

AGRADECIMENTO

A CAPES pela bolsa de mestrado e à PUC- Rio, pelos auxílios concedidos, sem eles este trabalho não teria sido realizado. Aos familiares beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) que me concederam a possibilidade de realizar este trabalho.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRITO, S. R. de; MACEDO, M. de A. Transferência de Renda: nova face de proteção social? Rio de Janeiro: Loyola, 2004.

LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS), nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. In: Conselho Regional de Serviço Social. Coletânea de Leis e Resoluções. 3. ed. Rio de Janeiro: Lidador, 2001.

PEREIRA, P. A. P. A assistência social na perspectiva dos direitos: crítica aos padrões dominantes de proteção aos pobres no Brasil. Brasília: Thesaurus, 1996.

SILVA, M. O. da S. e; YAZBEK, M. C.; GIOVANNI, G. di. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. São Paulo: Cortez, 2004.

BRASIl. Censo 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/universo.php?tipo=31&p.... Acesso em: 06 mar. 2007.

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NOTA AOS COLABORADORES

Os trabalhos submetidos à EPISTEME – Revista Científica da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo devem enquadrar-se na linha editorial da revista, e observar as normas e orientações indicadas abaixo. Os trabalhos submetidos serão avaliados pelo Conselho Editorial, mas sua publicação não expressará necessariamente o posicionamento do Conselho nem das instituições mantenedoras. A responsabilidade pelos artigos assinados é exclusiva dos autores. Os direitos autorais dos trabalhos aprovados são automaticamente transferidos à Revista EPISTEME como condição para sua publicação. Os textos que não forem aprovados para a publicação não serão devolvidos aos seus autores. O autor que tiver seu trabalho publicado terá direito a três exemplares da revista.

1. A Revista EPISTEME publica artigos e aceita trabalhos para a publicação nas seguintes categorias: Artigos Completos, Artigos de Revisão, Relato ou Estudo de Caso. Os trabalhos devem ser inéditos e não podem ser simultaneamente submetidos a outro periódico.2. Os originais devem ser enviados ao Editor da revista em três vias impressas, das quais uma com identificação do (s) autor (es) e duas sem identificação, e uma cópia em arquivo eletrônico com a identificação de autor (es) e título do trabalho. Os originais devem ser acompanhados de cartas submetendo o trabalho para publicação, e de uma folha à parte, em caráter de obrigatoriedade, contendo informações completas sobe o (s) autor (es): nome, vínculo institucional, endereço para correspondência, telefone, faz e correio eletrônico. De tais informações somente o endereço eletrônico será divulgado na publicação.3. Os trabalhos devem ser digitados em espaço um e meio, com margens de 3cm na margem superior e esquerda e 2cm na margem inferior e direito, apresentados em papel tamanho A4, impresso em um único lado e com páginas numeradas. Os trabalhos não devem ultrapassar 20 páginas (cerca de 5.000 palavras).4. Preferentemente o texto deve ser editado no formato Word, obedecendo às seguintes recomendações:- Utilização de fonte Calibri, corpo 12 para o título, corpo 11 para o texto corrido e corpo 10 para as citações bibliográficas destacadas e notas de rodapé;- Deve ter alinhamento justificado e os parágrafos formatados com recuo especial na primeira linha, valendo também para as notas de rodapé.5. Os artigos submetidos ao Conselho Editorial devem conter resumo em português e abstract em inglês, com no máximo 250 palavras casa; até 6 palavras-chave, também em português e em inglês.6. Modelo de artigo encontra-se no site da Faculdade:http://www.catolica-es.edu.br/biblioteca/publicacoes7. Os trabalhos devem ser remetidos para:- Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo (FCSES)Avenida Vitória, nº. 950 – Forte São João Vitória/ES – CEP.: 29017-950Telefone: (27) 3331-8544 / Fax: (27) 3222-3829- Endereço eletrônico:www.catolica-es.edu.bre-mail: [email protected]