Revista Eletrônica de Direito Processual. 7aedição

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  • Revista Eletrnica de Direito Processual REDP. Volume VII. Peridico da Ps-Graduao Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ. Patrono: Jos Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636

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    SUMRIO PRIMEIRA PARTE ESTUDOS SOBRE O PROJETO DE NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL

    ASPECTOS PROCESSUAIS DA EXECUO DE BENS EM RAZO DA DESCONSIDERAAO DA PERSONALIDADE JURDICA E INOVAES NO PROJETO DO CPC Ana Cristina Baruffi ................................................................................................................... 6

    CONSIDERAES INICIAIS SOBRE A TEORIA GERAL DOS RECURSOS NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL Felippe Borring Rocha ............................................................................................................. 26

    A COMPETNCIA CONSTITUCIONAL DOS ESTADOS EM MTRIA DE PROCEDIMENTO (ART. 24, XI, DA CF): PONTO DE PARTIDA PARA A RELEITURA DE ALGUNS PROBLEMAS DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO EM TEMPO DE NOVO CPC Fernando da Fonseca Gajardoni ............................................................................................... 45

    COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA: ATUALIDADES E PERSPECTIVAS DE ACORDO COM O PROJETO DO NOVO CPC Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Trcia Navarro Xavier Cabral ................................... 73

    A EXECUO PROVISRIA NO PROJETO DE CDIGO DE PROCESSO CIVIL: ALGUMAS CONSIDERAES Juliano de Oliveira Brandis e Miller Freire de Carvalho........................................................ 115

    PERSPECTIVAS DA FLEXIBILIZAO PROCEDIMENTAL NA EXPERINCIA BRASILEIRA EM FACE DO SUBSTITUTIVO DO SENADOR VALTER PEREIRA AO PROJETO DE LEI NO SENADO N. 166, DE 2010. Luiz Marcelo Cabral Tavares ................................................................................................. 136

    A JURISDIO NA PERSPECTIVA PUBLICISTA E PRIVATISTA NO CONTEXTO DA SOLUO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS DE MASSA - NOTAS SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUO DE AES REPETITIVAS PREVISTO NO PLS N 166/10. Marcelo Pereira de Almeida ................................................................................................... 158

    OS EMBARGOS DE DIVERGNCIA NO PROJETO DO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL Stella Rangel Loureno .......................................................................................................... 186

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    DEVIDO PROCESSO LEGAL: CONTRADITRIO (TRINMIO INFORMAO, REAO E CONSIDERAO) E O NOVO CPC Zulmar Duarte de Oliveira Jnior........................................................................................... 205

    SEGUNDA PARTE TEMAS GERAIS

    REPERCUSSO GERAL DOS DIREITOS HUMANOS Alexandre Fernandes Dantas .................................................................................................. 222

    A LUTA CONTRA O TEMPO NOS PROCESSOS JUDICIAIS: UM PROBLEMA AINDA BUSCA DE UMA SOLUO Andre Vasconcelos Roque ..................................................................................................... 237

    O PODER JUDICIRIO E A EFETIVAO DE POLTICAS PBLICAS: A MEDIAO COMO PADRO DE ATUAO NOS PROCESSOS COLETIVOS Dbora Dias Thom .........................................................................................................264

    O CASE MANAGEMENT INGLS: UM SISTEMA MADURO? Diogo Assumpo Rezende de Almeida ................................................................................ 288

    PROCESSO E (PS) MODERNIDADE: TRAOS INQUISITRIO-RACIONALISTAS NO DIREITO PROCESSUAL CONTEMPORNEO Fernando Hoffmam, Larissa Nunes Cavalheiro, Valria Ribas do Nascimento .................... 339

    TICA ARISTOTLICA E PROCESSO Guilherme Luis Quaresma Batista Santos .............................................................................. 363

    RECURSOS EXCEPCIONAIS E VALORAO DE PROVAS Layla Gonalves Hatab, Magareth Vetis Zaganelli................................................................ 378

    A BARREIRA INTRANSPONVEL DAS GARANTIAS INDIVIDUAIS: IMPROPRIEDADE DO ABUSO DE DEFESA NO PROCESSO PENAL Leonardo Costa de Paula ........................................................................................................ 397

    EMBARGOS DE DECLARAO Leonardo Greco ...................................................................................................................... 418

    A LEGITIMIDADE PASSIVA DO SUPERINTEDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL NO MANDADO DE SEGURANA COLETIVO Lucas de Lima Carvalho......................................................................................................... 436

    LIMITES CONSTITUCIONAIS EDIO DE SMULA POR TRIBUNAL SUPERIOR. ANLISE DA SMULA 331, I, DO TST Lus Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos .................................................................... 456

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    OS RECALLS COMO TENTATIVA DE INIBIO DAS AES COLETIVAS PARA O RESSARCIMENTO DOS DANOS AO CONSUMIDOR Marco Flix Jobim.................................................................................................................. 481

    LEI N. 12.016/09 ASPECTOS POLMICOS DA NOVA LEI DO MANDADO DE SEGURANA Paulo Henrique dos Santos Lucon.......................................................................................... 494

    A INCONSTITUCIONALIDADE DA INELEGIBILIDADE ANTES DO TRNSITO EM JULGADO DE DECISO PENAL CONDENATRIA E A SUBVERSO DA PRESUNO DE INOCNCIA Rodrigo Fernandes.................................................................................................................. 510

    COLETIVIZAO DAS AES COMO INSTRUMENTO DE CONCESSO DE EFICCIA Rodrigo Lemes Torres ............................................................................................................ 532

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    PRIMEIRA PARTE

    ESTUDOS SOBRE O PROJETO DE NOVO CDIGO DE PROCESSO

    CIVIL

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    ASPECTOS PROCESSUAIS DA EXECUO DE BENS EM RAZO DA DESCONSIDERAAO DA PERSONALIDADE JURDICA E INOVAES NO

    PROJETO DO CPC

    Ana Cristina Baruffi Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados UFGD. Advogada. Especialista em Metodologia do Ensino Superior pelo Centro Universitrio da Grande Dourados UNIGRAN. Mestranda em Direito Processual Civil, subrea Processo e Cidadania, Linha de Pesquisa Relaes Negociais pela Universidade Paranaense UNIPAR. Bolsista da CAPES.

    Resumo: A unio de esforos de pessoas fsicas com objetivo comum faz criar, no mundo jurdico, as pessoas jurdicas, atravs das sociedades, em suas diversas formas. Por ser pessoa, com seu nascimento adquire personalidade jurdica, cujos deveres podem ser estendidos aos scios pela aplicao da desconsiderao da personalidade jurdica. Busca o presente trabalho bibliogrfico demonstrar que, a depender do tipo societrio, no processo judicial, em que foi aplicado o princpio, poder ou no haver a necessidade de citao do scio para execuo de seus bens. Para complementar, apresenta o tratamento da matria no Projeto do Novo Cdigo de Processo Civil.

    Abstract: The union of efforts of natural person with equal objectives makes, in the juridical world, the legal entity, by the societies in their many ways. Because its a person, with its birth purchase corporate existence which obligations can be extended to theirs members by the disgard doctrine. This paper seeks to demonstrate that, depending on the type of company in the lawsuit, which was introduced that principle, may or may not be necessary to summon the member for enforcement of their property. Despite, presents the treatment of matter in the design of the New Code of Civil Procedure

    Palavras-Chave: Processo Civil. Execuo. Scios. Desconsiderao da Personalidade Jurdica. Citao.

    Keywords: Civil Procedure. Judicial Execution. Members. Disregard Doctrine. Summon.

    Sumrio: 1. Introduo 2. Responsabilidade dos scios 3. A Desconsiderao da Personalidade Jurdica a) Breve memria histrica b) Teorias da desconsiderao da personalidade jurdica 4. Possibilidade de penhora de bens pessoais de terceiros questo procedimental: a citao 5. A desconsiderao da personalidade jurdica e o

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    Projeto do Cdigo de Processo Civil 6. Consideraes Finais 7. Referencias Bibliogrfica.

    1. Introduo

    muito frequente pessoas fsicas unirem esforos para um objetivo comum, por exemplo, atuar no mercado financeiro. Quando isso acontece, h a constituio de sociedades1. No direito brasileiro, a sociedade empresria sempre constituda a partir de um contrato. Seja o contrato social da sociedade constituda em razo da pessoa dos scios, seja o contrato social nsito no estatuto da sociedade por aes. A sociedade empresria sempre produzida por um contrato; uma sociedade contratual, cuja personalidade jurdica surge quando devidamente registrada na Junta Comercial.2

    Assim como as pessoas fsicas, as pessoas jurdicas tambm possuem capacidade jurdica e personalidade. E as adquirem no seu nascimento, ou seja, a partir do devido registro no rgo competente; na Junta Comercial, para as sociedades empresrias ou no Registro Civil de Pessoas Jurdicas, no caso de sociedades simples. Como salienta Barreto,3 A partir do registro que se inicia a existncia legal da sociedade, cessando esta aps a partilha do acervo remanescente entre os scios, se houver, no caso de liquidao, judicial ou extrajudicial. Esse tambm o comando normativo expresso no art. 45 do Cdigo Civil Brasileiro: Comea a existncia legal das pessoas jurdicas de direito privado com a inscrio do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessrio, de autorizao ou aprovao do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alteraes por que passar o ato constitutivo.

    Como ressalta Hentz,4 A personalidade jurdica, alis, se destaca, na teoria da empresa como sendo um atributo da empresa, mesmo considerando a legislao vigente. Quando uma sociedade no devidamente registrada, logo sociedade

    1 Dependendo do fim a que se destinam, podem ser associaes ou sociedades. As associaes,

    disciplinadas no art. 53 do Cdigo Civil de 2002, caracterizam-se por conjugarem esforos comuns, para atividades no econmicas, enquanto as sociedades civis ou empresrias visam a unio de esforos para a realizao de fins econmicos. 2 FAZZIO JNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 7. ed. So Paulo: Atlas, 2006, p. 160.

    3 BARRETO, Leonardo Lumack do Monte. Desconsiderao Da Personalidade Jurdica: Aspectos Gerais

    E Processuais Do Instituto in Revista da ESMAPE / Escola Superior da Magistratura de Pernambuco v. 10. n . 21 jan/jun 2005, p. 351. 4 HENTZ, Luiz Antonio Soares. Direito de empresa no Cdigo Civil de 2002. 2. ed. So Paulo: Editora

    Juarez de Oliveira, 2003. P. 80

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    irregular, ela no considerada pessoa jurdica para os devidos fins. Neste caso, pessoa fsica e pessoa jurdica se confundem, tornando-se um s ente. A capacidade da pessoa jurdica decorre da lei, aps preencher os requisitos necessrios para sua constituio e registro.

    Como destacado, com o registro que a sociedade adquire capacidade e personalidade, podendo exercer direitos e cumprir os deveres que lhe so compatveis. Serpa Lopes5 salienta que a pessoa jurdica aps adquirir a capacidade

    [...] pode exercer todos os direitos subjetivos, com exceo dos prprios ao ente humano, como ser biolgico, ou, por outras palavras, a pessoa jurdica tem capacidade para o exerccio de todos os direitos compatveis com a natureza especial de sua personalidade. [...]. E quanto sua capacidade, dentro dos limites prprio de sua natureza, ela a mais ampla possvel, no comportando qualquer restrio.

    Ou seja, fora atos prprios das pessoas fsicas, como casamento entre outros, a pessoa jurdica pode atuar no mundo jurdico tanto quanto ou mais, dentro dos seus limites.

    Observa-se, que a sociedade, quando constituda e regularmente registrada na Junta Comercial ou no Registro de Pessoas Jurdicas, conforme o caso, adquire uma autonomia perante os seus scios, ou seja, ela tem existncia distinta destes. Essa autonomia pode ser verificada nas seguintes situaes: nome prprio (que pode ser firma quando o nome da Pessoa Jurdica identifica-se com a Pessoa Fsica, como no caso Jos Floriano, Livros Tcnicos, ou denominao - quando o ncleo central do nome composto por qualquer expresso lingustica, como por exemplo, Marmix

    distribuidora de chocolates Ltda); domiclio prprio; nacionalidade prpria; e em especial, patrimnio prprio, pois sero os bens da sociedade que respondero pelos atos da pessoa jurdica.

    neste ponto, no patrimnio prprio, que Fbio Ulhoa Coelho6 justifica o alicerce da pessoa jurdica, ao sustentar que Da personalizao das sociedades empresrias decorre o princpio da autonomia patrimonial, que um dos elementos fundamentais do direito societrio. Em razo desse princpio, os scios no respondem, em regra, pelas obrigaes da sociedade.

    5 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 8.ed.rev.aum. Rio de Janeiro: Editora Freita

    Bastos, 1996, v. 1. p. 374. 6 COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. So Paulo: Saraiva, 2010, v.. 2 p. 15-16.

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    Todavia, quando violados os direitos inerentes pessoa jurdica, ou praticados pela pessoa jurdica, atravs de seus prepostos, atos atentatrios ao Direito, esta autonomia patrimonial no pode ser sustentada. Nesse sentido o artigo 50 do Cdigo Civil, sensvel problemtica, dispe:

    Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurdica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confuso patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministrio Pblico, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigaes sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou scios da pessoa jurdica.

    Logo, o dano deve ser reparado, mesmo que para isso tenha que se buscar o patrimnio dos administradores e dos scios.

    2. Responsabilidade dos scios

    A legislao brasileira contempla para cada tipo de sociedade uma srie de hipteses de responsabilidade dos scios e administradores, podendo ser solidria ou subsidiria, e ainda limitada ou ilimitada. Nos ltimos tempos, a responsabilidade dos administradores vem se intensificando ainda mais com a aplicao da teoria da desconsiderao da personalidade jurdica. Conforme salienta Bueno,7

    A responsabilidade civil dos scios acontece face ao capital social (o limite o capital social). O scio, conforme o tipo societrio, responde pelo total ou apenas pela sua parte. Quer isso dizer que o capital social corresponde a um seguro ou a uma fiana no limite do respectivo valor, que os scios assinam perante os credores da sociedade.

    Em considerao a responsabilidade do scio, pode-se dividir o tipo de sociedade em trs grupos de responsabilidade: limitada, mista ou ilimitada.

    A rigor, as sociedades com responsabilidade limitada, em que se encontram as sociedades limitadas e as sociedades annimas, respondem com a totalidade de seu patrimnio por todos os compromissos sociais assumidos. Com relao aos scios, a responsabilidade sempre subsidiria, de tal sorte que sero chamados para solver os

    7 BUENO, J. Hamilton. Desconsiderao da personalidade jurdica. Doutrina e Jurisprudncia. Aspectos materiais e processuais. In BUENO, Cssio Scarpinella (coord). Impactos Processuais do Direito Civil. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 97.

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    dbitos sociais, at o limite da integralizao do capital social, desde que caracterizada a insolvncia da empresa 8. Faz-se oportuno destacar que,

    vista do disposto no art. 1024 do CC e do art. 59 do CPC, que asseguram aos scios o direito de exigirem o prvio exaurimento do patrimnio social, a subsdiariedade a regra na responsabilizao deles por obrigaes da sociedade. Quando a lei qualifica de solidria a responsabilidade dos scios ao delimitar a dos membros da Nome Coletivo (CC, art. 1039), dos comanditados da Comandita Simples (art. 1045), dos diretores da sociedade da Comadita por aes (art. 1052) , ela se refere s relaes entre eles; quer dizer, se um scio descumpre sua obrigao, esta pode ser exigida dos demais. 9

    E ainda destacam Zanoti et al.:

    Portanto, diante de uma empresa constituda sob a caracterstica de "responsabilidade limitada, o eventual credor deve levar em considerao que a garantia de recebimento dos seus crditos est limitada ao valor do capital social dela, vez que a responsabilidade dos scios limita-se to somente a integraliz-lo. Em ocorrendo a inadimplncia da empresa, a responsabilidade individual de cada scio estende-se, solidariamente, plena integralizao das cotas subscritas pelos outros scios que, eventualmente, estejam em mora perante a sociedade. Contudo, ainda assim, a garantia que se pode proporcionar aos credores no ultrapassa ao montante contabilizado sob a rubrica de Capital Social.

    A propsito disso, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ribeiro da Costa, no julgamento do RE 21.742-SP da1. Turma j em 16 de junho de 1954 assim se pronunciava:

    Como os scios da sociedade em nome coletivo, os da por cotas, tambm, e com acerto de cotistas chamados, respondem solidariamente pelas obrigaes e dvidas sociais. Aqueles, ilimitadamente. Estes limitadamente, at o montante do capital social. Esta responsabilidade, todavia, apura-se em caso de falncia. S nesse caso. Fora dele no.

    Todavia, h de se salientar que:

    [...] se o capital j houver sido integralizado, isto , se todas as cotas estiverem inteiramente liberadas, nenhum cotista, como tal, poder ser compelido a fazer qualquer prestao. Nada deve ele, nem sociedade, nem aos credores dela, cuja garantia repousa exclusivamente (como na annima) sobre o patrimnio social.10

    8 ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho; MENDES, Marcelo Dorcio; ZANOTI, Andr Luiz Depes.

    Responsabilidade dos scios no mbito das sociedades limitadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1382, 14 abr. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 28 set. 2010. 9 COELHO, op. cit. p. 116.

    10 BORGES, Joo Eunpio. Curso de direito comercial e terrestre. Rio de Janeiro: 1967 p. 321

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    Assim, confere-se que somente com a plena integralizao do capital social de uma sociedade de responsabilidade limitada que se libera o cotista de ter que assumir o mencionado encargo suplementar. Esse entendimento, pacfico no Supremo Tribunal de Justia, decorre da interpretao do artigo 1.016 do Cdigo Civil quando comprovado que se o scio-cotista no exercer atos que so prprios do administrador, nem participar de deliberaes eivadas de irregularidades, que resultem em transtornos legais ou financeiros para a empresa, ele no responder, com os seus bens pessoais, pela soluo de dbitos sociais.

    Ao lado das sociedades com responsabilidade limitada, temos as sociedades com responsabilidade ilimitada, em que todos os scios respondem ilimitadamente pelas obrigaes sociais.11 Nesta categoria se encontram as sociedades em nome coletivo e sociedades irregulares.

    E por ltimo as sociedades mistas possuem scios de ambos os outros grupos: alguns com responsabilidade ilimitada e outros com responsabilidade limitada. Nesta categoria temos as sociedades em comandita simples (com o scio comanditado responsvel ilimitado e scios comanditrios responsvel limitados) e comandita por aes (scios diretores com responsabilidade ilimitada e acionistas limitada).

    3. A desconsideraao da personalidade jurdica

    3.1. Breve memria histrica

    A teoria da desconsiderao da personalidade jurdica, diferentemente de muito do que h no direito, no decorre da cincia jurdica, mas da prtica jurdica atravs da jurisprudncia, em especial a dos Estados Unidos da Amrica no comeo do sculo XIX com o objetivo de coibir fraudes ou abuso de direito pelas sociedades.

    Afirma Bueno12 que, muito embora se atribua o marco inicial para o desenvolvimento desta teoria ao julgado Salomon x Salomon & CO., ocorrido no ano de 1897 na Inglaterra, foi encontrado um julgado anterior nos Estados Unidos da Amrica, no ano de 1890, que pode ser considerado como leading case para o desenvolvimento

    11 COELHO, Fbio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 21.ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 116.

    12 BUENO, op. cit. p. 86.

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    deste instituto, no caso Bank of United States x Deveaux quando o juiz decidiu por estender aos scios os efeitos da personalidade da entidade da qual faziam parte.

    No Brasil, a teoria foi se desenvolvendo aos poucos, atravs de decises judiciais e estudos doutrinrios com destaque especial a Rubens Requio, o primeiro doutrinador a tratar do instituto adequando-o ao ordenamento jurdico ptrio, e Fbio Konder Comparato que, diante da autonomia patrimonial da sociedade o idealizador da teoria da desconsiderao da personalidade jurdica com pressupostos objetivos [...] bastaria to somente a confuso patrimonial dos bens do scio com os da sociedade, para que o Judicirio aplicasse a teoria da desconsiderao.13

    3.2. Teorias da desconsiderao da personalidade jurdica

    Na esteira da doutrina de Fbio Ulhoa Coelho14, a desconsiderao da personalidade jurdica possui duas teorias, a maior e a menor.

    A teoria maior, tambm pode ser denominada como teoria subjetiva, est condicionada constatao de fraude ou abuso de direito, que seriam critrios subjetivos para ensejar a desconsiderao da personalidade jurdica. O precursor dessa teoria no Brasil foi Rubens Requio15 que ensina,

    Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurdica, o juiz brasileiro em o direito de indagar, em seu livre convencimento, se h de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurdica, para, penetrando em seu mago, alcanar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilcitos ou abusivos.

    Por outro lado, a teoria menor da desconsiderao da personalidade jurdica ope-se ao subjetivismo da proposta maior. No h preocupao em definir se houve ou no fraude ou abuso de direito pelos scios na conduo da sociedade. Teoria difundida por Fbio Konder Comparato estabelece um conjunto de fatores objetivos que fundamentariam a aplicao do instituto. Seriam eles: ausncia do pressuposto formal estabelecido em lei, desparecimento do objetivo social especfico ou do objetivo social e confuso entre estes e uma atividade ou interesse individual de um scio.

    13 Ibidem, p. 90.

    14 COELHO, op. cit.

    15 REQUIO, Rubens. Abuso de direito e fraude atravs da personalidade jurdica (disregard doctrine).

    In: Enciclopdia Saraiva do Direito. So Paulo: Saraiva, 1977, p. 61

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    Inobstante a existncia de duas teorias, no ordenamento jurdico do Brasil aplica-se a teoria maior, como se verifica pelo julgado REsp 970.635/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3 Turma, j. em 10/11/2009, DJe 01/12/2009, abaixo do Superior Tribunal de Justia:

    Processual civil e civil. Recurso especial. Ao de execuo de ttulo judicial. Inexistncia de bens de propriedade da empresa executada. Desconsiderao da personalidade jurdica. Inviabilidade. Incidncia do art. 50 do CC/02. Aplicao da Teoria Maior da Desconsiderao da Personalidade Jurdica. - A mudana de endereo da empresa executada associada inexistncia de bens capazes de satisfazer o crdito pleiteado pelo exequente no constituem motivos suficientes para a desconsiderao da sua personalidade jurdica. - A regra geral adotada no ordenamento jurdico brasileiro aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsiderao, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. - Salvo em situaes excepcionais previstas em leis especiais, somente possvel a desconsiderao da personalidade jurdica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsiderao), caracterizado pelo ato intencional dos scios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurdica, ou quando evidenciada a confuso patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsiderao), demonstrada pela inexistncia, no campo dos fatos, de separao entre o patrimnio da pessoa jurdica e os de seus scios. Recurso especial provido para afastar a desconsiderao da personalidade jurdica da recorrente. (grifo nosso)

    Em que pese a teoria adotada, para a aplicao do instituto da desconsiderao da personalidade jurdica faz-se necessrio o ajuizamento de ao, como ser abaixo demonstrado.

    4. Possibilidade de penhora de bens pessoais de terceiros questo procedimental: a citao

    Uma vez ajuizado o processo (que pode ser tanto de conhecimento, em fase de cumprimento de sentena, como de execuo) em face da pessoa jurdica e demonstrada a necessidade de aplicar o instituto da desconsiderao da pessoa jurdica diante da comprovada fraude a execuo ou abuso de poder, h que se frisar como se dar a execuo forada aos bens do scio responsvel, ou dos demais scios, dessa sociedade.

    Em primeiro, h que levar em considerao qual a participao deste scio (cujos bens sero atingidos e buscados para solver a dvida executada) na sociedade, ou seja, sua responsabilidade: se limitada (Sociedade por Aes, Limitada, Comandita Simples - Comanditrio, e Comandita por aes - Acionista) ou ilimitada (Simples, Comandita por aes Scio diretores, Comandita Simples - Comanditado, em Nome

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    Coletivo ou Sociedade Irregular). Como aduz Campinho16 a responsabilidade pelas dvidas da sociedade no fato indissocivel da condio de scio, dependendo do contexto societrio no qual ele est inserido.

    Pode-se questionar que diferena far saber ou no o tipo de responsabilidade para questes processuais? Ora, saber a exata qualificao do scio mostrar a necessidade ou no da citao pessoal do scio para que seus bens sejam atingidos pela execuo.

    sabido que somente com a citao vlida que se perfectibiliza a relao jurdica processual, logo sua inexistncia inviabiliza um desenrolar perfeito do processo judicial. Ser um processo vicioso. Nesse diapaso, o Superior Tribunal de Justia no Recurso Especial 12.685-SP assim se manifestou:

    Nula a citao, no se constitui a relao jurdica processual e a sentena no transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, ser declarada nula, em ao com esse objetivo, ou em embargos execuo, se o caso (CPC, art. 741, I) Intentada a rescisria, no ser possvel julg-la procedente, por no ser o caso de resciso. Dever ser, no obstante, declarada a nulidade do processo a partir do momento em que se verificou o vcio. (sem grifo no original)

    Surge dvida quanto como ser realizada a penhora dos bens particulares do scio ou responsvel pela pessoa jurdica. Ou seja, o responsvel ou scio (p.ex., scio cujo nome no conste na CDA), para que seus bens sejam atingidos pela execuo, deve ser citado pessoalmente ou no?

    Na doutrina brasileira existem duas teorias sobre a forma de aplicao processual do instituto do disregard doctrine levando em considerao o momento oportuno e a forma como o juiz deve aplic-lo.

    De forma sinttica, para a primeira corrente, uma vez considerado ser aplicado o instituto da desconsiderao da pessoa jurdica haveria a necessidade de ajuizar via processo autnomo (uma ao de conhecimento paralela ao executiva ou cumprimento de sentena), agora em face do scio ou representante da pessoa jurdica, no mais a pessoa jurdica. Isso porque o objetivo formar um novo ttulo executivo judicial que permita, assim, a invaso na esfera patrimonial do novo devedor.17

    16 CAMPINHO, Srgio. O Direito de Empresa Luz do Novo Cdigo Civil. Rio de Janeiro: Renovar,

    2003, p. 91. 17

    Nesse sentido TJSC AI 2005.014928-0, Caador, Des. Fernando Carioni. AGRAVO DE INSTRUMENTO - AO DE EXECUO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR

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    Ao levar em considerao a teoria maior da desconsiderao da pessoa jurdica, para qual o magistrado no pode declarar a ruptura da autonomia patrimonial em despacho em processo de execuo ou cumprimento de sentena, salienta Fbio Ulhoa Coelho18 que: No correto o juiz, na execuo, simplesmente determinar a penhora de bens do scio ou administrador, transferindo para eventuais embargos de terceiros a discusso sobre a fraude, porque isto significaria uma inverso do nus probatrio.

    Justifica-se, pois, ao se declarar a responsabilidade via ao executiva o magistrado acaba adotando a teoria menor da desconsiderao da personalidade jurdica, baseados nos pressupostos de insolvibilidade e insatisfao do crdito 19 (que simplifica a discusso) para eventual discusso em embargos de terceiro, o que implica na responsabilizao dos scios demandados sem atendimento ao devido processo legal a uma por no terem participado da lide do processo de conhecimento e a dois, por no ser-lhe proporcionado a discusso da matria da sentena em razo da coisa julgada, contrariando em todos os aspectos o disposto na Constituio Federal.

    A segunda corrente, ao contrrio, sustenta que o instituto da desconsiderao da pessoa jurdica no se d de forma autnoma, mas sim incidental, nos autos da prpria execuo ou cumprimento de sentena diante da demonstrao probatria de fraude ou m utilizao da pessoa jurdica. Deste ponto em diante poder incidir constrio sobre os bens particulares dos scios ou responsvel da pessoa jurdica ou ainda de outras pessoas jurdicas (se houver), mas nunca fazendo com que esses terceiros passem a fazer parte da execuo.

    Nesse sentido encontra-se o REsp 332763 / SP, Recurso Especial n. 2001/0096894-8 da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, pela Terceira Turma, julgado em 30/04/2002:

    Processual Civil. Recurso especial. Ao de embargos do devedor execuo. Acrdo. Revelia. Efeitos. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administrao sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Gesto fraudulenta. Desconsiderao da personalidade jurdica

    SOLVENTE - DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA - COMPROVAO INEXISTENTE - NECESSRIA INSTAURAO DE PROCESSO COGNITIVO - RECURSO PROVIDO Para a aplicao da teoria da desconsiderao da personalidade jurdica, por ser medida excepcional, possibilitando a penhora de bens particulares dos scios, indispensvel a dilao probatria pela propositura de processo de conhecimento, no qual se busca comprovar que os scios agiram, alternativamente, com abuso de direito, desvio de poder, fraude lei, violao aos estatutos ou ao contrato social ou em palmar prejuzo a terceiros. 18

    COELHO, op. cit., p. 55 19

    BUENO, op. cit., p. 93.

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    da pessoa jurdica devedora. Extenso dos efeitos ao scio majoritrio e s demais sociedades do grupo. Possibilidade. - A presuno de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face revelia do ru relativa, podendo ceder a outras circunstncias constantes dos autos, de acordo com o princpio do livre convencimento do Juiz. Precedentes. - Havendo gesto fraudulenta e pertencendo a pessoa jurdica devedora a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurdicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, legitima a desconsiderao da personalidade jurdica da devedora para que os efeitos da execuo alcancem as demais sociedades do grupo e os bens do scio majoritrio. - A aplicao da teoria da desconsiderao da personalidade jurdica dispensa a propositura de ao autnoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidncia, poder o Juiz, incidentemente no prprio processo de execuo (singular ou coletivo), levantar o vu da personalidade jurdica para que o ato de expropriao atinja os bens particulares de seus scios, de forma a impedir a concretizao de fraude lei ou contra terceiros. (sem grifo no original)

    E ainda, Processo civil. Recurso ordinrio em mandado de segurana. Falncia. Grupo de sociedades. Estrutura meramente formal. Administrao sob unidade gerencial, laboral e patrimonial. Desconsiderao da personalidade jurdica da falida. Extenso do decreto falencial s demais sociedades do grupo. Possibilidade. Terceiros alcanados pelos efeitos da falncia. Legitimidade recursal. - Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando as diversas pessoas jurdicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, legtima a desconsiderao da personalidade jurdica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. - A aplicao da teoria da desconsiderao da personalidade jurdica dispensa a propositura de ao autnoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidncia, poder o Juiz, incidentemente no prprio processo de execuo (singular ou coletiva), levantar o vu da personalidade jurdica para que o ato de expropriao atinja os bens particulares de seus scios, de forma a impedir a concretizao de fraude lei ou contra terceiros. Os terceiros alcanados pela desconsiderao da personalidade jurdica da falida esto legitimados a interpor, perante o prprio Juzo Falimentar, os recursos tidos por cabveis, visando defesa de seus direitos. (STJ, Terceira Turma, RMS 14168 / SP, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJ 05.08.2002 p. 323 sem grifo no original)

    Barreto20 entende que, neste caso, ainda que seja incidental a aplicao do instituto, a petio inicial da execuo ou ainda do processo de conhecimento deve

    20 BARRETO, op. cit. p. 362. E ainda, sobre o assunto: Desta forma, se no momento da propositura da

    ao o autor no possuir razes para pedir a desconsiderao da personalidade jurdica, ela ser proposta apenas contra a pessoa jurdica. Contudo, se for verificado no transcorrer do processo de conhecimento ou de execuo, qualquer das hipteses que autorizam a desconsiderao, poder o juiz, de ofcio, ou a requerimento da parte, desconsiderar a pessoa jurdica, a fim de que os scios ou administradores sejam considerados responsveis. Haver, neste caso, a incluso no plo passivo da ao de mais um indivduo, tudo em conformidade com o artigo 592, II e 596 do Cdigo de Processo Civil. p. 363.

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    conter alm da qualificao da pessoa jurdica no plo passivo, a nomeao dos scios. Quando houver apenas a pessoa jurdica o processo deve ser julgado improcedente.

    Nesse caso, o juiz s poder desconsiderar a personalidade jurdica por meio de ao cognitiva prpria, movida pelo credor da sociedade contra os scios ou administradores. A ao dever ser movida em face destes ltimos e no contra a sociedade empresria, haja vista os atos de improbidade terem se originado dos scios ou controladores da sociedade, sobre quem recai a responsabilidade pelos prejuzos causados. Demandar contra a sociedade, nesse caso, seria inadequado, haja vista o autor buscar a responsabilizao dos scios ou administradores, sendo a sociedade parte ilegtima para figurar no plo passivo da lide, devendo o processo ser extinto (em relao sociedade), sem julgamento do mrito. Dever, ainda, o credor demonstrar a presena (provas concretas e no apenas indcios) de fraude ou abuso.

    Todo esse tratamento decorre exclusivamente do princpio da desconsiderao da personalidade jurdica, pois caso contrrio, haver confuso patrimonial e no respeito ao princpio do devido processo legal, o que no se verifica, como ser demonstrado mais adiante, em relao responsabilidade ilimitada do scio.

    Qualquer discusso seria ento debatida em sede de embargos21 do devedor22 (art. 736, 741 e 744 CPC); exceo de pr-executividade23; embargos de terceiro24 (art. 1046 e seguintes do CPC); embargos arrematao ou adjudicao25 (art. 746 CPC) ou impugnao (art. 475-L CPC)26.

    Esse entendimento, da necessidade de realizar a citao pessoal do scio, que eventualmente pode ter seus bens constritos pela execuo, no novidade no mbito de nossos tribunais. Nesse sentido TJSE Apelao Cvel n. 2612/2009 de relatoria do Desembargador Cezrio Siqueira Neto:

    Fazendo uma breve ponderao sobre o emprego da disregard doctrine,

    21 Jos Haroldo Cintra Gonalves Pereira entende ser profunda a relao do instituto da desconsiderao

    da pessoa jurdica e os embargos de terceiros isso porque para ser aplicada pressupe a responsabilidade secundria do scio que permite a invaso patrimonial (PEREIRA, Jose Haroldo Cintra Gonalves. Dos embargos de terceiro. So Paulo, Atlas, 2002, p. 43-46. Nesse sentido: TJSC Ap.Cv. 2002.017923-5, 3 Cmara de Direito Civil, Des. Fernando Carioni: A insurgncia dos scios que tiveram seus bens particulares penhorados deve se dar por meio de embargos de terceiro e no por embargos do devedor opostos pela empresa executada. 22

    Cabvel nas execues iniciais, ou seja, ajuizada contra o scio em litisconsrcio e aps a penhora. 23

    Pode ser utilizando nas execues iniciais ou ulterior (responsabilidade do scio decorrente de ttulo executivo judicial ou extrajudicial) e antes da penhora exatamente para evitar o constrangimento ilegal dela resultante, no caso de execuo absolutamente nula quanto ao devedor excipiente (BUENO, op. cit. p. 109). 24

    Cabvel quando o scio se torna legitimado passivo ulterior em decorrncia da desconsiderao. 25

    Cabvel tanto no ajuizamento inicial como no ulterior. 26

    Cabvel em fase de cumprimento de sentena.

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    cedio que o patrimnio dos scios pode ser destinado a solver dvidas contradas pela pessoa jurdica, desde que presentes alguns requisitos. O novo Cdigo Civil dispe sobre a questo em seu art. 50, in verbis: "Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurdica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confuso patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministrio Pblico quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relaes de obrigaes sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou scios da pessoa jurdica." O Cdigo de Processo Civil tambm prev a responsabilidade patrimonial dos scios por dvidas contradas pela sociedade, ante a prtica de atos a frustrar a execuo, em seus arts. 592, II, e 596. Art. 592. Ficam sujeitos execuo os bens: II - do scio, nos termos da lei; (...) Art. 596. Os bens particulares dos scios no respondem pelas dvidas da sociedade seno nos casos previstos em lei; o scio, demandado pelo pagamento da dvida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade. A teoria da desconsiderao da Personalidade Jurdica vem sendo aplicada a fim de que o patrimnio dos scios e administradores de empresas seja alcanado para a quitao de dvidas contradas em nome da pessoa jurdica. Todo o histrico do surgimento e desenvolvimento da disregard doctrine remete necessidade de se impedir abusos e fraudes pela utilizao da autonomia patrimonial da pessoa jurdica. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho explanando sobre desconsiderao da personalidade jurdica, disseram que: Segundo a novel regra legal, a desconsiderao ser possvel, a requerimento da parte ou do Ministrio Pblico, quando lhe couber intervir, se o abuso consistir em: a) desvio de finalidade; b) confuso patrimonial. No primeiro caso, desvirtuou-se o objetivo social, para se perseguirem fins no previstos contratualmente ou proibidos por lei. No segundo, a atuao do scio ou administrador confundiu-se com o funcionamento da prpria sociedade, utilizada como verdadeiro escudo, no se podendo identificar a separao patrimonial entre ambos. (In, Direito Civil, Parte Geral, vol. I, 5 ed., Editora Saraiva, 2004, p. 236)

    Tambm o Superior Tribunal de Justia j se manifestou nesse sentido no julgamento do REsp 686112 / RJ RECURSO ESPECIAL 2004/0133803-4 da relatoria do Ministro Joo Otvio de Noronha, da Quarta Turma do STJ, publicado no DJe 28/04/2008:

    PROCESSO CIVIL. VIOLAO DO ART. 535, II, DO CPC. NO-OCORRNCIA. EXECUO. DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA. PENHORA DOS BENS DO SCIO. NECESSIDADE DE CITAO. DIVERGNCIA JURISPRUDENCIAL. NO-COMPROVAO. 1. No h por que falar em violao do art. 535, II, do CPC nas hipteses em que o acrdo recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declarao, dirime, de forma expressa, as questes suscitadas nas razes recursais. 2. Impe-se a citao do scio nos casos em que seus bens sejam objeto de penhora por dbito da sociedade executada que teve a sua personalidade jurdica desconsiderada. 3. No se conhece da divergncia jurisprudencial quando no demonstra o recorrente a identidade de bases fticas entre os julgados indicados como divergentes.

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    4. Recurso especial no-conhecido.

    A propsito, Ramos27 comenta:

    Outro aspecto processual relevante acerca da aplicao da teoria da desconsiderao no decorre da simples leitura do art. 50 do CC, mas do respeito aos postulados do devido processo legal, assegurados s partes pela Constituio da Repblica em seu art. 5, inciso, LV. Sendo assim, em qualquer processo no qual for requerida a desconsiderao da personalidade jurdica deve o juiz determinar a oitiva das partes interessadas, ou seja, daqueles cujos bens podem ser atingidos em decorrncia da desconsiderao.

    Assim, a partir do momento em que determinada pessoa se torna responsvel por saldar dvida executada em juzo, perde a qualidade de terceiro e passa a ser devedora tambm. Nesse caso, dever integrar a relao processual como parte, vez que inadmissvel a constrio de bens pertencentes pessoa alheia lide. Apenas aps a citao, quando ser prestada homenagem ao princpio constitucional do contraditrio, que a execuo ou cumprimento de sentena poder recair sobre aquele que assumiu a responsabilidade do devedor original. Assim, a desconsiderao da personalidade jurdica servir busca de outros legitimados a integrar o plo passivo da execuo. Ressaltando-se que, em casos tais, os scios ou demais empresas pertencentes a um mesmo grupo assumiro a qualidade de parte, sendo-lhes garantidos os mesmos meios de defesa de que dispe o devedor.

    Destacando que, vedada a extenso dos efeitos de obrigaes da pessoa jurdica aos bens particulares de scio e ou de administrador que no tenha praticado ato abusivo da personalidade, mediante desvio de finalidade ou confuso patrimonial, em detrimento dos credores da pessoa jurdica ou em proveito prprio.28

    Em razo disso h a necessidade de se realizar tanto a citao como a intimao do scio para que a extenso dos efeitos das obrigaes no atinja scio desobrigado de responsabilizao e isso ser verificado atravs da ampla defesa e do contraditrio (para os adeptos da primeira corrente atravs de contestao, para os da segunda corrente, via embargos ou impugnao).

    Porm o mesmo tratamento no recebe o scio com responsabilidade ilimitada. Um dos pressupostos para a existncia do instituto da desconsiderao da personalidade a autonomia patrimonial da pessoa jurdica. Quando se fala em sociedades com

    27 RAMOS, Andr Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3.ed. Salvador: Editora Jus Podivm,

    2009, p. 342. 28

    BARRETO, op. cit. p. 360.

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    responsabilidade ilimitada no h autonomia patrimonial entre os scios e a sociedade, h, pelo contrrio, confuso.

    Como salienta Barreto:29 [...] a teoria da desconsiderao da personalidade jurdica aplica-se apenas sobre os entes dotados de personalidade jurdica distinta da de seus membros, objetivando responsabilizar seus scios ou administradores que porventura tenham praticado atos abusivos ou fraudulentos por intermdio do uso da pessoa jurdica. No se trata de anular a pessoa jurdica, mas apenas desconsiderar sua personalidade em um determinado caso concreto, permanecendo vlida para todos os outros efeitos.

    Logo, no so todos os tipos societrios que podem ter sua personalidade desconsiderada judicialmente para a invaso do patrimnio do scio apenas a sociedade limitada e a sociedade por aes. Porm, apenas quando houver scio com responsabilidade limitada que dever haver a citao ou intimao (quando o scio j compuser o plo passivo) pessoal do scio para eventual restrio de seus bens pessoais exatamente por haver uma autonomia patrimonial o que no se verifica nos casos de responsabilidade ilimitada. Citar, nesta situao, acaba sendo um artifcio contrrio a celeridade.

    5. A desconsiderao da personalidade jurdica e o projeto do cdigo de processo civil

    O instituto da desconsiderao da personalidade jurdica no passou despercebido pelos redatores do projeto de lei do novo Cdigo de Processo Civil n. 8046/2010. A matria tratada em captulo prprio, Captulo II, como incidente processual, nos artigos 77, 78 e 79 e no artigo 719 e seus quatro pargrafos.

    O instituto, se requerido pela parte ou pelo Ministrio Pblico, ser aplicado pelo juiz por via incidental, sofrendo os bens particulares dos administradores, scios ou de empresas do mesmo grupo econmico constrio, sejam eles tanto presentes como futuros.

    Diferentemente do anteprojeto, o Projeto acrescentou artigo 77 pargrafo nico com dois incisos os quais atribuem que o incidente pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do scio e, em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentena e na execuo fundada em ttulo executivo extrajudicial.

    29 BARRETO, op. cit. p. 355

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    Verifica-se que o Projeto do Novo Cdigo de Processo Civil delimitou a dvida acerca da necessidade da propositura ou no de nova ao para a possibilidade de aplicao da desconsiderao da personalidade jurdica.

    Assim, tanto no caso de execuo como na fase de cumprimento de sentena quando o scio ou responsvel no for parte no processo,30 a defesa se dar via embargos de terceiro31 nos termos dos artigos 660 em diante, ou em sendo parte no processo no caso de cumprimento de sentena o determinado pelo artigo 511, pargrafo 432 que prev a manifestao sobre questes relativas validade e adequao da penhora e dos atos executivos subseqentes mediante simples petio nos mesmos autos.

    Percebe-se que o projeto do novo Cdigo de Processo Civil aplica tanto a teoria maior da desconsiderao da personalidade jurdica como a teoria menor. No trato da matria, inciso II do pargrafo nico do artigo 77, o legislador reconhece a aplicao da teoria maior da desconsiderao da pessoa jurdica, quando faz referncia sua aplicao no caso de fraude ou abuso de direito pelos scios na conduo da sociedade, bem como inova ao inserir no diploma processual o reconhecimento da aplicao da teoria menor da desconsiderao da pessoa jurdica, quando faz referncia sua aplicao se ocorrer um conjunto de fatores objetivos que fundamentariam a aplicao do instituto no caso de abuso da personalidade jurdica.

    Evidente que a preocupao maior do legislador foi responsabilizar a pessoa jurdica pelos atos que pratica, reconhecendo os fundamentos da sua existncia: autonomia e responsabilidade patrimonial. Por outro vrtice, buscou tambm aumentar a segurana jurdica nos atos negociais, ao reconhecer que abusos de direito que impliquem em intervenes negativas no mercado e nas relaes negociais, devem ser prontamente refreados.

    Evidente as implicaes deste ato em relao s pessoas dos scios, bem como administradores; implicaes econmicas e/ou penais. Entretanto, ao adotar a teoria

    30 Art. 661. Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto

    no transitada em julgado a sentena, e, no processo de execuo, at cinco dias depois da adjudicao, alienao por iniciativa particular ou da arrematao, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta. 31

    Art. 660. Quem, no sendo parte no processo, constrio sobre bens que possua ou sobre os quais tenham direito incompatvel com o ato constritivo, poder requerer o seu desfazimento por meio de embargos.[..] 32

    Art. 511. [...] 4 As questes relativas validade e adequao da penhora e dos atos executivos subsequentes podero ser arguidas pelo executado por simples petio.

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    menor da desconsiderao da personalidade jurdica, o legislador buscou resguardar o scio atingido pela desconsiderao que no tenha praticados os atos violadores, como reconhecido na teoria maior. Neste caso, pode o scio, por economia processual, utilizar do mesmo processo para executar a sociedade, como se observa da leitura do artigo 752, pargrafo terceiro: O scio que pagar a dvida poder executar a sociedade nos autos do mesmo processo. Verifica-se claramente o emprego, pelos redatores do projeto, do princpio da economia e celeridade processual. Todavia, salienta-se que para que isso seja possvel, o scio em questo no pode ser o responsvel pela aplicao do incidente de desconsiderao da personalidade jurdica. Caso contrrio, haveria um benefcio por ato fraudulento, o que repudiado pelo direito.

    Faz-se oportuno salientar que o anteprojeto do NCPC previa a condenao do vencido em custas e demais despesas com o processo incidental, conforme se verifica pela redao do artigo 72 quando se afirmava que Ao decidir qualquer incidente, o juiz condenar nas despesas o vencido. A mesma redao no foi recepcionada no Projeto atual. Da mesma forma, no haver condenao em honorrios advocatcios especfico para o incidente, apenas no processo principal nos termos do artigo 85 e seguintes, inclusive se ocorrer sucumbncia recproca, quando ento haver pagamento por ambas as partes e de maneira proporcional (artigo 88).

    E ainda, se por ventura, houver danos ao scio devedor diante da declarao de inexistncia da obrigao que ensejou a execuo, no todo ou em parte, ser o mesmo ressarcido nos termos do artigo 735 do Projeto do novo Cdigo de Processo Civil.

    Por fim, o recurso cabvel contra a deciso em questo que analisar a matria ser o agravo de instrumento, isto porque a sentena proferida tem natureza de deciso interlocutria, nos termos do artigo 79 do Projeto.

    6. Consideraes finais

    A sociedade empresria constitui, sem dvidas, um dos principais agentes de desenvolvimento econmico e social. Por sua autonomia patrimonial, responde, com seu patrimnio, pelas obrigaes que contrata. A questo que se colocou para anlise neste texto foi a utilizao dessa autonomia patrimonial para exonerar-se de cumprir as obrigaes, em particular aquelas relativas aos encargos sociais.

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    Como destacado, o direito buscou na disregard doctrine o instrumento para fazer frente essa nova realidade que se impe, particularmente, ao direito do trabalho e ao direito das obrigaes e contratos. Evidente que a antiga estrutura jurdica no dava conta dessas novas demandas, particularmente por fundamentar a possibilidade da desconsiderao da pessoa jurdica to somente a comprovao da fraude ou da m f. Atos temerrios dos administradores que colocavam a sociedade empresria em situao falimentar, no eram suficientes para permitir a expropriao de bens particulares dos scios para pagamento das obrigaes. Havia necessidade de avanos, particularmente porque o instituto da desconsiderao da personalidade jurdica tem se demonstrado como uma excelente ferramenta para evitar o uso abusivo e indiscriminado da sociedade atravs de seus administradores ou scios, suspendendo-se a eficcia do princpio da autonomia patrimonial sendo possvel assim saldar as dvidas contradas formalmente pela pessoa jurdica, pelo patrimnio particular dos scios.

    certo que para a aplicao desse princpio, devem ser observados algums elementos. Em primeiro, e mais importante, a configurao de fraude ou abuso caracterizado pelo desvio de finalidade ou ainda pela confuso patrimonial (art. 50 do CC) pela sociedade contra os credores; em segundo, verificao do tipo societrio, uma vez que apenas podem ter sua personalidade desconsiderada judicialmente para a invaso do patrimnio do scio as sociedades limitada e a sociedade por aes, ou seja, aquelas que pelo seu tipo societrio visam a separao de patrimnios; em terceiro, j em mbito processual aps a decretao da desconsiderao da personalidade jurdica, a possibilidade de penhora de bens pessoais de terceiros.

    Em respeito aos princpios constitucionais, para a efetivao da penhora, esse texto estabeleceu como questo central se o responsvel ou scio (p.ex., scio cujo nome no conste na CDA), para que seus bens sejam atingidos pela execuo, deve ser citado e/ou intimado (quando o scio j compuser o plo passivo) pessoalmente ou no, tendo sido certo que a resposta tem que considerar primeiro, o tipo de responsabilidade dos scios na sociedade. Conforme exposto, quando h responsabilidade ilimitada, h confuso patrimonial entre o patrimnio da sociedade e patrimnio do scio. Nesses casos, em respeito ao princpio da celeridade processual, dispensa-se a citao ou intimao, uma vez que a responsabilidade solidria.

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    Todavia, quando a responsabilidade do scio for limitada, como o caso das sociedades limitadas e sociedades annimas, a responsabilidade pelas dvidas da sociedade subsidiria, o que implica em primeiro a busca pelo patrimnio da sociedade e aps a dos scios e responsveis. E mais, nesses casos, a penhora dos bens dos scios no pode ocorrer de forma indiscriminada. Para que ocorra, faz-se necessrio a citao e/ou intimao do scio ou responsvel, em respeitos ao princpio do devido processo legal.

    O projeto do novo Cdigo de Processo Civil no deixou sem tratamento a matria. Pelo contrrio, disciplinou todo o procedimento para aplicao do incidente da desconsiderao da personalidade jurdica em captulo prprio (Captulo II) e artigos espalhados pelo corpo do texto legal. A participao do scio, para possvel execuo de seus bens, ser por via incidental, com intimao pessoal e prazo para defesa, e arbitramento de custas, despesas processuais e honorrios advocatcios.

    Diante do exposto, possvel concluir que no so todos os tipos societrios que podem ter sua personalidade desconsiderada judicialmente para a invaso do patrimnio do scio, mas apenas a sociedade limitada e a sociedade por aes. E ainda, apenas quando houver scio com responsabilidade limitada que dever haver a citao ou intimao pessoal do scio para eventual restrio de seus bens pessoais exatamente por haver uma autonomia patrimonial, o que no se verifica nos casos de responsabilidade ilimitada.

    Mudanas ocorrero com a promulgao do projeto do novo Cdigo de Processo Civil, e que certamente chegaro aos tribunais. Mas o importante destacar que o instituto da desconsiderao da personalidade continua sendo de extraordinria aplicao e de extrema importncia para a solvncia de dbitos adquiridos por sociedades empresrias com o objetivo de fraudar credores.

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    CONSIDERAES INICIAIS SOBRE A TEORIA GERAL DOS RECURSOS NO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL

    Felippe Borring Rocha

    Defensor Pblico do Estado do Rio de Janeiro. Doutorando e Mestre em Direito. Professor de graduao e ps-graduo em Direito, bem como de cursos preparatrios para concurso na rea jurdica.

    Resumo: O presente artigo dedicado anlise crtica das regras relativas Teoria Geral dos Recursos contida no Projeto de Lei do Senado n 166/2010 (Novo Cdigo de Processo Civil), destacando a sua nova colocao no texto, as regras que foram mantidas e aquelas que foram alteradas.

    Abstract: This article is dedicated to the critical analisys of Appeals General Theory contained in Senate Bill of Law n 166/2010 (New Code of Civil Procedure), highlighting its new placement in the text, the rules were kept and those that have changed.

    Palavras-chave: Processo civil, recursos, projeto de lei 166/2010, novo Cdigo de Processo Civil.

    Keywords: Civil Procedure. Appeal. Senate Bill of Law n 166/2010. New Civil Procedure Code.

    Sumrio: 1. Introduo; 2. A Teoria Geral dos Recursos no NCPC; 2.1. Rol dos recursos e seus prazos; 2.2. Efeito suspensivo dos recursos; 2.3. Legitimidade recursal; 2.4. Recurso adesivo; 2.5. Desistncia do recurso; 2.6. Renncia do recurso; 2.7. Classificao da renncia (tcita e expressa); 2.8. Irrecorribilidade dos despachos; 2.9. Amplitude objetiva do recurso; 2.10. Contagem do prazo recursal; 2.11. Suspenso do prazo recursal; 2.12. Extenso subjetiva dos recursos; 2.13. Baixa dos autos instncia de origem; 2.14. Preparo e desero; 2.15. Efeito substitutivo do recurso; 2.16. Sucumbncia em grau recursal; 3. Concluses.

    1. Introduo

    Em junho de 2010, a Comisso de Juristas instituda pelo Senado Federal1 apresentou o Anteprojeto de Novo Cdigo de Processo Civil NCPC.2 A principal

    1 Ato do Presidente do Senado Federal n 379/2009.

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    justificativa para tal empreitada foi o fato do Cdigo vigente, aps inmeras reformas e alteraes legislativas, estar desfigurado. Neste sentido, tornou-se lugar comum entre os doutrinadores dizer que o CPC virou uma colcha de retalhos.

    Consoante, a Comisso buscou essencialmente reestruturar o contedo do CPC atual, luz dos novos paradigmas doutrinrios e jurisprudenciais, corrigindo ou eliminando os institutos vistos como inadequados e acrescentando novos. O resultado que o NCPC traz em seu corpo boa parte dos dispositivos que j existem no CPC atual. Vrios artigos foram copiados e outros foram reescritos com pequenas correes ou acrscimos especficos. Isso faz com que o leitor se sinta familiarizado com o texto do Anteprojeto durante a sua leitura.3

    A nova roupagem do Cdigo mais lgica e mais bem organizada do que o vigente, o que melhora a compreenso do sistema como um todo. Alm disso, a Comisso procurou alinhar o novo Cdigo ao Estado Constitucional e ao modelo constitucional de processo civil.4 Isso fica muito claro nos comandos enfeixados nos

    dispositivos iniciais do NCPC (art. 3 ao 11). De plano, portanto, possvel afirmar que o NCPC tem inmeros pontos

    positivos. Como no poderia deixar de ser, com uma anlise mais detida, tambm possvel identificar alguns pontos negativos. Um dos aspectos que sobressai negativamente da anlise do Anteprojeto, por exemplo, a falta de um maior desprendimento do texto do Cdigo de 1973. A Comisso perdeu algumas boas oportunidades de aprimorar os dispositivos que reproduziu. Deixou tambm de inserir disposies que, pacificadas na doutrina e jurisprudncia, poderiam trazer maior estabilidade e fluidez aos componentes do modelo legal.

    O maior pecado do Anteprojeto, entretanto, no advm do seu texto, mas de sua elaborao. De fato, parece claro que a Comisso teve que submeter seus trabalhos ao calendrio poltico do Senado Federal. Com isso, a percepo que se tem na comunidade jurdica que o texto foi feito com pressa e sem a realizao de um

    2 Tal anteprojeto foi imediatamente transformado em projeto de lei e remetido ao Senado, onde tornou-se o Projeto de Lei do Senado n 166/2010.

    3 Como bem assinalado por Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero (O Projeto do CPC: Crticas e Propostas, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 56), o NCPC no representa uma nova codificao, no sentido de ruptura com o sistema anterior e implantao de uma renovao metodolgica, mas de verdadeira consolidao (reorganizao das normas j existentes).

    4 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: Crticas e Propostas, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 15.

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    verdadeiro debate em torno de suas propostas. As audincias pblicas foram realizadas antes da concluso dos trabalhos, sem a divulgao prvia de um texto base para orientar as sugestes.5 O texto, com exceo de uns poucos trechos, foram mantidos em sigilo, at a sua apresentao no Senado. Imediatamente, o material se transformou em projeto de lei, sem que, nesta passagem, fosse possvel qualquer discusso.

    Destarte, o NCPC muito bom e certamente trar ganhos para a sociedade e para a cincia jurdica, mas no contou com a efetiva participao da sociedade e da academia, que teve que se contentar com o acolhimento das sugestes pontuais enviadas e com a representao dos ilustres membros da Comisso, que fizeram um notvel trabalho.

    2. A teoria geral dos recursos no ncpc

    2.1. Rol dos recursos e seus prazos

    NCPC CPC ATUAL TTULO II

    DOS RECURSOS

    CAPTULO I

    DAS DISPOSIES GERAIS

    Art. 907. So cabveis os seguintes recursos: I apelao; II agravo de instrumento; III agravo interno; IV embargos de declarao; V recurso ordinrio; VI recurso especial; VII recurso extraordinrio; VIII embargos de divergncia. Pargrafo nico. Exceto os embargos de declarao, os recursos so interponveis em quinze dias teis.

    TTULO X

    DOS RECURSOS

    CAPTULO I

    DAS DISPOSIES GERAIS

    Art. 496. So cabveis os seguintes recursos: I - apelao; II - agravo; III - embargos infringentes; IV - embargos de declarao; V - recurso ordinrio; Vl - recurso especial; Vll - recurso extraordinrio; VIII - embargos de divergncia em recurso especial e em recurso extraordinrio.

    Art. 508. Na apelao, nos embargos infringentes, no recurso ordinrio, no recurso especial, no recurso

    5 A Comisso de Juristas divulgou apenas um estudo inicial, contendo as decises acerca das proposies temticas.

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    extraordinrio e nos embargos de divergncia, o prazo para interpor e para responder de 15 (quinze) dias.

    O art. 907 do NCPC abre o captulo nomeado de disposies gerais. Nele so tratadas as bases daquilo que a doutrina chama de Teoria Geral dos Recursos,6 ou seja, as espcies de recurso, seus efeitos, seus requisitos gerias, os direitos e deveres em matria de recurso etc. A Comisso poderia ter avanado no seu aperfeioamento cientfico deste captulo, prevendo alguns princpios recursais (duplo grau, unirrecorribilidade, fungibilidade, ne reformatio in pejus etc), ampliando o regramento dos efeitos, especialmente dos efeitos de julgamento, dentre outras medidas.7 Optou basicamente por repetir as normas j existentes no CPC atual, que, por sua vez, j havia repetido o CPC de 1939.8

    De plano, trs aspectos chamam a ateno no art. 907 do NCPC, em relao ao atual CPC: a retirada dos embargos infringentes e do agravo retido do rol de recursos; a previso expressa dos agravos de instrumento e interno; e a alterao dos prazos recursais.

    A excluso dos embargos infringentes bem-vinda e encontra apoio na maioria dos doutrinadores ptrios, que no viam justificativa na manuteno de um recurso voltado a promover a reviso de uma deciso pelo simples fato de ela no ter sido unnime.9 Ademais, um dos objetivos do NCPC dar seguimento a uma tendncia atual, qual seja, a centralizao os esforos na construo de uma jurisprudncia superior, em detrimento da posio dos juzes e dos tribunais inferiores. O foco contemporneo , por assim dizer, apaziguar os dissdios jurisprudenciais dentro dos tribunais superiores e entre eles e os tribunais inferiores. Neste contexto, a

    6 Sobre a importncia da construo da Teoria Geral dos Recursos, veja-se o nosso Teoria Geral dos Recursos Cveis, So Paulo: Elsevir, 2008, p. 22.

    7 O CPC Portugus, por exemplo, nas disposies gerais do seu captulo sobre recursos, tem interessantes disposies sobre os nus e encargos do recorrente (art. 690 e 691) que poderiam ter sido incorporadas ao ordenamento ptrio.

    8 A crtica, portanto, no nova, como se pode vislumbrar das anotaes feitas por Jos Carlos Barbosa Moreira desde a edio do atual CPC (Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. V, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 273).

    9 Sublinhando o repdio aos embargos infringentes, registre-se, por todos, as manifestaes de Jos Carlos Barbosa Moreira, desde a edio do atual CPC (Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. V, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 514), e Araken de Assis (Manual dos Recursos, 2. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 559). Ambos destacam que o prprio Alfredo Buzaid, elaborador do Anteprojeto que deu origem ao atual CPC, no previa a figura dos embargos infringentes.

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    uniformizao interna nos tribunais inferiores perde prioridade.10 Tanto verdade que outro recurso de uniformizao interno, os embargos de divergncia, foi mantido exatamente porque utilizvel apenas no STJ e no STF (art. 959/960 do NCPC). Da mesma maneira, os mecanismos de julgamento dos recursos excepcionais (art. 953/958 do NCPC), a determinao de velar pela jurisprudncia do STF e dos tribunais superiores (art. 842, IV, do NCPC), os critrios para julgamento monocrtico do relator (art. 853 do NCPC), dentre outros, so exemplos da concepo de primazia da jurisprudncia superior, em detrimento dos posicionamentos dos rgos de instncia ordinria. Trata-se, pois, de mais um exemplo de declnio, na esfera judiciria, do j to fragilizado princpio federativo.

    A previso expressa dos agravos de instrumento, por seu turno, representa inovao digna de aplauso. A previso genrica, contida no atual art. 496, II, do CPC, no correspondia especificao necessria das espcies de recursos existentes. Destarte, com o fim do agravo retido (art. 929, pargrafo nico, do NCPC), o agravo de instrumento passa a ser a nica modalidade de agravo de primeira instncia, sendo justificada sua meno prpria no rol de recursos. A nota negativa fica por conta da manuteno do nomen iuris agravo de instrumento para o recurso contra a deciso que inadmite, na origem, o recurso excepcional (art. 951 do NCPC). Ademais, independentemente do nome, esta modalidade de recurso deveria ter sido includa no rol do art. 907 do NCPC, em inciso prprio, j que no se confunde com o recurso homnimo.

    Registre-se, ainda, a adequada previso do agravo interno no rol de recursos e a uniformizao de seu nome. De fato, era insustentvel a existncia de pelo menos seis nomes diferentes para designar esta modalidade de recurso (alm de agravo interno, agravo regimental, agravinho, agravo inominado, agravo de mesa e agravo por petio). Optou, assim, a Comisso pela nomenclatura mais utilizada pela doutrina moderna.11

    Por fim, o pargrafo nico do art. 907 do NCPC unificou o prazo recursal em quinze dias teis, exceto no caso dos embargos de declarao, que permanecem com o prazo de cinco dias (art. 937, pargrafo nico, do NCPC). Na prtica, o resultado da alterao a ampliao dos prazos dos agravos, j que os demais recursos j tm o

    10 Ainda assim, merece destaque a possibilidade de instaurao, nas instncias ordinrias, do incidente de resoluo de demandas coletivas (art. 895/906 do NCPC).

    11 Dentre os autores que j utilizam a nomenclatura agravo interno, veja-se, por todos, Araken de Assis (Manual dos Recursos, 2. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 495).

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    prazo de quinze dias. A toda evidncia, trata-se de medida acertada, uma vez que no raras vezes a preparao de um agravo consome mais tempo e energia do que a preparao, por exemplo, de uma apelao. No so tais prazos, certamente, os responsveis pelo retardo na prestao jurisdicional ou mesmo pela longa tramitao dos recursos. Saliente-se, ainda, que no direito estrangeiro os prazos recursais costumam ser bem mais dilatados do que os prazos ptrios.

    2.2. Efeito suspensivo dos recursos

    NCPC CPC ATUAL Art. 908. Os recursos, salvo disposio legal em sentido diverso, no impedem a eficcia da deciso. 1 A eficcia da sentena poder ser suspensa pelo relator se demonstrada probabilidade de provimento do recurso. 2 O pedido de efeito suspensivo durante o processamento do recurso em primeiro grau ser dirigido ao tribunal, em petio autnoma, que ter prioridade na distribuio e tornar prevento o relator.

    Art. 497. O recurso extraordinrio e o recurso especial no impedem a execuo da sentena; a interposio do agravo de instrumento no obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei.

    Art. 520. A apelao ser recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Ser, no entanto, recebida s no efeito devolutivo, quando interposta de sentena que: (...)

    Art. 558. O relator poder, a requerimento do agravante, nos casos de priso civil, adjudicao, remio de bens, levantamento de dinheiro sem cauo idnea e em outros casos dos quais possa resultar leso grave e de difcil reparao, sendo relevante a fundamentao, suspender o cumprimento da deciso at o pronunciamento definitivo da turma ou cmara.

    Art. 522. Das decises interlocutrias caber agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de deciso suscetvel de causar parte leso grave e de difcil reparao, bem como nos casos de inadmisso da apelao e nos relativos aos efeitos em que a apelao recebida, quando ser admitida a sua interposio por instrumento.

    Talvez uma das maiores inovaes da parte geral dos recursos foi a alterao do paradigma recursal do duplo efeito (devolutivo e suspensivo). O vigente CPC assinala quais so os recursos que no tm efeito suspensivo com regra (art. 496), tratando como regra aqueles que o tm.12 O art. 908 do NCPC estabelece que, salvo disposio em

    12 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. V, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 283.

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    contrrio, os recursos sero recebidos somente no efeito devolutivo. Com a eliminao dos embargos infringentes, os dois recursos atingidos pela medida so a apelao (art. 923/928 do NCPC) e o recurso ordinrio (art. 942/943 do NCPC). Os demais recursos hoje existentes j no tinham efeito suspensivo como regra legal (opi legis).

    Assim, a previso contida no caput do art. 908 do NCPC corrige uma das mais vetustas distores do sistema processual civil brasileiro: o efeito suspensivo opi legis da apelao.13 inconcebvel, num modelo recursal moderno, partir da premissa de que a sentena pode ser alterada pela apelao e, portanto, no deve produzir efeito seno aps o julgamento recursal na instncia superior. O equvoco desta construo ficou ainda mais evidente depois da introduo da tutela antecipada no CPC, em 1994.14 Com ela, uma deciso interlocutria, galgada no juzo de cognio sumrio e impugnvel por agravo, poderia executada imediatamente, enquanto que a sentena, fundada em cognio exauriente, fica paralisada at o julgamento da apelao, salvo hipteses especficas (art. 520, segunda parte, do CPC). Tanto que, ao longo do tempo, doutrina e jurisprudncia construram o entendimento de que a tutela antecipada poderia ser deferida dentro do corpo da sentena, exatamente para retirar o efeito suspensivo de eventual apelao interposta.15 O sistema dos Juizados Especiais, por sua vez, j foi criado sob a gide da concesso opi iudicis do efeito suspensivo ao recurso inominado (art. 43 da Lei n 9.099/95).16

    Portanto, bastante louvvel o trmino, salvo em hipteses especficas, do efeito suspensivo opi legis. O problema do dispositivo que o modelo de concesso do efeito suspensivo pelo julgador (opi iudicis) ficou aqum do que se esperava. Em primeiro lugar, a Comisso retirou daquele que julgou a causa, o juiz de primeira instncia, a possibilidade de tratar da questo.17 Os pargrafos do art. 908 do NCPC deixam claro

    13 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O Projeto do CPC: Crticas e Propostas, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 178.

    14 A tutela antecipada, j existente em determinados procedimentos especiais, foi prevista de forma genrica atravs da modificao feita no art. 273 do CPC pela Lei n 8.952/94.

    15 ZENI, Fernando Csar. Deferimento do pedido de tutela antecipatria na sentena. Revista de Processo, So Paulo; v. 25; n. 94; abr/jun 1999. Apenas a ttulo de exemplificao, veja-se os comentrios de Nelson Nery Jr. Sobre a concesso de tutela antecipada na prpria sentena (Teoria Geral dos Recursos: Princpios Fundamentais dos Recursos, 6. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 476.

    16 Apenas a ttulo de exemplificao,veja-se o nosso Juizados Especiais Cveis: Aspectos Polmicos da Lei n 9.099, de 26/9/1995, 5 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 163.

    17 Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero so defensores da regra que exclui o juiz de primeira instncia do procedimento de concesso de efeito suspensivo apelao. De acordo com estes autores, o

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    que tal prerrogativa exclusiva do relator, que dever ser provocado por petio dirigida ao tribunal, durante o processamento do recurso em primeiro grau.

    Em segundo lugar, a lei estabeleceu que a concesso do efeito suspensivo depender da demonstrao da probabilidade de provimento do recurso. Cuida-se de modificao dissociada da realidade cientfica do tema. De fato, nos ltimos anos, ficou cristalizado, tanto na doutrina como j jurisprudncia, que a natureza jurdica do provimento que defere efeito suspensivo a um determinado instrumento de medida cautelar. Logo, os requisitos para sua concesso so os mesmos previstos para as

    cautelas em geral: fumus boni iuris e periculum in mora (art. 798 do CPC).18 Substituir estes dois requisitos pela probabilidade de provimento do recurso parece ser uma opo equivocada. Consoante, a fumaa do bom direito no se confunde com a probabilidade de acolhimento do recurso, elemento mais prximo da tutela antecipada recursal, instituto de natureza diversa.19 Ademais, a suspenso da deciso tem como principal fator de legitimao o risco de dano (periculum in mora).

    2.3. Legitimidade recursal

    NCPC CPC ATUAL Art. 909. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministrio Pblico, seja como parte ou fiscal da lei. Pargrafo nico. Cumpre ao terceiro demonstrar a possibilidade de a deciso sobre a relao jurdica submetida apreciao judicial atingir direito de que seja titular.

    Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministrio Pblico. 1o Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependncia entre o seu interesse de intervir e a relao jurdica submetida apreciao judicial. 2o O Ministrio Pblico tem legitimidade para recorrer assim no processo em que parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.

    O art. 909 do NCPC somente repete o art. 499 do CPC, reorganizando-o. O ideal seria que a Comisso suprimisse os qualificativos dos legitimados. Assim, ao invs de falar em parte vencida e terceiro prejudicado, o dispositivo deveria mencionar apenas a

    juiz j deu na sentena, seu posicionamento (O Projeto do CPC: Crticas e Propostas, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 179).

    18 ASSIS, Araken. Manual dos Recursos, 2. ed., So Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 254. 19 Apesar de reconhecerem que o requisito elegido pelo Anteprojeto refere-se tutela antecipatria, Luiz

    Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero parecem apoiar a opo (O Projeto do CPC: Crticas e Propostas, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 179).

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    parte e o terceiro, j que ser vencido ou prejudiciado no se insere no plano da legitimidade, mas do interesse recursal.20

    2.4. Recurso adesivo

    NCPC CPC ATUAL Art. 910. Cada parte interpor o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigncias legais. Sendo, porm, vencidos autor e ru, ao recurso interposto por qualquer deles poder aderir o outro. Pargrafo nico. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal, aplicando-se-lhe as mesmas regras do recurso independente quanto aos requisitos de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal, salvo disposio legal diversa, observado o seguinte: I ser interposto perante a autoridade competente para admitir o recurso principal, no prazo de que a parte dispe para responder; II ser admissvel na apelao, no recurso extraordinrio e no recurso especial; III no ser conhecido, se houver desistncia do recurso principal ou se for ele declarado inadmissvel ou deserto.

    Art. 500. Cada parte interpor o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigncias legais. Sendo, porm, vencidos autor e ru, ao recurso interposto por qualquer deles poder aderir a outra parte. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposies seguintes: I - ser interposto perante a autoridade competente para admitir o recurso principal, no prazo de que a parte dispe para responder; II - ser admissvel na apelao, nos embargos infringentes, no recurso extraordinrio e no recurso especial; III - no ser conhecido, se houver desistncia do recurso principal, ou se for ele declarado inadmissvel ou deserto. Pargrafo nico. Ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso independente, quanto s condies de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal superior.

    O art. 910 do NCPC praticamente repete o contedo do art. 500 do CPC, que trata do recurso adesivo, com as devidas adaptaes do novo sistema recursal.21 Poderia ter a comisso dado novo nome ao instituto, alinhado com as suas caractersticas e com o direito comparado. Praticamente todos os juristas criticam a nomenclatura recurso adesivo, 22 posto que o recorrente no adere23 ao recurso de seu oponente, mas lhe ope

    20 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Jos Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, 8 ed., Salvador: Podium, 2010, p. 48.

    21 Por exemplo, o dispositivo no menciona mais os embargos infringentes que, na nova sistemtica, foi excludo.

    22 A inadequao do nome recurso adesivo j era sublinhada por Jos Carlos Barbosa Moreira desde a edio do atual CPC (Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. V, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 313).

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    recurso prprio. Poderia ter falado em recurso subordinado24 ou contraposto,25 por exemplo.

    2.5. Desistncia do recurso

    NCPC CPC ATUAL Art. 911. O recorrente poder, a qualquer tempo, sem a anuncia do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso. Pargrafo nico. No julgamento de recursos repetitivos, a questo ou as questes jurdicas objeto do recurso representativo de controvrsia de que se desistiu sero decididas pelo Superior Tribunal de Justia ou pelo Supremo Tribunal Federal.

    Art. 501. O recorrente poder, a qualquer tempo, sem a anuncia do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso.

    O caput do art. 911 do NCPC se limita a repetir o texto do art. 501 do CPC, que cuida da desistncia recursal. A diferena que foi acrescido um pargrafo nico tratando especificamente da desistncia no julgamento de recursos repetitivos (art. 953/959 do NCPC). O dispositivo repercute a discusso travada no STJ sobre o tema. Pouco antes do incio dos trabalhos da Comisso, a Corte Especial do STJ entendeu, por maioria, que, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, o recurso especial paradigma no comportaria pedido de desistncia.26

    A soluo adotada pela Comisso para enfrentar o problema foi estabelecer que a desistncia do recurso paradigma no impede o julgamento da questo objeto do recurso representativo da controvrsia no STJ ou STF. Em outras palavras, o dispositivo no probe a desistncia, o que seria de todo equivocado, j que a desistncia no depende de homologao para produzir efeitos,27 mas afirma que o encerramento do recurso no obsta que a questo seja apreciada. Trata-se de reconhecimento do interesse pblico no julgamento da questo paradigmtica, ensejadora da multiplicao dos recursos excepcionais.

    23 No Direito Civil, aderir est relacionado a uma conduta de convergncia ou cooperao. Assim, por exemplo, nos chamados contratos de adeso (mencionados no art. 423 e 424 do CC).

    24 Assim identificado o recurso adesivo no Direito Portugus (art. 682 do CPC). 25 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. V, 11. ed., Rio de

    Janeiro: Forense, 2004, p. 309. 26 STJ Corte Especial QO RESP 1.063.343/RS Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 17/12/2008. 27 MOREIRA, Jos Carlos Barbosa. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, vol. V, 11. ed., Rio de

    Janeiro: Forense, 2004, p. 332.

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