Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

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Concepções - Revista Científica da Faculdade São Luís de França/FSLF - Ano 2 - Edição Nº 02 - Janeiro/2011 - ISSN - 1983-7569 - Aracaju/SE - Brasil

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ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:Rua Laranjeiras, 1.838 - Getúlio Vargas

49.055-380 – Aracaju – SergipeTelefone: (79) 3214-6300

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As opiniões expressas nos artigos são da inteira responsabilidade dos seus autores. É permitida a reprodução de parte ou total dos artigos, somente para fins didáticos e para citação em obras de interesse científico, desde que seja citada a fonte, ficando proibida a reprodução para outros fins por qualquer meio impresso ou eletrônico.

JEFERSON FONSECA DE MORAESDiretor Presidente

CRISTIANE TAVARES FONSECA DE MORAES NUNES

Diretora Superintendente

VIVIANE TAVARES FONSECA DE MORAESDiretora Financeira

OTÁVIO TAVARES FONSECA DE MORAESDiretor Jurídico

JORGE LUIZ CABRAL NUNESGestor Administrativo e de Tecnologia

ANDRÉA SANTOS RIBEIROCoordenadora do Curso de Administração

ANDRÉA HERMÍNIA DE AGUIAR OLIVEIRACoordenadora do Curso de Pedagogia

VILMA MOTA QUINTELACoordenadora do Curso de Letras

CONCEPÇÕES – Revista Científica da Faculdade São Luís de França editada pelo NUPEX - Núcleo de Pesquisa e Extensão. Publicação anual que se destina à divulgação da produção científica da comunidade acadêmica sob a coordenação de seu corpo editorial executivo e consultivo.

Nº 02 - Ano II - Janeiro / 2011 – ISSN - 1983-7569

Profª. Msc. Andréa Hermínia de Aguiar OliveiraProfª. Msc. Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes

Profª. Msc. Gleyde Selma Menezes SchapkeProfª. Drª Vilma Mota Quintela

Pré-Edição

CoNSELHo EdiToriAL

Diagramação e Editoração EletrônicaLúcia Andrade

DRT/SE – 1.093

Tiragem: 500 exemplares

GESTORES

CorPo CoNSULTiVo

MEMBROS DO NUPEX

Profª. Msc. Andréa Hermínia de Aguiar OliveiraProfª. Msc. Cristiane T. F. de Moraes NunesProfª. Msc. Gleyde Selma Menezes Schapke

Prof. Marcos Vinícius Melo dos AnjosProfª. Drª Vilma Mota Quintela

Suzy Dayse Vasconcelos (Representante discente)Bibliotecária Responsável

Valdenice Ferreira Conceição CRB – 5/1335

RevisãoProf. Antônio Andrade de Oliveira

Jornalista ResponsávelCarlos Alberto de Souza

DRT/MG – 1.599

Projeto GráficoCL Comércio e Editora Ltda.

[email protected]

Profª Drª Vilma Mota Quintela

Impressão: Gráfica J. Andrade

Josefa Sônia Pereira da FonsecaDoutora em Educação (PUC/SP, 2007) com

período sanduíche na Universidade de Lisboa,Professora da PUC-SP,

Professora da FCE - Faculdade Campos Elíseos e Professora da Faculdade São Luís de França

Edson Diogo TavaresDoutor em Desenvolvimento

Sustentável (UNB, 2004)Professor da Faculdade São Luís de França

Saumíneo da Silva NascimentoDoutor em Geografia (UFS, 2005)

Professor da Faculdade São Luís de França

Cid Seixas Fraga FilhoDoutor em Letras (USP, 1990)

Professor da Faculdade São Luís de França

Francisco José Brabo BezerraDoutor em Educação (UNICAMP, 2009)

Sandra Maria P. MaginaDoutora em Educação Matemática (Universidade de Londres, 1994)

Pós-Doc em Educação pela Universidade de Lisboa (2006)

Professora Titular da PUC/SP e da FCE

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Paulo Freire

“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra,

no trabalho, na ação-reflexão”.A

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m seus quatro anos de funcionamento, o Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPEX) da FSLF vem, pouco a pouco, construindo a sua identidade com a contribuição de uma equipe comprometida com o ideal da trans-formação de indivíduos em formação, em seres socialmente atuantes, no

sentido do bem comum. Vimos, assim, cumprindo a missão que fundamenta a nossa busca pelo equilíbrio entre o ensino a pesquisa e a extensão. Neste percurso, amadurecemos e reafirmamos os propósitos estabelecidos quando da fundação do núcleo, com a atuação de representantes dos corpos discente e docente e de funcionários, de uma maneira ou de outra, empenhados na formação de um centro propício ao desenvolvimento de atividades científicas e acadêmicas destinadas ao beneficiamento do nosso entorno social. Agora, com a publicação do segundo número da Revista Concepções, veículo de divulgação científica do NUPEX, damos mais um passo importante para a consolidação de um projeto pedagógico que buscamos realizar em consonância com as demandas sociais contemporâneas e com as diretrizes oficiais da educação superior. A escolha do tema gerador desta edição - “Educação superior: desafios na con-temporaneidade”- resultou da necessidade de refletirmos sobre a nossa missão como agentes sociais, responsáveis pela articulação de ações educacionais que venham a promover o contato permanente entre o contexto acadêmico e a re-alidade exterior. Partimos do pressuposto de que os problemas vivenciados em nosso cotidiano como educadores, gestores e pesquisadores, são diretamente pro-porcionais à distância que, muitas vezes, estabelecemos entre a teoria e a prática, entre a experiência intelectual e o dado pragmático, entre o ideal profissional, que nos impulsiona a buscar uma formação cada vez mais complexa e específica, e a realidade imediata, com os seus problemas e contradições emergentes a nos clamar respostas instantâneas. A realidade que nos engloba e nos condiciona, direta ou indiretamente, em nossos mínimos atos e em nossas escolhas profissionais, nos coloca questões relacionadas às condições de produção do saber em um contexto heterogêneo, desigual, determinado por uma série de restrições, as quais, muitas vezes, contradizem os nossos mais caros ideais, alimentados durante o processo da nossa formação. Entram aí em jogo, não apenas questões políticas e pedagógicas, como também questões de ordem subjetiva, que nos afrontam em nossa prática diária e nos levam a problematizar continuamente nossas ações e a posição que assumimos na sociedade. Com efeito, como educadores, pesquisadores, acadêmicos, enfim, como protagonistas dessa realidade contraditória que fomenta nosso desafio em equacionar diferenças e, assim, encontrar (se é que isso é possível) a justa medida entre a busca da nossa identidade, como profissionais e seres humanos, e as muitas vezes áridas condições de produção e reprodução do saber na contemporaneidade.

Assim, tendo em vista promover o trânsito permanente entre a produção aca-dêmica e os anseios da sociedade que nos compreende, pensamos e repensamos as

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nossas práticas, elegendo como foco de discussão os desafios vivenciados no âmbito da educação, mais especificamente, no contexto do ensino universitário. Produto dessa reflexão, os projetos construídos a partir das experiências vividas, com a participação de acadêmicos, professores e demais interessados, expressam o nosso propósito pedagógico, que se realiza em função de uma prática inter-disciplinar, capaz de produzir atividades significativas visando à superação dos problemas sociais com que nos deparamos enquanto educadores. O resultado desse investimento figurará em breve, em nossa próxima edição, que terá como principal finalidade a divulgação de trabalhos acadêmicos e pesquisas científicas produzidas entre 2011 e 2012.

Já na presente edição nos empenhamos em divulgar artigos produzidos no âmbito do NUPEX e dos nossos cursos de graduação e pós-graduação. Dos textos aqui publicados, seis foram produto de curso de pós-graduação destinado ao aperfeiçoamento do corpo docente da FSLF, desenvolvido no período de dois anos, na própria instituição, ministrado por professores convidados e por integrantes do corpo docente da casa, sobre o tema “Competência Pedagógica e Docência Universitária”. O curso, surgido da necessidade de o próprio corpo docente e gestores da instituição refletir sobre a prática pedagógica e questões relacionadas ao cotidiano acadêmico da Faculdade, contou com a participação de nomes expressivos no campo da educação superior, como é o caso do Prof. Dr. Marcos Massetto, da PUC/SP, cuja obra inspirou o tema gerador dos encontros. Os artigos daí decorrentes, aqui apresentados, tiveram a orientação do Prof. Dr. Marcos Silva, da UFS. São eles: “Ensino da leitura: crenças, competências e refle-xividade”, de Suely Braga; “Tecnologias da informação e da comunicação: saberes da contemporaneidade na formação/atuação do educador”, de Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira; “A avaliação formativa no processo de ensino-aprendizagem”, de Marcos Batinga Ferro; “Projeto Pedagógico: um pensar extremamente possí-vel”, de Marcos Vinicius Melo dos Anjos; “A Pesquisa na Formação do Pedagogo: Uma Experiência”, de Maria Odete de Carvalho; e “O Gesto como componente pedagógico complementar na comunicação e integração social da pessoa com deficiência auditiva”, de Guadalupe de Moraes Santos Silva.

Os demais artigos presentes nesta edição são fruto da reflexão contínua desen-volvida pelo nosso corpo docente, formado por professores pesquisadores de áreas diversas, relacionadas aos cursos de Pedagogia, Letras e Administração. Dentre esses, situam-se, no campo da história da educação, os artigos: “Metodologia Cientí-fica: Aquisição de Competência Interdisciplinar de Escrita de Textos Acadêmicos”, de José Guilherme Queiróz Rodrigues e Suely Braga; “As Reformas Pombalinas na Universidade de Coimbra”, de Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes; “A Criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores”, de Martha Suzana Cabral Nunes; “A Lei do Diretório: a legislação pombalina sobre o ensino de língua portuguesa e suas implicações”, de Sara Rogéria Santos Barbosa; e “O primeiro Jardim de Infância de Sergipe: profissionais capacitados para a prática pedagógica (1932-1942)”, de Rita de Cássia Dias Leal. Na área da educação, situa-se ainda o artigo “Os Desafios da Educação na Contemporaneidade: a cultura popular em foco”, de Vilma Mota Quintela. Já na área da Administração, consta, na presente edição, o artigo: “A Internet e o consumo: como a internet tem influenciado o comportamento dos consumidores comuns e organizacionais no Brasil (1998-2008)”, de Pompeu Tranzillo Júnior. Nessa edição, incluímos ainda um artigo de iniciação científica da estudante do curso de Letras, Suzy Dayse Vasconcelos, realizado sob a orientação da professora Vilma Mota Quintela.

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S U M Á R I O

Edição Nº 02Ano II - Janeiro / 2011

ISSN - 1983-7569

Ensino da Leitura: crenças, competências e reflexividade

Suely Mendes Braga

8

Tecnologias da Informação e da Comunicação: Saberes da Contemporaneidade na Formação/Atuação do EducadorAndréa Hermínia de Aguiar Oliveira

14

A avaliação formativa noprocesso de ensino-aprendizagem

Marcos Batinga Ferro

23Projeto Pedagógico: um pensar extremamente possível

Marcos Vinícius Melo dos Anjos

28

A p r e s e n t a ç ã oQuatro anos do NUPEX - Núcleo de Pesquisa e Extensão 4

Comissão do MEC faz avaliação da Faculdade São Luís de França27

Capa: Prédio da Faculdade São Luís de FrançaFoto: CL Editora

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A Pesquisa na Formação do Pedagogo: uma Experiência

Maria Odete de Carvalho

33

O Gesto como Componente Pedagógico Comple-mentar na Comuni-cação e Integração Social da Pessoa com Deficiência AuditivaGuadalupe de Moraes Santos Silva

39

Metodologia Científica: Aquisição de Competência Interdisciplinar de Escrita de Textos Acadêmicos

José Guilherme Queiróz Rodrigues e Suely Mendes Braga

45

A Criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores

Martha Suzana Cabral Nunes

60

A Lei do Diretório: A Legislação Pombalina sobre o Ensino de Lingua Portuguesa e suas implicações

Sara Rogéria Santos Barbosa

67

O priomeiro Jardim de Infância de Sergipe: profissionais capacitados para a prática pedagógica (1932-1942)

Rita de Cássia Dias Leal

72

Os Desafios da Educação na Contemporaneidade: a Cultura Popular em foco

Vilma Mota Quintela

80

A Internet e o Consumo: como a internet tem influenciado o comportamento dos consumidores comuns e organizacionais no Brasil (1998-2008)Pompeu Tranzillo Junior

83

Pelo Olhar de Ferdinand Denis: um Elo Entre a Literatura e a História Oitocentista

Suzy Dayse Vasconcelos Bezerra

87As reformas pombalinas na Universidade de Coimbra

Cristiane T. Fonseca de Moraes Nunes

52

NUPEX - Núcleo de Pesquisa e ExtensãoNormas para publicação de trabalhos para a Revista Concepções92

Pós-Graduação da Faculdade São Luís de França bate recorde no mestrado da UFS50

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O presente estudo elegeu o professor como elemento essencial: é nele, e nas suas crenças sobre as metodologias de ensino da leitura que este artigo direcionar-se-á. Crenças resultantes de um olhar subjetivo que se lança sobre os acontecimentos do mundo e que é correspondente, por vezes, mais a uma tentativa de inteligibilidade desse mundo do que a uma tentativa de avaliação dos seus fundamentos e da apreciação do efeito sobre si e suas práticas, (Charaudeau e Mangueneau, 2006). A decorrência dessas crenças

Suely Mendes Braga Graduada em Letras pela

Universidade Tiradentes

(1997), especialista em

Competência Pedagógica

e Docência Universitária

pela Faculdade São Luís

de França (2008) e es-

pecialista em Marketing

pela Universidade Federal

da Paraíba (2004).

[email protected]

Nossos saberes, ao longo das nossas trajetórias de vida social, pessoal e profissional, vão se trans-formando em estruturas de pensar e agir. Refletir, redescobrir, recons-truir conceitos e práticas têm sido a temática de notáveis pesquisadores sobre as crenças responsáveis pelas escolhas metodológicas de quem ensina alguém a ler. Este artigo é resultado de pesquisa bibliográfica e tem como objetivo apresentar abor-dagens e pressupostos sobre aqui-sição de competências de leitura.

Palavras-chave: leitura; profes-sor; ensino; competências; reflexão.

Our knowledge, throughout our trajectories of social life, personal and professional life, will be trans-formed into structures of thinking and acting. Ponder, rediscover, rebuild concepts and practices has been the subject of remarkable re-searchers on beliefs responsible for methodological choices, who will teach someone to read. This article is the result of bibliographic resear-ch and aims to present approaches and assumptions on acquisition of skills of reading.

Keyswords: reading; teacher; education; skills; reflection

Resumo Abstract

Introdução

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França8 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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deve-se, portanto, aos julgamentos que contribuem para a efetivação de normas de referência median-te as quais serão avaliados os comportamentos dos indivíduos.

O professor é um ser so-cial constituinte do seu meio, e constituido por ele, logo, tanto a sociedade quanto ele são unidades complexas. Esse em seu caráter humano comporta as dimensões biológica, psíquica, afetiva, social e racional, enquanto a sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, filosófica, sociológica, política, religiosa. A prática docente é, portanto, o resultado de todas as representações consolidadas na trajetória de vida, formação e pro-fissionalização do professor e, por isso, influenciam e determinam suas decisões e ações em sala de aula.

Desenvolvimento Em filosofia, mais especifica-

mente em epistemologia, crença é um estado mental que pode ser ver-dadeiro ou falso. Ela representa o elemento subjetivo do conheci-mento. Platão, iniciador da tradição epistemológica, opôs a crença (ou opinião - “doxa”, em grego) ao conceito de conhecimento. Uma pessoa pode acreditar em algo e, ainda assim, ter dúvidas. Acreditar em alguma coisa é dar a isso mais de 50% de chance de ser verdadeiro. Acreditar é ação. A crença é a certeza que se tem de alguma coisa. É uma tomada de posição em que se acredita nela até o fim, é também convicção, fé, con-junto de ideias sobre alguma coisa.

Uma questão fundamental sobre a epistemologia da crença é diferenciar o modo como cada um conhece suas próprias crenças do modo como cada um conhece as crenças dos outros. É possível para uma pessoa reconhecer e verbalizar imediatamente suas próprias crenças, no entanto, o conhecimento das crenças da outra pessoa não é imediato. É inferencial, apoiado na obser-vação do comportamento dela.

Nossos saberes, ao longo das trajetórias de vida social, pessoal e profissional, vão se transformando

em estruturas de pensar e agir. São esses saberes que se transformam em crenças, ou seja, adquirem de nós valor de confiabilidade, e por isso influenciam ou determi-nam as nossas decisões e ações. Torna-se, portanto, importante entender como os professores es-truturam e organizam o seu fazer pedagógico, tendo como ponto de partida suas crenças. Quando o professor pensa sobre educação, sobre sucesso ou fracasso escolar, bem como sobre expectativas, representações e saberes constru-ídos em sua prática diária, já há, mesmo que inconscientemente, condutas influenciadas e, por vezes, tomadas de posição arbitrárias, em decorrência de representações mentais. As opções que ele faz, suas decisões e ações serão decorrentes do que ele julga como “verdades”.

Uma crença só se modifica ou é substituída quando não mais for útil e, portanto, sem validade. Do ponto de vista psicocultural, o termo aparece sob o nome de pensamento, representação, orientações cognitivas, teorias implícitas, saberes, além de valo-res, expectativas, perspectivas e atitudes são, portanto, categorias que fazem parte da cultura e são estruturadoras de formas de pen-samento e de comportamentos.

Do ponto de vista filosófico ou sociológico o termo crença pode se tornar circular, pois, além de se diluir dentro das correntes de pen-samento, ele aparece junto a outros termos para explicá-lo, como o conceito de ideologia, por exem-plo. Nesse caso, ideologia pode ser explicada como um sistema de crenças e o conceito de crença pode ser considerado um tipo de pensamento que é ideológico.

O fazer pedagógico alicerça-se no pensar e no agir do professor, que toma, a todo o momento, de-cisões respaldadas em tudo em que acredita ser o melhor. Torna-se, no entanto, paradoxal quando ele amolda-se ao sistema e abre mão de suas convicções, contribuindo para um ensino com fracassos. Se o espaço escolar oferece condições para uma prática que remeta à

reflexão, cada professor, individu-almente, a partir de seu agir, poderá contribuir de forma participativa e democrática para criar espaços escolares ricos de contribuições, mas que culminem em projetos coletivos de resultados produtivos.

Estudar as concepções, os dilemas, as angústias, as práticas dos professores constitui rico material de investigação. Muitas vezes, há concepções tão enrai-zadas que nem mesmo o pró-prio educador tem consciência de que suas práticas estão au-tomatizadas em rótulos rígidos.

Segundo Perrenoud (2000), o professor deve trabalhar a partir não só de suas representações, mas também considerando as represen-tações dos alunos; ou seja, a sala de aula deve abrir espaços para discus-são, sem censuras ou preconceitos às analogias, às explicações animis-tas ou antropomórficas e aos racio-cínios espontâneos de seus alunos, pois é papel do professor incorpo-rar novos conhecimentos, reorga-nizando pra si e para os educandos novas estruturas do conhecimento.

Ainda para Perrenoud (1993), muitas vezes, ele age a partir de sua personalidade, hábitos, pre-ferências, automatismos, e até mesmo por caprichos, angústias ou culpabilidade, sem controle da ra-cionalidade; ou seja, ele segue uma rotina julgada consciente e racional, sem avaliar o caráter arbitrário que o leva a nem sempre ter verdadei-ramente o controle de suas ações.

No percurso desse estudo de natureza bibliográfica, objeto de pesquisa foram os pressupostos cognitivos e contextuais que in-fluenciam a consolidação das cren-ças dos professores em relação às escolhas metodológicas para o ensi-no da leitura, a partir da abordagem psicolinguística da aprendizagem da leitura, já que essa ciência estuda os fatores que afetam a decodificação das estruturas psicológicas que nos capacitam a entender expressões, palavras, orações, textos e, conse-quentemente, a desenvolver uma das habilidades da competência de letramento, que é a leitura. A visão teórica que orienta o “pano

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Ensino da Leitura: crenças, competências e reflexividade

de fundo” desse artigo é a de que a leitura é um processo que transcende o fazer sistematiza-damente fechado.

O ensino da leitura, nessa con-cepção, não está preso somente aos manuais ou à identificação de dificuldades de aprendizagem da leitura, mas às significações que circundam o processo de cons-trução de crenças, tendo como agente-foco da investigação o docente, que, mesmo antes de ensinar alguém, traz consigo per-cepções e convenções oriundas de seu histórico pessoal e de sua formação. Este estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas de abrir novos horizontes que provoquem inquietações do ponto de vista de futuras pesquisas sobre a epistemologia da prática docente, tomando a prática de ensinar como fenômeno concreto, sempre aber-to a novas investigações.

É importante ressaltar que a relação entre crenças e práticas pedagógicas não concebe duali-dade, e sim aponta possilidades de constantes reflexões sobre a natureza da nossa prática e cons-cientização de que a tarefa de ensinar alguém a ler, competen-temente, requer metodologias, técnicas, análises, avaliações e ressignificações dessa prática, dada a sua complexidade, já que envolve no processo de ensinar e aprender – professor – aluno – que pela subjetividade agem e reagem em situações reais de sala de aula, construindo e reconstruin-do suas crenças.

O paradigma ação-reflexão-ação de Schön, apresenta-se tam-bém como importante suporte teórico para este estudo. É neces-sário que o professor reflita cons-tantemente sobre os esquemas de ação e atitudes que adota em seu cotidiano, o que pode resultar em tomadas de consciência e de novas posturas, contribuindo para melhores resultados na responsa-bilidade de ensinar alguém a ler. Afirma que há um novo design para o ensino e a aprendizagem, e a prá-tica reflexiva deve ser estimulada, o que conduz a mudanças e tomadas

de decisões informadas pelo pro-cesso de reflexão sobre a prática.

Smith (1989), em sua obra Compreendedo a Leitura, afirma que esta nos permite manipular o próprio tempo, envolvendo-nos em ideias e acontecimentos, em proporção e em sequência parti-das de nossas escolhas, o que nos permite o ingresso em mundos, os quais, de outro modo, não seriam experimentados e, consequente-mente, não existiriam.

A leitura, no entanto, não deve ser considerada como um tipo es-pecial de atividade pelo professor, mas como algo que abrange aspec-tos amplos do pensamento e do comportamento humano. É im-portante compreender que o pro-cesso de ensino da leitura, de sua construção em sua complexidade, da maneira como se organiza, dos suportes teóricos que envolvem crenças e incorporam a prática do professor e a compreensão do contexto e de seu papel, tanto no resgate do implícito, quanto do explícito nos ambientes escolares, formam rico objeto de pesquisas.

Entre concepções e conceitos de leitura, não é possível deixar de lembrar Paulo Freire, que afirma que a leitura do mundo antecede a leitura da palavra, sendo, portanto, essencial que o professor valorize o conhecimento de mundo que o aluno traz, organizando-o, siste-matizando-o, sem perder de vista a importante conexão que deve ser feita entre textos orais e escritos, compreensão de contextos e ade-quação de usos das várias leituras possíveis no ambiente escolar.

Uma ruptura ou a suspensão do saber anterior da criança ao in-gressar na escola, em nome de um saber organizado e sistematizado para a aquisição de competência de leitura, parece negar o que os especialistas e estudiosos da leitura dizem sobre a concepção de que é necessário criar sentido para o que se aprende, contextualizando e atribuindo significados às pala-vras do repertório linguístico do aluno, relacionando-as ao texto escolar, em um processo contínuo de ressignificações. No entanto,

enfatizar só palavras também não resulta em aprendizagem signi-ficativa de leitura, já que texto é rede, produção de sentido e con-sequente compreensão. Segundo Foucambert:

“ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é”. (1994, p. 5)

Várias são as abordagens de ensino de leitura que apontam para novas percepções sobre a importância da concepção de lei-tura e escrita como prática social, cuja responsabilidade é em grande parte daquele que ensina alguém

a ler e que nessa relação há de haver negociações e validação dos conhecimentos, os quais abrem portas para uma formação crítica e de autonomia daquele que busca na escola conhecimentos que o torne capaz de estar no mundo como sujeito participativo com direitos. Assim sendo, segundo Resende, é importante refletir que:

“a leitura é um ato de abertura para o mundo. A cada mergulho nas camadas simbólicas dos livros, emerge-se vendo o universo interior e exterior com mais claridade. Entra-se no território da palavra com tudo o que se é e se leu até então, e a volta se faz com novas dimensões, que levam a re-inaugurar o que já se sabia antes”. (1993, p. 164)

Ainda em relação às concepções de leitura, Kato (1995, p. 53) diz que “o leitor mais competente é aquele que faz mais adivinhações acertadas e que o leitor imaturo é aquele que faz uma leitura linear com pouca

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Suely Mendes Braga

predição”.Essa linearidade descon-sidera a soma dos significados que promovem apreensão e apropria-ção das mensagens. Quando há apropriação, a compreensão nunca produz conhecimento em funcio-namento constante e possível de ser ativado em novas situações.

Em relação aos pressupostos cognitivos e contextuais da leitura, Van Dijk e Kintsch citados por Sil-via Terzi (2006, p. 17) apresentam uma proposta sociolinguística para a aprendizagem da leitura que se contrapõe ao enfoque estruturalista que via a leitura como um processo orientado por regras. Em seu mo-delo estratégico, os autores citados consideram a leitura em seu aspecto global, que não deve ser orientada somente pelos níveis morfológico, sintático, semântico e pragmáti-co, mas que interaja entre esses, ocasionado constante feedback em processamentos, através dos quais o leitor possa acessar informações disponíveis em ordens diferentes, dependendo dos conhecimento de que dispõe e do grau de co-erência necessário à compreen-são. No modelo de Van Dijk e Kintsch destacam-se os pressupostos cognitivos e os contextuais, o cognitivo inclui os pressupostos: construtivista, interpretativo, on line, pressuposicional e estratégico, enquanto os contextuais incluem: funcionalidade, pragmático, interacional e situacional. O construtivista baseia-se na representação mental de eventos lidos e é na sua constru-ção e em seus efeitos na memória que se constitui a compreensão. No interpretativo, o indivíduo não constrói uma representação dos dados linguísticos, mas sim de uma interpretação, já no on line a cons-trução dos dados utilizados como input dá-se no momento exato do processamento desse dados.

Concebe-se ainda que o pro-cessamento e a interpretação de dados não se dão apenas exter-namente aos dados, mas também internamente a eles, consideran-do concomitantemente aspectos cognitivos, conhecimento prévio, crenças, propósitos, etc, por isso, são chamados de pressuposições cognitivas do processo de constru-

ção, e daí serem denominados de pressupostos pressuposicionais. (Van DijK e Kinstsch, 2000, p. 18)

E por fim, não há, em rigor, uma ordem fixa, a cada ponto da leitura, para a utilização das várias informações. Por isso, o leitor usa as informações do texto de forma flexível, e, por vezes, estrategicamente, conforme suas necessidades, objetivando cons-truir uma representação mental, o que categoriza esse pressuposto como estratégico.

Os pressupostos contextuais derivam da amplitude que os dis-cursos assumem dentro de um con-texto sociocultural, já que não são produzidos no vácuo, por isso são classificados como: de funcionalidade, pragmático, interacionista e situacional. O pressuposto da funcionalidade considera não só a construção de uma repre-sentação mental que o leitor faz do texto, mas também do contexto social, promovendo uma interação entre essas duas representações.

No acionamento do pressuposto pragmático, o leitor constrói tam-bém uma representação para os possíveis atos de fala envolvidos no texto. Há, no entanto, nessa interpretação do discurso e nesses atos de fala um processo interacio-nal global entre os participantes, pressuposto interacional.

Completando a apresentação dos pressupostos, é possível con-cluir que o processamento do dis-curso contempla a situação social onde é dado, e está condicionado a normas e valores gerais, atitudes e convenções sobre os participantes de uma situação, compondo assim o que os autores citados chamam de pressuposto situacional.

A categorização desses com-ponentes no modelo estratégico de leitura de Van Djijk e Kintsch pode ser de grande utilidade para a verificação das estratégias usadas no momento da leitura pelos alunos ou quais desses pressupostos tornam possível categorizar as estratégias de ensino de leitura usadas pelos professores em suas aulas de leitura.

O ofício de ensinar, segundo Meirieu (1989) citado por Perre-noud (2000, p.11), pressupõe no-

vas competências tais como: prá-ticas reflexivas, profissionalização, trabalho em equipe e por projetos, autonomia e responsabilidades crescentes, além de pedagogias di-ferenciadas, centralização sobre os dispositivos e sobre as situações de aprendizagem, tudo isso ancorado pela sensibilidade à relação com o saber e com a lei. Há de se pensar então que existe, constantemente, uma ação transitiva que, no ato de ensinar, só se concretiza na prática; e que as competências ex-plicitas e implícitas nesse processo pressupõem alguém que dê signi-ficado ao que ensina e alguém que se apropria do que lhe é ensinado, estabelecendo uma relação dual, em que aprendente e ensinante se comunicam efetivamente criando relações de sentido aos compo-nentes curriculares.

Segundo as reflexões de Schön, apresentadas por Selma Garrido (2002, p. 19), é a partir da valori-zação da experiência e a reflexão na experiência, segundo Dewey, e do conhecimento tácito, conforme Luria e Polany, que foi possível pra Schön propor uma formação profissional baseada numa episte-mologia da prática, que segundo ele tem como pilar a valorização da prática profissional como mo-mento de construção de conheci-mento, através da reflexão, análise e problematização desta, que pode ser entendido como conhecimento na ação, que quando mobilizado pelo profissional na sua prática diária configura-se como um hábito insuficiente para o enfrentamen-to de situações novas, cabendo, portanto, aos educadores a busca de novos caminhos e de novas soluções, através da reflexão na ação, tornando possível a criação de novos repertórios de experiências, que por repetição ou similaridades configuram-se como novos conhe-cimentos práticos.

Ainda segundo Garrido (2002, p. 20), Schön denomina esse mo-mento como reflexão sobre a reflexão na ação e a partir da valorização da pesquisa na ação docente é que se convencionou denominar o profes-sor pesquisador de sua prática. Isso

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Ensino da Leitura: crenças, competências e reflexividade

implica uma formação com valori-zação da prática que não se limita ao tempo dessa formação, mas desafia o professor a refletir sobre sua atuação diária, possibilitando-lhe dar respostas às novas, incertas e indefinidas situações que se lhe são apresentadas.

Todo professor, a partir de sua condição humana, reflete. A partir dos anos 1990 do século XX, a expressão “professor reflexivo” foi apresentada ao cenário educa-cional como se fosse somente um atributo de determinado tipo de profissional e não um movimento teórico de compreensão da prática docente. A clarificação do concei-to pôde apresentar seu ponto de culminância, a partir dos estudos realizados por Donald Schön, no Instituto de Tecnologia de Mas-sachusets, EUA, 1998.

Intuitivamente, bons profes-sores refletem permanentemente quando se deparam com situações-problema em sala de aula e se valem de estratégias nem sempre planejadas que lhes permite acionar capacidades de solucionar proble-mas em um cenário constantemente instável como o da sala de aula. É neste momento que o professor nem sempre se guia por critérios técnicos pré-estabelecidos.

Para Nóvoa (1997, p.27): “as situações conflitantes que os pro-fessores são obrigados a enfrentar (e resolver) apresentam características únicas, exigindo, portanto características únicas: o profissional competente possui capacidades de auto-desenvolvimento reflexivo (...) A lógica da racionalidade téc-nica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma práxis reflexiva”.

Quando se fala em práxis, é importante ressaltar que a forma-ção dos profissionais da educação, há muito tem demonstrado certo distanciamento das discussões emer-gentes que propõem desconstrução da formação cartesiana, em que a teoria desvincula-se da prática e a prática é considerada como conse-quência de uma consistente forma-ção teórica. Dessa forma, reprodu-zem-se profissionais com pouca, ou nenhuma criatividade para lidar com as diferentes situações que a prática

lhes impõe. É importante, portanto, entender se toda e qualquer prática é reflexiva, e se professores “em serviço” reconhecem suas práticas como reflexivas.

Com o intuito de assumir o pa-pel de proporcionador e facilitador de aprendizagens significativas no contexto de uma pratica fundamen-tada, o professor deverá ser capaz de gerir a função de fazer aprender através de constantes questiona-mentos da sua prática, segundo referentes teóricos que deverão aprofundar em articulação com sa-beres privados (Perrenoud, 2000), no sentido de melhorar o seu desempe-nho e de produzir novos saberes. A seguir, serão apresentadas algumas das competências defendidas por esse autor que dão “luz” à aborda-gem da prática reflexiva.

Os estudos sobre as compe-tências para ensinar, bem como o ensino como prática reflexiva vêm se estabelecendo, e, notadamente no Brasil, segundo (Garrido; Ghe-din, 2002) é uma tendência signifi-cativa nas pesquisas em educação, apontando para a valorização dos processos de produção do saber docente a partir da prática, tendo como ponto de partida e de che-gada a articulação com a pesquisa.

“Concordando com a fertilidade dessa perspectiva, cabe, no entanto indagar: que tipo de reflexão tem sido realizada pelos professores? As reflexões incor-poram um processo de consciência das implicações sociais, econômicas e políticas da atividade de ensinar? Que condições têm os professores para refletir?” (2002, p. 22)

Quando nos deparamos com si-tuações concretas, no entanto, ainda encontramos professores recente-mente formados, professores em formação e alguns com muitos anos de trabalho que sequer ouviram falar do conceito de professor reflexivo.

Ainda em relação à reflexão na ação descrita por Schön, Eraut (1995) chama-nos a atenção sobre a dimensão temporal como um ele-mento condicionante do processo de reflexão e afirma que é pelo mecanismo metacognitivo que o professor cria condições de tomar decisões em tempos que não per-

mitem uma reflexão propriamente dita. Para ele quando o tempo é extremamente escasso, as decisões têm que ser rápidas e o espaço para reflexão fica também extremamente limitado, por isso, a reflexão deve ser apropriadamente percebida como um processo metacognitivo, em que o professor, em permanente estado de alerta quando se vê diante de um problema, lê rapidamente a situação, decide o que fazer e pros-segue a sua ação.

Espera-se desse professor a capacidade de questionamento da eficácia de sua prática, consciente do seu direito à autonomia pro-fissional. É exigido, no entanto, dele, competências apropriadas a um fazer pedagógico reflexivo, dentre elas: organização e direção das situações de aprendizagem. Nessa competência, a capacidade de questionamento da eficácia da ação e de reorientação da prática, que está diretamente associada ao direito de exercício de autonomia profissional, exige do professor o desenvolvimento de competências próprias de um profissional refle-xivo (Schön, 2000).

A importância para Perrenoud (2000, p. 24) de o professor avaliar a pertinência e a eficácia de suas ações na condução de situações de aprendizagem está na necessidade de um diálogo reflexivo entre o profissional e a situação complexa em que este se encontra.

Concepção e realização da evo-lução dos dispositivos de diferencia-ção. Essa é também uma importante competência a ser desenvolvida por um profissional reflexivo, já que é na rotina da sala de aula que o pro-fessor tem possibilidade de entrar em contato com a desconstrução, com a transformação de processos, os quais devem ser concebidos, a partir do constante diálogo ba-seado no conhecimento na ação. Segundo (Clandinin e Connelly, 1986; Zeichner, 1987), é no conhe-cimento tácito construído durante a ação que há informações que subsidiam as tomadas de decisão no percurso da ação. Esse conheci-mento é operado, muitas vezes, em nível intuitivo e implícito.

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Consideraçõesfinais

Se a prática do professor não se limita a um agir meramente técnico, mas que sofre todas as influências, relativamente a sua trajetória como sujeito que se constituiu historica-mente com crenças, experiências e contato com os saberes organi-zadamente teóricos, que também determinam o seu agir, faz-se ne-cessária uma reflexão, no sentido de se analisar e de se rever as práticas deste que utiliza dispositivos advin-dos do seu olhar, de sua observação e de sua formação que determinam o seu fazer. Por isso, não pode ser visto somente como um transmissor de conhecimento, já que tudo que ensina não é um objeto neutro, mas implicado, caracterizado por um discurso que toma forma no seu exercício profissional. Ensinar a ler nessa perspectiva é um exercício de reflexão sobre as competên-cias comunicativas, abordagens e concepções que determinam um ensino legitimamente capaz de pre-parar o aluno para analisar, inferir, entender e constituir-se como um indivíduo letrado.

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Referências bibliográficasSchön (2000) denomina esse momento como reflexão na ação e identifica o próximo momento como Reflexão sobre a ação, quando a ação torna-se o objeto da própria reflexão. Entendendo que ser refle-xivo exige do profissional explicitar práticas, legitimá-las, modificá-las, ou compará-las, criando novos per-cursos. Para Perrenoud constitui-se como dupla construção.

“Toda competência individual constrói-se, no sentido de que não se pode transmiti-la, de que só pode ser treina-da, nascer da experiência e da reflexão sobre a experiência, mesmo quando existem modelos teóricos, instrumentos e saberes procedimentais.No domínio em questão, as competên-cias a construir não são inteiramente identificadas, porque os dispositivos de diferenciação ainda são bastante sumários, frágeis e limitados. Cons-truir competências individuais nesse domínio é, portanto, participar de um procedimento coletivo que mobilize os professores inovadores e os pesquisa-dores.“ (2000,p.65).

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Este artigo objetiva analisar as TIC enquanto campo de saber imprescindí-vel à formação/atuação do educador, como uma demanda necessária do mundo contemporâneo. A discussão teórica abraça os estudos da Crítica da Economia Política. Portanto, pauta-se na perspectiva da dialética materialista histórica, elegendo o trabalho intelec-tual como categoria central. Partiu de revisão da produção científica na área e constituiu importante enriquecimento do marco teórico e da discussão dos achados bibliográficos com base em nossa experiência prática profissional. Pretende-se, a partir deste artigo, con-tribuir com o debate mais específico, acerca da aplicação das tecnologias na formação e na atuação do educador. Finalmente, em nível de resultado, o artigo mostra que dificuldades operacionais de implementação da tecnologia no cotidiano da sala de aula, em qualquer nível de ensino, em vez de suprimir, alimentam e retroalimentam uma discussão que entendemos crucial ao saber-fazer docente.

Palavras-chave: Tecnologias da Informação e da Comunicação. Trabalho Intelectual. Formação de Educadores. Prática Docente.

This article aims to discuss the TIC like a field of essential knowledge to the formation/performance of an educator, as a necessary demand of the contemporary world. The theoretical discussion hugs the studies of the Poli-tical Economy Criticism, so is ruled in the perspective of the historical mate-rialistic dialectic, electing the intellectual work as central category. It started from revision of the scientific production in the area, being enriched by theoretical landmark and discussion of the biblio-graphical finds on basis of our practical professional experience. It is intended, from this article, to contribute with the discussion most specific, concerning the application of the technologies in the formation and the performance of the educator. At last, in terms of results, the article shows that operational diffi-culties of technology implementation in the daily classroom, on any stage of school, instead of suppressing, they feed and feedback a discussion which we understand as of the most importance to knowledge-acting of the teacher.

Keywords: Information and Com-munication Technologies. Intellectual Work. Educational Formation. Tea-ching Acting.

Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira

Coordenadora do Curso

de Pedagogia da Facul-

dade São Luís de França.

Mestre em Educação

(Universidade Federal de

Sergipe) e Doutoranda

em Educação (UFS).

Information and Communication Technologies: Contemporaneous Knowledge in the Educational Formation/Performance

[email protected]

Resumo Abstract

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França14 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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1- Analisamos um total de doze trabalhos: quatro resumos de teses de Doutorado das Universidades Federais de São Paulo, São Carlos/SP, Santa Catarina e Ceará, disponibilizados no Banco de Teses da Capes; quatro dissertações completas de Mestrado das Universidades Estaduais da Bahia e de São Paulo (Presidente Prudente), Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP, Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponibilizadas no site de domínio público do Governo Federal/MEC; quatro dissertações completas de mestrado da Universidade Federal de Sergipe, disponibilizadas no portal da UFS. Cfe. referências digitais ao final deste artigo.

O tema Tecnologias da informação e da comunicação: saberes da contempora-neidade na formação do educador surgiu como um desmembramento dos recentes estudos efetuados no Pro-grama do Mestrado em Educação, que culminaram com a defesa, em 2007, da dissertação intitulada As tecnologias da informação e da comuni-cação e o trabalho intelectual docente na Universidade Federal de Sergipe, sob a orientação da Profª. Drª. Maria de Fátima Monte Lima.

Enquanto discente dos cursos de Bacharelado em Informática (1991) e Licenciatura em Pedagogia (1997) daquela instituição, constatamos a necessidade cada vez mais urgente de que professores e alunos tivessem acesso a uma infra-estrutura e aos conteúdos tecnológicos, para que se apropriassem destes conteúdos e trabalhassem de forma orgânica.

Nossa experiência mais recente no Mestrado em Educação defla-grou um quadro bastante semelhan-te àquele vivenciado na Graduação. Embora desenvolvendo investiga-ção em linha de pesquisa intitulada Novas Tecnologias, Educação e Trabalho, constatamos que o curso não dis-punha de uma disciplina obrigatória que abordasse a temática das TIC, tampouco as disciplinas existen-tes contemplavam essa temática, através dos estudos teóricos e das discussões em sala de aula.

Com efeito, não houve qual-quer tipo de utilização das TIC durante o processo de ensino-aprendizagem. Também não exis-tia Laboratório de Informática, nem de outras mídias. Esta reali-dade tornou-se ao mesmo tempo desafio e estímulo à condução do nosso processo de pesquisa. De-safio, diante das lacunas teóricas que precisaram ser supridas fora do curso, como, por exemplo, nas orientações da dissertação. Estímu-lo, justamente pela carência de uma

Introdução

15 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

abordagem sistemática do conheci-mento das TIC e de sua aplicação no processo de aprendizagem, isto é, seu uso efetivo no Curso de Pós-Graduação da referida Instituição.

Por outro lado, nossa experi-ência profissional, há cinco anos atuando numa instituição particular de Ensino Superior, como docente do curso de pedagogia, assinalou a necessidade generalizada de contato de professores e alunos com as no-vas tecnologias, a fim de melhor fo-mentar o trabalho intelectual. Este, mediado pelas TIC, efetivamente pode culminar na disseminação de novas ideias, bem como na criação de grupos de discussão e equipes de trabalho, através de ambientes virtuais, no sentido de qualificar o processo de produção e socialização de conhecimentos, básico na for-mação docente e discente.

Tais implicações, advindas com as transformações da infra-estrutura tecnológica da socie-dade, no dizer de Fialho (2002), encontram-se perpassadas pela ruptura-reconstrução da interativi-dade em sua dimensão pedagógica. Para este autor, a transformação do paradigma trabalho-saber

“desafia a abordagem educacional con-vencional, ao requerer reformas no plano pedagógico (aprendizado personalizado em roteiros flexíveis, aprendizado coope-rativo em redes, docente como animador de comunidades de aprendizagem) e no plano institucional (novo papel para as universidades, criação de um sistema de validação de percursos individuais de aprendizagem, de know-how e de saberes não-acadêmicos)”. (Fialho, 2002, p.77).

Diante de tais problemáticas, defendemos a pertinência e a re-levância do tema aqui discutido, não só enquanto possibilidade de aprofundar os fecundos estudos desenvolvidos no percurso do Mestrado, mas, sobretudo, para contribuir com o debate mais específico acerca da aplicação das tecnologias na formação e na

atuação do educador. Trata-se de uma discussão crucial ao saber-fazer docente, que esperamos servir de estímulo para a superação das dificuldades de implementação da tecnologia no cotidiano da sala de aula, em qualquer nível de ensino.

Esta preocupação foi um resul-tado do estudo exaustivo da relação tecnologia e trabalho intelectual do-cente, que levamos a cabo na ocasião do Mestrado. Tal estudo foi determi-nante para que nos debruçássemos na tarefa de pensar sobre como esta relação repercute no processo de formação e na atuação do educador, foco maior de nossos estudos teóri-cos e da nossa prática profissional.

Para dar conta desta tarefa, sem incorrer em digressões inúteis, e, ao mesmo tempo, conhecer o atual es-tado da arte deste objeto, optamos por efetuar inicialmente um breve exame da produção científica1, oriunda de instituições de renome, em nível local e nacional, que ver-sam sobre o uso das tecnologias na formação de educadores. Através desse levantamento inicial, consta-tamos uma série de questões, passí-veis de problematização. Na maioria das vezes, a fragilidade de alguns trabalhos revela-se já na escolha do tema: os títulos anunciados na capa não correspondem à proposta de in-vestigação defendida em seu interior. Neste contexto, foi possível perceber ainda que a cobrança do método pelo método leva alunos, de dife-rentes programas de pós-graduação, a seguirem o “caminho” de outros pesquisadores, sem amadurecer as próprias opções metodológicas e, mais grave ainda, sem o suficiente domínio do método escolhido. Gatti (2002) atribui essa falta de consis-tência metodológica à ausência de uma tradição de pesquisa nas áreas sociais e humanas nas universidades brasileiras, advertindo que:

“cria-se, na ambiência de uma tradição de pesquisa, certos modos de olhar os eventos que interessam aos estudos

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Tecnologias da informação e da comunicação: saberes da contemporaneidade na formação/atuação do educador

em determinada área. Estar-se consciente e atento a modos específicos de situar-se na pesquisa é condição de domínios de mé-todos. Ao contrário, sem se compreender como valores e habilidades cognoscitivas desenvolvidas ao longo das relações aca-dêmicas atuam no estudo do que se chama realidade, não se pode ter clareza e domínio metodológico”. (GATTI, 2002, p. 57).

Prosseguindo nos rudimen-tos da nossa análise, quanto ao quadro teórico, a situação é ainda mais alarmante. No contato com inúmeras teorias, nem sempre de forma cautelosa e aprofundada, o trabalho fica pulverizado com uma série de autores, sem que se adote um corpo teórico bem definido. Algumas vezes utilizam-se, inadver-tidamente, teorias conflitantes, sem fazer a devida crítica das leituras efetuadas. Quanto a este aspecto, novamente, as colocações de Gatti (2002) nos parecem particularmente esclarecedoras:

“sem reflexão e auto-reflexão sobre o ato de conhecer, as formas de ver e colocar problemas, a maneira de tentar abordá-los, sem crítica e autocrítica não há pesquisa. Porque pesquisar é avançar fron-teiras, é transformar conhecimentos e não fabricar análises segundo determinados formatos. Balizas, sim, consistências, sim, plausibilidade, sim, aprisionamento do real em dogmas, não”. (GATTI, 2002, p. 57).

Na amostra das produções analisadas, a subordinação dema-siada ao pensamento de autores conceituados em diferentes áreas de conhecimento leva à perda da autonomia intelectual. Não se sabe ao certo o que o aluno pensa do seu trabalho, as ideias não estão articuladas, ele não reflete, não le-vanta suas próprias hipóteses e não realiza uma análise crítica da sua própria prática intelectual, o que culmina numa produção deficiente.

Em suma, a breve análise des-tas produções coaduna com os elementos mais amplos apontados por Gatti (2002), com referência ao processo de construção da pesqui-sa em educação no Brasil.

1. Um cenário e algumas implicaçõesAo ler os trabalhos produzidos

em nível de mestrado, desde uma

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perspectiva teórica, a sensação que dá é a de que os textos fazem parte de um mesmo tecido. Utilizam-se de ideias muito parecidas, quase as mesmas opções teórico-metodo-lógicas, os mesmos chavões já tão desgastados na literatura científica. Em matéria de tecnologia aplicada à educação, há outro grave proble-ma: muita gente acaba por discutir tecnologia sem ter o domínio efe-tivo do que é educação.

Tanto no âmbito da produção científica quanto no campo da for-mação/atuação docente, a herança positivista foi substituída pelo legado da técnica sem, contudo, brindar-nos com uma perspectiva mais contextualizada, inter-subje-tiva e integradora de compreensão da realidade. Expressões como ci-bernética, telemática, ciberespaço, TIC, Internet, multimídia, virtua-lidade, aparecem constantemente, com foco em seu uso no processo educacional, em detrimento de uma discussão mais crítica dos condi-cionantes econômicos, políticos e sociais, que determinam, inclusive, a progressiva inserção da tecnolo-gia no cotidiano.

Em síntese, em nome de uma visão reducionista, perde-se a capa-cidade crítica frente a estas questões e, o que é pior, perde-se a capacida-de de autocrítica diante daquilo que se produz. Outrossim, constituem agravante as crescentes exigên-cias de elevação da produtividade científica, em consonância com as demandas do mercado capitalista, o que colabora para um enorme vácuo de originalidade e consis-tência teórico-metodológica, que assola grande parte dos trabalhos acadêmicos. É fato que

“em relação à orientação pedagógica o Banco Mundial tem se constituído no intelectual coletivo por excelência tendo como eixo a adaptação e conformação do trabalhador, no plano psicofísico, intelectual e emocional, às novas bases materiais, tecnológicas e organizacionais da produção”. (FRIGOTTO, 2001, p. 27).

Com efeito, no afã de produzir cada vez mais em menor tempo, perde-se o tempo da fruição do conhecimento, da reflexão caute-losa sobre o que se produz e, mais,

do necessário amadurecimento intelectual na troca de ideias entre pares, mais ou menos próximos, geográfica ou teoricamente.

Entretanto, o exercício de pro-dução acadêmica requer a condição de fazer opções teórico-metodoló-gicas mais coerentes. Além disso, exige originalidade, o que implica um tratamento diferenciado à fundamentação e à interpretação dos dados. Na análise realizada por Gatti verifica-se que,

“de modo geral observa-se uma certa pobre-za na forma pela qual os autores tratam as informações bibliográficas disponíveis. Ou se faz relato do que já se tem como acervo, ou seja, cópia do que está nos livros e portanto é acessível a qualquer um [...]; ou se faz uma revisão bibliográfica sem ’reconstrução’, sem nenhuma perspectiva pessoal interpretativo-crítica sobre o tema”. (2002, p. 65).

A autora esclarece que um co-nhecimento específico e insubsti-tuível só pode nascer do próprio contato-vivência do pesquisador com a área ou, no caso de áreas mais aplicadas, no contraponto da experiência cotidiana do seu trabalho. Sendo assim, o avanço na compreensão do objeto de estudo requer aprofundamento. Em termos de pesquisa educacional, é preciso ultrapassar as aparências para dar conta da realidade, e isso requer um exercício dialético rigoroso. Na busca por esta maturidade, o caminho apresenta-se árido, pois é preciso admitir problemas como, por exemplo, a posição defasada que o nosso país ocupa em termos dos delineamentos da política inter-nacional, na luta desenfreada pelo poderio do capital, o que determina uma situação de subjugação eco-nômica em relação à produção, ao acesso e à utilização das tecnologias.

É preciso admitir, também, a historicidade de problemas educa-cionais que não foram resolvidos ao longo de séculos e que contri-buem para fossilizar a educação e a sala de aula, contrastando com o discurso futurista das salas de aula virtuais, quando a concepção mais tradicional de aprendizagem ainda não foi superada por outras proposições, que de fato atendam à construção de uma nova realidade.

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Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira

Machado (1994) coloca que as novas necessidades ultrapas-sam a mera interdisciplinaridade. Com o papel fundamental das informações, na atualidade, um patamar básico de relacionamen-to com as tecnologias requer a capacidade de inovar, produzir soluções tecnológicas em conso-nância com as demandas sociais de nosso tempo, o que exige muito mais do sistema educa-cional. Segundo suas palavras:

“tem-se, portanto, problemas de investi-gação pedagógica de grande relevância, relacionados aos desafios da conversão do novo saber científico em saber escolar e da nova cultura tecnológica em cultura escolar, quando se sabe que o anterior saber científico e o anterior saber tecnológico mal chegaram à soleira da porta da escola”. (MACHADO, 1996, p. 140).

Com efeito, no contexto dessas vicissitudes e contradições históri-cas, discute-se a questão do acesso aos artefatos tecnológicos, sem buscar compreendê-lo como parte de uma arraigada e pré-existente problemática sócio-político-eco-nômica. Discute-se como o aluno usa estes artefatos, esquecendo-se de que, antes de saber usá-los, é preciso saber ler o mundo, saber pensar e criar, a partir dessa leitura, saber comunicar e registrar aquilo que se pensa. Investiga-se por que o aluno não aprende a usar a tecnologia, esquecendo-se que este muitas vezes não sabe nem mesmo aprender, e quando se trata das camadas mais pobres da população mundial, como se vai aprender so-bre um “mundo de coisas” ao qual não se tem acesso?

Neste contexto ainda fala-se da capacidade de selecionar infor-mações, com o advento da Internet, esquecendo-se de levar em conta que a própria educação não forma uma massa crítica capaz de enten-der as mensagens subliminares que circulam na rede, engendradas pelo sutil processo de manipulação ideológica de que lançam mão os detentores do capital, para garantir sua situação de hegemonia.

Segundo Lima, para que a escola supere esse processo de

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manipulação e conceba os meios de comunicação e informação como aliados do processo educativo, precisa

“transformar o exercício único de trans-mitir/assimilar conhecimentos e repetir atitudes/habilidades ampliando, assim, seu universo cognitivo com o ato de conhecer/produzir/comunicar saberes e conhecimentos na convivência com as diferentes culturas, raças e classes so-ciais através das redes”. (2004, p. 183).

Não obstante, nesse sentido, dois questionamentos basilares se impõem: a) Vamos discutir tecnologia sem admitir, enquanto educadores, o nosso próprio atraso cultural, intelectual e tecnológico? b) Sem admitir que não há como se apropriar destes artefatos se não soubermos ler, escrever, pensar, estudar, aprender, nos comunicar e que, muitas vezes falhamos, ao considerar a incompetência do aluno como uma questão de méri-to, esquecendo-nos de relacioná-la com as fragilidades da nossa pró-pria prática pedagógica, inserida na dinâmica social, econômica e política mais ampla?

Buscar respostas cuja razoabili-dade nos proporcione algumas eluci-dações constituirá o cerne deste artigo.

Estamos falando de educadores formando educadores, para favore-cer em seus alunos a aquisição dos conhecimentos de nosso tempo. Entretanto, os cursos de formação de educadores que abordam as tecnologias limitam-se a descrever determinadas situações de aprendi-zagem, através de certos programas e aplicativos, sem considerar pro-blemas como o da exclusão digital, que deixa uma grande parcela da população em posição de desvan-tagem, com relação à minoria que tem amplo acesso aos artefatos tecnológicos, aprofundando o fosso entre as classes sociais.

Não obstante, ainda que as políticas não estejam devidamen-te articuladas, conforme aponta Pretto (2006), existem iniciativas do Governo Federal, no sentido de favorecer a inclusão digital, a exemplo da política de introdução do software livre na administração federal, com destaque para a ação do MEC em lançar edital do PROINFO (Programa Nacional de Informática na Educação) para a compra de computadores, incluin-do a possibilidade do software livre.

No bojo da discussão sobre exclusão digital, é totalmente re-dundante dizer de que lado estão os estudantes das escolas públicas. É imprescindível, porém, situar o tipo de formação que recebem os professores deles, questionando-se em que medida tal formação tem instrumentalizado estes profissionais para o enfrentamento crítico dos problemas que perpassam a relação tecnologia-educação na sociedade em que vivemos. Igualmente importante é repensar as condições de sua atua-ção profissional e, em que medida, essa atuação favorece processos crí-ticos e construtivos de construção de conhecimentos por parte dos alunos, a partir da aplicação das tecnologias.

Uma possibilidade de resposta à abordagem dessas questões é pensá-vel a partir da perspectiva da dialética materialista histórica, situada por Fri-gotto nos termos seguintes, segundo os quais aquela deve ser entendida

“enquanto uma postura, ou concepção de mundo; enquanto um método que permite uma apreensão radical (que vai à raiz) da realidade e, enquanto práxis,

2.Tecnologias e formação/atuação

do educador

Sem dúvida, quando falamos de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), estamos falando de saberes e competências imprescindíveis ao processo de formação de educadores na con-temporaneidade. É fundamental, segundo nosso juízo, constatar que:

“a crescente tecnificação do cotidiano social constitui um fator impulsionador da tendência de incorporação do ensino da tecnologia na educação prescrita a todos.[...] A nova educação geral é vista como aquela que oferece as bases para a formação continuada: competência para a comunicação social, alfabetização com-putacional e domínio dos seus meios, e a habilidade para saber buscar, documentar, comparar, classificar, generalizar, aplicar e criticar informações”. (MACHADO, 1996, p. 138-140).

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Tecnologias da informação e da comunicação: saberes da contemporaneidade na formação/atuação do educador

isto é, unidade de teoria e prática na busca da transformação e de novas sínteses no plano do conhecimento e no plano da realidade histórica”. (1989, p. 73).

Com efeito, na concepção materialista histórica, o trabalho, as relações sociais de produção se constituem “nas categorias básicas que definem o homem concreto, histórico, os modos de produção da existência, o pressuposto do conhecimento e o princípio educa-tivo por excelência” (FRIGOTTO, 1989, p. 82). Com base nisso, a

abordagem dialética é a mais ade-quada ao nosso objeto de estudo, pois segundo nosso juízo, propicia a apreensão crítica da totalidade da problemática em que este se insere.

Assim, buscamos entender a construção histórica de nosso objeto de estudo mediante as transforma-ções ocorridas na economia e na sociedade, as quais geram repercus-sões para o processo de formação de educadores, a partir do implemento das TIC nos processos educativos particularmente considerados.

Inicialmente, procuramos situ-ar com Kawamura (1990) catego-rias-chave para a nossa discussão, como educação e tecnologia. Se-gundo a autora,

“novas tecnologias compreendem conhecimentos científicos avançados aplicados ao processo produtivo confor-me os interesses econômicos e políticos dominantes. Educação compreende o conjunto de instituições, processos formais e informais de elaboração, organização e difusão de ideias, valores

e atitudes ligados basicamente aos interesses das classes dominantes”. (KAWAMURA, 1990, p.5).

Frente a esta perspectiva, o enfoque das TIC enquanto sa-ber contemporâneo que deveria integrar os cursos de formação de professores, não pode perder de vista as relações ideológico-culturais que permeiam a luta de classes, uma vez que

“através da educação, enquanto instância ideológica, as classes dominantes criam, organizam e difundem os padrões éticos, científicos, artísticos e outros, com vistas à articulação cultural favorecendo basica-mente seus interesses”. (KAWAMURA, 1990, p.14).

Neste sentido, o quadro teó-rico que fundamenta este artigo estrutura-se com base nos estudos da Crítica da Economia Política, com ênfase na categoria Trabalho, enquanto produção material da sociedade capitalista. Tal categoria, entretanto, é aqui assumida a partir da inserção das novas tecnologias, como elemento da infraestrutura social produtiva, que modifica a ação da Educação, enquanto prática institucional e social, o que implica a compreensão crítica desta realidade.

Estudos contemporâneos de pesquisadores, como Kawamura (1990), Machado (1994), Kuenzer (1998), Bolaño (2001), Lima (2002), Miranda (2006), no campo da Edu-cação, Novas tecnologias e Prática Docente, apontam como as trans-formações significativas no mundo do trabalho lançam novos desafios para a Educação. As exigências da modernidade inauguram novas relações entre trabalho, ciência e cul-tura, constituindo um novo projeto pedagógico, com vistas à formação dos diferentes profissionais, traba-lhadores, cidadãos consumidores e produtores de conhecimentos, pro-tagonistas da sociedade globalizada.

Neste cenário, Morin (2003) aponta sete delineamentos necessá-rios à educação do futuro: preparar para enfrentar os riscos perma-nentes do erro e da ilusão rumo à lucidez, ensinar os métodos que permitam estabelecer as influências recíprocas entre as partes e o todo,

preparar para enfrentar as incerte-zas, ensinar a condição humana, a identidade terrena, a compreensão e a ética do gênero humano.

Para compreender as recentes demandas que se colocam para a educação, é preciso caracterizar as principais repercussões da atual configuração do modo de produ-ção capitalista, denominada por alguns autores de reestruturação produtiva, por outros de acumula-ção flexível, ou ainda mundializa-ção da economia, de acordo com o foco de análise abraçado.

A reestruturação do capitalismo influencia diretamente os processos de trabalho que, para Bolaño (2004), tendem hoje para uma intelectuali-zação. Historicamente, a separação entre trabalho manual e intelectual adquire um caráter específico no ca-pitalismo, pois se dá não só na esfera macro-social, mas também no inte-rior do próprio processo produtivo, alienando o trabalhador manual, ao impedi-lo de usar todas as suas capacidades mentais e de ter uma visão completa de todo o processo de produção, mas também o inte-lectual, que perde a capacidade de atuar, diretamente, sobre os meios e objetos de trabalho, atrofiando uma parte das suas potencialidades criativas (BOLAÑO, 2004, passim).

Com efeito, segundo Bolaño (2004, passim), a introdução da informática nos processos de tra-balho convencionais e a crescente intelectualização do trabalho do operariado tradicional nada têm a ver com uma superação da alienação do trabalho, mas com a mudança do sentido da alienação e com o aprofundamento do enquadramen-to do trabalhador, com o avanço da exploração das suas energias e capacidades mentais, para além das suas energias físicas e capacidades criativas manuais.

No âmbito dessa discussão, vale notar que com o professor não é diferente, afinal ele se insere na dinâmica social, na condição de vendedor da mercadoria força de trabalho, sofrendo um progressivo processo de proletarização, com a perda de suas qualificações e, con-sequentemente, do domínio sobre

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o próprio processo de trabalho. A busca de novas formas de su-bordinação ao capital determina a cooptação da subjetividade do trabalhador, processo que se ma-terializa no direcionamento de sua formação/qualificação (OLIVEI-RA, 2007).

É importante ressaltar aqui a amplitude da categoria trabalho docente. Conforme Miranda (2006, passim), a natureza do traba-lho docente não pode ser definida pela produtividade ou improdutivi-dade, tampouco pela materialidade ou imaterialidade, vez que este trabalho assume diferentes for-mas em circunstâncias diferentes. Em um dado momento, pode ser considerado produtivo, noutro improdutivo. Por outro lado, apesar da predominância do componente intelectual do trabalho, a atuação docente não está imune a diferentes graus de objetivação.

Ao refletir sobre as TIC na formação/atuação do educador, estamos falando não só do pro-fessor que trabalha formando professores em nível de graduação, mas também do professor que está sendo formado para traba-lhar na formação de cidadãos na educação básica e fundamental. A repetição dos termos formação, trabalho e professor é proposital, afinal estas são categorias-chave em nossa discussão. Cunha (2001) situa muito bem estas três categorias, relacionando-as mutuamente:

“O trabalho docente acontece num espaço de cultura entendida como habilidades, dados, teorias, normas, instituições, valores e ideologias, que passam a ser conteúdo da aprendizagem e para o qual todos contribuímos, quer sejamos teóricos, práticos, especialistas, leigos, etc. Aí está a história das informações, os constructos que nos levam a pensar de determinada forma, os sistemas teóricos, as orientações de valor, os conceitos e os preconceitos e tantas outras dimensões que, mesmo que não as reconheçamos como importantes, permeiam o trabalho educativo. É nesse sentido que o ensino é um significativo espaço de formação”. (CUNHA, 2001, p. 85).

Avançando na compreensão destas categorias, Lima (2002, passim) aponta como, de acordo

com diferentes momentos históri-cos, a economia e a sociedade têm determinado novas necessidades de instrução e qualificação dos trabalhadores. Assim, conforme a autora, no modo de produção ca-pitalista, a ciência e a técnica assu-mem papéis centrais no moderno processo produtivo, em detrimento da arte e da cultura. Também o papel da escola, enquanto agência socializadora e formadora para o trabalho, ganha destaque nos discursos sobre a relação entre desenvolvimento e educação.

De acordo com esta autora, a participação da Internet no processo de transformação do trabalho e da cultura, possibilita a sua ligação com a própria democratização do ensino público e das TIC, bem como com a dinâmica cultural nas instâncias públicas e educativas. Para a autora,

“nesse universo, o trabalho intelectual, a partir da utilização das TIC, objetivado no trabalho pedagógico, passa então a configurar uma das preocupações sociais para com a Educação, no século XXI. Daí a necessidade de que não venha a pre-valecer o controle das informações e dos conhecimentos, no processo de trabalho escolar, só pelo Estado e pelo capital. A participação da sociedade é imprescindí-vel à universalização da Educação e das TIC”. (LIMA, 2002, p.181).

Diante de tais elementos, Miranda (2006, passim) alerta que o caráter do trabalho docente não pode ser interpretado como imbuído de uma força mística, imune à subordinação do capi-tal. Pelo contrário, este trabalho encontra-se incorporado ao pro-cesso de acumulação capitalista, cuja lógica organizativa aponta dois delineamentos. O primeiro deles reside na tendência a um processo crescente de alienação do trabalho docente, com a perda de autonomia do professor, cujo trabalho encontra-se fragmentado por áreas e submetido a rígidos processos de controle. O segun-do delineamento, colocado pela autora, consiste na tendência à subsunção real ao capital, conceito já colocado por Bolaño (2001).

Neste contexto, de acordo com Bolaño, o significado profundo da

Terceira Revolução Industrial, que protagonizamos

“está no fato de que as tecnologias da informação e da comunicação (TIC’s), entre outras coisas, permitem uma ex-tensa subsunção do trabalho intelectual e a intelectualização geral dos processos de trabalho tradicionais e do próprio con-sumo. Nessas condições, a relação entre conhecimento, poder e produção material se altera profundamente, mantendo-se, não obstante, intacta a essência do fenômeno”. (2004, p. 186).

Por outro lado, na realização do trabalho docente, Lima (2006, passim) identifica o papel das redes digitais como elemento definidor, por causa de dois aspectos básicos, apontados pela autora. Em primeiro lugar, por que o trabalho intelectual é humano e isto dificulta uma subor-dinação total e completa aos ditames da produção de mercadorias, embo-ra tudo seja feito para anulá-lo. Este seu caráter específico é o elemento necessário ao processo de mediação que, dirigido para a legitimação das relações sociais capitalistas, abre possibilidades de ações liberadoras. Em segundo lugar, as Tecnologias da Informação e da Comunicação possuem o caráter generalizante da convergência, o que as torna fator de produção do capitalismo glo-balizado. Estruturam-se de forma anárquica, apesar de se adequarem à hierarquia do sistema capitalista, o que favorece a construção de práticas sociais horizontais e de coo-peração e solidariedade, dotando-as de caráter liberalizante.

Sendo assim, o discurso da informação, do conhecimento e da cultura, mediado pelas TIC, invade as academias, escolas e demais espaços educativos da sociedade, o que implica novos canais e formas de organização, de produção e de transmissão de conhecimentos, alargando o campo educativo. Tal movimento determina a elaboração de diferentes formas de aprendiza-gem e de diferentes processos de sociabilidades, que dinamizam os saberes das diferentes culturas e classes sociais, reafirmando o papel de mediação do trabalho intelectual,

...o que lhe confere um caráter dupla-mente contraditório: aquele referente

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Tecnologias da informação e da comunicação: saberes da contemporaneidade na formação/atuação do educador

à inserção subordinada no processo de produção em geral, como ocorre com qualquer trabalho no capitalismo; e aquele ligado à função de mediação, pelo fato de se tratar de produção de sentido (LIMA; BOLAÑO, 2001, p. 29).

Esta função de mediação e produção de sentidos gera, para o trabalho docente, o imperativo de superar condições de traba-lho, alienadas e alienantes, a fim de (des)construir, construir, (re)construir novas visões de mundo, com a emergência das tecnologias, num processo crítico e interativo de constituição de uma nova co-letividade.

Se, por um lado, a introdução de computadores nas escolas con-tribui para ampliar os mecanismos reprodutivos do mercado, por outro lado, abre um veio que, de acordo com a análise de Lima (2002), pode conduzir à construção de liberdade ao estimular a produção de subje-tividades. Pensar as tecnologias da informação e da comunicação como

“fator de cultura e de democratização de informações e de conhecimentos na escola é compreender sua ação como uma prática social, cuja natureza alimenta as possibilidades de participação na pro-dução e na socialização de informações e conhecimentos de modo horizontal e cooperativo. Evoca novas linguagens, com base nas diferentes texturas do real, e a construção de novas formas de aprendiza-gem que tenham como aliada a cultura, no processo de ensinar e de aprender, desde que universalizadas e democratizadas”. (LIMA, 2002, p. 86).

Para Rocha (2004, passim), a redefinição da produção e das relações sociais pelas máquinas in-formacionais, pressupõe toda uma semiótica e oferece uma novidade: se, anteriormente, as ferramentas economizavam força de trabalho estando ligadas a determinadas ta-refas; o computador aparece como instrumento universal, induzindo à homogeneização real dos pro-cessos de trabalho e demarcando a tendência ao trabalho abstrato. Os computadores transformam sua operação durante seus usos, o que pressupõe a expansão de suas per-formances a partir da interação com o usuário e o ambiente, o que, por

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seu turno, supõe experimentação e aprendizado permanentes.

No contexto dessas possibili-dades, cabe destacar uma grave contradição: a necessidade de educação contínua se confunde com o discurso neoliberal da pre-tensa autonomia, de professores e alunos, em que aos primeiros cabe a responsabilidade de autogeren-ciamento do próprio trabalho e da própria formação, e aos últimos, a responsabilidade sobre o próprio processo de educação permanen-te, sob o risco de não se inserirem num mercado de trabalho, fincado em terreno cada vez mais árido. Tal ideologia acaba por reforçar o individualismo e a competitividade exacerbados, em contraposição à almejada cooperação social.

Entretanto, a discussão sobre TIC na formação/atuação do edu-cador não se esgota na mera cons-tatação das dificuldades práticas que estes profissionais enfrentam hodiernamente. Pelo contrário, alimenta-se na percepção do caráter contraditório que as tecnologias assumem hoje, quando incorpora-das a essa modalidade específica de trabalho intelectual, pela posição estratégica que o docente assume na produção da sociedade. “O sistema educacional em seu conjunto é um amplo e extremamente hierarquiza-do espaço de mediação [...]. Espaço construído historicamente, serve fundamentalmente à reprodução ideológica do sistema, mas articula também elementos de resistência” (LIMA; BOLAÑO, 2001,p. 29).

Para que as tecnologias rea-lizem seu potencial liberalizante, torna-se necessária a conscientiza-ção do papel histórico de mediação que os professores possuem no processo de emancipação humana. “A educação, como prática de inter-venção social, é mediação universal das práticas de trabalho, de vida social e de cultura, práticas que, por sua vez, constituem mediações da própria existência histórica dos ho-mens” (SEVERINO, 2001, p. 52).

ConclusãoAs exigências da contem-

porane idade inauguram novas

relações entre Trabalho, Ciência, Tecnologia e Educação, deter-minando a necessidade de um Projeto Educativo, com vistas à formação de diferentes profissio-nais, trabalhadores e produtores de conhecimentos, cidadãos con-sumidores, novos protagonistas da sociedade atual. Mais do que nunca, o debate intelectual gira em torno da contraposição entre qualificação para o mercado de trabalho e exercício crítico de cidadania.

A ideia de ciência como prin-cipal força produtiva, a defesa da centralidade do conhecimento e a valorização das novas modalidades de pesquisa consorciada parecem esquecer que não existiria ciência, conhecimento ou pesquisa sem tra-balho e, mais particularmente, sem um tipo específico de trabalhador: o intelectual docente. Contudo,

“os processos educativos que interes-sam aos trabalhadores não podem ter no mercado e no capital seu horizonte conceptual e prático. Esta é apenas uma contingência histórica para aqueles que se colocam como tarefa permanente de ir além da forma capital de relações humano-sociais e a criação de relações solidárias e socialistas. No plano das con-cepções e das teorias que as sustentam, o desafio é, pois, o de continuar a crítica à fragmentação, dualismo, tecnicismo. No plano ético-político a crítica deve centrar-se no combate ao individualismo e às perspectivas biologistas que buscam atribuir a componentes genéticos aquilo que resulta da desigualdade produzida pelas relações sociais”. (FRIGOTTO, 2001, p. 30).

Em suma, discutir as Tecno-logias da Informação e da Co-municação como um campo de saber imprescindível à formação/atuação do educador remete-nos à necessidade de reconhecer a centralidade da categoria trabalho, bem como a função do trabalho intelectual na produção e na difu-são do conhecimento científico. Pois, certamente, as condições em que esse trabalho se realiza determinam o tipo de formação oferecida a docentes e discentes e, consequentemente, a posição que estas categorias ocupam na sociedade.

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Marcos Batinga Ferro

Pedagogo com Especiali-

zação em Didática no En-

sino Superior e em Com-

petência Pedagógica e

Docência Universitária

[email protected]

Frequentemente, o ato ou efeito de avaliar tornou-se um valor determi-nado pelos educadores. Entretanto, avaliar a quantidade imensa de experi-ências que o educando traz consigo ainda não compõe parte fundamental no núcleo avaliativo do processo de aprendizagem. Tendo essa visão, a avaliação transformou-se num sistema de ensino que libera injustiças ine-ficácia quanto à maneira de avaliar. Dessa forma, o presente artigo busca verificar e analisar o que vários estudiosos e pesquisadores sugerem como proposta alternativa da avaliação, rumo à concretização de uma perspectiva mediadora e construtiva, a qual confere ao educador a oportunidade de agir, transformar sua pratica pedagógica, a partir do conhecimento que os alunos possuem.

Palavras-chave: aprendizagem, mediação, construção.

The act or effect of evaluating became a value established by educators. Nevertheless, evaluate the huge quantity of experiences that the pupil brings along, isn´t part of the learning process. Therefore, the evaluation turned into a teaching system which is inefficient concerning the way of evaluating. Thereby, this article intends to check and analyze what many researchers suggest as an alternative proposal of evaluation towards the fulfillment of a mediator and constructive perspective, which offers to the educator the opportunity to act, change his/her pedagogical practice from the knowledge the students have.

Keywords: apprenticeship, mediation, construction.

Resumo

Abstract

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A avaliação formativa no processo de ensino-aprendizagem

O processo de avaliação é uma temática bastante discutida entre profissionais da educação, tanto so-bre os métodos empregados pelos professores no momento de avaliar, quanto os resultados das aplicações metodológicas em sala de aula.

Por ser um tema relevante e que engloba o processo ensino-aprendizagem, caberá a este trabalho buscar elementos através das analises teóricas, complementadas com a prática avaliativa na escola que darão subsídios para a compreensão de como a avaliação é vista e é utilizada, enquanto instrumento metodológico.

Partindo destes questionamen-tos, este trabalho terá como objetivo compreender de que forma a avaliação está sendo utilizada pelos professores no processo de ensino-aprendizagem. Diante das concepções que norteiam o trabalho pedagógico da escola, cabe indagar: como a avaliação vem se portando? Reproduz os métodos ca-racterísticos da pedagogia tradicional, recorrendo ao uso de provas e arguição ou então utiliza procedimentos que estimulam a participação e o processo de (re) construção por parte do aluno?

Será que os professores têm consciência do papel da avaliação na prática pedagógica e buscam novas formas, novos métodos de avaliar os alunos, valorizando sua participação em projetos, experiências extra clas-ses, ou a posição destes profissionais continua pautada numa visão tradicio-nalista, onde alunos são classificados por notas, sendo discriminados e marginalizados em sala de aula? Esta é, com efeito, nossa problemática.

Segundo ESTEBAN (2001), a avaliação frequentemente atribui um valor negativo às manifestações de conhecimento, desenvolvimento, ca-pacidades, habilidades e valores que se demarcam do padrão e fazem emergir a turbulência, mas que nem sempre se traduz em movimentos e vozes. Grosso modo, diremos que estas são interpretadas como não aprendizagem e sim como fracasso escolar.

Finalmente, partindo destas in-dagações, este trabalho se subdividirá em três etapas: a primeira fará um apa-nhado sobre a questão da avaliação, enquanto instrumento metodológico no processo de ensino-aprendizagem;

Introdução

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de FrançaEdição nº 02 - Janeiro / 2011 24

em um segundo momento, haverá uma análise a respeito da temática avaliação com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais, onde serão mostradas as diretrizes concernentes à avaliação em sala de aula e à posição dos professores.

A escola, enquanto instituição so-cial, não é neutra e tem seus objetivos baseados tanto nos interesses de uma determinada classe social como nos seus próprios interesses. Dessa forma, todo sistema interno da escola sofre as influ-ências dessa posição e as relações entre sujeitos integrantes (professores, pais, alunos, funcionários e diretores) passam a ser organizadas nesta ótica, assim como todo processo mais interno referente ao ambiente da sala de aula, como métodos de ensino, a relação professor-aluno e o processo de avaliação.

Dentro desta ótica, o processo ava-liativo torna-se importante instrumento para que a escola adeque e molde os futuros cidadãos aos interesses de uma determinada classe.

Luckesi (1978) acredita que como a escola segue o modelo capitalista, esta desenvolve uma ação intencional de imposição de conteúdos culturais condizentes com a cultura elaborada, utilizando-se de diversos meios para que sejam capazes de assimilá-los e demonstrá-los, sendo um destes o processo de avaliação.

A escola e, consequentemente, seus sujeitos integrantes não são neutros dentro de todo esse processo de luta entre as classes antagônicas da sociedade; pelo contrário, essas lutas afetam e influenciam as relações dentro do próprio contexto escolar. De acordo com um importante autor:

A ação pedagógica escolar reproduz a cultura dominante contribuindo desse modo para reproduzir a estrutura das relações de força, numa formação social onde o sistema de ensino dominante tende a assegurar-se do monopólio de violência simbólica legitima (BOURDIEU, 1982. p 42)

Dessa forma, a avaliação realizada dentro da escola serve para classificar e excluir os indivíduos do sistema e também pode servir para o progresso do aluno. Nesta perspectiva, o objetivo da avaliação é selecionar aqueles que se adequam à cultura elaborada, passada

pela escola, e marginalizar os que não conseguem acompanhar este padrão, levando-os a exclusão e evasão escolar.

Segundo a análise de Luckesi: A avaliação educacional escolar assumida como classificatória torna-se, desse modo, um instrumento autoritário e frena-dor do desenvolvimento de todos os que passarem pelo ritual escolar, possibilitan-do a uns o acesso e aprofundamento no saber, a outros a estagnação ou a evasão dos meios do saber. Mantém-se, assim a distribuição social ( LUCKESI. 2001; P. 37).

Assim considerado, a avaliação torna-se um mecanismo de ajustamento que renega qualquer outro conhecimen-to que não seja a cultura privilegiada, desqualificando os valores e as outras culturas existentes, como se o aluno chegasse à escola como uma tabula rasa, como se não tivesse uma vida e não fosse influenciado por essa realidade.

De acordo com ESTEBAN (2001), a imposição de uma lógica úni-ca, de um só saber, o reconhecimento de um conjunto de conhecimentos como único e legitimo tem o sentido de eliminar todas as outras possibili-dades, fazendo da ignorância a única alternativa para quem não domina o conhecimento valorizado.

Além disso, há a questão relaciona-da aos professores que não conseguem compreender o sentido da avaliação, restringindo-o e limitando-o a testes e notas, quando se deveria ter uma com-preensão desta como algo mais amplo e que ajudaria no desenvolvimento do aluno no processo educativo. Para Ho-ffmamn(1993), esta pratica avaliativa é uma reprodução de suas experiências como estudantes que assume o caráter de classificação e segregação. Nesse mesmo sentido deve-se assumir que,

O que ocorre na pratica da avaliação educacional escolar é que dificilmente os professores definem com clareza, no ato do planejamento de ensino, qual é o padrão de qualidade que se espera da conduta do aluno, após ser submetido a uma determi-nada aprendizagem (LUCKESI, 2001.P.72).

Este processo avaliativo excluden-te e classificador se serve de vários instrumentos metodológicos que darão base para que esse processo seja colocado em prática; entre eles está um dos mais conhecidos, que são os chamados testes ou exames.

Segundo as palavras de Berger: “O teste é entendido como um instrumen-to de constatação e mensuração, sendo seus resultados expressos através

1. Desenvolvimento e avaliação da aprendizagem

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Marcos Batinga Ferro

de números, o que denuncia a vi-são do conhecimento positivista e a finalidade classificatória do aluno “‘(HOFFMANN, 2002: 45).

Esta mesma forma de avaliar também é criticada por Luckesi (2001), que caracteriza como um processo de verificação que encerra seu papel na obtenção de dados e seu posterior re-gistro, verificação esta que não implica que o sujeito retire dela consequências novas e significativas, mas que visa so-mente classificar o educando, selando sua aprovação ou reprovação.

O objetivo do exame, portanto, fica restrito e passa a ser utilizado como uma maneira de identificar o aluno, através de uma nota, privilegiando a memo-rização, as notas altas e a obediência, mas perdendo a essência do processo avaliativo, pois deixa de acompanhar o desenvolvimento integral do aluno, passando a restringir um processo tão complexo e rico a um conjunto de notas que caracteriza e estigmatiza os alunos.

Neste sistema, o único objetivo é verificar através das provas se houve a assimilação dos conteúdos passados de maneira mecânica e sem significa-do, pois nesta perspectiva “o ato de aprender, em vez de constituir um jogo de ensaios e erros concorrendo para a produção de novos conhe-cimentos, reduz-se a um jogo de encaixes entre aluno, regras e ideias“ (BERGER FOUCAULT, 2002: 28).

Há de destacar-se, ainda, que nesse processo: provas marcadas, recuperação ou substituição de notas confere ao trabalho do aluno um significado de obrigação que ele cumpre penosamente. Nessas ocasiões não se avalia o educando em suas crenças verdadeiramente espontâneas, mas os induzimos à memo-rização, à reprodução da fala do professor, do texto do livro. (HOFFMANN, 1993:83).

Contrário também a esta perspecti-va mecanicista da avaliação, Hoffamann defende o teste como um meio de o professor investigar como vem ocor-rendo o processo de construção do conhecimento por parte da criança e que procedimentos devem ser utilizados para desafiá-la nesta caminhada. Esta mesma ideia é definida por Luckesi, que vê a avaliação da aprendizagem muito mais como um ato amoroso que tem por objetivo diagnosticar os progressos ou as deficiências e dificuldades do aluno, em termos de aprendizagem, a fim de verificar em que aspectos ele está precisando de ajuda.

25 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

A perspectiva da avaliação, como infração, é comprovada no contexto da sala de aula onde professores utilizam-se, de normas implícitas nas ações, no comportamento e no próprio tipo de avaliação, que quase sempre é quanti-tativa. Esta sempre tem em vista a assi-milação e memorização dos conteúdos, através de provas que reduzem a apren-dizagem a notas azuis ou vermelhas que classificam os alunos, poldando-os de qualquer experiência nova.

Não obstante o dito acima, é interessante ter em consideração que:

Na escola particular, onde as diferenças do alunos não podem ser justificados por fatores socioeconômicos, a avaliação realiza esse controle com o fito de limitar o desenvolvimento da autonomia do aluno, re-forçando uma pratica educativa voltada para a produção, para a obtenção de resultados padrão, legitimando, assim a descriminação dos múltiplos processos de crescimento que aluno possa apresentar fora dos previstos pela instituição. (SOUSA, 1995:114)

Outra questão de suma importân-cia, dentro do processo avaliativo, é o erro, que é tratado pelo professor como algo sem importância e que não tem sig-nificado dentro desse contexto. A práti-ca mais comum entre os professores é simplesmente ignorar e corrigir o erro da criança como se fosse inaceitável e imperdoável, como se o processo de ensino-aprendizagem fosse perfeito e linear para todos os alunos e não como uma construção que vai sendo realizada aos poucos com erros e acertos. “ Con-tudo, no âmbito dessa prática avaliativa erro é sempre fonte de condenação e castigo, porque decorre de uma culpa e esta, segundo os padrões correntes de entendimento deve ser reparada” (LUCKESI, 2001. p.52).

Ao contrario dessa concepção, o erro deve ser visto como parte impor-tante neste processo, que vai auxiliando o professor no conhecimento de seus alunos e suas dificuldades, buscando novas formas de conduzir esse processo de maneira significativa para os alunos.

Assim o erro passa a auxiliar o professor na busca de melhores praticas e passa a ser visto como construtivo, na medida em que o aluno o faz para chegar ao certo. Seguindo esta lógica, Hoffamnn sugere que os erros sejam re-gistrados e analisados, não em forma de notas, mas sim em modo de um registro significativo para acompanhar o aluno ao longo do processo de aprendizagem.

Segundo Luckesi (2001), os erros

da aprendizagem, que emergem a partir de um padrão de conduta cognitivo ou prático já estabelecido pela ciência ou pela tecnologia, servem positivamente de ponto de partida para o avanço, na medida em que são identificados e compreendidos, e sua compreensão é o passo fundamental para a sua superação. Dessa forma, o processo avaliativo não pode ficar restrito a métodos mecânicos que privilegiem notas e conceitos, em detrimento de algo mais complexo e rico que envolve a avaliação, tendo que ser compreendido, não só como um constante, mas como um contínuo acompanhamento do desenvolvimento qualitativo do aluno. Para Hoffmann (1994), a avaliação deverá ser uma reflexão transformada em ação, pos-sibilitando ao educador refletir sobre sua realidade e acompanhar o aluno em seu processo de construção do conhecimento.

Para Santos (2005), a avaliação deve ser entendida como a própria pratica educativa, e não parte dela. A verdadeira avaliação é aquela que acontece no pro-cesso, consistindo, principalmente, na auto-avaliação e na avaliação mútua. Não tem sentido qualquer avaliação formal; avaliação nesse caso é a maneira como o professor procura determinar a natureza e a quantidade de mudanças efetuadas no comportamento do educando, em função dos objetivos e das estratégias aplicadas.

2. Avaliação na visãodos parâmetros

curriculares nacionaisSegundo os Parâmetros Curricu-

lares Nacionais, o processo avaliativo não deve se caracterizar pela visão tradicionalista da educação, cujo ob-jetivo seria controlar e hierarquizar os alunos, mas, pelo contrário, contribuir para à prática pedagógica enriquecen-do o processo educacional.

Neste sentido, a avaliação passa a ser mais um instrumento positivo que dará subsidio ao professor para refletir sobre o processo de aprendizagem de seus alunos, contribuindo, desta forma, para a construção do conhecimento.

Sobre esta problemática é fundamental ter em conta que a avaliação tem como objetivo diagnosticar os progressos ou as deficiências e dificuldades do aluno, em termos de aprendi-zagem, a fim de verificar em aspectos ele estar precisando de ajuda, concorrendo assim para seu crescimento, o que também favorecerá o trabalho do educador. (BERGER, 2002:43)

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A avaliação formativa no processo de ensino-aprendizagem

Nesta perspectiva, a avaliação como instrumento auxiliador da apren-dizagem deverá ser utilizada desde o inicio do processo educacional, porém com outra função: será uma avaliação diagnóstica. Isso implica considerar que a avaliação como processo de reflexão sobre e para a ação contribui para que o professor se torne cada vez mais capaz de recolher indícios, de atingir níveis de complexidade na interpretação de seus significados, e de incorporá-los como eventos relevantes para dinâmica, ensino- aprendizagem (ESTEBAN, 2001: 24).

Este momento inicial de avaliação vai proporcionar ao professor obter informações e conhecer melhor seu aluno, para que, partindo deste reco-nhecimento, ele possa buscar meto-dologias e formas de atingir seus ob-jetivos, ou seja, tornar mais prazeroso o processo de ensino-aprendizagem.

A avaliação tem como objetivo cumprir uma serie de funções e in-tenções no processo de formação e desenvolvimento do educando. Viver em sociedade implica a formação de gru-pos sociais, cujos indivíduos precisam, para dar existência e vida à sociedade, interagir entre si. À medida que novos conhecimentos são introduzidos no processo de aprendizagem dos alunos, é preciso ter-se instrumentos avaliativos de acompanhamento, visando saber se as habilidades e atitudes necessárias ao convívio social estão sendo adquiridas conforme as expectativas do meio social.

A atribuição do uso de instrumen-tos de poder nas relações escolares aponta a existência de uma relação autoritária entre professor e aluno nas salas de aula, colaborando, para tanto, o mau uso da avaliação. Ou seja, os professores transformaram a disci-plina num verdadeiro ato de coação.

Assim, a avaliação denominada como ruim, é aquela que julga, enfa-tizando a nota, que passa a ser vista como juízo final, prejudicando muitas vezes a vida do educando e, pelo fato de ser primitiva, tem como castigo a reprovação. Há ainda quem acredite em mitos onde a ameaça das reprova-ções serve para motivar os alunos a es-tudarem, mas já se sabe que o estudo sobre pressão não produz resultados positivos e que muitas vezes essa é a causa de muitas repetições nas séries.

“A avaliação escolar, nesta perspectiva excludente, silencia as pessoas, suas cul-

BERGER, Miguel André. Avaliação da aprendizagem: pressupostos teóricos, vivencias e desafios. Aracaju: J.Andrade, 2002.

BOURDIEU, Pierre e PASSERON Jean Claude. A reprodução: elemen-tos para uma teoria do sistema de ensino. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora Francisco Alves, 1982.

ESTEBAN, Maria Teresa (org). Avaliação: uma pratica em busca de novos sentidos. 3ªedição Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

ESTEBAN, Maria Teresa. O que sabe quem erra: reflexões sobre ava-liação e fracasso escolar. Rio de Janeiro: DP& A editora, 2001.

HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação mediadora: uma pratica em construção da pré-escola à Universidade – Porto Alegre: Educação e realidade, 1993.

LUCKESI, Cipriano C.Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições - 11ª edição. São Paulo: Cortez, 2001.

SANTOS, Clovis Roberto dos(org) e FERREIRA, Maria Cecília Ianuzzi. Avaliação educacional: um olhar sobre a sua pratica. São Paulo: Editora Avercamp, 2005.

SOUSA, Clariza Prado de (org). Avaliação do rendimento escolar. 4ª edição. Campinas, SP: Papirus, 1995.

Referências bibliográficas

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de FrançaEdição nº 02 - Janeiro / 2011 26

turas e seus processos de construção de conhecimentos; desvalorizando saberes, fortalecendo a hierarquia que esta posta, contribuindo para que diversos saberes sejas apagados, percam sua existência e se confirmem como ausência de conheci-mento”. (ESTEBAN, 2001, p.15)

3. Consideraçõesfinais

Com base na reflexão sobre ava-liação e uma discussão teórica com respaldo em autores como Luckesi, Berger, Bourdieu, Hoffmann, entre outros, buscou-se fazer uma ligação entre teoria e pratica no processo de construção do conhecimento.

O que se pode perceber é que nos espaços educativos com uma propos-ta definida, a avaliação encontra-se num momento transitório, entre dois extremos: de um lado, a concepção tradicional da avaliação, onde esta é ainda é utilizada como forma de men-suração e classificação dos alunos, através de notas e conceitos, caindo assim na reprodução social e cultural tão criticada por Bourdieu.

Dentro de uma nova perspectiva, está uma concepção mais renovada e aberta do sentido da avaliação, pois traz, em seu projeto e em suas bases, uma prática que possibilita conhecer

o aluno, em suas dificuldades, e pro-curando meios para ajudá-lo a superar as dificuldades, compreendendo a função diagnóstica da avaliação tão defendida por Luckesi.

Neste contexto, nota-se que as provas dissertativas aplicadas por al-guns professores levam os alunos a re-fletir sobre o tema, colocando em suas respostas uma forma de pensar livre e criativa, sem as chamadas respostas prontas, o que significa um grande avanço para o processo avaliativo.

Juntamente com as provas, po-derão entrar em cena atividades ex-traclasses, como as feiras de ciências, olimpíadas e matemática, os projetos de pesquisa que levam o aluno a buscar conhecimento, a leitura que valoriza o ato de ler e a produção de textos, experiências, jornais e outras atividades que enriquecem a busca do conhecimento e auxiliam os profes-sores a estarem em contato constante com seus alunos e, em consequencia, uma permanente avaliação tanto do aluno quanto do próprio profissional.

Desta forma, conclui-se que pro-fessores e direção buscam em conjun-to novas formas de ampliar o processo de aprendizagem dos alunos, levando em conta a avaliação como um instru-mento a mais para chegar ao objetivo desejado: o conhecimento.

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Da esquerda para a direita a professoras Cristiane Fonseca, as representantes do MEC, Rita Borges e Rosimara Saraiva, e as professoras Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira e Sônia Fonseca, após reunião de trabalho.

de professores e alunos da instituição. As comissões do MEC realizam visi-

tas periódicas as instituições de ensino superior das várias cidades brasileiras, para verificar o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo docente, as instala-ções e vários outros aspectos ligados à vida acadêmica. Em Sergipe, a comissão avaliou e fez a renovação do reconheci-mento do curso de Pedagogia da FSLF.

Duas comissões do Ministério da Educação visitaram a Faculdade São Luís de França nos últimos meses. As representantes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES, professoras Rita Borges e Ro-simara Saraiva, foram recebidas pelas diretoras Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes (diretora superintenden-te); Viviane Tavares Fonseca de Morais (diretora financeira); e pela professora Sônia Fonseca (fundadora da FSLF), além

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Marcos Vinicius Melo dos Anjos

Graduado em Histó-ria pela Universidade Federal de Sergipe e especialização em Do-cência Universitária pela Faculdade São Luís de França. Professor da rede publica estadual, atualmente ocupando a função de técnico do Núcleo de Educação, da Diversidade e Cidadania (NEDIC) no Departamen-to de Educação (DED) da Secretaria de Estado de Educação (SEED). Professor da Faculdade São Luís de França. Co-autor dos livros História de Sergipe.

Este artigo pretende contribuir na reflexão sobre a utilização da pe-dagogia de projetos na aproximação entre as instituições de ensino e a realidade sócio-cultural vivenciada pelos estudantes. Analisar a impor-tância do projeto de ação pedagó-gica como uma ferramenta eficaz no processo ensino-aprendizagem, promovendo uma maior interação entre os atores do projeto, o objeto pesquisado e os conteúdos pertinen-tes à matriz curricular.

Palavras-chave: Pedagogia de projetos, Educação, Aprendiza-gem, Contextualização

This article intends to contribute in the reflection on the use of the pe-dagogia of projects in the approach enters the institutions of education and the partner-cultural reality lived deeply by the students. To analyze the importance of the project of pedagogical action as an efficient tool in the process teach-learning, promoting a bigger interaction enters the actors of the project, the searched object and the pertinent contents the curricular matrix.

Keywords: Pedagogia of pro-jects - Education - Learning - Con-textualização

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Resumo Abstract

IntroduçãoDesmistificar! Essa é a necessidade primeira ao se abordar o tema

construção de um projeto pedagógico. Proponho de inicio duas questões: uma que vem a ser desmistificar e outra, que tem de relevância com o titulo proposto – Projeto Pedagógico um pensar extremamente possível.

Se partirmos da informação de Sacconi em seu dicionário essencial da língua portuguesa, encontramos: desmistificar: por a nu; desmascarar. Isso significa que algo que estava sendo exposto vem a público com o seu real sentido de existência. Que por um julgo coletivo (nesse caso em especial)

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1- Retirar o homem da sua caverna; faço referencia ao Mito da Caverna de Platão que nos propõe buscarmos sempre a luz da sabedoria ao proceder um julgamento sobre o que pensamos ser a realidade.

acredita-se que em um sentido, que por algumas ações não se transformaram em senso comum. A ideia de desmistificação na área da construção de um projeto de cunho pedagógico passa pela prática encontrada em muitas instituições de ensino, que exige a todo instante, que todas as ações estejam ampara-das em um projeto específico, vista que poderíamos ancorar essas ações como parte de um projeto.

Com efeito, desmistificar tem esse sentido de retirar o homem da caverna em que se encontra e mostrar-lhe a luz do conhecimento verdadeiro1. Essa desmistificação pode ser aplicada para o entendi-mento da Pedagogia de Projetos. Nesse ponto, passamos a entender a segunda questão proposta: que isso tem de relevância para o título proposto?

Nessa vertente, ao promover a desconstrução da ideia sobre pro-jeto que permeia grande parte das instituições educativas e dos profis-sionais da educação, sugerindo uma revisão na utilização do mesmo, entendemos que desmistificar pode, nesse caso, propiciar que um novo momento possa trazer ganhos mais significativos tanto para o trabalho desenvolvido, como para a aprendi-zagem por parte dos estudantes que se envolvem diretamente no projeto, criando assim uma empatia com as tarefas possibilitando um maior aproveitamento na aprendizagem.

Pensar projetos nos tempos atu-ais (em época da pós- modernidade e suas mudanças de paradigmas), é assegurar que qualquer empre-endimento, para ter oportunidade de ser mensurável, precisa ser bem projetado, ser bem planejado, ser bem pensado!!! Entendemos pós-modernidade como ideias e/ou estilo de vida de um conjunto de sociedades integradas mundial-mente pelo espírito de um novo capitalismo, que vem ocorrendo a partir da falência do bloco de paises socialistas do leste europeu, simbo-licamente marcada com a queda do

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muro de Berlim em 1989, mudando a fisionomia política e ideológica do planeta, impondo um novo comportamento a homens e nações.

Acrescentam-se a essas mu-danças as inovações cientificas e tecnológicas causadoras de mu-danças profundas na sociedade. Esse fato nos permite entender a mudança de comportamento das novas gerações, cada vez mais influenciada e adaptada às novas tecnologias. Vale lembrar, por exemplo, a questão dos valores e padrões comportamentais que, em grande parte, não são vistos e inseridos no processo educativo, deixando assim as instituições de ensino distantes da realidade dos seus educandos. Aproximar esses padrões e valores ao saber da escola sempre foi alvo de intenso debate; os saberes específicos podem, de forma metodológica, desempenhar esse papel. Diante de uma proposta inovadora para a educação, principalmente nos últi-mos tempos em que a globalização conseguiu se firmar, sabe-se que

Geralmente, a articulação disciplinar que se apresenta nas escolas, e que se torna patente num currículo oficial por matérias, é o resultado de um processo de compartimentação do saber, devido a sua acumulação ao longo dos anos. Isso originou, por exemplo, um debate sobre as duas faces de uma mesma moeda, es-pecialização ou interdisciplinaridade, e que constituiu a base de algumas importantes controvérsias sobre a preponderância e autonomia dos campos do saber (HER-NÁNDEZ e VENTURA. P. 46).

A multiplicidade que a vida nos proporciona não nos deixa outra escolha a não ser termos um bom “plano de vôo” para nossas ações e intenções. Por conta dessa situação, onde nos são exigidas a eficiência e a eficácia todos os dias, programamos tudo (ou quase tudo possível) em nosso caminho. Essa necessidade de programação é igualmente indispensável na educação formal. O planejamento, as reuniões, os debates (calorosos

ou não) nos direcionam a utilizar o recurso do Projeto Pedagógico como ferramenta para sanar todas as nossas demandas.

Podemos entender Projeto Pedagógico como um plano, um esboço, um intento ou mesmo a estrutura para um empreendi-mento que se pretende realizar com perspectivas na linha da aprendizagem, buscando propiciar atingir uma ideia a que devemos acrescentar o valor da aprendiza-gem significativa.

Sendo o Projeto Pedagógico uma preparação para uma ação, entendemos que o que vai deter-minar sua efetivação , atendendo as proposições, é nortear o projeto na sua concepção e construção, unilateral ou por um pequeno grupo de idealizadores com uma construção mais significativa que atenda as demandas do grupo que se pretende envolver.

O trabalho com pedagogia de projetos não é uma prática recente, mas com o processo de mudança que a educação brasileira vem passando, em termos de Legisla-ção, a exemplo da Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases LDB e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), que cria o direcionamento e oferece sugestões metodológicas para os estabelecimentos de ensino no tocante a uma reorganização didática-metodológica, o trabalho com pedagogia de projetos tem se intensificado. Esse procedimento tornou-se comum em grande parte das redes particulares e públicas do nosso ensino que atrela, em muitos casos, o exercício da aprendizagem à instrumentalização das ações mediante projetos.

No entendimento de vários profissionais da educação, o Projeto Pedagógico surge então como a pa-nacéia, a solução para todos os ma-les educativos, como importante e necessário para um bom andamento do ano letivo. Surge como solução para as datas comemorativas, festi-vas, dos sonhos de alguns diretores,

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Projeto Pedagógico um pensar extremamente possível

2 - Chamamos “era dos projetos” a exigência de que para todas as ações na escola tenha necessidade de escrever um projeto.3- Entrevista de Ruben Alves para a revista Época. Aprender para quê? Edição 344 - Dez/04

coordenadores e professores. En-tramos na “era dos projetos” 2, quase tudo vira motivo de projeto: co-memoração do dia do índio, do dia do amigo, do dia da árvore... como se para comemorar alguma data ou realizar uma homenagem fossem necessários elaborar um projeto!!!

Nesse ponto da reflexão entra a desmistificação (por a nu; desmas-carar). Necessário se faz, pensar em projeto com outros olhos. Não como algo que temos que parir um a cada semana para provar a todos que a escola a que pertenço está an-tenada ou melhor “plugada” com os novos caminhos propostos pelo novo pensar educacional. Esse arti-

go tem por finalidade propor uma reflexão sobre uma inquietação a cerca da construção de Projeto Pedagógico.

Com efeito, essa proposta tem por objetivo colaborar no entendi-mento de que existe realmente uma necessidade de se construir Projetos alinhados com a realidade, surgidos de um trabalho coletivo (não do sonho de uma pessoa somente) e apresentar uma proposta das eta-pas da construção de um Projeto Pedagógico, que se adeque no con-teúdo (real) e na forma (legislação). Assim sendo, teremos instituições de cunho educativo que promovem um debate aberto, democrático e franco sobre a construção e aplica-ção de uma pedagogia de projeto

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de acordo com a demanda dos estudantes. Pensar qual objeto de planejamento pode possibilitar o surgimento de um Projeto Peda-gógico, é refletir sobre a realidade em que os participantes do referido Projeto estão inseridos. Não é nova a ideia de valorização da cultura local e do conhecimento que o grupo tem acerca do referido objeto. Saber da realidade do estudante e da comunidade a que esse pertence e, a partir dela, proporcionar meios de viabilizar o conhecimento, estimu-lando o ato de prazer no processo ensino-aprendizagem, é promover a interação que toda unidade de ensino se propõe a fazer.

Nesse ponto, podemos pensar na composição da comunidade escolar da instituição de ensino. Entendê-la somente como do-centes e discentes, sem pensar no contexto na qual ela está inserida, é, no mínimo, acreditar que ela é uma ilha diante de sua localidade. Como afirmava Paulo Freire, todos nós devemos deixar de ser objetos para passar a ser agentes de nossa própria história. Sendo assim, a pedagogia de projeto pode ser o viés que conduzirá a uma valoração da cultura local.

O filosofo da educação, profes-sor Rubem Alves, defende a necessi-dade de se observar as crianças, “elas tem questionamentos interessantes e que muitas vezes as resposta não se encontram nos programas”3. Essas questões nos dias atuais perpassam pelo pensar em um trabalho com projetos bem construídos e com foco especifico.

O projeto, efetivamente, nasce da necessidade de apontar um me-lhor caminho na proposta de um ensino- aprendizagem de qualidade e eficaz, onde ocorra um acúmulo de conhecimento significativo. Dar significado ao conteúdo estudado, seja através de uma aula ou de um projeto, representa se acercar de uma ferramenta para o ensino. Ou seja:

A aprendizagem será significativa se as ideias expressas simbolicamente (por

exemplo em uma frase) forem relacionadas às informações relevantes, previamente adquiridas pelo aprendiz. Se este não tiver o suporte ideacional pertinente, a apren-dizagem será mecânica (FARIA. p . 8-9)

Voltando a Rubem Alves, a valorização do educando constitui elemento primordial na construção de uma educação libertadora, uma educação que possa propiciar a todas e todos as mesmas condições de aprendizado, uma educação que possa oportunizar o pensar e a aná-lise crítica do contexto social em que o educando está inserido.

Os técnicos em educação desenvolveram métodos de avaliar a aprendizagem e, ba-seados em seus resultados, classificam os alunos. Mas ninguém já mais pensou em avaliar a alegria dos estudantes – mesmo porque não há métodos objetivos para tal. Porque a alegria é uma condição interior, uma experiência de riqueza e de liberdade de pensamentos e sentimen-tos. A educação, fascinada pelo conhe-cimento do mundo, esqueceu-se de que a vocação é despertar o potencial único que jaz adormecido em cada estudante. (ALVES, p. 18 –19)

Nesse sentido, a leitura de mundo tornou-se uma necessidade para o ser humano na atualidade: saber interpretar e ler as situações em que estamos inseridos é um elemento que faz a diferença e possibilita abrir portas e oferecer oportunidades especiais. Com efei-to, o projeto pedagógico tem como finalidade aproximar os conteúdos propostos pela matriz curricular, dos conteúdos que a vida, a cultura e o espaço em que os educandos estão inseridos.

A questão fundamental está no reconheci-mento do currículo com dupla vertente: a institucional, que se situa no plano da orga-nização social, política e escolar: a didática, que ocorre ao nível dos eventos curriculares da sala de aula (PACHECO, p 24)

Ao analisarmos as ações pro-postas e/ou esperadas pelas insti-tuições de ensino, refletimos sobre a missão (o papel) da escola e en-contramos algumas respostas que, “grosso modo”, que traduz uma

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Marcos Vinicius Melo dos Anjos

necessidade atual. Encontramos em muitas instituições a proposta de “formar um cidadão integral, critico e reflexivo para atuar na so-ciedade”. Cabem, nesse momento, duas interrogações: primeira, que se entende por cidadão crítico e reflexivo? Segunda, as escolas que pregam tal postulação como mis-são têm cumprido o que se propõe?

Refletir sobre essas questões torna-se, queremos crer, funda-mental, pois é fato que qualquer construção que aconteça dentro do mundo escolar, no que se refere à aprendizagem, passa pelo papel da escola e sua funcionalidade. Ao entender que a escola é um elemen-to da sociedade moderna, que sua função é de contribuir na formação de futuros profissionais, podemos sugerir que essa prática não esteja dissociada de uma reflexão critica sobre todo o contexto social.

Quanto à primeira interroga-ção: que se entende por cidadão critico e reflexivo? Poderíamos abordar que seria uma pessoa consciente de seus deveres sociais e também pronta a refletir e agir, se necessário, sobre seus direitos. Tomando por base essa simples intenção de resposta, que consiste em estar consciente de seus deveres e de seus direitos, o ser humano que se percebe enquanto agente de sua própria história, é um ser que estabelece uma relação de respeito consigo mesmo e com os outros.

Trasladando esse pensamento para a escola ao definir sua missão como “formar um cidadão inte-gral, crítico e reflexivo”, criamos um caminho direto com a necessi-dade de uma ação interdisciplinar em todos os momentos e circuns-tâncias, já que integral deve referi-se a um todo, composto de partes que deixam de serem partes, para formar uma representatividade que tenha sentido e significado para os envolvidos no projeto.

Outra questão é: se queremos desenvolver a criticidade, torna-se necessário estimulá-la, inclusive dentro das ações da própria escola, a exemplo de criar condições de se avaliar a postura pedagógica de

todos, desde funcionário administra-tivo (quando entra em contato com estudantes, pais e ate mesmo com outros funcionários) até as ações dos próprios professores ( postura, aula, avaliação, interação com a turma). Pensar em um ser critico, não serve somente para atuar fora dos muros da instituição escolar, mas sim dentro dela, contribuindo para uma melhor forma de atingir a sua missão.

Como a missão vem ou não sendo trabalhada dentro da ins-tituição, nos sucita outra abor-dagem: até que ponto existe o compromisso com a missão da instituição? Quantos, verdadei-ramente, conhecem, entendem e aplicam as diretrizes filosóficas e pedagógicas da missão da escola dentro de sua sala de aula, dentro de seu processo avaliativo, dentro das relações estabelecidas, dentro de seus propósitos educativos?

Propósitos educativos??? Sabe-mos que tanto a filosofia quanto a sociologia da educação definem proposituras para a área da aprendi-zagem. O que, como, são elementos que auxiliam na identificação des-ses Propósitos. Afinal, todos nós educadores ou não somos seres políticos, que temos e defendemos, de forma expressa ou implícita, nossas convicções. O ato de ensi-nar não se distancia dessa análise: todo ato é um ato político, toda ação tem sua influencia; da mesma forma, a construção de um projeto pedagógico deve estar impregnada de propósitos.

Um exemplo através da analo-gia é entender a prática da jardina-gem não somente pelos conceitos, como também dar oportunidade de se sentir a terra nas mãos e o aroma das flores. Fica evidente que uma ação educativa necessita de uma metodologia que, indepen-dente da corrente filosófica, retém uma representação política.

Mesmo porque, se o ponto de partida se acha na realidade vivida pelos educandos, eles , educadores, não poderiam ignorar essa realidade que os alunos vivem e conhecem, apesar de esse conhecimento ainda estar no nível de “senso comum”, e portanto, fragmentado, parcial e circuns-tancial (RODRIGUES, 1988, p.27)

Diante do pensar sobre ações educativas e processo metodológico para construção do Projeto peda-gógico e sua intencionalidade, é mister entender que uma teoria educativa, seja libertária ou tradi-cional, possui suas intenções. Ao estudar a construção de um projeto pedagógico em qualquer teoria, observamos que o mais louvável é que na aplicabilidade desse projeto se possa contribuir na construção de ideias que valorem o cidadão.

Entender o processo de implan-tação de uma missão da instituição a que pertencemos, é, no mínimo, uma exigência para que uma pessoa faça parte da mesma. Verificamos que em muitos casos, ações de colegas na construção de projetos depõem contra a ideia central da escola, descrita no Projeto Político Pedagógico ou sua própria missão, estabelecendo um conflito nem sempre perceptível a todos.

Um exemplo que destaca essa pratica é a promoção de uma gin-cana, com salas formando equipes que se transformam em verdadeiros exércitos, prontos a vencer o inimigo a qualquer custo. Ações que vão, desde usar um processo criativo no cumprimento das atividades, até gerar situações de constrangimento entre estudantes e/ou professores como o julgamento de uma tarefa que provo-que duvidas na sua execução.

A questão nesse caso é sim-ples: se a escola deve promover integração de todos, valorando a visão humanística para a formação do cidadão, como permite que um projeto possa destoar desse intuito?

Uma das sugestões que oferece-mos para que o projeto pedagógico possa contribuir para o conheci-mento e a aprendizagem signifi-cativa, é promover o alinhamento entre o projeto de ação pedagógica e o Projeto Político Pedagógico e/ou a missão da escola.

Um projeto de ação pedagógi-ca, fundamentado na valorização da cultura e aproximando esta das linhas de aprendizagem desenvol-vidas na instituição escolar, de fato contribuirá sobremaneira para a eficácia da educação.

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Projeto Pedagógico um pensar extremamente possível

Uma possibilidade que deve ser analisada com atenção é a uti-lização dos conceitos dos pilares da educação: Aprender a Ser, Aprender a Conhecer; Aprender a Fazer e Aprender a Viver em Conjunto. Mesmo que, em alguns momentos, os pilares tenham sido objeto de criítica, não pretendo aqui promover uma análise político-ideológica, mas contribuir no processo de elaboração do projeto pedagógico que, verdadei-ramente, seja significativo para todos os envolvidos no processo.

Pensamos que um projeto pedagógico possa ter uma maior aceitação por parte dos seus atores, quando, num primeiro momento, possam verificar esses atores, como sua realidade, seus desejos, seus so-nhos e verdadeiramente suas ações tenham ganhado significado. Com essa (pré)ocupação, o projeto passa a dar um foco aos participantes.

Ao promover, portanto, uma aproximação entre o objeto do projeto com o real significado da ação, os estudantes, abrimos espaço para a valoração do conhecimento para todos. Dessa forma, os atores deixam de ser “tarefeiros” e passam à condição de colaboradores ativos e com o melhor dos resultados: o prazer de conhecer.

A construção do projeto deve englobar também a construção de um conhecimento a partir da pes-quisa, da reflexão e da análise. Essa medida nos permite perceber uma interação não somente entre o partí-cipe do projeto e o objeto estudado, como também uma interrelação entre todos que compõem as ações, em uma verdadeira interação.

Pensando a construção de um projeto com essa base de refe-rência, possibilitamos efetivar-se a valorização da participação de todos e do entendimento de que a cidadania é uma construção contínua. Essa idealização deve fazer parte das instituições que se propõem a desenvolver métodos que possibilitem a aprendizagem.

O projeto com uma base signi-ficativa detém a característica real da palavra. Construir o projeto atendendo as demandas de uma

comunidade onde a escola está inserida requer uma atenção es-pecial. Um olhar sobre a cultura, os hábitos, os costumes, ajudando a identificar o verdadeiro foco que o projeto vai seguir: tal atitude aproxima conteúdos de vidas e estudantes de aprendizagem.

Pretender que estudantes do agreste sergipano participem de um projeto de cunho ambiental, onde a escola vai promover a defesa das baleias do Japão, por exemplo, é, no mínimo, perder a oportunidade de mobilizar um grupo para uma causa mais próxima. Aprende-se com mais significado o que lhe é próximo. Ao se conhecer, como objeto de estudo, o que lhe é familiar, cria condições para o processo que podemos cha-mar de reconhecimento e valoração.

No caso citado, além de não ter a certeza onde fica o Japão, nem como são as baleias de lá, os meni-nos participantes do Projeto seriam meros tarefeiros, cumprindo as etapas do projeto em busca da pon-tuação prometida pelo professor e/ou coordenação da escola. Promo-ver uma paixão entre o objeto do projeto e os atores, portanto, pode significar “meio caminho andado” para o resultado.

Enfim, entendermos que a utilização da pedagogia de projetos nas instituições educativas é de

grande relevância no processo de ensino-aprendizagem. Utilizarmos projetos como ferramentas na metodologia de ensino, oferecendo uma oportunidade de promover mais do que uma analogia entre conteúdos e objetos de pesquisa, (como forma de apropriação do conhecimento na sua vertente mais amplificada), dará a todos os atores o resultado que verdadeiramente o ensino propõe.

Apresentar a proposta de um projeto construído de forma coleti-va, tornando objetivo e baseado nas estratégias mais apropriadas para a execução, permite provocar um maior envolvimento na comunidade.

Podemos crer que atender as condições propostas pelas orien-tações dos Parâmetros Curricu-lares Nacionais quando sugere a necessidade de “o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres”, é um caminho que merece destaque na construção do Projeto Pedagógico.

Outrossim, os conteúdos per-tencentes a cada currículo que es-tão presentes nas aulas, na viven-cia e na comunidade tanto escolar como no espaço populacional que a Instituição está inserida, podem e devem ser capitaneados pela pedagogia de projeto.

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ResumoO propósito deste artigo é relatar uma experiência direcionada à constru-

ção de um saber através da pesquisa. Essa experiência originou-se da intenção de desenvolver, nas disciplinas Pesquisa em Educação I e II, atividades que conduzissem os alunos, de forma preliminar, à pesquisa. Isso porque conside-ramos que, independente do tipo de estudo, essa é uma condição essencial à formação do pedagogo, por representar uma oportunidade para o aluno de ser inserido em trabalhos que envolvam procedimentos científicos. Os resultados apontaram para a consequente familiarização dos alunos com o desenvolvi-mento de trabalhos, em nível de iniciação, seguindo passos científicos. Eles demonstraram ter adquirido conhecimentos quanto ao ato de pesquisar. Desse modo, trata-se de uma contribuição para o desenvolvimento de atividades, nas disciplinas mencionadas, possibilitando ao pedagogo em formação, a partir de situações–problema, o contato com a prática de investigação científica, visando à sua atuação em espaços escolares e não-escolares.

Palavras-chave: Pesquisa; Formação do pedagogo; Experiência.

Maria Odete de Carvalho

Mestre em Educação

pela Pontifícia Universi-

dade Católica do Rio de

Janeiro. Especialista em

Competência Pedagógi-

ca e Docência Universi-

tária pela Faculdade São

Luís de França. Graduada

em Física-Licenciatura e

em Direito pela Universi-

dade Federal de Sergipe

[email protected]

The research in the formation of fhe Pedagogo:

an experience.

33 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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A Pesquisa na Formação do Pedagogo: Uma Experiência

Abstract

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de FrançaEdição nº 02 - Janeiro / 2011 34

The intention of this article is to tell an experience directed to the construction of one to know through the research. This experience origina-ted from the intention to develop, in them disciplines Research in Edu-cation I and II, activities that the pupils lead, of preliminary form, to the research. This because we consider that, independent of the type of study, this is an essential condition to the formation of pe-dagogo, for representing a chance for the pupil of being inserted in works that involve scientific pro-cedures. The results had pointed it consequent familiarization of the pupils with the development of works, in initiation level, following scientific steps. They had demons-trated to have acquired knowledge how much to the act to search. In this manner, one is about a contribution for the development of activities, in you discipline them mentioned, making possible to pedagogo in formation, from situation-problem, the contact with the practical one of scientific inquiry, aiming at to its perfor-mance in pertaining to school and not-pertaining to school spaces.

Keywords: Research; Forma-tion of pedagogo; Experience.

Uma consideração preliminar

Este texto aborda uma experi-ência realizada durante o desenvol-vimento das disciplinas Pesquisa em Educação I e II do curso de Pedagogia da Faculdade São Luís de França (FSLF), com a finalida-de de refletir sobre a pesquisa na formação do pedagogo.

A prática da pesquisa, presente na formação do pedagogo, privilegia, com efeito, as relações entre teoria e prática, e entre geral e particular, quando o aluno é levado a realizar atividades pertinentes aos proce-dimentos científicos de pesquisa. Nesse sentido, procurou-se enfatizar a dialética entre indução e dedução, para se perceber os fenômenos em seus mais variados ângulos.

Por ser a educação um campo eminentemente prático, e conside-rando a perspectiva dialética, uma vez que o saber dá-se a partir de conhecimentos já formalizados, bem como de resultados das expe-riências de pesquisa, é que deseja-se apresentar este artigo.

1. Um entendimento sobre pesquisa

Pesquisa, no dizer de Salomon (2001, p. 152), é um “trabalho empreendido metodologicamente, quando surge um problema, para o qual se procura a solução adequada de natureza científica.” A necessida-de da pesquisa surge, a princípio, pela identificação de um problema cujo estudo conduz ao saber científico.

Por sua vez, Gonçalves (2005, p. 47) afirma que pesquisar é “encon-trar novos saberes científicos que permitam o avanço da ciência, ao mesmo tempo que se soluciona uma dificuldade [...] por meio de estudo conceitual ou empírico, com base em fontes de informação.”

Problemas e dificuldades existem e estão sempre à frente das teorias e soluções, pois a linha de tempo não para e, só a partir dos fenômenos, é que se concentram ações no sentido de identificar um problema que, estudado cientificamente, levará a resultados, e ainda poderá alcançar soluções, paliativas ou definitivas para o mesmo.

Logo, pesquisa é uma atividade que se baseia em um raciocínio lógico e utiliza procedimentos científicos para entrar em contato com situações, reais ou não e, assim, gerar conheci-mento. A atividade pesquisa, que é entremeada por reflexões e análises críticas, durante todo o seu desenvol-vimento, vai da teoria à prática e desta à teoria. É esse constante movimento vinculativo, sistemático e lógico que contribui para o avanço da ciência.

Ao se referir à lógica, aparecem as duas principais formas de racio-cínio: indução e dedução. A indu-ção, com base em Rudio (2003), dá-se a partir de fatos, fenômenos reais, então, parte do essencial e chega à proposição geral, em que o conhecimento é direcionado a explicar como os fenômenos acon-tecem ou são regidos. Já a dedução,

parte do geral e chega a explicar um fenômeno em particular.

Como lembra Minayo (2004, p. 75), a indução e a dedução na lógica dialética “são obrigatoriamente complementares e harmônicas.” Ela ainda enfatiza, com base em Joja, que ‘aprendemos o essencial por meio do geral por ser este mais acessível e manejável. Mas o geral só se realiza no particular’ (2004, p. 75). Dessa maneira, pela indução, pode-se chegar ao geral. Esse é o ponto de partida da dedução que, posta em prática, leva ao particular. Aí tem-se um ciclo: do geral para o particular e deste para o geral e, assim, continuamente, até o funda-mental e o secundário que, de forma harmonizada, complementam-se.

É nessa direção que se coloca a dialética. Para Gonçalves (2005, p. 41), a dialética “surgiu da necessidade de se perceber a realidade em suas diversas facetas, [...]”. Conforme argumenta Frigotto, o que importa no processo dialético de conheci-mento da realidade é “[...] a crítica e o conhecimento crítico” (2002, p. 81).

Portanto, o conhecimento teó-rico, ao permear um fenômeno em estudo, impulsiona a prática que, por sua vez, impulsiona a teoria, de for-ma a ser comprovada, reformulada ou, até mesmo, criada a partir da pes-quisa, que envolve uma análise crítica e reflexiva. Nessa base, afirma-se, como Demo (2000, p. 28), que “[...], nenhuma teoria dá conta de todas as práticas.” Porém, todas as práticas suscitam teorias através da pesquisa.

2. A pesquisa na formação do pedagogo

A pesquisa, segundo Fávero (2002), tem seu lugar nas IES (Ins-tituições de Ensino Superior) em busca de novos conhecimentos, que podem não ter aplicação imediata.

A formação do pedagogo que se processa em uma IES depende, dentre outros pontos, de um elenco de disciplinas distribuídas ao longo do curso e, principalmente, das ações do aluno conduzidas pelas atuações e orientações dos docentes.

Sendo a pesquisa um meio que conduz ao conhecimento, faz-se

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Maria Odete de Carvalho

mister que a formação do pedagogo seja dada também pelo exercício de pesquisa, para envolvê-lo ativa-mente no processo de construção do saber. Assim, trata-se de levá-lo a adquirir conhecimentos que lhe possibilitem atuar profissional e eficazmente em espaços escolares e não escolares.

Para essa atuação, precisa-se relacionar teoria e prática voltadas para a realidade, de modo a conso-lidar o trabalho do pedagogo. Como afirma Fávero (2002, p. 65), a “[...] teoria e a prática são consideradas [...] o núcleo articulador da forma-ção do profissional, na medida em que os dois elementos são traba-lhados de forma integrada, consti-tuindo uma unidade indissociável.”

A pesquisa, por ser uma ativida-de de ordem prática, não está dis-sociada da teoria nem da realidade. Nessa ordem, desenvolveu-se uma experiência cujo cerne encontra-se na articulação, sequenciadamente lógica, entre os dados coletados e a teoria. Desse modo, estabelece-se um elo entre o fenômeno e as questões precípuas que, forçosa-mente, conduzem-no.

Em síntese, considera-se que o aluno dirige-se a uma IES para bus-car conhecimentos, com o intuito de receber um diploma. Nesse pro-cesso de busca, ocorre a inserção do acadêmico de pedagogia em um plano participativo de ensaio, com base em procedimentos científicos, no qual ele é leitor reflexivo, crítico e, também, autor.

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2.1 Um olhar sobre apesquisa nas práticas

docente e discente No ensino superior, a pesquisa

na vida de formação do aluno de pedagogia representa uma oportunidade de estar em contato com o novo. Seja esse novo o co-nhecimento teórico, análise, inter-pretação, confronto entre teorias, realidade, coleta de dados, análise dos mesmos e resultados. É um momento para colocá-lo em ativi-dades que, a partir da elaboração de um projeto, o levam a produzir um texto sobre o tema pesquisado.

Por conseguinte, ao se desen-volver um trabalho, tem-se como premissa contribuir para a elabo-ração de um conhecimento, a partir de um pensamento lógico e reflexivo. Esse pensamento concretiza-se ao tempo em que o aluno entra em contato com a relação teoria-prática, geral-particular e, ainda, com as características, peculiaridades essen-ciais e a reflexão sobre o fenômeno estudado. É como observar um fato, sempre acompanhado por reflexões, teorias e conexões lógicas sobre as ideias, para perceber a realidade observada e apoderar-se do conhe-cimento construído.

Essas posições, um dos pilares da ‘Educação para o Século XXI’ da UNESCO, aprender a fazer, (SEBRAE, 2001, p. 11, grifo nosso), fundamentaram o trabalho em sala de aula, no sentido de guiar o aluno a desenvolver experiências relativas a sua formação.

No desenvolvimento das dis-ciplinas Pesquisa em Educação I e II, do curso de Pedagogia da FSLF, optou-se por levar o aluno a partici-par ativamente de um processo de pesquisa em nível de iniciação. Isso porque se entende, assim como Ma-setto (2003), que no ensino superior a ênfase deve ser dada às ações e par-cerias dos alunos. Nesse aspecto, o professor universitário não se limita a transmitir conhecimentos, mas ainda coloca o aluno em contato direto com colegas, grupos de trabalho, realidades, análise de informações e de dados, escrita de textos e apresen-tação oral. Durante esses contatos, os alunos dialogam sobre as atividades indicadas e orientadas pelo professor, trocam experiências, leem textos, debatem, escrevem e retornam ao docente para mais orientações.

Essa forma de trabalho lembra e alerta que, apesar de o professor entrar em sala com a aula elaborada, muitas vezes, o desenvolvimento das atividades segue um rumo diferente do determinado e é guiado pelos alunos, a partir de seus interesses e curiosidades. Essas participações funcionam como “lupa” para se perceber quais os interesses dos alunos, porém sem perder de vista o maior objetivo: contribuir efetiva

e significativamente para a formação do pedagogo.

A partir das assertivas anterio-res e com base em Rudio (1986), Frigotto (2002), Gonçalves (2003) e Deslandes (2007) sobre os ele-mentos essenciais de um projeto de pesquisa e seu desenvolvimento, apresentou-se uma proposta com seis etapas fundamentais para nor-tear o trabalho acadêmico:

1. Diante de um tema ou uma realidade e a partir de conhecimen-tos teóricos já existentes sobre ele, passa-se à problematização que pode se limitar a uma pergunta. Assim, tem-se o que pesquisar?

2. Analisar reflexiva e critica-mente o conhecimento teórico frente à problematização em estu-do. Nessa parte, identificam-se as diferentes perspectivas de análise dos autores, suas conclusões, e ainda a que considerações o leitor-aluno chegou a partir do conheci-mento anterior e a indicação de proposições dirigidas à construção do conhecimento (FRIGOTTO, 2002). Aqui, com base nas pro-posições anteriores, elaboram-

se os objetivos e formulam-se as questões norteadoras ou hipóteses que respondem à pergunta para que pesquisar? Apresentam-se os motivos teóricos e práticos que indicam a importância, para o leitor e para o próprio autor, da realização da pesquisa, isto é, responde-se ao por que pesquisar? Nessa mesma eta-pa, responde-se também à pergunta como pesquisar?

É nesse passo que se define a metodologia, tendo por base as re-lações formadas entre objetivos, ques-tões e as considerações resultantes

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A Pesquisa na Formação do Pedagogo: Uma Experiência

das leituras feitas no referencial teórico. Sem pôr de lado essas relações, identifi-ca-se o tipo de pesquisa (bibliográfica, documental, campo ...); a forma de estudo (exploratório, descritivo, explicativo); o método de trabalho (comparativo, estudo de caso, histó-rico ...); e, se necessário, a amostra, as técnicas de coleta de dados e de análise (questionário, entrevista, obser-vação, história de vida ...). Cada um des-ses tópicos faz–se presente no projeto de forma pertinente e adequada para coletar e analisar dados cujos resultados possam explicar, descrever, conhecer ou, mesmo, construir conhecimento. Aponta-se, ainda, a análise dos dados: se qualitativa (fundamental, secundário, semelhanças, distinções, categorias ...) e/ou quantitativa (análises estatísticas: descritiva ou inferencial). Em se tra-tando de pesquisa de campo, indica-se o universo, a amostra e o local onde será desenvolvido o trabalho. É o aluno-investigador que conduz a pesquisa e, ao chegar a campo, já leva uma posição teórica. É conveniente lembrar que essa posição pode mudar a partir da coleta e análise dos dados. Então, é o pesquisador que coman-da a coleta de dados, seja em fontes bibliográficas, seja proveniente de fenômenos, bem como a análise.

3. Traça-se o cronograma (quanto tempo levará o tra-balho?) e listam-se os recursos (humanos e materiais) e os custos – quanto se gastará?

Elaborado o projeto, passa-se ao desenvolvimento:

4. O aluno-iniciante, munido cla-ramente do objetivo e das questões do estudo, da teoria que o fundamenta e de instrumento(s), dirige-se à realida-de para coletar dados. Durante essa fase, sempre há reflexões sobre os dados coletados e a teoria, para mais adequadamente conduzi-la.

5. Após a coleta de dados, é pre-ciso analisá-los, o que pode se iniciar pela classificação, de forma lógica. No dizer de Frigotto (2002, p. 88), é “discutir os conceitos, as categorias que permitem organizar os tópicos e as questões prioritárias e orientar a interpretação e análise do material.” Então, surgem várias interrogações como: identificar e elaborar as ca-tegorias, separar o fundamental do

secundário, o geral do particular e outras. A construção de categorias e análises pode ser apoiada em um referencial teórico para esse fim. Nessa etapa, a discussão teórica que apareceu no início (item 2.), os ob-jetivos e as questões são retomadas frente às classificações, às ordena-ções, às determinações e formas de raciocínio que conduzirão à análise. Durante a análise de dados, o aluno-iniciante organiza-os e relaciona-os para estabelecer ligações, distinções, contradições e semelhanças, sempre com atenção a identificar o funda-mental e o secundário do problema. Para isso, várias leituras são sugeridas sobre tudo o que foi coletado até atingir o que Michelat, citado por André (2002, p. 44), chamou de ‘impregnação’ de conteúdo. Quan-do necessário, o aluno volta a ler a fundamentação teórica, para ter mais clareza em como analisar os dados. Essa parte deve ser organizada com detalhes para que a interpretação e a descrição minuciosa possam produzir inferências explicativas e/ou descritivas (DESLANDES, 2007). 6. Completada a análise dos dados, segue-se a escrita do trabalho como um todo, pois se apresentam, concisamente, todos os resultados que explicam ou dizem respeito ao problema questionado. É nessa fase que aparece a contribuição do aluno-iniciante, ou melhor, o co-nhecimento a mais, o conhecimento construído, a partir do existente. Frigotto (2002) enfatiza o apareci-mento da redefinição de conceitos e categorias, no sentido de expandir as iniciais e a apresentação de questões ainda sem respostas. Sob o amparo teórico dessas etapas e na procura para manter a relação entre teoria–prática e a linha dialética, decidiu-se desenvolver as disciplinas citadas.

Inicialmente, foram focalizados alguns métodos e tipos de pesquisa utilizados nos campos educacional e social e algumas técnicas para coleta de dados e análise. Na se-gunda parte, marcada pela reflexão e impulsionada pela teoria, segui-ram-se as seis etapas apresentadas, acompanhadas de raciocínio lógico e leitura durante a elaboração e o desenvolvimento do projeto.

Os trabalhos, realizados por 69 alunos pertencentes a duas turmas do curso de Pedagogia, uma pela manhã e outra pela noite, desde a elaboração do projeto foram desenvolvidos com, no mínimo, três e, no máximo, oito membros por grupo, que foi formado pelos próprios alunos.

Os temas foram escolhidos livre-mente, de acordo com o interesse, a curiosidade ou a facilidade para cada grupo. Os alunos foram alertados quanto ao material bibliográfico e à escrita do trabalho, para evitar plá-gio, e ainda para garantir o sigilo e o anonimato dos entrevistados, quando necessário (DESLANDES, 2007). O alerta também se deu sobre o tempo para a realização do trabalho, citações e referências bibliográficas, conforme Normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT); os cuida-dos como humildade e discrição, para não melindrar ou causar danos àqueles que prestam informações; a representa-tividade de dados; e sobre a fidelidade aos dados realmente coletados.

Os estudos envolveram áreas abrangentes, como: Educação Espe-cial, Educação Ambiental, Cultura, Violência na Escola, Inclusão, entre outras. Entretanto, como é natural no trato da pesquisa, após os recor-tes, resultaram nos seguintes títulos: Motivação e aprendizagem: estimular é necessário; O agir do professor diante de alunos com Síndrome de Down; Reciclagem de garrafas PET: o ambiente agradece; Cultura sergipana: São João na rua São João; Portadores de necessidades visuais: inclusão em sala de aula; O papel da família na educação; Educação ambiental no cotidiano escolar; Jogos infantis no desenvolvimento educacional; Educação infantil: brincar, para quê?; A agressividade na educação infantil; A criança e o adolescente no ensino fundamental no município de Nossa Senhora do Socorro/Sergipe; A importância da brincadeira na educação infantil; Jogos pedagógicos na educação in-fantil; Educação especial: síndrome de Down; A inclusão e a interação de portadores de necessidades visuais no ensino superior; e O Sistema de Cotas: mito de inclusão social e racial nas universidades brasileiras.

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Maria Odete de Carvalho

Desses trabalhos, seis foram desenvolvidos, levando-se em conta apenas o aporte teórico, a partir da pesquisa bibliográfica. Os demais, obviamente, envolveram a consulta às fontes teóricas, mas também com-preenderam a pesquisa de campo.

2.1.1 Resultados Os grupos que desenvolveram

teoricamente seus trabalhos foram orientados a ampliar a fundamen-tação, esquematizá-la em tópicos de forma lógica e sequenciada, e a relacionar informações. Já os de-mais grupos receberam as mesmas orientações anteriores, acrescidas de considerações relativas à visita a instituições e à coleta de dados.

No item coleta de dados, optou-se por instrumentos que melhor se adequaram a cada estudo. Assim, houve uma diversificação nas técni-cas utilizadas: observação assistemá-tica, observação sistemática, história de vida, entrevista não padronizada e questionário com perguntas fechadas e abertas. Quatro estudos fizeram uso de duas técnicas para coletar os dados, com a finalidade de con-frontá-los e de tornar possível uma análise mais criteriosa. Os demais utilizaram uma técnica. A observa-ção assistemática foi utilizada em cinco trabalhos. Os instrumentos, questionário e observação sistemá-tica, passaram pelo processo de va-lidação antes da aplicação definitiva.

A análise dos dados, que não dispensou a abordagem quantita-tiva, procurou seguir a qualitativa, na qual se pode constatar, indo do geral para o particular e deste para aquele, os vários pontos e os diferentes ângulos do fenômeno em estudo. Nessa fase, foi necessário ler, por três ou mais vezes, os escri-tos com as informações coletadas, para perceber e interpretar seme-lhanças, contradições, determinar unidades ou categorias, identificar o fundamental e o secundário, o par-ticular e o geral, com o propósito de vinculá-los, comparativamente, entre si e com o referencial teórico para, então, chegar aos resultados. Essa releitura, como diz André (2002), é para impregnar o conteúdo. Nessa

direção, enfatizou-se como Minayo (2004, p. 96) que o “princípio geral é de que todos os dados devem ser articulados com a teoria.”

Todos os trabalhos atingiram os objetivos a que foram destina-dos. Contudo, na maioria deles, faltou uma análise mais rigorosa e sistemática dos dados e uma melhor fundamentação nas articulações entre os resultados e a teoria, bem como nas considerações finais ou conclusões. Também se constatou a ausência de sugestões para questões ainda sem respostas, em treze dos dezesseis trabalhos. Nesse aspecto, Minayo (2007) afirma que toda pesquisa, além de contribuir com conhecimentos, dá abertura a novas indagações.

As citações e as referências em grande parte dos trabalhos foram escritas conforme as Normas da ABNT (NBR 10520 e NBR 6023). Um trabalho, o do grupo compos-to por três membros desunidos, apresentou-se com apenas duas referências diretamente ligadas ao tema. Porém, os demais citaram uma quantidade de fontes que va-riou entre quatro e até onze.

Como as duas turmas, em grande parte, eram compostas por alunos que trabalhavam, algumas atividades foram desenvolvidas com pressa, o que pode ter contribuído para a falta de detalhamento na análise dos dados e resultados, ou de tempo para leitura, e escrita.

Os dezesseis trabalhos foram apresentados para avaliação nas formas escrita e oral. A escrita teve uma pontuação igual para todos os discentes e, na parte oral, cada aluno foi avaliado individualmen-te. Grupos em número de cinco apresentaram, como um desabafo, relatos orais de dificuldades em tra-balhar com alguns dos colegas de seu grupo, alegando o desinteresse, ou o fato de alguns priorizarem atividades particulares, a ponto de justificarem a sua ausência como falta de tempo. Por outro lado, cabe ressaltar o interesse e a força de vontade demonstrada por sete grupos em aproveitar a oportuni-dade de desenvolver um trabalho de pesquisa que os levou a cons-truírem conhecimentos.

Os estudos desenvolvidos, em nível de iniciação, são caracterizados pelo aprender a fazer. Todavia, foram observadas exigências re-lativas ao desenvolvimento de um trabalho de pesquisa. Três deles, escolhidos pelas próprias turmas, foram apresentados em Mostra de Iniciação Científica promovida pela FSLF, de acordo com o edital, e no que se refere à quantidade de trabalhos por turma.

A avaliação da disciplina Pes-quisa em Educação II foi realizada por meio de questionário, com per-guntas abertas e sem identificação. Dos questionários entregues aos 69 alunos das duas turmas, retornaram 37, ou seja, obtiveram-se 53% que, estatisticamente, é representativo.

O tratamento dos dados mos-trou que: a) mais de 56% dos alunos adquiriram conhecimento através da elaboração do projeto, apesar de 24% terem afirmado que foi um desafio; b) a fundamentação teórica para 65% deles foi um momento para descobrir novos conhecimentos e analisar opi-niões dos autores, e 13% disseram ter aprofundado o assunto; c) no item co-leta e análise de dados, 27% acharam difícil; 13% afirmaram ter sido difícil analisar dados e, para 10% dos alunos, essa fase foi importante por permitir relacionar teoria à prática; d) a escrita do trabalho apareceu para 32% dos envolvidos, como a maior dificuldade em organizar as ideias: “foi trabalho-sa”; e) todos listaram como vantagem a ampliação do conhecimento e da experiência; e como desvantagens, 13% apontaram a “falta de interesse de alguns membros” e por trabalhar em grupos grandes. No entanto, um aluno, participante de um grupo com oito membros, assinalou que a desvantagem foi “para quem não colaborou, pois, com certeza, não aprendeu nada”.

Quanto às orientações da profes-sora, 27% pronunciaram-se como sendo necessárias e fundamentais para o bom andamento do trabalho, e 35% afirmaram ter sido constru-tivas e esclarecedoras. Ainda nesse item, e de forma individual, elas apa-receram como: “suficientes”, “ade-quadas”, “precisas”, “favoráveis”, que representou, aproximadamente,

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Referências bibliográficas

A Pesquisa na Formação do Pedagogo: Uma Experiência

11% dos alunos; e as afirmações: “faltou atenção dos alunos” e que as orientações deram-se “com certo exagero, mas visavam a evolução do grupo”. Um integrante do gru-po desunido disse: “não gosto é quando tínhamos alguma dúvida, a professora mandava perguntar aos colegas”. Esse foi o mesmo aluno que afirmou que “a escrita foi traba-lhosa devido à desunião do grupo”. Em relação a esse item, constatou-se que, para mais de 72% do alunado, as orientações foram essenciais.

Nas sugestões, poucos alunos escreveram algo. Apenas três alu-nos sugeriram mais tempo para os trabalhos de campo; dois afirmaram que todos os trabalhos deveriam ser apresentados em evento; e, individualmente, ficou registrado: “continuar assim”, “gostaria que tivesse outro período”, “formar gru-pos menores”, e “aprende-se mais e mais com trabalhos como este”. O mesmo aluno do grupo sem união sugeriu incluir na avaliação “[...] tra-balhos individuais, de preferência, escritos porque tem muita gente que não sabe de nada e está sendo levada pelo grupo”.

A partir dessa análise, pode-se in-ferir que os alunos adquiriram conhe-cimentos, experiências e analisaram informações, desde a elaboração de um projeto até o desenvolvimento e a escrita do trabalho.

As dificuldades quanto à escrita, coleta e análise de dados, talvez, tenham sido consequências do tra-balho em si que, mesmo em nível de iniciação, foi desenvolvido observan-do as várias etapas de um estudo de pesquisa científica, e, possivelmente, agravadas pela falta de união entre os componentes de grupo, seja pequeno ou grande, e pelo desinteresse de alguns participantes.

Esses indicadores acenam em direção a continuar desenvolvendo as disciplinas através da prática da pesquisa. Entretanto, torna-se ne-cessária, por parte da autora, uma reflexão crítica direcionada à for-mação dos grupos e sobre avaliação, visto que não concorda com a ati-tude de alguns alunos de não terem participado do desenvolvimento da pesquisa, pelo menos durante as

aulas, quando estavam mais perto sob a orientação e o olhar.

Do ponto de vista estrutural, os estudos proporcionaram aos discentes um saber resultante da vinculação entre teoria e prática, entre geral e particular, a partir da análise reflexiva e da constituição, sequenciadamente lógica, de um conhecimento até então não ques-tionado por eles.

Em linha de análise, os tra-balhos de pesquisa possibilitaram aos discentes o desenvolvimento de atividades em que puderam ler, analisar criticamente, colher e inter-pretar dados, classificar, relacionar informações e produzir textos que contêm as contribuições dos grupos

à construção do conhecimento, a partir de situações-problema e base-ados na cientificidade, e não naquilo que ouviram, pensaram ser ou viram.

Dessa forma, ficou registrada a importância e a necessidade de o professor aliar-se ao aluno uni-versitário, incentivando-o a buscar conhecimento e a interessar-se pelo fazer pesquisa, para que, diante de problemas, dúvidas ou desconhecimento, possa encontrar explicações, possíveis soluções ou ampliar o conhecimento.

A partir dessa reflexão, é pos-sível afirmar que o acadêmico de pedagogia desenvolveu um trabalho de pesquisa guiado por procedimentos científicos.

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Guadalupe de Moraes Santos Silva

Especialista em Meto-

dologia do Ensino de

Educação Física pela

ECMAL-AL (1999); Espe-

cialista em Psicopedago-

gia(2005) e em Compe-

tência Pedagógica e Do-

cência Universitária pela

Faculdade São Luís de

França(2008). Graduada

em Pedagogia pela Facul-

dade São Luís de França.

Graduada em Educação

Física pela UFS. Professo-

ra do Município de Nos-

sa Senhora do Socorro

(2009) e da FSLF.

ResumoNos dias atuais, o debate sobre

as formas de atuação do professor com os alunos portadores de algum tipo de necessidade especial em sala de aula, ainda permanece. Os alunos portadores de deficiência auditiva são o foco deste artigo, pois percebemos que eles apresentaram dificuldades para se comunicar somente através da Libras. Neste sentido, este artigo buscou ana-lisar e refletir sobre os efeitos do uso de técnicas de expressão corporal e de jogos educativos, como complemento pedagógico da Linguagem de Sinais, que hoje chamamos de LIBRAS. Concluiu-se que somente o uso da Linguagem de Sinais não é suficiente para uma comu-nicação eficiente do deficiente auditivo na sociedade.

Palavras-chaves: Deficiência Auditiva, Gesto, Libras, Comunicação; Integração; Jogos.

AbstractNowadays, the debate about

the forms of action of the teacher with the students with some type of special need in the classroom, still remains. Students with hearing impairment are the focus of this article because we find that they had difficulties to communicate only by decree. Therefore, this article seeks to analyze and reflect on the effects of the use of techniques of body langua-ge and educational games, in addition to teaching the Sign Language, which we call the LBS. It was concluded that only the use of Sign Language is not sufficient for effective communication of the deaf in society.

Keywords: Deafness, Gesture, Pounds, Communication, Integra-tion, Games.

[email protected]

IntroduçãoNos dias atuais, vive-se em um mundo onde não mais se admite a pessoa

portadora de alguma deficiência, como socialmente inválida. Nessa perspectiva, “esse fato vem fazendo ampliar-se as fontes de estudo e de métodos para sua completa integração social e, consequentemente, preparação para o trabalho”

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O Gesto como componente pedagógico complementar na comunicação e integração social da pessoa com deficiência auditiva

(ROSADAS, 1994,P.47). Entretanto, para isso é preciso antes de tudo saber quem são os deficientes para atendê-los melhor. O deficiente é um ser humano estigmatizado pelo meio social em que está inserido. Esse problema acompanha o defi-ciente desde a Antiguidade, refletin-do, na maioria das vezes, a cultura de uma sociedade. Nesse sentido, FONSECA (l987, p.9) afirma que “ao longo da história da humani-dade é frequente observarmos que muitas condições sociais têm sido consideradas como deficientes, re-fletindo normalmente este fato um julgamento social, julgamento que vai se requintando e sofisticando, à medida que as sociedades se vão desenvolvendo tecnologicamente, em função de valores e atitudes culturais específicas”.

A comunicação do deficiente auditivo, em geral, acontece através da Linguagem de Sinais, a qual, nos dias de hoje, sofreu mudança na sua nomenclatura, e passou a ser cha-mada de LIBRAS (Língua de Sinais Brasileira). No entanto, essa forma de comunicação às vezes é insatisfa-tória, devido a alguns fatores como a não universalização dessa linguagem. Assim sendo, o deficiente auditivo necessita de outras formas de co-municação que completem a Libras.

Este artigo é oriundo de uma pesquisa patrocinada pelo CNPq-Pibic, com duração de 2 anos, rea-lizada com 8 crianças( 4 meninos e 4 meninas), com idades entre 7 e 10 anos, alunos de uma mesma turma mista, e portadoras de deficiência auditiva, inicialmente no Centro de educação Especial “João Cardoso Nascimento Júnior” e na Escola de 1º Grau “11 de Agosto”, por motivos de transferência, devido ao término do tempo oficial de permanência no Centro de Educa-ção Especial. Optou-se por crianças de 7 a 10 anos porque, segundo o relato de profissionais da área, é a partir dos sete anos que elas apresentam melhor entendimento e conhecimento da Língua de Sinais. O objetivo principal desta pesquisa foi verificar se a expressão corporal pode complementar a comunicação e a integração social do deficiente auditivo, através da aplicação de técnicas de expressão corporal e jo-gos educativos; assim como avaliar

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os efeitos dessa técnica na eficácia da comunicação do deficiente au-ditivo. Nesta perspectiva, uma das justificativas para a elaboração e implementação deste estudo é sua relevância social e acadêmica, pois a área de educação física não dis-põe de muitas pesquisas centradas na deficiência auditiva. A presente pesquisa justifica-se ainda, em ter-mos conjunturais, por visar ajudar os deficientes auditivos, através de medidas simplificadas para educação e reabilitação social, minimizando os problemas na comunicação e inte-gração social, assim como a Libras.

1. A Deficiência Auditiva:

Aspectos GeraisA sociedade atual tem se mos-

trado cada vez mais industrializada e competitiva. Porém, considerando a filosofia em que se fundamentam os direitos humanos, onde todos deve-riam ter as mesmas oportunidades de aprender e de desenvolver suas capa-cidades, para que pudessem alcançar sua independência socioeconômica, bem como sua integração na comu-nidade - notar-se-á com facilidade a total discordância e incompatibilidade de objetivos sociais, nes-ses dois aspectos. Com base nos fundamentos que regem essa filoso-fia, entende-se que as oportunidades ofere-cidas pela sociedade às pessoas “normais “deveriam ser tam-bém as mesmas para as pessoas deficientes. Todavia, esse direito vem sendo visto como um desafio pelos sistemas educa-cionais regulares, pois estes não contam com meios apropriados para proporcionar a tais pessoas o desenvolvimento pleno e integra-ção social. Dessa forma, concor-da-se com ROSADAS (1994, p.l 12) quando ele afirma que “para se descobrir o que é bom para o deficiente é preciso, antes de tudo, saber como são para entendê-los melhor e assim equacionar de forma mais equilibrada as atividades a ele destinadas”.

A definição de criança aprovada pelo Concil of Exceptional Children (CEC), no I Congresso Mundial sobre o Futuro da Educação Es-pecial (Estirling,1978) é que “a criança deficiente é a que se desvia da média ou da criança normal em: características mentais, aptidões sensoriais, características neuromus-culares e corporais, comportamento emocional e social, aptidões de comunicação e múltipla deficiência, até o ponto de justificar e requerer a modificação das práticas educa-cionais ou a criação de serviços de educação especial no sentido de desenvolver ao máximo às suas capacidades’. Nessa perspectiva, a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, (ln. RIBAS 1985, p. 10), proclama em seu artigo 1: o termo pessoas defi-cientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessida-des de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma de-ficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”. As condições físicas são responsáveis por diversificados grupos de indiví-duos excepcionais. Essas condições

subdividem-se em quatro subgru-pos: deficiências físicas e sensoriais; problemas ortopédicos; problemas de fala e problemas especiais de saú-de. Dentre as deficiências sensoriais, as deficiências visuais e auditivas são as mais influentes, pois são significa-tivas para a educação, levando-se em consideração que seus portadores precisam de recursos especiais para se desenvolverem. Segundo dados da UNESCO (In. CORDE, 1992, p. 46) estima-se que 10% da população bra-sileira é portadora de algum tipo de

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Guadalupe de Moraes Santos Silva

deficiência. Isso significa que cerca de 13 milhões de pessoas no Brasil, são portadoras de deficiência mental, física, sensorial, ou múltipla, e basea-dos no que revela a CORDE (Coor-denadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), desse percentual “acredita-se que apenas 3% recebe atendimento nas referidas áreas de educação e reabilita-ção e ainda de forma qualitativamente insatisfatória”.

Especificamente, a deficiência auditiva caracteriza-se como sendo um dos grandes problemas da área da Educação Especial, e segundo dados da ONU e do Plano Nacional de Ação Conjunta para a Integração de Pessoas Deficientes (1986, p.l2), representa 1,5% da população nacional total, um percentual alto, considerando a precária estrutura para lidar com essa realidade. A Proposta Curricular para Deficientes Auditivos do Cen-tro Nacional de Educação Especial (1979, p.l 10) afirma que “antes de mais nada o deficiente auditivo é um ser física e mentalmente normal, com capacidade de realizar as mesmas ati-vidades físicas que a criança ouvinte”. A deficiência auditiva é definida por SILVA (l99O,p.l5) como “a perda definitiva da capacidade de ouvir sons de intensidade inferior a 27 decibéis, frequência média da voz humana. Decibel (db) é uma unidade de som. A intensidade mínima que um indivíduo normal precisa para detectar a presen-ça de um som é considerada zero db. A Portaria n° 69 de 1986 do Centro Nacional de Educação Especial (ex-tinto CENESP, 1993, p.6, no que diz respeito à Legislação do Excepcional no Brasil, define os deficientes da audição como “educandos que pela perda total ou parcial da audição necessitam de métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para a sua educação”.

Para FERREIRA (1994,p.105) a deficiência auditiva caracteriza-se pela perda total ou parcial da capaci-dade de transmitir ou perceber sinais sonoros e, a depender da localização da lesão, classifica-se em condutiva ou neuro-sensorial”. A surdez con-dutiva localiza-se no ouvido externo ou médio, significando uma perda ou diminuição da capacidade de “con-duzir” o som até o ouvido interno. Já a surdez neuro-sensorial localiza-se no ouvido interno e representa uma

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perda ou diminuição da capacidade de perceber o som. Essa diferencia-ção é importante, pois as pessoas com perda condutiva tem maiores possibilidades de serem ajudadas por aparelhos auditivos, do que aqueles com perdas neuro-sensoriais. AMIRALIAN (1 986, p.22) classifica os deficientes auditivos em surdos e hipoacústicos. “A pessoa surda é considerada como aquela cujo dis-túrbio da audição impede o sucesso do processamento de informações linguísticas através da audição com ou sem aparelhos de amplificação so-nora. A pessoa hipoacústica pode ser vista como aquela que geralmente, com o uso de aparelhos de audição, tem um resíduo auditivo suficiente para possibilitar o sucesso do proces-samento de informações linguísticas através da audição”. Segundo FER-REIRA (1994, p.l) “um terceiro tipo de classificação refere-se à época em que a deficiência ocorreu. Quando esta ocorre antes da aquisição da linguagem é chamada de pré-lingual e tende a ser mais complicada para o desenvolvimento cognitivo da crian-ça do que aquela que ocorre após a fase de aquisição da linguagem, ou pós-lingual”.

Com base nos dados recolhidos da CORDE - Coordenadoria Na-cional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (l992,p.l5), alguns sinais podem dar indícios de perda auditiva, tais como: se a criança jovem é irrequieta, muito distraída, vulgo “desatenta, e “aérea”; se ape-nas ouve após um grande esforço de concentração; se não localiza a proveniência de sons; se não reage a chamamentos; se fixa-se excessi-vamente na expressão fisionômica do professor, visando a fazer leitura labial; se pede frequentemente a repetição do que foi dito; se vira o ouvido para o local de emissão dos sons; se comete erros frequentes nos ditados. Ainda é comum o diagnósti-co tardio, muitas vezes só se descobre a deficiência quando a criança chega na idade escolar. Todavia, hoje atra-vés de testes sofisticados é possível detectar a deficiência auditiva a par-tir do 5º mês de vida intra-uterina (SANTOS E RUSSO, 1999; p. l3O).

BRITTO (l993, p. 53) afirma que “visto em sua globalidade, o surdo sem linguagem apresenta, em geral, distúrbios de ordem cognitiva, emo-

cional e social. Entretanto, o cerne desses problemas são os bloqueios no seu desenvolvimento linguístico, causados pela falta de “input” neces-sários”. Nos aspectos cognitivos, o deficiente auditivo sofre perdas no seu desenvolvimento intelectual, onde os aspectos mais prejudicados são os que envolvem comportamentos verbais. Os deficientes auditivos apresentam dificuldades para formar conceitos, na generalização e abstra-ção destes. Os aspectos emocionais são importantes, pois podem causar problemas de comportamento.

A audição é um sentido funda-mental para o desenvolvimento da criança, pois é um dos canais através do qual o indivíduo entra em contato com o meio ambiente. Dessa forma, AMIRALIAN (l986,p.2l) afirma que “o maior efeito da perda auditiva, todavia, liga-se ao prejuízo de urna característica humana fundamental que é o uso da linguagem (...); criança portadora de uma grave deficiência auditiva falta muito mais e capacida-de para ouvir os outros e adquirir lin-guagem, implica, além do empobreci-mento dos meios informativos, urna restrição da motivação da criança e todo um prejuízo em suas relações afetivas”. Nessa perspectiva, a pessoa surda enfrenta alguns problemas de ordem sócio-emocional, que atrapa-lham a sua integração na sociedade. Dentre eles, considerado como um dos mais graves, a dificuldade para se comunicar. “A dificuldade de co-municação do surdo com o surdo, ou com ouvintes pode originar inúme-ros problemas de ordem emocional como o nervosismo, a insegurança e a auto-rejeição” (BRITTO, 1993). FERREIRA (1994, p.107), coloca alguns exemplos desses problemas; relutância em manter contato com pessoas estranhas; relutância em mostrar o aparelho auditivo; con-cretismo na analise da realidade, rigidez de pensamento; imaturidade em relação ao ajustamento social; tendência para o isolamento social dos ouvintes; ansiedade; capaci-dade de concentração reduzida. A imagem corporal e auto-conceito representam outro fator relevante, segundo FERREIRA(1994, p.107) “quando a criança amadurece e começa a dar significado ás informa-ções visual e verbais é que a imagem corporal e o auto-conceito são

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afetados por estes sistemas”. Normal-mente esta mudança começa entre 7 e 8 anos. As crianças com deficiência auditiva têm grande impacto nesta mudança. Alguns trabalhos sugerem que o desenvolvimento motor da criança com deficiência auditiva está frequentemente retardado. A coor-denação motora também é apontada por vários autores como inferior.

A comunicação do indivíduo de-ficiente auditivo, geralmente, acontece através da Línguagem de Sinais. En-tretanto, essa forma de comunicação às vezes é insatisfatória, devido a alguns fatores como: a não univer-salização da Língua de Sinais, pois cada comunidade tem a sua, o que dificulta tanto a comunicação surdo-surdo quanto surdo-ouvinte. Outro fator importante a ser considerado refere-se ao fato de que a maioria dos deficientes auditivos podem ser ajudados, através de medidas simpli-ficadas para a educação e reabilitação social, minimizando os problemas na comunicação e integração social, assim como completando a Língua de Sinais. “A ausência da função auditiva acarreta urna modificação na organização neurológica de um indivíduo, que leva a um bloqueio no fluxo de mensagens. A comuni-cação como um todo então, sofrerá interferência” (CICCONE, 1990, p. 2l). A comunicação, é entendida por COOLEY (l995, p. 2l8) como “um mecanismo pelo qual as relações humanas existem e se desenvol-vem”. Nesse sentido, concorda-se com ATACK (1995. p.2) quando ele afirma que a “comunicação é uma via de duas mãos, tratando-se de um processo de compartilhar onde são necessárias duas pessoas: uma dando e outra recebendo. De um modo geral, a comunicação tem por função transmitir informações. Entretanto, a comunicação do de-ficiente auditivo torna-se deficitá-ria, pois a forma de comunicação priorizada é a verbal, e o deficiente auditivo não consegue comunicar-se desta forma. A comunicação sem linguagem dá-se através de gestos e/ou mímicas (linguagem gestual). O gesto, segundo STOETZEL (1967, p22l) “ é um meio igualmente eficaz de acesso à pessoa, tanto no que esta possui de permanente quanto no que é apenas disposição ou intenção momentânea” De uma maneira ge-

O Gesto como componente pedagógico complementar na comunicação e integração social da pessoa com deficiência auditiva

ral, o homem usa o seu corpo para agir e para expressar-se em diversas situações. Expressando-nos através dos movimentos, podemos nos manifestar como sujeitos que se relacionam com o mundo. Nessa perspectiva, a relação com outrem é feita através do corpo. O ato de expressar consiste em exteriorizar uma ideia e um sentimento por uma reação corporal que possuirá um caráter evidente para o interlocutor. A expressão corporal permite que se prospere no abandono do verba-lismo, reconduzindo-se a expressão ao nível do “corpo-vivido’. aquele de que se dispõe para comunicar-se Le BOULCH (l987, p.73). Realizando certos gestos, o indivíduo dá indícios a outro para que este lhe responda. Dessa forma, a comunicação gestual toma-se um elemento importante da comunicação.

A necessidade de expressar-se é uma das mais importantes que exis-tem para o ser humano. O indivíduo deficiente auditivo apresenta essa necessidade cerceada e frustrada. A frustração dessa necessidade, segundo Le BOULCH (1987. p.72) é fonte de mal-estar, de angústia, de neurose e pode mesmo levar a distúrbios mais graves do comportamento’. Nesse sentido, o homem usa o seu como para agir e expressar-se em situações a que deve se ajustar. Através da expres-são corporal, ele revela-se a outrem e assume urna relação de significante e significado. Nesta perspectiva, RE-VERBEL (1993, p.25) afirma que “as capacidades de expressão - relaciona-mento, espontaneidade, imaginação, observação e percepção são inatas no ser humano, mas necessitam ser estimuladas e desenvolvidas” . As pes-soas que portam deficiência precisam de estímulos que, quando precoces, podem auxiliar o desenvolvimento e atenuar os problemas existentes.

2. Tipo e Causas da Deficiência Auditiva

Existem, basicamente, quatro tipos de surdez: a leve, a média, a severa, e a profunda. Os dois últimos casos são os mais prejudiciais para a aquisição da aprendizagem e da lin-guagem. AMIRALIAN (I986, p.22), baseada na condição da proposta de vários autores, define os tipos de surdez, da seguinte forma: 1 - Perdas

benignas (20-30 db). As pessoas aprendem a linguagem através da audição, por uma forma comum de desenvolvimento e, muito frequen-temente conseguem adaptar-se ao ensino em classe regular, sob a super-visão de professores especializados; 2 - Perdas malignas (30-40 db). Pessoas com essa perda têm dificuldades em ouvir a fala a distância e acompanhar uma conversação em grupo, mas ad-quirem a fala através da audição e são capazes de acompanhar um ensino comum, também com supervisão; 3 - Perdas moderadas (40-60 db). As pessoas só são capazes de aprender a linguagem através da audição com amplificação e a ajuda da visão; 4 - Perdas graves (60-75 db) Essas pessoas só adquirem a fala através do emprego de técnicas especiais, e dificilmente conseguem a integração total, necessitando de atendimento especializado pata o deficiente au-ditivo. 5 - Perdas profundas (acima de 75 db). Essas pessoas raramente aprendem a linguagem através da audição e necessitam de recursos especializados: raramente conseguem

integração educacional. Precisam de ensino especializado. Os três primeiros grupos são considerados hipoacústicos e os dois últimos são considerados surdos.

Listar as causas conhecidas como associadas à surdez na criança é tarefa difícil, pois o número total identificado é muito grande. Os autores nomeiam aproximadamente 150 condições envolvendo per-da auditiva. Segundo MARTIN (1995, p53) “as causas foram clas-sificadas de um modo que ago-ra tornou-se amplamente aceito

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como o mais satisfatório, ou seja, o momento no qual o processo da doença iniciou”. Há quatro cate-gorias principais: as geneticamente determinadas; doenças causando dano durante o crescimento e o desenvolvimento intra-uterino; dano ocorrendo durante o período peri-natal, imediatamente antes ou logo após o nascimento e dano ocorren-do após os primeiros dias de vida”. Com base em SILVA (1990, p.16) pode-se considerar como causas da deficiência problemas relacionados ao período gestacional, ao parto, e ainda a primeira infância. Entre estas causas estão as viroses, anoxias do parto, má formações genéticas, icterícia neonatal, drogas ototóxicas, pós sarampo e infecções do ouvido. Outro fator importante referente às causas da deficiência auditiva é a época em que surgiu. No período pré-natal, reconhece-se como causas componentes hereditários, infecções, ototoxidade. No período neonatal - durante o parto, tem-se a anoxia, icterícia neonatal, prematuridade e traumatismo obstétrico. No período pós-natal, são causas as infecções, traumatismo craniano, otoesclerose e disacusia ocupacional.

O uso da Linguagem de Sinais não é suficiente para uma

comunicação eficiente do deficiente auditivo na sociedade

Guadalupe de Moraes Santos Silva

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3. A Comunicação da Pessoa com

Deficiência Auditiva

A comunicação, segundo CO-OLEY (citado por STOETZEL, I967 p.107)” é o processo pelo qual se transmitem as significações entre pessoas”. Considerou-se ainda a definição de ATACK (l995, p.2O) “a comunicação é urna via de duas mãos onde é preciso que duas pessoas compartilhem: uma dando e outra recebendo a informação”. Priorizou-se a forma de comunicação não-verbal, uma vez que, no caso do deficiente auditivo, a forma verbal de comunicação se torna inviável. Para melhor compreensão dos tipos de comunicação do deficiente auditivo, os dados obtidos foram analisados separadamente, em 4 categorias de comunicação através da: Libras: compreende línguas de modalidade gestual visual, onde se faz necessá-rio ter um conhecimento de sinais padronizados. Basicamente, nessa forma de comunicação, as crianças

observadas utilizavam as mãos para fazerem os sinais; da Linguagem Gestual: dá-se através de gestos e/ou mímicas, onde as relações interpessoais ocorrem utilizando o corpo. Esse tipo de Linguagem permite que, na realização de certos gestos, seja possível dar indícios a outrem para que este responda, de-senvolvendo-se urna comunicação não-verbal; da Oralização: prioriza o aprendizado da língua oral, com o objetivo de aproximar o deficiente auditivo, o máximo possível do mo-delo ouvinte, sendo a língua muito mais como objeto do que como instrumento do aprendizado global e da comunicação; da Associação da Libras e a Linguagem Ges-tual: nessa forma de comunicação, as crianças utilizavam as mãos para fazer os sinais, juntamente com gestos e ou mímicas para comple-mentar as lacunas incompreensíveis na comunicação. Todas as categorias foram analisadas a partir de crité-rios adotados como comunicação eficiente e ineficiente. Entende-se por comunicação eficiente quando uma informação, que é passada de uma pessoa (transmissor) para outra (receptor), é nitidamente entendida, e por comunicação ineficiente, aquela onde a passagem de uma in-formação não é executada de forma compreensível. As crianças, após a aplicação das atividades baseadas nas técnicas de expressão corporal

e jogos educativos, demonstraram uma melhora significativa , pois a criança busca auxílio nos gestos do seu próprio corpo para passar uma informação para quem ainda não sabe transmitir através dos sinais padronizados da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). A Linguagem de Sinais, por ser uma forma de comunicação que exige do deficiente auditivo um conhecimento dos sinais padronizados, parece não pos-sibilitar uma aprendizagem eficiente, se entendermos que o deficiente auditivo dessa faixa etária passa por algumas dificuldades para poder se comunicar somente com a Libras, pois, além de estar ainda começando a aprender os sinais, eles têm que enfrentar o fato de que o restante das pessoas, sobretudo as ouvintes, não estão, também, aprendendo essa forma de linguagem.

A dificuldade de comunicação pode levar ao isolamento (de forma solidária ou em pequenos grupos), assim como outros comportamen-tos, considerados patológicos e que podem ser prejudiciais a socialização, aprendizagem e integração. A criança deficiente auditiva, quando se sente frustrada na sua tentativa de comu-nicação, tende a fugir da realidade, isolando-se, ou reagindo agressi-vamente, entre outros comporta-mentos. Dessa forma, levando-se em consideração que até atingir sua fase adulta, o deficiente auditivo

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Referências bibliográficaspermanece todo esse tempo restrito a uma só forma de comunicação (Linguagem de Sinais). Assim, essa criança deixa de vivenciar etapas importantes que acontecem durante esse espaço de tempo, no que se refere a relacionamento afetivo e/ou até na formação da sua personalidade. Ao passo que, se essa criança tiver um auxílio na sua forma de comunicação básica (Libras), suas chances de eficiência na comunicação irão aumentar, como demonstram os resultados dos dados obtidos nos índices de eficiência. Nesta perspectiva, nota-se que a criança deficiente auditiva frustra-se em sua tentativa de comunicação, ela tende a fugir da realidade isolando-se (só ou em pe-quenos grupos), ou reagindo a essa frustração agressivamente, ou ainda ocorrer outras formas de compor-tamentos como: não querer fazer as lições; não querer ir à aula; não querer comunicar-se com alguém, fatos que podem ser prejudiciais à socialização e à aprendizagem.

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França44 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

O Gesto como componente pedagógico complementar na comunicação e integração social da pessoa com deficiência auditiva

4. Considerações Finais

O educador de hoje em dia tem que está capacitado para as diferentes situações encontradas em sala de aula. Não somente no que se refere às diferenças nas capacidades para ouvir, ver andar, mas também nas diversidades culturais, étnicas, raciais, entre outras. É preciso não parar no tempo; necessário se faz debater essas questões sócio-educacionais sempre. Portanto, concluímos que artigos desta natureza devem ser fomentados, visando contribuir para futuras soluções para as problemáti-cas vivenciadas nesta área.

As dificuldades de comunicação podem levar o individuo portador de deficiência auditiva a desenvol-ver problemas comportamentais de ordem psicológica, prejudicando tanto a aprendizagem, quanto a socialização e a integração. Entre-tanto, percebemos mudanças no comportamento, após o uso da metodologia utilizada. Esse fato, só corrobora para o entendimento de que o professor, em seu cotidiano escolar, pode, quando bem capaci-tado, lidar com essas dificuldades com maior facilidade êxito.

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José GuilhermeQueiroz Rodrigues

Graduado em Educação Física e Desporto Pela Universidade Lusófo-na de Humanidade e Tecnologias de Lisboa - Portugal (2005), e Es-pecialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade São Luís de França de Aracaju (2009).

Suely Mendes BragaGraduada em Letras pela Universidade Tiradentes (1997), especialista em Competência Pedagógica e Docência Universitária pela Faculdade São Luís de França (2008) e es-pecialista em Marketing pela Universidade Federal da Paraíba (2004).

[email protected]

[email protected]

O presente estudo faz refe-rência à importância da disciplina Metodologia Científica como fer-ramenta fundamental na iniciação científica e no desenvolvimento de produções científicas dos alunos que ingressam em cursos de pós-graduações e que têm de desenvol-ver de acordo com processos ava-liativos produções textuais do gê-nero científico. A base teórica desta investigação tem como principais autores Antonio Severino, Pedro Demo, Cristian Laville e Jean Dionne e seu objetivo principal é conhecer as dificuldades dos alunos de pós –graduação na elaboração de produções cientificas, a fim de provocar uma reflexão sobre como esses alunos estão construindo seus trabalhos acadêmicos e como eles podem desenvolver competências significativas.

Palavras-chave: Metodologia Científica. Competências. Produ-ção de texto. Interdisciplinalidade.

The present study it make refe-rence to reference the importance of disciplines Scientific Methodo-logy as basic tool in the scientific initiation and the development of scientific productions for the pupils who enter courses of after-graduations and that literal pro-ductions of the scientific sort have to develop evaluative processes in accordance with. The theoretical base of this inquiry has as main authors Antonio Severino, Peter Demon, Cristian Laville and Jean Dionne and its objective, main motivation of this research, is to know the difficulties of the pupils of after - graduation in the elabo-ration of scientific productions, in order to provoke a reflection on as these pupils are constructing its academics works.

Keywords: Scientific method. Skills. Text production. Interdisci-plinalidade.

Resumo Abstract

45 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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Metodologia científica: aquisição de competência interdisciplinar de escrita de textos acadêmicos

As instituições de ensino superior desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do pensamento critico-reflexivo dos alunos, ampliando a visão da realidade e dos problemas que a compõem, e, por isso, é impor-tante que este papel esteja explicitado nas várias disciplinas dos currículos. O presente estudo evidencia a disci-plina Metodologia Científica como uma das que podem apresentar os mais eficientes instrumentos para que alunos de cursos de pós-graduações desenvolvam competências de com-pleta autonomia para a escrita dos textos exigidos nesse nível de ensino, sendo que os que mais angustiam são os TCCs em formato de artigo, rela-tório de estágio, monografia, estudo de caso, entre outros.

A realidade a que assistimos no ensino superior, em nível de pós-gra-duação, são alunos que desconhecem as normas elementares envolvidas na elaboração de textos científicos tais como: fichamentos, resenhas, projetos, artigos, etc. Mas o desconhecimento da estrutura não é o ponto mais frágil, o que se percebe na realidade é que a maioria não entende o que é conhe-cimento científico, e o confundem com normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), la-mentavelmente. Não parece possível continuar ignorando esse desconheci-mento, passando para o aluno a total responsabildade por esta aprendiza-gem. É importante que se ouçam os alunos, a fim de saber se os cursos de pós-graduação estão cumprindo seu papel, responsabilizando-se por aprendizagens significativas, susten-tadas por uma permanente atividade de construção do conhecimento, com base em preceitos de cientificidade.

Apesar da importância dessa dis-ciplina, tem-se observado uma postu-ra equivocada na formação do proces-so de ensino/aprendizagem referente à aquisição de competências por parte dos alunos de pós-graduação, para a produção de conhecimento cientí-fico. Os alunos apresentam muitas dificuldades para cumprirem as exi-gências na elaboração dos trabalhos científicos, provavelmente devido a uma formação básica deficiente que não estimulou comportamentos de motivação, interesse e prontidão pela busca de conhecimento, através da

1. Introdução

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França46 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

iniciação cientifica e da construção de novas atitudes e comportamentos que são essenciais para o desenvolvi-mento de uma consciência crítica dos fenômenos que o rodeiam.

Segundo (SEVERINO, 2002), a causa para este fracasso encontra-se na forma como se lida com o conhe-cimento, sem construí-lo de forma efetiva. Assim, o exercício académico quer de professores quer de alunos deve ser pautado por uma atitude sistemática de ensino, pesquisa e ex-tensão à comunidade, a ser traduzida e realizada por meio de procedimentos metodológicos e técnicos, epistemo-logicamente fundamentados.

“Na Universidade, a aprendizagem, a docência, a ensinagem, só serão signi-ficativas se forem sustentadas por uma permanente atividade de construção do conhecimento” (SEVERINO, 2009. p.13).

O que se observa é que os alunos não são preparados e orientados para entender a metodologia científica como suporte científico para a cons-trução do conhecimento, mas, por ve-zes, privilegia-se o ensino da estrutura e da forma, ao invés de dotar os alunos de autonomia na organização do saber.

Perante esta realidade, a questão que se coloca é como a disciplina de Metodologia Científica pode ajudar os alunos de cursos de pós-graduação a superarem as dificuldades na elabo-ração dos seus trabalhos científicos, desde a preparação, passando pela re-dação, e, por último, a apresentação.

A necessidade do estudo em foco pode ser considerada na medida em que irá abordar a importância da disciplina Metodologia Científica no desenvolvimento de competências técnica, ideológica e científica do alu-no de nível superior, otimizando sua aprendizagem e, consequentemente, a qualidade das suas produções.

O estudo realizado assume a sua relevância pela dificuldade que os aca-dêmicos em pós-graduação apresen-tam, relativamente à aprendizagem das competências para a escrita de um artigo científico adequado.

A metodologia científica desen-volvida no contexto do ensino de pós-graduações deve fundamentar-se em uma atividade lógica e rigorosa, abordando um conjunto de diretrizes metodológicas com um direcionamento propedêutico, visando sistematizar e organizar o trabalho intelectual, me-

diante uma preparação consistente para a manipulação adequada dos ins-trumentos e procedimentos utilizados na investigação, auxiliando a formação de uma nova mentalidade no aluno, que de simples repetidor passa a criador de novas atitudes e comportamentos, através da construção do próprio co-nhecimento. “A metodologia científica propicia uma forma de intrevenção na realidade, articulando a teoria e a prática e possibilitando o saber pensar na busca da qualidade educativa e criativa do homem” (DEMO, 2008, p. 8).

O presente artigo, portanto, tem como objetivo conhecer as dificulda-des dos alunos de pós – graduação na elaboração de produções científicas e comprovar a importância da Me-todologia Científica na formação de competências, na busca e organização do saber pela aplicação prática de instrumentos metodológicos, neces-sários à realização de trabalhos de pesquisa. Uma análise dos principais conceitos que compõem a disciplina Metodologia Científica e posterior relação dos mesmos na produção e apresentação de trabalhos científicos, com a intenção de traçar uma analogia entre o saber científico e sua influên-cia no desenvolvimento da reflexão, da compreensão, da capacidade de interpretação e argumentação dos acadêmicos de cursos de pós-gradu-ação, apresenta-se como de relevante importância na busca por melhorias na formação de alunos de cursos de pós-graduação.

2. DesenvolvimentoSegundo (DEMO, 2005), a apren-

dizagem no ensino superior pode ser sintetizada em uma única finalidade: Aprender a pensar. O desenvolvimen-to desta competência antecede o domí-nio de metodologias que sistematizem o exercício intelectual na inovação do conhecimento, sendo necessária uma preparação sólida e consistente na correta utilização dos procedimentos utilizados na investigação; por isso é importante que curriculos e pro-gramas atendam a uma proposta de conscientizar professores em relação à utilização dos conhecimentos cien-tíficos, de forma a organizá-los para que a competência de escrita de textos cientificos subsidiem os programas de aprendizagem.

Inerente à investigação, o uso da metodologia científica permite a futuros

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José Guilherme Queiroz Rodrigues Suely Mendes Braga

pesquisadores intervir na realidade, estabelecendo conecções entre a teoria e a prática, exercitando o saber pensar, embasado em um saber organizado por metodos e técnicas os quais lhes premitam entender a complexidade dos processos de aprender e os de aplicar conhecimentos necessários em situações em que o saber científico é solicitado.

(SEVERINO, 2009) afirma que a iniciação à prática científica nos cursos de ensino superior depende de uma matriz curricular que estabeleça uma articulação simultânea e equilibrada e que promova uma politica educacio-nal do conhecimento, fundamentada epistemologicamente, assente em uma estratégia didático-metodológica e em uma metodologia técnica aplicada que impõe-se aprender a pesquisar, pesquisando nas diferentes disciplinas. É neste sentido, que a metodologia científica pode contribuir para a for-mação do aluno no desenvolvimento da competência para a escrita de textos acadêmicos científicos.

Para que o ensino dessas compe-tências seja eficaz, a pesquisa assume uma função essencialmente pedagó-gica nas diferentes disciplinas. Não é possível, sem a relação anteriormente referida, desenvolver essas competên-cias para a escrita de textos acadêmicos. A disciplina de metodologia científica, por si só, não engloba no seu progra-ma todos os objetivos propostos. Ela simplesmente proporciona ao aluno a aquisição de técnicas e metodologias que o vão ajudar na organização do pensamento e construção de conhe-cimento, necessitando de estabelecer uma relação transversal com todas as outras disciplinas curriculares, tornando o processo de ensino-aprendizagem do aluno mais enriquecido, e aumentando as possibilidades de aplicação dos co-nhecimentos aprendidos em diferentes dimensões/áreas do conhecimento pelo exercício de trabalhos escritos inerentes ao processos avaliativos.

A escola tem por missão ensinar, além disso o modo de construção do saber, de modo que os estudantes tambem apren-dam os principios da sua validade e se tornem progressivamente capazes de julgar o saber oferecido e, até, eventualmente, de preferir outro ou de construir, por si mesmos, um saber diferente (DIONNE, 1999, p.21)

No entanto, na prática observa-se uma dificuldade na aplicação interdisci-

plinar da metodologia científica e, con-sequentemente, no desenvolvimento da competência de escrita de textos acadêmicos. O tema interdisciplinari-dade é complexo na medida em que envolve todo um percurso histórico de departamentalização da vida acadêmi-ca, observando-se uma segmentação das várias ciências e das disciplinas que as compõem; consequentemente, a ciência se debate com diferentes linguagens desenvolvidas por cada disciplina. Essa tendência chegou ao ponto de estabelecer limites entre ciências naturais e sociais, inclusive em termos metodológicos. Esta divergên-cia interdisciplinar na sua dimensão vertical e horizontal, tem sido uma das principais deficiências percebidas pelos alunos na sua formação, traduzindo-se na efetivação de dificuldades na elaboração dos trabalhos científicos, e, bem como, na falta de motivação para a escrita de novos textos acadêmicos.

Para que haja um melhor desen-volvimento de competência de escrita desse gênero textual, é necessário um trabalho em equipe que implemente esforços conjuntos para que cada professor utilize técnicas e métodos com diferentes abordagens de estudo, promovendo a reconstrução do conhe-cimento mais próximo da realidade, de forma a contribuir para estudos não mais superficiais nas várias disciplinas do currículo. Quanto à disciplina meto-dologia científica, a interdisciplinaridade estabelece-se com menor resistência, se entendermos as áreas do conhecimento como abertas e não estanques. No entanto, as dificuldades são inerentes ao carácter intrínseco da própria reali-dade, exigindo dos vários professores uma visão mais ampliada sobre como é possível aprender e ensinar melhor, se transitássemos em outras áreas do conhecimento, criando redes de apren-dizagens. O que se percebe, mesmo em nível de pós-graduação, ainda é um ensino departamentalizado.

Tendo bem presentes as finalidades do ensino superior, aos professores universitários se impõe o compromisso com um investimento sistemático no planejamento de suas disciplinas, na qualificação de sua interação pedagógica com seus alunos e numa concepção do ensino e da aprendizagem como processo de construção do conheci-mento. O que está em discussão é uma concepção da aprendizagem como processo de construção do conheci-

mento. Consequentemente, torna-se imprescindível a adoção de estratégias diretamente vinculadas de modo que experiências práticas possam ser mo-bilizadas para essa aprendizagem. Ou seja, que a própria prática da pesquisa seja caminho do processo de ensino e aprendizagem. Nessa linha, todas as disciplinas do curso devem se articu-lar, fazendo que ocorra envolvimento de todos os docentes. É necessária uma atitude coletiva convergente, em termos de exigência de padrão de produção acadêmica.

Segundo (DEMO, 2005), a ten-dência, de acordo com a demanda de mercado, é de que os cursos de pós-graduação tenham um carácter mais interdisciplinar capaz de formar profissionais polivalentes e com a capacidade de “saber pensar”.

No processo pedagógico, o profes-sor é o elemento chave de todo o pro-cesso. Sem a existência de uma estrutura esclarecedora e objetiva de ensino da metodologia científica, dificilmente conseguiremos motivar os alunos para aprendizagens que organizem o seu pensamento e que permitam a eles au-tonomia na construção do seu próprio conhecimento, tendo como ponto de partida as realidades que o rodeiam. A disciplina metodologia científica não deve somente discutir conhecimento, precisa saber fazê-lo, desenvolvendo a ideia de pesquisa como o princípio educativo, como elemento mais perti-nente para a aprendizagem e recons-trução do conhecimento.

O professor deve incentivar o aluno a ter uma atitude de busca constante, de investigação sobre os objetos de seu campo de especialidade, participan-do da construção de conhecimentos novos sobre ele. Mas, para que essa postura se efetive em novos conhe-cimentos, é necessário que o aluno, através do professor, conheça duas premissas importantes: a primeira é a de que o conhecimento é um processo de construção de objetos que necessi-tam ser refeitos sem uma apropriação definitiva. A segunda é a de que é preciso estar em permanente estudo e atualização dos conhecimentos, acom-panhando continuamente as mudanças históricas na área específica de atuação. Esta postura deve partir, quer de alu-nos, quer dos professores. Os alunos devem perseguir o objetivo da apren-dizagem de competências para a pro-dução de textos científicos; para isso

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Metodologia científica: aquisição de competência interdisciplinar de escrita de textos acadêmicos

cabe ao professor de cada disciplina exercer o papel de mediador no processo, orientando seus alunos na produção de textos, tanto de caráter específico, como para a construção de autonomia de gêneros que circulam no meio científico.

A relação entre professor e aluno é caracterizada por uma relação dia-lética, onde se cria a expectativa de que a orientação em todo o processo educativo de reconstrução do conhe-cimento culminando na autonomia do aluno. O professor é a referência do aluno em todo o processo onde a sua aprovação é essencial para que o aluno se liberte e se sinta capaz de produzir novo conhecimento.

Em suas investigações, é neces-sário que os alunos entendam que o conhecimento científico parte da realidade e que suas aplicações e inter-pretações, bem como sua adequação ao contexto das pesquisas, são papéis a serem esclarecidos pela metodolo-gia científica, estabelecendo ajustes ao fim a que se propuser. Um sujeito que domine os conceitos básicos do saber científico e que seja conhecedor das metodologias, intervém o menos possível no seu objeto de estudo, utili-zando meios que reduzem as variáveis não controláveis desse objeto.

Neste processo de superação, a adequada orientação do professor, quanto ao uso da metodologia cons-titui-se como o primeiro passo para o aluno realizar pesquisa. A pesquisa é o elemento chave no questionamento da realidade existente, iniciando desta forma um ciclo de destruição e recons-trução do conhecimento. Para iniciar este processo, o professor deve dar a conhecer aos alunos quais os tipos de pesquisa que podem ser utilizadas de acordo com a sua produção científi-ca. Para (FREIRE, 1998) Não existe ensino sem pesquisa e nem pesquisa sem ensino.

Assim, para uma definição bem sucedida do fenômeno em estudo, o aluno deve desenvolver a capaci-dade de reconhecer as limitações e incongruências da pesquisa que vai aplicar. Neste sentido, os resultados obtidos no estudo do seu objeto vão depender dessa leitura inicial e das metodologias utilizadas, tornando-o distinto de outros realizados. O aluno, ao se conscientizar das possibilidades de utilização de difrentes tipos de pesquisa e metodologias, pode estudar

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a mesma realidade sob diferentes ân-gulos, elaborando diferentes hipóteses e resultados.

A certeza de encontrarmos uma definição, inicialmente já é uma visão destorcida, já que a realidade possui uma dinâmica e uma complexidade não linear, onde não cabe uma de-finição clara e objetiva e definitiva. Apenas, podemos entendê-la, “foto-grafando” pequenas partes que nos ajudam a entender, de acordo com os limites que definimos, embora tenhamos de ter sempre atenção ao fato desses mesmos limites serem inerentes a um processo de destruição e reconstrução ao qual chamamos inovação.

É importante ressaltar o papel do professor de metodologia científica, na influência que exerce nas orientações e escolhas metodológicas, influenciam no fracasso ou no sucesso da aquisição de competência dos alunos no desen-volvimento das suas pesquisas.

Segundo (DEMO, 2005), é funda-mental, antes de inventar conhecimen-to, conhecer as teorias clássicas em uso, ter acesso aos dados disponiveis e aprender com quem demostrou aprender bem, para nos livrarmos do autoritarismo e dos critérios políticos que estão implantados nas instituições superiores, e que na prática se refletem na reprodução de conhecimentos de autores consagrados.

A questão central é: como iniciar este processo na busca do saber pensar? Em primeiro lugar, é neces-sário que o professor apresente aos seus alunos o processo histórico de evolução do saber, explicando em que moldes assentava o saber e o porquê da necessidade da busca de um conhecimento mais confiavel e fundamentado. É também importante entender como se deu a evolução do saber racional e em que paramêtros o raciocínio humano era desenvolvi-do, no contexto das ciências sociais humanas que estão no centro do processo metódico de construção do saber, além de como os vários tipos de conhecimento, nas diferentes épocas, condicionaram o desenvolvimento das ciências humanas no inicio do século passado, a partir da evolução do saber, desde a sua concepção intuitiva, até a sua diemensão racional. Dotar os alunos do conhecimento de técnicas de observação e experimentação é fundamental para a compreensão dos fatos sociais.

Retomando a perspectiva positi-vista, supõe-se que os fatos humanos são como os fatos da natureza, o que cria algumas limitações e ambiguidades em relação ao objeto de estudo: o ser humano. Segundo Émile Durkheim, um dos fundadores do positivismo nas Ciencias Humanas, a compreensão dos fatos sociais pelo homem só é possivel se os analisarmos como coisas, através da observação e experimentação. Ora, esta visão, no contexto das ciencias hu-manas, não é viavel, pois não podemos considerar os fatos como coisas estan-ques, porque a sociedade é constituída por objetos dinâmicos. É com base nas crenças, valores e interesses que os pes-quisadores inicialmente devem projetar as suas pesquisas e, consequentemente, delimitar os temas de estudo.

Na disciplina metodologia cien-tífica, é importante que o aluno saiba utilizar os instrumentos na objetivação da sua pesquisa. (LA-VILLE, 1999); entende-se que o professor de meto-dolocia científica deve orientar seus alunos a seguirem um conjunto de pro-cedimentos que vão desde a proposta e definição de um problema, elaboração de uma hipótese, sua verificação e, por último, apresentação das referidas conclusões.

Segundo (DEMO, 2005), o conhe-cimento científico é composto por um conjunto de variáveis que o caracteri-zam. Neste sentido, a análise é o meto-do mais utilidado para a construção do conhecimento científico, decompondo o todo em várias partes, obtendo uma precepção linear da realidade física. Este método permite-nos ter uma visão mais simplificada da realidade e tentar encontrar explicações através de teorias gerais dessa mesma realidade. Desta forma, podemos chegar ao passo funda-mental da metodologia científica, onde “As novas descobertas nunca finalizam por definição, apenas abrem outros no-vos horizontes.” (DEMO, 2005, p.16). O dominio desta compêtencia assume uma relevância fulcral na continuidade do processo de pesquisa, formulação de hipoóteses e conclusões do estudo.

Perante o desafio de captar a dinâmica, a análise revela-se como uma contradição, no sentido em que procura encontrar o lado invariavel da dinâmica, ou seja, para entendermos o que é variável em uma determinada realidade, temos de encontrar a dimen-são invariável dessa mesma realidade e isso é possivel pela pesquisa.

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José Guilherme Queiroz Rodrigues Suely Mendes Braga

“O conhecimento científico não produz certezas, mas fragilidades mais controladas” (DEMO, 2005, p.29).

Assim, no ensino superior, quan-do o aluno iniciar a sua produção científica, deverá elaborar o seus discurso com base num conjunto de critérios e de competências que demarquem o seu discurso e que o façam ser reconhecido como cientí-fico, distanciando-o dos outros tipos de conhecimentos, como o senso comum, sabedoria e ideologia. Neste sentido, o discurso deverá ser lógico, de forma a permitir retirar dele as conclusões necessárias. Mas, é perti-nente que o texto tenha começo, meio e fim, e que os conceitos utilização estejam articulados e fundamentados com base em técnicas e normas regu-lamentadas. A coerência é outra das características que viabilizam a cientí-ficidade do discurso, pela ausência de contradições e desarticulação entre os vários assuntos e conclusões. A siste-maticidade é outra das caractristicas onde o discurso deve assentar, pos-sibilitando, desta forma, estudar um determinado tema amplamente, sem que este se esgote, apresentando con-sistência, capacidade de argumentação do autor e de adequada interpretação de quem o lê. A objetividade é outra das dimensões que se deve ter na es-crita de um texto científico.

Para que um estudo realizado seja considerado válido na comunidade científica, não basta ser lógico, siste-mático e bem formulado. Assim, para demarcarmos a científicidade, temos de ter em conta também a intersub-jetividade do discurso que deverá estar em consonância com as teorias e metodologias das linhas de pesquisa da instituição. Outro dos aspetos impor-tantes para demarcar a científicidade de um artigo, por exemplo, é a autoridade que o autor consegue conquistar por mérito. Essa conquista, inicialmente está consagrada à hierarquia que existe no meio intelectual, mas que pode ser conquistada pelo comentário e argumentação de situações baseadas em teorias consagradas científica-mente, conquistando a validade do seu argumento próprio. Finalmente, deve-se considerar também o aspecto da relevância social e ética, já que uma pesquisa científica deve procurar res-posta aos problemas sociais e servir às necessidades das maiorias.

Como foi exposto, existe um desafio a ser enfrentado, tanto por

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professores, quanto por alunos, em nível de graduação e de pós, que é conhecimento e domínio de instrumentos metodológicos que lhes permitam construir textos com reconhecimento e validade científica. A capacitação dos alunos desse ar-cabouço de competências não é um caminho fácil de construir. A elabo-ração de um projeto educativo não é suficiente para alcançarmos este objetivo; é indispensável um maior envolvimento e comprometimento de todos os professores, indepen-dentemente da disciplina lecionada, tendo em vista que a disciplina me-todologia científica pode fazer parte de um projeto interdisciplinar de ensino, principalmente em cursos de pós-graduação, para que seja o aluno o maior beneficiado, tornando o su-jeito capaz de ler, entender, traduzir e produzir tudo o que se relaciona à sistematização científica.

3. ConclusãoCom base na pesquisa apresenta-

da, podemos entender melhor qual a contribuição da disciplina metodolo-gia científica, não somente pela orga-nização da estrutura de trabalhos aca-dêmicos, mas como possibilidade de instrumentalizar professores e alunos na construção de textos reconhecidos cientificamente, sabendo-se que mais do que utilizar métodos e técnicas operacionais, adequadas à aborda-gem e ao tratamento dos fenômenos, ela concebe autonomia e suporte para pesquisadores e estudantes, no sentido de organizar saberes, e (re) construir conhecimentos, a partir de

um paradigma epistemológico, ou seja, do modo como se concebe a relação sujeito/objeto em pesquisas.

Para desenvolver estas compe-tências na construção de um novo saber, é necessário primodialmente conhecer os modos de aquisição do saber com especial relevância aos modelos científicos, no contexto das ciências sociais modernas.

O professor de metodologia científica apresenta como o elemento chave no desenvolvimento de com-petências que possiblitem aos alunos analisar e ter um olhar crítico sobre a realidade que os rodeiam, conheci-mentos adquiridos pelo domínio de métodos e técnicas na disciplina me-todologia científica, para que possam usar na forma de produção de textos acadêmicos, notadamente em cursos de pós-graduação.

Uma correlação transversal e interdisciplinar da metodologia com as diferentes disciplinas do currículo pode promover um ensino de melhor qualidade, autonomia de escrita e formação de sujeitos investigadores de suas práticas, que sejam capazes de ressignificar processos de ensino e de aprendizagem.

Para que haja melhor desenvol-vimento de competência de escrita desse gênero textual, é necessário um trabalho em equipe que implemente esforços conjuntos para que cada professor utilize técnicas e métodos com diferentes abordagens de es-tudo, promovendo a reconstrução do conhecimento mais próximo da realidade, de forma a contribuir para estudos não mais superficiais nas várias disciplinas do currículo.

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Professor Emanuel Barbosa

Alves, Supervisor do Núcleo

de Pós-Graduação da FSLF,

Pedagogo Pós-graduado

em Administração Escolar e

Didática e Metodologia do

Ensino Superior.

Professor Emanuel Barbosa Alves

Faculdade São Luís de França

a i s d e 5 0 % dos aprovados no Mestrado

em Educação da Univer-sidade Federal de Sergipe são egressos de cursos de pós-graduação da Facul-dade São Luís de França. Os resultados não deixam duvida da excelência da qualidade de nossos cursos, que primam pelo cuida-do na escolha dos profes-sores que os compõem.

Para o professor Ema-nuel Barbosa Alves, pedago-go, pós-graduado em Admi-nistração Escolar e Didática

e Metodologia do Ensino Su-perior, Supervisor do Núcleo de pós-graduação da FSLF, é crescente a demanda, em to-dos os níveis do ensino, por inovações pedagógicas e por instituições que reconheçam os professores como sujeitos do trabalho de formação, por isso investir na qualidade dos cursos de especialização ofer-tados por esta instituição tem sido uma das metas mais per-seguidas. “A cada turma que se encerra são vários os mo-tivos de orgulho e de emoção pelos resultados alcançados. Além do aproveitamento

dos melhores alunos como professores que passam a fazer parte do quadro de pro-fessores da graduação e da pós, são muitos os que têm ingressado em programas de mestrado, e que por aqui pas-saram. Vale lembrar que um dos diferenciais da FSLF é o Curso de Extensão em Docên-cia do Ensino Superior, que desde sua implantação apro-vou, através de rigoroso e cri-terioso processo de seleção, professores que hoje atuam tanto na graduação quanto na pós, de forma inovadora, com uma formação sólida e

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Faculdade São Luís de França

voltada para as compe-tências requeridas pelo mercado”, afirmou o Su-p e r v i s o r d o N ú c l e o d e Pós-Graduação da FSLF”.

A docência no ensino superior apresenta–se, na atualidade, como um ofício que exige além da forma-ção em uma licenciatura, conhecimentos e utilização de referenciais que propi-ciem mais do que domínio específico de conteúdos, já que demanda capaci-dade de reflexão sobre a ação docente, sobre ser educador, construindo-se o como se ensina, a partir do entendimento do como se aprende, pois não há ensino sem aprendizagem.

Nesse contexto, justifi-cou-se a criação do curso de Docência do Ensino Superior, que é promovido ao final de cada curso de pós-graduação como uma oportunidade de reflexão e preparação para a docência, segundo os fundamentos que norteiam a ação peda-gógica da FSLF, com um “olhar” para um processo de formação pedagógica que orienta docentes a construí-rem uma prática que ensine a “aprender a ser, a refletir, a avaliar e a agir” em uma atitude tanto individual quanto coletiva, envolven-do os sujeitos do processo educacional, em termos das exigências da produção acadêmica. Ainda segundo o professor Emanuel, o curso brevemente será intitulado

O Professor Emanuel Barbosa em sala de aula com seus alunos

51 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

“Oficio do Ensino Supe-rior”, dando a ele ainda mais destaque e valor, já que, hoje, a FSLF é a úni-ca instituição do mercado educacional que seleciona, através desse curso, os me-lhores talentos, tanto para si quanto para o mercado em todo o Estado. “O curso

é aberto para alunos dos programas de pós da nossa e de outras instituições, disse o professor Emanuel”.

Outro mot ivo de or-gulho para a FSLF são os e g r e s s o s r e c e n t e m e n t e aprovados nos processos de seleção para mestrados da UFS. “Já havíamos pre-

parado e descoberto esses alunos nos nossos cursos, e eles já fazem parte do nosso corpo docente, por isso o orgulho se amplia ao vermos que estão buscando especializações em níveis mais avançados. Além da UFS, tivemos aprovados na UNIT e na UNEB, nesta última em decorrência dos nossos polos de pós-gra-duação na Bahia, onde já comemoramos quatro anos de atuação, além do mais recente em Alagoas,” con-cluiu o professor Emanuel.

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[email protected]

Cristiane TavaresFonseca de

Moraes NunesMestre em Administra-

ção pela Universidad de

Extremadura/Espanha

(2002). Professora e Ges-

tora Acadêmica da Facul-

dade São Luís de França.

Mestranda em Educação

(UFS) graduada em Pro-

cessamento de Dados

e em Administração de

Empresas.

Com a expulsão dos jesuítas pelo Ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, é idealizado um novo modelo educacional em Portugal e em suas colônias, pensado através do iluminismo português, que procurava promover os valores da razão, liber-tada das superstições e do atraso cultural em que se encontrava a nação lusitana. Para a modernização de Portugal, através do que acontecia na Europa civilizada e ilustrada, Pombal promoveu reformas de cunho filosófico e pedagógico, formalizando para isso a Junta de Providência Literária, criada com o objetivo de elaborar os novos Estatutos da Universidade de Coimbra, ocorrido em 1772, sendo que outro documento político é formalizado antes dele, para dar ao Rei D. José I uma ideia das condições da universidade para uma nova concepção de ensino e de ciência. Trata-se do Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra, elaborado pelos integrantes da Junta um ano antes dos estatutos, colocando os jesuítas como responsáveis únicos de uma decadência e ruína da educação e do obscurantismo instalados em Portugal, consequentemente, em suas colônias. Fundamentado nos ideais iluministas, “as luzes” despontam como um fenômeno mais político do que religioso que possibilitou dar sustentação filosófica aos projetos educacionais e ao projeto de nação pensado por Pombal, na realização de um novo homem culto, ilustrado e moderno. O objetivo deste artigo é identificar e analisar as reformas pombalinas dos estudos maiores, pela criação dos estatutos e seus impactos na Universidade de Coimbra, bem como a contribuição dos seus egressos na construção do Estado-nação no Brasil e o importante papel que aquela universidade teve na construção de uma elite política e intelectual que serviria ao futuro Império do Brasil. A historiografia pombalina tem se apresentado sempre dual, com manifestações contra ou a favor. Caracterizado como português ou luso-brasileiro, como herói ou vilão, antigo ou moderno, seja qual for a retórica utilizada para definir o marquês, não há dúvida do grande poder que esteve nas suas mãos e que ele soube utilizar para promover-se como um dos principais personagens da história da educação em Portugal e no Brasil.

Palavras-chave: Marquês de Pombal; História da Educação; Universidade; Historiografia.

Resumo

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O Marquês de Pombal

No final do século XVII, surge na Europa um movimento intelec-tual, com o objetivo de defender o domínio da razão sobre as crenças religiosas que dominavam a Eu-ropa, desde a Idade Média. Esta forma de pensamento tinha o propósito de iluminar a escuridão em que se encontrava a sociedade - daí o termo iluminismo. Assim, o homem deveria buscar respostas para as questões que, até então, eram justificadas somente pela fé. Nessa época, Portugal era considerado um país atrasado, economicamente, em relação às duas grandes potências européias, França e Inglaterra.

Nesse cenário está inserido Sebastião José de Carvalho e Melo, compondo o gabinete do Rei D. José I (1750-1777) como ministro responsável pela Secretaria de Esta-do dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, depois de ter passado pelas embaixadas de Londres e Viena. Após seis meses como ministro, ele foi nomeado Secretário de Estado dos Negócios do Reino, cargo da mais alta relevância junto ao rei. Dessa maneira, em 1759 recebe o título de Conde de Oeiras, e dez anos depois, em 1769, torna-se Marquês de Pombal. Tal ascensão pode ser atribuída à sua contribui-ção na reconstrução de Lisboa, por conta da ocorrência do terremoto que, em 1755, devastou a cidade.1

Pombal2 era considerado um “estrangeirado”, - para os portu-gueses, “estrangeirado” era aquele que deixou Portugal para viver novas culturas pela Europa, sendo assim rotulado de forma pejorativa pelos católicos mais conservadores.

With the expulsion of the Jesuits by the Minister Sebastiao Jose de Carvalho e Melo, is designed a new educational model in Portugal and its colonies, thought through the Portuguese Enli-ghtenment, which sought to promote the values of reason, freed from the superstitions and cultural backwardness that was the Lusitanian nation.For the modernization of Portugal, through what happened in civilized Europe and illus-trated, Pombal reforms promoted phi-losophical and pedagogical, formalizing it to the Board of Literary Providence, created with the objective of drafting new statutes of the University of Coimbra, which occurred in 1772, and other policy document is formalized before him, to give the King Joseph I an idea of the conditions of the university to a new con-ception of education and science. This is the Compendium of the History of the State University of Coimbra, prepared by members of the Board one year before the Rules, placing the Jesuits as a single charge decay and ruin the education of obscurantism and consequently settled in Portugal in its colonies.Founded on the ideals of the Enlightenment, “the lights” appear as a phenomenon more political than religious allowed to give philosophical support to educational projects and the national project designed by Pombal, the completion of a new man of culture, illustrated and modern. The aim of this paper is to identify and analyze the reforms of Pombal of larger studies, the creation of statutes and their impact on the University of Coimbra, as well as the contribution of its graduates in the nation-state building in Brazil and the important role that this university had in building a political and intellectual elite that would serve the future Empire of Brazil. Historiography has always pre-sented pombalina dual, with demons-trations for or against. Characterized as Portuguese or Luso-Brazilian, as hero or villain, ancient or modern, whatever the rhetoric used to define the marquis, there is no doubt the great power that was in her hands and that he learned use to promote itself as a of the main characters in the history of education in Portugal and Brazil.

Keywords: Marquis of Pombal, History of Education; University; Historiography.

1- O prestígio de Pombal também é creditado à ação dele por conta do atentado ao Rei D. José I, em 1758, quando este regressava numa carruagem ao Palácio. Os responsáveis foram perseguidos e punidos por Pombal, dentre os quais estavam membros da alta aristocracia e alguns jesuítas. Sobre o assunto, ver Perfil do Marquês de Pombal, de Branco (1882), que caracteriza Pombal como um tirano sanguinário.2- Pombal nasceu em Lisboa em 13 de maio de 1699. Depois da morte do rei D. José I, foi condenado e expulso da Corte e faleceu no dia 8 de maio de 1782, com 83 anos.

Abstract

53 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Marquês de Pombal

Representante do despotismo es-clarecido europeu, que promovia o poder do Estado e do Rei pelos ideais de progresso e reforma, com foco na economia e na educação, ele vislumbrou no ideal iluminista a concepção de uma nova sociedade e de um novo modelo de homem “iluminado”, composto pelo in-termédio da educação, que desde o início da colonização do Brasil

esteve a cargo da Companhia de Jesus. A proposta consistia ainda em estabelecer uma educação pú-blica. O ensino jesuítico se tornou ineficaz para atender às exigências de uma sociedade em transfor-mação, representando, logo, o atraso, a estagnação, a escuridão ao progresso do homem, sendo uma das aquisições da época das Luzes a ideia de que o homem podia ser considerado como um obje-to de ciência (FALCON, 1982).

Sendo assim, o sistema educa-cional centralizado na Companhia de Jesus, que foi por mais de duzentos

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As reformas pombalinas na Universidade de Coimbra

anos a detentora absoluta da edu-cação portuguesa e brasileira, que seguiam normas padronizadas pela Ratio Studiorum3, previa a divisão dos “estudos menores” e dos “estudos maiores”. Em 1759, o modelo vigente sofre uma rup-tura histórica com a expulsão dos jesuítas4 pelo Marquês de Pombal. Os interesses da fé e da alma dão lugar aos interesses do Estado, como detentor do poder absoluto, baseado no regalismo, ou seja, no sistema político que dava aos reis o direito de interferir na vida interna da Igreja. Segundo Carvalho (1978,

3- Constituiu-se numa espécie de plano de estudos, sistematizado pela Companhia de Jesus contendo regras pedagógicas a serem adotadas pelo professor.4- A Companhia de Jesus chega ao Brasil em 1549 para catequizar os índios. A conversão dos indígenas e a instalação de colégios constitu-íram na missão atribuída aos jesuítas.5- Um dos atos administrativos mais importantes do Marquês de Pombal para o Brasil foi a Lei do Diretório de 03.05.1757, que estabelecia novas relações com os índios para promover-lhes a emancipação e melhorar-lhes as condições de vida, sendo em agosto de 1759 esta lei renovada através do Alvará que tornava obrigatório o uso da língua portuguesa. Ver (OLIVEIRA, 2010).

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França54 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Jesuítas catequizando Índios - Fonte: site internet

p. 15), um de seus objetivos era a remodelação dos métodos educa-cionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das ciências da natureza. O mesmo autor enfatiza ainda que

“é preciso reconhecer, entretanto, que o programa pedagógico do pombalismo traduziu, nos seus fins, o imperativo do regalismo doutrinário do tempo. As es-colas de latim e humanidades deveriam servir, antes de tudo, aos interesses seculares, econômicos, políticos e ide-ológicos do Estado”.

Daí por diante, em todo o discurso pombalino será atribuída à Companhia de Jesus todos os males e infortúnios da educação

na metrópole e na colônia, motivo pelo qual os jesuítas são responsa-bilizados pela decadência cultural e educacional imperante na socieda-de portuguesa, como podemos per-ceber através dos Novos Estatutos.

Com a nova proposta edu-cacional estabelecida através do Alvará de 28 de julho 17595, ao mesmo tempo em que era extinto o ensino dos jesuítas, eram institu-ídas as aulas régias de latim, grego e retórica, com ênfase ao estudo da língua nacional.

Através do citado alvará, foi criado também o cargo de Diretor

Geral de Estudos, com a atribui-ção de nomear novos professores. Neste instrumento, D. José I ins-tituía diretrizes pedagógicas que servirão de base para “uma ampla reforma de ensino”, que ocorreu porque deixou de corresponder às necessidades da política de recupe-ração econômica erigida como uma das razões mais altas do regime. Como já mencionado anteriormen-te, esse fenômeno é chamado de regalismo legitimando ao soberano o direito de interferir na vida interna da Igreja (CARVALHO, 1978).

Pombal tinha o objetivo de reforçar a autoridade do estado monárquico. Na concepção do Es-

tado regulador, está o pensamento mercantilista que supõe a própria política econômica desse Estado. Falcon (1982) aborda as ideias do mercantilismo como formas de progresso econômico e desen-volvimento social na vanguarda dessa nova era. O Marquês quis tornar Portugal menos dependente da Inglaterra, incentivando uma política mercantilista que pudesse garantir uma proteção aos comer-ciantes, através de uma economia de exploração colonial. De fato, a expansão comercial passou a tomar novos rumos.

A Universidadede Coimbra

O conflito entre teologia e filosofia marcam o período pom-balino, através da abertura de um método mais experimental, posto que as ciências naturais foram prio-rizadas. Esse movimento não era novo, pois já se desenrolava desde a revolução científica do século XVI, que se inicia com Galileu Galilei (FALCON, 1982, p. 13), intimamente ligado ao abalo do saber medieval, baseado no critério da fé e da revelação.

A Universidade de Coimbra, cânone na habitação aos estudos su-periores, foi fundada em 1290, des-tacando-se como centro de estudos humanísticos na Europa. Assim, é uma das instituições educacionais mais antigas do mundo e ainda em funcionamento na atualidade. Evidentemente, ela entra também no rol das reformas pombalinas, com a justificativa de decadência e retrocesso em seus estudos.

Algumas transformações edu-cacionais foram feitas nos Estatu-tos do Colégio dos Nobres, criado

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Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes

em Lisboa em 7 de março de 1761, anteriormente, portanto, à Reforma da Universidade de Coimbra, sem o sucesso almejado. Por isso, em 1768 foi instituída a Real Mesa Censória, que, segundo Gauer (1996), passou a gerenciar a instrução pública para que as reformas fossem mesmo cum-pridas. Dois anos depois, surge a Junta de Providência Literária, que em 1771 preparou o Compêndio Histórico, o qual deu origem à Reforma, através dos novos Es-tatutos de 1772.

“A rivalidade entre a Companhia de Jesus e a Universidade de Coimbra vinha de longe. Os jesuítas fundaram um colégio em Évora, em 1551, como alternativa e em oposição aos estudos de Coimbra que, por sua vez, impediu que ele surgisse logo como universidade. Apesar da bula papal de 1558, instituindo o Colégio de Évora como universidade de direito pontifício, foi só em 1573 que ele foi equiparado à Universidade de Coimbra, por determina-ção real”. (CUNHA, 1943, p. 33).

A educação passava a ser tutelada pelo Estado, encarada como um dever público baseado no progresso das ciências e do homem. Dessa forma, o papel da universidade se constituiu no progresso desse Estado, que pas-sou a estabelecer-se como força motriz do progresso. O processo de reforma da Universidade de Coimbra foi formalizado pela Junta de Providência Literária6, criada com o objetivo de promover a criação dos novos Estatutos da Universidade de Coimbra, o que ocorreu em 1772. Existiam nesse período quatro cursos: Teologia, Cânones, Direito e Medicina. De acordo com Carvalho (1978, p. 139),

“Seu objetivo superior foi criar a escola útil aos fins do Estado e, nesse sentido, ao invés de preconizarem uma política de difusão intensa e extensa do trabalho escolar, pretenderam os homens de

6- Para a Junta de Providência Literária, presidida por Sebastião José de Carvalho e Melo, os conselheiros escolhidos eram o cardeal da Cunha, um familiar dos Távoras fiel a Pombal, frei Manuel do Cenáculo, censor e preceptor do Príncipe D. José; e os irmãos João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho e D. Francisco de Lemos Faria Pereira Coutinho, este ocupando já o lugar de Reitor Reformador da Universidade. Ver, sobre o tema, Araújo (2000, p. 33).7- O autor ainda se refere ao ensino de Anatomia e Cirurgia nos hospitais militares, criados em 1808; o curso de Engenharia implícito na Academia Militar; o ensino de Direito e outros. Sobre isso ver CUNHA (2007, p. 18).

Compêndio histórico do estado da Universidade de Coimbra

55 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Pombal organizar a escola que, antes de servir aos interesses da fé, servisse aos imperativos da Coroa”.

O Reitor da Universidade de Coimbra, o brasileiro Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, foi convidado para fazer parte da Junta de Providencia Literária, bem como seu irmão João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, contribuin-do para aquela universidade um caráter iluminista e voltado para as ciências da natureza. Como já dito anteriormente, os Estatutos foram criados pela Real Mesa Censória, órgão de controle ideológico, com o encargo de supervisionar livros e publicações que pudessem circular.

Cabe observar, mesmo que pareça um tanto quanto primário, que falar em ensino superior, no período colonial, era fazer refe-rência à Universidade de Coimbra, muito embora alguns autores, dentre eles Luiz Antonio Cunha7, refiram-se ao ensino superior já através dos cursos de Filosofia, Teologia e Matemática, presentes no colégio da Bahia, ainda no sé-culo XVI. Dessa maneira, de uma forma ou de outra, na reforma dos estudos menores de 1759, bem como na criação do Colégio dos Nobres, em 1761, já se vislumbra-vam as condições para melhorar a formação preparatória para o ensino superior.

Mas o fato é que, institucional-mente, os Estudos Maiores eram realizados fora da colônia, notada-mente em Coimbra, cujo acúmulo de críticas seria formalizado por um primeiro documento originário da Junta, antes mesmo dos estatutos, em agosto de 1771, que é apresen-tado ao rei por Pombal. Trata-se do Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra, um atestado impiedoso contra os jesuítas, tidos

como responsáveis únicos por uma decadência e ruína que só uma nova ordem poderia resgatar.

Esse ataque impiedoso já fica evidente no próprio título do Com-pêndio Histórico, que é denomina-do de Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra No Tempo da Invasão dos Denominados Jesuitas e Dos Estragos Feitos nas Sciencias E Nos Pro-fessores, e Directores Que a Regiam Pelas Maquinações, e Publicações Dos Estatutos Por Elles Fabricados, como um atesta-do público dos males ocasionados pela Companhia de Jesus, segundo o documento, responsável por todo e qualquer infortúnio em Portugal.

O Compêndio é composto de duas partes. A primeira compõe-se de quatro prelúdios. Todos eles começam com três palavras: “Dos Estragos que”, o que já denota o caráter pejorativo e destrutivo do termo jesuíta nas ações destrutivas do processo educativo em Portugal e suas colônias, presente em todo o discurso pombalino do texto.

O referido documento é com-posto, em sua essência, por um violento e destemido ataque ao modelo educacional jesuítico. Cabe observar que, no século XVIII, Por-tugal era considerado atrasado em

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As reformas pombalinas na Universidade de Coimbra

8 - Fundada em Roma, com expansão na Europa, a Congregação do Oratório obteve respaldo nas ideias iluministas, logo servindo de oposto ao modelo jesuítico.9- Os outros documentos que deram corpo ao Compêndio Histórico são duas obras anteriores: a Dedução Cronológica e Analítica, concebida em forma de memorial acusatório contra os jesuítas e a Cúria Romana, sendo enviado a todas as partes do reino e domínios ultramarinos, e Origem infecta da relaxação moral dos denominados jesuítas, livro editado anonimamente pela Régia Oficina Tipográfica. Todas elas serviram de fundamentação para a elaboração dos Novos Estatutos. Ver ARAÚJO (2000).

relação à Europa, e algumas ideias de influência iluminista começam a surgir com força contraditória ao modelo vigente nas nações tidas como civilizadas. É impor-tante compreender também que o pensamento antijesuítico não era um pensamento anticristão, pois há referências no alvará de que o cristianismo não havia sido preterido:

“No contexto das reformas pombalinas, os adversários dos construtores da mo-dernidade lusitana – que se propunham a reatar uma linha de continuidade com uma espécie de modernidade interrompida no século XVI – são os jesuítas, que se tornam os responsáveis pelo atraso de Por-tugal em todos os setores – econômico, político e cultural”. (OLIVEIRA, 2010, p.22).

Portanto, o progresso do Estado era a representação do “novo” contraposto ao “velho”, representado pelos jesuítas. A atribuição ao caos, desse modo, é dada aos inacianos. Entretan-to, outra ordem religiosa recebe crédito, que são os oratonianos8. Quebrava-se o monopólio jesu-ítico, mas não o eclesiástico, no campo decisivo da pedagogia (FALCON, 1982, p. 209). Os ideais cristãos continuavam a servir de sólidos alicerces a uma educação renovada.

“As ordens religiosas que se submeteram à autoridade do rei não foram perseguidas mas, ao contrário, promovidas. Pombal nomeou um bispo para presidir a Real Mesa Censória e indicou um cardeal para a reitoria da Universidade de Coimbra, reformada”. (CUNHA, 2007).

A reforma da Universidade de Coimbra é a mais conhecida ação reformista, de cunho educacional, promovida por Pombal, que veio precedida e fundamentada por documentos que, somados ao Com-pêndio Histórico, atribue os malefícios ocasionados pelos jesuítas a nação

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França56 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

lusitana. Tratou-se, na verdade, de uma ação contínua que des-truiu o ethos educacional jesuítico. O compêndio é um texto de con-vencimento explícito de que, de fato e verdadeiramente, a educação centralizada nas mãos dos jesuítas representou um fracasso cultural, um atraso econômico e toda uma desgraça generalizada com foco certo na Companhia de Jesus.9

“A preocupação fundamental dos refor-madores da Universidade foi, sem dúvida, a elaboração de um programa de estudos secularizados que, sem ferir os ideais da cristandade, correspondesse às necessi-dades da ideologia política dominante”. (CARVALHO, 1978, p. 152).

Em toda a retórica pomba-lina há a explícita intenção em denegrir e destruir uma imagem posta através dos jesuítas, para o engrandecimento público e ex-plícito das reformas de Pombal, sempre progressista e em prol da felicidade geral, como podemos observar na parte primeira do compêndio histórico:

“Já não há, por felicidade nossa, neste presente tempo, quem possa duvidar com alguma aparência de razão de que todos os estragos, que no Moral e no Físico desta Monarquia se viram no meio dela amontoados pelo longo período dos últimos dois séculos, foram horrorosos efeitos das façanhosas atrocidades dos denominados Jesuítas”.

Nota-se claramente no discur-so pombalino, o objetivo de des-construção do velho paradigma, para o surgimento de um novo modo de ser e de pensar, como se a ação jesuítica fosse mesmo um erro generalizado, calculado, dando uma convincente justificativa pela mudança radical na forma como se conceberia a educação, a partir dali.

As reformas propostas por Pombal visavam colocar Portugal

numa posição de maior destaque na Europa, seguindo o exemplo da Inglaterra, e transformá-lo numa metrópole capitalista, além de posicionar o Brasil como im-portante mantenedor de riqueza. Talvez essa tenha sido a mais forte motivação para as reformas pom-balinas: pôr o reinado português em condições econômicas tais que lhe permitissem competir com as nações estrangeiras.

A reforma da universidade visava a modernizar as faculda-des de teologia e de lei canônica, incorporar o estudo de fontes portuguesas no currículo da faculdade de direito e atualizar a faculdade de medicina, pouco procurada por alunos, fazendo voltar o estudo de anatomia por intermédio da dissecação de cadá-veres, antes proibida por questões religiosas. Os cursos jurídicos tiveram redução de oito para cinco anos de duração.

Percebemos, como finalidade do ensino, tanto a preparação para o exercício das profissões correspondentes a cada uma das faculdades, quanto a necessidade de fazer progredir os conheci-mentos na prática das ciências. Com a reforma educacional, foi criado um programa pedagógico que se definiu como uma doutri-na contra o sistema adotado nas escolas jesuíticas (CARVALHO, 1978, p. 47).

Os Estatutos foram organiza-dos e distribuídos em três livros, abertos com a Carta de Roboração assinada pelo próprio D. José I no livro I. Neste documento, abordou-se sobre a preparação para o curso “Theologico”, constando plano de curso, ementários das disciplinas, tempo de curso e metodologia a ser utilizada. O segundo livro versava

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Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes

10- O brasileiro José Bonifácio foi filósofo, advogado, professor, intelectual, cientista e político. Catedrático de mineralogia em Coimbra; deputado, vice-presidente da Província de São Paulo, ministro do Império; exilado político, tutor do imperador Pedro II e articulador da inde-pendência brasileira. Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias acessado em 11/07/2010.

sobre os cursos jurídicos das faculdades de cânones e de leis, e o terceiro é o livro das ciências naturais e filosóficas, incluindo-se aí a medicina e a matemática.

Assim sendo, a reforma procu-rou a investidura do progresso das investigações através da experiên-cia, da vivência do pesquisador, com o objetivo de se chegar a novas conclusões a partir da ges-tação experimental do(s) outro(s).

José Bonifácio de Andrada e Silva

57 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

A construção danacionalidade e os

egressos de Coimbra

Como vimos, o modelo de so-ciedade baseado no pombalismo foi iniciado no reinado de D. José I, segundo o qual a sociedade ecle-siástica seria substituída por uma sociedade civil. Podemos entender que há um claro e explícito projeto de nação nas reformas educacionais sugeridas por Pombal, devido à desconstrução do modelo vigente proposto pelos jesuítas, o qual foi bruscamente rompido com a expul-são dos mesmos pelo Marquês. A ideologia ilustrada confronta-se com a religião de tal maneira que parecem opostas. A educação pensada como um instrumento básico da prática ilustrada é crédito da razão. Talvez por isso apareça como antítese do modelo que existia. O novo projeto social iluminado era baseado na ideia oposta da decadência e estag-nação das sociedades alienadas pela superstição e pelo obscurantismo religioso. Para Anderson (2008), a nacionalidade nasce como produto cultural específico, daí o conceito so-ciocultural de nacionalidade ter um respaldo no iluminismo europeu, que transforma o modo de pensar a nação porque se fundamenta no modo de pensar o mundo.

A renovação do ens ino, com a introdução das modernas ciências matemáticas e filosófi-cas, era o objetivo principal da Reforma, visível através das de-terminações de seus Estatutos. Com efeito, na concepção de uma soberania nacional, a Uni-versidade de Coimbra é posta no centro de uma produção cultural ou sociocultural que dará forma-ção a essa nova mentalidade que os intelectuais devem dispor.

Buscaremos referência no pa-pel exercido pela intelectualidade brasileira, formada em Coimbra, na construção do Estado-Nação no Brasil, solidificado pela via da Independência. O próprio José Bonifácio de Andrada e Silva10, considerado o patriarca da Independência, foi egresso de

Coimbra, bem como muitos brasi-leiros que foram fundamentais ao movimento em 1822, como José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu. Precedendo as ações afirmativas nas mobilizações a favor da In-dependência, podem ser mencio-nados os cônegos Luis Vieira da Silva e José Lopes de Oliveira, que participaram do movimento da Inconfidência Mineira em 1789. Outros nomes, como Martim

Francisco, Cândido José de Araú-jo Viana, Domingos Borges de Barros, Francisco Muniz Barreto, Francisco de Acaiba de Montezu-ma, Muniz Barreto, Cipriano José Barata, Antônio Carlos Ribeiro Andrada, Martin Francisco Ribei-ro de Andrada, Manuel Ferreira e Câmara Bittencourt e Sá, Luis José de Carvalho Mello, Manoel Jacinto Nogueira da Gama, Antônio Luis Pereira da Cunha, Manuel José de Sousa França, podem ser arrolados entre os egressos da Universidade de Coimbra. Segundo Gauer (2007, p. 192), a questão da nacionalidade diz respeito à separação da metró-pole. Desse modo, a contribuição de Coimbra para a formação da nacionalidade brasileira deve ser analisada através da ação dos egressos da Universidade de Coim-bra nos movimentos em favor da Independência. Esse corpo técnico de brasileiros, segundo ela,

“desempenhou tantas funções políticas, culturais, profissionais, obtiveram tantos títulos de nobreza de honraria e títulos eclesiásticos, assumiram tantos cargos públicos e políticos que dão conta da grande atividade desenvolvida pelos Egressos”.

Podemos compreender, assim, a contribuição dos egressos de Coimbra na formação da nacio-nalidade brasileira, em todas as funções políticas, culturais e cientí-ficas em que estiveram envolvidos e filosoficamente comprometidos. No caso dos juristas, esse corpo esteve ligado diretamente à mon-tagem do Estado-Nação brasileiro, pois eles atuaram como deputados, senadores, ministros e conselheiros, além de presidentes de Províncias (GAUER, 2007, p. 234). A partir de 1808, foram criados cursos e acade-mias destinados a formar burocratas para o Estado e especialistas na produção de bens simbólicos; como subproduto, formar profissionais liberais (CUNHA, 2007, p. 63).

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As reformas pombalinas na Universidade de Coimbra

11- Na linha de pensamento de Verney, o ensino da Filosofia Racional e Moral passa a ocupar um lugar de destaque em todas as Faculdades da Universidade de Coimbra, após a reforma de 1772 (ARAÚJO, 2000, p. 25).

O paralelo que fazemos aqui, para entrarmos na discussão em termos de Brasil, é que apenas os bacharéis brasileiros mais abastados podiam diplomar-se em Portugal, notadamente na citada universidade. Podemos ter uma ideia das implica-ções das reformas pombalinas no Brasil pelo Alvará de 1759, com o qual foram estabelecidos os primei-ros concursos públicos realizados na Bahia para as cadeiras de latim e retórica e a nomeação dos primeiros professores régios de Pernambuco.

Há um lapso das reformas no reinado de D. Maria I, que fez

“ Verdadeiro Método de Estudar”

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França58 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

oposição ao Marquês, cujo refor-mismo é retomado quando D. João VI assume o lugar da mãe.

Já no Império, com a insta-lação dos Cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, nas duas cidades consideradas, à época, capazes de recebê-los – São Paulo e Olinda, toda a formação jurídica passou a ser voltada para as questões brasileiras, direcionadas às carac-terísticas e problemas do país. Os dois cursos foram implantados em casas religiosas. Em São Paulo, no Convento de São Francisco, e em Olinda no Mosteiro de São Bento, onde permaneceu até 1854, quando foi transferido para o Recife.

Os cursos que preparavam os burocratas para o Estado eram as academias militares e os cursos cirúrgicos. Dessa forma, a chegada dos cursos de direito vieram legiti-mar o cumprimento das atividades cotidianas de elaborar, discutir e interpretar as leis, como tarefa principal do aparato jurídico, fundamental para a concepção da identidade nacional, através de um Estado forte e soberano.

ConsideraçõesFinais

As reformas pombalinas não foram iniciadas por Pombal, mas através dele, pois em todo o tra-balho realizado pela Junta de Pro-vidência Literária há influência das sugestões do autor do Verdadeiro Método de Estudar, Luiz Antonio Verney11, que em 1746 aparece com uma proposta de reconfigu-ração do que se deveria estudar, como uma espécie de diretriz pedagógica à nação lusitana.

Há ainda influência de Antonio Nunes Ribeiro Sanches, nas Cartas sobre a Educação da Mocidade e no Método de Estudar a Medicina. As ideias progressistas existentes nestes documentos traziam o ideal ilumi-nista arraigado num programa que trazia o sonho da cultura européia, com a erudição de um verdadeiro tratado curricular a ser seguido e posto em prática.

Ou seja, o ideal de uma nova perspectiva cultural já vinha sido desenhada, pensada, sonhada des-de Verney e Ribeiro Sanches. Nesse propósito de se criar uma nova cultura, mediante um novo homem civilizado, está presente a ideia de nação muito fortemente disse-minada, desde a formatação dos novos estatutos da Universidade de Coimbra, que já confere o tipo de comunidade a ser desenvolvida

através das reformas pombalinas, até a criação dos cursos jurídicos no Brasil, que irão servir de berço a um outro processo nacional pro-movido pela formação de intelec-tuais que irão servir aos interesses do Estado brasileiro, na formação dos quadros burocráticos da nação.

A Igreja, como aparelho ideo-lógico dominante de controle do Estado, ruiu com as mudanças trazidas pelo século XVIII. Po-demos observar a profundidade dessas transformações, através da Revolução Industrial, ou ainda nos ideais propostos pela Revolução Francesa. No caso em tela, na po-lítica existente na Reforma Pom-balina, na Inconfidência Mineira e em todas as consequências que os seus ideais separatistas deviam impor a Portugal.

Os Estatutos e o Compêndio Histórico sustentam os propósitos da composição dessa nova univer-sidade, através do seu reformador maior: Sebastião José de Carvalho e Melo, que tanto (re)construiu Lis-boa depois do terremoto, quanto edificou também o monumento maior da sua própria imagem de mecenas (TEIXEIRA, 1999), de renovador da ciência, de déspota, de progressista que foi moldando um personagem fascinante, cuja biografia tem sido estudada por muitos pesquisadores, ávidos em buscar no seu projeto reformista a política que rompeu com padrões e o projetou na história.

A historiografia do período pombalino tem aspectos que pro-movem uma dualidade constan-te, oriunda das representações adotadas pelos pesquisadores. Falcon (1993) chama atenção para essas representações expli-citadas pelos biógrafos e estu-diosos de Pombal, isto é, para aqueles que o consideram como herói e para aqueles que o tratam como vilão. Independentemente

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Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes

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das paixões, não há dúvida do grande poder que esteve nas mãos desse homem e que ele soube utilizar para promover-se como um dos principais personagens da história da educação em Portugal e no Brasil. Sob a ótica de alguns desses estudiosos, as Reformas Pombalinas somente desarranja-ram a estrutura seriada mantida pela Companhia de Jesus, para dar lugar ao modelo pombalino de aulas fragmentadas com professo-res mal preparados, onde mesmo depois da legislação pombalina, muitos continuaram adotando o método pedagógico jesuítico, sen-do o aparelhamento da educação completamente desmoronado.

Gauer (2007), autora citada neste artigo em determinadas passagens, ao tratar da contri-buição dos egressos de Coimbra na formação da nacionalidade brasileira, conseguiu estimar dois períodos: 1700 a 1771, com 1.296 brasileiros matriculados, e de 1772 a 1820, com 788 ma-triculados, sendo que destes, 35 obtiveram, neste período, o título de doutor. Uma curiosidade é que esses defenderam o douto-ramento após 1772 e devem ter produzido uma dissertação, uma vez que a Reforma Pombalina introduziu essa prática. Sendo assim, a dissertação como hoje a compreendemos foi introduzida pelos reformadores.

A Reforma de 1772 modificou a formação do corpo técnico bra-sileiro, composto por um grande número de egressos da Universi-dade de Coimbra Reformada, que foram sustentáculo para a cons-trução da legislação do Estado-Nação, seja através do acúmulo de cargos e funções, seja pela organização dos grandes códigos do Império e das Academias Cien-tíficas, dos primeiros cursos supe-riores, das primeiras sociedades culturais. O legado desse grupo de cientistas possibilitou a formação da identidade nacional brasileira.

59 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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Martha SuzanaCabral Nunes

Martha Suzana Cabral

Nunes é Mestre em Edu-

cação (UFS) Especialista

em Gestão Empresarial

(FSLF). Professora da UFS.

O objetivo deste artigo é apresentar a criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores. Esta Academia representa um dos resultados da pesquisa desenvolvida sobre a Criação e a Consolidação do Ginásio de Apli-cação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (1959-1968) desenvolvida no Mestrado em Educação da Universidade Federal de Sergipe e defendida em 2008. A Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores foi fundada em 1962 e tinha como membros alunos do Ginásio de Aplicação, que foram orientados pela professora Carmelita Pinto Fontes e demais professores da instituição. Ao longo da pesquisa, foi possível perceber a repercussão que a criação desta Academia teve na sociedade sergipana e a importância do Ginásio de Aplicação para a formação dos adolescentes sergipanos na dé-cada de 1960, reforçando sua característica de uma instituição voltada para a experimentação de práticas pedagógicas, conforme previa o Decreto Lei Nº 9.053 de 1946, que instituiu os Ginásios de Aplicação pelo Brasil. Au-tores como Dominique Juliá (2001), Faria Filho et al. (2004) e Vidal (2005) forneceram o arcabouço teórico que fundamentou a escrita deste artigo.Na metodologia utilizada para sua elaboração, foram analisados depoimentos orais, leis, documentos, poemas e jornais de circulação da época.

Palavras-chave: Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores; Ginásio de Aplicação; História da Educação; Produção literária.

[email protected]

Resumo

AbstractThe objective of this article is to present the creation of the Academia

Sergipana of Letters of Young Writers. This Academy represents one of the results of the research developed about the Creation and the Consolidation of the Gym of Application of Catholic University of Philosophy of Sergipe (1959-1968) developed in the Master’s degree in Education of the Federal University of Sergipe and defended in 2008. The Academia Sergipana of Letters of Young

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Writers was founded in 1962 and she had as members students of the Gym of Application, that were guided by teacher Carmelita Pinto Fontes and other teachers of the institution. Along the research it was possible to notice the repercussion that the creation of this Academy had in the society sergipana and the importance of the Gym of Application for the formation of the adolescents sergipa-nos in the decade of 1960, reinforcing your characteristic of an institution gone back to the experimentation of pedagogic practices, as he foresaw the Ordinance Law no. 9.053 of 1946, that instituted the Gyms of Application for Brazil. Authors as Dominique Juliá (2001), Faria Filho et al. (2004) and Vidal (2005) they supplied the theoretical arcabouço that based the writing of this article. The methodology used for your elaboration oral depositions, laws, documents, poems and newspapers of circulation of the time they were analyzed.

Keywords: Academy Sergipana of Letters of Young Writers; Gym of Application; History of the Edu-cation; Literary production.

61 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Aplicação solicitadas para avaliação dos professores.

Além disso, e em muitos outros números, havia presente a informa-ção sobre as séries às quais perten-ciam os escritores, destacando-se, dessa forma, a precocidade na intelectualidade desses e de outros jovens que tiveram suas produções veiculadas pelo Jornal. A cada apa-rição também era informada a idade dos escritores, e elas variavam entre 11 a 15 anos, confirmando que eram mesmo pequenos na idade aqueles que já ingressavam no mundo das Letras. Estas experiências e a em-polgação que a produção literária causou nos alunos levaram a pro-fessora Carmelita, juntamente com a diretora do Ginásio à época, pro-fessora Rosália Bispo dos Santos, a promoverem a criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escri-tores, sobre a qual nos debruçamos neste artigo. Ao longo da pesquisa foi possível perceber a repercussão que a criação desta Academia teve na sociedade sergipana e demons-trou a importância do Ginásio de Aplicação para a formação dos adolescentes sergipanos na década de 1960, reforçando sua caracte-rística de uma instituição voltada para a experimentação de práticas pedagógicas, conforme previa o Decreto Lei Nº 9.053 de 1946, que instituiu os Ginásios de Aplicação pelo Brasil. Baseamo-nos, para esta escrita, no conceito de cultura esco-lar tal qual adotado por Dominique Juliá (2001), mas também em Faria Filho et al. (2004) e Vidal (2005), que forneceram o arcabouço con-ceitual que fundamentou a escrita deste artigo.

A metodologia adotada para elaboração deste trabalho seguiu as orientações propostas pelos pres-supostos da História da Educação, especificamente privilegiando a cultura escolar como elemento fundamental para compreensão dos aspectos objetivos e subjetivos do cotidiano da escola e suas prá-ticas, que legitimam seu processo na produção de saberes. Assim, privilegiamos como fontes os de-poimentos orais tratados na pers-pectiva de Demartini (2006), onde foram entrevistados ex-alunos e ex-professores da instituição, o que nos permitiu indagar e interrogar

as memórias dos sujeitos num processo investigativo que levou à compreensão do passado e do pre-sente, suas práticas, representações e ideologias. Além da entrevista, e para atender ao objetivo de analisar a criação do Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, foram utilizadas como fontes nessa investigação leis, do-cumentos, poemas e jornais de circulação da época, constituindo-se, assim, um corpus documental o qual foi analisado pela perspectiva de documento/monumento de Jacques Le Goff, pois esse teórico conceitua o documento como mo-numento histórico, estabelecendo suas diferenças e correlações e sua importância para o trabalho do his-toriador (LE GOFF, 1984). Todas estas fontes e os demais resultados desta pesquisa são aqui apresenta-dos e contam a história da criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores.

1. IntroduçãoA Academia Sergipana de Letras

de Jovens Escritores foi fundada em 1962 e tinha como membros alunos do Ginásio de Aplicação, que foram orientados pela professora Carmelita Pinto Fontes e demais professores da instituição. A professora Carmelita, juntamente com outros professores do Ginásio, incentivou a produção literária dos alunos através do Co-Currículo, outra inovação implantada neste estabelecimento, e que levou os alunos a uma atividade literária que passou a circular nos jornais da época, a exemplo do Jornal “A Cru-zada”, órgão de divulgação da Ar-quidiocese de Aracaju. Inicialmente, os poemas dos alunos tiveram um espaço de publicação no referido Jornal numa coluna denominada “Pequenos Escritores”, onde foram divulgados os trabalhos que eram produzidos em sala de aula. Nesta coluna, que posteriormente passou a denominar-se “Jovens Escritores”, destacava-se a origem dos trabalhos, pois se tratava de resultados de atividades realizadas no Ginásio de

2. Os Ginásios de Aplicação – Espaços de Experimentação e Inovação Pedagógica na segunda metade

do século XXOs Ginásios de Aplicação foram

criados a partir do Decreto-Lei N. 9.053 de 1946, que regulou a criação destas instituições em todo o país. Esses Ginásios eram vinculados às Faculdades de Filosofia espalhadas pelo Brasil, servindo-lhes de campo de prática para os alunos conclu-dentes do ensino superior que es-tivessem matriculados no Curso de Didática, onde à formação básica era acrescentado mais um ano para que o aluno atingisse a habilidade de prática docente.

Por esse decreto, muitos Giná-sios de Aplicação foram criados a partir de 1946, conforme demons-trado no Quadro 1.

Com a denominação de Giná-sio de Aplicação, a maioria destas instituições tinha em foco dois principais objetivos: servir de cam-po de estágio aos alunos dos cursos de Licenciatura das Faculdades de Filosofia e servir como campo de experimentação de novos métodos pedagógicos.

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A Criação da Academia Sergipana de Letras de jovens escritores

Art. 1º As Faculdades de Filosoia federais, reconhecidas ou autorizadas a funcionar no território nacional, ficam obrigadas a manter um ginásio de aplicação destinado à prática docente dos alunos matriculados no curso de didática. (BRASIL, 1946)

A preocupação principal que cercava a atuação dos legisladores era a formação de professores para atuarem no magistério secundário, ramo que se encontrava em cres-cente expansão, mas que sofria com a deficiência quantitativa de profes-sores. Para tanto, o decreto 9.053 de 1946 determinava que estes novos estabelecimentos criados seguissem a Lei Orgânica do Ensino Secundá-rio, a qual compunha, juntamente com outros decretos, as reformas empreendidas pelo então Ministro da Educação, Gustavo Capanema.

O estado da arte relacionado a pesquisas cujo objeto são ins-tituições escolares permitiu-nos identificar trabalhos sobre Ginásios de Aplicação em outros Estados. Dentre os Ginásios de Aplicação, o da Universidade Federal do Rio de Janeiro – CAP-UFRJ mostrou-se o mais investigado. Seja pelo fato de ter sido a primeira instituição do gênero criada no Brasil, seja pela existência de um arquivo organizado com toda a documentação pertinente à história de vida da instituição, o fato é que diferentes olhares têm sido lançados sobre o CAP - UFRJ, como a dis-sertação de Mafra (2006). Intitulada “Uma Escola Contra a Ditadura: a participação política do CAP-UFRJ durante o regime militar brasileiro (1964-1968)”, trata da análise da participação política dos alunos do Colégio de Aplicação da Universida-de Federal do Rio de Janeiro durante o período de 1964 a 1968, anos de início da Ditadura Militar no Brasil.

Analisando a proposta pedagó-gica e a atuação de professores na formação dos alunos do Colégio, a autora percebeu que os objetivos de criação perpassavam uma dinâmica mais abrangente da realidade educa-cional brasileira, a qual encontrava suas balizas no Movimento Escola-novista (MAFRA, 2006).

Citando o exemplo da Lei Orgâ-nica do Ensino Secundário, promul-gada em 09 de abril de 1942, a autora destacou, entre esses pressupostos:

Quadro 1: Relação dos Ginásios de Aplicação e seus respectivos anos de fundaçãoFonte: (Barros, 1998)

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França62 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

[...] orientação para que os estabeleci-mentos de ensino secundário adotassem “processos pedagógicos ativos” e para que a relação entre alunos e professores fosse de “ativa e constante contribuição”; maior preocupação com “segurança” do que com “extensão” do conhecimento. (MAFRA, 2006, p. 19)

Estas propostas educacionais co-meçaram a desenhar uma nova estru-tura educacional no Brasil, a partir da década de 40, onde o ensino superior começou a ver esboçada sua estrutura atual e iniciou-se uma maior preocu-pação com a formação de professores para o ensino secundário.

Segundo Mafra (2006, p.19), os preceitos escolanovistas também se viam contemplados no Decreto-Lei N. 9.053 de 1946, que instituiu os Ginásios de Aplicação, pois ressaltava um importante princípio defendi-do pelos Pioneiros da Educação cujo caráter pragmático reforçava a ideia da prática como elemento fundamental para o aprendizado. Além disto, como um dos objetivos mais realçados pela referida lei era a formação dos alunos das Faculdades de Filosofia. Essa formação, a partir da ótica escolanovista, representava a inculcação de seus preceitos nos futuros professores do ensino se-

cundário e, consequentemente, na difusão das ideias do movimento. (MAFRA, 2006)

Ao final, a autora destacou as hipóteses levantadas e o caminho seguido para chegar à sua investiga-ção. Também apontou as dificuldades encontradas ao longo do processo de construção do trabalho e as possibilidades de desdobramentos que a sua pesquisa ainda permitia, relevantes para desvendar o universo do CAP-UFRJ.

Outra autora que também escre-veu sobre o CAP-UFRJ foi Abreu (1992). Com um livro intitulado “Intelectuais e guerreiros: o Colégio de Aplicação da UFRJ de 1948 a 1968”, ela buscou descrever toda a história de criação da instituição. Diferentemente de Mafra, Abreu (1992) privilegiou os depoimentos dos ex-professores, ex-funcionários e ex-alunos para construir seu ob-jeto de estudo, dando destaque às histórias de vida destes sujeitos. Ob-jetivou realizar um estudo histórico-sociológico sobre a instituição, a fim de compreender os mecanismos de formação de uma elite intelectual e de uma geração de guerrilheiros atuantes contra a repressão militar.

A participação crítica dos alunos despertada pelas atividades culturais

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Martha Suzana Cabral Nunes

e extra-curriculares, sua mobiliza-ção na Caixa Escolar e no Grêmio Estudantil, a formação universitária dos professores e a preocupação com a formação integral do jovem são alguns dos aspectos apontados pela autora como indicadores que notadamente influenciaram a ação política dos alunos formados pelo CAP-UFRJ. (ABREU, 1992)

Investigando a mesma insti-tuição, Frangella (2000) objetivou retomar a trajetória de criação do CAP-UFRJ, analisando a formação de professores através da investiga-ção do processo cotidiano de cons-trução do currículo como parâmetro para o desenvolvimento das demais instituições que foram criadas pos-teriormente a ele.

Frangella ressaltou que, ini-cialmente denominado de Colégio de Demonstração, o Colégio de Aplicação tinha entrelaçadas duas propostas fundamentais: a preocu-pação com a formação de professo-res e o fomento a uma tradição de pesquisa educacional. Tanto que, como escola-laboratório, o CAP-UFRJ incitou a construção de um currículo que envolvia o processo de construção dos saberes docen-tes, ressaltando uma preocupação maior com o desenvolvimento de métodos capazes de aprimorar o saber fazer docente, ou, conforme diz a autora, com o “como ensinar” e não com “o que ensinar”, e tam-bém com a formação continuada deste mesmo profissional. (FRAN-GELLA, 2000)

No entanto, a autora ressaltou que tais experiências deveriam ser consideradas, a partir do locus onde foram produzidas, no caso, no ambiente da Faculdade Nacional de Filosofia, que proporcionou as condições e os recursos necessários para que o CAP-UFRJ experimen-tasse a proposta de implementação de um modelo educacional inovador e pioneiro para a época (FRAN-GELLA, 2000).

Barros (1988) empreendeu um estudo que buscou avaliar a per-tinência das funções atribuídas aos Colégios de Aplicação, com o objetivo de formular alternativas para a redefinição conceitual desses colégios. Utilizando-se de um enfo-que sistêmico, a autora investigou as instituições ligadas às Universidades

63 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Federais, a fim de compreender o papel desempenhado pelas institui-ções desse nível.

Para isto, conceituou estes colé-gios, a partir dos dispositivos legais, e empreendeu uma pesquisa que utilizou entrevistas e um questioná-rio que foi respondido pelos repre-sentantes de cada estabelecimento.

Ao final, Barros (1988) de-monstrou que os Colégios de Apli-cação, apesar de serem criados para cumprir com o objetivo de serem prática docente dos alunos de Di-dática das Faculdades de Filosofia, como também de ser campo de experimentação pedagógica, não tiveram suas funções desenvol-vidas na mesma proporção, por falhas na própria legislação, que limitou a atuação destas escolas ao ensino de primeiro ciclo do nível secundário, fato que se manteve constante ao longo da existência de todos os colégios analisados pela autora, excetuando-se apenas o caso do Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro.

Além disto, o fato de terem sido agregados às Universidade Federais tornou difícil para os colégios conciliarem suas duas fun-ções precípuas, pois com a criação das Faculdades de Educação e o aumento do número de licencian-dos, tais instituições ficaram com a incumbência de atender a esta de-manda, o que levou a uma difusão dos estágios acadêmicos pelas redes escolares estaduais e municipais.

Em outras palavras, a necessi-dade de reconceitualização, pro-posta por Barros, implicou em desenvolver e aplicar um projeto onde o Ginásio de Aplicação fosse considerado como escola-meio e que pudesse integrar as ativida-des desenvolvidas na Faculdade de Educação e atingir escolas da comunidade local numa ação inte-grada entre uma Escola-Padrão e Unidades de Articulação e estender as experiências às escolas secundá-rias. (BARROS, 1988)

Estes estudos sobre os Giná-sios de Aplicação contribuiram para a compreensão do meca-nismo de criação destes estabe-lecimentos em outros Estados, além de possibilitar a observação de suas funções e peculiaridades diante do universo pesquisado.

3. A Produção Literária no Ginásio de Aplicação – do

Jornal Mural à Academia Sergipanade Letras de Jovens

EscritoresDentre as atividades desenvolvi-

das no Ginásio de Aplicação de Ser-gipe, destacou-se a criação do Jornal Mural. Era um quadro de madeira que ficava ao lado da sala da diretoria, onde os alunos expunham diversos trabalhos dos mais variados temas, produzidos em sala de aula:

[...] havia um encadeamento das coisas e o Jornal refletia muito isso. Quem trabalhasse com uma coisa ia para o jornal e fazia, escrevia, fazia poesia, fazia uma crônica, um pequeno artigo, [...] Era um quadro junto à porta do Gabinete da diretoria, próximo à biblioteca da Faculda-de, era lá que funcionava nesse tempo. (SOUTELO, 2008)

A professora Carmelita Pinto Fon-tes, uma das professoras que trabalhava a elaboração literária dos alunos no GA, também recorda a existência do Jornal Mural como um espaço onde se divulgavam os trabalhos dos alunos, mas que também lhes despertava o cuidado e o orgulho com sua manu-tenção, tanto que era dos próprios alunos a tarefa de organizar e manter a decoração do mural onde afixavam suas produções.

“Nós vimos que o primeiro grupo [...] fo-ram escolhidos dezesseis, esses meninos que escreviam tinham um jornalzinho, o jornal mural, deixavam os artigos deles. Tinha o trabalho de classe, quando a redação era muito boa eu aproveitava, colocava no jornal. Eles aprontavam tudo, decoravam. Isso aí o nome, tirava da ca-beça deles. Mas eles tinham de gostar”. (FONTES, 2008)

A professora Carmelita Pinto Fon-tes (Figura 1) foi durante muitos anos colaboradora do Jornal “A Cruzada”, onde assinava uma coluna denomi-nada Mundo Feminino, utilizando como codinome Gratia Montal. Quando começou a perceber a qua-lidade dos trabalhos produzidos em sala de aula pelos alunos do Ginásio de Aplicação, ela passou a publicá-los no Jornal “A Cruzada”, onde tinha livre acesso por ser membro da redação do Jornal.

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A Criação da Academia Sergipana de Letras de jovens escritores

A partir de 1961, surgiu a primei-ra coluna denominada “Pequenos Escritores”, onde foram publicados trabalhos de alunos do Ginásio de Aplicação produzidos em sala de aula, como atividades das disciplinas. A edição do Jornal assim apresenta o novo espaço da juventude à sociedade sergipana:

Aos leitoresA Cruzada abre hoje uma nova coluna que recebe o título de “Pequenos Escritores”. Este jornal, que desde vários anos vem se firmando através de um pensamento adulto de uma equipe que o compõe quer, com mais esta tentativa, trazer também aos seus amigos, a palavra dos adolescentes que acordam, nessa fase grandiosa da vida, com a beleza de sua inteligência e sua sensibilidade [...] Seus nomes serão declinados através de suas produções. A nova coluna nossos votos de êxito. (A CRUZADA, 1961, n. 1218, p.5)

Nessa primeira incursão, foram publicados trabalhos de dois alunos do Ginásio de Aplicação: Clara Angélica Porto e Eduardo Sérgio Bastos.

O Sofrimento e a CriançaEra uma noite de inverno. O vento sopra-va forte... Nuvens espessas cobriam a lua. Estava tudo escuro. E aquela pobre criancinha caminhava em direção ao mar. As ondas batiam sem piedade nas rochas e o barulho era ensurdercedor. Chegando a um certo local, a criança parou e ficou com os olhinhos arrasados de água, olhando furtivamente o mar.

Por que seria? Por que esta criança tão pequenina tinha aquele olhar de sofrimento? Por que? Essa era a resposta que ninguém poderia dar... De repente ouviu-se um grito. As águas estavam cobertas de sangue e um corpinho flutuava...

Trabalho escolar de Clara Angélica Porto (1ª série ginasial

A ÁrvoreAs árvores são tão belasPor todos apreciadasE de cores tão singelasDe folhas aveludadas.

Árvore, ser naturalPela natureza feita;Sombra amiga sem igualÀ qual o viajor se deita

Nos seus galhos há um ninhoCheio de vida e purezaA gerar um passarinho...Sua cor, sua beleza,A sombra que ampara o sonoAcaba tudo no outono.

Trabalho escolar de Eduardo Sérgio Bastos (1ª série ginasial)

Figura 1: Professora Carmelita Pinto Fontes – ex-vice-diretora do Ginásio de Aplicação (Fonte: Arquivo de fotografias da Universidade Federal de Sergipe - Arquivo Central/UFS)

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França64 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Para os primeiros “Pequenos Escritores”, a edição fez questão de destacar a origem dos trabalhos: tratava-se de resultados de atividades realizadas no Ginásio solicitadas para avaliação dos professores. Além disso, e em muitos outros nú-meros, havia presente a informação sobre as séries às quais pertenciam os escritores, destacando-se, dessa forma, a precocidade na intelectu-alidade desses e de tantos outros jovens que tiveram suas produções veiculadas pelo Jornal. A cada apa-rição também era informada a idade dos escritores, e elas variavam entre 11 a 15 anos, confirmando que eram mesmo pequenos na idade aqueles que já ingressavam no mundo das Letras.

A partir de então, a cada edição a coluna trazia as produções, não só destes alunos que a inauguraram, mas de outros, inclusive de outros estabelecimentos, além do Ginásio de Aplicação. Até junho de 1962, a coluna “Pequenos Escritores” este-ve presente nas diversas edições do Jornal “A Cruzada”. A partir do mês de julho de 1962, a denominação da coluna mudou, passando a ser chamada de “Jovens Escritores”. Entretanto, manteve a oferta de trabalhos dos ginasianos, mas não apenas trabalhos escolares; circu-lavam também poesias, editoriais, resenhas de livros e homenagens, além de informações gerais de in-teresse da juventude.

Do ano em que foi inaugurada, 1961, a coluna manteve-se em cir-culação até o ano de 1966. Nesse período, o que mais impressiona é a frequência de publicações relativas aos alunos do Ginásio de Aplica-ção, onde figuraram em mais de 50 números do Jornal “A Cruzada”, de onde se destaca a participação frequente dos seguintes alunos: Clara Angélica Porto, Eduardo Sér-gio Bastos, Fernanda Sobral, Selma Hora Silveira, Celeste Carvalho Siqueira, Adria Araújo Ramos, Car-los Augusto Barreto Satler, Miguel Roberto Seixas Chagas, Nadja da Silva Oliveira, Zênia Vieira Fortes, Maria das Mercês Monteiro, Ma-rinho Tavares de Almeida Neto e Osvaldo Gilson Costa.

A intelectualidade despertada nos jovens, que não se traduzia apenas em produções escritas literárias, mas em uma série de outras atividades

culturais, também incentivou a criação de outro empreendimento: A Aca-demia Sergipana de Letras de Jovens Escritores. Por iniciativa da professora Carmelita Pinto Fontes, o grupo de jovens escritores, os quais já vinham publicando suas produções, reuniu-se em torno de uma Academia formada para incentivar a produção literária dos jovens em Sergipe, paralelamente à Academia Sergipana de Letras.

Em 17 de setembro de 1962, a Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores foi fundada em sessão solene do Instituto Histórico

e Geográfico de Sergipe, em um evento noticiado pela impressa local. A sessão foi presidida pelo professor João Evangelista Cajueiro, então presidente da Academia Sergipana de Letras. Entre os presentes, estavam o representante do governador do Estado, Sr. Antonio Monteiro de Jesus, a professora Carmelita Pinto Fontes, idealizadora da Academia, a professora Rosália Bispo dos Santos, diretora do Ginásio de Aplicação, a professora Bernadete Galrão, dire-tora do Ginásio Salvador e o Mon-senhor Luciano José Cabral Duarte, supervisor do Ginásio e paraninfo dos acadêmicos.

Após o discurso do paraninfo, os empossados prestaram o jura-mento, seguindo o ritual acadêmico. Nesta sessão, foram empossados dezesseis acadêmicos, de um total de quarenta vagas disponíveis na Academia recém instalada. “A Cru-zada” destacou a composição da Academia, dando ênfase aos nomes de cada um:

Page 65: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

Martha Suzana Cabral Nunes

Eduardo Sérgio Bastos (presidente) Celeste Siqueira (secretária) Fernanda Fonseca Sobral Selma Hora Silveira José Antonio Leite Ádria Araújo Ramos Carlos Augusto Barreto Satler Maria Mercês Mandarino Monteiro Célia Costa Pinto Marinho Tavares Neto Terezinha Alves de Oliva Zênia Vieira Fortes Rosa Aragão Sampaio Yara Virgínia Aragão Clara Angélica Porto Nadja Oliveira

Desta composição, onze dos jovens acadêmicos pertenciam ao Ginásio de Aplicação. A professora Carmelita relembra que a contribui-ção do GA foi fundamental para criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores, mesmo não estando a ele vinculada: “E quando eu criei a Academia, que a Academia não era do GA. O GA foi a porta de entrada. Então começou lá, por causa dessa tendência intelec-tual dos meninos escreverem bem”. (FONTES, 2008)

Entre os ex-alunos, também há uma lembrança marcante da criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores:

Dona Carmelita, [...] criou nessa época a Academia Sergipana de Letras dos Jovens Escritores, e ela recrutou esse pessoal dentro das turmas dela. Enfim, [...] não sei exatamente aí, pelas redações, então eu fui recrutada e fiz parte da Academia Ser-gipana de Letras dos Jovens Escritores, que era um dos momentos assim, belíssimos! Belíssimos! (MENEZES, 2008)

Então, eu vejo o Colégio de Aplicação, como uma grande abertura para a valorização do universo cultural sergipano. Para o estímulo, a produção dos próprios estudantes, por exemplo, Eduardo Sérgio Bastos, que hoje é médico cardiologista no Rio de Janeiro, era da equipe do jornal [...] e paralelamente a isso, a professora Carmelita Pinto Fontes que era vice-diretora, inicialmente do Ginásio. Ela estimulou o aparecimento do que se chamou Academia Sergipana dos Jovens Escritores. Vários dos meus colegas de turma, pertenciam à Academia. Eu não fui da Academia, eu fui de outras entidades, e então pessoas como Eduardo Sérgio Bastos, Fernando Antônio Fonseca Sobral, Nadja Oliveira Santos, [...] e outras pessoas também ingressaram. (SOUTELO, 2008)

65 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Eram realizadas reuniões fre-quentes nas casas dos membros da Academia, com apresentações de textos diversos, além de saraus onde se observava uma maior dissemina-ção da cultura entre os participantes.

No Ginásio eu lembro bem, eram reuni-ões semanais nas nossas casas. Cada semana era em uma casa [...] Era mais produção mesmo! E, assim, quando se discutia obras literárias. Que a gente era exercitado a ler, e essas coisas também [...] e a gente tinha que levar uma produção para ler, apresentar, discutir a produção de cada um [...] de vez em quando tinham uns concursos, eu ganhei um até [...] concursos literários também. Que ela dava uns “prêmios” Eu lembro que eu ganhei “Os olhos da menina preta”. (MENEZES, 2008)

A poesia à qual Menezes se refe-re, ainda resistente em seus guarda-dos, foi transcrita a seguir:

Os olhos da menina preta

Seus olhos, menina preta,São dois barquinhosPerdidos no mar da vida.São poços vaziosCavados no preto da tez.São olhos estéreis,Sedentos de amor.São nuvens escurasNo fundo do céu.São gotas que manchamO colo da madrugada.São duas bonecas rasgadas,Vestidas de trapoNos braços da noite.São duas pedrasCravadas no seio da mãeSão duas folhas caídasNa areia suja do morro.São olhos que geramQue vêem a misériaQue existe no morro.Que vêem a sujeiraDo seu barracão.Seus olhos menina,Emanam tristezaTraduzem sua fome.São rosas mimosasQue espinhos espedaçam.Seus olhos meninaMenina do morro,Menina doente,São olhos sofridosQue choram, que gritamEm busca de paz.

Lídia Maria Lisboa de Menezes

(24/11/1965)

Ou seja, efervesceu no Ginásio de Aplicação um período de grande produção cultural, que forneceu as bases intelectuais para formação de uma Academia Literária de Jovens Escritores em Sergipe, com a plena participação de vários dos seus alunos, muitos deles ainda nas primeiras séries do ensino ginasial.

4. Considerações finais

O Ginásio de Aplicação caracte-rizou-se, desde sua fundação, como instituição de ensino secundário que, a princípio, só dispunha de autoriza-ção para oferecer o primeiro ciclo: ginasial. Teve como berço a Faculda-de Católica de Filosofia de Sergipe, instituição dirigida pelo então Mons. Luciano José Cabral Duarte. Ele era responsável pela supervisão do Gi-násio e esteve sempre envolvido em todas as suas atividades, desde sua fundação, garantindo o provimento de recursos necessários a sua criação. Partiu do Mons. Luciano Duarte a contratação da primeira diretora, professora Rosália Bispo dos Santos, como também dos professores, que também pertenciam ao quadro da Faculdade de Filosofia e de outros es-tabelecimentos do Estado de Sergipe.

Todo este empreendimento que tinha a intenção de ser uma escola-modelo não se construiu isento de dificuldades. Inicialmente, a deficiên-cia financeira para a construção do prédio e manutenção do pagamento dos professores eram as dificuldades enfrentadas pelo Mons. Luciano Duarte para fazer aquele novo esta-belecimento funcionar. No entanto, observamos que a experiência deu tão certo que, com o crescimento do Ginásio, as mensalidades pagas pelos pais dos alunos eram suficientes para os pagamentos dos professores e a manutenção dos laboratórios e ainda colaborar para a manutenção da pró-pria Faculdade de Filosofia.

Ao final da investigação, perce-bemos que o Ginásio de Aplicação exerceu suas funções, atendendo ao que determinava a legislação que o criou. Primeiramente, foi efetivo campo de estágio para os alunos que concluíam os cursos oferecidos pela Faculdade de Filosofia. Nas aulas de Didática, os estagiários tinham os ensinamentos que aplicavam em sala

Page 66: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

A Criação da Academia Sergipana de Letras de jovens escritores

FONTES, Carmelita Pinto. Entrevista realizada com ex-professora do GA em: 19 março de 2008.MENEZES. Lídia Maria Lisboa de. Entrevista realizada com ex-aluna do GA em: 22 junho 2008.SANTOS. Rosália Bispo dos. Entrevista realizada com ex-diretora do GA em: 19 fevereiro de 2008.SOUTELO, Luiz Fernando Ribeiro. Entrevista realizada com ex-aluno do GA em: 15 junho de 2008.

de aula no Ginásio de Aplicação, sob a supervisão dos professores titulares das disciplinas. Ainda hoje se observa a atuação de estagiários no Colégio de Aplicação.

Também serviu de espaço para a implantação e experimentação de práticas pedagógicas diferenciadas, a exemplo do Co-currículo, que cor-respondia à oferta de um conteúdo paralelo às disciplinas regulares. A prática pedagógica se fazia de modo a oferecer ao aluno outros conhe-cimentos, enriquecendo-os. Além desta prática, outros exemplos de atividades diferenciadas realizadas no Ginásio de Aplicação podem ser des-tacados: a execução de trabalhos em grupo, onde os alunos avaliavam-se mutuamente; a organização do Jornal Mural, que era o espaço privilegiado de circulação da produção escrita de trabalhos realizados em sala de aula; a criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Escritores, onde a maioria de seus membros eram alunos do Ginásio de Aplicação; a criação do Centro de Ciências Inte-gradas; os passeios culturais a cidades históricas do interior sergipano, dentre outras ações.

Por fim, destacamos que a pes-quisa sobre o Ginásio de Aplicação da Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe, ao trazer ao conhecimento do público a criação da Academia Sergipana de Letras de Jovens Es-critores, também resgata a história dessa instituição que imprimiu status acadêmico às produções literárias dos jovens sergipanos, muitos dos quais galgaram posições de destaque não só em Sergipe, mas em outros estados brasileiros. Nestas considerações fi-nais, não podemos deixar de destacar a importância que esta Academia teve no contexto do Ginásio de Aplicação e na representação que deixou na memória dos que dela participaram, como na citação que se segue:

Era de elite intelectual. Elite não de rico. Elite de ensino. Era o colégio de exce-lência. Uma elite intelectual, uma elite de saber. Um colégio que teve uma Aca-demia. Eu quero que você ponha isso no seu trabalho, porque é importante. O Co-légio teve uma Academia Literária, com reuniões como na Academia Sergipana de Letras. Coisa linda, compreendeu? É nesse sentido, de estudo, seriedade, de saber, de participação na vida intelectual, muitas coisas, era isso. (SANTOS, 2008)

Referências bibliográficasABREU, Alzira Alves de. Intelectuais e Guerreiros: o Colégio de Aplica-ção da UFRJ de 1948 a 1968. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1992.

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Entrevistas realizadas

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França66 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Page 67: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

Sara RogériaSantos Barbosa

Graduada em Letras pela

Universidade Federal de

Sergipe.Pós-graduada

em Didática e Metodo-

logia do Ensino Superior

pela Faculdade São Luís

de França. Mestranda em

Educação pela Universi-

dade Federal de Sergipe.

Membro do Grupo de

Pesquisa História do En-

sino das Línguas no Brasil

Tutora EAD de Teoria

Literária I da UFS.

[email protected]

Este trabalho consiste em investigar o processo de unificação da língua por-tuguesa no Brasil e demais colônias sob o domínio luso, tendo como referencial a análise da primeira peça legislativa das reformas propostas pelo Marquês de Pombal: Lei do Diretório dos Índios ou Lei do Diretório, de 03 de maio de 1757, confirmada pelo Alvará de 27 de agosto de 1758 e que, dentre outros assuntos, legisla sobre a imposição da língua portuguesa como língua nacional a todas as colônias lusitanas, proibindo qualquer uso de dialetos e/ou língua geral nas aulas régias que foram criadas pela legislação, orientando que se falasse a língua nacional pelas vilas e províncias portuguesas, de acordo com o que ditava a reforma. A pesquisa foi realizada a partir da análise dessa lei, posto que normatizou o ensino de línguas a fim de unificá-la em todos os territórios sob o domínio da coroa lusi-tana, legislando sobre práticas pedagógicas da Companhia de Jesus e os malefícios causados pelo seu método de ensinar.

Palavras-chave: Legislação Pombalina; Lei do Diretório; Língua Nacional

Resumo

AbstractThis work is to investigate the process of unification of the Portuguese

language in Brazil and other colonies under the rule Luso, having as reference the analysis of the first part of the legislative reforms proposed by the Marquis of Pombal, the Indian Directorate of Law or Law Directory in May 3, 1757, confirmed by Decree of 27 August 1758 and that, among other things, laws on the imposition of Portuguese as the national language of all colonies Lusitania, prohibiting any use of dialects and / or general language classes that were created by royal legislation, advising that if he spoke the national language of the towns and provinces of Portugal, according to that dictate reform. The survey was conducted from the analysis of this law, given that standardized the language teaching in order to unify it in all territories under the dominion of the crown Lusitania, legislating on the pedagogical practices of the Society of Jesus and the harm caused by his method teaching.

Keywords: Legislation Pombalina; Law Directory; National Language

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A Lei do Diretório: a legislação pombalina sobre o ensino de língua portuguesa e suas implicações

A história da educação brasileira divide-se, no século XVIII, em antes e depois das Reformas Pombalinas da Instrução Pública ocorridas em Portugal, as quais legislavam, sobre-tudo, acerca do ensino de línguas e da unificação da língua portuguesa em todos os territórios sob o seu domínio, especialmente no Brasil, sua principal colônia. O intento era transformá-lo numa nação europeizada, atitude que desencadeou um processo que engloba questões políticas, culturais, educacionais e religiosas.

O período em que foram exe-cutadas as reformas idealizadas pelo Marquês de Pombal, iniciadas em 1757, e que denotam as transfor-mações pelas quais passou Portugal e suas colônias, recebe o nome de “Era Pombalina” e possibilitou, dentre tantas inovações, a institucio-nalização da profissão docente, com a realização de concursos públicos, a estatização do ensino – o Estado passa a ser o responsável pela educa-ção e não mais a Igreja, a imposição da língua portuguesa a todas as co-lônias, reformas gramaticais e remo-delação do método de ensinar. Tais reformas representam “mais do que um plano pedagógico, uma filosofia política, em função da qual se define, em seus traços mais característicos, a fisionomia do período histórico de que são expressiva manifestação” (CARVALHO, 1978, 15).

As modificações proporciona-das pelas reformas pombalinas no campo político, econômico, educa-cional e religioso não foram forjadas no afã de um déspota, mas da con-glomeração de anseios da sociedade portuguesa daquele século, que já ambicionava mudanças nessas áreas, e da contribuição de alguns intelectuais, a exemplo de Verney (1713-1792) e suas propostas de remodelação da gra-mática, Ribeiro Sanches (1699 –1783), Dom Luiz da Cunha (1662 -1749), dentre outros (CARVALHO, 1978).

O Marquês de Pombal pode ter sido responsável pelo primei-ro grande programa pedagógico ocorrido no Brasil. Laerte Ramos de Carvalho (1978) assim resume as reformas:

Marquês de Pombal

Introdução

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França68 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Nelas se encontra consubstanciado um programa pedagógico que, se por um lado representa o reflexo das ideias que agitavam a mentalidade européia, por outro, traduz, nas condições da vida peninsular, motivos, preocupações e problemas tipicamente lusitanos (CARVALHO, 1978, p. 25).

A Legislação Pombalina signi-ficou a institucionalização da pro-fissão docente, até então exercida por padres ou graduados em áreas diversas, exigindo para a obtenção da credencial de professor a apro-vação em concurso público. Tal legislação, ao mesmo tempo em que dava direito a lecionar sob a tutela do governo ou a ministrar aula particular, extinguia as escolas e classes jesuítas em todo território português e seus domínios, bem

como a reformulação da gramática latina, que passou a ser ensinada em português. A proibição de aulas ministradas pelos religiosos não sig-nificava a separação entre o Estado e a Igreja, mas o desejo de Pombal de retirar dos jesuítas a influência exercida sobre os colonos.

Segundo Carvalho (1978), um ponto que diferencia o Iluminismo Português do praticado no resto da Europa é justamente a perma-nência dos laços entre o Estado e a Igreja. Na Europa, tal corrente era norteada pela modernização, racio-nalização, com separação da Igreja, consolidação de uma língua nacio-nal e formação do estado-nação. Já o Iluminismo luso associava essas

questões à manutenção da influência clerical, sendo posteriormente con-siderado como “não-revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso [...] mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e humanis-ta” (CARVALHO, 1978, p. 27).

As Reformas Pombalinas foram vistas durante longos anos como um campo de batalha entre os que de-fendiam o jesuitismo e os contrários a ele, considerando, inclusive, que os religiosos da Companhia de Jesus e seu método representavam um retrocesso no ensino, “tudo o que há de anti-moderno”. No entanto, o que se pode verificar é que tanto jesuítas quanto pombalinos objeti-vavam melhorias para a educação oferecida durante aquele período histórico e ambos pensaram em reformas pedagógicas: “criaram os jesuítas nas suas escolas, do velho e do novo mundo, uma constate de pensamento, uma nova tradição filosófica” (CARVALHO, 1978).

A implantação das Reformas Pombalinas no Brasil teve início com a Lei do Diretório de 1757, que versa, dentre outras particularidades, sobre a imposição da língua por-tuguesa a todos os moradores das povoações dos índios do Grão-Pará e Maranhão, sendo esta uma prática comum a todos os conquistadores que, para fazer conhecer seus domí-nios territoriais, impunham logo sua língua aos nativos. Tal implantação se divide em duas etapas distintas: abertura de aulas de ler e escrever aos índios e procura de pessoas “idôneas para informar sobre a situ-ação dos estudos do Rio de Janeiro” (ANDRADE, 1978, p. 5).

O Diretório faz referência a uma lei de 07 de junho de 1755 que abolia a administração tempo-ral – fora da igreja, mas feita pelos jesuítas – exercida pelos religiosos sob os “índios das Aldeias deste Estado” (LEI DO DIRETÓRIO, 1757, p. 509), indicando que tal administração fosse exercida por um português, enquanto os índios não tivessem condições para tal. O responsável seria um Diretor Geral nomeado pelo governador e tinha de apresentar alguns pré-requisitos para o exercício da função:

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Sara Rogéria Santos Barbosa.

“ser dotado de bons costumes, zelo, prudência, verdade, sciencia da língua, e de todos os mais requisitos necessários para poder dirigir com acertos os referidos indios” (POR-TUGAL, 1830, p. 507).

A esses tais Diretores caberia fazer com que os índios obedeces-sem aos religiosos, chamados “pre-lados” pela Lei. Quanto às outras atividades, nadas lhe poderia ser obrigado e, caso os índios cometes-sem algum delito, caberia aos juízes definir qual seria a punição atribuí-da ao acusado. A medida do castigo seria a medida do prêmio, para que sempre houvesse equilíbrio e a lei fosse respeitada. Percebe-se o cui-dado em fazer conhecer aos índios um governo regido por leis e fazer deles cidadãos úteis ao Estado e à Igreja. Para alcançar esse intento, cristianizar e civilizar deveriam ser ações observadas com zelo pelos Diretores (PORTUGAL, 1830).

Um dos meios mais eficazes para civilizar os índios era lhes ensi-nar o idioma do dominador. Impor a língua é igual a civilizar, enraizar afeto, veneração e obediência nos povos conquistados. Era função dos Diretores estabelecerem o uso da língua portuguesa em todos os territórios e domínios portugueses. A Lei proibia o uso da língua geral e da de qualquer outra nação, e se atribui aos jesuítas esta falta de zelo em relação à língua, pois, passados mais de duzentos anos desde a des-coberta do Brasil, ainda assim não se falava a língua do príncipe nestas terras. Pelo contrário, era utilizada a língua geral, oriunda da conver-gência entre as várias manifestações linguísticas observadas no Brasil:

Sempre foi maxima inalteravelmente pra-ticada em todas as Nações, que conquis-tárão novos Dominios, introduzir logo nos Póvos conquistados o seu próprio idiôma, por ser indisputável, que este he hum dos meios mais efficazes para desterrar dos Póvos rusticos a barbaridade dos seus antigos costumes; e tem mostrado a experiencia, que ao mesmo passo, que se introduz nelles a Lingua do Principe, que os conquistou, se lhes radica também o affec-to, a veneração, e a obediencia ao mesmo Principe. Observando pois todas as Nações

1- Foram mantidas ortografia e acentuação originais dos textos citados.

69 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

polidas do Mundo este prudente, e sólido systema, nesta Conquista se praticou tanto pelo contrario, que só cuidárão os primeiros Conquistadores estabelecer nella o uso da Lingua, que chamarão geral (PORTUGAL, 1840, p. 508).1

O programa reformista pensado para Portugal não admitia o uso de uma língua que não fosse a portu-guesa e os jesuítas representavam um empecilho nesse aspecto, pois eles não admitiam a autoridade portuguesa tipificada na figura do Marquês, na medida em que não atendiam ao que propunha sua le-gislação. Eles eram transnacionais e não reconheciam os limites territo-riais dos países, rendiam obediência apenas ao Papa e, como a Igreja era universal, não possuíam o concei-to de nacionalidade. Portanto, a ideia de uma língua nacional e de um estado-nação não encontrava nesses religiosos respaldo algum. Como a educação dos nativos ficou sob sua responsabilidade, mais valia cristianizá-los em seu próprio idio-ma que lhes impor uma língua ou um sentimento nacionalista.

Com o objetivo de retirar dos nativos a rusticidade que lhes era comum e os transformar em vassalos perfeitos, a Lei do Diretório pro-punha que os índios tivessem aulas de língua portuguesa, pois esta se destinava a “diminuir os cansaços e conduzir rapidamente os estudantes à compreensão da latinidade” (CAR-VALHO, 1978, p. 66), proibindo o uso da língua geral ou seu próprio idioma. As aulas seriam ministradas a índios, meninos e meninas, em espaços separados e conteúdos distintos. A prioridade era o ensino da língua do príncipe conforme a “Majestade tem recomendado em repetidas Ordens, que ate agora se não observárão com total ruína espiritual, e Temporal da Escola” (PORTUGAL, 1830, p. 508).

A Lei do Diretório orienta ainda como deve ser oferecido o ensino, ordenando que em todas as povoações haja duas escolas públicas, uma para meninas e outra para meninos e que sejam

ministradas doutrina cristã, aulas de ler, escrever e contar para eles e, para elas, aulas de ler, escrever, fiar, costurar e produzir rendas além de doutrina cristã. Cabe ressaltar que a Lei do Diretório de 1757 é des-tinada “As Povoações dos Índios do Pará, e do Maranhão em quanto Sua Magestade não mandar o con-trário” e que tal ensinamento era pretendido porque assim se fazia “em todas as Escólas das Nações Civilizadas” (PORTUGAL, 1830), a fim de que a língua do príncipe fosse fortalecida nesta região e os jesuítas não propagassem a língua geral, fato que impedia o nativo alcançar a civilidade tão anunciada pelo Diretório:

Para desterrar este pernicioso abuso, será um dos principaes cuidados dos Direc-tores, estabelecer nas suas respectivas Povoações o uso da Língua Portugueza, não consentindo por modo algum, que os Meninos, e Meninas, que pertencerem ás Escolas, e todos aquelles indios, que forem capazes de instrucção nesta matéria usem da língua própria de suas nações, ou da chamada Geral (PORTUGAL, 1830, p. 509).

Os mestres responsáveis pelo ensino desses meninos e meninas seriam mantidos pelos pais ou responsáveis por eles, receberiam ordenados que lhes fossem suficien-tes para o sustento, observadas as condições de cada família, podendo ser pago em “dinheiro, ou em effei-tos” (PORTUGAL, 1830, art. 08) e, não havendo nenhum responsável pelos índios ou sendo órfãos, a divisão entre escolas de meninos e meninas seria desconsiderada, podendo as meninas frequentarem a escolas dos meninos até a idade de dez anos, onde aprenderiam, dentre outras coisas, a língua portuguesa.

A amplitude da Lei do Diretório extrapola os limites da educação e adentra no campo social em vários momentos. Dentre esses, quando tra-ta da correlação entre negros, índios e brancos, deixando claro que ao índio não deveria ser atribuída a pecha de negro, posto que não era infame, vilão ou destinado aos trabalhos forçados, tampouco para ser escravo

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A Lei do Diretório: a legislação pombalina sobre o ensino de língua portuguesa e suas implicações

de brancos. Quem assim os classifi-casse, cometia o erro de lhes negar a humanidade:

Entre os lastimosos princípios, e perniciosos abusos, de que tem resultado nos Indios o abatimento ponderado, He sem dúvida um delles a injustiça, e escandalosa introducção de lhes chamarem Negros; querendo tal-vez com a infâmia, e vileza deste nome, persuadir-lhes, que a natureza os tinha destinado para escravos dos Brancos, como regularmente se imagina a respeito dos pretos da Costa de África. E porque, além de ser prejudicialissimo á civilidade dos mesmos indios esse abominavel abuso, seria indecoroso ás Reaes Leis de Sua Magestade chamar Negros a huns homens, que o mesmo Senhor Foi Servido nobilitar, e declara por isento de toda, e qualquer infamia, habilitando-os para todo emprego honorifico (PORTUGAL, 1830, p 510).

A modernidade presente no Diretório coexiste com os prin-cípios que tornam o Iluminismo Português singular: a presença constante da Igreja em todas as etapas legislativas, sejam as que versam sobre o ensino, o comércio ou a agricultura – áreas abordadas pela Lei. Constam nela orientações sobre obediência à majestade por-tuguesa e a Deus, advertindo serem “inúteis todas as providencias hu-manas, quando não são protegidas pelo braço da onipotência divina” (PORTUGAL, 1830, art. 27).

A Lei do Diretório unificou o idioma falado no Brasil e tornou a língua portuguesa a oficial. O Alvará de 1759 vai além, quando orienta que sejam ensinadas as línguas latina, grega e hebraica e dá instruções de como os professores devem proceder em sua forma de ensinar, disciplinalizando-as e tor-nando seu ensino tão oficial quanto a profissão que então se desenhava. O que torna tal fato tão importante foi a prerrogativa de que a língua utilizada para empreender tais ensi-namentos deveria ser a portuguesa:

A formação de uma cultura nacional con-tribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional (HALL, 2005, p. 49-50).

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França70 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

O método jesuítico foi conside-rado ultrapassado e demorado em demasia pelo discurso da Legisla-ção Pombalina, que considerava relevante a diminuição do tempo imposto para a aprendizagem do latim e das Humanidades – cerca de nove anos – para um período mais condensado. Defendia também que todo o processo de aprendi-zagem deveria ser feito exclusi-vamente em idioma vernacular, como já se via na Europa. O anseio observado no Marquês de Pombal e em suas reformas era formar “a mentalidade dos futuros líderes da Nação lusitana” (ANDRADE, 1978, p. 57):

E attendendo ultimamente a que, ainda quando outro fosse o Methodo dos so-breditos Religiosos, de nenhuma sorte se lhes deve confiar o ensino, e educação dos Mininos, e Moços, depois de haver mostrado tão infaustamente a experien-cia por factos decisivos, e exclusivos de toda a tergiversaçaõ, e interpretação, ser a Doutrina, que o Governo dos mesmos Religiosos faz dar aos Alumnos das suas Classes, e Escolas sinistramente ordena-da á ruina naõ só das Artes, e Sciencias, mas até da mesma Monarquia, e da Religiaõ, que nos meus Reinos, e Domi-nios devo sustentar com a minha Real, e indefectivel protecçaõ: Sou servido privar inteira, e absolutamente os mesmos Religiosos em todos os meus Reinos, e Dominios dos Estudos de que os tinha mandado suspender: Para que do dia da publicaçaõ deste em diante se hajaõ, como effectivamente Hei, por extinctas todas as Classes, e Escolas, que com taõ perniciosos, e funestos effeitos lhes foraõ confiadas aos oppostos fins da instrucçaõ, e da edificação dos meus fiéis Vassallos: Abolindo até a memoria das mesmas Classes, e Escolas, como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e Dominios, onde tem causado taõ enormes lesões, e taõ graves escan-dalos (PORTUGAL,1830).

O ensino ministrado pelos jesuítas não foi logo e totalmente extinto de Portugal e seus domínios. O novo método possuía alguns opositores e o método jesuítico ainda fazia parte do ensino ministrado em Portugal, mesmo anos depois da Lei do Diretório e do Alvará de 1759:

Distantes e quase esquecidos da antiga emulação, que tamanhos proveitos trouxe para os cursos de da Companhia em Portugal, os adversários do Novo Método

resistiram, com tenaz combatividade, aos esforços renovadores que pretendiam in-troduzir no país as luzes de um humanismo melhor adequado às novas condições da cultura (CARVALHO, 1978, p. 77).

O Alvará de 28 de junho de 1759 ratifica os planos do Marquês de Pombal de transformar todos os homens do território luso em verdadeiros cidadãos civilizados. O Alvará significa a instituciona-lização da profissão docente, com realização de concursos públicos para professores de Latim, Grego, Retórica e Filosofia – as chamadas Humanidades –, e posteriormente das línguas estrangeiras Fran-cês, Italiano e Inglês; estatizou o ensino – o Estado torna-se o responsável pela educação e não mais a Igreja – e os professores passaram a ser funcionários man-tidos e regidos pelo Estado; impôs a língua portuguesa como língua nacional a todas as suas colônias, proibindo qualquer uso de dialetos e/ou língua geral nas aulas régias que foram criadas pela legislação, orientando que se falasse a língua nacional pelas vilas e províncias portuguesas, de acordo com o que ditava a reforma; reformas grama-ticais e remodelação do método de ensinar, com a formação do cânone das gramáticas latina, portuguesa e grega, preferindo os modelos menos complicados ao jesuítico, repleto de normas e exceções; re-novação nas finalidades do ensino, com aberturas de aulas que apon-tavam para os interesses políticos advindos do Iluminismo; fim do monopólio educacional jesuítico e consolidação do nacionalismo.

Laerte Ramos de Carvalho (1978) dá conta da realização de um censo realizado em 1759 para saber quantos professores havia nas províncias e metrópole, como viviam e quais seus costumes, a fim de noticiar o “estado em que se achavam as escolas em cada localidade”. Esta tarefa foi um dos passos para que a Lei do Di-retório fosse efetivada no Brasil, sendo o primeiro a unificação da língua. No mesmo ano, foram publicados editais para a forma-ção oficial – professores públicos

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Sara Rogéria Santos Barbosa.

concursados – do corpo docente de aulas régias em Portugal e seus domínios, com prazo de seis dias para entrega de certificados dos professores interessados que morassem na metrópole e quinze dias para os das províncias. Por conta da burocratização, somente em 1760 os primeiros professores concursados foram empossados em suas funções públicas. O Alvará foi posto em prática primeiramen-te nas capitanias de São Paulo e Bahia. São poucos os dados sobre a implantação em São Paulo, mas na Bahia – 1760 – consta que o pri-meiro exame para professor contou com dezenove inscritos, dentre eles um sergipano – Pedro Alves da Costa. O número de interessados no exercício docente foi compro-metido por conta dos altos preços dos livros preparatórios, além da aquisição obrigatória da legislação pombalina e dos parcos dicionários (ANDRADE, 1978).

Referências bibliográficasANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

ANDRADE, Antonio Alberto Banha de. A reforma pombalina dos estudos secundários no Brasil. São Paulo: Saraiva / EDUSP, 1978.

AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

BRASIL. Coleção das Leis do Imperio do Brasil de 1827. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1878.

CARVALHO, Laerte Ramos de. As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo: FFCL da USP, Boletim n. 160, 1952.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Porto Alegre: Teoria & Educação, n. 2, p. 177-229, 1990.

CHERVEL, André, COMPÈRE, Marie-Madeleine. As humanidades no ensino. São Paulo: Educação e Pesquisa, v. 25, n. 2, p. 149-170, 1999.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

HÉBRARD, Jean. Três figuras de jovens leitores: alfabetização e escolarização do ponto de vista da história cultural. São Paulo: Mercado de Letras, p. 33-79, 1990.

OLIVEIRA, Luiz Eduardo. A instituição do ensino das Línguas Vivas no Brasil: o caso da Língua Inglesa (1809-1890). Tese de Doutorado, Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.

__________. A língua inglesa e os cursos jurídicos. Aracaju/SE, 2008. No prelo.

__________. Gramatização e Escolarização. Aracaju/SE, 2009. No prelo.

PORTUGAL. Legislação de 1750 a 1762. Collecção da Legislação Portugueza desde a última compilação das ordenações oferecida a El Rei Nosso Senhor pelo Desembargador Antonio Delgado da Silva. Lisboa: na Typ. de L. C. da Cunha. 1830.

Algumas considerações

71 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

As reformas pombalinas po-dem ser consideradas um divisor de águas para o ensino de línguas no Brasil e a institucionalização da profissão docente. No entanto, é preciso perceber que a preocupa-ção do Marquês de Pombal em transformar os povos das colônias em homens dados às letras e às humanidades guardava aspectos políticos, mesmo que isso implicas-se a expulsão daqueles que começa-ram a revolução pedagógica nessas colônias. Os jesuítas precisavam deixar as colônias portuguesas, não somente pelo seu “método” peda-gógico ultrapassado, mas porque os indígenas, no caso brasileiro, eram subservientes aos seus comandos e a Igreja era dona de várias terras.

As reformas pombalinas da Instrução Pública, em seus alva-rás, diretórios, resoluções, leis, estatutos, decisões e cartas régias, demonstram um profundo desejo de progresso, de civilidade e cons-trução de uma nação portuguesa, seja dentro ou fora de Portugal. O

desejo era tornar todos um só povo sob a égide da coroa portuguesa, e, para isso, era necessário um só regi-me, um só discurso, uma só língua.

A Lei do Diretório – primeira peça legislativa das reformas pro-postas e executadas pelo Marquês de Pombal – apresenta as preocu-pações de um estrategista que via em territórios povoados por índios uma nação composta por homens civilizados, conhecedores das lín-guas e vassalos féis ao Rei.

Para que os nativos se sentissem parte desta reforma, é possível depre-ender da Lei a preocupação em apro-ximar índios de brancos – homens cidadãos – e os afastar dos negros,

personificação da falta de civilidade e/ou humanidade: a utilização de nomes e sobrenomes portugueses nos índios, cabendo ao Diretor a tarefa de os nomear e lhes por ape-lidos; reconfiguração das famílias, com imposição de normas comuns aos homens brancos e ignoradas por eles, como a decência familiar e proibição do incesto; orientações sobre alimentação e outros hábitos.

É louvável a funcionalidade que as reformas pombalinas apresentam, legislando sobre prática docente, ensino de línguas, cânone literário e estatização profissional, mas sem deixar dúvidas, tencionando uma reforma antes de tudo nacionalista.

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Rita de CássiaDias Leal

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Pedagoga do Cur-so de Pedagogia da Faculda-de São Luís de França.

[email protected]

AbstractThis article discusses some aspects that contributed to rescue the history

of the Kindergarten Augusto Maynard, while the first public institution in Sergipe focused on social, cultural and educational pre-school children. From the remains found in files of State, the study achieves the objective of analyzing the creation and consolidation of the Garden, located on the Children’s House of Sergipe during its first decade, highlighting the role of education professionals (teachers and principals especially). The investigation used the analysis of documents available in public libraries, collections of official and private, and semi-structured interviews, checking in daily school culture of the Garden from 1932 to 1942. The article finally concludes his findings

ResumoO presente artigo aborda alguns aspectos que contribuíram para resgatar

a história do Jardim de Infância Augusto Maynard, enquanto primeira insti-tuição pública em Sergipe voltada à formação social, cultural e educacional da infância pré-escolar. A partir dos vestígios encontrados em impressos do Estado, o estudo atinge o objetivo de analisar a criação e consolidação do Jardim, inserido na Casa da Criança de Sergipe durante a sua primeira década de existência, enfatizando a atuação de profissionais da educação (diretoras e professoras especialmente). A investigação recorreu à análise de documentos disponíveis nas bibliotecas públicas, em acervos oficiais e particulares, e entre-vistas semi-estruturadas, verificando a cultura escolar no cotidiano do Jardim no período de 1932 a 1942. O artigo, finalmente, conclui seus resultados, mostrando que esta primeira década de existência da instituição foi marcada pelas preocupações metodológicas e com a preparação da infância para a vida escolar e com a formação docente, concretizada com a experiência pedagógica.

Palavras-chave: História da Educação; Instituição Escolar; Atuação Profissional.

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França72 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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showing that this first decade of the institution has been marked by methodological concerns, prepara-tion of children for schooling and teacher training, implemented with the teaching experience.

Keywords: History of Educa-tion, School Institution, Professio-nal Practice.

1- No período de implantação e consolidação, o Jardim de Infância, da Casa da Criança de Sergipe, não recebia a denominação de Jardim de Infância Augusto Maynard, só a partir da lei n. 1.205 de 18 de outubro de 1963 é que foi denominado “Jardim de Infância Augusto Maynard”. In: Diário Oficial. Ano XLIV, n. 14824, 24 de outubro de 1963. Ver também: Cinquentenário do Jardim de Infância Augusto Maynard - 1932-1982, Governo do Estado de Sergipe, p. 5. Neste trabalho será usada a denominação Jardim de Infância. 2- Mais informações sobre a trajetória profissional da professora Penélope ver em: NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do. Pro-fessora Penélope Magalhães, memórias de uma viajante. Cadernos UFS – História da Educação, v. VI, 2004, p. 19-27.3- Em nota no jornal, a professora comunicou a sua atuação em aulas particulares. Sua experiência e formação são reconhecidas: “Penélope Magalhães, com longa pratica de ensino na Bahia e tendo cursado em Northfield Seminary, nos Estados Unidos da America do Norte, avisa ao publico de que iniciará a 3 do proximo fevereiro o curso primário de Portuguez, Arithmetica, Musica vocal, Geographia, Historia do Brazil e Inglez pratico, acceitando somente alumnas, mesmo semi-internas ás quaes ensinarà pelo systema americano. Para informações os srs. paes de familia podem procural-a á rua de S. Christovam n. 72. Outrosim: No mesmo dia 3 reabrirá o curso secundario de Inglez pratico e theorico, Francez, Geographia, Arithmetica, Algebra e Piano”. Cf. Diário da Manhã, n. 1411, 25 de janeiro de 1916, p. 3.4- Cf. NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Visões da modernidade: pedagogos sergipanos em São Paulo. Cinform, 2002, p. 5.

73 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

IntroduçãoO ideal de educação para a

criança emergiu no Estado de Ser-gipe, a partir de discussões acerca dos princípios da pedagogia esco-lanovista que vinham norteando a implantação de instituições educa-tivas e a ampliação do atendimento infantil, sobretudo nos Estados mais desenvolvidos do país. Os es-tudos realizados em outros países, como nos Estados Unidos, acerca dos novos métodos ativos foram difundidos no contexto educacional brasileiro por intermédio de Anísio Teixeira, Lourenço Filho e os mem-bros integrantes do Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, nas primeiras décadas do século XX.

A renovação dos métodos de ensino, a preocupação com a estru-tura e a organização das instituições educativas, como também a forma-ção de professores representavam os principais motivos para as novas iniciativas diante da educação nacio-nal. Para atingir as expectativas nas inovações da educação brasileira, tornava-se preciso a adequação e melhoria das práticas e das políticas educacionais do país.

O Jardim de Infância Augusto Maynard1 surgiu dentro do projeto da Casa da Criança de Sergipe, a qual foi construída com a pers-pectiva de atendimento integral a

criança de até 6 anos de idade. A Casa da Criança, além de envolver o Jardim de Infância incluía uma Inspetoria de Higiene Infantil e Assistência Escolar, reflexo do ideário higienista da época.

O presente estudo, resultado da pesquisa de Mestrado realizada no período de 2002 a 2004, volta-se às iniciativas de educação para a crian-ça sergipana, analisando o primeiro Jardim de Infância do Estado, tido como pioneiro no atendimento edu-cativo à infância e como instituição que inovou os métodos e as práticas pré-escolares em Sergipe, a partir de estudos pedagógicos realizados em São Paulo, por membros da equipe diretiva desta instituição.

Diante disso, este artigo analisa a atuação pioneira de diretoras, professoras e demais profissionais na primeira década de existência do Jardim de Infância da Casa da Criança (1932-1942), que corres-ponde ao período de implantação e consolidação do referido Jardim.

Atuação profissional e consolidação

das práticas pedagógicas no

Jardim de Infância

O Jardim de Infância, dentro da Casa da Criança de Sergipe, era (como ainda é) mantido pelo Esta-do. Uma instituição implantada e or-ganizada com o auxílio de doações de autoridades, da sociedade em geral e de associações filantrópicas, que agiram com beneficência e apoio ao governo para o atendimen-to das crianças sergipanas.

A professora Penélope Ma-

galhães dos Santos foi a primeira diretora do Jardim de Infância. Ela era laranjeirense e estudou na Es-cola Americana de Laranjeiras, ins-tituição educacional protestante, onde frequentava aulas de música e aprendeu a tocar piano. Durante doze anos, estudou nos Estados Unidos fazendo os cursos peda-gógico e de teologia. Lá, começou a ensinar e adquirir experiência como professora. Ao retornar para Sergipe, foi nomeada professora catedrática de Inglês da Escola Normal Rui Barbosa, em 1931, e ensinou em colégios particulares (VILAS-BÔAS, 2000: 110-111)2. Antes, porém, do ingresso nestas escolas, deu aulas particulares de inglês e outras disciplinas do en-sino secundário3.

No período de criação do Jardim, Penélope foi designada para o cargo pelo interventor Augusto Maynard, o qual incumbiu a professora para ir a São Paulo estudar e verificar a legis-lação, os currículos e a organização do jardim de infância, dentro dos padrões vigentes, nos quais se enqua-drariam as propostas e o projeto do Jardim em Sergipe.4 Em seu relatório de viagem, Penélope registrou o en-tusiasmo e a satisfação em contribuir para tal realização e descreveu sua visita, nos termos a seguir:

Aracaju, 9 de Dezembro de 1931. Exm. sr. Interventor Federal: — tendo ido a São Paulo no interesse de verificar a organi-zação dos jardins da infância, com muito prazer tive em consideração satisfazer o pedido de v. ex. sobre o que poderíamos adotar na organização do Jardim da Infancia a funcionar brevemente na ‘Casa da Criança’, ultimamente construída sob iniciativa patriotica e humanitaria de v. ex. [...] Graças ao cavalheirismo e á lhaneza do professor Lourenço Filho, então diretor da Instrução de São Paulo, que me cercou de toda a consideração e acatamento

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O primeiro Jardim de Infância de Sergipe: profissionais capacitados para a prática pedagógica (1932-1942)

5- Cf. SANTOS, Penélope Magalhães dos. Relatório. Diário Oficial. Anno XIV, n. 3496, 13 de Janeiro de 1932, p. 26328-26329.6- Em carta para Bertha Lutz, que residia no Rio de Janeiro, Maria Rita Soares de Andrade apresentou a professora Penélope que iria a São Paulo. Eis um trecho da carta: “Mas, aqui estou, para lhe apresentar uma figura de mulher cujo conhecimento lhe vae agradar: D. Penélope Magalhães dos Santos, professora de Inglês da Escola Normal, educada na América do Norte e que ahi vae e depois a S. Paulo, ver as modernas organizações nos jardins de infancia, para vir organizar e dirigir o nosso, que o bravo tenente (major) que nos dirige está construindo. [...] D. Penélope irá até S. Paulo: espero que você a recommende na sua terra, a quem possa encaminhal-a para o bom desempenho de sua missão”. Cf. Arquivo Nacional. Rio de Janeiro. CAIXA 54, AP46-FBPF, Pacotilha: expediente – FBPF, 1931. (Fonte pesquisada pela professora Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, concedida gentilmente à autora). Na carta, estava explícito o entusiasmo da sociedade e o reconhecimento profissional de Penélope, com a função para ela designada.7- Nota publicada na Revista Renovação, que circulava sob a direção de Maria Rita Soares de Andrade. Cf. Revista Renovação, Seção Viajantes, n. 21, dez. 1931, p.7.8- Regulamento da Instrução Pública de Sergipe. Capitulo XIV – Do ensino pré-escolar. Cf. Diario Oficial. Anno XIII. n. 3221, 4 de fevereiro de 1931, p. 23289.9- Decreto n. 98, de 27 de fevereiro de 1932. Cf. SERGIPE. Decretos-Leis do Estado. 1932-1938. Actos do Poder Executivo, p. 48-51.10- Em Decreto de 1935, o interventor dispensa os serviços de Penélope e logo em seguida nomeia outra diretora para o Jardim, Aurora Monteiro da Rocha.

pelo intermedio da inteligente e culta assistente tecnica de psicologia, d. Noemi Silveira, tive logo franca entrada no Instituto Pedagogico onde funcionam as Escolas Normal, Complementar e o Jardim da Infancia. [...] Ha anos passados visitei Jardins da Infancia na America do Norte e fiquei encantada com o que ali vi, voltando á minha terra cheia de entu-siasmo por esta instituição. [...] Quando v. ex. me consultou para dirigir o ‘Jardim da Infancia’ de Sergipe, não posso deixar de confessa-lo, fiquei radiante, não de ser a dirigente desta casa, mas de ver o meu sonho realizado para Sergipe. Chegado o momento de organizarmos em nosso Estado a ‘Casa da Criança’, posso assegurar a v. ex. que, quanto ao edificio, já levamos vantagem ao da modelar ins-tituição de São Paulo, e, embora não haja na diretora os requisitos indispensaveis para o melhor desenvolvimento da cultura infantil, é de esperar que, com o auxilio da vossa desvelada simpatia para com esta instituição desde o seu inicio, seja possivel aproximarmo-nos das melhores instituições deste genero no País. Eis o que posso dizer sobre a missão recebida de v. ex. para estudar no sul da Republica a organização do ‘Jardim da Infancia’.5

Apesar de ter ido a São Paulo estudar a organização do jardim de infância, Penélope não participou das decisões sobre a arquitetura do Jardim em Sergipe. No relatório, ela enfatizou e comparou as insta-lações físicas da instituição paulista com a sergipana, garantindo que esta última apresentava vantagens na distribuição do espaço. Nota-se, porém, que a preocupação da professora estava na aplicação metodológica para o desenvolvi-mento do trabalho com a clientela do Jardim. Ela, em um trecho do relatório, reconheceu que as suas habilidades não atingiam todos os requisitos para o cargo de diretora

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França74 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

do Jardim de Infância, suposta-mente devido a suas experiências anteriores como professora de disciplinas no ensino secundário, e outras atividades desenvolvidas sem relação direta com as práticas infantis. Entretanto, ressaltou seu entusiasmo, seu conhecimento so-bre os jardins da América do Nor-te, seus estudos pedagógicos e seu envolvimento na consolidação de um estabelecimento significativo para a educação da criança.

A viagem da professora Pené-lope Magalhães dos Santos teve, portanto, o objetivo de estudar a organização metodológica dos jardins de infância em São Paulo, para aplicar no estabelecimento em Sergipe6. A referida professora foi designada para organizar e dirigir o Jardim devido ao reconhecimento de seu trabalho e seu nível de estu-do, segundo as fontes documentais localizadas. Ela trazia a influência norte-americana para Sergipe, lecionava na Escola Normal e hon-rava a categoria pela experiência e pelos conhecimentos didáticos que adquirira. O texto abaixo assevera:

Prof. Penelope Magalhães dos Santos.

De sua excursão ao Sul do paiz, onde se transportara em commissão do Governo, para estudar as novas organizações dos Jardins da Infancia, está de volta esta culta mulher sergipana. Como é sabido, S. Ex. o Exmo. Snr. Major Interventor Federal, no seu continuo proposito de servir á causa publica, convidou a distincta professora D. Penelope para organizar o Jardim da infan-cia, construido nessa capital, a receber, neste instante, os ultimos retoques para ser inaugurado no mês proximo. O nome conhecido pelo seu alto relevo mental da illustre mestra, dá-nos a segurança de que, com a autonomia didactica que lhe deve assegurar o regimen revolucionario nas mãos do fiel vanguardeiro da causa

da reconstrucção que é o Major Augusto Maynard, O Jardim da Infancia, em Sergi-pe, será a almejada casa da pré-educação onde cada mestra será uma maestrina intelligente e culta dos petizes que ali irão revelar as suas aptidões e desenvolver a sua intelligencia7.

A nomeação da professora Penélope como diretora do Jardim, portanto, atendia aos requisitos indicados no Regulamento da Instrução Pública de 1931, como também às exigências apresentadas no decreto n. 98 que instituiu o Jar-dim de Infância, cujo teor expressa:

Art. 128. O pessoal docente e dirigente deverá reunir ás condições de preparo pedagogico as de distincção de maneiras, saude, brandura e delicadeza indispensa-veis ao trato de crianças de tenra idade8.

Art. 12. O cargo de directora do Jardim de Infancia será exercido, de preferencia, por uma cathedratica da Escola Normal “Ruy Barbosa”, designada, em comissão pelo Governo, sem prejuízo da regência de sua cadeira9.

A experiência adquirida pela refe-rida professora, em seu percurso de formação e atuação, fez-se evidente e importante para a implementação e consolidação do Jardim de Infância, tendo administrado a instituição no período de 1932 a 1935. Seu afasta-mento do Jardim, entretanto, deu-se de maneira inexplicável, dando mar-gem a diferentes indagações sobre os motivos de tal decisão10. Supos-tamente, a saída do Jardim deveu-se a mudança de cidade, a fim de acompanhar o esposo responsável pela “Missão” da Igreja Presbiteria-na Protestante, que foi transferido de um Estado para outro, com o intuito de dar continuidade à sua missão. Cogita-se também que outro motivo que levou Penélope a deixar o cargo no Jardim foi a

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Rita de Cássia Dias Leal

11- Decreto n. 98, de 27 de fevereiro de 1932. Cf. SERGIPE. Decretos-Leis do Estado. 1932-1938. Actos do Poder Executivo, p. 48-51.12- Cf. Idem.13- Violeta Andrade, filha do diretor geral da Instrução Pública do Estado, Helvécio de Andrade. Realizava apresentações artísticas em eventos sociais, nos locais mais frequentados pela sociedade sergipana, como o Cinema Rio Branco.

indicação política de outra professora para o exercício, uma prática comum no sistema de educação pública.

Penélope, como outros profis-sionais sergipanos, pôde dispor de oportunidades e experiências fora do Estado que favoreceram uma significativa atuação e melhoria em um campo da sociedade, a educa-ção. A experiência das viagens a outros Estados e países, de certa forma, permitia a um grupo seleto de educadores vivências significa-tivas. Sobre isto, Thompson indica:

Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo – não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que experimen-tam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] e em seguida [...] agem, por sua vez, sobre sua situação determinada. (1981: 182)

Com base neste aspecto, é prudente salientar a contribuição de Penélope Magalhães e outras pessoas, na implantação e consoli-dação do Jardim de Infância como instituição que favoreceu o proces-so inicial de escolarização infantil pública em Sergipe. As mudanças ocorridas na Administração Pública do Estado durante as décadas de 1930 e 1940 promoveram alterações no quadro docente e na direção do Jardim de Infância. Durante a sua consolidação, foi marcante a presença de professoras normalistas que, na maioria das vezes, assumiam a direção do Jardim, a partir da experiência docente registrada na própria instituição.

Em relação às demais diretoras do Jardim até o início da década de 1940, não foram constatadas informações nos arquivos pesqui-sados. Com efeito, a ausência de fontes, resultado da pouca preo-cupação na conservação dos do-cumentos, foi uma das causas do não desenvolvimento da análise sobre a atuação das ex-diretoras.

A relevância dada às atividades

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da diretora do Jardim significava uma confirmação aos ideais de organização institucional presentes nas escolas de todos os níveis. Isto garantia ao estabelecimento um reconhecimento enquanto espaço escolar, condizente com as mo-dalidades de ensino vigentes (nas escolas primárias e isoladas). Cabia à diretora do Jardim:

Art. 9º. A’ directora, responsavel pela ordem interna e créditos do estabeleci-mento, compete:1º. Orientar o trabalho das professoras e mais auxiliares, no sentido de attingir o ideal educativo proposto.2º. Tomar posse perante o director geral da Instrucção.3º. Cumprir e fazer cumprir as leis e regulamentos do ensino, em geral, e do Jardim de Infancia, em particular.4º. Abrir e encerrar o ponto.5º. Annunciar a abertura da matricula e fiscalizar a sua feitura.6º. Requisitar o material preciso.7º. Communicar ao director da Instrucção todos os factos importantes occorridos.8º. Dar parecer sobre as petições dos funccionarios da casa, bem assim sobre papeis que lhe forem enviados pelas auto-ridades escolares e superiores do Estado.9º. Fundar uma bibliotheca para os pro-fessores, organizar um museu escolar, crear uma caixa escolar e um “Circulo de mães e mestras”.10. Promover palestras educativas e reuni-ões de professores para troca de idéas11.

Além de todas as atribuições, a diretora estava responsável, por exemplo, em organizar “círculo de mães e mestras”, que compreendia os encontros de orientações para as mães das crianças e as professoras. Sobre esta prática, as fontes não apontam registros de realização. Uma outra incumbência da pessoa responsável pelas atividades do Jardim era a de “promover palestras educativas e reuniões de profes-sores para troca de ideias”. Esta, constituía-se sem dúvida, uma ativi-dade dentre as mais importantes da instituição escolar, já que o ensino e as práticas são conduzidos pelo corpo docente e pela necessidade

de desenvolver um trabalho coe-rente com os princípios norteado-res da educação infantil.

Havia a presença do pessoal administrativo e do corpo docente, que também marcou a atuação do Jardim. Desde a implantação, o decreto 98 assegurou a presença de pessoas para a condução do trabalho técnico e pedagógico da escola, nos seguintes termos:

Art. 8º. O Jardim terá o seguinte pessoal:1 directora1 secretaria dactylographa4 professoras de classe, sendo uma do curso primario, designada em comissão, com as vantagens da sua cathegoria1 professora de jogos infantis, declamação e representações1 pianista1 professora adjunta de jogos infantis, declamação e representações1 porteira2 serventes1 jardineiro e 1 ajudante de jardineiro12.

Os profissionais e professores deveriam dispor de experiência e formação adequada para a ocu-pação dos cargos. Os jardineiros, as serventes e a porteira eram pessoas nomeadas de acordo com os trabalhos desenvolvidos anteriormente e com a conduta de comportamento pessoal. As serventes, por exemplo, em alguns casos, eram transferidas de escolas primárias para o Jardim. Esta exi-gência de qualificação profissional advinha do próprio Decreto da instituição, que propunha a nome-ação de pessoal capacitado para exercer as funções, como também para conseguir estimular a criança no trabalho cotidiano do Jardim.

Quanto às professoras de jo-gos infantis, declamação e re-presentações e a pianista, eram senhoritas reconhecidas social-mente pelas atividades que exer-ciam. A primeira professora de jogos infantis foi Violeta An-drade13, que fazia apresentações artísticas de teatro e de danças que

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O primeiro Jardim de Infância de Sergipe: profissionais capacitados para a prática pedagógica (1932-1942)

14- Helena Abud, deixou registrada a sua trajetória profissional no livro Caminhos por onde andei, no qual mostra a origem da denominação “Helena Lorenzo Fernandez”, nome que recebeu por divulgar no Brasil e em outros países a obra musical de Lorenzo Fernandez.15- Portaria n. 32 da Diretoria Geral da Instrução Publica, em 25 de julho de 1933. Cf. Livro de Atas e Decretos do Jardim de Infância, 1932-1941.16- Cf. Livro de Atas e Decretos do Jardim de Infância, 1932-1941.17- Decreto n. 98, de 27 de fevereiro de 1932. Cf. SERGIPE. Decretos-Leis do Estado. 1932-1938. Actos do Poder Executivo, p. 48-51.18- Cf. FREITAS, Anamaria Gonçalves Bueno de. Da “normalista-espera-marido” ao exercício profissional no magistério: trajetórias de ex-alunas do Instituto de Educação Rui Barbosa (Aracaju – 1920-1950). In: CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza; SILVA, Vera Lucia Gaspar da. Feminização do magistério: vestígios do passado que marcam o presente, 2002, p. 143.

expressavam suas habilidades. Hele-na Abud14, reconhecida socialmente pelo seu dom artístico como pianista, foi a primeira professora de piano das crianças do Jardim de Infância. Estes são fatos que mostram a importância da qualificação profissional para o desempenho de atividades voltadas aos aspectos educativos e sociais, presentes nas propostas do Jardim de Infância. Com o pessoal preparado para os trabalhos cotidianos da insti-tuição, visava-se ao desenvolvimento pleno da criança.

A frequência dos funcionários era assegurada pelo “livro de ponto”, o qual passou a fazer parte da rotina administrativa do Jardim, assim como em outras instituições públicas estadu-ais. Observando este livro, verifica-se que o quadro de funcionários passou por algumas variações durante a pri-meira década. Da função de diretora ao cargo de jardineiro, as mudanças e novas indicações, mesmo pouco constantes, podem ser observadas no registro dos livros de ponto.

Entre os registros encontrados no arquivo do Jardim ou nos im-pressos, poucas foram as causas de conflitos existentes no interior da instituição. Um caso divulgado e que aparece em notas e ofícios, em 1933, foi a doença da professora Maria de Miranda Vilas-Bôas. A sua ausência da sala de aula, justificada por motivo de saúde durante alguns dias, foi causa de constrangimento e desconfiança. Nos dias de afasta-mento, não havia professora para assumir suas atividades. Contudo, através da Portaria n. 32 a pianista Maria Helena Abud, substituiu-a no cargo, segundo os termos:

O diretor geral da Instrução Publica, usando das atribuições que lhe são conferidas pelo atual Regulamento, resolve designar a pianista da “Casa da Criança” (Jardim de Infância), d. Maria Helena Abud, para substituir a professora d. Maria de Miranda Vilas-Bôas, ora licenciada para tratamento de saude15.

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O anteposto conduz a obser-vação de uma nota, solicitando a presença da professora para exame de inspeção no Departamento de Saúde Pública, a pedido do diretor da Instrução Pública, que atendeu a reivindicação da então diretora do Jardim, como o mostra o texto:

Convido, por ordem do diretor geral, o professor catedrático de cosmografia do Ateneu Pedro II, José de Magalhães Carneiro, e a professora da “Casa da Criança”, Maria Miranda Vilas-Bôas, a comparecerem, na proxima terça-feira, 18, á sede deste Departamento, afim de se submeterem a inspeção pela junta médica do mesmo16.

Os indícios mostram uma breve desconfiança da doença ou a suposi-ção de abandono de cargo. Em 1934, a professora já não estava no Jardim, pois não há registro do seu nome no Livro de Ponto dos funcionários.

As professoras de classe agiam de acordo com as ideias pedagógicas emergentes e condiziam em suas práticas com a atuação da diretora do estabelecimento. Havia exigências no tocante à qualificação do corpo do-cente do Jardim, isto porque as ações em sala de aula, junto aos alunos, precisavam estar fundamentadas em estudos e experiências pedagógicas adquiridas no curso para professores da Escola Normal, conforme atesta o texto legal ao exigir:

Art. 15. As professoras do curso pré-escolar serão normalistas diplomadas que reúnam as qualidades didacticas, Moraes e affectivas necessárias ao trato de crianças de tenra idade.

Art. 16. A’ professora adjuncta de jogos infantis, declamação e representações cabe auxiliar a titular no ensino dessas disciplinas e substituil-a nos seus impedimentos e faltas17.

Cabe notar que o quadro de fun-cionários do Jardim indicou durante todos os anos a presença marcante da mulher, na organização pedagógica e administrativa. As mulheres, tendo

“habilidades consideradas inatas para cuidar de crianças”18, eram responsáveis pelo bom andamento da educação nas escolas primárias e pré-primárias, mediante a experi-ência e o instinto maternal. A pro-pagação da mulher no magistério deveu-se a vários fatores, entre eles os cuidados maternos e a capaci-dade essencialmente educativa na formação da criança. (Kuhlmann, 2000: 479). Rio de Janeiro e São Paulo, foram os centros de propa-gação, ao instituir o ensino infantil como alvo da atuação feminina.

Menezes Vieira, fundador do primeiro jardim de infância no Brasil, enfatiza a importância da mulher no trabalho com crianças em idade pré-escolar. Na organi-zação das práticas do jardim, os princípios estudados e aprofun-dados consideravam que “o papel da figura feminina é também o de educadora, entendida como exten-são da ação materna – a professora de um jardim de crianças, faz, nada mais, nada menos, do que o papel de uma mãe zelosa do futuro de seu filho” (BASTOS, 2002: 107).

A professora Penélope, diretora do Jardim em Sergipe de 1932 a 1935, influenciada pelos estudos Norte-americanos, os quais enfatizavam a atuação da mulher na educação da infância, e por escritos sobre a atua-ção feminina no processo educativo brasileiro, defendia em seus discursos e artigos a presença da mulher na sociedade. Uma das publicações é o artigo intitulado “A Influencia da Mu-lher na Educação”, no qual a autora ressalta o papel da mulher em educar as crianças, os jovens e os homens. Eis um pequeno trecho do artigo:

Fóra do lar, exercendo qualquer ou-tra funcção na actividade social, não se esqueça a mulher de que a sua missão por excellencia é – educar. – Assim comprehendida a nossa missão, triumphante será o nosso feminismo

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Rita de Cássia Dias Leal

23- Cf. BARRETO, Luiz Antônio. Jogos e prendas no Jardim de Infância. Gazeta de Sergipe, jun. 2003. 24- A Inspetoria de Higiene Infantil e Assistência Escolar funcionava na Casa da Criança, junto ao Jardim de Infância, mas tinha o atendimento voltado às crianças escolares, abrangendo todos os níveis de ensino até a idade da adolescência.19- Cf. SANTOS, Penélope Magalhães dos. A influencia da mulher na educação. Revista Renovação, n. 12, 15 de junho de 1931, p. 18.20- Cf. Correspondências Recebidas do Jardim de Infância, 1932-1941.21- Cf. SERGIPE. Decretos-Leis do Estado. 1938-1942. Atos do Poder Executivo, p.25.22- BARRETO, Luiz Antônio. A casa da criança. Gazeta de Sergipe, 2001, p. 2.

que não visa fazer frente ao homem, mas ajuda-lo, elevando-o até o fastigio da Victoria, onde, pelas mãos femininas, será justamente coroado19.

E tendo como referência a formação da mulher no magistério, com a dedicação pedagógica no tra-tamento educativo com os infantes, as normalistas formandas da Escola Normal em Sergipe passaram a reali-zar a prática de ensino (o estágio) no Jardim de Infância, alvo das práticas educativas renovadas na pré-escola. Com efeito, foi a partir de 1938 que o estabelecimento passou a receber as “quinto-anistas” estagiárias da Escola Normal para o exercício prático do magistério. A Diretoria Geral do Departamento de Educa-ção encarregava-se de comunicar e oficializar o estágio, conforme consta nas correspondências recebidas do Jardim, endereçadas à direção. É o que se verifica no texto abaixo:

Como é de vosso conhecimento as quinto-anistas dos estabelecimentos normais do Estado sujeitas a prática do ensino pré-primário e primário, de acôrdo com o que dispõe o Decreto-lei nº 155, de 29 de dezembro de 1938. Com o objetivo de ampliar êste ano a referida prática, esta Diretoria resolveu estendê-la até êsse estabelecimento, tendo determinado que a partir da próxima segunda-feira, 4 do corrente, a Secretaria da Escola Normal “Rui Barbosa” faça comparecer a êsse estabelecimento as quinto-anistas da re-ferida Escola, em turmas que se revesarão semanalmente, acompanhadas de uma cadernêta na qual anotareis, sem emendas nem rasuras, com o máximo escrúpulo, no fim de cada semana, as notas de frequência e de aproveitamento de cada uma, para apreciação desta Diretoria Geral20.

Neste contexto, a formação pedagógica das futuras professoras estava pautada nos princípios da pontualidade, assiduidade e res-ponsabilidade com a educação das crianças. As normalistas praticavam as teorias estudadas para mais adiante assumirem os requisitos

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exigidos na atividade do ensino pré-primário, dado nesta ocasião no Jardim de Infância.

Em 1938, a partir do Decreto-lei n. 55, foi criada a cadeira de inspetora de alunos do Jardim de Infância21, cargo até então não existente na ins-tituição. O quadro de funcionários ganhava assim, mais um membro que assumia a função de inspeção escolar, pelo bom desempenho da prática educativa e dos alunos.

Finalmente, cabe ressaltar que, tendo como base a organização administrativa do Jardim, as compe-tências da sua direção e as exigências para uma eficiente prática pedagógi-ca, a proposta enquanto instituição educativa na modalidade de pré-escola foi atingida, promovendo a iniciativa pioneira em Sergipe de educação pública para crianças menores de 7 anos. Luiz Antonio Barreto22 afirma que a implanta-ção do Jardim seguiu a difusão da educação renovada, utilizando os métodos pedagógicos vigentes. A instituição de atendimento à infân-cia sergipana significou o início de uma nova modalidade escolar no Estado. Isto reforça os depoimen-tos e as análises acerca do Jardim como primeiro estabelecimento em Sergipe com caráter educativo para alunos em idade pré-escolar.

Em outro momento, de acordo com seus estudos, o pesquisador acrescenta que o jardim de infância foi único em sua concepção froe-beliana, com métodos originais dos Kindergarten, atendendo a crianças de 4 a 6 anos, preparando-as com as “Jardineiras”23, denominação dada às professoras de classe dos jardins, de acordo com a concepção de Froebel.

Considerações FinaisEm sua primeira década de

existência (1932 a 1942) o Jardim de Infância Augusto Maynard consolidou-se diante da realidade

do Estado, fortalecendo sua rele-vância através do desenvolvimen-to das atividades pedagógicas, do seu caráter educativo relacionado ao cuidado e à saúde da criança escolar. A presença da Inspetoria, aliada ao Jardim, sustentou a ideia de uma educação integral, a qual se estendia às demais instituições de ensino como os grupos escolares24.

Não obstante, os métodos pedagógicos aplicados no Jardim representaram um ideal renovador e emergente à época. A preocupa-ção com as formas de ensino na pré-escola mobilizou a implanta-ção do estabelecimento, com base nas metodologias utilizadas nos jardins de infância do país. Estas metodologias pautavam-se na filosofia educacional de Froebel, a qual impulsionou os passos da atuação pedagógica, fazendo da instituição mais um modelo das práticas voltadas à infância.

Professoras e profissionais com experiência e desempenho destacado constituíam o quadro de funcioná-rios do Jardim, o que mostrava a preocupação por uma prática alicer-çada nos estudos e nos métodos de organização atual. Isto significava que o corpo docente do Jardim, por exemplo, deveria ser composto por pessoas qualificadas que tivessem co-nhecimentos acerca das modalidades e exigências no ensino.

Em suma, é possível perceber que, durante a primeira década de atuação, as práticas no Jardim con-sideravam a formação da criança como sujeito social, enfatizando os aspectos psicológicos, morais e intelectuais, na medida em que se voltavam à sua preparação para a vida em sociedade e cotidiana, e para o ingresso nas escolas primá-rias. Esta preocupação norteava todas as práticas do Jardim e con-dizia com a ideia das instituições semelhantes, presentes no país.

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O primeiro Jardim de Infância de Sergipe: profissionais capacitados para a prática pedagógica (1932-1942)

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Vilma Mota QuintelaDoutora em Letras UFBA (2005) com Estágio na Universidade de Paris X. Mestre em Teoria e História Literária UNICAMP(1996). É coordenadora do Curso de Letras da Faculdade São Luís de França.

O presente artigo apresenta uma reflexão sobre a problemática da exclusão sociocultural no âm-bito da educação, tomando como elemento à discussão a experiência vivenciada na II Semana de Letras da FSLF, em que se procurou esta-belecer um diálogo criativo entre o popular e o canônico, colocando-se em foco a importância da cultura tradicional, popular, na formação da cultura brasileira.

Palavras-chave: cultura popu-lar, inclusão sociocultural, desafios contemporâneos da educação.

[email protected]

Resumo Abstract

IntroduçãoDentre os grandes desafios da contemporaneidade há que se destacar o da

inclusão social, que tem ocupado lugar de relevo em fóruns diversos voltados ao debate sobre cultura e educação. Da década passada para cá, vem crescendo, de modo significativo, o número de iniciativas oficiais no sentido da visibilidade e da valorização da diversidade sociocultural brasileira, bem como da superação de certo ideal elitista que esteve na base da formação do nosso sistema de en-sino superior. De fato, o caráter tradicionalmente exclusivista, das instituições superiores do saber, efeito de uma organização social altamente estratificada, não deixou de legitimar, ao longo dos anos, a negação sistemática ou a in-visibilidade das práticas culturais de origem popular, no âmbito acadêmico.

This article focuses on the pro-blems of sociocultural exclusion in education, taking as an element to the discussion of the experience of the Second Week of Letters FSLF, which sought to establish a creati-ve dialogue between popular and canonical, putting into focus the importance of traditional culture in popular Brazilian culture.

Keywords: popular culture, including sociocultural challenges of contemporary education.

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França80 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

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1- A propósito, sobre o autor ver QUINTELA, Vilma Mota. O Cordel no fogo cruzado da cultura. Tese inédita. Salvador: UFBa, 2006.

Esse é o caso das manifestações da cultura afro-brasileira, incluindo-se aí desde a culinária até a literatura, destacando-se aspectos da religião, ainda hoje alvo de preconceito latente ou declarado por parte de se-tores dominantes da sociedade civil.

O mesmo se aplica, de modo geral, a todas as expressões da cul-tura popular, que, sistematicamente, inferiorizada pelo discurso acadêmi-co, não deixou de servir como um paradigma negativo a se contrapor ao modelo cultural hegemônico, cultivado como o legítimo, senão o único padrão a ser considerado. Isso justifica, ao menos parcialmente, o fato de a rica produção poética tradicional, popular, que, no Brasil, tem, no Nordeste, a sua expressão mais significativa, traduzida na abundante literatura de cordel, jamais ter sido incluída na matriz curricular dos cursos de Letras como uma expressão legítima da literatura brasileira.

Contemporaneamente, não obstante, a mudança de paradigmas referentes à educação e à cultura, de modo geral, tem promovido uma revisão das prioridades no contexto das instituições oficiais do saber. Tais iniciativas se manifestam na forma de editais, congressos, cursos de reciclagem, prêmios educacio-nais, na política de cotas e, até mes-mo, na forma da lei, a exemplo da nº 10.639/03, que determina o ensino da história e da cultura afro-brasi-leira e africana nas escolas. Se essas providências não têm sido, de fato, suficientes à superação do proble-ma do preconceito e da ignorância cultural, elas, ao menos, colocam em xeque o papel a que, historicamente, estiveram predestinadas as nossas instituições de ensino superior, de certa maneira, colocadas a serviço da política da exclusão. Isso se reflete no crescimento significativo do volume de trabalhos acadêmi-cos, desenvolvidos no contexto da graduação e da pós-graduação, em torno das práticas culturais mi-noritárias, ainda hoje ignoradas ou mesmo sistematicamente rejeitadas e rotuladas no âmbito acadêmico

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como expressões da ignorância e da inferioridade cultural.

Considerando essa problemáti-ca, nesta segunda edição da Revista Concepções, julgo oportuno relatar, brevemente, a experiência da nossa II Semana Acadêmica de Letras, ocorrida em novembro passado, a qual, não coincidentemente, teve como tema “A Presença da Cultura Popular na Literatura Nordestina”. O evento, que contou com a parti-cipação de poetas populares locais e do escritor, eminente historiador da cultura sergipana e da tradicional poesia nordestina, Jackson da Silva Lima, é, sem dúvida, digno de nota no que se refere à questão da inclu-são cultural no debate acadêmico universitário. Na ocasião, durante três dias consecutivos, a Faculdade foi foco de exposição e debates sobre a cultura popular nordestina, abrigando, além de manifestações artísticas diversas, uma feira e uma exposição de cordéis, com a pre-sença de um dos cordelistas mais expressivos da atualidade, o poeta sergipano João Firmino Cabral.

De uma maneira geral, as ações realizadas na Semana Acadêmica de Letras tiveram por fim divulgar e fazer refletir sobre a importância da tradição popular para a produ-ção cultural canônica, convergindo assim ao compromisso da faculdade com a valorização da cultura local. De fato, enquanto instituição de en-sino superior, a primeira do Estado a incluir uma disciplina especifica-mente dedicada à cultura sergipana na matriz do curso de Letras, a Faculdade São Luís de França pode ser tomada como um exemplo da mudança de paradigma verificada na educação e do compromisso com a demanda da inclusão cul-tural, que, contemporaneamente, ganha força nos debates oficiais sobre a educação.

É importante aqui frisar que, ao assumirmos tal compromisso, não prestamos favor algum à cultura que costumamos, nós letrados, consi-derar menor, diante do patrimônio enciclopédico da cultura canônica, tradicionalmente tomada como

a única digna de ser consagrada pelo sistema acadêmico oficial. Ao contrário, há que se reconhecer o enriquecimento cultural proporcio-nado por esse encontro em que nos é dada a oportunidade de dialogar com o nosso outro cultural que, não obstante, por diversas razões, excluído do campo do saber oficial, está bem mais presente em nossa formação e na nossa história do que ousamos reconhecer.

Foi possível observar isso na II Semana de Letras, em que tivemos a honra de contracenar e aprender com poetas que, para lembrar uma expressão usada por Jackson da Silva Lima, merecem ser respeita-dos como “enciclopédias vivas” da tradição oral popular. Esse é o caso do poeta João Firmino Cabral, testemunha da formação do sistema literário da literatura de cordel em Sergipe e da história do cordel no Brasil, nos últimos cinquenta anos, e herdeiro poético do eminente cor-delista paraibano radicado em Sergi-pe, o já falecido Manoel D´Almeida Filho, um dentre os mais expressi-vos autores da tradição do cordel1. Com a sua participação na Semana, João Firmino nos deu o privilégio de nos enriquecer com lições que não se aprenderão em livros. Quem soube aproveitar a oportunidade há de ter assimilado, antes de mais nada, o exemplo, a humildade de um criador que, da altura de seus quase 70 anos, segue, sol a sol, como guerreiro incansável, sem garantia de retorno, a atualizar o ofício cen-tenário do poeta-editor popular. De fato, o poeta João Firmino, que se revelou, em seu discurso, ávido por saber e aprender com o seu outro letrado, merece ser ouvido e posto, na academia, em lugar de honra. João Firmino, um dos poucos sobreviventes da velha geração de poetas populares nordestinos é, sem dúvida, um exemplo para todos nós, haja vista a sua luta quase solitária a favor da cultura nordestina, da qual vive, há mais de 50 anos, vencendo, no dia a dia esforçado, dificuldades inimagináveis pelos estudantes que, na ocasião da Semana de

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Os Desafios da educação na contemporaneidade: a cultura popular em foco

2- A propósito, sobre a noção de gênero aqui empregada, ver BAKHTIN, Mikhail. Os Gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 277-326.

Letras, cercavam a sua banca im-provisada, curiosos diante da per-formance do poeta.

Em suma, a nossa II Semana de Letras pode ser traduzida como mais um esforço, ainda que inci-piente, no sentido de aproximar nossos acadêmicos de sua própria cultura. A palavra franqueada aos poetas populares e posta em lugar de destaque, no mínimo, serviu como um incentivo à problematização do ponto de vista dominante sobre a cultura. Refiro-me aqui ao ponto de vista da arte popular como produto gracioso e ingênuo da espontanei-dade e da ignorância do homem simples, incapaz de produzir arte elaborada e verdadeiramente dotada de valor estético. Desse ponto de vista, a literatura de cordel é coloca-da em oposição à literatura canônica, considerada como a única expressão legítima da literatura brasileira. Ou seja, o cordel, que, no decorrer do século passado, teve uma expressão notável na cultura brasileira, afigura-se aí como uma literatura poetica-mente menor e destituída de valor para além do seu interesse folclórico.

Evidentemente, tal preconceito resulta de uma visão de mundo restrita aos valores consagrados pela tradição escrita dominante, que desconsidera a relatividade dos parâ-metros definidores do valor estético. Até recentemente hegemônica, essa posição explica o fato de que, até a década de 1970, o estudo do cordel tenha se restringido ao campo dos estudos folclóricos e etnográficos. A propósito, mesmo contemporanea-mente, é notório certo desconforto quando se trata de enfocar o cordel no âmbito dos estudos literários. A desqualificação do cordel como um discurso poético se deve ao desco-nhecimento de sua linguagem como o resultado de um saber especiali-zado e de um conjunto de valores culturais que escapam ao horizonte das expectativas culturais hegemô-nicas, historicamente, constituídas e legitimadas pelas instituições ofi-ciais do saber. Tal crença se reflete no julgamento do senso comum e

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França82 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

mesmo no discurso de especialistas que traduzem, recorrentemente, a produção poética popular tradicio-nal, na qual se inclui o cordel, com os designativos “humilde”, simples, “ingênua”, “espontânea”. Dessa forma, endossa-se a ideia de que nada de sistemático e esteticamente significativo em termos artísticos pode advir do elemento popular, a não ser quando mediado pela tradição letrada.

Ao contrário do que se pode pensar, no entanto, a linguagem do cordel, depositária privilegiada da rica e secular tradição oral ibérico-nordestina, é o resultado de uma ciência estética complexa, que, dado o desconhecimento geral e a falta de prioridade no que se refere ao estudo da cultura popular nas escolas, soa esotérica até mesmo para o nordestino médio.

Muitas vezes confundido com o repente e com outros gêneros da tradição oral ibérico-nordestina, da qual derivaram todas as suas formas poéticas, o cordel brasileiro se caracteriza por uma linguagem popular-tradicional, fundamentada em regras estritas, cuja finalidade consiste, basicamente, em facilitar a memorização daquilo que se quer comunicar. Diz-se, portanto, que a escrita do cordel se constitui a partir de “fórmulas poéticas mnemôni-cas”, isto é, fórmulas poéticas que servem de apoio à memória. Assim, enquanto na tradição literária hege-mônica, o valor da obra é dado pelo seu grau de inovação formal, isto é, pelo caráter distintivo da linguagem ou do estilo do artista, no cordel, ao contrário, o que se valoriza é a capacidade de comunicação do po-eta aliada a habilidade com que ele articula gêneros poéticos primários consagrados pela tradição oral. Cha-mo de “gêneros poéticos primários” formas discursivas seculares, tais como a trova, a sentença ou dito popular, o trocadilho, a charada, os clichês narrativos, dentre outras fórmulas consagradas pela tradição cultural popular2.

Haja vista essas características

formais, a literatura de cordel se converteu em um instrumento pri-vilegiado à alfabetização informal no interior nordestino, notadamente, na região sertaneja, onde, durante muito tempo, essa literatura figurou como a principal fonte de informa-ção e erudição popular. Infelizmente, houve um momento, em nosso pas-sado recente, em que a modernização das relações culturais condenou essa prática cultural ao ostracismo. No en-tanto, sobretudo da década de 1990 para cá, assistimos a uma mudança de perspectiva, da qual têm resultado iniciativas diversas tendo-se em vista a revalorização da tradição cultural popular. Exemplo disso foram as resoluções tomadas no âmbito da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), da qual resultaram, no Brasil, iniciativas oficiais de impor-tância significativa, como é o caso do Decreto 3551, de 2000, que institui e incentiva o registro de bens culturais de natureza imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.

A propósito, para finalizar esta reflexão, cumpre lembrar que, enquanto um projeto institucional, a II Semana Acadêmica de Letras da FSLF inscreve-se nesse movi-mento afirmativo, que se dá, con-temporaneamente, no sentido da valorização da produção recalcada pela tradição cultural canônica e da sua inserção no debate acadêmico oficial. Nesse evento, promoveu-se, deliberadamente, o encontro do discurso do pesquisador erudito, representado na fala do historia-dor Jackson da Silva Lima, com o discurso do poeta-editor popular, atualizado por João Firmino, des-mistificando-se, com isso, a ideia redutora que se consagrou sobre o criador popular no contexto acadêmico. De fato, se iniciativas como essa não são suficientes para resolver de uma vez por todas o problema da exclusão cultural, elas, ao menos, podem valer como ponto de partida a uma reflexão produtiva sobre os pressupostos que legitimam o preconceito.

Page 83: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

PompeuTranzillo Junior

Graduado em MarketingPós-graduado em Didática do Ensino Superior. Pós-graduando em Pedagogia Empresarial. Pesquisador, consultor empresarial e

conferencista.

[email protected]

As considerações deste artigo estão centradas nas influências obser-vadas no comportamento dos con-sumidores finais e das organizações, através da nova realidade comercial, implantada com o advento da tec-nologia virtual, que vem atuando em praticamente todos os segmentos e de maneira globalizada, dando início as-sim a um novo mercado de negócios. Através da divulgação e comerciali-zação de bens e serviços, de maneira virtual, vem-se notando alterações de comportamento significativas, espe-cialmente a partir do ano de 1998 e, daí em diante, de maneira crescente e ininterrupta, até os dias atuais.

Palavras-chave: Comporta-mento, Consumidor, Tecnologia virtual e comercialização.

Resumo Abstract

1. IntroduçãoA internet constitui-se numa ferramenta de extrema agilidade e de imensas

possibilidades. Isto vem provocando significativas mudanças de comporta-mento nos consumidores individuais e organizacionais, mas tem especialmente modificado o comportamento das empresas fornecedoras de bens e serviços.

83 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Considerations of this arti-cle are focused on the influen-ces observed in the behavior of consumers and organizations, through the new commercial re-ality, deployed with the advent of virtual technology, which has been operating in virtually all segments and a wide world, thus ushering in a new business market. Through the dissemination and marketing of goods and services in a virtu-al, comes to noticing significant changes in behavior, especially from the year 1998 and, thereafter, increasingly, uninterrupted, until the present day.

Keywords: Behavior, Con-sumer, Technology and virtual marketing.

Page 84: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

A Internet e o consumo: como a internet tem influenciado o comportamento dos consumidores comuns e organizacionais no Brasil

Pesquisando este tema, através de visitas virtuais aos gráficos de percentuais de VENDAS, em função de VISITAS de sites ati-vos no e-commerce, depoimen-tos de empresários e consumi-dores do setor, constata-se que, especialmente a partir do ano de 1998, estas mudanças vêm-se ampliando e consolidando, in-centivadas em grande parte pela globa l ização, espa lhando-se rapidamente por todos os cantos do planeta. Percebem-se alguns fatos relevantes, que derrubam paradigmas e incentivam ino-vações cada vez mais arrojadas.

A leitura deste artigo pode revelar uma fotografia das al-terações provocadas no com-portamento das organizações e de seus consumidores, levando a colher informações e exerci-tar exemplos de uti l ização da internet para um alcance cada vez maior de mercados e de seus componentes.

Esta leitura está recomendada a todos que percebem a inclusão da internet como uma tendência irreversível e em franco cres-cimento, tornando a inserção das organizações neste mercado (e-commerce), um fator decisivo para sua sobrevivência no mundo empresarial atual e complexo.

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França84 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

2. O Comportamentode Compra do

Consumidor Atravésda Internet

Percebe-se que o comporta-mento de compra dos consumido-res passa por uma radical mudança, onde segundo Kotler (1999, p.251), a instalação de equipamentos (computadores) nas residências e nas empresas tem-lhes possibili-tado o acesso rápido e preciso aos fornecedores de bens, produtos e serviços. Estes fornecedores, por sua vez, têm acesso às informações das preferências e comportamen-

tos de compra e uso de cada um dos seus consumidores e podem disponibilizar itens personalizados a cada cliente. Com a rapidez do acesso às compras e às listas per-sonalizadas disponíveis em seus equipamentos, os consumidores utilizaram, de maneira muito mais abrangente, os serviços virtuais.

LAS CASAS (2004, p.34), res-salta a criação pelas empresas, de sistemas computadorizados para suas áreas de vendas. Para ele, os computadores estão revolucionan-do o mercado. Além de maior agi-lidade, proporcionam informações necessárias ao bom desempenho. O comércio eletrônico é uma rea-lidade em crescimento.

Este comportamento possibili-ta um direcionamento mais eficaz, por parte dos fornecedores, das estratégias de marketing utiliza-das para cada individuo, levando o mercado a estar cada dia mais disponível para um maior número de consumidores e com a possibili-dade da efetiva ação um-para-um. Sem dúvida, a internet não só fa-cilita o acesso às compras, como, em especial, amplia este acesso,

levando o consumidor a comprar sem sair de onde está, em qualquer lugar do mundo.

Outro expressivo avanço, conquistado com a internet, é a utilização, por parte das empre-sas, de instalações cada vez mais otimizadas e sem investimentos estéticos e nas suas aparências lu-xuosas, uma vez que o consumidor não precisa mais visitar a empresa ‘fisicamente’. Esta visita, agora feita de maneira virtual, possibilita acomodações práticas e compactas dos setores comerciais de cada empresa e uma maior agilidade logística.

O consumidor, agora, é um visitante virtual que analisa ra-pidamente todos os itens e as possibilidades oferecidas pelas empresas.

2.1 Cibercompras: o novo modo de

obtenção de bens e serviços

É cada vez maior o número de produtos e serviços disponíveis para compras virtuais. O acesso aos sites das mais diversas em-presas, possibilita conhecer em detalhes cada produto, desde a captação de matéria-prima, pas-sando por sua transformação, até chegar ao produto final. Existem informações disponíveis nestes sites até mesmo sobre as referên-cias das empresas que fabricam ou comercializam os produtos. Já é possível receber, via computador, as últimas notícias dos jornais e revistas, assistir a telejornais ao vivo e comprar, sem sair da frente da tela, produtos como livros, flores, roupas, vinhos e mesmo motocicletas e automóveis.

Outra significativa mudança no comportamento do consumi-dor está voltada para utilização do dinheiro eletrônico. Esta nova modal idade está se tornando

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Pompeu Tranzillo Júnior

preferencial entre fornecedores e clientes, especialmente pela segurança e agilidade em sua utilização. A cada dia o uso das Cibercompras1 avança, ganha espaço e promove a mudança de comportamento de consumidores e das empresas que devem se adap-tar ao mercado.

As mudanças têm sido tão rápidas e enfáticas, que novos hábitos têm-se incorporado ao dia-a-dia, sem sequer perceber-se. Afinal, quem ainda não se pegou pesquisando produtos, ofertas e novidades na internet, ou mesmo começou a navegar na rede às 16h e quando se deu conta já passava das 02h da madrugada?

É verdade, a internet hipno-tiza e fascina, com sua agilidade, comodidade e facilidade.

1- Compras no mercado virtual.2- Rede mundial de computadores (internet).3- Vendas e compras através da rede.

“Quando o ritmo da mudança dentro

da empresa for ultrapassado pelo ritmo da mudança

fora dela, o fim está próximo”.

Jack Welch, Ex-Presidente da GE (KOTLER, Philip. Marketing para o século XXI: como criar, conquistar

e dominar mercados [Tradução Bazán Tecnologia e Linguística]. São Paulo: Futura, 1999, p.134).

85 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

3. Compradores Organizacionais no

E-CommerceO sistema tradicional utilizado

pelos compradores organizacionais, onde aparece a figura do ‘Compra-dor Profissional’, que verifica catálo-gos e amostras, negociando, através do telefone ou pessoalmente, com os fornecedores as condições para efetivar a compra, será gradativa-mente substituído por um processo virtual mais abrangente, no qual, fornecedor e comprador lançarão mão de uma gama de informações que jamais imaginaram ter acesso, com tanta rapidez e facilidade. Ain-da neste segmento, surgirá espaço para um novo tipo de empresa, os provedores intermediários de informação (metamediários), que farão coleta de dados entre fornece-dores diversos e clientes potenciais, disponibilizando estas informações, mediante a cobrança de uma taxa.

Outra mudança significativa no comportamento dos compradores organizacionais está na utilização dos pregões eletrônicos, através da internet, onde estes solicitam propostas de fornecedores para aquisição de bens e serviços, divul-gando previamente as especificações que esperam, possibilitando aos interessados evitar o deslocamento físico para entrega da proposta de fornecimento. Não há dúvidas de que existe um ganho efetivo de tempo e uma maior transparência nas negociações, especialmente se o cliente for uma empresa pública.

3.1 Vencer no Ciberespaço: o desafio

das empresas São muitos os desafios para

uma empresa sobreviver no ci-berespaço2. Apesar do crescente número de visitas ao mercado virtual, o número de clientes está longe de se igualar ao número de visitas. Ou seja, apenas alguns visitantes se transformam em clientes e estes possíveis clientes tendem a ficar, como já se afirmou, cada vez mais atentos e exigentes. Isto cria um desafio para cada empresa, que terá a difícil missão de agregar valor à sua marca, seus produtos ou serviços e conseguir

uma inovadora forma de tornar isto perceptível aos clientes, atra-vés do contato virtual, e não do costumeiro contado tangível.

Para tanto, observa-se que os consumidores dão preferência a marcas e produtos tradicionais e de comprovada credibilidade. Afinal, é mais fácil acreditar na imagem virtual daquilo que já se manuseou e se provou do que nas novidades oriundas exclusivamente do ciber-comércio3.

Uma das ferramentas de maior eficiência no e-commerce é o gera-dor de possibilidades, ou seja, um espaço virtual, onde o fornecedor poderá mostrar, de maneira ex-tremamente abrangente, todas as possibilidades para o seu cliente. Quanto maior o número de infor-mações, maior a probabilidade de se atingir uma decisão de compra positiva.

No ciberespaço, as empresas têm três vantagens básicas sobre as lojas tradicionais.

São elas: Estão disponíveis 24 horas

por dia, todos os dias. Não é necessário deslocar-se

até a loja, assim economiza-se tempo e dinheiro. O preço costuma ser, poten-

cialmente, menor.

Por outro lado, existem tam-bém desvantagens como:

A espera para receber: não é possível levar a mercadoria imediatamente. Não existe a possibilidade da

tangibilidade.

4. Análise dasObservações

Percebe-se facilmente que as empresas têm focado suas negocia-ções através do ambiente virtual, enquanto que os consumidores comuns (pessoas físicas) utilizam a internet muito mais para busca de informações, que efetivamente

Page 86: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

Grafico 01 - Volumes de compra na internetFonte: dados primários da pesquisa.

Referências bibliográficasCEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário escolar da língua portu-guesa. São Paulo: Cia. Nacional, 2005.

GONÇALVES, Hortência Abreu. Manual de artigos científicos. São Paulo: Avercamp, 2004.

KANAANE, Roberto. Comportamento humano nas organizações: o homem rumo ao século XXI – São Paulo: Atlas, 1994.

KOTLER, Philip. Administração de marketing - São Paulo: Prentice Hall, 2000.

KOTLER, Philip. Marketing para o século XXI: como criar, conquis-tar e dominar mercados [Tradução Bazán Tecnologia e Linguística]. São Paulo: Futura, 1999.

LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing: conceitos, exercícios, casos. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2004.

A Internet e o consumo: como a internet tem influenciado o comportamento dos consumidores comuns e organizacionais no Brasil

para compras. Porém, nota-se que usuários frequentes, tendem a tornar-se um ‘comprador virtual’.

O gráfico, a seguir, ilustra as diferenças de volume de compra na internet:

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França86 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

5. Considerações Finais

Voltando dez anos no tempo, vê-se que os mais influentes nomes da administração e do marketing, já faziam previsões acerca das ine-vitáveis mudanças nas formas de comunicação, distribuição, comer-cialização e integração dos merca-dos. A grande maioria dos ‘papas’ da administração e do marketing não só previam como sonhavam com as incríveis alterações nas re-lações humanas e comerciais que se aproximavam com a chegada do século XXI. Viu-se a econo-mia da informação suceder, sem nenhuma cerimônia, a sociedade industrial (Kotler 1999, p.249) e este novo tempo ocupou a vida diária dos consumidores, levando-os a solicitar, cada vez mais, facilidades, agilidade e possibilidades. Eles se tornam, neste contexto, muito mais exigentes ou até mesmo menos tolerantes, uma vez que se um for-necedor pode, acredita-se que todos podem. Acaba-se deixando levar e fascinar pelos avanços tecnológicos, suas quase infinitas possibilidades, e, especialmente, sua incrível capacida-de de deixar os clientes acomodados, servidos e satisfeitos. “É inútil man-dar um rio parar de correr, a melhor coisa a fazer é aprender a nadar a favor da correnteza” (KOTLER, 1999, p. 259).

Porém, precisa-se ficar atento para que possamos levar o e-com-merce a adaptar-se às realidades e contextos, e não o absurdo de nos privar, involuntária e imperceptivel-mente, do que realmente somos e queremos.

Não restam dúvidas de que o avanço tecnológico traz muitos be-nefícios, especialmente no tocante

à transferência de tecnologia entre as nações, e o acesso, quase que ir-restrito, às informações. Precisa-se aproveitar as facilidades da internet

para caminhar e conquistar novos e importantes mercados, sem es-quecer as precauções e os limites que se tem e sempre se deverá ter!

Page 87: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

Suzy Dayse Vasconcelos BezerraA autora é bacharel em

Comunicação Social. Es-

pecialista em Pedagogia

Empresarial e Magistério

Superior. Possui forma-

ção em técnica neurolin-

guística e, atualmente, é

acadêmica do curso de

Letras da FSLF.

Artigo produzido sob a orientação da Prof. Drª Vilma Mota Quintela, da Faculdade São Luís de França

“Hoje o Brasil é filho da Civilização francesa, e como Nação é filho dessa revolução famosa que abalou todos os tronos da Europa, e

repartiu com os homens a púrpura e o cetro dos reis”.

O movimento pela emancipa-ção política do Brasil, ocorrida em 1822, antecede um processo his-tórico que permeia toda a segunda metade do século XIX: o processo da construção ideológica da iden-tidade nacional, que se institui como um conceito oitocentista, cunhado em função do ideal da autonomia cultural brasileira. Nesse processo, a literatura e a historiografia literá-ria tiveram fundamental importân-cia. No presente trabalho, analiso as relações político-culturais que se podem estabelecer entre o Re-sumo da História Literária do Brasil de Ferdinand Denis, publicado na França em 1826, e o projeto ro-mântico brasileiro da fundação de uma literatura autônoma e original.

Palavras-chave: Ferdinand Denis. Identidade nacional. Lite-ratura brasileira. História literária.

The movement for political emancipation in Brazil occurred in 1822, before a historical process that spans the second half of the nineteenth century: the process of ideological construction of natio-nal identity, that is instituted as a nineteenth century term, coined on the basis of the ideal of autonomy Brazilian culture. In the process, literature and literary historiography had fundamental importance. In this paper, I analyze the political-cultural relations can be established between the Summary of the Lite-rary History of Brazil by Ferdinand Denis, published in France in 1826, Brazilian romantic and design of the foundation of an autonomous and original literature.

Keywords: Ferdinand Denis. National identity. Brazilian litera-ture. Literary history.

[email protected]

Resumo Abstract

Gonçalves de Magalhães

87 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

Page 88: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

Pelo olhar de Ferdinand Denis: um elo entre a literatura e a história oitocentista

Tendo em vista a compreen-são do processo de construção da identidade nacional brasileira, apresento uma reflexão sobre as relações institucionais ocorridas no século XIX, entre o dBrasil e a França, no período que su-cedeu à independência política brasi leira, ocorrida em 1822. Especificamente, desenvolvo aqui um estudo das relações político-culturais que se pode estabelecer entre o Resumo da história lite-rária do Brasil, publicado, em Paris, em 1826, como apêndice de uma obra mais abrangente, o Résumé de

1. Introdução

Ferdinand Denis

CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França88 Edição nº 02 - Janeiro / 2011

l’Histoire littéraire du Portugal, suivi du Résumé de l’Histoire littéraire du Brésil (Resumo da História Literária de Portugal, seguido do Resumo da His-tória Literária do Brasil ), de Ferdi-nand Denis; e o projeto romântico da construção de uma literatura brasileira autônoma e original, desenvolvido, no Brasil, na se-gunda metade do século XIX. O Résumé, como ficou conhecido, foi o primeiro esboço sobre a literatura brasileira, tomada como um todo autônomo em relação à literatura portuguesa. Nele, Denis apresenta, categoricamente, o caminho que deveriam trilhar os

poetas da, na época, jovem nação emancipada. Assim, em um meio intelectual “carente de guias, como o Brasil durante o Primeiro Reinado, sua voz repercutiu ime-diata e intensamente” (CESAR, 1978, p.XXXIII.), como a voz do civilizador deslumbrado diante das coisas brasileiras. Como tal, o autor dispõe, no Résumé, uma série de instruções, a serem seguidas pelos brasileiros, que deveriam atentar para o indianismo, para os recursos naturais dos trópicos, para o que havia de original e ge-nuíno em nossa cultura, e, dessa forma, romper com o modelo literário europeu.

Como intenciono apresentar, no Brasil, nesse contexto cultural nascente, surge a necessidade de mostrar ao mundo uma literatura que pudesse enaltecer a pátria, a natureza, o primitivismo e as características inexploradas do Novo Mundo. O pitoresco, a exuberância dos trópicos, a vida simples e a cor local, esses foram os elementos, de certa forma, vi-venciados e exaltados por Denis. Pioneiramente, o autor do Résumé viu a possibilidade de apresentar aos franceses e aos brasileiros le-trados a literatura da jovem nação “inculta”, porém virtualmente rica, dado o imenso potencial na-tural e cultural do país, definido pelo exotismo característico de sua geografia e pela constituição mestiça de seu povo.

No início do Século XIX, di-versas transformações ocorriam na Europa e no Brasil, animadas por ideias relativas ao liberalismo, aos ideais democráticos e ao so-cialismo. Nesse contexto, após a vinda da família real portuguesa para o Brasi l em 1808, como uma decorrência da política de expansão napoleônica, D. João VI buscou fazer do Brasil uma nova vitrine tropical, dotada de características européias e anima-da por uma vida cultural intensa. Dentre as medidas adotadas pelo

monarca português, destaco seu apoio à atuação, no Brasil, da chamada “missão francesa”, instituída em 1816. Tal missão se configurou como um ambicioso projeto civilizador, e trouxe ao Brasil diversos viajantes, inte-ressados no mercado cultural com o novo mundo. Tal foi o caso de Humboldt, naturalista e explorador alemão, de historia-dores como Ferdinand Wolf, de pintores e críticos de arte como Jean Baptiste Debret e Lebreton, de Nicolas Antoine Taunay, pintor paisagista, dentre outros. Então, todo o cenário brasileiro tornava-se propício para o florescimento cultural. Foram criados, a partir de 1816, na época de D. João VI, a Escola de Comércio, a Imprensa Régia, de onde saíram as primei-ras publicações oficiais realizadas no Brasil e o primeiro jornal, a Ga-zeta do Rio de Janeiro, dentre outras ações culturais, administrativas e econômicas (KOSHIBA, 2003, p. 169). De acordo com Denis, esse conjunto de medidas adotadas por D. João VI, no Brasil, após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, demonstrou o seu gosto apurado para as artes em geral e seu interesse pela di-fusão da leitura, ao contrário do que ocorria em outros países da América do Sul, onde até os livros eram proibidos:

“Não estamos mais na época em que se podiam manter os americanos em sujeição, por meio dos laços políticos da ignorância. Nos lugares de onde extraímos ouro, deixamos escapulir o germe de todos os conhecimentos; veremos o que produzirá essa troca, feita muitas vezes à nossa revelia, dado que na maioria dos países da América do Sul os livros eram proibidos, ou se ocultavam nas bibliotecas dos clérigos, e lá muitas vezes eram desdenhados pela ignorância ociosa. Contudo, é preciso convir que Portugal foi bem menos rigoroso em tais medidas do que os países limítrofes, e que o antigo governo, transferindo sua sede para o Rio de Janeiro, levou-lhe também o gosto das ciências e das artes, e facilitou mesmo a sua cultura; o Brasil

Page 89: Revista Concepções / FSLF – Edição Nº 2 - by Editora CaLu

Suzy Dayse Vasconcelos Bezerra

deixou de ser então colônia; o odioso sistema caía por si mesmo: alguns anos mais tarde, os brasileiros viriam a destruí-lo por completo”. (DENIS, 1826, apud, CESAR, 1978, p.34).

A jovem nação de “encantos mil” se descortinava aos olhos dos viajantes, os americanistas como foram chamados. Nesse contexto marcado pelo deslum-bramento, surge, em 1816, o jovem Jean-Ferdinand Denis, que viria a se tornar “o primei-ro crítico europeu a garantir a possibilidade de uma literatura efetivamente nossa” (CESAR, 1978, p. 32). Com a independência política do Brasil, despertava-se para a necessidade de uma cul-tura brasileira, original, sem as amarras lusitanas, isto é, para a construção de uma identidade nacional, com direito a um pro-jeto de divulgação internacional de certa imagem do Brasil, a um aparato patriótico composto de hino nacional, bandeira e em-blemas pátrios. Esses elementos resultavam necessários à projeção de certa ideia de modernidade e da autonomia do Brasil, frente às grandes nações européias. Nesse contexto, quando se busca um modelo para a nossa identidade, afastando-se do modelo portu-guês, será eleita a França como o novo paradigma cultural. A propósito, Denis destaca, no Ré-sumé, a predileção dos intelectuais brasileiros pelos poetas franceses:

“Mas, fato verdadeiramente notável é a inf luência que nossa literatura exerce hoje em dia sobre os brasileiros. Orgulham-se estes dos autores que fixaram a sua língua; mas lêem os poe-tas franceses conhecendo-os a quase todos”. (DENIS, 1826, apud, CESAR, 1978, p. 41).

Ferdinand Denis se colocará como um elo entre o Brasil e a França, procurando estabelecer um valor para nossa literatura em seu esboço historiográfico, onde, mais que exaltar a exuberância da natureza brasileira, maravilha-se

89 CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França Edição nº 02 - Janeiro / 2011

ao descrever a jovem nação que despontava para o mundo, ins-truindo os brasileiros no que se referia à produção de uma litera-tura patriótica. A partir da análise romântica de Denis sobre nossa identidade cultural e sobre a vida nos trópicos brasileiros, a música, o teatro e a nossa geografia, o Résumé, como herança de Ferdi-nand Denis para a historiografia literária brasileira, fez de seu autor o precursor do nosso romantismo. Em seu estudo sobre os trópicos e a vida simples do mestiço brasilei-ro, a literatura brasileira deixava de ser uma variação da literatura por-tuguesa, agora desmembrada por Denis, que, segundo Cesar (1978, p. 28-29), não periodizou nem fez comparações, mas atestou o seu nascimento no século XVIII.

No que diz respeito ao Résumé, chama a atenção, já na abertura, o subscrito “Considerações gerais sobre o caráter que a poesia deve assumir no novo mundo” (DE-NIS, 1826 apud CESAR, 1978, p. 35), no qual Denis define de antemão o propósito civilizatório da obra. Nesse subscrito, coloca-do entre o título e a introdução do Résumé, atento para o verbo “dever”, que se apresenta como uma prescrição a ser seguida pelos brasileiros, sobre como a poesia do Brasil deveria ser apresentada ao mundo, como um espelho de uma nação jovem e conceituada em sua unidade nacional. Como afirma Rouanet (1991, p. 229): “Ferdinand Denis está dando início e já na primeira página de seu texto introdutório à compa-ração, ou melhor, à identificação entre as ‘necessidades poéticas’ e as ‘necessidades políticas’ do Brasil”. Denis enfatiza, no Résumé, a certeza de que o caráter original da literatura brasileira, no que se refere à cor local, trará para o país o reconhecimento europeu do Brasil enquanto uma nação opu-lente; por outro lado, sugere que

os brasileiros devem reconhecer a Europa como edificadora das bases para o surgimento do Novo Mundo:

“Não temo dizê-lo, o americano, no qual tantas raças se misturam. O americano, orgulhoso de sua terra, de sua riqueza, de suas instituições, virá um dia visitar a Europa, assim como dirigimos nossos passos na direção das ruínas do antigo Egito. Pedirá então lembranças poéticas a esta terra que brilhara com tamanho fulgor; pagar-lhe-á justo tributo de re-conhecimento. A Europa fundamentou a grandeza do Novo Mundo, e este será talvez, um dia, o seu mais belo título de glória”. (DENIS, 1826, apud, CESAR, 1978, p. 38).

2. Do texto ao contexto

Passo agora a pontuar alguns traços da biografia de Ferdinand Denis, para que possamos com-preender a formação ideológica do autor e o seu olhar europeu, presentes no Résumé, e refletir so-bre o que motivaria um jovem que chegou ao Brasil com 18 anos a es-boçar uma obra sobre a literatura brasileira no período oitocentista. Denis pertencia a uma família empobrecida pelo processo do fim do império na França. Como seu pai não podia mais arcar com sua educação, Denis inicia uma viagem em busca do seu Eldorado para as Índias Orientais. Contudo, durante uma escala no Rio de Ja-neiro, sem justificativa conhecida, resolve permanecer no Brasil.

Durante os três anos em que viveu em terras brasileiras, de 1816 a 1819, Denis conheceu pessoas ilustres e gente do povo, como cita CESAR (1978, p.27), e até se encantou com uma filha da nossa terra, com a qual pretendia casar. Segundo Cesar (1978, p. 27), De-nis era um grande estudioso dos livros, mas mantinha um olhar atento e entusiasmado sobre a nos-sa realidade, o que confirmamos a partir da leitura do Résumé:

“O Brasil, que sentiu a necessidade de adotar instituições diferentes das que

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Pelo olhar de Ferdinand Denis: um elo entre a literatura e a história oitocentista

lhe havia imposto a Europa, o Brasil ex-perimentou já a necessidade de ir beber inspirações poéticas a uma fonte que verdadeiramente lhe pertença; e, na sua glória nascente, cedo nos dará as obras-primas desse primeiro entusiasmo que atesta a juventude de um povo”. (DENIS, 1826, apud, CESAR, 1978, p. 36).

Foi com esse sentimento de deslumbramento pelas belezas brasileiras e com a ideia de uma cultura que fosse essencialmente brasileira, que Denis discorreu so-bre o caminho para a valorização da identidade cultural e do indianismo, no Résumé. A correspondência de Denis com a família, na época de sua estada no Brasil, confirmava seu fascínio pelo país, que permeia todo o Résumé: “Tudo se reúne para nos encantar, nessa deliciosa paragem” (DENIS, 1826). Não realizando seu projeto de prosperidade aqui no Brasil, Denis volta para França em 1819, levando consigo uma experiência rica de informações, sensações e impressões sobre a cor local, o mestiço, o índio e toda a exuberância da natureza americana que tanto parecia sensibilizá-lo.

O conceito de identidade nacional se encontra enraizado nas bases históricas do século XIX, insti-tuindo-se como uma expressão da primeira fase oitocentista, já latente no processo de Independência do

Caramuru - Fonte: Biblioteca Nacional do Brasil. Divisão de Livros Raros.

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Brasil. Posteriormente, no Brasil, certa ideia de identidade nacional viria a fundamentar o ufanismo nacionalista, que se manifestou na valorização excessiva do que se considerava como sendo ca-racteristicamente “nosso”, isto é, o elemento genuíno da cultura brasileira. Afinal, a bandeira da originalidade, defendida por Denis, no Résumé, passou a fazer parte do projeto de construção de uma identidade brasileira. Se-gundo CESAR (1978), o objetivo de todos os capítulos do Résumé é apontar o caminho para que a literatura do Brasil seja abrasilei-rada, garantindo-se, assim, a fun-damentação da matriz identitária nacional.

O Résumé, em suas páginas iniciais, prescreve que a América, livre politicamente, deveria tam-bém possuir uma literatura livre de outras influências, mantendo a atenção nos temas nacionais, observando e contemplando os problemas do seu povo, seus hábitos e costumes, os quais deveriam conquistar respeito e admiração perante o mundo. Se-gundo DENIS (1826), os poetas e escritores brasileiros deveriam focar seu interesse nos hábitos e na cor local, naquilo que ele traduziu como sendo a “força incompreensível de uma natureza constante”. O Résumé, que se des-tinava especificamente aos brasi-leiros, possui um caráter tutelar. Nele, Denis aponta o caminho urgente das mudanças a serem realizadas em nossa literatura, onde se deveria “rejeitar as ideias mitológicas devidas às fábulas da Grécia” (DENIS, 1826, apud, CESAR,1978, p. 36), desenvol-vidas pela civilização européia. No Résumé, a obra que mereceu o maior número de páginas foi Caramuru, de Santa Rita Durão, classificada por Denis como o primeiro poema épico brasileiro, o que justifica a deferência a ela

dedicada no esboço historio-gráfico do estudioso francês. A propósito comenta Denis:

“Entretanto, não faltam méritos ao poema Caramuru; pena é que o estilo não houvesse sempre correspondido a concepção. Vou oferecer-vos a análise da obra, e apresentarei mesmo alguns fragmentos dela: sempre despertam curiosidade os primórdios de um povo como este. Aliás, o Caramuru é total-mente desconhecido na Europa; nenhuma história literária o menciona, e já seria por si mesmo de alto interesse que nos contentássemos em observar a cor local, nele dominante”. (DENIS, 1826 apud CÉSAR, 1978, p. 47)

O Caramuru, segundo Denis, destaca-se por uma variedade de quadros e imprime vivacidade à narrativa do combate, oferecendo tema desconhecido pelos europeus, no que se refere ao indianismo. “Julguei-me obrigado a analisar a obra de Durão, porque reveste caráter nacional, apesar de suas imperfeições, e assinala claramente o objetivo a que se deve dirigir-se a poesia americana” (DENIS, 1926, apud, CESAR, 1978, p. 57). O cará-ter nacional, que Denis menciona, pode ser observado no trecho do poema Caramuru:

Em guerreiras colunas, feroz gente,

Que no horror da figura assombra tudo,

Trazem por armas uma maça ingente,

Tendo de duro lenho um forte escudo;

Frechas e arco no braço armipotente:

Nas mãos um dardo de pau santo, agudo;

Sobre os ombros a rede, à cinta as cuias

Tal era a imagem dos cruéis Tapuias (8).

(DENIS, 1826 apud CÉSAR, 1978, p. 53)

Outro poeta que mereceu a análise de Denis, no Résumé, foi Basílio da Gama, com o poema épico O Uraguai. Numa análise historiográfica, o autor apresenta a tomada da Colônia do Sacramento pelos portugueses após o Tratado de Madri, assinado em 1750. Denis destaca o referido poema, que pos-sui como tema a guerra das Mis-sões, em que “o autor quis provar

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Suzy Dayse Vasconcelos Bezerra

que os missionários tinham a in-tenção de consolidar seu poderio no Novo Mundo e estabelecer aí uma teocracia independente, impondo aos índios um jugo despótico” (DENIS, 1926, apud, CESAR, 1978, p.59). Além da te-mática histórica, a obra de Basílio da Gama trazia índios e portu-gueses como personagens do poema. Segundo DENIS (1826), o poema “não se distinguia tanto pela originalidade da concepção, como pela correção do estilo”, referindo-se à forma como as estrofes eram apresentadas, em versos decassílabos brancos. Além desses dois poetas citados, Denis menciona e comenta as obras dos poetas Manuel Botelho de Oliveira, Francisco Cardoso, Tomás Antônio Gonzaga, dentre outros autores, destacando tam-bém outras manifestações cultu-rais, como a música e o teatro.

Conforme CESAR (1978:29), “em nenhum livro, antes do Résu-mé, o complexo - homem mestiço, vida rústica, floresta virgem e campos ilimitados – falou tão alto à imaginação do leitor brasileiro”. Mesmo sem encontrar muitas fontes para compor a história da literatura brasileira, o que dificultou o trabalho incansável do escritor francês, foi o primeiro a apresentar

José Basílio da Gama

Referências bibliográficasBAREL, Ana Beatriz Demarchi. Um romantismo a oeste: modelo fran-cês, identidade nacional. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2002.

CÉSAR, Guilhermino. Historiadores e Críticos do Romantismo – 1: A contribuição européia, crítica e história literária. Rio de Janeiro: LTC, 1978.

GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de artigos científicos. São Paulo: Avercamp, 2004.

KOSHIBA, Luiz. História do Brasil no contexto da história ociden-tal. São Paulo: Atual, 2003.

ROUANET, Maria Helena. Eternamente em berço esplêndido: a fundação de uma literatura nacional. São Paulo: Siciliano, 1991.

Capa do livro O Uraguai (1769)

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o modelo de uma literatura nacio-nal, indianista, mestiça, exuberante. Lançando a partir da publicação do Résumé, em 1826 o terreno propício para uma identidade cultural bra-sileira, reconhecidamente valiosa e original. Segundo Barel (2002, p.32), Denis foi também um elo institucional entre o Brasil e a França, onde poetas como Gon-çalves de Magalhães e um grupo de intelectuais brasileiros foram, por ele, recebidos, em 1836, quando Gonçalves de Magalhães fundou a revista Niterói, em Paris. Também na capital fran-cesa, Gonçalves viria a publicar, posteriormente, o Ensaio sobre a

História da Literatura Brasileira, que foi considerado o nosso primeiro manifesto romântico. Contudo, ao que parece, a Niterói e os jo-vens brasileiros não possuíam o ideal de um grande feito literário. Prova disso constitui o fato de ter havido somente duas edições da revista. Mas, em relação ao momento histórico que se im-punha, tais iniciativas foram de grande importância à afirmação da identidade literária brasileira, feito que estreitou as relações do Brasil com a França.

3. Considerações finais

O presente estudo evidencia a participação de Ferdinand Denis no processo de construção da identidade nacional brasileira, res-saltando a contribuição do Résumé, no que tange ao estabelecimento de princípios básicos à definição do que seria tomado como original em nossa literatura. Esta, de acordo com o autor, deveria voltar-se, fun-damentalmente, para o indianismo e para a cor local. A pesquisa que deu origem a esse artigo aponta outras direções a serem aprofun-dadas no desenvolvimento deste estudo sobre a história da literatura brasileira, que se encontra agora em seus primórdios.

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NORMAS para publicação de trabalhos

NUPEX - NúClEO dE PESqUiSa E EXtENSãO

Nupex - Núcleo de Pesquisa e Extensão

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Comissão Editorial da Revista Concepções da Faculdade São Luís de

França torna público aos interessa-dos que receberá textos de entre-vistas, traduções de documentos e textos clássicos, artigos, resenhas e relatórios de trabalho de campo, de caráter inédito, cujas matérias tratem das teorias, objetos e me-todologias das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, resultantes ou não de pesquisas empíricas. Os referidos textos deverão conter as seguintes cláusulas:

1. Resumo em Língua Portu-guesa, contendo de 100 a 200 palavras, referências do autor (instituição, cargo, titulação e endereço eletrônico);

2. Resumo em inglês ou es-panhol;

3. Palavras-chave: até cinco;4. Redação em língua portu-

guesa, digitação em folha formato A4, Word for Windows, fonte Time New Roman, tamanho 12, espaço 1,5, margens esquerda e superior com 3 cm, direita e inferior com 2 cm, em (três) cópias impressas;

5. As entrevistas deverão ter, no máximo, 04 (quatro) laudas; as traduções de documentos e textos clássicos e os artigos científicos,

de 08 (oito) a 16 (dezesseis) laudas, as resenhas até 03 (três) laudas e os relatórios de trabalho de campo até 15 (quinze) laudas, incluindo-se nessas delimitações as tabelas, quadros gráficos, figuras, fotogra-fias e referências bibliográficas que fizerem parte dos textos;

6. Apresentar notas de rodapé (se necessário) numeradas em algarismos arábicos;

7. As citações e referências bibliográficas devem obedecer ao padrão estabelecido pela As-sociação Brasileira de Normas Técnicas (a mais atualizada), para referenciamento de livros, revistas, suportes eletrônicos e outros multimeios, disponíveis no site www.abnt.org.br;

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REVISTA CONCEPÇÕES DA FACULDADE SãO LUÍS DE FRANÇANúcleo de Pesquisa e Extensão – NUPEX Rua Laranjeiras, 1838, Bairro Getúlio Vargas Aracaju – SergipeTelef. (79) 3214-6300 CEP: 49.000-000

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