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    ODONTOLOGIA PARA PACIENTES COM NECESSIDADES ESPECIAIS -

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    ODONTOLOGIA PARA PACIENTES COMNECESSIDADES ESPECIAIS –

    PERCEPÇÕES, SENTIMENTOS E MANIFESTAÇÕES

    DE ALUNOS E FAMILIARES DE PACIENTES *

    “DENTISTRY FOR PATIENTS WITH SPECIALNEEDS - FEELINGS, PERCEPTIONS AND

    REACTIONS OF STUDENTS ANDHANDICAPPED PATIENTS”

    CLAUDIA MARCELA HERNÁNDEZ CANCINO**FLÁVIO AUGUSTO MARSIAJ OLIVEIRA***

    MARIA EMÍLIA ENGERS**** JOÃO BATISTA BLESSMANN WEBER***** MARÍLIA GERHARDT DE OLIVEIRA******

    ________________________________________________  * Tese de Doutorado apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em

    Odontologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade deOdontologia, área de concentração em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial. 

    ** Mestre e Doutora pela PUC-RS - Autora da Tese de Doutorado na PUC-RS.*** Orientador do Trabalho e Professor da PUC-RS.**** Co-Orientadora da Pesquisa e Professora da PUC-RS.

    ***** Consultor da Pesquisa e Professor da PUC-RS****** Consultora e Coordenadora do Curso e Professora titular da PUC-RS.

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    RESUMO

    Esta pesquisa, realizada na Faculdade de Odontologia da PontifíciaUniversidade Católica do Rio Grande do Sul (FO-PUCRS), tem por objetivo, junto aos

    alunos do quinto ano do curso de Graduação e aos familiares de pacientes comdeficiências do desenvolvimento neuropsicomotor, conhecer as percepções, ossentimentos e, as manifestações em relação à Odontologia para pessoas comnecessidades especiais, contribuindo, assim, para a formação dos futuros cirurgiões-dentistas e o aprimoramento da Odontologia nessa área. Para tanto, o estudo foiconcebido dentro do paradigma naturalístico ou qualitativo. Aplicou-se a entrevistasemi-estruturada como instrumento para a coleta de dados, avaliando-se as informaçõesobtidas por intermédio da análise de conteúdo proposta por ENGERS (1987). Osresultados evidenciaram a carência de serviços odontológicos para pessoas comnecessidades especiais e a falta de conhecimento tanto prático quanto teórico por parte dosfuturos profissionais a esse respeito. Salienta-se a necessidade do conhecimento técnicoadequado e da valorização do paciente para que, no futuro, o aluno possa assumir sua

     profissão com responsabilidade e suprir com qualidade e competência as necessidadesodontológicas de seus pacientes.

    ABSTRACT

    The aim of this study is to learn more about the feelings, perceptionsand reactions of patients with special needs concerning dental care. This researchtook place at “ Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica do

     Rio Grande do Sul” (FO-PUCRS) and involved students attending the last year of

    graduation and relatives of handicapped patients. This study also aims at improvingand developing knowledge in this area of Dentistry. The interviews for collection ofdata were done on a semi-estructured basis and the obtained information wasevaluated according to the analysis of contents proposed by ENGERS (1987). Theresults showed that there is a lack of dental care services for patients with specialneeds as well as a lack of practical and theoretical knowledge as far as future dentistare concerned. It is of utmost importance to take the patients into high considerationand to reach a reasonable and adequate technical level of knowledge so that, in thefuture, the present students become highly responsible professionals and are able tocompetently fulfill the needs of their patients.

    Unitermos: Deficiências do desenvolvimento. Assistência odontológica para pessoas portadoras de necessidades especiais. Relação profissional-paciente.

    Uniterms: Developmental disabilities. Dental care for disabled. Professional-patientrelationship.

    INTRODUÇÃO

    As pessoas com necessidades especiais constituem uma populaçãoheterogênea que inclui uma grande variedade de deficiências físicas, mentais,neurológicas ou sociais. Devido à sua dependência e à sua vulnerabilidade, estas

     pessoas apresentam maior suscetibilidade a distúrbios bucais e a outras co-morbidades passíveis de comprometer a sua qualidade de vida, necessitando,

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     portanto, da assistência temporária ou permanente de vários especialistas na área dasaúde e, em alguns casos, de adaptações especiais em seu ambiente escolar e social(SCULLY; KUMAR, 2003; NEEDLMAN, 1997).

    Embora o tratamento odontológico das pessoas com necessidades

    especiais não seja diferente daquele das saudáveis, ainda assim elas apresentam problemas bucais de grande importância e, enfrentam inúmeras dificuldades paraencontrar os serviços apropriados às suas demandas, destacando-se, entre outras,

     barreiras arquitetônicas, limitações financeiras, medo, ignorância ou negligência emrelação à saúde bucal e, principalmente, carência de profissionais qualificados einteressados em tratar tais pacientes (MOURADIAN; CORBIN, 2003; NUNN;MURRAY, 1988; WALDMAN; PERLMAN, 1997).

    O reduzido número de profissionais dispostos a atender pacientes comnecessidades especiais deve-se, provavelmente, à falta, no curso de Graduação, de

     bases teóricas suficientes e de experiências clínicas motivadoras que proporcionemconhecimento, destreza, autoconfiança e compreensão da complexidade humana. A

    qualificação assim concebida resulta em profissionais pouco preparados, portantodesinteressados e indiferentes quanto ao manejo desses pacientes (CRESPI,FERGUSON, 1987).

    Os profissionais amparados na falta de conhecimento teórico, nacarência de habilidades clínicas e, portanto, sentindo-se inseguros e intimidados,assumem atitudes negativas ou não prestam atendimento às pessoas comnecessidades especiais. Conseqüentemente, esses pacientes são encaminhados de um

     profissional para outro e, por fim, não recebem o tratamento de que necessitam,aumentando, com isso, os riscos de comprometer sua saúde bucal e sua qualidade devida (ALBUM, 1990; NUNN; MURRAY, 1988; SOAR FILHO, 1998; STIEFEL;TRUELOVE; JOLLY, 1987).

    Embora freqüente este não possa ser o comportamento de um profissional da área da saúde, pois ele precisa estar preparado para detectardificuldades, resolver problemas, responder às necessidades do paciente, atuar comresponsabilidade e utilizar a empatia e a comunicação como instrumentos básicos

     para a interação paciente-profissional. Para tanto, é fundamental que, enquantoaluno, o futuro profissional receba informações que lhe permitam conhecer a simesmo, evitar preconceitos e enfrentar dificuldades pessoais (BLINKHORN; KAY,1999; OSÓRIO; SOAR FILHO, 2003; TÄHKÄ, 1988).

    A percepção desta realidade e o fato de que, no Brasil, háaproximadamente 24,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, justifica a

    necessidade de revisarem-se os conceitos educacionais com relação à Odontologia para pacientes com necessidades especiais, objetivando a capacitação adequada, oreconhecimento do paciente em sua integridade física, psíquica e social, aliando-seao conhecimento técnico do acadêmico, a percepção de si mesmo como profissionale do paciente como pessoa. O conhecimento técnico associado à compreensão dosfatores relacionados à pessoa contribui para um melhor exercício profissional.

    Partindo-se da idéia de que os cirurgiões-dentistas não estão preparados para atender pessoas com necessidades especiais, as quais enfrentamseveras dificuldades para encontrar serviços odontológicos apropriados, acredita-seque conhecer os sentimentos, as percepções e as manifestações dos futuros

     profissionais e dos familiares desses pacientes, em relação ao atendimento

    odontológico, provavelmente auxiliará aqueles que tomam as decisões concernentes

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    ao ensino, a fundamentar as reformas curriculares possíveis com o objetivo de beneficiar a qualificação profissional, a saúde pública e as pessoas envolvidas.

    Considerando os aspectos aqui mencionados, levantou-se o seguintequestionamento: Quais são as percepções, os sentimentos e as manifestações de

    alunos da Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica do RioGrande do Sul (FO-PUCRS)  e de familiares de pacientes com deficiências dodesenvolvimento neuropsicomotor do Instituto do Excepcional (Convênio com aFO-PUCRS) em relação à Odontologia para pacientes com necessidades especiais?

    REFERENCIAL TEÓRICO

    Para melhor compreensão e facilidade de leitura, é essencialapresentar, na revista de literatura, algumas considerações do âmbito da psicologia arespeito do comportamento humano e da relação paciente-profissional, permitindo,

    assim, o conhecimento das relações, das condutas e dos sentimentos das pessoas.Este capítulo finaliza com a apresentação de conceitos sobre pessoas comnecessidades especiais e, por último, tratam-se as percepções em relação àOdontologia para esse grupo de pacientes.

    CONSIDERAÇÕES PSICOLÓGICAS SOBRE OCOMPORTAMENTO HUMANO

    Histórico

    A Psicologia tem por objetivo estudar, intervir e formular teorias paraa compreensão da totalidade do comportamento humano (condutas, percepções,sentimentos, emoções, significações, ideais e desejos) (BOCK; FURTADO;TEIXEIRA, 1999; DAVIDOFF, 2001).

    Historicamente, a Psicologia surgiu como ciência em meados doséculo XIX, após percorrer um longo caminho na Filosofia e pela aplicação dométodo científico, antes utilizado na Física e na Biologia. Os assuntos da Psicologia,até então estudados exclusivamente por filósofos, passaram a chamar a atenção defisiologistas e neurologistas. Esses estudos conduziram à formulação de teoriassobre o sistema nervoso central, associando a este as percepções, os pensamentos eos sentimentos humanos (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999).

    Em 1879, na tentativa de demonstrar que procedimentosexperimentais e modelos matemáticos poderiam explicar os processos da mentehumana (fenômenos mentais correspondem a fenômenos orgânicos), WILHELMWUNDT (1832-1920) fundou o primeiro laboratório experimental na Universidadede Leipzig, na Alemanha, tornando a Psicologia uma ciência independente de suasraízes filosóficas (DAVIDOFF, 2001; MORGAN, 1978). 

    Rapidamente, a Psicologia científica foi adotada e difundida naEuropa, no Canadá e, principalmente, nos Estados Unidos, onde surgiram trêsescolas precursoras da Psicologia atual, com teorias diferentes quanto ao que deveriaser essa ciência: o Funcionalismo, de WILLIAM JAMES (1842-1910), o

     Estruturalismo, de EDWARD TITCHENER (1867-1927) e, o Associacionismo, de

    EDUARD THORNDIKE (1847-1949). A seguir apresentam-se algumas descriçõessobre essas primeiras escolas surgidas nos Estados Unidos, que ofereceram subsídios

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     para o estabelecimento das atuais (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999;DAVIDOFF, 2001; SCHULTZ; SCHULTZ, 1992).

    O Funcionalismo  tinha por objetivo o entendimento da mente e seufuncionamento (propósitos do comportamento), enfatizando o uso da consciência e

    de outros processos mentais na adaptação do organismo ao ambiente, isto é, como amente registra, fixa, organiza e avalia as experiências e, como é utilizada naorientação da conduta.

    O  Estruturalismo, por sua vez, fundamentava-se na introspecçãoanalítica ou no estudo da experiência consciente. Sujeitos eram cuidadosamentetreinados para descreverem, o mais objetivamente possível, experiências perceptivasfrente a determinados estímulos sensoriais. TITCHENER  (1867-1927) definiu aconsciência como a soma de experiências em um dado momento e a mente como oacúmulo total dessas experiências ao longo da vida. O objetivo do estruturalismo erao estudo e a compreensão generalizada da mente humana.

    O  Associacionismo  enfatizava o desenvolvimento de associações ou

    conexões entre estímulos e respostas, incluindo os efeitos do reforço e a puniçãosobre essas conexões. As teorias sobre a aprendizagem humana concentravam-se emtais associações (situações/respostas) e afirmavam que o comportamento depende deelementos subjetivos, como satisfação, contrariedade e desconforto (EDUARDTHORNDIKE, 1847-1949).

    Mais tarde, essas teorias deram origem a novas escolas, destacando-seo Behaviorismo, a Gestalt e a Psicanálise (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 1999;DAVIDOFF, 2001; SCHULTZ; SCHULTZ, 1992).

    JOHN WATSON (1878-1958), fundador do  Behaviorismo, também,conhecido como comportamentalismo, baseava sua teoria em três princípiosfundamentais: (1) estudar os ambientes (estímulos) e os comportamentos (respostas);(2) aprender pela experiência (emissão de uma resposta e sua conseqüência) e (3)aplicar os objetivos científicos: descrição, explicação, predição e controle.WATSON  (1878-1958) preconizava o estudo do comportamento por meio de atos

     passíveis de descrição objetiva; assim, todo comportamento humano poderia serdescrito, previsto e controlado, se reduzido ao nível de estímulo e resposta.

    A Psicologia de Gestalt , desenvolvida na Alemanha, determinou queentre o estímulo e a resposta do indivíduo encontra-se a percepção. Ocomportamento (forma individual de interpretar uma situação) depende da maneiracomo o estímulo é percebido. Postulou a necessidade de compreender as ações e os

     processos humanos como uma unidade que é, ao mesmo tempo, dependente das

    características da personalidade do indivíduo, das emoções e das experiências passadas. O termo Gestalt é um substantivo alemão de difícil tradução, portantomantida a sua grafia original; o termo mais próximo em português é “forma” ou“configuração” (MAX WERTHEIMER, 1880-1943; WOLFGAND KÖHLER,1887-1967).

    A Psicanálise  originou-se a partir dos estudos de SIGMUNDFREUD (1856-1939), responsável pelo desenvolvimento de um novo procedimento

     para estudar o comportamento humano, a livre-associação, que consiste em trazer oinconsciente para o consciente para conhecer o funcionamento da vida psíquica. Ateoria psicanalítica surgiu da observação sistemática de pacientes e da interpretaçãodos dados oferecidos pelos mesmos durante as sessões. A psicanálise evoluiu como

    sistema teórico, buscando a compreensão de toda motivação e personalidadehumanas, e não apenas como um método de tratamento. Como sistema teórico,

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    caracteriza-se pela interpretação, isto é, busca o significado oculto daquilo que émanifesto por ações, palavras, representações, sonhos, delírios e atos falhos.Enfatizou o entendimento dos impulsos instintivos para compreender o outro, assimcomo o estudo da aprendizagem social que, muitas vezes, pode reprimir os impulsos

    instintivos (fazer desaparecer da consciência uma representação insuportável e/oudolorosa), que irá resultar em frustração e conflitos íntimos.A mente foi dividida em três instâncias com características especificas

    -  o id , o ego  e o superego.  O id representa as percepções internas (pensamentos,sentimentos), as sensações (prazer-desprazer) e os instintos latentes de sobrevivênciae destruição. O ego controla os instintos, representa a razão e o senso comum;

     procedem do ego as percepções externas (percepções sensoriais: luz, cor,movimento), planejamentos e decisões. O superego por sua vez, encerra amoralidade, as forças restritivas e proibitivas dos instintos básicos, representando asexigências sociais e culturais (FREUD, 1856-1939).

    Percepção

    A percepção foi definida como um processo psíquico, ativo edinâmico, que permite a elaboração, a interpretação e a significação das informações

     provenientes de estímulos externos (DEMBER; WARM, 1990). Ao perceber,infere-se instantânea e inconscientemente a natureza dos estímulos, produzindo umaresposta ou conduta que depende da experiência anterior de quem percebe, sendoinfluenciada pela motivação  e pela emoção. Segundo os autores, a motivaçãocompreende impulsos fisiológicos primários (fome, sede e dor), impulsos adquiridosou sociais (necessidade de alcançar metas e prestígio social) e impulsos derivados do

    medo e da ansiedade (defesa). A motivação permite extrair a informação suficiente para classificar um estímulo como relevante ou irrelevante, gratificante ouameaçador.

    A emoção possibilita a valoração positiva ou negativa de umasituação, determina as ações, isto é, participa da percepção de situações vividas e do

     planejamento das reações ao meio. A emoção caracteriza-se por súbitas rupturas doequilíbrio afetivo, produz reações fisiológicas e psicológicas de curta duração queinfluenciam na percepção, na aprendizagem e no desempenho, estando ligada aosinstintos e à sobrevivência, permitindo a expressão de afetos básicos de amor e ódio(DEMBER; WARM, 1990).

    JUNG (1991) diferenciou a percepção ativa da passiva. A primeira é

    vista como um processo pelo qual a pessoa aprende conscientemente por si mesma e por motivação própria um conteúdo e o assimila a outros já disponíveis. A segunda éum processo pelo qual um novo conteúdo impõe-se de fora (pelos sentidos) ou dedentro (a partir do inconsciente) à consciência, forçando a atenção e a apreensão.Para o autor, a sensação é uma percepção consciente e a intuição uma percepçãoinconsciente. A sensação e a intuição são consideradas funções fundamentais que secompensam mutuamente, como o pensamento e o sentimento.

    O pensamento, o sentimento, a sensação e a intuição são funções psicológicas fundamentais que existem em todas as pessoas, com o predomínio deuma delas, constituí-se um tipo psicológico determinado. O  pensamento permite acompreensão da natureza do mundo e de si mesmo; está ligado a critérios lógicos e

    objetivos. O sentimento, por seu turno, é um estado afetivo intimamente relacionadocom a emoção, contudo mais duradouro e atenuado; valoriza as coisas para cada

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     pessoa, no sentido de aceitá-las ou não. O sentimento concede a experiência de prazer ou dor, alegria ou tristeza, raiva, medo ou amor. A sensação  transmite osestímulos físicos percebidos do mundo objetivo ou subjetivo, produzindo fatosconcretos ou representações. A intuição transmite as percepções por intermédio do

    inconsciente, em termos de experiência passada, objetivos futuros e processosinconscientes, além dos fatos, sentimentos e idéias. Assim, o pensamento e osentimento são funções sociais, pois usam a razão e a generalização, enquanto asensação e a intuição são funções inconscientes, uma vez que se baseiam na

     percepção do concreto, do particular e do acidental (JUNG, 1991).A percepção resulta da elaboração introspectiva de experiências

    conscientes relacionadas com sensações, imagens e sentimentos (AURELL, 1994).O modelo perceptual proposto pelo autor distingue entre o estímulo externo, que

     produz sensações objetivas na consciência sensorial, e a memória, que permite aelaboração de imagens subjetivas na consciência cognitiva. Juntos, pensamentosensorial e cognitivo formam a percepção.

    Existem três tipos de pensamento, o sensorial, o emocional e ocognitivo que se manifestam na consciência como sensação, sentimento e imagem,respectivamente (AURELL, 1994). Os estímulos externos transformam-se emsensações, as quais, independentemente da vontade, são registradas na memória,constituindo, então, as representações ou imagens. Essas imagens ou representações

     permitem a interpretação dos objetos: (1) identificação, (2) classificação, (3)categorização e (4) significação.

    Compreender o próprio mundo pessoal é indispensável para acompreensão do outro. A percepção científica permite analisar as causas e oscondicionamentos das condutas, pondo-se no lugar do outro, levando ao realismo, àcompreensão, à união, à identidade e à autenticidade. Toda percepção deve selibertar de preconceitos, tabus, afetividades e paixões, para estabelecer um contato

     profundo de pessoa para pessoa na intimidade e na autenticidade do ser(CHIAPPIN, 1998).

    O estudo da percepção permite compreender o homem em todas assuas expressões, as visíveis (comportamento), as invisíveis (sentimentos), assingulares (porque somos o que somos) e as genéricas (por que somos assim). A

     percepção é a síntese singular e individual que cada pessoa vai constituindoconforme seu próprio desenvolvimento. É o mundo das idéias, significados eemoções, construído internamente pelo sujeito a partir de suas relações sociais, desuas vivências e de sua constituição biológica (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA,

    1999). O processo da percepção vai desde a recepção do estímulo pelosórgãos dos sentidos até a atribuição de significado a esse estímulo (BOCK;FURTADO; TEIXEIRA, 1999). A partir da percepção do outro, organizam-seinformações relacionadas com os afetos (positivos ou negativos) e desenvolvem-seações (favoráveis ou desfavoráveis) em relação às pessoas e aos objetos percebidos.Tais ações são denominadas atitudes ou comportamentos e possibilitam a relaçãocom o ambiente. A percepção de um acontecimento do mundo externo ou do interno

     pode ser constrangedora, dolorosa ou desorganizadora. Para evitá-las, a pessoa deixade registrar tais eventos e afasta determinados conteúdos psíquicos, utilizandomecanismos de defesa elaborados de maneira inconsciente e independente da

    vontade.

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      Esses mecanismos podem ser explicados como uma forma de proteçãodo ego contra conteúdos indesejáveis que suprimem ou dissimulam a percepção do

     perigo interno, em função de perigos reais ou imaginários (FREUD, 1988). Taismecanismos são utilizados constantemente na vida cotidiana, permitindo a proteção e

    a defesa. O uso desses mecanismos não é patológico, mas distorce a realidade;somente a sua conscientização permite ver a realidade como ela é.Os principais mecanismos de defesa são o recalque ou  a repressão,

    que é a supressão de uma parte da realidade; o ego impede que desejos, sentimentose impulsos insuportáveis atinjam a consciência; a  formação reativa, isto é, umaatitude inaceitável impedida de se tornar consciente pela adoção de umcomportamento oposto; por exemplo, a superproteção (esconde um desejo agressivointenso) (DALLY; HARRINGTON, 1978;  FREUD, 1986). A regressão, que consiste em retornar às etapas anteriores no desenvolvimento; a  projeção, que  é aatribuição no outro, de sentimentos e desejos próprios; o indivíduo projeta algo de sino mundo externo e não percebe o que foi projetado como algo seu que é

    indesejável; a racionalização, que é a formulação de um argumento intelectualmenteconvincente e aceitável que justifica um mecanismo de defesa (DALLY;HARRINGTON, 1978; FREUD, 1986).

    A percepção é um processo psicológico indispensável ao conhecimentoque permite à pessoa receber, assimilar e processar informações da realidade objetiva esubjetiva por meio de imagens mentais que as representam (MIRANDA-SÁ Jr., 2001).Fazem parte da percepção as sensações, as motivações e as qualidades afetivas, volitivase intelectivas da personalidade, portanto, a capacidade perceptiva depende da integridadedo organismo, das circunstâncias e do estado psicológico.

    A afetividade é uma estrutura psicológica que elabora e manifesta aemoção, agradável ou desagradável, das experiências pessoais relacionadas com asatisfação ou a insatisfação das necessidades. Por sua vez, as necessidades sãoconsideradas a tendência natural que estimula a pessoa a praticar um ato ou a buscaruma determinada categoria de objetos, podendo ser naturais e sociais, diferenciadas,respectivamente, da seguinte maneira: concretas (necessidade de abrigo, utensílios,ferramentas) e abstratas (afirmação, amor, dignidade, justiça e estética)(MIRANDA-SÁ JR., 2001).

    A teoria psicofisiológica, considera a percepção como o resultado do processamento central de informações externas (HICK, 1999). Os objetos percebidos pelos órgãos dos sentidos produzem dados que são processados porestruturas neuronais. As informações resultantes vinculam-se à consciência,

    interpretando assim, a realidade. A imagem perceptiva, também conhecida comorepresentação, é o reflexo na consciência da síntese das características de um objetoreal.

    O mundo dos objetos percebidos não é único nem verdadeiro paratodas as pessoas, é diferente para cada uma e, depende da experiência anterior, dasnecessidades, das emoções e dos sentimentos (HICK, 1999). Essa realidade

     perceptual permite a comunicação entre as pessoas e o entendimento mútuo ou proporciona espaços para diferenças. O autor ressaltou que diferentes realidadesconstituem diferentes formas de percepção e de escolha, não são intelectualmenterígidas, tendem ao enriquecimento mútuo e dispõem-se à comunicação. Ao concluir,assegura que a experiência e o conhecimento estão estruturados na percepção, sendo,

    abertos a modificações e distantes da objetividade absoluta.

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    Relação Paciente-Aluno-Profissional

    A relação paciente-profissional foi descrita como uma interação entreduas pessoas,sendo que uma delas, enfrentando situações de sofrimento e perda e, a

    outra, supõe-se, qualificada e disposta a detectar esses problemas e outros,encobertos por mecanismos de defesa (LERNER; PEIXOTO; Von EYE, 1983).Para os autores, no primeiro encontro do profissional com o paciente tem início ovínculo terapêutico, ocasião em que se espera que o paciente encontre no profissionaluma pessoa receptiva, disposta a escutá-lo e a ajudá-lo a buscar a solução aos seus

     problemas. Para que exista essa receptividade, é preciso que o profissional mostresolidariedade com o problema do paciente. Embora esta atitude nem sempre sejainerente ao profissional, é indispensável que se conscientize de tal situação e treineessa atitude. Se não entender adequadamente o paciente e não perceber, em simesmo, sentimentos negativos ou mecanismos de defesa, automaticamente aterapêutica não surtirá o efeito esperado. Portanto, para que o vínculo seja efetivo, éfundamental que o profissional, além de identificar e tratar os problemas físicos saibaescutar, respeitar, compreender, perceber e interpretar a linguagem não-verbal do

     paciente (sentimentos, gestos e comportamentos), e dessa maneira, elucidar overdadeiro significado do que lhe é transmitido.

     No contexto da relação paciente-profissional, indicou-se que a palavra“profissional” abranja os integrantes de várias equipes de saúde que estabelecem umaação de reciprocidade com o paciente, o qual, por sua vez, é co-construtor doencontro terapêutico (SOAR Fi, 1998). Esse encontro ressaltou o autor não é apenasum processo isolado entre duas pessoas, mas uma interação entre profissional dasaúde, paciente, família e instituição. Nessa relação, o profissional deve

     progressivamente, compreender o significado que a doença adquire tanto para o paciente quanto para sua família, visando estabelecer uma relação de confiança ecooperação entre as partes que permita a superação das vicissitudes do tratamentocom base na motivação e na disposição consciente. Tal interação, mediada porreações emocionais, pressupõe o estabelecimento de limites e determina as funções aserem exercidas pelos membros da relação.

    Entre as reações emocionais que influem na interação entre o pacientee o profissional, foram destacadas a regressão e manifestou que, diante da doença, dodesconhecido, de situações estressantes, de tensão emocional e, principalmente,frente à dor e às deficiências, é normal que as pessoas reajam com algum grau deregressão, isto é, retornem a modos de sentir, de pensar e de agir próprios às fases

    infantis do desenvolvimento (SOAR Fi, 1998). Nesse sentido, a pessoa doente eseus familiares têm necessidade de quietude e apoio. Entretanto, por falta de preparoou de amadurecimento pessoal, é freqüente que o profissional assuma uma atituderepreensiva e autoritária, por meio da qual busca, por sua vez, lidar com seus

     próprios sentimentos de ansiedade frente ao sofrimento e aos riscos de fracasso. Paraesse autor, nos processos de adoecimento e de tratamento não há padrões rígidos deconduta, apenas a possibilidade de que o profissional mantenha-se disposto e treineum conjunto de atitudes que possam contribuir para o estabelecimento de uma boainteração entre as partes.

    A relação paciente-profissional é um instrumento terapêutico utilizado para fazer com que o primeiro coopere tanto quanto possível com o tratamento

    (TÄHKÄ, 1988). A capacidade de utilizar o potencial terapêutico desserelacionamento como parte do tratamento foi considerada por muito tempo um dom

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    especial; hoje, essa habilidade é amplamente analisada e entendida como umrequisito que conduz à eficácia da terapia. Portanto, recomendou o autor, o alunodeverá aprender, desde a Graduação, a se conhecer para evitar, até onde for possível,que seus preconceitos perturbem essa relação; procurará saber abordar os assuntos

     para conseguir informações suficientes em tempo razoável e precisará doconhecimento e da motivação suficientes para criar um relacionamento paciente- profissional favorável com crianças, idosos, pacientes crônicos, terminais ou problemáticos.

    Em relação às qualidades indispensáveis ou desejáveis para o bomexercício da profissão, foram destacadas (TÄHKÄ, 1988): (1) adquirir e manteratualizados tanto os conhecimentos quanto as habilidades técnicas; (2) priorizar oconforto do paciente relacionando-se com ele com empatia e respeito; (3)desenvolver a capacidade de escutar e observar tudo o que concerne ao paciente; (4)

     perceber e aceitar as próprias limitações como profissional da saúde e como pessoa e(5) evitar que os conflitos pessoais sejam utilizados para fortalecer a própria auto-

    estima ou satisfazer necessidades alheias à profissão.Foram propostos quatro modelos para a interação paciente-

     profissional (VEATCH, 1972). No modelo sacerdotal, o profissional assume uma postura paternalista, a tomada de decisão é baseada em uma relação de dominação esubmissão. No modelo engenheiral, o profissional proporciona todas as informaçõesao paciente, transferindo-lhe todo o poder de decisão. Caracteriza-se por uma atitudede acomodação do profissional e de dominação do paciente. No modelo colegial, o

     poder é compartilhado igualitariamente entre o paciente e o profissional. No modelocontratualista, o profissional é responsável pela tomada de decisões, mas o paciente

     participa desse processo, exercendo seu poder, conforme seus valores e preferências.Levando em conta os valores e a autonomia do paciente, foram

    descritos quatro modelos da relação paciente-profissional (EMANUEL;EMANUEL, 1992). No modelo paternalista, o paciente recebe a melhor terapêutica

     para o seu bem-estar e a sua saúde. Considera-se que a autonomia do pacienteconsiste em dar seu consentimento para as determinações do profissional. Nomodelo informativo, o profissional fornece ao paciente todas as informaçõesrelevantes em relação à doença, à terapêutica, aos riscos e benefícios, para que possaselecionar, conforme seus valores, a intervenção a ser executada. Entende-se porautonomia do paciente o controle que exerce na tomada de decisões. No modelointerpretativo, o profissional atua como um consultor, esclarecendo e interpretandoas informações, bem como instituindo a intervenção médica escolhida pelo paciente.

     No modelo deliberativo, o profissional atua como um professor ou um amigo,respeitando os valores do paciente, sugerindo e discutindo com ele todos os assuntosrelacionados com a terapia. A autonomia do paciente consiste na evolução moral porintermédio do diálogo. Apesar de indicar este último modelo como ideal, os autoresconsideraram justificável a utilização dos outros modelos em determinadascircunstâncias clínicas.

    As percepções e os sentimentos dos pacientes, mostram aos profissionais aspectos da assistência que devem ser revistos e corrigidos(DELBANCO, 1992). Em seu trabalho descreveu algumas estratégias que, segundoos pacientes, se instituídas desde a primeira avaliação, podem contribuir para ofortalecimento da interação paciente-profissional e, conseqüentemente, melhorar a

    qualidade do cuidado. São elas: (1) respeito pelos valores, preferências enecessidades do paciente; (2) comunicação e educação; (3) cuidado multidisciplinar;

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    (4) conforto físico; (5) suporte emocional e alívio do medo e da ansiedade; (6)envolvimento da família e (7) continuidade do vínculo preestabelecido. Para oestabelecimento dessas estratégias é conveniente que, desde os primeiros anos deformação, o aluno aprenda a fazer perguntas, a convidar os pacientes para o diálogo,

    a ensinar o paciente e a estabelecer uma interação construtiva com ele. Dessamaneira, concluiu o autor, o profissional aproxima-se do paciente, fortalece suaimagem, melhora a qualidade do cuidado e adiciona satisfação à sua atuação

     profissional.Muito embora os profissionais da saúde trabalhem diariamente com as

    dimensões da pessoa, tais como sentimentos, crenças, valores, aspirações e objetivos,a compreensão que têm de si mesmos e dos outros é, em geral, inconsciente eintuitiva (REMEN, 1992),. Com relação aos aspectos psicológicos dos

     profissionais, o autor destacou que os mesmos também experimentam dúvida quantoà própria competência e questionam-se quanto à sua segurança. Qualquer ameaça aessa segurança tende a provocar irritação e frustração, emoções que são geralmente

    negadas ou minimizadas, dificultando suas resoluções e inibindo seu crescimentocomo pessoa e como profissional.

    O respeito, a sinceridade e a empatia são considerados qualidadesessenciais para o exercício profissional (ROBERTO et al., 1996). A empatia éentendida como a capacidade de escutar e compreender o paciente, facilitando aexpressão das sensações e de seus sentimentos. O comportamento empático do

     profissional tem relação direta com a plena satisfação do paciente, satisfação essaque o influencia a ter uma atitude saudável.

    Determinar as características ideais de um bom cirurgião-dentista esaber como ele concebe a relação paciente-profissional foi o objetivo do estudo emquestão (KULICH; RYDÉN; BENGTSSON, 1998), quando entrevistaram 64cirurgiões-dentistas suecos com idade entre 30 e 70 anos e exercício profissional,variando de dois e 44 anos. Em relação às características do profissional, oquestionário incluía as seguintes categorias e subcategorias, respectivamente: (1)relações pessoais (atitudes frente aos pacientes e aos colegas; empatia; capacidade decomunicação); (2) habilidades clínicas (capacidade de diagnosticar; aliar a melhorterapêutica aos recursos do paciente; conhecimento teórico; experiência; destreza;

     precisão e rapidez) e (3) outras habilidades (confiança em si próprio; capacidade detolerar altos níveis de estresse; conhecimento administrativo). As respostas obtidasdos questionários foram classificadas em uma escala de três pontos, sendo: (1) muitoimportante; (2) relativamente importante e (3) pouco importante. Em seguida, os

     pesquisadores quantificaram e analisaram os dados estatisticamente. Conforme osresultados, os profissionais consideraram a empatia, a autoconfiança, as habilidadesclínicas e a capacidade de comunicação como características desejáveis e muitoimportantes, enquanto as demais categorias foram classificadas pelos entrevistadoscomo relativamente importantes.

     Na mesma pesquisa, foi identificada a autoconfiança e a tolerânciacomo características essenciais para exercer a profissão, e salientaram que o sucessodo tratamento depende da satisfação do paciente, sob os pontos de vista médico,

     psicológico e financeiro (KULICH; RYDÉN; BENGTSSON, 1998). Contudo,referiram que tais resultados não conseguiram revelar as manifestações próprias dosentrevistados quanto às características ideais de um bom cirurgião-dentista. Os

    autores ressaltaram a importância de fortalecer essas características no aluno, visto

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    que atualmente tem aumentado o interesse de alguns profissionais em atender pacientes que requerem maior atenção e cuidado.

    Em relação ao tratamento odontológico, foi indicado que vem a possibilitar o estabelecimento de uma relação de dependência entre o paciente e o

     profissional, determinada pelo desempenho deste último (MORAES; ONGARO,1998). Ver o paciente exclusivamente como um problema de saúde bucal ou comoum conjunto de dentes intensificará a ansiedade do paciente e sua não-adesão aotratamento. Assim, apontaram como principal característica do relacionamento

     profissional a valorização do paciente no desenvolvimento do tratamento, que tem por objetivo o bem-estar das pessoas, não se resumindo tão-só a um procedimentotécnico.

    Em todo momento surgem conflitos originários de uma atitude não bem compreendida ou, até mesmo, inesperada. Portanto, o profissional da saúdedeve saber lidar com pessoas e estar preparado para decodificar, decifrar e perceber osignificado da mensagem que o paciente envia e, depois, estabelecer um plano de

    tratamento adequado e coerente com as necessidades daquele indivíduo (SILVA,1998). O autor observou que a maior parte das questões realmente importantes eíntimas das pessoas não é verbalizada, devendo, pois, o profissional perceber e saberinterpretar o comportamento daquele que está sob seus cuidados.

    Todo processo diagnóstico ou terapêutico, depende da confiança, dacolaboração, do reconhecimento do sofrimento do paciente e da responsabilidade

     pela promoção da sua saúde, considerando-o não apenas sob o ponto de vista biológico, mas em sua integridade física, psíquica e social (CAPRARA; FRANCO,1999). Além do suporte técnico e do diagnóstico, é necessário conhecer a realidadedo paciente e ouvir-lhe as queixas, estabelecendo com ele uma relação empática e

     participativa.A comunicação é um dos aspectos mais relevantes na relação

     paciente-profissional e, é pela comunicação, que o profissional encoraja as pessoas amanifestarem seus problemas, obtém informações relevantes e, ao mesmo tempo, o

     paciente sente-se confiante em relação ao cuidado que lhe está sendo dispensado(BLINKHORN; KAY, 1999). Para o êxito na comunicação, os autores apontaramcomo indispensável desenvolver a capacidade de escuta ativa, isto é, verificar oentendimento entre as partes, identificar as idéias do outro, pensar no que está sendodito e, no que isso significa controlar as emoções e nunca interromper o interlocutorou mostrar-se pretensioso.

    Para uma adequada relação paciente-profissional, convém que o

    aluno conheça a Ética do cuidado que se fundamenta não apenas em promover o pensamento e o comportamento éticos, mas em desenvolver sensibilidade moral(capacidade de reconhecer um problema ético), motivação moral (determinar

     prioridades), e caráter moral (coragem, persistência e destreza). Segundo Branch(2000), a Ética do cuidado compreende e exigem características essenciais aocomportamento profissional, como atenção, honestidade, paciência, respeito,lealdade e sensibilidade. Desta maneira, a Ética do cuidado permite ao alunoconhecer-se a si mesmo, assim mesmo, direciona suas ações, facilitando aaplicação de outros princípios, tais como a beneficência, a autonomia e a justiça nocuidado do paciente.

    Para favorecer a relação paciente-profissional e, conseqüentemente, o

    exercício da profissão, é importante que os anos de formação acadêmica proporcionem ao aluno a possibilidade de prosseguir em seu amadurecimento

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     pessoal, fomentando tanto o desenvolvimento cognitivo (leitura e pensamentocrítico) quanto à capacidade de defrontar-se com incertezas, resolver problemas eavaliar evidências. Deve incentivar o desenvolvimento de mecanismos de ajuda paraque o estudante possa enfrentar as dificuldades pessoais, bem como propiciar a

    existência de bons modelos de identificação profissional (professores) que o auxiliema aperfeiçoar as qualidades necessárias à identidade profissional (OSÓRIO; SOARFILHO, 2003).

    As qualidades que devem ser inculcadas no aluno incluem aspectos profissionais e da personalidade, imprescindíveis ao desenvolvimento de atitudesdesejáveis para o desempenho da atividade profissional: (1) empatia: capacidade decompreender o outro, seu sofrimento, suas angústias, sem se confundir com ele; (2)continência: capacidade de tolerar, dentro de si, todos os pensamentos esentimentos que o paciente possa expressar durante o atendimento (choro, raiva,dúvidas, fantasias, etc.), sem retaliações; identificar a origem desses sentimentos eajudar o paciente a elaborá-los; (3) escuta e curiosidade: questionamento

     permanente dos próprios valores e crenças, bem como das próprias hipótesesdiagnósticas; a escuta demonstra o interesse do profissional para com o paciente;(4) humildade:  reconhecer as limitações humanas e profissionais, bem comorespeitar as diferenças, verdades e crenças dos outros e (5) comunicação: estabelecer nexos comunicativos verbais com o paciente, perceber e compreender acomunicação corporal do mesmo, interagindo com ele, nesse nível (OSÓRIO;SOAR FILHO, 2003).

    A relação paciente-profissional é única e singular, depende de fatoresindividuais, como o perfil emocional tanto de um quanto de outro, do vínculoestabelecido entre ambos, do tipo e do grau da patologia do paciente, dos aspectossocioeconômicos e culturais, entre outros. Portanto, é importante promover, durantea Graduação, o conhecimento desses fatores e a reflexão sobre a atuação do

     profissional de saúde, desenvolvendo empatia, continência, comunicação, respeito econsideração, sensibilidade, amor à verdade e solidariedade (ZIMERMAN, 2003).

    Pessoas com necessidades especiais 

    Definições

    Com o objetivo de estabelecer critérios que visem à descrição deestados funcionais associados à saúde, e permitam sua utilização, em todos os níveis

    do conhecimento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu, em 2001,a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) edefiniu os conceitos de deficiência, incapacidade e limitação como seguem:

    a) deficiência:  qualquer perda ou anormalidade, transitória oudefinitiva, da função e da estrutura corporal, incluindo a ocorrência de uma anomalia,defeito ou perda de um órgão, de um tecido ou de qualquer estrutura corporal,inclusive das funções mentais;

     b) incapacidade:  toda restrição ou perda (causada por umadeficiência) da habilidade para realizar uma atividade considerada normal para uma

     pessoa, entendendo a incapacidade como uma dificuldade no desempenho pessoal;c) limitação é a conseqüência de uma deficiência que impede a

     participação em atividades sociais e/ou culturais, bem como em atividades própriasda faixa etária ou do gênero.

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      A OMS também definiu os termos: funções corporais, como funçõesfisiológicas dos sistemas corporais, inclusive psicológicas; estruturas corporais referem-se às partes anatômicas - órgãos, extremidades e seus componentes -;atividade,  como a execução de uma tarefa ou ação;  participação, diz respeito ao

    envolvimento em situações da vida diária. Determinou que a palavra “deficiência”deve ser considerada apenas como uma expressão de um estado de saúde, pois nãonecessariamente indica que a doença esteja presente ou que o portador deva serconsiderado doente (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2001).

     No mesmo ano, a instituição admitiu o uso dos termos incapacidade,deficiência,  pessoas com incapacidade  ou  pessoas com deficiências  para se referiràquelas que enfrentam alguma limitação ou restrição funcional permanente oudefinitiva, ressaltando, ainda, que essa denominação não pretende rotular, masdescrever as características de saúde dessas pessoas e a relação das mesmas com oambiente. Foi destacado que a incapacidade existe independentemente dos termosutilizados para defini-la, não se constituindo, pois, um problema, sua denominação,

    mas as atitudes das demais pessoas e da sociedade em relação à deficiência.O Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que dispõe sobre a

     política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência, no artigo 4.º Ido capítulo I; determina que, uma pessoa é portadora de deficiência, quando seenquadra nas seguintes categorias (BRASIL, 1999):

    - deficiência física: alteração completa ou parcial de uma ou mais partes do corpo, comprometendo a função física, excluindo desta categoria asdeformidades estéticas e as que não produzem dificuldades para o desempenho defunções;

    - deficiência auditiva: perda parcial ou total das possibilidades auditivassonoras;

    - deficiência visual: perda parcial ou total da acuidade visual;- deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente

    inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duasou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal,habilidades sociais;

    - deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências.A deficiência  pode ser conceituada como uma limitação funcional

    causada por distúrbios físicos, mentais ou sensoriais, que além de afetar a vida das pessoas, pode resultar em co-morbidades e morte (WALDMAN; PERLMAN,1997). Definiram ainda a incapacidade  como a perda ou a privação de

    oportunidades para fazer parte da vida normal de uma sociedade em condições deigualdade devido a barreiras físicas e sociais.Os pacientes com necessidades especiais são pessoas com deficiências

    físicas, mentais, neurológicas ou sociais, de caráter transitório ou permanente(SCULLY; KUMAR, 2003). Em decorrência dessas condições, os pacientesapresentam maior suscetibilidade a distúrbios odontológicos passíveis de provocaralterações sistêmicas e, conseqüentemente, comprometer ainda mais a sua qualidadede vida.

    As crianças com necessidades especiais constituem uma populaçãoheterogênea que inclui uma grande variedade de deficiências do desenvolvimento edoenças crônicas que podem se apresentar isoladas ou simultaneamente. Enquanto a

    maioria das crianças recebe a maior parte da assistência médica de um único provedor e é educada em ambientes escolares regulares que não exigem

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    modificações, aquelas com necessidades especiais requerem cuidados de váriosespecialistas de assistência médica que interagem com outros profissionais(terapeutas, nutricionistas, psicólogos, etc.) e precisam de adaptações especiais emseu ambiente escolar e social. Portanto, a detecção precoce de doenças crônicas e

    das conseqüências funcionais de incapacidades específicas, bem como a prevençãode deficiências psicossociais secundárias são fundamentais para a assistência dascrianças portadoras de necessidades especiais (NEEDLMAN, 1997).

    Os pacientes com necessidades especiais, portadores de deficiênciasou pacientes de alto risco são aqueles que, devido a condições crônicas, distúrbioscomportamentais, emocionais ou do desenvolvimento, requerem maior assistência doque a população em geral (McPHERSON et al ., 1998). Explicaram o risco como

     biológico e ambiental. O primeiro relacionado com a presença de patologias oudeficiências fisiológicas que podem aumentar a probabilidade de desenvolver umacondição crônica no futuro, e o segundo, concernente a aspectos sociais eeconômicos (pobreza absoluta, falta de assistência social, crianças abusadas e

    negligenciadas), os quais, igualmente, aumentam a probabilidade de desenvolverdistúrbios físicos, comportamentais, emocionais e do desenvolvimento. Os autoresreconheceram esta definição ampla, mas também inclusiva, pois demonstra acomplexa relação existente entre doença, deficiência e ambiente. Na opinião deles,entender essa complexidade exige a identificação das populações de risco e a tomadade medidas que minimizem tais riscos.

    Classificações

    Os portadores de necessidades especiais de acordo com as áreas

    comprometidas pela patologia, podem ser classificados em (MUGAYAR, 2000):a. desvios da inteligência: retardo mental; b. defeitos físicos:

    - sistema nervoso central: paralisia cerebral; acidente vascularcerebral; doença de Parkinson;

    - sistema neuromuscular: distrofia muscular progressiva; miasteniagrave;

    - sistema musculoesquelético: artrite; escoliose; osteogêneseimperfeita;

    - malformações congênitas: mielomeningocele ou espinha bífida;c. defeitos congênitos: distúrbios decorrentes de anormalidades

    cromossômicas; mutações genéticas;d. desvios comportamentais: disfunção cerebral; medo; ansiedade; birra; timidez; agressividade; autismo;

    e. desvios psíquicos: neuroses; psicoses; esquizofrenia;f. deficiências sensoriais e de audiocomunicação: visuais e da

    audiocomunicação;g. doenças sistêmicas crônicas: hemopatias; cardiopatias; nefropatias;

     pneumopatias; transtornos convulsivos; neoplasias; AIDS;h. doenças endócrino-metabólicas: distúrbios no funcionamento das

    glândulas hipófise; tireóide; paratireóide; supra-renal; hipofunção do pâncreas(diabetes mellitus);

    i. desvios sociais: favelados; alcoólatras; toxicômanos; asilados; j. estados fisiológicos especiais: gestantes e pacientes geriátricos.

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      Os pacientes com necessidades especiais de acordo com a origem dalimitação, suas características e necessidades podem ser classificados (WEBER;OLIVEIRA; HELLWIG, 2004):

    a. distúrbios comportamentais:

    - conduta: birra, agressividade;- distúrbios psiquiátricos: neuroses; psicoses; dependênciaquímica;

     b. deficiências físicas:- traumáticas: paraplegia, politrauma, pacientes queimados,

    maltratados;- sensoriais: visuais, auditivas, fonéticas;- congênitas: uso de talidomida; rubéola;- deficiências causadas por síndromes e distúrbios genéticos;- síndrome de Down; síndrome de Turner; disostose

    cleidocraniana;

    c. deficiências sistêmicas:- endócrinas e metabólicas: diabetes mellitus;

    hipo/hiperparatiroidismo;- cardiocirculatórias: arritmias, endocardite bacteriana, infarto

    agudo do miocárdio, distúrbios da condução;- renais: síndrome neufrótica, insuficiência renal crônica,

    glomerulonefrite;- musculoesqueléticas: distrofia muscular; raquitismo;- neurológicas: paralisia cerebral; epilepsia; acidente vascular

    cerebral;- neoplásicas: linfomas; carcinomas; sarcomas;- imunológicas: deficiências imunológicas: AIDS;- dermatológicas: herpes; psoríase;- gastrintestinais: esofagite; refluxo;- reumatológicas: artrite reumatóide; lúpus eritematoso;- infectocontagiosas: varicela, sarampo; sífilis; tuberculose;

    d. deficiências poligênicas: fissura labial e palatina;e. outras, incluindo senilidade, gravidez e rádio/quimioterapia.

    Deficiências do desenvolvimento neuropsicomotor

    As condições cognitivas, emocionais ou fisicamente incapacitantesque aparecem na primeira ou na segunda infância e, estão diretamente relacionadascom o desenvolvimento, a maturação, a função sensorial ou motora anormal e queresultam em atrasos no desenvolvimento normal da infância são conhecidas comodeficiências do desenvolvimento (MOURADIAN; CORBIN, 2003).

    As condições crônicas presentes no nascimento que se manifestamantes dos 18 anos de idade, limitando tanto a saúde física e mental quanto acapacidade de aprender, de comunicar-se e de se cuidar, são denominadasdeficiências do desenvolvimento neuropsicomotor. A maioria das pessoas

     portadoras dessas deficiências precisa de cuidado e suporte assistencial durante todaa vida (CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2004).

    Fazem parte das deficiências do desenvolvimento neuropsicomotor oretardo mental, a paralisia cerebral, o autismo e outros distúrbios neurológicos, entre

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    eles distúrbios da percepção visual, auditiva e da comunicação, condições que semanifestam antes dos 18 anos de idade e persistem indefinidamente, constituindouma limitação substancial no desempenho (CRESPI; FERGUSON, 1987).

    Dentre as deficiências do desenvolvimento neuropsicomotor, foram

    destacados o retardo mental, a  paralisia cerebral  e o autismo, a seguir descritos(CAMP; KOZLESKI, 1997; DALTON; FORMAN, 1997; FENICHEL, 1995;SHONKOFF, 1997).

    O  retardo mental  caracteriza-se por limitações no desempenho quecomprometem significativamente a inteligência e o comportamento adaptativo,conferindo uma condição social que resulta ainda mais incapacitante que o próprioretardo mental. A origem neurobiológica do retardo mental encontra-se em fatorestais como malformações estruturais do cérebro (anomalias genéticas), anormalidadesmetabólicas e deficiências do sistema nervoso central associadas a infecções(citomegalovírus, toxoplasmose, vírus de imunodeficiência humana), desnutrição,distúrbios cromossômicos (trissomias) ou lesão hipoxicoisquêmica. A

     psicopatologia dos pais, a pobreza e a desorganização familiar extrema, a disfunçãodo relacionamento criança-responsável e o abuso de substâncias psicotrópicas pelos

     pais também têm sido identificados como fatores contributivos à patogenia doretardo mental, que afeta aproximadamente 6% da população. Nos indivíduosafetados, o desempenho intelectual apresenta-se significativamente abaixo da média(quociente de inteligência - QI < 70), podendo ser leve, moderado e profundo.Crianças com retardo mental profundo podem apresentar comprometimentoacentuado de suas habilidades psicomotoras. No retardo moderado, odesenvolvimento motor pode ser normal, mas é possível o comprometimento da fala.Já quando o retardo for leve, pode não ser percebido antes da admissão escolar.

    O diagnóstico exige confirmação da função intelectual abaixo damédia e deficiências em duas ou mais áreas de habilidade adaptativa: comunicação,autocuidado, vida social, saúde e segurança, desempenho acadêmico, lazer etrabalho.

    O tratamento é multidisciplinar e individualizado. Os pais da criançadevem ser informados sobre o que se conhece da natureza e as possíveis causas daincapacidade; o profissional deve identificar áreas de relativa competência ecomportamentos adaptativos, fornecer apoio emocional e trabalhar juntamente com afamília na formulação de estratégias para tratamento adicional e prevenção dedistúrbios associados, sejam leves ou severos, como convulsões, deficiêncianeurossensorial progressiva e distúrbios nutricionais, entre outros.

    Embora a maioria dos mecanismos patogênicos do retardo mental sejadesconhecida, certos distúrbios podem ser detectados por meio de estudosdiagnósticos pré-natais, ultra-sonografia ou amniocentese, permitindo, assim, atomada de decisões sobre as opções de intervenção pré-natal. Entretanto, o principalesforço para evitar o retardo mental deve ser direcionado à promoção dodesenvolvimento cerebral sadio, proporcionando um ambiente favorável aocrescimento.

    Paralisia cerebral é o termo clínico utilizado para descrever qualquercondição crônica caracterizada por alterações no funcionamento motor e na postura,secundárias a lesões não-progressivas no cérebro em desenvolvimento; pode estarassociada a retardo mental e a distúrbios sensoriais e da fala (DARWIS; MESSER,

    2001). De acordo com a deficiência motora predominante, a paralisia cerebral pode ser:

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      a. espástica: caracteriza-se por restrição nos movimentos devido àhipertonicidade muscular;

     b. hipotônica ou atávica: representa qualquer distúrbio na coordenaçãoda marcha, podendo ser pura ou associada com espasticidade;

    c. atetóide: caracterizada por movimentos lentos e involuntários dosmembros, podendo ocorrer isoladamente ou associada à coréia (movimentos rápidos,repetitivos e migratórios).

    Segundo a distribuição, pode ocorrer:a. tetraplegia: paralisia nos membros superiores e inferiores, associada

    a profundo retardo mental; b. diplegia: maior comprometimento nos membros inferiores do que

    nos superiores;c. hemiplegia: um lado, direito ou esquerdo, envolvido;d. paraplegia: somente os membros inferiores comprometidos;e. triplegia: três membros afetados.

    A etiologia da paralisia cerebral é multifatorial, destacando-se, entreas possíveis causas: hipoxia intra-uterina, sangramento intra-uterino, infecções,malformações congênitas, complicações obstétricas, infecções neonatais,hipoglicemia neonatal, trauma e algumas síndromes genéticas.

    O desempenho intelectual entre os afetados pela paralisia cerebral pode ser normal. Estimulando o desenvolvimento emocional, pessoal e social é possível que essas pessoas consigam ser independentes.

     Autismo é  um distúrbio do desenvolvimento associado a anomalias nafunção e na estrutura cerebral que se desenvolve antes dos 30 meses de idade,caracterizado pelo comprometimento da comunicação verbal e não-verbal, daatividade imaginativa e das interações sociais recíprocas. Movimentos corporaisestereotipados, acentuada necessidade de uniformidade, interesses específicos e

     preocupação com partes do corpo e acessos de fúria, quando há quebras de rotina,também são freqüentes. A criança que desenvolve este distúrbio psicológico éretraída, apresenta um comportamento ritualístico, refletindo a necessidade de manterconstantemente um ambiente previsível. O contato ocular é mínimo ou ausente.Devido aos distúrbios de linguagem e socialização é difícil obter uma estimativa

     precisa do potencial intelectual dos autistas (KLEIN; NOWAK, 1998).Apesar de não estar totalmente esclarecida a etiologia do autismo,

    entre as causas foi sugerido que disfunções no sistema nervoso central eanormalidades cromossômicas aumentam a incidência de autismo em populações

    afetadas por problemas perinatais; também foi associado à lesão cerebral e a fatores psicogênicos. Em relação ao tratamento, diferentes abordagens terapêuticas têm sidoempregadas com resultados limitados, destacando-se entre elas, a terapiacomportamental (reforço positivo), visando controlar o comportamento destrutivo, aauto-agressão e o retraimento social. Os afetados, principalmente aqueles capazes defalar, podem ter comportamentos limítrofes e serem auto-suficientes, porém isoladosda comunidade. O melhor prognóstico está associado à maior inteligência. Ossintomas freqüentemente se modificam com a idade; as convulsões e ocomportamento autodestrutivo tornam-se mais freqüentes com o tempo(SURABIAN, 2001).

    Os resultados do Censo Demográfico de 2000 indicaram que, no

    Brasil, aproximadamente 24,5 milhões de pessoas (14,5% do total da população)apresentam algum tipo de deficiência. Nesses resultados são considerados

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     portadores de deficiência, as pessoas que têm alguma dificuldade permanente paraouvir, ver ou locomover-se ou com alguma deficiência física ou mental, assim sendodistribuídos: deficiência visual, 48,1%; deficiência motora, 22,9%; deficiênciaauditiva, 16,7%; deficiência mental, 8,3% e deficiência física, 4,1% (INSTITUTO

    BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2000).O investimento em suporte à saúde dessas pessoas é muito alto. Deacordo com o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (2004), somenteem 2003 os Estados Unidos investiram US$ 11,2 bilhões, exclusivamente no suporteà saúde de pessoas com paralisia cerebral, o que justifica a necessidade de seinstituirem medidas preventivas que diminuam o desenvolvimento das deficiências edos distúrbios secundários ou as co-morbidades.

    Abordagem para o tratamento odontológico

    A maioria dos pacientes com necessidades especiais tem condições dereceber atendimento em ambiente ambulatorial, sendo necessários conhecimentoscientíficos e técnicos suficientes para o manejo dos problemas que afetam esses

     pacientes (TOLEDO; BEZERRA, 1989). Na primeira visita, além da anamnesecuidadosa, é importante estabelecer uma relação de confiança entre as partes,conhecer a história médica, identificar o tipo de deficiência, observar ocomportamento do paciente, da família e o relacionamento entre ambos. No final da

     primeira visita os familiares devem ser informados a respeito do estado da saúde do paciente e da conduta a ser instituída, ressaltando-se que a cooperação familiar e dosdemais profissionais que cuidam do paciente é indispensável para o sucesso dotratamento odontológico.

    Os pacientes com necessidades especiais podem ser atendidos sob osmesmos padrões estabelecidos para o tratamento odontológico dos demais pacientes. No entanto, fatores individuais, tais como a capacidade de cooperação e deaprendizagem, o comprometimento sistêmico e as necessidades odontológicas devemser levados em consideração. Apesar das limitações físicas, sensoriais ou mentais, amaioria dos pacientes apresenta-se cooperativa com o tratamento e com o

     profissional; todavia, alguns deles podem resistir e manifestar seu medo comdiferentes reações (fuga, choro, gritos). Nesses casos é importante que o profissionalmantenha o equilíbrio emocional (autocontrole e autoconfiança) e saiba aplicartécnicas específicas para controlar o comportamento, garantindo, assim, o manejoadequado do paciente e o sucesso do tratamento odontológico (GUEDES-PINTO,

    1997; TOLEDO; BEZERRA, 1989).Segundo, As técnicas psicológicas utilizadas em Odontopediatria parao controle do comportamento podem ser aplicadas em pacientes com deficiências(PINKLAM, 1996). Os objetivos dessas técnicas são diminuir o medo e aansiedade, orientar verbalmente o paciente para manter, modificar ou suprimir umcomportamento e estabelecer uma relação de confiança entre o profissional, o

     paciente e seus familiares, promovendo uma atitude positiva em relação à saúde bucal.

    A  American Academy of Pediatric Dentistry (2003a)  assim se posicionou com relação às principais técnicas que podem ser empregadas paracontrolar o comportamento em pacientes resistentes e combativos:

    a. modular o tom da voz: utilizar comandos curtos e claros,compreender as expressões faciais e facilitar o contato físico são técnicas que

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     permitem captar a atenção do paciente, obter sua cooperação, evitar comportamentosnegativos e estabelecer uma comunicação efetiva;

     b. “dizer-mostrar-fazer”: familiariza o paciente com o consultório e aequipe odontológica, incluindo explicações prévias a determinados procedimentos,

    demonstrações e execução daquilo que foi explicado, empregando, para aplicar estatécnica, uma linguagem clara que possa ser facilmente entendida pelo paciente;c. reforço positivo: é utilizado para aumentar a freqüência de um

    comportamento, com reforço verbal ou social; o comportamento do paciente érecompensado por meio de elogios, manifestações de afeto (abraços) ou prêmiossimbólicos no final do atendimento.

    Essas técnicas não têm contra-indicações, mas sua aplicação dependedo desenvolvimento físico e psicológico do paciente e, principalmente, daexperiência, da capacitação e da personalidade do profissional que as aplica.

    Em determinados casos, outros métodos, como a contenção  física ouquímica,  podem ser utilizados para controlar o comportamento do paciente

    (GUEDES-PINTO, 1997; MUGAYAR, 2000). Na contenção  física  utilizam-sefaixas, lençóis, ataduras e outros dispositivos para envolver o paciente, restringindo amovimentação dos seus membros. Este método é aplicado principalmente em

     pacientes pediátricos cujos movimentos involuntários ou retardo mental profundoimpedem o posicionamento na cadeira odontológica. A técnica é bem aceita pelos

     pacientes. Em geral aqueles sem movimentos involuntários, que no início recebiama contenção, passam a se posicionar na cadeira a partir da terceira ou quarta sessão,colaborando efetivamente com o profissional. Antes da aplicação deste método,informações detalhadas devem ser oferecidas à família do paciente, ressaltando que acontenção física não é uma medida disciplinar ou uma conveniência para a equipeodontológica, mas uma técnica auxiliar que favorece a execução do tratamento.

    A contenção química é a administração de medicamentos para alterare controlar o nível de consciência, a coordenação motora, o grau de ansiedade e os

     parâmetros psicológicos; inclui a sedação e a anestesia geral. A sedação consciente produz um estado de depressão ou de consciência mínima (CREEDON, 1995). O paciente conserva a via aérea pérvia e a ventilação adequada sem necessidade deequipamentos específicos, respondendo a estímulos físicos ou comandos verbais.Para a aplicação deste método, o profissional deve conhecer o agente a ser utilizado,dominar a técnica de administração, estar treinado nas técnicas de ressuscitação edispor de serviços móveis de emergência médica.

    Conforme a  American Society of Anesthesiologists (ASA) (2004),

    somente os pacientes que, após a avaliação física sejam considerados saudáveis(ASA I) ou que apresentem uma alteração sistêmica leve, causada pela condição aser tratada ou por outros processos fisiopatológicos (ASA II), podem ser submetidosà sedação consciente na prática geral. Todavia, em pacientes com retardo mental

     profundo, comprometimento sistêmico significativo ou transtornos psiquiátricosseveros, tal método é contra-indicado. Esses pacientes devem ser atendidos emambiente hospitalar e sob anestesia geral.

     Nos casos de insucesso no manejo e no controle do paciente por meiode métodos convencionais ou frente à necessidade de um tratamento complexo emum período de tempo menor, reduzindo o número de visitas, deve ser considerada a

     possibilidade de realizar o tratamento odontológico sob anestesia geral em ambiente

    hospitalar. O método consiste em induzir, por meio de medicamentos (anestésicos,analgésicos e relaxantes musculares), a perda da sensação dolorosa e da consciência

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     pela depressão do sistema nervoso central. O uso de anestesia geral está indicado para pacientes com retardo mental profundo, transtornos psiquiátricos severos enecessidades de tratamento odontológico acumuladas em pacientes com doençassistêmicas graves ( AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRIC DENTISTRY,

     2003b; CREEDON, 1995).A decisão, quanto ao uso da sedação consciente ou da anestesia geral baseia-se na avaliação prévia do comportamento do paciente, na capacidade demodificar um determinado comportamento, na extensão do tratamento, naresponsabilidade da família, na viabilidade econômica de soluções alternativas e

     principalmente, na comparação risco/benefício em relação ao estado fisiológico do paciente, este último determinado pela história médica cuidadosa e pelo exame físicorecente (CREEDON, 1995; GUEDES-PINTO, 1997).

    Qualquer que seja o método escolhido para controlar ocomportamento do paciente e, antes de sua aplicação, tanto o paciente quanto seusfamiliares ou responsáveis devem ser informados em relação ao uso desses métodos.

    Do paciente, quando possível, ou de seus familiares, deve-se obter, por escrito, oconsentimento para a utilização dos mesmos. É indispensável informar a família emtermos claros e concisos, a respeito dos riscos e benefícios de cada técnica, osmotivos para sua aplicação e os métodos alternativos disponíveis. Todas asinformações devem ser registradas meticulosamente na ficha do paciente, incluindohistória médica pregressa, avaliação física pré e pós-operatória, procedimentos,orientações, prescrição de medicamentos, bem como a existência do Termo deConsentimento Livre e Esclarecido (AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICDENTISTRY, 2003a; CREEDON, 1995; GUEDES-PINTO, 1997; SURABIAN,2001).

    Percepções em relação á Odontologia parapacientes com necessidades especiais

    Um estudo quantitativo, por meio de questionários, para determinar seos cirurgiões-dentistas estão dispostos e preparados para tratar pessoas comdeficiências (STIEFEL; SHAFFER; BIGELOW, 1981). Participaram dessetrabalho 573 profissionais vinculados à Associação Odontológica de Washington(Estados Unidos), incluindo 442 generalistas, 27 cirurgiões bucomaxilofaciais, 42odontopediatras e 62 profissionais com outras especialidades. Entre os participantes,os cirurgiões bucomaxilofaciais (100%) e os odontopediatras (97%) asseguraram ter

    disposição e experiência suficiente no manejo desses pacientes; a prática hospitalar eo curso de Pós-Graduação, respectivamente, proporcionaram-lhes a oportunidade detratar pacientes portadores de diversas condições, incluindo comprometimentosistêmico e psiquiátrico. Quanto aos generalistas, somente 20% manifestaram-sedispostos a tratar desses pacientes, demonstrando que a disponibilidade e o interessedos profissionais dependem da experiência prévia e do tipo de deficiência do

     paciente. Assim, os autores observaram que o contato com esses grupos populacionais desde a Graduação é indispensável para o exercício futuro da profissão, pois daquela experiência depende a disposição, a capacidade e o interessedos cirurgiões-dentistas para tratar populações vulneráveis.

    Determinar se a prática clínica influi na confiança, nas percepções e

    nas atitudes de alunos em relação aos pacientes com deficiências foram os objetivosdesse estudo (ÚDIN; KUSTER, 1986) com 42 alunos do último ano da Faculdade

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    de Odontologia de Nebraska (Estados Unidos), os quais assistiram a 16 horas deaulas teóricas sobre deficiências do desenvolvimento. Na primeira parte do estudo,os pesquisadores utilizaram um questionário com oito itens aos quais os alunosresponderam “sim” ou “não”. As respostas foram avaliadas conforme a escala de

    Likert modificada, designando números (5 e 1) para as respostas afirmativas e paraas negativas, respectivamente; os resultados, analisados estatisticamente, mostraramque os alunos sentem-se inseguros e pouco motivados em relação a tais pacientes.

    Para a segunda parte dessa pesquisa os mesmos 42 alunos participaram de uma experiência clínica que incluía o atendimento a crianças eadolescentes com retardo mental, deficiências físicas e transtornos psiquiátricos(ÚDIN; KUSTER, 1986). No terceiro dia da experiência, os alunos foramnovamente entrevistados. Os pesquisadores, então, compararam as respostas obtidase concluíram que, após a experiência clínica, os acadêmicos mostraram-se maisconfiantes. Todavia, ressaltaram que o instrumento utilizado nesse estudo avaliou asatitudes, mas não foi apropriado para determinar as percepções dos pesquisados. Os

    autores afirmaram que a insegurança dos alunos está associada à inexperiência.Recomendaram, então, a inclusão de práticas clínicas durante a Graduação paramelhorar tanto o exercício profissional quanto o paciente e sugeriram a realização deoutros estudos, incluindo instrumentos que permitam conhecer as percepções dosentrevistados.

    Em uma pesquisa, foi avaliado se o preparo (qualificação e motivação)de cirurgiões-dentistas vinculados a instituições governamentais é adequado paraatender às necessidades odontológicas de pessoas com deficiências e se a experiência

     prática influencia na capacidade do profissional para suprir essas necessidades(STIEFEL; TRUELO5VE; JOLLY, 1987). Participaram dessa pesquisa 300cirurgiões-dentistas de Washington (Estados Unidos) que responderam a umquestionário com questões relacionadas ao nível de conhecimento, à experiência nomanejo de deficiências específicas, ao interesse e à motivação para atender esses

     pacientes. Nas respostas, agrupadas por categorias (alta experiência, baixaexperiência ou nenhuma experiência), consideraram cirurgiões-dentistas com altaexperiência aqueles que asseguraram atender mais de 20 pacientes com deficiências

     por ano. Dentre os participantes, 80% sentiram-se pouco capacitados edesinteressados em tratar essas pessoas; desses, 9% admitiram não ter nenhuma

     preparação e 90% manifestaram interesse em adquirir maior conhecimento paraatender de forma adequada às necessidades dos pacientes. Os autores concluíramque, o conhecimento e o contato com esses pacientes, deve começar na Graduação,

     para sensibilizar e conscientizar o aluno; assim, no futuro, será capaz de responder àsnecessidades dessas pessoas, o que favoreceria tanto a relação paciente-profissionalcomo a saúde pública.

    As dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiências dodesenvolvimento e suas famílias para a obtenção de cuidados odontológicosadequados, devem-se, principalmente, a insuficiências na educação odontológica,que resultam em profissionais pouco capacitados para manejar e tratar esses

     pacientes (CRESPI; FERGUSON, 1987). Foram apontados, igualmente, comoobstáculos na consecução de serviços odontológicos, as dificuldades de transporte, as

     barreiras físicas, o medo, a pouca motivação, a falta de informação ou a negligênciaem relação à saúde bucal por parte da família ou das instituições que os acolhem.

     No intuito de conhecer as opiniões e as condutas de cirurgiões-dentistas em relação aos serviços odontológicos para crianças portadoras de

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    deficiências, um estudo foi realizado por meio de questionários enviados a 114generalistas da cidade de Newcastle (Inglaterra) (NUNN; MURRAY, 1988). Dosrespondentes, 47,9% atendiam um, no máximo dois pacientes por mês, os demais

     participantes encaminhavam os pacientes para outros colegas. Dentre os

     profissionais que receberam aulas práticas na área (37,5%), 19% foram a favor decursos de Pós-Graduação para os colegas sem experiência clínica; esses, por sua vez,informaram que preferem encaminhar os pacientes para instituições especializadasou realizar o tratamento sob anestesia geral. Além disso, 29% dos entrevistadosressaltaram falhas por parte das instituições governamentais para prover e incentivarnos profissionais o cuidado odontológico dessas crianças.

     No mesmo trabalho, afirmaram os autores que os profissionais queconstituem uma equipe atendem mais crianças com deficiências do que aqueles quedesempenham atividades individualmente; a assiduidade do tratamento depende doconhecimento ou da experiência prévia com tais grupos, assim como do tipo dedeficiência apresentado (NUNN; MURRAY, 1988). Asseguraram que se os

    estudantes de Odontologia tivessem contato com esses pacientes desde a Graduação,facilmente desenvolveriam uma atitude positiva em relação à pessoa comdeficiências. Somente com mais e melhor qualificação, tanto na Graduação quantona Pós-Graduação, será possível evitar os sentimentos percebidos nesse estudo, istoé, rejeição pela Odontologia para pessoas com deficiências, concluíram os autores.

    Em relação ao cuidado odontológico de populações especiais,especificamente de pessoas com deficiências do desenvolvimento, notou-se anecessidade de incluir no currículo, tanto da Graduação como da Pós-Graduação, nãoapenas bases teóricas, mas aplicações práticas (ALBUM, 1990). A falta deexperiências clínicas interessantes e motivadoras durante a Graduação, faz com que o

     profissional enfrente, mais tarde, grandes dificuldades que resultam em rejeição,frustração e apatia, principalmente quando os pacientes apresentam problemasclínicos maiores. Portanto, os alunos precisam ser apropriadamente qualificados emotivados a participarem ativamente dos serviços que tratam esses pacientes, poisassim, aprenderão a considerar em primeiro lugar o paciente e depois a deficiência.

     Na opinião do autor, somente o profissional qualificado poderá destruir os mitos emrelação às pessoas com deficiência física ou mental, estará preparado para responderàs dúvidas dos familiares, se mostrará sensível, acessível e interessado pelasinformações relacionadas ao paciente.

    Em relação ao ensino, observou-se que, embora existam algumasfaculdades que exijam de seus alunos alcançar certo grau de competência com

     pacientes portadores de deficiências, incapacidades e infecções, o número dessasinstituições ainda é pequeno (FRIEDMAN, 1990). Conseqüentemente, os pacientessão permanentemente reencaminhados devido à falta de instrução, habilidade clínicalimitada e conhecimento insuficiente por parte dos profissionais. Por essa razão, oautor questiona: “Será que o objetivo da Odontologia é capacitar o aluno pararealizar procedimentos clínicos apenas em pessoas saudáveis?”.  Desse modo,manifestou a importância de reavaliar os conceitos e as estratégias educacionais paradeterminar como está sendo desenvolvido o ensino em relação ao paciente comnecessidades especiais, ressaltando, ainda, a necessidade de que o profissional seconscientize como tal e assuma com responsabilidade seu papel na sociedade, isto é,

     proporcionar o tratamento adequado para todos os pacientes, evitando conflitos ou

     preconceitos pessoais.

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      Os objetivos da educação odontológica para o atendimento do paciente com deficiências do desenvolvimento são: (1) sensibilizar o aluno comrelação às necessidades desses pacientes; (2) facilitar práticas clínicas suficientes, asquais permitam ao estudante aplicar o conhecimento teórico adquirido às técnicas de

    manejo e ao planejamento do tratamento, este último baseado principalmente, na prevenção e na reabilitação (FERGUSON; BERENTSEN; RICHARDON, 1991).Os autores consideraram que tais experiências clínicas durante a Graduação sãoessenciais para que o acadêmico aprenda a dominar suas ansiedades e incertezas,desenvolva consciência social, habilidades e confiança no manejo dos pacientes.

    Questionários foram utilizados para conhecer as opiniões decirurgiões-dentistas de Londres (Inglaterra) a respeito da educação e do treinamento

     prático em Odontologia para pacientes especiais (SOTO ROJAS; CUSHING,1992). Dos 365 questionários enviados, 246 (67,4%) foram respondidos, sendo que,70% indicaram como relevante o a capacitação prática em Odontologia para

     pacientes especiais e 98% manifestaram seu particular interesse em participar de

    métodos de ensino e linhas de pesquisa na área. Também, expuseram a necessidadede instrução, na Graduação e na Pós-Graduação, pois apenas cursos de educaçãocontinuada estão disponíveis nessa área.

    Os problemas odontológicos nas pessoas com deficiências não sãodiferentes daqueles das saudáveis, mas essas deficiências proporcionam condiçõesadicionais possíveis de afetar a qualidade de vida das mesmas (WALDMAN;PERLMAN, 1997). Embora tenha sido demonstrada a necessidade de um serviçoodontológico específico para tais pacientes, ainda existem algumas dificuldades: (1)na prática privada, nem todos os consultórios dispõem da infra-estrutura necessária

     para oferecer um atendimento adequado; (2) geralmente os dentistas não fazem partede equipes multidisciplinares de atendimento, sendo, muitas vezes, relegados a umsegundo plano ou, simplesmente, omitidos; (3) as faculdades de Odontologiafreqüentemente não incluem nos seus programas práticas clínicas, suficientes eadequadas, no manejo de pessoas com deficiências. Os autores salientaram anecessidade de maiores investimentos tanto econômicos como educacionais na área,

     principalmente na Odontologia para adultos com deficiências, já que as crianças emgeral são atendidas por odontopediatras.

    Para conhecer as experiências, as percepções e, as dificuldades emrelação à disponibilidade de serviços odontológicos, foi realizado um estudodescritivo qualiquantitativo, por meio de entrevistas aos administradores de 82instituições londrinas que acolhem pacientes com retardo mental associado a

    distúrbios físicos, sistêmicos e psiquiátricos (PRATELLI; GELBIER, 1998). Os participantes responderam (sim-ou-não) a um questionário e relataram suasexperiências em relação aos serviços odontológicos oferecidos. As entrevistasrevelaram que, provavelmente por falhas educativas, alguns profissionais mostramatitudes negativas e pouca sensibilidade, principalmente no relacionamento com o

     paciente: “Tratam dentes, mas não pessoas”. Destacaram ainda, a importância quetem para o sucesso do tratamento, a comunicação constante e clara entre paciente-

     profissional-responsável. Os pesquisadores concluíram que, na percepção dosadministradores, a oferta de serviços é suficiente, porém o profissional não parececapacitado para manejar esses pacientes, mostra-se intimidado e receoso. Comoresultado, os pacientes resistem ao tratamento e o mesmo não é finalizado.

    Os cirurgiões-dentistas não atendem pessoas com deficiências pelasseguintes razões (WALDMAN; PERLMAN; SWERDLOFF, 1998): (1)

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    insuficiente qualificação, tanto na Graduação quanto na Pós-Graduação, o que resultaem profissionais pouco preparados e desinteressados em tratar desses pacientes; (2) odeslocamento dos pacientes até os locais de atendimento é difícil e exige grandesdespesas; (3) as limitações financeiras; (4) a ignorância e/ou a negligência em

    relação à saúde bucal, tanto das instituições que os acolhem como dos pais e/ouresponsáveis; (5) esses pacientes alteram a rotina do consultório, requerem tempoadicional, que não é remunerado e, por último, podem assustar ou perturbar osdemais pacientes. Os autores recomendaram como objetivos da qualificação