Revista 20Mack. 20Arte 20carla 20milani 2008

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 [ 81 ] Resumo: Este artigo trata da idéia de esteticismo, procurando  primeirmente um a definição na história e sua definição na teoria estética de Walter Benjamin. O conceito parece relacionado a uma definição polí- tica negativa, embora seja possível encontrar aberturas que possibilitem a ampliação do conceito ou algumas exceções que mostrem sinais positivos deste. Palavras-chave: Esteticismo; decadentismo; art-nouveau; política; Sexualidade. Abstract: The present article deals with the idea of aestheticism, searching at first for a historical meaning and as a concept in Walter Benjamin aesthetical theory. This concept seems to be linked to a political negative strict definition in his theory, although it is possible to find gaps, which enable us to enlarge the concept or to find some exceptions that show us a positive aspect of it. Keywords:  Aesthetic ism; decadent; art- nouveau; politics; sex uality. T odos reconhecem a preferência de Benjamin pelas  vanguarda s artísticas e o cuidado político deste ao separá-las (por exemplo, ao separar o surrealismo e o dadaísmo do futurismo italiano 1 ). Sabe-se também das ten- tativas de Benjamin para “salvar” determinadas expressões artísticas, como, por exemplo, o drama barroco alemão, con- sideradas inferiores na comparação estabelecida com outros estilos e gêneros segundo o entendimento classicista de arte. ESTETICISMO , POTI CA E SEXU AL ID ADE: UMA EXCEÇÃO À CRÍTICA DE BENJAMIN  AO ESTETICISMO  A ESTHETICISM, PO LITICS AN D GE ND ER :  AN EXCEPTION IN THE CRITIC BY BENJAMIN TO THE AE STHETICISM Carla Milani Damião* * Doutora em Filosofia; Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofi a, Letras e Educação (FFLE), Universidade Presbiteriana Mackenzie. e-mail: [email protected] 1 – No ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, ao criticar a estetização da política, Benjamin cita a impregnação da política pelo decadentismo do poeta italiano Gabriele D’Annunzi o (1863-1938), partidário da intervenção italiana na 1ª Guerra Mundial. Critica principal- mente o autor do Manifesto Futurista, Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), do qual cita trechos, analisando-os como um expressivo docum ento que reúne a guerra e a técnica sob a perspectiva este- tizante, cujo resultado seria a “forma mais perfeita da art pour l’art” . Revista Mack. Arte 11/8/05 06:34 PM Page 81

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    Resumo: Este artigo trata da idia de esteticismo, procurandoprimeirmente uma definio na histria e sua definio na teoria estticade Walter Benjamin. O conceito parece relacionado a uma definio pol-tica negativa, embora seja possvel encontrar aberturas que possibilitem aampliao do conceito ou algumas excees que mostrem sinais positivosdeste.

    Palavras-chave: Esteticismo; decadentismo; art-nouveau; poltica;Sexualidade.

    Abstract: The present article deals with the idea of aestheticism,searching at first for a historical meaning and as a concept in WalterBenjamin aesthetical theory. This concept seems to be linked to a politicalnegative strict definition in his theory, although it is possible to find gaps,which enable us to enlarge the concept or to find some exceptions thatshow us a positive aspect of it.

    Keywords: Aestheticism; decadent; art-nouveau; politics; sexuality.

    Todos reconhecem a preferncia de Benjamin pelasvanguardas artsticas e o cuidado poltico deste aosepar-las (por exemplo, ao separar o surrealismo e odadasmo do futurismo italiano1). Sabe-se tambm das ten-tativas de Benjamin para salvar determinadas expressesartsticas, como, por exemplo, o drama barroco alemo, con-sideradas inferiores na comparao estabelecida com outrosestilos e gneros segundo o entendimento classicista de arte.

    ESTETICISMO, POLTICA E SEXUALIDADE:UMA EXCEO CRTICA DE BENJAMINAO ESTETICISMO

    AESTHETICISM, POLITICS AND GENDER:AN EXCEPTION IN THE CRITIC BYBENJAMIN TO THE AESTHETICISM

    Carla Milani Damio*

    * Doutora em Filosofia; Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Educao(FFLE), Universidade Presbiteriana Mackenzie. e-mail: [email protected]

    1 No ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica, ao criticar a estetizao dapoltica, Benjamin cita a impregnao da poltica pelo decadentismo do poeta italiano GabrieleDAnnunzio (1863-1938), partidrio da interveno italiana na 1 Guerra Mundial. Critica principal-mente o autor do Manifesto Futurista, Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), do qual cita trechos,analisando-os como um expressivo documento que rene a guerra e a tcnica sob a perspectiva este-tizante, cujo resultado seria a forma mais perfeita da art pour lart.

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  • Para isso, Benjamin afirma a necessidade de entender a forma artstica que se considera como insuficiente, o que s pos-svel rompendo com certos preconceitos da classificao estilstica e da avaliao esttica (BENJAMIN, 1996, p. 239),procurando denominaes especiais para o perodo.

    Na seo intitulada Drama barroco e tragdia (Trauerspiel und Tragdie), Benjamin (ano) critica fortemente as teoriasde teor classicista, chamando-as de presunosas ao darem a entender a possibilidade de escrever tragdias clssicas forado contexto da antigidade grega. Seu alvo maior a obra do jovem Nietzsche, o Nascimento da tragdia. Essa crtica, emgeral, est relacionada questo do esteticismo.

    Recomendo a leitura das consideraes feitas por Ernani Chaves (2003, p. 191-202) a respeito da circunstncia hist-rica que leva Benjamin a eleger e criticar essa obra de Nietzsche. No entender de Chaves, a crtica de Benjamin seria dis-pensvel diante da prpria autocrtica que Nietzsche faz dessa obra posteriormente. O que se revelava importante naque-le momento era o confronto com as interpretaes sobre a obra de Nietzsche que lhe tomavam o pressuposto da justificaoesttica da existncia e do mundo como justificativa para estetizao da vida, fenmeno evidente na Repblica de Wei-mar, que conduziu idia de estetizao da poltica.

    Pode-se notar que o termo esteticismo aparece na maioria dos escritos de Benjamin como uma espcie de acusaoaos que dele se utilizam ou aos quais Benjamin atribui o esteticismo. Ao efetuar a filiao do esteticismo com a polticafascista ou a arte afeita ao elogio da guerra, Benjamin tem em Adorno um continuador. O termo esteticismo, no entanto,merece um esclarecimento pelas diferentes conotaes e renomeaes que sofreu a partir dos sculos XVIII e XIX.

    Em sentido amplo, a idia de esteticismo relaciona-se com a idia da arte pela arte, de beleza pura e de hedonismoesttico. Nessas denominaes, enxerga-se uma pseudo-esttica ou uma deformao do sentido de esttica.

    Benedetto Croce, por exemplo, identifica diferentes formas de hedonismo esttico: a mais antiga concebe o belo como aqui-lo que agradvel aos olhos e ouvidos, um belo visceral, sentido que no excluiria, em seu entender, a culinria como umaforma esttica. A segunda forma seria a teoria do jogo como hedonismo esttico. A arte seria o primeiro jogo do homem, que,alis, s por esse meio pode se tornar subtrado da causalidade natural e mecnica. O terceiro sentido associa prazer da arte esexualidade. Nessa associao, tratada de maneira anedtica, haveria o prazer de vencer e triunfar. Sem optar pela concepoutilitrio-moralista de esttica, Croce condena as trs formas enunciadas como deformadoras do significado de esttica.

    A crtica s falsas estticas, ao hedonismo, bem como ao utilitarismo, tema comum nos primeiros tratados e manuaisde esttica, sendo a palavra esteticismo raramente empregada nesse contexto.

    Mais recentemente um autor como Terry Eagleton, em seu livro A ideologia da esttica (1993), procura pensar na ambi-gidade do surgimento da esttica e de suas definies no contexto do pensamento alemo do sculo XVIII com Baum-garten. A esttica, diz Eagleton (1993, p. 19), nasceu como uma mulher, subordinada ao homem, mas com suas tarefashumildes e necessrias a cumprir. Subordinadas razo lgica masculina, como uma espcie de anlogo feminino darazo no nvel mais baixo da vida das sensaes (EAGLETON, 1993, p. 19). Sua funo ser de organizar logicamenteaquilo que aparece de modo confuso por meio das sensaes. Sem desprezar os conceitos estticos com pedigree histri-co, como diz Eagleton, cumpre notar que o surgimento da disciplina esttica no momento histrico do final do sculo XVIIItem caractersticas prprias, ao mesmo tempo em que participa da constituio ideolgica da burguesia. Pelo sentido pura-mente histrico, sem preconceitos, a esttica um conceito burgus que se associa, de maneira indita, constituio deum tipo peculiar de sujeito. A ambigidade apontada por esse autor, portanto, subentende de um lado a promessa de eman-cipao e liberdade relativa constituio do sujeito que organiza logicamente os impulsos do corpo e, de outro, a convi-vncia com a dominao poltica.

    Nessa interpretao, no h um peso de acusao ao termo estetizao, posto que a prpria esttica aparece como con-ceito forjado de maneira ambgua e perigosa no contexto da poltica. Benjamin no utiliza o conceito de esttica no sen-tido criado por Baumgarten, como cincia do belo, e por isso, no se trata, para ele, de um conceito aprisionado ao con-texto histrico do surgimento da esttica como disciplina ou cincia. O lado negativo ideolgico ser tratado pelo termoesteticismo ou estetizao.

    Um sculo depois do surgimento da esttica por Baumgarten, o esteticismo aparece associado ao simbolismo e ao decaden-tismo, movimentos marcadamente relacionados sexualidade pelo tema da androgenia. O movimento ingls conhecido comoIrmandade Pr-Rafaelita, fundado em 1848, a raiz do decadentismo que se desenvolver no final do sculo XIX, sendo pos-teriormente absorvido por toda Europa em parte pelo design e pela decorao. Esse movimento, cuja inspirao terica provm

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  • de John Ruskin, professor e crtico de arte, tinha uma fundamentao voltada para os valores sociais, ou seja, no se reduzia aaspectos decorativos; artisticamente queriam recuperar a simplicidade da pintura medieval, anterior ao pintor renascentistaRafael. O tema da pintura e da androgenia reaparece com Oscar Wilde (1969) em O retrato de Dorian Gray, seu nico roman-ce, unido idia da pessoa como objeto de arte, uma espcie de estetizao do sujeito. Se algum rastrear as influncias rece-bidas por Wilde, chegaria no tentadora comparao deste com Nietzsche, mas indiretamente, por meio de Walter Pater, como classicismo alemo. Pater (1995) dedica um captulo de seu livro sobre o Renascimento a Winckelmann, vendo neste o lti-mo fruto da Renascena e o pano de fundo do classicismo de Goethe, sem ter alcanado a mesma representatividade. ComoPater, Wilde v na arte a estrutura da percepo do mundo (cf. PAGLIA, 1992, p. 473). O personagem de Dorian Gray umaespcie de fonte para o estudo do perodo, ao mesmo tempo, como objeto de contemplao e de decadncia. A decadncia damentira, ttulo de outro escrito de Wilde (1969), no qual h uma subjugao da moral esttica, ser analisado mais adiante.

    As denominaes de decadentes e simbolistas so amplas o bastante para inclurem discpulos de Baudelaire ao escri-tor alemo Stefan George. O jovem Andr Gide tambm includo na ltima gerao dos simbolistas franceses. StefanGeorge recebeu as mais duras crticas de Adorno, a quem este atribui uma falsa conscincia social. Suas palavras, dizAdorno, so reconhecidas como arranjo decorativo. J Benjamin, no menos crtico, ao contrrio, estabelece uma asso-ciao curiosa entre Baudelaire e Stefan George. A Baudelaire dedica muito de sua ateno e interesse, como se sabe. Nofinal do artigo que escreveu sobre Stefan George (BENJAMIN, 1996, p.144-148), diz que Stefan George encontra-se nofim de um movimento espiritual iniciado por Baudelaire. Um finalizador repressor do que existia de ldico no movimen-to. Mais do que uma admisso irritada da importncia do poeta alemo, Benjamin (1996) despreza o estilo de George,que torna secundrio o contedo e se assemelha ao art nouveau, ou seja, diz ele (BENJAMIN, 1996, p. 145):

    o estilo com o qual a burguesia procura dissimular o pressentimento da prpria fraqueza, entregando-se, em todas as esfe-ras, a devaneios csmicos, malbaratando [...] a palavra juventude que emprega como se fora uma frmula mgica [...].

    O art-nouveau (Jugendstil, em alemo) visto s pelo aspecto decorativo, para Benjamin (1996), uma tentativa impo-nente e inconsciente de regresso.

    Crtica semelhante aparece no ensaio sobre a obra de arte, no qual Benjamin (1996, p. 169) ironiza as teorias queinterpretam o cinema com grandiloqncia, ao passo que esse deveria ser visto em seu lado destrutivo, como a liquida-o do valor tradicional do patrimnio da cultura.

    Nesse mesmo ensaio, Benjamin prognosticou categorias diferentes para a avaliao esttica que possam, por um lado,perceber alteraes na forma artstica e represent-las e, por outro, servir como uma espcie de divisor de guas poltico. o tema da politizao da arte que s pode se dar a partir do estabelecimento de uma nova avaliao das condies depercepo e de seu contrrio, a estetizao da poltica, sendo esta uma espcie de verniz cultural que reveste como meroadorno a propaganda fascista, utilizando-se de classificaes estticas recuperadas de maneira deformada da Antigidadegrega. Por um lado, a mudana de percepo decorre da mudana de experincia (Erfahrung), por outro, h uma urgnciado apelo poltico para que a arte possa manter sua dimenso seno libertadora, educadora do corpo coletivo social, viaA recepo do filme que inclui o modo positivo de recepo da distrao (Zerstreuung).

    A crtica de Benjamin dirigida ao esteticismo passa por diferentes enfoques histricos e polticos, dentre os quais pode-se identificar: (1) a crtica noo de smbolo em contraste com a de alegoria dirigida tanto ao classicismo goetheano (etambm do romantismo) quanto reapropriao dessa noo pelo realismo lukacsiano; (2) o esteticismo, cujo lema o daarte pela arte, ao qual se une o estilo decorativo do art-nouveau ou Jugendstil; (3) o esteticismo adaptado vulgarmentepela elite do poder fascista, criticado pelo aspecto monumental e decadente que apresenta.

    Aps essas breves consideraes, gostaria de tratar aqui de uma exceo crtica benjaminiana do esteticismo seguin-do o terceiro enfoque. Seus ensaios mais radicais e engajados na luta contra a estetizao da poltica escritos no perododo exlio na Frana, tendo em vista aqueles a quem, nesse momento, chama de escritores fascistas, foram inicialmentemuito estudados, amenizados e mesmo evitados posteriormente.

    Num desses artigos, Andr Gide und sein neuer Gegner (Andr Gide e seus novos adversrios), Benjamin (G.S. III) fazuma referncia ao esteticismo provindo de Oscar Wilde como sendo a mesma semente da qual teriam brotado dois fru-tos opostos: o jovem Andr Gide moldado pelas crticas de Wilde moral burguesa e Thierry Maulnier, um intelectual

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  • fascista. A oposio entre esses dois escritores frutos da mesma semente wildeana; os apelos exaltados do perodo do ex-lio de Benjamin em Paris e o antagonismo estetizao da poltica e politizao da arte presentes no ensaio sobre a obrade arte so os limites que se procura transpor ao indicar o significado do fruto wildeano positivo, o escritor Andr Gide,como um exemplo no qual esteticismo, poltica e sexualidade so reunidos positivamente.

    Inicia-se pela data do artigo acima citado, Andr Gide e seus novos adversrios, de 1936 (BENJAMIN, G.S. III, p. 482)e pelo contexto poltico desse tumultuado perodo.

    A palestra proferida por Benjamin no Instituto para o Estudo do Fascismo, em Paris, em 27 de abril de 1934, intitula-da O autor como produtor, insere-se dramaticamente nesse contexto desde sua epgrafe: Trata-se de ganhar os intelec-tuais para a classe trabalhadora, fazendo com que se conscientizem quanto identidade entre as suas preocupaes espi-rituais e as suas condies de produtores. Uma citao do crtico literrio, intrprete de Proust e Gide, Ramn Fernandez.

    Entre a data dos dois artigos mencionados, 1934 e 1936, ocorre no ms de julho de 1935, um grande congresso de escri-tores em Paris: o Primeiro Congresso Internacional de Escritores em Defesa da Cultura, reunindo cerca de trs mil pes-soas, entre intelectuais e trabalhadores, vindos de toda Europa, Estados Unidos e sia, com o intuito de expressar sua preo-cupao quanto ao declnio da cultura sob o fascismo, de apoiar a Unio Sovitica e de defender os ideais de RevoluoFrancesa contra as foras da represso (CONNER, 2001).

    Roger Shattuck (2000, p. 137-138) faz uma descrio literria da abertura desse Congresso:

    Era sexta-feira, junho, dia 21, um pouco depois das nove horas da noite, quando as pessoas tomaram seus lugares mesae o pblico pde ver a calva e asctica cabea do presidente da mesa atrs de uma rede de microfones. Ele abriu a ses-so lendo com uma voz bonita e modulada: A literatura nunca esteve to viva. Nunca se escreveu e publicou tanto naFrana e em todos os pases civilizados. Por que ento continuamos a escutar que nossa cultura est em perigo?. Numamistura de destino, chance e clculo o Primeiro Congresso Internacional de Escritores em Defesa da Cultura se abriu noolho de furaco da dcada de 1930. O homem que disse as palavras de abertura foi Andr Gide.

    Alm de suas obras publicadas, Gide era conhecido por ter proclamado e defendido publicamente sua homossexuali-dade na dcada de 1920 (o que uma longa histria repleta de fofocas). Para a maioria dos ouvintes, diz Shattuck, Gide,agora com 66 anos, havia se tornado comunista. Seu pblico burgus o considerava, sobretudo, um velhaco (2000, p.140).A presidncia desse Congresso avaliada como o ponto alto do engajamento poltico de Gide.

    Diante de um certo ostracismo desse clebre escritor francs, pode-se considerar hoje em dia que a pessoa e o escritorGide sejam ainda objeto de interesse de pequenos crculos (os que discutem o tema da sexualidade relacionada poltica,sobretudo); em geral, no entanto, foi esquecido e desconsiderado no sentido literrio e poltico. Para valoriz-lo, algunsdefensores tm de clamar bem alto, como o caso de Bernard Henri Lvy (O sculo de Sartre, no captulo Para acabar comGide, 2000), que para lembr-lo diz: Ser preciso, um dia, escrever a histria do gidismo na Frana. [...] Ser preciso ten-tar lembrar a que ponto nosso grande escritor (Sartre) nacional foi o contemporneo exemplar (Sartre) de uma pocaque no acaba [...] nos anos 20 e 30. Seria preciso lembrar a que ponto este sculo, antes de ser sartriano, foi gidiano (p.91). Sartre que em sua defesa escreveu um artigo intitulado Gide vivo, aps sua morte em 1951, artigo escrito como con-testao breve e hostil meno do jornal dirio comunista LHumanit que havia assim noticiado seu falecimento: umcadver acaba de morrer; filia-se ele mesmo a Gide e possvel perceber ecos gidianos em sua obra. Seria possvel tam-bm falar de certo gidismo aqui no Brasil nas dcadas de 1950 e 1960, com especial ateno para o crtico literrio e tra-dutor Srgio Milliet que se incumbiu de traduzir vrios de seus livros.

    J o interesse demonstrado por Benjamin em relao a Gide pode ser contextualizado de questes comuns a outros intr-pretes do escritor, com algumas particularidades. Em geral, pode-se afirmar que Benjamin ateve-se importncia de Gidecomo escritor, considerando-o, ao lado de Proust e Valry, um dos escritores mais importantes da literatura francesa da po-ca. No incio da resenha que escreveu chamada Trs franceses, Benjamin (1996) dispe Gide, Proust e Valry como as facesque compem o tringulo equiltero da nova literatura francesa. Ao traar a posio do intelectual na Frana de forma nega-tiva, Benjamin utiliza o provrbio para toda regra h sempre uma exceo, citando Proust e Gide como excees regra.Os dois, a seu ver, teriam modificado decisivamente a tcnica do romance. Associa Gide aos filsofos moralistas na linha-gem de Pascal, aproximando-o do pensamento alemo quando o considera o escritor francs mais aparentado como um todo

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  • e em sua obra aos alemes. Com relao poltica, como veremos, Benjamin enfatiza a luta de Gide contra o nacionalismoe elogia sua adeso ao comunismo. Quanto ao homossexualismo e ao tema da sexualidade em geral, Benjamin comenta acoragem de Gide em expor sua teoria sobre a pederastia e falar sobre temas aos quais o pblico francs estava pouco habi-tuado. Acrescente-se a esses interesses, questes mais especficas que revelam uma aproximao de Benjamin e Gide como,por exemplo, a indicao do parentesco de Gide com o surrealismo, perpassada pela idia de ato gratuito. Na linhagem dePascal, Gide teria como vocao, segundo Benjamin, educar uma nova gerao (seus alunos mais aplicados seriam os sur-realistas, retomando aqui uma expresso do crtico Pierre-Quint (1933) que chama o escritor de tio dada, Gide seria, paraBenjamin, uma espcie de tio dos surrealistas). Benjamin fala bastante ainda do mtodo dialtico utilizado por Gide que secasa com a noo gidiana de disponibilidade; para Benjamin uma dialtica carregada pelas tenses de elementos extremos(inclusive o demonaco como aspecto figurado do negativo), mas sem as idias de superao, de conciliao ou de sntese.

    Alm dos vrios escritos, resenhas, programas radiofnicos e de uma entrevista com Gide da qual resultaram dois arti-gos, Benjamin tinha um projeto sugerido em carta a Horkheimer (e por este aceito) de um projeto mais extenso sobre Gide,comparando seu Dirio s Confisses de Rousseau; da comparao deveria surgir uma crtica do carter histrico em decl-nio fundado na noo de sinceridade. O projeto foi abandonado em funo dos estudos sobre Baudelaire.

    Ressaltada a importncia do escritor, ao menos para Benjamin, encaminham-se as reflexes mais pontuais sobre o queora se intitula esteticismo politizado.

    No texto: Gide e seus novos adversrios, Benjamin (1996) expe a teoria da arte fascista, defendendo Gide das crticas deThierry Maulnier, ressaltando, sobretudo, a postura de esquerda de Gide, por exemplo, quando diz: Ter trado a cultura entre-gando-a ao comunismo a questo que Maulnier levanta contra a ltima obra de Gide. A obra recm-lanada por Gide eraAs novas pginas do Dirio (Nouvelles pages du Journal). Na distino do que seja cultura na esttica fascista, Benjaminenfatiza sobremaneira a atitude de Gide que, ao fazer sua a causa do comunismo, teve de se haver com os fascistas. Juntoao engajamento poltico comunista de Gide, Benjamin remete-se s desavenas que provocaram um inusitado encontro entreGide e vrios intelectuais num debate na instituio catlica de curioso nome Unio pela verdade. No trajeto que conduziuesse pequeno tribunal, Benjamin destaca a publicao da obra Corydon, na qual Gide defende a pederastia como um fenme-no natural e histrico, o que causou uma tempestuosa reao de seus contemporneos. Essa reao teria se repetido quando,em 1931, Gide publica o primeiro volume de seu Dirio, no qual descreve seu caminho para o comunismo. As duas publi-caes e suas declaraes fizeram de Gide o centro de uma grande polmica, os ataques constantes que sofreu fez com quese dispusesse a enfrentar o debate pblico. Benjamin nomeia o debate na associao Unio pela verdade como o auge alcan-ado pela polmica. Quem a coordenou foi o crtico Ramon Fernandez. Benjamin no se refere a ele no texto, nem lista deilustres escritores presentes, mas sim a Thierry Maulnier. Seu texto uma defesa explcita de Gide ao mesmo tempo em quedefende o engajamento poltico de Gide, formula a acusao ao que chama de posicionamento fascista de Maulnier. Ora, oque h de estranho em sua argumentao, como comenta um intrprete francs Claude Foucart (1979), que na mesma po-ca em que Benjamin publica esse artigo (novembro de 1936, na revista Das Wort), Gide, que j demonstrava um desconten-tamento com os rumos da revoluo socialista sovitica, na volta de sua visita a URSS, rompe com o partido comunista e frontalmente atacado pela esquerda. Como conciliar, portanto, quase mesma poca, a defesa de um Gide radicalmentecomunista com as crticas que Gide tem de revidar vindas, desta vez, tambm da esquerda? certo que Benjamin, quandopublica o artigo, no conhecia ainda o relato De volta da URSS de Gide. Leitura que far mais tarde, a qual comunicar demodo peculiar em uma carta a Horkheimer, na qual afirmaria que a melhor parte do relato refere-se questo religiosa. Ben-jamin (1996) refere-se parte IV do apndice do livro de Gide intitulado A luta anti-religiosa, na qual Gide descreve sua idaao museu anti-religioso de Leningrado, no qual se procurava opor ao mito religioso, a cincia. No mesmo sentido, fala deum museu arqueolgico instalado noutra igreja na qual se l abaixo de uma imagem de Cristo: Personagem lendrio, quenunca existiu. Para Gide (1951, anotaes de 1936), a simples negao de Cristo conduz a uma ignorncia inaceitvel. Suaconcepo revolucionria da mensagem de Cristo sofre um abalo e lhe parece absurda a idia de ter que defender Cristo peran-te os camaradas comunistas. Utiliza uma metfora para exemplificar sua crtica: atiraram a criana com a gua do banho.Entornaram a gua certamente suja da banheira, mas no enxergaram a criana dentro dela. Quando se falava, naquelemomento, em tolerncia e conciliao para com a tradio religiosa, Gide (1951, p. 253) diz temer que a banheira voltasse ase encher novamente com gua suja, mas, dessa vez, sem a criana. Essa , portanto, a nica referncia de Benjamin s cr-ticas de Gide ao modelo implantado na URSS, que ambos, em momentos diferentes, puderam observar. Quanto s crticas que

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  • Gide passa a receber da esquerda, Benjamin silencia. Caberia aqui uma pequena observao quanto s crticas feitas nessemomento a URSS controlada por Stalin: no havia a designao mais tardia de marxismo ocidental, acepo que preserva aidentidade terica com o pensamento poltico de Marx, separando-o da prtica poltica totalitria que o stalinismo exerceu.

    Se a ausncia de respostas de Benjamin s crticas de Gide URSS, resposta cobrada por Brecht (1970), por exemplo,que no se furtava de atacar o individualismo burgus de Gide, pudesse ser talvez um indcio de suas prprias dvidas uma suposio cuja confirmao pode se dar a ler na edio pstuma de seu Dirio de Moscou ou nas teses Sobre o con-ceito de histria. Contra Brecht, em seu artigo, Benjamin chega a afirmar que Gide consegue conciliar individualismo ecomunismo ao falar da paixo com a qual Gide atinha-se defesa do indivduo, reconhecendo na causa comunista umamesma identidade em sua defesa.

    No s Brecht criticava o individualismo burgus de Gide, mas Adorno, dentre outros, faria uma ligao causal doesteticismo provindo do decadentismo com a esttica fascista do perodo entre guerras (cf. ADORNO, 1970, p. 31, 60, 369,473). Essa ligao feita em funo da amizade de Gide com Oscar Wilde, como j se disse anteriormente. Ora, podemos,a essa altura, supor que a associao de Gide a Wilde escolhida por Benjamin eleja a unio entre poltica e sexualidadecomo elo factvel na defesa contra o esteticismo fascista (cf. LUCEY, 1995).

    A ligao de Gide com o esteticismo poderia ser feita por outras fontes imediatamente reconhecveis em sua cultura e provin-das da cultura alem. o prprio Benjamin que o considera o mais alemo dos escritores franceses. Sobre essa filiao Thomas R.Cordle (1993), por exemplo, fala sobre a influncia que Gide reflete em seus escritos de 1890 de certos poetas que se auto-intitula-vam decadentes e simbolistas, ambos com razes no romantismo e idealismo alemo, em Novalis, Schopenhauer e Fichte. Opessimismo e a ironia dessas correntes influenciaram toda uma gerao de homens de letras franceses entre 1880 e 1890. O deca-dentismo chega Inglaterra por meio das tradues de Baudelaire, quando a moda na Frana j havia passado e o movimentoem voga era o simbolismo. A decadncia da mentira, pea j citada de Oscar Wilde (1969), sintoma desse atraso ao ironizar odecadentismo, denominando-o clube dos hedonistas cansados. O decadentismo, mesmo com dez anos de atraso, instalou-se naInglaterra com o nome de esteticismo e sua principal frmula consistia em elevar a arte acima da moral. Frmula qual est impli-citamente relacionada a questo da sexualidade e do homossexualismo, sendo Wilde seu mais conhecido representante.

    Wilde, como se sabe, passou de espirituoso entertainer dos sales escria da sociedade inglesa, ao ter angariado apena criminal que o conduziu priso, no processo que moveu contra o pai de seu amante, Lorde Queensberry.

    Reencontra-se aqui o ponto de partida: a filiao de Gide com o esteticismo wildeano. Como dissemos, Benjamin ape-la tradio wildeana para sustentar a diferena do esteticismo gideano contra o esteticismo fascista de Maulnier. Gide eMaulnier seriam os frutos da mesma semente (Benjamin utiliza-se, aqui, de uma metfora gidiana, ao lembrar talvez a per-sonagem de Menlque inspirada em Wilde na obra de Gide intitulada Os frutos da terra). Ele afirma que se deve reconhe-cer quo profundamente o fascismo est em dbito com o esteticismo ou decadentismo, criando uma equivalncia entreos termos. O prprio Wilde, cujo esteticismo serve de modelo ao fascismo, tambm modelo para o jovem Gide, notada-mente em sua oposio sociedade. O que Maulnier teria retirado do esteticismo wildeano seria a pose, a arrogncia e amaneira snob, fazendo da arte algo voltado para a elite burguesa e evitando qualquer relao entre massa e cultura. Gide,ao contrrio, renunciaria ao aspecto elitista da cultura, e essa renncia teria ocorrido por causa de sua opo pelo comu-nismo, argumento final do texto de Benjamin ilustrado por uma citao extremamente sensual de Novos frutos da terra,dedicada aos jovens leitores da Unio Sovitica. Esse final refora a libertao do esteticismo gidiano do uso que o fascis-mo faz deste e possui um apelo misto de poltica e sexualidade (GIDE, 1958, p. 253)

    Toi qui viendras lorsque je nentendrai plus les bruits de la terre et que mes lvres ne boiront plus as rose toi qui, plustard, peut-tre me liras cest pour toi que jcris ces pages; car tu ne ttonnes peut-tre pas assez de vivre; tu nadmirespas comme il faudrait ce miracle tourdissant quest ta vie. Il me semble parfois que cest avec ma soif que tu vas boire,et que ce qui te penche sur cet autre tre que tu caresses, cest dj mon propre dsir.(Jadmire combien le dsir, ds qul se fait amoureux, simprcise. Mon amour enveloppait si diffusment et si tout lafois, tout son corps, que, Jupiter, je me serais mu en nue, sans mme men apercevoir2.

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    2 Tu que virs quando eu no ouvir mais os rudos da terra nem meus lbios beberem o seu orva-lho tu que, talvez, mais tarde, me lers para ti que escrevo estas pginas; pois tu no te espan-tas talvez o bastante de viver; tu no te admiras como seria necessrio, esse milagre atordoante que a tua vida. Parece-me s vezes que , com a minha sede que vais beber, e que aquilo que te incli-

    na sobre este outro ser que acaricias, j meu prprio desejo. (Admiro-me o quanto o desejo, des-de que se torna amoroso, torna-se impreciso. Meu amor envolvia to difusa e to simultaneamentetodo seu corpo, que, por Jpiter, eu teria me tornado uma nuvem, sem sequer me aperceber).

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  • Pode-se concluir com outra passagem do artigo Sobre a atual posio social do escritor francs (Zum gegenwrtigengesellschaftlichen Standort des franzsischen Schriftstellers), na qual Benjamin, de fato, inclui como motivo de engaja-mento poltico de Gide a defesa do homossexualismo, ao falar de suas diversas viagens ao interior da frica:

    Se alguns anos antes, sob o regime social da colnia, ele se fez advogado dos invertidos (Invertierten), ele provocou escn-dalos, agora, fazendo-se de advogado dos negros, ameaava provocar um levante. Nele e nos que o seguiam, os fatorespolticos acabaram desencadeando tomadas de posio (BENJAMIN, G.S. II-2, p. 797).

    Um importante conceito gidiano o de disponibilidade, uma categoria que ao mesmo tempo que mantm o leque dediferentes caminhos aberto, indica, paradoxalmente, que toda escolha de determinado caminho incorre no fechamento daabertura: escolha sinnimo de fracasso. Sem exagero, pode-se adotar a categoria da disponibilidade para falar de Benjamindesfazendo o paradoxo, por ter sido ele capaz de enxergar o fracasso como indcio de fora expressiva, mesmo que em suaforma mais rota, fragmentada e enfraquecida. Uma abertura que permitiu a ele falar de autores to polmicos como Gide.

    REFERNCIAS

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    Esteticismo, poltica e sexualidadeCarla Milani Damio

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