RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES … · In general, the rule is the individual and absolute...

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MARIA CLARA MAUDONNET RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS MESTRADO EM DIREITO COMERCIAL PUC/SP SÃO PAULO

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MARIA CLARA MAUDONNET

RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES

DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

MESTRADO EM DIREITO COMERCIAL

PUC/SP

SÃO PAULO

2

MARIA CLARA MAUDONNET

RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES

DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito Comercial, na

área de concentração do Direito Comercial, sob a orien-

tação do Professor Doutor Fábio Ulhoa Coelho.

PUC/SP

SÃO PAULO

2006

3

Banca Examinadora

4

Resumo

O trabalho tem por objeto a responsabilidade civil dos administradores das

sociedades anônimas (S.As.), de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

Para a abordagem do tema, a autora examina, inicialmente, o ato ilícito, que

corresponde à prática de ato comissivo ou omissivo, culposo, que viola o direito e

enseja a responsabilidade do agente de reparar o dano causado. Deve estar

sempre presente o nexo causal entre o ato praticado e o dano causado, ensejador

da responsabilidade civil do agente de repará-lo. A responsabilidade pode advir da

prática de ato ilícito culposo (responsabilidade subjetiva) ou do risco assumido pelo

empresário, em sua exploração econômica, representado pela capacidade da

empresa de alocar os prejuízos causados para os que se beneficiam do exercício

de sua atividade (responsabilidade objetiva). A regra geral é a da responsabilidade

individual e subjetiva dos administradores das S.As. (diretores e membros do

Conselho Administrativo), sendo a responsabilidade solidária e a objetiva as

exceções. Os diretores representam a empresa, e seus atos são praticados de

forma individual e não coletiva como as deliberações dos membros do Conselho de

Administração. Os deveres dos administradores, fixados na Lei das S.As.,

correspondem ao dever de diligência; de atuar de acordo com a função social da

sociedade e os ditames do interesse público; de lealdade; de não atuar em caso de

conflito de interesses; de informação. A infração desses deveres é considerada ato

ilícito dos administradores que enseja a sua responsabilização pessoal, perante as

S.As. O mesmo tratamento aplica-se no caso das sociedades limitadas. A empresa

assume a responsabilidade pelos atos ilícitos praticados pelo administrador faltoso,

que tenham causado dano a terceiros, dado o fato de que o administrador age em

seu nome, representando-a, perante terceiros. Nesse caso, a empresa resguarda-

se ao direito de ressarcir-se dos prejuízos que lhe foram causados pelo referido

administrador, através do ajuizamento de ação de responsabilidade civil contra o

administrador. Os acionistas prejudicados pelo administrador também têm o direito

de acionar o administrador faltoso. A responsabilidade civil apresenta-se de forma

ampla, não apenas com função reparatória, mas também preventiva, educativa e

punitiva, no ordenamento jurídico brasileiro. Porém, a responsabilização civil dos

5

administradores tem sido objeto de abuso, por parte do Poder Público, envolvendo-

se os administradores em demandas, visando à cobrança de tributos devidos pelas

empresas, em evidente equívoco, dado que a falta de capacidade pagadora da

empresa independe da boa gestão, muitas das vezes.

Palavras chave: 1. responsabilidade, 2. ato ilícito, 3. culpa, 4.

administrador, 5. diretor, 6. membro do conselho de administração.

6

Abstract

The subject matter of this work is the civil liability of managers of joint stock

companies (sociedades anônimas) according to the Brazilian laws. In order to broach

the theme, the author has first examined the unlawful act, which corresponds to

perform a committed or omissive act with intent, which violates the right and gives

rise to the responsibility of the agent to remedy the damage caused. One must never

forget the causation connection between the act performed and the damage caused,

which has given rise to the civil liability of the agent to remedy it. The liability may

come from an unlawful act performed with intent (strict liability) or from the risk

assumed by the entrepreneur, in his economic exploitation, represented by the

company’s capacity to allocate losses caused to those who benefit from the practice

of their duties (absolute liability). In general, the rule is the individual and absolute

liability of managers of joint stock companies (authorized officers and directors), and

the joint and absolute liability are the exception. Authorized officers represent the

company and their acts are performed individually and not collectively, such as

resolutions adopted by members of the Board of Directors. The managers’ duties, set

forth in the joint stock companies law, correspond to the duty of due diligence; to act

according to the social function of the company and to the dictates of public interest;

loyalty; to refrain from acting in case of conflict of interest and information. The

violation of such duties is considered an unlawful act by the managers, giving rise to

their personal liability towards the joint stock companies. The same treatment applies

to limited liability companies. The company assumes responsibility for the unlawful

acts performed by the defaulting manager, who has done harm to third parties, due to

the fact that the manager acts on its behalf, representing the company before third

parties. In this case, the company reserves the right to seek compensation from

losses caused by said manager, through the filing of a civil liability action against

such manager. The shareholders damaged by such manager are also entitled to file

an action against the defaulting manager. Civil liability is presented largely, not only

for its recovery function, but also for its preventive, educational and punitive function,

according to the Brazilian laws. Nevertheless, the managers’ civil liability has been

the object of abuse by the Government, causing the managers to be involved in

7

lawsuits, with the aim of collecting taxes payable by the companies, incurring on a

clear equivocation, since most of the times a company’s lack of ability to pay may still

occur, regardless of its efficient management.

Key words: 1. liability, 2. unlawful act, 3. fault, 4. manager, 5. executive officer,

6. director.

8

Sumário

1. Introdução ......................................................................................................................................................... 10

2. Os administradores........................................................................................................................................... 14

2.1 - O Conselho de Administração -................................................................................................................ 15 2.2 - A Diretoria -.............................................................................................................................................. 16 2.3 - A pessoa dos administradores - ................................................................................................................ 16 2.4 - Procuradores da sociedade não são seus administradores -...................................................................... 17 2.5 - A responsabilização dos administradores não é imputada aos gerentes e diretores com vínculo empregatício junto à companhia - ............................................................................................................ 18 2.6 - Os membros do Conselho Fiscal da sociedade distinguem-se dos administradores -.............................. 20 2.7 - Aplicação das normas de responsabilidade civil dos administradores aos não administradores da companhia -.............................................................................................................................................. 20 2.8 - A responsabilização solidária do acionista controlador, em conjunto com o administrador - ................. 20 2.9 - Natureza jurídica da gestão da sociedade -............................................................................................... 22

3. Os deveres dos administradores ...................................................................................................................... 24

3.1 - Dever de diligência -................................................................................................................................. 25 3.2 - Dever de não agir com abuso de poderes - ............................................................................................... 26 3.3 - Dever de lealdade - ................................................................................................................................... 27 3.4 - Dever de não atuar em caso de conflito de interesses - ............................................................................ 28 3.5 - Dever de informar - .................................................................................................................................. 28 3.6 - Outros deveres dos administradores das S.As. -....................................................................................... 30

4. A responsabilidade civil ................................................................................................................................... 32

4.1 - Conceito de ato ilícito e de responsabilidade - ......................................................................................... 32 4.1.1 - Ato ilícito -..................................................................................................................................... 32 4.1.2 - A responsabilidade civil, penal e administrativa -......................................................................... 34 4.1.3 - A responsabilidade civil - .............................................................................................................. 38 4.1.4 - As sanções – civil, penal e administrativa -................................................................................... 41 4.1.5 - O enfoque da responsabilidade civil do presente trabalho - .......................................................... 44 4.2 - Responsabilidade civil -............................................................................................................................ 46 4.3 - Responsabilidade subjetiva - .................................................................................................................... 46 4.4 - Responsabilidade subjetiva contratual ou extracontratual - ..................................................................... 48 4.5 - Da teoria da responsabilidade subjetiva presumida para a teoria da responsabilidade objetiva pelo fato de terceiro - .............................................................................................................................................. 48 4.5.1 - Responsabilidade subjetiva presumida (arts. 936, 937 e 938 do Código Civil de 2002) -............ 53 4.6 - Responsabilidade objetiva - ...................................................................................................................... 54 4.7 - Exclusão de responsabilidade -................................................................................................................. 60

5 . Responsabilidade do administrador das sociedades anônimas ................................................................... 63

5.1 - Responsabilidade da sociedade pelos atos dos administradores - ............................................................ 63 5.2 - Conceito de prejuízo, para fins de responsabilidade do Administrador -................................................. 64 5.3 - Sociedades às quais se aplica o art. 158 da lei das S.As. - ....................................................................... 65 5.4 - A responsabilidade subjetiva dos administradores das S.As. como regra - ............................................. 66 5.4.1 - A responsabilidade dos administradores das S.As. (legislação anterior – Decreto- lei n. 2.627/40) - ............................................................................................................. 66

9

5.4.2 - A responsabilidade dos administradores das S.As. (de acordo com a Lei n. 6.404/76 – Lei das S.As.) ............................................................................................................................... 67 5.5 - A responsabilidade objetiva dos administradores, como exceção - ......................................................... 79 5.6 - Responsabilidade subjetiva do administrador (aplicação na legislação vigente) -................................... 90 5.6.1 - Direito bancário – instituições financeiras – Conselho Monetário Nacional – Lei n. 4.595/64 e Lei n. 6.024/74 -............................................................................................. 91 5.6.2 - Direito societário – companhias abertas – Comissão de Valores Mobiliários – CVM – Lei n. 6.385/76 - ............................................................................................................................ 93 5.6.3 - Direito societário – Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falência da Sociedade Empresária (Lei n. 11.101/05) - .................................................................................................... 94 5.6.4 - Direito tributário – Código Tributário Nacional – CTN - ............................................................. 96 5.6.5 - Direito tributário – Lei de Execuções Fiscais – Lei n. 6.830/80 - ............................................... 104 5.6.6 - Direito tributário previdenciário – Leis da Previdência Social – Lei n. 8.212/91 e Lei n. 8.620/93 - .......................................................................................................................... 108 5.6.7 - Direito tributário criminal - Lei de Sonegação Fiscal - Lei n. 4.729/65 - ................................... 111 5.6.8 - Direito tributário criminal – Lei dos Crimes do Colarinho Branco – Lei n. 7.492/86 -.............. 112 5.6.9 - Direito tributário criminal – Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei n. 9.613/98 ............................. 113 5.6.10 - Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo – Lei n. 8.137/90 - ........................................................................................................................ 115 5.6.11- Direito criminal – Código Penal -............................................................................................... 116 5.6.12 - Direito criminal – Lei da Economia Popular – Lei n. 1.521/5 - ................................................ 116 5.6.13 - Direitos do consumidor – Código de Defesa do Consumidor – CDC – Lei n. 8.078/90 - ........ 117 5.6.14 - Direito ambiental – Lei Ambiental – Lei n. 9.605/98 - ............................................................. 120 5.6.15 - Direito trabalhista – Consolidação das Leis do Trabalho – CLT - ............................................ 123 5.6.16 - Direito de propriedade industrial – Lei n. 9.279/96 -................................................................. 124 5.7.1 - Responsabilidade do administrador das S.As. perante o CADE – Lei n. 8.884/94 - .................. 126 5.8.1 - Responsabilidade do administrador – obrigação de meio e de resultado - .................................. 132 5.8.2 - Distinção entre a responsabilidade dos diretores e a dos membros do Conselho de Administração -............................................................................................................................ 133 5.8.3 - Responsabilidade solidária entre os administradores -................................................................ 135 5.8.4 - A responsabilidade dos membros do Conselho de Administração da sociedade - ...................... 136 5.8.5 - Exemplos de casos de responsabilidade solidária entre os administradores -............................. 137 5.8.6 - Responsabilidade solidária entre os administradores e terceiros -............................................... 138 5.8.7 - A responsabilidade dos administradores eleitos com base em acordo de acionistas -................. 138

6. A responsabilidade civil dos administradores no direito comparado........................................................ 142

6.1 - Legislação francesa -............................................................................................................................... 142 6.2 - Legislação alemã -................................................................................................................................... 143 6.3 - Legislação italiana - ................................................................................................................................ 144 6.4 - Legislação argentina - ............................................................................................................................. 145 6.5 - Legislação americana -............................................................................................................................ 145

7. A responsabilidade dos administradores das s.as. e dos administradores das sociedades limitadas –

análise comparativa ....................................................................................................................................... 147

8. Ação de responsabilidade civil contra os administradores das S.As. ........................................................ 149

8.1 - A responsabilidade da sociedade, perante terceiros, pelos atos praticados por seus administradores – a teoria da aparência - ............................................................................................................................. 149 8.2 - A legitimidade ativa para propor a ação de responsabilidade civil -...................................................... 151 8.3 - Ação social de responsabilidade interposta pela companhia contra o administrador -........................... 152

9. Conclusão......................................................................................................................................................... 155

Referências .......................................................................................................................................................... 157

10

1. INTRODUÇÃO

Para a melhor compreensão do tema, devemos começar por esclarecer o

conceito de sociedade anônima, de administradores e de responsabilidade.

A sociedade anônima (S.As.) é aquela cujo capital encontra-se dividido em

ações, obrigando-se, cada acionista, somente ao preço de emissão das ações que

subscrever ou adquirir.

Segundo Tullio Ascareli,1 os dois princípios fundamentais que regem a S.A.

são: (a) o da responsabilidade limitada, de modo que o acionista não responde

pelas dívidas da sociedade, só ela própria, e (b) o da divisão do capital em ações,

razão pela qual é irrelevante a pessoa do acionista para a identificação da

sociedade. Há rigorosa distinção entre o patrimônio do acionista e o da sociedade,

de modo que os acionistas respondem pelas obrigações da sociedade até o limite

do preço de emissão das ações que tiverem subscrito ou adquirido, como bem

ressalta Maria Rita Ferragut2.

Pelas razões acima, a S.A. coaduna-se e atende a exigência econômica de

facilitar o espírito de empreendimento, viabilizando a captação de recursos de

diversas camadas da população, através da compra de ações da sociedade, título

facilmente circulável, no mercado de capitais, dada a sua liquidez, como um título

de crédito, coletivizando-se, assim, o financiamento para a constituição e

manutenção da empresa, e garantindo-se, aos acionistas, a participação nos

respectivos lucros havidos, e o desenvolvimento e o progresso do país. Dessa

forma, a S.A. atende a sua função social.

A S.A., como esclarece Rubens Requião,3 surgiu no Brasil na época da

Colônia e foi disciplinada por várias leis, desde o Império, destacando-se, após o

Código Comercial, o Decreto n. 434/1891, que vigorou até 1940, quando foi

revogado pelo Decreto-lei n. 2.627/40. Em 1965, surgiu a Lei n. 4.728/65 para

disciplinar o mercado de capitais, introduzindo alterações com relação à disciplina

das sociedades anônimas (S.As.), como a sociedade de capital aberto, a de capital

1 Tullio ASCARELI, Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Book Seller, 2001. p.459-63. 2 Maria Rita FERRAGUT, Responsabilidade tributária e o código civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005, p.16. 3 Rubens REQUIÃO, Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 2. p. 8-10.

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autorizado etc. Apesar dessas inovações, ainda era necessário a total reforma da

lei, para que a sociedade anônima pudesse viabilizar a modernização da empresa

brasileira e o desenvolvimento nacional.

Com esse propósito, foi elaborada a Lei n. 6.404/76, prevendo a criação de

dois tipos de S.As.: a de capital aberto e a de capital fechado, exigindo-se, da

primeira, que os respectivos valores mobiliários de sua emissão estejam admitidos

à negociação no mercado de valores imobiliários, em bolsa ou mercado de balcão,

conforme o disposto no art. 4 da Lei das S.As. Por outro lado, Rubens Requião4

esclarece que, para as sociedades fechadas, com menos de 20 (vinte) acionistas,

são estabelecidas facilidades procedimentais para o seu funcionamento, conforme

o disposto no art. 294 da Lei das S.As.

As S.As. são regidas pela Lei n. 6.404/76 (Lei das S.As.), lei especial,

alterada pela Lei n. 10.303/2001, e, supletivamente, pelo disposto no Código Civil,

conforme o disposto no art. 1.089 do Código Civil.

O Código Civil considera a sociedade anônima como empresária e não

sociedade simples, dado o fato de que exerce atividade própria de empresário, ou

seja, atividade organizada de produção ou circulação e bens e serviços, com intuito

econômico, com esclarece Maria Rita Ferragut.5

A Lei das S.As. também aplica-se às sociedades limitadas, porém, de

forma supletiva, na lacuna do disposto no Código Civil de 2002, referente às

sociedades limitadas (arts. 1.052 a 1.087 do Código Civil) e às sociedades simples

(arts. 997 a 1.038 do Código Civil), caso assim previsto no respectivo Contrato

Social, conforme o disposto no art. 1.053 e do respectivo parágrafo único do Código

Civil.

No que toca à responsabilidade do administrador, o art. 158 da Lei das

S.As. determina que, em regra geral, ele não é pessoalmente responsável pelas

obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de

gestão; respondendo, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando

proceder: dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; ou com

violação da lei ou do estatuto.6

4 Rubens REQUIÃO, Curso de direito comercial, v. 2, p. 26. 5 Maria Rita FERRAGUT, Responsabilidade tributária e o código civil de 2002, p. 2-3. 6 Art. 158 da Lei das S.as.:

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O administrador é responsável pelos danos causados pelo seu

descumprimento dos deveres legais, que envolve a prática de ato ilícito culposo.

Essa responsabilização, como demonstraremos a seguir, é do tipo subjetiva, em

regra geral, dado que envolve a aferição de culpa do agente, o que pode ser

comprovado por várias legislações especiais em vigor, abaixo citadas. Essa regra

aplica-se, inclusive, à legislação estrangeira que, da mesma forma, considera, em

regra, subjetiva a responsabilidade do administrador, como mencionado abaixo. A

responsabilidade objetiva do administrador, exceção à regra, aplica-se, por

exemplo, no caso de infração, pela sociedade representada pelos administradores,

da Lei Antitruste, que trata das infrações à ordem econômica, Lei n. 8.884/94, como

adiante tratado.

O fundamento para a responsabilidade subjetiva dos administradores, de

acordo com Fábio Ulhoa Coelho,7 é o não cumprimento dos deveres legais de

diligência e lealdade, exigidos dos administradores das sociedades anônimas (arts.

153 a 157), que podem ser considerados como preceitos gerais, aplicáveis a

qualquer pessoa incumbida da administração dos bens ou interesses de terceiros,

tais como o síndico da massa falida, o mandatário e o liquidante de instituição

financeira.

A responsabilização objetiva dos administradores não nos parece ser uma

tendência da legislação brasileira, nem da estrangeira.

“(...) § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato à assembléia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto."

7 Fábio Ulhoa COELHO, A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 51.

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Por outro lado, no que toca ao empresário, o próprio Código Civil brasileiro

inovou, imputando-lhe responsabilidade objetiva: (a) em caso de condução de

atividade que, por sua natureza, envolva risco, quando a mesma causar dano à

coletividade ou a outrem, como determina o art. 927, parágrafo único, do Código

Civil; e, também, (b) na forma do art. 931 do referido Código, por força dos danos

causados pelos produtos postos em circulação.

A aplicação das regras da responsabilidade do administrador às infrações

cometidas, no exercício de suas funções, enseja a reparação, pela empresa que os

mesmos representam, dos danos causados aos acionistas ou a terceiros, cabendo

à empresa exigir, do administrador, o ressarcimento dos prejuízos causados-lhe,

diretamente ou a terceiros.

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2. OS ADMINISTRADORES

Para a melhor compreensão da aplicação do conceito de responsabilidade

dos administradores, deve-se esclarecer que a competência dos administradores

consubstancia-se no poder decisório de que são dotados.

A administração das S.As. compreende os seguintes órgãos de gestão: o

Conselho de Administração e a Diretoria.

O primeiro é órgão de deliberação colegiada, una e interna, com a função

de orientar, em termos gerais, os negócios da companhia, bem como para

acompanhar e fiscalizar a atuação dos diretores, constando, obrigatoriamente, das

sociedades de economia mista, das companhias abertas e das sociedades de

capital autorizado.

A Diretoria, por outro lado, consiste em um órgão executivo indispensável

para as S.As., representando a companhia perante terceiros, através da

manifestação de vontade singular e individual dos respectivos membros, conforme

cada área de atuação, e no limite de suas funções e dos poderes que lhe foram

conferidos.

A eficácia da manifestação de vontade individual de cada diretor não

depende do fato de ser coletiva, como no caso dos membros do Conselho de

Administração, cuja manifestação de vontade, reunindo de forma solidária todos os

seus membros, é a do órgão.

No caso da Diretoria, a responsabilidade de seus membros pelos atos

praticados em nome da sociedade é individual, e no caso do Conselho de

Administração, a responsabilidade é colegiada, do órgão, pois faltam a cada um

dos membros do Conselho de Administração os poderes de representação e de

gestão individual da companhia. Assim, a eficácia da manifestação de vontade dos

membros do Conselho de Administração fundamenta-se no fato de ser coletiva,

dado o caráter de sua competência.

Cabe aos membros do Conselho de Administração deliberar com base em

relatórios e informações, elementos de sua convicção, fornecidos, em regra geral,

pela Diretoria e, algumas vezes, pelos acionistas ou terceiros, com legítimo

interesse nos negócios da sociedade.

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Por essa razão, atos praticados pelos diretores que não chegam ao

conhecimento dos membros do Conselho de Administração não podem ser por eles

evitados e não os responsabilizam, nem de forma solidária, exceto caso sejam

coniventes ou negligentes por omissão, ou seja, por não terem evitado a prática de

atos ilícitos de seu conhecimento pelos diretores.

A exceção à regra da não responsabilização dos membros do Conselho de

Administração pelos atos praticados pelos diretores aplica-se nos casos de: (a)

conivência dos membros do Conselho de Administração; (b) negligência para a

verificação da ilicitude do ato de um diretor; (c) ou de omissão para impedir a

prática dos referidos atos.

2.1 - O Conselho de Administração -

O Conselho de Administração funciona como órgão intermediário entre a

Assembléia Geral, que elege os respectivos membros, e a Diretoria, sendo os

membros da última eleitos e destituídos a qualquer tempo, pelo Conselho de

Administração. A função do Conselho de Administração é conciliar os interesses

dos acionistas controladores e dos minoritários. Dependendo do perfil de cada

companhia, ele poderá ter uma participação mais ou menos ativa na condução da

administração social: quando o controle da companhia é exercido por apenas um

grupo, diminui a importância do papel do Conselho de Administração, atuando de

forma meramente simbólica. Porém, quando o controle da companhia é

compartilhado entre vários grupos, sua função torna-se fundamental: assume a

função de órgão de execução do acordo de acionistas, participando ativamente da

gestão social. O Conselho de Administração exerce poder de diligência junto aos

diretores, respondendo, inclusive, tanto quanto os diretores, por qualquer dano

causado à companhia pela prática de ato ilícito culposo.

Apesar do poder dos membros do Conselho de Administração de atuar

individualmente junto à Diretoria, as suas deliberações são colegiadas, não tendo

eficácia o voto isolado de cada membro do Conselho, sempre pessoa natural.

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2.2 - A Diretoria -

As funções executivas da Diretoria, relacionadas à condução da atividade

empresarial, são de sua competência exclusiva e indelegável, sendo seus

membros, os detentores exclusivos de representação social, de quem a sociedade

depende para o seu sucesso, competindo-lhes, assim, o desenvolvimento do

negócio da empresa, a gestão dos empregados, o aprimoramento tecnológico, as

ações de marketing, especialmente visando ao aumento de clientes, bem como a

estruturação financeira e, inclusive, a concessão ou captação de créditos.

A Diretoria é composta por, no mínimo, dois diretores, necessariamente

pessoas naturais, residentes no país.

Os diretores de uma companhia poderão ter amplos poderes para

administrá-la, mediante a prática de atos compatíveis com o objeto social e com o

interesse da empresa, excetuados os seguintes: venda de bens do ativo fixo da

sociedade, constituição de ônus reais e a prestação de garantia a obrigações de

terceiros, o que depende de deliberação da Assembléia Geral ou do Conselho de

Administração, conforme dispuser o Estatuto Social da companhia. Poderá ser

ainda previsto no Estatuto Social que caberão aos diretores funções específicas,

sendo cada um responsável por uma área de atuação. Da mesma forma, o Estatuto

Social da companhia poderá condicionar a prática de certos atos à concordância

expressa de mais de um diretor, em conjunto, ou de um ou outro diretor

separadamente.

2.3 - A Pessoa dos Administradores -

Os administradores de que trata especificamente o disposto no art. 158 da

Lei das S.As. são aqueles mencionados no art. 138 e no art. 146 da Lei das S.As.,

quais sejam, apenas os membros dos órgãos de gestão da companhia: os

membros do Conselho de Administração e os diretores.

De acordo com o art. 146 da Lei das S.As., poderão ser eleitos para

membros dos órgãos da administração da companhia pessoas naturais, devendo

os membros do Conselho de Administração ser acionistas e os diretores residentes

no país, acionistas ou não. Verifica-se, pelo acima mencionado, que a S.A. não

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permite que pessoas jurídicas assumam a administração de empresas, por seus

representantes legais.

Nesse sentido, deve-se esclarecer que, diferentemente do que prevalece

com relação às S.As., admite-se, nas sociedades limitadas, que o cargo de

administrador seja ocupado por pessoas físicas ou jurídicas, dado que o art. 1.060

do Código Civil, a elas aplicável, refere-se apenas “às pessoas designadas no

Contrato Social ou em ato separado”, sem estabelecer qualquer distinção com

relação às pessoas físicas ou jurídicas destinadas a preencher o cargo de

administradores.

Nesse sentido, Attila Souza Leão8 esclarece que a lei não foi clara em

determinar quais pessoas poderiam ser administradoras das sociedades limitadas.

Segundo ele, apesar de aparentemente apenas pessoas físicas terem o direito de

assumir o cargo de administrador da sociedade, teoricamente, nada impede, e

admite-se, que pessoas jurídicas possam exercer a gestão da sociedade limitada

desde que indicando a pessoa física de seu representante legal.

Talvez a dúvida sobre a possibilidade de pessoa física assumir a gestão da

sociedade limitada tenha advindo do fato de que, na sociedade simples, isso é

vedado, pelo disposto no art. 997 do Código Civil que determina, no seu inciso VI,

que o respectivo Contrato Social mencionará dentre outros itens, as pessoas

naturais incumbidas da administração da sociedade, seus poderes e atribuições.

2.4 - Procuradores da Sociedade não são seus administradores -

Deve-se esclarecer que os procuradores da companhia não são

administradores dela, mas seus representantes para a prática de atos específicos

que devem constar claramente do respectivo instrumento e, salvo as ad judicia, são

outorgadas por prazo determinado. Os procuradores não representam o diretor que

lhes outorgou o mandato, mas representam a empresa e, dessa forma, o respectivo

mandato não se extingue com a destituição ou falecimento do diretor.

8 Attila Souza LEÃO, Direito das sociedades. In: Comentários ao novo Código Civil: Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 4, p. 208-209.

18

Apesar de o procurador não ser considerado administrador, a empresa que

constituir procurador, para, de fato, atuar como se administrador fosse,

representando-a, com a finalidade de afastar-se a sua responsabilização por ato

ilícito praticado pelo procurador, tal como um estranho à sua organização, não

evitará sua responsabilização. Nesse caso, podemos considerar a aplicação

analógica, do disposto no art. 1.015 do Código Civil, que, no seu parágrafo único,

estabelece a regra geral da responsabilidade da sociedade e as exceções à

mesma, pelos atos praticados por quem a representa perante terceiros, como seu

administrador, sem apresentar suporte legal para tanto.

Assim, decidir-se-á se a culpa havida, na realização de operações da

companhia, representada por procurador da empresa, sem poderes para

representá-la, foi: (a) do terceiro, que sem zelo, não verificou o disposto nos atos

societários da sociedade, para tomar conhecimento de que o procurador que,

nessa qualidade se apresentou, não detinha poderes para tanto, ou (b) da própria

sociedade, dado o fato de ser impossível, para um terceiro, verificar que o referido

procurador não a representava, efetivamente, face à teoria da aparência, razão

pela qual a operação foi realizada entre o procurador, em nome da sociedade, e o

terceiro de boa fé. Além disso, o próprio art. 160 da Lei das S.As. determina que se

aplica a regra da responsabilização dos administradores aos não administradores,

com funções técnicas ou de aconselhamento dos administradores. Entendemos

que os procuradores incluem-se nessa regra, razão pela qual a companhia

responsabiliza-se pelos atos ilícitos praticados pelo mesmo, na qualidade de seu

representante.

2.5 - A responsabilização dos administradores não é imputada aos gerentes

e diretores com vínculo empregatício junto à companhia -

Por outro lado, as normas referentes à responsabilização dos

administradores não se aplicam aos empregados gestores da empresa, com

vínculo trabalhista, e, assim, com dependência hierárquica aos superiores

hierárquicos.

Os gerentes da sociedade, empregados dela, submetem-se às ordens e

estratégias estabelecidas pelo seu superior hierárquico, ao qual se subordinam, sob

19

pena de resolução do contrato de trabalho, como é sabido. Juntamente com a

subordinação hierárquica, o contrato de trabalho caracteriza-se pelo recebimento

de salário e pela não eventualidade da relação empregatícia, em que o empregado

obriga-se à regularidade da prestação dos serviços ao empregador e ao

cumprimento de horário de trabalho.

O gerente empregado não é considerado administrador, com

autonomia de gestão para responsabilizar-se pelos atos ilícitos praticados por

sua pessoa, porque se submete ao comando do respectivo superior hierárquico

ou empregador, este sim responsável pelos atos ilícitos praticados pelo

empregado, e de forma objetiva, independentemente de culpa, como abaixo

mencionado, com base no art. 932, inciso III, combinado com o disposto no art.

933 do Código Civil. A mesma regra aplica-se àqueles que exercem funções de

gestão, como os diretores que não representam a empresa autonomamente,

mantendo vínculo de emprego com a sociedade que representam.

Fábio Ulhoa Coelho9 lembra muito bem que, no tocante aos diretores

das empresas regidos pelas normas trabalhistas, aplica-se a mesma regra:

quando o vínculo entre o diretor e a empresa é de subordinação, não há que se

falar em responsabilidade do administrador. Nesse sentido, determina o

Enunciado 269 do TST: “o empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o

respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de

serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à

relação de emprego”.

A relação entre o diretor e a empresa contratante só será societária,

desde o início de sua contratação, se não prevalecer a subordinação

hierárquica trabalhista entre o diretor e outro membro da Diretoria, mas apenas

uma relação entre o diretor e o Conselho de Administração, se houver, e a

Assembléia Geral, caso em que a relação havida é de órgão para órgão, e não

uma relação pessoal.

9 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial.São Paulo: Saraiva, 2002, v. 2. p.240-241.

20

2.6 - Os membros do Conselho Fiscal da sociedade distinguem-se dos

administradores -

Apesar das normas referentes à responsabilidade dos administradores

serem aplicadas subsidiariamente aos membros do Conselho Fiscal, de acordo

com o disposto no art. 165 da Lei das S.As., os mesmos não são administradores,

nem mandatários da companhia. O referido órgão tem como competência exercer o

controle e a fiscalização das contas dos administradores e da contabilidade social,

não estando submetido a qualquer órgão da administração da companhia, nem à

Assembléia Geral.

Os membros do Conselho Fiscal devem atender aos mesmos deveres

impostos aos administradores, sob pena de idêntica responsabilização civil pelos

danos causados, por atos ilícitos culposos, como determina o art. 165 da Lei das

S.As.

2.7 - Aplicação das normas de responsabilidade civil dos administradores

aos não administradores da companhia -

De acordo com o art. 160 da Lei das S.As., as normas referentes à

responsabilidade dos administradores aplicam-se aos membros dos demais órgãos

da companhia, criados pelo Estatuto, com funções técnicas ou de aconselhamento

dos administradores, tais como o Conselho Fiscal, o Conselho Consultivo, o

Conselho Editorial e o Conselho Deliberativo, dentre outros.

2.8 - A responsabilização solidária do acionista controlador, em conjunto

com o administrador -

Os acionistas controladores de companhia praticam ato de abuso de poder

e são responsabilizados por isso, inclusive quando agem em conluio com qualquer

administrador. Nesse caso, são submetidos, solidariamente, em conjunto com os

administradores, ao disposto no art. 158 da Lei das S.As., como determina o art.

117, parágrafo primeiro, alínea (e), e o parágrafo segundo da referida lei.

21

Considera-se acionista controlador, de acordo com Rubens Requião,10 e

com fundamento no disposto nos arts. 116, 265, parágrafo primeiro, e 243,

parágrafo segundo, da Lei das S.As., a pessoa natural ou jurídica, ou grupo de

pessoas, vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, titulares de

direitos de sócio que lhes assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos

nas deliberações da Assembléia Geral e o poder de eleger a maioria dos

administradores da companhia, usando, efetivamente, seu poder para dirigir as

atividades sociais ou orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Em

resumo, o acionista controlador é aquele que detém a maioria de votos decisivos na

Assembléia Geral.

Waldirio Bulgarelli11 entende que a definição legal é imperfeita, dado que o

conceito é limitado (a) pela referência à titularidade de direitos de sócios (o poder

pode derivar de situações contratuais ou pessoais e de fato) e (b) pela referência

ao período de tempo do exercício do controle – a exigência de que seja

permanente, vez que, na prática, o controle pode ser exercido de forma eventual.

Além disso, o conceito acima é impreciso, porque ainda precisou ser

complementado pela Resolução n. 401 do Banco Central, de 1976, que regulou as

condições para alienação do controle da companhia aberta, acrescendo mais

alguns elementos ao conceito de controle, para que fosse melhor elucidada a

questão. O inciso III da referida resolução refere-se ao controle exercido por grupo

de pessoas vinculadas por acordo de acionistas, nos termos do art. 118 da Lei n.

6.404/76, ou sob controle comum.

O respectivo inciso IV refere-se ao controle exercido por pessoa ou grupo

de pessoas que não são titulares de ações que assegurem a maioria absoluta dos

votos do capital social, considerando como acionista controlador a pessoa ou o

grupo de pessoas vinculadas por acordo de acionistas ou sob controle comum que

são titulares de ações que lhes assegurem a maioria absoluta dos votos dos

acionistas presentes nas três últimas Assembléias Gerais da companhia.

A crítica de Waldirio Bulgarelli12 a essa conceituação é o fato de que a

referência às três últimas Assembléias Gerais da companhia poderia explicar o fato

10 Rubens REQUIÃO, Curso de direito comercial, p. 124-125. 11 Waldirio BULGARELLI, Manual das sociedades anônimas. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 300-301. 12 Waldirio BULGARELLI, Manual das sociedades anônimas, p. 301.

22

do controle ter sido exercido de forma permanente, mas não fundamenta o controle

exercido independentemente de acordo de acionista, quando o controlador não

tenha direitos de sócios que lhe assegurem a maioria dos votos.

O art. 116 da Lei das S.As. determina que o acionista controlador deve

usar o seu poder para que a companhia realize seu objeto social e cumpra sua

função social. Ele tem deveres de respeito e lealdade, além de responsabilidades

para com os acionistas minoritários, a empresa, os respectivos empregados e a

comunidade em que atua.

2.9 - Natureza jurídica da gestão da sociedade -

Na gestão das sociedades, entende-se que os administradores não são

mandatários da sociedade, mas órgãos dela, conforme dispõe a teoria orgânica que

superou a teoria contratualista, dada a conscientização de que a gestão dos

negócios sociais exigia dos administradores autonomia considerável para viabilizar

o exercício da administração social.

Como se afirma na obra de Newton de Lucca, Paulo Penalva Santos e

outros,13 a gerência da sociedade, de acordo com o art. 1.022 do Código Civil, é um

órgão de representação da sociedade, responsável pela respectiva gestão, razão

pela qual o administrador não age em nome da sociedade, mas esta manifesta sua

vontade por intermédio dos administradores.

Daí entender-se que a relação jurídica entre a sociedade e seus

administradores é orgânica, e não contratual, pelas seguintes razões: (a) os

administradores não são necessariamente nomeados por todos os sócios, mas pela

maioria deles; (b) os gestores não são mandatários da sociedade; e ( c) os

administradores exercem poderes que não cabiam, originariamente, aos sócios.

Deve-se observar que, como ensina Waldirio Bulgarelli,14 a teoria

organicista da administração da empresa, e a respectiva estrutura administrativa,

foi adotada a partir do Decreto-lei n. 2.627/40, mantida pela Lei n. 6.404/76, com

13 NEWTON DE LUCCA et al., Do direito de empresas. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza, Comentários ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 9., p. 335-336. 14 Waldirio BULGARELLI, Manual das sociedades anônimas, p. 171.

23

algumas modificações, sobretudo com relação ao Conselho de Administração,

considerado não só um órgão consultivo, mas também com atribuições e funções

antes privativas da Assembléia Geral.

Deve-se mencionar que, como afirmam os autores acima mencionados, a

administração da sociedade origina-se de dois poderes distintos, complementados

na manifestação de vontade das pessoas jurídicas: o poder de decisão (ou de

deliberação assemblear, mencionado no art. 1.010 do Código Civil) que cabe aos

sócios, e o poder de representação que consiste na execução, pelos

administradores, das deliberações dos sócios, envolvendo decisão acerca dos

negócios e das operações autorizadas pelos mesmos, conforme o disposto nos

arts. 1.022 e 1.064 do Código Civil.

Os administradores, no exercício da gestão da sociedade, devem respeitar

os deveres legais, mencionados nos arts 153 a 157 da Lei das S.As., considerando-

se os limites impostos aos representantes legais da empresa pelo próprio Estatuto

Social, que representa a vontade majoritária dos acionistas, de modo a evitar a

prática de atos ilícitos pelos administradores, dentre eles, os atos proibidos,

contrários à lei ou ao Estatuto Social, e os atos praticados com excesso ou abuso

de poderes.

24

3. OS DEVERES DOS ADMINISTRADORES

Os administradores comprometem-se a observar uma série de deveres

quando assumem o cargo de representantes legais da companhia. Nesse sentido,

os administradores das sociedades deverão manter, no exercício de suas funções,

o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na

administração de seus próprios negócios, como determina o art. 1.011 do Código

Civil, aplicável a todas as sociedades, inclusive às sociedades anônimas, como

princípio geral de boa fé a ser adotada na gestão das empresas. Fundados nesse

princípio, podemos citar os deveres legais previstos nos arts. 153 a 157 da Lei das

S.As.. Trata-se de preceitos gerais de conduta que devem ser obedecidos por todo

e qualquer administrador.

Quando de sua nomeação para os respectivos cargos, os administradores

devem comprometer-se, perante a companhia e os sócios da mesma, a agir de

acordo com os deveres assumidos, através de declaração constante do próprio

Contrato Social, conforme o disposto no parágrafo primeiro do art. 1.011 do Código

Civil, no sentido de que não estão impedidos de assumir o cargo de administrador

por lei especial: que não foram condenados a pena que vede, ainda que

temporariamente, o acesso a cargos públicos, que não foram condenados por

crime falimentar, de prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, ou contra

a economia popular, contra o sistema financeiro nacional, contra as normas de

defesa da concorrência, contra as relações de consumo, a fé pública ou a

propriedade. Enquanto perdurarem os efeitos de qualquer das condenações acima

mencionadas, a pessoa não poderá assumir o cargo de administrador de

sociedades.

Podemos citar, como exemplo de deveres assumidos pelos

administradores, os seguintes: (a) de desenvolver suas funções na sociedade com

o cuidado e a diligência que todo homem probo emprega costumeiramente na

administração do seu próprio negócio, e (b) de lealdade à empresa empregadora e

confidencialidade quanto ao objeto de seu trabalho, comuns a qualquer

administrador, qualquer que seja a sociedade onde exerça a sua atividade, dado

25

que se consubstanciam em princípios básicos para a administração de bens ou

interesses alheios, como assevera Fábio Ulhoa Coelho.15

O art. 1.011 do Código Civil, que trata das sociedades simples, referente

ao dever de cuidado e diligência, aplicável às limitadas, conforme o disposto no art.

1.053 do Código Civil, e que, na falta de legislação especial, como a lei das S.As,

também aplicar-se-ia às sociedades anônimas, na forma do art. 1.089 do Código

Civil, coaduna-se com os deveres dos administradores das S.As., disciplinados nos

arts. 153 a 157 da Lei das S.As..

Os administradores devem cumprir os deveres estabelecidos nos arts. 153

a 157 da Lei das S.As., sempre considerados no Estatuto Social da companhia,

ainda que implicitamente, quais sejam: o dever de diligência, o dever de não agir

com abuso de poder, dever de lealdade, dever de não agir de forma conflitante com

o interesse da companhia e dever de informar, sendo o mais importante deles o de

bem administrar a sociedade.

Segundo José Edwaldo Tavares Borba,16 o administrador deve atender, e

estar comprometido, com o interesse da empresa, compreendendo as

conveniências de acionistas, empregados e da comunidade, e priorizando as

exigências do bem comum e a função social da empresa.

A atuação dos administradores em desrespeito aos deveres aos quais se

sujeita poderá ensejar a responsabilidade civil dos mesmos, pelos prejuízos, por

essa razão, causados para a companhia ou para terceiros.

3.1 - Dever de diligência -

O art. 153 da Lei das S.As. determina que o administrador deve ser

diligente, empregando, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que

todo homem ativo e honesto costuma empregar quando administrando os seus

próprios negócios, servindo à própria companhia, e não aos interesses dos

respectivos acionistas em particular, sempre comprometido com a busca da maior

lucratividade para o acionista, do bem estar dos empregados e dos interesses

sociais da comunidade, assim considerada, para os fins do dispositivo legal de que

15 Fábio Ulhoa COELHO, A sociedade limitada no novo Código Civil, p. 51.

26

se trata, como os núcleos urbanos ou rurais onde a atividade da empresa é

desenvolvida.

3.2 - Dever de não agir com abuso de poderes -

O art. 154 da Lei das S.As. trata do dever do administrador de não agir

com abuso de poder, mas sim visando ao interesse da companhia, de acordo com

a respectiva função social e os ditamos do bem público, e não de parte dos

acionistas. É considerado abuso de poder do administrador:

(a) A prática de ato de liberalidade, às custas da companhia, exceto

quando os beneficiários forem os empregados ou a comunidade da qual a empresa

participa, e a liberalidade seja razoável, justificada na sua extensão e na sua

finalidade, não afetando o patrimônio da sociedade, caso em que o ato de que se

trata é autorizado pelo Conselho de Administração ou pela Diretoria. Isso significa

que o administrador deve atentar para a natureza mercantil da sociedade anônima,

sendo seu patrimônio utilizado para esse fim, não podendo ser desfalcado sem

uma compensação plausível, segundo Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre

Tavares Guerreiro.17

(b) a utilização de bens, inclusive por empréstimo, de serviços ou crédito

da empresa, bem como a captação de empréstimo de recursos, junto à companhia,

para o seu proveito próprio, de terceiros, ou de sociedade em que tenha interesse,

sem a prévia autorização da Assembléia Geral ou do Conselho de Administração.

Segundo Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, não tem

cabimento o Conselho de Administração ser incumbido de autorizar empréstimo da

companhia em favor de membro do próprio órgão, o Conselho de Administração.

O mais conveniente seria, segundo os mencionados autores, que essa

competência autorizativa para a captação de empréstimo fosse restrita à

Assembléia Geral. Ressaltam, os autores supracitados, que as instituições

financeiras não podem conceder empréstimos ou adiantamento a seus

16 José Edwaldo Tavares BORBA, Direito societário. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 375. 17 Egberto Lacerda TEIXEIRA José Alexandre Tavares GUERREIRO, Das sociedades anônimas no direito brasileiro. São Paulo: Jorge Bushatsky, 1979. p. 472.

27

administradores e respectivos cônjuges e parentes (Lei n. 4.595/64, art. 34, incisos

I e II);

(c) recebimento de vantagem pessoal, ainda que indireta, pelo exercício do

cargo, sem prévia autorização estatutária ou da Assembléia Geral, que enseja a

obrigação do administrador faltoso de transferir à companhia as importâncias

recebidas pelo administrador por liberalidade de terceiros.

3.3 - Dever de lealdade -

O art. 155 da Lei das S.As., embasado em princípios morais, estabelece

que o administrador deverá servir a companhia com lealdade, mantendo em sigilo

as informações sobre os negócios realizados pela mesma, especialmente as que

podem afetar a cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia, sendo

vedado, sob pena de responder pelas perdas e danos advindas da prática de atos

em infração ao dispositivo legal mencionado:

(a) obter vantagens pessoais ou para terceiros, com oportunidades

comerciais envolvendo a companhia, de que venha a tomar conhecimento pelo

exercício do cargo que ocupa;

(b) omitir-se de seu dever de administrador, deixando de zelar pelos

direitos da companhia, de exercê-los ou de aproveitar oportunidades de negócio de

interesse da mesma, para obter vantagens para si ou para outrem, ainda que para

sociedade coligada, controladora ou controlada, as quais devem realizar operações

comutativas ou com pagamento compensatório adequado com a sociedade gerida

pelo administrador, como prevê o art. 245 da Lei das S.As.;

(c) concorrer com a empresa, adquirindo um bem ou direito, para

revender com lucro, apesar de ter conhecimento de que os mesmos são

necessários à empresa ou de que ela tem interesse em adquiri-los;

(d) divulgar informações de companhias abertas que possam afetar o

mercado, ou valer-se do seu conhecimento sobre as mesmas (insider trading) para

obter vantagem pessoal ou para terceiros, em detrimento de outrem, ensejando o

direito do prejudicado de pleitear as perdas e danos sofridos.

Nesse último caso, o objetivo é evitar a insider trading, que consiste no

aproveitamento de informações reservadas sobre a sociedade emissora de títulos,

28

em detrimento daquele que não tem conhecimento dela. A pessoa prejudicada tem

o direito de haver, do infrator, indenização por perdas e danos, se comprovar que,

ao contratar, desconhecia a informação.

3.4 - Dever de não atuar em caso de conflito de interesses -

O art. 156 da Lei das S.As. proíbe a intervenção do administrador em

qualquer operação ou deliberação social em que houver interesse conflitante com o

da companhia. Nesse caso, o administrador deverá cientificar os demais

administradores do seu impedimento, a ser consignado em ata de reunião do

respectivo órgão de administração da companhia, qual seja, o Conselho de

Administração ou a Diretoria. Por força do compromisso ético, fundado nas regras

morais, havido entre a companhia e o administrador, qualquer contrato celebrado

entre os mesmos deverá atender às condições de mercado, sob pena de

anulabilidade, como esclarece José Edwaldo Tavares Borba.18

3.5 - Dever de informar -

O dever de informar, segundo Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre

Tavares Guerreiro,19 compreende o dever de declaração no termo de posse; o

dever de revelação de dados à Assembléia Geral Ordinária; e o dever de

comunicação e divulgação.

O art. 157 da Lei das S.As. determina que o administrador deve declarar,

ainda, quando tomar posse do seu cargo, e depois, constantemente, a pedido dos

acionistas que representem mais de cinco por cento do capital social, as ações de

emissão da companhia de que é titular, os bônus de subscrição, opções de compra

de ações e debêntures conversíveis em ações, emitidos pela mesma ou por outras

sociedades do mesmo grupo econômico, de cujo capital a companhia participe. O

18 José Edwaldo Tavares BORBA, Direito societário, p. 377. 19 Egberto Lacerda TEIXEIRA; José Alexandre Tavares GUERREIRO, Das sociedades anônimas no direito brasileiro, p. 475.

29

dever de fornecer dados à Assembléia Geral Ordinária pelo administrador

compreende a divulgação de informações sobre as vantagens de que goza,

concedidas por empresas do mesmo grupo ou por coligadas, bem como as

condições da contratação, pela companhia, de diretores ou de empregados de alto

nível, bem como de qualquer ato ou fato considerados relevantes nas atividades da

companhia.

O pedido de revelação de dados pelos administradores deve ser

encaminhado por acionistas representando, no mínimo, 5% (cinco por cento) do

capital social, podendo o referido percentual ser reduzido pela CVM. Os

administradores podem recusar-se a prestar tais informações sobre atos ou fatos

relevantes envolvendo a atividade da companhia, se for considerado prejudicial à

sociedade, como, por exemplo, no caso de risco de divulgação de dados para a

concorrência. Em caso de conflito entre acionistas e administradores, poder-se-á

apresentar um pedido para o Conselho Fiscal, e a CVM poderá intervir e

responsabilizar os administradores pelo descumprimento de seu dever, se assim

entender correto.

Esse direito de minoria de penetrar na vida societária, buscando

informações, pode trazer efeitos danosos para a sociedade e, nesses casos, sob

essa justificativa, a CVM interferirá se não houver acordo prévio entre as partes.

O art. 157 da Lei das S.As. exige também que o administrador de

companhia aberta, por força do seu dever de informar, comunique, imediatamente,

à bolsa de valores e à CVM (art. 4, IV, da Lei n. 6.385/76), bem como divulgue pela

imprensa (disclosure), em benefício do legítimo interesse da companhia ou do

acionista, sob pena de responsabilidade, qualquer deliberação da Assembléia Geral

ou dos órgãos da administração, ou fatos relevantes ocorridos na companhia que

possam influir, de forma consistente, na cotação dos valores mobiliários de emissão

da companhia, e, assim, na decisão dos investidores do mercado, acerca da

compra ou da venda dos títulos mobiliários de emissão da mesma. A divulgação de

fato relevante da companhia pode ser requerida pelos acionistas representando

cinco por cento do capital da companhia, e é disciplinada pela Instrução CVM n.

31/84.

30

O disclosure, segundo José Edwaldo Tavares Borba,20 em certas situações

e excepcionalmente, poderá não prevalecer, e o administrador poderá justificar a

não revelação de certo fato, caso haja risco de que a referida divulgação venha a

ser maléfica para a companhia.

Pode ser mencionado, ainda, como dever de informar do administrador, o

de submeter à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(CADE), através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), conforme o

disposto no art. 54, caput e parágrafo quarto da Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste), os

atos que possam limitar ou, de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência, ou

resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços. O referido ato

deve ser informado com antecedência de, no máximo, 15 (quinze) dias úteis de sua

realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação à SDE.

3.6 - Outros deveres dos administradores das S.As. -

Além desses deveres, podem ser encontrados, na Lei das S.As., de forma

esparsa, outros deveres dos administradores, como bem afirma P.R. Tavares

Paes,21 tais como:

- o dever de promover o depósito de parte do capital realizado em dinheiro,

quando da constituição da companhia, de acordo com o disposto nos arts. 80, III, e

81 da Lei das S.As.;

- o dever de assinar os certificados das ações, das partes beneficiárias,

das debêntures, e dos bônus de subscrição, de acordo com os arts. 21-XI, 49-VII,

64 - XII e 79-VIII da Lei das S.As., respectivamente;

- o dever de convocar a Assembléia Geral, uma vez encerrada a

subscrição de ações, na constituição da companhia, se for negado pelo Registro do

Comércio, o arquivamento dos respectivos atos constitutivos por irregularidade, a

ser sanada, conforme o disposto no parágrafo primeiro do art. 97 da Lei das S.As.;

20 José Edwaldo Tavares BORBA, Direito societário, p. 376. 21 P. R. Tavares PAES, Responsabilidade dos administradores de sociedades. São Paulo: RT, 1978. p. 132.

31

- o dever de tratar das providências referentes às formalidades

complementares à constituição da companhia, sob pena de responsabilização dos

administradores perante a companhia, como determinam os arts. 98 e 99 da Lei

das S.As.;

- o dever de efetuar a chamada, pela imprensa, ao acionista em mora, para

a realização das ações subscritas, na omissão do Estatuto e do boletim, na forma

do art. 106 da Lei das S.As.;

- o dever de convocar os acionistas para as Assembléias Gerais, nos

casos previstos em lei e no Estatuto, como determina o art. 123 da Lei das S.As.;

- o dever de comunicar o fato de que se encontram à disposição dos

acionistas, antes da realização da Assembléia Ordinária, os seguintes documentos,

dentre outros relativos à ordem do dia, para análise: relatório da administração;

cópia das demonstrações financeiras; parecer dos auditores independentes, se

houver; parecer do Conselho Fiscal, inclusive os votos dissidentes, em havendo,

como determina o art. 133 da Lei das S.As.;

- o dever de comparecer às Assembléias Gerais ordinárias para prestar

esclarecimentos aos acionistas, quando solicitado, como previsto no art. 134,

parágrafo primeiro, da Lei das S.As.;

- o dever de prestar contas do seu mandato, anualmente, na Assembléia

Geral ordinária, como determina o art. 132, inciso I da Lei das S.As.;

- o dever de efetuar chamada do subscritor de capital não integralizado,

para efetuar o pagamento do valor devido, mediante avisos publicados na

imprensa, sob pena de constituição do acionista em mora, conforme o art. 106,

parágrafos primeiro e segundo, da Lei das S.As.

32

4. A RESPONSABILIDADE CIVIL

4.1 - Conceito de ato ilícito e de responsabilidade -

4.1.1 - Ato ilícito -

A análise do conceito de responsabilidade depende da compreensão do

alcance do ato ilícito praticado.

Segundo Caio Mario da Silva Pereira,22 o ato jurídico funda-se na

declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada

à produção de efeitos. O ato lícito corresponde à manifestação de vontade em

conformidade com a ordem legal e tendente a produzir efeitos jurídicos, gerando

direitos ou obrigações, conforme o interesse do agente.

Por outro lado, o ato ilícito, como afirma Marcus Elídius Michelli de

Almeida,23 envolve necessariamente: (a) a ocorrência da prática de um

comportamento, ou seja, uma ação ou uma omissão; (b) a violação de um direito,

considerado, inclusive, o mau uso de um direito de que o agente é titular (abuso de

direito), com o exercício irregular do direito, de forma que exceda manifestamente

os limites impostos pelo fim econômico ou social, ou de modo contrário à boa-fé e

aos bons costumes; e (c) uma ação culposa, baseada na culpa ou dolo.

O ato ilícito é criador de deveres para o agente, em função da correlata

obrigatoriedade da reparação, que se impõe àquele que, transgredindo a norma, ou

seja, atuando em desacordo com a ordem legal, causa dano a outrem. O ato ilícito

culposo pode ser praticado de forma intencional ou não, com dolo ou meramente

com culpa, pode envolver ação ou omissão, e reúne os seguintes requisitos: (a)

conduta envolvendo a realização intencional ou meramente previsível de um

resultado exterior; (b) a violação do ordenamento jurídico, caracterizada na

contraposição do comportamento à determinação de uma norma; (c) a

22 PEREIRA, Caio Mario da Silva, Teoria geral do direito civil. In: Instituições de direito civil. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 560. 23 Marcus Elídius Michelli de ALMEIDA, Abuso do direito e concorrência desleal. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 78/79

33

imputabilidade que significa a atribuição do resultado antijurídico à consciência do

agente; (d) a penetração da conduta na esfera jurídica alheia, pois, enquanto

permanecer inócua, desmerece a atenção do direito. O ilícito civil corresponde a um

atentado contra o interesse privado de outrem, e o dano causado deve ser

reparado, para que se restaure o equilíbrio rompido.

A reparação do dano é devida quando se comete um ato ilícito, ou seja, um

erro de conduta, um agir contrário ao Direito que se enquadre nos extremos legais,

configurando uma infração de dever oriundo de contrato ou extracontratual (uma

obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei, não

necessariamente a de ordem pública), ensejando a lesão do direito alheio, inclusive

da comunidade. A ilicitude consiste em uma contrariedade entre a conduta adotada

e a norma jurídica prescrita, e pode referir-se a qualquer ramo do Direito.

O ato ilícito, praticado por qualquer um, na esfera privada ou pelos

servidores públicos, pode envolver três categorias de infração: a civil, a penal e a

administrativa. Assim, o ato ilícito praticado pode ensejar, cumulativa ou

isoladamente, a reparação civil (por força da prática de ato ilícito civil, ou de ato

lícito, no caso da responsabilidade objetiva); a responsabilidade penal (pela prática

de crimes, ensejando a aplicação de pena, qual seja, o seqüestro e perdimento de

bens do condenado, e, inclusive, a pena restritiva da liberdade) e a

responsabilidade administrativa ou trabalhista (disciplinar, que pode envolver a

justa perda de função ou emprego), como afirma Hely Lopes Meirelles.24

Segundo Sergio Cavalieri Filho,25 as ilicitudes são classificadas de acordo

com critérios de conveniência e oportunidade, de acordo com o interesse da

sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço. Por essa razão, a mesma

ilicitude pode consistir em violação a diversos diplomas legais.

24 Hely Lopes MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 469. 25 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 35-36.

34

4.1.2 - A responsabilidade civil, penal e administrativa -

A responsabilidade tem por elemento nuclear uma conduta voluntária que

viola um dever jurídico e classifica-se de acordo com esse dever violado e com o

elemento subjetivo dessa conduta.

José Edwaldo Tavares Borba26 afirma, no mesmo sentido, que os

administradores das sociedades que agirem dentro das exigências legais não

respondem pessoalmente pelos prejuízos causados para a empresa. Entretanto, a

má conduta deles poderá ser analisada sob qualquer um ou sob os três seguintes

ângulos: responsabilidade penal (com os ilícitos tipificados no art. 177 do Código

Penal, que trata dos crimes contra o patrimônio, tal como a obtenção de aprovação

irregular de contas, a distribuição de lucros independentemente de levantamento de

balanço, a contratação de empréstimo sem prévia autorização do órgão

competente, a promoção artificial de falsa cotação de valores mobiliários da

sociedade, bem como a omissão fraudulenta de informação ou a declaração falsa),

administrativa (funcional, em relação à estrutura hierárquica da empresa) e a civil.

4.1.2.1 - A responsabilidade civil -

A responsabilidade civil é a que se traduz, como ensina Hely Lopes

Meirelles,27 na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure, se resolvendo,

com o pagamento de indenização ao sujeito lesado, indivíduo ou a coletividade,

para fins de ressarcimento do prejuízo sofrido pelo mesmo. Não resta dúvida de

que pode ser imputada responsabilidade civil por danos causados a terceiros, tanto

ao servidor público como à Administração Pública.

Não resta dúvida de que a responsabilidade civil consubstancia-se na

obrigação de reparar o dano causado pelo ilícito praticado, e independe da criminal

ou da administrativa, com as quais pode coexistir. Os processos de apuração da

responsabilidade do agente do ato ilícito podem ser simultâneos ou não. A

condenação penal, segundo Hely Lopes Meirelles,28 implica no reconhecimento das

26 José Edwaldo Tavares BORBA, Direito societário, p. 423. 27 Hely Lopes MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, p. 621-34. 28 Hely Lopes MEIRELLES , Direito administrativo brasileiro, p. 472.

35

demais, dado a gravidade que envolve. Entretanto, a absolvição penal, por falta de

provas e não aferição de sua culpa, não enseja, necessariamente, sua absolvição

do ilícito civil e do administrativo, este último, aplicável se o infrator for funcionário

público.

Como afirma Sergio Cavalieri Filho,29 a responsabilidade civil pode estar

prevista em qualquer ramo do Direito, e consubstancia-se no dever de indenizar, de

natureza reparatória, para fins de restabelecimento do equilíbrio jurídico-econômico

antes havido entre as partes (o agente e a vítima), e quebrado, por força do dano

causado. O equilíbrio havido, nesse caso, é restabelecido através de uma

indenização fixada ao agente ofensor, na proporção do dano causado à vítima.

4.1.2.2 - A responsabilidade penal -

O delito criminal representa violação da lei penal e causa um desequilíbrio

social que deve ser reparado, através da segregação do agente, da respectiva

diminuição patrimonial ou da privação de uma faculdade do mesmo.

A responsabilidade penal resulta da prática de crimes, verificados através

do devido processo legal. A imputação de responsabilidade criminal depende da

prévia concessão de garantia, ao réu, da ampla defesa.

De acordo com Vanessa Ramalhete Santos Neves,30 a responsabilidade

penal, advinda da prática de um crime, praticado com culpa ou dolo, é sempre

subjetiva, envolve a infração de norma de direito público, e o respectivo

comportamento afeta a ordem pública social. A tipificação de uma conduta como

crime resulta de um juízo de valor de uma opção do legislador que estabelece, no

caso da sanção penal, uma pena mais grave do que no caso do ilícito civil.

Por outro lado, a responsabilidade civil, que se consubstancia na obrigação

de reparar o dano causado pelo ilícito praticado, independe da criminal ou da

administrativa, com as quais pode coexistir. Os processos de apuração da

responsabilidade do agente do ato ilícito podem ser simultâneos ou não. A

condenação penal, segundo Hely Lopes Meirelles,31 implica o reconhecimento das

29 Sergio CAVALIERI FILHO. Programa de responsabilidade civil, p. 35-36. 30 Vanessa Ramalhete Santos NEVES, Responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas, p. 102-103. 31 Hely Lopes MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, p. 472.

36

demais, dado a gravidade que envolve. Entretanto, a absolvição penal, por falta de

provas e não aferição de sua culpa, não enseja, necessariamente, sua absolvição

do ilícito civil e do administrativo, aplicável se o infrator for funcionário público.

A responsabilidade penal dos administradores de empresas está prevista

nas seguintes leis, dentre outras: (a) a Lei n. 7.492/86, que trata dos crimes contra

o sistema financeiro nacional, (b) a Lei n. 8.137/90, que trata dos crimes contra a

ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, (c) a Lei n.

10.303/2001, que alterou a Lei n. 6.385/76, referente ao mercado de capitais, e (d)

a Lei n. 1.521/51, referente à economia popular, que trata de fraude a qualquer

informação devida aos acionistas, visando à sonegação de lucros e dividendos ou à

promoção de desvio de fundos da sociedade.

4.1.2.3 - A responsabilidade administrativa -

A responsabilidade administrativa resulta da violação, pelos servidores

públicos, de norma que regulamente a sua função administrativa. O ilícito

administrativo, dessa forma, como esclarece Hely Lopes Meirelles,32 corresponde a

uma falta funcional e enseja a aplicação de pena disciplinar, com base em processo

administrativo regular – o devido processo legal.

A aplicação da punição administrativa independe da responsabilização civil

ou penal do servidor, pelo mesmo ato ilícito praticado. A pena administrativa

aplicável, quando não for a de demissão, extingue-se pelo seu cumprimento, na

maioria das vezes, e excepcionalmente pela prescrição ou pelo perdão, por parte

da Administração, denominado anistia, que deve ser concedida em caráter geral, e

não individual.

Quando os servidores públicos praticam atos ilícitos causadores de danos,

no desempenho de suas atribuições funcionais ou a pretexto de exercê-las, podem

ser responsabilizados administrativa ou civilmente pelos danos causados com

culpa, perante a Administração, e esta responsabiliza-se, de forma objetiva, perante

as vítimas, dado o seu dever de zelar pela integridade do patrimônio público,

resguardando-se do direito de ressarcir-se, dos prejuízos sofridos, perante os

servidores públicos causadores dos danos, como determina o art 37, parágrafo

32 Hely Lopes MEIRELLES, Direito administrativo brasileiro, p. 470.

37

sexto, da Constituição Federal. O mesmo aplica-se às pessoas jurídicas de direito

privado, prestadoras de serviço público, com relação aos danos causados por seus

agentes com relação às próprias vítimas.

Condenada a ressarcir terceiros pelos danos causados por funcionário

público, a Administração Pública poderá interpor ação regressiva contra seu

funcionário considerado culpado, para a restituição dos danos causados-lhe. Não

resta dúvida de que o servidor público poderá intervir, como assistente voluntário,

no processo judicial em curso, interposto, por terceiro lesado, contra a

Administração, de modo a evitar maior prejuízo à Administração Pública e

indiretamente a si próprio, de quem a Administração poderá exigir o ressarcimento

dos prejuízos sofridos.

A responsabilidade civil do funcionário público é subjetiva, e independe da

sua responsabilidade administrativa ou penal, sendo verificada perante a Justiça

Comum.

Deve-se ressaltar que é possível ser imputada responsabilidade

administrativa ao funcionário público, mas se o mesmo não causar qualquer dano

para a Administração Pública, no exercício de suas atividades, não lhe será

imputada responsabilidade civil. Por outro lado, o servidor que causa prejuízo para

a Administração obriga-se a indenizar a mesma do prejuízo sofrido, imputando-se a

ele responsabilidade civil, além da administrativa.

A sanção disciplinar, regulada pelo direito administrativo, enumerada nos

diversos estatutos dos funcionários públicos, como afirma José Cretella Júnior,33

corresponde ao conjunto de medidas tomadas pela Administração Pública contra

seus funcionários que infringem dispositivos legais ou regulamentares, e pode

corresponder a uma sanção moral, pecuniária ou mista, sendo a primeira uma

advertência ou repreensão, a segunda uma multa, incidindo sobre o patrimônio do

funcionário, e a última, a que envolve as duas antes mencionadas. Em regra geral,

a aplicação da sanção disciplinar está relacionada à esfera discricionária da

Administração Pública, no que tange à análise de oportunidade, conveniência e

razoabilidade.

33 José CRETELLA JÚNIOR, Sanção disciplinar. In: FRANÇA, R. Limongi (Coord.), Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 67. p. 17.

38

No entendimento de Eros Grau,34 ao lado da sanção jurídica administrativa

encontra-se a sanção econômica, aplicada pelo Estado, em caso de não

atendimento de certas normas, consubstanciando-se em um efeito econômico

negativo aos infratores, resultando, por exemplo, em um pior posicionamento dos

infratores, no mercado, em relação aos demais concorrentes. Essa sanção tem

como objetivo estimular o cumprimento das normas jurídicas que se servem,

atualmente, não só das sanções jurídicas, como também das econômicas.

Concluímos, assim, em face da análise dos doutrinadores acima

mencionados, que não se imputa responsabilidade administrativa aos

administradores das sociedades anônimas, mas apenas aos funcionários públicos.

Por força da condução da atividade econômica controlada e fiscalizada

pelo Poder Público que desenvolve, a empresa pode envolver-se com a prática de

ilícitos junto ao referido órgão fiscalizador, submetendo-se a processo

administrativo por infração à legislação aplicável a tais órgãos da Administração

pública. Isso não significa que é administrativa, a responsabilidade dos

administradores das empresas, apurada em qualquer processo, inclusive

administrativo. A responsabilidade administrativa é imputada especificamente aos

funcionários públicos.

Se a responsabilidade do administrador consubstancia-se na reparação do

dano causado, por infração de um dos seus deveres de administrador de

empresas, então, tratar-se-á de responsabilidade civil do administrador por infração

à norma legal.

4.1.3 - A responsabilidade civil -

A responsabilização civil exige o nexo de causalidade entre o ato praticado

e o dano causado, atinge tanto as pessoas de direito privado como as de direito

público, e pode ser suportada por pessoa física ou jurídica, no que se difere da

responsabilidade criminal, própria do ser humano.

Originariamente, baseada apenas nos atos ilícitos culposos

(responsabilidade subjetiva), atualmente, também envolve a responsabilidade civil,

34 Eros GRAU, Sanção econômica. In: FRANÇA, R. Limongi (Coord.), Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 67, p. 19-20.

39

conforme o disposto nos arts. 927, parágrafo único, e 931 do Código Civil, os atos

lícitos praticados com relação a uma atividade de risco, que garante um benefício

ao seu responsável (responsabilidade objetiva). O dever de reparar o dano causado

advém, assim, do risco criado pelo interessado para a comunidade, muitas vezes,

com conseqüências imprevisíveis.

Desse modo, verificamos que a responsabilidade civil pode ser causada

por ato ilícito culposo ou pela assunção do risco que envolve a realização de certa

atividade econômica. A indenização devida ao responsável pelo dano causado

pode decorrer de disposição de contrato – responsabilidade contratual, ou da lei,

responsabilidade extracontratual, que pode, inclusive, ter os seus limites fixados em

lei, afastando-se a obrigação de pagamento de indenização integral.

A responsabilidade civil pode ser contratual ou extracontratual, baseando-

se a primeira na vontade dos indivíduos, celebrada em contrato, e a segunda, em

um dever jurídico imposto por lei ou pela ordem jurídica.

Trata-se de um instrumento de compensação das perdas sofridas pela

vítima, mas também uma forma de impedir ou desestimular, ao menos, a repetição

de condutas semelhantes no futuro, como afirma José Reinaldo de Lima Lopes.35

Assim, a responsabilização civil tem o objetivo reparatório, punitivo e educacional,

estabelecendo indiretamente regras de comportamento social.

A responsabilidade civil deve ser analisada de forma individual, quando

visa realizar a justiça meramente comutativa (envolvendo conflitos individuais de

direito privado), e sob o aspecto macro social, que envolve a justiça distributiva e o

mercado como um todo. Desse modo, verifica-se que a responsabilidade civil

contém uma função essencial de desestímulo e prevenção de ofensas às pessoas

e aos bens alheios, sendo diversas as suas origens.

É pela responsabilidade civil que se determina quem sofre as perdas, e,

assim, quem detém suficiente poder para impor a outrem as perdas socialmente

existentes.

As funções da responsabilidade civil, esclarece ainda o citado autor, visa,

então (a) ao ressarcimento para restabelecer o equilíbrio social original; (b) à

reafirmação do poder do Estado de impor sanções, e, finalmente; (c) à inibição ou a

impedimento das infrações às norma jurídica vigente.

35 José Reinaldo de Lima LOPES, Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: RT, 1992. p. 17.

40

As funções preventiva e reparadora da responsabilidade civil devem estar

juntas, de modo que o infrator veja-se desestimulado a reiterar na prática de atos

ilícitos. É sabido que o empresário, por exemplo, calcula o valor de eventual

indenização devida pela prática de qualquer ato ilícito e não se desestimula a

praticá-lo se financeiramente lhe convier. Daí advém a fundamental importância da

função preventiva, aplicada em conjunto com a função punitiva da responsabilidade

civil, em um contexto mais amplo, que inclui a divulgação da imagem negativa do

empresário, e a atuação do poder de polícia exercido pelo Poder Executivo, através

do qual é determinada, por exemplo, a proibição de fabricação de um produto ou a

sua apreensão. Assim, não pode ser dissociada a disciplina da responsabilidade

civil no direito privado, da sua disciplina de controle público e estatal.

Assim, a proteção dos interesses da sociedade não se estabelece pela

mera cobrança dos prejuízos sofridos, mas pela disciplina pública da atividade

industrial submetida ao Poder de Polícia. Isso demonstra que a responsabilidade

civil é também considerada uma responsabilidade pública e social, exercida através

do controle estatal, que envolve um sistema de autorizações e vigilância, exercida

por amostragem. O empresário que descumpre as determinações públicas estatais

relativas à sua atividade assume responsabilidade civil objetiva.

O controle administrativo e estatal da atividade econômica antes era

apenas previsto em leis esparsas, e foi em seguida disciplinado, no que toca à

relação entre empresários e consumidores, por exemplo, pelo Código de Defesa

dos Consumidores, considerado uma polícia de consumo que não dispensa, de

forma concorrente, o controle das relações de consumo pelo próprio cidadão.

Assim, há, no mínimo, três facetas através das quais pode ser enfocada a questão

da responsabilidade do fornecedor: a da empresa, a do consumidor e a do Estado.

Da mesma forma, o controle estatal, como expressão da função social da

responsabilidade civil, também pode ser exercido para fins de organização do

mercado de produção, envolvendo a forma de concorrência entre os empresários, a

proibição da concorrência desleal, a definição de monopólio e oligopólio, a

estipulação de preços dos produtos e serviços, dentre outras. Sendo assim,

também nesse caso, o descumprimento de padrões de conduta fixados pelo poder

público enseja responsabilidade civil do infrator, dado que a responsabilidade civil

envolve questões de direito público, vez que os princípios que o norteiam (estrita

41

legalidade, moralidade, transparência dos negócios públicos, por exemplo) têm

contaminado a legislação relativa às organizações empresariais.

Nesse contexto, conclui o referido autor, José Reinaldo de Lima Lopes,36

estabelece que a disciplina da responsabilidade civil não é matéria de direito

comercial, no sentido estreito do termo, mas de direito empresarial e de

reorganização de mercado, do que depende o desenvolvimento da democracia,

fruto da dialética do capitalismo, visando à proteção dos interesses sociais, ora

representados pelos cidadãos, consumidores, empregados, ora pelos empresários.

Verifica-se, assim, que a responsabilidade civil apresenta-se de forma

ampla, não apenas com função reparatória, mas também preventiva, educativa e

punitiva, configurando-se pelo ressarcimento do dano causado, mas também

através de controles e punições determinados pelo Estado.

4.1.4 - As sanções – civil, penal e administrativa -

De acordo com a norma que impõe a sanção ao dever violado, a

responsabilidade pelo dano causado, em conseqüência, será civil, administrativa ou

penal. A distinção entre o ilícito penal e o civil, por exemplo, baseia-se na maior

gravidade e imoralidade. Entende-se, por outro lado, que tal distinção serve

meramente para fins de conveniência política ou de oportunidade, afeiçoados na

medida do interesse da sociedade e do Estado, variável no tempo e no espaço,

como esclarece Sergio Cavalieri Filho.37

No mesmo sentido, podemos mencionar que a natureza das sanções, civil,

administrativa e penal, coadunam-se com as características de cada uma das

respectivas responsabilidades acima mencionadas.

Antes de tratar da natureza das sanções acima mencionadas,

esclareçamos o sentido jurídico da própria sanção. Como afirma Arnaldo

Vasconcelos,38 a sanção pode ter caráter premial, como uma recompensa,

aplicável em decorrência de uma ação, de acordo com as normas jurídicas, ou

36 José Reinaldo de Lima LOPES, Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor, p. 146-147. 37 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 36. 38 Arnaldo VASCONCELOS, Sanção. In: FRANÇA, R. Limongi (Coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 66, p. 519.

42

caráter punitivo, exigível por força da prática de atos ilícitos, respectivamente. A

sanção punitiva visa refazer a prestação inobservada, através do cumprimento

forçado, ou recompô-la, através da indenização. A sanção ainda pode ter como

objetivo recuperar o faltoso, com um castigo, com sentido mais educativo do que de

exemplaridade ou de satisfação social. Essas formas simples de sanção jurídica

podem apresentar-se de forma mista ou complexa, resultantes da combinação

entre elas.

A escolha da sanção, resultado da não prestação de uma obrigação e

pressuposto da coação, pertence à estrutura da norma jurídica, estabelecida pelo

poder institucionalizado, que compreende um ato executivo, judicial ou legislativo,

obtendo eficácia dessa maneira.

A coação, por outro lado, constitui ato político de uso do poder na

execução forçada da sanção, de modo a buscar-se a recomposição do direito

violado.

A sanção em si, é sabido, não pode significar a garantia de plena

restauração do direito violado, dado que, no plano humano, essa recomposição

absoluta é impossível.

Verifica-se que a sanção está prevista na lei que trata da responsabilização

do agente do ato. Toda lei, como é sabido, é dotada de sanção, elemento

característico da norma jurídica que a difere do preceito moral. A intensidade,

porém, da sanção varia, conforme se faça sentir o efeito danoso da transgressão

do preceito, na prática do ato jurídico. Quando se tratar de responsabilidade

objetiva, que não envolve o conceito de culpa, considera-se, para fins de definição

da intensidade da sanção, o efeito danoso do risco assumido perante a sociedade.

Há uma classificação das leis segundo a intensidade da sanção prevista:

(a) leis perfeitas, que cominam a pena de nulidade para os atos proibidos, e

impõem uma conduta específica como condição de eficácia de certos atos; (b) leis

menos que perfeitas, que estabelecem atos proibidos ou exigem certo

comportamento, determinando uma penalidade para o desrespeito deles; e (c) leis

imperfeitas, que não prevêem a nulidade do ato, nem outra punição ao

transgressor, procurando o legislador, por outros meios, obviar a sua contravenção,

como menciona Caio Mario da Silva Pereira.39

39 Caio Mario da Silva PEREIRA, Instituições de direito civil, p. 96-97.

43

É sabido que há normas denominadas imperfeitas, que servem para fechar

o ordenamento jurídico, garantindo-lhe a plenitude, como uma prescrição de caráter

político, com lugar adequado no texto constitucional, preferivelmente no capítulo

das declarações de direito, por exemplo. Trata-se de uma declaração política de

caráter ideológico. A norma jurídica, por outro lado, deve estar sempre

acompanhada da respectiva sanção. Toda norma de conduta, assim, deve estar

acompanhada da respectiva sanção para que tenha eficácia.

Entendido o sentido da sanção propriamente dito, passemos à análise de

cada tipo de sanção, para compreender a questão da responsabilidade que cada

uma enseja, e os limites e o alcance da responsabilidade civil, objeto do presente

estudo.

A sanção pode ter natureza civil, penal ou administrativa, como acima

mencionado.

A que interessa ao presente trabalho é a sanção civil, também denominada

patrimonial, correspondente à medida jurídica imposta em forma de sacrifício

econômico, por violação de preceito legal ou convencional, e como garantia de

direitos, forma assecuratória da eficácia de princípios considerados imprescindíveis

à ordem jurídica.

A sanção civil dirige-se ao patrimônio do autor (a) do ato ilícito que causou

lesão do direito a terceiro, ou (b) da assunção do risco de realização de certa

atividade econômica causadora de danos para a comunidade local.

As modalidades do instituto da sanção civil são várias, com regimes

próprios e funções diversificadas, como preventiva, assecuratória, corretiva,

repressora ou ressarcitória.

Aplica-se a sanção patrimonial, desde que reunidos os seguintes

requisitos: (a) a existência de uma norma cominatória com expressão pecuniária;

(b) o ato lesivo ou que põe em risco o direito alheio; e (c) a ação coativa do lesado

ou ameaçado de sofrer a lesão. Além desses requisitos, encontram-se elementos

que influem na estrutura dos tipos qualificados, conforme cada critério técnico de

aplicação: ilicitude, imputabilidade, culpa ou dolo e dano.

A cominação da sanção aplicável extrajudicialmente, por acordo entre as

partes envolvidas, ou por via judicial ou administrativa terá seu valor prefixado na

norma, ou ficará ao arbítrio e controle do julgador. Essa sanção pode ser exigida

em conjunto com outras, ou de forma alternativa ou exclusiva.

44

Como esclarece Moacyr de Oliveira,40 dado o caráter patrimonial da

sanção, a mesma encontra no direito civil, na parte das relações econômicas, o seu

campo natural. O respectivo sujeito infrator, ao qual se aplica a sanção patrimonial

pode ser o delinqüente, o infrator, o inadimplente ou o contribuinte, obrigado à

prestação em dinheiro ou em coisa.

A responsabilidade tem por elemento nuclear uma conduta voluntária que

viola um dever jurídico e classifica-se de acordo com esse dever violado e com o

elemento subjetivo dessa conduta.

Não resta dúvida de que a responsabilidade civil somente constitui uma

sanção eficaz se o autor do delito tem fundos suficientes, pois, caso contrário, o

temor da responsabilização civil não impede a prática de atos ilícitos, tendo em

vista que é o patrimônio do administrador que responde por tais atos. Assim, há de

aliar-se a responsabilidade civil à penal, que tem função repressiva e preventiva,

aplicando-se aos crimes cometidos, complementarmente, aplica-se em conjunto

com a sanção civil e a penal, a sanção advinda de processo administrativo, que

pode consistir em multa, apreensão de produtos, cessação do registro do produto,

perante o órgão competente, suspensão temporária da atividade do fornecedor,

intervenção administrativa, imposição de contrapropaganda, dentre outras,

estabelecidas no art. 61 do CDC e as definidas nas normas específicas.

Ressaltamos que, como estabelecido pela classificação doutrinária acima

mencionada, tem-se a sanção penal e a civil, aplicáveis aos agentes dos atos

puníveis, reunindo, a sanção civil, a sanção pecuniária estabelecida no bojo do

processo administrativo e do processo civil interposto contra os infratores da ordem

econômica.

4.1.5 - O enfoque da responsabilidade civil do presente trabalho -

O presente estudo envolve a responsabilidade civil do administrador das

sociedades anônimas, ensejadora do seu dever de indenizar o dano sofrido pela

sociedade, pelo acionista ou por terceiro, qualquer que seja o ato ilícito culposo, no

40 Moacyr de OLIVEIRA, Sanção patrimonial. In: FRANÇA, R. Limongi (Coord.), Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 67, p. 22-25.

45

caso da responsabilidade subjetiva, ou ato ilícito (envolvendo o risco da atividade

econômica) no caso da responsabilidade objetiva aplicável.

Como acima mencionado, essa responsabilização do administrador para

fins indenizatórios pode estar prevista em qualquer diploma legal brasileiro, e é

absolutamente independente de eventual responsabilização de outra natureza,

imputada ao agente do ato, seja de caráter penal ou administrativo, neste último

caso, se, paralelamente, o administrador da empresa exercer outra função, junto à

Administração Pública, e por conta desse fato cometer um ilícito administrativo,

independentemente de sua atuação como administrador da S.A., porém, afetando-a.

Deve-se ressaltar que apesar da doutrina considerar três tipos de sanção,

como acima mencionado, quais sejam, a civil, a penal e a administrativa (quando

advinda de falta disciplinar no exercício da função junto à Administração Pública),

há quem entenda que a condenação oriunda de um processo administrativo

corresponde a uma sanção administrativa. Mas não é assim que tratamos a sanção

administrativa neste trabalho. Entendemos devido adotar a tese de que, sendo

pecuniária e reparatória de danos, a sanção é civil; sendo privativa da liberdade, a

sanção é penal; e sendo funcional e disciplinar, a sanção é administrativa. Por esta

razão, consideramos civil a sanção e, assim, da mesma forma, a responsabilidade

do administrador sempre que lhe for imputada sanção pecuniária reparatória,

qualquer que seja o órgão julgador, inclusive os órgãos da Administração Pública,

como o Cade. Por essa razão, este trabalho inclui nas responsabilidades civis do

administrador as mencionadas no item 5 abaixo.

Como acima demonstrado, a responsabilização civil também envolve o

controle estatal de forma preventiva, educadora e corretiva, de modo que sejam

efetivamente atendidos os interesses da sociedade não só da reparação dos

danos, como também na prevenção deles.

A reparação do dano causado pelo infrator ou pelo empresário que

assumiu os riscos da sua atividade econômica pode ser entendida como a resposta

necessária imposta pelo ordenamento jurídico, para que o sistema tenha eficiência

e que ela seja expressiva, servindo de exemplo e inibindo ou desestimulando ações

causadoras de danos eventuais.

Como acima mencionado, este trabalho tem por objeto a responsabilização

civil do administrador das S.As. pela prática de atos ilícitos culposos, como regra

geral, e pela prática de atos lícitos, como exceção (responsabilidade objetiva) que

46

enseja o dever do mesmo de reparar o dano causado, de forma ampla, através do

pagamento de indenização a quem quer que tenha sido lesado, no âmbito

individual e/ou social, quaisquer que sejam os órgãos encarregados e os

procedimentos para a apuração e verificação do agente do ato, ainda que no

ordenamento jurídico brasileiro, de forma conjunta e concorrente.

4.2 - Responsabilidade civil -

O Código Civil traz a regra geral da responsabilidade subjetiva (pela

indenização do dano causado por ato ilícito praticado com culpa), conforme o

disposto no seu art. 927, considerando-se, como exceção, a responsabilidade

objetiva dos empresários, independentemente da ilicitude do ato, prevista no art.

927, parágrafo primeiro, e 931 do CC.

Deve-se observar que, no que toca aos administradores, a

responsabilidade subjetiva é a regra.

Por outro lado, no que toca à Administração Pública, a CF de 1988, no seu

art. 37, imputa-lhe responsabilidade objetiva com relação ao seu dever de

reparação dos prejuízos sofridos pela vítima dos danos causados pelo servidor

público no exercício de sua função junto à Administração Pública. Deve-se

ressaltar, por outro lado, que é subjetiva a responsabilidade do servidor público

perante a Administração.

4.3 - Responsabilidade subjetiva -

O art. 927 do Código Civil estabelece a obrigação de reparação de dano

por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,

considerada ilícita, violar direito ou causar dano para outrem, moral ou material.

Nesse sentido, o art. 927 do Código Civil faz referência aos arts. 186 e 187

do mesmo diploma legal e determina que, aquele que causa dano a outrem pela

prática culposa de atos ilícitos, fica obrigado a repará-lo.

Para esclarecer o conteúdo do art. 927 do Código Civil, pode ser

mencionado o art.186 do mesmo Código, no sentido de que os danos causados por

47

atos ilícitos, praticados culposamente, merecem reparação, pelo seu agente.

Qualquer tipo de dano deve ser reparado, inclusive o dano moral. Consta, ainda,

uma nova disposição no Código Civil, a do art. 187, no sentido de que também é

considerado ato ilícito o exercício de um direito, por seu titular, em desrespeito aos

limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons

costumes.

Nesse sentido, podemos citar a jurisprudência41 abaixo:

“116032595 – DIREITO CIVIL – ATO ILÍCITO – INDENIZAÇÃO – CORRETORAS DE

VALORES MOBILIÁRIOS – BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO – OBRIGAÇÃO

DE INDENIZAR – ARTS. 159, CC/1916, 186 E 927, CC/2002 – RECURSO PROVIDO

– I – A obrigação de indenizar pode decorrer do descumprimento de contrato ou de ato

ilícito, conforme se trate de responsabilidade contratual ou extracontratual (aquiliana). II

– Tendo a inicial se fundado em ato ilícito praticado pelas rés, ofende o art. 159,

CC/1916, o acórdão que se ampara na inexistência de relação jurídica contratual entre

as partes para julgar improcedente o pedido. III – Os arts. 186 e 927 do novo Código

Civil (Lei Nº 10.406/2002), assim como o revogado art. 159 do Código Civil de 1916,

estabelecem a obrigação de indenizar para aquele que comete ato ilícito. IV – A

obrigação de indenizar decorrente da prática de ato ilícito independe da existência de

relação jurídica de direito material entre a parte lesada e o autor da conduta culposa.”

(STJ – RESP 214281 – SP – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 12.08.2003

– p. 00227) JCCB.159 JNCCB.186 JNCCB.927

O art. 942 do Código Civil determina que os bens do responsável pela

ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano

causado.

Os pressupostos para a responsabilização subjetiva são os seguintes: (a)

conduta antijurídica, consubstanciada em ação ou omissão do agente; (b) culpa do

agente; (c) nexo de causalidade entre a conduta antijurídica do agente, intencional

ou não, e o dano causado a terceiro; (d) existência de um dano moral ou material,

de natureza patrimonial ou não, resultante da conduta antijurídica.

41 ATO ILÍCITO – A condenação pela reparação de ato ilícito, art. 927, CC, pressupõe a existência do dano. (TRT 5ª R. – RO 01500-2003-009-05-00-0 – (12.629/05) – Rela. Juíza Graça Laranjeira – J. 16.06.2005) JNCCB.927.

48

4.4 - Responsabilidade subjetiva contratual ou extracontratual -

Além da responsabilidade subjetiva contratual, baseada em disciplina

prevista entre partes contratantes e descumprida por qualquer delas, estuda-se,

ainda, a responsabilidade subjetiva extracontratual, que envolve a relação de

causalidade entre o ato ilícito e o dano causado, bem como a culpabilidade do

agente, advinda de ato não previsto nem disciplinado contratualmente.

4.5 - Da teoria da responsabilidade subjetiva presumida para a teoria da

responsabilidade objetiva pelo fato de terceiro -

A responsabilidade presumida também pode ser denominada de indireta

ou por substituição.

Deve-se mencionar, ainda, a responsabilidade por fato de terceiro, não do

próprio agente, prevista nos arts. 932 e 933 do Código Civil, e ainda a

responsabilidade por fato de animais ou coisas, prevista nos arts. 936, 937, 938 do

Código Civil. 42

42 Código Civil:

“art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

(...)

art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.

art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta.

art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.”

49

De acordo com Luiz Roldão de Freitas Gomes,43 o Código Civil de 1916

estabelecia que a responsabilidade por fato de terceiro era subjetiva. Entendia-se

que o sujeito passivo do ato ilícito devia comprovar a culpa do responsável indireto

pelo dano causado. Os Tribunais brasileiros e a doutrina, em seguida, passaram a

entender que a responsabilidade indireta do pai, pelo ato ilícito do filho, do patrão,

pelo ato ilícito do empregado, do hospedeiro, pelo ato ilícito do hóspede, por

exemplo, baseava-se da presunção de culpa. Tratava-se de inversão do ônus da

prova: cabia ao pai, por exemplo, no que toca ao ato praticado pelo filho, e não à

vítima, comprovar que não agiu com culpa.

Como afirma Carlos Roberto Gonçalves,44 a presunção de culpa dos pais

era considerada relativa pela doutrina e pelos Tribunais, pois admitia-se prova em

contrário, de modo que não se tratava de responsabilidade objetiva por parte dos

pais, por exemplo, com relação aos atos praticados pelos filhos:

“Responsabilidade Civil – Ação de indenização – Acidente de trânsito – Menor dirigindo

automóvel do pai – Responsabilidade civil deste, salvo se conseguir afastar, de modo

completo, sua culpa presumida, para que não basta a circunstância de o filho ter habilitação

para dirigir o veículo automotor (STF) ( RTJ 110/665)".

O conceito de responsabilidade subjetiva presumida baseava-se na

inversão do ônus da prova da não culpabilidade do agente, a cargo daqueles

indicados como responsáveis por atos de terceiros, agentes do dano, vez que o ato

do substituído, como o empregado, por exemplo, no exercício de suas funções, é,

originariamente, ato do substituto, como o patrão, por exemplo, porque praticado no

desempenho de tarefa supostamente coordenada pelo patrão e que a ele interessa.

Entende-se que o empregado é um mero instrumento através de cujo ato danoso o

empregador demonstrou a respectiva desorganização e desestruturação, incapaz

de evitar o problema causado. Daí explicava-se (a) o fato do substituto assumir a

culpa do substituído; e (b) o dever do substituto de demonstrar que não houve

culpa de sua parte.

43 Luiz Roldão de Freitas GOMES, Elementos da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 111. 44 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito das obrigações. In: Comentários ao Código Civil: parte especial. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 11. p. 424-425.

50

Por outro lado, com relação aos empregados, adotou-se teoria mais

benéfica, para fins de apuração da respectiva culpabilidade: a Súmula 341 do STF

passou a inadmitir a prova de que o patrão não agiu com culpa, com relação aos

atos de seus empregados, considerando-se a presunção de culpa dos patrões

como absoluta. Tornou-se predominante, assim, a decisão judicial que

responsabilizava o patrão pelos atos ilícitos praticados pelo empregados, como o

exemplo abaixo:

“Acidente de tráfego – Trator – Cruzamento de estrada de rodagem – culpa do motorista –

Ressarcimento de danos pelo empregador (1º TACivSP) (RT 592/136).”

Prosseguiu-se com a evolução da teoria da responsabilidade indireta, por

fato de terceiro: o Código Civil de 2002 adotou expressamente, de acordo com o

seu art. 933, a responsabilidade indireta como objetiva, independentemente de

culpa do pai, pelo ato ilícito praticado pelo filho; do empregador; pelo ato do

empregado; e do hoteleiro, pelo ato do hóspede.

Adotada a teoria do risco, Luiz Roldão de Freitas Gomes45 entende que o

pai é responsável pelo ato ilícito e culposo praticado pelo filho menor, que está sob

sua posse e guarda, independentemente de ter concorrido com culpa para tanto o

próprio pai, dado que sua responsabilidade advém simplesmente do fato de ter

gerado o filho.

Conforme esclarece Sergio Cavalieri Filho,46 a prova do dano e de que o

mesmo foi causado por ato culposo do filho é obrigação do ofendido, da vítima, vez

que sem culpa do filho não há que se falar em indenização. A responsabilidade dos

pais é objetiva, mas a dos respectivos filhos menores sob a guarda e vigilância

deles não: ela é subjetiva.

Da mesma forma, a responsabilidade do patrão advém do mero fato de ter

contratado o empregado, e de que o patrão assume o risco do seu

empreendimento e tira proveito dele, afastando-se o fundamento anterior da

culpabilidade do empregador fundada no entendimento de que o patrão detém o

dever de fiscalização e de escolher bem seus empregados, dado que, no mundo

45 Luiz Roldão de Freitas GOMES, Elementos da responsabilidade civil, p. 114. 46 Sérgio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 194.

51

atual, não é possível se conhecer a índole do ser humano, nos grandes centros

urbanos, além do fato de que a figura do patrão se torna cada vez mais anônima,

em relação ao controle da atividade do preposto.

Em cada um desses casos, o responsável indireto – o pai ou o patrão –

assumiram correr o risco de que da atividade daqueles adviria um dano para

terceiros. Provada a responsabilidade do empregado, os Tribunais têm entendido

que não é afastável a culpa do patrão. Face ao exposto, foi afastada a aplicação da

Súmula 341 do STF e aplica-se a responsabilidade do patrão pelos atos do

empregado de forma objetiva, só afastando-se a responsabilidade do patrão se

afastada a culpa do empregado, se o dano ocorrer fora do estabelecimento do

patrão e sem conexão com o tipo de serviço prestado ao patrão. Assim, segundo

Carlos Roberto Gonçalves,47 o patrão é responsabilizado se a vítima comprovar

que: (a) o agente do ato ilícito era empregado do terceiro a quem deseja atribuir-se

a culpa; (b) o empregado agiu com culpa; (c) o ato lesivo foi praticado no exercício

da função do empregado; (d) o ato culposo foi realizado no local e no horário de

trabalho do agente.

Por essa razão, a responsabilidade do pai é solidária com a do filho, e a do

patrão é solidária com a do empregado, ou seja, há responsabilidade solidária entre

os causadores do dano com aqueles sob cuja dependência estes se acham, como

determina o art. 942 do CC: “são solidariamente responsáveis com os autores os

co-autores e as pessoas designadas.” Da mesma forma que o autor supracitado,

Carlos Roberto Gonçalves48 entende que incumbe ao ofendido provar a culpa do

incapaz, o empregado, dos hóspedes e educandos. A exigência da prova da culpa

destes coloca-se como antecedente indeclinável à configuração do dever de

indenizar das pessoas mencionadas no art. 932 do Código Civil.

Deve-se, nesse caso, excepcionar a hipótese do menor inimputável, cujo

ato ilícito é assumido pelo pai, por omissão de sua parte, conforme determina o art.

186 do Código Civil, independentemente de culpa do menor:

47 Carlos Roberto GONÇALVES, Direito das obrigações. In: Comentários ao Código Civil: parte especial, p. 441. 48 Ibid., p. 425.

52

“O fato de o agente do ato ilícito ser menor inimputável não retira seu caráter de ilicitude.

Na órbita civil, havendo culpa dos pais por omissão, estes respondem solidariamente pela

reparação do dano causado pelo filho em detrimento de outrem.” ( RT, 641:132)

Nesses casos, encontra-se presente a subjetividade da responsabilidade

do agente do dano, mas, para facilitar o trabalho da vítima, é o substituto do agente

o responsável pelo dano causado pelo agente. Por essa razão, é o responsável

pelo agente que deve comprovar que não houve culpa por parte do agente. A

responsabilidade do substituto do agente independe da sua própria culpa, conforme

determina o art. 933 do Código Civil.

A responsabilidade da pessoa física ou jurídica de indenizar danos

decorrentes de fatos de terceiros é atualmente considerada responsabilidade

objetiva e depende da comprovação da culpa do substituído. Trata-se do antigo

conceito de culpa presumida, baseada na culpa deste in eligendo (que se

caracteriza pela má escolha do preposto) e/ou na culpa in vigilando (decorrente da

falta de atenção com o procedimento ilícito de outrem), atualmente ampliado para o

de responsabilidade objetiva do responsável substituto, conforme o previsto nos

arts. 932 e 933 do Código Civil.

Na verdade, entende-se que a responsabilidade por fato de outrem é

derivada da obrigação do próprio responsável pela inexecução da mesma, pois

cabia a ele, em conjunto com o próprio agente ou em substituição a ele, cumprir a

obrigação. A inexecução da obrigação pelo respectivo agente ensejou a

responsabilidade daquele que deveria ter zelado pelo cumprimento dela. O objetivo

do legislador ao estabelecer sanções pelo não cumprimento de obrigações é

assegurar o respeito à norma, evitando o descumprimento dela.

Para tanto, a obrigação do terceiro de indenizar o dano causado à vítima,

por quem estava sob a sua dependência, por incapacidade ou por vínculo de

emprego, por exemplo, só é afastada se o terceiro responsável comprovar que a

culpa pelo dano causado deve ser atribuída: (a) exclusivamente à vítima ou a

outrem; (b) à ocorrência de força maior.

53

4.5.1 - Responsabilidade subjetiva presumida (arts. 936, 937 e 938 do Código

Civil de 2002) -

No que toca aos danos causados a terceiros, por animais, o art. 936 do

Código Civil determina que o ressarcimento deles é de responsabilidade do

respectivo dono ou detentor, se não for comprovada a culpa da vítima ou a

ocorrência de caso fortuito ou de força maior. Trata-se, assim, de presunção

vencível, suscetível de prova em contrário, como menciona Carlos Roberto

Gonçalves.49 Trata-se de responsabilidade presumida do dono ou detentor do

animal, caso em que se inverte o ônus da prova da culpabilidade do agente,

cabendo, de qualquer forma, à vítima, demonstrar o nexo de causalidade entre o

ato ilícito e o dano causado. Ao responsável indireto caberá, assim, comprovar uma

excludente de responsabilidade: a culpa da vítima, a força maior ou o caso fortuito,

como afirma o autor citado acima.50

Neste sentido, tem definido-se a jurisprudência atual, inclusive a

estrangeira, alargando-se a idéia de culpa, concedendo-se maior consideração à

vítima do que ao autor do dano:

“Indenização – Ataque inesperado de cão – Existência de cicatrizes de pequena extensão,

espalhadas pelos membros superiores e inferiores da vítima – Verba indevida por dano

estético, pois não espelham deformação – Reparação devida, no entanto, a título de dano

moral, diante do trauma causado pelo evento refletido de forma marcante no psicológico do

ofendido.” ( RT, 764:268);

“Animal em rodovia que dá causa a acidente de caminhão – Indenização – Presunção de

culpa do dono.” ( 1º TACivSP ) (RT 599/137);

“Responsabilidade Civil - Fato da Coisa - Presunção de responsabilidade do guarda ou

dono, só elidível por prova a ser por ele produzida, de que advindo o dano de culpa da

vítima ou caso fortuito - Culpa grave do guardião caracterizada por inobservância das

cautelas indispensáveis a que, por meio desta, não se produzam danos na esfera jurídica

de outras pessoas - Indenização devida.” (TJSP) (RT 638/91);

49 Carlos Roberto GONÇALVES, Responsabilidade civil, de acordo com o novo Código Civil, p.268. 50 Ibid., p. 271.

54

O proprietário do imóvel ou de construção é responsável pelos danos

causados pela ruína deles, se comprovado que o respectivo reparo era

evidentemente indispensável, conforme versa o art. 937 do Código Civil.

No entendimento de José de Aguiar Dias,51 na realidade, a base dessa

espécie de responsabilidade não está na culpa. É resultante da presunção de

causalidade, da relação de causa e efeito entre a falta de conservação e a ruína do

prédio, pois, se essa relação não for observada, a responsabilidade não será do

proprietário do imóvel, mas do respectivo construtor, que desatendeu as normas de

segurança de construção do imóvel que vem a desabar.

O morador é responsável pelos danos causados por objetos lançados ou

deixados cair de um imóvel em local indevido, como determina o art. 938 do Código

Civil.

Não resta dúvida de que, em todos os casos em que o responsável pela

indenização não é o próprio agente do ato causador do dano (responsabilidade

indireta), o mesmo poderá ressarcir-se do valor despendido para o pagamento da

indenização devida, através do ajuizamento, contra o causador do dano, de medida

judicial regressiva de ressarcimento do dano sofrido.

Concluindo, de acordo com a teoria da responsabilidade subjetiva

presumida, por substituição ou indireta, para a proteção dos direitos da vítima do

dano causado, considera-se como responsável um terceiro sob cuja égide jurídica

encontra-se o elemento causador do dano: o animal, o edifício ou construção em

ruína, ou o objeto lançado ou caído de lugar indevido.

4.6 - Responsabilidade objetiva -

O ressarcimento dos danos materiais e morais causados por conduta

antijurídica baseado na culpa do próprio agente não foi considerado suficiente para

o justo atendimento e socorro das vítimas ou os respectivos parentes, em caso de

falecimento delas, por exemplo. Assim, verificou-se a necessidade da criação da

teoria da responsabilidade objetiva.

51 José de Aguiar DIAS. Da responsabilidade civil - ciclo de Conferências sobre o projeto de código civil. Revista do Advogado, n. 19, p. 36.

55

Nos casos de responsabilidade objetiva, dispensa-se a prova da culpa por

completo, como afirma Miguel Kfouri Neto,52 de modo que a obrigação de indenizar

passa a depender apenas da existência de relação causal (nexo causal) entre o ato

praticado e o dano causado a uma vítima, desprezando-se a análise de

culpabilidade do respectivo agente.

Verifica-se a imputação da responsabilidade objetiva em caso de contratos

de adesão, em que se prejudica a autonomia da vontade das partes contratantes e

exige-se uma contratação de massa, standard, em que uma das partes determina a

forma contratual e a outra não tem outra opção senão aderi-la.

Trata-se de exceção à regra da responsabilidade subjetiva, e aplica-se, por

exemplo, na área de acidentes de trabalho, nas atividades de transportes, de

fornecimento de energia, em alguns casos de omissão de serviços públicos.

Nesse sentido, Adroaldo Leão53 esclarece que a teoria da responsabilidade

objetiva, ou do risco, veio a atender à necessidade de equilibrar-se os interesses

em jogo, nos casos em que se faz indispensável a reparação do dano causado,

independentemente da culpabilidade, com fundamento na moralidade, para atender

a demandas sociais.

O referido autor cita o entendimento de Miguel Reale, autor do dispositivo

do projeto de Código Civil, acerca da responsabilidade civil que deve ter como

norma a responsabilidade subjetiva, baseada na culpabilidade do agente, para fins

de indenização, sendo, excepcionalmente, aplicada a responsabilidade objetiva ao

empreendedor de atividade cuja estrutura de negócios envolve certos riscos, a ela

inerentes, e concede, de outra parte, exclusivamente ao próprio empreendedor,

certo proveito econômico.

A responsabilização objetiva pode ser fundamentada na possibilidade do

agente absorver, como bem esclarece Fábio Ulhoa Coelho,54 as repercussões

econômicas vinculadas ao evento danoso, dado que o mesmo, em sua atividade

econômica, repassa o custo de uma possível indenização a ser exigida de sua

pessoa, para as pessoas que, em conjunto, são beneficiadas pela atividade

econômica desenvolvida, razão pela qual elas estão, também, e por outro lado,

expostas ao risco e aos danos eventualmente causados pela referida atividade. Em

52 Miguel KFOURI NETO. Responsabilidade civil do médico. 5. ed. São Paulo: RT, 2003, p. 62. 53 Adroaldo LEÃO, A responsabilidade civil dos administradores das empresas, p. 76. 54 Fábio Ulhoa COELHO. Curso de direito comercial, p. 258.

56

resumo, o empresário tem condições, pela atividade que desenvolve, de distribuir o

valor de possível prejuízo, a ser ressarcido em favor daqueles expostos ao evento

danoso que eventualmente seja causado pelo exercício de sua atividade.

Na verdade, tendo em vista a socialização, pela sociedade empreendedora

da atividade, das conseqüências advindas do dano causado pela atividade

desenvolvida e, em especial, da indenização a ser paga às respectivas vítimas ou

aos seus parentes, o referido empreendedor arrisca-se a assumir,

independentemente de culpa, tal pagamento de indenização.

Não resta dúvida de que, distribuindo entre os beneficiados com a

atividade econômica desenvolvida os respectivos custos e, assim, as repercussões

danosas dela advindas, o agente dispõe de meios de realocar suas perdas. Desse

modo, justifica-se a assunção, pelo mesmo, de responsabilidade pelos danos

causados em função da atividade desenvolvida, independentemente da análise da

culpabilidade envolvida em sua conduta.

Verifica-se, desse modo, que na sociedade moderna há casos de

socialização do custo dos riscos e, assim, dos efeitos dos danos sofridos, entre

aqueles aos quais é proporcionado certo conforto, utilidade ou prazer pelo desfrute

de certa atividade econômica desenvolvida por terceiros. Socializado entre os

consumidores, por exemplo, o custo do risco assumido pelo empreendedor de certa

atividade econômica, deve o mesmo responder pelos danos causados pelo

exercício da mesma, independentemente de culpa.

É o que dispõe o art. 927, parágrafo único, do Código Civil:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

O Código Civil inovou especialmente com a inclusão do disposto no

parágrafo único do art. 927, no sentido de que, além da reparação por danos

causados pela prática de atos ilícitos, também são indenizáveis os danos

causados, independentemente de culpa do agente: (a) nos casos especificados em

lei, ou (b) quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

57

A responsabilidade objetiva da sociedade empresária também está

prevista em outro dispositivo do Código Civil, qual seja, o art. 931, que determina

que, ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais

e as empresas respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados

pelos produtos postos em circulação.

Nesse sentido, a obrigação do fornecedor de bens e serviços de reparar os

danos causados ao consumidor pelos defeitos havidos dos bens e serviços

fornecidos, independentemente de culpa, já constava do Código de Defesa do

Consumidor (CDC), no seus arts. 12, 14 e 18, 55 na mesma linha de pensamento

55 “Código Defesa Consumidor:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1º O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – sua apresentação;

II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I – que não colocou o produto no mercado;

II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

(...)

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

(...)

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da

58

apresentada pelo Código Civil, de modo a entender-se que a responsabilidade da

empresa perante o mercado consumidor é objetiva.

No mesmo sentido, é dever da sociedade empresária, que explora

indústria insalubre, indenizar os danos por ela causados, mesmo que não

decorrentes de ato ilícito, como determina o parágrafo único do art. 927, do Código

Civil, vez que o valor da indenização devida é constantemente repassado para o

preço dos produtos e serviços fornecidos pela mesma.

O Código Civil adotou o fundamento da responsabilidade objetiva com

relação às sociedades e aos empresários individuais, no sentido de que o risco

advindo do exercício de uma atividade econômica, assumido por uma sociedade ou

por um empresário individual, deve vincular-se, para fins de responsabilização, aos

danos materiais e/ou morais causados a terceiros, desde que comprovado o nexo

de causalidade entre a respectiva conduta e o dano causado, independentemente

da culpa do agente, atentando-se, entretanto, para o fato de que a culpa da vítima,

disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III – o abatimento proporcional do preço.

§ 2º Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a 7 (sete) nem superior a 180 (cento e oitenta) dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4º Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I, do § 1º, deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III, do § 1º, deste artigo.

§ 5º No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6º São impróprios ao uso e consumo:

I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencido;

II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.”

59

se exclusiva, afasta a responsabilidade da sociedade ou do empresário individual,

e, se concorrente, reduz o valor da indenização devida pelo causador do dano.

O Código Civil, nos arts. 927, parágrafo único, e 931, confirma a

responsabilidade objetiva do fornecedor do produto ou serviço pela reparação dos

danos causados aos consumidores, por defeitos do fornecimento do produto ou

serviço, como já previa o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, de acordo

com o qual cabe ao fornecedor comprovar, para eximir-se de responsabilidade,

que: (a) não colocou o produto no mercado; (b) embora haja colocado-o, o defeito

inexiste; ou (c) se trata de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Ressaltamos que, ao referir-se a responsabilidade objetiva, o art. 927,

parágrafo único, e o art. 931 do Código Civil fazem menção apenas à sociedade ou

ao empresário individual, e não aos administradores. Os referidos dispositivos

legais trazem a nova tendência do Código Civil, qual seja, a da imputação

excepcional da responsabilidade objetiva à sociedade ou ao empresário individual,

independentemente de culpa: (a) nos casos previstos em lei, (b) caso trate-se de

atividade que implica risco para os direitos de outrem, por sua natureza, e (c) no

que toca aos produtos fornecidos para o consumidor e postos em circulação.

À sociedade ou ao empresário individual aplicar-se-á a responsabilidade

objetiva, pelo fato da assunção do risco do negócio social do qual advém proveito.

Por outro lado, quando o empresário individual atuar no papel de administrador,

caber-lhe-á a condução da gestão da sociedade, assumindo tanto a

responsabilidade objetiva do empresário como a responsabilidade subjetiva,

aplicável ao administrador, pelos atos que praticar e pelos danos materiais e morais

que causar, de forma culposa, sendo distinta a natureza de cada uma: a

responsabilidade do empresário individual advém do risco do negócio e a do

administrador, do respectivo agir culposo.

Concluindo, a responsabilidade objetiva é presumida, não se cogitando de

culpa do agente, ao qual cabe afastar sua obrigação de indenizar a vítima do dano

causado, baseado nos seguintes fundamentos: culpa exclusiva da vítima, caso

fortuito ou força maior, e/ou inexistência de nexo causal entre o ato praticado e o

dano causado.

Com a aplicação da responsabilidade objetiva, ampliou-se a forma de tratar

a responsabilidade pelos danos causados, pois, através dela, penaliza-se o agente,

independentemente de seu agir culposo.

60

A própria teoria da responsabilidade objetiva foi ampliada e, assim, com a

denominação de teoria do risco, estendeu-se aos casos do exercício lícito de

atividades empresariais que envolvam risco, por sua própria natureza.

Como afirma Carlos Alberto Bittar,56 de uma conduta antijurídica chegou-se

à ação legítima, porém arriscada e perigosa, cujo fundamento para a sua aplicação é

simplesmente o fato de que a pessoa que retira proveito dos riscos criados deve

arcar com as respectivas conseqüências, liberando-se, assim, a vítima, normalmente

a comunidade local, efetivamente, da prova da subjetividade, facilitando-lhe a

percepção da indenização devida, desde que comprovado seu pressuposto

fundamental, a presença do nexo causal entre o ato praticado e o dano ocorrido, pelo

infortúnio dos acidentes de trabalho e das atividades de risco, causadoras de graves

danos a valores fundamentais da humanidade, à saúde e até à vida.

4.7 - Exclusão de responsabilidade -

O art. 188 do Código Civil exclui do conceito de atos ilícitos os praticados

em legítima defesa à agressão injusta, no exercício regular de um direito

reconhecido, a deterioração ou destruição de coisa alheia ou a lesão à pessoa, no

limite considerado indispensável para fins de remover perigo iminente. Nesses

casos, não há que se falar em responsabilidade do agente do ato.

Como bem afirma Sergio Cavalieri Filho,57 não há que se falar em

responsabilidade quando não há nexo de causalidade entre o ato praticado e o

dano sofrido pela vítima. Nesse caso, pode-se afirmar que há exclusão de

responsabilidade, dada a impossibilidade superveniente do cumprimento da

obrigação, não imputável ao agente, mas em virtude de ocorrência de caso fortuito,

força maior, ato exclusivo da vítima ou de terceiro.

Na verdade, no caso de ocorrência de ato exclusivo da vítima, não há nexo

causal entre o ato praticado e o dano sofrido. Tanto o ato como a culpa são

exclusivos da vítima. O próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece

essa excludente de responsabilidade do fornecedor dos produtos ou serviços: a

56 Carlos Alberto BITTAR, Responsabilidade civil: teoria e prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 41. 57 Sérgio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 84-85.

61

culpa exclusiva do consumidor, no seu art. 12, parágrafo 3º, III, e no seu art 14,

parágrafo 3º, II.

No que toca ao ato exclusivo de terceiro, deve-se esclarecer que o mesmo

é considerado aquele que não tem qualquer relação com o agente do ato nem com

a vítima. Trata-se de causa estranha à conduta do suposto agente, e é considerada

inevitável e imprevisível. Da mesma forma que o ato exclusivo da vítima, o ato

exclusivo de terceiro encontra-se disciplinado no Código de Defesa do Consumidor

(CDC) como causa excludente de responsabilidade do agente, no seu art. 12,

parágrafo 3º, III, e 14, parágrafo 3º, II.

Por outro lado, de acordo com o disposto no art. 393 do Código Civil, o

devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, a

não ser na hipótese em que houver declarado, expressamente, que os assumiria. O

parágrafo único do mesmo dispositivo determina que o caso fortuito ou de força

maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos, não era possível evitar ou

impedir, dado que escapa a toda diligência e é absolutamente estranho à vontade

do devedor da obrigação. Segundo Sergio Cavalieri,58 o caso fortuito envolve

evento imprevisível, por isso, inevitável. Por outro lado, a força maior envolve

acontecimento previsível, mas inevitável, vez que, superior às forças do agente,

como o são as forças da natureza. O caso fortuito e a força maior excluem o nexo

causal por constituírem causas estranhas à conduta do agente causador do evento

danoso.

No que toca à responsabilidade objetiva, deve-se esclarecer que a mesma

depende da configuração de um nexo causal entre o ato do agente e o dano

causado.

O fato imprevisível, denominado fortuito interno, ocorrido no exercício da

atividade do empresário, não afasta a responsabilidade do empresário, dado que

vinculado ao risco do empreendimento. A responsabilidade objetiva do empresário

só é excluída quando comprovada a inexistência de defeitos no produto e quando o

dano for causado diretamente por ato exclusivo da vítima ou de terceiro, ou seja,

pela conduta inadequada de qualquer deles.

58 Sérgio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 82-83.

62

Sergio Cavalieri Filho59 ainda menciona outra excludente de

responsabilidade do empresário: é a que consiste no risco do desenvolvimento,

definido por Antonio Herman Vasconcellos e Benjamin como sendo o risco que não

pode ser cientificamente conhecido no momento do lançamento do produto no

mercado, verificado somente depois de certo tempo de uso do produto ou do

serviço. Na época do lançamento do produto ou do serviço, esse defeito era

desconhecido e imprevisível, dado o conhecimento tecnológico da época. Esse fato

tem ocorrido com medicamentos lançados no mercado e, depois, retirados, por

problemas causados aos usuários. Apesar da controvérsia envolvendo a

responsabilização por esses problemas, entende-se que se trata de fortuito interno,

envolvendo o risco da atividade do fornecedor e, assim, de responsabilidade do

empresário. Como afirma José Reinaldo de Lima Lopes,60 o risco da inovação corre

por conta do fabricante.

59 Sérgio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 183. 60 José Reinaldo de Lima LOPES, Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor, p. 109.

63

5 . RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS

De acordo com o disposto no art. 158 da Lei das S.As., a responsabilidade

do administrador das S.As. é excepcionalmente pessoal e, nesse caso, será, na

maioria das vezes, subjetiva, salvo determinação expressa de lei no sentido de que

é objetiva.

5.1 - Responsabilidade da sociedade pelos atos dos administradores -

Segundo Egberto Lacerda Teixeira,61 há duas sortes de relação jurídica a

considerar, para fins de responsabilização do administrador: (a) uma de ordem

interna, entre os administradores e os acionistas, e (b) outra, perante a sociedade e

terceiros, com quem o administrador tratou em nome da empresa, em uma relação

desta com o exterior.

Enquanto os órgãos da empresa constituem aparelhos da sociedade, com

atribuições legais, seus titulares (membros da Diretoria e do Conselho de

Administração) têm relação jurídica pessoal com a sociedade, no que toca a

eleição, investidura e termo de duração do mandato, destituição, funções

estatutárias etc., sendo-lhes atribuídos deveres e encargos pessoais na condução

da respectiva gestão e no exercício das funções que desempenham, relacionadas

às atribuições legais dos órgãos de que participam, ensejando a responsabilização

dos mesmos perante a sociedade, em caso de descumprimento da lei ou do

Estatuto Social, quando do exercício de suas atribuições de administradores.

Por outro lado, além de ter relação pessoal com a companhia, os diretores

representam a companhia perante terceiros, diferentemente dos membros do

Conselho de Administração.

Sendo assim, os diretores corporificam a companhia, expressando a

vontade dela, nas obrigações por ela contraídas, não como mandatários, mas como

a própria companhia. É por essa razão que, perante terceiros, é a companhia que

61 Egberto Lacerda TEIXEIRA, Sociedades por quotas. São Paulo: Max Limonad, 1956.

64

responde pelos atos ilícitos praticados pelos diretores ou em desacordo com a lei e

o Estatuto Social.

De acordo com a teoria da aparência, prevista no art. 1.015 do Código

Civil, e salvo exceções, todos os atos praticados pelos administradores são atos da

companhia, não havendo dualidade entre a vontade da companhia e a do

administrador, que corporifica a vontade social. Assim, a companhia, e não os

administradores, será obrigada a responder, perante terceiros, pelos atos ilícitos

praticados pelos respectivos administradores, restando-lhe, porém, o direito de agir

regressivamente contra o administrador, para ressarcir-se, reavendo as perdas e

danos sofridos pela mesma.

5.2 - Conceito de prejuízo, para fins de Responsabilidade do Administrador -

O prejuízo causado pelo administrador que pratica ato ilícito de forma

culposa poderá afetar a companhia e/ou terceiros, sendo que esses últimos

exigirão a responsabilização direta da companhia, por força da teoria da aparência,

segundo a qual a pessoa jurídica vincula-se e responsabiliza-se pelos atos

praticados em seu nome, por seus administradores, aqueles que a representam,

conforme o disposto no art. 1.015 do Código Civil.

De acordo com o mesmo dispositivo legal, a sociedade não se

responsabiliza pelos atos praticados pelo administrador, com excesso de poderes,

quando o administrador pratica atos em evidente infração aos respectivos atos

societários, o que se caracteriza pelo fato: (a) de terceiros conhecerem o teor do

ato societário da empresa; (b) do estatuto ou ato societário estar inscrito no

respectivo registro público; ou (c) da operação realizada apresentar-se claramente

estranha ao objeto social e aos negócios da empresa.

Assim, salvo as exceções supra, estabelecidas no parágrafo único do art.

1.015 do Código Civil, todos os atos praticados pelos administradores são atos da

companhia, não havendo dualidade entre a vontade da companhia e a do

administrador, que se apresenta em nome da companhia (ou, como afirma Paulo

Fernando Campos Salles de Toledo,62 o administrador representa a sociedade),

62 Paulo Fernando Campos Sales de TOLEDO, O conselho de administração na sociedade anônima: estrutura, funções e poderes, responsabilidades dos administradores. São Paulo: Atlas, 1999, p 67.

65

corporificando a vontade social. O administrador representa, então, a sociedade,

obrigando-a, quando pratica atos regulares de gestão, como afirma o referido

autor.63

Caberá, então, à companhia ressarcir-se, junto ao administrador

considerado pessoalmente responsável pelo ato ilícito praticado com culpa, dos

danos causados-lhe pelo mesmo.

Cometendo ato ilícito, e causando dano, material ou moral, o administrador

responsabiliza-se pela indenização do respectivo prejuízo para o lesado, qual seja,

a sociedade, os respectivos acionistas ou terceiros.

Presume-se que o descumprimento, pelo administrador, da lei ou dos

Estatutos Sociais, sempre causa prejuízo, mesmo que, de fato, não cause dano

material efetivo à sociedade.

Tais prejuízos podem afetar a estrutura organizacional da sociedade, não

sendo quantificável pela empresa, mas, ainda assim, não perderão sua

configuração, razão pela qual os administradores responsabilizar-se-ão pelos

mesmos, qualquer que seja a forma que tal responsabilidade venha a se

manifestar: pela perda do cargo, por sanção administrativa interna, dentre outras.

5.3 - Sociedades às quais se aplica o art. 158 da lei das S.As. -

Aplicam-se as normas referentes à responsabilidade dos administradores,

com base no art. 158 da Lei das S.As., aos administradores de qualquer sociedade

sujeita à Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76).

Estão sujeitas à Lei das S.As. os administradores das seguintes

sociedades: (a) sociedades de economia mista (arts. 235 e 239 da Lei das S.As.);

(b) grupo de sociedades constituído por sociedade controladora (titular de direitos

de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas

deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores) e as

respectivas controladas (arts. 245, 272, 273 da Lei das S.As.); (c) consórcio de

sociedades (art. 278 da lLei das S.As.); (d) sociedades em comandita por ações

(arts. 280, 281 e 282 da Lei das S.As.); e (e) sociedades limitadas, em caso de

63 Paulo Fernando Campos Sales de TOLEDO, O conselho de administração na sociedade anônima, p. 67.

66

previsão específica no respectivo Contrato Social e de omissão, acerca da matéria,

nas disposições do Código Civil, referentes às sociedades limitadas às sociedades

simples, conforme o disposto no art. 1.053, parágrafo único, do Código Civil, ou,

ainda, de forma analógica, para suprir lacunas da legislação aplicável, como bem

esclarece Fábio Ulhoa Coelho.64

A sociedade de economia mista é integrante da Administração indireta do

Estado. Assim, a referida sociedade deve atender ao disposto no parágrafo sexto

do art. 37 da Constituição Federal,65 no sentido de que é responsável direta pelos

danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o

direito da sociedade de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa.

A responsabilidade da sociedade de economia mista, mas não do administrador,

nesse caso, é objetiva, pois o dever de indenizar terceiros pelo dano causado

independe de culpa da sociedade.

5.4 - A responsabilidade subjetiva dos administradores das S.As. como

regra -

5.4.1 - A Responsabilidade dos Administradores das S.As. (legislação

anterior – o Decreto- lei n. 2.627/40 -

A regra da responsabilidade dos administradores, desde a lei societária

anterior referente às S.As., o Decreto-lei n. 2.627/40, como afirma Trajano de

Miranda Valverde,66 é a da não responsabilização pessoal do administrador pelas

64 Fábio Ulhoa COELHO, A sociedade limitada no novo Código Civil, p. 21-22. 65 Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional n. 19/98)

(...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

66 Trajano de Miranda VALVERDE, Sociedade por ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, v. II, p. 317.

67

obrigações contraídas em nome da sociedade e por atos regulares de gestão (art.

121 e seguintes do Decreto-lei n. 2.627/40) .

O art. 121 do referido diploma legal determinava, nesse sentido, a

irresponsabilidade pessoal dos diretores pelas obrigações contraídas em nome da

sociedade e em virtude de ato regular de gestão. A responsabilidade era da pessoa

jurídica que se obrigava ao relacionar-se com terceiros. No parágrafo primeiro,

determinava-se que os diretores seriam responsáveis pelos prejuízos causados,

quando procedessem com culpa ou dolo, dentro de suas atribuições ou poderes, ou

com violação da lei ou dos estatutos. Trajano de Miranda Valverde menciona em

sua magnífica obra67 que os diretores não poderiam escusar-se de não conhecer a

lei ou os estatutos da sociedade, razão pela qual tal infração parecia-lhe mais

grave, merecendo tratamento mais severo, cabendo, entretanto, ao juiz, o poder de

apreciar, sob todos os aspectos, a conduta do diretor, para decidir sobre a

respectiva obrigação de reparar os prejuízos causados para a empresa. Segundo o

referido autor, a responsabilidade civil do diretor dependia do nexo causal entre o

ato ilícito praticado e o prejuízo sofrido pela empresa, devendo a reparação deles

ser, tanto quanto possível, integral.

O Decreto-lei n. 2.627/40 determinava, ainda, no seu art. 122, a

responsabilidade solidária dos diretores pelos prejuízos causados, pelo não-

cumprimento das obrigações ou deveres impostos pela lei, a fim de assegurar o

funcionamento normal da sociedade, ainda que, pelos estatutos, tais deveres ou

obrigações não coubessem a todos os diretores. Trajano de Miranda Valverde

mencionava que a solidariedade deveria ser entendida como uma exceção à regra da

responsabilidade individual dos diretores. A solidariedade entre eles aplicava-se, no

entender do ilustre doutrinador,68 apenas quando eram atribuídas aos diretores,

indistintamente, as mesmas obrigações e deveres, pela lei ou pelo Estatuto.

5.4.2 - A Responsabilidade dos Administradores das S.As. (de acordo com a

Lei n. 6.404/76 – Lei das S.As.) -

O atual diploma legal acerca das S.As., Lei n. 6.404/76, com suas

alterações subseqüentes, manteve a estrutura básica da responsabilidade civil dos

67 Trajano de Miranda VALVERDE, Sociedades por ações, v. II, p. 317-327.

68

administradores das S.As., ao estabelecer, no seu art. 158 da lei das S.As., abaixo

transcrito, que o administrador das S.As. pode ser considerado responsável pelos

prejuízos que causar quando em decorrência da prática de ato ilícito, com culpa ou

dolo, ou pela violação da lei ou do Estatuto, tal como quando em desobediência aos

respectivos deveres, a que se referem os arts. 153 a 157 da Lei das S.As.:

"Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair

em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente,

pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II - com violação da lei ou do estatuto.”69

Deve-se analisar, assim, duas hipóteses, para fins de responsabilização do

administrador: (a) atos de gestão, de forma culposa; e ( b) o desrespeito à lei e aos

Estatutos Sociais.

Como bem menciona Fábio Ulhoa Coelho,70 com base na legislação

societária, a responsabilidade dos administradores em caso da prática de ato ilícito

68 Trajano de Miranda VALVERDE, Sociedades por ações, v. II, p. 326-327. 69 Art. 158 da Lei das SAs:

“(...)

§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, ao Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral.

§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato à assembléia geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto."

Art. 158 da Lei das S.as.: O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto. 70 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, p. 260.

69

é subjetiva, pois não há exceção à regra geral da responsabilidade civil, prevista no

art. 927 do Código Civil, que seja aplicável aos administradores das sociedades:

“Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos

casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do

dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

A legislação brasileira trata da responsabilidade subjetiva no art. 927

combinado com arts. 186 e 187 do Código Civil, que envolve a prática culposa de

ato ilícito, e da responsabilidade objetiva no parágrafo único do mesmo art. 927 e

no art. 931 do Código Civil. Esses dois últimos dispositivos legais referem-se ao

empresário que decide assumir o risco do seu empreendimento, e não ao

administrador, que não é consultado sobre a constituição de empresa cuja atividade

envolve risco inerente. O administrador, se não for o próprio acionista controlador

ou sócio, é um mero empregado que não tem liberdade para decidir sobre os

destinos da empresa, mas acata as decisões do empresário, sócio da empresa, e

executa-as.

Dessa forma, não há justificativa para o empresário exigir dos

administradores que agem de acordo com a lei e os Estatutos, adstritos ao seu

dever legal, o ressarcimento dos prejuízos sofridos pela sociedade, por conta da

sua responsabilidade objetiva, advinda dos danos causados para a coletividade

pelo exercício da sua atividade.

Fábio Ulhoa Coelho71 esclarece que o art. 158 da Lei das S.As. prevê duas

hipóteses de responsabilidade civil dos administradores da sociedade: a causada

por culpa ou dolo, ainda que sem exorbitância de poderes e atribuições (prevista no

inciso I) e a referente à violação da lei ou do Estatuto (mencionada no inciso II),

sendo que, no primeiro caso, não resta dúvida de que a responsabilidade dos

administradores é subjetiva. No segundo caso, há controvérsias acerca da

responsabilidade do administrador: predomina o entendimento de que a

responsabilidade do administrador é subjetiva com presunção de culpa, ou seja,

com inversão do ônus da prova, mas há quem considere a responsabilidade dos

administradores objetiva. Entretanto, o autor mencionado entende que a

71 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, p. 249-250.

70

responsabilidade dos administradores com relação à violação da lei ou do Estatuto

também é do tipo subjetiva clássica.

O referido autor fundamenta a sua posição, através do estudo da teoria

geral da responsabilidade civil, que envolve quatro sistemas, no seu entendimento:

o da responsabilidade subjetiva clássica, considerado a regra geral, prevista no art.

927 do Código Civil, envolvendo o ato ilícito, o dano causado, e o nexo de

causalidade havido entre eles, excluindo-se a culpa do agente nas hipóteses de

caso fortuito ou de força maior. Deve-se mencionar, em seguida, o segundo

sistema de responsabilidade civil subjetiva: com presunção de culpa, em que a

distinção do sistema anterior baseia-se apenas na questão processual envolvendo

o ônus da prova, em que cabe ao demandado o dever de provar que não praticou

ato ilícito, com culpa. Ambos os sistemas de responsabilidade subjetiva têm a

culpa como fundamento. A conduta culposa é aquela que pode ser evitada pelo

agente, e causar um dano configura-se como uma opção dele.

O terceiro sistema de responsabilidade civil, como menciona o autor, é o

da responsabilidade objetiva, que, como o da responsabilidade subjetiva com

presunção de culpa, foi desenvolvido para abrigar valores de justiça que

determinavam a facilitação do ressarcimento dos prejuízos causados à vítima de

danos advindos da prática de atos ilícitos. A responsabilização do agente, nesse

caso, independe da ilicitude do ato praticado, dependendo, tão somente, do nexo

causal entre o ato e o dano. A responsabilidade objetiva fundamenta-se, segundo

o autor, não no risco incorrido pelo empresário para desenvolver uma atividade,

que é próprio dela, como um todo, não permitindo que se estabeleçam critérios

distintivos de responsabilidade objetiva ou subjetiva do empresário, mas, na

condição do responsável pela indenização de repartir o valor da mesma, e realocar

as perdas sofridas, entre aqueles que, apesar de estarem expostos ao evento

danoso, também se beneficiam da atividade econômica causadora do dano.

Exemplos disso são os consumidores, com relação aos fornecedores de produtos e

serviços, por acidentes de consumo; e os empregados, com relação ao INSS, por

acidentes de trabalho.

Essa fundamentação do citado autor com relação à responsabilidade

objetiva difere da fundamentação de outros autores acima mencionados,

consubstanciada na teoria do risco. Na verdade, podemos entender que a

justificativa da teoria da responsabilidade objetiva baseada no risco complementa-

71

se com a sua explicação baseada na condição do empresário de realocar, entre os

beneficiários de seus produtos ou serviços, as perdas causadas-lhes pelo

fornecimento desses produtos ou serviços quando causadores de danos. A

ocorrência de um dano é o risco assumido pelo empresário que, assim, estratégica

e previamente, reparte o prejuízo eventualmente advindo desse fato entre os

potenciais beneficiários deles, compondo o preço do fornecimento com um

complemento, como se constituindo um fundo de reserva, ou um seguro contra

acidentes ou danos causados, para suportar o pagamento de indenizações que

eventualmente sejam consideradas devidas. Assim, entendemos que se conciliam

as duas formas de justificar a teoria da responsabilidade objetiva.

O autor mencionado ainda considera a existência de um quarto sistema: o

da responsabilidade objetiva pura, desenvolvido para assegurar a indenização às

vítimas de eventos que envolvam danos de maior repercussão, afetando aspectos

econômicos e sociais relevantes, através de contratação obrigatória de seguro.

Nesse sistema, a relação de nexo causal entre o ato causador do dano e o próprio

dano ocorrido perde a relevância. Por força dessa relação securitária, a

indenização é paga para a vítima pelo simples fato dela ser beneficiária de um

seguro e, assim, mesmo nas hipóteses de exclusão de culpa aplicável a outros

sistemas de responsabilidade civil: culpa exclusiva da vítima ou caso fortuito ou

força maior.

Voltando à análise específica da responsabilidade civil dos

administradores, Fábio Ulhoa Coelho72 menciona que considera sua natureza

subjetiva, do tipo clássico, dado que o art. 158 da Lei das S.As. não prevê a

exceção à respectiva regra geral da responsabilidade subjetiva para qualquer das

duas hipóteses de procedimento do administrador previstas nos seus incisos I (agir

dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo) e II (agir com violação

da lei ou do Estatuto).

O fato de constar apenas no inciso I do art. 158 da Lei das S.As., a

expressão “por culpa ou dolo” não significa que se despreza essa condição na

hipótese do inciso II do mesmo dispositivo legal. Prevista a culpa, e não

estabelecida expressamente, por outro lado, a responsabilidade presumida ou a

responsabilidade objetiva, como determina o art. 927, parágrafo único, da Lei das

72 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, p. 259.

72

S.As., não há que se afastar a responsabilidade subjetiva, do tipo clássica, dos

administradores, como regra geral, como mencionado no art. 158 da lei das S.As..

Como há condutas dos administradores que podem ser enquadradas,

simultaneamente, em ambos os dispositivos do art. 158 da Lei das S.As., como:(a)

a prática de ato de violação da lei ou do Estatuto Social e (b) esse ato ser culposo,

por negligência, por exemplo, não há que se falar em sistemas diversos de

responsabilidade dos administradores, relacionados em cada um dos dispositivos

legais mencionados: há uma unicidade entre as duas hipóteses previstas na lei, e,

assim, ambos os dispositivos devem merecer a mesma interpretação, ou seja, de

que se referem ao sistema de responsabilidade subjetiva do tipo clássico.

Conclui-se, assim, que os administradores que causarem danos para a

sociedade, pela prática de ato ilícito, como o descumprimento do seu dever legal,

ou do dever de obedecer ao Estatuto Social, que não deixa de ser um dever legal,

de forma culposa, deverão indenizar a sociedade do prejuízo causado.

Nesse sentido, podemos citar a seguinte jurisprudência:

“SOCIEDADE ANÔNIMA – RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES,

CONSELHEIROS E DIRETORES – Os atos praticados por membro do conselho de

administração de sociedade anônima devem ser considerados atos de gestão, daí ser

aplicável à hipótese os artigos 145 e 158 da Lei nº 6404/76. Tais dispositivos estabelecem

que os administradores, conselheiros e diretores da sociedade anônima respondem pelos

prejuízos que causarem por dolo ou culpa, com violação da lei ou do estatuto. Na qualidade

de conselheiro, o agravante foi responsável pelas decisões da empresa na época de

vigência do contrato de trabalho do reclamante. A lesão causada aos direitos trabalhistas

deste implicou em violação da lei. Daí não estar o agravante isento de responsabilidade".

(TRT 15ª R. – AP 2252-1993-003-15-00-9 – (20388/05) – 9ª C. – Rel. Juiz Nildemar da

Silva Ramos – DOESP 13.05.2005 – p. 45) (Ementas no mesmo sentido) JLSA.145

JLSA.158

Não seria razoável estabelecer que para dois atos da mesma natureza –

infração do dever legal, a lei previsse dois sistemas de responsabilização diferentes

para os administradores: um baseado na responsabilidade subjetiva e outro na

responsabilidade objetiva. E mais: não seria possível aplicar a responsabilidade

objetiva para o administrador, se a própria Lei das S.As., no seu art. 158, não

previu essa exceção à regra geral da responsabilidade subjetiva, como o exige o

disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

73

Deve-se ressaltar, ainda, o fato de que, como acima mencionado, a

responsabilidade objetiva decorre da capacidade do empresário, dada a posição

econômica que ocupa, de socializar as perdas advindas de eventual indenização

que seja obrigado a pagar para vítimas de danos causados pelo exercício de sua

atividade econômica, realocando-as para os beneficiários últimos da sua produção

ou prestação de serviços.

O administrador, de outra parte, não tem essa capacidade de distribuir,

entre as pessoas expostas ao evento danoso, o valor do ressarcimento do prejuízo

causado à sociedade, razão pela qual não se tem como justificar qualquer

responsabilização de sua parte, independentemente de culpa. O administrador não

tem como destinar parcela de seu ganho para assegurar-se de tais eventuais

perdas, vez que o seu ganho não se confunde com o da sociedade: consiste

apenas na sua remuneração.

Fran Martins73 também considera a responsabilidade dos administradores

como subjetiva: ela é aplicável quando o administrador, na gestão da empresa,

pratica atos que ultrapassem os limites fixados pelo objeto social da empresa,

delineado no respectivo Contrato Social, em prejuízo ao interesse da sociedade.

Por outro lado, mesmo os atos praticados dentro dos limites fixados pela lei e pelo

Estatuto Social, porém com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do Estatuto

Social, desvirtuando o interesse social, e beneficiando o administrador ou terceiros,

e causando prejuízos para a sociedade, são puníveis.

A responsabilidade do administrador é pessoal quando ele age além dos

poderes e atribuições de representação da sociedade que a lei e/ou o Estatuto

Social lhe conferem, razão pela qual deve reparar os danos causados por seus

atos, perante a sociedade e perante os terceiros prejudicados.

O ato ilícito praticado pelo administrador pode ser do tipo ação ou omissão,

como determina o art. 186 do Código Civil, razão pela qual o mesmo deve agir

sempre de forma pró ativa para afastar qualquer dúvida acerca de sua negligência

em tentar evitar a prática de ato ilícito praticado por outro gestor da empresa, o que

seria considerado um ato de conivência e solidariedade, com relação ao infrator.

O referido autor entende que a lei presume a responsabilidade do

administrador pela prática de atos ilícitos omissivos, sendo o administrador

73 Fran MARTINS, Comentários à lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 404.

74

obrigado a demonstrar, para afastar a sua responsabilidade, que não foi conivente

com o ato ilícito alheio. Essa comprovação pode ser obtida através da ata de

reunião da Diretoria ou do Conselho de Administração, em que se configure a

dissidência do administrador à deliberação tomada pelo órgão. Na falta dessa ata, o

que não é a regra, a lei permite ao administrador comunicar sua dissidência à

deliberação tomada, de imediato, por escrito, ao órgão de administração, ao

Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou à Assembléia Geral.

No nosso entendimento, a responsabilidade dos administradores não é

presumida, pois os atos de gestão praticados pelos diretores, na qualidade de

representantes legais da empresa, são individuais, e não coletivos, dado que a

Diretoria é um órgão da administração da empresa não colegiado. As decisões

tomadas pela Diretoria dependem de quorum deliberativo, de modo que não se

pode presumir que um diretor tenha concordado com certa deliberação, quando seu

voto é vencido.

Assim, não se pode admitir que a responsabilidade dos administradores

seja presumidamente solidária, assumindo cada um deles a responsabilidade pelos

atos ilícitos praticados por qualquer outro.

O próprio art. 158, parágrafo primeiro, da Lei das S.As. determina que a

responsabilidade dos administradores é individual, sendo a culpa de cada

administrador incomunicável aos demais, salvo excepcionalmente em caso de

conivência ou de negligência em verificar a prática de atos ilícitos ou de omissão

para impedir a sua prática.

O ato omissivo, da mesma forma que o ato comissivo, reveste-se de culpa

do administrador, como determina o art. 186 do Código Civil, acima mencionado,

razão pela qual se impõe a responsabilidade subjetiva do administrador também

quando da prática de atos omissivos.

Se a regra da lei é a responsabilidade individual do administrador, sendo a

solidariedade tratada como exceção pelo art 158, parágrafo único, da Lei das S.As.,

não há que se falar, no nosso entendimento, em responsabilidade presumida do

administrador.

Mesmo no caso dos membros do Conselho de Administração, órgão de

deliberação colegiada, cuja eficácia da manifestação de vontade dos respectivos

membros fundamenta-se no fato da responsabilidade pelas deliberações tomadas

ser coletiva, não é presumidamente solidária, para fins de reparação dos danos

75

causados em virtude da atuação coletiva do órgão, dado que também se aplica aos

membros do Conselho de Administração, na qualidade de administradores, o

disposto no art. 158, parágrafo primeiro, da Lei das S.As., acima mencionado, que

trata a responsabilidade solidária dos administradores como exceção à regra da

respectiva responsabilidade individual.

Nesse sentido, Vanessa Ramalhete Santos Neves74 afirma que a

responsabilidade dos membros do Conselho de Administração não é solidária,

dado que a solidariedade não se presume, mas decorre apenas da vontade das

partes ou de disposição de lei, conforme o disposto no art. 265 do Código Civil.

Assim, não cabe à sociedade exigir de todo e qualquer um dos membros do

Conselho de Administração o ressarcimento pelos danos causados pela prática de

atos ilícitos por um deles.

O membro do Conselho de Administração dissidente da deliberação

tomada pelo órgão tem como evidenciar sua discordância com a mesma e sua

opinião contrária à dos demais membros que tenha prevalecido como deliberação

do órgão. Isso pode ser formalizado através da ata de reunião do órgão, e, se isso

não for possível, como determina a própria Lei das S.As., no seu art. 158, parágrafo

primeiro, através de ciência ao órgão de administração, ao Conselho Fiscal, se em

funcionamento, ou à Assembléia Geral.

Como determina o art. 158, parágrafos primeiro e segundo da Lei das

S.As., a solidariedade dos administradores advém da omissão do cumprimento, por

qualquer deles, de seus deveres de lealdade, de diligência e de informar. Assim, a

solidariedade de um administrador pelos atos ilícitos praticados por outro deles

pode ser considerada uma forma de punição do administrador pela infração, por si

próprio praticada, por conta, inclusive, de sua omissão, de seu dever de lealdade,

de diligência e de informar.

Isso significa que o administrador que não praticou o ato ilícito não está

sendo responsabilizado por solidariedade ao outro que o praticou, mas por infração

de seu próprio dever legal de administrador de ser leal, diligente e de informar à

companhia os atos ilícitos praticados pelos demais administradores.

Por essa razão, entendemos que a responsabilidade do administrador

depende da efetiva prática de ato culposo, omissivo ou comissivo, razão pela qual

74 Vanessa Ramalhete Santos NEVES, Responsabilidade dos administradores de sociedades anônimas, p. 94.

76

não consiste em presunção, mas em uma realidade. A infração dos deveres legais

dos administradores é um fato e não uma presunção, e é no não cumprimento

deles que está baseada a responsabilização do administrador.

Sendo assim, qualquer que seja o administrador, diretor ou membro do

Conselho de Administração, sua responsabilidade pelos atos ilícitos praticados

deverá ser considerada, no nosso entendimento, como regra geral, subjetiva, e não

subjetiva presumida ou objetiva.

Nessa linha de raciocínio, deve-se ressaltar que os administradores que

violam a lei ou o Estatuto Social (ou o Contrato Social, quando se tratar de

sociedade limitada) e que, no cumprimento do seu mandato, atuam com excesso

de poderes, de forma culposa, assumem responsabilidade subjetiva pelo

ressarcimento do prejuízo causado para a sociedade ou terceiros, a despeito da

respectiva boa-fé, como bem menciona Attila de Souza Leão Andrade Jr. 75

Assim, exemplificativamente, o administrador que não efetua o pagamento

dos tributos devidos pela sociedade, apesar da sociedade deter ativos suficientes

para tanto, deixou de cumprir um dever que a sociedade lhe confiou e, assim, é

responsável pelos prejuízos causados à mesma, porque agiu culposamente.

Por outro lado, se a sociedade não tem condições financeiras para tanto, e

o administrador, por essa razão, deixa de efetuar o pagamento dos impostos

devidos, o administrador não é responsabilizado, dado que não agiu com culpa, vez

que não se pode esperar que o administrador efetue o pagamento dos impostos

devidos pela sociedade com os seus próprios recursos. Nesse caso, o

administrador, para eximir-se de responsabilidade por omissão, acerca do problema

havido, deve levá-lo ao conhecimento do Conselho de Administração da mesma ou

da Assembléia Geral dos acionistas (ou quotistas, se for o caso de uma sociedade

limitada) que deliberará sobre o tema e orientará o administrador a como proceder.

A pessoa jurídica da companhia não se confunde com a pessoa física de

seus administradores, de modo que cada um mantém a sua independência,

inclusive patrimonial, ressalvado o caso mencionado no art. 158 da Lei das S.As.,

que determina que, apesar do administrador não ser pessoalmente responsável

pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular

75 Attila de Souza Leão ANDRADE JUNIOR, Direito das sociedades. In: ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza (Coords.), Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 6. p. 108.

77

de gestão, responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar quando

proceder, culposamente, em descumprimento do dever legal.76

Nesse sentido, transcrevemos abaixo77 decisão do Superior Tribunal de

Justiça que tem sido confirmada em todos os casos, envolvendo a responsabilidade

civil e tributária dos administradores, que não respondem pessoalmente pelas

dívidas e demais obrigações contraídas pela sociedade, mas apenas em caso da

prática de atos ilícitos, culposos, com excesso de poderes, em violação à lei e ao

Estatuto Social (art. 158, incisos I e II, da Lei n. 6.404/76).

Como afirma Adroaldo Leão,78 a responsabilidade civil do administrador

para com terceiros é de natureza subjetiva. Essa é a orientação doutrinária

predominante e embasada na Lei das S.As. vigente no Brasil, que entende como

cabível a responsabilização do administrador, em regra geral, por culpa, em caso

de prática de ato ilícito causador de dano material e/ou moral para terceiros.

76 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, p. 260. 77 "TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO A RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – RESPONSABILIDADE DE SÓCIO GERENTE – LIMITES – ART. 135, III – DO CTN – PRECEDENTES.

1. Agravo regimental interposto contra decisão que, com base na jurisprudência remansosa desta Casa, deu provimento ao recurso especial intentado pela parte ora agravada.

2. Cuida o presente caso de se buscar definição acerca da possibilidade de se cobrar integralmente de ex-sócio de uma empresa tributo por ela não recolhido, quando o mesmo já não exercia mais atos de administração da mesma, reclamando-se ofensa ao art. 135, do CTN.

3. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à Lei praticada pelo dirigente.

4. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou Lei (art. 158, I e II, da Lei n. 6.404/76). (grifado)

5. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigação tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de Lei, Contrato Social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

6. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de Contrato Social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio.

7. Precedentes desta Corte Superior.

8. Agravo regimental improvido."

STJ – Primeira Turma – AGRESP – 247862/SP – Registro: 200000122173 – DJ – 19/06/2000 – Relator: Min. José Delgado.

78 Adroaldo LEÃO, A responsabilidade civil dos administradores de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 34.

78

O referido autor entende que a responsabilidade subjetiva do administrador

deve ser excepcionada na hipótese de lesão à comunidade.79 Nesse sentido,

estabelece que o direito brasileiro admite a existência de três categorias de

responsabilidade: (a) teoria subjetiva ou contratual, baseada na culpa; (b) teoria da

culpa extracontratual, presumida, que envolve a inversão do ônus da prova; e (c)

teoria objetiva, como exceção, de caráter coletivo. Segundo o autor,80 o

denominador comum entre a teoria da culpa presumida e a teoria objetiva é o fato

de que caberá à vítima demonstrar apenas o nexo causal havido entre o ato ilícito

praticado e o dano causado-lhe, mas não a culpabilidade do agente. A teoria

objetiva aplica-se às empresas públicas e à sociedade de economia mista que

prestem serviço público,81 e é especialmente aplicável nos casos de contratação

em massa, quando a autonomia da vontade é prejudicada. O autor sustenta,82 para

finalizar, que o ressarcimento dos danos causados, nesse caso, pode ser garantido

através da contratação de seguro obrigatório pelas empresas, originalmente

utilizado nos países avançados, em favor de seus empregados e de terceiros

expostos aos riscos criados pelo exercício da atividade empresarial.

Considera-se ato ilícito aquele praticado pelo administrador das S.As.

dentro de suas atribuições e poderes, porém, com culpa ou dolo, ou seja, com

abuso ou desvio de poder. O ato ilícito praticado pelo administrador poderá causar

dano material e/ou moral para a companhia, para o acionista, e/ou para terceiros.

Para o perfeito entendimento dos casos em que os administradores

passam a ser civilmente responsáveis pelos atos praticados em nome da sociedade

que representam, torna-se necessário esclarecer: a) quais as condutas ilícitas

(culposas) dos administradores; e b) quais os casos de violação da lei e do Estatuto

Social.

As condutas ilícitas (culposas) praticadas pelos administradores são as

causadas por negligência, imperícia ou imprudência. Nesse caso, o administrador

da companhia causador do dano, material e/ou moral, é obrigado a ressarcir os

prejuízos causados à companhia.

79 Ibid., p.36. 80 Ibid., p. 74. 81 Ibid., p. 106. 82 Ibid., p. 84.

79

Para considerar-se que certo administrador agiu com culpa, faz-se

necessário verificar se agiu dentro dos padrões de conduta de gestores, geralmente

aceitos na condução das companhias: a) do mesmo tipo: aberta ou fechada; b) do

mesmo ramo de atividade; e c) da mesma dimensão e grau de profissionalização.

Também são analisadas, nesse caso, as funções dos diretores e dos membros do

Conselho de Administração da sociedade. Se a conclusão for no sentido de que o

administrador agiu com desídia, deslealdade, abuso ou desvio de poder, faltando

com seus deveres para com a companhia, ou em violação da lei ou do Estatuto

Social, o administrador será considerado culpado pelos atos ilícitos praticados.

A responsabilidade do administrador, em regra, subjetiva, configura-se

quando é possível estabelecer um nexo causal entre o ato ilícito por ele praticado

com culpa, por ação ou omissão, e o dano causado para a sociedade ou para

terceiros.

O não cumprimento do dever legal pelo administrador, de forma culposa,

deverá ser punido, dado que corresponde à prática de ato ilícito, como mencionam

Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca,83 independentemente do prejuízo causado

à companhia.

Entretanto, a responsabilização do administrador está assentada, como

afirma Fábio Ulhoa Coelho,84 em dois pressupostos: descumprimento do dever

legal e prejuízo para a sociedade, acionistas ou terceiros.

Veja-se que se trata de duas hipóteses distintas: a mera infração de um

dever legal, que, por si só, deve ser punida, e a conseqüência da prática do ato

ilícito para a empresa, que, se consistir em prejuízo para a companhia ou para

terceiros, este deve ser ressarcido.

5.5 - A responsabilidade objetiva dos administradores, como exceção -

Verifica-se que o Código Civil brasileiro, nos seus arts. 927, parágrafo

único, e 931, prevê a aplicação da responsabilidade objetiva para as empresas e

83 Modesto CARVALHOSA; Ney LATORRACA, Comentários à lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 309. 84 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, v. 2, p. 258.

80

empresários, nos casos estabelecidos em lei, e para a prática de atividades lícitas,

porém perigosas ou de risco.

A responsabilidade individual e objetiva do empresário, acionista

controlador da sociedade, por abuso de poderes, distingue-se da responsabilidade

da companhia.

O empresário, acionista controlador da companhia, diferentemente dos

respectivos administradores, estabelece as regras e a forma de condução do seu

negócio e, assim, aplica-se ao mesmo responsabilidade objetiva, de acordo com o

disposto no art. 927 e no art. 931 do Novo Código Civil,85 Lei n. 10.406/02 (que

inovou o disposto no art. 159 do Código Civil de 1916), pelos danos causados a

outrem, quando a atividade que desenvolve envolver risco para terceiros, por sua

própria natureza.

Diferentemente dos administradores, aos acionistas cabe, em princípio, a

fixação do objeto social e as deliberações que envolvem a orientação da

companhia, segundo a função social da empresa, e o respeito aos direitos dos que

nela trabalham e da comunidade em que atua, conforme o disposto no art. 116,

parágrafo único, da Lei n. 6.404/76.

Segundo o art. 117 da Lei n. 6.404/76, o acionista controlador também

responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder, inclusive,

se praticados em conluio com os administradores, conforme o disposto no citado

dispositivo legal, no seu parágrafo primeiro, na alínea (e), caso em que a

responsabilidade civil será solidária entre o acionista controlador e o administrador

faltoso.

Além disso, se referido acionista exercer o cargo de administrador ou se for

membro do Conselho Fiscal, também assumirá os deveres e responsabilidades

85 Código Civil :

“art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.”

81

próprios do cargo, como dispõe o parágrafo terceiro do art. 11786 da Lei n.

6.404/76.

Nesses casos de prática de ato ilícito pelo acionista controlador da

companhia, a mesma poderá acioná-lo para ressarcir-se dos danos causados pelo

mesmo.

Segundo Paulo Sergio Gomes Alonso,87 a responsabilidade objetiva difere

da subjetiva, porque aquela independe da prática de ato ilícito, mas advém da

prática de ato lícito que envolve risco e perigo. A responsabilidade subjetiva, por

outro lado, tem o ato ilícito e a culpa como elementos essenciais. A

responsabilidade objetiva advém do perigo que a atividade traz para o homem e a

sociedade, cujo risco constitui fonte de obrigação em decorrência de imposição

legal.

86 Art. 117 – Lei das S.As. – :

Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causados por atos praticados com abuso de poder.

§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:

a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;

d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;

e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembléia geral;

f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não eqüitativas.

g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.

h) subscrever ações, para os fins do disposto no artigo 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Alínea acrescentada pela Lei n. 9.457, de 05.05.1997)

§ 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal que praticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.

§ 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador ou fiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.

87 Paulo Sergio Gomes ALONSO, Pressupostos da responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 67.

82

Não resta dúvida de que o perigo existe em qualquer atividade, porém, em

algumas delas, está ínsita essa característica, quer pela sua natureza, como as

fábricas de explosivos, as que utilizam substâncias venenosas, as produtoras de

energia elétrica e as transportadoras de gases, dentre outras, quer pelos meios que

utilizam para o desenvolvimento de sua atividade: as que se servem de máquinas e

aparatos complexos, por exemplo.

Carlos Alberto Bittar,88 da mesma forma, menciona que a responsabilidade

objetiva não envolve necessariamente a prática de ato ilícito, e prescinde da análise

de culpabilidade do agente, mas consubstancia-se pelo mero exercício de

atividades perigosas, tais como a exploração de minas, o uso de energia,

especialmente a nuclear, a utilização de veículos automotores, a industrialização de

bens com o uso de materiais tóxicos, inflamáveis, explosivos, o acionamento de

máquinas e aparatos que envolvem perigo, dentre outras atividades.

Trata-se da responsabilidade das empresas exploradoras de atividades

consideradas lícitas, porém, perigosas, introduzidas na sociedade a partir da

Revolução Industrial, e confirmada com a Revolução Atômica (advinda da

exploração das atividades nucleares e da exploração industrial do átomo), com

base no risco a elas inerente, que afeta a comunidade e que aproveita ao

respectivo empresário.

Por essa razão, a empresa que explora atividade de risco ou perigosa

torna-se responsável pelo simples exercício legítimo da atividade, e, em virtude do

nexo causal havido entre a ação e o resultado danoso, obriga-se a reparar os

danos previsíveis e relacionados com a natureza da atividade desenvolvida,

causados pela mesma, indenizando o lesado, independentemente de qualquer

análise de sua culpabilidade. Nesses casos, responde o patrimônio da sociedade

envolvida que poderá reaver o valor da indenização do causador do dano, desde

que culpado pelo evento.

Há atividades, assim, que envolvem risco acentuado ao homem, à saúde,

e à própria vida, o que já se encontra definido na legislação, com base na doutrina,

nas constatações de fatos e pela análise científica, determinadoras do elemento

perigoso. Há leis especiais, no Brasil, apartadas dos Códigos, acerca das

atividades perigosas. Atualmente, a tendência é exigir da empresa que desenvolve

88 Carlos Alberto BITTAR, Responsabilidade civil: teoria e prática, p. 33.

83

atividades perigosas a obrigatoriedade de garantia prévia para o exercício da

atividade, mediante a contratação de seguro especial.

Além disso, leis especiais sobre responsabilidade civil, em particular

quanto a responsabilidades perigosas, têm tratado da fixação da indenização pelos

danos causados, como, por exemplo, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Decreto

n. 32/66), a Lei de Atividades Nucleares (Lei n. 6.453/77), e o Código de Minas

(Decreto-lei n. 1.985/40 alterado pelo Decreto-lei n. 318/67), cabendo sempre ao

Poder Judiciário a fixação do valor da indenização cabível em cada caso.

A jurisprudência, neste particular, é unânime em considerar responsável a

sociedade exploradora de atividade perigosa, causadora do risco e não o

respectivo administrador:

“Acidente de trânsito - Responsabilidade Civil - Evento causado por ônibus – Aplicação da

teoria objetiva da responsabilidade em face do perigo da atividade – Impossibilidade de

análise da subjetividade do agente, respondendo a empresa pela simples demonstração do

nexo causal – Hipótese em que se reduz o elenco das excludentes possíveis, em especial

a do caso fortuito (1º TACivSP) (RT 702/105);

Queda de fio de alta tensão durante temporal – Eletropressão de transeunte que nele tocou

– Inexistência de caso fortuito – Obrigação direta da concessionária do serviço de energia

elétrica pela indenização do dano – (TJSP) (RT 571/101);

Botijão de gás – Defeito da válvula de segurança – Explosão – Reparação do dano –

(TJSP) (RT548/109).”

Há atividades que não envolvem tanto risco ou, ao menos, envolvem risco

quase que insignificante, tais como: as empresas de prestação de serviços técnicos

ou administrativos, as revendedoras de produtos não perigosos.

A responsabilidade objetiva está baseada no fato de que o empresário

precisa ser alertado para a missão social a ele reservada, sendo apenado em caso

de menosprezo ao princípio constitucional de que a propriedade da empresa, como

a imobiliária, deve atentar para a função social da propriedade, que, junto com

outros princípios, fundamenta a ordem econômica, conforme o art. 170, III, da

Constituição Federal, e que orienta a prevenção e a repressão às infrações contra a

ordem econômica, entre pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado,

como estabelecem os arts. 1 e 15 da Lei n. 8.884/94.

84

Na mesma linha que a legislação brasileira, tem se manifestado a

legislação estrangeira acerca da responsabilidade objetiva do empresário.

A responsabilidade objetiva na Itália está prevista no respectivo Código

Civil, no seu art. 2.050, segundo informa Paulo Sergio Gomes Alonso.89:

“(...) aquele que ocasionar prejuízo a outrem no exercício de uma atividade perigosa, pela

sua natureza ou pela natureza dos meios adotados, ficará obrigado a indenização, se não

provar ter adotado todas as medidas idôneas para evitar o prejuízo.”

Verifica-se, assim, que o Código Civil italiano foi menos rigoroso do que o

brasileiro, tendo admitido a prova liberatória, caso o empresário, responsável pela

atividade perigosa, comprove ter adotado medidas suficientes para evitar e excluir,

de forma razoável e dentro do limite da previsão humana, qualquer possibilidade de

dano, considerando-se, nesse caso, que o mesmo foi causado por força maior, por

fato de terceiros ou por culpa da própria vítima.

De acordo com o Código Civil português, a responsabilização decorre da

prática de atos ilícitos, prevista no art. 483 do respectivo Código Civil, e da prática

de atividade empresarial que envolva risco, prevista no art. 499 e seguintes do

mesmo.

Assim dispõe o art. 483, que admite a responsabilidade subjetiva, baseada

na culpa do agente:

“(...) aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer

disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indenizar o lesado

pelos danos resultantes da violação. Só existe obrigação de indenizar, independentemente

de culpa, nos casos especificados na lei".

O art. 499 e seguintes do Código Civil português determina que são

extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável, e na falta

de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade

por fatos ilícitos.

De acordo com a legislação civil portuguesa, a responsabilidade pelo risco

constitui a mais importante forma de responsabilidade objetiva, e envolve o dever

89 Paulo Sergio Gomes ALONSO, Pressupostos da responsabilidade civil objetiva, p. 71.

85

de indenizar advindo do exercício de atividade perigosa, e não de ato ilícito do

agente. Como no Brasil, a legislação portuguesa não proíbe a prática de atividade

perigosa, socialmente útil, mas responsabiliza o seu empreendedor pelos danos

eventualmente causados, embora sem culpa, dado que os mesmos obtêm

vantagens e proveitos da sua exploração.

Constituem fonte de responsabilidade objetiva, de acordo com o Código

Civil português, as seguintes atividades: de produção, armazenagem, transporte e

distribuição de energia e de gás; utilização e colisão de veículos; exercício da caça;

atividade industrial, por exemplo, no que toca ao acidente de trabalho etc.

Verifica-se, assim, o entendimento mais corrente, no sentido de que a

responsabilidade do empresário ou do acionista controlador é objetiva em caso de

dano causado à comunidade em que atua a empresa, co-responsável para este

fim, dado que é o empresário que aufere proveito da atividade que decidiu

desenvolver, apesar do risco inerente nela envolvido.

Por outro lado, não se pode afirmar que a responsabilidade do

administrador é comparável à do empresário, cujo papel a desempenhar na

sociedade é bastante distinto.

Desse modo, reiteramos o nosso entendimento de que a responsabilidade

objetiva aplica-se ao empresário, mas, via de regra, não ao administrador,

ressalvadas opiniões contrárias, como a de Modesto Carvalhosa,90 que entende

que a responsabilidade do administrador é presumida, no que toca a prática de atos

dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo (art. 158, inciso I, da Lei

das S.As.), mas na hipótese de violação da lei ou do Estatuto Social (art. 158,

inciso II, da Lei das S.As.) é objetiva. Na verdade, o autor menciona, inicialmente,

que em ambos os casos previstos no art. 158 da Lei das S.As. a responsabilidade

do administrador é presumida e, mais adiante, em sua análise, estabelece que, no

caso do inciso II do art. 158 da Lei das S.As., a responsabilidade do administrador é

objetiva, o que parece envolver uma contradição.

Como acima mencionado, Modesto Carvalhosa91 entende que a

responsabilidade dos administradores por infração à lei ou ao Estatuto Social,

hipótese prevista no art. 158, inciso II, da Lei das S.As., no que diz respeito ao

funcionamento normal da companhia, é objetiva.

90 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas, p. 311-317.

86

Nas sociedades fechadas, não tendo os diretores funções distintas, a

responsabilidade do administrador que descumpriu a lei, segundo o referido autor,92

é objetiva e solidária, envolvendo todos e cabendo a cada um comprovar a sua

não-participação na prática do ato ilícito, de modo a requerer o ressarcimento do

valor da indenização devida.

Nas companhias abertas, em que há funções específicas de cada

administrador da companhia, a responsabilidade daquele que praticou o ato ilícito,

segundo o mencionado autor,93 é objetiva, e a dos demais administradores é

subjetiva, dependendo da comprovação da culpa do administrador omisso, caso em

que o administrador omisso é considerado solidariamente responsável pelo ato

ilícito praticado pelo outro. A solidariedade de um administrador ao agente do ato

ilícito deve ser comprovada pela companhia e depende da configuração da conduta

omissiva do administrador solidário, envolvendo conivência ou negligência.

O referido autor explica a responsabilidade objetiva dos administradores

com fundamento no poder que assumem na companhia que representam,

conforme abaixo disposto.

A companhia apresenta-se em situação favorecida, em desigualdade

perante as vítimas dos danos causados. Assim, entende o referido autor, que o

desempenho dos administradores confunde-se com o da própria empresa, segundo

o autor, dado que a assembléia de acionistas não tem acesso aos atos dos

administradores que detêm todos os meios e dados necessários para o exercício

das funções de representação e gestão da companhia, cabendo a eles a função de

operá-los de acordo com os deveres de lealdade, diligência e competência, sem

abuso ou desvio de poderes, na defesa do interesse social, para a realização do

objeto estabelecido no Estatuto Social. Assim, os administradores devem atentar

para a missão social da sociedade e para o seu papel institucional, perante a

comunidade e os respectivos empregados e dependentes.

Sendo assim, o autor mencionado entende que, por força da relação de

poder que o administrador revela perante a companhia e na representação dela, o

mesmo assume a responsabilidade, perante a companhia, pelo descumprimento da

lei e pela negligência na defesa dos interesses sociais e institucionais da

91 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas, p. 317. 92 Ibid., p. 317. 93 Ibid., p. 317.

87

companhia, bastando demonstrar-se a relação de causalidade entre a ação ou

omissão do administrador e o dano causado para exigir-se do administrador o

ressarcimento dos respectivos prejuízos.

Os atos do administrador que ensejam sua responsabilidade, previstos nos

incisos I e II do art. 158 da Lei das S.As., não se distinguem e envolvem atos de

administração ordinária ou extraordinária, como afirma Modesto Carvalhosa.94

Os atos ditos de acordo com as atribuições e poderes dos administradores,

considerados atos ordinários de administração, praticados de forma culposa,

ensejam a responsabilidade do administrador, como menciona o autor citado

acima. Os atos ordinários de administração são celebrados pelos diretores,

independentemente de deliberação do Conselho de Administração ou da

Assembléia Geral. Por outro lado, os atos ordinários de administração praticados

pelo Conselho de Administração são aqueles cuja eficácia independe de aprovação

da Assembléia Geral.

Segundo Modesto Carvalhosa,95 os atos ordinários da administração

responsabilizam o administrador quando configuram abuso ou o desvio de poder.

Considera-se ato com o abuso de poder aquele praticado pelo

administrador de forma a causar dano à empresa, a seus acionistas e a terceiros,

ultrapassando o limite dos poderes que lhe foram conferidos e as prerrogativas

atribuídas à sua gestão, pela lei ou pelo Estatuto Social.

Por outro lado, o administrador age com desvio de poderes quando exerce

o seu poder, visando a finalidade diversa do objeto social, ainda que não colidente.

Sergio Cavalieri Filho96 afirma que o fundamento principal da conceituação

e vedação do abuso de poder é impedir que um direito legítimo seja exercido de

forma indevida, sem base legal, de forma opressiva, e com desvio de seu objetivo,

que o transforma em ato ilícito, afastado da ética, da boa-fé, dos bons costumes e

da sua finalidade social e econômica. Esse ato ilícito causa dano a terceiro, em

proveito próprio do administrador faltoso.

A aferição da responsabilidade do administrador por ato ilícito culposo,

segundo Modesto Carvalhosa,97 envolve a análise dos padrões de cautela

94 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas, p.311. 95 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas , p.310. 96 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 159, 163-164. 97 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas, p. 313.

88

normalmente aceitos para a deliberação, gestão e representação da companhia,

conforme os costumes da atividade empresarial e a administração de companhias

assemelhadas, no que toca ao ramo de atividade, o objeto social, a dimensão da

empresa e o tipo de administrador – diretor ou membro do Conselho de

Administração da empresa. Se evidenciada a desídia ou deslealdade, abuso ou

desvio de poder, presume-se que o administrador agiu em desacordo com o padrão

geral de cautela e, assim, com culpa, sendo responsável perante a companhia.

Modesto Carvalhosa98 esclarece que não há distinção entre os atos

mencionados nos incisos I e II do art. 158 da Lei das S.As. e esclarece que se

aplica, em ambos os casos, a responsabilidade presumida dos administradores,

“em que se conciliam o elemento moral subjetivo – a imputabilidade moral – com a

teoria objetiva da conduta”. Adiante, no estudo do mesmo tema, Modesto

Carvalhosa99 determina que se aplica a responsabilidade objetiva aos

administradores para os casos de descumprimento da lei, no que toca ao

funcionamento normal da companhia.

Discordamos desse entendimento de que a responsabilidade do

administrador é objetiva, quando envolve o descumprimento da lei, no que toca ao

funcionamento normal da companhia. Os atos a que se refere o funcionamento

normal da companhia correspondem às obrigações de fazer, ou seja, aos deveres

legais abrangidos pela competência dos administradores, como afirma o autor

mencionado.100 Sendo assim, nessa linha de raciocínio, as atribuições dos

administradores correspondem aos respectivos deveres legais, advindos, esses

deveres, da lei ou do Estatuto Social, razão pela qual o descumprimento deles

significa uma violação à lei ou ao Estatuto da companhia.

Ressalta-se que, como o próprio Modesto Carvalhosa101 afirma, o

conteúdo dos incisos I e II do art. 158 da Lei das S.As. não se distinguem, dado que

a violação das atribuições legais ou dos poderes do administrador correspondem,

em última análise, a um descumprimento do previsto em lei ou no Estatuto Social

acerca da matéria referente às funções dos administradores. Desse modo, não

parece lógico tratar a responsabilidade do administrador com relação a cada inciso

98 Modesto CARVALHOSA, Comentários à Lei das sociedades anônimas, p. 311. 99 Ibid., p. 317 100 Ibid., p. 316. 101 Ibid., p. 311.

89

do art. 158 da Lei das S.As. de forma distinta. E mais do que isso, se a

responsabilidade do administrador fundamenta-se no descumprimento de seus

deveres legais, e não na assunção do risco do empreendimento pelo mesmo,

assumido exclusivamente pelo empresário, ou na capacidade do empresário de

alocar as perdas causadas pelo seu empreendimento para os beneficiados pelo

exercício de tal atividade, como acima demonstrado, não entendemos ser possível

nos afastar da responsabilidade subjetiva do administrador que, salvo as exceções

previstas em lei, só deve responder pelos danos causados por seus atos culposos,

envolvendo o descumprimento de seus deveres legais.

Sendo assim, formulamos as seguintes considerações que sustentam o

nosso entendimento no sentido de que a responsabilidade do administrador é

subjetiva, em regra geral, e não objetiva: (a) o administrador, apesar de representar

a companhia, não assume o papel de empresário, o qual assume a decisão de

realizar um empreendimento, respeitada uma comunidade e a respectiva missão

social, e essa responsabilidade, inclusive social, do empresário, empreendedor,

não se transfere para o administrador; (b) o administrador não assumiu o risco do

empreendimento e não polariza com as vítimas dos danos causados pela empresa,

como hipossuficientes em uma sociedade de massas, em situação de desigualdade

em relação ao poderio econômico do empresário e da empresa. Tanto quanto a

comunidade local, o administrador não sócio ou não acionista também depende do

empresário, dada a geração de emprego que o mesmo propicia e o

desenvolvimento local que o mesmo garante; (c) se a responsabilidade do

administrador é objetiva, não há que se falar em critérios de aferição de culpa,102

para a averiguação da atuação do administrador dentro dos padrões de cautela

normalmente aceitos para deliberação, gestão e representação da companhia com

relação às empresas assemelhadas. Não há que se tratar da caracterização da

culpa do agente, porque não se discute a culpa quando a responsabilidade do

administrador é objetiva, como defende Modesto Carvalhosa;103 e (d) se a

responsabilidade do administrador é objetiva, não é presumida, como menciona

Modesto Carvalhosa.104

102 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas, p. 313. 103 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei das sociedades anônimas, p. 317. 104 Ibid., p. 311 e 317.

90

Podemos concluir a análise crítica da responsabilidade do tipo objetiva do

administrador com a serena afirmação de Fábio Ulhoa Coelho,105 que só nos leva a

admitir como inafastável a subjetividade da referida responsabilidade, baseada na

culpa:

“(...) as hipóteses de responsabilidade civil dos administradores de sociedade anônima –

não obstante distinguidas pelo art. 158 da Lei das S.As., são redutíveis, em síntese, a uma

apenas: a decorrente de descumprimento do dever legal”.

A responsabilidade objetiva do agente é excluída, segundo Sergio Cavalieri

Filho,106 caso não seja possível se identificar o nexo de causalidade entre o ato

ilícito e o dano causado, ressalvados os raros casos de responsabilidade fundada

na mais moderna teoria do risco integral, sustentada por alguns doutrinadores, com

relação às atividades nucleares, por exemplo, que despreza o nexo causal. Além

disso, deve-se mencionar como excludentes de responsabilidade do agente o caso

fortuito, a força maior e os atos de responsabilidade exclusiva da vítima ou de

terceiro, como acima mencionado.

5.6 - Responsabilidade subjetiva do administrador (aplicação na legislação

vigente) -

Conforme abaixo demonstrado, a legislação brasileira especial em vigor,

aplicável aos administradores das empresas, define a responsabilidade dos

mesmos como subjetiva, em regra, ressalvadas raras exceções.

Reiteramos, nesse sentido, o acima disposto com relação à

responsabilidade civil subjetiva do administrador, que envolve não apenas o dever

do infrator de indenizar o lesado, o indivíduo ou a coletividade, dos prejuízos

sofridos pelo ato ilícito praticado, mas também qualquer outra sanção que seja

imposta ao administrador, corretiva ou punitiva, pela prática de tal ato ilícito. A

sanção imposta ao administrador pode estar prevista em qualquer diploma legal, e

105 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, p. 260. 106 Sergio CAVALIERI FILHO, Programa de responsabilidade civil, p. 182-183.

91

seus atos podem ser julgados pelos órgãos da Administração Pública ou pelo

Judiciário, como já mencionado acima e demonstrado a seguir.

5.6.1 - Direito Bancário – Instituições Financeiras – Conselho Monetário

Nacional – Lei n. 4.595/64 e Lei n. 6.024/74 -

A responsabilidade dos administradores de instituição financeira é

subjetiva e solidária, porém limitada aos prejuízos causados, ou seja, circunscrita

aos danos causados pela prática de atos ilícitos, na gestão da empresa, sem

desprezar-se o nexo causal entre a ação ou omissão do administrador e o dano

causado à empresa, como previsto no art.. 42 da Lei n. 4.595/64,107 transcrito

abaixo, que trata do sistema financeiro nacional, dispondo sobre a política e as

instituições monetárias, bancárias e creditícias, criando, ainda, o Conselho

Monetário Nacional. A referida lei foi consolidada pela Lei n. 6.024/74,108 referente à

intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras que trata da

responsabilidade dos administradores nos seus arts. 39 e 40, abaixo transcritos.

A infração aos dispositivos da Lei 4.595/64, de acordo com o respectivo

art. 44, enseja as seguintes penalidades para os administradores das companhias:

advertência, multa pecuniária variável, suspensão do exercício de cargos,

inabilitação temporária para o exercício de cargos ou cassação da autorização para

funcionamento.

O decreto de inabilitação enseja a automática cessação do mandato do

administrador de instituição financeira.

107 “Lei n. 4.595/1964 – art. 42. O art. 2º da Lei n. 1.808, de 7 de janeiro de 1953, terá a seguinte redação:

Art. 2º Os diretores e gerentes das instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelas mesmas durante sua gestão, até que se cumpram.

Parágrafo único. Havendo prejuízos, a responsabilidade solidária se circunscreverá ao respectivo montante.”

108 “Lei n. 6.024/1974:

Art. 39. Os administradores e membros do Conselho Fiscal de instituições financeiras responderão, a qualquer tempo, salvo prescrição extintiva, pelos atos que tiverem praticado ou omissões em que houverem incorrido.

Art. 40. Os administradores de instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações por elas assumidas durante sua gestão, até que se cumpram.

Parágrafo único. A responsabilidade solidária se circunscreverá ao montante dos prejuízos causados.”

92

Aplica-se, assim, aos administradores das instituições financeiras a mesma

legislação relativa às S.As. em geral, no que toca à respectiva responsabilização

pela prática de atos ilícitos, considerando-a subjetiva.

A distinção havida entre o regime jurídico referente aos administradores

das S.As. em geral e os administradores das instituições financeiras reside na

apuração e efetivação da responsabilidade dos mesmos.

Nas S.As. em geral, a responsabilização dos administradores é apurada

pela Assembléia Geral, mas nas instituições financeiras falidas, em liquidação

extrajudicial, sob intervenção ou em regime de administração especial temporária, a

apuração da responsabilidade dos administradores, e dos danos causados pelos

mesmos, é realizada pelo Banco Central do Brasil, através de inquérito

administrativo, conforme o disposto no art. 41 da Lei n. 6.024/74.109

Complementarmente, pode ser citado como distinção entre os dois

processos de apuração de responsabilidade dos administradores o fato de a

efetivação da responsabilidade, segundo os princípios societários gerais, ser

realizada através de ação de responsabilidade, para fins de indenização, ajuizada

pela empresa ou pelos acionistas substitutos processuais, após a qual os bens do

administrador faltoso são afetados, enquanto no caso de instituições financeiras os

bens do administrador responsabilizado pela prática de atos ilícitos são, desde

109 Art. 41. Decretada a intervenção da liquidação extrajudicial ou a falência de instituição financeira, o Banco Central do Brasil procederá a inquérito, a fim de apurar as causas que levaram a sociedade àquela situação e a responsabilidade de seu administradores e membros do Conselho Fiscal.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, decretada a falência, o escrivão do feito a comunicará, dentro em vinte e quatro horas, ao Banco Central do Brasil.

§ 2º O inquérito será aberto imediatamente à decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial, ou ao recebimento da comunicação da falência, e concluído dentro em cento e vinte dias, prorrogáveis, se absolutamente necessário, por igual prazo.

§ 3º No inquérito, o Banco Central do Brasil poderá:

a) examinar, quando quantas vezes julgar necessário, a contabilidade, os arquivos, os documentos, os valores e mais elementos das instituições;

b) tomar depoimentos solicitando para isso, se necessário, o auxílio da polícia;

c) solicitar informações a qualquer autoridade ou repartição pública, ao juiz da falência, ao órgão do Ministério Público, ao síndico, ao liquidante ou ao interventor;

d) examinar, por pessoa que designar, os autos da falência e obter, mediante solicitação escrita, cópias ou certidões de peças desses autos;

e) examinar a contabilidade e os arquivos de terceiros com os quais a instituição financeira tiver negociado e no que entender com esses negócios, bem como a contabilidade e os arquivos dos ex-administradores, se comerciantes ou industriais sob firma individual, e as respectivas contas junto a outras instituições financeiras.

§ 4º os ex-administradores poderão acompanhar o inquérito, oferecer documentos e indicar diligências.

93

logo, por medida acautelatória, para a garantia dos direitos dos prejudicados,

tornados indisponíveis, arrestados, e seqüestrados.

Declarada a responsabilidade dos ex-administradores por sentença, o

arresto e a indisponibilidade de bens se convolarão em penhora, seguindo-se o

processo de execução, como dispõe o art. 49 da Lei n. 6.024/74.110

Se a falência da instituição financeira for decretada depois de proposta a

ação de responsabilidade dos ex-administradores, o síndico passará a ser

competente para o cumprimento do disposto na Lei n. 6.024/74.

5.6.2 - Direito Societário – Companhias Abertas – Comissão de Valores

Mobiliários – CVM – Lei n. 6.385/76 -

De acordo com o art. 11 da Lei n. 6.385/76, serão passíveis de processo

administrativo, instaurado perante o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro

Nacional, resultando na imposição de penalidades tais como advertência, multa,

suspensão do exercício do cargo de administrador ou inabilitação para o seu

exercício, os administradores de companhias abertas que cometerem faltas graves,

previstas na Instrução n. 8 de 8/10/79, da CVM (IN 8/79 da CVM),111 assim

consideradas: criação de condições artificiais de preço dos valores mobiliários

emitidos pela companhia, por força de ação ou omissão do administrador;

manipulação de preço no mercado; realização de operações fraudulentas no

mercado de capitais, visando a vantagem ilícita; práticas não eqüitativas que

110 Art. 49. Passada em sentença que declarar a responsabilidade dos ex-administradores, o arresto e a indisponibilidade de bens se convolarão em penhora, seguindo-se o processo de execução.

§ 1º Apurados os bens penhorados e pagas as custas judiciais, o líquido será entregue ao interventor, ao liquidante ou ao síndico, conforme o caso, para rateio entre os credores da instituição.

§ 2º Se, no curso da ação ou da execução, encerrar-se a intervenção ou a liquidação extrajudicial, o interventor ou o liquidante, por ofício, dará conhecimento da ocorrência ao juiz, solicitando sua substituição como depositário dos bens arrestados ou penhorados, e fornecendo a relação nominal e respectivos saldos dos credores a serem, nesta hipótese diretamente contemplados com o rateio previsto no parágrafo anterior.

111 INSTRUÇÃO CVM N. 08, DE 08 DE OUTUBRO DE 1979.

O Colegiado da Comissão de Valores Mobiliários – CVM torna público que, em sessão realizada nesta data, e de acordo com o disposto nos artigos 4º, V e VII e 18, II c da LEI N. 6.385; de 7 de dezembro de 1976, resolveu: É vedada aos administradores e acionistas de companhias abertas, aos intermediários e aos demais participantes do mercado de valores mobiliários, a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas e o uso de práticas não eqüitativas.

94

coloquem em posição de desequilíbrio as partes envolvidas em transações com

valores mobiliários emitidos pela companhia, dentre outras.

Também é responsável perante a CVM, com base no art. 4, inciso IV, da

Lei n. 6.385/76,112 o administrador de companhia aberta que não comunicar à CVM

os fatos e atos ilícitos relacionados com a administração da sociedade.113

Conclui-se, assim, que a responsabilização dos administradores das S.As.,

nesses casos, depende da prática de ato ilícito culposo, razão pela qual é subjetiva

a responsabilidade dos mesmos perante a CVM.

5.6.3 - Direito Societário – Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de

Falência da Sociedade Empresária (Lei n. 11.101/05) -

O art. 82 da Lei n. 11.101/05114 determina que a responsabilidade dos

sócios de sociedade limitada, dos controladores e dos administradores da

sociedade falida será apurada em processo de falência. Os parágrafos primeiro e

segundo do art. 82 da Lei n. 11.101/05 estabelecem que a ação de

responsabilização dos réus prevista no caput do mesmo dispositivo legal

prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de

encerramento da falência. O juiz poderá ordenar a indisponibilidade dos bens dos

réus, de modo a efetivar a responsabilidade dos mesmos, até o julgamento da ação

de responsabilização.

112 Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão as atribuições previstas na lei para o fim de:

(...)

IV – proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra:

a) emissões irregulares de valores mobiliários;

b) atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou de administradores de carteira de valores mobiliários.

c) o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários. (Alínea incluída pela Lei n. 10.303, de 31.10.2001)

113 Modesto CARVALHOSA, Comentários à lei de sociedades anônimas, v. 3, p. 321. 114 Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. § 1º Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo. § 2º O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.

95

O art. 190 da Lei de Falências115 equipara os administradores das

sociedades falidas ao devedor ou falido, na medida de sua culpabilidade, inclusive

para os efeitos penais previstos na referida lei, inclusive no que toca à prática de

atos fraudulentos de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim

de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para terceiros, conforme o

disposto no art. 168 da Lei n. 11.101/05.116 Conclui-se, também no caso de falência

das empresas, que a responsabilização dos administradores é subjetiva, porque

depende de apuração da prática de ato ilícito culposo.

Para o fim de responsabilização dos administradores das S.As., não deve

ser considerado o disposto no art. 18 da Lei n. 8.884/90,117 Lei Antitruste, que trata

da responsabilidade nos casos de falência. Esse dispositivo determina inicialmente

que a personalidade jurídica do responsável por infração à ordem econômica

poderá ser desconsiderada quando houver, da parte deste, abuso de direito,

excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação do Estatuto Social

ou do Contrato Social da sociedade.

115 Art. 190. Todas as vezes que esta Lei se referir a devedor ou falido, compreender-se-á que a disposição também se aplica aos sócios ilimitadamente responsáveis. 116 Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Aumento da pena § 1º A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente: I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros; III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado; IV – simula a composição do capital social; V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

Contabilidade paralela § 2º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.

Concurso de pessoas § 3º Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade.

Redução ou substituição da pena § 4º Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

117 Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou Contrato Social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

96

A desconsideração de que se trata, segundo o mesmo dispositivo legal,

será aplicada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou

inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Para afastar

qualquer dúvida sobre a aplicação do dispositivo mencionado aos administradores

das SAs, deve-se ressaltar, expressamente, que a teoria da desconsideração da

personalidade jurídica tem como sujeito a empresa e não seus representantes, pois

é ela que detém personalidade jurídica. A referida teoria é aplicada em caso de

fraude, para evitar que os sócios da empresa usem sua pessoa para mascarar

ilicitudes cometidas. Por essa razão, afasta-se, nessas hipóteses, o princípio da

separação entre a pessoa jurídica e seus integrantes, de modo a desconsiderar-se

a autonomia patrimonial havida entre a sociedade e os respectivos sócios. Verifica-

se, assim, que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não afeta os

administradores, mas os sócios da sociedade vinculada à infração à ordem

econômica.

Não há necessidade de desconsideração da personalidade jurídica da

empresa para que seja imputada responsabilidade ao administrador por ato de má

gestão: a personalização da sociedade, como afirma Fábio Ulhoa Coelho, não

impede o ressarcimento dos danos pelo administrador.118

5.6.4 - Direito Tributário – Código Tributário Nacional – CTN -

Segundo Maria Rita Ferragut119, a responsabilidade tributária pressupõe a

existência de fato jurídico tributário, que autoriza a constituição da relação jurídica

entre o Estado-credor e o responsável, e tem como fundamento a prática de um ato

ilícito, nos casos previstos nos arts. 134, 135 e 137 do CTN, e independe da prática

de infração pelo próprio contribuinte, nos casos tipificados nos arts. 129 ao 133 do

CTN, que envolvem responsabilidade por sucessão.

De acordo com o disposto no art. 135, inciso III, do CTN,120 os

administradores, dentre outros, são pessoalmente responsáveis pelos créditos

118 Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial, p.50. 119 Maria Rita FERRAGUT, Responsabilidade tributária e o código civil de 2002, p. 33 120 Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, Contrato Social ou estatutos:

(...)

97

correspondentes a obrigações tributárias, resultantes de atos praticados com

excesso de poderes ou infração de lei, Contrato Social ou Estatuto Social da

companhia. Verifica-se, assim, pela simples literalidade do referido dispositivo

legal,que a responsabilidade tributária dos administradores é subjetiva.

Trata-se de responsabilidade tributária por substituição, não como

contribuinte direto e originário, justificada, a substituição, pelo ato doloso, de má fé,

praticado pelo administrador, o qual deve ser comprovado, obedecido o devido

processo legal, para que o seu agente seja apenado. A responsabilidade objeto do

referido dispositivo legal mencionado não se aplica aos empregados sujeitos ao

poder hierárquico dos gestores da empresa, mas aos administradores, ainda que

empregados, com poderes de gestão.

Nas hipóteses do art. 135, Inciso III, do CTN, a pessoa jurídica fica

excluída da responsabilidade, pelos atos que o administrador praticar em seu nome

com excesso de poderes, infração à lei, Contrato Social ou Estatuto, à época do

fato gerador do tributo e do vencimento dos débitos tributários.

Já há farta jurisprudência no sentido de que o mero não recolhimento do

tributo por uma sociedade, apesar de constituir uma ilicitude, não enseja

responsabilidade pessoal do administrador. O não pagar tributo, para os fins dos

princípios da responsabilidade, pode configurar ou não uma violação da lei ou do

Estatuto Social ou Contrato Social.

Deixar a empresa-contribuinte de recolher o tributo dela exigido não

importa, por si só, automaticamente, na responsabilização dos sócios-quotistas,

dos sócios-gerentes ou dos administradores, empregados da companhia, com

poderes de gestão.

Podemos citar, nesse sentido, a opinião de Hugo de Brito Machado:

“(...) se o pagamento do tributo fosse infração à lei capaz de ensejar a responsabilidade dos

diretores de uma sociedade por cotas, ou de uma sociedade anônima, simplesmente

inexistiria qualquer limitação da responsabilidade destes em relação ao fisco.”121

O Ministro Ari Pargendler, nos autos do Recurso Especial n. 1.674,

esclarece a questão da seguinte forma:

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

121 Kiyoshi HARADA. Temas de Direito Tributário II. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 113.

98

“(...) a falta de pagamento de tributos, quando resulta da álea natural aos negócios, não

pode ser assimilada à infração prevista no Art. 13, inciso III, do Código Tributário Nacional.

Esta é modalidade restrita de infração à lei, aquela em que o sócio-gerente da pessoa

jurídica, através de procedimentos ilícitos, visa a encobrir a própria obrigação tributária (v.g.

falta de escrituração regular) ou a diminuir as garantias do crédito tributário (v.g. dissolução

irregular da sociedade)".

O inadimplemento da sociedade pode ser conseqüência do risco natural

envolvido na execução dos negócios, ao qual nenhum empresário está imune.

Certamente, o Fisco credor terá o direito de executar a empresa pelo tributo não

pago, ainda que a mesma esteja impossibilitada de fazê-lo por motivos justos, mas

jamais poderá responsabilizar o respectivo administrador pelo não recolhimento do

tributo, quando não comprovar que o administrador agiu dolosamente, com a

intenção de fraudá-lo. É indispensável que o Fisco comprove concretamente o

ilícito doloso do administrador, para responsabilizá-lo pelo não pagamento do

tributo.

O ilícito de que se trata pode consistir na distribuição disfarçada de

dividendos ou lucros, ou na respectiva distribuição que impeça o pagamento de

tributos. É considerado ato de má fé a destinação do numerário reservado para o

pagamento de tributos, a outros fins, como a incorporação do mesmo ao capital de

giro, a compra de bens diversos da finalidade da empresa, a concessão de fiança

ou aval estranhos ao objeto social, a realização de operações financeiras,

envolvendo riscos exagerados, a destruição ou danificação de bens que garantiriam

o pagamento dos tributos, dentre outros.

O posicionamento, no sentido de que o simples não-recolhimento de tributo

não constitui infração à lei ensejadora da “responsabilização” pessoal do sócio-

administrador, foi pacificado no âmbito da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça,

como mencionado abaixo.

Nesse sentido, podemos transcrever as decisões abaixo122 que evidenciam

que a responsabilidade tributária dos administradores é subjetiva, pessoal (não

122 “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, do CTN.

Precedentes.

1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente,

99

solidária) e substituta, tendo como fundamento a prática de atos pelos

administradores, com excesso de mandato e com violação do Estatuto ou da lei,

conforme dispõe o art. 158, incisos I e II, da Lei n. 6.404/76.

Ressalte-se que é pacífico o entendimento do E. Superior Tribunal de

Justiça, exemplificado nas ementas recentes,123 no sentido de que só se houver

administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à Lei praticada pelo dirigente.

2. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou Lei (art. 158, I e II, da Lei n. 6.404/76). (grifado)

3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigação tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de Lei, Contrato Social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de Contrato Social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio.

5. Precedentes desta Corte Superior.

6. Embargos de Divergência rejeitados".

STJ – Primeira Turma – ERESP 174.532/PR – Registro: 2000/0121148-0. Data: 31/10/2000 – Relator: Min. José Delgado.

123 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – SÓCIO – LEGITMIDADE PASSIVA – RESPONSABILIDADE PESSOAL PELO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DA SOCIEDADE – ART. 135, III DO CTN – DOLO, FRAUDE OU EXCESSO DE PODERES – COMPROVAÇÃO IMPRESCINDÍVEL – PRECEDENTES – OMISSÃO INEXISTENTE”.

Inexiste omissão no julgado que examina a tese da legitimidade passiva do sócio à luz de documentos considerados insuficientes para provar que o sócio não tinha responsabilidade para responder pelos tributos que estavam sendo exigidos. Artigos 128, 131, 458, II e III, 512, 527, 535, II do CPC não violados.

É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não enseja a responsabilização pessoal do dirigente da sociedade. Para que este seja pessoalmente responsabilizado é necessário que se comprove que agiu dolosamente, com fraude ou excesso de poderes (grifado).

A comprovação da responsabilidade do sócio, a cargo do exeqüente, é imprescindível para que a execução fiscal seja redirecionada, mediante citação do mesmo.

“Recurso especial provido.”

STJ – 2a. T. – RESP 397074/BA – DJ 22/04/2002 – Relatora Ministra Eliana Calmon

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. NÃO INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. S 07 E 207/STJ. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES.

1. Agravo Regimental interposto contra decisão que, com amparo no art. 544, § 3º, do CPC, conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial da pArt.e agravada.

2. O Acórdão considerou ser possível a penhora de bens de responsável tributário (sócio ou gerente), por substituição, a teor do art. 135, III, do CTN, se comprovada a atuação do mesmo com excesso de poder, infração de Lei, Contrato Social ou estatuto (grifado).

3. É incabível, portanto, a interposição de embargos infringentes, visto que o voto-vencido levantou apenas pequena divergência conceitual em relação ao entendimento consagrado pelos

100

comprovação do ato doloso, eivado de excesso de poderes do administrador

fraudulento, em infração à lei ou ao Estatuto Social, praticado pelo dirigente, o

mesmo será considerado responsável pelos débitos da empresa, a rigor do art.

135, inciso III, do CTN.

Não resta dúvida de que as infrações cometidas pelos administradores da

sociedade devem ser devidamente comprovadas, pelo Fisco, quando da execução

fiscal interposta contra o administrador, para cobrança do crédito tributário, de

modo a justificar a responsabilidade pessoal e substituta do mesmo, pelas dívidas

tributárias da companhia.

Essa regra comporta exceções. Trata-se do caso de não recolhimento do

ICMS,124 ou de não recolhimento, aos cofres do INSS, das contribuições

votos-vencedores, mas sem que tal implicasse em acolhimento das teses recursais, que bateram pela completa inexistência de obrigação imputável aos agravados.

4. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à Lei praticada pelo dirigente (grifado).

Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas sim para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou Lei (art. 158, I e II, da Lei n. 6.404/76).

De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de Lei, Contrato Social ou estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.

O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de Contrato Social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. Precedentes desta Corte Superior (grifado).

Não incidência da Súmula n. 7/STJ, por tratar a matéria, unicamente, de aplicação de legislação federal.

9. Agravo regimental não provido.”

STJ – Primeira Turma – AGA – 428886/MG (2000101627708) – 430413 – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento – Data da decisão: 09/04/2002 – Relator: Ministro José Delgado.

124 "TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS GERENTES. NO SISTEMA JURÍDICO-TRIBUTÁRIO VIGENTE, O SÓCIO GERENTE É RESPONSÁVEL – POR SUBSTITUIÇÃO – PELAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS RESULTANTES DE ATOS PRATICADOS COM INFRAÇÃO A LEI OU CLÁUSULAS DO CONTRATO SOCIAL (CTN, ART. 135)

Obrigação essencial a todo administrador é a observância do pagamento dos tributos, no prazo consignado na legislação pertinente. Em se cuidando, no caso, de débito relativo a ICMS, é de presumir que os gerentes da empresa, embora tenham recebido dos consumidores finais esse imposto, nas operações realizadas, retardaram o recolhimento aos cofres da Fazenda, com evidente infração a Lei, porquanto a sonegação de tributo constitui crime tipificado em legislação específica. E jurisprudência assente da Corte que as pessoas enumeradas no art. 135, III, do

101

previdenciárias descontadas dos salários dos empregados,125 pelos

administradores, considerado apropriação indébita, tendo em vista que, no caso do

CTN, são sujeitos passivos da obrigação tributária (por substituição), podendo ser citados, com a penhora de seus bens, ainda que os seus nomes não constem no respectivo título extrajudicial. Recurso provido. Decisão unânime."

STJ – Primeira Turma – RESP 0068408/RS – DJ: 24/06/96 – Min. Demócrito Reinaldo. 125 Acordão

Origem:STJ-SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Classe: HC – HABEAS CORPUS – 35823. Processo: 200400758444 UF: SP Órgão Julgador: QUINTA TURMA. Data da decisão: 16/11/2004 Documento: STJ000587175

Fonte: DJ data:17/12/2004 página: 586 RSDPPP vol.:00030 página:86

Relator(a): GILSON DIPP – Decisão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. "A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, José Arnaldo da Fonseca e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator.

Sustentou oralmente: Dr. Carlos Alberto Pires Mendes (p/ pacte)

Ementa: CRIMINAL. HC. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. CRIME SOCIETÁRIO. NECESSIDADE DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DA RELAÇÃO DO PACIENTE COM OS FATOS DELITUOSOS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ORDEM CONCEDIDA.

I. Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de apropriação indébita de contribuições previdenciárias, pois, na qualidade de um dos responsáveis pela administração de determinada empresa, teria deixado de recolher ao cofres do INSS as contribuições descontadas dos salários dos empregados em certos períodos.

II. O entendimento desta Corte – no sentido de que, nos crimes societários, em que a autoria nem sempre se mostra claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, não se exigindo a descrição pormenorizada da conduta de cada agente – não significa que o órgão acusatório possa deixar de estabelecer qualquer vínculo entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada.

III. O simples fato de ser sócio de empresa não autoriza a instauração de processo criminal por crimes praticados no âmbito da sociedade, se não restar comprovado, ainda que com elementos a serem aprofundados no decorrer da ação penal, a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a condição de dirigente da empresa, sob pena de se reconhecer a responsabilidade penal objetiva.

IV. A inexistência absoluta de elementos hábeis a descrever a relação entre os fatos delituosos e a autoria ofende o princípio constitucional da ampla defesa, tornando inepta a denúncia.

V. Precedentes do STF.

VI. Deve ser cassado o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para restabelecer a decisão monocrática que rejeitou a denúncia ofertada contra o paciente.

VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

Indexação

CABIMENTO, TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL, ACUSADO, CRIME, OMISSÃO, RECOLHIMENTO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, POSTERIORIDADE, DESCONTO, SALARIO, EMPREGADO, MOTIVO, IMPOSSIBILIDADE, PRESUNÇÃO, PARTICIPAÇÃO, PACIENTE, DELITO, FUNDAMENTAÇÃO, EXCLUSIVIDADE, QUALIDADE, SOCIO, ADMINISTRADOR, EMPRESA COMERCIAL, CARACTERIZAÇÃO, INEPCIA, DENUNCIA, NECESSIDADE, AFASTAMENTO, RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA, OCORRENCIA, VIOLAÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, AMPLA DEFESA.

Data Publicação: 17/12/2004

102

Referência Legislativa: CPP-41 CODIGO DE PROCESSO PENAL LEG_FED DEL_3689 ANO_1941 ART_43 INC_3 LOSS-91 LEI ORGANICA DA SEGURIDADE SOCIAL LEG_FED LEI_8212 ANO_1991 ART_95 LET_D

Acórdão: Origem: TRIBUNAL – SEGUNDA REGIÃO – Classe: ACR – APELAÇÃO CRIMINAL – 1971. Processo: 9902002560 UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA Data da decisão: 25/09/2001 Documento: TRF200079457

Fonte: DJU DATA:05/03/2002 PÁGINA: 152

Relator(a): JUIZ BENEDITO GONCALVES

Decisão: Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da Justiça Pública e dar parcial provimento ao recurso de Silvio Bufoni, nos termos do voto do(a) Relator(a).

Descrição: INSS

Ementa: PENAL. DEIXAR DE RECOLHER CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DOLO.

CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. RESPONSABILIDADE PENAL. DIFICULDADES FINANCEIRAS INDEMONSTRADAS. LEI 9.714/98.

– A simples omissão do recolhimento ao INSS das quantias relativas à contribuição previdenciária descontada dos empregados, tem-se consumado o tipo em tela, não se exigindo dolo específico, fraude, nem o prejuízo efetivo.

– O núcleo da locução verbal, deixar de recolher, constitui uma conduta omissiva, isto é, descreve uma conduta de não fazer algo. A sanção estabelecida em relação ao agente se verifica em razão de conduta que se afasta do devido, segundo a teoria do aliud agere. Ou seja, qualquer comportamento que não seja o de recolher a contribuição, acarretará a imposição de sanção.

–- Os responsáveis por este tipo de delito são os sócios, gerentes, diretores e administradores que participem da gestão da empresa (STJ-RHC 8652/SC, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ 06/09/99, STJ-HC 10873/SP, Rel. Min. ARNALDO DA FONSECA, DJ 21/02/2000).

– Para configuração da excludente de culpabilidade concernente na dificuldade financeira da empresa deve restar cabalmente comprovada nos autos, não bastando, para eximir o sentenciado de culpa, mera alegação.

– Manutenção da sentença absolutória quanto a UYARUM DE ALMEIDA ARAUJO vez que, dos elementos coligidos aos autos, depreende-se que o apelado não participava da gestão da empresa, não havendo falar em responsabilidade pessoal do mesmo quanto ao crime previsto no art. 95, “d”, da Lei n. 8.212/91.

– Não havendo qualquer elemento nos autos que comprove ter havido trânsito em julgado de condenação do apelante, não pode ser tomado como fator de acréscimo da pena (STF, RTJ 136/627).

– Assim, mesmo em se tratando de sentença proferida antes da vigência da Lei 9.714/98, cabível sua aplicação, notadamente por tratar de matéria de ordem pública.

– Considerando a primariedade do acusado, fixa-se a pena restritiva de direito de prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública, pelo prazo de 02 (anos) e 04 (quatro) meses, na forma em que o Juízo das Execuções melhor decidir (Lei n. 7.210/84, art. 149 c/c CP, art.43, IV).

Indexação: NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO PRAZO LEGAL, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, DESCONTO, FOLHA DE SALÁRIOS, EMPREGADO, APROPRIAÇÃO INDÉBITA, CONDUTA OMISSIVA, FISCAL DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS, PROVA TESTEMUNHAL, PROVA MATERIAL, PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO, DENÚNCIA, PRECLUSÃO, DECLARAÇÃO DE NULIDADE, SENTENÇA CONDENATÓRIA, INDIVIDUALIZAÇÃO DE CONDUTA, DOLO ESPECÍFICO, FRAUDE, SÓCIO-GERENTE, TERCEIRO, PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO, GESTÃO DE NEGÓCIOS, INSTRUÇÃO CRIMINAL, EMPRESA PRIVADA, PARCELAMENTO DE DÉBITO, PENA-BASE, DOIS ANOS, CAUSA DE AUMENTO DE PENA, MULTA, PENA RESTRITIVA DE DIREITOS, PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE.

Data Publicação: 05/03/2002

103

ICMS, o imposto agrega o produto e, assim, é pago ao vendedor pelos

consumidores, sendo obrigação do administrador da empresa vendedora de

produtos recolhê-los aos cofres públicos, sob pena da referida prática ser

considerada crime de sonegação de tributo. No que toca à contribuição

previdenciária descontada do salário dos empregados, o entendimento é

coincidente: o referido numerário retido pela empresa é objeto de crime de

apropriação indébita. Há entendimento, nesses casos, de que o ato ilícito praticado

pelos acionistas e/ou administradores das empresas é doloso, eivado de má fé, e,

assim, fraudulento, razão pela qual há quem entenda que a responsabilidade é

presumida.

Complementarmente, os arts. 137 e 138 do CTN tratam do direito tributário

criminal e da responsabilidade do administrador, por infrações da legislação

tributária.

Nesse sentido, podemos mencionar que o art. 137 do CTN126 dispõe que a

responsabilidade é pessoal do agente: (a) quanto às infrações conceituadas por lei

como crimes ou contravenções, salvo quando praticados no exercício regular de

administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem

expressa, emitida por quem de direito; (b) quanto às infrações em cuja definição o

dolo específico do agente seja elementar; (c) quanto às infrações que decorram

direta e exclusivamente de dolo específico: (i) das pessoas referidas no art. 134 do

CTN, contra aquelas por quem respondem; (ii) dos mandatários, prepostos ou

empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; (iii) dos

Referência Legislativa: LEG-FED LEI-8212 ANO-1991 ART-95 LET-D PAR-1 PAR-3 CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-234 ART-41 CP-40 CÓDIGO PENAL LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-71 LEG-FED LEI-7492 ANO-1986 ART-5 LEG-FED LEI-9714 ANO -1998, ART.43, ART-44 ART-45 ART-46 ART-47 ART-55 ART-77 LEP-84 LEI DE EXECUÇÃO PENAL LEG-FED LEI-7210 ANO-1984 ART-149 PAR-2.

126 Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente:

I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito;

II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar;

III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico:

a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem;

b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores;

c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.

104

diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra

estas.

Através desse dispositivo, visa-se apenas responsabilizar pessoalmente,

de forma subjetiva, quem age dolosamente, em prejuízo de seus clientes,

representantes ou sociedades das quais são administradores.

Nesse caso, de acordo com o disposto no art. 138 do CTN, a

responsabilidade é afastada pela denúncia espontânea da infração, realizada antes

de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados

com a infração. A denúncia deve ser acompanhada do pagamento do tributo ou do

depósito do valor devido.

5.6.5 - Direito Tributário – Lei de Execuções Fiscais – Lei n. 6.830/80 -

A lei de Execuções Fiscais, Lei n. 6.830/80, que disciplina o processo de

execução da dívida ativa, obriga a observância, para a sua interpretação e

aplicação, das normas tributárias, civis e comerciais, no que tange à

responsabilização do executado, como determina o seu art. 4, parágrafo

segundo.127 Sendo assim, a referida lei deve ser interpretada em harmonia com o

art. 135, inciso III, do CTN, lei complementar, hierarquicamente superior à Lei n.

6.830/80, que fixa a responsabilidade tributária do administrador. Aliás, o CTN,

como lei complementar, deve sempre prevalecer para fins de fixação de normas

gerais em matéria de legislação tributária, de acordo com o disposto nos arts. 59 e

146, III, da Constituição Federal.

Deve-se mencionar, ainda, que a Lei n. 6.830/80, referente à cobrança

judicial da dívida da Fazenda Pública, no seu art. 4, V,128 determina que a execução

127 Lei n. 6.830/1980

art. 4º A execução fiscal poderá ser promovida contra:

(.)

VI – os sucessores a qualquer título

(.)

§ 2º À Dívida Ativa da Fazenda Pública, de qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação tributária, civil e comercial.

128 Lei n. 6.830/80

art. 4º A execução fiscal poderá ser promovida contra:

(.)

105

fiscal poderá ser promovida contra o responsável, nos termos da lei, por dívidas,

tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Analisando o termo “responsável por dívida tributária”, verifica-se que sua

conceituação encontra-se no disposto no art. 121, do CTN, com status de lei

complementar, que determina que o sujeito passivo da obrigação principal é (a) o

contribuinte, quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o

respectivo fato gerador, ou (b) o responsável, quando sua obrigação decorrer de

disposição expressa da lei.

Além disso, de acordo com os arts. 130 a 135 do CTN,129 os responsáveis

tributários podem ser assim considerados: (a) por substituição, quando a lei assim o

V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e

129 CTN – art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.

art. 131. São pessoalmente responsáveis:

I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;

II – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão, do legado ou da meação;

III – o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até data da abertura da sucessão.

art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:

I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;

II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de 6 (seis) meses, a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão

§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:

I – em processo de falência;

II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial. (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar n. 118, de 09.02.2005, DOU 09.02.2005 – Ed. Extra, com efeitos a partir de 120 dias após a data da publicação)

§ 2º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo quando o adquirente for:

106

dispuser, ou, (b) por transferência da obrigação tributária, quando houver sucessão,

solidariedade ou subsidiariedade da obrigação tributária em relação ao contribuinte.

O responsável por dívidas tributárias, mencionado na lei de execuções

fiscais, é aquele assim determinado pelo art. 121 do CTN,130 qual seja, o assim

I – sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou

III – identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária. (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar n. 118, de 09.02.2005, DOU 09.02.2005 – Ed. Extra, com efeitos a partir de 120 dias após a data da publicação)

§ 3º Em processo da falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo de falência pelo prazo de 1 (um) ano, contado da data de alienação, somente podendo ser utilizado para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário. (NR) (Parágrafo acrescentado pela Lei Complementar n. 118, de 09.02.2005, DOU 09.02.2005 – Ed. Extra, com efeitos a partir de 120 dias após a data da publicação)

SEÇÃO III

RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS

art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;

II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;

III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;

IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;

V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.

art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, Contrato Social ou estatutos:

Jurisprudência Vinculada

I – as pessoas referidas no artigo anterior;

II – os mandatários, prepostos e empregados;

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado. 130 CTN

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

107

considerado por lei. O art. 135, inciso III, do CTN vem a indicar o responsável pelo

pagamento das dívidas tributárias, estabelecendo que o é o administrador faltoso,

se praticar atos com excesso de poderes ou com infração da lei, Estatuto Social ou

Contrato Social.

O parágrafo primeiro do art. 4o da Lei n. 6.830/80 trata da responsabilidade

do administrador, dentre outros, que, se no caso de falência, concordata,

liquidação, inventário, insolvência ou concurso de credores, antes de garantidos os

créditos da Fazenda Pública, alienarem ou derem em garantia quaisquer dos bens

da empresa por ele administrada, em ato considerado fraudulento, responderão,

solidariamente, pelo valor deles. Verifica-se que o acima mencionado reflete o

disposto no art. 135, inciso III, do CTN, responsabilizando o administrador faltoso

de forma subjetiva (não objetiva) e pelo pagamento da dívida da sociedade, objeto

da execução fiscal.

O parágrafo terceiro do art. 4o da lei de execuções fiscais determina que os

responsáveis pelas dívidas executadas poderão ter seus bens pessoais sujeitos à

execução, caso os do devedor sejam insuficientes para o pagamento da dívida.

Deve-se ressaltar que a responsabilidade do administrador, de acordo com

a Lei de Execuções Fiscais, é subsidiária, distinguindo nitidamente a

responsabilidade dele e a do devedor, sujeitando os bens do administrador à

execução, tão somente se os do devedor não forem suficientes para a satisfação

da dívida. Devemos mencionar, porém, que essa subsidiariedade deve ser aplicada

em conjunto com o disposto na legislação tributária, como acima mencionado,

considerando-se, assim, o disposto no art. 135, inciso III, do CTN que condiciona a

responsabilidade do administrador aos atos de gestão dolosos, com excesso de

poderes, contra a lei ou o Estatuto Social.

Não resta dúvida de que a regra consiste na não-responsabilização

pessoal dos administradores pelas dívidas da sociedade.

A responsabilidade tributária dos administradores não é solidária ou

subsidiária com relação à sociedade, mas plena e exclusiva dos administradores da

sociedade que atuem com manifestada malícia contra a empresa que representam.

Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro assevera:

“(...) em suma, o art. 135 retira a ‘solidariedade’ do art. 134. Aqui a responsabilidade se

transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A

108

responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isso ocorrerá

quando eles procederem com manifesta malícia (mala fides) contra aqueles que

representam, toda vez que for constada a prática de ato ou fato eivado de excesso de

poderes ou com infração de Lei, o Estatuto Social ou o Contrato Social.”131

Podemos transcrever o seguinte comentário do mesmo autor:

“(...) dá-se que a infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva e sim

subjetiva, ou seja, dolosa. (...) No art. 135, o dolo é elementar. Nem se olvide que a

responsabilidade aqui é pessoal (não há solidariedade); o dolo, a má-fé hão de ser

cumpridamente provados.”132

5.6.6 - Direito Tributário Previdenciário – Leis da Previdência Social – Lei n.

8.212/91 e Lei n. 8.620/93 -

Como é sabido, o INSS tem lavrado autos de infração pelo não-pagamento

das contribuições previdenciárias pela empresa, considerando como co-

responsáveis os respectivos sócios ou os administradores. No nosso entendimento,

tal procedimento não tem fundamento legal, dado que, como acima mencionado, a

responsabilização do administrador, nesse caso, é subjetiva, e deve estar baseada

na culpa, dado inexistir qualquer lei que preveja, expressamente, a

responsabilidade objetiva do administrador nesse caso.

Isso depreende-se do disposto no art. 135, inciso III, do CTN, por força do

qual entendemos ser inaplicável o que estabelece o parágrafo único do art. 13 da

Lei n. 8.620/93,133 abaixo transcrito, que trata da responsabilidade solidária dos

administradores pelos débitos havidos, pela empresa, junto à Seguridade Social.

Não resta dúvida de que a interpretação literal do dispositivo supra da Lei

n. 8.620/93 é equivocada, vez que contraria o art.135, inciso III, do CTN, lei

complementar hierarquicamente superior à lei ordinária, que deve garantir a

131 Carlos Valverde do NASCIMENTO, Comentários ao Código Tributário Nacional, p. 319. 132 Carlos Valverde do NASCIMENTO, Comentários ao Código Tributário Nacional, p. 320. 133 "Lei n. 8.620/1993 – (...)

Art. 13. O titular da firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

Parágrafo único. Os acionistas controladores, os administradores, os gerentes respondem solidariamente e subsidiariamente, com seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Seguridade Social, por dolo ou culpa.”

109

interpretação sistemática da lei ordinária, em conjunto com o CTN. Sendo assim, a

responsabilização do administrador, nos casos de execução fiscal interposta contra

a empresa, apesar de considerada subjetiva, pode não ser tida como solidária, nem

subsidiária à dos acionistas controladores. A responsabilidade pessoal dos

administradores, como determina o art. 135, inciso III, do CTN depende da prática

de ato com excesso de poderes ou com infração da lei, Estatuto Social ou Contrato

Social.

A superioridade hierárquica da lei complementar é evidenciada pelo

disposto no art. 59 da Constituição Federal, que determina que a lei complementar

disporá sobre a elaboração, redação, alteração, e consolidação das leis. Da mesma

forma, o art. 146, inciso III, da Constituição Federal determina que compete à lei

complementar, e não à lei ordinária, lei delegada, medida provisória ou decreto,

estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, conferindo-se,

assim, maior estabilidade para o contribuinte, dado que o respectivo processo

legislativo é mais complexo, por exigir quórum qualificado para a sua aprovação.

Nesse sentido, podemos transcrever abaixo134 jurisprudência do Supremo

Tribunal de Justiça que consagra a aplicação do art. 135, inciso III, do CTN, lei

complementar, em detrimento do disposto no art. 13 da Lei n. 8.620/93, que deve

134 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO A RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 3º, I, DA LEI N. 7.787/89, E ART. 22, I, DA LEI N. 8.212/91. AUTÔNOMOS, EMPREGADORES E AVULSOS. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL DO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO (LEIS Nºs 8.212/91, 9.032/95 E 9.129/95). TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO. ART. 166, DO CTN. JUROS DE MORA. TAXA SELIC.

(...)

7. A contribuição previdenciária examinada é de natureza direta. Apresenta-se com essa característica porque a sua exigência se concentra, unicamente, na pessoa de quem a recolhe, no caso, uma empresa que assume a condição de contribuinte de fato e de direito. A primeira condição é assumida porque arca com o ônus financeiro imposto pelo tributo; a segunda,caracteriza-se porque é a responsável pelo cumprimento de todas as obrigações, quer as principais, quer as acessórias. (...)

9. Em conseqüência, o fenômeno da substituição legal no cumprimento da obrigação, do contribuinte de fato pelo contribuinte de direito, não ocorre na exigência do pagamento das contribuições previdenciárias quanto à parte da responsabilidade das empresas. (.)

11. In casu, tem-se Leis ordinárias hierarquicamente inferiores ao comando de uma Lei complementar. E, sendo a contribuição para a Seguridade Social uma espécie do gênero tributo, deve a mesma seguir o preceituado no CTN, recepcionado como Lei Complementar, salvo norma posterior de mesma hierarquia, que não é o caso das Leis Ordinárias supracitadas, a fim de que não se fira o princípio da hierarquia da Lei.

(..) 16. Agravo regimental e recurso especial do INSS improvidos”.

110

submeter-se àquela, vez que a contribuição previdenciária é uma espécie do

gênero tributo.

Fica claro, pela leitura da ementa de acórdão abaixo transcrita,135 que os

administradores não podem ser responsabilizados, ainda que subsidiariamente ou

solidariamente, pelo simples não pagamento, pela empresa, do tributo devido ao

INSS, o que não pode constituir infração legal, devendo ser, por outro lado,

aplicado o art. 135, inciso III, do CTN que vincula a responsabilidade do

administrador à prática de ato com excesso de poderes ou infração estatutária.

Transcrevemos abaixo136 parte do texto do voto do relator referente ao

acórdão supracitado, para ilustrar a questão.

135 “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE. LIMITES. EXCESSO DE PODER. INFRAÇÃO A CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTO. MATÉRIA PACIFICADA NESTA CORTE SUPERIOR EM SENTIDO CONTRÁRIO À TESE DEFENDIDA PELO INSS.” 136 (..).Dessa forma, a tese defendida pelo Instituto Nacional do Seguro Social se encontra obsoleta, uma vez que o não recolhimento do tributo, por si só, não pode constituir infração legal. É preciso que tenha agido o representante da sociedade com excesso de poderes ou infração de Contrato Social ou Estatuto.(...)

Devemos entender por atos ilegais ou por atos em violação do Contrato Social aqueles dolosamente praticados e dirigidos para deliberadamente prejudicar terceiros. Assim, não pagar um fornecedor é ato ilegal e constitui uma falta. Mas, para os fins dos princípios da responsabilidade o não pagar pode configurar ou não uma violação da Lei ou do Contrato Social. Se a sociedade não paga por estar impossibilitada, por motivo justo, o credor pode cobrar da empresa, mas não há infração dolosa, nem responsabilidade contingente. Se a sociedade devia numerário e não paga ou se em estado pré falimentar sai por aí comprando sem lastro, evidencia-se o dolo, e consequentemente, haveria responsabilidade (“Responsabilidade dos Sócios pelas Dívidas da Sociedade”, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro/56, Ed. Revista dos Tribunais, p.64/75).(.)

Apenas quem pratica o ato gerencial fraudulento, ilegal, pode validamente ser responsabilizado. Interessa à organização social como um todo, que a responsabilidade dos negócios seja, como o nome indica, “limitada”. (...)

Em conclusão, a questão em exame pode ser assim resumida: (a) os sócios-gerentes, diretores, e administradores de sociedades por quotas de responsabilidade limitada ou anônimas, em princípio não são pessoalmente responsáveis pelas dívidas tributárias destas; (b) omissis; (c) relativamente aos demais tributos, a responsabilidade em questão só existirá quando a pessoa jurídica tenha ficado sem condições econômicas para responder pela dívida, em decorrência de atos praticados com excesso de poderes, ou violação da Lei, do contrato ou do Estatuto; (d) a liquidação irregular da sociedade gera a presunção da prática desses atos abusivos ou ilegais. (...)

É de concluir, pois, que não pode o fato de figurar determinado sócio como gerente da empresa, tão somente, determinar sua responsabilidade pelo pagamento de tributos não recolhidos. Há, sim, que responder pelos débitos fiscais do período em que exerceu a administração da sociedade, se ficar provado que agiu com dolo ou fraude e existia prova de que a sociedade, em virtude de dificuldade econômica decorrente desse ato, não pode cumprir a obrigação tributária (...)”.

Agravo regimental a que se nega provimento. Decisão por unanimidade de votos.

STJ – 2a. T. – AGA 329248/SC – DJ 25/03/2002 – Relator Ministro Franciulli Neto.

111

Paralela e complementarmente, podemos citar o disposto no art. 42 da Lei

n. 8.212/91, que determina o seguinte:

“Art. 42. Os administradores de autarquias e fundações públicas, criadas e mantidas pelo

Poder Público, de empresas públicas e de sociedades de economia mista sujeitas ao

controle da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, que se encontrarem

em mora, por mais de 30 (trinta) dias, no recolhimento das contribuições previstas nesta lei,

tornam-se solidariamente responsáveis pelo respectivo pagamento, ficando ainda sujeitos

às proibições do art. 1º e às sanções dos arts. 4º e 7º do Decreto-lei n. 368, de 19 de

dezembro de 1968."

Apesar de não se referir aos administradores das S.As., entendemos que o

dispositivo acima demonstra o entendimento do INSS acerca da responsabilidade

dos administradores das empresas: solidariamente responsáveis,

independentemente de má gestão, pelos encargos tributários devidos pela

empresa, o que, como fartamente sustentado acima, carece de fundamento legal.

5.6.7 - Direito Tributário Criminal - Lei de Sonegação Fiscal - Lei n. 4.729/65 -

Como já esclarecido, há diplomas legais que fixam sanções civis e penais,

em conjunto, de natureza reparatória, punitiva e corretiva.

Exemplo disso é o disposto na Lei n. 4.729/65, que trata da sonegação fiscal,

considerando-a um ato ilícito penal, um crime, que, de acordo com o art. 1 da

referida lei, poderá consubstanciar-se pelos seguintes atos, relacionados de forma

taxativa: I - prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que

deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com

a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e

quaisquer adicionais devidos por lei; II - inserir elementos inexatos ou omitir

rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos

pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos

à Fazenda Pública; III - alterar faturas e quaisquer documentos relativos a

operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública;IV - fornecer ou

emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de

obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções

administrativas cabíveis; V - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte

112

beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida

do Imposto sobre a Renda como incentivo fiscal (Item V acrescentado pela Lei n.

5.569/69).

A pena aplicada aos casos de crime de sonegação fiscal corresponderá à

detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa de 2 (duas) a 5 (cinco) vezes o

valor do tributo.

À responsabilidade civil tributária dos administradores, envolvendo a

reparação dos prejuízos causados, cumula-se a responsabilidade criminal, de

acordo com o disposto no art. 6 da referida lei, que determina que, quando se tratar

de pessoa jurídica, a responsabilidade penal pelas infrações previstas nesta lei será

de todos os que, direta ou indiretamente ligados à mesma, de modo permanente ou

eventual, tenham praticado ou concorrido para a prática da sonegação fiscal, o que

envolve a prática de ato doloso, razão pela qual a responsabilização dos

administradores será subjetiva.

5.6.8 - Direito Tributário Criminal – Lei dos Crimes do Colarinho Branco – Lei

n. 7.492/86 -

A Lei n. 7.492/86 define os crimes contra o sistema financeiro nacional,

responsabilizando penalmente os administradores das empresas, no seu art. 25.137

São tipificados como criminosos os atos praticados pelos administradores das

instituições financeiras que, nos lançamentos de títulos e valores mobiliários:

137 Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado).

§ 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liqüidante ou o síndico.

§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. ( Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado).

§ 1º Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liqüidante ou o síndico.

§ 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Incluído pela Lei n. 9.080, de 19.7.1995)

113

divulguem informações falsas ou enganosas; gerenciem fraudulentamente

instituição financeira; apropriem-se de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem

móvel de que tem posse, ou negociem direito, título ou qualquer outro bem móvel

ou imóvel de que tem a posse, sem a autorização de quem de direito; desviem-no

em proveito próprio ou alheio; emitam, ofereçam ou negociem títulos ou valores

mobiliários falsos ou falsificados; sem registro prévio de emissão junto à autoridade

competente, em condições divergentes das constantes do registro ou

irregularmente registrados, sem lastro ou garantias suficientes ou sem autorização

prévia da autoridade competente quando exigida; exigir, em desacordo com a

legislação, juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operações

envolvendo o sistema financeiro; atribuam a si ou a terceiros falsa identidade para

a realização de operação de câmbio; efetuem operação de câmbio não autorizada,

com o fim de promover evasão de divisas do país; ou promovam, sem autorização

legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior ou lá mantenham depósitos não

declarados à repartição federal competente.

Verifica-se, pelo acima exposto, que a Lei n. 7.492/86 responsabiliza os

administradores, de forma subjetiva, pela prática pelos mesmos de ilícitos de forma

culposa.

5.6.9 - Direito Tributário Criminal – Lei de Lavagem de Dinheiro –

Lei n. 9.613/98 -

A referida lei trata dos crimes de “lavagem” ou de ocultação de bens,

direitos e valores, bem como da prevenção da utilização do sistema financeiro para

os ilícitos previstos na mesma, criando, no seu art. 14, o Conselho de Controle de

Atividades Financeiras – COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas

administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de

atividades ilícitas previstas na referida lei, sem prejuízo da competência de outros

órgãos e entidades.

O crime previsto é tipificado, no art. 1o da Lei 9.613/98, como de ocultação

ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou

propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente de

crime: de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo;

de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua

114

produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública,

inclusive a exigência, para si ou para outrem, de qualquer vantagem, direta ou

indireta, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa; praticado

por particular, contra a administração pública estrangeira, dentre outros, fixados nos

parágrafos primeiro e segundo do art. 1o da referida lei.

O art. 9o combinado com os arts. 10 e 11 da referida lei considera

obrigadas a identificação dos clientes, manutenção de registros e a comunicação

de operações financeiras: as pessoas jurídicas que tenham, em caráter permanente

ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a

captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em

moeda nacional ou estrangeira; a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro

como ativo financeiro ou instrumento cambial; a custódia, emissão, distribuição,

liquidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores

mobiliários.

Sujeitam-se, ainda, à lei mencionada: as bolsas de valores e bolsas de

mercadorias ou futuros; as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades

de previdência complementar ou de capitalização.

O art. 12 da Lei 9.613/98138 determina as seguintes penalidades para o

respectivo infrator: advertência; multa pecuniária; inabilitação temporária para o

138 Art. 12. Às pessoas referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa pecuniária variável, de um por cento até o dobro do valor da operação, ou até duzentos por cento do lucro obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realização da operação, ou, ainda, multa de até R$ 200.000,00 (duzentos mil reais);

III – inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º;

IV – cassação da autorização para operação ou funcionamento.

§ 1º A pena de advertência será aplicada por irregularidade no cumprimento das instruções referidas nos incisos I e II do art. 10.

§ 2º A multa será aplicada sempre que as pessoas referidas no art. 9º, por negligência ou dolo:

I – deixarem de sanar as irregularidades objeto de advertência, no prazo assinalado pela autoridade competente;

II – não realizarem a identificação ou o registro previstos nos incisos I e II do art. 10;

III – deixarem de atender, no prazo, a requisição formulada nos termos do inciso III do art. 10;

IV – descumprirem a vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o art. 11.

115

exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas acima referidas; ou

cassação da autorização para operação ou funcionamento.

O descumprimento das obrigações supra enseja a responsabilização das

pessoas jurídicas citadas, bem como dos respectivos administradores, aos quais

aplicam-se as sanções mencionadas.

Nota-se, assim, que o administrador das pessoas jurídicas pode ser

penalizado pelas suas ações ou omissões que permitirem a prática de crime de

“lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, bem como a utilização do

sistema financeiro para os ilícitos previstos na referida lei. Trata-se, assim, de mais

um caso de responsabilidade subjetiva dos administradores das S.As.

5.6.10 - Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as

Relações de Consumo – Lei n. 8.137/90 -

O art. 1o da Lei n. 8.137/90 determina que constitui crime contra a ordem

tributária a prática de ato, pelo administrador, no sentido de suprimir ou reduzir

tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, de acordo com as condutas ali

mencionadas.

A referida lei trata também dos crimes contra a ordem econômica,

envolvendo especialmente a prática de abuso de poder econômico e as relações de

consumo, estabelecendo a pena aplicável a cada caso, de acordo com o art. 4o da

lei mencionada, que varia de detenção ou reclusão à cobrança de multa, sendo

possível que essa última varie para que seja necessário e suficiente para a

reprovação e prevenção do crime.

O art. 11 da Lei n. 8.137/90 estabelece que quem, de qualquer modo,

inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei,

incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade. Isso significa

que a responsabilidade do administrador das S.As., nesse caso, é pessoal e

subjetiva.

§ 3º A inabilitação temporária será aplicada quando forem verificadas infrações graves quanto ao cumprimento das obrigações constantes desta Lei ou quando ocorrer reincidência específica, devidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa.

§ 4º A cassação da autorização será aplicada nos casos de reincidência específica de infrações anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do caput deste artigo.

116

5.6.11- Direito Criminal – Código Penal -

Certos atos ilícitos praticados pelos administradores das sociedades

anônimas são considerados crimes, tais como aqueles relacionados no art. 177 do

Código Penal, quais sejam: (a) fazer afirmação falsa ou omitir fraudulentamente

fato relevante em documento público; (b) promover, artificialmente, falsa cotação de

valores mobiliários da sociedade; (c) tomar empréstimo à sociedade ou usar bens

sociais, sem prévia autorização do órgão competente; (d) promover, fora dos casos

permitidos em lei, negociação com as próprias ações da sociedade; (e) distribuir

lucros sem levantar o balanço, com base em balanço falso ou em desacordo com

os seus resultados; (f) obter a aprovação irregular de contas, por meio de conluio

com acionistas ou através de interposta pessoa.

5.6.12 - Direito Criminal – Lei da Economia Popular – Lei n. 1.521/5 -

Ainda pode ser citado como caso de responsabilização criminal do

administrador a prática de atos contra a Lei da Economia Popular, mencionados na

Lei n. 1.521/51, que altera dispositivos da legislação vigente sobre crimes contra a

economia popular. A responsabilidade dos administradores encontra-se tipificada

nos arts. 2o e 3o da mencionada lei.

Como exemplo, podemos citar alguns dos incisos do art. 2o da referida lei:

(a) celebrar ajuste para impor determinado preço de revenda ou exigir do

comprador que não compre de outro vendedor (art. 2o, inciso VIII); (b) violar

contrato de venda a prestações, fraudando sorteios ou deixando de entregar a

coisa vendida, sem devolução das prestações pagas, ou descontar destas, nas

vendas com reserva de domínio, quando o contrato for rescindido por culpa do

comprador, quantia maior do que a correspondente à depreciação do objeto (art. 2o,

inciso X da Lei n. 9.521/51 ); (c) fraudar pesos ou medidas padronizadas em lei ou

regulamentos; possui-los ou detê-los, para efeitos de comércio, sabendo estarem

fraudados (art. 2o, inciso XI).

Também podem ser mencionados os seguintes atos tipificados como crime e

relacionados no art. 3o da referida lei: (a) exercer funções de direção, administração

ou gerência de mais de uma empresa ou sociedade do mesmo ramo de indústria

ou comércio, com o fim de impedir ou dificultar a concorrência (art. 3o, inciso VIII da

117

referida lei); (b) gerir, fraudulentamente ou temerariamente, bancos ou

estabelecimentos bancários, ou de capitalização, sociedades de seguros, pecúlios

ou pensões vitalícias, sociedades para empréstimo ou financiamento de

construções e de vendas de imóveis a prestações (com ou sem sorteio, ou

preferência por meio de pontos ou quotas), caixas econômicas, caixas Raiffeisen,

caixas mútuas, de beneficência, socorros ou empréstimos, caixas de pecúlios,

pensão e aposentadoria, caixas construtoras, cooperativas, sociedades de

economia coletiva, levando-as à falência ou à insolvência, ou não cumprindo

qualquer das cláusulas contratuais com prejuízo dos interessados (art. 3o, inciso

IX); (c) fraudar, de qualquer modo, escriturações, lançamentos, registros, relatórios,

pareceres e outras informações devidas a sócios de sociedades civis ou

comerciais, em que o capital seja fracionado em ações ou quotas de valor

nominativo igual ou inferior a um mil cruzeiros, com o fim de sonegar lucros,

dividendos, percentagens, rateios ou bonificações, ou de desfalcar ou de desviar

fundos de reserva ou reservas técnicas (art. 3o, inciso X).

A pena aplicada nos casos mencionados no art. 2o corresponde à detenção

de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de dois mil a cinqüenta mil cruzeiros.

Por outro lado, a penalidade aplicada nos casos do art. 3o consiste em detenção de

2 (dois) anos a 10 (dez) anos, e multa, de vinte mil a cem mil cruzeiros.

Deve-se ressaltar que o crime estabelecido no art. 3o, inciso IX , acima

transcrito, aplica-se, especialmente, aos administradores de instituições financeiras

de que já mencionamos.

Não resta dúvida de que a imputação de responsabilidade criminal

depende do devido processo legal, envolvendo averiguação e análise dos atos

ilícitos praticados pelos administradores das S.As., o que demonstra que a

respectiva responsabilização é subjetiva.

5.6.13 - Direitos do Consumidor – Código de Defesa do Consumidor – CDC –

Lei n. 8.078/90 -

O administrador não é solidariamente responsável pelos danos causados

pelo fornecedor de produtos ou serviços ao consumidor, de acordo com o CDC.

O fornecedor do produto ou serviço é o responsável exclusivo pela

reparação dos danos causados aos consumidores pelos defeitos dos produtos ou

118

serviços ofertados ao mercado, bem como por informações insuficientes ou

inadequadas sobre sua utilização e riscos, pelo que se depreende do art. 12 do

CDC. Como pode-se perceber, não há qualquer referência aos administradores

nesse dispositivo legal, não sendo eles responsáveis pela prática dos atos ilícitos

mencionados. O CDC trata apenas dos empresários, fornecedores de bens ou

serviços.

Deve-se ressaltar que, sabiamente, foi excluída da redação anterior o

parágrafo primeiro do art 28 do CDC, vetado, que determinava que o administrador

da empresa seria responsabilizado em conjunto com o empresário. Assim, nesse

caso, o administrador não é responsável pelas infrações cometidas pelo

empresário, no que toca às regras do CDC, nem de forma subjetiva.

Nesse sentido, o CDC submeteu a responsabilidade civil do fornecedor a

um tratamento unitário, considerando-se que o fundamento dessa responsabilidade

é a violação do dever de segurança – o defeito do produto ou do serviço que, em

uma relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo,

indenizável, independentemente de culpa do seu agente causador. Daí a

responsabilidade objetiva do fornecedor, conforme estabelece a jurisprudência

dominante, abaixo transcrita:

RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS MORAIS – SERVIÇO BANCÁRIO – NATUREZA

DA RESPONSABILIDADE – FATO DA VÍTIMA – I - O Código de Defesa do Consumidor,

no § 2° de seu art. 3° inclui no rol dos fornecedores as instituições bancárias e, embora não

tenha definido o serviço bancário, hodiernamente está pacificado, na jurisprudência e na

doutrina, que o contrato de conta corrente configura serviço de natureza consumista. II - O

mesmo diploma adotou, em seu art. 14, o caráter objetivo da responsabilidade do

fornecedor, o que vale dizer que é dispensável a demonstração da culpa para que haja

reparação dos danos causados pelos defeitos relativos à prestação do serviço. III -

Todavia, diversos fatores podem interferir no iter da constituição do dever de reparar,

ensejando escusativas da responsabilidade, dentre os quais, um evento irresistível e

imprevisível ou fato exclusivo da vítima ou de terceiro (inc. III, do § 3°, do art. 12, da lei n°

8.078, de 11.09.1990), ou mesmo se algum evento irresistível, previsível ou não, prejudicou

a prestação do serviço ou ensejou defeito no produto, sendo certo, portanto, que o CDC

repugnou a teoria do risco integral, espécie de responsabilização extremada que impõe o

dever de indenizar por todo e qualquer dano, ainda que resultante de culpa ou dolo,

exclusivos, da própria vítima ou de terceiro, ou mesmo se advindo o prejuízo de caso

fortuito ou força maior. IV - Consubstancia fato da vítima a emissão de cheque quando

inexistente saldo suficiente para a satisfação do crédito, razão para excluir a

119

responsabilidade da instituição bancária pelo dano experimentado pela correntista. (TRF 2ª

R. – AC 2002.51.01.004544-8 – 7ª T. – Relª Juíza Fed. Conv. Fátima Maria Novelino

Sequeira – DJU 03.10.2005 – p. 232).

Não se trata, no caso, reiteramos, de responsabilidade do administrador,

mas do fornecedor dos produtos e serviços.

Nesse sentido, Fábio Ulhoa Coelho139 esclarece que o fornecedor, de

acordo com o CDC, assume responsabilidade civil que consiste na indenização dos

danos sofridos pelo consumidor, por exemplo, no caso de veiculação de

propaganda enganosa e abusiva. Em processo administrativo interposto contra o

fornecedor, complementar e concorrentemente, o mesmo sujeitar-se-á, sendo

condenado, à sanção resultante dessa condenação. Além disso, pode haver

também a responsabilidade advinda do ato cometido enquadrado como crime, vez

que, conforme afirma José Carlos de Oliveira,140 comentando o CDC, o valor que

se visa resguardar é a economia popular, seriamente comprometida com a

publicidade enganosa e inescrupulosa, bem como a incolumidade dos

consumidores. O referido delito envolve manifesta potencialidade de dano à saúde,

à vida, à segurança, e à economia de inúmeros receptores, alvos de publicidade

enganosa, divulgada por qualquer meio de comunicação de massa. Assim, além da

sanção civil, reparatória dos danos causados ao consumidor, aplicar-se-á ao

fornecedor de produtos e serviços a sanção penal. Adicionalmente, será interposto

processo administrativo contra o respectivo fornecedor, que sujeitar-se-á às

sanções advindas do processo administrativo em que for condenado pela prática

ilícita adotada.

É o que prevê o art. 58 do CDC, ao estabelecer que as infrações às

normas de defesa do consumidor ficam sujeitas às sanções aplicadas pela

autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas

cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de

procedimento administrativo, como determina o parágrafo único do art. 56 do CDC.

Deve-se garantir sempre ao fornecedor do produto o devido procedimento

administrativo e a garantia da ampla defesa.

139 Fábio Ulhoa COELHO, O empresário e os direitos do consumidor, p. 278-290. 140 José Carlos de OLIVEIRA, Código de proteção e defesa do consumidor. 2. ed. São Paulo: Led Editora de Direito, 1999, p. 230.

120

Além da sanção pecuniária, advinda de procedimento administrativo

(multa; apreensão do produto; cessação do registro do produto perante o órgão

competente; suspensão temporária da atividade do fornecedor; intervenção

administrativa; imposição de contrapropaganda, dentre outras estabelecidas no art.

56 do CDC), poderão ser aplicadas ao fornecedor (a) as sanções de natureza civil

privada, advinda de ação de responsabilidade civil interposta pelo consumidor

lesado contra o fornecedor do produto ou serviço, conforme o disposto nos arts. 12,

14 e 18 do CDC, (b) as de natureza penal, estabelecidas no art. 61 do CDC e (c) as

definidas nas normas específicas.

Como acima mencionado, na classificação doutrinária referente às

sanções, a sanção aplicada ao fornecedor de produtos e serviços não deve ser

considerada, no nosso entendimento, sanção administrativa, dado que não é

estabelecida em relação funcional havida entre a Administração pública e um de

seus funcionários. A referência havia no art. 56 do CDC às sanções administrativas,

diz respeito às sanções impostas em processo administrativo, mas não às sanções

decorrentes de relação funcional, que não são objeto do CDC, como sabemos.

5.6.14 - Direito Ambiental – Lei Ambiental – Lei n. 9.605/98 -

A Lei n. 9.605/98 trata da responsabilidade por danos causados ao meio

ambiente, e baseia-se no disposto no art. 225, parágrafo terceiro da Constituição

Federal,141 que determina que as condutas e atividades consideradas lesivas ao

meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções

penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos

causados.

Na mesma linha, o parágrafo segundo do art. 225142 da Constituição

Federal estabelece que aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a

141 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...)

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

142 Art. 225 (...)

§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

121

recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo

órgão público competente, na forma da lei.

A responsabilidade criminal e administrativa do agente da infração ao meio

ambiente, com base no art. 2o143 da Lei n. 9.605/98, é subjetiva, dado que prevê a

aplicação das penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

A responsabilidade do agente da infração ao meio ambiente, com base nos

arts. 2o e 3o da Lei n. 9.605/98, é subjetiva, dado que o art. 2 acima citado prevê

a aplicação das penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Considera-se também responsável pelo ilícito aquele que concorrer para a prática

dos crimes previstos na lei, bem como o diretor, o administrador, o membro do

conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto, ou o mandatário de

pessoa jurídica, que, consciente da conduta criminosa do agente do ato, por

omissão, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.

De acordo com o art. 3o144 da Lei n. 9.605/98, as pessoas jurídicas serão

responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, por força e no bojo de

processos específicos e concorrentes, nos casos em que a infração seja cometida

por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado,

no interesse ou no benefício da sua entidade.

O parágrafo único do art. 3o145 da Lei n. 9.605/98 determina que a

responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras,

co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

O art. 6o da Lei n. 9.605/98, que trata da aplicação da pena, estabelece

como critérios para imposição e gradação da penalidade, os seguintes: a gravidade

do fato; os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde pública e para o

meio ambiente; os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação

de interesse ambiental; e a situação econômica do infrator, no caso de aplicação de

multa.

143 Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. 144 Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. 145 Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

122

A subjetividade da responsabilidade criminal e administrativa dos

condenados por infrações ao meio ambiente, nos quais o administrador de

empresas pode ser incluído, como acima mencionado, fica confirmada por força do

disposto no art. 7o146 da citada lei, que considera a culpa um critério para a fixação

das penas restritivas de direito, que são autônomas e substituem as privativas de

liberdade quando: (a) tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de

liberdade inferior a quatro anos; e (b) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta

social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias

do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e

prevenção do crime.

Nesse sentido, dispõe o art. 70 da referida lei, no sentido de que a infração

administrativa é apurada em processo administrativo específico:

“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as

regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado

o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.”

As penas restritivas de direito são as seguintes, de acordo com o art. 8o da

Lei n. 9.605/98: prestação de serviços à comunidade; interdição temporária de

direitos; suspensão parcial ou total de atividades; prestação pecuniária;

recolhimento domiciliar.

Conclui-se, assim, que a responsabilidade dos administradores, advinda de

ação ou omissão causadora de danos ao meio ambiente é subjetiva, dado ser

indispensável à comprovação da culpabilidade do agente do ilícito.

Sendo assim, a sanção cominada em processo administrativo,

estabelecida no art. 72147 da Lei n. 9.605/98, está fundamentada na culpabilidade

do infrator.

146 Art. 7º. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando:

I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.

147 Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:

I - advertência;

123

Para finalizar, ressaltamos que o Art. 14 da Lei 6938/81, lei ambiental

anterior à atual (Lei 9605/98) e ainda em vigor, em parte, determina que, sem

prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o

não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos

inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental

sujeitando, os transgressores, às penalidades legais.

O parágrafo primeiro do Art. 14 da Lei 6938/81 determina que a

responsabilidade civil dos infratores da legislação ambiental é objetiva: "sem obstar

a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado,

independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio

ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e

dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal,

por danos causados ao meio ambiente."

Face ao acima exposto, na nossa opinião, o parágrafo primeiro do art. 14

da Lei 6938/81 que trata da responsabilidade civil objetiva por danos causados ao

meio ambiente foi revogado pela nova lei de meio ambiente que determina que tal

responsabilidade é subjetiva, porque depende da culpabilidade do agente.

5.6.15 - Direito Trabalhista – Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -

Não há qualquer dispositivo legal que preveja a responsabilidade dos

acionistas nem, muito menos, dos administradores, com relação aos créditos

trabalhistas.

Entretanto, a jurisprudência dominante dos Tribunais tem entendido que,

em caso de cobrança dos créditos trabalhistas, os sócios das sociedades limitadas,

II - multa simples;

III - multa diária;

IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

V - destruição ou inutilização do produto;

VI - suspensão de venda e fabricação do produto;

VII - embargo de obra ou atividade;

VIII - demolição de obra;

IX - suspensão parcial ou total de atividades;

X – (VETADO)

XI - restritiva de direitos.

124

mas não os acionistas de S.As., devem responsabilizar-se pessoal, ilimitada e

subsidiariamente em relação à companhia, para satisfazer as referidas dívidas,

quando o patrimônio da empresa não for suficiente para fazê-lo. Essas decisões

fundamentam-se na hipossuficiência do empregado, carecedor da intervenção e

proteção do Estado, e, equivocadamente, na nossa opinião, na desconsideração da

personalidade jurídica da sociedade, independentemente de fraude ou de abuso de

direito, e na presunção de violação da lei pelos sócios o que é considerado

fundamento para a responsabilização deles, e o era especialmente quando da

vigência do Decreto n. 3.708/19.

Nesse sentido, podemos citar a jurisprudência abaixo, que, apesar de

sustentar que o sócio deve responder pelas dívidas da sociedade, entende que o

mesmo não é solidária nem subsidiariamente responsável pelas mesmas:

“(...) as sociedades e seus sócios são pessoas absolutamente distintas. Não fosse assim,

seria totalmente dispensável a constituição de pessoas jurídicas. Ao firmar o contrato de

trabalho, o autor o fez com a empresa e para ela prestou serviços, sendo apenas essa

pessoa jurídica a responsável pelas obrigações trabalhistas decorrentes da relação de

emprego. Deve o sócio responder nos termos da legislação vigente pelas dívidas da

sociedade, após esgotadas as diligências para satisfação do crédito pela empresa, mas

não figurar solidária ou subsidiariamente no pólo passivo da demanda, principalmente se

não restou comprovada a presença dos fatos previstos nos Arts. 10 e 16 do Decreto

3708/19". (TRT/DF, RO 5187/98, Ac. 3 Turma , Relator: Lucas Kontoyanis, DJE –

09/07/1999).

Em resumo, em face do exposto, concluímos que o administrador das

sociedades, e em especial o das S.As., não está sendo, atualmente, vítima de

decisões no sentido de responsabilizá-los pelo pagamento dos débitos trabalhistas

havidos pelas empresas: essa deformação, assim por nós entendida, tem afetado,

atualmente, em especial, os sócios das sociedades limitadas.

5.6.16 - Direito de Propriedade Industrial – Lei n. 9.279/96 -

A Lei n. 9.279/96 determina, no seu art. 195, parágrafo primeiro, que o

empregador, sócio ou administrador da empresa, é responsável, criminalmente,

pela prática dos atos previstos nos incisos XI e XII do referido art. 195: divulgar,

125

explorar ou usar, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados

confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, obtidos

por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude, excluindo-se, assim,

aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um

técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou

empregatícia, mesmo após o término do contrato.

Também é crime, e contra as patentes, como determinam os arts. 183 e

184 da referida lei, dentre outros, a fabricação, a venda, ou outra operação

comercial de produtos ou a utilização de meio ou processo objeto de patente de

invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular.

É inválida a patente requerida por quem não seja seu inventor, nem

autorizado por ele, como menciona Jacques Labrunie,148 com fundamento nos arts

6, 42, 49 e 50 da Lei n. 9.279/96. O administrador que, na qualidade de

representante legal de uma empresa, usurpa patente alheia, inclusive de

empregado, e requer seu registro, perante o INPI, pode ser responsabilizado

criminal e civilmente, se não comprovar que deve ser afastada sua

responsabilidade pela infração aos direitos de inventor, na forma prevista na lei das

S.As.. Deve-se ressaltar que, por outro lado, se o administrador de uma empresa,

empregado da mesma, requer o registro de patente de titularidade da empresa

empregadora, enseja uma patente inválida, como bem esclarece o citado autor.

5.7 - A Responsabilidade Objetiva do Administrador (crítica à legislação

vigente) -

Como acima mencionado, a responsabilidade do administrador é, em

regra, subjetiva, aplicando-se ao mesmo a responsabilidade objetiva, nos casos

excepcionais, previstos em lei, conforme o disposto no parágrafo único do art. 927

do Código Civil.

Dessa forma, mencionamos, a seguir, um caso de previsão legal de

responsabilidade objetiva do administrador: a contida na Lei Antitruste (Lei n.

8.884/94), assim não considerado pela melhor doutrina, dado o fato de que envolve

148 Jacques LABRUNIE. Direito de Patentes: condições legais de obtenção e nulidades. São Paulo: Manole, 2006, p.100.

126

a prática de um ato ilícito, qual seja a infração da ordem econômica, e não um ato

lícito, fundamentado na teoria do risco ou na possibilidade de socialização dos

prejuízos sofridos pela comunidade que se beneficia com a referida atividade

econômica.

5.7.1 - Responsabilidade do Administrador das S.As. perante o CADE – Lei

n. 8.884/94 -

Deve-se esclarecer que, apesar da regra geral da responsabilidade

subjetiva do administrador, de acordo com as normas societárias, a Lei Antitruste,

aplicável às infrações contra a ordem econômica estabelece responsabilidade ao

empresário e do administrador, nos seus arts. 16 e 20149

O art. 20 da Lei n. 8.884/90 estabelece que a tipificação da infração

cometida contra a ordem econômica independe de culpa. Isso significa, em

princípio, que a responsabilidade imputada a empresa e ao administrador é do tipo

objetiva. Entretanto, demonstraremos, a seguir, que tal assertiva é considerada

equivocada.

Deve-se destacar, como bem esclarece Fábio Ulhoa Coelho,150 que a

infração contra a ordem econômica envolve a prática de atos ilícitos, o que, como é

sabido, não caracteriza a responsabilidade objetiva, fundada na possibilidade do

responsável socializar, entre as pessoas de determinado grupo, as repercussões

econômicas do evento danoso. O fundamento da responsabilidade objetiva para

outros doutrinadores, como acima citado, é o risco assumido para o exercício da

atividade econômica. Nesses casos de responsabilidade objetiva, o ato praticado é

lícito, mas com base nos fundamentos acima mencionados, o agente assume o

dever de indenizar as respectivas vítimas. Exemplos da responsabilização objetiva

149 Art. 16. As diversas formas de infração da ordem econômica implicam a responsabilidade da empresa e a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores, solidariamente.

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (grifos nossos)

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III - aumentar arbitrariamente os lucros;

IV - exercer de forma abusiva posição dominante. 150 Fábio Ulhoa Coelho, Direito antitruste brasileiro, p. 54.

127

são: (a) a responsabilidade do Estado; (b) a do INSS, por acidente de trabalho; ou

(c) a do fornecedor de produtos ou serviços, pelos respectivos defeitos e pelos

acidentes de consumo.

Desse modo, segundo o referido autor, a responsabilidade objetiva dos

agentes de infração contra a ordem econômica, tipificada no art. 20 da Lei

Antitruste, deve ser vista com cautela. A rigor, não há responsabilidade do agente

ativo da infração. A responsabilidade do empresário ou do administrador pelas

infrações contra a ordem econômica envolve, assim, a prática de um ato ilícito,

objeto de averiguação e constatação pelo Cade, porém, a aplicação da sanção

cabível, estabelecida no art. 23151 da Lei Antitruste, independe de culpa,

151 Art. 23. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I - no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;

II - no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e exclusiva ao administrador.

III - No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.(Incluído pela Lei nº 9.069, de 29.6.95)

Parágrafo único. Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.

Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:

I - a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas;

II - a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal, bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos;

III - a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;

IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que:

a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator;

b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos;

V - a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.

Art. 25. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão do Plenário do Cade determinando sua cessação, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou compromisso de cessação previstos nesta lei, o responsável fica sujeito a multa diária de valor não inferior a 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente, podendo ser aumentada em até vinte vezes se assim o recomendar sua situação econômica e a gravidade da infração.

128

considerada irrelevante. Considera-se os efeitos potenciais e efetivos da conduta

empresarial ilícita, fundamento para a aplicação da sanção em processo

administrativo instaurado pelo Cade.

Nesse mesmo sentido, Paulo Sergio Gomes Alonso152 critica a lei, dado

que a mesma menciona a prática de ato ilícito, mas estabelece responsabilidade

objetiva para os respectivos agentes, a qual, no entendimento do autor, aplica-se

apenas aos casos de prática de atividade ou ato lícito.

O art. 20 da Lei Antitruste estabelece que é considerado ilícito não só o ato

praticado e causador de dano a ordem econômica, como também o ato que não

tenha produzido o efeito maléfico almejado, no sentido de: limitar, falsear ou, de

qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; dominar

mercado relevante de bens ou serviços; aumentar arbitrariamente os lucros; ou

exercer de forma abusiva posição dominante.

Não resta dúvida de que essa imposição legal estabelecida pelo art. 20 na

Lei n. 8.884/94, não se coaduna com o conceito de responsabilidade que tem como

fundamento a prática de um ato, e o nexo de causalidade entre esse ato e o dano

causado. Se a prática de ato contra a lei não causar qualquer dano, não há que se

falar em responsabilidade. Segundo afirma Paulo Sergio Gomes Alonso,153 essa

figura da responsabilização, desvinculada do dano causado, parece anacrônica em

sede de responsabilidade civil, uma vez que, não produzindo o resultado almejado,

e, assim, como é sabido, o dano à concorrência, não há que se falar de

responsabilidade.

Além da responsabilização prevista nos arts. 20 e 23 da Lei n. 8.884/90, o

art. 29 da mesma prevê a responsabilização da empresa pela indenização das

perdas e danos sofridas pelo prejudicado que vier a processá-la, simultânea e

independentemente do processo administrativo em curso. Nesse caso, a

responsabilização da empresa pode ser configurada através da interposição de três

processos distintos: penal, administrativo e civil.

A Lei n. 8.884/94 visa à defesa da concorrência, estabelecendo ação

governamental normativa e reguladora da atividade econômica, envolvendo as

funções de fiscalização, incentivo e planejamento, em garantia de um ambiente

competitivo no mercado, levando as empresas a operarem com eficiência,

152 Paulo Sergio Gomes ALONSO, Pressupostos da responsabilidade civil objetiva, p.124.

129

reduzindo custos e repassando estes ganhos para o consumidor. Dessa forma,

garante-se a livre iniciativa, fundamento da ordem econômica (art. 170 da

Constituição Federal), por intermédio da livre concorrência, princípio geral da

atividade econômica, bem como o bem-estar da coletividade, segundo José Inácio

Franceschini e Edgard Antonio Pereira.154

As decisões do Cade também ressaltam que a imputação de

responsabilidade ao agente infrator depende do fundado receio de que a conduta

perpetrada e investigada pelo Cade venha a produzir efeitos lesivos ao mercado,

irreparáveis ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo,

como determina o Art. 52 da lei mencionada.155

A Lei n. 8.884/94, que trata das práticas anticoncorrenciais, e disciplina as

relações de mercado entre os agentes econômicos e os consumidores, tutelando-

lhes, através da aplicação de sanção, visa prevenir e punir a prática de atos ilícitos

contra a ordem econômica, ou seja, ao mercado produtor de bens e serviços, e ao

consumidor, em prol da livre iniciativa e da coletividade, sendo que os danos

causados devem ser reparados, preservando-se o princípio da responsabilidade

civil, como afirma Paulo Sergio Gomes Alonso.156

O art. 16 da Lei n. 8.884/94 estabelece que a empresa e os respectivos

administradores, individualmente, são responsáveis, solidariamente, pelos atos

ilícitos praticados, correspondentes às infrações cometidas contra a ordem

econômica, causando prejuízos para o mercado, tanto para os demais

fornecedores de bens e serviços, como para os consumidores, cujo poder de

escolha torna-se limitado ou reduzido, dada a eliminação da concorrência causada

pelo infrator.

153 Paulo Sergio Gomes ALONSO, Pressupostos da responsabilidade civil objetiva, p.124. 154 Edgard Antonio PEREIRA, As eficiências econômicas sob o prisma jurídico. In: José Inácio Gonzaga FRANCESCHINI, Lei da concorrência conforme interpretada pelo Cade, São Paulo: Singular, 1998. p. 817. 155 Lei n. 8.884/94 – Art. 52. Em qualquer fase do processo administrativo poderá o Secretário da SDE ou o Conselheiro-Relator, por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Geral do Cade, adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo.

§ 1º Na medida preventiva, o Secretário da SDE ou o Conselheiro-Relator determinará a imediata cessação da prática e ordenará, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos termos do art. 25.

156 Paulo Sergio Gomes ALONSO, Pressupostos da responsabilidade civil objetiva, p.124.

130

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é competente

para zelar pela observância da Lei n. 8.884/90, decidir, de forma vinculada, e não

discricionária, sobre a efetiva ou potencial infração à ordem econômica, e, de forma

discricionária, acerca da aplicação das penalidades cabíveis. A decisão sobre

infração à ordem econômica deve estar sempre adstrita ao disposto na Lei n.

8.884/90, mas a sanção legal prevista pode deixar de ser aplicada ou graduada

com base nos critérios estabelecidos no art. 27 da Lei n. 8.884/90, analisados no

bojo do processo administrativo instaurado pelo Cade, se o mesmo perceber que a

conduta do empresário trouxe benefícios à economia ou à determinada região,

conforme a política econômica adotada pelo Governo.

Por força do disposto no art. 23, inciso II, da Lei n. 8.884/94, o

administrador também é considerado pessoalmente responsável, direta ou

indiretamente, pela prática de atos com infração à Lei n. 8.884/94, cometidos pela

empresa. Nesse caso, o administrador é punido com a aplicação de multa de 10%

(dez por cento) até 50% (cinqüenta por cento) do valor daquela aplicável à

empresa, qual seja, de 1% (um por cento) a 30% (trinta por cento) do valor do

faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual nunca será

inferior à vantagem auferida, quando quantificável.

Sendo assim, fica claro que, não por força dos arts 18 ou 20 da Lei n.

8.884/94, mas com base no art. 23, inciso II, da mesma, os administradores

poderão ser responsabilizados por atos de infração à ordem econômica. A punição,

como previsto em lei, dependerá do porte da empresa que o administrador

representa.

Verifica-se, assim, que a lei antitruste imputa responsabilidade objetiva ao

administrador para que o mesmo repare os dados causados para a coletividade,

pela prática de seu ato.

Os arts. 24, 25, 26 da mesma lei, também fixam penas a serem impostas

ao responsável pela infração, consistindo em obrigações de fazer ou em

pagamento de multa diária, aplicável sem prejuízo das penas cominadas no art. 23

da Lei n. 8.884/90.

O art. 60 da mesma lei estabelece que a decisão do Plenário do Cade,

cominando multa ou impondo obrigação de fazer ou de não fazer aos infratores,

constitui título executivo extrajudicial.

131

O art. 35 - C da Lei n. 8.884/90 estabelece que os crimes contra a ordem

econômica são os tipificados na Lei n. 8.137/90, extintos em caso de celebração de

acordo entre o responsável pela infração e o Cade.

O art. 35 - B da Lei n. 8.884/90 prevê a celebração de acordo entre o

responsável pela infração à ordem econômica e o Cade, extinguindo-se o processo

administrativo instaurado.

O art. 18 da lei mencionada trata da responsabilidade dos empresários

(titulares de participação acionária em sociedades anônimas. Ele estabelece que a

personalidade jurídica da empresa responsável por infração à ordem econômica

poderá ser desconsiderada, em caso de prática de abuso de poder econômico,

excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos Estatutos

Sociais ou do Contrato Social.

Deve-se ressaltar que o disposto no art. 18 da Lei n. 8.884/94 não se

destina aos administradores, mas aos acionistas das empresas vinculadas à prática

de atos ilícitos, tendo em vista que a teoria da desconsideração da personalidade

jurídica de que se trata no referido dispositivo legal estabelece que deve ser

imputada responsabilidade aos titulares de participação societária das sociedades

(não aos administradores) que agem com fraude e abuso de poder, indevidamente

praticados, desprezando-se, assim, a autonomia patrimonial entre a sociedade e

seus acionistas ou sócios.

Por outro lado, os administradores que agem com excesso de poderes, e

contra a lei ou aos Estatutos Sociais responderão pessoalmente pelos atos

praticados, conforme bem afirma Fábio Ulhoa Coelho.157

Como bem observa Fábio Ulhoa Coelho,158 o administrador poderá,

estabelecer com a empresa, através do respectivo Estatuto Social, limitação de sua

responsabilização perante o Cade, e o ressarcimento, pela empresa, da multa

imputada ao mesmo em processo administrativo instaurado pelo Cade. Se não

prevista essa condição em contrato celebrado entre as partes mencionadas, a

Assembléia Geral da empresa poderá assim deliberar, em favor do administrador

condenado pelo Cade ao pagamento de multa por infração à ordem econômica.

Isso parece razoável porque, a sociedade, assim, evitará que seu administrador

mantenha agressividade na competição entre os concorrentes havidos no

157 Fábio Ulhoa COELHO, Direito antitruste brasileiro, p. 47. 158 Fábio Ulhoa COELHO, Direito antitruste brasileiro, p. 89.

132

respectivo mercado de atuação, e porque, diferente do administrador, poderá, a

empresa, a médio prazo, repassar o valor da indenização paga aos preços de seus

produtos e serviços.

Para finalizar, no que toca a infração da ordem econômica, regulada pela

Lei n. 8.884/90, que envolve a tutela das estruturas do livre mercado, mediante a

atribuição de responsabilidade às empresas pode configurar-se através de três

procedimentos distintos, resultando o processo civil (art. 29 da Lei n. 8.884/90) e o

administrativo (art. 23 e 24 da Lei n. 8.884/90), em sanção civil, reparatória dos

danos causados, e o processo penal (art. 35 - C da Lei n. 8.884/90, art. 15 da Lei

n. 8.137/90, e art. 100 do Código Penal), em sanção penal, caracterizada pela

segregação do agente, pela respectiva diminuição patrimonial ou pela privação de

uma faculdade do infrator.

Em conclusão, não podemos concordar que o administrador seja

responsabilizado de forma objetiva perante o Cade, dado que a tipificação do crime

contra a ordem econômica corresponde a um ilícito, averiguado pelo Cade antes da

aplicação da condenação cabível ao infrator, que pode ser inclusive, graduada,

conforme a boa fé do agente; a consumação ou não da infração; o grau de lesão ou

perigo de lesão à livre concorrência, aos consumidores, à economia nacional, ou a

terceiros; a situação econômica do infrator; e a reincidência; dentre outros critérios.

5.8 - Considerações sobre a Responsabilidade dos Administradores -

5.8.1 - Responsabilidade do Administrador – obrigação de meio e de

resultado -

Os atos praticados pelos administradores dentro de suas atribuições ou

poderes, de acordo com a política e os métodos administrativos adotados pela

Diretoria, visando a determinado resultado, representam obrigações de meio, não

sendo possível imputar, ao administrador, a responsabilidade por erro de avaliação

mercadológica ou de investimentos, que venha a causar prejuízo à sociedade.

A obrigação de meio, que a administração assume perante a companhia,

não envolve um resultado predeterminado a ser obtido pela administração. Nesse

caso, o administrador só é considerado culpado, e, assim, subjetivamente

133

responsável, pelo prejuízo havido, se não atuar de acordo com a conduta

preestabelecida pela empresa, envidando todos os esforços para o cumprimento do

fim social e para o alcance do resultado previsto. Exige-se do administrador uma

conduta de acordo com os deveres de administrador, mas não se vincula o

administrador a certo resultado a ser obtido pela companhia, que, muitas vezes,

independe da sua conduta.

Diferentemente da obrigação de meio, tem-se a obrigação de resultado,

caso em que o agente é obrigado a produzir o resultado final esperado da sua

atividade, e, assim, é considerada objetiva a sua responsabilização pelos atos

ilícitos praticados. A obrigação de resultado pode ser aplicada a certas tarefas

exercidas pelo mesmo profissional que assume, em outros casos, obrigação de

meio. Os médicos, por exemplo, assumem obrigação de resultado no exercício de

certa atividade profissional que não envolve complexidade, de modo a não lhe

requisitar exercício reflexivo da ciência médica, mas apenas que esteja aparelhado

de equipamentos especialmente precisos, como os que funcionam à base de lazer,

por exemplo.

5.8.2 - Distinção entre a responsabilidade dos diretores e a dos membros do

Conselho de Administração -

Paulo Fernando Campos Salles de Toledo159 esclarece que administrador,

na forma mencionada pelo art. 158 da Lei das S.As., é apenas aquele apto a

contrair obrigações em nome da sociedade, tal como o diretor, uma vez que apenas

ele dispõe de poderes legais para representar a companhia. Isso explica-se porque,

como acima demonstrado, o art 158 da Lei das S.As. atual, a Lei n. 6.404/76, é

mera cópia do diploma legal anterior, o Decreto-lei n. 2.627/40, que, na época, não

previa a existência do Conselho de Administração nas S.As.

Atualmente, essa restrição é insustentável. A responsabilização dos

membros do Conselho de Administração pode ser fundamentada com base no art.

158, parágrafo primeiro, da lei das S.As. que determina que se exime de

responsabilidade o administrador dissidente que providenciar a consignação de sua

não concordância com a deliberação tomada, em ata de reunião do órgão de

159 Paulo Fernando Campos Salles de TOLEDO, O conselho de administração na sociedade anônima, p. 67-68.

134

administração. Ao referir-se a órgão da administração, pressupõe-se que a lei das

S.As. em vigor incluiu os membros do Conselho de Administração no dispositivo

legal referente à responsabilização dos administradores. Mais uma prova

inequívoca disso é o fato de que o art. 160 da referida lei determina a aplicação da

Lei das S.As. aos membros de qualquer órgão criado pelo Estatuto Social da

empresa, com funções técnicas ou destinadas a aconselhar os administradores.

A conclusão advinda desse fato é a de que se até os órgãos técnicos ou de

aconselhamento da empresa podem estar sujeitos à responsabilização pela prática

de atos culposos, quanto mais o próprio Conselho de Administração que reúne

função administrativa. Depreende-se, assim, como afirma o autor160 mencionado,

que a intenção do legislador foi estabelecer responsabilidade civil idêntica para

todos os órgãos de administração da companhia, ou seja, para os diretores e

membros do Conselho de Administração.

Reiteramos que a Lei das S.As. carece de distinção de tratamento, no que

toca à responsabilidade civil dos diretores e dos membros do Conselho de

Administração. Na verdade, a responsabilidade dos administradores, membros da

Diretoria é individual, só havendo responsabilidade solidária entre os diretores que

atuam na mesma área ou na mesma função. Por outro lado, a responsabilidade dos

membros do Conselho de Administração é coletiva e solidária. Para evitar

responsabilidade solidária de um administrador para com outro, exige-se que o

administrador não culpado denuncie os agentes do ato ilícito, inclusive seus

predecessores.

Como esclarece o autor supra citado,161 apesar da regra geral da

responsabilidade individual dos diretores, se descumprirem, todos eles, o dever ao

qual todos, indistintamente, incumbiram-se, responsabilizar-se-ão, todos eles, pelos

danos causados. Por outro lado, os membros do Conselho de Administração

poderão ter sua responsabilidade individual afastada, se manifestarem,

expressamente, sua discordância com a prática de certo ato, determinado por

deliberação coletiva do Conselho de Administração.

160 Paulo Fernando Campos Salles de TOLEDO, O conselho de administração na sociedade anônima, p. 68. 161 Paulo Fernando Campos Salles de TOLEDO, O conselho de administração na sociedade anônima, p. 75-76.

135

5.8.3 - Responsabilidade solidária entre os administradores -

Em regra, conforme o disposto no art. 158 e o respectivo parágrafo

primeiro da Lei das S.As., a responsabilidade do administrador decorrente de ato

ilícito, culposo ou doloso, praticado é individual, ou seja, pessoal, sendo, os demais,

solidariamente responsáveis apenas se atuarem na mesma área de gestão da

empresa, e tiverem sido coniventes, ou não tenham se interessado em verificar a

ilicitude dos atos praticados pelos demais administradores.

A responsabilidade civil do administrador também é considerada específica

e individual quando as respectivas atribuições são fixadas em lei, caso em que se

afasta a responsabilidade dos administradores não envolvidos com a irregularidade

praticada por um deles.

Sendo assim, a regra é a da não solidariedade entre os administradores,

especialmente quando se referir a diretores atuando em áreas de gestão distintas,

de acordo com a estrutura organizacional da empresa.

Especialmente quando não há na empresa distinção de área de atuação

de cada diretor, a responsabilização dos diretores é solidária, cabendo, a cada um

deles, não se omitir acerca de atos ilícitos praticados pelos outros, tentando,

inclusive, evitá-los, sempre que vierem a tomar conhecimento deles. Para evitar a

solidariedade e a responsabilização de administrador que não participou de atos

ilícitos alheios, recomenda-se que cada administrador deixe evidente a sua

contrariedade aos atos irregulares praticados por outros, com relação à gestão da

empresa, consignando-se essa manifestação em ata de reunião de Diretoria.

A forma do administrador consignar sua discordância ao ato praticado pelo

outro administrador, para evitar que seja considerado solidariamente responsável a

ele, é fazer constá-la, expressamente, da ata de reunião do órgão de

administração de que participa. Caso isso não seja possível, deverá dar ciência

imediata e por escrito, de sua divergência para o respectivo órgão de

administração, para o Conselho Fiscal, se em funcionamento, ou para a

Assembléia Geral (art. 158, parágrafo primeiro, da Lei das S.As.). Se o

administrador responsável pela prática do ato ilícito for um predecessor ou um

administrador com competência específica para a gestão de certa área, a

comunicação deverá ser efetuada à Assembléia Geral, como determina o parágrafo

quarto do art. 158 da Lei das S.As.

136

Evidencia-se, em face do exposto, que o administrador não é

responsabilizado pelos atos cometidos por outros, quando adota as cautelas

necessárias à ressalva de sua responsabilidade, através do controle das ações dos

demais administradores, o que consiste em mais um dever dos administradores,

imposto indiretamente pela lei, evidenciando-se, assim, que não há

responsabilidade civil sem culpa, por ato comissivo ou omissivo, do administrador.

A responsabilidade solidária entre os administradores ensejará o

pagamento, pelos mesmos, da indenização devida à companhia, conforme o

disposto no parágrafo quinto do art. 158 da Lei das S.As. Em ação de regresso de

um contra os demais administradores faltosos, discutir-se-á a repartição dos

encargos de cada administrador com relação à indenização devida, por força do

evento danoso.

A solidariedade entre os administradores, membros da Diretoria da

empresa, não se aplica quando as respectivas funções são distintas, havendo

divisão de trabalho por áreas de atuação específicas, previstas no próprio Estatuto

Social da empresa, de modo que cada diretor executa suas funções com

independência e autonomia, tendo pouco contacto com os demais, no exercício da

respectiva gestão. Nesses casos, apenas o diretor que cometeu o ato ilícito, sem

qualquer interferência ou conhecimento dos demais, é o responsável pelo dano

causado à empresa, aos acionistas ou a terceiros.

Conclui-se, assim, que o administrador que não praticou o ato ilícito é

solidário com o que o fez, caso a gestão da empresa seja compartilhada, haja

conivência de um diretor com o ato ilícito praticado pelo outro, negligência na sua

constatação, ou omissão na revelação do ato quando dele tenha conhecimento.

5.8.4 - A Responsabilidade dos Membros do Conselho de Administração da

Sociedade -

Diferentemente da responsabilidade dos administradores, quando no

exercício do cargo de diretores da companhia, a responsabilidade deles, quando

membros do Conselho de Administração, pelos respectivos atos, será sempre

colegiada, pois, para terem eficácia, as deliberações são tomadas por decisão da

maioria de seus membros, desprezando-se a vontade individual de cada um, para a

manifestação do órgão, sempre vinculatória de seus membros.

137

Nesse caso, para um membro dissidente manifestar sua vontade contrária

à do próprio órgão, com base nos documentos e nos informes disponibilizados,

pelos próprios diretores ou pelos membros do Conselho Fiscal da companhia,

deverá consignar em ata seu voto contrário ao deliberado pelo referido órgão.

Os membros do Conselho de Administração não são responsáveis pelos

atos ilícitos cometidos pelos diretores, mas respondem solidariamente pela prática

deles, em caso de comprovada conivência, negligência ou omissão: na fiscalização

da gestão deles (art. 142, inciso III, da Lei das S.As.), na denúncia de atos ilícitos

por eles praticados, ou na tentativa de impedir tal prática, resultando, enfim, na

destituição de qualquer diretor ( art. 143 da Lei das S.As.). O Conselho de

Administração deve, ainda, convocar a Assembléia Geral quando julgar

conveniente (art. 142, inciso IV, da Lei das S.As.). Entretanto, deve-se ressaltar que

o não cumprimento dos deveres do Conselho de Administração também não enseja

responsabilidade solidária para os diretores, que não são responsáveis pelas

omissões dos outros administradores, membros do Conselho de Administração,

com relação ao exercício da gestão da empresa.

5.8.5 - Exemplos de casos de Responsabilidade Solidária entre os

Administradores -

A demora nas providências para o arquivamento dos atos societários de

constituição da companhia enseja a responsabilidade subjetiva e solidária dos

primeiros administradores, conforme o disposto no art. 99 da Lei das S. As.

Outros exemplos de responsabilidade solidária dos administradores são os

mencionados: (a) no parágrafo sexto do art. 244 da Lei das S.As., que trata da

aquisição de ações que enseja participação recíproca, bem como (b) no art. 245 da

mesma lei, referente ao favorecimento de sociedade coligada, controladora e

controlada, em operações celebradas em condições não comutativas.

Além disso, o art. 281 da mesma Lei das S.As. determina que será

ilimitada e solidária a responsabilidade dos sócios diretores ou gerentes das

companhias que adotarem a forma de sociedades em comandita por ações, cujos

nomes figurarem na firma ou razão social.

138

5.8.6 - Responsabilidade Solidária entre os Administradores e Terceiros -

Cabe aos administradores a gestão da empresa, e por ela serão

responsabilizados. Além dos administradores, terceiros podem vir a

responsabilizar-se, solidariamente, pela prática de atos ilícitos em conluio com os

administradores da empresa. Esses terceiros podem ser os acionistas da

companhia, os contadores, os empregados ou procuradores da companhia, ou

estranhos que atuam em conluio com os administradores, de forma abusiva,

fraudulenta, contra a lei e/ou o Estatuto Social da empresa.

A solidariedade, entre administradores e acionistas, da responsabilidade

havida é evidenciada pelo disposto no parágrafo segundo do art. 117 da Lei n.

6.404/76: na hipótese do acionista controlador e do administrador ou membro do

Conselho Fiscal na empresa praticarem ato ilícito, responderão solidariamente

pelos danos causados.

Nesse sentido, disciplina o parágrafo quinto do art. 158 da Lei das S.As.: é

solidariamente responsável pelo ato ilícito praticado pelo administrador da

companhia todo aquele que concorrer com a prática do mesmo, violando a lei ou o

Estatuto Social da empresa, para obter vantagem para si ou para outrem.

No entendimento de Modesto Carvalhosa, é importante acrescentar-se à

responsabilidade civil dos administradores envolvidos com a prática de atos ilícitos, a

responsabilização penal, para aumentar a eficácia da primeira, vez que o temor da

responsabilidade civil não impede a prática de ilícitos pelo administrador, especialmente

porque a incapacidade econômico-financeira do mesmo para pagar indenização

significativa por dano causado com a prática de ato ilícito, estimula a prática desses

atos ilícitos, que, ao final, ficam imunes à aplicação da sanção civil legal prevista.

5.8.7 - A responsabilidade dos Administradores eleitos com base em Acordo

de Acionistas -

Como afirma Modesto Carvalhosa,162 o acordo de acionistas tem a

natureza jurídica de contrato parassocial, plurilateral, acessório ao Estatuto Social

da companhia, visando implementar indiretamente o negócio principal, ou seja, o

162 Modesto Carvalhosa. Comentários à lei das sociedades anônimas, p.473-474.

139

interesse social. A função do referido acordo é a de harmonizar os interesses

individuais dos acionistas com os da companhia, não se admitindo que acolham

interesses dos pactuantes que conflitem ou que se sobreponham aos da própria

companhia e à sua função social.

Nesse sentido, estabelece o art. 115, caput, da Lei das S.As., com relação

ao dever do acionista de exercer o direito de voto, no interesse da companhia, para

fins de consecução do objeto social. O acordo de acionistas em nada deve ser

incompatível com os deveres dos administradores, os quais não podem deixar de

observá-los. De acordo com o disposto no art. 154, parágrafo primeiro, da Lei das

S.As., o administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem, para com a

companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para a

defesa do interesse dos que o elegeram, faltar a esses deveres.

O referido pacto é acessório ao Estatuto Social, vez que depende de

cláusulas estatutárias e mantém interdependência com o mesmo.

Os acordos de acionistas podem ter como objeto a compra e venda de

ações, a preferência para adquiri-las, o exercício do direito de voto, ou do poder de

controle.

Distinguiam-se as modalidades de acordo de acionistas, em (a) acordo de

voto, para fins de organizar ou previamente estabelecer as regras de exercício do

direito de voto (acordo de mando) ou ainda proteger a minoria (acordo de defesa,

incluindo-se a fiscalização dos atos praticados pelos acionistas controladores), e (b)

acordo de bloqueio, que versa sobre negociação e transmissibilidade de ações da

companhia, tais como a compra, venda e estabelecimento de preferências, de

acordo com Geraldo de Camargo Vidigal e Ives Gandra da Silva Martins.163

Conforme a alteração introduzida no caput do art.118 da Lei das S.As.,

pela Lei n. 10.303/01, atualmente, consta expressamente na lei que os acordos de

acionistas também podem versar sobre o exercício do poder de controle.

Segundo Fabio Konder Comparato,164 o acordo de acionistas, no que toca

aos seus efeitos, pode ser classificado em unilaterais, bilaterais e plurilaterais,

conforme o número de partes vinculadas ao mesmo. Nos acordos plurilaterais não

163 Geraldo de Camargo VIDIGAL e Ives Gandra da Silva MARTINS (Coord.). Comentários à lei das sociedades por ações. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 358. 164 Fábio Konder COMPARATO, Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 55-56.

140

há intercambialidade das prestações, mas colaboração em vista de um objetivo

comum.

Para terem eficácia perante a companhia, obrigando-a, os acordos de

acionistas não podem ser invocados contra prescrições legais. Também não podem

servir de lastro para eximir o acionista de responsabilidade no exercício do direito

de voto (art.115 da Lei das S.As.), ou, em se tratando do acionista controlador, do

poder de controle ( arts 116 e 117 da Lei das S.As.), como o disposto no art. 118,

parágrafo segundo da Lei das S.As.

Além disso, devem ser elaborados e arquivados na sede da empresa e

averbados nos livros de registro de ações, para serem oponíveis a terceiros,

inclusive interessados na compra de ações da companhia, como determina o art.

118 da Lei das S.As., e como mencionam Geraldo de Camargo Vidigal e Ives

Gandra da Silva Martins.165

Assim, como afirma Marcio Luis Maia,166 o acordo de acionistas aplica-se

aos acionistas signatários do mesmo e também os órgãos de administração da

sociedade, através dos quais a companhia atua, os membros do Conselho de

Administração e os diretores.

Sendo assim, entende-se que o acordo de acionistas, atendidos os

requisitos supra, devem ser obedecidos pela companhia.

A Lei n. 10.303/01 incluiu disposição, no parágrafo oitavo do art. 118 da Lei

das S.As., no sentido de que o acordo oponível à sociedade passa a vincular não

apenas os acionistas em Assembléia Geral ou especial, mas também os

administradores indicados pelos acionistas, no que respeita as deliberações do

órgão de que participem, razão pela qual, como afirmam Modesto Carvalhosa e

Nelson Eizirik,167 os referidos pactos vinculam não apenas os membros do

Conselho de Administração eleitos pelo acordo de acionistas, mas também os

diretores com as mesmas características, nas reuniões de Diretoria, quando a

sociedade não tiver Conselho de Administração constituído, e a Diretoria exercer a

função de órgão deliberativo, além de representativo da companhia.

165 Geraldo de Camargo VIDIGAL e Ives Gandra da Silva MARTINS, Comentários à Lei das sociedades por ações, p. 358-359. 166 Márcio Luís MAIA, A responsabilidade do administrador e o acordo de acionistas, p. 59. 167 Modesto CARVALHOSA e Nelson EIZIRIK, A nova lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 211-213.

141

Desse modo, como determina o dispositivo legal supra citado, embora a

Diretoria não seja um órgão colegiado, assume a função deliberativa, com base no

art. 143, parágrafo segundo, da Lei das S.As., em reunião regular, em paralelo à

função de representação da companhia, tratada no art. 144 da Lei das S.As., nos

casos em que a empresa não tenha constituído Conselho de Administração.

Verifica-se que a Diretoria só assume a dupla função de órgão deliberativo e

representativo, nos casos de inexistência de Conselho de Administração na

companhia, órgão colegiado próprio e autônomo.

Conclui-se, assim, que o acordo de acionistas, com a nova redação do art.

118 da Lei das S.As., pode ter por objeto também o poder de controle, além do

exercício do direito de voto. Como afirmam Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik,168

como o poder de controle é exercido, na maioria das vezes, primeiro nos órgãos de

administração da companhia e depois na Assembléia Geral, estão vinculados ao

acordo, com relação aos votos, os membros do Conselho de Administração eleitos

pelo acordo, ou os diretores, como determina o art. 143 da Lei das S.As., na

mesma condição, quanto às respectivas deliberações tomadas em reunião de

Diretoria, na ausência do Conselho de Administração, ressalvado o disposto no

parágrafo primeiro do art. 154 da Lei das S.As., supracitado.

168 Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik, A nova lei das sociedades anônimas, p. 212.

142

6. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES NO DIREITO

COMPARADO

Verifica-se que a responsabilidade dos administradores é considerada

subjetiva em vários países do mundo: na França, na Alemanha, na Itália, na

Argentina e nos Estados Unidos da América, por exemplo.

6.1 - Legislação Francesa -

Na França, a responsabilidade dos administradores perante a sociedade e

terceiros dependia da prática de infração à lei e pelas faltas cometidas na sua

gestão, conforme o disposto no art. 44 da lei de 1867, na forma mencionada por

Antonio Menezes Cordeiro.169 Ocorre que, pelo fato dos administradores serem

mandatários da sociedade, de acordo com a lei de 1867, apenas a Assembléia

Geral de sócios poderia intentar ação de responsabilidade contra eles, o que não

resolvia a questão, dado que os administradores dispunham de apoio costumeiro

da Assembléia Geral de sócios, razão pela qual não se decidia pela interposição de

ação de responsabilidade contra os administradores.

Para cessar esse estado de coisas, a jurisprudência francesa reconheceu

legitimidade para, além da Assembléia Geral de sócios, qualquer sócio ou terceiro

prejudicado, individualmente, ajuizar ação de responsabilidade contra os

administradores, sendo a primeira uma ação social e a outra, uma ação individual,

aplicando-se uma ou outra conforme o objeto da infração afete certo indivíduo ou a

própria sociedade. Esse princípio veio a ser codificado, em 1966, através do Código

de Sociedades que estabelece que a administração da sociedade é composta por

uma Diretoria e por um Conselho de Fiscalização. Essa lei determina, nos seus

arts. 244 e 245, que os administradores são responsáveis, individual ou

solidariamente, conforme o caso, para com a sociedade ou para com terceiros, seja

pelas infrações às disposições legislativas ou regulamentares aplicáveis às

169 Antonio Menezes CORDEIRO, Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, p. 106-113.

143

sociedades anônimas, seja pelas violações aos estatutos, seja pelas faltas

cometidas na sua gestão.

Nesses casos, cabe aos acionistas, seja individualmente, seja agrupando-

se, nas condições fixadas na legislação aplicável, intentar a ação social de

responsabilidade contra os administradores ou a ação de reparação de prejuízo

sofrido pessoalmente.

Giovanna Visintini,170 comentando o Código Civil francês, afirma que a

responsabilidade contratual e a extracontratual francesa são, em geral, subjetivas,

e que o parâmetro é a conduta adotada por um bom pai de família.

Estabelece, ainda, que o art. 1.383171 do Código Civil francês que cada um

é responsável pelo dano causado, não apenas pelos atos praticados, mas também

pela sua negligência ou pela sua imprudência.172

6.2 - Legislação Alemã -

Na Alemanha, a lei de 1937 (AktG 1937), que trata das sociedades e que,

inclusive, influenciou a lei societária brasileira, qual seja, o Decreto n. 2.627/40,

adotou a responsabilidade dos administradores pelos danos causados à sociedade

como um princípio. Essa lei, como bem menciona Antonio Menezes Cordeiro,173

codificou os diversos deveres dos administradores, além do já conhecido dever de

gestão. Os administradores que violarem os seus deveres responsabilizam-se,

solidariamente, perante a sociedade, à indenização do dano daí resultante, sendo

sua obrigação demonstrar que aplicou, no exercício do seu cargo, o cuidado de um

diretor ordenado e consciencioso.

O diretor não é responsabilizado quando o seu ato tenha amparo em

deliberação assemblear com base na lei. Salvo os casos em que a

responsabilidade do administrador pode ser afastada, os credores podem exigir dos

170 Giovanna VISINTINI, Tratado de la responsabilidad civil, p.16. 171 Art. 1.383 – Code Civil – “Chacun est responsable du dommage qu’il a causé non seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou par son imprudence”. 172 Giovanna VISINTINI, Tratado de la responsabilidad civil, p.9. 173 Antonio Menezes CORDEIRO, Da responsabilidade dos administradores das sociedades comerciais, p.122-123.

144

administradores da companhia reparação dos danos que lhe foram causados,

depois de ter tentado, sem sucesso, obter satisfação junto à companhia.

6.3 - Legislação Italiana -

Na Itália, o Código Civil de 1942 apresentou uma reação contra o

liberalismo de 1882, regulando as sociedades por ações, e visando, especialmente,

reduzir os perigos da concentração de empresas.174 Estabeleceu, o referido

Código, que a responsabilidade dos administradores das sociedades é subjetiva,

entretanto, conforme demonstra a redação do seu art. 2.392, não se contentou em

exigir dos administradores o mesmo que se exigia de um pai de família: foi

estabelecido que os administradores deveriam cumprir deveres específicos,

demonstrar diligência especial, de maior intensidade, exigindo-se parâmetros

profissionais de referência para fins de responsabilidade dos administradores, como

ensina Giovanna Visintini.175

Entende-se que a responsabilização dos administradores pode ser

causada pela violação dos deveres pactuados nos atos societários da empresa que

representam, ou previstos em lei.176 A infração também pode consistir na violação

de um dever de diligência havido pelo administrador, conforme o previsto no art.

2.392 do Código Civil.

A ação de responsabilidade que a empresa pode ajuizar contra os

administradores, baseada nos arts. 2.392, 2.394 e 2.395 do Código Civil,

fundamenta-se na prática de ato danoso, durante o exercício da gestão social pelo

administrador, em nome da sociedade.

Reitera-se: a ação de responsabilidade social baseia-se no ressarcimento

do prejuízo causado à sociedade pelo administrador. Quando, por outro lado, o

administrador causa um prejuízo para outro acionista ou para terceiro, incorre em

responsabilidade direta pela prática de ato ilícito lesivo, a ensejar a interposição,

174 Waldirio Bulgarelli, Manual das sociedades anônimas, p. 26. 175Giovanna Visintini, Tratado de la responsabilidad civil, p. 342-343. 176 Giovanna Visintini, Tratado de la responsabilidad civil, p. 342-350.

145

pelo prejudicado, de ação individual de responsabilidade contra o administrador

faltoso.177

6.4 - Legislação Argentina -

Na Argentina, a Lei n. 19.550/72, Lei de Sociedades, trouxe uma reforma

na legislação societária, e estabeleceu a responsabilidade subjetiva dos

administradores, visando uma administração prudente, como afirma Waldirio

Bulgarelli.178 Conforme menciona Carlos Alberto Ghersi, o art. 58 determina que os

administradores serão responsabilizados pela prática de atos notoriamente

estranhos ao objeto social.179 Além disso, depreende-se do art. 59 da referida lei

que os administradores deverão agir de acordo com os deveres assumidos perante

a sociedade, de lealdade e de diligência adotada por um bom homem de negócios,

sob pena de responsabilização pelos danos e prejuízos que resultem de uma ação

ou omissão em sentido contrário.180 Os arts. 901 a 906 do Código Civil argentino

complementam tal dispositivo legal, tratando da mensuração da reparação devida

aos lesados por atos ilícitos causados, baseada na responsabilidade subjetiva dos

administradores, que se caracteriza por conferir a indenização de danos um caráter

de sanção, medida em função da intensidade da culpabilidade com que agiu o

agente causador do dano.181 Isso significa que a medição citada se efetua

conforme as conseqüências advindas do ato danoso.

6.5 - Legislação Americana -

Nos Estados Unidos da América, os administradores têm o dever de zelo,

fidelidade, e lealdade perante a empresa, como esclarece Robert W. Hamilton.182 O

administrador da companhia será responsabilizado pelos prejuízos causados pelo

177 Giovanna Visintini, Tratado de la responsabilidad civil, p. 344. 178 Waldirio Bulgarelli, Manual das sociedades anônimas, p. 27. 179 Carlos Alberto Ghersi, Daños por gestión empresaria, p.54. 180 Carlos Alberto Ghersi, Daños por gestión empresaria, p.38-87. 181 Carlos Alberto Ghersi, Daños por gestión empresaria, p.88.

146

não exercício de seus deveres na condução dos negócios da empresa, como

poderia esperar-se em circunstâncias similares, que o administrador agisse, se

estivesse conduzindo negócio de seu próprio interesse (RMBCA $ 8.30), conforme

tem se manifestado a jurisprudência americana.183 Isso demonstra que os Tribunais

americanos tem prestigiado a boa fé do administrador na condução de seus

negócios, independentemente do erro causado na sua administração.

O administrador é, ainda, responsabilizado, de acordo com a legislação

americana, como esclarece Robert W. Hamilton,184 pela sua conduta culposa,

consubstanciada na prática de ato ilícito ou na sua omissão com relação à conduta

ilícita de outrem, desde que tenha tido condições de verificar a ilicitude de tal

conduta, como esclarece Robert W. Hamilton.185

182 Robert W. Hamilton, Corporations , p. 304-306. 183 Shlensky v. Manganese corp. of America, 224 A2d 634 (Pa. 1966). 184 Robert W. Hamilton, Corporations, p. 305-308. 185 Robert W. Hamilton, Corporations, p. 307.

147

7 . A RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DAS S.AS. E DOS

ADMINISTRADORES DAS SOCIEDADES LIMITADAS – ANÁLISE

COMPARATIVA

Como acima mencionado, os princípios básicos que fundamentam os

deveres dos administradores das S.As. (art. 153 ao art. 157 da Lei das S.As.) não

se distinguem daqueles que norteiam as obrigações dos gestores das sociedades

limitadas ( art. 1.011 do Código Civil). Não resta dúvida de que, como são os

deveres que fundamentam as responsabilidades dos administradores, o tratamento

da responsabilidade dos administradores das sociedades anônimas e das

sociedades limitadas é similar.

A responsabilidade dos administradores das S.As. está prevista no art. 158

da lei das S.As.:

“(...) o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em

nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente,

pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II - com violação da lei ou do estatuto.”

Por outro lado, a responsabilidade dos administradores das sociedades

limitadas está prevista no art. 1.016 e do Código Civil: “os administradores

respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por

culpa no desempenho de suas funções”. Complementarmente, o parágrafo único

do art. 1.017 do Código Civil determina que o administrador fica sujeito às sanções

quando, tendo interesse contrário ao da sociedade em qualquer operação, tome

parte da correspondente deliberação.

O art. 1.016 do Código Civil, que trata da responsabilidade subjetiva dos

administradores, em caso de prática de atos ilícitos, é aplicável às sociedades

simples (cuja administração é regida pelos arts. 1.010 até 1021 do Código Civil), e,

assim, às sociedades limitadas, na forma determinada pelo art. 1.053 do Código

Civil.

148

Entretanto, não resta dúvida de que o art. 158 da Lei das S.As., mais

específico sobre o assunto, aplica-se, supletivamente, às sociedades limitadas,

conforme o disposto no art. 1.053 do Código Civil, se prevista, nos respectivos

contratos sociais, a aplicação supletiva da Lei das S.As.

Deve-se ressaltar, porém, que o art. 158 da Lei das S.As., prescrevendo a

responsabilidade subjetiva dos administradores, também aplica-se às sociedades

limitadas por analogia, para fins de suprir e preencher as lacunas da lei, conforme

previsto (a) no art. 2.037 do Código Civil, que determina que, salvo disposição em

contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei

não revogadas pelo mesmo, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais,

bem como a atividades mercantis, bem como, (b) nos arts. 4o e 5o186 da Lei de

Introdução ao Código Civil e no art. 126 do Código de Processo Civil (CPC) .187

Verifica-se, pelos dispostos legais supracitados, que a responsabilidade

civil do administrador é tratada de forma analógica com relação às sociedades

limitadas, e às sociedades anônimas. Desse modo, o disposto na lei das

sociedades anônimas, aplicado às sociedades limitadas, vem a especificar a

disciplina da responsabilidade civil dos respectivos administradores.

186 Lei introdução ao Código Civil:

“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

187 Código Processo Civil:

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito. (Redação dada ao artigo pela Lei n. 5.925, de 01.10.1973)

149

8. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA OS ADMINISTRADORES

DAS S.AS.

8.1 - A Responsabilidade da Sociedade, perante Terceiros, pelos atos

praticados por seus Administradores – a Teoria da Aparência -

A sociedade obriga-se perante terceiros, de boa fé, pelos atos praticados

por seus administradores, dada a sua responsabilidade presumida pelos atos

praticados pelos seus gestores, conforme o disposto no art.1.015 do Código Civil.

Nesse sentido, dispõe o art. 158 da Lei das S.As. que o administrador não é

pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade, e

em virtude de ato regular de gestão: por esses atos quem responde é a própria

sociedade, representada pelos administrador.

O art. 1.015 do Código Civil determina que os administradores,

representando a sociedade, podem praticar todos os atos de gestão, no silêncio do

contrato.

Entretanto, qualquer ato praticado com excesso de poderes, não

correspondendo expressamente ao disposto no objeto social da sociedade

dependerá de deliberação da maioria dos sócios, se maior quorum não for exigido

por lei. A sociedade não assumirá os excessos praticados pelos administradores, e

não será responsabilizada por terceiro, pela prática de ato do seu representante

legal, com abuso de poderes, nos seguintes casos: (a) se a limitação dos poderes

dos administradores estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

(b) provando-se que a limitação era conhecida do terceiro; e (c) tratando-se de ato

praticado evidentemente sem amparo no objeto social da empresa, sendo estranho

aos negócios realizados pela mesma.

Sendo assim, a sociedade somente vincula-se, e reconhece como válidas,

as obrigações contraídas em seu nome, quando respeitadas as condições de

representação pelos administradores, ou seja, nos limites dos poderes que lhes

foram conferidos e em respeito ao escopo do objeto social da sociedade, e nas

seguintes hipóteses de prática de atos de seus administradores com excesso de

poderes: (a) se o Contrato Social estiver corretamente averbado no registro

competente, garantindo-se a publicidade dos limites estabelecidos no mesmo, para

150

terceiros; (b) se a limitação dos poderes dos administradores era evidente para o

terceiro prejudicado pelo ato praticado com excesso de poderes pelo administrador;

(c) ou se a operação ou ato praticado foi, indubitavelmente, contrário ao objeto

social. Nesses casos, a sociedade poderá opor-se ao terceiro lesado que vier a lhe

exigir indenização pelos danos causados, por ato praticado por representante legal

da mesma, com excesso de poderes.

A regra da consulta aos atos societários da empresa contratante,

averbados no órgão competente, aplica-se para os empresários em geral, mas não

para os consumidores, como afirma Fábio Ulhoa Coelho,188 dado a hipossuficiência

desses.

A presunção de que o administrador age em nome da sociedade, nos

limites fixados pelos poderes que lhes foram conferidos e de acordo com o objeto

social da empresa é a regra geral. Daí entender-se que o ato praticado pelo

administrador, salvo exceções, vincula a sociedade.

Por força da teoria da aparência, a sociedade deve atentar para o controle

dos atos de gestão dos administradores, apesar das dificuldades para tanto,

impostas pelo dinamismo da vida negocial. Assim, compete à sociedade zelar e

estar atenta para os atos praticados por seus dirigentes, não lhe sendo lícito alegar

desconhecimento dos atos praticados pelos mesmos, em prejuízo de terceiros,

como sustentou Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro.189

Sobre esse tema, já houve controvérsia, pois ao lado os defensores da

tese acima, havia os que sustentavam a absoluta validade dos atos societários

praticados pelos respectivos administradores. Essa presunção de validade absoluta

dos atos praticados em nome da sociedade, certamente, criaria entraves aos

negócios sociais, sendo o mais correto conciliar a teoria da aparência jurídica com

a proteção dos interesses legítimos dos sócios e de terceiros de boa fé, como

consta das decisões publicadas na Revista dos Tribunais190 abaixo transcritos.

188 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, v. 2, p. 448. 189 Egberto Lacerda TEIXEIRA; José Alexandre Tavares GUERREIRO, Das sociedades anônimas no direito brasileiro, p. 481-482. 190 RT 443/345: Sociedade comercial – Anônima – Título de crédito – Aval de um dos diretores em desatenção ao Contrato Social, em prol de terceiro de boa fé – Validade – Motivação – Embargos não conhecidos. Ainda que o desvio da finalidade da firma, ou a infração do seu Contrato Social resulte de ato de uma única pessoa dirigente da mesma, o abuso por si cometido não exonera a sociedade da responsabilidade em face de terceiro de boa fé. Compete à empresa selar e observar os atos praticados por seus sócios dirigentes, não lhe sendo lícito alegar ignorância de tais atos, em prejuízo de terceiros. (Supremo Tribunal Federal – Recurso Ordinário n. 69.028 – RS – Tribunal Pleno)

151

Nos casos de excesso de poderes praticados pelos administradores de

certa sociedade, que não justificam a responsabilização pela mesma, dado o

disposto no parágrafo único do art. 1.015 do Código Civil, o prejudicado deverá

demandar a pessoa física do administrador da sociedade ou do terceiro que atuou

como se fosse representante legal da sociedade. Se o sujeito lesado for uma outra

sociedade, esta poderá também ressarcir-se, junto aos seus representantes legais

que atuaram sem zelo, não verificando o Contrato Social daquela com a qual

decidiram celebrar contrato, como menciona Fábio Ulhoa Coelho.191

8.2 - A legitimidade ativa para propor a ação de Responsabilidade Civil -

A ação indenizatória poderá ser proposta por aquele que foi lesado, para o

ressarcimento do prejuízo sofrido, em conseqüência do ato praticado pelo

administrador. Sendo assim, a ação de responsabilidade poderá ser proposta

contra o administrador, pela sociedade, pelo acionista da mesma sociedade, ou por

qualquer terceiro lesado, conforme prevê o art. 159,192 parágrafos primeiro e sétimo

da Lei da S.As.

191 Fábio Ulhoa COELHO, Curso de direito comercial, v. 2, p. 449. 192 Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76):

“Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

§ 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia geral extraordinária.

§ 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta a ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia.

§ 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia geral.

§ 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.

§ 5º Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.

§ 6º O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa fé e visando ao interesse da companhia.

§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.”

152

Qualquer acionista poderá promover a referida medida judicial, se não

promovida pela companhia nos três meses subseqüentes à deliberação assemblear

no sentido de fazê-lo, como determina o parágrafo terceiro do art. 159 da Lei das

S.As.

Entretanto, o prazo de 3 (três) meses mencionado não é decadencial:

conforme o disposto no art. 287, II, b, 2, prescreve em 3 (três) anos a ação da

sociedade, acionista ou terceiros contra os administradores, para deles haver

reparação civil por atos culposos ou dolosos, contra a lei ou o Estatutos Social da

companhia. O referido prazo é contado da data da publicação da ata que aprovar o

balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido.

Por outro lado, se a Assembléia decidir não ajuizar a referida medida

contra o administrador, os acionistas só poderão fazê-lo se representarem ao

menos 5% do capital social, como previsto no parágrafo quarto do art. 159 da lei

das S.As.. Esse percentual mínimo poderá ser reduzido pela CVM, em função do

valor do capital social, quando se tratar de companhia aberta.

8.3 - Ação social de Responsabilidade interposta pela Companhia contra o

Administrador -

De acordo com o caput e parágrafo primeiro do art. 159 da Lei das S.As., a

sociedade poderá ajuizar ação social de responsabilidade contra o administrador,

ao qual for imputada responsabilidade pessoal civil, pelos atos ilícitos praticados

culposa ou dolosamente ou contra a lei ou o Estatuto Social, visando ao

ressarcimento dos prejuízos sofridos, no prazo de 3 (três) meses, a contar da

respectiva deliberação da Assembléia Geral Ordinária, ou da Assembléia Geral

Extraordinária, se prevista a matéria na ordem do dia ou se a discussão advir de

matéria nela tratada.

A medida judicial interposta pela sociedade contra o administrador é

denominada de ação social, e por um acionista ou um terceiro, é considerada ação

individual.

A ação de responsabilidade é denominada de social por referir-se à

companhia e por destinar-se a beneficiá-la. Essa ação também pode ser

153

denominada de ação regressiva da sociedade para responsabilização dos

administradores

Para evitar que o administrador, representante da sociedade influencie a

Assembléia Geral a deliberar contra processá-lo, a lei estabeleceu

complementarmente, a possibilidade de qualquer acionista de interpor ação

individual ou singular contra o administrador, se a própria sociedade não o fizer no

prazo de 3 (três) meses da deliberação assemblear .

Se, por outro lado, a Assembléia Geral decidir não processar o

administrador, acionistas representando 5% do capital social poderão fazê-lo.

Nesses casos de ação singular, o acionista age em seu nome, mas na

defesa dos interesses da sociedade, em substituição processual.

A ação social e a individual podem ser ajuizadas paralelamente, cabendo a

ação singular aos acionistas ou a terceiros prejudicados pela prática de ato ilícito

pelo administrador.

O administrador, contra o qual for decidido ajuizar-se ação social de

responsabilidade civil pela Assembléia Geral da companhia, ficará impedido de

continuar exercendo seu cargo e deverá ser afastado e substituído, na mesma

Assembléia Geral, conforme o disposto no art. 159, parágrafo segundo da Lei das

S.As. Isso porque, como afirma Paulo Fernando Campos Salles de Toledo,193 a

deliberação assemblear produz efeitos desde logo. A sociedade, ao decidir

processar o administrador, já manifestou efetivamente a desaprovação da conduta

e da gestão do administrador, condenando-o e impondo-lhe a sanção do

impedimento.

Interposta a medida judicial contra o administrador, de acordo com o art.

159, parágrafo sexto da Lei das S.As., o juiz poderá decidir pela não

responsabilização do administrador, se entender que o mesmo agiu de boa fé e de

acordo com o interesse da sociedade.

Os resultados da ação proposta por acionistas contra o administrador,

ainda quando a deliberação da Assembléia Geral sobre a matéria tiver sido

negativa, reverterão para a sociedade. De qualquer forma, a sociedade deverá

indenizar os acionistas das despesas incorridas para o ajuizamento da referida

medida judicial, acrescidas, inclusive, da correção monetária e dos juros incidentes.

193 Paulo Fernando Campos Salles de TOLEDO, O conselho de administração na sociedade anônima, p.76.

154

O valor máximo da indenização corresponderá ao resultado auferido com a

propositura da medida judicial, como prevê o art. 159, parágrafo quinto, da Lei das

S.As.

Em resumo, deve-se ressaltar que, apesar de admitida a interposição de

medida judicial indenizatória, pela sociedade contra os seus administradores, para

a mesma ressarcir-se dos prejuízos sofridos, nos casos em que os gestores sejam

considerados pessoalmente responsáveis pelos atos ilícitos praticados e pela

conseqüente obrigação de ressarcimento dos danos causados, é importante

observar que essa medida adotada pela empresa pode trazer, entretanto,

malefícios para a própria companhia, tornando públicos os problemas internos, de

gestão e de organização da estrutura da mesma, ou divulgando dados

confidenciais dela para o mercado, o que, certamente, afeta a imagem da mesma,

causando-lhe dano de difícil reparação.

Não será responsabilizado o administrador que tiver agido de acordo com

a deliberação dos acionistas havida em Assembléia Geral de Acionistas, e de

acordo com a lei e os Estatutos Sociais. Não cabe ao administrador descumprir as

deliberações dos sócios da sociedade, cuja gestão é de sua responsabilidade.

Assim, se o administrador gerir a sociedade de forma lícita e de acordo com as

deliberações assembleares, a lei e o Estatuto Social, as vantagens e prejuízos

decorrentes de sua gestão serão absorvidos pela própria sociedade.

155

9. CONCLUSÃO

A legislação societária brasileira e a estrangeira têm como regra a

imputação de responsabilidade subjetiva dos administradores.

Percebe-se, pelas decisões proferidas pelos Tribunais do país, que a

tendência é a responsabilização subjetiva dos administradores, sempre que

comprovado que agiram culposamente, com excesso de poderes, contra a lei ou o

Estatuto Social.

Por outro lado, a profissionalização da administração das companhias e o

distanciamento dos acionistas da respectiva gestão, exigiu um controle mais

rigoroso dos atos praticados pelos administradores das S.As., por parte do Estado.

Não resta dúvida, assim, de que a legislação em vigor distingue a figura da

pessoa jurídica da empresa, da pessoa física dos respectivos administradores, bem

como o patrimônio de cada um, estabelecendo responsabilidade subjetiva dos

administradores para com a sociedade ou para com terceiros.

O entendimento dominante, como verifica-se pela jurisprudência atual, é o

de que os bens particulares dos administradores não devem responder pelo

pagamento das dívidas da companhia, salvo se comprovada a prática de atos

culposos, eivados de comprovada má fé, contra o interesse da companhia, e em

infração à lei ou ao Estatuto Social da empresa,

Por outro lado, pode ser notada, na jurisprudência, tendência à presunção

de culpa dos administradores no caso de apropriação indébita dos impostos que se

apresentam incluídos no preço dos produtos que comercializam, caso não sejam,

os respectivos valores repassados para os cofres públicos, tais como o ICMS e a

contribuição previdenciária dos empregados, devida ao INSS.

Por outro lado, no que toca aos empresários, titulares de participação

societária nas empresas, a tendência de imputar-lhes responsabilidade objetiva já é

uma realidade, como se verifica no Código Civil e no Código de Defesa do

Consumidor.

Não resta dúvida de que os deveres dos administradores com poder de

gestão, encontram-se assinalados em vários dispositivos da legislação societária

atual, e, especialmente, nos arts. 153 a 157 da Lei das S.As., razão pela qual, cabe

ao administrador, para prevenir-se de responsabilização, inclusive solidária, pela

156

prática de atos considerados ilícitos, de forma comissiva ou omissiva, conhecer, em

detalhes, a legislação societária, de modo a exercer uma gestão consciente de sua

função social e de seus direitos e deveres perante a companhia e a comunidade

em geral.

157

REFERÊNCIAS

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