REPRESENTATIVIDADE SINDICAL: RECURSIVIDADE E … · 5.1 A Teoria de Nash e a lógica sindical ......
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DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA
REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM
NO AMBIENTE DE TRABALHO
Piracicaba, SP
2007
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DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA
REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM
NO AMBIENTE DE TRABALHO
Orientadora: Profa. Dra. MIRTA G. L. MANZO DE MISAILIDIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação (Mestrado em Direito) da UniversidadeMetodista de Piracicaba – UNIMEP, como exigênciaparcial para obtenção do título de Mestre em Direito,sob orientação da Professora Doutora Mirta GladysLereno Manzo de Misailidis.
Piracicaba, SP
2007
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Dados para catalogação:
CARNEIRO DA SILVA, D. C. Representatividade sindical:recursividade e formação do discurso comum no ambiente detrabalho. Universidade Metodista de Piracicaba, 2007. Dissertação(Pós-Graduação, Curso de Mestrado em Direito). Orientadora:Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, pela testificação de sua obra em minha vida;
À minha esposa Ilnah Toledo Augusto, pela maravilhosa oportunidade de vivenciar
o mestrado ao seu lado;
Aos meus pais, Walter Carneiro da Silva Filho e Maria Cristina Cavalcanti de
Albuquerque Carneiro, que contribuíram para materialização deste trabalho;
À Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis, pelas incontáveis
horas de dedicação e orientação na construção do presente trabalho.
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RESUMO
A representatividade sindical ao longo da história justrabalhista brasileira é marcadapela estética conceitual da alienação da capacidade agregação de interessescomuns da classe trabalhadora. O Instrumental jurídico trabalhista de índole fascistaalçou eficácia a um grupo de normas jurídicas que apartaram da realidade, pela viado ostensivo controle pelo Estado, a capacidade de organização e representaçãoexpontânea de interesses dos trabalhadores; o que os impediu de formularem umalinha de discurso comum, de interesses pontuais e objetivos. O estudo de taisinstrumentos normativos é feito com uma ênfase na construção dos discursossociais autônomos, derivados do conjunto das interações sociais do ambiente detrabalho. As perspectivas do pluralismo jurídico trazem consigo a base sobre a quala legitimação dos anseios derivados do ambiente social se dá por plausível. Aevolução do sistema de acumulação de capitais ao longo do século XX, serve depano de fundo à manutenção das antinomias sindicais da era Vargas, inclusive naConstituição da República de 1988. A Emenda Constitucional n.º 45, cria o alicerceconceitual sobre o qual as eventuais mudanças sindicais do porvir estruturar-se-ão.No ambiente de trabalho, novos desafios à representação coletiva surgem, emespecial, pela mudança de eixo da pauta de reivindicações; o que culmina naparticipação sindical no âmbito da tomada de decisões administrativas eorganizacionais, cada vez mais intensa e freqüente.
Palavras Chave: Representação sindical; recursividade; reflexividade do direito.
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ABSTRACT
The union representativity throughout the Brazilian legal labor history is marked by aconceptual esthetic of workers class aggregation of common interests’ alienationcapacity. The fascist motivated labor legal instrument set efficacy to a group of legalnorms that separated from reality, thought State ostensive control, the spontaneousrepresentative capacity of labor legal interests. The workers were prevent fromformulating a common speech line of punctual and objective interests. The study ofthese normative instruments done with an emphasis on the construction of socialautonomic speech, drifted from the social interactivation of the working environment.The Perspectives of the legal pluralism brings itself the basis over which thelegitimated expectations drifted from the social environment is plausible. The capitalsaccumulative system evolution throughout the 20Th century is the scenario on whichVargas era unions antinomies got kept even in the Republic Constitution of 1988.The 45th Constitutional Amendment created the conceptual basis on which theunion’s regulations changes will eventually get structured. On the Labor environmentnew challenges representation may arise specially drifted from the main claimschanges. That ends upon the governmental tendency to the recognition of theautonomous normative standard as an element of legal reflexation.
Key Words: Representativity; recursivity; speech.
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REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM NO AMBIENTE DE
TRABALHO
Autor: DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA
Orientadora: Profa. Dra. MIRTA GLADYS LERENA MANZO DE MISAILIDIS
B A N C A E X A M I N A D O R A
27/04/2007
______________________________________
(Presidente)
______________________________________
Profa. Dra. Mirta G. L. M. de Misailidis(Orientadora)
______________________________________
(Membro)
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Quem retém as palavras possui oconhecimento, e o sereno de espíritoé o homem de inteligência.
(Pv. 17:27)
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO METODOLÓGICA....................................................................... 11
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 14
1 FUNDAMENTOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL E AINVERSÃO DA LÓGICA SINDICAL.......................................................................... 22
1.1 A transição negociada da agricultura à indústria: a manutenção dosdiscursos econômicos incidentes.................................................................... 25
1.2 A resposta operária ao descompasso comunicativo dos movimentosàs elites.......................................................................................................... 29
1.3 A evolução do capital no Brasil e o corporativismo do sindicalismobrasileiro........................................................................................................ 32
1.4 A crise do capitalismo e a mudança do modelo de gestão da questãosocial.............................................................................................................. 33
2 IDEOLOGIA E REPRESSÃO: O DISCURSO SIMBÓLICO DE PODER DOSSINDICATOS BRASILEIROS NO SÉCULO XX.................................................. 36
2.1 O movimento operário: 1930 a 1946............................................................40
2.2 O movimento operário: 1946 a 1984............................................................42
2.3 A estabilidade dos legalismos humanistas da CLT e a subversão dalógica sindical remanescente na Constituição de 1988............................ 49
3 AS CRISES DO MODELO DE ACUMULAÇÃO ECONÔMICA E SEUSREFLEXOS NO DISCURSO DE AGREGAÇÃO TRABALHISTA....................... 53
3.1 A dispersão do modelo de produção toyotista: ruptura do modelo derepresentação coletiva................................................................................. 55
3.2 O sindicato enquanto via de ligação social................................................58
4 A CRISE DA REPRESENTAÇÃO COLETIVA E A REDEFINIÇÃOFUNCIONAL DOS ENTES DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL..... 60
4.1 O reaparelhamento dos entes de representação coletiva para oenfrentamento das mudanças..................................................................... 62
4.2 A Emenda Constitucional n.º 45 e a solução dos conflitos coletivos detrabalho.......................................................................................................... 65
4.3 Os novos limites institucionais do dissídio coletivo de trabalho............ 67
4.4 O poder normativo da Justiça do Trabalho................................................ 67
10
5 O NOVO MODELO SINDICAL: PERSPECTIVAS............................................... 73
5.1 A Teoria de Nash e a lógica sindical........................................................... 74
5.2 O sindicato moderno e os interesses dos trabalhadores noempreendimento econômico....................................................................... 78
6 O PLURALISMO DEMOCRÁTICO E O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL DOSDISCURSOS INCIDENTES................................................................................... 82
6.1 Da sociologia do trabalho ao sistema social: a mitigação daracionalidade valorativa dos sistemas normativos heterônomos........... 87
6.2 A fragmentação do discurso sindical como conseqüência dorompimento do modelo de produção baseada na grande indústria....... 89
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................96
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INTRODUÇÃO METODOLÓGICA
Em que pese um procedimento atípico no desenvolvimento de produções
científicas, optou-se no presente trabalho por dividir a introdução em duas partes
distintas, ou seja, uma introdução metodológica e, a seguir, um tipo de introdução
mais tradicional.
Nesta primeira, vale ressaltar que trata-se de pesquisa voltada à análise do
avanço na leitura justrabalhista, com ênfase na linguagem da duplicação de sentidos
por meio da recursividade1 dos eventos representativos de interesses comuns das
classes trabalhadoras, enquanto sistema social fragmentado2, no ambiente brasileiro
de trabalho do século XX e sua conseqüente projeção sobre o século XXI.
O corte metodológico proposto não perpassa a filosofia da linguagem,
entendida como elemento da organização de símbolos de repercussão social, mas,
sim, a abordagem no foco da produção de sentido3 e das expectativas sociais do
ambiente de trabalho em constante tensão de reformulação ao longo das
transformações sócio-econômicas do século XX .
A duplicação de sentido por meio da reprodução das operações normativas
do sistema de interação social é, por sua vez, a base pela qual a formação da
1 TEUBNER, Günther. Direito, sistema e policontextualidade. Piracicaba: Editora Unimep, 2005.p.36: percebe-se significativa inteligência nos argumentos deste autor, para quem recursividade podeser descrita como a duplicação da produção de sentido das operações normativas repetidamenteaplicada.2 RÜDIGER, Dorothee Susanne. “Emancipação em Rede.” In: VIDOTTI, Tárcio José; GIORDANI,Francisco Alberto da Motta Peixoto. (Orgs.). Direito coletivo do trabalho em uma sociedade pós-industrial. São Paulo: LTr, 2003. p.69: sobre a questão da fragmentação da produção, relativa aoToyotismo a autora entende que “podemos caracterizar o toyotismo pelos seguintes aspectos: [...] Aorganização do trabalho conta com um núcleo de trabalhadores polivalentes e com uma mão-de-obraque é contratada por empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de peça just in time, isto é,na hora em que os serviços se fazem necessários.”3 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.64: vale aqui reproduzir a idéia do autor, entendendo que“como o exato pólo oposto a essa perspectiva, pode-se compreender a fenomenologia dos jogos delinguagem de Lyotard, que, no entanto, repete a mesma problemática de forma invertida. O mundo sóexiste como uma construção do respectivo discurso.”
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consciência grupal, enquanto esfera autônoma de produção de sentido4, torna-se
elemento essencial para se entender a origem do sindicalismo brasileiro, bem como
sua função no contexto da globalização.
A rotina dos entes de representação coletiva é observada à luz da tentativa de
reconstrução teórico-científica dos modelos de representação sindical, com base na
fenomenologia da linguagem discutida por juristas como Niklas Luhmann, Günther
Teubner, entre outros.
Portanto, mesmo sendo a documentação indireta a técnica principal da
presente pesquisa, a estratégia metodológica funda-se na cognição via análise
crítica da bibliografia disponível acerca do assunto e na revisão criteriosa da
principiologia constitucional, social e trabalhista constantes da Carta Magna de 1988.
O método de abordagem utilizado foi o dialético, fundado na necessidade de
evolução material do Direito e das relações sociais do trabalho, assim como na
inconveniente inexistência de uma sistematização sólida capaz de tornar lógica e
coerente a investigação das noções contraditórias que instrumentam a compreensão
das relações trabalhistas.
A análise da estrutura social dos discursos incidentes no ambiente de trabalho
exige um estudo tendo como base a interpenetração de contrários e
processualidade tão caros às pesquisas de cunho jurídico-social, em especial no
contexto do processo globalizante sob uma perspectiva unitária, lastreada em
axiomas sociais do trabalho.
Nesse sentido, a dissertação em ciências sociais aplicadas possui cunho
eminentemente propositivo, não restringindo-se apenas a esse caráter, mas
4 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p..66: o autor acredita que “em outras palavras, ‘a autoreferência de sistemas sociais presume uma dualidade imanente para que se crie um círculo cujorompimento permite a criação de estruturas’.”
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revestindo-se de índole compreensiva e interpretativa, o que a completa em sentido
e função.
Da projeção conceitual de limites ético-jurídicos à ação do Estado no âmbito
laboral, enfocada a partir da análise crítica da norma fundamental de sua estrutura e
procedimento dos elementos de sua legitimação sócio-política, parte-se para a
descritividade dos extremos de auto referência com base nos interesses comuns dos
trabalhadores, facilitando significativamente a definição de objetivos e regulação do
conteúdo integrativo do meio laboral.
Ao longo de toda a construção científica da pesquisa, o instrumental da
representatividade sindical é reconstruído tendo por base a fenomenologia
comunicativa dos interesses comuns da classe trabalhadora enquanto verdadeiro
subsistema social.
As transformações normativas no período constitucional pós 1988, são
enfrentadas enquanto tendência de reestruturação dos modelos sistêmicos de
representação com ênfase na valorização da busca pela representatividade sindical.
Por derradeiro, entende-se que as novas perspectivas dos entes sindicais é
discutida enquanto elemento de conformação sobre interesses comuns,
fundamentos da legitimidade representativa dos interesses dos trabalhadores.
O presente estudo encerrar-se-á com a visão conjuntural e específica dos
desafios dos sindicatos e sua representação no contexto da fragmentação da cadeia
produtiva mundial.
Tem-se como objetivo colocar um ponto de luz sobre o tema representação
sindical, na busca de trabalho digno para o ser humano sob um regime democrático
e de representação de anseios coletivos utilizando-se como meio o sindicato.
14
INTRODUÇÃO
A origem do movimento sindical está adstrita à formação e consolidação da
massa operária que, por sua vez, tem por núcleo fundamental o trabalho livre, sem
sujeição pessoal.5
Sabe-se que a origem do movimento sindical está imbricada ao próprio
desenvolvimento do capitalismo que, fundado no axioma da acumulação de capital
com base no lucro, conduz a relação de trabalho a um padrão de exploração do
trabalho livre sem precedentes na história da humanidade.
É nesse contexto de exploração e aviltamento da classe trabalhadora,
orquestrada pela ganância inerente ao capitalismo, que a própria evolução sistêmica
do capital reclama regulamentação no Brasil já no início do século XX.6
Assim, é possível estabelecer-se a situação política com que, no caso
brasileiro especificamente, deu-se a emergência da consciência7 de classe enquanto
discurso no ambiente de trabalho. O proletariado, enquanto produto do capitalismo,
submete-se às regras de seu criador numa imbricação de interesses antagônicos
que se completam no todo, como frutos indissociáveis de um contexto sócio-
econômico delimitados no tempo e no espaço.8
5 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.301: o autor define o trabalhado livre sem sujeiçãopessoal como marco no desenvolvimento social.6 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1970. p.265: valeaqui citar a idéia do autor para quem “...a acumulação capitalista se faz efetivamente à custa de umempobrecimento relativo da massa da população e um acréscimo de exploração do trabalho.”7 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.63: nesse sentido, este autor explica a tentativa husserliana deintegrar a sociedade à filosofia da consciência; para ele, a comunicação é entendida como meraorganização de símbolos, enquanto a “...produção de sentido ocorre exclusivamente na consciência.”8 ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. São Paulo: Cortez, 1982.p.21: entende o autor que o proletariado não nasce, portanto, com uma consciência de classeverdadeira, captadora da realidade e superadora da imediatidade, mas com uma consciência de seumomento permeada pela ideologia burguesa.
15
O progresso industrial brasileiro não veio fundamentado em bases sólidas de
desenvolvimento, “...acompanhado de uma prosperidade geral que constituiria
importante circunstância para um desenvolvimento econômico harmônico e bem
fundamentado...”.9
Não obstante, a República Velha pouco se preocupou com os movimentos de
agregação proletária, já que o vértice da economia estava direcionado à agricultura
de exportação. Em termos de liberdade sindical e sindicalismo, a Constituição de
1891 adotou o modelo liberal de gestão social, tendo o Estado brasileiro adotado
posição absenteísta ao interesse social na conformidade dos interesses do discurso
incidente no sistema produtivo.
A incipiente industrialização e o discurso anarquista das lideranças proletárias
afastavam ideologicamente a atuação sindical dos embates contra a exploração
capitalista e contra a acumulação de poupança forçada, que deriva do acréscimo de
exploração do trabalho.10
Questões sindicais, liberdade associativa e autonomia dos entes de
representação dos interesses dos trabalhadores foram institutos de insípida
construção jurídica, pelo menos até a década de trinta do último século, na medida
em que se tinha um ambiente pouco propício à formação de uma estruturada
consciência de classe. Isso é até certo ponto compreensível, pois o forte esquema
de dominação à época pelo capital trabalhava constantemente e de forma acirrada a
reprodução de uma ideologia na qual o trabalhador encontrava-se apto ao trabalho,
mas inerte aos seus direitos trabalhistas.
9 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.331.10 Ibidem, p.265: o acréscimo de exploração do trabalho, no entendimento de Prado Júnior, “é o quena linguagem técnica dos economistas ortodoxos se denomina ‘poupança forçada’, se bem que setrate no caso de um tipo curioso de poupança, pois quem ‘poupa’ são os trabalhadores, mas quem seapropria da ‘poupança’ assim realizada, são os capitalistas seus empregadores...”
16
Nesse sentido, Caio Prado Júnior entende que:
A vida econômica não é função de fatores internos de interesses enecessidades da população que nele habita, mas de contingênciasda luta de monopólios e grupos financeiros internacionais. O queconta nele são os braços que podem ser mobilizados para o trabalho,as possibilidades naturais que seu solo encerra, o consumidorpotencial que nele existe e que, eventualmente, uma campanhapublicitária bem dirigida pode captar.11
Enquanto isso, a Revolução de 1930 é passível de ser considerada como um
mero rearranjo dos blocos do poder central.12 A oligarquia federalista, fragmentada e
compartimentada nas diferentes regiões brasileiras, largamente separadas e
desarticuladas pela falta de transporte e estrutura de comunicação, com produção
voltada ao exterior, foi rapidamente organizada a partir de uma centralização político-
administrativa, com fundamentos para uma eficiente política13 intervencionista e
industrialista.
Contudo, o Decreto Lei 19.770 lançou, em 1931, as bases do que
posteriormente viria a ser a estrutura sindical corporativista; embora ainda sob a
égide do liberalismo, o Estado já se lançava à regulação dos movimentos operários,
como ruído14 comunicativo gerador de distúrbios sistêmicos dirigidos ao crescimento
econômico.
O Estado varguista, porém, parte em direção ao controle dos movimentos
operários, reprimindo-os e manipulando-os como decorrência desta nova função
estatal: o fomento da economia.
11 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.279.12 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p.56: nota-seextrema coerência na manifestação do autor ao afirmar que “quando o homem se vê confrontado comuma alta complexidade irreconhecivelmente flutuante, surgem tipicamente estratégias de defesa, defragmentação, de generalização e neutralização.”13 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.73: vale aqui subsidiar-se neste autor, para quem o“...robustecimento em todos os níveis do aparelho estatal impôs uma limitação da prática políticaautônoma e independente do movimento operário.”14 Ruído Comunicativo deve ser entendido enquanto conceito de distorção, variação.
17
Tal posicionamento pode ser facilmente detectado em discurso proferido por
Getúlio Vargas, reproduzido parcialmente a seguir:
[...] a decadência da democracia liberal e individualista e apreponderância dos governos de autoridade em conseqüência donatural alargamento do poder de intervenção do Estado, impostopela necessidade de atender a maior soma de interesses e degarantir estavelmente, com recurso das compressões violentas, amanutenção da ordem pública, condição essencial para o equilíbriode todos os fatores preponderantes no desenvolvimento doprogresso social.15
Interessante dado surge no tocante à própria justificação ideológica do
controle estatal sobre o movimento operário, enquanto via de conformação dos
discursos sistêmicos dos trabalhadores, à ação reguladora do Estado, como luta
oficialmente organizada contra o insolidarismo.16 Sustentava-se, à época, que as
categorias profissionais não tinham consciência de grupo; por isso, era necessário
controlar, centralizar e coordenar os movimentos sindicais, organizando-os sob o
manto do Poder Público.17
Os direitos dos trabalhadores, consagrados na legislação trabalhista dos anos
trinta e início da década de quarenta do século passado, não podem ser entendidos
apenas como conquistas unilaterais das classes operárias, mas, também, do próprio
Estado, que ganhou sustento nas bases sociais e lhes garantiu direitos, lançando a
essência da desagregação via unicidade sindical. Mas tais direitos ainda
encontravam entraves para sua plena eficácia, uma vez que, segundo Ricardo
15 Apud FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. São Paulo: Brasiliense, 1987. p.110.16 OLIVEIRA VIANA. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, s.d. p.5: esteautor, um dos idealizadores do modelo corporativista de gestão sindical, afirma que o insolidarismo éum dado sociológico de nossa psicologia social, o que conduz o governo “para uma políticavigorosamente orientada no sentido de dar uma verdadeira organização social ao nosso povo.”17 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p.6:coloca o autor que “desde os primeiros dias, o pensamento revolucionário sempre proclamou o firmepropósito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o da penumbra da vida privada, em quevivia, para as responsabilidades da vida pública.”
18
Antunes: “o Estado iniciou a formulação de uma política sindical cujo aspecto
essencial era o seu caráter controlador e desmobilizador.”18
A coletivização das demandas e a questão social ganharam dimensão
importante “...não só politicamente, mas porque a constituição de um parque
industrial exigia toda uma regulamentação ao mundo do trabalho, até então
demasiadamente incipiente...”.19 Decorre, então, a importância em se passar o
controle das entidades sindicais para os braços do Estado, já que, de acordo com
Oliveira Viana: “os sindicatos deveriam ser investidos dos atributos de verdadeiras
autarquias e elevados á condição de pessoas de direito público.”20
Foi a Constituição de 1937 que superou o modelo liberal de sindicalismo
vigente até a Constituição de 1934, ao estabelecer o controle rígido do Estado,
partindo para uma política de clara desmobilização autoritária, orquestrada pelo
Governo.
A liberdade sindical passou a ser admitida somente sob uma de suas facetas,
ou seja, a que permitia-lhe a livre associação e certa autonomia de gestão. No
modelo adotado, tal liberdade veio balizada pela unicidade sindical, que restringia de
forma clara e objetiva a liberdade de associação sindical dos trabalhadores.
O modelo de desenvolvimentismo utilizado pelo Estado ditatorial de Vargas,
na Constituição de 1937, reclamava a unicidade sindical como condição de
governabilidade. Oliveira Viana descreve com brilhantismo tal situação, ao afirmar
que:
Para que uma política econômica nacional possa ser orientada peloEstado – é obvio - faz-se mister que o governo tenha poder parafazer chegar essa orientação às categorias de produção interessadas- o que só seria possível com o sindicato integrado no Estado,
18 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.74.19 Ibidem, p.73.20 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.9.
19
controlado por ele, partilhando da autoridade deste para os efeitos dadireção e disciplina interna da própria categoria. Ora, isto, comovimos, só seria possível com o sindicato único.21
Em 1943, a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas cria um sistema em
que, de fato, e segundo posicionamento de John D. French: “...os interesses
coletivos do trabalho são supostamente defendidos pelo governo por meio da
legislação, mas em que de fato os sindicatos são relativamente fracos.”22
Tal Consolidação lança as bases do “paternalismo progressista”23 na política
social em benefício dos trabalhadores, mas que, no fundo, não passou de uma
fraude social. O autor retro citado explica que não “...é necessário muito para se
perceber que o aparente conteúdo da lei poderia ser facilmente enfraquecido pelo
seu não cumprimento e por interpretações jurídicas ou administrativas
equivocadas.”24
A CLT estabelece normativamente um modelo de barganha social25 em que a
liberdade sindical era trocada pela observância dos direitos individuais do
trabalhador. A CLT26 representa em seu texto todos os anseios do governo e das
elites; porém, sob a forma de direitos para as classes de trabalhadores.27
21 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.13.22 FRENCH, John D. Afogados em leis. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p.15.23 Ibidem, p.28: percebe-se inteligência nos argumentos do autor ao expor textualmente que “em vezde lutas por benefícios, ö tradicional paternalismo latino foi meramente transformado em paternalismodo Estado de Bem-estar social, com o governo agindo como “benfeitor” que concede benefícios demaneira arbitrária.”24 Ibidem, p.15.25 Ibidem, p.30: expõe o autor que para “os analistas ‘culturalistas’, o resultado da herançapatrimonialista é uma forma particularmente tutelar e ‘paternalista’ de participação política, que podeser vista nos sindicatos sancionados pelo Estado e na organização de grupos de interesses baseados‘na hegemonia paternalista do Estado’.”26 Ibidem, p.32: a CLT é analisada enquanto lei e “desse modo, a lei não era vista como umaconstrução cultural, mas como um reflexo direto de uma ação intencional do Estado “burguês”. A CLTseria, dessa forma, uma imposição capitalista sobre os trabalhadores.”27 Ibidem, p.32: o Estado brasileiro teria, assim, “estabelecido um sistema de repressão aostrabalhadores baseado no modelo corporativo e facista.”
20
Sob essa ótica, a natureza avançada das leis trabalhistas na América Latina
era, de acordo com John D. French, um meio “...sutil de solapar a força dos
sindicatos”28 na medida em que, se fosse inteiramente cumprida, o standart social
por ela estabelecido estaria além do que a economia da região poderia suportar. E
continua o autor lecionando que “...tais leis desaceleravam o crescimento econômico
e efetivamente subvertiam a base lógica para a organização sindical.”29
A questão do referido conjunto de leis é crucial para a compreensão do
modelo de gestão sindical que se orquestrou subseqüentemente à ditadura de
Vargas. O modelo de desenvolvimento foi mantido e o aviltamento da classe
operária, por meio de uma extensa e inaplicável legislação trabalhista, restou
contínuo por um longo período de tempo, passando pelas constituições de 1946,
1967 e pela Emenda Constitucional n.º 1/1969, até a Constituição de 1988.
Em paralelo à alienação institucionalizada do modelo de gestão coletiva de
interesses, o modelo de acumulação econômica no Brasil e no mundo passou por
mudanças.
O discurso fordista, incidente sobre o modelo de exploração racional da mão-
de-obra, capitula face às tensões de reconstrução, ou seja, em face das forças
exógenas que redimensionam a estrutura original dos agentes nos subsistemas,
tornando-se menos produtivo a partir da sua incapacidade de agregação dos
interesses incidentes manifestos sobre sua base de produção.
As mudanças dos discursos racionalistas sobre a estrutura produtiva
instauram uma fase de reestruturação do modelo de gestão econômica. A
acumulação flexível emerge-se num esquema transformador que impulsiona a
criação de verdadeiros subsistemas funcionais no ambiente de trabalho,
28 FRENCH, John D. op. cit. p.28.29 Ibidem, p.28.
21
representados por práticas progressistas que estruturam-se a partir do ruído
comunicativo derivado da incapacidade do direito oficial ao reconhecimento das
ordens sócio-laborais subsidiárias.
A pulverização da mão-de-obra na dispersão das unidades produtivas cria
uma desestabilização dos agentes sociais, formando a base de eventos
comunicativos e originando novos padrões de identidade social e relações jurídicas,
vias de agregação coletiva pela base da politização do interesse comum.
No conjunto das transformações sociais do trabalho, é definida a necessidade
de restruturação da representação coletiva em relação aos seus próprios fins.
Transformações legislativas e na matriz dos movimentos representativos de anseios
coletivos foram operados à reestruturação da representação sindical.
O modelo de gestão dos interesses da coletividade identificada avança sobre
a inversão lógica do sistema e reconhece, nos fatos sociais, a incidência de
discursos de base comum, que devem ser entendidos enquanto fenômeno
lingüístico do pluralismo de convicções sobre fatos e interesses imanentes ao grupo
específico. Verifica-se, no âmbito das relações sindicais, o incremento da
preocupação com uma prática participativa e solidária no empreendimento.
Uma verdadeira ordem subsidiária de regulação jurídica emana dos
subsistemas laborais, cuja leitura política serve de elo comum aos diversos
ambientes funcionais fragmentários. O direito oficial do sindicato tende ao
reconhecimento de que não mais define as dimensões de estrutura e função dos
subsistemas sociais, restringindo-se ao desempenho da generalização das auto
regulações existentes.
22
1 FUNDAMENTOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL E A INVERSÃODA LÓGICA SINDICAL
A análise da história do movimento sindical brasileiro tem como base a
simbologia da linguagem dos discursos categoriais incidentes no grupo de trabalho
específico, cujas práticas sociais universalizadas estão impregnadas pela imposição
de valores e costumes derivados da identidade simbólica das castas dominantes.30
A formação dos movimentos de representação coletiva brasileiros, que
normalmente são tidos como evidências de conquistas sociais, podem ser
reconstruídos enquanto elementares da manipulação do capital sobre o ideário das
massas de trabalhadores.
Ressalte-se que o discurso histórico, derivado do embate capital-trabalho do
final do século XIX e primeiras décadas do século XX, remanesceu incidente na
Constituição Federal de 1988, como se analisará adiante, motivo pelo qual o estudo
da formação de tais discursos categoriais se faz imprescindível à compreensão dos
conteúdos da estrutura de representação coletiva contemporânea.
Os discursos das elites oligárquicas brasileiras do final do século XIX31 e
início do século XX32 são instrumentos de regência social integrativa, na medida
em que a disseminação da ideologia do capital no fértil período de transformações
30 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 1985. p.411: entenda-se aqui que aconsciência do trabalhador sobre sua própria identidade e seus interesses estão impregnados pelosinteresses daqueles que se valem da hiposuficiência. O autor exemplifica a questão da seguinteforma: “A situação do agricultor - do senhor de terras, do aristocrata territorial, segundo aromantização tradicional dos historiadores e sociólogos - revela-se nas suas relações comerciais, noestado de seus lucros e rendas.”31 Ibidem, p.411: nesse sentido encontra-se o ancien regime brasileiro, sobre o qual este autor ilustrada seguinte forma: “A fazenda cafeeira adotou, desde o começo de sua expansão o modelo doestabelecimento do engenho de açúcar, calcada sobre a grande propriedade e a escravidão.”32 Ibidem, p.454: o ideário progressista ascendente dos fazendeiros paulistas do segundo reinado,nas décadas de 70 e 80, os afastaram da monarquia. Faoro expõe que “o pressuposto da tese será oenglobamento dos interesses agrários numa só camada, onde se confundiram o complexoexportador, o comissionário e o banqueiro, com o produtor, o senhor de engenho, o fazendeiro decafé e o criador de gado.”
23
sócio-culturais e econômicas da República Velha criou uma identidade básica sobre
uma plataforma mínima de interesses mútuos, identificados na binomial33
característica da sociedade brasileira: dominantes e dominados.34
A análise dos discursos sociais das classes antagônicas, sob a égide da
duplicação de sentido derivada da recursividade35 dos sistemas sociais díspares,
conduzem ao reconhecimento de uma estética sistêmica36 de legitimação das
expectativas sociais dos trabalhadores pelo discurso político dos interesses
dominantes. É perceptível que, no Brasil, em decorrência parcial do modelo
negociado de transição política37, econômica e social, o discurso econômico38 impera
como fundamento para a lógica das massas.
A necessidade do capital pelo surgimento e consolidação das entidades
representativas dos anseios populares evidencia-se quando analisada a pluralidade
ideológica dos movimentos espontâneos de reivindicação social. Sob a influência da
disseminação de valores divergentes aos interesses dos discursos econômicos,
33 FAORO, Raymundo. op. cit. p.454: no que se refere ao binômio em questão, o autor informa que“no contexto polar senhor e escravo, sob a base do trabalho servil, se resumiria o conteúdo dasociedade.”34 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: nesse sentido, a obra Casa-Grande e Senzala de GilbertoFreyre, publicada em 1933, evidencia de forma cristalina o momento social brasileiro que setransformava no período, alterando-lhe não apenas a estrutura econômica, mas, também, asinstituições sociais e políticas de toda a nação. A obra em questão tem como canal forte deexpressão a percepção do atraso e da miséria do povo brasileiro no período.35 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: nota-se relevante astúcia nos argumentos do autor, paraquem recursividade pode ser descrita como a duplicação da produção de sentido das operaçõesnormativas repetidamente aplicadas.36 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.57: a Teoria dos Sistemas Sociais deste autor é analisada enquantomodelo de conceituação racional derivada da plasticidade representativa dos discursos sociais. Emoutras palavras, o sistema cria um padrão, uma linha de comportamento esperado, uma estéticacomportamental. Nesse sentido, entende Luhmann que “outras transformações podem serobservadas nos sistemas sociais que constituem a sociedade, e isso na medida em que eles,enquanto sistemas parciais da sociedade, generalizam suas expectativas.”37 FAORO, Raymundo. op. cit. p.468: segundo este autor, a Constituição Republicana de 1891 “...temcaráter puramente nominal, como se ela estivesse despida de energia normativa incapaz de limitar opoder ou conter os titulares dentro de papéis prévia e rigidamente fixados.”38 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.1160: sobre oconceito de categoria econômica, este autor explica que “a solidariedade de interesses econômicosdos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas constitui o vínculo social básico quese denomina categoria econômica.” Cf. também o art. 511 da CLT, mantido na Constituição Federalde 1988.
24
embora sob a forma de sociais puros, a multiplicidade de interesses dos
trabalhadores foram inscritos nas bandeiras dos ajuntamentos das massas.
Torna-se menos aparente e desproporcional a força simbólica do capital,
quando o confronto de interesses se dá com entidades coletivas equivalentes39 e
representantes dos componentes de base do próprio regime de acumulação
capitalista, a saber: a indústria e o trabalhador.
A evidente submissão dos discursos populares, derivados da leitura do direito
trabalhista, aos interesses do capital mitigam-se na medida em que a assimetria dos
poderes dos equivalentes tende à equiparação.
Além disso, a crise do capitalismo e da maturidade dos entes de
representação social é combatida com a ideologia incidente nos discursos do capital,
subvertendo a ordem da lógica dos representantes do povo que, de forma
subserviente, alienam sua capacidade de mobilização pela segurança aparente dos
direitos inatingíveis40, o que representa a supremacia do discurso ideológico
capitalista enquanto símbolo de poder.41
Nesse sentido, a construção instrumental42 dos discursos sociais incidentes
na origem do movimento sindical brasileiro possui, em si, um eixo lingüístico de
reconstrução conceitual da realidade tendente ao estabelecimento de uma ordem de
39 Cf. GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.313.40 Cf. FRENCH, John D. op. cit. p.21.41 BOURDIER, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertran Brasil, 2000. p.10.42 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.58: construção instrumental é usada no sentido de construção deforma e modelo de um discurso comum, uma forma de consciência e o autor afirma que “Não se tratade um direito que se forma no plano do sistema social e que possa ser reivindicado por qualquerterceiro que não tenha sido parte em sua constituição.”
25
sentido imediato ao ambiente social, em uma espécie de gnoseologia regulada43 a
partir da normação enquanto regulamentação e distribuição de riscos.44
1.1 A transição negociada da agricultura à indústria: a manutenção dos discursoseconômicos incidentes
Para a contextualização do surgimento do ideário associativista brasileiro,
necessário se faz a análise crítica de fatos históricos ocorridos entre o final do século
XIX e o início do século XX45, compreendendo que o Brasil apresenta um modelo
hipertardio46 de capitalismo.
O capital industrial nasceu como um desdobramento do capital cafeeiro47 que,
gerando as condições necessárias ao surgimento da indústria, criou limites48
concretos para sua expansão.
A movimentação da economia cafeeira criou o primeiro impulso para o
fornecimento de crédito, que primitivamente resumia-se a financiadores particulares,
tendo os fazendeiros seus empréstimos entre si com base apenas na confiança
pessoal. O desenvolvimento da agricultura criou a figura do comissário, elo entre a
43 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.54: esta terminologia é utilizada no sentido de conhecimentocoordenado no âmbito dos sistemas de interação social, conforme explica Luhmann, ressaltando que“...em termos genéricos, as expectativas congruentemente generalizadas não fornecem umasegurança suficiente com respeito à conduta.”44 Ibidem, p.54: este autor afirma que “...por isso, as trincheiras contra o perigo não podem mais sererigidas no terreno da oposição entre o legal e o ilegal; elas atravessam o próprio direito comoregulamentação e distribuição de riscos.”45 FAORO, Raymundo. op. cit. p.468: nesse sentido, entende o autor que “os processos primitivosnão se coadunam com a prosperidade do plantio. O agricultor encontra no comprador da safra onatural financiador, mediante uma sistema simples e natural de crédito: a safra futura em troca dasnecessidades para o custeio e expansão.”46 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.21: essa expressão é utilizada por Antunes e apresenta certacoerência com as idéias contidas no presente trabalho.47 FAORO, Raymundo. op. cit. p.412: segundo este autor, “com as promessas da década de 30aumentando o ritmo cafeeiro, estimulado pela procura e pelos preços, o crédito tornou-senecessidade maior do que o contingente próprio do agricultor, a fazenda.”48 CÂNDIDO FILHO, José. O movimento operário. Petrópolis: Vozes, 1982. p.125: o autorargumenta de forma inteligente o assunto, expondo alguns limites históricos como, por exemplo, acrise monárquica e a República Oligárquica de 1870 a 1930; as transformações econômicas; odeclínio da escravidão; e a expansão de trabalho livre.
26
plantação e a exportação.49 No Rio de Janeiro e nas capitais emergem as primeiras
casas bancárias, o que impessoalizou os vínculos entre devedor e credor.
A dinâmica da relação oligarquia agrária e industriária é o substrato sócio-
econômico sob o qual se ergue o movimento operário e o sindicalismo brasileiro.
Importa ressaltar que no Brasil não ocorreu o modelo clássico50 e revolucionário de
transição do campo para o capitalismo urbano-industrial.
O processo de transição da matriz econômica brasileira foi marcado por uma
profunda e gradual conciliação reformista51, na qual a oligarquia latifundiária migrou
em direção ao capitalismo industrial, numa espécie de conciliação de contrários:
progresso e atraso formando uma massa nebulosa com origem num passado
clientelista e oligárquico, ou seja, coronelista52, e com desdobramento na base do
industrialismo do século XX.
O mesmo discurso de exploração da oligarquia cafeeira53 remanesceu no
contexto industrial, observando-se, assim, a transformação dos eixos econômicos
sob a égide de discursos de exploração.54
49 FAORO, Raymundo. op. cit. p.412: sobre o assunto, o autor entende ser “este um grande capítulona história econômica do Brasil, o que circula entorno do comissariado, turvado, ensombrecido,esquecido. Dele, comerciante urbano, se irradiará a energia, o sangue e a vibração que vivificam afazenda, ditando a quantidade e a qualidade do plantio. Senhor do crédito será o senhor da safra,decretando a grandeza ou a ruína do fazendeiro.”50 Cf. ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.21.51 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.58: o autor manifesta-se de forma inteligente sobre a formação dossistemas parciais da sociedade, explicando que, “por isso, apenas os membros desses sistemasparciais estão vinculados, enquanto atores e espectadores, à normatividade dessas expectativas;...”52 FAORO, Raymundo. op. cit. p.621: este autor resgata que “o coronel recebe seu nome da GuardaNacional, cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeação recairsobre pessoa socialmente qualificada, em, regra detentora de riqueza, à medida que se acentua oteor de classe da sociedade.”53 Ibidem, p.455: o autor explica que a expansão da lavoura paulista se dá com a concorrência dotrabalho livre e ressalta que os “...frutos da extinção do tráfico e a pequena prole escrava produzem,nas três últimas décadas do século, todos os seus resultados.”54 Ibidem, p.620: segundo Faoro, o “...bacharel reformista, o militar devorado de ideais, orevolucionário intoxicado de retórica e de sonhos, todos modernizadores nos seus propósitos, têm ospés embaraçados pelo lodo secular.”
27
Leve-se em conta que o processo de industrialização e modernização da
economia brasileira pode ser classificado, em nível político, como sendo um
“reformismo pelo alto”55, sem participação dos segmentos populares.
O discurso da reforma das matrizes econômicas emerge enquanto discurso
das elites econômicas56, como decorrência inevitável da defasagem do modelo de
acumulação econômica agrária do Império; isso frente ao enriquecimento sem
precedentes a que a matriz de circulação industrial proporcionava no ambiente da
República, mediante crescimento exponencial da circulação de riquezas.
Nesse sentido, Caio Prado Júnior coloca que:
Transpunha-se de um salto o hiato que separava certos aspectos deuma superestrutura ideológica anacrônica e o nível das forçasprodutivas em franca expansão. Ambos agora se acordavam.Inversamente, o novo espírito dominante, que terá quebradoresistências e escrúpulos poderosos até havia pouco, estimularáativamente a vida econômica do país, despertando-a para iniciativasarrojadas e amplas perspectivas. Nenhum dos freios que a moral e aconvenção do Império antepunham ao espírito especulativo e denegócios subsistirá; a ambição do lucro e do enriquecimentoconsagrar-se-á como um alto valor social. O efeito disto sobre a vidaeconômica do país não poderá ser esquecido nem subestimado.57
A República possibilitou a ruptura com a fórmula do equilíbrio conservador do
Brasil Império, proporcionando a indivíduos e classes a possibilidade de romperem
os paradigmas do então sistema de acumulação econômica, transformando-os, não
raramente, em especuladores e negocistas engajados no crescimento proporcional
da circulação de riquezas por via do fortalecimento proporcional do comércio.58
55 FAORO, Raymundo. op. cit. p.622: possui lógica os argumentos do autor, que evidencia ainexistência de representatividade social dos atos da elite política nacional, representada na figurados coronéis que, na passagem do regime imperial ao republicano, têm sua função eleitoralexacerbada.56 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.209: na visão deste autor, “...a República, rompendo os quadrosconservadores dentro dos quais se mantivera o Império apesar de todas suas concessões,desencadeava um espírito e tom social bem mais de acordo com a fase de prosperidade material emque o país se engajara.”57 Ibidem, p.209.58 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.49.
28
Não houve no Brasil espaço para a evolução histórica do trabalho de forma
gradativa: da agricultura para o artesanato; deste para a manufatura; e desta para
grande indústria.
O processo de industrialização brasileiro tem a peculiaridade do salto do
sistema agrário ao predomínio da grande indústria, que pode ser entendida,
segundo Ricardo Antunes, como o “...organismo de produção inteiramente objetivo
que o trabalhador encontra pronto e acabado como condição material de
produção.”59
Em 1808, a abertura dos portos brasileiros aniquilou a rudimentar indústria
artesanal do Brasil Colônia, já que a concorrência dos produtos artesanais da
localidade com as mercadorias estrangeiras, em igualdade de condições, impediu o
desenvolvimento da produção local.
A industrialização brasileira se deu tardiamente face aos entraves que
embaraçavam o progresso60, em um momento já avançado das guerras imperialistas
e subordinação aos pólos políticos hegemônicos das economias centrais, tendo-se
em vista que, segundo Caio Prado Júnior, “...é a ação perturbadora da finança
internacional que procura se imiscuir e penetrar cada vez mais profundamente na
vida econômica do país.”61
59 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.49.60 PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit. p.257: expõe o autor que “além da deficiência de energia, faltou aoBrasil outro elemento fundamental da industria moderna: a siderurgia.”61 Ibidem, p.221.
29
1.2 A resposta operária ao descompasso comunicativo dos movimentos às elites
A República Velha e seu sistema político eleitoral coronelista62 pouco se
preocupou com os movimentos de agregação proletária, pois o vértice da economia
ainda estava direcionado à agricultura; porém, com um discurso de progressismo63
industrial.
Enquanto discurso incidente no simbolismo social de poder dirigido à
consolidação do proletariado urbano, o liberalismo social submete-se aos interesses
políticos do capital como elemento chave para a formação dos mercados de
consumo integrantes das novas matrizes da economia.
A industrialização e o anarquismo difundido entre as lideranças proletárias
afastavam ideologicamente64 a ação dos titulares da representação coletiva dos
entraves da exploração.
Face a pluralidade ideológica dos movimentos de agregação, o trabalhador
urbano se perdia numa espécie de deriva comunicativa65 na medida do
descompasso lingüístico entre a manifestação dos discursos da oligarquias
dominantes, que implementavam mudanças estruturais na economia do país, e os
discursos de reivindicação social.
62 FAORO, Raymundo. op. cit. p.622: para este autor “ocorre que o coronel não manda porque temriqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto não escrito. Ele recebe - recebeou conquista uma fluida delegação, de origem central no Império, de fonte estadual na República,graças a qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simbólicas e dasarmas mais poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que se outorga poderes públicos virá,essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições, notando-se que o coronel se avigora como sistema da ampla eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja essa operação.”63 Ibidem, p.625: sobre o assunto, Faoro entende que “enquanto o futuro não chega, organiza-se oregime, sob a indiferença das camadas liberais, que viram, desde logo, a exclusão irremediável dopovo das decisões políticas.”64 Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. “Classe operária no Brasil: 1889-1930”. In: Omovimento operário. São Paulo: Alfa Omega, 1979. p.41-ss.65 Cf. TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.99.
30
Em razão proporcional ao crescimento da economia, o movimento social
impregnava-se de conteúdo anarquista de ultra-esquerda66 e concentrava forças na
luta contra o sistema e o capitalismo, em detrimento dos interesses imediatos das
classes operárias exploradas nesse fértil período de mudanças.
A percepção do descompasso comunicativo67 simbólico entre a conjuntura da
agregação de trabalhadores e a consolidação na nova matriz industrial tornara-se
evidente. O movimento social dos trabalhadores começou a idealizar a necessidade
de uma integração de interesses sociais ao conjunto da simbologia dos discursos
das elites econômicas, ou seja, uma contra-resposta reivindicatória à exploração do
trabalho em linguagem materialmente verossímil aos interesses dos operadores
econômicos.
Por meio de um persuasivo movimento de conscientização e marketing
político, o 1º Congresso Operário Brasileiro (a COB68), de 1906, pela primeira vez
permitiu a coordenação do movimento sindical no Brasil. Finalmente, uma linguagem
política comum e própria dos operários foi criada como uma reação ao ambiente de
exclusão simbólica das reivindicações sociais no âmbito de discussão entre
empresariado e governo.69
Apesar da forte influência revolucionária imperante nos discursos sociais, a
COB não revestiu-se de cunho anarquista, produzindo resoluções muito mais
66 SKIDMORE, Thomas. Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p.29: sobre o assunto, o autorexplica que “o movimento sindical (de proporções extremamente modestas em 1930) estavadestroçado por lutas entre anarquistas, trotsquistas, comunistas e radicais.”67 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.60: explica o autor que “atinge-se um novo patamar da complexidadesocial, para o qual os modelos explicativos antigos, por exemplo, tornam-se inadequados.”68 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41-ss: no capítulo 6 da obra em questão, osautores estudam as bases ideológicas do 1º COB.69 Idem, p.46: os autores resgatam o disposto na Ata do COB, texto que aqui é reproduzidoparcialmente, a saber: “Considerando que o operariado se acha extremamente dividido em suasopiniões políticas e religiosas; que a única base sólida de acordo e de ação são os interesseseconômicos comuns a toda a classe operária, os de mais clara e pronta compreensão...”
31
sindicalistas que revolucionárias.70 Criou-se, inicialmente, um consenso acerca do
conteúdo mínimo pelo qual os trabalhadores deveriam lutar. Laicidade e desapego
político foram palavras-chaves fundamentais para que se criasse uma linguagem
comum e uma agenda mínima de reivindicações consensuais.
Portanto, a COB foi um importante marco na determinação da origem do
movimento sindical brasileiro. Os discursos anarquistas e revolucionários, entretanto,
remanesceram operantes no “chão de fábrica”71 e, por algum tempo, tanto quanto no
seio dos movimentos de organização sindical.
Depreende-se da COB que os movimentos sociais formaram um discurso
acerca de uma estrutura de reivindicação parecida, em alguns aspectos restritos,
com o que na década de trinta do século passado constituir-se-ia o sindicato
institucional, na medida em que lançaram o embrião da noção de categoria e as
bases para uma propaganda e um discurso comum organizados.
O movimento laboral, pela primeira vez, parece ter alçado vôo junto à
politização dos discursos dos interesses dominantes, mediante a transcrição dos
embates sociais em linguagem simbólica, com argumentação jurídica clara e
neutralidade aparente. Nesse sentido, a recursividade72 dos discursos dos
trabalhadores criou a base para a construção de uma efetiva plataforma de
reivindicações.73
70 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41: nesse sentido: “De fato as resoluções docongresso são muito mais sindicalistas que revolucionárias.(do anarquismo dificilmente se encontraalgum traço).”71 Termo coloquial designativo do ambiente fabril de interação proletária.72 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: o autor explica o que pode ser chamado de confusãorecursiva, ou seja, duplicação da produção de sentido pela ressurgência do evento.73 Ibidem, p.47: Teubner aqui apropria-se do conceito de ‘Corporate Actor’, aplicado ao ente derepresentação coletiva de anseios sociais dos trabalhadores.
32
1.3 A evolução do capital no Brasil e o corporativismo do sindicalismo brasileiro
A intensificação da industrialização e urbanização do Brasil, decorrente da
mudança de paradigmas sócio-econômicos, como fruto da evolução do capitalismo
brasileiro, gerou o agravamento da questão social.74
Ao longo de sua evolução no século XX, o movimento operário brasileiro
revestiu seu discurso social de maturidade sistêmica75, dirigindo-se à consolidação
de uma plataforma sólida de reivindicações sociais e agregando força de
mobilização de classe em discursos simbólicos juridicizados e impregnados de
conteúdo político.
O ambiente de liberalismo associativista76 vigorante na República Velha não
mais se coadunava com o aumento da força das reivindicações dos trabalhadores.
O discurso comum em torno da questão social se avultava em força e legitimação.77
A massa de trabalhadores, a partir da linguagem comum, consolidava-se enquanto
força de desestabilização da ordem absenteísta da República Velha.78
Segurança, previsibilidade e calculabilidade79 frente ao conjunto de reclames
sociais, origem de verdadeiros embates entre os trabalhadores e as classes
industriárias, passou a ser necessário ao empresariado, já que o capital traz consigo
74 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41-ss.75 Conforme analisado anteriormente, no item 1.2 deste capítulo, o movimento sindical brasileiro, adespeito das influencias ideológicas, concentrou reivindicações numa pauta mínima, já desde o 1ºCongresso Operário Brasileiro, em 1906.76 Terminologia referente a política estatal do leisse fair social, analisado no item 1.2 deste capítulo77 FAORO, Raymundo. op. cit. p.674: o autor explica que “na reação contra a desordem e a anarquia,identificadas nas sedições militares, cristalizava-se o nacionalismo na defesa da autoridade acuada.”78 Ibidem, p.675: entende o autor que “a separação entre povo e governantes, entre sociedade eEstado, não seria vista como mal a remediar, tal a distância existente na cultura, na riqueza, noshábitos.”79 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.56: atado ao conceito de trivialidade desenvolvido por este autor, paraquem “trivialidade significa grande indiferença com respeito às diversidades. Para todos os indivíduos,quase todas as prescrições não possuem qualquer significado com o qual eles possam identificar-se.”
33
o embrião do direito laboral como uma necessidade de suas próprias leis de
desenvolvimento.80
O próprio capital precisa da regulação de seu pólo reflexo para a eventual
unificação das reivindicações e criação de uma linguagem unificada, simbólica e
criadora de um ambiente complexo de discussão trabalhista afastado do todo
social.81 Os detentores do capital sentiram a imprescindibilidade de uma regulação
mais clara e minuciosa dos movimentos operários como base para a standartização
das reivindicações sociais.
1.4 A crise do capitalismo e a mudança do modelo de gestão da questão social
A crise do setor agrário-exportador e a desestabilização da indústria nascente,
derivados do crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, reclamou do Estado brasileiro
a redefinição de sua posição político-econômica.82
Iniciou-se, assim, uma nova fase institucional caracterizada pela necessidade
de reestruturação do papel do Estado, enquanto agente de fomento econômico. A
Administração Pública, enquanto gestora do desenvolvimento nacional, passa a ter
um papel essencial na condução da economia e nas finanças do país.83
O Estado varguista movimentava-se em direção ao controle dos movimentos
sociais, reprimindo-os e manipulando-os, como decorrência dessa nova estética
80 MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. Os desafios do sindicalismo brasileiro diante dasatuais tendências. São Paulo: LTr, 2001. p.18: nesse mesmo sentido, entende a autora que “essecapitalismo crescente, que desconhecia ou negava direitos subjetivos aos assalariados, trazia, porsua vez, de forma embrionária, o direito laboral como uma necessidade de suas próprias leis dedesenvolvimento”.81 FAORO, Raymundo. op. cit. p.676: o autor explica que “com a mudança no campo operário, e sócom ela, o nacionalismo da ordem imprime ao seu ideário a preocupação de guardar autonomiacontra as exacerbações operárias, com teor repressivo sob o molde de integração corporativa.”82 Ibidem, p.714: entende o autor que “a crise determinava, portanto, o comando sobre osfundamentos da economia: o café e o cambio.”83 Ibidem, p.716: sobre o assunto, expõe o autor que “o Comando externo da produção agrícola, dosmeios de transporte e da industrialização cede o lugar à ação interna e oficial, com a conseqüente enecessária mobilização popular vinculada ao reforço autoritário e centralizador do governo.”
34
funcional estatal - o fomentador da economia. Segundo Ricardo Antunes: “...o
robustecimento em todos os níveis do aparelho estatal impôs uma limitação da
prática política autônoma e independente do movimento operário.”84
Portanto, o discurso social precisava, na visão desenvolvimentista do Estado,
de uma reconstrução de sentido mediante a implementação de um discurso
simbólico apartado da realidade das ruas, das fábricas e das massas operárias. Era
necessário afastar a discussão das reivindicações políticas e a negociação
decorrente do alcance das massas. É nesse contexto que a luta material por direitos,
com o uso da força, se transmuta por meio da implementação de um parâmetro
normativo, em um embate teórico comunicativo transposto na estética do discurso
civilizado e juridicizado dos advogados e jurisconsultos. A linguagem técnica e
normativa transformava embates físicos em argumentos jurídicos civilizados e
afastados do uso comum do proletariado reivindicante.85
A origem do sindicato e da regulação rígida dos movimentos revindicatórios
de direitos sociais liga-se, portanto, intimamente a um discurso base do
desenvolvimento do capitalismo brasileiro.86 Aos trabalhadores, enquanto agentes
sociais coletivos aptos à implementação de atos de repercussão social, tornava-se
imperiosa a entrada no ambiente fechado de linguagem utilizada pelo binômio
capital-governo.87
Não obstante, a representação coletiva viu-se obrigada a ceder,
reorganizando-se para o implemento da linguagem comum dos seres coletivos
84 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.73.85 Ibidem, p.73: nota-se posição inteligente nos argumentos deste autor, interpretados com ênfase nasimbologia da linguagem de Luhmann.86 Cf. OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.13.87 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2005. p.94: sobre a questão o autor explica “...é necessário reconhecer asfronteiras do sentido que separam discursos fechados.”
35
envolvidos.88 Simbolicamente, o trabalhador percebeu-se diante da necessidade de
organização institucional para que, em conjunto, pudesse adentrar no universo
lingüístico dos empresários e do governo.
Por outro lado, aos empresários e ao próprio governo, a institucionalização
dos movimentos sociais pró-direitos trabalhistas unificam as reivindicações das
categorias profissionais que, uniformizadas, controladas e reguladas, tornam-se
previsíveis, principalmente se discutidas em linguagem comum, civilizada,
juridicizada e afastada do conjunto das outras reivindicações sociais.
88 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2005. p.94
36
2 IDEOLOGIA E REPRESSÃO: O DISCURSO SIMBÓLICO DE PODER DOSSINDICATOS BRASILEIROS NO SÉCULO XX
Ao longo da história brasileira no século XX, os sindicatos passaram por uma
redefinição de papel enquanto órgãos de representação coletiva, revestindo-se de
poder de representatividade regulada por lei.89 Com efeito, um poder invisível,
normativo, que só pode ser exercido com a cumplicidade dos sujeitos que a ele se
submetem voluntariamente, sem atinar conscientemente à submissão quando
considerada em si própria.
O discurso sindical reveste-se de estética simbólica de poder face à
regulamentação e controle estatais e os discursos da liderança coletiva obreira
reconstruem a realidade ao estabelecerem uma ordem de sentido imediato naquele
momento, adequada aos anseios do Estado.
Nesse sentido, Maurício Delgado Godinho resgata que:
A evolução política brasileira não permitiu, desse modo, que o Direitodo Trabalho passasse por uma fase de sistematização econsolidação em que se digladiassem (e se maturassem) propostasde gerenciamento e solução de conflitos no próprio âmbito dasociedade civil, democratizando a matriz essencial do novo ramojurídico. Afirmando-se uma intensa e longa ação autoritária oficial(pós-1930) sob um segmento sócio-jurídico ainda sem uma estruturae experiência largamente consolidadas (como o sistema anterior a30), disso resultou um modelo fechado, centralizado e compacto,caracterizado ainda por incomparável capacidade de resistência eduração ao longo do tempo.90
Nesse contexto de análise, os discursos sociais podem ser compreendidos
como verdades instrumentais de dominação. Com a defesa das ideologias, cria-se
uma ordem no caos, uma plataforma mínima de interesses e, segundo Pierre
89 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.63: o autor detecta que “essa organização paternalista, imposta aosetor operário por Vargas, era parte de uma estrutura econômica corporativista global, que o governodo Estado Novo armou para toda a sociedade urbana.”90 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.113.
37
Bourdier, as ideologias “...servem interesses particulares que tendem a se
apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo.”91
Portanto, o discurso das classes econômicas assegura uma rede de
comunicação fundada na simbologia da linguagem comum a todos os seus
membros, identificando-os entre si e, ao mesmo tempo, distinguindo-os dos outros e
das outras classes, à beira do sectarismo.
Considerando-se que as relações de força são relações de comunicação, na
medida em que dependem do poder acumulado ou atribuído ao agente
comunicador, as lutas econômicas e políticas eufemizam-se em torno da homologia
da luta que a produção ideológica de classes perfaz.
É na correspondência das estruturas em litígio que se encontra a função
ideológica do acoplamento dos discursos incidentes92 e o ponto comum dos
contrários é a base sob a qual se ergue os reflexos da ideologia implementada pelo
Estado.
A lógica específica do funcionamento do campo jurídico está duplamente
determinada: de um lado, as relações comunicativas de força específica; e de outro,
as limitações da lógica interna do ordenamento jurídico, que delimita em cada
momento a ordem dos possíveis93, condicionando o universo das soluções jurídicas
propriamente ditas.
O mesmo embate de linguagem simbólica se opera no sentido de que há uma
visível concorrência pelo monopólio da jurisdictio, do dizer o Direito à administração
de litígios. A normatização exacerbada dos discursos das classes reivindicantes
91 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.10.92 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.91: o autor analisa a interdiscursividade dos discursosautônomos e seu simultâneo acoplamento estrutural.93 O Princípio Constitucional da Reserva do Possível é trabalhado pelo constitucionalista J.J.Canotilho.
38
encontra, na juridicização crescente das relações de força, operadores do Direito
despojados de influências com vistas à uma transparência, independência e
neutralidade aparente, visando à universalização dos discursos dominantes e
criando-se, assim, certa estabilidade na posição dos discursos preponderantes,
instrumento de pacificação social tendenciosa.
Nesse sentido, o domínio da sistemática jurídica do capital comunicativo
judicial se auto-completa pela técnica de racionalização, que transforma as lutas
sociais materiais implementadas pelas representações de interesses sociais, antes
dispersas, em lutas simbólicas. No discurso jurídico os adversários terminam-se
como partícipes de uma cumplicidade única, servindo-se uns aos outros, na medida
em que a concorrência entre os intérpretes está adstrita à interpretação regulada dos
textos normativos, decorrentes dos atos de força políticos balizadores da decisão
judicial.94
A racionalização dos discursos do direito sindical possui eficácia simbólica a
partir da lógica imposta pela exacerbação da forma, do direito formal, tendendo a
contaminar o conteúdo. O formalismo do ritual serve como verdadeiro standart
lingüístico de eficácia reconhecida e legitimada socialmente.
Quando permutados em embates lingüísticos decorrentes de argumentos
racionais, os conflitos inconciliáveis pressupõem a própria existência de um pessoal
especializado, instrumentadores de soluções socialmente reconhecidas como
imparciais, pois que definidas sob o manto de uma lógica coerente, racional e
independente de antagonismos imediatos.
Nesse contexto, a decisão judicial, compromisso político de exigências
inconciliáveis, apresenta uma síntese lógica da ambigüidade do Judiciário. O campo
94 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.15.
39
do Direito face ao positivismo jurídico está a serviço do poder que, embora
aparentemente neutro, reveste-se de uma politização disfarçada decorrente da
linguagem.95
Em específico ao Direito do Trabalho e às relações sindicais, cabe ressalva
no sentido de que a vulgarização do conhecimento jurídico trabalhista não possui o
condão de elo entre os leigos e o discurso de técnica, o qual, impelido pela lógica da
concorrência conserva-se como monopólio sobre a cientificidade da interpretação
legítima como reação à desvalorização dessa disciplina no campo jurídico.
A transparência estruturante de uma plataforma simbólica de linguagem, de
uma ordem de sentido clássica, identifica o instituto separando-o do todo, o que
também ocorre no Direito do Trabalho e, em especial, com as regras pertinentes ao
sindicato enquanto instrumento coletivo dotado de legitimidade negocial.
De início, releve-se o reconhecimento de que o Direito Coletivo do Trabalho é
normatizado com ênfase à organização e contenção do discurso social.96 As
reivindicações coletivas são universalizadas a partir da imposição dos valores e
costumes derivados da identidade simbólica com o interesse constituído.97
Uma bandeira, um ideal, só torna-se universalizável na medida em que
transforma-se em um discurso passível de positivação social. O conteúdo normativo
importa, pois explica a imposição de práticas às massas, influencia a atribuição de
valores (os costumes) e até mesmo de vontades do Estado dominante; este, por sua
vez, atende aos anseios de uma política econômica industriária.
95 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.15.96 AROUCA, José Carlos. Repensando o sindicato. São Paulo: LTr, 1998. p.442: sobre a questãodo regime corporativista, o autor entende ficar “claro que numa concepção de Estado Corporativista, osindicato, necessariamente é considerado como seu colaborador, como, aliás, todas as organizaçõessociais.”97 VIANNA, Luiz Werneck. op. cit. p.6: no que se refere aos interesses do Estado e da representaçãocoletiva, este autor entende que “desde os primeiros dias, o pensamento revolucionário sempreproclamou o firme propósito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o da penumbra davida privada, em que vivia, para as responsabilidades da vida pública.”
40
É necessário o entendimento de que os valores anárquicos manifestos como
contra-poder, em reação à exploração do trabalhador, só é negociável se
considerados como positiváveis98, passíveis de delimitação, negociação e inserção
no corpo das normas de direito autônomo.
Os operadores sindicais têm papéis importantes nesse contexto de discurso
simbólico de poder, na medida em que se conduzirem, no sentido da detenção do
monopólio do conhecimento dos limites, efeitos e operabilidade da carta sindical
frente aos representantes das categorias econômicas.
A consciência é derivada de uma análise de depuração lógica do contexto a
que o conjunto das circunstâncias sócio-econômicas conduz o aparato ideológico
dos sindicatos, e aponta para a redefinição da posição dos agentes sindicais frente
aos fatos sociais.
Nesse novo ambiente circunstancial de normatização estatal, os sindicatos
trazem as aspirações do proletariado ao universo lingüístico simbólico dos
representantes do capital.
O que se presencia é a transformação da luta de classes em uma verdadeira
luta simbólica; é a força física e material sendo transmutada simbolicamente, em luta
normativa, mediante a regulamentação institucionalista da era Vargas.99
2.1 O movimento operário: 1930 a 1946
Inicialmente, para um maior aprofundamento na análise da ideologia e da
repressão aos movimentos sindicais no período de corporativização, torna-se
98 Entende-se como Direito Positivo aquele com delimitação objetiva no texto normativo.99 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.110: vide o Decreto Lei n.º 19.770/1931 que, segundoeste autor, “cria uma estrutura sindical oficial, baseada no sindicato único (embora não obrigatório),submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como órgão colaborador deste.”
41
necessário um estudo do contexto sócio-econômico precedente deste período
histórico.
O movimento sindical brasileiro surge num Estado marcado por
conseqüências do capitalismo atrasado e por estruturas patriarcais e clientelistas
históricas, que delimitaram os contornos das bases sob as quais o populismo100,
derivado do modelo de transição sem rupturas, haveria de erguer-se.
Ressalte-se que, como já explicado, o movimento sindical no início do século
XX era livre e dotado de certa autonomia. O Estado brasileiro alinhava-se com o
modelo liberal de gestão pública, mas a questão social, entretanto, era tratada como
caso de polícia.
É fato que no momento em que a redefinição da posição do Estado tornou-se
imperativa frente as novas demandas do capital101, a questão social avultou-se e a
necessidade de sua regulação tornou-se evidente. O modelo de gestão
corporativista102 haveria de ser implementado, sistema este em que, de acordo com
Kenneth Paul Erickson, “...a ênfase principal não é dada à liberdade do indivíduo,
mas sim a seu papel produtivo na sociedade.”103
100 WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.p.35-36: para o referido autor o termo populismo significa um fenômeno de participação política dasclasses populares urbana, “...particularmente naquelas cidades de maior ritmo de crescimento, maisfortemente atingida pelo desenvolvimento industrial e pelas migrações.”101 FAUSTO, Boris. op. cit. p.111: este autor entende o “facismo brasileiro, nosso, com intuito defortalecer a unidade pátria, satisfeita a representação de classes a que tende o socialismo moderno.”102 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.67: expõe o autor que “...o Estado Novo presidiu à fixação dosprimeiros salários mínimos. Ao mesmo tempo, o Ministério do Trabalho criava o aparelho sindicalcontrolado pelo governo, que se tornou importante instrumento da intervenção do Estado na políticasalarial.”103 ERICKSON, Kenneth Paul. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Brasiliense,1979. p.14.
42
Vale aqui ressaltar que Getúlio Vargas104 desenvolveu o Estado intervencionista
e adotou o modelo corporativista de gestão sindical, sob o argumento de que o Estado
só interveio porque os trabalhadores não foram capazes de se organizar entre si.
Uma das principais funções do modelo de burocratização e corporativização
da gestão sindical no Brasil foi assegurar a isenção do discurso político dos
trabalhadores, utilizando-se de um rígido controle ideológico dos movimentos
sindicais por parte do Estado intervencionista.105
2.2 O movimento operário: 1946 a 1984
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a ditadura de Vargas tornou-se
insustentável politicamente106 e, sua deposição, inevitável. Contudo, mesmo após a
queda do regime varguista, muito pouco se modificou na estrutura do modelo
sindical. Na visão de Kenneth Paul Erickson, “...o sistema político brasileiro foi
apenas semicorporativista entre 1946 e 1964, pois combinou estruturas com
instituições representativas de um Estado democrático e liberal.”107
Nos anos subseqüentes à deposição Vargas, o modelo sindical corporativista
foi mantido íntegro; permanecendo assentado, ainda, sob suas três vigas mestras: o
Sindicato, a Justiça do Trabalho e o Sistema Previdenciário. Nesse sentido, Marcelo
Badaró Matos explica que “várias Instituições, mecanismos e propostas do Estado
104 FAUSTO, Boris. op. cit. p.49: acredita este autor que se o desenvolvimento industrial não foi oobjetivo da prática política de Vargas, entre 1930-1937, isso não significa que o Estado tenha adotadouma linha contrária aos interesses da burguesia industrial.105 FRENCH, John D. op. cit. p.13: nesse sentido, o autor explica que “a CLT estabelece, porexemplo, as regras para criação das organizações de classe de empregadores, empregados,profissionais liberais e autônomos.”106 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.72: para o autor, “os brasileiros tinham se dado conta da anomaliade lutar pela democracia no exterior, enquanto persistia uma ditadura em seu próprio país.”107 Cf. ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.14.
43
Novo resistiram ao período de redemocratização de 1945 - 1964. Mas, a mais
significativa [...] foi a estrutura sindical.”108
O general Dutra, presidente eleito democraticamente, exprimia flagrante
proposta de continuidade do estilo adotado no regime varguista; porém, sem as
características autoritárias. Thomas Skidmore explica que “sua campanha era
discreta e dirigida a capitalizar o apoio da rede política dos situacionistas, antigos e
novos herdados de Vargas.”109
O general Dutra mostrou-se tranqüilamente apolítico no início de seu mandato
e, de acordo com Thomas Skidmore, “...gozou de uma lua-de-mel política durante o
seu primeiro ano, quando a UDN cooperou com o seu governo nas tarefas imediatas
de reconstrução do pós-guerra.”110
No período de redemocratização, o movimento sindical intensificou-se, apesar
da reminiscência do uso de institutos destinados ao enfraquecimento dos
movimentos sociais como forma de repressão.
No evidente afã democrático, sobretudo quando o popular ex-ditador Getúlio
Vargas rompeu publicamente contra o governo, as greves e a intensificação das
atividades sindicais e partidárias tiveram resposta imediata: um claro endurecimento
das relações do Estado com os entes de representação coletiva dos trabalhadores,
a partir da repressão governamental ao movimento social.111
A democracia, em 1946, trouxe consigo, um período de grande agitação
social. A liberdade e a autonomia sindical intensificaram-se enquanto institutos de
108 MATOS, Marcelo Badaró. O sindicalismo brasileiro após 1930. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2003. p.25.109 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.89.110 Ibidem, p.91.111 Ibidem, p.93: expõe o autor que “defrontando com essa crescente força, o governo de Dutra decidiuusar a repressão.”
44
Direito.112 A intervenção do Ministério do Trabalho estava restringida, embora
latente.113
Uma das principais funções do modelo de burocratização e corporativização
da gestão sindical no Brasil foi assegurar a isenção do discurso político dos
trabalhadores, por meio de um rígido controle ideológico dos movimentos sindicais
por parte do Estado intervencionista.114
Contudo, sucedendo Dutra, Vargas retorna democraticamente à Presidência
da República em 1951, deparando-se o ex-ditador com um país diferente daquele
que havia governado.
A sociedade havia se transformado e apresentava uma estrutura de classes
nitidamente diferenciada115, sem que alcançasse, segundo Thomas Skidmore, a
“...auto-consciência capaz de produzir uma política aguda de ‘orientação de
classes’.”116
Em sua nova gestão, Getúlio Vargas subestimou o poder da classe média, em
que pese o relevante papel que desempenhou em sua eleição de 1950. Em 1953, o
descontentamento da classe média projetou-se politicamente com a eleição
inusitada do professor Jânio Quadros117 para a prefeitura de São Paulo. A crise
política enfrentada por Vargas culminou no suicídio do presidente em 24 de agosto
de 1954.
112 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.1362: o autor explica que “na verdade, o conjuntodo modelo justrabalhista oriundo entre 1930 e 1945 é que se manteve quase intocado.”113 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.148: nesse sentido, coloca o autor que “depois de expurgar aliderança dos sindicatos trabalhistas, o governo de Dutra apenas explorou o controle do Ministério doTrabalho sobre a maquina sindical, de maneira a evitar a ‘inquietação’ operária.”114 FRENCH, John D. op. cit. p.13: sobre o assunto, o autor frisa que “a CLT estabelece, por exemplo,as regras para criação das organizações de classe de empregadores, empregados, profissionaisliberais e autônomos.”115 Cf. SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.111.116 Ibidem, p.111.117 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.154: explica o autor que Jânio Quadros “...estava capitalizando ainsatisfação da classe media diante do seu quinhão no desenvolvimento econômico brasileiro.Canalizava também o seu desejo de uma ordem política isenta de corrupção, na qual os direitos docidadão comum fossem iguais aos dos que possuíssem influencia ou dinheiro.”
45
Imediatamente seguindo-se a Vargas, assume o vice-presidente Café Filho118,
que entrega a presidência a Carlos Luz, então presidente da Câmara dos
Deputados, como conseqüência de um ataque cardiovascular.
Após conturbado panorama político119, inicia-se a era Juscelino Kubitschek e
seu nacionalismo desenvolvimentista. Segundo Thomas Skidmore, “com a classe
trabalhadora, Kubitschek adotou uma política cautelosa de generosos aumentos
salariais e continuou com o controle governamental na estrutura sindical.”120
Jânio Quadros, que pode ser identificado como um líder anti-Vargas, assume
o poder e desempenha flagrante esforço voltado à reforma da estrutura sindical. O
autor retro citado explica que “esse esforço para transformar o legado paternalista do
getulismo, dentro da área de organização trabalhista, constituía a contrapartida do
ataque de Quadros à ineficiência do legado de Vargas no campo da administração
estatal.”121
Todavia, Jânio Quadros renunciou oito meses após o início do seu mandato,
cedendo às pressões sócio-políticas por ele chamadas de “forças terríveis”. Na
continuidade assume o poder João Goulart, sob forte oposição militar, mediante um
acordo pela instauração de uma república parlamentarista, mas diante de um quadro
de instabilidade institucional no governo “Jango” e sua eventual vitória no plebiscito
pelo presidencialismo.
O fundamento da instabilidade política do período pré-golpe está no fato de
que a estrutura corporativa de gestão sindical não mais funcionava nos padrões de
118 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.187: o autor resgata que “o Presidente Café Filho confessou que oseu governo não havia feito nenhuma tentativa para ser popular, mas pretendia apenas levar adianteuma série de medidas essenciais a curto prazo.”119 Ibidem, p.196: sobre o assunto, Skidmore acrescenta que “por outro lado, Lott e seus colegasgenerais não se esforçavam por provar suas suspeitas de um golpe iminente contra Kubitschek eGoulart.”120 Ibidem, p.210.121 Ibidem, p.233.
46
controle institucional idealizado. Sobre o assunto, Kenneth Paul Erickson explica
que:
A participação popular se acelerou, enquanto se aprofundavam asdivisões entre as elites políticas, e alguns políticos transferiramcrescentes recursos políticos aos representantes das massastrabalhadores em troca de seu apoio.122
Houve um desmantelamento democrático da estrutura de controle estatal com
o surgimento de uma liderança popular de origem sindical, que defendia um conjunto
ideológico fragmentado e não mais sujeito à planificação de conteúdo e controle de
poder que o ius imperi estatal lhes impunha.
Foi esse contexto de reajustamento e legitimidade do poder sindical que
conduziu o presidente João Goulart à esquerda, o motivo do golpe militar123
orquestrado pela extrema direita, com o devido suporte estratégico do governo norte
americano124 e da Igreja Católica que, posteriormente no evoluir da história, sob
influência das alas progressistas, apoiou os movimentos sociais125 frente à
intensificação da repressão e perseguição política.
Uma fase de autoritarismo corporativista foi instaurada pelos militares nos
anos que sucederam o golpe. Institutos jurídicos foram reavivados e outros surgiram
para desestruturação ideológica e controle direto dos sindicatos pelos governos.
A Constituição de 1946 foi revogada pela de 1967, que passou pela Emenda
de 1969, Cartas essas que sofreram o influxo de diversos atos institucionais, todos
122 ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.17.123 Ibidem, p.18: sobre o assunto, o autor afirma que “foi esse poder que dirigiu Goulart para aesquerda, deflagrando a reação direitista que terminou com a tomada do poder pelos militares”.124 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.393: em que pese o autor defender a tese de inexistência decorrelação direta entre o Golpe de 64 e o governo norte americano, este mesmo estudioso assim semanifesta: “Parece claro, porém, que a embaixada norte-americana estava bem informada sobre osesforços dos conspiradores.”125 BOITO JÚNIOR, Armando; et al. Sindicalismo brasileiro nos anos 80. São Paulo: Paz e Terra,1991. p.14: nesse sentido, o autor explica que “ao avançar a transição democrática, estreitou-se aligação dos sindicalistas ‘autênticos’ com os setores progressistas da Igreja.”
47
usados como legitimadores da ‘revolução’. No fundo, o conjunto de transformações
orquestradas pelos militares dirigia-se exclusivamente ao aniquilamento das contra-
elites potenciais. As posições dos Poderes Legislativo e Judiciário se relativizaram
em função da desproporção aviltante de equilíbrio a que o Executivo se auto-
proclamou.
O controle governamental sobre os sindicatos tornou-se extremado e líderes
sindicais, agora taxados de subversivos, eram perseguidos.126 O poder de
intervenção do Ministério do Trabalho foi aumentado e o Executivo Federal vetava
chapas e destituía diretorias de sindicatos.
O governo atingiu o controle das organizações sindicais, redefinindo seus
perfis e, consequentemente, aumentando seu controle sobre tais órgãos. Os
sindicalistas, escolhidos cuidadosamente pelos militares, eram obrigados a assinar
termos em que se comprometiam com o respeito à Constituição e às leis do país.
Uma vez redefinida normativamente a direção dos sindicatos, o governo
incentivou e incrementou sua função assistencialista.127 Passou-se, então, a
incentivar a sindicalização, já que o sistema sindical corporativo, burocratizado e
apolítico, firmava-se como verdadeiro braço do Estado dirigido à conformidade das
classes com a Lei e a Ordem.
O governo reestruturou a previdência social, retirando dos sindicatos seu
poder de ingerência sobre tão magníficos instrumentos de poupança pública.128
126 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2005. p.113: sobre essa questão, o autor manifesta-se daseguinte forma: “tudo isso sem falar na profunda repressão dirigida ao movimento sindical durante aditadura - que tinha o condão de silenciar esta importante fonte de apoio à efetividade do ramojustrabalhista.”127 MATOS, Marcelo Badaró. op. cit. p.57: o autor expõe que “esse lado assistencial dos sindicatos foifortalecido pela injeção de recursos do governo...”128 Entenda-se aqui uma referência para previdência enquanto elemento de poupança pública,pecúlio.
48
Tais medidas intimidaram os trabalhadores que, em 1972, desenvolveram
técnicas de barganha fundadas não mais nos sindicatos - que, como órgãos do
Estado, sempre desencadeavam uma repressão drástica às iniciativas dos
trabalhadores -, mas fundadas nos comitês de fábrica. Tratava-se de um rearranjo
interno dos sindicatos no sentido da defesa dos interesses da classe. Buscava-se
um afastamento da legalidade institucional como via fundamental para a defesa de
direitos trabalhistas.129
Os sindicalistas da época perceberam que seria muito mais vantajoso a
contratação coletiva, via comitê de fábrica, que a negociação em ampla escala para
toda a categoria com o intermédio do Estado – que sub-rogava-se à função de
sindicato. Surge, então, o que pode-se denominar difusão embrionária dos institutos
inerentes à contratação coletiva.
O que aconteceu nesse período da história brasileira, no âmbito das
relações sindicais, foi o acirramento das questões lançadas pelo Estado Novo,
só que reestruturadas sob o prisma de um governo militar autoritário.
A repressão dos militares se deu com base no instrumental já disponível ao
controle das massas e da questão social. Houveram alguns aperfeiçoamentos, mas
a base jurídico-institucional do sistema já estava lançada há muito tempo, desde a
era Vargas.
Tais institutos remanesceram latentes, mesmo enquanto o Estado
encontrava-se sob o comando de seu instituidor, bem como no período democrático
antecedente. O que havia, na verdade, era a ausência de força e legitimação para a
sua implementação - o que não faltava aos militares.
129 ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.225: nesse sentido, o autor explica que “...a ascensão doscomitês de fábricas nos anos 70 como evidência de que os trabalhadores começaram a se organizarde maneira autônoma, esperam que esses possam se livrar do controle estatal.”
49
2.3 A estabilidade dos legalismos humanistas da CLT e a subversão da lógicasindical remanescente na Constituição de 1988
A análise sob a égide da inversão da lógica sindical do humanismo celetista é
crucial para a compreensão do modelo de gestão social que se orquestrou
subseqüentemente à ditadura de Vargas. Como visto anteriormente, o modelo de
evolução histórica do capital no Brasil pouco se afinava às clássicas revoluções e
choques de classe.Tenha-se em mente a mudança da liderança política, resultante
da ascensão de Vargas à presidência, pois, de acordo com Thomas Skidmore, “...a
revolução pode ter parecido apenas mais um capítulo na história das lutas entre as
elites em lenta transformação, que dominaram a política do Brasil desde a
independência, em 1822.”130
Getúlio Vargas desenvolveu a idéia de “ameaça à unidade pátria”131, conduzindo
o país a um “regime forte, de paz, Justiça e de trabalho”132, sob o apoio das forças
armadas, aliada à desorganização, desmoralização e debilitação da oposição, por
meio de considerável centralização de poderes na esfera administrativa federal.133
Após a ditadura de Vargas, observa-se no Brasil um parco período de
democracia, inclusive com o retorno pela via democrática do próprio Getúlio, em
1954. Grandes obras públicas foram executadas: a urbanização, o crescimento
econômico e a mudança da matriz de transportes da ferrovia para as rodovias foram
financiadas mediante endividamento público134, o que contribuiu para o acirramento
da concentração de rendas, sempre em benefício das elites dominantes.
130 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.25.131 Ibidem, p.50.132 Ibidem, p.50.133 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.55: este autor explica que “...Vargas transformou as relações entre opoder federal e estadual e, com isso, aproximou muito mais o Brasil de um governo verdadeiramentenacional.”134 Cf. ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.76.
50
É importante ressaltar que à época imperava o discurso de cunho
desenvolvimentista; convidativo das classes mais humildes aos benefícios da vida
moderna, desde que, para isso, fosse empregado o trabalho sério e honesto.135
O culto ao nacionalismo, a manipulação dos veículos de comunicação de massa
e o discurso desenvolvimentista conduziram o regime democrático a não mais do
que a reafirmação dos valores das elites detentoras do poder simbólico de controle
social. Os valores do populismo mantiveram-se estáticos nesse parco período da
história democrática brasileira.136
A instabilidade, decorrente do crescente avultamento da questão social e do
medo da bolcheviquização137 por parte do governo de João Goulart, trouxe os
militares ao poder em 1964, através de um golpe militar, conduzindo a nação a um
período de violência política.
Os militares138 mantiveram o modelo desenvolvimentista fundado no
crescimento econômico pela via do endividamento público, sendo os levantes
sociais reprimidos com o uso de força, com prisões, torturas e assassinatos.
Não havia porque modificar o discurso de subversão lógica dos movimentos
operários. Ao discurso simbólico de dominação e controle sindical, os militares
aliaram a força bruta legitimada pelo regime de exceção que perdurou até a
promulgação da Constituição de 1988.
135 O discurso da modernidade pode ser reconhecido no slogan do Governo JK: ‘Cinqüenta anos emcinco.’136 MELLO, Celso Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005. p.81: oautor, embora não fosse esse o seu objeto de estudo, comenta em nota de rodapé que, nos quaseduzentos anos de independência, o Brasil não passou por mais do que 30 de democracia política,sendo que democracia social jamais se operou nesta sociedade.137 Termo histórico mencionado por Ricardo Antunes.138 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2005. p.113: o autor afirma textualmente que “efetivamente,náo só se verifica, desde 1964, a instauração de um regime político autoritário assumidamenteimpermeável a qualquer política pública sistematizada de inclusão social...”
51
O sindicato é instrumento social, de conteúdo democrático e representativo
de anseios categoriais, e a continuidade da ordem jurídico-normativa regentes do
modelo sindical139, enfraquecendo politicamente a representação coletiva numa
estrutura sindical ligada ao Estado, remanesceram vigentes e com forte
concentração autoritária por parte do Estado.140
Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, remanescem
algumas contradições em termos trabalhistas, oriundas dos tempos de forte
autoritarismo pelo qual o país historicamente passou. Apesar da reminiscência de
institutos de origem autoritária no nosso modelo Constitucional de 1988, há uma
diferença de contexto entre os institutos totalitários de desagregação dos
movimentos operários vigente na Constituição de 1937, desejada pelo Estado e fruto
da concepção autoritária que se pretendeu infundir no movimento sindical.
Os institutos remanescentes do autoritarismo na Constituição 1988 não
restaram consubstanciados na Carta Magna como imposição do Estado, mas uma
questão de preferência de relacionamento entre os próprios sindicatos, após livre e
democrático diálogo.141 O discurso do capital incutiu nas lideranças políticas da
Assembléia Nacional Constituinte a semente do conservadorismo como discurso
incidente para uma eventual transição negociada de regimes, já que a democracia,
139 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.63: para este autor, a estrutura sindical encontra-se“...orientadasob controle cerrado do Ministério do Trabalho, fornecendo dessa forma ao governo uma importantefonte de influência na economia urbana, bem como um grande instrumento de empreguismo paraconverter adversários em potencial em clientes políticos.”140 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2005. p.112: nesse sentido, expõe o autor que “...mesmo noperíodo em que o direito do trabalho erigiu-se com inequívoca política pública oficial – entre os anos30 a 1964 -, mesmo nesta época o Estado cuidou de não permitir a efetiva generalização desse ramojurídico especializado, deixando-o cuidadosamente segregado a um pequeno segmento do mundo dotrabalho.”141 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001. p.547: Nessesentido Celso Ribeiro Bastos quando faz comentários aos dispositivos sindicais componentes do art. 8ºConstituição Federal, afirmando: “Foi uma pena que o constituinte não se tivesse alçado acima dosinteresses incrustados nas estruturas vigentes, para descortinar o bem comum, mais especificamente odas classes trabalhadoras,...Preferiu ficar com o velho modelo implantado pela constituição de 1937 edelineado no Decreto-lei 1.402 de 1939.”
52
ainda que tardia e bem vinda, representava um momento de transição para uma
circunstância política quase desreferencializada.
Na visão de Amauri Mascaro Nascimento:
Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e a convergênciade interesses comuns de empresários e sindicalistas em torno dealguns pontos, foram aprovadas propostas que redefiniram osistema, embora com indisfarçável caráter conservador, de modo aquestionar-se mesmo o grau de modificações introduzidas e se foramde alguma forma adequadas. Mas é certo que maior é a autonomiaatribuída à organização sindical em face do Estado.142
142 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito sindical. São Paulo: LTr, 1982. p.225.
53
3 AS CRISES DO MODELO DE ACUMULAÇÃO ECONÔMICA E SEUS REFLEXOSNO DISCURSO DE AGREGAÇÃO TRABALHISTA
A humanidade no final do século XX, em especial o mundo ocidental, passa
por uma releitura do sistema de produção capitalista.
Após um período de acumulação de capitais, o modelo fordista143 e o ideário
keynesiano144 das décadas de 1950 e 1960, passou a dar sinais de um quadro
crítico. A tendência decrescente das taxas de retorno e lucratividade, aliadas ao
excesso de produção, eram indícios do esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista145 de produção.
A crise do Welfare State, o choque capitalista de 1973 com a crise do
petróleo, e a intensificação das lutas sociais, foram fatores que, em conjunto, numa
espécie de espiral viciosa, conduziram à desvalorização do dólar americano
impulsionando a chamada “crise estrutural do capital”.
Nesse ambiente de reestruturação do modelo ocidental de acumulação
econômica, uma enorme gama de transformações sócio-históricas e o próprio
discurso do capital empenham-se na busca de alternativas de variantes ao padrão
de acumulação decadente; o capitalismo remodela-se justamente nos momentos de
crise.146
143 HARVEY, David. Condição pós moderna. São Paulo: Loyola, 1994. p.135.144 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.68: nesse sentido, explana a autora, subsidiada em Keynes,que “o modelo de gestão pública preconizada por John Meynard Keynes pressupõe que o Estadomantenha um equilíbrio em suas finanças. Investimentos públicos feitos para retornar aos cofrespúblicos, o que com a crise prolongada que se instala na economia mundial, já a partir dos anos 60, nãoocorre.”145 Entenda-se por taylorismo, derivado de Frederick Taylor, um engenheiro norte americano quedesenvolveu um conjunto de teorias para aumento da produtividade do trabalho consistente nasimplificação da produção a partir da descrição e manualização das operações produtivas. Já o termofordismo refere-se a Henry Ford, que desenvolveu de métodos de racionalização da produção,enquanto conjunto, aprimorando a aplicabilidade do pensamento de Taylor e seu modelo dedesenvolvimento de produtividade.146 Cf. CARELLI, Rodrigo Lacerda. Terceirização como intermediação de mão-de-obra. Rio deJaneiro: Renovar, 2002. p.44.
54
Um amplo processo de reestruturação do capital, tendo por objeto a
recuperação econômica, afetou fortemente os discursos sobre o ambiente de
trabalho. Alterações importantes sobre os eixos de formação dos interesses comuns
de organização da classe trabalhadora se deu por recorrente.
O modelo de produção taylorista/fordista147 da grande indústria do século XX,
particularmente a partir de seu segundo quartel, mostra-se em decadência. O próprio
discurso do racionalismo democrático e das relações de poder e produção da
sociedade ocidental acopla-se aos ruídos da reforma de modelo econômico,
enquanto elemento de materialização da produção massificada.
Verifica-se, nesse passo, o reconhecimento do discurso fordista incidente
sobre modelo de exploração racional da mão-de-obra que, no limite de suas
potencialidades, sofria tensões de reconstrução.148
O próprio discurso da racionalização verticalizada, tendente à uniformidade e
padronização rotinizada de disciplina heterônoma e fracionária, base do sucesso de
desenvolvimento do capitalismo corporativo, encontra-se nesse ambiente de
dispersão comunicativa adversa, tendendo à implosão no modelo de exploração na
base de estrutura: própria mão-de-obra. Ricardo Antunes explica que “esse padrão
produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado.”149
O fordismo tornou-se menos produtivo a partir da sua incapacidade de
agregação dos interesses incidentes manifestos sobre sua base de produção. A
heteronomia da “gerência científica”150 desencadeia uma necessidade de
147 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.69: a autora argumenta que o “fundo histórico do quadropolítico da sociedade no século XXI são as ‘mudanças no regime de acumulação’.”148 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.69: interessante a posição da autora ao afirmar que“estados nacionais e empresas submetem-se à lógica de um mercado financeiro globalizado eextremamente volátil. [...] essa lógica do mercado financeiro vai afetar também a organização dasempresas, pois sob pena de perderem seus investidores, elas são obrigadas a se adaptarem a essemercado desregulado, flexível e, principalmente globalizado.”149 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.37.150 Cf. HARVEY, David. op. cit. p.130.
55
reestruturação do modo de regulação do trabalho.151 O acirramento do embate
comunicativo entre o capital e o trabalhador cria um ruído comunicativo de difícil
superação, fundado na rigidez da racionalidade do padrão de gerenciamento de
mão-de-obra152 tendente à alienação.
Diante de sua inaptidão racional em fornecer respostas à crise estrutural, o
discurso do capital buscou a reorganização de seu poderio simbólico em termos de
discurso capitalista incidente sobre a base da produção; mas, também, buscando a
gestão da recuperação de sua hegemonia nas diversas esferas da sociabilidade.153
3.1 A dispersão do modelo de produção toyotista: ruptura do modelo derepresentação coletiva
O avanço do capital se deu pela constituição de formas de acumulação
flexível154 enquanto modelo alternativo adequado aos limites do novo contexto de
reestruturação produtiva. Assim, o toyotismo155 assume e desenvolve novas práticas
gerenciais e empregatícias adotando o sistema de terceirização e novos métodos
151 CARELLI, Rodrigo Lacerda. op. cit. p.46: nesse sentido, o autor leciona que diante “do exposto,podemos observar que três pontos são principais: a queda da lucratividade, a saturação dosmercados nacionais e, conseqüência destes dois primeiros fatores, a pressão em cima do mais fracopara a tentativa de recuperação de lucros.”152 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.31: este autor explica que “como resposta à sua própria crise,iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político dedominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização doEstado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal,da qual a era Thatcher-Reagan foi a expressão mais forte; a isso se seguiu também um intensoprocesso de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumentalnecessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores.”153 Ibidem, p.48: expõe o autor que isso foi feito “...por exemplo, no plano ideológico, por meio doculto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismoexacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social.” (Antunes, 2002, p. 48).154 CARELLI, Rodrigo Lacerda. op. cit. p.47: o autor defende a rigidez como o principal problema domodelo fordista de produção, afirmando que “todos esses tipos de rigidez impediam o crescimento docapital, gerando uma contra-revolução deste pela busca de flexibilidade.”155 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.69: a autora define o Toyotismo textualmente da seguinteforma: “podemos caracterizar o toyotismo pelos seguintes aspectos: a produção é feita após aobservação do mercado, quase que sob encomenda. Esse método, chamado ‘Kanban’, foi usado nossupermercados norte-americanos já nos anos 50 e consiste na reposição dos estoques apenas apósa venda do produto. A organização do trabalho conta com um núcleo de trabalhadores polivalentes ecom uma mão-de-obra que é contratada por empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras depeça ‘just in time’, isto é, na hora em que os serviços se fazem necessários.”
56
gerenciais de acumulação flexível156, tais como o just in time e o método kanban, que
tem por base o controle de qualidade total e o engajamento estimulado dos quadros
produtivos.157
A reconstrução dos discursos do capital pressupõe a análise da chamada
produção enxuta para o atendimento da eficiência produtiva crassa à eficácia de
mercado a que o produto está inserido.
Enquanto discurso dominante, o toyotismo emerge na medida em que parte
do pressuposto da lógica de mercado restrito, caracterizado pela intensa
concorrência e débil demanda interna. Por isso, tornou-se adequado em sua forma
de ser às condições do capitalismo mundial. Foi o desenvolvimento dos discursos de
integração capitalista que construiu os padrões de gestão da produção de
mercadoria, tal como o toyotismo.158
Esse é um período de mudanças dos discursos racionalistas sobre a estrutura
produtiva; uma fase de reestruturação do capital, sendo os aspectos mais decisivos
desta fase o aumento da flexibilidade em escala global, a mobilidade de capital e a
liberdade para a mercantilização de todas as esferas.
Rompem-se as fronteiras espaciais e sociais relativamente estruturadas
acerca do elo de interação pela concentração fabril, gerando-se uma
descentralização, não só da produção, mas, também, dos discursos de interação
social.
156 Cf. HARVEY, David. op. cit. p.166-169.157 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982: o autor explica que o just in time - estoque mínimo - significa oatendimento da demanda em tempo racionalizável à inexistência de estoques. E sobre a questão doKanban como um sistema de comando de reposição de estoque: a informações enquanto elementode precisão na constituição dos estoques.158 “A principal característica do novo regime de acumulação, presente em todos os seus aspectos,tanto na parte da produção industrial, gestão comercial ou organização do trabalho, é a troca darigidez pela solução mágica da flexibilidade. Com essa palavra definem-se todos os sonhos do atualcapitalismo, que deseja a qualquer custo a flexibilidade de tudo aquilo que o impede ou atrasa a suaobtenção de lucros.”
57
A evidência da formação de um mercado de trabalho multiforme se configura
inafastável à exploração capitalista; o fundamento sobre qual a rede de exploração e
utilização de mão-de-obra se constrói no modelo Toyotista é a falta de proteção
social, decorrente do quadro estrutural do mercado de trabalho, o que facilita o
dumping social, ou seja, a concorrência dos próprios trabalhadores a partir de um
esvaziamento dos discursos comuns de resistência e a fragmentação das unidades
de produção.
Nesse contexto, os discursos de representação coletiva se perdem enquanto
elemento de agregação do interesse comum, pois o modelo de representação
sindical encontra-se precariamente arraigado numa espécie de clausura operacional
derivada do modelo de unicidade sindical exigida por lei, o qual impõe limites à
liberdade de representação de interesses coletivos.
Assim, está-se diante de uma reforma do modelo de acumulação econômica,
com reflexos diretos no mercado de trabalho, que impulsiona a criação de
verdadeiros subsistemas funcionais, representados a partir da adoção de práticas
progressistas de acumulação capitalista, estruturadas a partir do ruído comunicativo
derivado da incapacidade do direito oficial ao reconhecimento das ordens sócio-
laborais subsidiárias159, a partir da precarização do vínculo empregatício, pelo
trabalho informal e sem fixação jurídica.
159 Nessa linha, a terceirização trabalhista pode ser entendida como sendo uma estrutura sócio-laboral de produção subsidiária, inassimilável juridicamente; porém, estratificada no corpo dasociedade produtiva, que cria uma espécie de ignorância do fenômeno social por parte da ordemjurídica, a partir de sua incapacidade de interação com a dinâmica dos reflexos dos modelos deacumulação no âmbito social.
58
3.2 O sindicato enquanto via de ligação social
A discussão em torno da interpretação dos fatos sociais autônomos, enquanto
fonte de Direito no contexto do paradoxo entre fragmento social e globalidade160, é
importante considerando-se que identifica na pulverização da mão-de-obra, na
dispersão das unidades produtivas e na desagregação política dos agentes sociais,
eventos comunicativos originando novos padrões de identidade social e relações
jurídicas via agregação coletiva pela base da politização do interesse comum.
Nesse sentido, aquele que se propõe à defesa dos interesses de grupos161
diversos e dispersos, mas que integram um mesmo processo produtivo, deve romper
com a estrutura tradicional burocrata-corporativa, positivista e regulada pelo Estado,
bem como engajar-se na luta pela análise juridicizada dos fatos sociais; deve lutar
pelo alinhamento dos grupos fragmentados à identidade com o discurso partilhado.
Nesse viés, o contexto do instrumentalismo abstrato e universal, o discurso
comum, desponta como elo entre os fragmentos sociais no conjunto da integração
global. A identidade de interesses de cunho econômico, jurídico ou social constitui-
se mais um dos discursos incidentes que, em acoplamento estrutural, integra os
eventos comunicativos.
A representação coletiva desses interesses necessita lançar-se pulverizada,
rompendo as fronteiras físicas da ordem positiva defasada. O discurso comum tem o
160 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.110: sobre o assunto, o autor afirma que “em suma: naglobalidade, os processos dominantes de formação de direito transferem-se de seus centros,politicamente institucionalizados no Estado nacional (legislativo e justiça), para a periferia do direito,para as fronteiras do direito com outros subsistemas globais.”161 VIANA, Marco Túlio. “A nova competência da Justiça do Trabalho no contexto da reforma sindical”.In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Rio de Janeiro: Síntese, jan.-abr., 2005. p.170:detecta-se coerência nos argumentos do autor, ao afirmar que “o sindicato foi sempre o principalmotor do Direito do Trabalho, não só o construindo diretamente, mas também pressionando olegislador para fazê-lo e ao mesmo tempo aumentando a sua efetividade. Mesmo em países como onosso, o sindicato sentece presente desde o começo – tanto assim que a própria CLT buscavatambém esvaziá-lo.”
59
dever de se deixar impregnar por uma leitura de conteúdo jurídico-político na análise
dos fatos, identificando valores morais e éticos comuns, além de promover a ligação
dos fragmentos sociais em crise de identidade funcional.
As entidades de representação coletiva e sindical não caminham à extinção,
nem encontram projeto de futuro no aniquilamento jurídico; necessitam, sim, de um
choque de inteligência funcional e redefinição ideológica. É preciso reconhecer na
adversidade do desenvolvimento global, os elementos para a consecução de seus
fins institucionais.
O instrumental formal para a defesa de interesses coletivos encontra-se
disponível e as antigas barreiras institucionais já foram transpostas.162 O
assentamento jurídico dos novos paradigmas de defesa coletiva hão de ser firmados
pela prática da gestão dos interesses coletivos.
162 GIGLIO, Wagner; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. Direito processual do trabalho. São Paulo:Saraiva, 2005.p.416: sobre o assunto, os autores manifestam-se da seguinte forma: “além disso, alegitimidade ativa do Ministério Público para instaurar processo normativo, que a jurisprudência jávinha admitindo, foi alcançada a patamar constitucional pela redação dada ao § 3º do Art. 114 daCarta Magna pela Emenda n. 45/2004, embora com rígida limitação: apenas ‘em caso de greve ematividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público’.”
60
4 A CRISE DA REPRESENTAÇÃO COLETIVA E A REDEFINIÇÃO FUNCIONALDOS ENTES DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL
Nesse novo contexto de integração de mercados, de mundialização das
relações sócio- econômicas, a função do sindicato enquanto agente de
transformação social se vê por profundamente modificado.163 O modelo clássico de
sindicalismo que, no fundo, não passava de um mero agente contratual com parcos
objetivos de defesa das condições de trabalho, não encontrava posição defensável.
Todo um conjunto de novas responsabilidades e desafios reclama mudança
de postura para a continuidade do atendimento de seus fins institucionais e o ente
de representação coletiva, nesse novo contexto global, tem a incumbência de
mediar a construção e defesa de todo um novo conjunto de interesses, advindos dos
fragmentos164 das classes representadas e do mundo do trabalho como um todo.
É nesse contexto paradoxal, entre a sociedade mundial e a fragmentação
local, que o ambiente de trabalho reclama radical mudança de postura por parte das
entidades de representação sindical, rumo à reflexividade.165
163 FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1998. p.85: oautor explica o sindicato enquanto centro de emanação de direito secundário dos subgrupos sociais eacredita que “não obstante, tais direitos ‘auxiliares’, secundários, têm-se mostrado excepcionalmenteúteis em relação aos limites do direito positivo estatal. Mais precisamente, os juristas logo se deramconta de que, de um lado eles são capazes de mapear e preencher as lacunas do direito positivo(efeito clausura normativo); e de outro eles podem mascarar e garantir a discricionaridade substantivado direito positivo em algumas questões decisivas (efeito de abertura cognitiva).”164 Ibidem, p.85: na questão que envolve a Teoria Gradualista do Direito, o autor entende que “porexemplo, segundo a chama teoria gradualista do direito, o direito positivo estatal ‘reconhece’ tanto aexistência de ordens sócio-jurídicas semi-autônomas quanto a validade de sua auto-regulação: [...].b) ao nível das normas, desde que elas possam auxiliar a garantir a eficácia e/ou a observância dasprovisões jurídicas que o direito positivo estatal considera como formais, gerais - e,consequentemente, ‘conhecidas’ - por definição.”165 Ibidem, p.91: entendendo como reflexividade o direito positivo capaz de reconhecer que não podemais definir as dimensões de estrutura e função dos subsistemas funcionais, o autor complementa daseguinte forma: “... – como também, e principalmente, que sua contribuição específica à‘complexidade social’ restringe-se a desempenhar a mera generalização de todas as auto-regulaçõesexistentes.”
61
O modelo de gestão dos interesses da coletividade, identificada com o
processo produtivo, tem de avançar sobre a inversão lógica do sistema166 e
reconhecer que nos fatos sociais existe a incidência de discursos de base comum167,
além do que a leitura política desses eventos comunicativos serve de elo comum aos
diversos ambientes funcionais fragmentários.
O reconhecimento desses novos desafios hão de conduzir as entidades de
representação sindical á aceitação dessa nova realidade conjuntural, o que, por si
só, consubstancia-se no primeiro passo para que, no conjunto, o papel das
entidades representativas de anseios comuns, enquanto interlocutores sociais168,
redefina-se frente a tais mudanças no panorama específico das relações de
trabalho.
Os sindicatos continuam sendo agentes sociais que operam transformações
de resultado material no conjunto da sociedade: é ele, o sindicato, quem opera a
transformação da massa operária em categoria organizada.169
Uma mudança radical na postura dos entes de representação de interesses
coletivos obreiros há de ser implementada, mesmo porque os sindicatos têm de
evoluir no sentido do reconhecimento dos discursos comuns entre os diversos
segmentos que fragmentadamente atuam em conjunto no processo produtivo,
independentemente do conceito de categoria profissional, posto que o discurso
166 FRENCH, John D. op. cit. p.28: o autor desenvolve a tese da inversão da lógica sindical medianteimplementação de um patamar civilizatório normativo incompatível com a realidade dos agenteseconômicos.167 FARIA, José Eduardo. op. cit. ,1998. p.95: para este autor, “as meras expectativas normativasestritas já não podem mais salvaguardar os atores sociais da complexidade social e da contingência.”168 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.40: no que tange à idéia do sindicato enquanto interventorsensitivo, o autor coloca que “a força do sistema consiste em sua fraqueza: concede-se à própriadinâmica do sistema de maneira mais ampla possível a forma de sua construção. A modelagemconcentra-se na tarefa de identificar as chances de intervenção eficaz no sistema, considerando suascondições marginais.”169 MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. op. cit. p.36: a autora argumenta sobre ao assunto deforma coerente e reproduz Peres Botija, ao expor que “...a sindicalização do proletariado a passagemda condição de massa para a de classe.”
62
comum é instrumento de reagregação das massas dispersas e de legitimação
funcional.
4.1 O reaparelhamento dos entes de representação coletiva para o enfrentamentodas mudanças
No conjunto das transformações sociais do trabalho, uma vez definida a
necessidade de reestruturação da representação coletiva em relação aos seus
próprios fins institucionais, o aumento dos instrumentos formais viabilizadores da
representação coletiva torna-se imperativo aos sindicatos.
O rompimento com os limites do direito posto170, requisito imprescindível para
a redefinição do papel das entidades de representação coletiva, necessita de um
reaparelhamento destinado a reafirmação de sua capacidade de identificação dos
interesses coletivos evidenciados pelos discursos comuns, componentes dos fatos
sociais.
A perfeita representação dos interesses dos trabalhadores dispersos nas
células de trabalho, nas quais as categorias profissionais encontram-se atualmente
submetidas171, reclama uma gama de instrumentos de processualística não adstritos
às anciãs barreiras positivistas do direito posto, da noção de categoria, de
empregado e dos próprios direitos individuais e coletivos dos trabalhadores
envolvidos.
170 FARIA, José Eduardo. op. cit., 1998. p.86: explica o autor que “...quanto mais o direito positivoestatal atuar sobre a sociedade, tanto mais fértil será o terreno para a criação das condições queimplicam o “declínio” técnico e operativo do direito positivo como meio “socialmente adequado” daregulação social.”171 Idem. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2000. p.189: na visão desteautor, o ambiente fragmentário de trabalho é analisado enquanto parte de uma sociedade“...eminentemente sistêmico- funcionalista. Ou seja, Como uma grande sistema social integrado porsubsistemas ou sistemas parciais funcionalmente diferenciados, que operam por meio de estratégiasde variação... seleção...e de estabilização.”
63
As massas sociais de trabalho que se encontram fragmentadas, espalhadas
em células autônomas e especialíssimas de trabalho, ainda assim possuem no
discurso de seu pólo-reflexo, de seu interlocutor e antagonista comunicativo, um
elemento chave para incidência do ponto comum, que não deixa de ser uma
distorção de análise do evento comunicativo, que é a linguagem comuns dos
interlocutores: o capital.
Nesse sentido, o discurso do capital incidente nos eventos sociais trabalhistas
é capaz de identificar no conjunto das células de trabalho um forte elo de incidência
intercomunicativa que, apesar de divisível e determinado, não deixa de ser um fato
comum; trata-se de discurso elementar incidente em todas as células de trabalho,
em todos os fragmentos da sociedade; um verdadeiro elemento de acoplamento
intercomunicativo disperso: a produção dirigida ao interesse do capital.
A representação coletiva de interesses, em especial a dos direitos individuais
homogêneos, avulta-se em importância na medida em que o reconhecimento do fato
comum torna-se elemento de reagregação da massa social disforme,
redimencionando-a em categoria a partir do interesse comum.
Nos últimos tempos, fica perceptível que a simples capacidade representativa
para fins de reajuste salarial - um dos discursos mais facilmente constatáveis no
mundo do trabalho - não mais atende à crescente necessidade de representação de
uma massa assimétrica com discursos de integração comuns.
O TST - Superior Tribunal do Trabalho, frente ao avultamento desproporcional
do número de demandas de cunho coletivo lato sensu, com sua vacilante
jurisprudência (elemento alternante de defesa do capital e, ao mesmo tempo, do
trabalhador), rompeu, já no contexto de avançada consolidação de nossas
instituições democráticas, com a idiossincrasia remanescente dos tempos do
64
autoritarismo e do controle institucional dos sindicatos, reconhecendo-lhes a
plenitude do Direito Constitucional de ampla172 representação coletiva de interesses
dos grupos sociais envolvidos pelo evento comum: a partir da produção.
Os sindicatos são pessoas jurídicas que se dirigem a um fim institucional173: a
defesa dos interesses comuns de seus representados. Desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988, o direito público subjetivo tornou-se a ampla
representação coletiva dos interesses daqueles que, identificados pelos interesses
comuns, assimilavam o conceito de categoria profissional. Tal direito, contudo,
encontrava óbice em uma interpretação jurisprudencial desfavorável ao
trabalhador.174
A ampla legitimação dos entes de representação coletiva para atuarem não só
na qualidade de substitutos processuais175, mas também como legitimados
extraordinários176, é o meio instrumental necessário à representação dos interesses
dos grupos sociais fragmentários; porém, entendidos como substratos de incidência
do discurso comum, elementar de reagregação superadora da crise de funcionalidade
da representação coletiva no contexto da globalidade.
172 NERI JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado.São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003. p.171: os autores entendem que a leitura do art. 129, §1º,c/c art. 8º, III, ambos da Constituição Federal de 88, bem como a leitura em conjugada do art. 5º daLei de Ação Civil Pública e do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, consagram apossibilidade de representação ampla de defesa dos direitos e interesses coletivos, bem como osindividuais da categoria.173 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. São Paulo: Atlas, 2004: em comentário ao art. 513da CLT, o autor afirma que “a principal função do sindicato é representar a categoria em juízo ouadministrativamente.”174 Trata-se do supramencionado enunciado 310, do Tribunal Superior do Trabalho.175 GIGLIO, Wagner; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. op. cit. p.130/132: sobre o assunto, os autoresafirmam textualmente que “a substituição processual consiste numa legitimação anômala, numalegitimatio ad causam extraordinária em que, por exceção, alguém pleiteia direito alheio em nomepróprio.” Colocam, ainda, que “diversamente na substituição processual trabalhista o sindicato nãoatua em defesa de direito público, mas defende o interesse privado dos integrantes da categoria querepresenta.176 SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Método, 2006. p.211:explica este autor que “o Supremo Tribunal Federal, no entanto, sempre concedeu uma interpretaçãoampliativa ao Art. 8º, III, da Carta Maior, no sentido de que aos sindicatos restou assegurada asubstituição processual geral e irrestrita, possuindo o mesmo legitimação extraordinária para agir emnome próprio na tutela dos interesses dos integrantes da categoria que representam.”
65
4.2 A Emenda Constitucional n.º 45 e a solução dos conflitos coletivos detrabalho
A democracia brasileira, exercida pelo povo através de seus representantes,
propôs modificações na ordem normativa do Poder Judiciário frente às
transformações derivadas da pós-modernidade177, ao transtorno decorrente dos
ruídos sociais derivados da assunção conjunta de políticas neoliberais, aliadas à
fragmentação do ambiente de trabalho, em flagrante paradoxo à transnacionalização
do capital.
Publicada no Diário Oficial da União em 31/12/2004, a Emenda Constitucional
n.º 45 - EC 45 - reformou o Poder Judiciário brasileiro, criando a base fundamental
para eventuais transformações, que hão se operar em nível infraconstitucional,
visando não só a eficiência dos provimentos jurisdicionais, mas adequando e
munindo a sistemática judiciária nacional178 ao enfrentamento do conjunto de
transformações a que sociedade, em especial no âmbito das relações de trabalho e
inter-empresariais, encontra-se inserida.
Tal conjunto de modificações decorrentes da EC 45 visou, ao capital, uma
maior transparência, previsibilidade e celeridade nos provimentos e, ao cidadão,
fortaleceu-lhe as vias de solução não litigiosa de contendas, facilitando
significativamente a pacificação social pela via negociada.
Novos institutos foram criados e remodelados para a representação coletiva
dos interesses de grupos sociais; isso a partir de uma desconstrução institucional
177 HARVEY, David. op. cit. p.301: na visão do autor, o termo “pós-moderno” denota a falta dereferência da condição, em relação aos fatos históricos e à falta de perspectivas de futuro.178 HINZ, Henrique Macedo. op. cit. p.137: este autor entende que “partindo-se da necessáriadistinção entre direito material (conjunto de normas e princípios que regram as mais variadasrelações, atribuindo direitos, obrigações, prevendo o que é lícito e o que é ilícito e o que não é, etc.) edireito processual (conjunto de regras e princípios que pautam a atuação dos sujeitos no processo), éde ver que as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n.45/2004 foram de ordem processual.
66
chamada pelo professor Maurício Godinho Delgado de “contradições
antidemocráticas”179, remanescentes em nosso sistema jurídico democrático.
Em flagrante demonstração de reconhecimento das situações sociais
decorrentes da globalização, grandes transformações foram operadas e, em
especial, com relação a representação coletiva de interesses. Os sindicatos,
enquanto entes primários180 de representação coletiva, viram-se munidos de
instrumentos jurídico-normativos dirigidos à sua atividade precípua negocial,
instrumento democrático fundamental à conquista de direitos.
Atualmente, a representação coletiva de interesses está mais democrática,
conseqüência inevitável do fortalecimento da matriz negocial de solução de conflitos.
Institutos como o do dissídio coletivo de natureza econômica, o dissídio de natureza
jurídica, o próprio poder normativo da Justiça do Trabalho, o novo tratamento
principiológico do dissídio de greve, e a legitimação do Ministério Público do
Trabalho para sua propositura, são elementos sobre os quais grandes
transformações foram perpetradas.
A lógica institucional da solução de conflitos coletivos de trabalho passa por
reconstrução doutrinária e jurisprudencial a partir da rediscussão de seus limites
conceituais.
179 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.1354: o autor critica a remanescência de institutosde origem corporativa na nossa estrutura democrática de Direito criada a partir da constituição de 88.Contudo, seja esclarecido que a remanescência de tais institutos se deu pela via negociada,obedecendo aos trâmites democráticos de nosso sistema de direito vigente.180 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.10: o termo “primário” é usado aqui como forma de evidenciar quehistoricamente, a coletivização de representação de interesses se deu, inicialmente, no ambiente dotrabalho, conseqüência da super-exploração da mão-de-obra e da necessidade por parte doempresariado despontante, de regulação das demandas e reivindicações sociais.
67
4.3 Os novos limites institucionais do dissídio coletivo de trabalho
A principiologia constitucional trabalhista no atual sistema, vigente desde
1988, sempre prestigiou a auto-composição das lides como forma fundamental de
solução de conflitos coletivos de trabalho.
Contudo, a sistemática negocial pré EC 45 possuía idiossincrasia sintomática
derivada de uma inversão da lógica181 sindical, expressa, sobretudo, nos institutos de
solução negociada de contendas.
O negócio iniciava-se sob a égide do Ministério do Trabalho (Art. 616, §1º c/c
Orientação Jurisprudencial n.º 24), Sessão de Dissídios Coletivos do Tribunal
Superior do Trabalho. Vencida essa etapa, sem a pacificação do litígio, passava-se à
faculdade do arbitramento; esta também não logrando êxito, servia de elemento
probatório da tentativa prévia de negociação coletiva, que era considerada condição
especial para instauração da instância de dissídio coletivo.
4.4 O poder normativo da Justiça do Trabalho
O dissídio coletivo era considerada atividade jurisdicional típica, marcada
fundamentalmente pela natureza arbitral obrigatória182 heterocompositiva, haja vista
ser o Estado considerado terceiro, independente das partes, o elemento chave na
solução da contenda.
181 FRENCH, John D. op. cit. p.28: o autor, embora não fosse o objetivo primordial em sua obra“Afogados em leis”, trabalha a tese da inversão institucional da lógica sindical. Também entende quea sistemática de nossa legislação trabalhista foi montada como parte integrante de um ideáriocontrolador, corporativista, que regula o movimento das massas proletárias, atendendo aos interessesdo capital.182 HINZ, Henrique Macedo. op. cit. p.127: segundo este autor, “o Brasil prevê, em sede constitucional(art. 114, §2° da CF), a arbitragem obrigatória (heterocomposição) para a solução de conflitoscoletivos de trabalho que sejam submetidos ao Judiciário Laboral.”
68
Com a premissa normativa, a Justiça do Trabalho operava no vácuo
normativo com seus argumentos de aparente isenção183 do discurso da magistratura
trabalhista de segundo grau, disposições convencionais e legais mínimas de
proteção ao trabalho destinadas ao abrandamento das tensões da resistência
patronal às reivindicações operárias.184
Novos contornos foram traçados à possibilidade de incidência do instituto nos
embates trabalhistas concretos. Mantiveram-se intocadas as disposições atinentes à
regulação subsidiária do instituto na espécie econômica, que impõe respeito às
normas cogentes de ordem pública e às disposições negociadas anteriormente.
Nova condição especial, contudo, à instauração da instância foi disposta na
EC 45, que se consubstancia na necessidade de comum acordo entre os entes
coletivos em conflito. Agora, além da tentativa prévia de negociação, da recusa de
qualquer das partes ao instituto da arbitragem (que não é obrigatória), ainda sim, é
necessária manifestação anterior expressa para a propositura da ação. Nesse
sentido, Henrique Macedo Hinz explica que “atualmente, além do esgotamento do
processo negocial, exige o aludido dispositivo legal para a propositura do dissídio a
concordância da parte contrária.”185
183 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.43: o autor defendeque a dimensão dos argumentos da magistratura se politizam na medida em que a dimensãoconflitante dos conceitos jurídicos, componentes do discurso decisório, é aberta, suscetível desubjetividade e influências alheias ao universo exclusivo do direito positivo, já que ”...sua idéiafundamental de que a verdade das proposições jurídicas depende essencialmente de padrõesconvencionais de reconhecimento conquistou um amplo assentimento.”184 HINZ, Henrique Macedo. op. cit. p.127: o autor conceitua o poder normativo trabalhista “...como opoder constitucionalmente conferido aos tribunais trabalhistas para executar uma atividadejurisdicional, dirimirem os conflitos laborais mediante o estabelecimento de novas condições detrabalho, respeitadas as garantias mínimas já previstas em lei.”185 Ibidem, p.142.
69
Discorda-se, porém, em sede doutrinária da prática recente, expressa nas
palavras do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais186, ao
explicar que:
[...] no TRT mineiro, não estamos extinguindo, por despachomonocrático, ante a ausência de possível pressuposto processual,qualquer dissídio coletivo de natureza econômica, pela falta do citadocomum acordo, deixando assim que a matéria vá sempre a crivo daseção especializada de dissídios coletivos do Tribunal, para o seudevido exame e com o julgamento comportando os recursos própriospara poder ser efetivamente pacificada a discussão.
O princípio constitucional processual do comum acordo não pode receber
interpretação com extensão tal que lance letra constitucional auto aplicável,
impositiva, ao vazio da mera faculdade eletiva dos litigantes, especialmente se
considerado enquanto via desencorajadora das soluções auto-compositivas dos
conflitos coletivos de trabalho.187
No caso, trata-se de princípio constitucional tendente ao afastamento da
inversão lógica do sistema, no qual a inércia dos negociadores colimava na
construção de regras marcadas pela isenção objetiva, mas impregnadas de
conteúdo político contextualizado nas demandas setoriais dos agentes econômicos.
Não se trata da defesa da petição conjunta, no sentido literal do termo, mas
da evidência clara do mútuo acordo para o cabimento da instância. Tal intento
pode ser conseguido ainda na mesa redonda no Ministério do Trabalho, por acordo
186 Márcio Ribeiro do Valle é o atual juiz do TRT-MG e autor do artigo “Dissídio Coletivo - EC 45 -inexistência de óbice ao exercício do direito de ação”, publicado na Revista do TST, IOB, em 2005.187 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr,2005. p.804: o autor afirma que “entre os inúmeros fundamentos que empolgam essa afirmação,podemos destacar a opinião corrente de que a função anômala do Poder Normativo da Justiça doTrabalho, como criador de normas heterônomas gerais e abstratas aplicáveis às categoriasprofissionais e econômicas e que produzirão efeitos nas relações individuais de trabalho, inibe oudesencoraja a desejável solução democrática da auto-composição dos conflitos coletivos adotada emquase todas as democracias contemporâneas.”
70
celebrado junto ao Ministério Público do Trabalho - MPT - ou por declaração
expressa registrada em cartório de registro de títulos e documentos ou, ainda, no
caso extremo, de acordo extrajudicial com eficácia executiva, obedecidos os
requisitos do Artigo 585 do Código de Processo Civil brasileiro.
A falta do comum acordo deve ser analisada de plano pelo juiz ou, ainda, pelo
escrivão da secretaria, responsável pela verificação dos requisitos de regularidade
formal do processo, quando da execução dos atos expediente, antes de determinar
a citação.
Portanto, a tentativa prévia de negociação, enquanto procedimento especial e
condição específica para a propositura da ação, soma-se agora ao comum acordo,
que deve ser expresso, o que em momento algum exclui da apreciação do Judiciário
a análise da demanda, mas, mormente, a condiciona como requisito especial.
Quanto aos processos recebidos e processados sem o comum acordo, tem-
se que estes estão viciados por irregularidade formal, cabendo às partes coletivas, a
qualquer dos representados, e ao Ministério Público do Trabalho, a propositura das
querelas nulitatis para cada caso.
No que tange ao dissídio de natureza jurídica, tem-se que a esta modalidade
de exercício do poder normativo não restou modificação aparente, dada a
peculiaridade de seu objeto, a cuja incidência de conteúdo de lógica reversa opera
em menor escala, posto necessidade de instrumento negocial anterior ou, ainda,
norma cogente inafastável. A tentativa prévia de negociação e o comum acordo não
se colocam como anteposto processual nesta instância, seja como condição ou
pressuposto.
No que tange ao dissídio de greve, aduz-se que modificação relevante
também não se operou nesse instituto. O MPT passou a ter legitimidade em nível
71
principiológico para a propositura de tal instância, contingenciada à defesa da ordem
jurídica ou ao interesse público, o que, na prática, não trouxe modificação
significativa ao instituto.188
Ainda em relação ao dissídio coletivo de greve, fica de fácil percepção que a
natureza do instituto conduz a instância a ter carga jurídica com amplo conteúdo
declaratório, seja declarando (ou não) a abusividade de seu exercício; seja
regulando questão inerente à qualificação dos dias parados enquanto suspensão ou
interrupção do trabalho; ou, ainda, regulando as condições do objeto de disputa
jurídica.
No entanto, no que tange às questões de natureza econômica, por ter
regulação própria a instância especial de greve, tais disposições não se sujeitam aos
requisitos do dissídio econômico regular. Contudo, cumpre ressaltar que a instância
de greve é exceção à regra geral e que, como tal, deve ser interpretada
restritivamente. No dissídio de greve, os limites do poder normativo, para questões
de cunho econômico, são os da regra geral, devendo incidir no vácuo normativo,
respeitando-se as normas de ordem pública e as disposições anteriormente
negociadas.
A EC 45 visou a regulamentação do instituto que inviabilizava, pela via da
supervalorização da inércia e da conseqüente inversão da lógica sindical, a eficaz
negociação por parte dos litigantes coletivos.
Novo conteúdo regulatório foi dado ao instituto do dissídio coletivo, que
apesar de manter sua natureza de provimento jurisdicional, assemelha-se, diante
188 SARAIVA, Renato. op. cit. p.850: este autor, entretanto, afirma que: ”todavia, conforme jámencionado, entendemos que o Ministério Público do Trabalho somente deverá propor instância degreve, caso ocorra greve em atividades essenciais, com possibilidade de lesão ao interesse público,pois, nesse caso, estaria o órgão Ministerial defendendo o interesse difuso de toda a coletividadeameaçada pela paralisação de uma atividade elencada como essencial.”
72
dos atuais contornos conceituais, à uma espécie do gênero arbitragem189,
caracterizado em específico pela sua publicização. Grande contingenciamento de
índole principiológica, inafastável pela legislação infra-constitucional, foi aposto ao
referido instituto jurídico.
Por determinação constitucional expressa, o MPT ganhou legitimidade à
propositura contingenciada, o que derroga as disposições infra-constitucionais em
contrário.
Hoje os sindicatos estão diante de uma via de mão única e sem saída: o
fortalecimento de sua atividade negocial.
189 GIGLIO, Wagner; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. op. cit. p.406: ressalte-se aqui a exposição dosautores, para quem “a Organização Internacional do Trabalho recomenda, preconiza, favorece eincentiva a negociação coletiva como a forma mais satisfatória, apesar de conviver com a mediação ea arbitragem, como formulas alternativas.”
73
5 O NOVO MODELO SINDICAL: PERSPECTIVAS
A nova divisão transnacional do trabalho envolve a redistribuição das
empresas, corporações e conglomerados por todo o mundo. Em lugar da
concentração da indústria, centros financeiros, organizações de comércio, agências
de publicidade e mídia impressa/eletrônica nos países dominantes, verifica-se a
redistribuição dessas e outras atividades por diferentes países e continentes. Tanto
é assim que a nova divisão transnacional do trabalho e produção implica outras
formas de organização social e técnica do trabalho e de mobilização de força do
trabalho, quando se combinam trabalhadores de distintas categorias e
especialidades, de modo a se formar o trabalhador coletivo desterritorializado. Nesse
sentido é que o mundo parece ter transformado-se em uma imensa máquina.190
O impacto inicial da globalização é o arrefecimento ou o surgimento da
competitividade internacional. A busca pela maior contenção possível de gastos
coloca em prova tanto a formatação jurídica das empresas quanto à capacidade de
fabricação de um produto; uma expressão clara desse fenômeno são as subdivisões
administrativas e cisões em empresas, resultado da racionalização de aspectos de
organização corporativa e diminuição de estoques/procedimentos nas atividades
empresariais.
Tais empresas tornam-se externamente mais econômicas, em decorrência de
uma produção mais enxuta.191 Esses aspectos podem ser encontrados em empresas
transnacionais, onde o núcleo empresarial apega-se apenas a tomadas de decisões
estratégicas e a comercialização do produto final, não participando do beneficiamento
190 Cf. IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p.13/14.191 Cf. ZACHERT, Ulrich. Globalização e mundo do trabalho - perspectivas jurídicas. Revista Impulso.Piracicaba: Editora Unimep, set. 2003. p.57-71.
74
da matéria-prima (em produto beneficiado): são as chamadas controladoras, ou seja,
o núcleo das transnacionais.
5.1 A Teoria de Nash e a lógica sindical
A inevitabilidade da venda da força de trabalho pela massa que não detém
capital (leia-se qualquer riqueza material) e sua exploração desmesurada, promove
a identificação de um grupo bem definido de pessoas e a percepção de que
possuem interesses hegemônicos.192
Maurício Delgado Godinho, descreve o movimento obreiro como uma
coligação de interesses comuns para enfrentar o discurso do empresariado, detentor
de capital. De acordo com o autor:
O movimento sindical desvelou como equívoca a equação doliberalismo individualista que conferia validade social à ação do sercoletivo empresarial, mas negava impacto maior à ação dotrabalhador individualmente considerado. Nessa linha, contrapôs aoser coletivo empresarial também a ação do ser coletivo obreiro. Ostrabalhadores passaram a agir coletivamente, emergindo na arenapolítica e jurídica como vontade coletiva (e não mera vontadeindividual).193
Ao contrário de Adam Smith, para quem os melhores resultados surgem
quando cada um no grupo olha pelos seus próprios interesses, para Nash o melhor
resultado surge a partir da compreensão de que as pessoas “...simplesmente não se
comportam de maneira puramente competitiva”194, pelo menos não o tempo todo.
192 Cf. AROUCA, José Carlos. op. cit. p.482.193 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.1276.194 NASAR, Sylvia. Uma mente brilhante. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.110: esta autora afirmaque “.. as pessoas simplesmente não se comportam de maneira puramente competitiva. Ou melhor,elas não se comportam assim o tempo todo. Na verdade, elas agem por conta própria. Mas, tambémcom muita freqüência , elas colaboram, cooperam, fazem acordos, evidentemente visando também oseu próprio interesse. Elas se filiam a sindicatos, formam governos, montam grandes empresas ecartéis.”
75
Nash introduziu o teorema do equilíbrio à teoria dos jogos, fundada no
teorema miramax195 de Von Neumann, “...introduzindo a distinção entre os jogos
cooperativos e os não cooperativos”196, usando o conceito de equilíbrio, no qual cada
jogador escolhe a melhor resposta ao que os outros fazem.197 Ou seja, nos jogos de
estratégia os membros do grupo devem olhar pelos seus próprios interesses e
simultaneamente pelos interesses do grupo.
A importância do pensamento de Nash transcende sua área de
especialização, uma vez que diante das complexas relações da sociedade atual, o
direito positivo laboral não pode ser um sistema fechado em si mesmo, voltado
apenas à regulação dos subsistemas sociais do trabalho, sob pena de cair no
desuso, descaso e descrédito.
De acordo com Sylvia Nasar, a Teoria de Nash se aplica às relações jurídicas
derivadas do discurso comum e exploração da força de trabalho, haja vista que
“Nash chegou à sua idéia essencial - a idéia de que a barganha dependia de uma
combinação de alternativas em que se apoiam os negociadores, e os benefícios
potenciais de se realizar um acordo...198
Em sentido natural, no ambiente de trabalho há uma concentração de
pessoas formando um grupo espontâneo, informal e desregulamentado, que não
tem objetivos ainda bem definidos, mas já encontram-se ligados por um laço em
comum, apesar do sistema que empurra para a fragmentação produtiva, defendida
195 NASAR, Sylvia. op. cit. p.104: referência à obra ‘The Theory of Games and Economic Behavior’,em que “ os autores afirmavam que uma nova teoria de jogos era “o instrumento apropriado para sedesenvolver uma teoria de comportamento econômico.”196 Ibidem, p.120.197 Ibidem, p.122: segundo a autora, “Nash definiu o equilíbrio como uma situação em que nenhumjogador poderia melhorar sua posição escolhendo uma estratégia alternativa disponível, sem que issoimplique que a melhor escolha feita particularmente por cada pessoa levará a um resultado ótimo.”198 Ibidem, p.112.
76
pelo Toyotismo. Todavia, aqueles que interagem sabem que a troca de queixas e
informações assume nitidez as aspirações comuns.
Logo, em razão da persistência, o grupo adquire forma e seus membros em
seu nome assumem deveres, passando a agir na consecução dos objetivos
imanentes, como sobrepor-se à exploração daqueles que detinham os meios de
produção, mediante melhor retribuição à força de trabalho e condições mais
humanas para sua execução, o que cria uma interdependência característica dos
jogos de estratégia defendidos por Nash.
O sindicato materializa, assim, a associação natural dos trabalhadores e
historicamente objetiva a soma de forças em uma unidade duradoura para a
obtenção de melhores condições de trabalho e afirmação no contexto social e
político.
Aparentemente, a ideologia é determinada conforme os ciclos de história, sua
ação contestatória e colaboracionista, mas como regra o sindicato, em sua essência,
é órgão de luta, reivindicatório e confrontador do Estado, provocando muitas vezes
sua retaliação/controle; por isso, não se pode admitir o sindicato preso ao Estado,
controlado pelos empregadores, conduzido pela igreja ou partidos políticos.
Trata-se aqui da produção local de uma integração solidária, obtida mediante
solidariedades horizontais internas, cuja natureza é tanto econômica, social e
cultural, como propriamente geográfica.
Na busca da sobrevivência do conjunto, não importa que diversos agentes
tenham interesses diferentes ou que obtivessem melhores resultados se
escolhessem estratégias individuais; a questão depende do exercício da
77
solidariedade, indispensável ao trabalho, e que gera a visibilidade do interesse
comum enquanto jogo cooperativo.199
A liberdade coletiva exige associação capaz de servir a uma vontade
substancial autônoma e cooperante, que demanda o objetivo racional da libertação
dos homens das correntes da necessidade e da causalidade, colocando-os numa
situação onde possam encontrar satisfação recíproca no cumprimento de atividades
com fim em si mesmas.
Presente o nexo que liga liberdade individual e solidariedade social, a
liberdade pode ser entendida como uma autodeterminação coletiva, que estrutura-se
por meio de processos comunicativos traduzidos em normas e instituições, mas
orientados, porém, por um princípio ético-normativo de fundo: o direito de todos os
cidadãos a desenvolver suas próprias potencialidades e capacidades, e a satisfazer
suas necessidades, da maneira mais igual, solidária e cooperativa possível.200
A consciência já não deriva da relação de classe entre o capital e o trabalho e
o jogo da globalização é a própria fragmentação. A necessidade de capitalização
conduz a adotar como regra a necessidade de competir em todos os planos,
passando para um terreno muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e de lutas
pelo poder, num sistema de solidariedade semelhante a um clã que contenha
relações de sociais hierarquicamente ordenadas e num esquema de exploração
altamente disciplinado e competitivo, que atenda às encomendas do capital
multinacional.201
Pode-se dizer, então que, em última análise, a competitividade individualizada
acaba por destroçar os antigos discursos solidários, freqüentemente horizontais, e
199 Cf. TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.110.200 Cf. BOBBIO, Norberto. Três conceitos de liberdade. Rio de Janeiro: Novos Rumos, 1997. p.10.201 Cf. HARVEY, David. op. cit. p.146.
78
impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica,
localmente obediente a interesses globais mais poderosos e, desse modo,
indiferente ao entorno.
As solidariedades horizontais preexistentes refaziam-se historicamente a
partir de um debate interno, levando a ajustes inspirados na vontade de reconstruir,
em novos termos, a própria solidariedade horizontal. Já, agora, a solidariedade
vertical que se impõe exclui qualquer debate local eficaz, já que as empresas
hegemônicas têm apenas dois caminhos a escolher: permanecer para exercer
plenamente seus objetivos individualistas ou retirar-se.
Não importa para a sobrevivência do conjunto que diversos agentes tenham
interesses diferentes, mas tal sobrevivência depende desse exercício da
solidariedade indispensável ao trabalho e que gera a visibilidade do interesse
comum.
Como se deu na fase anterior do desenvolvimento do capitalismo, não se
trata mais de enfrentar desafios econômicos, mas desafios sociais. O jogo sutil da
globalização também requer um tratamento adequado, à sua altura, sob pena de se
ver aniquiladas todas as tentativas concretas de oposição social ao fenômeno. Trata-
se da construção da autonomia coletiva capaz de defender interesses coletivos
imediatos, mas sem afastar o compromisso natural de construir uma sociedade justa
e igualitária.
5.2 O sindicato moderno e os interesses dos trabalhadores no empreendimentoeconômico
Após a Revolução Industrial, a superação do fordismo e o polimento dado
pelo taylorismo ao ambiente de trabalho, observa-se um mercado voltado à redução
de mão-de-obra para a diminuição de custos operacionais, empurrando todos,
79
inclusive as próprias empresas, a se tornarem enxutas e dinâmicas
economicamente, sob pena de se verem aniquiladas pelo próprio mercado.
Verifica-se, no âmbito das relações sindicais, o incremento da preocupação
com uma prática participativa e solidária no empreendimento, na medida em que
procuram organizar as atividades relativas à produção, ao trabalho e à gestão, de
forma a permitir maior nível de participação dos trabalhadores, tanto no que se
refere às decisões pertinentes ao cotidiano do trabalho, quanto aquelas relacionadas
ao planejamento geral da organização, ou seja, criou-se o pacto de
sustentabilidade202 entre empregados e empregadores, com o cunho de, por um lado
manter seus empregos e, de outro, o empreendimento.
Nesse sentido, procuram, ainda, garantir transparência em todas as ações do
grupo dirigente, por meio de reuniões periódicas de gestão, troca de informações e
breves consultas.
O planejamento participativo apresenta-se como alternativa para a reação ao
processo de desemprego e precarização social. Evidencia-se este fato,
especialmente nas últimas décadas, por meio do notório crescimento de
experiências diversificadas e inseridas nos mais diferentes setores sócio-
econômicos.
Não obstante, o fato de representar em alguns casos a única possibilidade
concreta de manutenção de postos de trabalho, o planejamento ou pacto de
sustentabilidade está incidente, com distintas propostas de organização da produção
e do trabalho, apoiando-se em diferentes matizes ideológicas.
202 Nomenclatura utilizada pelo Instituto Educacional Piracicabano, na portaria 06/07 do Diretor Geral,com fito de instauração de trabalhos para o planejamento participativo para o enfrentamento decrises.
80
Os acordos e parcerias estão, assim, submetidos à lógica da própria empresa
sem, entretanto, determinarem seus fins. A complementaridade que se dá entre os
parceiros limita-se ao plano vertical203, havendo nesse ambiente de integração uma
troca de experiências que se somam. Permanece a hegemonia da organização
tipicamente capitalista; porém, com participação direta da representação dos
trabalhadores na construção da estratégia comum para o enfrentamento das
adversidades inerentes ao mercado.
A busca por espaços de participação, especialmente no que concerne às
condições de trabalho, está intimamente ligada a retomada de valores associativos e
cooperativos, tudo com ênfase na conformação do discurso comum. Visa-se a
construção e parametrização de orientações das ações empresariais pela
perspectiva interna dos atores sociais.204
Sob tal via de análise, o pacto de sustentabilidade nos possibilita verificar que,
diante das condições marginais de influência sobre a relação de trabalho, a própria
eficácia social da regulação jurídica dos contratos de trabalho reproduzem
interações seletivas na construção de um consenso de resistência reflexiva.205
O capital e o trabalho devem caminhar juntos convergindo forças e interesses
por meio da ligação em rede.206 A concorrência entre os trabalhadores prioriza a
203 Entenda-se por tal expressão a decisão tomada no plano estratégico da alta administração doempreendimento.204 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.31: trata-se da Teoria da Clausura Operacional, desenvolvidapor Teubner, para quem “elas objetivam romper a fixação da sociologia jurídica empírica pelapsicologia dos atores, a orientação subjetiva de ação, a perspectiva interna dos atores, e torná-lamais aberta às particularidades estruturais dos sistemas sociais, dos discursos, dos processos decomunicação ou como quer que se queiram chamar as configurações sociais autônomas.”205 Ibidem, p.33-34: nesse sentido, o autor entende que “os desvios de temperatura, assim, são osque controlam o termostato, e, respectivamente, os desvios jurídicos controlam o direito, e não ocontrário, como sugere a compreensão humana sadia de Opp, Dieckmann e companhia: será quecom isso a crônica não nos revela os paradoxos da auto-referência?.”206 Ibidem, p.35: para este autor, “o problema é que os objetivos se modificam continuamente sob ainfluência dos efeitos sociais das próprias medidas jurídicas.”
81
construção da organização coletiva do trabalho a partir de um capital comum: o
discurso comum de resistência.
82
6 O PLURALISMO DEMOCRÁTICO E O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL DOSDISCURSOS INCIDENTES
A tese utópica do ordenamento jurídico auto-construtivo retoma importância
no contexto do avanço da desreferencialização dos modelos de exploração do
capital e de todos os reflexos sociais daí derivados, na medida em que a Sociologia
do Direito busca meios de integração do conteúdo das novas tipologias jurídicas
surgidas no mundo do trabalho, ao ordenamento jurídico positivo do Estado.
Essa tese do direito auto-construtivo funda-se na idéia de que a ênfase da
evolução da cultura jurídica situa-se na própria evolução da sociedade. Trata-se da
constatação de que as redes de intercâmbio instrumental, que se espalham
globalmente fragmentadas, criam uma tensão nos padrões de comunicação social,
que tende ao rompimento, originando a fragmentação social operada localmente,
despolitizada, mas que apresenta objetivo claro quando analisada sob o enfoque
econômico.
Nesse contexto, retoma-se as posições de Eugene Ehrlich, defensor da idéia
de que na Bukowina207 não era a política, mas a sociedade civil quem criava, para
sua própria regulação, o seu direito. Trata-se da defesa da convenção social para o
reconhecimento do direito no plano local, o que reitera a força da discussão
democrática regionalizada.
Ressalte-se, desde já, que o Direito só pode ser interpretado adequadamente,
na medida em que as concepções do ordenamento jurídico se conduzem no sentido
do pluralismo das fontes normativas, a partir da fragmentação dos discursos sociais.
207 Eugene Ehrlich desenvolve a tese do direito auto construído, via regulação dinâmica, independentementedo Estado. Em sua obra, Ehrlich cita a região da Bukowina, que é uma região histórica ao nordeste dosCárpatos, dividida territorialmente entre a Romênia e a Ucrânia. É a parte mais alta da Moldávia histórica.
83
A análise do Direito, enquanto processo auto-construtivo, é elemento
fundamental para a compreensão da recursividade208 social e para as mudanças da
estrutura espacial da ordem normativa para interligação discursiva, intensificada pela
reformulação do regime de acumulação de capital que encontra respaldo no estrito
acoplamento aos processos de interação social e econômica , o qual contribui para a
redefinição das concepções acerca da construção normativa atual.
O Direito é acoplado a processos específicos, mas irradiando, em um
processo de expansão circular, um novo conteúdo a todo o complexo das
construções jurídicas da sociedade.
A grande dimensão do conjunto das transformações que esse processo de
fragmentação social do trabalho opera, situa-se na conjuntura da integração do
ideário coletivo - representado pelos interesses comuns - e conduzido sobre a égide
da política social, cuja repercussão se projeta nos procedimentos econômicos da
sociedade civil, conseqüência de sua relativa independência política e autonomia
regulatória.
Nessa linha, Teubner209 sustenta que os fragmentos sociais e seus discursos
operam, em escala mundial, sob a égide de uma dinâmica própria da multiplicidade
dos subsistemas sociais, no complexo ambiente da sociedade global. A própria
globalização se dá por meio de um “...processo extremamente contraditório,
integralmente fragmentado de globalização, impulsionado pelos sistemas parciais
individuais da sociedade em velocidades distintas.”210
208 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: coerente a posição deste autor, para quem recursividadepode ser descrita como a duplicação da produção de sentido das operações normativasrepetidamente aplicada.209 TEUBNER, Günther. “A bukowina global sobre a emergência de um pluralismo jurídicotransnacional”. Revista Impulso. Piracicaba: Editora Unimep, set. 2003. p.9-31: tese defendidatextualmente pelo autor ao expor que “...outros subsistemas sociais já começaram a formar umaautêntica sociedade mundial, ou melhor, uma quantidade fragmentada de sistemas mundiaisdistintos.”210 Idem, p.9-31.
84
A reestruturação econômica está a construir uma sistemática normativa em
paralelo ao direito do Estado. É como se, nesse contexto de transnacionalização, a
construção normativa operacional das relações econômicas estivesse a criar um
aparato normativo sem relação com a política nacional, mas ligada à regulação do
espaço micro regional de interação social.
Trata-se da evidência da construção de uma ordem jurídica de fora para
dentro, numa flagrante inversão da ordem escalonada do Direito defendida pelos
positivistas; a negociação contratual, enquanto ato periférico e acessório de ordem
executiva no ordenamento jurídico211, está conduzindo a construção da ordem
normativa global a partir da recepção de normas socais difusas, tendentes à
reconecção do Direito aos subsistemas funcionais e organizacionais de trabalho no
âmbito sindical.
Está-se diante de um ponto em que a ênfase na construção e
desenvolvimento do Direito está se deslocando, definitivamente e em âmbito global,
para dentro dos próprios compartimentos da sociedade, que passa por tensões de
fragmentação, em especial no campo do trabalho.
O Direito está surgindo a partir de uma identidade antropológica212, decorrente
dos contextos próprios da fragmentação a que a reorganização funcional da
sociedade, agora em redes especialíssimas de trabalho, reclama. Tem-se, portanto,
um realinhamento da sociedade, em termos de construção jurídica, ao conjunto da
tese defendida por Erlich para Bukowina.
211 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Polis; Universidade deBrasília, 1990. p.51: no capítulo 2 da obra em questão, intitulado “A unidade do ordenamentojurídico”, o autor defende a tese de que o ordenamento jurídico é composto de fases que são aomesmo tempo executivas e produtivas, à exceção da fase de grau mais alto e da fase de grau maisbaixo, pois este é constituído apenas pelos atos executivos e aqueles por produtivos.212 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p.23: o autor afirmaque “em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca pela identidade coletivaou individual, atribuída ou construída, torna-se fonte básica de significado social.”
85
No conjunto das redes globais de intercâmbio instrumental, no qual decisões
estratégicas são transmitidas em segundos e a partir de um sistema independente
de intercomunicação global em tempo real, é fato a existência de contratos auto
reguladores, independente dos direitos nacionais ou internacionais, enquanto
instrumentos fundamentais de produtividade, transmissão de riquezas e poder
simbólico-social, decorrente das próprias condições tecnológicas de integração
sócio-econômicas.
O sentido dos negócios se autonomiza no plano econômico-global a partir de
uma linguagem comum. Nesse sentido, a regra de legitimação fundamenta sua
validade no discurso simbólico a que ela se refere; como também o são os discursos
representativos dos anseios coletivos, ainda que fragmentários.
O instrumento de negociação no novo ambiente de produção é reconhecido
como norma e sua referência de validade estabelecida enquanto elemento inerente
à negociação objetivada. Trata-se da sobrelevação dos eventos comunicativos -
fatos sociais - e dos atos jurídicos ao status de fonte de validade do Direito. É a
evidenciação da assimetria das fontes do Direito enquanto discurso jurídico reflexivo
aos processos de auto reprodução da sociedade.213
O próprio Direito, negociado a partir dessa construção recíproca de
conjugação de interesses compartimentalizados em rede, fundados na difusão de
informações, tecnologia e circulação de bens e serviços em diferentes contextos
sociais e institucionais, desloca a vigência da normas auto-produzidas do conceito
arcaico de sanção enquanto meio estatal de manutenção da ordem.
213 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.86: este autor entende que “pluralismo jurídico significa,assim, o direito mais voltado ä sociedade, não por aumentar os seus conhecimentos sociais eeconômicos, mas por aproveitar a sincronia entre operações jurídicas e sociais, de modo a melhorarseus conhecimentos implícitos.”
86
Trata-se da verdadeira decadência do papel tradicional da sanção como
concepção geral para a definição do conteúdo e significado do Direito, na medida
em que a realidade simbólica da vigência avança em dimensão autônoma à própria
noção de sanção e Estado.
A pretensão de vigência do discurso jurídico se lança à auto afirmação por
meio da legitimação, via consagração da conveniência social. O conceito de norma,
enquanto expressão de dever regulado pela sanção jurídica, perde conteúdo e
prescinde do status de categoria jurídica básica do ordenamento jurídico.
O sentido da redefinição estrutural da concepção do ordenamento jurídico se
conduz no sentido da convergência periférica enunciativa dos eventos fáticos,
origem dos atos jurídicos no conjunto da fragmentação global.
A indissociabilidade epistemiológica entre moral e lei, que se opera pela
imbricação principiológica dos valores socialmente reconhecidos e sua expressão
política, que revela-se imperativa, juridicizam-se como verdadeiras balizas de
conteúdo normativo aos instrumentos que formados a partir da linguagem coesa dos
fatos e origem das relações jurídicas globais. A especificidade da identidade coletiva
torna-se fonte básica de significado social.
Evidencia-se, assim, o paradoxo da auto referencialidade, posto que o ato
regulador é ao mesmo tempo regulado num ambiente que oscila entre a estabilidade
e a instabilidade, em uma fluidez conceitual na qual o próprio instrumento negocial é
capaz de estatuir regras em flagrante escalonamento hierárquico de meta-contratos,
que hão de surgir em decorrência da necessidade de soluções incidentes ao curso
da execução do instrumento principal.
87
6.1 Da sociologia do trabalho ao sistema social: a mitigação da racionalidadevalorativa dos sistemas normativos heterônomos
No âmbito das discussões coletivas do trabalho, a analise da efetividade214 do
Direito torna-se imperativa, uma vez que é no campo das relações de direito,
decorrentes do ambiente de trabalho, que os embates sociais ocorrem de maneira
mais intensa e objetiva, tendo em vista os conflitos de intenções diretivo-normativas
evidentes nos discursos sociais envolvidos no ambiente de trabalho.
Os compromissos normativos, assumidos em termos de Direito do Trabalho,
evidenciam a cara existência no direito juslaboral das chamadas orientações
concorrentes de Direito, o que torna evidente a plausibilidade de conflitos entre
normas oficiais e não oficiais, principalmente a existência de motivos de interesses
dos agentes conflitantes.
A colisão de orientações normativas derivadas da ampla regulação, tanto
autônoma quanto heterônoma do Direito do Trabalho, convergem numa espécie de
agir coletivo a partir de uma racionalidade axiológica de cunho valorativo dirigida
pela intenção dos agentes, mas em conflito com as circunstâncias de exploração
econômica do ambiente externo ao do trabalho.
Nesse sentido, a compreensão do fechamento dos discursos sociais
trabalhistas em relação ao Direito é capaz de influenciar sobremaneira o litígio
social, influenciando significativamente a efetividade da regulação jurídica. O embate
dos discursos conflitantes cria, em si, uma espécie de conflito comunicativo, fruto de
uma inconciliável dissociação de interesses e regras do ambiente de trabalho que,
214 O conceito de efetividade do direito a que se pretende evidenciado é tanto no sentido da observânciadas normas jurídicas quanto na análise de eficácia das mesmas.
88
diante do conflito de discursos, se fecham em verdadeiras clausuras operacionais
das configurações sociais autônomas.215
Do conflito dos discursos dos agentes, a confusão recursiva torna-se
evidente, mediante à contínua mudança de influências a que as intenções sociais
derivam em face das medidas jurídicas nesse ambiente especial de interação social,
que é o local de trabalho. Entende-se, assim, que as normas heterônomas sofrem
interpretações fundadas em pressões decorrentes das expectativas sociais dos
agentes.
Portanto, a leitura da normatividade passa por variações derivadas da
ressurgência dos fatos no ambiente social e da subjetividade da apreciação dos
mesmos, ou seja, é a dinâmica processual recursiva216 que deriva da leitura não
linear dos eventos sócio-laborais pelos agentes envolvidos.
O choque de interesses entre os agentes laborais é reestruturado a partir de
uma leitura do contexto próprio, considerando-se as variáveis do ambiente
conflituoso, evidenciando que as distintas leituras do direito convencionado são
elementos da estrutura do sistema social.
A efetividade do Direito, portanto, é contingenciada nesse ambiente específico
de trabalho e sujeita à capacidade de irritação dos sistemas recursivos e à
coordenação convergente217 em face da recursividade da leitura dos agentes ao
objetivo legal instituído.
215 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: o autor defende a idéia de que os agentes sociais dotrabalho transformam seus interesses conflitantes em discursos sociais fechados, o que evidencia aintenção de resistência e embate.216 Ibidem, p.37: afirma o autor que “o veneno da recursividade pode ser fatal para as frágeisconstruções teóricas dos jus-efetivistas.”217 Ibidem, p.37: para o autor, o contingenciamento das condições circunstanciais dos eventos àrecorrência do fato cria a possibilidade do desvio interpretativo diante da dinâmica não linear dodesenvolvimento sistêmico da sociedade em rede.
89
A identificação do ponto fraco dos sistemas218 litigantes é a base para a
estimulação coordenada dos discursos a partir da irritação comunicativa dos
sistemas sociais envolvidos, partindo-se da norma jurídica enquanto elemento de
conteúdo valorativo e integrativo. Além disso, a força dos discursos integracionais
dos sistemas sócio-laborais consiste na sua fraqueza, ou seja, na própria natureza
do conflito. O embate, enquanto elemento da dinâmica dos sistemas sociais do
ambiente de trabalho, cria o espaço para a coordenação da forma de sua construção
ou reconstrução, a partir do ruído comunicativo derivado da intervenção
normativo/programática.
A relevância do negócio coletivo do trabalho evidencia-se, pois trata-se de
verdadeira forma de ação integrada capaz de acoplar estruturalmente os diversos
discursos incidentes sobre os fatos sociais do ambiente empresarial, em um
verdadeiro processo concreto de adaptação de comunicação social aos interesses
regulados heteronomamente, como um verdadeiro mecanismo de ligação e
harmonização de conflitos com eficácia jurídica ampla.
6.2 A fragmentação do discurso sindical como conseqüência do rompimentodo modelo de produção baseada na grande indústria
No âmbito do moderno conjunto de interações sócio-econômicas, decorrente
das transformações no ambiente de integração de mercados e acirramento de
competitividade/otimização de resultados, a função e posição dos sindicatos se
relevam, ao contrário do que se expecta, a partir da adoção conjugada de técnicas
de produção fragmentada.
218 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.38: nesse sentido o autor conclui que “...o problema dessaestratégia de atratores deve se pautar num jogo de tentativas e erros, de maneira a descobrir oporque da intervenção sensitiva, no qual a instabilidade procurada é desencadeada.”
90
Nesse novo contexto de integração, mundialização das relações sócio-
econômicas e dispersão produtiva, o papel do sindicato, enquanto agente de
transformação social, se vê profundamente modificado.
O modelo clássico de sindicalismo, que no fundo não passava de um mero
agente contratual com parcos objetivos de defesa das condições de trabalho, não
mais encontra posição defensável. Todo um novo conjunto de novas
responsabilidades e desafios reclamam mudanças de postura para a continuidade
do atendimento de seus fins institucionais.
O sindicato, nesse novo contexto de capitalismo avançado, tem a
incumbência de mediar a construção e defesa de todo um novo conjunto de
interesses advindos das classes representadas e do mundo do trabalho como um
todo.
É nesse contexto que a sociedade mundial e, em especial, o mundo do
trabalho, reclamam radical mudança de postura por parte das entidades de
representação coletiva, não mais se solidarizando com reclames eufemistas e
discursos saudosistas.
O reconhecimento desses novos desafios conduz as entidades de
representação sindical a aceitação dessa nova realidade, o que, por si só,
consubstanciar-se-á no primeiro passo para que, no conjunto, o papel dos sindicatos
enquanto interlocutor social se redefina.
A autonomia para a auto-composição das demandas, consagradas na Carta
Magna de 1988, aliada à posição absenteísta do Estado com franco alinhamento
neoliberal, conduziram as entidades de representação à auto gestão dos embates
trabalhistas, isentando o Estado de imputabilidade quanto ao acirramento das
adversidades decorrentes do ambiente recessivo e de altos índices de desemprego,
91
tanto estrutural quanto conjuntural, decorrentes das supramencionadas
transformações deste início de século.
Enquanto agente social que opera mudanças de resultado material no
conjunto da sociedade, o sindicato promove a transformação da massa operária em
categoria organizada, bem como, de acordo com Peres Botija, “...a sindicalização do
proletariado a passagem da condição de massa para a de classe.”219
Também nesse esteio, ressalte-se a posição do Direito do Trabalho e de todo
seu conjunto normativo dirigido à proteção e à regulação do labor, como
conseqüência de uma necessidade do capitalismo. A estabilização do ambiente de
trabalho e a regulação das reivindicações obreiras foram conquistas caras ao capital,
decorrentes de sua própria necessidade de manutenção do status quo operacional.
Daí, decorre o erro daqueles que entendem o Direito do Trabalho como
conseqüência de uma reação antagonista à exploração laboral.
Não importa quão adverso se torne o contexto de exploração da mão-de-obra;
sempre haverá a possibilidade de construção normativa regulatória, protetiva das
relações trabalhistas e, em antítese às posições assumidas pelos empregadores, um
ser coletivo obreiro, agente de conscientização e categorização das massas
laborais.
219 Apud MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. op. cit. p.26.
92
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se nessa pesquisa que o instrumental de representação coletiva dos
trabalhadores brasileiros foi construído com base na tentativa de retenção e
contenção dos movimentos espontâneos representativos dos anseios sociais.
O discurso comum representativo dos interesses dos trabalhadores, quando
organizado de forma sistemática e referencializada no enfrentamento dos problemas
cotidianos do ambiente laboral, como aconteceu no COB, em 1906, conflitava com
os interesses do governo e da sociedade civil, o que se intensificou com a falência
do modelo rural clientelista da República Velha, culminando na política facista
perpetrada pelo governo ditatorial de Vargas.
O modelo de repressão à agregação social e retenção dos interesses
trabalhistas remanesceu imperante na estrutura normativa do Estado, enquanto o
discurso desenvolvimentista de industrialização e urbanização continuou vigente, em
especial, considerando-se a rigidez do regime ditatorial militar da segunda metade
do século XX, culminando na Constituição Federal de 1988, a qual foi negociada
democraticamente, por contingência a estrutura de representação coletiva
remanescente da era Vargas.
A realidade do trabalho no Brasil continuou a variar, reestruturando-se
continuamente mediante adoção de novas formas de gestão e reenquadramento no
ambiente de competição globalizada.
Nesse contexto, novas formas de contratação e intermediação de mão-de-
obra e trabalho têm alterado as relações de trabalho de maneira significativa, com
variáveis e flexibilização de conceitos antes paradigmáticos da ordem juslaboral, o
que tem causado um conjunto de reflexos interativos de interimbricação de
93
influências na dinâmica não linear do ambiente de trabalho e, em especial, na
reconstrução da representação coletiva dos anseios sociais dos trabalhadores.
Os sindicatos tiveram suas funções institucionais alteradas, ampliando-se a
margem de atuação coletiva, reformulando-se a ação dos sindicatos, enquanto
atores sociais, de forma tendenciosa ao rompimento com o modelo estático e pouco
representativo oriundo do autoritarismo Varguista da década de trinta do século
passado.
A Emenda Constitucional n.º 45 reformulou a Justiça do Trabalho, alçando a
base para a futura e provável reforma sindical, a qual romperá com alguns dos
resquícios históricos da alienação da capacidade de convergência de interesses e
discursos comuns dos entes de representação sindical.
Atualmente, o que se coloca “em cheque” é a própria sistemática
justrabalhista, que trata de modo afastado da realidade sócio-laboral toda a gama de
variáveis interativas que, de maneira recursiva, causam perturbações no ambiente
de trabalho.
Contudo, a via de saída se dá através da valorização do trabalhador e do
local de trabalho enquanto ambiente próprio ao desenvolvimento de ação dos
agentes sociais, dos discursos comuns e da valorização da cidadania pela
construção acoplada de discursos integrativos do trabalho, enquanto elo de
interesses comuns na base do sistema social próprio do labor, ainda que em
constante tensão de fragmentação e adoção de novas técnicas gerenciais e de
contratação de mão-de-obra.
O direito reflexivo referente a Teubner, em que a fonte de definição e
afirmação de anseios e valores dos sistemas parciais “...enfatizam um cálculo
positivo de combinação de interesses, estimulando as partes a se conscientizar dos
94
ganhos possíveis com a substituição de posturas conflitivas por posturas
cooperativas...”220, evidencia a linha de exercício de instrumentação e conformação
social a que o sindicato moderno chegou (e se instrumentalizou) a partir das
alterações funcionais trabalhistas que reclamou a reforma constitucional - EC 45.
As estruturas de expectivas sociais têm se transformado em ritmos diferentes
e criando diferenciações funcionais, que tendem ao redimensionamento da estrutura
do direito positivo rumo a uma posição diferente no âmbito normativo, valendo-se da
abertura dos discursos incidentes nos sub-sistemas funcionais para sua inclusão na
estrutura jurídico-positiva.
A redução do papel do Estado como fonte de direitos e como arena de
participação social tende a criação de um ambiente de ação com múltiplas
possibilidades, uma verdadeira abertura cognitiva de auto regulação. O
processamento da decisão no sistema social, associada à crescente diferenciação
funcional dos inúmeros sistemas sócio-laborais e suas respectivas peculiaridades
ambientais, abrem espaço à ação sindical enquanto centro subsidiário de emanação
de normatividade, reconhecido pelo Estado e instrumentalmente utilizado como fonte
de auto regulação.
O sindicato é a base sobre a qual o Direito reconhece legitimidade e consagra
autonomia funcional para a regulação jurídica subsidiária dos subsistemas laborais.
Nesse sentido, a ação sindical é fonte de integração dos subsistemas de trabalho
funcionalmente diferenciados. É o agente social reconhecido pelo direito positivo
estatal capaz de desempenhar função atrativa à normatividade e conformação de
interesses dos trabalhadores.
220 FARIA, José Eduardo. op. cit., 2000. p.186.
95
O direito oficial do sindicato, conseqüência da reforma constitucional, ante à
complexidade das demandas trabalhistas e ao fortalecimento de sua matriz negocial,
tende a definição das dimensões de estrutura e função do subsistema sócio-laboral,
resguardando-se ao direito positivo estatal o desempenho da generalização das auto
regulações existentes.
O Direito do Trabalho positivo tem função de harmonização estrutural das
ordens sócio-jurídicas subsidiárias, investidas na função politicamente relevante de
descentralização normativa como conseqüência das diferenciações funcionais dos
discursos incidentes no ambiente de trabalho, pela via da auto regulação.
96
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