REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA DESNUTRIÇÃO INFANTIL … · investigação das Representações...
Transcript of REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA DESNUTRIÇÃO INFANTIL … · investigação das Representações...
-
REPRESENTAES SOCIAIS DA DESNUTRIO
INFANTIL PARA MES DE CRIANAS COM
BAIXO PESO
Vera Regina Hein Leal
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Ncleo de Estudos em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro para a obteno do ttulo de Mestre em Sade Coletiva, sob a orientao da Prof. Dr. Angela Arruda.
Rio de Janeiro 2004
-
REPRESENTAES SOCIAIS DA DESNUTRIO
INFANTIL PARA MES DE CRIANAS COM
BAIXO PESO
Vera Regina Hein Leal
Dissertao submetida ao corpo docente do NESC (Ncleo de Estudos em Sade Coletiva) da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre.
Banca examinadora:
Prof. Ivani Bersztyn,UFRJ
Prof. Maria de Ftima Siliansky de Andreazzi, UFRJ
Prof. Marilena Jamur , PUC- RJ
Luiz Fernando Rangel Tura, UFRJ
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2004.
II
-
Leal, Vera Regina Hein
Representaes sociais da desnutrio infantil para mes
com crianas com baixo peso. Rio de Janeiro: UFRJ/NESC,2004.
X, 115 p.
Dissertao Universidade Federal do Rio de Janeiro,
NESC, 2004. Orientadora: ngela Arruda.
1. Representao Social. 2. Desnutrio Infantil.
3. Observncia teraputica. 4. Dissertao (UFRJ/ NESC).
5. Angela Arruda.
III
-
AGRADECIMENTOS
A orientadora Prof. Dr. Angela Arruda por ter me introduzido no campo de
investigao das Representaes Sociais e ter me orientado de forma precisa, cuidadosa e
solidria em questes to delicadas como o cuidado materno, observncia teraputica e
desnutrio infantil.
Ao Prof. Dr. Luis Fernando Rangel Tura pela sua generosidade e apoio.
Aos Professores Doutores Luiz Fernando R. Tura, Ivani Bevisztyn, Maria de
Ftima Siliansky e Marilena Jamur pelas enriquecedoras contribuies durante o Curso e
nas bancas examinadoras.
Aos professores do NESC que tanto contriburam em minha busca acadmica.
A minha querida amiga Delvaci (NESC) pelo carinho, ateno em todos os
momentos do Curso.
A Dr. Maria de Ftima Maia pelo constante apoio e dilogos nos vrios momentos
deste Curso.
A Dr. Maria Aparecida Patroclo, pelas contribuies em segmentos importantes
deste trabalho.
As amigas Prof. Dr. Sonia Mendes, Dr. Prof Mrcia Mata pelo constante
incentivo e suporte logstico e Tatisa Almeida pela preciosa ajuda na elaborao de tabelas,
digitao e formatao do texto.
Ao meu marido Sebastio Cantarino Leal pelo desprendimento e compreenso em
muitos momentos durante a realizao do Curso.
As mes, as instituies que me apoiaram e acolheram no campo da pesquisa
proporcionando condies para a realizao deste trabalho.
IV
-
A todas as mes que, em busca de apoio
e cuidados aos seus filhos participaram efetivamente na realizao deste trabalho.
V
-
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................................. 1
CAPTULO I
CONTEXTOS DA DESNUTRIO INFANTIL
1. Para Compreender a Desnutrio ..................................................................................... 8
2. O Problema da Desnutrio no Brasil ............................................................................ 13
3. A Dimenso da Desnutrio Infantil no Brasil ............................................................ 17
4. Mortalidade infantil e causas .......................................................................................... 20
5. A Desnutrio, o Baixo Peso e suas implicaes para a Sade Coletiva ....................... 21
6. Breve Histrico da implantao e implementao do SISVAN ..................................... 26
7. Prticas sociais, prticas de sade e redes sociais da comunidade ................................. 27
CAPTULO II
ANTECEDENTES DA PESQUISA: PRIMEIROS PASSOS NA COMPREENSO
DO PROBLEMA .............................................................................................................. 30
1. Revelando o olhar dos profissionais ............................................................................... 31
2. O trabalho com as mes .................................................................................................. 34
CAPTULO III
REFERENCIAL TERICO E ESCOLHA METODOLGICA
1. Referencial terico ......................................................................................................... 36
VI
-
2. Escolhas metodolgicas ................................................................................................. 42
CAPTULO IV
AS MES E AS CRIANAS
1. As mes .......................................................................................................................... 46
1.1 Caractersticas das mulheres ........................................................................................ 46
1.2 Faixa etria das mulheres ............................................................................................. 47
1.3 Cor da pele .................................................................................................................... 47
1.4 Escolaridade ................................................................................................................. 48
1.5 Nmero de filhos .......................................................................................................... 48
1.6 Outros filhos com Baixo Peso ...................................................................................... 49
1.7 Religio das mes ......................................................................................................... 50
1.8 Mes que trabalham fora de casa ................................................................................. 51
1.9 Ocupao e profisso ................................................................................................... .51
1.10 Tipo de insero dos companheiros ........................................................................... 52
1.11 A criana na creche, na escola .................................................................................... 53
1.12 A casa onde moram .................................................................................................... 53
2. As crianas .................................................................................................................... 54
2.1 Histrias das crianas de Baixo Peso: o lbum ............................................................ 54
2.2 O pr-natal .................................................................................................................... 55
2.3 A gravidez .................................................................................................................... 55
2.4 O parto .......................................................................................................................... 56
2.5 O beb ao nascer ........................................................................................................... 57
2.6 A amamentao ............................................................................................................ 58
2.7 O beb cresce ................................................................................................................ 59
VII
-
2.8 O crescimento e o desenvolvimento do beb ............................................................... 60
CAPTULO V
O BAIXO PESO, A DESNUTRIO
1. A descoberta: percepo do Baixo Peso na criana .................................................. 62
1.1 Como o Baixo Peso percebido: os indicadores ......................................................... 65
1.2 Caractersticas da criana de Baixo Peso ..................................................................... 68
1.3 Apoio procurado pelas mes de crianas de Baixo Peso .............................................. 70
1.4- O cuidado e a cura do Baixo Peso ............................................................................... 71
2. Baixo Peso, o problema: causas, conseqncias e formas de lidar .......................... 75
2.1 As causas do Baixo Peso .............................................................................................. 75
2.2 Conseqncias do Baixo Peso ...................................................................................... 83
3. O perigo: a desnutrio ................................................................................................ 85
3.1 Causas da Desnutrio Infantil ..................................................................................... 85
3.2 Caractersticas da criana desnutrida ........................................................................... 89
3.3 A criana desnutrida corre risco de vida - O que fazer ................................................ 91
3.4 Temor pela vida do filho pela Desnutrio Infantil ..................................................... 93
4. Retomando as respostas das mes sobre a Desnutrio Infantil e o Baixo Peso .... 94
4.1 Caractersticas da criana desnutrida e de baixo peso segundo as mes de crianas de
Baixo Peso .......................................................................................................................... 97
4.2 Formas de lidar com a criana de Baixo Peso e com a criana desnutrida ............... 100
CAPTULO VI CONCLUSES
1. Concluindo a anlise .................................................................................................... 102
2. O Baixo Peso ................................................................................................................ 103
VIII
-
3. A Desnutrio ............................................................................................................... 105
4. Consideraes Finais .................................................................................................... 108
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................... 117
ANEXOS ......................................................................................................................... 127
IX
-
RESUMO
Representaes Sociais da Desnutrio Infantil para Mes de Crianas com Baixo Peso
Considerada um fator de risco associado morbidade infantil presente em reas
carentes de todo o mundo, a Desnutrio Infantil (DI) representa ainda hoje um srio
problema em sade pblica. Este trabalho desenvolveu-se a partir do trabalho com mes de
crianas de baixo peso realizado numa unidade de sade do municpio do Rio de Janeiro.
Encontramos na teoria da Representao Social (RS), desenvolvida por
Moscovici, o referencial terico para tentar apreender e identificar as RS das mes das
crianas desnutridas, bem como sua gnese, e ampliar o conhecimento a respeito do senso
comum e das prticas de sade do grupo estudado, no intuito de promover uma maior
captao e observncia teraputica das mes e crianas.
Utilizamos uma abordagem qualitativa e exploratria, realizando um estudo
descritivo que incluiu relatos dos grupos de mes e registros individuais de 20 entrevistas
em profundidade. Nas entrevistas, fizemos uma anlise de contedo categorial temtica. O
estudo revelou que as RS da DI para essas mes esto ligadas idia da morte, ao temido,
ao irrecupervel, a terminalidade da vida de seus filhos. O conjunto do trabalho indica o
quanto o reconhecimento do saber consensual, popular, serve ao bom relacionamento com
os servios de sade e observncia teraputica e captao.
PALAVRAS-CHAVE: Representaes sociais, desnutrio, prticas sociais e
de sade e observncia teraputica.
X
-
ABSTRACT
Social Representations of Infantile Malnutrition for Mothers of Low Children.
Being considered a factor of risk associated with actual childhood morbidity
worldwide, childhood malnutrition (CM) still represents today a serious problem to Public
Health. This research was developed with mothers of low weight (LW) children in a
Public Health Unit in the city of Rio de Janeiro.
In the theory of Social Representation (SR) developed by Moscovici, we found
the theoretical reference to understand and identify the RS of mothers of malnutrition
children as well as their genesis, with the intention to increase the search of this population
with therapeutical observance of these mothers and children.
In this research we followed an explorative quality study including accounts from
the groups of mothers and 20 individual in depth interviews. In the interviews, we made a
thematic analysis of categorical content. The study disclosed that the SR of the CM for
these mothers is associated to the idea of death, the feared one, the irreversible, and the end
of life of their children. The results of this work indicates how much the recognition of
consensual popular knowledge, assists the good relationship with the health services and
the investigation and therapeutical observance.
Key words: social representation, malnutrition, therapeutical observance,
social and practices of health.
XI
-
INTRODUO
A desnutrio correlata da fome, tema ainda em evidncia nos dias de hoje. A
preocupao com a desnutrio e a fome no Brasil se inaugura de forma definitiva com
Josu de Castro, na publicao de Geografia da Fome (1946). Nessa obra, ele relata que,
aps a Segunda Guerra Mundial, representante de diferentes naes sentaram-se mesa
para debater a reestruturao do mundo. Vieram tona naquele frum mazelas at ento
silenciadas, como a fome e a desnutrio, presentes em naes mais desenvolvidas, como
os Estados Unidos e pases da Europa. Nesse contexto, o que dizer do Brasil.
Hoje, passado mais de meio sculo, persiste a necessidade de debater esse tema e de
promover aes pblicas mais efetivas para a erradicao da fome e da desnutrio. Como
profissional de sade, vimos possibilidade de implantar e implementar um projeto que
pudesse atender melhor s necessidades da comunidade que se dirigia a uma Unidade de
Sade localizada na Zona Norte do Municpio do Rio de Janeiro. Tal possibilidade surgiu
de um convite feito pela Direo da Unidade, em 1998, para implantar um projeto,
nomeado inicialmente Projeto de Ateno s Mes de Crianas Desnutridas (PAMCD).
A fim de contribuir para uma melhora do quadro de desnutrio/morbidade,
procedemos a um estudo que pretendia, antes de tudo, entender o universo das prticas
sociais e de sade das mes das crianas desnutridas na comunidade-alvo atendida
regularmente nesse posto de sade. A proposta visava a garantir uma maior captao que
no perodo, freqncia e adeso dessa clientela (crianas com desnutrio protico-calrica
e suas mes), bem como possibilitar s mes falar do sofrimento psquico de seus filhos e
1
-
do seu prprio, com o objetivo de minimizar o ndice de morbidade infantil. O Setor de
Sade Mental, por meio de investigaes, objetivava clarificar a maneira como a relao
dessas mes era estabelecida com o ato de nutrir e como essa postura repercutia na relao
de sua prtica cotidiana com seus filhos e poderia influenciar na observncia teraputica.
Considerando que o conhecimento adquirido por um determinado grupo social
sempre oriundo de uma espcie de filtragem, ou seja, internalizado e posteriormente
usado para atender s necessidades do prprio indivduo (objetivao / ancoragem, segundo
Moscovici, 1978), sentimos a necessidade de criar um espao de discusso, atravs da
formao de um grupo de mes que se identificassem com a proposta do trabalho e
consentissem a divulgao dos resultados. Nossa proposta era ouvir as mes, a fim de
conhecer o que elas compreendiam, vivenciavam e em que acreditavam, no que concerne
aos cuidados relacionados sade da criana. Buscvamos contribuir para a clarificao
das questes pertinentes ao estudo.
Entendamos que, participando do Projeto da Unidade, poderamos colaborar na
otimizao de relaes sociais e de prticas em sade com a clientela envolvida.
No desenvolvimento do trabalho, no entanto, foi possvel observar que a insero do
Setor de Sade Mental no Projeto contribuiu para o aumento da captao da clientela e para
a diminuio dos casos de intercorrncia clnica das crianas, embora estas no tenham
obtido melhora para a alta clnica com o tratamento posto disposio pela equipe
multiprofissional Clnica Peditrica, Servio de Enfermagem, Servio Social e Setor de
Sade Mental.
Observamos tambm que o estabelecimento de padres de qualidade de vida de
crianas desnutridas e de baixo peso extremamente difcil, sobretudo porque as mes
geralmente no as consideram enfermas enquanto no manifestam sintoma de doena
2
-
(intercorrncia clnica). Na maioria das vezes, elas no interpretam a desnutrio como a
doena de seus filhos; no relacionam sintomas graves (febre, diarria, pneumonia)
desnutrio e ao risco de vida. Verificamos que desse fato podem decorrer entraves capazes
de dificultar o tratamento e o cuidado de sade (BOLTANSKI, 1984) adequado criana,
ou seja, a no observncia teraputica.
Essas duas observaes nos impeliram busca de uma abordagem cientfica, o que
se efetivou pela interlocuo com o Ncleo de Estudos de Sade Coletiva da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, por meio do Curso de Mestrado. Tal interlocuo possibilitou
nosso acesso, por um lado, teoria das Representaes Sociais (RS) e, por outro,
discusso sobre a preocupao com a higiene e os alimentos desde a Grcia clssica e
problemtica da sade coletiva no Brasil. Tambm, fomos buscar no mestrado
fundamentao para trabalhar com o problema. Pudemos encontr-la na teoria de
Moscovici (1978), cujos estudos contriburam para o entendimento dos profundos e
complexos processos que envolvem a preveno de doenas que contemplam dimenses
coletivas e sociais e que necessitam de enfrentamento (BURSZTYN & TURA, 2001),
como o caso da desnutrio infantil.
A ausncia de estudos de RS sobre fome e desnutrio ressalta o ineditismo da
proposta. Encontramos apenas um trabalho que utilizou a RS para analisar a concepo
sobre Educao em Sade dos profissionais que atuam em grupos educativos Menezes,
2002.
objeto de nosso estudo a representao social da desnutrio infantil / baixo peso
por mes de crianas nessa condio. Sua definio se deu com base em nossa experincia
anterior, nos resultados obtidos no decorrer de meu trabalho com as mes de crianas com
3
-
baixo peso, bem como nas novas questes surgidas das relaes estabelecidas entre as mes
e seus filhos durante o desenvolvimento do Projeto na Unidade de Servio e da Pesquisa.
O objetivo de nossa pesquisa identificar as Representaes Sociais da desnutrio
infantil das mes das crianas com baixo peso, considerando que essas representaes
podem interferir na captao e na observncia teraputica dessas crianas.
So objetivos especficos do estudo:
conhecer e entender as idias que tm as mes sobre a desnutrio;
compreender a forma como elas fazem uso desse conhecimento em suas prticas de
sade, dispensadas no ato de cuidar de seus filhos;
identificar como as mes lidam com as enfermidades oportunistas que provocam a
perda de peso e at a desnutrio em seus filhos.
A fim de ampliar o nosso conhecimento a respeito de fatores como senso comum,
saber popular e prticas de sade, considerando a maneira como esses fatores afetam as
crianas, partimos das seguintes indagaes:
Quais so as RS das mes de crianas com baixo peso sobre a desnutrio de seus
filhos?
De que forma essas mes se apropriam das informaes, das prticas de sade e do
saber mdico para cuidar de seus filhos?
Como se estabelecem as relaes existentes entre as RS, as prticas de cuidado, a
captao e observncia teraputica das mes nas crianas?
O contato com as mes permitiu a formulao da hiptese de que a desnutrio de
seus filhos provocava desconforto e rejeio por parte delas, podendo, portanto, produzir
uma atitude negativa e uma representao correspondente.
4
-
No tocante metodologia, desenvolvemos este trabalho com base em uma pesquisa
qualitativa e exploratria. Vimos pertinncia de realizar um estudo descritivo que
possibilitasse a anlise da elaborao (gnese) das representaes sociais da desnutrio
infantil pelas mes de crianas de baixo peso, isto , crianas com desnutrio leve,
moderada e ou grave, conforme diagnstico mdico, atendidas em uma Unidade de Sade
localizada numa das reas Programticas situadas na Zona Norte do Rio de Janeiro e sua
repercusso na captao e observncia teraputica. Em seu desenvolvimento, a pesquisa
contou com a participao das mes nos grupos de discusso, de forma interativa.
Para levar adiante o estudo, definimos os seguintes procedimentos metodolgicos:
observao participante registrada em dirio de campo;
registro dos encontros quinzenais com as mes; registro das reunies realizadas
mensalmente com os profissionais de sade diretamente envolvidos;
realizao de entrevistas em profundidade;
aplicao de dois questionrios (dados pessoais anexo 1 e dados scio-
demogrficos anexo 2) aps a realizao da entrevista em profundidade;
anlise de contedo categorial temtica;
anlise de co-ocorrncias.
A populao pesquisada foi composta de mulheres maiores de 18 anos, que
desejassem participar espontaneamente da pesquisa, consentissem formalmente na
publicao dos resultados, mes de crianas de baixo peso com idade entre 0 a 5 anos,
atendidas na Unidade de Sade. Foram compostos dois grupos, um com 10 mes de
crianas de baixo peso com alta clnica e outro com 10 mes de crianas de baixo peso em
atendimento.
5
-
Este estudo e o trabalho que o acompanhou pretendem contribuir para que essas
mes possam associar os seus saberes quanto aos cuidados de seus filhos e ao auxlio de
profissionais ou de uma Unidade de Sade, no vendo tais aes como excludentes entre si,
e sim como complementares. Nesse sentido, foi previsto:
1. Retornar os dados populao interessada.
2. Divulgar os resultados junto aos profissionais interessados.
Esperamos, desta forma, contribuir para a desnaturalizao da palavra desnutrio
e, conseqentemente, para que ocorra uma maior captao das mes e das crianas e uma
maior observncia teraputica.
Considerada um fator de risco associado morbidade infantil, a desnutrio infantil,
presente em reas carentes de todo o mundo, representa ainda hoje um srio problema em
sade pblica. Em 1995 estimava-se que havia, em todo o mundo, mais de 200 milhes de
crianas com seu crescimento comprometido pela m nutrio, fator responsvel por 6,6
milhes das 12,2 milhes de mortes entre crianas menores de cinco anos, o que representa
54% da mortalidade infantil nos pases em desenvolvimento (UNICEF, 2002).
Somente nos ltimos 20 anos, especialistas em nutrio, juntamente com
economistas e cientistas sociais, comearam a explorar as dimenses sociais e econmicas
da desnutrio em pases em desenvolvimento e a investigar as relaes entre nutrio e
desenvolvimento pessoal. No que se refere desnutrio infantil, muitos foram os esforos
desenvolvidos no sentido da promoo da integralidade na assistncia prestada pelos
servios de sade criana menor de cinco anos, contemplando o seu processo de
desenvolvimento e crescimento (UNICEF, 1997).
O governo brasileiro tem se declarado favoravelmente infncia, reiterando o plano
internacional. Foi criado o Estatuto da Criana e foram firmados o Pacto pela Infncia e o
6
-
compromisso governamental, em 1990, na sede das Naes Unidas, junto a mais de 150
pases, na Reunio de Cpula Mundial em Favor da Infncia, quando o Brasil foi signatrio
da Declarao Mundial sobre Sobrevivncia, Proteo e Desenvolvimento da Criana.
Vinte e seis metas voltadas para esse grupo etrio foram estabelecidas, deveriam ter sido
atingidas at o ano 2000, sendo 19 delas relativas ao setor de sade (MONTE e BARRETO
S, 1998).
A poltica socioeconmica e da sade, na prtica, contudo, no reverte o quadro da
fome, desnutrio e pobreza, possibilitando o seu agravamento. Com efeito, as taxas de
morbimortalidade infantil, como veremos mais adiante, continuam altas, e faixas da
populao necessitada acabam no sendo atingidas pelo atendimento dos servios de sade.
No Brasil, devido as intercorrncias clnicas, doenas oportunistas, entre outras
causas, as prticas de sade relacionadas Desnutrio Infantil (DI) e ao Baixo Peso (BP)
muitas vezes tm se voltado para as aes de sade1. Embora na atual conjuntura essa
prtica seja fundamental sade da criana, importa que tal populao possa vir a contar
tambm com as aes em sade. A associao dessas duas aes pode ser uma forma de
minimizar intercorrncias clnicas, o desgaste e sofrimento da me e da criana, bem como
de otimizar a aplicao dos recursos pblicos.
O tema da desnutrio infantil apresenta, assim, relevncia social indiscutvel, que
nos desafiava em nossa prtica profissional.
Concluda esta introduo, faremos em seguida um breve histrico da desnutrio
infantil (DI), em captulo denominado Contextos da Desnutrio Infantil. Neste, aps
1 Conceitos de Schraiber (apud ROUQUAYROL, 1994) que, ao abordar o tema aes em sade pblica, estabelece a distino entre aes que visam qualidade de vida (prtica em sade) e aes assistenciais suscitadas pela presena da doena (prtica de sade). Segundo a autora, as aes de prtica de sade no excluem as aes em sade pblica.
7
-
comentar a dimenso da pobreza, da desnutrio e da fome no Brasil, estudaremos as
principais implicaes da Desnutrio Infantil para a Sade Coletiva. No segundo,
traamos os passos iniciais, os antecedentes desta pesquisa, ou seja, referimo-nos ao
desenvolvimento do trabalho inicial na Unidade de Sade, considerando tanto os
profissionais nele envolvidos como a clientela. No terceiro captulo, alm de expor o
referencial terico escolhido, situamos os sujeitos do estudo e o cenrio onde se desenvolve
a pesquisa, explicamos as tcnicas e o procedimento para coleta e tratamento dos dados e o
tipo de anlise feita. No quarto, apresentamos o perfil das mulheres que participaram da
pesquisa e como elas contam a histria das suas crianas. Neste captulo tambm
apresentamos, interpretamos e discutimos os dados coletados nas entrevistas, relacionando-
os s representaes sociais da Desnutrio Infantil das mes de crianas com Baixo Peso.
As consideraes finais compem o quinto e ltimo captulo.
CAPTULO I CONTEXTOS DA DESNUTRIO INFANTIL
1. Para compreender a Desnutrio Infantil
O avano da industrializao, o crescimento desordenado das cidades, a falta de
uma poltica adequada de urbanizao e de saneamento bsico (sade pblica) tornaram as
condies de sade e de vida da populao principalmente aqueles que migravam em
busca de trabalho e qualidade de vida extremamente inspita, colocando em risco aquela
populao (ROSEN, 1994).
8
-
Em relao nutrio, no fim do sculo XVIII j se conhecia o papel das frutas e
dos vegetais, em especial do suco de frutas ctricas, na preveno do escorbuto e do uso do
leo de fgado de bacalhau no tratamento do raquitismo. Hopkins, citado na obra de Rosen
(1994), apresentou o conceito da existncia de elementos nutricionais bsicos em seu
trabalho sobre a patognese do raquitismo e do escorbuto, o que chamou, mais tarde, de
fatores nutricionais suplementares. Ao trmino do sculo XIX e incio do sculo XX, o
raquitismo se difundia em comunidades urbanas, sobretudo nos bairros em que havia
cortios. Em 1870, por exemplo, supunha-se que ao menos um tero das crianas pobres
em cidades como Londres sofria de raquitismo, estabelecendo-se uma relao entre
distribuio de raquitismo e densidade populacional, j indicando que a aglomerao de
pessoas e a falta de alimentos adequados e em quantidade suficiente para todos levaria a
uma m nutrio dessas crianas.
Rosen (ibidem) assinala que, em 1881, N. I. Lunin da Universidade de Basilia,
estudando alimentao em camundongos, observou que os animais alimentados com o
prprio leite vicejavam. Neste perodo acumulavam-se evidncias de que alguma
deficincia na qualidade da dieta produzia doena. Esses trabalhos nos levam a concluir
que h mais de um sculo observava-se a necessidade de uma dieta alimentar mnima tanto
nos homem quanto nos animais e que a falta de um determinado alimento provocaria uma
enfermidade, sendo necessrio ento que se levasse em conta qualidade do alimento para
a preservao da sade (CORREIA E MCAULIFFE, 1994).
Virchow, no sculo XIX, citado por Rosen (1994), pregava que o adoecimento e a
morte do indivduo deveriam ocorrer quando o ele estivesse velho. Sua importncia neste
trabalho tem relao com a dimenso socioeconmica presente em seus estudos e projetos
9
-
relacionados com a sade. Por se preocupar com o acesso da populao sade e se
empenhar nesse sentido, poderamos destac-lo como o Pai da Sade Coletiva.
Canguilhem (1978), considerando a sade um bem, afirma que o indivduo tem
prazer em abusar da sade, de ultrapassar seus limites fsicos. A possibilidade de abusar
singular, variando de acordo com o indivduo.
A criana com desnutrio infantil, devido sua pouca resistncia imunolgica, est
mais sujeita as intercorrncias clnicas (sobretudo doenas infecciosas pulmonares,
intestinais, digestivas) do que outras crianas que no apresentam esse quadro nutricional.
A leitura dos autores ora referidos nos faz pensar que essas crianas so duplamente
excludas: tanto pelas doenas de que so acometidas, devido ao seu estado nutricional,
como por no terem a mesma chance que tem a maior parte da populao infantil de
crescer, desenvolver-se, envelhecer e abusar da sade, especialmente por sofrerem de um
mal velado, no sujeito ao debate social e pouco compreendido pelos familiares. Por no
gozar de plena sade geralmente desde seu nascimento, ou desde os seus primeiros meses
de vida, a criana desnutrida sequer pode abusar de sua sade, uma vez que no tem acesso
ao padro de normalidade compatvel com outras crianas de sua faixa etria.
Para Schraiber apud (1992), a qualidade de vida estaria vinculada a dois parmetros:
grau de liberdade dos indivduos em sua sociedade e acesso s conquistas tecnolgicas.
Segundo Souza e Kalichman (1994), esses parmetros relacionam qualidade de vida com
a possibilidade de obt-la e mant-la, no plano individual e coletivo e em uma determinada
sociedade. Os dois autores destacam ainda a questo relativa capacidade dos servios em
responder s necessidades de sade da populao.
Segundo a Organizao Mundial de Sade (OMS), a melhora clnica de crianas
desnutridas normatizada com base em um critrio por ela estabelecido, adotado aqui no
10
-
Brasil pelo Ministrio da Sade e pela Secretaria Municipal de Sade (SMS) do Rio de
Janeiro, atravs do SISVAN, e obedece melhora dos percentis ndice antropomtrico.
Em nossa reviso bibliogrfica, constatamos uma variedade de parmetros que
podem facilitar a deteco da desnutrio. A maior parte dos autores por ns consultados
utilizam a avaliao do estado nutricional feita com base nos diagnsticos comunitrios
realizados por profissionais de sade em diversas regies brasileiras, visando ao
diagnstico diferencial do estado nutricional de criana de 0 a 5 anos tanto para a avaliao
nutricional individual e em grupos populacionais (VICTORA et al, 1998).
Verificamos que na maior parte das publicaes por ns encontradas a deteco da
desnutrio feita pela verificao dos ndices antropomtricos. A antropometria o
mtodo mais amplamente utilizado para avaliar o estado nutricional. Com base nos valores
de peso, altura e idade da criana, so construdos trs indicadores:
a) Altura ou estatura/idade (detecta dficit de crescimento linear que ocorre em
conseqncia de agravos nutricionais de longa durao);
b) Peso/altura (detecta perda de massa corporal que geralmente ocorre em funo
de um agravo nutricional de incio recente) e;
c) Peso/idade (alteraes nesse indicador detectam alteraes do peso/altura ou da
altura/idade ou de ambos).
Os ndices mais amplamente usados so peso para idade (P/I), altura para idade
(A/I) e peso para altura (P/A), que so obtidos comparando-se as informaes de peso,
altura, idade e sexo com curvas de referncia: procedimento adotado pelo National Center
for Health Statics (NHCS) segundo o estudo realizado em 1996 no Brasil pela Pesquisa
Nacional sobre Demografia e Sade (PNDS). importante notar, ento, que o indicador
peso/idade no distingue a durao do agravo nutricional, no sendo ideal, portanto, para
11
-
definir o tipo de interveno nutricional a ser implementada para determinado grupo alvo
(WATERLOW JC, 1992). Uma vez coletados o peso, a altura e a idade da criana, esses
indicadores so calculados e comparados com o padro de medidas de uma populao de
referncia do NCHS, atualmente recomendado pela OMS e pelo Ministrio da Sade (MS)
do Brasil. O estado nutricional ento expresso em termos de nmero de desvios padro
(ou escore z) de diferena entre a populao de referncia e a populao estudada. Por
definio, o escore z mdio da populao de referncia zero. Se o escore z for negativo,
indica que a criana e/ou populao estudada est abaixo do padro de estado nutricional
desejvel. Se o escore z for igual ou inferior a -3, considera-se que existe desnutrio grave,
e se entre -2 a -2,9, desnutrio moderada2. Outra forma a comparao com percentis. Se
o estado nutricional estiver abaixo do percentil 3, considera-se que a criana apresenta um
quadro de desnutrio moderada ou grave, e se entre os percentis 3 e 10, desnutrio leve
(BEATON et al, 1990). Esta ltima forma a habitualmente usada pelos programas de
sade e Sistemas de Vigilncia Nutricional (SISVAN) no Brasil.
A desnutrio proteico-calrica um dos principais problemas de sade pblica dos
pases em desenvolvimento. Da sinergia entre ingesto inadequada de alimentos, infeces
e desnutrio resulta a maior parte dos bitos de crianas nos pases em desenvolvimento.
Na Regio Nordeste, como nas demais regies do Brasil, tem se observado declnio na
prevalncia da desnutrio na infncia. No entanto, esforos direcionados, mais ou menos
intensos de acordo com as condies das vrias Secretarias Estaduais de Sade, continuam
sendo feitos para trazer esses ndices para nveis mais aceitveis. Segundo estudos
especficos relativos Regio Nordeste, a prevalncia da desnutrio utilizando o
2 De acordo com o NCHS (1999), em uma populao sadia, habitualmente se encontra menos que 1% de dficit severo e cerca de 2,3% de dficit moderado.
12
-
indicador peso/idade (com ponto de corte -2 escores z) decresceu de 12,7% para 9,2%
(UNICEF, 1992 e BAEZ MC, MONTEIRO et al, 1987).
2. Problema da Desnutrio no Brasil
No Brasil, a fome um problema secular que s se tornou visvel devido
determinao de figuras como Josu de Castro. Em obra publicada em 1946, Geografia da
Fome, o autor desnaturalizou o termo fome, relacionando-o a um flagelo fabricado pelo
prprio homem. Castro (ibid.) afirma que a fome constitui a causa mais constante e efetiva
das guerras e a fase preparatria do terreno, quase que obrigatria, para a ecloso das
grandes epidemias (p.14). O fenmeno da fome, segundo ele, marcante e ocorre com a
regularidade, que longe de traduzir obra do acaso, parece condicionado s mesmas leis
gerais que regulam as outras manifestaes sociais de nossa cultura (p.15). Comparando a
fome a um silncio arquitetado pela prpria alma da cultura, ressalta os interesses e os
preconceitos de ordem moral e de ordem poltica e econmica de nossa chamada
civilizao ocidental que tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos, pouco
aconselhvel de ser abordado publicamente (p.15).
Em 1962, com a participao efetiva de Nelson Chaves na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), foi criado o Instituto de Nutrio, atual Departamento de Nutrio.
Preocupado com os elevados ndices de desnutrio no Nordeste, Chaves convocou sua
equipe para o planejamento de Combate Desnutrio, instalando assim os Centros de
Educao e Recuperao Nutricional (CERN) de acordo com dados obtidos da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
13
-
Em Recife, Pernambuco, foram instalados nove dessas Unidades. Os CERN
funcionaram at 1972. Apesar de constiturem uma experincia bem-sucedida, os elevados
custos operacionais inviabilizaram a continuidade do Programa.
As aes idealizadas na primeira reunio ps-guerra e tantas outras, como a da
UNICEF, mencionada neste trabalho, demonstram que, alm de perdurar o silncio, as
publicaes que tratam da fome e da desnutrio so ainda insuficientes, havendo pouca
eficcia nas aes pblicas, que parecem no surtir os efeitos a princpio idealizados ou no
apresentar a durabilidade necessria ao combate desse problema, como foi o caso da bem-
sucedida experincia desenvolvida por Nelson Chaves atravs da implantao dos CERN.
Fernando Figueira, um dos fundadores do Instituto de Nutrio Federal de
Pernambuco em 1962, desenvolveu no Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP),
criado em 1960, significativa parte de seu trabalho. Essa instituio nasceu com uma
histria e se desenvolveu com uma proposta filosfica de trabalho pautado nos
compromissos sociais. O IMIP instituio filantrpica e sem fins lucrativos nasceu
comprometido com a sade da mulher e de crianas carentes. Inserindo-se nos contextos
familiar e social, tornou-se um centro de referncia nacional para assistncia materna
infantil do Ministrio da Sade (UFPE).
Figuras como Josu de Castro, Nelson Chaves e Fernando Figueira precisam ser
referidas, sobretudo por suas aes comprometidas com a sade da populao. Esses
professores se destacaram por seu excepcional esforo pessoal no estabelecimento de
propostas, pesquisas e trabalhos relativos fome e desnutrio e na fundao de
instituies e ncleos de pesquisa voltados para a questo da nutrio, apontando para a
necessidade de realizar alianas com as aes e polticas pblicas de sade mais
duradouras.
14
-
A Organizao das Naes Unidas para a Agricultura e Alimentao (The Food and
Agriculture Organization of the United Nations FAO), fundada em outubro de 1945, tm
com um de seus maiores esforos a diminuio da fome, da desnutrio e da pobreza no
mundo.
Segundo a FAO, a pobreza afeta mais de um quarto da populao, o equivalente a
uma populao de 44 milhes de pessoas. Nos nove estados mais pobres das regies Norte
e Nordeste do pas, quase a metade das famlias vivem com um dlar ao dia. A fome a
mais extrema manifestao do grande problema da pobreza no pas. Poucas pessoas
morrem de fome, mas h uma distribuio pouco freqente de alimentos e um quadro de
desnutrio. Isso significa que essas pessoas so incapazes de produzir alimentos ou de ter
acesso a eles de forma suficiente para manter condies adequadas a uma vida saudvel
(FAO, 2004).
Embora o Brasil seja visto h muitos anos como um pas com srias desigualdades
sociais, raramente se mencionava a fome at a proposta do governo Lula de combat-la.
Cabe, ento, uma indagao pertinentemente feita pela FAO (2003): a escassez de
alimento no Brasil um problema h muito existente ou um problema mais recente? O
mesmo questionamento foi feito por Josu de Castro (1946) h quase 60 anos em sua obra
Geografia da Fome.
A tendncia secular da presena da Desnutrio Infantil nas vrias regies
brasileiras, de acordo com estimativas provenientes de inquritos realizados no pas em
1974/75, no Estudo Nacional da Defesa Familiar (ENDEF), da Pesquisa Nacional sobre
Sade e Nutrio (PNSN), em 1989, e da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Sade
(PNDS), em 1996, vem declinando.
15
-
A evoluo da desnutrio entre 1974/75 e 1989 indica taxas anuais de declnio
mais intensas nas reas urbanas e rurais do Centro-Sul (inclui-se nessa rea a Regio
Sudeste) 7,4 e 6,5% respectivamente do que nas reas urbanas e rurais da Regio
Nordeste 4,1% e 4,0% respectivamente ou nas reas urbanas da Regio Norte 4,0%.
As desvantagens entre as regies Norte e Nordeste diante do Centro-Sul ficam
significativamente maiores (MONTEIRO, 2003).
Em perodo mais recente, entre 1986 e 1996, observou-se a manuteno da
velocidade de declnio da desnutrio em todas reas urbanas do pas e desacelerao nas
reas rurais. O nordeste urbano o local do pas onde maior a intensificao do declnio
da DI: de 4,1% ao ano, no perodo 1974/75-1989, para 9,6% ao ano, no perodo 1989-1996
(contra 7,4% para 7,8 %, nas reas urbanas do Centro-Sul, e 4,0 % para 5,3%, nas reas
urbanas na Regio Norte). Nos dois perodos as menores taxas anuais de declnio da DI so
observadas no NE rural (4,0% e 3,3% respectivamente), embora seja essa a regio do pas
mais afetada por esse problema (MONTEIRO, 2003).
Tais progressos, como esses descritos por Monteiro, contudo, acontecem em um
contexto de pobreza e de desnutrio infantil bastante aguda, a tal ponto que as projees
para a erradicao do problema so surpreendentes:
As taxas anuais de declnio da desnutrio infantil no perodo 1989 1996 projetam o virtual controle do problema no CentroSul (Regio Sudeste urbano para o ano de 2003, no NE para 2013, no Norte urbano para 2031, no Centro sul rural para 2035 e no Nordeste rural para 2065 (MONTEIRO, 2003, p. 7)).
A ausncia de informaes confiveis relativas variao de outros determinantes
da DI no perodo acima citado impede uma avaliao semelhante realizada para o perodo
mais recente.
16
-
3. A dimenso da Desnutrio Infantil no Brasil
A distribuio regional do indicador de deficincia energtica crnica aponta virtual
risco de ausncia do problema nas reas urbanas da Regio Sudeste e virtual ausncia do
problema nas reas urbanas do Nordeste e nas reas rurais do Sudeste. Risco baixo de
deficincia energtica crnica (muito distante da situao documentada em pases que
convivem endemicamente com a fome) encontrado nas reas rurais da Regio Nordeste.
As diferenas identificadas na magnitude, distribuio e evoluo da pobreza, da
desnutrio e da fome confirmam a natureza distinta desses problemas, ao mesmo tempo
em que determinam implicaes importantes na definio de prioridades, contedos,
escalas e alvos para polticas pblicas.
Na Regio Nordeste, uma das regies mais pobres (FAO, 2003), observa-se que as
crianas esto sendo acometidas precocemente pela desnutrio, de forma
predominantemente crnica. De acordo com Monte e Barreto (1998), a prevalncia nessa
regio verificada em inmeros trabalhos. Em Pernambuco3, cerca de uma em cada quatro
crianas (24,3%) estava desnutrida, de acordo com o indicador peso/idade (P/I), e cerca de
uma em cada trs (33,2%), com o indicador estatura (A/I). Segundo este ltimo indicador,
um total de 33,2% crianas do estado apresentava desnutrio, sendo 15,6% grave e 17,6%
leve. O P/I indicava a presena de desnutrio em 14,6% dos casos, dos quais 5,7% graves.
As mais altas prevalncias eram registradas no interior rural.
3 Em Pernambuco, alm de desnutrida, a maior parte das crianas tambm estava anmica, com hemoglobina abaixo de 11g/dl, por deficincia de ferro (62,3% no estado e 70,2% no interior rural) (MONTE e BARRETO S, 1998).
17
-
Comparando os indicadores da rea rural com os da metropolitana, no caso do A/I, a
prevalncia de todos os nveis de desnutrio naquela rea correspondia a
aproximadamente o dobro (46,5%) do encontrado na rea rural (22,8%). Na rea rural, a
proporo de desnutridos graves e moderados (24,3%) correspondia a mais que o dobro da
rea metropolitana (10,4%).
No caso do indicador P/I, os desnutridos rea rural (24,3%) correspondiam a
aproximadamente o triplo do encontrado na regio metropolitana (8,3%). A proporo de
desnutridos graves ou moderados (11,6) era superior a quatro vezes mais alta que na rea
metropolitana (2,6%).
Em Alagoas, em 1996, os dados do SISVAN mostraram que, em unidades de sade
de 23 municpios, 23% das crianas menores de 5 meses e 59,5% entre 6-23 meses estavam
abaixo do percentual 10 de P/I (MONTE e BARRETO S, 1998). No mesmo ano, o
sistema interno de informao do Programa Agentes Comunitrios de Sade (PACS)
mostrou que, em 53 municpios do estado, 20,7% das crianas de 0-11 meses e 28,4% das
de 12 a 23 meses tambm estavam abaixo do percentual 10 de P/I segundo padro de
referncia do NCHS.
A proporo de crianas abaixo do percentual 10 do padro OMS/NCHS em
menores de 5 meses (12,8%) praticamente triplicada entre 6-11meses (37,3%) e
quadruplica entre os 12-23 meses (48,5%). Um estudo realizado no pela Secretaria de
Sade do Piau (1997) mostrou que 3,3% das mortes de menores de 1 ano ocorriam por
desnutrio. Revelou tambm que, naquele ano, entre os menores de 5, a desnutrio severa
ou moderada estava presente em 12,5% (peso/idade), 23,1% (estatura/altura/idade) e 1,5%
(peso/altura/estatura).
18
-
Apesar de vrios estados no apresentarem informaes especficas para menores de
2 anos, ainda assim podemos depreender que a situao nutricional nesse grupo etrio
desfavorvel, embora tenhamos verificado alguma melhoria na regio (MONTE e
BARRETO S, 1998).
A situao mais grave foi observada no Maranho (30,6% de dficit moderado ou
severo de altura/idade e 18,2% de peso/idade), seguindo do Piau e Cear. Bahia, Sergipe e
Rio Grande do Norte apresentaram as menores prevalncias de dficit de altura/idade (entre
14-15%), e Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte apresentaram o menor dficit de
peso/idade (6-7%) (UNICEF, 1995). No Nordeste como um todo, a promoo das prticas
de alimentao infantil feita na rede bsica de sade e, particularmente, pelos Programas
de Agentes Comunitrios de Sade, mas a definio das orientaes s mes tm sido feitas
de uma forma vertical e no incluem as peculiaridades socioculturais da populao
(MONTE E BARRETO S, 1998).
Observamos que, por um lado, no so oferecidas s mes orientaes prticas
sobre o preparo dos alimentos complementares com base nos trabalhos de Monte e Barreto
S e, por outro, as prticas efetivamente adotadas pelas mes so pouco conhecidas pelos
profissionais de sade que lidam com elas. O principal subsdio sobre isso est introduzido
nos programas de forma no sistemtica, atravs da experincia dos profissionais de sade
e nutrio que atuam diretamente com as mes. Isso indica a necessidade de um melhor
conhecimento do pblico a ser assistido pelos profissionais de sade de seus valores
culturais, de suas prticas de sade e educao visando a uma melhor interao entre os
profissionais de sade e comunidade atendida. Com relao Regio Sudeste, em 1994
iniciou-se em So Paulo o trabalho do Centro de Recuperao e Educao Nutricional, com
base em um trabalho realizado em favelas por profissionais de sade da UFSP/EPM
19
-
(VIEIRA et al, 1998). Em um dos estudos realizados em favelas da Regio Sul da cidade
encontramos a prevalncia de DI em cerca de 34% em crianas, em uma populao de
aproximadamente duas milhes de pessoas (SAWAYA et al, 1997).
4. Mortalidade infantil e causas
A mortalidade infantil na Regio Nordeste tem declinado, a exemplo do que tem
ocorrido no resto do Brasil. Em alguns estados a reduo tem sido mais lenta. As doenas
infecciosas intestinais continuam a ser um importante componente da Taxa de Mortalidade
Infantil (TMI) em todos os estados, superadas em alguns deles apenas pelas causas
perinatais.
Nos estados do Nordeste, as infeces intestinais representavam uma taxa relevante
de mortalidade infantil em crianas menores de trs anos (MONTE e BARRETO S,
1998). Embora nessa regio a taxa de mortalidade infantil (TMI) tenha apresentado uma
reduo de 32,6%, segundo os estudos disponveis pesquisados por Monte e Barreto e S
(1998) esta se mantm mais alta que as mdias nacional e regional, declinando mais
lentamente do que nas regies Sul e Sudeste.
No Rio Grande do Norte, em 1994, a TMI foi de 33,4, sendo as doenas
intestinais responsveis por 19,9% do total das mortes (UNICEF Secretaria de Sade do
Rio Grande do Norte, 1996). Com base nesses dados, conclumos que os ndices de
mortalidade infantil no apresentam uma relao representativa (pois no expressa valores
gerais em relao s causas de mortalidade) com a desnutrio enquanto causa mortis.
Provavelmente isso se d devido ao fato de a desnutrio ser um estado de sade, mas no
20
-
uma doena o organismo se encontra nutricional e imunologicamente fragilizado, sendo
assim mais facilmente acometido por diarrias e outras infeces oportunistas.
5. A Desnutrio, o Baixo Peso e suas implicaes para a Sade Coletiva
A participao e a interao das mes das crianas de baixo peso em Programas de
Aes voltados para a deteco das crianas em risco nutricional e de sua captao se d,
fundamentalmente, atravs da vinda dessas mes a uma unidade de sade uma vez que a
criana depende, incondicionalmente, da interveno da me para ter acesso ao tratamento
do qual necessita. Isso demonstra a importncia do papel dessas mes na observncia ao
tratamento, bem como na percepo de uma enfermidade ou desconforto em seu filho.
Conforme mencionado, no que concerne s aes em sade pblica, Schraiber (apud
ROUQUYROL, 1992) as diferencia, segundo o objetivo, em aes que visam qualidade
de vida (prtica em sade) e aes assistenciais suscitadas pela presena da doena (prtica
de sade).
Rottemberg (1999) observa as prticas alimentares (prticas de sade) das mes de
crianas sob risco nutricional de uma favela no Rio, o saber popular e a origem desses
conhecimentos. Atravs de seu trabalho, a autora identifica que as prticas alimentares e o
cuidado da sade da criana, compreendidos como prticas sociais, so permeados pelo
aprendizado materno que tem incio na infncia e associado aos hbitos urbanos de
consumo. O saber popular construdo no contato com diferentes saberes, com os rituais de
socializao, com o saber cientfico e a mdia, com base nas condies concretas de vida.
Tambm aqui mencionada a contribuio e a limitao dos profissionais de sade na
promoo da sade da criana.
21
-
Com relao aos cuidados maternos e s prticas alimentares, alguns autores, entre
eles Monte e Barreto S (1998), Carvalhaes e Bencio (2002), estabeleceram uma estreita
relao com o saber popular dessas mes. Carvalhaes e Bencio (2002) questionaram
principalmente a capacidade da me de cuidar de seu filho, relacionando a alimentao por
ela oferecida aos hbitos urbanos de consumo, s condies concretas de vida, ao stress da
vida cotidiana, aos casos de desemprego na famlia, ao alcoolismo, aprendizado materno
(no tocante aos saberes cientfico e popular) e a seus paradigmas (crenas) alimentares e
prticas de sade, fatores que poderiam interferir no processo de reabilitao ou de
recuperao dessas crianas.
Crianas amamentadas, em relao s no amamentadas, por exemplo, tm um risco 14
vezes menor de morte por diarria e 3,5 vezes menor por doenas respiratrias e outras
doenas infecciosas (VICTORA C. G., SMINTH P. G., VAUGHAN, J. P., 1987).
essencial, portanto, que se concentrem esforos na promoo do aleitamento materno
utilizando o aconselhamento em amamentao atravs dos profissionais de sade, como
recomendado pela OMS/UNICEF (1997).
Aes polticas, visando implantao e implementao de programas
governamentais de assistncia, vigilncia e combate Desnutrio Infantil foram objetos de
interesse de nossa investigao. Com o desenvolvimento desta pesquisa, tnhamos o
objetivo de criar um acervo de informaes e dados referentes situao da DI no pas,
assim como identificar as aes executadas ou em fase de implantao em mbito nacional
o que acabou no ocorrendo por falta de dados atualizados.
A maioria dos programas nacionais contra a desnutrio infantil e proteo da
amamentao preconizam a promoo da alimentao complementar adequada e
apropriada, o monitoramento do crescimento, o controle das carncias de micronutrientes e
22
-
a nutrio da gestante e lactante (OPAS/ OMS, 2002). As prticas alimentares como tema
complementar para a compreenso do universo nutricional de crianas desnutridas
interessante e polmico. Tendemos a achar que a desnutrio em crianas de at cinco anos,
por exemplo, est relacionada alimentao intra-uterina ou aos primeiros meses de vida.
Entretanto, inmeros trabalhos mostram que crianas acometidas de desnutrio
proteico-calrica (nosso universo de estudo) geralmente nascem com peso adequado,
estatura e tempo gestacional adequados. Na unidade de sade onde foi desenvolvida a
pesquisa de nosso presente estudo, observamos que a desnutrio infantil normalmente
detectada aps os primeiros meses, principalmente quando outros alimentos so oferecidos
criana alm do leite materno (normalmente a partir do 6 ms de vida da criana). A
me, geralmente aps o adoecimento da criana, recorre inicialmente s prticas de sade
a que tem acesso. A constatao da perda de peso na criana costuma ocorrer a partir da
intermediao de um profissional de sade, feita atravs de uma avaliao clnica.
Observamos atravs dos estudos disponveis, uma grande preocupao dos autores
em garantir a importncia de se esclarecer importncia de se utilizar todos os mtodos de
mensurao disponibilizados pela antropometria apontando para a valorizao da utilizao
de todos os indicadores utilizados pela antropometria pelos profissionais de sade, suas
prticas de sade com a criana em vigilncia nutricional e outras prticas de sade que
envolve a prtica clnica como demonstraram o trabalho de Soares e Parente (2001). Os
Projetos voltados reabilitao nutricional de crianas de 0 a 5 anos estabelecem em
maioria prticas educativas de forma tradicional em sade como foram mencionadas por
Monte e Barreto S (1998) e Rottemberg (1999).
Carvalhaes e colaboradores (2002) objetivaram identificar e medir a magnitude do
risco de desnutrio associada a fatores determinantes da capacidade materna de cuidado
23
-
infantil: estrutura familiar, escolaridade, trabalho, sade fsica e sade mental maternos.
Esse estudo, desenvolvido em Botucatu, procurou pesquisar a relao existente entre a
desnutrio e fatores definidores da capacidade materna de cuidar em reas urbanas com
baixa prevalncia de desnutrio e concluiu que fatores potencialmente definidores da
capacidade materna exercem efeito independente sobre o estado nutricional infantil (p.
2). No desenvolvimento da pesquisa, adotaram os seguintes indicadores para expressar a
capacidade materna de cuidar: escolaridade, estrutura familiar (mes frente do cuidado
dos filhos), trabalho materno, sade mental e fsica, indcios de alcoolismo e
comportamento reprodutivo maternos. Esses indicadores eram conceitualmente
considerados pelo autor capazes de afetar a capacidade materna no cuidado infantil e
poderiam constituir fatores de risco para a desnutrio infantil. Os autores obtiveram em
seu estudo dados que sugerem, no entanto, o desenvolvimento de novo estudo utilizando
um delineamento do tipo de coorte e uma amostragem mais representativa, visando
compreenso, de maneira mais aprofundada, das relaes entre os fatores estudados e a
desnutrio infantil.
Analisando o significado do cuidado de sade da criana, da desnutrio e das
prticas alimentares para mes de crianas sob risco nutricional, Rottemberg (1999),
atravs de pesquisa qualitativa (entrevistas), apontou para a importncia do debate de temas
com a comunidade e da relao de confiana que se deve estabelecer entre as mes, as
crianas e os profissionais envolvidos numa ao profiltica e/ou teraputica.
Conhecer as prticas alimentares de uma comunidade e a sua prtica cotidiana
significa conhecer um pouco mais sobre a realidade de pessoas que direta ou indiretamente
podem contribuir para a luta contra a Desnutrio Infantil. O fomento ao debate e a troca de
experincias entre os profissionais e a comunidade assistida deve ser estimulado para que
24
-
possamos entender melhor o universo alimentar e de vida das crianas desnutridas e de
suas mes.
Alguns indivduos gozam de melhor sade que outros. Entretanto, a conscincia de
suas limitaes orgnicas constitui sempre uma grande incgnita. No caso de uma criana
desnutrida, a sua capacidade e/ou resistncia orgnica limitada, no permitindo que a
mesma tenha uma vida saudvel devido sua fragilidade imunolgica para ter uma vida
social como a maior parte das crianas de seu grupo etrio, vivendo, assim, sempre em
funo de seu estado de sade em risco nutricional.
Segundo a classificao dada pelo SISVAN, a desnutrio classificada como:
grave, moderada e leve, de acordo com o percentil calrico obtido pela criana em sua faixa
etria e curva de crescimento. Observamos, na maior parte dos autores consultados, uma
preocupao em melhor estabelecer parmetros para uma melhor diagnose de crianas
desnutridas.
6. Breve histrico da implantao e implementao do SISVAN
Preconizado na dcada de 70, na Conferncia Mundial de Alimentao (ROMA,
1974), o Sistema de Vigilncia Nutricional foi preconizado e recomendado pela OMS,
OPAS, FAO e UNICEF e encontra-se em fase de consolidao ou implantao em vrios
pases do mundo (SISVAN, 2003).
A implantao do SISVAN (Sistema de Vigilncia Alimentar Nutricional) se deu
em 1977 e, em 1990 esse Sistema foi regulamentado no Brasil, pela Portaria do Ministrio
da Sade nmero 080 (16/10/1990). Sua existncia em mbito municipal considerada
pr-requisito para o repasse de recursos federais para as aes de combate desnutrio.
25
-
No Brasil, o SISVAN tem atuado na vigilncia de variveis antropomtricas de crianas
menores de 5 anos e de gestantes. Segundo o SISVAN, a cobertura geogrfica e
populacional ainda no nacional.
O SISVAN um sistema de informaes e vigilncia que visa a descrever de
maneira sistemtica e contnua tendncias das condies de nutrio e alimentao da
populao, bem como seus determinantes, caracterizando reas geogrficas, segmentos
sociais e grupos populacionais de maior risco. Sua misso produzir indicadores capazes
de evidenciar os eventos de maior interesse que possam interferir na sade da populao
tais como: disponibilidade de alimentos, aspectos qualitativos e quantitativos de dieta
consumida, prticas de amamentao e perfil da dieta complementar ps desmame,
distribuio do peso ao nascer, prevalncia da desnutrio energtico-proteica, de anemias,
do sobrepeso, das deficincias de iodo e de vitamina. Dessa forma, tendo detectado a
situao de risco, o Sistema prescreve aes de preveno, visando a reverter o estado
nutricional ao quadro normalidade.
O SISVAN apresenta dois componentes em sua estratgia: fluxo de dados e ao
que consiste na atitude de vigilncia e cuidado diferenciado (Instituto Annes Dias, 2003).
Desta forma, possvel obter-se um diagnstico populacional no sentido de subsidiar o
planejamento e a avaliao de polticas, programas, intervenes e predizer tendncias
populacionais futuras.
Desde de 1991, a Secretaria Municipal de Sade do Rio de Janeiro (SMS) vem
investindo na implementao do (SISVAN) em sua rede bsica de servios voltados ao
monitoramento da situao alimentar e nutricionais da populao de sua cidade. As aes
de cobertura nutricional em crianas com desnutrio energtico-proteica em crianas de 0
a 5 anos foram objeto de nossa investigao.
26
-
Os dados da Pesquisa Nacional de Sade e Nutrio realizado no inqurito em
1989 (no houve outro inqurito com este porte ainda) confirmam aes tradicionais nos
programas governamentais de distribuio de alimentos, dando destaque s constataes
que seguem: superestimao dos nmeros oficiais referentes a pessoas atendidas, o no
direcionamento para os grupos mais pobres e biologicamente mais vulnerveis, dissociao
dos programas da prestao de servios bsicos. Contudo, a vinculao ao programa no
garante o recebimento da suplementao alimentar (PELLIANO, 1992). O autor, embora
ratifique essas falhas e ressalte a importncia das mudanas necessrias na organizao
social, poltica e econmica brasileira, comenta que a urgncia da fome no se coaduna
com o tempo requerido para tais transformaes. Ele defende as alternativas de curto prazo,
quando adequadamente dirigidas, considerando que estas podero contribuir para a reduo
do problema nutricional no pas, sendo necessrio insistir no aprimoramento dos programas
de alimentao. Dessa forma, percebe-se que os gestores do setor de sade e nutrio
devem refletir ainda mais detidamente sobre as formas de captao da clientela, de
identificao da desnutrio, bem como sobre as medidas de interveno adotadas.
7. Prticas sociais, prticas de sade e redes sociais da comunidade
Monte e Barreto S (1998) e Rottenberg (1999) mostraram que, na maioria
instituies de Sade pesquisadas, a concepo hegemnica a da educao em sade
tradicional prevalecendo atividades de palestras com temas fixos, mas com pouca
valorizao da fala do usurio (sua histria, suas queixas, dvidas e ansiedades).
Rottemberg (1999), analisando as prticas de sade, alimentares e o cuidado da
sade da criana, compreendeu-as como prticas sociais integrantes das redes sociais.
27
-
Verificou ainda que as prticas alimentares so permeadas pelo aprendizado materno, uma
vez que este um processo construdo no contato com diferentes saberes, com os rituais de
socializao, com o saber cientfico e a mdia, com base em uma realidade concreta de vida.
A contribuio e a limitao dos servios e dos profissionais de sade na promoo
da sade da criana e a qualidade do atendimento foram apontados como pontos
importantes na relao com o usurio, a me da criana, por Monte e Barreto S (1998).
Outro ponto significativo, destacado por Rottemberg (1999), o estabelecimento de relao
de confiana entre profissionais e usurios, ressaltando-se, sobretudo, nessa relao
valorizao da fala do usurio. Foucault (apud ROUQUYROL, 1992) anteriormente j
levantara a relevncia da questo das aes de sade pblica e da valorizao do indivduo
em um contexto social.
As concluses dos estudos acima citados demonstraram que tanto o profissional de
sade quanto o usurio apresentam valores diferenciados, muitas vezes contraditrios, uma
vez que tanto os profissionais quanto os usurios os dois segmentos apresentam valores e
sentimentos distintos, o que demanda do profissional uma escuta mais apurada e voltada
para a singularidade do indivduo e do grupo social a que este pertence.
Igualmente importante a questo da promoo de sade que se baseia em dar
condies populao de sofrer intervenes, seja em nvel profiltico (preventivo) ou em
nvel teraputico (tratamento). A sade, por sua vez, no deve ser entendida apenas como
um recurso passvel de desfrute at a sua escassez. Segundo Canguilhem (1978), ela deve,
antes de tudo, ser encarada como um bem esgotvel; por conseguinte a importncia do
cuidado com a sade de cada indivduo e da singularidade do indivduo na relao
mdico/paciente, segundo Foucault (apud ROUQUYROL, 1992).
28
-
A percepo da sade, da normalidade singular e individual nos filhos
fundamental para que as mes se conscientizem da importncia de procurar uma Unidade
de Sade, onde possam encontrar orientao quanto s prticas de sade s quais ainda no
tiveram acesso ou obter uma compreenso adequada do problema. Segundo Canguilhem
(ibid.), a fronteira entre o normal e o patolgico imprecisa quando se levam em conta as
condies individuais. A doena considerada uma norma de vida, mas de forma inferior,
uma vez que no tolera qualquer desvio das condies em que considerada vlida. No
caso da desnutrio infantil, essa reflexo de Canguilhem oportuna se considerarmos a
qualidade de vida de crianas desnutridas e o fato de sua condio de sade/doena por
vezes ser vivenciada como normal enquanto a criana no manifestar qualquer sintoma de
doena (intercorrncia clnica).
A reabilitao de crianas desnutridas e a preveno de uma reincidncia ao estado
nutricional de risco implicam ateno s prticas alimentares e aos cuidados maternos
dispensados criana, uma vez que elas dependem da me para se alimentar.
Estudo de Domene e seus colaboradores (1996) revelam dados relativos
desnutrio em Campinas e os compara com os dados nacionais de 1989, recomendando
aes de sade como a do Sistema de Vigilncia Alimentar e Nutricional, capaz de agir em
regies onde as aes tradicionais parecem ser menos eficientes, considerando grupos
scio-econmicos especiais como os de baixo poder aquisitivo.
A questo da capacidade materna, prticas alimentares e o cuidado materno
apontam objeto de investigao nos estudos acima citados, apontam a necessidade de
implementao de aes mais eficazes junto desnutrio infantil.
29
-
CAPTULO II - ANTECEDENTES DA PESQUISA: PRIMEIROS PASSOS NA
COMPREENSO DO PROBLEMA
Em nosso trabalho inicial, cotidianamente nos deparvamos com o desafio de
aprofundar nosso incipiente saber em relao desnutrio infantil, tanto do ponto de vista
psicossocial quanto orgnico. Tornou-se prioritria uma melhor adequao de nossa
estratgia de interveno para a captao e a observncia teraputica pelas mes de crianas
desnutridas. A baixa captao expressiva das mes dessas crianas fez com que
percebssemos ser de fundamental importncia conhecer melhor a clientela, ou seja, ouvi-
la. Precisvamos conhecer e compreender quais eram as prticas de cuidado com a sade e
a doena por adotadas pelas mes, bem como conhecer o que elas compreendiam sobre a
desnutrio infantil.
Nesse contexto, tornou-se imperioso estabelecer uma reflexo e interao entre os
profissionais de sade diretamente envolvidos para a implementao do Projeto. Como
estratgia para a constituio de alianas e comprometimento da equipe frente ao trabalho
com mes de crianas desnutridas e com baixo peso, o setor de Sade Mental props uma
discusso semanal com o grupo de profissionais, que compreendia assistente social,
pediatras, a direo do servio, dentista, enfermeira e setor de sade mental. Comeamos a
pensar no que cada profissional entendia como desnutrio e sua relevncia. Alguns
aspectos foram considerados relevantes:
Que imagens havamos construdo daquela clientela e de suas condies de vida?
30
-
O que j havamos vivenciado enquanto profissionais de sade em nossa Unidade e
conseqentemente qual era a nossa prtica teraputica em relao ao tratamento da
criana e na orientao da me?
No poderamos perder de vista a questo da abordagem e da relao teraputica
estabelecida entre o profissional de sade e seu cliente / paciente. No decorrer de nosso
trabalho, deparamo-nos com a necessidade de valorizao da fala do cliente, de nossa
clientela: as mes. Um questionamento surgiu ento: como lidar com as mes dessas
crianas desnutridas, se no havamos iniciado com elas uma interao com base na arte da
conversao? Percebemos a necessidade de estabelecer, com base na conversao no seu
sentido mais amplo, uma maior aproximao entre os saberes dos profissionais e da
clientela o saber da prtica mdica / cientfica e o saber popular.
Entendemos a arte da conversao como a conversao respeitosa e atenta quer
seja entre mes, mes e profissionais e profissionais entre si, colocados em p de igualdade.
Entendamos que a criao de um ambiente mais propcio ao estabelecimento de
uma real aliana teraputica e implicao profissional, bem como a um maior
comprometimento das mes, seria facilitado pela criao de grupos de efetiva interao.
Acreditvamos que a participao das mes possibilitaria a observncia teraputica
(adeso) de seus filhos ao tratamento.
1. Revelando o olhar dos profissionais:
Observou-se a partir das falas dos profissionais registradas durante as reunies que a
maior parte deles se preocupava com crianas que apresentavam desnutrio grave,
moderada e leve, muitas vezes atribuindo a estas duas ltimas - quando no associada
31
-
intercorrncia clnica, causas de origem sociocultural. Atribuam-na tambm ao prprio
bitipo da criana ou ento, como sendo do bitipo das crianas da Comunidade (isto
diante de casos de desnutrio leve e ou moderada). Estes grupos de discusso formados
pelos profissionais foram particularmente valiosos no estabelecimento de hipteses em
relao dificuldade da adeso inicial das mes das crianas. Foram elas: falta de
comprometimento das mes; fatores sociais, tais como analfabetismo e pobreza; baixa auto-
estimada das mes e; negligncia por parte delas.
Surge ainda, paralelo a estas possveis causas no discurso dos profissionais
questo da urbanizao, do trabalho e do desemprego que, somados a outros fatores sociais,
psicolgicos, e culturais, - eram tidos como as mais relevantes causas da desnutrio
infantil. Mereceu igual importncia em nosso trabalho a compreenso dos profissionais em
relao desnutrio. Pudemos observar a dificuldade deles em aplicar a teoria prtica
cotidiana da populao atendida, devido complexidade e a velocidade com que as novas
situaes ocorriam no universo de nossa clientela - um universo contemporneo em
constante movimento, com uma linguagem, cultura e caractersticas prprias. Neste sentido,
observamos que a compreenso da desnutrio pelos profissionais de sade poderia estar
ligada a alguns pressupostos:
a desnutrio grave seria muitas vezes, oriunda de doenas ou intercorrncias
clnicas;
a desnutrio moderada e leve sem causa clnica, seria oriunda de fatores sociais;
a desnutrio leve seria muitas vezes compreendida como do prprio "bitipo" da
criana - se no apresentasse intercorrncias clnicas.
32
-
O estudo e a reflexo sobre a prtica nos levaram busca de respostas junto
literatura cientfica que enfocasse o tema desnutrio e o que j havia sido feito com
crianas neste estado nutricional em nvel orgnico, psicolgico e social. Consideramos
ainda, a questo da complexidade da abordagem do tema (desnutrio), uma vez que o
mesmo invade a intimidade da me e de sua famlia. Nossa experincia mostrou que as
mes tendem a se sentirem culpadas por no poderem proporcionar aos filhos condies de
vida e prticas alimentares que consideram "ideais" para o desenvolvimento da criana.
Estabelecemos em nosso grupo de profissionais a arte da conversao. Falamos
sobre nossas preocupaes, concordncias e de como prosseguir com nossa investigao
com o auxlio dos vrios campos do saber, em uma perspectiva interdisciplinar, portanto,
envolvendo os profissionais anteriormente mencionados.
Pensamos em estratgias que pudessem facilitar o acesso destas mes Unidade de
Sade e que visassem: a facilitao da relao mdico-paciente com a indicao de um
pediatra como referncia e que estivesse mobilizado a atender este grupo; a garantia ao
agendamento prioritrio destas crianas num dos dias da semana; agendamento quinzenal;
promover encontros quinzenais e a manuteno do grupo de mes enquanto consulta
coletiva com freqncia quinzenal com a participao da pediatra e da psicloga.
Estabelecemos ainda uma rotina na Unidade para atendimentos individuais das
mes e de seus filhos, bem como atendimento em Grupo para que pudssemos nos
conhecer e estabelecer uma aliana teraputica. A partir destas medidas iniciais, outras
surgiram como a necessidade de envolver os demais profissionais da pediatria, da
enfermagem, alm das prprias mes. Percebemos que a desnutrio era tida por quase
todos profissionais de sade (nveis superior e mdio) como passvel de atendimento, mas
no necessariamente de tratamento continuado.
33
-
2. O trabalho com as mes
O grupo de mes formou-se no primeiro semestre de 1998 a partir de convites
verbais feitos pela pediatria, psicologia, s mes que se encontravam aguardando a consulta
e atravs de cartazes que divulgavam os Encontros do Grupo de Mes de Crianas que, por
um brevssimo perodo, obteve a nomeao de Grupo de Mes de Crianas Desnutridas.
Considerando nossa experincia anterior, pudemos observar uma certa dificuldade
das mes em conviverem com a palavra desnutrio e com a denominao do grupo. Os
profissionais se referiam ao grupo como grupo de desnutridos enquanto as mes diziam que
o grupo no poderia se chamar assim porque seus filhos no eram desnutridos. O grupo,
desde a sua formao tinha como caracterstica a participao ativa no trabalho - o que
seguia os princpios da pesquisa-ao. Quando perguntada qual seria a denominao ideal
para o grupo, responderam: grupo de crianas de baixo peso. Desnutridos, para elas,
significava aqueles que no tinham me ou eram filhos de mes negligentes.
Um outro passo importante foi a formao de grupos com os quais foram desenvolvidas consultas coletivas, visto que quando comeamos a contar com a presena do pediatra que, de certa forma, dava para elas o status de consulta, garantia socializao da informao e uma interao das mes entre si e com os diferentes profissionais de sade envolvidos. Com o passar do tempo, as consultas coletivas se tornaram ainda mais importantes por permitir ao grupo a construo de sua prpria identidade. O grupo foi nomeado Grupo de Ateno s Mes de Crianas com Baixo Peso (GAMCBP). A presena nas reunies no apenas servia para que se fossem discutidas questes relacionadas doena propriamente, mas tambm quelas relacionadas promoo da sade tais como: cuidados, lazer, aspectos culturais (credos, religiosidade, e interesses em geral) e principalmente aqueles relacionados vida cotidiana de cada uma delas enquanto mulheres, mes, trabalhadoras e usurias dos servios pblicos.
34
-
Dentre as questes discutidas no grupo, observou-se que havia uma certa
dificuldade por parte das mes em inserirem na dieta alimentar de seus filhos e tambm de
sua famlia, alimentos j conhecidos, mas tidos como menos nobres. Como por exemplo: o
fub, o aipim, a carne de segunda e outros. Nossa inteno foi a de oferecer s mes e s
crianas esses mesmos alimentos, preparados de forma diversificada, com o intuito de
desestigmatiz-los e dar a possibilidade de serem degustados e posteriormente inseridos na
dieta alimentar da famlia. Esta tentativa de insero de alimentos, tanto os preparados de
forma tradicional como as novas, foi importante para o resgate do saber, da cultura e da
culinria dessas pessoas, uma vez que pesquisando a histria familiar e as origens desta
populao, pudemos observar o uso mais freqente destes mesmos alimentos por parte das
geraes predecessores (avs, bisavs), em sua grande maioria, oriunda da Regio Nordeste
do pas.
Num dos encontros, as mes falaram do trabalho da Pastoral da Criana
desenvolvido pela Igreja Catlica local de atuao muita efetiva na comunidade.
Estabelecemos ento uma aliana de trabalho com o grupo da Pastoral da Criana e
passamos a contar com a presena de algumas de suas representantes, que interagiam com
as mes aconselhando-as quanto ao preparo de alimentos e apresentando-lhes novas
receitas ou outras que haviam sido esquecidas na memria e no imaginrio popular, bem
como ensinando cuidados na conservao dos alimentos. Tais representantes eram
respeitadas, sobretudo, por j virem desenvolvendo h algum tempo um trabalho na
Pastoral, por pertencerem mesma comunidade, e por serem mais experientes e mes.
A participao e a interao das mes de crianas de baixo peso em aes como as
do Projeto, de ateno a essas crianas, bem como a deteco e a captao das crianas em
risco nutricional se deu, fundamentalmente, atravs da vinda dessas mes Unidade de
35
-
Sade. Isso foi importante conquista, uma vez que a criana depende, incondicionalmente,
da interveno materna para ter acesso ao tratamento mdico do qual necessita. medida
que apropriavam do conhecimento que emergia no/do grupo, o nmero de mes foi se
ampliando e a intercorrncia clnica das crianas, diminuindo.
CAPTULO III REFERENCIAL TERICO E ESCOLHA METODOLGICA
1. Referencial terico
Pesquisa bibliogrfica foi feita no sentido de encontrarmos respostas as nossas
indagaes com relao desnutrio infantil, captao, deteco e reabilitao; a
influncia da capacidade materna de cuidar no desenvolvimento e recuperao da criana; a
importncia da utilizao do mtodo antropomtrico e a correlao entre seus ndices na
diagnose e no monitoramento do tratamento; a necessidade de se estabelecerem prticas
educativas e alimentares no cuidado com a criana; a importncia da amamentao; a
valorizao do saber popular e da prtica social das mes e; a respeito da Teoria das
Representaes Sociais e sua aplicao.
Rottemberg (1999), em seu trabalho sobre prticas alimentares, aponta para a
necessidade de se valorizar o saber popular. O seu estudo conclui que o dilogo pode servir
como mediador entre o universo da comunidade e dos profissionais de sade e como
elemento importante na formao de um vnculo de confiana entre profissionais, mes e
crianas.
36
-
A considervel prevalncia de desnutrio entre os menores de 5 anos na Regio
Sudeste sugere que recursos esto sendo desperdiados e eficincia perdida nas
intervenes educacionais para melhorar o estado nutricional e reduzir a mortalidade das
crianas menores de 2 anos. Isto poderia ser ultrapassado com o repasse de orientao
apropriada, adequada e vivel para as mes. Em seu estudo, Rottemberg valoriza alm do
tratamento da criana prestado pelos centros nutricionais, a importncia da insero na
comunidade de um trabalho educativo mais eficiente e sistemtico e aponta para uma forma
de interao mais educativa, diretiva e que ao mesmo tempo contemple a complexidade
social.
Nossa pesquisa bibliogrfica pretendeu encontrar uma estratgia que nos ajudasse
a compreender o universo da desnutrio infantil, da criana, das mes destas crianas e de
sua comunidade. Pretende agora, mais do que antes, clarificar os mecanismos pelos quais as
representaes se constroem e se afirmam.
O referencial que utilizaremos neste estudo o da teoria das Representaes
Sociais, nascida na Frana em 1961 a partir dos estudos de Serge Moscovici. Essa teoria
suscitaria posteriormente seguidores e sistematizadores em vrias reas. Segundo
Moscovici, o estudo das representaes despertou o interesse de um pequeno grupo de
psiclogos sociais, que vislumbrava a possibilidade de estudar os comportamentos e as
relaes sociais sem, contudo, deform-las nem simplific-las (JODELET, 2001). Esses
estudos permitiram pesquisar a transmisso dos saberes, a relao entre pensamento e
comunicao e a gnese do senso comum.
Jodelet (1989) destaca que o conceito e o estudo da teoria das representaes sociais
vm sendo ampliados h vinte anos com os mltiplos temas de pesquisa, abordagens
metodolgicas apontando para um universo em expanso no qual se estruturam galxias de
37
-
saber. A proposta do esforo cientfico impulsiona para a diversidade e a inveno trazendo
com isto o desafio da complexidade. Tal complexidade aponta para a necessidade de
aprofundar a reflexo a partir de territrios autnomos e estabelecer a interface do
psicolgico e do social.
No campo da sade, existem os trabalhos pioneiros de Herzlich e, mais uma vez,
Jodelet que pesquisaram e estudaram sobre os processos de sade e doena e
representaes sociais da loucura respectivamente. Jodelet (1989) considera, numa primeira
caracterizao da representao social, como uma forma de conhecimento socialmente
elaborado e partilhado com um objetivo prtico e que contribui para a construo de uma
realidade comum a um conjunto social. Esta forma de conhecimento, tambm conhecida
como senso comum, diferenciada do conhecimento cientfico. Sobre este conhecimento, o
senso comum, procuraremos nos aprofundar em nosso objeto de pesquisa: as
representaes sociais da Desnutrio Infantil para as mes de crianas com Baixo Peso.
As Representaes Sociais so reconhecidas geralmente enquanto sistemas de
interpretao que regem a nossa relao com o mundo e com os outros JODELET (2001,
p.22) e assim, orientam e organizam as condutas e as comunicaes sociais. Desta maneira,
elas intervm em processos variados como a difuso e assimilao dos conhecimentos
(individual e coletivo), a definio das identidades pessoais e sociais, a expresso dos
grupos e as transformaes sociais.
Neste contexto, a doena para Herzlich (1992) mais que uma metfora: um
significante cujo significado o relacionamento do indivduo ordem social. atravs das
representaes que se estabelecem que temos acesso s crenas, ao conjunto das relaes
dos sentidos que se agrupam numa sociedade. Em seu estudo de 1985, numa comunidade
rural onde vivem doentes mentais em liberdade, Jodelet observa que a populao constri
38
-
um sistema de representaes da loucura que lhe permite no s gerenciar sua interao
cotidiana com eles, mas defender-se de uma presena: a loucura que julga perigosa para sua
imagem e sua integridade. O seu trabalho aponta para a complexidade do tema da loucura e
de sua assimilao, ou seja, a representao social da loucura em uma determinada
sociedade.
As etapas dos processos que constituem a formao da representao, ainda
segundo Jodelet, podem ser compreendidos atravs dos processos de objetivao e
ancoragem. Os mesmos possibilitam a articulao entre a atividade cognitiva e as
condies sociais em que so forjadas as representaes.
A objetivao consiste em materializar as abstraes, corporificar os pensamentos,
tornar fsico e visvel o impalpvel e transformar em objeto o que representado. Neste
processo, o objeto percebido e o conceito tornam-se capazes de intercambiar isto : as
palavras so acopladas s coisas, o abstrato tornado concreto e o conceito so
transformados em uma imagem ou em um ncleo figurativo (NBREGA, 2001).
Nbrega ainda considera que as representaes sociais apresentam importante
funo na manuteno da identidade social e do equilbrio sociocognitivo a elas ligado.
Para enfrentar as novidades que so vivenciadas como ameaadoras por diferentes grupos
de uma comunidade ou coletividade, social, religioso ou poltico so mobilizadas defesas
para melhor lidar com a novidade. Quando a novidade incontornvel aps a ao de evit-
la, segue-se um trabalho de ancoragem, o objetivo de torn-la familiar e transform-la para
integr-la no universo de pensamento preexistente. Essa ancoragem, seguindo esta linha de
raciocnio, corresponderia a uma funo cognitiva fundamental da representao, capaz de
se referir a todo elemento desconhecido no ambiente social ou ideal. Essa funo atende a
39
-
um princpio de economia cognitiva e tambm adquire a funo de proteo e de
legitimao.
A ancoragem, ento, seria a instrumentalizao do saber que d continuidade
objetivao. A naturalizao das noes lhes atribui valor de realidades concretas -
diretamente utilizveis na ao sobre o mundo e os outros (JODELET, 2001).
Desta maneira, elas intervm em processos variados como a difuso e assimilao
dos conhecimentos (individual e coletivo), a definio das identidades pessoais e sociais, a
expresso dos grupos e as transformaes sociais (JODELET, 2001). As mulheres que
sero o alvo desta pesquisa certamente revelaro, as suas RS, no s seus sistemas de
interpretao do mundo, mas tambm sua forma peculiar de traduzir o pensamento mdico
que lhes transmitido.
A desnutrio infantil enquanto um estado de doena aponta para questes apoiadas
em valores sociais e morais nos diversos grupos de uma sociedade (JOFFE, 1998). Diante
da necessidade cognitiva de compreender o novo, o desconhecido surge como uma
novidade ameaadora, surgindo tambm a necessidade de se lidar com este outro. ento
que nos deparamos com o outro (possveis causas do baixo peso) vivenciado como
ameaador que, se por um lado, se apresenta para os profissionais de sade apoiado em
valores sociais e morais como pobreza, falta de cultura, negligncia, desinteresse , por
outro lado, para as mes dessas crianas de baixo peso, as doenas infantis e outras como