RELAÇÕES ENTRE LÉXICO E AMBIENTE: UM ESTUDO DA … · Este estudo teve como objetivo mais amplo...

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PAOLA MAHYRA DE OLIVEIRA CARVALHO RELAÇÕES ENTRE LÉXICO E AMBIENTE: UM ESTUDO DA NORMA LEXICAL DO CENTRO-OESTE DO BRASIL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, área de concentração Linguística e Semiótica como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Aparecida Negri Isquerdo . Campo Grande MS Agosto, 2015

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    PAOLA MAHYRA DE OLIVEIRA CARVALHO

    RELAES ENTRE LXICO E AMBIENTE: UM ESTUDO DA

    NORMA LEXICAL DO CENTRO-OESTE DO BRASIL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao

    em Estudos de Linguagens da Universidade Federal de

    Mato Grosso do Sul, rea de concentrao Lingustica e

    Semitica como requisito parcial para obteno do ttulo

    de Mestre.

    Orientadora: Profa. Dra. Aparecida Negri Isquerdo .

    Campo Grande MS

    Agosto, 2015

  • 2

    PAOLA MAHYRA DE OLIVEIRA CARVALHO

    RELAES ENTRE LXICO E AMBIENTE: UM ESTUDO DA

    NORMA LEXICAL DO CENTRO-OESTE DO BRASIL

    APROVADA POR:

    PROFA. DRA. APARECIDA NEGRI ISQUERDO (UFMS)

    PROFA. DRA ELIZABETE APARECIDA MARQUES (UFMS)

    PROFA. DRA REGIANE COELHO PEREIRA REIS (UFMS)

    Campo Grande, MS, 18 de agosto de 2015.

  • 3

    No troco o meu oxente pelo ok de ningum

    (Ariano Suassuna).

  • 4

    DEDICATRIA

    Aos meus pais e irmo

    Paulo Neres, Mariza e Paulo Levi

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    A realizao do Mestrado representou para mim a oportunidade de

    concretizar um sonho que, muitas vezes, parecia estar distante, pois trilhar novos

    caminhos exige cumprir uma jornada longa, por vezes tortuosa, mas gratificante

    no final. Portanto, agradeo a todos que estiveram comigo nesta jornada:

    Em especial a Deus pelo dom da vida e, por muitas vezes, acalmar meu

    corao durante a concretizao deste trabalho.

    Aos meus pais, Paulo Neres e Mariza, e ao meu querido irmo Paulo

    Levi, que me deram todo o apoio e carinho necessrios. A eles, todo o meu amor

    e minha gratido eterna.

    Ao meu namorado, Fernando Moura, pela compreenso e pelos abraos

    reconfortantes nos momentos de cansao.

    minha professora orientadora, Dra Aparecida Negri Isquerdo, pelos

    ensinamentos desde a Iniciao Cientfica, que contriburam significativamente

    para a realizao deste sonho.

    Ao Projeto ALiB, em especial Professora Dra Suzana Alice Marcelino

    Cardoso, Presidente do Comit Nacional, por autorizar a utilizao do corpus do

    Projeto e assim possibilitar a realizao desta pesquisa.

    Capes e FUNDECT pelo incentivo financeiro que possibilitou a

    realizao deste estudo.

    s queridas amigas Daniela de Souza Silva Costa, Luciene Gomes

    Freitas Marins e Priscila do Nascimento Ribeiro por toda a ajuda, conselhos e

    palavras de apoio: minha eterna gratido.

  • 6

    RESUMO

    CARVALHO, Paola Mahyra de Oliveira. Relaes entre lxico e ambiente: um estudo

    da norma lexical do Centro-Oeste do Brasil. 2015. 219p. Dissertao (Mestrado em

    Estudos de Linguagens), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-

    MS, 2015.

    Este estudo teve como objetivo mais amplo a anlise da norma lexical de habitantes da

    regio Centro-Oeste do Brasil, com base em dados geolingusticos, extrados do Banco

    de dados do Projeto ALiB (Atlas Lingustico do Brasil). Esses dados foram coletados

    por meio de inquritos linguisticos realizados com 108 informantes de 24 localidades da

    regio Centro-Oeste (trs capitais e 21 cidades do interior), com o seguinte perfil: duas

    faixas etrias (18 a 30 e 50 a 65 anos), de ambos os sexos, com dois nveis de

    escolaridade: Ensino Fundamental incompleto (interior e capitais) e Curso Superior

    (capitais), nascidos e criados nas localidades e filhos de pais nascidos na mesma rea

    lingustica. O corpus estudado constituiu-se por designaes fornecidas como respostas

    para dez perguntas do QSL Questionrio Semntico-Lexical do Projeto ALiB,

    vinculadas a trs reas semnticas: acidentes geogrficos: QSL 001 crrego/riacho;

    QSL 002 pinguela; fenmenos atmosfricos: QSL 011

    temporal/tempestade/vendaval; QSL 013 tromba-dgua; QSL 014 chuva

    forte; QSL 015 chuva de pedra; QSL 017 arco-ris e astros e tempo: QSL 029

    estrela matutina; QSL 030 estrela vespertina e QSL 031 estrela cadente. O

    estudo teve ainda por objetivo verificar como o ambiente pode influenciar nas escolhas

    lexicais dos falantes, no caso, para nomear elementos da natureza, o que permitiu

    verificar como o homem urbano concebe a realidade na qual est inserido. Tendo em

    vista a natureza do corpus investigado, buscou-se respaldo terico-metodolgico na

    Lingustica, em especial, na Lexicologia, na Dialetologia/Geolingustica e na

    Semntica, alm de fundamentos em reas afins como a Ecolingustica e a Histria. Os

    dados foram examinados nas perspectivas diatpica, diageracional, diassexual,

    diastrtica e lxico-semntica e permitiram identificar: a) traos de influncias do

    ambiente no repertrio lexical dos falantes naturais dos trs estados da regio Centro-

    Oeste; b) influncia de fatores sociais na seleo lexical realizada pelos centroestinos

    entrevistados; c) influncias histrico-geogrficas das localidades estudadas no

    vocabulrio dos habitantes; d) manifestao de especificidades lingusticas no lxico

    dos habitantes da regio Centro-Oeste; f) ndices de marcas de conservadorismos

    lingusticos na fala dos informantes idosos. Por fim, o resultado da pesquisa permitiu

    identificar a dinamicidade do lxico em uso como tambm a grande variedade de

    designaes para os fenmenos selecionados para estudo no universo pesquisado. Em

    sntese, o estudo confirmou a estreita relao entre as escolhas lexicais dos falantes e as

    influncias socioambientais que os circundam.

    Palavras-chave: 1) Lxico; 2) Ambiente; 3) Norma lexical; 4) Projeto ALiB; 5) Regio

    Centro-Oeste.

  • 7

    ABSTRACT

    CARVALHO, Paola Mahyra de. Relations between lexicon and environment: a study of

    lexical standard in the Midwest of Brazil. 2015. 217p. Dissertao (Mestrado em

    Estudos de Linguagens), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-

    MS, 2015.

    Brazil based on geolinguistic data extracted from the Alib Project database (Brazils

    Linguistic Atlas). Data were collected through surveys with 108 informants from 24

    locations (3 capitals and 21 country cities) in the Midwest region. The informants had

    the following profile: two age groups (18-30 and 50-65 years) of both genres, with two

    levels of education: Primary Education incomplete (country cities and capitals) and

    Higher Education (capitals), born and raised in the localities and children of parents

    born in the same language area. The studied corpus is constituted by designations

    provided as answers to ten questions of the QSL - Semantic-Lexical Questionnaire from

    the Alib Project. Data were linked to three semantic areas: geographical features: QSL

    001 - "crrego/riacho" (stream/brook); QSL 002 - "pinguela" (footbridge); atmospheric

    phenomena: QSL 011 - "temporal/tempestade/vendaval" (Temporal/Storm / Storm with

    winds); QSL 013 - "tromba-dgua" (waterspout); QSL 014 - "chuva forte" (heavy

    rain); QSL 015 - "chuva de pedra" (hail); QSL 017 - "arco-ris" (rainbow); and stars and

    weather: 029 QSL - "estrela matutina" (morning star); QSL 030 - "estrela vespertina"

    (evening star) and QSL 031 - "estrela cadente" (shooting star). The study also aimed

    assessing how the environment can influence the lexical choices of speakers, in this

    case, to name elements of nature, which has shown how urban man conceives the reality

    in which it is inserted. Given the nature of the investigated corpus, we pursued

    theoretical and methodological support in Linguistics, in particular the Lexicology in

    Dialectology/Geolinguistic and Semantics, as well as foundations in related areas such

    as Ecolinguistics and History. Data were examined from the perspectives about the city

    or origin, age, genre and lexical-semantic and it has identified: a) environmental

    influences the traits of lexical repertoire of the studied speakers born in three states of

    Middle West; b) social factors influence the lexicon of speakers; c) historical and

    geographical traits influences of the localities studied in the vocabulary of the

    inhabitants; d) expression of certain linguistic specificities in the lexicon of the

    inhabitants of the Midwest region can be identified; f) linguistic conservatism marks in

    the speech of elderly informants were identified. Finally, the result of research has

    identified the dynamics of the lexicon in use as well as the wide variety of assignments

    for selected phenomena in the investigated area. In summary, the study confirmed the

    close relationship between the lexical choices of speakers and the environmental,

    historical and geographical influences that surround them.

    Keywords: 1) Lexicon; 2) Environment; 3) lexical norm; 4) Alib Project; 5) Midwest

    Region.

  • 8

    LISTRA DE QUADROS

    Quadro 01 Localidades da rede de pontos do ALiB na regio Centro-Oeste

    distribudas segundo faixas populacionais. 45

    Quadro 02 Localidades da rede de pontos do Projeto ALiB no Estado de Mato

    Grosso e respectiva populao. 46

    Quadro 03 Localidades da rede de pontos do Projeto ALiB no Estado de Gois e

    respectiva populao. 52

    Quadro 04 Localidades da rede de pontos do Projeto ALiB no Estado de Mato

    Grosso do Sul e respectiva populao. 56

    Quadro 05 Perfil dos informantes do Projeto ALiB 62

    Quadro 06 Registro do nmero de designativos obtidos no Centro-Oeste para as 38

    perguntas selecionadas. 63

    Quadro 07 Perguntas selecionadas para anlise. 72

    Quadro 08 Dicionarizao das designaes para crrego. 87

    Quadro 09 Dicionarizao das designaes para pinguela. 102

    Quadro 10 Produtividade das respostas para tromba-dgua nas capitais da regio

    Centro-Oeste. 117

    Quadro 11 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no interior da

    regio Centro-Oeste. 118

    Quadro 12 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria. 120

    Quadro 13 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel faixa etria. 121

    Quadro 14 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Gois,

    segundo a varivel faixa etria. 122

    Quadro 15 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel sexo. 123

    Quadro 16 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel sexo 124

    Quadro 17 - Produtividade das designaes para tromba-dagua no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo. 125

    Quadro 18 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade. 126

    Quadro 19 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel escolaridade. 127

    Quadro 20 - Produtividade das designaes para tromba-dgua no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade. 127

    Quadro 21 - Produtividade das designaes para chuva forte no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel faixa etria. 132

    Quadro 22 - Distribuio das designaes para chuva forte no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel sexo. 135

    Quadro 23 - Distribuio das designaes para chuva forte no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel escolaridade. 138

    Quadro 24 - Dicionarizao das designaes para arco-ris. 168

    Quadro 25 - Dicionarizao de arco-ris em obras de cunho mitolgico e folclrico. 170

    Quadro 26 - Dicionarizao das designaes para estrela-dalva. 185

    Quadro 27 Dicionarizao das designaes para estrela da tarde. 199

    Quadro 28 - Designaes documentadas para estrela cadente documentadas na

    regio Centro-Oeste. 214

  • 9

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 01 Diviso regional brasileira. 42

    Figura 02 Rede de pontos do Projeto ALiB na regio Centro-Oeste. 62

    Figura 03 Armazenamento do corpus analisado. 65

    Figura 04 Tela inicial do Banco de Dados Login e senha. 66

    Figura 05 Tela ilustrativa do Banco de Dados Cadastro 67

    Figura 06 - Tela ilustrativa do Banco de Dados Cidades cadastradas. 67

    Figura 07 - Tela ilustrativa do Banco de Dados Informantes cadastrados. 68

    Figura 08 - Tela ilustrativa do Banco de Dados Questo cadastrada. 68

    Figura 09 - Tela ilustrativa do banco de Dados Relatrios de

    questes/respostas.

    69

    Figura 10 - Tela ilustrativa do Banco de Dados Relatrio de percentuais

    gerais.

    69

    Figura 11 - Tela ilustrativa do Banco de Dados Relatrio de percentuais

    detalhados.

    70

  • 10

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01 Densidade demogrfica, segundo cada grande regio do Brasil. 44

    Grfico 02 Produtividade das designaes para crrego/riacho nas capitais da

    regio Centro-Oeste.

    74

    Grfico 03 Produtividade das designaes para crrego/riacho nas localidades do

    interior da regio Centro-Oeste.

    75

    Grfico 04 Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    77

    Grfico 05 Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel faixa etria.

    78

    Grfico 06 - Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Gois,

    segundo a varivel faixa etria.

    79

    Grfico 07 - Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    80

    Grfico 08 - Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel sexo.

    81

    Grfico 09 Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo.

    82

    Grfico 10 - Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    84

    Grfico 11 - Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel escolaridade.

    85

    Grfico 12 - Distribuio das designaes para crrego/riacho no Estado de

    Gois, segundo a varivel escolaridade.

    86

    Grfico 13 - Produtividade das designaes para pinguela nas capitais da regio

    Centro-Oeste.

    90

    Grfico 14 - Produtividade das designaes para pinguela nas localidades do

    interior da regio Centro-Oeste.

    92

    Grfico 15 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Mato Grosso

    do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    93

    Grfico 16 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Mato Grosso,

    segundo a varivel faixa etria.

    94

    Grfico 17 Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Gois,

    segundo a varivel faixa etria.

    95

    Grfico 18 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Mato Grosso

    do Sul, segundo a varivel sexo

    96

    Grfico 19 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Mato Grosso,

    segundo a varivel sexo.

    97

  • 11

    Grfico 20 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo.

    98

    Grfico 21 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Mato Grosso

    do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    99

    Grfico 22 - Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Mato Grosso,

    segundo a varivel escolaridade.

    100

    Grfico 23 Distribuio das designaes para pinguela no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade.

    101

    Grfico 24 - Produtividade das designaes para tempestade nas capitais da regio

    Centro-Oeste.

    105

    Grfico 25 Produtividade das designaes para tempestade no interior da regio

    Centro-Oeste.

    106

    Grfico26- Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    estado de Mato Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    108

    Grfico 27 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Mato Grosso, segundo a varivel faixa etria.

    109

    Grfico 28 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Gois, segundo a varivel faixa etria.

    110

    Grfico 29 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    111

    Grfico 30 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Mato Grosso, segundo a varivel sexo.

    112

    Grfico 31 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Gois, segundo a varivel sexo.

    113

    Grfico 32 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    114

    Grfico 33 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Mato Grosso, segundo a varivel escolaridade.

    114

    Grfico 34 Distribuio das designaes para temporal/tempestade/vendaval no

    Estado de Gois, segundo a varivel escolaridade.

    115

    Grfico 35 Produtividade das designaes para chuva forte nas capitais da regio

    Centro-Oeste.

    128

    Grfico 36 Produtividade das designaes para chuva forte nas localidades do

    interior da regio Centro-Oeste.

    130

    Grfico 37 Produtividade das designaes para chuva forte no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    132

    Grfico 38 Produtividade das designaes para chuva forte no Estado de Gois,

    segundo a varivel faixa etria.

    133

    Grfico 39 Distribuio das designaes para chuva forte no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    134

  • 12

    Grfico 40 Distribuio das designaes para chuva forte no Estado de Gois

    segundo a varivel sexo.

    136

    Grfico 41 Distribuio das designaes para chuva forte no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    137

    Grfico 42 Distribuio das designaes para chuva forte no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade.

    138

    Grfico 43 Produtividade das designaes para chuva de pedra nas capitais da

    regio Centro-Oeste.

    140

    Grfico 44 Produtividade das designaes para chuva de pedra no interior da

    regio Centro-Oeste.

    141

    Grfico 45 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    142

    Grfico 46 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel faixa etria.

    143

    Grfico 47 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Gois,

    segundo a varivel faixa etria.

    145

    Grfico 48 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    146

    Grfico 49 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel sexo.

    147

    Grfico 50 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo.

    148

    Grfico 51 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    150

    Grfico 52 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel escolaridade.

    151

    Grfico 53 Distribuio das designaes para chuva de pedra no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade.

    152

    Grfico 54 Produtividade das designaes para arco-ris nas capitais da regio

    Centro-Oeste.

    156

    Grfico 55 Produtividade das designaes para arco-ris no interior da regio

    Centro-Oeste.

    157

    Grfico 56 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Mato Grosso

    do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    158

    Grfico 57 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Mato Grosso,

    segundo a varivel faixa etria.

    160

    Grfico 58 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Gois,

    segundo a varivel faixa etria.

    161

    Grfico 59 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Mato Grosso

    do Sul, segundo a varivel sexo.

    162

  • 13

    Grfico 60 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Mato Grosso,

    segundo a varivel sexo.

    163

    Grfico 61 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo.

    164

    Grfico 62 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Mato Grosso

    do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    165

    Grfico 63 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Mato Grosso,

    segundo a varivel escolaridade.

    166

    Grfico 64 Distribuio das designaes para arco-ris no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade.

    167

    Grfico 65 Produtividade das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva nas capitais da regio Centro-Oeste.

    172

    Grfico 66 Produtividade das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no interior da regio Centro-Oeste.

    174

    Grfico 67 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    175

    Grfico 68 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva Estado de Mato Grosso, segundo a varivel faixa etria.

    176

    Grfico 69 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Gois, segundo a varivel faixa etria.

    178

    Grfico 70 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    179

    Grfico 71 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Mato Grosso, segundo a varivel sexo.

    180

    Grfico 72 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Gois, segundo a varivel sexo.

    181

    Grfico 73 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a varivel

    escolaridade.

    182

    Grfico 74 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Mato Groso, segundo a varivel escolaridade.

    182

    Grfico 75 Distribuio das designaes para estrela matutina/Vnus/estrela da

    manh/ estrela-dalva no Estado de Gois, segundo a varivel escolaridade.

    184

    Grfico 76 Produtividade das designaes para estrela da tarde nas capitais da

    regio Centro-Oeste.

    187

    Grfico 77 Produtividade das designaes para estrela da tarde no interior da

    regio Centro-Oeste.

    188

    Grfico 78 Distribuio das designaes para estrela da tarde Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    189

    Grfico 79 Distribuio das designaes para estrela da tarde Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel faixa etria.

    191

  • 14

    Grfico 80 Distribuio percentual das designaes para estrela da tarde Estado de

    Gois, segundo a varivel faixa etria.

    192

    Grfico 81 Distribuio das designaes para estrela da tarde no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    193

    Grfico 82 Distribuio das designaes para estrela da tarde no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel sexo.

    194

    Grfico 83 Distribuio das designaes para estrela da tarde no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo.

    195

    Grfico 84 Distribuio das designaes para estrela da tarde no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    196

    Grfico 85 Distribuio das designaes para estrela da tarde no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel escolaridade.

    197

    Grfico 86 Distribuio das designaes para estrela da tarde no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade.

    198

    Grfico 87 Produtividade das designaes para estrela cadente nas capitais da

    regio Centro-Oeste.

    202

    Grfico 88 Produtividade das designaes para estrela cadente no interior da

    regio Centro-Oeste.

    203

    Grfico 89 Distribuio das designaes para estrela cadente Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel faixa etria.

    204

    Grfico 90 Distribuio das designaes para estrela cadente Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel faixa etria.

    205

    Grfico 91 Distribuio das designaes para estrela cadente Estado de Gois

    segundo a varivel faixa etria.

    206

    Grfico 92 Distribuio das designaes para estrela cadente no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel sexo.

    208

    Grfico 93 Distribuio das designaes para estrela cadente no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel sexo.

    209

    Grfico 94 Distribuio das designaes para estrela cadente no Estado de Gois,

    segundo a varivel sexo.

    210

    Grfico 95 Distribuio das designaes para estrela cadente no Estado de Mato

    Grosso do Sul, segundo a varivel escolaridade.

    211

    Grfico 96 Distribuio das designaes para estrela cadente no Estado de Mato

    Grosso, segundo a varivel escolaridade.

    212

    Grfico 97 Distribuio das designaes para estrela cadente no Estado de Gois,

    segundo a varivel escolaridade.

    213

  • 15

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ALF Atlas Lingustico da Frana

    ALiB Atlas Lingustico do Brasil

    CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CO Centro-Oeste

    GO Gois

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

    MS Mato Grosso do Sul

    MT Mato Grosso

    QFF Questionrio fontico-fonolgico

    QSL Questionrio semntico-lexical

    UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

  • 16

    SUMRIO

    INTRODUO 20

    CAPTULO 1 FUNDAMENTOS TERICOS 23

    1.1 Norma lingustica: fundamentos 23

    1.1.1 Norma lexical regional: contribuies da Dialetologia 26

    1.2 Lxico e ambiente: alguns fundamentos 31

    1.2.1 Rural e urbano: uma questo complexa 38

    CAPTULO 2 BRASIL CENTRAL: CONTEXTUALIZAO

    HISTRICO-GEOGRFICA

    41

    2.1 Estado de Mato Grosso 45

    2.2 Estado de Gois 51

    2.3 Estado de Mato Grosso do Sul 56

    CAPTULO 3 CONSIDERAES METODOLGICAS 61

    3.1 Universo pesquisado 61

    3.2 Procedimentos metodolgicos adotados na pesquisa 64

    3.3 Banco de dados: descrio 65

    3.4 Corpus da pesquisa e anlise 70

    CAPTULO 4 ANLISE DOS DADOS 72

    4.1 rea semntica acidentes geogrficos QSL 001 ...um rio pequeno, de uns

    dois metros de largura.

    74

    4.1.1 Anlise diatpica 74

    4.1.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 74

    4.1.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 75

    4.1.2 Dimenso diageracional 77

    4.1.3 Dimenso diassexual 80

    4.1.4 Dimenso diastrtica 84

    4.1.5 Abordagem lxico-semntica 87

    4.2 rea semntica fenmenos atmosfricos QSL 002 ....tronco, pedao de

    pau ou tbua que serve para passar por cima de um crrego.

    90

  • 17

    4.2.1 Anlise diatpica 90

    4.2.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 90

    4.2.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 91

    4.2.2 Dimenso diageracional 92

    4.2.3 Dimenso diassexual 95

    4.2.4 Dimenso diastrtica 99

    4.2.5 Abordagem lxico-semntica 102

    4.3 rea semntica fenmenos atmosfricos QSL 11 ....uma chuva com vento

    forte e que vem de repente.

    105

    4.3.1 Anlise diatpica 105

    4.3.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 105

    4.3.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 106

    4.3.2 Dimenso diageracional 108

    4.3.3 Dimenso diassexual 111

    4.3.4 Dimenso diastrtica 113

    4.4 rea semntica fenmenos atmosfricos QSL 13 ....uma chuva de pouca

    durao, muito forte e pesada

    116

    4.4.1 Anlise diatpica 116

    4.4.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 116

    4.4.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 118

    4.4.2 Dimenso diageracional 119

    4.4.3 Dimenso diassexual 122

    4.4.4 Dimenso diastrtica 125

    4.5 rea semntica fenmenos atmosfricos QSL 14 ....uma chuva forte e

    contnua

    128

    4.5.1 Anlise diatpica 128

    4.5.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 128

    4.5.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 130

    4.5.2 Dimenso diageracional 131

    4.5.3 Dimenso diassexual 134

    4.5.4 Dimenso diastrtica 136

    4.6 rea semntica fenmenos atmosfricos QSL 15 Durante uma chuva,

    podem cair bolinhas de gelo. Como chamam essa chuva

    139

    4.6.1 Anlise diatpica 139

  • 18

    4.6.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 1139

    4.6.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 141

    4.6.2 Dimenso diageracional 142

    4.6.3 Dimenso diassexual 146

    4.6.4 Dimenso diastrtica 150

    4.6.5 Abordagem lxico-semntica (perguntas 011-013-014-015) 153

    4.7 rea semntica fenmenos atmosfricos QSL 017 Quase sempre, depois

    de uma chuva, aparece no cu uma faixa com listras coloridas e curvas. Que

    nomes do a essa faixa?

    155

    4.7.1 Anlise diatpica 155

    4.7.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 155

    4.7.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 157

    4.7.2 Dimenso diageracional 158

    4.7.3 Dimenso diassexual 162

    4.7.4 Dimenso diastrtica 165

    4.7.5 Abordagem lxico-semntica 168

    4.8 rea semntica astros e tempo QSL 29 De manh cedo, uma estrela

    brilha mais e a ltima a desaparecer. Como chamam esta estrela?

    172

    4.8.1 Anlise diatpica 172

    4.8.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 172

    4.8.1.2 Localidades do interior dos trs estados da regio Centro-Oeste 173

    4.8.2 Dimenso diageracional 175

    4.8.3 Dimenso diassexual 179

    4.8.4 Anlise diastrtica 181

    4.8.5 Abordagem lxico-semntica 184

    4.9 rea semntica astros e tempo QSL 30 De tardezinha, uma estrela

    aparece antes das outras, perto do horizonte, e brilha mais. Como chamam esta

    estrela?

    187

    4.9.1 Anlise diatpica 187

    4.9.1.1 Capitais da regio Centro-Oeste 187

    4.9.1.2 Localidades do interior da regio Centro-Oeste 188

    4.9.2 Dimenso diageracional 189

    4.9.3 Dimenso diassexual 192

    4.9.4 Anlise diastrtica 196

    4.9.5 Abordagem lxico-semntica 199

    4.10 rea semntica astros e tempo QSL 31 De noite, muitas vezes pode-se 202

  • 19

    observar uma estrela que se desloca no cu, assim, e faz um risco de luz. Como

    chamam isso?

    4.10.1 Anlise diatpica 202

    4.10.1.1. Capitais da regio Centro-Oeste 202

    4.10.1.2 Localidades do interior da regio Centro-Oeste 203

    4.10.2 Dimenso diageracional 204

    4.10.3 Dimenso diassexual 207

    4.10.4 Anlise diastrtica 211

    4.10.5 Abordagem lxico-semntica 214

    CONSIDERAES FINAIS 217

    REFERNCIAS 220

    ANEXO 224

  • 20

    INTRODUO

    A lngua considerada uma instituio social, o veculo das ideologias, o

    instrumento de mediao entre os homens e a natureza, os homens e os outros homens

    (FIORIN, 1998, p. 6) possui forte ligao com o ambiente fsico e o contexto social,

    cultural e ideolgico dos falantes, podendo, assim, ser concebida como guia para a

    realidade social (SAPIR, 1969, p.20). Deste modo, as escolhas lexicais de determinado

    grupo podem refletir aspectos de suas crenas e ideologias e do ambiente natural em que

    est inserido.

    Ao examinar o lxico, possvel reconhecer particularidades referentes norma

    lingustica, uma vez que cada grupo possui hbitos particulares que os caracterizam.

    Entre os ramos da Lingustica, a Dialetologia estuda predominantemente o fenmeno da

    variao espacial das lnguas, tendo como base a modalidade oral, sendo assim, estuda

    tambm o lxico e as relaes do repertrio lexical dos falantes com o ambiente fsico e

    cultural em que se encontram.

    Esta dissertao tem como objeto de estudo a norma lexical dos habitantes da

    regio Centro-Oeste, medida que tem como foco central o estudo do lxico

    relacionado natureza, reas semnticas dos acidentes geogrficos, fenmenos

    atmosfricos e astros e tempo. O estudo analisou dados inditos do Projeto Atlas

    Lingustico do Brasil (Projeto ALiB), de carter nacional e interinstitucional que tem

    como objetivo principal descrever o portugus do Brasil falado em todo o territrio

    brasileiro. Os dados foram coletados pela equipe de pesquisadores do projeto ALiB com

    o auxlio de um Questionrio Lingustico, que rene trs questionrios bsicos, o

    fontico-fonolgico (QFF), o semntico-lexical (QSL) e o morfossinttico (QMS), alm

    das questes de prosdia, de perguntas metalingusticas e de pragmtica, de temas para

    discursos semidirigidos e do texto para a leitura. As perguntas selecionadas para este

    estudo pertencem ao Questionrio Semntico-Lexical (QSL).

    Para a constituio do corpus aqui estudado foram selecionadas as respostas para

    38 perguntas do Questionrio Semntico-Lexical (QSL), recolhidas por meio de

    entrevistas com 108 falantes naturais de 24 localidades 3 capitais e 21 localidades do

    interior dos trs estados da regio Centro-Oeste. Essas perguntas esto assim

    distribudas, em termos de reas semnticas: acidentes geogrficos (QSL 01 a QSL O6),

    fenmenos atmosfricos (QSL 07 a QSL 21) e astro e tempo (QSL 22 a QSL 38).

  • 21

    A escolha dessas reas semnticas se deu em virtude de elas abarcarem

    perguntas que buscam designativos relacionados a elementos da natureza, o que permite

    verificar como o homem urbano concebe a realidade que o cerca, como tambm

    analisar aspectos da influncia do ambiente nas escolhas lexicais de falantes do Centro-

    Oeste brasileiro.

    Justifica-se a escolha dessa regio brasileira como universo de pesquisa pelas

    seguintes razes: possui uma economia centrada em atividades que permitem a

    interao do homem com o ambiente (agricultura, pecuria); o cenrio rural presena

    marcante e significativa no cotidiano de considervel parcela da populao, inclusive

    urbana, ou seja, o contato com referentes relacionados ao meio ambiente fsico e,

    consequentemente, com o conhecimento lingustico relativo a esse universo representa

    um saber popular e pode evidenciar mudanas em termos de viso de mundo e de

    hbitos da populao.

    A pesquisa tem como suporte terico e metodolgico a Dialetologia, a

    Etnolingustica, a Lexicologia e a Geolingustica, ramos da Lingustica que

    contriburam para que os dados pudessem ser analisados segundo as perspectivas

    delineadas. A Ecolingustica tambm foi uma linha terica que contribuiu de maneira

    significativa para a compreenso de aspectos da relao entre o homem e o ambiente no

    qual est inserido.

    Alm disso, considerando a natureza dos dados examinados, tornou-se

    necessrio a busca de informaes acerca das caractersticas geogrficas e da histria

    social da regio Centro-Oeste, mais especificamente das 24 localidades da rede de

    pontos do Projeto ALiB, onde foram coletados os dados. Para tanto, foram buscadas

    informaes relacionadas a outras reas do saber como a Histria, a Geografia, dentre

    outras.

    Desse modo, para relacionar aspectos geogrficos, histricos e culturais ao

    repertrio lexical do grupo investigado foi necessria a busca de conhecimentos

    lingusticos e scio-histricos acerca da regio brasileira delimitada para a pesquisa que,

    por sua vez, teve como foco principal analisar a relao entre lxico e ambiente com

    base no vocabulrio relacionado natureza (acidentes geogrficos, fenmenos

    atmosfricos e astros e tempo), nas perspectivas diatpica e lxico-semntica, como

    tambm verificar aspectos da relao entre as dimenses rural e urbana que se

    manifestam na maneira como o homem urbano nomeia aspectos da natureza.

    J em termos especficos, a pesquisa estabeleceu os seguintes objetivos: a)

    catalogar unidades lexicais relacionadas s reas semnticas selecionadas documentadas

  • 22

    no Centro-Oeste brasileiro; b) analisar os itens lexicais catalogados dos pontos de vista

    diatpico, histrico e semntico; c) verificar semelhanas e diferenas em termos da

    norma lexical entre os habitantes dos trs estados da regio Centro-Oeste para nomear

    elementos do ambiente natural; d) identificar a presena de traos rurais nos dados

    recolhidos, bem como aspectos da relao entre o conhecimento do referente e a forma

    de nome-lo.

    Enfim, a pesquisa pretende contribuir para a descrio lexical do portugus

    falado na regio selecionada, ampliando os estudos relacionados s reas semnticas

    pesquisadas e, consequentemente, incentivar futuras pesquisas acerca dessa temtica.

    Em virtude de a proposta estar vinculada a um projeto mais amplo e utilizar como fonte

    dados inditos desse projeto, o resultado da pesquisa contribuir com a equipe de

    pesquisadores do Projeto ALiB, no que diz respeito exegese de um recorte de dados

    lexicais representativos de uma regio brasileira.

    Esta dissertao est organizada em quatro captulos. O Captulo 1 trata da

    fundamentao terica que embasou a pesquisa, focalizando aspectos tericos

    vinculados norma lingustica, com nfase para a norma regional; fundamentos terico-

    metodolgicos da Dialetologia, da Ecolingustica, da Etnolingustica e da

    Geolingustica; concepes de lngua, de lxico e sua respectiva relao com o ambiente

    que circunda o falante tambm so discutidas nesse captulo. Focalizam-se tambm

    aspectos da complexidade da relao entre meio rural e meio urbano. O captulo 2, por

    sua vez, apresenta uma breve contextualizao histrica e geogrfica dos trs estados

    que integram a rea da pesquisa, enquanto o captulo 3 descreve a metodologia adotada

    para a realizao da pesquisa. A anlise dos dados foi apresentada no Captulo 4 e

    considerou as dimenses diatpica, diageracional, diastrtica, diassexual e, tambm,

    aspectos semnticos das unidades lexicais apuradas como respostas para as perguntas

    selecionadas. Por fim, so apresentadas as consideraes finais, as referncias que

    embasaram a pesquisa e o anexo que contm a Declarao de autorizao de utilizao

    do corpus indito do Projeto ALiB.

  • 23

    CAPTULO 1 FUNDAMENTOS TERICOS

    Este captulo aborda pressupostos tericos relacionados ao conceito de norma

    lingustica, particularmente fundamentos relacionados configurao da norma lexical

    brasileira e dos regionalismos. Ao abordar os regionalismos, faz-se necessrio discutir

    aspectos referentes aos estudos dialetolgicos, como tambm fundamentos tericos das

    reas do saber que tm como objeto de estudo o lxico.

    Por fim, foi discutida a relao entre lxico e ambiente rural e urbano, noes

    tericas que subsidiaram a anlise dos dados.

    1.1 Norma lingustica: fundamentos

    Ao discutir a questo da norma, primeiramente faz-se necessrio considerar a

    questo da variao, j que as particularidades no uso de uma lngua so resqucios dos

    contatos intertnicos que se processaram na histria social da populao. No caso do

    Brasil, desde o perodo colonial, quando ocorreu o incio da formao da populao

    brasileira, houve o contato de basicamente trs bases tnicas: o branco, o negro e o

    ndio, o que desencadeou a miscigenao lingustica e cultural to caracterstica do

    homem brasileiro. A heterogeneidade foi uma constante no territrio recm-descoberto

    e a lngua e a religio foram mecanismos utilizados pelo colonizador como instrumento

    de domnio e de opresso. A interao lingustica entre colonizados e colonizadores foi

    o grande desafio inicial, tanto que surgiu uma lngua geral que por muito tempo

    promoveu a comunicao na colnia:

    A lngua que predominou at quase o fim do sculo XVII foi a

    denominada lngua geral uma lngua franca desenvolvida entre as

    naes indgenas tupinamb ao longo da costa atlntica e adotada

    pelos colonizadores, especialmente os jesutas engajados na

    cristianizao dos nativos (BORTONI-RICARDO, 2011, p.27).

    Na verdade, houve, desde o incio do povoamento do territrio brasileiro, o

    convvio entre diversas normas em um mesmo espao geogrfico, j que a ao de

    desbravadores das mais variadas nacionalidades foi decisiva para o desenvolvimento

    econmico do Brasil colnia, ou seja:

    Todos estes contatos etnolingusticos verificados no Brasil-colnia

    favoreceram o caldeamento das diferentes etnias e a constituio de

    uma sociedade hbrida, multifacetada, com caractersticas diferentes

  • 24

    da portuguesa que desenvolveu um podo peculiar de falar com

    inmeros vocbulos que passaram a caracterizar o portugus do Brasil

    (OLIVEIRA, p. 04, 1999).

    Compreende-se, por norma lingustica, o modo de determinado grupo se

    comunicar por meio de uma lngua em seus diferentes nveis (fonolgico, sinttico,

    morfolgico e lexical) e cujas realizaes podem ser verificadas e estudadas em uma

    comunidade especfica, pois se tornam normal naquele espao geogrfico. Partilhando

    desse pensamento, Faraco (2008, p.37) pondera que

    [...] possvel, conceituar tecnicamente norma como determinado

    conjunto de fenmenos lingusticos (fonolgicos, morfolgicos,

    sintticos e lexicais) que so correntes, costumeiros, habituais numa

    dada comunidade de fala. Normal nesse sentido se identifica com

    normalidade, ou seja, com o que corriqueiro, usual, habitual,

    recorrente (normal) numa certa comunidade de fala.

    .

    O conceito de norma1 lingustica foi sistematizado por Coseriu (1979), no

    mbito do Estruturalismo, ao propor uma nova leitura para o modelo binrio lngua e

    fala de Saussure (2006)2. Para o autor, entre a fala, nvel concreto, e a lngua, nvel

    abstrato, h um grau intermedirio, a norma, de carter coletivo, isto , de aceitao de

    determinado grupo social, tambm de carter abstrato. Ainda para Coseriu (1979), a

    variao e a mudana so fatos inerentes prpria essncia da lngua.

    Aps 1950, com a nova viso de norma proposta por Coseriu (1979), ocorre uma

    ampliao no conceito de lngua, j que o modelo estruturalista estava centrado na

    oposio langue/parole de Saussure, com nfase para o estudo da lngua em detrimento

    do estudo da fala. J a tricotomia coseriana sistema/norma/fala abarca os fatos da lngua

    e da fala, sendo a norma uma espcie de norma social da linguagem, especfica de uma

    comunidade:

    [...] a distino entre norma e sistema esclarece melhor o

    funcionamento da linguagem, a atividade lingustica, que , ao mesmo

    tempo, criao e repetio (re-criao), dentro do padro e segundo as

    coordenadas do sistema funcional (isto , do que imprescindvel para

    que a linguagem cumpra sua funo); movimento obrigado e

    movimento livre, dentro das possibilidades oferecidas pelo sistema.

    (COSERIU, 1979, p.79).

    O mesmo estudioso confirma a dificuldade de sustentao da oposio entre

    lngua e fala, tema esse que foi objeto de estudo de muitos tericos da poca:

    A concepo a que chegamos tem antecedentes, em primeiro lugar,

    nas dificuldades que se encontram na definio dos conceitos de

    1 Louis Hjelmslev (1971, p.80) o responsvel pela 1 formulao da proposta tricotmica:

    lingua/norma/fala. 2 A primeira edio da obra pstuma sobre o pensamento de Saussure foi publicada em 1916 (Cours de

    Linguistique gnrale). Para este trabalho foi consultada a 27 edio brasileira (2006).

  • 25

    lngua e fala, introduzidos na cincia lingustica por Ferdinand de

    Saussure e logo aceitos ou reelaborados por toda uma srie de

    lingistas, discpulos ou no do mestre genebrino (COSERIU, 1979,

    p.18-19).

    Cabe ressaltar que, para Saussure, a lngua se configura como acervo lingustico,

    instituio social e sistema funcional. No se deve entender lngua e fala como

    realidades autnomas, j que a fala vista como realizao da lngua e a lngua como

    condio da fala, ou seja, so indissociveis. Coseriu (1979, p. 77) assim complementa

    o conceito de lngua:

    Em outras palavras, o conceito de lngua no analtico, mas

    descritivo e sinttico, constituindo-se como sistema de aspectos

    comuns, sistema de isoglossas, sobre a base do que chamamos

    material lingustico (soma de atos lingusticos). Por isso dizamos

    que mais do que lingustica terica, o conceito de lngua corresponde

    lingustica histrica, o produto fundamental desta.

    A fala, por sua vez, est intimamente relacionada lngua, uma vez que a

    primeira componente indispensvel para que a segunda se efetive, ou seja, uma no

    existe sem a outra. O linguista romeno ainda faz distino entre norma e sistema,

    concebendo os dois conceitos correspondentes a um estado de lngua, que contribuiu

    para a compreenso da mudana lingustica. Desse modo,

    [...] vimos que o que se ope ao falante no o sistema (que se lhe

    oferece), mas a norma. Pois bem, o falante tem conscincia do

    sistema e o utiliza e, por outro lado, conhece ou no conhece, obedece

    ou no obedece norma, mesmo mantendo-se dentro das

    possibilidades do sistema [...] O indivduo, pois, altera a norma,

    ficando dentro dos limites permitidos pelo sistema; mas a norma

    reflete o equilbrio do sistema num determinado momento e alterando

    a norma, altera esse equilbrio, at pender totalmente para um lado ou

    para o outro (COSERIU, 1979, p.80).

    Fica evidente que o sistema est em um nvel mais elevado e abstrato do que a

    norma, pois rene os elementos disponveis ao falante, enquanto a norma est em um

    nvel intermedirio e abstrato, uma vez que se refere maneira como usa a lngua, em

    um determinado espao e/ou grupo social. Desse modo, a norma compreende os fatos

    lingusticos que ocorrem em uma determinada localidade e/ou regio e o sistema s

    possibilidades dos fatos que ainda iro se concretizar, ambos marcados pela abstrao.

    Lara (1976), ao discutir a questo da norma, a define como

    [...] un modelo, una regla o un conjunto de reglas con cierto grado de

    obligatoriedad, impuesto por la comunidad linguistica sobre los

    hablantes de una lengua, que actua sobre las modalidades de

    actualizacin de su sistema lingustico, seleccionando de entre la

    ilimitada variedad de posibles realizaciones en el uso, aquellas que

    considera aceptables (LARA, 1976, p.110).

  • 26

    Nota-se que o autor reitera que a norma de carter limitado, uma vez que ela

    seleciona quais realizaes so aceitveis em um espao especfico, tendo, pois, um

    carter mais social. O sistema lingustico e os aspectos sociais seriam os componentes

    de normas lingusticas que se concretizam em uma comunidade.

    Faraco (2008), por sua vez, relaciona a norma na perspectiva brasileira aos

    aspectos diversificados e contrastantes da sociedade, ressaltando a existncia de

    diversas normas lingusticas num mesmo territrio, estando cada falante apto a dominar

    mais de uma norma, pois [...] numa sociedade diversificada e estratificada como a

    brasileira, haver inmeras normas lingusticas, como, por exemplo, normas

    caractersticas de comunidades rurais tradicionais, aquelas de comunidades rurais de

    determinadas ascendncia tnica, normas caractersticas de grupos juvenis urbanos [...]

    (FARACO, 2008, p.42-43).

    Biderman (2001) do mesmo modo discute a questo da norma e retoma a

    tricotomia sistema-norma-fala de Coseriu (1979). A linguista destaca que o indivduo

    no tem liberdade de escolhas, pois a norma norteia as possibilidades do sistema, j que

    a norma varia segundo cada comunidade. Diferencia, tambm, norma geral de normas

    parciais, a primeira relacionada nao e, a segunda, a pequenos grupos que fazem

    parte do convvio geral (BIDERMAN, 2001, p.20).

    Deste modo, ao centrar-se na norma lexical dos habitantes da regio Centro-

    Oeste e por utilizar dados de natureza geolingustica, este estudo buscou apresentar

    traos lingustico-culturais e caractersticas da formao de possveis normas regionais,

    contribuindo, assim, para o conhecimento do lxico da rea geogrfica em exame. O

    prximo tpico discute a questo dos regionalismos e da contribuio da Dialetologia

    para o registro e a classificao da norma lexical regional.

    1.1.1 Norma lexical regional: contribuies da Dialetologia

    As diferentes vertentes de pesquisas voltadas para os estudos do lxico tm

    como base terica a Lexicologia, ramo do saber, cujo objeto de investigao o estudo

    cientfico do lxico, por isso examina as relaes entre o repertrio lexical de uma

    lngua e o mundo social e cultural que a circunda. A Lexicologia tem, pois, como

    principal objeto de estudo a palavra e, por extenso, o lxico e sua estruturao,

    medida que se ocupa do repertrio lexical dos falantes, incluindo a questo da

    competncia lexical.

  • 27

    Em face disso, relaciona-se com outras disciplinas, como assegura Biderman

    (2001, p.16): Ademais, a Lexicologia faz fronteira com cincias tais como a

    Dialetologia, a Sociolingustica e a Etnolingustica; nessas reas disciplinares fizeram-se

    estudos sobre Palavras e Coisas, isto , sobre as relaes entre a lngua e a cultura.

    Com relao Sociolingustica, a mesma estudiosa considera os fatores externos como

    importante mecanismo de compreenso sobre o funcionamento da lngua, viso

    contrria do movimento estruturalista que vigorou por longo perodo. Elia (1987, p.40)

    tambm destaca a viso dessa corrente lingustica acerca da lngua:

    A Sociolingustica estuda as relaes entre lngua e sociedade. Aqui

    lngua deve ser entendida como um sistema de vrios nveis,

    integrados num todo historicamente estruturado. A Sociolingustica se

    ocupa assim com o estudo da possvel incidncia das foras sociais

    sobre os estratos fonolgico, morfolgico, sinttico e semntico das

    lnguas.

    J a Etnolingustica estuda o conhecimento que os indivduos acumulam ao

    pertencerem a uma sociedade especfica e por meio das relaes sociais entre seus

    semelhantes, ou seja, foca a anlise na relao entre a linguagem e a cultura que se

    estabelece em determinada comunidade de falantes.

    Outro ramo da Lingustica com interfaces com a Lexicologia, segundo Biderman

    (2001), a Dialetologia que tem por objetivo estudar os acontecimentos lingusticos em

    uma dada localidade, considerando sua histria, assim como os demais fatores

    socioculturais que influenciam o uso da lngua. Segundo Cardoso (2008, p.24), os

    [...] fatores sociais idade, gnero, escolaridade, profisso tm-se

    constitudo em aspectos da variao que, de forma diferenciada e com

    graus distintos de focalizao, vm ocupando lugar nos estudos

    dialetais, especificamente naqueles que se desenvolvem sob a

    metodologia geolingustica.

    A Dialetologia centra-se, sobretudo, no estudo de aspectos variveis de um

    sistema lingustico em relao distribuio geogrfica, medida que prioriza a anlise

    diatpica. Para tanto, pauta-se em parmetros metodolgicos bem delimitados:

    A Dialetologia busca, prioritariamente, estabelecer relaes entre

    modalidades de uso de uma lngua ou de vrias lnguas, seja pela

    identificao dos mesmos fatos, seja pelo confronto presena/ausncia de

    fenmenos considerados em diferentes reas (CARDOSO, 2008, p.20-21).

    Desse modo, o seu foco so os diferentes usos da lngua em uma determinada

    regio, ou seja, h para a Dialetologia contempornea duas diretrizes a serem seguidas

    no exame do fenmeno lingustico: a perspectiva diatpica e as dimenses sociais

    herdadas da Sociolinguistica.

  • 28

    As manifestaes lingusticas em determinado espao previamente demarcado,

    podem evidenciar tanto a presena quanto a ausncia de determinadas variantes, j que

    o vazio geogrfico denunciador de informaes as mais diversas e pertinentes para o

    confronto lingustico, do mesmo modo que o registro de usos (CARDOSO, 2010,

    p.15). A distribuio das variantes relacionadas a um espao geogrfico em mapas

    realizada pela Geografia Lingustica, mtodo da Dialetologia que, segundo

    (ISQUERDO, 1998, p. 232), justifica-se, sobretudo, por, alm de registrar a lngua em

    uso, possuir um carter documental, na medida em que registra formas lingusticas

    utilizadas por falantes de uma poca e de um espao determinados.

    Sendo assim ao reunir esses fenmenos, a Geolingustica os demonstra por meio

    de cartas lingusticas que esto organizadas nos atlas lingustico, precioso inventrio de

    formas, o atlas proporciona uma viso dinmica de cada fato descrito, pela comparao

    simultnea com outros nele expostos, ensejando concluses tambm de natureza

    histrica (BRANDO, 1993, p.11).

    Os atlas lingusticos podem cobrir espaos geogrficos de maneiras distintas, por

    isso podem ser classificados segundo sua abrangncia, o seu domnio, em atlas

    lingusticos regionais, nacionais, de grupos lingusticos e continentais. O primeiro Atlas

    lingustico classificado no grupo dos nacionais foi o Atlas Linguistique de la France

    (ALF). A esse respeito, Cardoso (2010, p.74) esclarece que os atlas podem ser

    classificados:

    [...] pelos espaos geopolticos que recobrem uma regio, no

    importando a sua dimenso, um pas ou um continente. Os atlas de

    famlia de lnguas, ainda que no possam prescindir do espao

    geopoltico para a sua conceituao o homem, portanto o falante de

    toda e qualquer lngua, estar sempre situado num espao definido -,

    tm como elemento fundamental na sua definio perseguir a

    identidade lingustica que extrapolar, obviamente, fronteiras

    polticas, ganhando conformao especfica.

    Em termos histricos, a Frana o pas que serviu de bero para o incio da

    Geolingustica no princpio do sculo XX, com as pesquisas dialetolgicas do francs

    Jules Gilliern, com vistas produo do Atlas Lingustico da Frana (ALF), publicado

    entre 1902 a 1910. Esse estudo foi uma importante contribuio para o campo de

    investigaes sobre a variao diatpica medida que Gilliern foi considerado o

    fundador da Geografia Lingustica, rea do saber que se configurou como um novo

    mtodo de investigao lingustica, pois, para Cardoso (2010, p.46)

    [...] se as diferenas espaciais ganham destaque em relao s demais

    porque, na realidade dos fatos, as evidncias de aproximao ou

    distanciamento dos fenmenos assumem expresso de maior nitidez e

  • 29

    de mais fcil percepo nos espaos fsicos, portanto geogrficos. Tal

    viso conduziu a que os estudos geolingusticos aflorassem em todos

    os continentes e apresentassem um continuado e crescente

    desenvolvimento, o que explica a expanso de projetos que levaram

    construo de atlas lingsticos com diferenciadas vises espaciais.

    Com relao ao Brasil, a primeira manifestao relacionada aos estudos de

    natureza dialetal deve-se a Domingos Borges de Barros, mais conhecido como Visconde

    de Pedra Branca, no ano de 1826 que publicou um estudo no livro de Adrien Balbi.

    Contemporaneamente Ferreira e Cardoso (1994) dividem a histria da

    Dialetologia no Brasil em trs fases: a primeira fase o perodo de 1826 a 1920, ano em

    que foi publicado o livro O dialeto caipira de Amadeu Amaral (1982) e foi um perodo

    com estudos mais voltados para o lxico; a segunda fase de 1920 at 1952 (perodo

    marcado pelo desenvolvimento de estudos de carter monogrfico).

    A terceira fase foi marcada pelo decreto n 30.643 de 20 de maro de 1952 que

    criou a Comisso de Filologia da Casa de Rui Barbosa, cuja finalidade principal era a

    elaborao do Atlas Lingustico do Brasil. Todavia, a partir de 1996 comea a se

    desenhar uma nova fase na histria da Geolingustica no Brasil com o lanamento

    retomada do Projeto Atlas Lingustico do Brasil. Essa data marca o incio da quarta fase

    dos estudos de natureza dialetolgica, pois, como afirmam Motta e Cardoso (2006, p.

    24), [...] a nova postura metodolgica impressa ao ALiB pelo tratamento

    pluridimensional dado aos fatos geolingusticos, vm, por outro lado, confirmar a

    escolha do Projeto ALiB como marco divisrio entre as duas fases.

    Sendo assim, a Dialetologia apresentou mudanas em seus fundamentos

    metodolgicos com o decorrer do tempo, haja vista que, no sculo XIX, era um campo

    de estudo voltado para uma populao tipicamente rural e, em sua grande maioria, com

    baixa e/ou nenhuma escolaridade. Assim, a chamada dialetologia tradicional era

    restrita aos dados recolhidos em zonas rurais. J a viso atual bem distinta, pois

    considera que o falante influenciado diretamente pelos meios de comunicao, fator

    que garante certa internacionalizao da Lngua Portuguesa em aspectos de vocabulrio.

    Alm da varivel diatpica, a Dialetologia considera as variveis sociais na definio do

    perfil do informante.

    A Dialetologia contempornea abarca tambm estudos em localidades urbanas, o

    que possibilita que aspectos dos processos de povoamento das localidades, os fluxos

    migratrios presentes no territrio a ser investigado contribuem ainda mais para fins de

    anlises dialetais e lingusticas e tambm com influncias da mdia, da escola e das

    tecnologias, sendo que cada vez mais tende a incluir entre as localidades a serem

  • 30

    investigadas tambm aquelas de povoamento mais recente [...] (ISQUERDO, 2008,

    p.112).

    Nota-se, portanto, que o desenvolvimento tanto intelectual quanto cientfico da

    sociedade contribuiu para que as pesquisas dialetais adquirissem um aspecto

    pluridimensional, em virtude da dinamicidade da lngua e a questo diatpica que

    deixou de ser o nico aspecto a ser considerado num espao geogrfico delimitado.

    Partilhando dessa concepo, Harald Thun (2000) assegura no haver uma

    estaticidade dos fenmenos lingusticos descritos que, por sua vez, so influenciados

    pela histria, pela cultura. Conforme o mesmo autor, a Dialetologia monodimensional

    se diferenciou da pluridimensional pela arealizao complexa, pela desarealizao e

    pela quantificao (THUN, 2000, p.78).

    Nesse contexto, os fatores extralingusticos, descritos pela Sociolingustica,

    tornam-se importantes mecanismos para aperfeioar a metodologia das pesquisas

    dialetolgicas. Na atualidade, a Dialetologia, em termos terico-metodolgicos se

    aproxima da Sociolingustica, uma vez que para Cardoso (2010, p.25)

    [...] a dialetologia no pde deixar passar ao largo a considerao de

    fatores extralingsticos, inerentes aos falantes, nem relegar o

    reconhecimento de suas implicaes nos atos de fala. Dessa forma,

    idade, gnero, escolaridade e caractersticas gerais de cunho

    sociocultural dos usurios da lngua consideradas tornam-se elementos

    de investigao, convivendo com a busca de identificao de reas

    geograficamente definidas do ponto de vista dialetal.

    Assim, ao investigar a realidade lingustica de determinado espao fsico

    possvel obter marcas lingusticas desse espao, ou seja, ter acesso a traos

    lingusticos especficos e, consequentemente, relacionar aos regionalismos.

    Sabe-se que ao confrontar povos ou populaes culturalmente distintos tem-se a

    possibilidade de determinadas situaes existenciais de um grupo ser aceita ou no pelo

    outro, gerando, assim, mudanas na norma lingustica, no caso do Brasil, essa

    miscigenao de etnias gerou particularidades que se manifestam de formas distintas,

    consoante a regio, nos hbitos lingustico-culturais da populao brasileira.

    (ISQUERDO, 2003, 167).

    As diferenas lingusticas em determinada localidade/ou regio caracterizam os

    regionalismos, Biderman (2001, p.136), pautando-se em Boulanger (1985), define

    regionalismo como [...] fato lingustico (palavra, expresso, ou seu sentido) prprio de

    uma ou de outra variedade regional do Portugus do Brasil, com exceo da variedade

    usada no eixo lingustico Rio/So Paulo, que se considera como o portugus brasileiro

    padro.

  • 31

    Ao seguir o pensamento de Biderman (2001) que considera como padro a

    variedade do eixo Rio/So Paulo, percebe-se uma postura mais ideolgica e poltica do

    que lingustica, pois parte da crena de haver um padro lingustico que configura a

    norma culta no portugus do Brasil, o que ainda no possvel ser delimitado em

    virtude da inexistncia de uma descrio da norma culta em nvel nacional.

    Pelo exposto, nota-se que mltiplos falares podem ser influenciados por fatores

    como idade, sexo, nvel socioeconmico, ambiente, seja ele urbano ou rural, pois traos

    de ruralidade no lxico contribuem com o fenmeno da variao.

    A discusso do tema lxico regional exige do pesquisador a recuperao da

    histria social, em particular da regio pesquisada. Nesse particular, a discusso das

    regies culturais do Brasil feita por Diegues Junior (1960) contribui para a compreenso

    de processos de colonizao e de respectiva relao com as atividades econmicas que

    serviram como parmetro para a proposta de diviso feita em dez regies culturais

    brasileiras: nordeste agrrio do litoral, mediterrneo pastoril, Amaznia, minerao,

    centro-oeste, extremo-sul pastoril, colonizao estrangeira, caf, cacau e sal.

    Tanto a diversidade de atividades econmicas quanto a riqueza em fauna, flora e

    caractersticas geomorfolgicas contriburam para se obter hbitos distintos da

    populao em anlise e, consequentemente, formas especficas de nomeao.

    1.2 Lxico e ambiente: algumas relaes

    A busca pela interao com o ambiente e a preocupao com o fortalecimento da

    comunicao com seus semelhantes sempre foi um dos objetivos perseguidos pelo

    homem desde tempos remotos. A linguagem em suas vrias modalidades (verbal e no

    verbal) tem sido cada vez mais desenvolvida, manifestada e, acima de tudo, valorizada

    pelos investigadores da lngua. Nesse sentido, Biderman (2001, p.03) afirma que a

    linguagem manifestando-se na fala, ou na escrita, constitui a nossa nica fonte de acesso

    realidade imaterial que a lngua.

    A lngua, linguagem articulada, vista como elemento de interao entre o

    homem e a sociedade, j que utilizada tambm como veculo de comunicao e um

    produto social [...] a lngua desempenha um papel preponderante, seja em sua forma

    oral, seja atravs de seu cdigo substitutivo escrito. E, atravs dela, o contato com o

    mundo que nos cerca permanentemente atualizado (PRETI, 1975, p.02).

    Ao veicular crenas e ideologias, a lngua perpetua a viso de mundo de

    diferentes grupos em pocas distintas e se adapta s mudanas da sociedade ao longo do

  • 32

    tempo, dissemina conhecimentos e tradies de seus usurios. Nessa perspectiva,

    Malmberg (1970, p.15) acrescenta que

    [...] a lngua , entre outras coisas, todo o mundo conceptual e

    ideolgico que expressa a tradio cultural de um povo ou de um

    determinado grupo lingstico, e, portanto, no admite ser descrita

    com exatido a no ser como parte de um esquema cultural geral.

    As modificaes ocorridas na sociedade ao longo do tempo se materializam de

    maneira acentuada no nvel lexical, sendo este altamente dinmico, o que permite

    investigaes a partir de diferentes perspectivas e variadas nuanas. Biderman (2001,

    p.12) o define como [...] um sistema aberto com permanente possibilidade de

    ampliao, medida que avana o conhecimento, quer se considere o ngulo coletivo da

    comunidade lingustica.

    Com relao dinamicidade e heterogeneidade do acervo vocabular partilhado

    por uma comunidade de falantes e possibilidade de novas unidades lexicais serem

    incorporadas a esse repertrio, Peixoto (2007, p. 22) assegura o seguinte:

    [...] o lxico corresponde no apenas a uma mera lista de palavras e

    seus significados, onde se tem acesso consulta de sua sinonmia, sua

    formao e composio, como um conjunto de catalogaes

    cristalizadas, expostas a uma espcie de dissecao, mas muito mais a

    um universo lingstico em que palavras j existentes, palavras novas

    e aquelas que ainda esto por se criar esto a dispor do falante e ao

    mesmo tempo o condicionam.

    Em decorrncia desse processo de renovao que decorre de sociais, histricos,

    culturais, geogrficos, dentre outros, o repertrio lexical de determinado grupo molda-se

    segundo normas sociais impostas pela coletividade, uma vez que

    [...] o lxico de uma lngua de cultura atesta o modo de vida e a

    imagem de mundo que individualiza um determinado grupo social,

    tornando-se assim, em vista disso, uma espcie de documento vivo da

    prpria histria desse grupo, assim como de todas as normas sociais

    que o regem (ISQUERDO, 2003, p.178).

    Essa intrnseca relao entre lxico e sociedade possibilita o processo de

    expanso lexical, uma vez que, ao manter contato com novos referentes, os usurios

    necessitam ampliar o acervo vocabular disponvel, razo pela qual, a presena de

    neologismos constante nas lnguas. Segundo Alves (2007, p.05), ao processo de

    criao lexical d-se o nome de neologia. O elemento resultante, a nova palavra,

    denominado neologismo.

    A mesma pesquisadora esclarece que esse fenmeno pode ocorrer por meio de

    quatro mecanismos: neologismos fonolgicos, neologismos sintticos (formados por

  • 33

    derivao prefixal, sufixal ou composio), neologismos semnticos e neologismos por

    emprstimo. Este ltimo ocorre, sobretudo, por emprstimo da lngua inglesa.

    Desde a Antiguidade, o homem sempre manteve uma relao intrnseca com o

    ambiente onde se insere, j que a relao homem-natureza to antiga quanto a prpria

    existncia humana. Desse modo, no h como dissociar as aes ocorridas no meio

    natural da histria social do homem.

    Na Antiguidade, a dependncia do homem em relao natureza motivou o

    surgimento de inmeras crenas em divindades que protegiam as colheitas, os rios, as

    chuvas, dentre outros aspectos. Sabe-se que o Egito Antigo se manteve no entorno do

    Rio Nilo, o que contribuiu para o desenvolvimento da agricultura e para uma melhor

    organizao dos primeiros aglomerados humanos na regio. Para Faber (2014, p.10), o

    desenvolvimento da agricultura foi essencial para que as tribos que habitavam a regio

    passassem a se organizar de forma mais complexa. Afinal, agora era necessrio

    contabilizar a produo agrcola que era produzida de forma coletiva.

    Com relao, especificamente, ao Brasil, os rios foram e continuam sendo

    utilizados em vrias regies como acesso do homem a determinadas localidades, como

    via de circulao e escoamento de produtos, produo de energia eltrica e tambm para

    explorao da pesca. Em virtude das diversas bacias hidrogrficas que banham o

    territrio brasileiro, h muitos rios de suma importncia para o desenvolvimento

    econmico do pas, como por exemplo, os rios Amazonas, Paran, So Francisco, Tiet,

    Tocantins e Paraguai, dentre outros.

    Com isso, a hidrografia, o clima, a flora, a fauna, a geomorfologia dos lugares

    podem influenciar de maneira direta e significativa o lxico dos falantes de uma regio

    e, consequentemente, o processo de nomeao da realidade por grupos lingusticos

    especficos. Nessa perspectiva, pelo fato de este trabalho ter como um de seus objetivos

    examinar aspectos da relao entre o lxico e o ambiente, faz-se necessrio discutir aqui

    diversas concepes de meio ambiente.

    Houaiss (2001) define o termo ambiente como tudo o que envolve os seres

    vivos ou as coisas, ou seja, constitui o meio em que se vive. Ainda na mesma linha,

    Ferreira (2004) registra no verbete ambiente a seguinte acepo: aquilo que cerca ou

    envolve os seres vivos ou as coisas; meio ambiente. Percebe-se, assim, a viso

    generalista de ambiente presente nas definies desse item lexical nessas obras

    lexicogrficas de Lngua Portuguesa, pois designa desde os seres vivos at as coisas que

    com eles se relacionam.

  • 34

    Do ponto de vista da Ecologia, meio ambiente definido como reunio do

    ambiente fsico e seus componentes biticos (GRISI, 2007, p.157). O mesmo autor

    aponta a existncia de muitas discusses em torno da definio de meio ambiente, haja

    vista as amplas dimenses que o envolvem, algumas dessas inerentes ao ambiente

    humano. Por a Ecologia ser a cincia que tem por objeto central de estudo as condies

    de existncia dos seres vivos e tambm as interaes entre eles e seu meio

    compreensvel a dificuldade em se definir com preciso o termo meio ambiente e a

    existncia de controvrsias relacionadas a essa temtica.

    Para Grisi (2007), a descrio das relaes dos organismos entre si e com o meio

    teve incio na histria natural com os gregos, porm, com o passar do tempo, foi

    adquirindo novas bases e aperfeioando os estudos relacionados a essa temtica.

    Assim como a Ecologia, a Geografia tambm se preocupa com o ambiente, j

    que tem como objeto central de anlise o espao que, por sua vez, engloba o social e o

    natural. Para tanto, mantm forte relao com as cincias sociais e naturais. Sabe-se

    que, mesmo em regies urbanizadas, os fenmenos fsicos por mais afetados que

    estejam pela ao do homem, ainda continuam ocorrendo e influenciando o cotidiano

    das pessoas.

    Deste modo, comum ocorrer nas metrpoles alteraes no relevo, devido

    construo de prdios, crregos e rios canalizados para a obteno de maior rea

    asfaltada, porm, apesar de todas essas modificaes dos elementos naturais, as chuvas,

    dentre outros fenmenos, no deixam de ocorrer.

    Percebe-se, pois, que analisar os acontecimentos que ocorrem na natureza e na

    sociedade tarefa rdua que exige muita ateno e comprometimento, sendo o trabalho

    dos gegrafos de grande importncia para a humanidade, pois, como pondera Sorre

    (2003, p.137),

    Geografia, no sentido etimolgico, significa descrio da Terra. E,

    com um consenso geral da Terra, com tudo o que contm e do que

    inseparvel, de tudo o que vive na superfcie e a anima, da

    humanidade que a transforma e a enriquece com traos novos. [...]

    Enquanto a Geografia Fsica estuda os elementos inertes e a Geografia

    Biolgica se ocupa dos seres vivos, a Geografia Humana a parte da

    Geografia Geral que trata dos homens e suas obras desde o ponto de

    vista de sua distribuio na superfcie terrestre.

    H uma diviso disciplinar e histrica a respeito da Cincia Geogrfica, diviso

    essa que resultado do trabalho de muitos pesquisadores, cada qual pensando e

    moldando o espao geogrfico a sua maneira. A Geografia Fsica estuda o meio fsico

    da Terra e denominada Cincia da Terra. Os elementos que estruturam o meio fsico, o

  • 35

    relevo, a fauna, a vegetao e o solo so elementos de interesse e de pesquisas para essa

    rea do conhecimento.

    Os manuais relacionados Geografia Fsica trazem como principais ramos dessa

    subrea do conhecimento: a Geomorfologia (parte que estuda o relevo da Terra), a

    Climatologia (cincia que estuda o clima e o tempo), a Hidrologia (estuda a distribuio

    e propriedades da gua), a Biogeografia (tem por estudo a distribuio dos seres vivos

    sobre o planeta Terra) e a Edafologia (estuda a composio da natureza do solo e sua

    relao com as plantas).

    J a Geografia Humana estuda a relao do homem com o meio ambiente em

    que vive e o uso que este faz deste espao. O homem visto como agente transformador

    de seu meio, sendo essas mudanas resultados de necessidades sociais. Desse modo,

    elementos demogrficos, urbanos, rurais, culturais e polticos so analisados e levados

    em considerao por esse ramo da geografia.

    J em uma obra especfica da rea de Cincias Humanas e da Terra, o

    Dicionrio Geolgico Geomorfolgico, o termo ambiente definido como o mesmo

    que meio natural, isto , caracterizado pelos diversos elementos fsicos e biticos. As

    formas de relevo, as rochas, os solos, os rios, os climas, a vegetao e a fauna

    constituem elementos do meio fsico (GUERRA, 2003). Percebe-se, assim, uma

    delimitao do objeto de estudo dessa parcela do conhecimento aqui exemplificado,

    especificando que aspectos so relevantes e indispensveis para a constituio do meio

    fsico.

    Nesse contexto, infere-se que o estudo do lxico da populao de uma rea

    geogrfica deve considerar a influncia de fatores culturais, histricos, sociais,

    geogrficos, enfim, aspectos extralingusticos que interferem diretamente no uso de uma

    lngua, j que a cada situao de fala em que nos inserimos e da qual participamos,

    notamos que a lngua falada , a um s tempo, heterognea e diversificada

    (TARALLO, 1986, p.06).

    Ao investigar a interferncia da realidade fsica e sociocultural no lxico de um

    grupo lingustico necessrio considerar a concepo estruturalista-empirista

    desenvolvida pela Lingustica na Amrica que postulava que cada lngua deveria ser

    tratada como um sistema mais ou menos integrado.

    O Estruturalismo norte-americano se destacou na primeira metade do sculo XX

    e teve como principais nomes: Franz Boas, Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf que

    estudaram lnguas indgenas, estudos esses com uma forte relao com a Antropologia.

  • 36

    Para Cmara Jnior (1986, p.186), os estudos de Boas influenciaram fortemente

    o pensamento da poca acerca da lngua, pois

    [...] desenvolveu uma viso geral sobre a linguagem, acentuando seu

    carter de padronizao, a inconscincia desse padro, a no-

    dependncia da estrutura lingstica da cultura ou da raa e a

    possibilidade do emprstimo lingstico em uma escala muito mais

    ampla do que a ortodoxia lingstica europia estava inclinada a

    admitir. [...] sustentava que os pequenos grupos tribais dos ndios

    americanos e a freqncia entre eles, de mulheres de outras tribos e

    lnguas, favoreciam o emprstimo lingstico de maneira muito

    significativa.

    Ainda na linha terica estruturalista, os estudos de Boas influenciaram o

    pensamento de Edward Sapir, medida que acreditava que os desenvolvimentos

    histricos dependiam da interferncia de fatores culturais, ou seja, estabelecia a

    autonomia do fenmeno cultural e, acima de tudo, defendia a influncia do meio

    ambiente e de fatores biolgicos na formao das sociedades.

    J Sapir postulava que a lngua mantinha relao com a cultura e com a

    sociedade, pois para ele a lngua , antes de tudo, um produto cultural, ou social, e

    assim deve ser entendida (SAPIR, 1969, p.26). Por extenso, o lxico, para ele,

    tambm se relacionava de maneira intrnseca com o ambiente, j que ele refletia o

    ambiente fsico e social de seus usurios. Para Sapir (1969, p.44), a definio de

    ambiente deveria considerar dois polos, o fsico e o social:

    [...] por fatres fsicos se entendem aspectos geogrficos, como a

    topografia da regio (costa, vale, plancie, chapada ou montanha),

    clima e regime de chuvas, bem como o que se pode chamar a base

    econmica da vida humana, expresso em que se incluem a fauna,

    flora e os recursos minerais do solo. Por fatores sociais se entendem as

    vrias fras da sociedade que modelam a vida e o pensamento de

    cada indivduo. Entre as mais importantes dessas fras sociais esto a

    religio, os padres ticos, a forma de organizao poltica e a arte.

    Ainda para o mesmo estudioso, a influncia do ambiente observada em um dos

    trs domnios seguintes: no lxico, ou seja, no seu contedo; no sistema fontico,

    relacionado ao sistema de sons com que opera para construir palavras e forma

    gramatical, ou melhor, nos processos formais e nas classificaes de ordem lgica e/ou

    psquica utilizadas quando se fala. Porm, o lxico o domnio que sofre de maneira

    acentuada essa influncia. Segundo Sapir (1969), a linguagem cria o mundo virtual

    que passa progressivamente ao actual e, com isso, possibilita por meio da cultura uma

    maior compreenso das experincias individuais de cada ser humano.

  • 37

    Percebe-se, pois, que a relao entre lngua e sociedade e, ainda, entre os

    aspectos culturais de determinado grupo desempenham importante influncia no

    processo de nomeao de referentes de um espao geogrfico.

    A questo do reflexo da viso de mundo do falante na lngua foi amplamente

    defendida pela chamada Hiptese de Sapir-Whorf, frequentemente associada tese do

    relativismo lingustico, pois, de maneira geral, no postulava a existncia de

    propriedades universais nas lnguas humanas, sendo cada lngua nica e tambm a sua

    descrio. Schaff (1974, p.96), por sua vez, ponderara que a hiptese de Sapir-Whorf

    est, em contrapartida, ligada s pesquisas etnolingusticas da antropologia americana,

    que pode tirar partido de toda uma pliade de investigadores sados da escola de F.

    Boas.

    Na contemporaneidade, outra vertente de estudo se ocupa das relaes entre

    lngua e meio ambiente, a Ecolingustica, cujas bases epistemolgicas esto na

    Ecologia, trazida para o Brasil pelo pesquisador Hildo Honrio do Couto e, grosso

    modo, a rea que pesquisa a relao entre a Ecologia e a Lingustica. O pesquisador

    Einar Haugen considerado o pai da Ecolingustica e, a partir da dcada de 1980, no

    sculo XX, muitos autores passaram a estudar os fenmenos lingusticos a partir de uma

    perspectiva ecolgica, ou, mais especificamente, Ecolingustica.

    Alwin Fill, estudioso que se destaca entre os grupos de pesquisadores que se

    dedicam a esse ramo de estudos, assim define essa disciplina:

    Ecolingustica o ramo das cincias da linguagem que se preocupa

    com o aspecto das interaes, sejam elas entre duas lnguas

    individuais, entre falantes e grupos de falantes, ou entre lngua e

    mundo, e que intervm a favor de uma diversidade das manifestaes

    e relaes para a manuteno do pequeno. Segundo Fill (1993, apud

    COUTO, 2007, p.41).

    A Ecolingustica trabalha com o meio ambiente e suas respectivas divises,

    sendo importante observar como se comporta a variedade lingustica em cada um.

    Jorgen Door e Jorgen Chr. Bang, entre outros, realizaram uma diviso de meio ambiente

    da lngua em social, mental e natural, com termos diferentes para design-los.

    O primeiro o que mais tem despertado a ateno dos ecolinguistas, pois centra-

    se na diversidade lingustica que contribui para a riqueza cultural dos povos: para o

    ecolinguista, quanto mais variedade lingustica houver melhor [...]. Ele evita todo tipo

    de linguagem preconceituosa, sem ser censor (COUTO, 2007, p.40-41).

    Ainda partilhando do pensamento de Couto (2007), meio ambiente mental so as

    relaes entre lngua e pensamento, havendo duas interpretaes para essa relao: h

  • 38

    pensamento sem linguagem e o pensamento, propriamente dito, somente o lingustico,

    ou seja, aquele que possibilita o fenmeno da variao. A Ecolingustica acolhe as duas

    concepes, entendendo que o contexto definir qual ser utilizado em determinado

    momento.

    E, por fim, ainda para Couto (2007), meio ambiente natural tambm

    denominado meio ambiente fsico e, nele, populao, lngua e territrio esto inseridos

    como corpos fsicos, ou seja, totalidade formada pelo mundo fsico e a lngua. Essa

    corrente de pensamento baseou-se em teses j discutidas, como por exemplo, a tradio

    que se iniciou com Boas, passou por Sapir chegou at a Whorf, denominada Hiptese

    Hiptese Sapir-Whorf, que influenciou muitos estudos lingusticos.

    Em sntese, fica evidente que a lngua deve ser vista como instrumento que

    veicula a realidade sociocultural de seus usurios e o nvel que melhor representa essa

    relao o lexical. Assim, os valores culturais e as crenas estaro sempre expressos no

    ato de nomear os referentes que fazem parte do cotidiano de uma comunidade

    lingustica, o que possibilita a riqueza lingustica observada em nosso idioma.

    A Ecolingustica tem alguns pontos em comum com a hiptese de Sapir-Whorf,

    pois, para Couto (2007, p.59),

    [...] essas idias so consideradas precursoras da Ecolingustica no

    porque tenham formulado as teses dela tais e quais. s vezes, elas so

    importantes por terem formulado justamente o oposto, como o fato de

    que nossa lngua determina nossa maneira de ver o mundo, o que

    implicaria que a lngua que cria o mundo, idia considerada por

    Schaff como mstica e fantstica.

    Essa nova disciplina tem uma viso mais ampla do que os percursores da teoria

    Sapir-Whorf, pois reconhecem a influncia da lngua sobre o meio ambiente, mas

    considera tambm a influncia do meio ambiente sobre a lngua.

    Nessa perspectiva, a Ecolingustica contribuiu teoricamente para a pesquisa

    cujos resultados esto sendo apresentados nesta Dissertao. A Ecolingustica, ao

    considerar a lngua por um vis dinmico e estudar as inter-relaes entre indivduos,

    meio ambiente e lngua, contribui para o estudo da relao entre lxico e ambiente,

    como tambm das possibilidades de interaes e influncias entre ambos.

    1.2.1 Rural e urbano: uma questo complexa

    O contato com a natureza e, consequentemente, com o ambiente rural uma

    prtica comum dos povos ditos arcaicos, pois, apesar das organizaes sociais j

  • 39

    existirem, a grande maioria da populao residia no campo e tinha, como atividade

    principal, a agricultura e o cuidado com alguns animais.

    Nesse contexto histrico, as cidades serviam como palco para as trocas de

    mercadorias, j que elas eram, sobretudo, pontos onde se localizava o(s) santurio (s),

    onde se realizava troca de mercadorias e, portanto, centros comerciais e

    administrativos (SIQUEIRA; OZRIO, 2001, p.71). Enfim, as relaes entre os

    homens foram se intensificando e possibilitando que novos meios de sustentao

    passassem a fazer parte daquela realidade ainda em formao.

    As novas atividades econmicas desenvolvidas nos centros urbanos, o

    surgimento das indstrias e de um maior deslocamento da populao rural para as

    cidades decorreram do desenvolvimento do Capitalismo, da Revoluo Industrial e

    ainda do uso de mquinas a vapor, j que a maior densidade demogrfica da cidade,

    juntamente com seu estilo de vida sedentrio, tornou possvel o aparecimento de uma

    cultura urbana, dedicada ao comrcio, manufatura e aos servios (PALEN, 1975,

    p.33). Ocorre, portanto, o aumento do grau de urbanizao em algumas reas

    especficas.

    Ainda para Palen (1975, p.37), a urbanizao tratada como o processo pelo

    qual regies rurais se transformam em regies urbanas. Focaliza, assim, a

    porcentagem da populao que vive em regies urbanas, mas tambm se refere s

    mudanas na organizao social como um todo.

    Ao se relacionar esse quadro com o cenrio brasileiro, confirma-se que o

    ambiente rural ainda serviu como alicerce para a formao do novo territrio em

    desenvolvimento, pois, no Brasil Colnia (sc. XVI, XVII e XVIII), as grandes

    propriedades de terra, a lavoura e a pecuria foram os instrumentos que alimentavam

    e comandavam a economia brasileira, uma vez que a abundncia de terras frteis e

    ainda mal desbravadas fez com que a grande propriedade rural se tornasse, aqui, a

    verdadeira unidade de produo (HOLANDA3, 2007, p.48).

    O perodo de povoamento e de colonizao do territrio brasileiro teve como

    marca principal a explorao de diversas riquezas naturais, tais como o pau-brasil, a

    cana-de-acar e o caf, dentre outros. Inicialmente os portugueses no tinham o

    objetivo de transformar o Brasil em uma economia governada pela agricultura, pois

    desejavam lucros imediatos, naquele perodo, porm, ela era sinnimo de riqueza, poder

    e lucros em curto prazo. O ndio e o negro tiveram papel de destaque nesse perodo,

    3 A primeira edio desta obra foi publicada em 1936. Para este trabalho foi consultada a 26 edio

    brasileira (2007).

  • 40

    pois o trabalho desses dois grupos foi de suma importncia para o desenvolvimento dos

    latifndios coloniais, tendo significativa participao no desenvolvimento econmico do

    Brasil.

    E assim, o estabelecimento de um padro industrial ocasionou mudanas na

    percepo da cidade e do campo em termos valorativos. O urbano (cidade) passa a ser

    compreendido como melhor que o recinto rural (campo) e, desse modo, instaura-se uma

    subordinao do espao rural em relao ao urbano (FREITAS, 2012, p.29).

    Esse continuum rural/urbano motivado pelo fato de, no ambiente rural, uma

    parcela da populao ainda mantm uma vida mais simples, muitas vezes, sem acesso s

    tecnologias que esto invadindo o mundo atual, possibilitando, deste modo, maior

    contato com elementos vinculados a natureza e ao ambiente natural.

    J o ambiente urbano est intimamente interligado aos avanos tecnolgicos, ao

    capitalismo e aos meios de comunicao em massa do mundo atual, ou seja, a vida

    tranquila e pacata no combina com o ambiente extremamente rpido e voltil da vida

    nas cidades, onde tudo muda a todo o instante.

    Por fim, ao estudar o lxico de determinada regio lingustica adquiri-se

    conhecimento tanto lingustico quanto relacionado histria, cultura, geografia do

    local onde esto inseridos os falantes, pois a Lexicologia tem como objeto central de

    estudo a palavra e, consequentemente, o repertrio lexical de um grupo. Essa forte

    relao com aspectos extralingusticos possibilita a interface com a Etnolingustica e

    com a Ecolingustica. O captulo 2, a seguir, aborda aspectos histrico-geogrficos das

    localidades investigadas.

  • 41

    CAPTULO 2 BRASIL CENTRAL: CONTEXTUALIZAO HISTRICO-

    GEOGRFICA

    Neste captulo tecemos consideraes histrico-