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REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO COLÉGIO
CENTRAL DA BAHIA APÓS DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
UM ESTUDO HISTÓRICO
Marcos Marques Cavalcante
Graduando em Gestão Pública e Social da Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Claudiani Waiandt
Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Ciags, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia (UFBA)
RESUMO
A democratização da educação no Brasil (Lei de Diretrizes Bases nº 4.024/61) determinou
mudanças profundas nos sistemas organizacionais das organizações de educação. Para
compreendê-las, realizou-se esta pesquisa buscando descrever as mudanças organizacionais e
pedagógicas do Colégio Central (CC) da Bahia, entre os anos de 1950 e 1970. A pesquisa
qualitativa, delineada pelo método histórico, foi realizada por meio de dez entrevistas
biográficas com ex-alunos e ex-professores e análise documental (ATAS, Regimentos, Livros
de Matrícula, Documentos digitalizados). Com a democratização, o Colégio ampliou o
número de vagas, empreendeu uma gestão pedagógica participativa, construiu novas práticas
de ensino através das classes experimentais e regulamentou o ingresso dos professores por
meio de concurso público. Todas essas mudanças contribuíram para que a organização se
configurasse entre uma das melhores organizações de ensino da Bahia nas décadas.
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REESTRUTURAÇÃO PEDAGÓGICA E ORGANIZACIONAL DO COLÉGIO
CENTRAL DA BAHIA APÓS DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:
UM ESTUDO HISTÓRICO
1 INTRODUÇÃO
A reforma do ensino no Brasil começou a ser discutido a partir do movimento da
Escola Nova, nas últimas décadas do século XIX. A proposta era dar um novo rumo para a
educação, mais próxima da realidade da nova sociedade, científica e tecnológica que se
apresentava no final daquele século.
A primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918) e o advento da crise de 1929
transformaram a economia brasileira que se baseava no modelo agrário-comercial-exportador
para uma economia baseada no modelo industrial.
No modelo agrário-comercial-exportador, o café era o principal produto brasileiro
no mercado internacional. As consecutivas quedas de preço do produto impactaram na
balança comercial brasileira, resultando em grandes dificuldades fiscais, ocasionando inflação
acelerada. Apesar das dificuldades, a aristocracia rural resistia aos novos processos
econômicos e exercia força econômica e social para permanecer à frente da produção
brasileira.
O aumento das atividades urbano-industriais por causa da dificuldade de
importação brasileira forçou a aristocracia rural a aderir à proposta econômica das políticas
nacional-desenvolvimentista que tinha como eixo a industrialização. A indústria “[...]
florescia espontaneamente no ‘vazio’ deixado pela produção primário-exportadora interna e
pela produção industrial das sociedades capitalistas ‘centrais’” (PEREIRA, 1970, p. 127). A
industrialização exigia força de trabalho capacitada para as atividades nos parques industriais.
Os esforços para inserção do Brasil no eixo da industrialização no início da década de 1930
fortaleciam o processo de democratização do ensino.
Apesar de aderir à proposta econômica das políticas nacional-desenvolvimentista,
as elites se opunham ao processo de democratização da educação, apoiando o modelo de
escolas tradicionais brasileiras, que consistiam em ambientes para formação de filhos das
oligarquias rurais e dos interesses das instituições particulares de ensino.
As oligarquias foram enfraquecidas pela Revolução de 1930. Consequentemente,
as demandas sociais de educação e as pressões pela ampliação do ensino estruturaram-se em
movimentos em prol da reforma da educação.
O principal movimento pela ampliação do ensino foi organizado pela elite
intelectual que se articulava para que houvesse a renovação educacional. O posicionamento
do grupo ficou expresso no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, de 1932. O
manifesto questionava a eficácia dos métodos “[...] postos e discutidos numa atmosfera de
horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na
formação meramente literária de nossa cultura.” (DE AZEVEDO, 2006, p. 188).
O processo histórico da democratização da educação culminou na regulamentação
da primeira legislação específica para educação, a Lei de Diretrizes Bases nº 4.024/61, com
mudanças profundas nos sistemas organizacionais das instituições de educação.
Para compreender como este novo cenário impactou nos colégios baianos,
realizou-se uma pesquisa com o objetivo de descrever as mudanças organizacionais e
pedagógicas do Colégio Central (CC) da Bahia, entre os anos de 1950 e 1970.
Para isso, realizou-se uma pesquisa qualitativa, delineada pelo método histórico
(LE GOFF, 1993), por meio de entrevistas biográficas com ex-alunos e ex-professores da
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instituição e análise documental (Atas, Regimentos, Livros de matrícula, Documentos
digitalizados).
O artigo foi estruturado em 8 seções. Após está introdução, a seção 2 registra os
procedimentos metodológicos da pesquisa. As seções 3 a 6 tratam da compreensão das
reformas da política brasileira que impactaram na reestruturação do Colégio Central. A seção
7 descreve as mudanças ocorridas no Colégio e a última seção traz as considerações finais.
2 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS
A pesquisa qualitativa realizada a partir do método histórico buscou compreender as
mudanças organizacionais e pedagógicas do Colégio Central nas décadas de 1950 a 1970.
Para Le Goff (2003)
A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o
passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a
memória coletiva sirva para a liberação e não para a servidão dos homens (Le Goff,
2003, p. 471).
Assim, busca-se rememorar o passado para compreender o sistema de educação
atual e prospectar o futuro que está sendo desenhado.
A coleta de informações se deu a partir de análise documental e entrevistas
bibliográficas (Quadro 1) que tiveram o objetivo de gerar informações sobre os sujeitos
pesquisados, sobre suas memórias no Colégio Central e a avaliação que eles realizam sobre o
momento histórico. Desta forma, a história é construída elos seus sujeitos de forma coletiva.
O quadro 1 apresenta o perfil dos entrevistados:
Quadro 1 – Perfil dos entrevistados
ENTREVISTADO PERFIL PROFISSÃO ANOS NO CC
ENTREVISTADO 1 Ex-aluno Dramaturgo 1964 a 1969
ENTREVISTADO 2 Ex-aluno Historiador
ENTREVISTADO 3 Ex-aluno Esotérico
ENTREVISTADO 4 Ex-aluno Economista
ENTREVISTADO 5 Ex-aluno e
professor
Professor / Administrador 1951 a 1953
1954 a 1959
ENTREVISTADO 6 Ex-aluno Economista 1973 a 1975
ENTREVISTADO 7 Professor Professora Universitária 1966 a 1969
ENTREVISTADO 8 Professor Professora
ENTREVISTADO 10 Professor Professora
Fonte: próprios autores.
O quadro 1 apresenta o perfil dos dez entrevistados: seis ex-alunos e quatro
professores por meio de um roteiro semi-estruturado do Colégio Central da Bahia que
estudaram e/ou lecionaram em períodos diferentes compreendidos entre 1950 e 1970.
Paralelamente, foi realizada a pesquisa documental por meio da análise de Atas,
Regimentos e Livros de matrícula. Os documentos foram digitalizados e posteriormente
analisados.
Além das entrevistas, durante a coleta de documentos empreendeu-se a
observação não participante quando o pesquisador realizou 20 visitas à instituição para
observar sua gestão, conhecer a estrutura e coletar informações nos arquivos da escola. Esses
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momentos possibilitaram o diálogo com a secretária da instituição que viveu o período
pesquisado.
3 PRIMEIROS PASSOS PARA A ORGANIZAÇÃO E
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
A construção do processo histórico que desenvolveu a sistematização organizacional
da educação surgiu a partir da Revolução de 1930 no Brasil. Existia a necessidade de
expansão do acesso à educação, da reformulação de práticas pedagógicas e organizacionais,
para promover qualificação à um número maior de pessoas nos processos industriais. Antes
disso, as instituições de ensino eram constituídas por ambientes preparados para a formação
exclusiva das classes dominantes. Os processos de aceleração da industrialização no Brasil
promoveram as mudanças. As instituições escolares preparariam para a vida industrial e para
a possibilidade de mobilidade social, possibilitando a diminuição das desigualdades sociais.
Com o enfraquecimento das oligarquias regionais, o governo provisório de Getúlio Vargas
iniciou os estudos para a reforma da administração pública. A atuação administrativa do
Estado passou a seguir os aspectos teóricos burocráticos weberianos: legal, racional,
impessoal, específico, hierárquico e meritocrático. O Estado assumiu a liderança no processo
de modernização econômica e social do país intervindo na produção. Com o objetivo de
consolidar seu embasamento político e jurídico na construção de um Estado unificado,
Getúlio Vargas seguiu pela via da conciliação mediando os múltiplos interesses conflituosos.
Para arregimentar a força de trabalho industrial, Vargas propôs a regulamentação da
legislação trabalhista e a legislação sindical.
No âmbito da educação, as discussões se constituíram a partir do movimento da
Escola Nova. O principal objetivo era a renovação dos processos educacionais através da
aplicação de métodos científicos. O movimento surgiu na Europa no século XIX. “Não se
refere a um só tipo de escola, ou sistema didático determinado, mas a tudo um conjunto de
princípios tendentes a rever as formas tradicionais” (FILHO, 1978, P.17).
A Escola Nova procura desenvolver o espírito crítico, através da aplicação do
método científico, baseando o ensino em factos e experiências, na actividade pessoal
da criança e nos seus interesses espontâneos; é desejável uma conjugação entre
actividades de trabalho individual e momentos de trabalho colectivo. (ALVES,
2010, P.169)
O “Movimento Liberal da Educação Nova” se destacou nas discussões, em 1932.
Constituído por um grupo de intelectuais, inclusive com a participação de Anísio Teixeira, um
dos principais nomes do processo de democratização da educação brasileira. O movimento
originou um documento, escrito por Fernando de Azevedo, no mesmo ano, intitulado
“Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”. O documento constatou, entre outros pontos, a
desorganização do aparelho escolar, a falta de estrutura da educação brasileira, fragmentada,
desarticulada e com aspectos que não conduziam a continuidade. Os principais objetivos eram
a ampliação do acesso à educação, reorganização do aparelho escolar, planejamento
pedagógico e da aplicação de novas práticas de ensino embasadas em métodos científicos.
Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do
que de desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e
iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da
aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. Ou,
em poucas palavras, na falta de espírito filosófico e científico, na resolução dos
problemas da administração escolar. Esse empirismo grosseiro, que tem presidido ao
estudo dos problemas pedagógicos, postos e discutidos numa atmosfera de
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horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura
universitária e na formação meramente literária de nossa cultura. (DE AZEVEDO,
2006, p.188)
O manifesto também propôs que o Estado organizasse um plano geral de
educação, defendendo a escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita, modificando
aspectos do sistema até então vigentes. As propostas do manifesto influenciaram a
Constituinte de 1934. No Capítulo II, Art. 149, da Constituição de 1934, fica evidente a
influência do manifesto:
A educação é direito de todos e deve ser ministrado pela família e pelos poderes públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros
domiciliados no país, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e
econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da
solidariedade humana (BRASIL, 1934)
No sistema organizacional do ensino, a mudança mais expressiva na Constituição
de 1934, se destacou com o estabelecimento nos orçamentos da União, dos estados e
municípios, verbas “destinadas aos alunos aptos para tais estudos e sem recursos para neles se
manterem” (BRASIL, 1934, art. 112 inciso 4º) e “[...]a admissão de um candidato em escola
pública, profissional, secundária ou superior, levar-se-á em conta somente o merecimento,
nada influindo a condição dos pais” (BRASIL, 1934, art. 112 inciso 5º).
[...]a reforma da sociedade se daria pela reforma da educação e do ensino, a
importância da ‘criação’ de cidadãos e de reprodução/modernização das ‘elites’,
acrescidas da consciência cada vez mais explícita acerca da função da educação no
trato da questão ‘social’: a educação rural, para conter a migração do campo para as
cidades e a formação técnico-profissional do trabalhador, visando solucionar o
problema das agitações urbanas (MORAES, 2000, P.132).
4 ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO EXPERIMENTALISTA DE
JOHN DEWEY
A experiência brasileira de Escola Nova estava ligada às concepções do pensador
norte-americano John Dewey. As ideias de Dewey foram seguidas no Brasil principalmente
por Anísio Teixeira que na década de 1920 que recebeu sua orientação nos Estados Unidos.
Na concepção de Dewey, a construção de uma sociedade democrática estava unicamente
ligada à educação e compunha por dois critérios de orientação para a democracia:
O primeiro: mais numerosos e variados pontos de participação no interesse comum, como também maior confiança para reconhecer que os interesses são fatores da
relação e direção social. E o segundo: uma cooperação mais livre entre os grupos
sociais, antes isolados tanto quanto voluntariamente o poderiam ser, e também a
mudança de hábitos sociais e contínua readaptação e ajuste dos grupos às novas
situações criadas pelos intercâmbios. (DEWEY, 1959, P.93).
A sociedade moderna dos processos educacionais o desenvolvimento de
indivíduos com pensamento crítico, conscientes da própria liberdade e da responsabilidade da
construção do coletivo. Antes de tudo, a transformação da escola em uma instituição educativa onde existam
condições reais para as experiências formadoras. A escola somente de informação e
disciplina imposta, como a dos quartéis, pode adestrar e ensinar, mas não educa.
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Nesta escola, a democracia, se houver, será a dos corredores, do recreio, dos
intervalos de aula, desordenada, ruidosa e deformadora. Mas, não basta a
transformação da escola. É necessário que os professores, diretores e toda a
administração escolar aceitem o princípio democrático, que consiste no postulado de
que cada um dos participantes da experiência escolar tem mérito pessoal bastante
para ter voz no capitulo. Ninguém é tão desprovido que possa ser apenas mandado.
Também ele deve saber o que está fazendo, e porque está fazendo. (TEIXEIRA,
1969, p. 218).
Diante do que se expõe acima, nota-se que a proposta pedagógica se baseava nas
experiências. Proporcionar práticas e vivências, que possibilitam a representação da realidade
de outras perspectivas, além das atividades propostas nos princípios formais e referenciais
teóricos discutidos em sala de aula, da prática tradicional de ensino voltada somente para a
transmissão do conhecimento.
Além disso, a democratização deveria passar também pela mudança de Recursos
Humanos. O processo de formação envolvendo corpo administrativo escolar, o corpo docente
e o corpo discente. O pleno envolvimento de todos no processo determinaria o sucesso e/ou
fracasso.
5 A REFORMA CAPANEMA E A HEGEMONIZAÇÃO DA INDÚSTRIA
Mesmo com os primeiros passos dados para a democratização do ensino, a gestão
do ministro Gustavo Capanema evidenciava fortemente o classicismo na educação brasileira,
com características intervencionistas.
A Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei n. 4.244 de 09/04/1942)
definiu que o ensino secundário seria ministrado em dois ciclos. O primeiro corresponde ao
curso ginasial, com duração de 4 anos, destinado a “dar aos adolescentes elementos
fundamentais do ensino secundário” (art. 3º). O segundo ciclo corresponde ao curso colegial
clássico e científico, ambos com duração de 3 anos, que tinha por objetivo consolidar a
educação ministrada no curso ginasial.
Os Quadros 2 mostra as disciplinas lecionadas conforme legislação:
Quadro 2 – Currículo do Curso Ginasial
FONTE: BRASIL (1942).
Percebe-se conforme Quadro 2 um currículo que abrange um conjunto de disciplinas,
distribuídas em três grandes áreas: Línguas (português, latim, francês e inglês); Ciências
(matemática, ciências naturais, história geral, história do Brasil, geografia geral e geografia do
Brasil); Artes (trabalhos manuais, desenho e canto orfeônico) (BRASIL, 1942). O ensino de
práticas manuais pode sinalizar uma preocupação com o desenvolvimento de habilidade para
1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE 4ª SÉRIE
LATIM LATIM LATIM LATIM
PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS
FRANCÊS FRANCÊS FRANCÊS FRANCÊS
INGLÊS INGLÊS INGLÊS
MATEMÁTICA MATEMÁTICA MATEMÁTICA MATEMÁTICA
HIST.GERAL HIST. GERAL C. NATURAL C. NATURAL
GEO GERAL GEO.GERAL GEO. DO BRASIL GEO. DO BRASIL
TRAB. MANUAIS TRAB.MANUAIS HIST. DO BRASIL HIST. DO BRASIL
CANTOS CANTOS CANTOS CANTOS
DESENHO DESENHO DESENHO DESENHO
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o trabalho. Em síntese, o currículo era principalmente baseado no ensino das literaturas
brasileiras, portuguesas e estrangeiras, com suas sistematizações.
O quadro 3 apresenta as disciplinas do segundo ciclo Colegial - Curso Clássico e
Científico:
Quadro 3 – Currículo do Curso Colegial
FONTE: BRASIL (1942)
Conforme Quadro 3, os cursos tinham duração de 3 anos e o objetivo de
consolidar a educação ministrada no curso ginasial com uma sólida formação intelectual
através de um maior conhecimento de filosofia e do estudo das letras. O curso científico
proporcionaria um estudo maior das ciências. As disciplinas dos cursos também foram
organizadas de acordo com as áreas do curso ginasial, sendo elas: Línguas (português, latim,
grego, francês, inglês e espanhol); Ciências e Filosofia (matemática, física, química, biologia,
história geral, história do Brasil, geografia geral, geografia do Brasil e filosofia); Artes
(desenho) (BRASIL, 1942).
Conforme Silva (1969, p. 328) a lei apresentou “um currículo sobrecarregado de
matérias que, salvo o suposto valor formativo, apenas têm valor se o seu estudo prossegue até
o fim e com vistas ao ingresso num curso superior”. No caso, o que prevaleceu foram as
disciplinas de caráter humanista, como forte presença das línguas em todas as séries do curso
ginasial.
A educação elitista submetia os estudantes às ideias e aspirações do educador. A
formação evidenciava o caráter social e político com objetivo da manutenção de lideranças
estratégicas. As disciplinas escolares constituam-se a partir das postulações imperativas das
sociedades e as assumiam diante das expectativas das necessidades da época. Eram
significativamente voltadas para o desenvolvimento econômico através da industrialização
que se evidenciaria hegemônico a partir de 1945 e dos interesses da nova burguesia
capitalista, “[...] a articulação do conjunto de relações contraditórias que marcaram o lento
processo de consolidação do capitalismo brasileiro, e que, no curso dos anos, tornou
hegemônica a fração industrial da classe dominante” (MORAES, 2000, P. 65).
6 PROMULGAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES E BASES DO ENSINO Nº
4.021/61
A Constituição Federal de 1946, nos capítulos referentes à Educação, estabeleceu
aspectos expostos no “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932. O objetivo do
manifesto era discutir a situação do ensino vigente, a defesa da escola pública leiga, universal
CURSO CLÁSSICO CURSO CIENTÍFICO
1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE 1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE
PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS PORTUGUÊS
FRANCÊS OU
INGLÊS
FRANCÊS OU
INGLÊS
LATIM FRANCÊS FRANCÊS MATEMÁTICA
LATIM LATIM GREGO INGLÊS INGLÊS FÍSICA
GREGO GREGO MATEMÁTICA ESPANHOL MATEMÁTICA QUÍMICA
ESPANHOL ESPANHOL FÍSICA MATEMÁTICA FÍSICA FÍSICA
MATEMÁTICA MATEMÁTICA QUÍMICA FÍSICA QUÍMICA QUÍMICA
HIST. GERAL HIST. GERAL BIOLOGIA QUÍMICA BIOLOGA BIOLOGIA
GEOGRAFIA
GERAL
GEOGRAFIA
GERAL
GEOGRAFIA
DO BRASIL
HISTÓRIA
GERAL
HISTÓRIA
GERAL
HISTÓRIA DO
BRASIL
FÍSICA HISTÓRIA DO
BRASIL
GEOGRAFIA
GERAL
GEOGRAFIA
GERAL
GEOGRAFIA
DO BRASIL
QUÍMICA FILOSOFIA DESENHO DESENHO
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e democrática. Alguns elementos que integraram a Constituição de 1946 explicitaram a
influência do manifesto, como nos artigos a seguir: artigo 168, inciso VI, a exigência de
concurso de títulos e provas para o exercício do magistério; nos artigos 170 e 171, a
descentralização do ensino; artigo 170, parágrafo único, o caráter supletivo do sistema federal.
O caráter profissionalizante da educação também ficou evidente na Constituição. A
necessidade de estruturação e expansão da escola para formação estruturante era evidente para
os novos processos industriais.
Em 1948, começaram as discussões na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal, baseadas no Art. 5º, item XV, letra d, a regulamentação de “diretrizes e bases da
educação nacional”. A tramitação se iniciou a partir da mensagem presidencial nº. 605/48,
que apresentava o anteprojeto ao Poder Legislativo. O documento foi elaborado por uma
comissão de educadores, presidida por Manoel Lourenço Filho, Diretor do Departamento
Nacional de Ensino do Ministério da Educação e Saúde e a relatoria geral ficou sob a
responsabilidade do professor Antônio de Almeida Júnior, da Universidade de São Paulo. Os
debates para a elaboração projeto da LDB, culminou na disputa entre os interesses das
instituições de ensino privado e a defesa do ensino público. As instituições privadas tinham à
frente a Igreja Católica, que defendiam uma educação humanista e religiosa. Em defesa da
educação pública e laica estavam os movimentos progressistas da sociedade, defendendo a
igualdade de direitos à educação para todos os cidadãos brasileiros.
Havia diferenças marcantes no interior de cada grupo, embora o que prevalecesse
fosse a união de todos na defesa dos interesses comuns. Na defesa do ensino privado
enfileiravam-se a Igreja Católica e os proprietários das escolas particulares leigas
que embarcavam na doutrina da Igreja para defender seus interesses, basicamente
financeiros. Na defesa da destinação de verbas públicas exclusivamente para as
escolas públicas, havia diferentes grupos já também caracterizados por Saviani: os
liberais-pragmatistas, os liberais-idealistas e os de tendência socialista.
(MONARCHA, 2005, P.167)
Organizada em 120 artigos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº
4.021/61 foi promulgada, sendo a primeira legislação brasileira destinada especificamente
para a regulamentação do sistema de ensino. A LDB nº 4.021/61 instituiu os “Conselhos
Estaduais de Educação” (Art. 10) e a formação mínima dos professores (Arts. 62 e 63). O
ensino profissionalizante industrial, agrícola e comercial (Art. 47), inclusão de disciplinas
vocacionais no currículo (Art. 44). Também regulamentou os processos organizacionais da
educação no Brasil, evidenciando a formação preparatória para a formação profissional e
superior. A industrialização hegemônica constituía a oportunidade profissional para os
egressos de formação profissionalizante.
7 IMPACTOS DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SECUNDÁRIO
NO COLÉGIO CENTRAL DA BAHIA (1950-1970)
O Colégio Central da Bahia foi criado em 1836, ainda como Liceu Providencial
da Bahia, pelo então vice-presidente da província da Bahia, o desembargador Joaquim
Marcellino de Brito. O funcionamento só começou no ano seguinte, no dia 07 de setembro de
1837, no Convento dos Frades Agostinianos, no largo da Palma, com cerca de 300 alunos
matriculados, em 18 disciplinas obrigatórias que iam de eloquência e poesia a aritmética
(LIMA, 2003).
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Em 1890, o Liceu passou a se chamar Instituto Oficial de Ensino Secundário.
Posteriormente, em 1895, o através da Lei nº 117, é sancionada a nova organização do ensino
pública da Bahia, e o Colégio passa a se chamar Ginásio da Bahia (LIMA, 2003).
Desde a sua inauguração, em 1837, o Colégio foi palco de grandes movimentos
sociais e políticos com repercussão em nível nacional e teve em seu corpo discente alguns dos
principais políticos e figuras ilustres da Bahia e do Brasil, como Antônio Carlos Magalhães,
Glauber Rocha, Calazans Neto, Elcimar Coutinho, Cid Teixeira e Fernando da Rocha Perez,
dentre outros.
Durante a Reforma Capanema, em 1942, o Ginásio da Bahia (GB) passou a ser
chamado Colégio da Bahia ou Colégio Estadual da Bahia. O ensino secundário se dividiu em
dois ciclos: ginasial, que tinha como objetivo dar os fundamentos do ensino secundário; e o
segundo, que compreendia em dois cursos, clássico e científico, ambos com objetivo
“consolidar a educação ministrada no ensino ginasial e bem assim desenvolvê-la e aprofundá-
la.” (BRASIL, 1942). As disciplinas regulares seguiam a legislação conforme apresentado no
Quadro 2 e 3.
Conforme Lima (2003), as categorias de professores que atuavam no Colégio (Lei
117, de 24 de agosto de 1895) eram: lentes, substitutos e professores, os quais constituirão a
sua congregação. Estes, segundo o art. 49, eram obrigados a trabalhar semanalmente do
mínimo de 12 horas até o máximo de 18 horas, em suas cadeiras ou em outras por designação
do diretor ou resolução do governo. “Em 1940, a designação de catedrático se estende para
todos os que compunham o professorado permanente, sendo estes catedráticos concursados ou
interinos” (LIMA, 2003, p. 64). Os substitutos eram nomeados pelo governo, sob a proposta
da congregação, depois da aprovação em concurso.
Esses catedráticos realizavam concurso público para o ingresso no Colégio.
Conforme Lima (2003), o concurso era realizado em quatro momentos. Primeiro, o candidato
apresentava uma tese original, publicada em três cópias; segundo, realizava uma prova oral
apresentando um ponto sorteado dentre vinte previamente estabelecidos (sob a forma de tese);
terceiro, realizava uma prova prática e, por último, realizava uma prova oral. Participaram
desta banca quinze professores, representantes das diferentes cadeiras do Colégio.
Os concursos eram disputados e se faziam envolver por uma aura de glamour
acadêmico. Fazer parte do corpo docente do GB, enquanto catedrático, significava
uma das mais altas honrarias a que poderia granjear um intelectual em Salvador [...]. O catedrático do Ginásio da Bahia gozava dos mesmos privilégios dos catedráticos
da Faculdade de Medicina e da Faculdade de Direito (LIMA, 2003, p.63 ).
Ainda conforme Lima (2003, p. 64)
A reputação de alta qualificação do corpo docente sempre esteve associada ao
Ginásio da Bahia. Pela cidade do Salvador eram conhecidos os "Tubarões";
professores catedráticos do Ginásio que também ensinavam nas Faculdades de
Medicina, Direito e Engenharia. Temidos pela rigidez e pela fama de reprovadores, as relações sociais que se estabelecem no ambiente escolar são plasmadas nesta
percepção que os jovens têm de seus mestres.
Com uma carga horária mais reduzida, os professores podiam exercer suas
profissões liberais. Em sua tese, Lima (2003) constatou que 24% dos professores eram
médicos, 21% professores, 20,6% Bacharéis em Direito, 19,9% Engenheiros Civis, 7,4%
Doutores, 3,4 % Religiosos, 2,8% eram formados pelo GB, 2,2% Farmacêuticos, dentre
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outros. É lícito dizer que muitos eram profissionais de prestígio e participavam outros
círculos intelectuais em Salvador.
A partir de 1950, as marcas da reformulação do sistema de ensino ficaram mais
evidentes no Colégio Estadual da Bahia. À frente da Secretaria de Educação e Saúde do
estado, entre 1947 e 1951, Anísio Teixeira promoveu uma série de reformas para a
modernização da educação. A democratização do ensino começou a se consolidar em vários
aspectos. Entre eles, a expansão da rede de ensino e o acesso à educação secundária.
Até então, o Colégio Central (CC),
[...] funcionava sob regime de externato, em três turnos, sendo o primeiro das 8 às
12hs; o segundo das 12 às 16 hs.; o terceiro das 16 às 20 horas. O número máximo
de alunos em cada turno era de 500, dada as condições de capacidade do
Estabelecimento. [...] terminado cada turno, os alunos a ele pertencentes deixavam
imediatamente o Estabelecimento e eram substituídos pelos do turno subsequente.
Tanto a direção como o governo estavam vivamente empenhados em que este
número fosse rigorosamente observado, até que as novas instalações, que estavam
em construções fossem inauguradas, possibilitando o aumento a capacidade escolar.
(COSTA, 1971, P. 35)
As novas instalações eram localizadas em outros bairros da cidade, porém, ainda
estavam administrativamente vinculadas ao Colégio. A gestão das unidades ficava à cargo de
vice-diretores nomeados pela Secretaria de Educação (SEC-BA) e subordinados à Direção do
CC. Por este motivo passou a ser reconhecido como Colégio Central.
Em 18 de janeiro de 1948 – A Secretaria de Educação cogita: seção do Colégio da Bahia nos bairros – Descongestionamento do Estabelecimento Oficial [...] já com
matrícula máxima limitada pelo Instituto de Educação do Ministério da Educação,
estabelecer várias secções do curso secundário pelos bairros da capital, ficando o
Colégio da Bahia apenas destinado ao curso de Colégio e Clássico [...] (DA
COSTA, 1971, P. 78)
As novas unidades possibilitaram a ampliação do número de vagas no ensino
secundário no CC, chegando a 2.273 alunos matriculados no ano de 1963, como está descrito
na Tabela 1:
Tabela 1- Alunos Matriculados
1936-1962
ANO ALUNOS ANO ALUNOS ANO ALUNOS ANO ALUNOS
1936 1.094 1941 1.814 1953 1.576 1958 2.041
1937 1.109 1942 1.915 1954 1.752 1959 2.152
1938 1.269 1943 1.920 1955 2.134 1960 2.129
1939 1.470 1944 1.958 1956 2.046 1961 2.071
1940 1.658 1945 2.074 1957 1.955 1962 2.274
Fonte: COSTA (1971 P. 112)
Outro aspecto importante das mudanças se fez na sanção da Lei Estadual nº
2.521/68, que dispunha sobre o “Estatuto do Magistério Público do Estado da Bahia”. A
legislação estabelecia que em cada unidade de ensino médio oficial de currículo não
diversificado tenha um coordenador pedagógico por turno. Esta mudança foi determinante
para a transformação das práticas pedagógicas no Colégio Estadual da Bahia. As
coordenações pedagógicas foram postas em prática a partir de 1969.
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Outra mudança na legislação estabeleceu-se na classificação de cargos, que
dispunha sobre o cargo de professor de ensino médio. Segundo Lima (2003), os membros da
Congregação “eram signatários de respeito perante os demais professores e a eles era
conferida a condição de exemplo de postura intelectual, idoneidade e probidade moral. À
Congregação do Ginásio da Bahia cabiam as decisões mais importantes da instituição, assim
como o chancelamento dos concursos dos catedráticos.” Em virtude das novas disposições, a
Congregação do Colégio foi extinta e “[...] sendo substituída pelo Conselho Docente,
representado pelo corpo administrativo do Colégio e pelos Chefes de Departamento.”
(COSTA, 1971, p. 121).
O sistema administrativo do CC não teve muitas alterações em sua estrutura
organizacional ao longo do processo de democratização do ensino, além da composição do
número de efetivos para atender à ampliação do Colégio e das unidades à ele vinculadas. O
quadro organizacional era estruturado na Figura 1:
Figura 1 – Quadro Organizacional
Fonte: COSTA (1971, p. 53 a 55)
Além das mudanças organizacionais, diante das mudanças regulamentadas em
âmbito Federal, as metodologias de ensino aplicadas ao ensino de ciências foram
reformuladas e priorizadas. Estas mudanças foram frutos de acordos internacionais com os
EUA. “O principal acordo de cooperação feita entre o Brasil e o EUA foi o MEC/USAID
(United States Agency for International Development), em 1966, que definia a formação
técnica profissional como ideal para a educação brasileira.” (PINA, 2008, P.2)
Para gerir os acordos, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com as
Universidades Federais, criou entre 1963 e 1969 seis Centros de Ensino de Ciências (CECIS),
nas maiores capitais brasileiras: São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre e
Belo Horizonte. Os Centros desempenhavam ações para a melhoria do ensino de ciências e
matemática, numa proposta de renovação ampla do ensino secundário, através das práticas
pedagógicas propostas e constituídas a partir da criação dos cursos de licenciatura no Brasil.
Na Bahia, o Centro de Ensino de Ciências, chamado CECIBA, desenvolveu papel importante
em prol da melhoria do ensino secundário. Segundo a entrevistada 3, foram desenvolvidos
projetos e materiais didáticos com professores ainda em formação ou já atuantes, que eram
DIRETORIA
Diretor Geral
Vice-Diretor Matutino
Vice-Diretor Vespertino
Vice-Diretor Noturno
SECRETARIA
Secretários de 1ª e 2ª Classes
Escriturário
Escriturário de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª
classes
Datilógrafa
Auxiliares
Servente
BIBLIOTECA
Bibliotecário
Auxiliar
Arquivista
Auxiliar
Servente
ARQUIVO
Arquivista
Auxiliar
Servente
SEÇÃO DE FISCALIZAÇÃO
FEDERAL
Responsável
Auxiliares
Servente
SERVIÇOS DE DISCIPLINA
Inspetor Chefe
Inspetores de Alunos
Subinspetores
SERVIÇOS GERAIS
Auxiliares
Serventes
Jardineiro
Guarda
Porteiro
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capacitados através de cursos oferecidos em parceria com o Ministério de Educação e Cultura
(MEC), Secretária de Educação da Bahia (SEC-BA) e com o apoio da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Os cursos de capacitação (treinamento e aperfeiçoamento) dos professores
eram diversas áreas. Na matemática, destacamos o de Introdução à Teoria dos Conjuntos,
ministrado por Martha Dantas, em meados de 1960. O Colégio Central da Bahia recebeu
novas estruturas físicas para aplicação das novas práticas de ensino, principalmente da física,
química, história natural e matemática. Em 1966, começaram a desenvolver experiências com classes-piloto de
matemática no Colégio Central da Bahia. As experiências tinham a resistência inicial da
direção do Colégio, representada por Walter Reuther. Os alunos escolhidos para
experimentação pedagógica eram selecionados entre os melhores da instituição, o que tornava
a ação dos professores melhor sucedida. De certa forma, estabeleceu-se um grupo seleto de
alunos para difundir o ideal de renovação do ensino. Segundo a entrevistada 3, Coordenadora
do projeto, as classes-piloto foram fruto de um convênio tríplice entre a Secretaria de
Educação da Bahia, a UFBA e o Ministério da Educação. O objetivo principal das classes-
piloto no CC era a demonstração dos métodos que eram desenvolvidos dentro para a escola
pública. Os currículos das classes-piloto relacionavam os mais recentes avanços da produção
matemática, ciências biológicas, física e química, com atividades extracurriculares. O
desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia se tornavam relevantes para se considerar um
cidadão como bem instruído na sociedade da época. As classes-piloto tiveram um bom
resultado, mas devido a descontinuação do projeto e o baixo índice de adesão do corpo
docente do CC, não foi possível mensurar seus resultados.
[...] havia três disciplinas - química, física e história natural - que tinham dois tipos
de aulas obrigatórias: aulas teóricas e aulas práticas. Isto é, você tinha um
laboratório de química, laboratório de física e uma sala de história natural, com
professores que davam aulas práticas. Fazer reação química com professor Farias era
atividade, você pegava no projeto, misturava e tal. A de física, a mesma coisa, as de
história natural a mesma coisa. Então além da teoria, essas três disciplinas tinham
aulas práticas. (ENTREVISTADO 2)
O Colégio Central relacionava com a construção coletiva do saber, com interação
entre docentes e discentes, através de atividades extracurriculares. Algumas atividades foram
muito importantes e se destacaram para além do espaço do Colégio. Entre elas, as jogralescas,
encenadas em meados da década de 1950. Segundo o pesquisador Antônio Albino Canelas
Rubim, as jogralescas foram manifestações culturais estruturadas que consistiam em
espetáculos de poesia teatralizada, com o objetivo de divulgar entre a juventude, a moderna
poesia brasileira, a literatura contemporânea e de despertar o interesse pelo teatro. Um dos
nomes influentes das jogralescas, o cineasta Glauber Rocha surgiu do movimento. As
jogralescas também suscitaram polêmicas, quando Annecy Rocha, irmã de Glauber,
declamou o poema Blasfémia, de Cecília Meireles. A Congregação do Colégio censurou o
espetáculo.
A ação da Congregação repercutiu nacionalmente, a ponto de o Teatro de Arena
de São Paulo, através dos seus representantes, enviou uma carta de repúdio ao Colégio,
solidarizando-se com os jovens baianos. O grupo criador da jogralesca também fundou a
revista Mapa, cujo nome foi inspirado em poema de Murilo Mendes. Lançada em 1957, a
revista, apesar de ter durado apenas um ano, teve grande repercussão no meio intelectual da
época. A revista foi patrocinada pela Associação Baiana dos Estudantes Secundaristas,
dirigida por Fernando Peres e Glauber Rocha, e tinha, entre seus colaboradores, o artista
plástico Calazans Neto, os escritores Carlos Anísio Melhor, Sônia Coutinho, João Ubaldo
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Ribeiro, João Carlos Teixeira Gomes e, mais tarde, Florisvaldo Mattos e Myriam Fraga.
Outra atividade que marcou a história do Colégio foi a montagem da peça
“Aventuras e desventuras de um estudante”, de Carlos Sarno, pelo GATEB, Grupo Amador
de Teatro Estudantil da Bahia. A peça foi inspirada na literatura de cordel e abordava alguns
problemas da educação brasileira através da trajetória de um estudante que veio do interior e
enfrentava dificuldades para estudar na capital, desde a matrícula, complicada pela falta de
vagas, até a política, que conclamava a participação do estudante a partir da compreensão dos
próprios direitos de cidadão, o que se confundia, geralmente, com a defesa do regime
democrático e despertava a reação do governo. “Nos primeiros dias em Salvador o estudante
inicia uma saga para conseguir matricular-se no Colégio da Bahia. Logo percebe que na
prática, a educação não é um direito de todos” (CARNEIRO, 2011, P.59).
A peça foi censurada pela direção do Colégio, desencadeando na greve dos
estudantes do Colégio Central, importante por ser o primeiro grande movimento estudantil da
Bahia contra o governo. A greve incentivou semelhantes paralisações, inclusive no interior do
estado. O movimento desencadeou na exoneração do então Diretor Geral do Colégio.
[...] o ato subsequente, exonerou-se o dinâmico Prof. REUTER da Direção do
Colégio, em virtude de não querer a realização de uma pequena peça teatral de
autoria de alunos que o Grêmio queria levar no Auditório do Colégio; peça esta que
criticava a direção e os professores do Estabelecimento, provocando assim um
atentado aos fôros da tradição honrosa desta Casa e a dignidade do Magistério. Os
estudantes, isto é, um Grupo de estudantes extremistas, que insistia nos seus
propósitos, buscou o auxílio dos Universitários, a fim de que a peça fosse levada ao
palco, tendo contado também, com o apoio de alguns professores também mal
orientados. O Prof. Reuter, objetivando a Paz e a Tranquilidade do Colégio da
Bahia, preferiu, estribado em suas justas razões, exonerar-se do Cargo de Diretor. (DA COSTA, 1971, p.117)
As atividades extracurriculares no Colégio Central impactaram diretamente na
aprendizagem dos estudantes na medida em que criavam valores. Nestes espaços, os
estudantes exercitavam no dia a dia seus direitos e responsabilidades, tinham uma vivência
política. Aprendiam a ser cidadãos e vislumbravam a liberdade. Conforme entrevistado 1 (ex-
aluno)
Minha passagem por ele é fundamental porque no Colégio Central eu entendi o
significado absoluto da palavra liberdade. La no Colégio Central você podia
realmente escolher a sua vida. Você pensava e você era cercado de liberdade, os
professores, os alunos, as pessoas que estavam ao seu redor, as nossas saídas, eu
acho que as coisas ... ser livre eu aprendi no Colégio Central. (ENTREVISTADO 1)
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise aqui compreendida do processo de reestruturação organizacional e
pedagógica do Colégio Central (CC) mostrou importantes aspectos históricos que designaram
mudanças organizacionais e pedagógicas da educação no Brasil. Estes aspectos resultaram
num caminhar mais democratizante da educação brasileira.
O processo se situou no momento histórico de reforma do Estado e da
estruturação da indústria brasileira. Os embates e discussões. Os entre interesses públicos e
privados. O campo das discussões era composto por três representações, que articularam suas
posições: O Estado, profissionalização do trabalho; Escolas privadas, educação tradicional e
religiosa; manifestantes em prol da renovação da educação, defesa da escola única, pública,
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laica, obrigatória e gratuita.
A promulgação da LDB Nº 4.021/61 definiu princípios da educação brasileira.
Além disso, regulamentou a formação específica de professores, entre outros pontos
importantes. A ênfase da pesquisa esteve na aplicação das mudanças no Colégio Central da
Bahia entre os anos de 1950 e 1970.
As atividades extracurriculares no Colégio Central também constituíram
importantes instrumentos de aprendizagem. A participação dos estudantes, através de
atividades do Grêmio estudantil, também desempenhou muita influência nos processos
desenvolvidos nos Colégio. Enfim, além do desenvolvimento cognitivo construído da prática
pedagógica, as atividades extra classes também repercutiram na formação crítica e intelectual
dos egressos do Colégio. Os resultados estão expostos nos milhares de egressos do Colégio
Central da Bahia que representam importantes lideranças da sociedade baiana para o Brasil e
para o mundo.
As práticas pedagógicas geraram novas possibilidades de aprendizagem num
processo gradual e contínuo. As discussões para reformulação da educação, O reforço das
experimentações vivenciadas nas classes-piloto do ensino das ciências (matemática, física,
química e biologia) no Colégio Central da Bahia, frutos da formação específica, de egressos
das Faculdades de Filosofia e Educação da Universidade Federal da Bahia, transformaram as
técnicas de ensino.
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