Recursos naturais e desenvolvimento econômico: uma …...desenvolvimento econômico e ao processo...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Gerson Alves de Freitas Jr.
Recursos naturais e desenvolvimento econômico:
uma revisão do debate teórico
MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA
São Paulo
Agosto - 2012
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Gerson Alves de Freitas Jr.
Recursos naturais e desenvolvimento econômico:
uma revisão do debate teórico
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Economia Política sob a orientação do Prof.
Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho.
MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA
São Paulo
Agosto - 2012
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BANCA EXAMINADORA
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Ao meu eterno amor, Tatiana.
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AGRADECIMENTOS
A todos que contribuíram, direta ou indiretamente, com a realização deste trabalho, em
especial o professor Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho, que me orientou e incentivou
durante todo o processo, e o professor João Batista Pamplona, pela inspiração e importante
contribuição teórica.
Aos demais professores do Programa de Economia Política da PUC-SP e aos colegas com
quem convivi ao longo dessa jornada acadêmica, em especial Marcelo Figueiredo, Cristiane
Mancini, Rosângela Vieira e Fernando Gdikian.
À minha querida família, sobretudo meus pais, pelo apoio e compreensão incondicionais, e
aos amigos que se mantêm sempre por perto.
Obrigado.
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RESUMO
O objetivo desse trabalho é revisitar o debate sobre o papel dos recursos naturais no
desenvolvimento econômico. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de caráter ensaístico, que
analisa teses e fatos estilizados sobre o tema – sobretudo aqueles que estabelecem uma
relação negativa entre a dotação de recursos naturais e o crescimento econômico – à luz das
mudanças estruturais na economia mundial e à alta nos preços internacionais dos produtos
primários na última década. Sua primeira conclusão é que não há, na literatura, trabalhos
capazes de atestar de maneira conclusiva a “maldição dos recursos naturais”, embora alguns
dos pressupostos a ela associados, tal como a existência de uma tendência secular de queda
nos termos de troca dos produtos primários, tenham se mostrado verdadeiras no século
passado – ainda que não o sejam nesse curto começo do século 21. As características técnicas
e econômicas do atual processo de globalização sugerem, pelo contrário, uma tendência
crescente de dinamização dos mercados de recursos naturais, o que pode representar uma
janela de oportunidades para economias ricas em produtos primários.
PALAVRAS-CHAVE: Recursos naturais. Commodities. Deterioração dos termos de troca.
Prebisch-Singer. América Latina. Doença Holandesa.
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ABSTRACT
The aim of this work is to revisit the debate surrounding the role of natural resources in
economic development. This is an exploratory essay, which examines theses and stylized facts
on the topic – especially those that establish a negative relationship between natural resource
endowment and economic growth – in light of structural changes in the global economy and
the rise in international primary product prices in the last decade. Its first conclusion is that
there isn’t any conclusive literary evidence of the so-called "resource curse," although some
of the assumptions associated with it, such as the existence of a secular trend of decline in
terms of the primary goods trade, have been proven true in the past century – although,
perhaps, not in the 21st century so far. The technical and economic characteristics of the
current globalization process suggest, on the other hand, an increasing trend of dynamic
natural resource markets, which may represent a window of opportunity for commodity-rich
economies.
KEYWORDS: Natural resources. Commodities. Deteriorating in terms of trade. Prebisch-
Singer. Latin America. Dutch Disease.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Índice de preços das commodities não energéticas, 1865-2009 40
Figura 2 – Termos de troca por grupos de commodities, 1865-2009 41
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Relação entre os preços de produtos primários e industrializados 28
Tabela 2. Os superciclos de preços das commodities 44
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CEPAL: Comissão Econômica para América Latina e Caribe
PIB: Produto Interno Bruto
MUV: Índice do Valor Unitário de Manufatura
OPEP: Organização dos Países Exportadores de Petróleo
FOB: Free on board
CIF: Cost and freight basis
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
1. A ECONOMIA E OS RECURSOS NATURAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS 15
1.1. Os recursos naturais e o princípio da escassez 15
1.2. A abordagem institucionalista: “recursos não são; se tornam” 18
1.3. A maldição dos recursos naturais 20
1.4. A tese Prebisch-Singer 25
1.5. A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento 30
2. RECURSOS NATURAIS E OS TERMOS DE TROCA 35
2.1. Questões metodológicas 36
2.2. Fatores envolvidos 37
2.3. A deterioração dos termos de troca no século 20 39
2.4. Os superciclos de preços 43
2.5. Os anos 2000 e a alta nos preços das commodities 47
3. RECURSOS NATURAIS E DESENVOLVIMENTO:
CONTRAPONTOS À “MALDIÇÃO” 53
3.1. Recursos naturais e crescimento econômico 53
3.1.1. A questão da produtividade 57
3.1.2. Maldição dos recursos ou da dívida externa? 59
3.1.3. Recursos naturais e capital humano 60
3.2. A revolução dos recursos naturais: as ideias de Carlota Perez 64
CONSIDERAÇÕES FINAIS 71
REFERÊNCIAS 75
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INTRODUÇÃO
A percepção de que a dotação de recursos naturais impõe uma barreira ao desenvolvimento
está presente no pensamento econômico há pelo menos 200 anos, embora suas raízes sejam
ainda mais antigas. Entre os economistas políticos do fim do século 18, imperava a ideia de
que a abundância de terras férteis e riquezas minerais produzia um comportamento indolente e
preguiçoso nos povos agraciados, o que desestimulava o trabalho e a produção. Em
contrapartida, as dificuldades impostas aos habitantes de regiões menos abastadas serviam
como impulso ao trabalho árduo, à produção dos itens necessários à sobrevivência e,
consequentemente, ao desenvolvimento econômico.
Com o passar dos anos, o debate ganhou novos e sofisticados elementos. Nos anos 1950, os
economistas Raul Prebisch e Hans Singer formularam a teoria segundo a qual os produtos
primários – as chamadas commodities –, exportados pelos países periféricos da economia
mundial, sofriam uma depreciação em relação às manufaturas que compravam dos países
industrializados, o que contribuía para aumentar o abismo entre as nações ricas e pobres. A
famosa tese Prebisch-Singer, como ficou conhecida, recomendava aos países em
desenvolvimento que perseguissem a industrialização como forma de aumentar sua
produtividade e melhorar as condições de vida de suas populações.
De fato, o século 20 experimentou uma profunda deterioração nos preços relativos dos
recursos naturais. Diferentes índices demonstram que, na média, produtos agrícolas, metálicos
e combustíveis ficaram até 50% mais baratos em relação aos produtos industrializados –
tendência que deu sustentação ao modelo fordista de crescimento, intensivo em recursos
naturais. Países especializados na produção de produtos primários se encontraram em
dificuldades e viram nações pobres em recursos naturais, como Japão e Coreia do Sul,
alcançarem elevados padrões de desenvolvimento com base na manufatura.
Nos anos 1970, economistas defenderam que a dotação de recursos naturais tendia a
sobrevalorizar a taxa de câmbio, comprometendo a competitividade da indústria e alocando
todo o capital e trabalho que poderiam ser utilizados pela produção manufatureira para o setor
de serviços, menos dinâmico, resultando em um processo de desindustrialização – mais
conhecido como “Doença Holandesa”. Nos anos 1990, estudos demonstraram empiricamente
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que países em desenvolvimento exportadores de commodities tinham seu potencial de
crescimento sufocado. Tais teses e pressupostos só fizeram alimentar a antiga percepção de
que existe uma “maldição” associada à abundância de recursos naturais.
Contudo, os pressupostos sobre recursos naturais passam por uma revisão diante das
mudanças estruturais na economia global. A escalada das chamadas economias emergentes
fez aumentar substancialmente a demanda por commodities e seus preços nos mercados
internacionais, enquanto a globalização da produção e a difusão dos ganhos de produtividade
levaram a uma queda dos preços dos produtos industrializados. Apesar dos preços mais altos,
barreiras técnicas e ambientais impõem dificuldades crescentes à expansão da oferta de
produtos primários. A extração de recursos minerais torna-se mais difícil, a disponibilidade de
terras férteis e água diminui, e a pressão por fontes renováveis e menos poluentes de energia
aumenta, o que demanda soluções cada vez mais complexas e caras.
Teriam as recentes mudanças criado um espaço novo para inovação na produção e no
consumo de recursos naturais, tornando os setores correlatos mais dinâmicos e intensivos em
tecnologia do que no passado e permitindo que os países abundantes em recursos naturais
adotem estratégias de desenvolvimento com base na exploração, produção e processamento
de produtos primários? É possível que as mudanças estruturais de que tratamos acima tenham
invalidado os pressupostos relacionados à “maldição”? Estes são alguns dos problemas sobre
os quais se debruça o presente trabalho, cujo objetivo central é revisitar o debate sobre o papel
dos recursos naturais no desenvolvimento econômico.
Trata-se de um estudo exploratório, de natureza qualitativa, delineado por pesquisa
bibliográfica e análises de caso. Em seu primeiro capítulo, vamos promover um resgate do
pensamento econômico acerca do problema dos recursos naturais, ressaltando os conceitos e
teorias mais relevantes para a discussão proposta, como as associadas à “maldição” dos
recursos naturais.
Em seguida, nos aprofundamos sobre o comportamento dos termos de troca dos produtos
primários, procurando compreender sua dinâmica.
No terceiro e último capítulo, discutimos a literatura contemporânea sobre o debate proposto,
com ênfase nos trabalhos que oferecem um contraponto à tese da maldição e evocam uma
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“nova era” para a produção de recursos naturais. Por fim, segue-se a conclusão, com as
percepções gerais do autor.
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1 – A ECONOMIA E OS RECURSOS NATURAIS: FUNDAMENTOS TEÓRICOS
A complexa relação entre a dotação de recursos naturais e o desenvolvimento das nações é
discutida pelo menos desde meados do século 18, com ênfase em suas implicações políticas,
institucionais e até comportamentais ou apenas em seus efeitos estritamente econômicos. Em
todo esse tempo, a ideia aparentemente contraditória de que a abundância de terras férteis,
fontes de energia, metais preciosos e básicos1 representa um obstáculo ao desenvolvimento
econômico esteve sempre presente, assim como os temores relacionados ao aparentemente
inevitável esgotamento desses recursos.
A discussão ganhou novos e importantes elementos a partir da década de 1950, com a tese de
Prebisch-Singer sobre a deterioração dos termos de troca dos produtos primários, e 1970, com
a tese da Doença Holandesa, que explorou os efeitos negativos da produção de recursos
naturais sobre a indústria manufatureira. Os trabalhos que apresentaram demonstrações
empíricas da existência de uma correlação negativa entre a exploração de recursos naturais e o
crescimento do PIB, a maioria dos quais publicados nos anos 1990, encerram o que a presente
dissertação considera a literatura básica sobre o tema.
1.1. Recursos naturais e o princípio da escassez
Os recursos naturais ocuparam um lugar central no debate entre os economistas ingleses dos
séculos 18 e 19. Tal como capital e trabalho, a terra foi descrita como um dos fatores
essenciais à produção capitalista, fonte dos alimentos e matérias-primas indispensáveis ao
desenvolvimento econômico e ao processo civilizatório. Sua importância para os clássicos é
sintetizada por Thomas Malthus (1996a, p. 85), quando o economista político descreve que a
terra produz os “meios mediante os quais – e somente mediante os quais – um aumento de
população pode ocorrer e ser mantido”.
No entanto, os clássicos descreviam a terra com um fator de produção finito e escasso que,
diferentemente do capital e do trabalho, não se podia reproduzir. Desse modo, haveria um
1 São metais básicos: minério de ferro, bauxita, cobre, níquel, zinco, chumbo e outros frequentemente usados
como matérias-primas na produção industrial
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limite para o crescimento da produção de alimentos e minérios, o que serviu de base para
projeções catastróficas. Em seu famoso Ensaio sobre a População (1996b, p.251), Malthus
prevê que uma grande fome inevitavelmente sobrecairia sobre a sociedade, não fossem
impostos rígidos controles sobre o aumento populacional. Enquanto a população (demanda)
tendia a crescer em progressão geométrica, dizia Malthus, os meios de subsistência (oferta)
aumentavam em progressão aritmética.
O caráter esgotável e finito dos recursos da terra implicava ainda que seus rendimentos seriam
decrescentes, o que novamente distinguia esse fator de produção do capital e do trabalho. A
explicação era que a produção de recursos naturais precisaria incorporar terras cada vez
menos produtivas e onde mais trabalho se faria necessário para satisfazer a demanda crescente
por matérias-primas imposta pelo aumento da renda e da população.
Em compensação, a remuneração da terra cresceria, progressivamente, à medida que tais áreas
fossem exploradas. Isso porque, segundo David Ricardo (1996), os preços das mercadorias
oriundas da terra teriam de ser suficientemente elevados para viabilizar economicamente a
produção demandada em condições menos favoráveis. No entanto, o aumento da renda
decorrente dos preços mais altos seria apropriado pelos proprietários das terras agrícolas ou
minas mais produtivas, onde os custos fossem mais baixos e menos esforço se fizesse
necessário para produzir.
O valor de troca de todas as mercadorias — manufaturadas, originárias das minas ou obtidas da terra — é
sempre regulado não pela menor quantidade de trabalho que bastaria para produzi-las em condições
altamente favoráveis, desfrutadas por aqueles que têm particulares facilidades de produção, mas pela
maior quantidade necessariamente aplicada por aqueles que não dispõem de tais facilidades e continuam a
produzi-las nas condições mais desfavoráveis (RICARDO, 1996, p. 53).
Desse modo, os economistas clássicos previam que, sendo a terra um bem escasso, os termos
de troca dos alimentos e minérios tendiam a se valorizar em relação aos produtos
manufaturados, uma vez que a indústria não estava sujeita à lei dos rendimentos decrescentes
e incorporava relativamente mais progresso técnico. Tal percepção foi, por muitos anos,
hegemônica entre os economistas ingleses.
Conforme Hochstetler (2001), a questão dos recursos naturais perdeu relevância no debate
econômico durante a primeira metade do século 20, tendo ficado circunscrita aos estudiosos
do tema. Embora não se contrapusessem às ideias de seus antecessores, os economistas
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neoclássicos consideravam que a questão havia sido superestimada e que os fatores de
produção reproduzíveis (capital e trabalho) e a inovação tecnológica eram mais relevantes
para a determinação do crescimento. É o que demonstra o fato de os principais modelos de
crescimento, tais como os de Harrod, Domar e Solow, negligenciarem a terra como um fator
de produção relevante para o crescimento. Todos desconsideram o caráter esgotável dos
recursos e contemplam a possibilidade de um estado estacionário de crescimento perpétuo.
Como observa Hochstetler, a mudança de ênfase tem uma explicação simples: mais de um
século após a publicação de Ensaio sobre a População, a economia industrial continuava a
crescer vigorosamente, sem qualquer evidência de esgotamento dos recursos naturais, queda
nos rendimentos da produção ou elevação nos preços dos produtos primários. Na verdade,
tanto os preços dos recursos quanto sua participação na renda total apenas diminuíram, de
modo que as profecias de Malthus se mostraram, em grande parte, equivocadas.
Evidentemente, os temores de esgotamento dos recursos naturais nunca foram completamente
abandonados, sendo frequentemente retomados em períodos de desajuste entre oferta e
demanda e aumento nos preços das matérias-primas. Jevons (1965, apud HOCHSTETLER,
2001) previu, em 1906, que as reservas de carvão economicamente viáveis do Reino Unido se
esgotariam em poucos anos, colocando em risco a soberania britânica. Em 1952, a Comissão
Paley da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos publicou um relatório chamado
“Resources for Freedom”, em que indagava se os americanos detinham os meios materiais
para sustentar sua civilização e alertava para uma possível piora nos padrões de vida da
população em decorrência do eventual esgotamento de seus recursos naturais.
In area after area the same pattern seems discernible: soaring demands, shrinking resources, the
consequent pressure toward rising real costs, the risk of wartime shortages, the ultimate threat of an
arrest of decline in the standard of living we cherish and hope to help others to attain. If such a threat
is to be averted, it will not be by inaction. After successive years of thinking about unemployment,
reemployment, full employment, about factory production, inflation and deflation, and hundreds of
other matters in the structure of economic life, the United States must now give new and deep
considerations to the fundamental upon which all employment, all daily activity, eventually rests: the
contents of the earth and its physical environment (RESOURCES FOR FREEDOM, apud DE
GREGORI, 1987, p. 1245).
Alertas semelhantes ganharam força nos anos 1970, com destaque para a publicação, pelo
Clube de Roma, do famoso “The Limits to Growth” (DONELLA H. MEADOWS ET AL,
1974, apud DE GREGORI, 1987), que demonstrou, por meio de modelos computacionais,
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que as reservas mundiais de petróleo e outros recursos naturais se aproximavam da exaustão e
que seus preços subiriam drasticamente nos anos seguintes. Contudo, mais uma vez, a
previsão foi desmentida pelo aumento da produção e queda nos preços dessas mercadorias nos
anos 1980 e 1990.
1.2. A abordagem institucionalista: “recursos não são; se tornam”
Os economistas da escola institucionalista rejeitaram o pressuposto dos economistas clássicos
de que os recursos da terra sejam finitos ou dados e propuseram outra abordagem para a
questão. Sua ideia central é que “recursos naturais não são, mas se tornam” em um processo
de interação com o homem. De Gregori (1987, p. 1247) afirma que os recursos não são dados
ou finitos porque não são naturais. Para ele, os diferentes materiais presentes na natureza só
podem ser considerados recursos quando submetidos a um processo criativo capaz de torná-
los úteis, funcionais e acessíveis pelo ser humano – um processo determinado pela ciência,
pela tecnologia e pelo próprio desenvolvimento econômico. Como ilustração, ele pondera que
as pedras, embora sempre abundantes na natureza, apenas se tornaram um recurso quando os
proto-hominídeos começaram a usá-las como utensílios. “The stones had not changed, but
ideas, skills, and behavior had, and these literally created the resource” (DE GREGORI,
1987, p.1242).
Embora nunca tenham se esgotado, as pedras deixaram de ser um recurso à medida que o
homem conseguiu transformar minérios sem valor em metais, com os quais foi capaz de criar
outras ferramentas e abrir novas fronteiras de interação com o meio ambiente e de criação de
recursos. Em seu “The Growing Abundance of Natural Resources”, Jerry Taylor (1992)
lembra que, há 200 anos, o petróleo era apenas um “lodo inútil”, que desvalorizava as
propriedades, até que o esforço, o conhecimento, a tecnologia e a criatividade humana o
transformaram em um recurso valioso. Do mesmo modo, o carvão apenas se tornou um
recurso essencial para o desenvolvimento quando da invenção da máquina a vapor, enquanto
o desenvolvimento dos motores abastecidos com combustíveis líquidos determinou a sua
substituição muito antes que se extinguissem suas reservas.
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O desenvolvimento de tecnologias de extração capazes de viabilizar o acesso a reservas
minerais antes inacessíveis, a substituição de materiais escassos por outros abundantes e o uso
mais eficiente dos materiais são rotineiros na história da civilização humana, o que significa
um processo contínuo de criação de recursos. O homem literalmente constitui novas reservas
de petróleo, quando se torna capaz de extrair o combustível escondido a quilômetros do fundo
do mar, ou novas terras agricultáveis, quando desenvolve tecnologias capazes de intensificar a
produção agrícola, encurtando seus ciclos, utilizando sementes mais produtivas ou plantas
geneticamente modificadas para resistir ao ataque de pragas, tolerar estiagens e produzir
alimentos mais nutritivos.
The ideas of science-based agriculture, or of certain technologies as "land-augmenting" or that
investment creates arable land, make sense in a functional theory of resources, but not in one that
assumes land as "natural" or as the non-human, non-manmade factor of production. (DE GREGORI,
1987, p. 1242)
De Gregori observa que os alertas de esgotamento dos recursos naturais em meados dos anos
1970 ignoravam o fato de que as reservas conhecidas da maioria dos minerais, assim como a
produção de alimentos, haviam crescido de modo expressivo nas décadas anteriores2. Sustenta
ainda que, embora os economistas do chamado mainstream fossem capazes de explicar as
tendências de curto prazo determinadas por mudanças técnicas e pelo aumento da eficiência, a
teoria básica dos recursos finitos os impedia de conceber a ideia de uma expansão infinita dos
recursos naturais.
Unchanging technology is resource-using. Changing technology is resource-creating. The history of
technology and human societies today testify to these basic conditions. Thus, the growth in resources
and the decline in their real price are not fortuitous, or accidental, or temporary, or paradoxical, but
fundamental to the process of technological change (DE GREGORI, 1987, p. 1256).
Porque os recursos naturais tornavam-se cada vez mais abundantes – e não menos, como
haviam antecipado os clássicos –, argumenta De Gregori, praticamente todas as categorias de
produtos primários haviam experimentado, com poucas exceções, declínios persistentes em
2 Entre os anos 1940 e 1960, as reservas de minério de ferro cresceram 122,1%, manganês, 27%, cromita, 675%,
cobre, 179% e chumbo, 115%. (DE GREGORI, 1987, p.1249).
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seus preços reais, de modo que, em meados dos anos 1980, a maioria dos minérios e produtos
agrícolas custava menos do que em 1950 (1987, p.1251).
1.3. A maldição dos recursos naturais
Embora considerassem os recursos naturais essenciais à sobrevivência dos povos e ao
desenvolvimento econômico, os pensadores clássicos acreditavam haver uma relação inversa
e paradoxal entre a abundância de recursos naturais e o desenvolvimento econômico e
político-institucional das nações – uma noção que remonta ao pensamento econômico grego.
Montesquieu (2004) sustentou, em 1748, que o clima e a fertilidade do solo desenvolvem um
papel fundamental na formação do caráter humano. Ambientes muito favoráveis, pensava o
filósofo, tornavam as pessoas ociosas e despreocupadas, enquanto condições inóspitas
estimulavam o trabalho e a valorização da liberdade.
A esterilidade das terras torna os homens industriosos, sóbrios, persistentes no trabalho, corajosos,
próprios para a guerra; é preciso que obtenham o que a terra nega. A fertilidade de um país proporciona,
com o conforto, a indolência e certo amor à conservação da vida. (MONTESQUIEU, 2004, p.133)
Montesquieu argumentou que a decadência de Espanha e Portugal estava diretamente
associada à descoberta das grandes reservas de ouro e prata em suas colônias na América.
Para ele, as duas monarquias haviam se iludido com uma riqueza artificial, obtida com a
exploração de escravos e sem qualquer vínculo com a vida econômica da metrópole – uma
situação oposta à das minas na Alemanha e na Hungria que, embora menos rentáveis, estavam
no Estado principal e empregavam um grande contingente de trabalhadores, que demandavam
uma grande quantidade de produtos e estimulavam o cultivo das terras ao redor. “São,
propriamente, uma manufatura do país”. (2004, p.180)
É um mau tipo de riqueza um tributo acidental que não depende da indústria da nação, do número de
seus habitantes ou do cultivo de suas terras. O rei da Espanha, que recebe grandes somas de sua
alfândega de Cádis, é apenas, neste sentido, um particular muito rico num Estado muito pobre. Tudo
acontece entre os estrangeiros e ele praticamente sem que seus súditos participem; esse comércio é
independente da boa ou da má fortuna de seu reino. Se algumas províncias em Castela lhe dessem
uma soma igual à da alfândega de Cádis, seu poder seria muito maior: suas riquezas só poderiam ser o
efeito das do país; estas províncias animariam todas as outras e estariam todas juntas m melhores
condições de sustentar os encargos respectivos: em vez de termos um grande tesouro, teríamos um
grande povo (MONTESQUIEU, 2004, p. 180).
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Em 1777, David Hume (1987, p. 286 apud BOIANOVSKY, 2013, p.6) observou que a
indústria se desenvolveu em todas as nações europeias após as descobertas de ouro no
continente americano, exceto nos países que exploravam as minas. Espanha e Portugal se
tornaram importadores dos produtos manufaturados produzidos pela Inglaterra e outros
países. Por essa razão, observa Boianovsky, o efeito que a descoberta de ouro teve sobre as
economias de Portugal e Espanha é descrito como uma das primeiras ilustrações históricas do
fenômeno que, no último quarto do século 20, ficou conhecido como “Doença Holandesa”.
Hume também atribuiu à relativa abundância de recursos naturais a pobreza de grande parte
das populações de França, Itália e Espanha, em meados do século 18. Para ele, os solos férteis
e o clima agradável do Sul do continente europeu tornavam a agricultura uma “arte fácil”, que
requeria pouco esforço, capital e técnica, e estimulavam uma postura “indolente” em seus
habitantes, satisfeitos com as condições de sobrevivência oferecidas pela natureza.
All the art, which the farmer knows, is to leave his ground fallow for a year, as soon as it is
exhausted; and the warmth of the sun alone and temperature of the climate enrich it, and restores its
fertility. Such poor peasants, therefore, require only a simple maintenance for their labor. They have
no stock or riches, which claim more; and at the same time they are forever dependent on their
landlord, who gives no leases, nor fears that his land will be spoiled by the ill methods of cultivation
(HUME, 1987, p. 266, apud BOIANOVSKY, 2013, p.5 ).
As condições eram menos favoráveis na Inglaterra, onde os custos e os requisitos técnicos da
produção eram mais altos. Contudo, os investimentos e o grande número de trabalhadores
empregados para viabilizar a produção no país dinamizavam a economia, distribuíam a renda
e, assim, compensavam essa desvantagem competitiva.
Adam Smith (1996), em 1776, chamou atenção para fraco desempenho econômico de
Espanha e Portugal e também para a dificuldade de suas colônias, abundantes em recursos
naturais, em se desenvolver, enquanto as colônias inglesas da América do Norte pareciam
prosperar em condições inferiores de clima e solo. Para Smith, a resposta para essa
contradição estava no grau de amadurecimento das instituições políticas.
Não existem colônias cujo progresso tenha sido mais rápido que o das colônias inglesas da América do
Norte. A abundância de terra de boa qualidade e a liberdade de conduzir suas atividades a seu próprio
modo parecem ser as duas grandes causas da prosperidade de todas as novas colônias. No que tange,
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porém, à abundância de terras de boa qualidade, as colônias inglesas da América do Norte, embora
sem dúvida estejam abundantemente providas, são inferiores às colônias dos espanhóis e dos
portugueses, e não superiores a algumas das colônias de propriedade dos franceses antes da última
guerra. Entretanto, as instituições políticas das colônias inglesas têm sido mais favoráveis ao
desenvolvimento e ao cultivo dessa terra do que as instituições políticas de qualquer uma das três
outras nações citadas. (Smith,1996, p. 71)
Smith (1996, p.72) observou que, ao contrário da América Latina, as colônias inglesas ao
norte limitaram o açambarcamento de terras não cultivadas e obrigaram seus proprietários a
desenvolver e plantar, dentro de um tempo restrito, certa porcentagem de suas terras, sob o
risco de serem desapropriados. As heranças eram divididas de modo relativamente igualitário
entre os filhos, enquanto nas colônias latinas prevalecia o direito do majorazzo “incluído na
sucessão de todas as grandes propriedades às quais está anexado qualquer título honorífico”.
Por fim, as leis nas colônias do norte favoreciam a alienação da terra em troca de pagamentos
fixos ou outros serviços ao proprietário, o que fomentava os arrendamentos, a produção e o
acúmulo de capital na agricultura.
As interpretações de Smith sobre o problema latino-americano foram compartilhadas por
Alexander von Humboldt (1972 apud BOIANOVSKY, 2013), que publicou, no início do
século 19, seus relatos sobre a recém-emancipada economia do México, que visitou entre
1803 e 1804, depois de conhecer também as regiões onde hoje se encontram Venezuela, Peru,
Equador, Colômbia e Cuba, entre 1799 e 1803. O geógrafo alemão observava que tanto a
população quanto a produção da ex-colônia espanhola cresciam a taxas inferiores àquelas
permitidas por seus recursos naturais e certamente menos do que nos Estados Unidos. Para
ele, o fraco desempenho da economia mexicana em relação ao país vizinho era explicado
pelos diferentes graus de perfeição de suas respectivas instituições sociais. Humboldt
destacou a extrema desigualdade na distribuição dos recursos no México, que mantinha os
nativos em condições de absoluta miséria e indolência.
Mexico is the country of inequality. Nowhere does there exist such a fearful difference in the
distribution of fortune, civilization, cultivation of the soil and population... The capital and several
other cities have scientific establishments, which will bear a comparison with those of Europe. The
architecture of the public and private edifices, the elegance of the furniture, the equipages, the luxury
and dress of the women, the tone of society, all announce a refinement to which the nakedness,
ignorance, and vulgarity of the lower people form the most striking contrast... The Mexican Indians,
when we consider them en masse, offer a picture of extreme misery. Banished into the most barren
districts, and indolent from nature, and more still from their political situation, the natives live only
from mouth to mouth (HUMBOLDT, 1811-1812, pp. 184-85, apud BOIANOVSKY, 2013, p.10).
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Segundo ele, a imensa desigualdade na região devia-se, em grande parte, ao sistema de
encomiendas, modelo baseado na distribuição de grandes blocos de terra, recursos naturais e
força de trabalho entre poucos colonizadores ligados a clãs poderosos, responsável pelos
elevados índices de concentração da terra e da riqueza nos territórios ocupados pela Espanha.
Apesar de sua crítica às instituições, Humboldt também acreditava haver uma relação inversa
entre o grau de civilização dos povos e a abundância de recursos naturais. Ao “multiplicar os
meios de subsistência”, acreditava, a riqueza do solo retardava o progresso das nações rumo à
civilização.
Under so mild and uniform a climate the only urgent want of man is that of food. It is the feeling of this
want only, which excites him to labor; and we may easily conceive, why in the midst of abundance,
beneath the shade of the plantain and breadfruit tree, the intellectual faculties unfold themselves less
rapidly than under a rigorous sky, in the region of corn, where our [European] race is in a perpetual
struggle with the elements (HUMBOLDT, 1818, p.14, apud BOIANOVSKY, 2013, p.12).
Humboldt também sugeriu que a grande quantidade de ouro e prata proveniente das minas
mexicanas, concentrada nas mãos de poucos indivíduos, retardava o desenvolvimento
industrial, à medida que estimulava a importação de produtos manufaturados. Seus cálculos
indicavam que a produção doméstica de metais preciosos, descontando-se o montante
apropriado pela Espanha, correspondia exatamente ao déficit comercial do país. Por essa
razão, pouco dinheiro circulava nas minas e os salários pagos aos trabalhadores continuavam
muito baixos (1811-1812, p. 106, apud BOIANOVSKY, p. 14).
Influenciado pelos relatos de Humboldt, Malthus (1996a, pp.180-181) sustentou que
habitantes de solos muito ricos “com uma divisão inicial distorcida da propriedade e com uma
localização desfavorável em relação aos mercados” teriam um crescimento de riqueza e
população “muito lento e provavelmente adquirirão o hábito da indolência”. Para o fisiocrata,
tratava-se de uma aparente contradição: a abundância de terra e a fácil obtenção dos itens
essenciais para a sobrevivência deveriam representar uma vantagem econômica, à medida que
liberassem trabalhadores para a produção de bens mais sofisticados e de maior valor. No
entanto, o pressuposto deixaria de ser verdadeiro se “o trabalhador considerasse a indolência
um luxo muito mais aprazível que os artigos que provavelmente obteria com mais trabalho” –
-
24
uma escolha “muito comum nos períodos primitivos da sociedade” e “de forma alguma rara
nos países mais desenvolvidos”.
Também seria natural que países onde o solo fosse mais pobre tivessem de empregar mais
trabalhadores na agricultura, liberando poucos deles para a produção de manufaturas. No
entanto, a lógica mais uma vez parecia desmentida pela experiência inglesa. Embora a
qualidade de suas terras estivesse “longe de ocupar o posto mais alto numa escala de riqueza
comparativa”, a Inglaterra do século 18 era o país onde a agricultura mais havia se
desenvolvido e onde a proporção de trabalhadores ocupados na produção de “bens de conforto
e artigos de luxo” superava a de qualquer outro país agrícola. Paradoxalmente, conclui
Malthus, “é a insuficiência dos bens de primeira necessidade que estimula as classes
trabalhadoras a produzir artigos de luxo” (1996a, p.181).
Não há a menor dúvida de que é uma característica física de todas as terras férteis, quando trabalhadas
por pessoas que possuem determinado grau de operosidade e de habilidade técnica, proporcionar
grande quantidade de produtos, comparativamente ao número de braços empregados; mas se a
facilidade de produção proporcionada pela terra fértil tem como resultado, em certas circunstâncias,
impedir o desenvolvimento da operosidade e da habilidade técnica, a terra pode se tornar, na prática,
menos produtiva, comparativamente ao número de pessoas nela empregada, do que se não se
caracterizasse por sua fertilidade. (MALTHUS, 1996a, pp.181-182).
Em síntese, o economista acreditava que uma produção excessiva em relação ao trabalho nela
empregado tendia a manter os habitantes de uma região em estado de indolência, o que
imporia um obstáculo ao crescimento da riqueza e das populações. Essa condição era
agravada pelas condições políticas, embora também pudesse ser revertida mediante estímulos
de demanda. Foi o que concluiu Malthus ao tomar conhecimento do rápido crescimento da
atividade agrícola nas proximidades das minas latino-americanas, “onde se cria uma demanda
efetiva e vigorosa de trabalho e produtos”.
Assim como Humboldt e Smith, Malthus entendia que a situação de miséria e atraso das
colônias espanholas poderia ser combatida com uma melhor distribuição da propriedade entre
os nativos. “Terras que poderiam sustentar milhares de pessoas sustentam apenas umas
poucas centenas de cabeças de gado”. Para ele, a desigualdade fundiária tendia a “perpetuar a
insuficiência comparativa de comércio de manufaturas” e impedir o crescimento da demanda
-
25
de trabalho e de produtos, “crescimento esse que é a única possibilidade de corrigir a falta de
estímulo ao aumento da população, ocasionada por essa desigualdade” (1996a, pp.184-186).
John E. Cairnes (1873) também se debruçou sobre a questão do subdesenvolvimento
associado à abundância de recursos naturais, tendo manifestado particular interesse pela
interpretação de Humboldt sobre os efeitos que as minas de ouro e prata3 tiveram sobre a
economia das colônias espanholas. Cairnes compreendia que o fraco desempenho de outros
setores em relação à mineração era perfeitamente compatível com a teoria ricardiana das
vantagens comparativas, uma vez que a posse dessas riquezas tornava mais vantajoso ao país
importar os bens de que necessitasse a produzi-los em seu próprio território.
I therefore find it impossible to believe that the mineral resources of the Spanish American States did
not exercise in these countries an influence prejudicial to the progress of their agriculture, and that
these were among the causes which contributed to that backward state of cultivation which Humboldt
notices and describes (CAIRNES, 1873, pp. 32-33).
Cairnes identificou uma tendência semelhante na Austrália, que fizera grandes descobertas de
ouro em meados do século 19. De acordo com o autor, a “febre do ouro” provocou uma
desorganização generalizada na indústria e na agricultura em todo o país, à medida que fez o
nível médio dos salários reais subir a um nível incompatível com a produtividade desses
setores. Por essa razão, a Austrália, mesmo possuindo solos mais férteis que muitos de seus
competidores, passou a importar mais da metade dos alimentos que consumia à época.
The extension of agriculture in Australia has thus (…) suffered a real check from the gold discoveries;
and the same influence has been felt throughout every branch of industry in that country, gold mining
excepted. (…) nothing in the nature of a manufactured product, even of the coarsest kind, being now
made in the colony, which can by any possibility be imported (…) All in strict conformity with the
established principles of economic science ... See chapter on “Foreign Trade” in Ricardo’s Works ...
(CAIRNES, 1873, pp. 35-37).
1.4 – A tese Prebisch-Singer: a tendência de deterioração dos termos de troca
Embora tenha perdido relevância na primeira metade do século 20, pelos motivos já expostos,
a discussão sobre os efeitos econômicos de uma produção abundante de recursos naturais
3 É preciso ponderar que, devido à sua função de moeda, ouro e prata representam um caso particular entre os
recursos naturais.
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26
ressurgiu com força nos anos 1950. Foi quando Raúl Prebisch (1949) e Hans Singer (1950)4
publicaram suas ideias sobre a deterioração dos termos de troca das matérias-primas. A
chamada “tese Prebisch-Singer” rompeu com a tradição secular dos economistas ingleses, que
previam uma apreciação dos termos de troca dos recursos naturais devido aos rendimentos
decrescentes da terra, e estabeleceu um novo marco teórico para o debate. Mais do que isso,
influenciou de modo decisivo a política dos países em desenvolvimento nas décadas
seguintes.
Na análise de Ocampo e Parra (2010, p.13), a tese Prebisch-Singer se resume em torno de
duas hipóteses centrais, relacionadas ao funcionamento dos mercados de bens e às assimetrias
existentes entre os mercados dos países centrais e periféricos. A primeira hipótese é que o
consumo mundial de recursos naturais tendia a crescer relativamente menos do que o de
produtos manufaturados, o que se devia tanto à baixa elasticidade-renda5 dos produtos
primários quanto pela tendência, determinada pelo progresso técnico, de economia crescente
no uso de recursos naturais pela indústria. Por essas duas razões, o processo de crescimento
econômico tendia a culminar em uma participação cada vez menor dos setores primários na
produção total.
A segunda hipótese era a de que os ganhos do comércio internacional e do progresso técnico
eram distribuídos de forma desigual entre os países centrais, que exportavam produtos
industrializados, e países periféricos, exportadores de produtos primários (de acordo com a
divisão internacional do trabalho na época), o que refletia, em grande parte, suas diferentes
estruturas de produção e formação de preços.
An important difference is that, whereas the first hypothesis applies only to commodities (or, more
generally, to goods and services that exhibit a low-income elasticity of demand), the second applies to all
goods and services produced by developing countries. In other words, in the first case what matters is the
goods and services being traded; in the second, where they are produced. (OCAMPO; PARRA, 2010, p.
13)
4 À época, tanto Prebisch quanto Singer trabalhavam para a Organização das Nações Unidas (ONU) – Prebisch, na Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), em Santiago, e Singer, no Departamento de
Assuntos Econômicos (DAE), em Nova York.
5 Fenômeno conhecido como Lei de Engel, formulada pelo estatístico alemão Ernst Engel, de acordo com a qual
o aumento da renda diminui proporcionalmente a despesa com alimentação (mesmo que esta cresça em termos
absolutos).
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27
Exceto por uma mudança estrutural na economia mundial, essa tendência tendia a se acentuar,
quanto maior fosse o comércio entre os dois blocos. Por isso, recomendaram os economistas,
os países periféricos deveriam perseguir industrialização por meio da substituição de
importações6.
Em seu “Desenvolvimento Econômico da América Latina e seus Principais Problemas”,
também conhecido como “Manifesto Latino-Americano”, publicado em 1949, Prebisch
sustenta que as vantagens teóricas da divisão internacional do trabalho – com as quais
concordava, em tese – eram “terminantemente” negadas pelos fatos. A tese clássica
sustentava que os frutos do progresso técnico, onde quer que fossem obtidos, seriam
repartidos entre os países por meio do intercâmbio de produtos, à medida que os preços na
indústria e na agricultura se ajustassem aos seus respectivos níveis de produtividade. Prebisch
sustentou, porém, que esses frutos não haviam chegado aos países periféricos – ao menos, não
na medida em que se estenderam às populações dos países centrais. Essa era a explicação para
o abismo social que separava os dois blocos e as “notórias discrepâncias entre suas
respectivas forças de capitalização” (PREBISCH, 1949, p.48).
Prebisch concordava que a divisão internacional do trabalho favorecia o progresso técnico e a
distribuição de remunerações crescentes, como defenderam os clássicos, mas apenas quando a
divisão era feita “entre iguais ou quase iguais”. Não era o caso da relação entre os países
centrais e os da periferia. Na primeira metade de século 20, o progresso técnico havia sido
mais acentuado na indústria do que na produção primária. Tal disparidade não constituiria um
problema para o desenvolvimento dos países mais pobres se os preços de ambas as categorias
de produto tivessem caído em sintonia com seus respectivos ganhos produtividade. Neste
caso, os países periféricos pagariam relativamente menos pelas manufaturas importadas e
teriam mais recursos para investir em seu território. Por essa razão, não precisariam se
industrializar.
6 Singer (1999) argumenta que a tese Prebisch-Singer, em si, não emite qualquer opinião sobre se os países em
desenvolvimento deveriam se industrializar por meio da substituição de importações ou pelo estímulo à
exportação. No entanto, as condições da época tornavam natural a escolha pela primeira alternativa, uma vez que
os países em desenvolvimento precisavam a) construir uma capacidade doméstica de produção para exportar
manufaturas e b) seria inicialmente mais fácil produzir para um mercado conhecido do que se arriscar a vender
para o desconhecido mercado global.
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28
Os frutos do progresso técnico ter-se-iam repartido, igualmente, em todo o mundo, segundo a premissa
implícita no esquema da divisão internacional do trabalho, e a América Latina não teria nenhuma
vantagem econômica em sua industrialização. Pelo contrário, sofreria uma perda efetiva, enquanto não
alcançasse eficácia produtiva igual à dos países industriais. (PREBISCH, 1949, p.55)
Mas a teoria das vantagens comparativas não havia se confirmado. Entre 1876 e 1947, as
relações de troca haviam se movido de forma adversa aos países da periferia, como demonstra
a tabela abaixo.
TABELA 1 - RELAÇÃO ENTRE OS PREÇOS DE PRODUTOS PRIMÁRIOS E
INDUSTRIALIZADOS
Período
Quantidade de artigos finais da indústria
que se podem obter com uma quantidade
determinada de produtos primários
1876-80 100
1881-85 102,4
1886-90 96 ,3
1891-95 90,1
1896-1900 87,1
1901-05 84,6
1906-10 85,8
1911-13 85,8
1921-25 67,3
1926-30 73,3
1931- 35 62, 0
1936-38 64,1
1946-47 68,7
Fonte: NAÇÕES UNIDAS, 1949. Relação de termos de troca entre países em desenvolvimento e
industrializados. Documento EjCN, 1949
-
29
Prebisch relacionou ainda a deterioração dos termos de troca dos produtos primários aos
diferentes impactos que os ciclos econômicos, de crescimento e retração da produção, tinham
sobre os países centrais e os periféricos. Os períodos de expansão, quando havia excesso de
procura em relação à oferta, eram acompanhados de aumento nos preços dos produtos, nos
lucros dos empresários e da pressão dos trabalhadores organizados por salários mais altos.
Esse benefício era estendido aos produtores de recursos naturais, cujos preços tendiam a subir
relativamente mais do que no centro em virtude do tempo necessário para se aumentar a
produção e se recomporem os estoques. Em contrapartida, na fase decrescente do ciclo
econômico, os preços das matérias-primas caíam com mais intensidade do que os produtos
acabados – e, mais importante, de modo desproporcional aos ganhos obtidos anteriormente.
“Dessa forma, os preços finais se vão apartando, progressivamente, dos preços primários”.
(1949, p. 58)
Segundo Prebisch, o fenômeno era explicado pela maior organização dos trabalhadores nos
países centrais. Durante a fase crescente do ciclo, eles obtinham aumentos salariais maiores
do que os trabalhadores da periferia, e a conhecida rigidez dos salários impedia que os
benefícios fossem devidamente corridos nos períodos de depressão. Por essa razão, a pressão
por custos mais baixos era transferida para a periferia, onde a desorganização dos
trabalhadores, especialmente na agricultura, lhes impedia de conseguir aumentos comparáveis
aos obtidos nas nações industrializadas ou de conservá-los nos períodos de desaceleração.
Mesmo que se conceba na periferia uma rigidez parecida à do centro, a consequência disto seria aumentar
a intensidade da pressão deste sobre aquela. Pois, se não se comprime o benefício periférico, na medida
necessária para corrigir a disparidade entre a oferta e a procura nos centros cíclicos, continuarão a
acumular-se estoques de mercadorias nestes e a contrair-se a produção industrial, e, por conseguinte, a
procura de produtos primários. Esta diminuição da procura será tão forte quanto seja preciso para
conseguir a necessária compressão das remunerações no setor primário (PREBISCH, 1949, p. 58).
O economista conclui que o fruto do progresso técnico obtido pelos países centrais não se
traduziu, portanto, em preços mais baixos para os produtos exportados à periferia, mas em
aumento da remuneração dos fatores de produção no centro, de modo que os preços subiram
ao invés de cair. Se tais remunerações tivessem crescido, tanto no centro quanto na periferia,
proporcionalmente aos respectivos ganhos de produtividade, a evolução dos termos de troca
-
30
teria beneficiado os produtores de matérias-primas, uma vez que a produtividade cresceu mais
rapidamente nas manufaturas.
Mas os produtores de matérias-primas não apenas haviam fracassado em absorver os
benefícios do aumento de produtividade obtido nos países centrais, como transferiram parte
de seus próprios ganhos, via preços mais baixos, para os consumidores dos países centrais.
“Ao passo que os centros retiveram integralmente o fruto do progresso técnico de sua
indústria, os países da periferia transpassaram-lhes uma parte do fruto de seu próprio
progresso” (1949, p. 57).
Prebisch acreditava que, como os preços não cediam em função dos ganhos de produtividade,
apenas a industrialização poderia levar os países da América Latina a aproveitar amplamente
as vantagens econômicas do progresso técnico, oferecendo empregos mais produtivos às
massas de trabalhadores, aumentando o nível geral de renda e o padrão de vida da população.
A industrialização da América Latina não era, contudo, incompatível com o desenvolvimento
da produção primária. Pelo contrário, Prebisch argumentava que a exportação de matérias-
primas era o meio de financiar a importação de bens de capital para a indústria e para a
própria agricultura. “Quanto mais ativo for o comércio exterior (...), tanto maiores serão as
possibilidades de aumentar a produtividade de seu trabalho, mediante intensa formação de
capitais” (1949, p. 49)
Outros argumentos se somaram à tese Prebisch-Singer contra a especialização dos países
periféricos em matérias-primas. Nurske (1958) sugeriu que a instabilidade nos preços das
matérias-primas representava um fator adicional de vulnerabilidade para os países em
desenvolvimento, causando oscilações bruscas na renda, nas taxas de câmbio e nos
investimentos. Hirschman (1958) alertou ainda que os lucros obtidos com os recursos naturais
não eram reinvestidos nos países periféricos, mas remetidos para o exterior pelas empresas
multinacionais que os exploravam, limitando os encadeamentos econômicos da atividade
(apud MARIN; NAVAS; PEREZ, p.4).
1.5 – A Doença Holandesa e impacto dos recursos naturais sobre o crescimento
-
31
O termo “Doença Holandesa” foi cunhado pela revista The Economist, em 1977, para
descrever os efeitos negativos da descoberta de um imenso campo de gás natural, em 1959,
sobre a indústria manufatureira da Holanda. Basicamente, diz respeito ao processo de
apreciação das taxas reais de câmbio decorrente da descoberta de um recurso natural
abundante e valorizado no exterior, o que compromete a competitividade da indústria e
culmina em seu encolhimento relativo ou absoluto no produto de um país – processo
conhecido como desindustrialização7.
Embora a expressão seja relativamente nova, o fenômeno é antigo, como fica evidente nos
relatos de Cairnes (1873) sobre a Austrália do século 19, ou mesmo nas observações de David
Hume (1987), sobre o declínio de Espanha e Portugal durante o período colonialista. Como
observa Furtado (2008, p. 34), fenômeno semelhante foi observado em todas as economias
especializadas da América Latina muito antes da descoberta de gás na Holanda, provocado
pela carne argentina, a lã uruguaia, o nitrato e o cobre chilenos, o petróleo venezuelano, o
estanho boliviano e os minérios peruanos.
Conforme Gelb (1988, p. 22), a Doença Holandesa implica em uma realocação dos fatores de
produção em resposta ao aumento da renda decorrente da exploração de recursos naturais8.
Quando essa renda é consumida, duas consequências são observadas: um “efeito de
movimento de recursos” (“resource movement effect”), que desloca capital e trabalho de
outras atividades para o setor em expansão, e um “efeito de gasto” (“spending effect”), que
provoca um deslocamento semelhante para o setor de serviços. A variável de equilíbrio nesse
processo é a taxa real de câmbio.
Em uma economia dividida entre produtos transacionáveis (commodities e manufaturas) e não
transacionáveis (serviços), o primeiro grupo obedece à chamada “lei do preço único”, de
acordo com a qual seus preços tendem a se igualar aos preços internacionais por meio do
intercâmbio comercial, enquanto o segundo grupo reflete basicamente fatores domésticos.
Neste modelo, a taxa real de câmbio pode ser definida como o preço relativo dos produtos não
transacionáveis em relação aos transacionáveis.
7 Ou, no caso dos países não industrializados, uma barreira à industrialização.
8 O aumento da renda pode ser provocado tanto pela descoberta e exploração de novas reservas de recursos
naturais quanto por uma elevação nos preços dessas mercadorias.
-
32
Quando ocorre um aumento brusco no poder doméstico de compra, os preços tendem a subir
relativamente mais no setor de produtos não transacionáveis (que não enfrenta competição
externa) do que no de produtos transacionáveis (que enfrenta competição externa),
provocando, portanto, uma apreciação da taxa real de câmbio. Nesse cenário, o setor de
produtos não transacionáveis tende a crescer e absorver mais capital e trabalho, com reflexos
sobre o nível geral dos salários reais. Em compensação, o setor de produtos transacionáveis
perde competitividade, em função tanto do câmbio apreciado quanto do aumento dos salários
reais, o que dificulta seu crescimento.
Conforme Wijnbergen (1984), a realocação dos fatores de produção para os setores de
recursos naturais e de serviços não seria, em si, um problema, não fosse o progresso técnico
na indústria mais rápido do que em qualquer outro setor. O acúmulo de capital explica apenas
uma pequena parte do crescimento econômico, sendo que a maior parte está associada ao
progresso técnico decorrente da experiência acumulada (processo conhecido como “learning-
by-doing” ou “aprender fazendo”, na tradução literal) que caracteriza os setores industriais.
Trata-se de um conhecimento cujo retorno não se restringe à firma, mas se difunde, à medida
que novos processos e inovações aplicados por uma empresa produzem uma informação
rapidamente assimilada por todos os participantes do mercado, que passam a adotar a melhor
técnica disponível.
Por essa razão, uma queda de participação do setor industrial no PIB em decorrência da
Doença Holandesa tenderia a reduzir o progresso técnico e, consequentemente, o potencial de
crescimento da economia. Não à toa, argumenta Wijnbergen, todas as histórias de sucesso
econômico após a segunda Guerra mundial foram contadas por países que investiram
agressivamente em sua produção de bens manufaturados.
It is a well-established ‘stylised fact’ the technological progress is faster in the traded non-sheltered
factors of an economy than in the non-traded sector. (…) Since Solow (1957) e Denison (1962) we know
that capital accumulation explains only a small part of the economic growth. If most of economic growth
is caused by Learning by Doing induced traded goods sector, a temporary decline in that sector may
permanently lower income per head compared with what could otherwise have been attained
(WIJNBERGEN, 1984, p. 41).
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33
Os argumentos contra a especialização em recursos naturais ganharam um reforço com a
publicação, nos anos 1990, de trabalhos que demonstraram empiricamente uma relação
negativa entre a exportação de produtos primários e o crescimento econômico. O de Sachs e
Warner (1995, 1997) foi, sem dúvida, o mais influente. Os pesquisadores apontaram, com
base em uma amostra de 95 países, que economias com elevadas taxas de exportação de
recursos naturais em relação ao PIB no ano-base de 1970 apresentaram taxas de crescimento
relativamente mais baixas nos 20 anos seguintes. Para os autores, o diagnóstico apenas
reforçava os precedentes históricos, de acordo com os quais economias com baixa dotação de
recursos superam aquelas onde os recursos são abundantes.
The oddity of resource-poor economies outperforming resource-rich economies has been a constant
motif of economic history. In the seventeenth century, resource-poor Netherlands eclipsed Spain,
despite the overflow of gold and silver from the Spanish colonies in the New World. In the nineteenth
and twentieth centuries, resource-poor countries such as Switzerland and Japan surged ahead of
resource-abundant economies such as Russia. In the past thirty years, the world´s star performers
have been the resource-poor Newly Industrializing Economies (NIEs) of East Asia – Korea, Taiwan,
Hong Kong, Singapure – while many resource-rich economies such as the oil-rich countries of
Mexico, Nigeria and Venezuela, have gone bankrupt. (SACHS; WARNER, 1995, p. 3)
Sachs e Warner (1995) argumentaram que a disponibilidade de recursos naturais era essencial
para o nascimento de uma nova indústria ou tecnologia quando os custos de transporte eram
muito altos, de modo que possuir reservas de carvão e minério em seu território foi uma pré-
condição para Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos desenvolverem sua indústria a
partir do século 19. Mas, com a queda desse custo, no século 20, a dotação de recursos dentro
do território nacional perdeu relevância, de modo que Japão e Coreia se transformaram em
grandes produtores de aço, apesar de sua total dependência das importações de minério de
ferro junto aos países periféricos. De todo modo, os autores afirmam que é uma contradição o
fato de a presença de recursos naturais ter um efeito negativo sobre o crescimento, o que se
explica principalmente por causa da Doença Holandesa.
Também Gylfason, Herbertson e Zoega (1999) observaram uma relação negativa entre o
tamanho do setor primário (medido pela participação inicial da produção primária na força de
trabalho) e a taxa média de crescimento econômico entre 1960 e 1992, a partir de uma base de
dados de 125 países. Segundo os autores, duas hipóteses podem explicar esse comportamento.
A primeira seria a de que um grande setor de recursos naturais, devido ao seu efeito sobre as
-
34
taxas reais de câmbio, inibe a criação de um setor secundário e, consequentemente, a demanda
por capital humano e educação formal. A outra hipótese, não excludente, é a de que um
sistema educacional ruim desencoraja o setor secundário por meio de uma elevação dos custos
de treinamento, contribuindo para a predominância do setor primário.
Embora não tenham minimizado os efeitos da Doença Holandesa, Robinson, Torvik e Verdier
(2005) deram ênfase às consequências políticas e institucionais da abundância de recursos. Os
autores argumentam que governantes tendem a sobre-explorar os recursos naturais em relação
aos níveis de extração eficientes e a alocar os recursos de modo equivocado, com objetivos
estritamente políticos. Por isso, argumentam, o tipo de impacto causado por um eventual
aumento nas rendas advindas dos recursos naturais depende “criticamente” da existência de
instituições capazes de fiscalizar o uso público e a alocação desses recursos.
-
35
2. RECURSOS NATURAIS E OS TERMOS DE TROCA
A tese de que a abundância ou, mais especificamente, a especialização na produção de
recursos naturais impõe uma barreira ao desenvolvimento econômico abrange uma grande
variedade de pressupostos, tanto de natureza política quanto econômica. Neste capítulo,
vamos nos debruçar especificamente sobre a questão da evolução dos termos de troca dos
exportadores de produtos primários desde o século 19. O objetivo é discutir a validade da
hipótese central da tese Prebisch-Singer, de acordo com a qual os preços relativos dos
produtos primários tendem a se deteriorar em relação aos dos manufaturados.
Os termos de troca são a razão entre o preço das exportações e o das importações de um país.
Basicamente, indicam quanto uma economia pode adquirir em bens e serviços produzidos no
exterior com a receita proveniente de um determinado volume de bens e serviços vendidos a
outros países. Se os volumes de comércio exterior e outros fatores se mantêm constantes, uma
depreciação nos termos de troca contribui para uma piora relativa no padrão de vida no país
exportador, à medida que imponha restrições à capacidade de importar e absorver as
vantagens do comércio internacional.
Even if the income terms remain constant (i.e. expansion of export volume maintains export revenue in
the face of declining barter terms of trade) this would still amount to international divergence, since the
poorer countries would have to mobilize greater resources for the increase in export volume. These
increased resources would have to be diverted from domestic consumption or investment increasing
divergence between countries in the world economy. (SINGER, 1999. p.912)
Por essa razão, a tese de que as economias periféricas, exportadoras de recursos naturais,
experimentariam uma deterioração contínua de seus termos de troca foi compreendida como
um alerta de que seu abismo em relação aos países centrais, exportadores de produtos
manufaturados, apenas faria crescer caso não se industrializassem. Há evidências que
confirmem a tese da deterioração dos termos de troca? Os dados coletados durante o século 20
demonstram que sim, mas não são conclusivos ou inquestionáveis. Além disso, a expressiva
alta nos preços relativos dos recursos naturais durante a última década e as mudanças em
curso na economia mundial deixam abertas as portas para uma mudança na tendência de
-
36
longo prazo. Neste caso, a deterioração apontada por Prebisch e Singer teria sido um
fenômeno localizado no tempo.
2.1. Questões metodológicas
Prebisch e Singer desenvolveram sua teoria sobre os termos de troca dos países periféricos
com base na evolução favorável dos intercâmbios do Reino Unido – um exportador líquido de
manufaturas e importador de matérias-primas – entre 1876 e 1947. Se os preços relativos das
exportações britânicas haviam subido, concluíram os autores, o inverso necessariamente teria
acontecido com os países que lhes exportavam matérias-primas.
Economistas da época apontaram pelo menos três problemas metodológicos com essa
generalização. O primeiro deles é que os termos de troca britânicos não eram representativos
do conjunto dos países industrializados; o segundo é que as economias centrais também eram
grandes exportadoras de recursos naturais, de modo que a relação inversa dos termos de troca
britânicos não era uma boa medida para se mensurarem os preços relativos das commodities;
além disso, o valor das exportações britânicas não contabilizava os custos de transporte, que,
por sua vez, estavam embutidos nos preços de importação9. Assim, a expressiva queda desses
custos durante o período averiguado teria melhorado os termos de troca do Reino Unido e
superdimensionado a queda dos preços relativos dos produtos primários (CUDDINGTON;
LUDEMA; JAYASURIYA, 2007, p.115).
Tais questionamentos foram postos de lado com o método elaborado por Grilli e Yang (1988)
e reproduzido por diversos autores desde então. Grilli e Yang construíram um índice de preço
(conhecido como índice GY) para 24 commodities10
não combustíveis, negociadas
internacionalmente, abrangendo o período entre 1900 e 1986. O índice levava em conta 11
produtos comestíveis (banana, carne bovina, cacau, café, cordeiro, milho, óleo de palma,
arroz, açúcar, chá e trigo), sete commodities agrícolas não comestíveis (algodão, couro, juta,
9 Os preços de exportação geralmente são “free on board” (FOB) e os de importação, base “cost, insurance and
freight” (CIF). 10
Os preços nominais foram retirados de uma base de dados do Banco Mundial, que continha informações sobre
24 commodities não combustíveis, mais petróleo e carvão, que ficaram de fora do índice de GY.
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borracha, madeira, tabaco e lã) e seis metais (alumínio, cobre, chumbo, prata, estanho e
zinco). No fim da década de 1970, esses produtos respondiam por 54% das commodities não
combustíveis, 49% dos alimentos, 83% dos produtos agrícolas não comestíveis e 45% dos
metais comercializados internacionalmente.
Grilli e Yang ponderaram os preços nominais dos 24 produtos selecionados por seus
respectivos pesos no comércio mundial de commodities entre 1977 e 1979 e os deflacionaram
pelo índice do Valor Unitário de Manufatura (“Manufacturing Unit Value” – MUV), que
mede o valor dos produtos manufaturados exportados dos países industrializados para os
países em desenvolvimento.
O método utilizado por Grilli e Yang vem servindo de base para outros autores, em estudos
que ampliam o período e o escopo da análise. Ocampo e Parra (2010), por exemplo,
acrescentaram à lista original sete produtos que ganharam participação no comércio
internacional de commodities nas últimas décadas (soja, óleo de soja, aves, suínos, peixes,
níquel e minério de ferro, com dados disponíveis a partir de 1962), anteciparam o início da
série para 1865 e a estenderam até 2009. Os produtos foram divididos em quatro índices:
total, metais, produtos agrícolas tropicais11
e não tropicais. Para o período entre 1865 a 1960,
os preços foram deflacionados pelo índice Arthur Lewis (1978) de exportação dos
manufaturadores e, a partir de então, pelo MUV. A mesma base de Ocampo e Parra (2010) foi
utilizada por Erten e Ocampo (2012), que atualizaram a série até 2010 e adicionaram ainda os
preços do petróleo à cesta analisada.
McKinsey (2011) construiu uma série com os preços de 28 produtos (índice GY mais
petróleo, gás natural, carvão e aço) para o período entre 1900 e 2011, divididos em quatro
subíndices (energia, metais, alimentos e matérias-primas agrícolas), ponderados por seu peso
no comércio mundial entre 1999 e 2001 e deflacionados pelo MUV.
2.2. A deterioração dos termos de troca no século 20
Todos os estudos apontam para uma expressiva deterioração dos termos de troca dos recursos
naturais no século passado, respaldando a tese Prebisch-Singer. De acordo com McKinsey
11 Banana, cacau, café, juta, oleo de palma, arroz, borracha, açúcar e chá.
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(2011), os preços relativos das commodities cederam, em média, 48% durante todo o período.
Ocampo e Parra (2010) demonstram que os produtos primários não combustíveis acumularam
uma queda de 53% na comparação entre a média das duas primeiras décadas e a verificada
entre 1998 e 2003 – uma taxa de desvalorização pouco inferior a 1% ao ano.12
Grilli e Yang
(1988) haviam concluído que os termos de troca dos produtos primários haviam caído, em
média, 0,6% ao ano entre 1900 e 1986.
Contudo, os preços relativos dos recursos naturais não apresentaram uma tendência contínua
de queda, como o tamanho das perdas acumuladas faz supor. Há um razoável consenso na
literatura recente que a evolução dos termos de troca foi afetada por duas quedas acentuadas
de preço – ou quebras estruturais de tendência (“structural breaks”) –, em 1921 e em algum
ponto entre as décadas de 1970 e 1980 (OCAMPO; PARRA, 2010. CUDDINGTON;
LUDEMA; JAYASURIYA, 2007. MCKINSEY, 2011).
Ocampo e Parra (2010, p. 31) demonstram que os termos de troca dos recursos naturais
tiveram uma significa apreciação entre 1865 e 1920 – taxa de valorização de 0,3% ao ano –,
caíram de forma abrupta em 1920 e oscilaram sem tendência definida até 1979, quando
sofreram uma nova quebra de tendência – desvalorização de 0,7% ao ano até 2003.
Cuddington, Ludema e Jayasuriya (2002, p. 35)13
observam dois possíveis choques, em 1921
e 1974, mas consideram o segundo estatisticamente insignificante, de modo que a evidência
mais forte aponta para uma única mudança estrutural, em 1921, sem qualquer tendência,
positiva ou negativa, antes e depois. Conforme Lederman e Maloney, tais resultados colocam
em xeque a ideia de que exista uma tendência à deterioração dos termos de troca das
commodities no longo prazo, como sugere a tese Prebisch-Singer14
.
This evidence is of practical interest, because it tells us that the best predictor of future relative prices of
commodities is today’s prices, although random breaks that push prices down or up could occur (…);
these breaks, however, tend to be unpredictably random and thus are irrelevant for policy formulation.
(LEDERMAN; MALONEY, 2007, p.7).
12 Resultado próximo ao obtido por Cashin e McDermott (2002), que apuraram uma queda de 1,3% ao ano para o período entre 1862 e 1999.
13 Os autores utilizaram o índice GY como base para sua pesquisa.
14 Singer (1999, p.911) minimiza a questão e afirma “não importar muito” se os dados sobre a evolução dos
termos de troca dos produtos primários são interpretados como uma tendência persistente de queda ou uma
tendência essencialmente estacionária, com quebras intermitentes. Para ele, as evidências empíricas dão suporte
à tese Prebisch-Singer ou, pelo menos, não a refutam.
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Além disso, a queda dos preços relativos, em seu conjunto, esconde comportamentos bastante
distintos entre os diferentes produtos. Embora os preços do algodão e do trigo, por exemplo,
entre 1900 e 1999 tenham caído, em média, 1% e 0,8% ao ano, respectivamente, o aço não
apresentou qualquer tendência significativa e o petróleo subiu, em média, 0,3% ao ano, por
exemplo. (MCKINSEY, 2011, p.23)
Ocampo e Parra (2010, p.31) observam uma clara distinção entre o comportamento dos preços
dos produtos agrícolas (sobretudo, aqueles de origem tropical) e os dos minerais. Entre 1865 e
1920, apontam, os metais subiram, em média, 0,6% ao ano; os produtos agrícolas não
tropicais, 0,3%; e os agrícolas tropicais, apenas 0,1%. Entre 1921 e 1979, os preços agrícolas
não apresentaram qualquer tendência significativa, mas os metais tiveram uma valorização
média anual de 0,3% que, embora tímida, foi suficiente para praticamente reverter o tombo
sofrido em 1921 – do qual as agrícolas não se recuperaram. Entre 1979 e 2003, as
commodities registraram uma taxa média de desvalorização de 0,7% ao ano, mais uma vez
liderada pelos produtos agrícolas tropicais, que caíram 0,9%, mas os metais apresentaram uma
tendência estatisticamente insignificante (queda de 0,1% ao ano) no período.
Tropical agriculture did not enjoy the improvement in commodity prices of the late 19th and early 20th
centuries and the commodity group was most affected by adverse shocks, particularly that of 1920. In
contrast, mineral prices performed better: the early boom was stronger, the 1921-drop was gradually
reversed in the following decades and there was no statistically significant drift in the late 20th century.
(OCAMPO e PARRA, 2010, p.. 31-33).
2.3 – Fatores envolvidos
Ocampo e Parra (2010, p. 19) sustentam que, embora o poder de compra das commodities
tenha se deteriorado de modo significativo no século passado, nem o tamanho da queda
acumulada, nem as taxas de crescimento anuais fornecem uma base sobre a qual seja possível
fazer quaisquer projeções sobre o comportamento futuro dos preços no longo prazo. Para eles,
mais importante do que discutir se há ou não uma tendência secular de piora nos termos de
troca é compreender as dinâmicas por trás dos movimentos de preço. Para os autores, a
valorização dos termos de troca observada entre 1865 e 1920 decorreu de uma mudança
estrutural na tendência geral de preços da economia mundial (de deflacionária para
inflacionária), a partir de 1897, e do surgimento de demandas específicas advindas de algumas
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revoluções tecnológicas do fim do século 19 (automóveis, eletricidade). Já as rupturas dos
anos 1920 e 1980 seriam decorrentes de eventos que deprimiram o ritmo de crescimento da
economia global: a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Crise do Petróleo (1973-1979)15
(OCAMPO; PARRA, 2010, p. 31).
FIGURA 1
ÍNDICE DE PREÇOS DAS COMMODITIES NÃO ENERGÉTICAS, 1865-2009
(1970-1979=100)
Fonte: Ocampo e Parra (2010)
15
Mais especificamente, do choque monetário perpetrado pelo Federal Reserve, em 1979, para conter a inflação e que ocasionou a crise da dívida do mundo em desenvolvimento nos anos 1980.
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FIGURA 2. TERMOS DE TROCA POR GRUPO DE COMMODITY, 1865-2009
Fonte: Ocampo e Parra (2010)
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Embora haja dinâmicas específicas por trás do comportamento de preço de cada commodity,
de modo geral a demanda por recursos naturais cresceu menos que o produto da economia
mundial no século 20. A primeira explicação para esse fenômeno é que a fatia da renda
mundial destinada ao consumo intensivo em recursos naturais decresceu16
ao longo do
período, sobretudo nos países onde a renda per capita anual excedeu o patamar entre US$ 15
mil e US$ 20 mil, que foram os principais responsáveis pelo crescimento econômico do
período (MCKINSEY, 2011, p.23).
A segunda explicação para o menor consumo relativo foram os ganhos de eficiência no
consumo de recursos naturais. Entre 1980 e 2000, período para o qual há dados disponíveis, a
intensidade no uso de recursos naturais (energia, terra, minérios e água) do crescimento
econômico caiu, em média, de 0,5% a 2% ao ano. Nos Estados Unidos, por exemplo, a
participação do petróleo na geração de energia elétrica caiu de 12%, em 1970, para 3%, no
ano 2000, e apenas 1%, atualmente. A queda do muro de Berlim e o desmonte do bloco
soviético, em 1991, também contribuíram para esse processo, à medida que culminaram na
redução ou fechamento de setores industriais pouco eficientes e intensivos em recursos
naturais. (2011, pp. 25-26)
No lado da oferta, o acesso a novas e baratas fontes de recursos naturais em diversas partes do
mundo17
e os ganhos de produtividade, sobretudo na agricultura, também contribuíram para a
queda dos preços relativos dos produtos primários. De acordo com McKinsey (2011, p. 23),
embora a demanda mundial por grãos tenha crescido a uma taxa média de 2,2% ao ano entre
1961 e 2000, a área plantada aumentou em apenas 0,1% ao ano no mesmo período – reflexo
de um incremento médio anual de 2,1% no rendimento das lavouras em virtude da adoção de
melhores práticas agrícolas.
De acordo com Ocampo e Parra (2010), baseados em dados da OCDE, desde os anos 1960 a
produtividade agrícola cresce mais rápido que a da indústria manufatureira, o que explicaria
uma queda de aproximadamente 0,2% ao ano nos termos de troca da agricultura. Esse
comportamento contraria um dos pressupostos centrais da tese Prebisch-Singer, de acordo
com o qual a indústria tendia a apresentar ganhos mais acentuados de produtividade na
16
Comportamento condizente com a Lei de Engel. 17
No caso do petróleo, o aumento da produção em diversos países fez reduzir o poder de barganha da Opep, que viu sua fatia na produção global cair de 51%, em 1974, para menos de 42%, em 2000 (MCKINSEY, 2011).
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comparação com a produção primária. Em contrapartida, é condizente com a tese de que os
países em desenvolvimento repassam para os consumidores do centro os ganhos obtidos com
seu progresso técnico via preços mais baixos.
Outro aspecto apontado por McKinsey (2011, p.26) como relevante para a estabilidade ou
queda dos preços dos recursos naturais no último século é o fato de esses preços não
refletirem o seu real valor econômico, uma vez que muitos governos – sobretudo nos países
desenvolvidos – subsidiam o custo de produção dos produtos primários. Além disso, os
preços raramente levam em conta as consequências secundárias de sua produção e uso,
incluindo as emissões de gases do efeito estufa e a perda de biodiversidade.
2.4. Os superciclos de preços
Erten e Ocampo (2012) demonstraram a existência de quatro “superciclos” de preços de
commodities entre 1865 e 2009. Com duração de 30 a 40 anos cada, esses superciclos seriam
compostos por uma fase de elevação e outra de retração nos preços das matérias-primas, com
amplitudes de 20% a 40% para cima ou para baixo da tendência de longo prazo. Além disso,
seu comportamento teria uma relação estreita com as taxas de crescimento do PIB global – o
que significa dizer que seriam determinados preponderantemente pela demanda. Embora a
existência de um comportamento cíclico, com a alternância entre fases de valorização e
desvalorização, possa parecer incoerente com a ideia de uma tendência secular ou contínua de
queda nos preços, os autores ponderam que o preço médio observado em cada uma dessas
ondas é decrescente, um comportamento que condiz com a tese Prebisch-Singer.
O primeiro desses ciclos para as commodities não energéticas começa em 1894, atinge seu
pico de preço em 1917, durante a Primeira Guerra, e se encerra 1932, com fases agudas de
alta e baixa. O segundo ciclo começa em 1932, atinge seu ápice em 1951, durante a
reconstrução da Europa, e termina em 1971. Aquele ano marca o início de um terceiro ciclo,
que atinge seu ponto mais alto já em 1973, ano do primeiro Choque do Petróleo, e se estende
até 199918
. A análise sugere ainda o surgimento de um novo ciclo em 1999, ainda incompleto,
18
Trata-se de um ciclo mais curto, com apenas 28 anos – o primeiro e o segundo ciclos tiveram uma duração total de 38 e 39 anos, respectivamente. É também o que apresenta o menor período de elevação dos preços
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cujas características serão discutidas em um item específico neste capítulo sobre os termos de
troca das commodities nos anos 2000.
Heap (2004, p.2) define os superciclos como tendências prolongadas de alta nos preços das
commodities, determinadas pelo processo de urbanização e industrialização de uma grande
economia, que torna o processo de crescimento econômico intensivo em recursos naturais. A
queda na intensidade de uso das matérias-primas conduz os superciclos para um fim, à medida
que o crescimento econômico se torna menos dependente dos investimentos massivos em
formação bruta de capital fixo e passa a se basear mais no setor de serviços. Para o autor,
houve apenas dois superciclos nos últimos 150 anos: o primeiro tendo início no fim do século
19, com a emergência dos Estados Unidos como potência econômica; e o segundo, entre 1945
e 1975, resultado da reconstrução da Europa e do Japão após a Segunda Guerra e,
subsequentemente, do “renascimento” da economia japonesa.
Os superciclos de preços variam de modo considerável, tanto em duração quanto em
amplitude, de acordo com o grupo de produtos observado. Os metais se destacam em relação
às demais commodities não combustíveis, enquanto os produtos agrícolas de origem tropical
apresentam o pior desempenho. Contudo, a análise das séries mostra que a média dos preços
de cada superciclo é, em todos os grupos de commodities não energéticas, sempre inferior à
do ciclo anterior. A exceção19
é justamente o petróleo, que apresenta não apenas preços
médios mais altos a cada ciclo, mas também uma tendência de valorização no longo prazo.
TABELA 2. OS SUPERCICLOS DE PREÇOS DAS COMMODITIES
Total20
1894-1932 1932-1971 1971-1999 1999-atual Ápice 1917 1951 1973 2010
Valorização durante a fase de alta 50,2% 72,0% 38,9% 81,3%
Desvalorização durante a fase de queda -54,6% -43,3% -52,5% -
Duração do ciclo (anos) 38 39 28 -
Fase de alta (anos) 23 19 2 11