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Comissão Organizadora Theresa Adrião (UNICAMP) Selma Venco (UNICAMP) Teise Garcia (RP-USP) Raquel Borghi (RC UNESP) Regiane Bertagna (RC-UNESP) Sabrina Moehlecke (FE/UFRJ) Cassia Domiciano (UFMT) Lucia Ceccon (UNICAMP) Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) ANAIS Realização

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Comissão Organizadora

Theresa Adrião (UNICAMP)

Selma Venco (UNICAMP)

Teise Garcia (RP-USP)

Raquel Borghi (RC UNESP)

Regiane Bertagna (RC-UNESP)

Sabrina Moehlecke (FE/UFRJ)

Cassia Domiciano (UFMT)

Lucia Ceccon (UNICAMP)

Thais Marin (UNICAMP)

Márcia Cossetin (UFMT)

ANAIS

Realização

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Comissão Organizadora

Theresa Adrião (UNICAMP)

Selma Venco (UNICAMP)

Teise Garcia (RP-USP)

Raquel Borghi (RC UNESP)

Regiane Bertagna (RC-UNESP)

Sabrina Moehlecke (FE/UFRJ)

Cassia Domiciano (UFMT)

Lucia Ceccon (UNICAMP)

Thais Marin (UNICAMP)

Márcia Cossetin (UFMT)

Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp)

Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

Grupo de Trabalho

Aline Gabriela Anacleto do Nascimento

Andreia Grava

Andrey Mori

Beatriz Sanchez

Camilla Croso

Cintia Brazorotto

Cristine de Fatima Lima Souza

Dalva Franco

Danielle Batista Cardoso

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Grupo de Trabalho (cont.)

Danilo Kanno

Eduardo Vilella Machado

Egle Bezerra

Ellen Ceccon

Flávia Gizzi

Flávio de Sousa

Lucas Ferreira dos Santos

Maria José dos Santos

Maria Rehder

Nélia Ap. da Silva

Rodrigo Soares da Silva

Rosemary Mattos

Santiago Castigio e Monteiro

Selma Z. Macedo dos Santos

Sonia M. E. Simioni

Viviane Silva

Pareceristas Ad Hoc

Adriana Dragone Silveira (UFPR)

Antônio Lisboa Leitão de Souza (UFCG)

Bianca Correa (USP- Ribeirão)

Cassia Domiciano (UFMT)

Catarina de Almeida Santos (UnB)

Cristiane Machado (UNICAMP)

Dalva Franco (Centro Universitário São Camilo)

Dalva Valente Guimarães Gutierres (UFPA)

Daniela de Oliveira Pires (UFPR)

Fátima Cóssio (UFPel)

Gilda Cardoso de Araújo(UFES)

Luiz de Sousa Junior (UFPB)

Marcia Cossetin (UFMT)

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Pareceristas Ad Hoc (cont.)

Maria Aparecida Monção (Unicamp)

Maria Aparecida Nunes Pereira (UFPB)

Maria Augusta Peixoto (UFGO)

Raquel Borghi (UNESP- Rio Claro)

Regina Tereza Cestari de Oliveira (UFMS)

Sabrina Moehlecke (UFRJ)

Sônia Simioni (USP-Ribeirão)

Equipe de Produção Editorial

(Organização)

Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp)

Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

Editoração Eletrônica

Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp)

Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 8

PROGRAMAÇÃO DO EVENTO ............................................................................................. 9

TRABALHOS ............................................................................................................................ 10

EIXO 1: POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E PRIVATIZAÇÃO 10

A ATUAÇÃO DOS AGENTES PRIVADOS NA ESFERA EDUCACIONAL MUNICIPAL 10

A CENTRALIDADE DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NO CONTEXTO DA

NOVA GESTÃO PÚBLICA E A PRIVATIZAÇÃODA EDUCAÇÃO ................................ 16

AS MUDANÇAS NO SISTEMA MINEIRO DE AVALIAÇÃO E EQUIDADE DA

EDUCAÇÃO BÁSICA (SIMAVE) ENTRE OS ANOS DE 2015 E 2018 ............................. 23

AVALIAÇÃO DE SISTEMA NO CONTEXTO DA DISPUTA ENTRE PÚBLICO E

PRIVADO EM EDUCAÇÃO ................................................................................................. 29

EDUCAÇÃO PÚBLICA E SEUS DILEMAS ........................................................................ 35

EFEITOS DAS POLÍTICAS DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SOBRE A

ATUAÇÃO DO PROFESSOR COORDENADOR................................................................ 41

PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DA REGIÃO DO GRANDE ABC: PROCESSOS

DE PRIVATIZAÇÃO NO PLANEJAMENTO DA OFERTA E NAS POLÍTICAS DE

AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL ........................................................................ 48

POLÍTICA DA AVALIAÇÃO EXTERNA EM UMA ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL

DE ENSINO FUNDAMENTAL I .......................................................................................... 56

EIXO 2: GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA E PRIVATIZAÇÃO ................................ 62

A CONSTITUINTE DE 1987-1988: INDÍCIOS SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA

EDUCAÇÃO NO BRASIL ..................................................................................................... 62

A GESTÃO DE ESCOLAS MUNICIPAIS NA CIDADE DE PETRÓPOLIS: PARCERIA

PÚBLICO PRIVADA ............................................................................................................. 67

AS FERRAMENTAS NEOLIBERAIS E A PRIVATIZAÇÃO DO TRABALHO DO

PROFESSOR .......................................................................................................................... 73

ESPAÇO PRIVADO ATUANDO NO ESPAÇO PÚBLICO NOS PROGRAMAS

VOLTADOS À EDUCAÇÃO PÚBLICA .............................................................................. 80

GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA E PRIVATIZAÇÃO: A GESTÃO INTEGRADA

DA EDUCAÇÃO (GIDE) NAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE MANAUS .......................... 86

GOVERNANÇA CORPORATIVA DA EDUCAÇÄO PÚBLICA NA AMÉRICA LATINA:

REFLEXÕES A PARTIR DO BRASIL, COLOMBIA E CHILE .......................................... 92

IMPLANTAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NA REDE ESTADUAL DE ENSINO

DA PARAÍBA ...................................................................................................................... 100

O DESCONHECIMENTO DOS GESTORES SOBRE O IMPACTO DA POLÍTICA

NEOLIBERAL NA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA .................................................... 107

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O MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO COMO EXPRESSÃO DAS

PRIVATIZAÇÕES DA EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................ 113

PERFORMATIVIDADE, POLÍTICAS EDUCACIONAIS E OS SENTIDOS DO

TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA ............................................................ 120

PLANO DO DISTRITO FEDERAL: O FÓRUM DE EDUCAÇÃO E SUA ATUAÇÃO

POLÍTICA E SOCIAL .......................................................................................................... 126

TERCEIRA VIA: A NOVA FACETA NEOLIBERAL E SEU DESDOBRAMENTO NAS

POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS A PARTIR DA DÉCADA DE 1990 ...... 137

TERRITÓRIO EDUCATIVO COMO GARANTIA DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS:

UM CAMINHO POSSÍVEL? ............................................................................................... 143

EIXO 3 – FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E PRIVATIZAÇÃO ............. 149

LEI DE RESPONSABILIDADE E GASTOS COM PESSOAL EM TRÊS MUNICÍPIOS

MATOGROSSENSES - CUIABÁ, VÁRZEA GRANDE E RONDONÓPOLIS ................ 149

GASTOS DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO COM O SETOR

PRIVADO COM E SEM FINS LUCRATIVOS: ANÁLISE DE MINAS GERAIS E PARÁ

............................................................................................................................................... 156

CONFIGURAÇÕES DO PÚBLICO E DO PRIVADO NA EDUCAÇÃO: PROGRAMA

BOLSA CRECHE E ―ESCUELAS AUTOGESTIONADAS‖ ............................................. 162

EDUCAÇÃO INFANTIL DE 0 A 3 ANOS NO MUNICIPÍO DE SÃO PAULO: A OPÇÃO

PELA REDE PRIVADA COM FINANCIAMENTO PÚBLICO ........................................ 168

CONTAS ANUAIS DO GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO REFERENTE

AOS EXERCÍCIOS DE 2015 A 2017 - RECURSOS DE MDE - CONSIDERAÇÕES DO

TRIBUNAL DE CONTAS. .................................................................................................. 174

O NOVO FUNDEB EM DEBATE: ENTRE A GESTÃO DE RESULTADOS E A

PRIVATIZAÇÃO DA OFERTA EDUCATIVA NO BRASIL ............................................ 181

ETNOGRAFIA DE REDES: UMA ANÁLISE SOBRE OS REFORMADORES

EMPRESARIAIS E AS NOVAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS BRASILEIRAS ........... 189

FORTALECIMENTO DOS CONSELHOS DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE

SOCIAL DO FUNDEB NO ESTADO DA PARAÍBA ........................................................ 195

CONSELHO DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL DO FUNDEB NO

MUNICÍPIO DE ALHANDRA-PB: UMA EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO ................. 202

ANÁLISE COMPARADA SOBRE OS CORTES DOS GASTOS PÚBLICOS COM

EDUCAÇÃO EM CONTEXTOS DE INSTABILIDADE POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU E

BRASIL................................................................................................................................. 207

EIXO 4 – OFERTA DA EDUCAÇÃO BÁSICA E PRIVATIZAÇÃO ................................ 214

INSTITUTO AYRTON SENNA E SUA REDE POLÍTICA NOS SISTEMAS DE ENSINO

DO RIO GRANDE DO SUL ................................................................................................ 214

A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA ALEMANHA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O

SISTEMA DUAL .................................................................................................................. 220

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REDES POLÍTICAS E EDUCAÇÃO INTEGRAL NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO

DISCURSO ........................................................................................................................... 227

MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM MUNICÍPIOS PAULISTAS:

CONSTRUINDO DADOS SOBRE TAXAS DE ATENDIMENTO PÚBLICO E PRIVADO

............................................................................................................................................... 234

O DIREITO À EDUCAÇÃO: OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

INTEGRADA À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL ............................................................... 243

EIXO 5 – CURRICULOS ESCOLARES NA EDUCAÇÃO BÁSCIA E PRIVATIZAÇÃO

................................................................................................................................................... 250

NEOLIBERALISMO, EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO E CONTROLE DA CULTURA

PERIFÉRICA: QUAIS EXPERIÊNCIAS SÃO VÁLIDAS? ............................................... 250

PRIVATIZAÇÃO DOS TEMPOS NA EDUCAÇÃO INTEGRAL: A LÓGICA DOS

―TEMPOS MODERNOS‖. ................................................................................................... 256

―HOLE IN ONE‖: O CASO DO PROJETO IMPULSIONA E A ALEGORIA DO

DISCURSO NEOLIBERAL NOS CONTRATOS EDUCACIONAIS DO ESTADO-

ADMINISTRAÇÃO ............................................................................................................. 263

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8

APRESENTAÇÃO

No período de 15 a 16 de agosto de 2019, o Grupo de Estudos e

Pesquisas em Política Educacional (GREPPE) realizou o seu VI Seminário

Internacional de Pesquisa do Greppe – Privatização da Educação Básica:

novos diálogos. Em suas edições, os Seminários de Pesquisa do Greppe

têm buscado promover o diálogo entre pesquisadores/as estudantes

(graduandos/as e pós-graduandos/as), profissionais da educação básica e

organizações da sociedade civil, com vistas a potencializar a reflexão sobre

temas relacionados às políticas de gestão e financiamento da educação

básica, em diferentes contextos e a partir de distintas perspectivas.

Neste VI Seminário, ampliamos nosso diálogo com os/as

investigadores/as da América Latina, sempre presente em nossas

iniciativas, e da África, relação iniciada no V Seminário. Buscamos ainda o

diálogo com pesquisadores/as que têm como objeto de análise os processos

de privatização da educação.

Nesta oportunidade, concretizou-se o resultado de trocas acadêmicas

com a constituição da Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores

em Privatização da Educação a ser lançada no VI Seminário.

A REDE, inscrita em um cenário global de subordinação ao mundo

corporativo- no qual as pesquisas desenvolvidas em países de capitalismo

periférico têm sofrido com a brusca redução de investimentos públicos e

correm o risco de perder a necessária autonomia para o exercício da

produção científica- objetiva potencializar o diálogo entre pesquisadores/as

latino americanos e africanos sobre privatização da educação, por meio da

disseminação de resultados de estudos localmente desenvolvidos, da troca

solidária de informações entre grupos de pesquisa e pesquisadores/as e do

diálogo com organizações da sociedade civil que possam aportar aos

estudos sobre privatização análises que auxiliem na construção de

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evidências para o entendimento da educação PÚBLICA, GRATUITA e

Laica como condição para a realização do Direito Humano à Educação.

PROGRAMAÇÃO DO EVENTO

15 de agosto 2019

8:30 às 10:00 Credenciamento

Local: Salão Nobre - Faculdade de Educação

10:00 Abertura

Local: Salão Nobre - Faculdade de Educação

Direção da Faculdade de Educação da Unicamp

Coordenação do Programa Pós-Graduação da Faculdade de Educação

(PPGE).

Representante da Fundação FRIEDRICH EBERT STIFTUNG (FES).

Representante da Associação de Docentes da Unicamp (ADunicamp).

Coordenação do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional

(GREPPE).

Coordenação do Comitê Científico do VI Seminário Internacional de

Pesquisa do Grupo de Pesquisa em Políticas Educacionais (GREPPE)

Coordenação: Theresa Adrião (GREPPE/Unicamp)

14:30h às 18:00h Mesa redonda 1

Privatização da Educação Básica: atores privados em países da América

Latina

Local: Salão Nobre- Faculdade de Educação

Juan Gonzáles – Faculdad de Ciencias Sociales de La

Universidade de Chile

Daniela de Oliveira Pires- UFPR- NUPE/ GPRPP- UFRGS

Theresa Adrião- FE/ UNICAMP

19:30 às 22:30 Mesa redonda 2

Consequências dos Processos de Privatização para a Educação Obrigatória

em África e

Latino América

Local: Salão Nobre - Faculdade de Educação

Ilich Ortiz - Universidad Nacional de Colombia –GSEID

Rui da Silva - Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto

Camilla Croso - Campanha Latino-Americana pelo Direito à educação

(CLADE)

Isaac Paxe - Instituto Nacional de Formação de Quadros da Educação-Angola

Coordenação: Adriana Dragone Silveira- UFPR

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16 de agosto de 2019

10:00 às 12:00 Apresentação de Trabalhos

Local: Faculdade de Educação

14:00 às 17:00 Mesa redonda 3

Casos Brasileiros em Estudo: Pernambuco, Minas, Rio de Janeiro.

Local: Auditório da ADUNICAMP

Teise Garcia – RP/USP

Raquel Borghi –RC/UNESP

Regiane Bertangha – RC/UNESP

Sabrina Moehlecke- FE/UFRJ

Coordenação: Cassia Domiciano- UFMT

17:00 Lançamento da Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores em

Privatização da Educação

Local: Auditório da ADUNICAMP

Coordenação: Theresa Adrião (GREPPE/UNICAMP)

18:00 Plenária GREPPE

Local: Auditório da ADUNICAMP

20:00 Jantar por adesão

TRABALHOS

EIXO 1: POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO BÁSICA E

PRIVATIZAÇÃO

A ATUAÇÃO DOS AGENTES PRIVADOS NA ESFERA

EDUCACIONAL MUNICIPAL

LA ACTUACIÓN DE AGENTES PRIVADOS EL ÁMBITO

ADMINISTRATIVO EDUCACIONAL MUNICIPAL

Kelly Leticia da Silva Sakata

Universidade Federal do Paraná – UFPR

[email protected]

Michelle Fernandes Lima

Universidade Estadual do Centro – Oeste – UNICENTRO

[email protected]

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Palavras-chave: Parcerias público-privadas. Esfera Educacional Municipal. Políticas

educacionais.

Palabras clave: Asociaciones público-privadas. El ámbito administrativo educacional

municipal. Políticas educacionales.

Introdução

Este estudo trata das parcerias público-privadas – PPP entre as secretarias

educacionais municipais e as Fundações privadas e Associações sem fins lucrativos –

FASFIL. Teve como objetivo de análise problematizar e discutir a relação público-

privada na esfera administrativa municipal por meio de levantamento de literatura.

Esta problematização foi delineando-se no desenvolvimento da pesquisa de

Dissertação intitulada: Programa Gestão para Aprendizagem: A atuação da Fundação

Lemann nas políticas de formação em Redes Municipais de Educação. Em que

evidenciou-se a necessidade de problematizar o movimento das PPP na esfera

administrativa municipal, e assim, ter uma visão ampla para o auxílio de futuras

análises.

Indicamos que os municípios brasileiros possuem características específicas, que

implicam no âmbito da gestão e do financiamento de suas localidades para a realização

da política educacional municipal. Estas características passam pela discussão acerca da

constituição legal brasileira enquanto república federativa, da não implementação de um

Sistema Nacional de Ensino – SNE, das discussões sobre a constituição histórica do

munícipio enquanto ente federado, e pelo regime de colaboração (ARAUJO, 2013;

BONAMINO, 2003; SAVIANI, 2014).

Metodologia

Indicamos que nossa perspectiva epistemológica é de cunho marxista pautada

nos escritos de Antônio Gramsci a qual possui um compromisso de transformação da

realidade, ou seja, apontamos que ―[...] não é a crítica, mas a revolução a força motriz

da história e também da religião, da filosofia e de toda forma de teoria‖ (MARX;

ENGELS, 2007, p. 43).

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica na qual realizou-se um levantamento no

Banco de Teses e Dissertações da Capes, utilizando os descritores: Agentes privados,

Parceria público privada e Parceria público privado permitindo a localização de

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respectivamente 153, 266 e 35 trabalhos num total 454. Após a leitura dos resumos,

foram selecionados 16 textos para aprofundamento.

Concomitantemente, realizamos uma busca de trabalhos no Portal de periódicos

da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes, em que

seguimos os mesmos descritores. A pesquisa permitiu a localização de, respectivamente

70, 45 e 07 trabalhos. Após análise de seus resumos, selecionamos 04 artigos. Em uma

visão geral, o total de trabalhos selecionados foram 20, sendo 10 Dissertações, 06 teses

e 04 artigos. Os trabalhos selecionados tiveram como objetivo de análise problematizar

e discutir a relação público-privada na esfera administrativa municipal.

Discussão dos resultados

A partir da leitura dos resumos, para organizar a exposição, os trabalhos foram

sistematizados em três grupos. O primeiro trata das pesquisas sobre as PPP no que

concerne aos materiais didáticos e apostilamentos:

Quadro 2 - Trabalhos: PPP Apostilamento/Material Didático – 2018

Objeto de estudo Área (s) Resultados Apontados Parceria entre a Secretaria

Municipal de Educação de

Catalão/GO com a Editora

Positivo Ltda.

Educação:

Tese Internalização e naturalização de que tudo que

envolve a Educação pública pode ser convertido em

bens e produtos comercializáveis. Fetichização dos

produtos, serviços e tecnologias educacionais. Ações de formação continuada

de professores em municípios

que compraram materiais

apostilados de sistemas de

ensino privados no Polo 20 da

UNCME-SP.

Educação:

Dissertação As ações de formação continuada de docentes

promovidas pelas empresas que se centram em um

modelo de formação individual do professor e na

transmissão de conteúdos preestabelecidos,

constituindo-se em ação basicamente instrumental.

Torna-se clara a necessidade de que a formação

continuada não seja vista como um amontoado de

cursos esporádicos e fragmentados. Uso do sistema apostilado de

ensino enquanto material

estruturado para a organização

do trabalho pedagógico na

escola.

Educação

escolar: Tese O uso do sistema apostilado de ensino interfere na

organização do trabalho pedagógico e no Projeto

Político Pedagógico das escolas, ao padronizar e

homogeneizar o conteúdo curricular e ao excluir os

professores da autoria de seu próprio trabalho. No

entanto, nas escolas residem possibilidades para o

exercício da autonomia escolar. Implantação e as consequências

da parceria púbico-privada no

município de Ipeúna, Estado de

São Paulo, quanto à compra de

sistema de ensino apostilado.

Educação:

Artigo Verificou-se que houve alterações na política

educacional municipal, alterou-se o lócus decisório

quanto à seleção e organização dos conteúdos

curriculares e quanto à formação de professores,

transferindo-os para o sistema de ensino. Três Grupos Empresariais –

Objetivo, COC e Positivo – e

caracterização dos produtos e

serviços que integram seus

sistemas apostilados de ensino.

Educação:

Artigo Observam-se muitas semelhanças na trajetória e na

atuação desses três Grupos, e uma intensa e crescente

oferta de seus respectivos sistemas de ensino para as

redes públicas, gerando consequências, como

padronização de conteúdos escolares, padronização

de qualidade e transferência de responsabilidades do

setor púbico para a esfera privada. Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações e Portal de periódicos - CAPES. Elaborado pela autora.

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As pesquisas ressaltaram a desresponsabilização do âmbito público, a

homogeneização dos conteúdos curriculares, bem como o entendimento de que o âmbito

educacional público pode ser convertido em bens e produtos comercializáveis. No

segundo grupo, localizamos as pesquisas que tratam das PPP no que concerne aos

Arranjos, Educação a distância - EAD e convênios na Educação Infantil.

Quadro 3 - Trabalhos PPP – Arranjos/EAD/Conveniamentos – 2018

Objeto de estudo Área (s) Resultados Apontados

PPP realizadas por municípios

paulistas para a oferta

educacional na Educação

Infantil

Educação:

Dissertação Os resultados evidenciam que os convênios,

legitimados pela atual legislação e impulsionados

tanto pela esfera pública e/ou privada, estão em

expansão, e em alguns municípios representam a

única forma de atender a essa faixa etária. Processo de implementação do

projeto Educação Repaginada e

suas contradições.

Educação:

Dissertação Apesar dos limites e das contradições, o projeto

Educação Repaginada reflete a posição da gestão

educacional de Salto, em ser contrária às políticas de

desqualificação da gestão pública, disseminadas em

vários municípios paulistas, pós-municipalização do

Ensino Fundamental. Projeto Autonomia Carioca:

uma aceleração de estudos

destinada a alunos em

defasagem idade/série

matriculados no Ensino

Fundamental nas escolas

públicas municipais do Rio de

Janeiro.

Educação:

Dissertação Apesar de apontarem alguns problemas nas

dinâmicas da telessala, como a inadequação dos

vídeos aos alunos do projeto, a dificuldade no

trabalho das equipes e o pouco contato com os

responsáveis, as professoras veem, nessa aceleração

de estudos, uma forma de observar melhor o aluno

em suas dificuldades, não só de conteúdos, como em

questões comportamentais, até pelo tempo maior na

sala de aula com eles. PPP organizadas a partir de

arranjos de desenvolvimento,

parceria público-privada.

Educação:

Tese Pode-se afirmar, dentre os direcionamentos que a

parceria público-privada em questão proporcionou,

uma mobilização política junto aos municípios

partícipes da parceria, no sentido de estimular os

gestores municipais para a construção do Plano de

ações articuladas - PAR, com bases pactuadas com a

população. As políticas de Educação

Infantil do município de Santa

Maria, Rio Grande do Sul (RS),

a partir da Emenda

Constitucional Nº 59.

Educação:

Dissertação As ações da Prefeitura para expandir o acesso à

Educação Infantil estão pautadas na compra de vagas

em instituições privadas de ensino do Município,

fortalecendo, assim, a parceria público-privada.

Os limites da formação de

professores via educação a

distância (EAD), fomentada

pela ideologia neoliberalista,

com base na política

educacional para a formação

inicial de professores no

município de Água Branca -

AL, entre os anos 2006-2014.

Educação:

Dissertação Apontam para a necessidade de superação da

modalidade de formação de professores via EAD,

uma vez que ela descaracteriza a função social do

docente e apresenta limitações, como: ineficiência do

material didático, indisponibilidade de bibliotecas e

laboratórios adequados na unidade de formação,

tutores treinados apenas para o exercício de

atividades de cunho técnico, infraestrutura precária e

ausência total de discussão teórica durante o processo

de formação do professor. Uma análise do Programa Bolsa

Creche no município de

Educação:

Artigo Neste trabalho, implantação significa a ação do

governo para introduzir, inserir e instituir a proposta

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Piracicaba - SP

educacional. O convênio tem consumido ano a ano

valores absolutos cada vez maiores do orçamento

público. Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações e Portal de periódicos - CAPES. Elaborado pela autora.

Neste grupo, três pesquisas indicam que as PPP, em alguns municípios, são a única

forma de atendimento da Educação Infantil, e para além da desresponsabilização do

setor público está a questão de financiamento. No terceiro grupo selecionamos as

pesquisas que buscam a compreensão das PPP no que concerne ao âmbito da gestão.

Quadro 4 - Trabalhos PPP – Parceria de Gestão – 2018

Objeto de estudo Área (s) Resultados Apontados PPP entre a Prefeitura

Municipal de Santarém – PA e

IAS, por meio da Rede Vencer

com foco no Programa Gestão

Nota 10.

Educação:

Tese Serve para alimentar esses setores privados com

dinheiro público em troca da aplicação de algumas

técnicas de gestão gerencial no setor educacional.

Intensificação em cima do trabalho do professor.

A relação da parceria entre o

IAS e a Prefeitura Municipal de

Benevides, executada por meio

dos Programas Acelera Brasil e

Se Liga.

Educação:

Tese Orientações e propostas pautadas em critérios

gerenciais para promover a concorrência entre as

instituições públicas. Intensificação no trabalho dos

professores.

Programa de Atendimento

Especial à Educação Infantil

(PAEEI) em Campinas, o poder

público transfere a gestão de

equipamentos públicos

denominados Centros de

Educação Infantil Naves-mães

ao setor privado.

Educação:

Tese Criou desigualdades no padrão de atendimento à

criança menor de 6 anos, inserindo a Educação

Infantil em uma indústria de serviços pautados em

mecanismos de mercado.

PPP no estado de Pernambuco

por intermédio do IAS. Educação:

Dissertação Permitiu a aproximação dos discursos que circundam

a política educacional no contexto apresentado. Parceria para a gestão da

educação municipal firmada

entre o IAS e a Prefeitura de

São José dos Pinhais.

Educação:

Dissertação Foi importante para estabelecer mecanismos de

autonomia; porém, tendo como base competitividade

e busca de resultados.

Programa de Atendimento

Especial à Educação Infantil

(PAEEI) no município de

Campinas-SP, criação dos CEI

Naves-Mães.

Educação:

Dissertação Processo de privatização da Educação Infantil em

Campinas, os baixos salários pagos aos profissionais,

as salas superlotadas e o interesse de algumas

instituições em firmarem parceria.

Trajetória, avanços e as

possibilidades do Programa

Naves-Mãe, PPP criada para

atender a demanda de vagas

para as crianças da Educação

Infantil em Campinas.

Educação:

Dissertação Aponta para não garantia dos direitos das crianças

pequenas a uma educação gratuita e de qualidade,

devido à precariedade do atendimento nas Naves-

Mãe.

Os sistemas de gestão adotados

por dois municípios paulistas,

Cosmorama e São José dos

Campos.

Educação:

Artigo Baseada em moldes empresariais, pode alterar o

cotidiano escolar na busca de resultados melhores e

sistematizados, incentivando a concorrência entre os

alunos que são homogeneizados por metas. Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações e Portal de periódicos - CAPES. Elaborado pela autora.

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As pesquisas, de forma geral, devido a alguns grupos de estudos1, concentram-se

na região sudeste-SP. Das vinte pesquisas elencadas, onze localizam-se na região de São

Paulo e apenas uma no Estado do Paraná.

Entendemos, a partir deste levantamento, que os agentes privados, aproveitando-

se deste nicho econômico que se tornou a abertura posta pelas PPP, vendem seus

produtos identificados como apostilamentos, formação continuada dos professores,

formação de gestores, programas de gestão, etc. Seu intuito está para além do

financeiro, encontra-se na propagação da ideologia burguesa.

Conclusão

Verificamos que o resultado das PPP, em algumas localidades, foi a desobrigação

do aparelho estatal quanto ao cumprimento do direito à educação, baixos salários dos

professores e salas superlotadas. Ainda, uma privatização quase direta da Educação

Infantil em algumas localidades.

Assim, a educação propagada pelas PPP, voltada para o trabalho como sinônimo

de qualidade, não é a mesma educação de qualidade oferecida para a classe dominante.

Para Gramsci (1976), uma escola de qualidade está para além de uma formação voltada

para o trabalho assalariado e explorador; a qualidade consiste em uma escola

desinteressada em que haja uma formação humanista, que englobe o trabalho como ato

fundante do ser social. Neste sentido, a escola de qualidade propagada pela classe

burguesa seria uma escola, a qual Gramsci denomina como interessada, em que a elite

dominante educa a classe subalterna para o trabalho assalariado, incutindo nos

subalternos uma cultura burguesa de submissão.

Referências

ARAÚJO, G. C. de. Federalismo cooperativo e arranjos de desenvolvimento da

educação: o atalho silencioso do empresariado para a definição e regulamentação do

regime de cooperação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação-

RBPAE- v. 28, n. 2, p. 515-531 mai/ago. 2012.

BONAMINO, A. M. C. O público e o privado na educação brasileira inovações e

tendências a partir dos anos de 1980. Revista brasileira de história da educação. n.5,

p. 253-276, jan./jun. 2003.

1 Como o GREPPE da Unicamp-SP. Mais informações disponíveis em: <https://greppe.wordpress.com/>.

Acesso em: 10 jun. 2019.

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16

GRAMSCI, A. Escritos políticos [1910-1920]. v. 1. Lisboa: Seara Nova, 1976.

Tradução Manuel Simões.

MARX, K.; ENGELS, F. Feuerbach e História. In: ______ A ideologia Alemã. São

Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

SAVIANI, D. Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação:

significado, controvérsias e perspectivas. Campinas, SP: Autores Associados, 2014.

Coleção Polêmicas do Nosso Tempo.

A CENTRALIDADE DAS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NO

CONTEXTO DA NOVA GESTÃO PÚBLICA E A PRIVATIZAÇÃO

DA EDUCAÇÃO

LA CENTRALIDAD DE LAS EVALUACIONES A GRAN ESCALA

EN EL CONTEXTO DE LA NUEVA GESTIÓN PÚBLICA Y LA

PRIVATIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN

Fabiana Alvarenga Filipe

Universidade Estadual ―Júlio de Mesquita Filho‖ – UNESP/Rio Claro

[email protected]

Resumo

Em meados da década de 1990, os princípios da Nova Gestão Pública foram inseridos

na administração pública brasileira por meio do Plano Diretor de Reforma do Aparelho

do Estado – PDRAE. Nesse contexto, as avaliações em larga escala ganham ênfase no

campo educacional por supostamente possibilitarem o monitoramento e a melhoria da

qualidade educacional. Entretanto, a centralidade desse instrumento traz consequências

para educação pública, dentre elas a privatização, temática que objetivamos discutir

nesse trabalho. Nesse sentido, a investigação, que foi realizada por meio de

levantamento bibliográfico, aponta que a adoção de uma lógica gerencialista, imprime

ao campo educacional valores advindos do setor privado, acarretando na

desresponsabilização do Estado com relação à educação.

Palavras-Chave: Nova Gestão Pública; Avaliações em larga escala; Privatização.

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Palabras-Clave: Nueva Gestión Pública; Evaluaciones a gran escala; Privatización.

Introdução

A partir da década de 1990, a administração pública brasileira adota as

concepções baseadas em um novo paradigma de administração pública, a chamada

Nova Gestão Pública – NGP que, de acordo com Cóssio (2018, p. 67) ―[...] diz respeito

às mudanças no interior da administração pública, visando a sua modernização e

eficiência aos moldes das empresas privadas [...]‖.

A nova forma de conceber a administração pública é delineada no Brasil pelo

Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado- PDRAE (BRASIL, 1995),

documento elaborado em 1995 pelo então ministro do Ministério de Administração e

Reforma do Estado– MARE, Luiz Carlos Bresser Pereira. O referido documento carrega

objetivos e diretrizes inspirados nos princípios da administração de empresas que

deveriam ser adotados pela administração pública e, consequentemente, pelo campo

educacional.

As mudanças propostas pelo PDRAE são fundamentadas nas críticas ao modelo

burocráticode administração que não estaria sendo eficiente, devendo o setor público

adotar os mesmos parâmetros de eficiência, eficácia e produtividade advindos do

mercado no sentido de atingir a qualidade.

No campo educacional, para alcançar a referida qualidade, tornam-se necessários

instrumentos de aferição, sendo as avaliações em larga escala a ferramenta que, de

acordo com os apoiadores do gerencialismo na educação, possibilitaria o

monitoramento e impulsionaria a melhoria da qualidade das instituições escolares.

Este trabalho possui o objetivo de discutir a centralidade que as avaliações em

larga escala ganharam nesse contexto e as consequências para o campo educacional, em

especial a privatização. Para cumprimento do objetivo proposto foi realizada uma

pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica.

PDRAE: O documento que dá legitimidade à introdução do gerencialismo na

administração pública brasileira

A década de 1990, de acordo com Martins (2005, p. 139) corresponde ―[...] ao

período de introdução, aprofundamento e consolidação do padrão de desenvolvimento

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neoliberal no Brasil‖, momento de ―[...] reorganização política e da redefinição das

relações de poder no país‖ (MARTINS, 2005, p. 139).

Para discutir o referido contexto é importante mencionar a visão de Dale (2010,

p. 1104) de que a Nova Gestão Pública ―[...] tem como uma das suas características

chave o fato de, em conformidade com o neoliberalismo, não funcionar contra o Estado,

mas através dele.‖, o que, de acordo com o autor foi chamado de constitucionalização

do neoliberal.

Como dito na introdução deste trabalho, a reforma do Estado, desenhada pelo

PDRAE, insere princípios empresariais na administração pública, afetando o campo

educacional. Exemplo disso está presente na apresentação do documento, quando

Fernando Henrique Cardoso, então Presidente do Brasil, demonstra de forma bastante

clara seus objetivos com relação ao novo caminho que o Estado brasileiro deveria

percorrer, afirmando que

É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração

pública que chamaria de ―gerencial‖, baseada em conceitos atuais de

administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e

descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade

democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna

―cliente privilegiado‖ dos serviços prestados pelo Estado. (BRASIL, 1995,

p. 7, grifo nosso).

Como podemos observar, Fernando Henrique Cardoso compõe um discurso com

termos advindos do campo empresarial, quais sejam, ―eficiência‖, ―controle dos

resultados‖ e ―cliente privilegiado‖. Esses termos indicam uma aproximação da lógica

privada com a esfera pública.

De acordo com Souza (2010, p. 46-47), ―[...] o tom do discurso era o da

promoção do consenso, para tanto apresentava dados que visavam legitimar a proposta

apresentada.‖ Nesse sentido, ―Evocava-se a necessidade de reorganização das estruturas

administrativas como meio para promoção da qualidade e produtividade dos serviços

prestados‖ (OLIVEIRA, 2015, p. 630).

A competição administrada no interior do Estado e a descentralização das

estruturas organizacionais também são preconizadas no PDRAE, que afirma ―[...] que a

administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados

e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios)

para os resultados (fins)‖ (BRASIL, 1995, p. 16).

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Além da descentralização, a privatização de empresas estatais e a publicização

são elementos constantes do documento, sendo que a última significa transferir

―[...]para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não-

exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade

para seu financiamento e controle.‖ (BRASIL, 1995, p. 13). Essas estratégias, de acordo

com o PDRAE, possibilitariam que o Estado reduzisse ―[...] seu papel de executor ou

prestador direto de serviços, mantendo- se, entretanto, no papel de regulador e provedor

ou promotor destes, principalmente dos serviços sociais como educação e saúde [...]‖

(BRASIL, 1995, p. 13).

Nesse sentido, o documento coloca sua pretensão de

[...] reforçar a governança - a capacidade de governo do Estado - através da

transição programada de um tipo de administração pública burocrática,

rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para

uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o

atendimento do cidadão (BRASIL, 1995, p. 13, grifos nossos).

A eficiência da administração pública, tão defendida no documento, refere-se à

―[...] a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o

cidadão como beneficiário [...]‖ o que seria ―essencial‖. Destarte, ―A reforma do

aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência

e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura

gerencial nas organizações‖ (BRASIL, 1995, p. 16, grifo nosso).

No campo educacional, assim como em outros setores, a NGP trouxe diversas

mudanças, pautadas em suas principais ferramentas, quais sejam, a fixação de

parâmetros, a supervisão e revisão de resultados e a recompensa pelo alcance de

resultados (BALL; YOUDELL, 2008).

Como já dito na sessão introdutória deste trabalho, no campo educacional, é

predominante a ideia de que as avaliações em larga escala seriam o instrumento que

possibilitaria o monitoramento da qualidade da educação, com vistas à sua melhoria.

Entretanto, como discutiremos na próxima sessão, essas ferramentas não estão

impulsionando uma melhoria real da qualidade educacional, mas estão servindo de

instrumento de controle e responsabilização dos profissionais do campo educacional,

gerando diversas consequências para o setor, como por exemplo a privatização.

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NGP, avaliações em larga escala e privatização

A centralidade das avaliações em larga escala no contexto da NGP tem trazido

diversas consequências para o campo educacional, tendo em vista que

O modelo de gestão considerado eficaz é o da iniciativa privada, cujo centro

está baseado em controle e responsabilização, ou seja, em processos de

fixação de metas objetivas submetidas a avaliação e divulgação, associadas

a prêmio ou punição, na dependência dos resultados obtidos (FREITAS

(2016, p. 140, grifo nosso).

Como podemos observar, esse modelo de gestão tem a avaliação como

instrumento de busca da eficiência e qualidade, mas, de acordo com Freitas (2016), o

destino final dos chamados ―reformadores empresariais da educação‖ é a privatização,

tendo em vista que essas ideias ―[...] advém da crença de que a melhoria da qualidade

educacional se dá pela concorrência em mercado aberto, tal como no interior dos

negócios. O mercado depuraria as instituições de menor qualidade, mantendo apenas as

de maior qualidade.‖ Entretanto ―A questão da privatização [...] não é um tema separado

de outros dois aspectos a ela associados: a meritocracia e a responsabilização‖

(FREITAS, 2016, p. 141).

Dessa forma, para compreender o desenvolvimento da privatização é

imprescindível o entendimento da sua produção por meio da lógica da responsabilização

e meritocracia (FREITAS, 2016), que ocorre da seguinte forma:

Pela via da responsabilização combinada com meritocracia, a

privatização aparece como uma “justa medida” em defesa das “crianças

que não aprendem”, especialmente as ―mais pobres‖ e que, segundo essa

visão, ―têm direito à educação tanto quanto as crianças mais ricas‖, que

podem frequentar escolas privadas. Se os ricos podem frequentar as

escolas privadas, por que os mais pobres têm de se contentar com a escola

pública? Como corolário, deve-se igualmente privatizar a escola pública

para que todos tenham direito à ―boa educação‖ que caracteriza o sistema

privado (FREITAS, 2016, p. 141, grifo nosso).

Dessa maneira, é possível observar que as categorias responsabilização-

meritocracia-privatização são interligadas e estruturam, como já mencionado pelo autor

em outra ocasião, o chamado neotecnicismo

[...] onde se propõe a mesma racionalidade técnica de antes na forma de

―standards‖ de aprendizagem medidos em testes padronizados, com ênfase

nos processos de gerenciamento da força de trabalho da escola (controle pelo

processo, bônus e punições), ancoradas nas mesmas concepções oriundas da

psicologia behaviorista, da econometria, das ciências da informação e de

sistemas, elevadas à condição de pilares da educação contemporânea

(FREITAS, 2013, p. 48, grifo nosso).

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Dessa forma, corroboramos as ideias de Freitas (2012, p. 383) de que quando

tratamos da interligação das categorias responsabilização-meritocracia-privatização,

―No centro, está a ideia do controle dos processos, para garantir certos resultados

definidos a priori como ―standards‖, medidos em testes padronizados‖ (FREITAS,

2012, p. 383).

Com a adoção desses princípios, o campo educacional passa a ser regido como

uma empresa, que precisa alcançar a tão proclamada qualidade educacional, traduzida

em resultados quantitativos, advindos das avaliações em larga escala e que são dotados

de uma pretensa neutralidade e objetividade.

Dessa forma, a partir de um discurso que que apregoa a necessidade de prestar

contas à sociedade acerca da qualidade das instituições escolares, a escola passa a ser

gerenciada por meio de um modelo mercadológico, que induz os alunos e professores a

uma concepção individualista e competitiva, tendo em vista que é necessário ―correr‖

para alcançar as metas estabelecidas.

A adoção da lógica gerencialista na educação pública é caracterizada por Ball e

Youdell (2008) como ―privatização endógena‖ ou ―privatização na educação‖, que se

refere à adoção das ideias e das práticas utilizadas no setor privado para que o setor

público se torne semelhante a uma empresa e eficiente como tal.

Em muitos casos, de acordo com os autores supracitados, a ―privatização

endógena‖ abre caminhos para efetivação da ―privatização exógena‖ ou ―privatização

da educação‖, que ocorre quando os serviços públicos educacionais são abertos ao setor

privado com o objetivo de se obter benefício econômico (BALL; YOUDELL, 2008).

Dessa forma, corroboramos as ideias de Cóssio (2018, p. 72), no sentido de que

[...] o empresariamento da educação, através da participação ativa dos

setores de mercado, seja uma forma de privatizar a educação pública,

incidindo sobre seus fins e objetivos, ressignificando e/ou

modificandoprincípios que foram considerados essenciais para a formação

plena de pessoas para a cidadania e para a democracia, inseridos na

Constituição Federal de 1988 e nas legislações educacionais.

Depreendemos do exposto que a inserção dos princípios mercadológicos

constantes da NGP na educação pública, imprime neste setor características e discursos

do setor privado, acarretando na desresponsabilização do Estado, fato que deve ser

analisado de maneira cautelosa, haja vista que, em nossa compreensão, a educação está

inserida na esfera dos direitos sociais e não na esfera das mercadorias.

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Algumas Considerações

A partir do delineamento da inserção dos princípios da NGP no Estado

brasileiropor meio do PDRAE, foi possível observar o importante papel que as

avaliações em larga escala passaram a exercer para consolidação do objetivo de

importação das ideias e métodos advindos da esfera privada pela educação pública –

privatização endógena (BALL; YOUDELL, 2008).

Foi possível observar, a partir das ideias de Freitas (2016), a interligação das

categorias responsabilização-meritocracia-privatização, sendo a última o destino final

dos ―reformadores empresariais da educação‖.

Destarte, compreendemos que o gerencialismo proposto pela NGP impulsiona as

privatizações, podendo acarretar na desresponsabilização do Estado e a retirada da

educação da esfera dos direitos sociais, transformando-a em mercadoria.

Referências

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Informe. Instituto de Educación, Universidade de Londres, Maio, 2008.

BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília: Presidência da república, 1995.

CÓSSIO, M. de F. A nova gestão pública: alguns impactos nas políticas educacionais e

na formação de professores. Educação (Porto Alegre), v. 41, n. 1, p. 66-73, jan-abr.

2018. Disponível em: <revistaseletronicas.pucrs.br>. Acesso em: 16 jul. 2019.

DALE, Roger. A sociologia da educação e o Estado após a globalização. Educação e

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FREITAS, L. C. de. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do

magistério à destruição do sistema público de educação. Educação & Sociedade,

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FREITAS, L. C. de. Responsabilização, meritocracia e privatização: conseguiremos

escapar ao neotecnicismo?2. In: Plano Nacional da Educação (PNE): Questões

desafiadoras e embates emblemáticos. Ivany Rodrigues Pino, Dirce Djanira Pacheco e

Zan (Organização); Aparecida Néri de Souza ... [et al.]. – Brasília, DF: Inep, 2013. 249

p.Disponível em: <http://portal.inep.gov.br>. Acesso em: 16jul. 2019.

2 O referido texto foi apresentado pelo autor no 3º Seminário de Educação Brasileira, promovido pelo

CEDES, em 2011.

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FREITAS, L. C. de. Três teses sobre as reformas empresariais da educação: perdendo a

ingenuidade. Cad. Cedes, Campinas, v. 36, n. 99, p. 137-153, mai-ago. 2016.

MARTINS, A. S. Estratégias burguesas de obtenção do consenso nos anos de

neoliberalismo da Terceira via. In: NEVES, L. M. W. (Org.). A nova pedagogia da

hegemonia. Estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005. p.

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OLIVEIRA, Dalila Andrade. Nova Gestão Pública e governos democrático-populares:

contradições entre a busca da eficiência e a ampliação do direito à educação. Educação

& Sociedade, Campinas, v. 36, n. 132, p. 625-646, jul/set., 2015.

SOUZA, Sílvia Cristina de. Mecanismos de quase-mercado na educação escolar pública

brasileira. 2010. 194f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Estadual Paulista

―Júlio de Mesquita Filho‖, Marília, 2010.

AS MUDANÇAS NO SISTEMA MINEIRO DE AVALIAÇÃO E

EQUIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA (SIMAVE) ENTRE OS ANOS

DE 2015 E 2018

LOS CÂMBIOS EM EL SISTEMA MINEIRO DE EVALUACIÓN Y

EQUIDAD EM LA ENSEÑANZA PRIMARIA ENTRE LOS AÑOS

2015 Y 2018

Matheus Enrique da Cunha Pimenta Brasiel – Universidade Federal de Viçosa –

[email protected]

Palavras-chave: SIMAVE, Avaliações Externas, Políticas de Avaliação.

Palabras-clave: SIMAVE, Evaluaciones Externas, Políticas de Evaluación.

Introdução

A pesquisa aqui apresentada tem foco em uma temática que tem ganhado

destaque nos debates em torno das políticas públicas educacionais emergentes no

cenário brasileiro: as avaliações externas, que são empreendidas pelos governos federal,

estaduais e municipais, além do Distrito Federal, para determinar a qualidade do ensino

da Educação Básica.

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A partir do final da década de 80 do século XX, repercutindo um movimento

existente, especialmente vindo dos Estados Unidos da América e de alguns países da

Europa, iniciaram-se as reformas educativas objetivando atender as orientações

expedidas pelos diversos órgãos internacionais que intermediavam o financiamento da

Educação Básica na América Latina, em especial, o Banco Mundial, a UNESCO, dentre

outros. Assim, a Educação Básica brasileira passou a ser objeto de avaliações externas,

inicialmente, apresentadas como necessárias para o monitoramento do desempenho de

seus estudantes em testes padronizados, no qual seria possível fazer comparações entre

redes e escolas (AFONSO, 2009).

Desse modo, no Brasil, o Estado começou a avaliar o desempenho de seus

estudantes a partir da implantação de modelos de avaliação em larga escala, que, além

de avaliar, permitem elaborar rankings de todo o sistema educacional. Seguindo a

mesma lógica do Saeb, os estados e alguns municípios passaram a criar seus sistemas de

avaliação, inspirando-se no sistema criado pelo governo federal, e também buscando

caminhos próprios, mas, de certa forma, relacionados com as iniciativas desenvolvidas

no âmbito Federal.

Com as avaliações externas, de um lado, centralizam-se os processos

avaliativos e, de outro, descentralizam-se os mecanismos de gestão e financiamento,

tornando-os meios destinados a ―otimizar‖ o produto esperado: os bons resultados no

processo avaliativo. Debater sobre o tema das avaliações externas não é tarefa simples,

por se tratar de um tema abrangente, que levanta acaloradas discussões entre os que

defendem diferentes pontos de vista. Dada a tamanha importância que esta problemática

tomou nas políticas públicas educacionais, é fundamental que sejam desenvolvidas

pesquisas que pretendam investigar a composição desses modelos de política presentes

nas escolas públicas, contribuindo para o debate desta área de pesquisa.

Metodologia da pesquisa

A pesquisa em educação desempenha um importante papel dentro das ciências

humanas. Sendo assim, entre os estudos no campo da educação, observa-se que muitos

trabalhos utilizam a abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa surge de uma

interação intensa com as pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa.

Entende-se que, nesta pesquisa, tal abordagem possa favorecer a compreensão das

percepções dos gestores estaduais de educação sobre o novo Simave, propiciando a

interlocução com os participantes, por meio da entrevista, no lócus das ações, como

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sendo um dos métodos para a construção dos dados do trabalho (LÜDKE; ANDRÉ,

1986).

Desse modo, esta pesquisa foi realizada empregando as seguintes etapas:

pesquisa bibliográfica e documental; seleção dos participantes; construção dos dados

qualitativos por meio de entrevistas com os participantes da pesquisa; coleta de dados

quantitativos das escolas da microrregião de Ubá participantes do Simave, com a

finalidade de caracterizar o Sistema; análise quanti-qualitativa dos resultados iniciais do

novo Simave e análise descritiva e qualitativa dos dados produzidos no trabalho.

Dada tamanha importância que tal temática tomou nas políticas públicas

educacionais, compreendemos que é fundamental que sejam desenvolvidas pesquisas

que pretendam investigar a composição desses modelos de política de avaliação,

contribuindo para o debate e reflexão nesta área de pesquisa.

Discussões dos Resultados: O Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da

Educação Básica

No Estado de Minas Gerais, os alunos dos diversos níveis da Educação Básica

das escolas públicas são periodicamente submetidos a diversas avaliações externas,

tanto de âmbito federal quanto estadual. No âmbito estadual, o estado possui o Simave,

criado no ano de 2000, sendo Minas Gerais é um dos pioneiros em implementar um

sistema próprio de avaliação.

Assim, compreendemos que a criação deste novo modelo de avaliação

proposto pelo Simave pôde influenciar outros sistemas estaduais a repensarem suas

práticas avaliativas, pois

com o intuito de avançar no seu sistema de avaliação, Minas criou um novo

desenho para o Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da Educação

Pública - Simave, cujos contornos se alinham às avaliações nacionais e

ampliam a abrangência das informações do desempenho alcançado pelos

alunos (MINAS GERAIS, 2016, p. 3).

O Simave, atualmente, é composto por dois programas: pelo Programa de

Avaliação da Alfabetização (Proalfa) e pelo Programa de Avaliação da Rede Pública da

Educação Básica (Proeb). O Proalfa é uma avaliação anual e censitária aplicada aos

alunos do 3º ano do Ensino fundamental visando avaliar os procedimentos de Leitura. Já

o Proeb avalia competências expressas pelos alunos do Ensino Fundamental e Médio

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em Língua Portuguesa e Matemática. As provas abrangem toda a rede pública – escolas

estaduais e municipais (AGÊNCIA MINAS GERAIS, 2017).

No ano de 2015, quando houve a troca do comando do governo estadual de

Minas Gerais, até então comandado pelo Partido da Social Democracia Brasileira

(PSDB), para o Partido dos Trabalhadores (PT), o Simave passou por algumas

alterações, como o nome, que era ―Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Básica‖

e passou a se chamar ―Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da Educação Pública‖,

com o slogan ―Nenhum estudante a menos e todos aprendendo mais‖, que se assemelha

aos vinculados, por parte das organizações e sindicatos dos trabalhadores, após a queda

do governo Dilma, em 2016, intitulado ―Nenhum direito a menos‖.

O novo Simave parece estar alinhado com as políticas de avaliação do Governo

Federal, além de estar comprometido para que os profissionais de educação possam se

apropriar dos resultados, revertendo em ações pedagógicas. Outras mudanças ocorridas

no Simave são de ordem técnica, como a inserção de novas etapas de escolaridade

avaliados no Proeb. Assim, passa-se a dar um enfoque na equidade, surgindo novos

indicadores, além de ter uma maior ênfase pedagógica, promovendo uma aproximação

entre as avaliações externas e internas (MINAS GERAIS, 2015). Nos quadros 1 e 2

podemos observar algumas mudanças do antigo (até 2014) para o novo Simave (a partir

de 2015), tanto na avaliação do Proalfa quanto do Proeb, respectivamente.

Quadro 1: As mudanças do Proalfa

Até 2014 A partir de 2015

DESENHO DO TESTE

Modelo único de caderno ou modelos com variação

na posição dos itens

16 modelos de cadernos diferentes, com

20 itens cada e 80 itens na composição total dos

cadernos

PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO

Itens parcialmente lidos pelo(a)

professor(a) aplicador(a)

Autonomia do respondente, ou seja, itens

não lidos pelo(a) professor(a) aplicador(a)

DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS

Resultados de estudantes com deficiência e de

escolas indígenas divulgados separadamente

Resultados de estudantes com deficiência e de

escolas indígenas incorporados às médias gerais

Fonte: Minas Gerais, 2015.

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Quadro 2: As mudanças do Proeb

Até 2014 A partir de 2015

ETAPAS E PERIOCIDADE

5° e 9° anos do Ensino Fundamental e 3° ano do

Ensino Médio avaliados anualmente

5°, 7° e 9° anos do Ensino Fundamental e 1° e 3° anos

do Ensino Médio, sendo que em anos de aplicação da

Prova Brasil, o 5° e 9° anos não são avaliados pelo

Simave

DESENHO DO TESTE

26 modelos de cadernos com 39 itens para cada

disciplina avaliada (Língua Portuguesa e Matemática)

21 modelos de cadernos com 26 itens para cada

disciplina avaliada (Língua Portuguesa e Matemática)

PROCEDIMENTO DE APLICAÇÃO

Aplicação em dias diferentes, para cada disciplina

avaliada (Língua Portuguesa e Matemática)

Aplicação em único dia, das disciplinas avaliadas

(Língua Portuguesa e Matemática), seguindo a

aplicação da Prova Brasil

DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS

Resultados de estudantes com deficiência, de escolas

indígenas e atendimento socioeducativo divulgados

separadamente

Resultados de estudantes com deficiência, de escolas

indígenas e atendimento socioeducativo incorporados

às médias gerais

Fonte: Minas Gerais, 2015.

Com relação às mudanças apresentadas nos quadros anteriores, nos parece que

o governo de Minas Gerais está pensando em otimização de recursos e, sobretudo, na

mobilização das escolas. A alteração da avaliação para um único dia, pode estar

minimizando os problemas e custos com logística para a aplicação da avaliação. Essa

aplicação do SIMAVE em dia único, se assemelha à avaliação do ENEM, que também

concentra sua aplicação em uma única data.

Ao incorporar os resultados de estudantes com deficiência, de escolas

indígenas e atendimento socioeducativo às médias gerais, mostra-se de fato os

resultados reais de toda uma rede, sem que haja a exclusão de nenhum dado dos

estudantes matriculados na rede pública de ensino, e nem a omissão dos estudantes que,

muitas vezes, são ―excluídos‖ da escola em dias de avaliação. Outro ponto a se destacar

é a inserção da avaliação nas etapas do 1° e 3° anos do Ensino Médio, nos anos em que

acontecem a aplicação da Prova Brasil, posto que nesses anos o Simave não avalia o 5°

e 9° anos do Ensino Fundamental. Tal mudança além de mostrar um uso mais

consciente dos recursos públicos, visto que os estudantes já serão submetidos à uma

avaliação nacional, com a mesma escala e com matriz de referência próximas às do

Simave, a partir de agora, também permite conhecer como o estudante se encontra no

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início do Ensino Médio e durante o Ensino Fundamental, possibilitando pensar em

estratégias e planos de ação para recuperar esse aluno no período que ele ainda se

encontra matriculado nessa etapa de escolarização, não ficando o resultado da avaliação

apenas restrito a uma melhora da rede, mas sim algo para ser utilizado de maneira mais

imediata.

Conclusões e Reflexões

A escola pública é hoje o locus onde se aplicam diversas avaliações externas e

para onde retornam os dados após serem processados e analisados pelo próprio Estado

avaliador, o que nos faz questionar se os profissionais que atuam nestes

estabelecimentos de ensino realmente se veem como sujeitos desse processo e como

empreendem ações no sentido de se adequarem às novas exigências. Macaé Evaristo

sinaliza que ―por ser um sistema já consolidado, o Simave deve apontar pistas para a

sua própria reestruturação. Portanto, o momento é de avaliá-lo para fortalecê-lo e

transformá-lo, a fim de que atenda à realidade do sistema educacional de hoje‖ (MINAS

GERAIS, 2015, p. 7). Assim, nos parece que o modo de se pensar a avaliação deste

novo grupo gestor responsável pela educação pública de Minas Gerais é, aparentemente,

diferente do anterior, tendo agora um modelo de avaliação menos competitivo e mais

equitativo.

Agora é preciso dar tempo para que tais mudanças no sistema apresentem

resultados, ―avaliar resultados na educação, nós precisamos de prazos. Mas nossa aposta

é que estamos construindo, interferindo em condições objetivas que, de fato, podem

alterar a qualidade da educação‖ (SANTOS, 2017). Além disso, para que ela não se

torne uma política ―zig-zag‖, é preciso que ela tenha uma continuidade, ou seja, mesmo

que o atual grupo gestor não permaneça no próximo mandato eleitoral, é necessário dar

continuidade ao que já vem sendo realizado nesses últimos quatro anos, desde a

implementação do novo Simave.

Avançar em direção a uma educação socialmente referenciada requer, antes de

tudo, um repensar sobre qual escola queremos, para qual população e para qual aluno.

Não serão as metas projetadas que farão surgir práticas construtivas e emancipadoras,

mas sim o verdadeiro compromisso político para com aqueles que têm na escola pública

o único caminho para a afirmação da sua cidadania.

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Referências bibliográficas

AFONSO, A. J. Nem tudo o que conta é mensurável ou comparável: crítica à

accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. In: Revista

Lusófona de Educação, Lisboa, n. 13, p. 13-29, 2009.

AGÊNCIA MINAS GERAIS.

Disponível em: <http://www.agenciaminas.mg.gov.br/news/pdf/98716.pdf>. Acesso

em: 14 jan. 2017.

SANTOS, M. E. dos. Entrevista de Macaé Evaristo dos Santos concedida a

Matheus Enrique da Cunha Pimenta Brasiel. Juiz de Fora, 18 nov. 2017.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas.

São Paulo: Editora Pedagógica Universal, 1986.

MINAS GERAIS. Um olhar pedagógico sobre os resultados da avaliação externa do

Simave (2016).

Disponível em: <https://pactuando.files.wordpress.com/2016/11/documento-um-olhar-

pedagogico.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2017.

AVALIAÇÃO DE SISTEMA NO CONTEXTO DA DISPUTA ENTRE

PÚBLICO E PRIVADO EM EDUCAÇÃO

EVALUACIÓN DE SISTEMA EN EL CONTEXTO DE LA

DISPUTA PÚBLICO-PRIVADA EN EDUCACIÓN

Liliane Ribeiro de Mello3

UNESP/IB - Rio Claro

[email protected]

Palavras-chave: Avaliação de sistema; Política Educacional; Accountability.

3 Doutoranda no PPG-Educação da UNESP/Rio Claro. Pedagoga e Mestre em Educação pela mesma

universidade.

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Palabras clave: Evaluación de sistema; Política Educativa; Accountability.

Introdução

Este texto tem como objetivo apresentar algumas noções privadas de educação

que tem se relacionado à temática da avaliação de sistema educacional. Essa discussão

integra uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento que tem como foco analisar

políticas atreladas às avaliações de sistemas em larga escala do Brasil e do Uruguai.

Primeiramente, entendemos ser importante afirmar que partimos da defesa da

educação como um direito social e, assim como Freitas (2014, p. 1086), considerando

que é necessária:

[...] uma educação que conduzisse nossos jovens a se apropriarem dos

conhecimentos necessários à vida moderna, [...] coerentes com uma proposta

de educação que visasse seu desenvolvimento integral e que permitisse a eles

instrumentalizarem-se para assumir de maneira autônoma e crítica a

construção de novas formas de organização social mais justas e solidárias.

E, para isso, devemos promover a qualidade social da educação (SILVA, 2009;

SORDI; VARANI; MENDES (orgs.), 2017), sendo esta qualidade negociada

(FREITAS, 2005), de forma a propor aprendizagens significativas, com conhecimentos

historicamente produzidos trabalhados de forma contextualizada e problematizada com

os estudantes, possibilitando a compreensão da realidade social, visando à formação

humana e apropriação da cultura.

Essas asserções nos respaldam na defesa do direito à educação pública de

qualidade para todos cidadãos e se contrapõem às considerações mercadológicas de

educação, entendendo que é responsabilidade do Estado sua oferta e garantia. Assim,

analisamos aqui o instrumento de avaliação educacional a nível de sistema dentro dos

desdobramentos da divergência de perspectivas.

Metodologia

Este trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa de abordagem qualitativa

(BODGAN; BIKLEN, 1994) com levantamento e análise bibliográfica a partir de

buscas de artigos científicos e produções acadêmicas sobre a temática.

Discussão dos resultados

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Como marco histórico tomamos as reformas na administração pública e,

consequentemente, as reformas educacionais, ocorridas em vários países principalmente

a partir da década de 1980, que trouxeram à tona a Nova Gestão Pública amparada no

gerencialismo, reforçando a concepção de eficiência e competitividade advindas das

relações de mercado para dentro da esfera pública (NEWMAN; CLARKE, 2012).

Observa-se que a partir desse marco de reformulações na gestão pública surge o

ímpeto das avaliações de sistema em larga escala como parte das recomendações para

políticas educativas. Assim, a avaliação de sistemas tem se tornado foco de políticas

educacionais nas últimas décadas, sendo apontada pelos órgãos públicos, bem como por

organismos internacionais e multilaterais, como uma forma de monitorar a educação e

se configuram como parte do processo de implementação de reformas educativas

ocorridas pelo mundo, colocadas como um instrumento necessário para accountability

educacional.

Compreendemos por avaliação de sistemas, segundo Freitas et al (2012, p.47),

―[...] um instrumento de acompanhamento global de redes de ensino como o objetivo de

traçar séries históricas do desempenho dos sistemas, que permitam verificar tendências

ao longo do tempo, com a finalidade de reorientar políticas públicas.‖ Há muitos

elementos internos e externos aos sistemas educativos para se considerar neste processo

avaliativo, no entanto, ganham evidência as avaliações estandardizadas, aplicadas em

larga escala com foco no desempenho dos estudantes, caracterizadas por testes

padronizados aplicados em redes de ensino em nível internacional, nacional, estadual ou

municipal, com o intuito de verificar as habilidades e as competências consideradas

mínimas para cada etapa de ensino, principalmente nas áreas de linguagem e raciocínio

matemático.

Entendemos que as avaliações de sistemas (em larga escala) tem sido utilizadas

nas políticas educacionais como instrumento de regulação sendo que

―Regular‖, no sentido amplo do termo, é vocação de toda política pública,

entretanto ―regulação‖ foi um termo construído no interior das ―políticas

públicas neoliberais‖, [...] para denotar uma mudança na própria ação do

Estado, o qual não deveria intervir no mercado, a não ser como um ―Estado

avaliador‖ (cf. Dias Sobrinho, 2002b) (FREITAS, 2005, p.913).

Alguns autores, como Castro (2000), enfatizam estas avaliações como um modo

de garantir melhoria no processo de ensino aprendizagem, objetivando um diagnóstico

do estado atual do nível de conhecimento, habilidade e competência adquiridos pelos

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estudantes. No entanto, embora reconheçamos a relevância da avaliação de sistema com

procedimento de produção de dados sobre o sistema educacional com instrumentos

adequados e confiáveis, compreendemos que pode ocorrer uma relação com o mercado

para oferecimento desse serviço cobrando certa ―produtividade‖ das escolas com

objetivos formativos para um determinado modelo de sociedade (FREITAS, 2016;

2018).

Há um movimento globalizado de educação (DALE, 2004) em que os

organismos econômicos internacionais, como o Banco Mundial (BM) e Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem se destacado como instituições

influentes. São eles que, ao firmar convênios para financiar projetos educacionais, têm

enfatizado em suas recomendações, ou, às vezes, apresentado como exigência, o

desenvolvimento de sistemáticas de avaliação porque consideram que os ―[...] altos

investimentos financeiros exigem, necessariamente, um projeto de avaliação que

demonstre os resultados em termos de custos-benefícios, apesar de muitas vezes essa

demanda refletir uma concepção econometrista de educação, sem considerar a

componente humanista.‖ (VIANNA, 1997, p.8). Com isso, exige-se uma evidência de

que o investimento está levando à qualidade dos sistemas educacionais, porém esta

concepção ―[...] se asocia a la formación de individuos en competencias definidas, en

función de los parámetros del mercado de empleo y de consumo‖ (BENTANCUR,

2008, p.68). É assim que os resultados de desempenho dos estudantes em avaliações

estandardizadas são considerados como uma evidência e, devido a essas influências, foi

recorrente que os Estados passassem a tomar a avaliação como política pública de

regulação.

Junto a este panorama também agrega-se uma ênfase em procedimentos para

verificar e exigir melhorias na administração pública com defesa de sistemas de

accountability como forma de garantir controle democrático do exercício do poder

público. O‘Donnell (1998) apresenta que estes sistemas podem ser verticais, quando os

mecanismos são externos às instituições e estruturas públicas com os cidadãos,

individual ou coletivamente, tomando a frente do processo, ou ser horizontais, com

mecanismos internos entre servidores e instituições públicas.

Como são utilizados diversos instrumentos e estratégias para accountability,

verificamos que se pode seguir um processo de cobrança por resultados mensuráveis,

com procedimentos estruturados de maneira racionalizada e sem participação decisória

dos sujeitos que prestam contas e que são responsabilizados, destacando mais uma

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perspectiva econômica para verificação de gastos. Por outro lado, pode também ter

princípios políticos mais democráticos, pautados na cidadania4 para garantia de direitos

com uma perspectiva social com articulação entre cidadãos considerando diversas

dimensões do processo e distribuição de responsabilidades.

Entendemos que a visão econômica em nossa sociedade capitalista tem cooptado

a democracia com base em valores de mercado, sendo o cidadão visto como consumidor

e exigindo a prestação de serviços com eficiência (econômica), sem agregar os cidadãos

no processo de decisões e participação política com pluralismo de ideias e mediação de

conflitos, indicando um processo que pode até ser apontado como democrático, no

entanto, com preceitos liberais enaltecendo os direitos individuais e competitividade de

mercado.

Como afirma Afonso (2009), a accountability tem três dimensões integradas:

avaliação, prestação de contas e responsabilização. Desta forma a avaliação, quando

parte do processo para atender a perspectiva de mercado, gera cobranças por resultados

de produtividade para enaltecer relações como as de mercado, com competições e

meritocracia. Como exemplo, podemos destacar que na realidade brasileira a ênfase nos

resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)5 pelo Ministério da

Educação e pela mídia como parâmetro de qualidade pode estar aplicando uma ―forma

parcelar de accountability‖ (AFONSO, 2009) que se mostra com mais proximidade da

perspectiva econômica. E quando se trata do âmbito educacional público, além de

poder enaltecer o privado como um parâmetro de qualidade, gera também o quase-

mercado com competição entre escolas públicas.

Compreendemos que esta é uma perspectiva limitada de educação de qualidade,

não só em relação ao próprio recorte em considerar os resultados em testes

padronizados para apontar certas habilidades como principais indicativos de garantia ou

não de aprendizagem, mas também ao reduzido número de unidades escolares que

apresentam resultados elevados, e, para além do sistema educacional, o fato de que,

4 Ressalta-se que embora o conceito de cidadania que se remete muitas vezes à perspectiva liberal que

―[...] é insuficiente ao se negligenciarem as condições históricas que constituem o ser social‖. Isso porque

―[...] pautada no pensamento especialmente de Locke, fundamentou-se na constituição de um tipo

humano autocentrado em seus interesses privados, empreendedor em suas atividades econômicas e sem

possíveis interferências da sociedade.‖(RODRIGUES et al, 2015, p.110-111). Para compreender melhor

esta perspectiva ver Rodrigues et al (2015). No entanto, o que se está apontando é a conceituação que

atrela-se à posição de Severino (1992, p.10) entendendo por exercício de cidadania o gozo pelos direitos

civis, políticos e sociais, e, assim ―é uma qualificação do exercício da própria condição humana‖. 5 O Ideb foi implementado a partir da de 2007 e agrega os resultados dos estudantes na Prova Brasil,

integrante do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), com o fluxo escolar medido a partir das

taxas de aprovação de cada unidade, com estabelecimento de metas a serem alcançadas.

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muitas vezes, estas unidades obtêm melhores resultados por atender estudantes com

mais capitais culturais, econômicos e sociais, o que evidencia que nem sempre são mais

eficientes (ALMEIDA; DALBEN; FREITAS, 2013) e que temos um sistema com

atendimento desigual dadas as condições desiguais.

Dito isso, os resultados da avaliação de sistema em larga escala quando

enaltecidos como evidência da qualidade do serviço oferecido nas escolas públicas, ou

seja, como parte de accountability, pode desvelar a visão de educação como direito

privado, uma vez que destaca o atendimento de qualidade como algo a ser disputado por

meio da matrícula em uma escola que apresente melhores resultados, o que pode ser

também um engano já que há muitas estratégias para que escolas alcancem metas sem

ser de fato melhores (FREITAS, 2012), o que se revela como corrupção de indicadores

(LINN, 2000), bem como também apresenta uma questão pontual e individualizada pela

busca de melhorias em cada unidade ou sistema, com premissas da competitividade de

mercado, e não uma política pública estatal para promover a efetivação do atendimento

educacional de qualidade a todos.

Alguns apontamentos finais

Uma vez que a educação de qualidade é direito de todos cidadãos, em

concomitância a concepção apontada no início deste trabalho, consideramos que esta

não se efetiva com competição entre escolas e entre profissionais da educação por assim

gerar atendimentos desiguais. A qualidade social (SILVA, 2009) depende de

contextualização, de melhorias no sistema educativo como um todo com inclusão,

participação e igualdade.

Os apontamentos aqui apresentados não nos colocam contra a avaliação em larga

escala, mas entendendo que esta pode e deve ser um instrumento com o qual obtemos

informações que precisam ser consideradas e debatidas juntamente com outros

procedimentos avaliativos em âmbito de sala de aula, instituições e políticas públicas

para ações em cada um destes âmbitos.

Referências

AFONSO, A. J. Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável:

crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. Revista

Lusófona de educação, n. 13, p.13-29, 2009.

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35

AFONSO, A. J. Para uma concetualização alternativa de accountability em educação.

Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 471-484, abr.-jun. 2012.

ALMEIDA, L. C.; DALBEN, A; FREITAS, L. C. O Ideb: limites e ilusões de uma

política educacional. Educação e Sociedade, Campinas, v. 34, n. 125, 2013.

BENTANCUR, N. Las reformas educativas de los años noventa en Argentina, Chile

y Uruguay. Racionalidad política, impactos y legados para la agenda actual. Banda

Oriental- FCS – ICP - CSIC, Montevideo, 2008.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução

à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

FREITAS, L. C. Qualidade negociada: avaliação e contra-regulação na escola pública.

Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 92, p. 911-933, Especial - Out. 2005.

FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do

magistério à destruição do sistema público de educação. Educação e Sociedade,

Campinas, vol.33, n.119, pp. 379-404, abr./jun. 2012.

FREITAS, L. C. Os reformadores empresariais da educação e a disputa pelo controle do

processo pedagógico na escola. Educação e Sociedade, Campinas, v. 35, nº. 129, p.

1085-1114, out./dez., 2014.

LINN, R. L. Assessments and accountability. Educational Researcher, vol. 29, n. 2, p.

4-16, mar. 2000.

NEWMAN, J; CLARKE, J. Gerencialismo. Educação e Realidade., Porto Alegre, v.

37, n. 2, p. 353-381, maio/ago. 2012.

O'DONNELL, G. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua nova, São Paulo,

n.44, p.27-54, 1998.

RODRIGUES, R. L. et al. Uma crítica à cidadania liberal no contexto da formação de

jovens e adultos na educação escolar. Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 20, n.

3, p. 108-122, set./dez. 2015.

SILVA, M. A. Qualidade social da educação pública: algumas aproximações. Cadernos

Cedes, Campinas, vol. 29, n. 78, p. 216-226, maio/ago. 2009.

VIANNA, H. M. Avaliação: considerações teóricas e posicionamentos. Estudos em

Avaliação Educacional - FCC, São Paulo, n. 16, jul-dez., 1997.

EDUCAÇÃO PÚBLICA E SEUS DILEMAS

EDUCACIÓN PÚBLICA Y SUS DILEMAS

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Sebastião Ferreira6, Unicamp, [email protected]

Palavras-chave: liberalismo; neoliberalismo; sujeito neoliberal.

Palabras clave: liberalismo; neoliberalismo; sujeto neoliberal.

Introdução

Do ponto de vista pedagógico, pesquisadores como Freitas (2018) afirmam que

ao redor das escolas floresce uma onda de consultorias e assessorias destinadas a lidar

com as exigências da escola capitalista. Diante destas influências, de concepções

neoliberais e neotecnicista na educação, estamos propondo como tema de pesquisa na

pós-graduação: ―As práticas pedagógicas das Escolas de Assentamentos da Reforma

Agrária no Estado do Espírito Santo‖, tendo como objetivo geral pesquisar a articulação

da Pedagogia da Alternância com a Pedagogia do Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra na consolidação das práticas pedagógicas das Escolas de Assentamento do

Estado do Espírito Santo.

No momento em que a gestão da educação pública encontra-se inserida na lógica

da administração empresarial e as práticas pedagógicas sobre influências do mercado,

entendo como pertinente esta compreensão. Este texto bibliográfico tem como objetivo

apresentar, de maneira introdutória, as influências do neoliberalismo na educação

contemporânea e, para apresentá-lo faremos um breve percurso do liberalismo clássico

ao neoliberalismo e a formação do sujeito neoliberal.

O liberalismo

Na concepção liberal (na sua origem clássica, nos séculos XVIII e XIX), pelas

suas doutrinas (de reduzir o Estado; motivação para o desenvolvimento de interesses

pessoais, escolhas individuais e a procura por lucro), o seu grande entrave era o Estado,

e os inimigos contra os quais atuavam eram a política mercantilista e as corporações.

Moraes (1997, p. 4) cita as ideias de Adam Smith em que afirma que: ―[...] o mundo

seria melhor - mais justo, racional, eficiente e produtivo - se houvesse a mais livre

iniciativa, se as atitudes econômicas dos indivíduos e suas relações não fossem

limitadas por regulamentos e monopólios garantidos pelo Estado ou pelas corporações

de ofício.‖ Defende que o Estado limita-se a intervenção do poder político, para que os

indivíduos e o mercado fiquem livres em suas relações econômicas e iniciativas; tudo

6 Doutorando em Educação – PPGE-FE-UNICAMP (Bolsista CAPES).

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que gera riqueza ficaria para o mercado e ao Estado, caberia, apenas, promover essa

―liberdade‖.

As funções que ficariam sob responsabilidade do Estado seriam as que não

interessassem ao mercado no momento. E como o próprio Smith defende, estas seriam

as três funções do governo, como o protetor (e não como regulador) da economia:

[...] primeiro, o dever de proteger a sociedade contra a violência e a invasão

de outros países independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do

possível, cada membro da sociedade contra a injustiça e a opressão de

qualquer outro membro da mesma, ou seja, o dever de implantar uma

administração judicial exata; e, terceiro, o dever de criar e manter certas

obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo ou um pequeno

contingente de indivíduos poderio ter interesse em criar e manter, já que o

lucro jamais poderia compensar o gasto de um indivíduo ou de um pequeno

contingente de indivíduos, embora muitas vezes ele possa até compensar em

maior grau o gasto de uma grande sociedade (ADAM SMITH, 1983, p. 147

apud MORAES, 1997, p. 10, grifos meus)

Impõe limitações e funções ao Estado, liberando o mercado para que absorva o

que convém, afirmando este como o melhor dos caminhos para gerar eficiência, justiça

e riqueza: eficiência por melhor gestão no trabalho; justiça por estimular dedicação ao

trabalho e recompensas; e riqueza pelo aumento da produção e dos benefícios. E, nos

limites da liberdade, os resultados são a paz e harmonia (MORAES, 1997).

Neoliberalismo e Educação

Numa versão atualizada, em consonância com os interesses capitalistas do

momento, emerge o neoliberalismo, que se apresenta mais ―palatável‖, "reinventado",

mas carregando em si as expressões de tradições conservadoras.

O neoliberalismo reúne um movimento, que guarda ideias com seu antecessor

(liberalismo) e ao mesmo tempo apresenta-se como alternativa frente às demandas do

capitalismo atual. E, quando conveniente apela ao lado inovador (ou mutação) como

estratégia de legitimação (FREIRAS, 2018, MORAES, 1997). Sua expressão reúne duas

ideias:

Uma apela à novidade (o prefixo neo). Outra sugere a retomada de tradição

mais antiga, o liberalismo clássico, dos séculos XVIII e XIX‘. Assim, o

neoliberalismo atual carrega (em paralelo com seu antecessor) estes dois

modos de apresentação. E enquanto referência teórica, o liberalismo clássico

tem Smith com a Riqueza das Nações (1776), e o neoliberalismo, O Caminho

da Servidão, de Friedrich von Hayek (1944). (MORAES, 1997, p. 01)

Se nas ideias mestras do liberalismo clássico, os inimigos contra os quais atuava

eram a política mercantilista e as corporações; nas ideias centrais do neoliberalismo, os

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alvos são o conjunto composto pelas estruturas ―protetoras‖ denominadas ―Estado de

Bem Estar Social7‖ e planificação e intervenção estatal na economia, identificado com a

doutrina keynesiana8 - que consistia numa política social em que o Estado é responsável

para atender as demandas da sociedade, de forma a garantir melhor qualidade de vida da

população.

Enquanto se vivenciava estas estruturas ―protetoras‖, o mundo capitalista viveu

o que foi denominado "Trinta Gloriosos", classificado como bons tempos do

capitalismo do pós-guerra que, nos anos 1970 entra em crise, quando começa a haver

estagnação da economia, crise do petróleo, recessão em países capitalistas

desenvolvidos, inflação alta etc. E com a crise, os neoliberais (que já vinham ―gestando‖

suas ideias) entram em cena e, de forma [mais] articulado (MORAES, 1997).

Diante do cenário de crise econômica, da crise do capitalismo e da própria

esquerda, ocorreram mudanças importantes na economia política mundial. Como

exemplos, a chegada aos Governos, por Margaret Thatcher na Inglaterra (1979);

Reagan, nos EUA (1980); e Helmut Kohl, na Alemanha (1982), levando o

neoliberalismo a tornar-se hegemônico a partir da década de 1980. Sua ascensão no

Brasil ocorre na gestão Collor de Mello (início da Década de 1990) com campanhas

políticas de privatização de empresas estatais (MORAES, 1997; FREITAS, 2018;

DARBOT; LOVAL, 2016).

Com as políticas econômicas neoliberais (do livre mercado, do liberalismo

econômico), com as privatizações, desregulamentações, etc., emerge a ideia de Estado

Mínimo, em que o mercado é colocado como o melhor gestor e que dispõe de técnicas

para isto. No presente, até as atribuições que antes (para Smith) eram destinadas ao

Estado, tornam-se de interesse do mercado, como as políticas sociais, saúde,

previdência e educação.

Quando o mercado disputa a educação, é possível pensar em duas áreas de

interesse: a) a formação do sujeito neoliberal, que veremos mais adiante e b) os recursos

a ela destinados - como apresenta Rikowski (2017, p. 401) e Freitas (2018, p. 40), o que

os empresários querem é o controle/gestão da educação e não sua privatização clássica

ou direta. O que se deseja é um controle baseado no contrato, em que o Estado é apenas

7 “Estado de Bem-estar Social” (do inglês, Welfare State), é uma perspectiva de que o Estado é

responsável à prestação de serviços públicos básicos, como uma forma de combate às desigualdades

sociais. 8 Keynesianismo recebe esse nome em homenagem ao economista britânico John Maynard Keynes

(1883-1946), tendo como referencia a obra ―Teoria geral do emprego, do juro e da moeda‖.

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o provedor dos recursos públicos, para serem apropriados e transformados em lucro.

Neste caso a educação passa a ser vista a partir da concepção de sociedade baseada no

livre mercado, onde a eficiência é evidenciada pela concorrência e, nesta lógica os

cidadãos inseridos no mercado por seus méritos/desempenhos.

E a quem interessa a concepção neoliberal na educação? Hoje, esta racionalidade

exemplificada e estandardizada nas escolas nos resultados das avaliações externas9 (com

seus resultados transformados em índices de desempenho - ranqueamento), legitimando

o [discurso] sistema capitalista nestes espaços e dificultando perspectivas e emergências

de lutas coletivas – de consciência para si10

.

Na perspectiva da meritocracia e do desempenho, o Estado desaparece (como

provedor de benefícios sociais, de prestação de serviços públicos básicos, como forma

de combate às desigualdades sociais, etc.) para formar sujeitos produtivos e

individualistas que aceitam a hierarquia e a disciplina. Krawczyk (2018) e Freitas

(2018) destacam que a meritocracia é um conceito apropriado pelos oprimidos, de

forma a se conformar quando não teve êxito, e, também, não questionar a base de

legitimação do sistema capitalista.

O sujeito neoliberal

Na implantação e manutenção do sistema econômico neoliberal, observa-se a

utilização de algumas táticas e, entre elas está à formação dos seus

propagadores/defensores, proporcionando assim o surgimento do Sujeito Neoliberal,

com a supervalorização do individualismo - do sujeito como ―dono de si‖,

9 Avaliação externa: com sua introdução no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), órgão do

Ministério da Educação, a avaliação deixa de ser amostral e passa a ser censitária, sendo realizada em

todas as escolas públicas do país, com a padronização da cultura escolar através das matrizes de

referência dos exames nacionais. Esta padronização restringe as práticas pedagógicas das escolas à matriz

clássica, centrada na dimensão do conhecimento; mantendo o controle ideológico nas escolas, bem como

o controle dos conhecimentos básicos dos trabalhadores. Este processo de avaliação, tendo como

referência os conhecimentos básicos para cada Ano ou Período escolar (com seus resultados ranqueados),

tem por estratégia a desmoralização do magistério e dos profissionais da educação, rumo à mobilização

da sociedade e das forças conservadoras (incluindo os pais), em apoio à tese de que a privatização da

operação das escolas é uma alternativa frente aos problemas da educação (FREITAS, 2014). 10

No processo e formação da consciência não basta ao proletariado assumir-se enquanto classe

(consciência em si), mas é necessário se assumir para além de si mesmo (consciência para si). A partir de

Marx, compreende-se que na consciência em si o trabalhador alienado não tem consciência [noção] de

sua condição social de explorado. Enquanto que na consciência para si este sentido se inverte. E mais,

que esta compreensão de passagem da primeira condição para a segunda não é individual, é coletiva

(IASI, 2011).

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[...] a racionalidade neoliberal produz o sujeito de que necessita ordenando os

meios de governá-lo para que ele se conduza realmente como uma entidade

em competição e que, por isso, deve maximizar seus resultados, expondo-se a

riscos e assumindo inteira responsabilidade por eventuais fracassos

(DARBOT; LOVAL, 2016, p. 328).

Esta racionalidade, que produz o sujeito neoliberal, que o coloca como único, em

que compete consigo mesmo na busca de melhor desempenho, acaba gerando o que

Darbot e Loval (2016, p. 329) identificam como uma violência clássica, típica do

capitalismo, que é a tendência a transformar o trabalhador em uma simples mercadoria.

Este sujeito, que agora [também] se autodenomina empresário de si, na

dominação e controle de suas ações estaria uma ―mão invisível‖, que o controla[va] e o

vigia[va]. E ele próprio era[é] esta força dominadora.

Diante deste [novo] sujeito neoliberal, questões ideológicas e de lutas por

direitos desaparecem do seu imaginário. Ele é dono de si, não depende de ninguém além

de si, assumindo a responsabilidade individual e o autocontrole: ―[...] O indivíduo deve

governar-se a partir de dentro por uma racionalização técnica de sua relação consigo

mesmo. [...] A instauração de técnicas de auditoria, vigilância e avaliação visa a

aumentar essa exigência de controle de si mesmo e bom desempenho individual. [...].‖

(DARBOT; LOVAL, 2016, p. 350).

Conclusão

Condutas e desempenhos passam a ser mensurados e acompanhados e,

novamente, a ―mão invisível‖ age sobre o indivíduo. Uma vez aceitada a avaliação se

torna escravo dela.

A partir do momento que o sujeito é plenamente consciente e mestre de suas

escolhas, ele é também plenamente responsável por aquilo que lhe acontece:

a ‗irresponsabilidade‘ de um mundo que se tornou ingovernável em virtude

de seu próprio caráter global tem como correlato a infinita responsabilidade

do indivíduo por seu próprio destino, por sua capacidade de ser bem-sucedido

e feliz (DARBOT; LOVAL, 2016, p. 344).

Com as desregulamentações, em que o mercado se coloca no controle da

sociedade e o sujeito assumindo as responsabilidades e consequências por suas

escolhas, o caminho torna-se livre para a atuação do capital, a não ser se houver

resistência frente as tentativas de naturalização desta racionalidade [neoliberal], onde

tudo se transforma em negócio, onde o esforço do sujeito (pelo mérito ou desempenho)

definirá seu preço e sua posição social (FREITAS, 2018).

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IASI, Mauro Luís. Ensaio sobre a consciência e emancipação. 2 ed. são Paulo:

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http://moodle3.nead.uem.br/pluginfile.php/35299/mod_resource/content/1/Liberalismo

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RIKOWSKI, Glenn. Privatização em educação e formas de mercadorias. Revista

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cao_em_educacao_e_formas_de_mercadoria/links/5ac555d40f7e9b1067d4c608/Privati

zacao-em-educacao-e-formas-de-mercadoria.pdf?origin=publication_detail>. Acesso

em mar. 2019.

EFEITOS DAS POLÍTICAS DE PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

SOBRE A ATUAÇÃO DO PROFESSOR COORDENADOR

EFECTOS DE LAS POLÍTICAS DE PRIVATIZACIÓN DE LA EDUCACIÓN

SOBRE EL TRABAJO DEL PROFESOR COORDINADOR

Vanessa LANDIM

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Universidade Estadual Paulista – (UNESP), Campus de Rio Claro – E-mail:

[email protected]

Raquel Fontes BORGHI

Universidade Estadual Paulista – (UNESP), Campus de Rio Claro, Rio Claro – E-mail:

[email protected]

PALAVRAS-CHAVE: Privatização da educação. Políticas educacionais. Professor

coordenador.

PALABRAS CLAVE: Privatización de la educación. Políticas educativas. Profesor

coordinador.

Introdução

Este artigo representa parte de uma pesquisa de Mestrado intitulada ―O professor

coordenador e sua atuação diante das avaliações em larga escala: um estudo nas redes

Estadual Paulista e Municipal Rio-Clarense de Educação‖, na qual objetivamos

compreender quais os efeitos das avaliações em larga escala implementadas no Brasil a

partir da década de 1990, sobre a atuação do Professor Coordenador, buscando

evidenciar as semelhanças e diferenças entre as redes Estadual Paulista e Municipal

Rio-Clarense de Educação.

Nosso enfoque neste trabalho estará em problematizar a atuação do Professor

Coordenador diante das políticas de privatização da educação pública, a partir de

diálogos com diferentes autores que dissertam acercado tema.

Metodologia

Este trabalho foi desenvolvido a partir de um levantamento bibliográfico (GIL,

2009) e apresenta uma abordagem qualitativa (SEVERINO, 2000), objetivando elucidar

as influências gerencialistas e performáticas na atuação do Professor Coordenador.

Ancoramo-nos nas discussões de Ball (2005a, 2005b, 2014), Ball e Youdell (2008),

Fernandes (2004, 2008), Garcia, Adrião e Borghi (2009), Oliveira (2003), Paula (2005),

a fim de obtermos os aportes teóricos necessários para nossa discussão.

Discussões

No Brasil, a partir dos anos de 1990algumas mudanças começaram a ser

implementadas nas escolas públicas a partir de reformas políticas e programas

governamentais que prometiam uma solução milagrosa sobre problemas estruturais

históricos da educação básica.

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A crise do Estado difundida pelo pensamento neoliberal através de críticas ao

sistema burocrático e supervalorização da eficiência do sistema privado abre espaço

para os movimentos de reforma onde a nova administração pública passa a operar

através do movimento gerencialista (PAULA, 2005, p. 27).

Neste contexto, após a reforma do Estado ocorrida durante os governos de

Fernando Color de Mello e Fernando Henrique Cardoso, o Professor Coordenador,

profissional cuja função se origina atrelada a uma concepção progressista de ―professor-

sujeito‖, tem sua atuação modificada através das transformações políticas evidenciadas

pelos documentos oficiais.

No estado de São Paulo, esse processo se evidencia através do programa ―Escola

de Cara Nova‖ que correspondia a um pacote de reformas que tiveram início no ano de

1995 e tinha como objetivo reorganizar as escolas de ensino fundamental e médio

(OLIVEIRA, 2003). O programa impôs mudanças como ―[...] a progressão continuada,

a avaliação externa, a reorganização escolar da rede física, as salas ambientes, a

implantação de projetos, a flexibilização do ensino médio e outras medidas que foram

incorporadas à rotina escolar [...]‖. Pais foram convencidos da importância de sua

participação na gestão da escola e professores foram convencidos de que deveriam se

tornar ―‗professores reflexivos‘ e construtores do projeto pedagógico da escola‖

(FERNANDES, 2004, p. 32).

Entretanto, segundo Fernandes (2004) essas reformas se apropriaram das

bandeiras progressistas para consolidar o discurso em defesa dos ideais neoliberais e

diante de tantas melhorias propostas retoricamente, a regulamentação da função de

Professor Coordenador ocorre para alavancar a efetivação das mudanças, uma vez que

este seria um profissional que atuaria diretamente com as equipes docentes.

No bojo das reformas privatistas encontram-se muitas vezes projetos

experimentais financiados pelo Banco Mundial e outras agências internacionais, que

encontram nos países em desenvolvimento clima e ambientes favoráveis para sua

entrada e propagação (BALL; YOUDELL, 2008, p.11).

Ball (2014, p. 34) argui que ―[...] novas redes e comunidades de políticas estão

sendo estabelecidas por meio das quais determinados discursos e conhecimentos fluem

e ganham legitimidade e credibilidade‖.

Para o autor, essas redes constituem mudanças no funcionamento do Estado,

onde ―novas fontes de autoridades‖ compostas por membros do próprio Estado, da

economia e da sociedade civil, organizam-se de maneira interdependente, criando

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relações complexas que constituem, individualmente ou em grupos, políticas

alternativas para gerir o ―fracasso do Estado‖ (BALL, 2014, p. 34).

Desta forma, o desmantelamento da escola pública se dá à medida que a

sociedade passa a acreditar nas denúncias sucessivas relativas ao descaso do poder

público em relação aos serviços prestados pelas instituições de ensino, de forma que

isso demonstra a incapacidade do governo de coordenar tais serviços e justifica a

entrada do setor privado já conhecido retoricamente por sua competência gestora no que

tange aos bens de consumo.

Entretanto, nos ficam os seguintes questionamentos: a educação pode ser

equiparada a um bem de consumo? Podemos classificar de maneira generalizada a

qualidade do ensino em diferentes níveis e estabelecer valores a eles de maneira que

aqueles que podem pagar preços mais altos terão acesso aos melhores serviços e aqueles

que podem pagar pouco terão acesso aos serviços de menor qualidade? Pensando na

educação como direito (SANFELICE, 2005), é possível precificá-la e vendê-la de

acordo com a lógica de ―quem dá mais‖?

Apesar da inadequação das técnicas e práticas do setor privado no setor público,

justamente em função da incompatibilidade entre as lógicas gerencialistas e as de

interesse público, a reforma propõe uma ―simbiose entre a esfera pública e a privada‖

através das parcerias público-privadas, que dão origem aos ―quase-mercados‖.

(GARCIA; ADRIÃO; BORGHI, 2009, p. 15).

Os quase-mercados tem como característica o aumento da importância da figura

do gestor e do conceito de nova gestão pública. Com eles ganham força os conceitos de

controle de resultados, responsabilização, recursos humanos, planejamento estratégico,

entre outros, que passam a fazer parte do dia a dia das escolas públicas (GARCIA;

ADRIÃO; BORGHI, 2009, p. 18-19).

São esses novos gestores propostos pela reforma que se tornam os responsáveis

pelos resultados da instituição, assim como por administrar recursos e pessoas.

Porém, mais do que proporcionar a mudança técnica da escola pública, a

reforma modifica os profissionais e suas relações, à medida que modifica toda a

subjetividade que compõe a ação docente. A reforma política insere nesta ação ―[...]

novos valores, novas identidades e novas formas de interação‖ (BALL, 2005b, p. 546).

É dentro de um contexto ―em que se defendia a autonomia da escola, a

importância do desenvolvimento profissional dos professores, o professor-reflexivo e a

escola como lócus da formação‖ que o Professor Coordenador surge como um

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articulador entre a Secretaria de Educação e os professores, cativando seus pares e

levando-os ao cumprimento das metas estabelecidas (FERNANDES, 2004, p. 33).

Nossa crítica se dá à medida que esses mecanismos promovem mudanças

significativas em relação à orientação do trabalho pedagógico, o qual passa a ser

pautado nos resultados e no cumprimento das metas estabelecidas (BALL; YOUDELL,

2008, p. 28).

Para os professores as consequências são o atrelamento dos salários aos

resultados, condições e contratos de trabalho definidos pelos gestores e

caracteristicamente muito mais flexíveis e com menores salários, fim da relação entre

titulação e vagas, além da redução de docentes com titulações justamente a fim de

baratear a mão de obra e por último, adoção dos sistemas de avaliação em larga escala e

responsabilização do pessoal docente, através dos resultados dessas avaliações (BALL;

YOUDELL, 2008, p. 28).

Os efeitos da mercantilização da educação e dos profissionais docentes são

sentidos à medida que as relações sociais são substituídas pela valorização do mercado.

Os valores e as relações são transformadas em coisas e tudo passa a ser quantificado,

conforme objetivos a serem atingidos ou esperados (BALL, 2005a, p. 8).

Nesta lógica, a educação passa a ser administrada como um serviço e não mais

como um direito (SANFELICE, 2005) e a escolha individual dos pais passa a ser

defendida através da ótica da livre concorrência. A liberdade desta escolha é o slogan

que encanta e garante, para os que dela fizerem uso, o pote de ouro ao fim do arco-íris.

Sobeste cenário, o professor precisa optar entre ter ―boas práticas‖ ou ter uma

―boa performance‖. Aqueles que se arriscam a refutar a cultura normativa e optam pela

autenticidade, passam a ser considerados ―[...] dinossauros morais – irrelevantes e

inconvenientes [...]‖, já que ―[...] a autenticidade e a performatividade entram

constantemente em conflito‖ (BALL, 2005a, p. 22).

Com o Professor Coordenador não poderia ser diferente. É ele o protagonista da

reforma da educação no Brasil. Enquanto líder, a ele cabe o convencimento das equipes

de trabalho pedagógico através da mediação das relações com vistas para os resultados

da escola (SÃO PAULO, 2007, s.p.).

Emerge neste cenário o que Ball (2005b) denomina ―pós-profissionalismo‖

docente, uma mudança de identidade que acomete o professor, uma vez que suas ações

passam a ser definidas por determinantes externos à sua vontade e suas crenças, sempre

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em busca de melhores resultados que são representados por meio de ―espetáculos, em

performances‖ (BALL, 2005b, p. 558).

Professores e demais profissionais da escola se veem diante de uma

―esquizofrenia de valores‖ e já não sabem se devem se comprometer com o aluno e com

a sua aprendizagem, arriscando-se a serem vistos como rebeldes ou destoantes daquilo

que o sistema impõe, ou se devem apenas se render às pressões e se adaptar, voltando

seu foco para a produtividade e para a excelência de seu trabalho, não importando a que

custo (BALL, 2005b, p.551).

As atividades da nova intelectualidade técnica, do gerenciamento, direcionam

a performatividade para as práticas rotineiras dos professores e para as

relações sociais entre professores, tornando o gerenciamento onipresente,

invisível, inevitável – parte de algo que está inserido em tudo o que fazemos

(BALL, 2005b, p. 554).

Cada vez mais as relações humanas e sociais são abandonadas em detrimento da

lógica produtivista. A incerteza e a insegurança geram a cada dia mais doenças relativas

a um ambiente instável e competitivo, já que ―[...] no âmbito de uma matriz de

avaliações, comparações e incentivos relacionados com o desempenho, os indivíduos e

as organizações farão o que for necessário para se distinguir ou sobreviver‖ (BALL,

2005b, p. 549).

Diante da mudança de concepção do Professor Coordenador, ele passa a ser

aquele que cativa seus pares, constrói uma relação de confiança e reciprocidade, pois, a

conquista dessa força de trabalho garantirá que se cumpram os resultados esperados. Ele

é o líder das transformações que só serão possíveis se o professor acreditar que são

possíveis, acreditar na figura de liderança do Professor Coordenador.

Em suma, podemos afirmar que a função de Professor Coordenador sofreu

influências diretas das políticas de privatização da educação, alterando-se radicalmente

desde o seu surgimento até os dias atuais e tornando-se contraditoriamente uma função

de articulação entre a Secretaria da Educação e as equipes docentes, especialmente pela

proximidade com as equipes de trabalho pedagógico e pela força das relações geradas

entre a categoria, tendo hoje suas práticas voltadas prioritariamente para a melhoria do

desempenho das escolas nas avaliações externas.

Ou seja, apesar das reformas neoliberais retoricamente afirmarem o

oposto, a implantação dos PCP pode ter (re) criado a função

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pressupondo o papel do professor como objeto e não como sujeito, a

quem cabe a regulação pelas formas burocráticas de controle e de

tarefas determinadas externamente (FERNANDES, 2008, p. 124).

Conclusões

Concluímos a partir deste trabalho que a função de Professor Coordenador teve

influências diretas das políticas de privatização da educação, alterando-se radicalmente

desde o seu surgimento até os dias atuais e tornando-se contraditoriamente uma função

de articulação entre a Secretaria da Educação e as equipes docentes, especialmente pela

proximidade com as equipes de trabalho pedagógico e pela força das relações geradas

entre a categoria, tendo hoje suas práticas voltadas prioritariamente para a melhoria do

desempenho das escolas nas avaliações externas.

REFERÊNCIAS

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Pesquisa, São Paulo, vol. 35, p. 539-564, Set./Dez. 2005b.

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SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 21. ed. rev. e ampl. São Paulo:

Cortez, 2000.

PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO DA REGIÃO DO

GRANDE ABC: PROCESSOS DE PRIVATIZAÇÃO NO

PLANEJAMENTO DA OFERTA E NAS POLÍTICAS DE

AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

PLANES DE EDUCACIÓN MUNICIPAL DE LA GRAN REGIÓN

ABC: PROCESOS DE PRIVATIZACIÓN EN LA PLANIFICACIÓN

DE LA OFERTA Y EN LAS POLÍTICAS DE EVALUACIÓN DE LA

EDUCACIÓN DE LA PRIMERA INFANCIA

(1) Paulo Sergio Garcia,

[email protected]

(2) Daniela Assensio Galdi

[email protected]

(3) Alexandra de Jesus Auger

[email protected]

(4) Ana Paula Janaína Garofalo

[email protected]

(1, 2, 3 e 4) - Universidade Municipal de São Caetano do Sul

Palavras-chave: Planos Municipais de Educação, Educação Infantil, Privatização.

Palabras-clave: Planes de Educación Municipal, Educación Infantil, Privatización.

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Introdução

O Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pela Lei nº 13.005/2014

(BRASIL, 2014), atua na articulação de esforços, em regime de colaboração, para

introduzir melhorias na Educação brasileira. Considerada uma política de estado,

estabeleceu metas (20) e estratégias para uma política educacional de dez anos, com

responsabilidades compartilhadas pela união, estados, distrito federal e municípios.

Uma situação que pretende superar a descontinuidade das políticas públicas.

O PNE estabeleceu prazos aos estados e aos municípios (24/06/2015) para a

elaboração de seus Planos Municipais de Educação (PME). Neste sentido, as cidades da

Região do Grande ABC (RGABC) elaboraram seus documentos a partir do primeiro

semestre de 2015, tendo em vista suas características sociodemográficas.

O PNE e os PME buscam universalizar a oferta da etapa obrigatória da

Educação Básica (de 04 a 17 anos), tornar maior o nível de escolaridade da população e

a taxa de alfabetização, valorizar os profissionais da Educação, diminuir as

desigualdades sociais, aumentar os investimentos no campo educacional e trazer

melhorias para a Educação Básica (EB) e Superior.

Os PME da RGABC se inserem neste contexto de busca de melhorias por meio

de metas e estratégias para os próximos 10 anos. Pesquisas têm procurado compreender

as influências na elaboração desses documentos nesta região e como as referências de

qualidade da Educação, a partir da meta 7 (GARCIA; BIZZO, 2018). Neste presente

estudo, também na mesma região, pretende-se identificar e analisar nos PME os

processos de privatização presentes na Educação Infantil.

Educação Infantil: algumas particularidades

A Educação Infantil (EI) avançou no Brasil a partir da Constituição Federal de

1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Outras legislações também

trouxeram novas diretrizes: Referencial Curricular (BRASIL, 1998a) e os Parâmetros

(BRASIL, 2006). Esses documentos trouxeram, entre outras questões, orientações para

a avaliação e o acompanhamento da criança por meio da observação, do registro, de

análises individuais dos comportamentos e das produções.

Todavia, a avaliação e seus desdobramentos e a possibilidade da regulação da

EI ser realizada pela iniciativa privada, são duas questões que necessitam ser

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observadas de perto. No primeiro caso, a avaliação na EI vem sendo realizada por meio

de dimensões contextuais (planejamento institucional, multiplicidade de experiências e

linguagens, formação e às condições de trabalho, entre outras), que se distanciam de

formas atreladas à questão do desempenho dos estudantes.

No entanto, como sinalizou Didonet (2012), em 2011 no Brasil se iniciou uma

discussão para validar, em creches, a avaliação do desenvolvimento infantil com a

utilização do instrumento norte-americano (ASQ-3 - Ages, Stages Questionnaires,

Third Edition). Essa experiência foi contestada por pesquisadores e entidades, pois tais

procedimentos se distanciavam das diretrizes já instituídas na política nacional.

O MEC, então, criou um Grupo de Trabalho (Portaria nº 1.747) para elaborar

subsídios para uma política de avaliação. As indicações do Grupo sinalizaram que a

aprendizagem e o desenvolvimento das crianças devem ser balizados nos termos do art.

31 da LDBEN/96, a partir de observações e de registros associados à escrita, aos

diálogos, entre outros. Foi indicado também que os testes não podem ser referenciais

para a qualidade da EI. Todavia, Didonet (2012) indicou que a EI não está imune ao

crescimento das avaliações, que continuam por perto e utilizando as mesmas narrativas

que os movimentam nos Ensinos Fundamental e Médio.

No segundo caso, a possibilidade da regulação da oferta da EI ser realizada pela

iniciativa privada, também necessita ser acompanhada de perto. O PNE introduziu essa

questão a partir da estratégia 7.35, visando promover a regulação da oferta da educação

básica pela iniciativa privada, para garantir a qualidade da educação (BRASIL, 2014, p.

19).

Neste sentido, estados e municípios têm, em muitos casos, repassado tal oferta

educacional para o setor privado, utilizando parcerias com ou sem fins lucrativos, tema

que tem sido discutido por pesquisadores (ADRIÃO; PERONI, 2010; ADRIÃO et al,

2012; OLMEDO, 2013; PERONI, 2013; PERONI; COMERLATTO, 2017).

Tais parcerias buscam a modernização do estado e dos serviços públicos, um

processo que envolve a contratação e a execução de serviços estatais por empresas

privadas, o uso de consultores e de atividades filantrópicas realizadas por parcerias

público-privadas. Como situou Ball (2013, p. 177) ―novas vozes e interesses são

representados no processo político, e novos nós de poder e influência são construídos e

fortalecidos.‖

Ball (2013) denominou tais parcerias de ―Nova Filantropia‖, onde no centro está

a ideia de doação, de auxílio gratuito e de caridade, todavia revestida e camuflada por

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um modelo comercial de investimentos. Esses novos filantropos (muitas vezes

fundações), de fato, objetivam tornar visível e verificável os resultados de seus

investimentos.

Essas empresas, que muitas vezes não possuem objetivos relacionados ao lucro e

são nomeadas entidades privadas sem fins lucrativos, atuam como parceiras e se

apresentam como agências de credibilidade na esfera pública. Todavia, por meio do

marketing elas promovem suas marcas para ampliar suas vendas e legitimar o nome do

empresariado nos meios educacionais.

A Região do Grande ABC

A RGABC Paulista possui sete cidades e uma população de,

aproximadamente, 2,7 milhões de habitantes (IBGE, 2016). O Quadro 01 revela

algumas características das cidades:

Quadro 1 – Algumas características das cidades

Cidades Santo

André

São

Bernardo

São

Caetano Diadema Mauá

Ribeirão

Pires

Rio

Grande

População

Estimada

(2016)

712.749 822.242 158.825 415.180 457.696 121.130 48.861

PIB

(milhões) 17.664.718 36.337.338 11.762.744 11.786.624 7.633.782 1.978.256 529.413

N. de

escolas -

(2017)

276 251 53 97 111 44 14

N. de

matrículas

- (2017)

14.541 20.250 3.871 7.952 6.897 2.454 795

Fonte: Autores

A região possuía, em 2017, 846 escolas públicas e privadas de Educação Infantil.

Um total de 56.760 matrículas, em creches e 64.520, em pré-escolas. A maior

concentração das matrículas situava-se em São Bernardo do Campo.

Metodologia

Este estudo analisa nos Planos Municipais de Educação da RGABC,

desenvolvidos nos anos de 2015 e 2016, os processos de privatização presentes na

Educação Infantil. A seleção desta região ocorreu pela mesma apresentar altos índices

socioeconômicos e educacionais, se configurando em uma das mais ricas do Brasil.

Este estudo, constituído em 2019, contou com a pesquisa documental e com o

uso da análise de conteúdo, na perspectiva de autores já tradicionais neste campo da

Educação (BARDIN, 2006).

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Para dar conta dos objetivos desse estudo, foram analisadas as Leis:

Quadro 2– Leis analisadas

Municípios Santo

André

São

Bernardo

São

Caetano Diadema Mauá

Ribeirão

Pires

Rio

Grande

Lei 9.723 6.447 5.316 3.584 5.097 5.995 2.130

Data 20/08/15 28/12/15 18/06/15 12/04/16 12/10/15 30/06/15 30/06/15

As apreciações realizadas foram assentadas na meta 1 dos PME, da EI, e nas

estratégias (127) dos planos. Também foram alvo das análises algumas estratégias da

meta 7, aquelas ligadas à qualidade da EB, em geral, e da EI, em particular. As análises

da meta e das estratégias contaram com as indicações da análise de conteúdo (BARDIN,

2006).

Resultados e Discussão

As cidades da RGABC apresentaram 127 estratégias para melhorar a EI nos

próximos dez anos. Todavia, essas são muito similares as do PNE. Outras têm caráter

superficial (GARCIA; BIZZO, 2018). Algumas delas estavam alinhadas com os

interesses mercadológicos sobre a EI.

Com exceção de Mauá, os municípios pretendem promover a regulação da oferta

pela iniciativa privada e, com isso, garantir o acesso, à qualidade e o cumprimento da

função social da Educação.

Essa estratégia apresenta consonância com as políticas neoliberais, sobretudo a

questão da manutenção da mercantilização da Educação. Por meio de uma legislação

prescritiva (Lei) pretende-se sustentar a lógica mercadológica, a partir de um contexto

que motiva o desenvolvimento do setor privado, gerando e garantindo expansão e lucro.

A regulação da oferta pela iniciativa privada está em acordo com as políticas de

privatização do ensino, que poderá ocorrer a partir de uma política de vouchers. Ela

induz um pensamento de superioridade daquilo que é privado, atrelando à Educação

com as necessidades do mercado e negociando-a como um objeto produtivo.

Neste mesmo contexto, todas as cidades desejam expandir suas redes e ampliar a

oferta de vagas, a partir da realização de parcerias com entidades sem fins lucrativos

(filantrópicas). Em alguns PME (São Caetano, Mauá, Diadema, Ribeirão Pires) essas

indicações aparecem na meta 1, e em outros (Santo André e São Bernardo) na meta 7.

Tais parcerias, todavia, irão transferir a execução da oferta educacional para o

setor privado, que distante dos objetivos de auxílio às redes de ensino objetivam ampliar

seus investimentos (BALL; OLMEDO, 2013; PERONI, 2013). Trata-se da nova

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filantropia, um projeto já presente nos documentos e legislações do Ensino Fundamental

e Médio, entre outras (PERONI, 2013).

No caso da EI, sua inserção na EB possibilitou avanços dessas parcerias com o

setor privado. As creches, por exemplo, quando passaram a ser de responsabilidade dos

municípios tiveram, em muitos casos, sua oferta atrelada às parcerias com instituições

sem fins lucrativos. Porém, há muita preocupação com a fragilidade e a precariedade

deste atendimento em relação às condições físicas do local, o projeto pedagógico, o

salário e formação docente (PERONI, 2013).

O que se depreende da oferta da EI pelo setor privado, com ou sem fins

lucrativos, presente nos PME, é que poderá ocorrer uma forma de barateamento e de

precarização do ensino das crianças.

Os municípios idealizam criar, em regime de colaboração com o MEC, até o

segundo ano de vigência, a avaliação da EI para ser realizada a cada dois anos. Para tal

pretendem utilizar os parâmetros nacionais de qualidade, a fim de aferir a infraestrutura

física, os recursos pedagógicos, os profissionais, as condições de gestão, a questão da

acessibilidade, entre outros indicadores relevantes.

Todavia, trata-se de uma estratégia descrita, em termos de redação, de forma

superficial e pouco específica, que efetivamente abre espaços para outras interpretações.

Como não se faz referência a essa relevância do indicador a ser construído, pode-se

assumir, de fato, o desempenho da criança como um elemento importante para a

compreensão da qualidade da EI, tal qual ocorre no ensino fundamental e médio por

meio de provas padronizadas, descontextualizas, que geram rankings,

responsabilizações, injustiças e competições entre as escolas e favorecem um grande

mercado de consumo da Educação.

Alguns municípios (Ribeirão Pires) pretendem ―implantar na Rede Municipal de

ensino um sistema de avaliação de desenvolvimento infantil de zero a cinco anos de

maneira que possa contribuir para a construção de projeto pedagógico para as crianças e

sua evolução em período esperado para as idades‖ (RIBEIRÃO PIRES, 2015).

Observa-se, novamente, uma estratégia com redação que não sinaliza se o

sistema será construído baseado nas tradições de avaliação e de monitoramento da EI

brasileira cujas diretrizes estão presentes na LDBEN/96 (art. 31), nas Diretrizes

Curriculares Nacionais (2009) e em outros textos (Parâmetros e Indicadores de

Qualidade), documentos que recomendam o acompanhamento da criança por meio da

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observação, do registro, da análise individual dos comportamentos e das atitudes, das

produções em situações variadas, entre outros.

Neste sentido, tal falta de especificidade pode gerar outras interpretações e

associar à avaliação da EI aos resultados, o que de acordo com Didonet (2012) não está

distante da EI no Brasil.

Considerações finais

Este estudo identificou e analisou nos Planos Municipais de Educação da

RGABC os processos de privatização presentes na Educação Infantil. As análises

apontaram para similaridades a partir do PNE e superficialidade na maioria das

estratégias inseridas nos documentos, carecendo de maiores especificidades tal como

prazo para a execução.

Foram identificadas estratégias alinhadas com a manutenção da mercantilização

da Educação. Essas estavam associadas à questão da promoção da regulação da oferta

da EI pela iniciativa privada, a partir da possibilidade de parcerias público-privadas, e a

criação da avaliação da EI, que não possuía definições claras nos PME.

Essas estratégias necessitam ser acompanhadas de perto por especialistas,

gestores, professores e comunidade escolar para que não se transformem em processos

já conhecidos e estabelecidos no ensino fundamental e médio: a questão dos testes,

resultados, rankings, premiações, punições e vendas de material por empresas privadas,

entre outros.

Embora essa análise não se constitua em uma ação efetiva de monitoramento

dos PME investigados, os achados dessa pesquisa deixam pistas que poderão subsidiar

os munícipes e os profissionais da educação no processo de avaliação dos planos. Além

disso, o acompanhamento dos PME se constitui em um processo importante para que a

sociedade se atente a eventuais estratégias que não atendam a seus interesses.

Referências

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entre os municípios brasileiros e a Fundação Ayrton Senna. Relatório Parcial de

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prefeituras paulistas e o setor privado na política educacional: expressão de simbiose?

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DIDONET, V. A avaliação na e da educação infantil. São Paulo: Ministério Público

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Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep). Censo da Educação Básica, 2017.

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RIBEIRÃO PIRES. Lei n. 5.995, DE 30 de junho de 2015. Aprova o Plano Municipal

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Municipal de Educação. Diário Oficial. Rio Grande, 30 jun. 2015.

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SANTO ANDRÉ. Lei nº 9.723, de 20 de agosto de 2015. Aprova o Plano Municipal de

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SÃO BERNARDO. Lei nº 6.447, de 28 de dezembro de 2015. Aprova o Plano

Municipal de Educação do Município de São Bernardo. Diário oficial. 20/12/2015.

SÃO CAETANO DO SUL. Lei nº 5.316, de 18 de junho de 2015. Aprova o Plano

Municipal de Educação do Município de São Caetano. São Caetano.

POLÍTICA DA AVALIAÇÃO EXTERNA EM UMA ESCOLA

PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL I

POLÍTICA DE LA EVALUACIÓN EXTERNA EN UNA ESCUELA

PÚBLICA MUNICIPAL DE PRIMARIA I

Aline Cristiane Barbosa - UNESP - Rio Claro/SP

e-mail: [email protected]

Palavras-chave: Avaliação externa; Ensino Fundamental; Escola pública.

Palabras-clave: Evaluación externa; Enseñanza fundamental; Escuela pública.

Resumo

Este trabalho vincula-se ao eixo temático: Políticas de avaliação na educação

básica e privatização, o qual pretende-se apresentar no VI Seminário Internacional de

Pesquisa do GREPPE – Privatização da educação básica: Novos diálogos. O mesmo

fora baseado em práticas avaliativas que ocorriam no interior de uma escola pública

municipal de Ensino Fundamental (etapa I) localizada no interior do Estado de São

Paulo, que puderam ser observadas a partir de minhas vivências como monitora de

ensino. Objetiva-se discorrer sobre as práticas de avaliações de professores e gestores,

principalmente as que envolvam as avaliações externas, uma vez que durante essas

experiências observou-se uma demasiada preocupação com os índices da escola, o

treinamento dos alunos para a realização das provas, entre outras questões relevantes

que apontaremos mais adiante, justificando esse trabalho de modo que essas são

questões importantes para serem pensadas pela educação e educadores. Para o

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embasamento teórico do mesmo foi realizada uma pesquisa qualitativa e análise

bibliográfica como metodologia.

Introdução

Esse trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa e foi elaborado a partir das

minhas experiências como monitora de ensino numa escola pública municipal do Estado

de São Paulo. O objetivo deste é desvelar algumas das práticas avaliativas que ocorrem

no interior das escolas públicas e que envolvem as avaliações externas. Foi realizada,

ainda, uma pesquisa qualitativa e uma análise bibliográfica como metodologia para

desenvolver as discussões sobre a temática, trazendo alguns autores que já a abordaram.

Nesse sentido, há que se pensar ainda que:

Mesmo quando são delineadas as políticas educacionais, com intuito de

minimizar os obstáculos enfrentados, o foco geralmente é colocado em

apenas uma de suas facetas, com frequência na de cunho econômico,

traduzida na tentativa reduzir os números relativos às questões de fluxo

escolar ou otimização dos recursos (ROCHA, 2013, p. 9).

Dessa forma, justifica-se esse trabalho, tendo em vista a importância de

tratarmos de temas como esse, que muitas vezes passam desapercebidos e continuam

reproduzindo uma lógica que favorece o sistema capitalista vigente, corrobora a

desigualdade social e se renova ciclicamente a cada ano que passa e as ações continuam

a serem tomadas, sem serem pensadas ou discutidas por quem mais interessa e a quem

mais se atinge, aos educadores e educandos imersos nessa estrutura.

Discussão dos resultados

Quando abordamos o tema: avaliação externa no contexto estadual (SP), não

podemos deixar de discutir sobre o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do

Estado de São Paulo (Saresp), realizado pela Secretaria da Educação do Estado de SP e

segundo a mesma, com o intuito de se produzir um diagnóstico da educação básica

paulista, para então, a partir de seu resultado, orientar os dirigentes do ensino quanto à

supervisão das políticas públicas voltadas à melhoria da qualidade da educação.

De acordo com São Paulo (2019), existem, ainda, outros tipos de avalições de

larga escala, como a Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação

Básica (Saeb), desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) que também servem para o diagnóstico e a

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avaliação da qualidade do ensino do sistema educacional brasileiro, a partir de testes

padronizados e questionários socioeconômicos.

Os testes são aplicados nos quintos e nonos anos do Ensino Fundamental,

correspondentes aos finais de ciclos do mesmo, onde os alunos são avaliados tendo que

responder a questões de Língua Portuguesa, com ênfase na leitura, e matemática, com

enfoque na resolução de problemas. Professores e diretores das turmas avaliadas

também têm que responder a questionários que recolhem dados acerca do perfil

profissional e das condições de trabalho desses.

Na Prova Brasil, também é possível observar o desempenho de cada rede de

ensino e do sistema geral, incluindo o das escolas públicas urbanas e das rurais.

Nesse sentido, é também a partir das médias de desempenho (notas) obtidas a

partir dessas avalições que são fornecidos os dados para o cálculo do Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Esses dados são disponibilizados

publicamente, para que assim, possa haver um acompanhamento da sociedade das

políticas implantadas por cada setor governamental.

Nesse contexto, enquanto monitora de ensino de uma escola pública municipal,

de um bairro periférico e do interior do Estado de São Paulo, pude notar demasiada

preocupação acerca dos resultados das avaliações externas, onde os professores eram

instruídos pelos coordenadores da escola a treinarem os alunos para a realização dessas,

utilizando provas de anos anteriores, focando em conteúdos possíveis de caírem na

mesma, em detrimento dos demais.

Havia, ainda, a prática de pedirem sutilmente aos alunos de baixo rendimento

para faltarem no dia da prova, pois se eles fossem à aula naquele dia, poderiam

prejudicar o desempenho da escola no resultado da avaliação externa, porém, aos pais

ou responsáveis era dada outra justificativa qualquer, como, por exemplo: ―a criança (no

caso os alunos considerados mais ―fracos‖ e que provavelmente não iriam bem na

prova) não precisava fazer a prova‖.

Nesse sentido, a preocupação da escola estava voltada mais à realização das

provas e aos índices que ao aprendizado dos alunos, treinando professores e educandos

para a execução da mesma, uma vez que a partir de sua classificação poderia ou não

receber um maior investimento, numa lógica meritocrática, fomentando uma

competição entre as escolas, que visa alcançar um prêmio e não um ensino de qualidade

para todos, nesse sentido, conforme Afonso 2007, as avaliações em larga escala acabam

exercendo:

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[...] duas funções básicas complementares: continuar a ser um dispositivo de

controlo central por parte do Estado, relativamente ao que se ensinava (e

como se ensinava) nas escolas públicas, e, simultaneamente, promover

pressões competitivas entre os estabelecimentos de ensino públicos (ou entre

estabelecimentos públicos e privados), induzindo, desta forma, um efeito de

concorrência e hierarquização através da publicitação e divulgação dos

resultados escolares dos estudantes (rankings), os quais deveriam,

supostamente, apoiar a livre escolha educacional por parte dos pais,

transformados, entretanto, em clientes ou consumidores da educação escolar

(Afonso, 2007, p.14).

Dessarte, a qualidade da educação brasileira é algo de extrema importância, não

é por acaso ela é tão mencionada em diversos documentos oficiais, que orientam e

pautam as ações que os diferentes órgãos públicos têm que cumprir e supervisionar para

que sejam cumpridos.

No entanto, nem sempre essa preocupação é voltada para uma educação de

qualidade para todos, e quando isso acontece, pode haver uma distorção do papel da

escola, que de formar cidadãos críticos, autônomos e conscientes de seu papel na

sociedade, passa a treinar os seus alunos como se esse fosse o caminho para o sucesso

da aprendizagem, quando a preocupação maior está voltada aos índices da escola:

―Deste modo, o foco deixa de estar na formação humana ampliada dos estudantes e

concentra-se no alcance de índices‖ (BERTAGNA, NAKAMURA, TORREZAN,

2018).

Segundo São Paulo (2019), é, ainda, a partir das informações coletadas pelo

Saeb e pela Prova Brasil, que o MEC, bem como as demais secretarias de educação

estaduais e municipais podem reorientar ações voltadas à melhoria da qualidade da

educação, no intuito de minimizar as discrepâncias existentes e redirecionar os recursos

técnicos e financeiros para locais de maior vulnerabilidade/áreas prioritárias.

Entretanto, quando são implantadas as políticas de bonificação para as escolas

que obtiveram os melhores resultados, a afirmação acima é contradita, já que, ao invés

de priorizarem as escolas que mais precisam de investimento, se premiam aquelas que

se saírem melhor, numa lógica meritocrática, seletiva e consequentemente, excludente,

onde, conforme Ribeiro (2008) p. 174:

[...]a classificação das escolas que passou a servir como parâmetro para a

concessão de um bônus mérito aos professores e um bônus gestão aos

professores-coordenadores, diretores e vice-diretores de escola, supervisores

de ensino, assistentes técnico-pedagógicos e dirigentes de ensino das 146

DEs do Estado de São Paulo.

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Ribeiro (2008) lembra que as agências internacionais de financiamento tiveram

uma função significativa na década de 1990, já que, a partir da crise do capital e tendo

em vista o neoliberalismo como uma forma de superá-lo (BERTAGNA, NAKAMURA,

TORREZAN, 2018) emprestaram muito dinheiro, atrelado a condições que pautariam

ações a serem implementadas pelo governo, trazendo preceitos administrativos a serem

implantados na educação.

Nesse sentido, conforme Ribeiro (2008), ainda, tendo em vista o conceito de

qualidade equiparado à lógica dos processos de produção, de acordo com os interesses

do trabalho no mundo capitalista, educação de qualidade passa a ser aquela que produz

indivíduos aptos e qualificados para o mercado de trabalho, objetivando a continuidade

do sistema vigente.

Assim, a qualidade educacional passa a ser identificada pelos princípios da

eficiência, da eficácia, da produtividade e da competitividade e nesse contexto, as

avaliações em larga escala, a partir de testes padronizados, passam a ser instrumentos

utilizados para medi-la, averiguando a competência em Língua Portuguesa e

Matemática, bem como o fluxo escolar (BERTAGNA, NAKAMURA, TORREZAN,

2018):

No entanto, é preciso destacar que os resultados obtidos por meio da prática

do treinamento podem indicar somente que os estudantes memorizaram os

exercícios apresentados previamente, não constituindo uma aprendizagem

significativa e efetiva (BERTAGNA, NAKAMURA, TORREZAN, 2018, p.

1333).

Assim, além da distorção do papel da educação, o mesmo acontece com o da

avaliação, que ao invés de servir como um instrumento de diagnóstico e de

acompanhamento do processo de aprendizagem dos alunos, para que assim possam

repensarem ações que melhor atinjam a todos, principalmente aos que têm mais

dificuldades e não conseguem acompanhar os conteúdos como os demais, essa passa a

ser mais uma ferramenta a serviço do capitalismo, onde os ―melhores educadores‖ (os

que treinaram melhor os alunos para realizarem os testes padronizados) e as ―melhores

escolas‖ (as que obtiveram um melhor desempenho e índices nas avaliações externas)

são premiados, ganhando um destaque público, atraindo, assim, os ―melhores

estudantes‖ (principalmente os alunos que se saem melhor nesse tipo de avaliação) - que

são equiparados a consumidores.

Seguindo essa mesma lógica, as ―piores escolas‖ (as que obtiveram os resultados

mais baixos nas avaliações) continuarão a ocupar esse espaço, já que muito pouco se

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vê/se fala realmente sobre as ações de melhoria da qualidade dentro dessas, além do

estigma negativo que ela e seus atores passam a carregar.

Conclusão

Nesse sentido, é responsabilidade do Estado prover uma educação de qualidade

para todos, porém, a partir da realidade observada, podemos inferir que esse, muitas

vezes, passa a cobrar e responsabilizar à escola, aos educadores e educandos pela má

qualidade da educação, uma vez que existem ações, inclusive, de incentivo para

impulsionarem a qualidade do ensino.

Porém, deve-se ressaltar que as ações existentes observadas não são suficientes,

já que acabam se resumindo em ações isoladas dentro das escolas e medidas tomadas

pelos educadores em prol do tão esperado bônus, desfocando, inclusive, a cobrança por

políticas públicas de valorização do magistério com planos de carreiras e salários

adequados para simplesmente receberem um bônus, se estiverem dentre os melhores

classificados, numa lógica perversa que assemelha a escola ao mercado, já que

teoricamente os melhores mercados sempre atrairão os melhores consumidores.

Conforme pudemos observar, ainda, a partir dos autores discutidos, as avaliações

externas acabaram se transformando num dispositivo de controle do Estado sobre a

educação, que por sua vez, sob a lógica mercantil, transforma-se num produto, fazendo

com que os educandos sejam os consumidores finais.

Diante dessa breve discussão, o nosso intuito é fomentar ainda mais assuntos que

como esse, não podem se dar como encerrado, já que a aceitação e conformismo diante

de tal situação, podem fazer com que ela se engesse cada vez mais, e com isso, continue

a engessar as práticas pedagógicas, os educadores, os estudantes e a escola, como um

todo, o que seria, no mínimo, contraditório, já que, conforme a LDB de 1996, tem-se

por objetivo ―o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho‖ (BRASIL, 1996), quando, a atenção

principal está voltada apenas para a última, sem se preocupar com a formação humana

dos educandos.

Referências

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volume 7, n. 1, p. 11-22, Itajaí, jan/abr 2007. Disponível em:

<https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/rc/article/view/888>. Acesso em:

18/07/2019.

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BERTAGNA, R. H.; NAKAMURA, H. K.; TORREZAN, H. E. 20 anos de produção

científica sobre o SARESP (1996-2016): reflexões acerca dos desdobramentos na

prática docente e da privatização. RPGE- Revista on line de Política e Gestão

Educacional, Araraquara, v. 22, n. esp. 3, p. 1325-1339, dez., 2018 ISSN: 1519-9029.

DOI: 10.22633/rpge.v22iesp3.12016. Disponível em:

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BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>.Acesso em: 18/07/2019.

BRASIL. Prova Brasil. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/prova-brasil>. Acesso

em: 18/07/2019.

RIBEIRO D. S. Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo

(SARESP): A educação a serviço do capitalismo. Dissertação de Mestrado,

Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas/SP, 2008.

Disponível em:

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Acesso em: 20/10/2019.

ROCHA, F. Políticas educacionais dos anos 1990: A questão do fracasso escolar.

Trabalho de Conclusão de Curso, UNESP, Rio Claro/SP, 2013. Disponível em:

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Acesso em: 20/10/2018.

SÃO PAULO (Estado). SARESP. Disponível em:

<https://www.educacao.sp.gov.br/saresp>. Acesso em: 18/07/2019.

EIXO 2: GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA E PRIVATIZAÇÃO

A CONSTITUINTE DE 1987-1988: INDÍCIOS SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA

EDUCAÇÃO NO BRASIL

EL CONSTITUYENTE 1987-1988: EVIDENCIA SOBRE LA PRIVATIZACIÓN

DE LA EDUCACIÓN EN BRASIL

Viviane Cardoso da Silva – HISTEDBR/UNICAMP

[email protected]

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Palavras-chave: Constituição de 1988; Educação Brasileira; Privatização da Educação.

Palabras-clave: Constitución de 1988; Educación Brasileña; Privatización de la

educación.

Introdução e Metodologia:

Esse trabalho apresenta análises iniciais dos estudos em andamento no

Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da

UNICAMP (PPGE-FE-UNICAMP). O objetivo desse texto é compreender os debates

em torno da educação na Constituinte, em particular, os indícios da relação entre a

gestão educacional e a privatização da educação.

A metodologia utilizada se embasa na pesquisa histórica, entendida como

surgimento ―[...] de ‗achados‘ – de novas fontes, de novas conexões entre as coisas, de

comparações – ou surge de insatisfações com os acontecimentos existentes, [...]

provocadas pelo surgimento de novos pontos de vista, de novas ‗teorias‘, ou de novas

curiosidades sociais. [...]‖ (ARÓSTEGUI, 2006, p. 470), apoiada pelo estudo

bibliográfico dos textos de Florestan Fernandes, assim como outros referenciais teóricos

da pesquisa em andamento e fontes primárias e secundárias, coletadas no Jornal ―Folha

de S. Paulo‖, versão online, entre outras fontes, sobre o período estudado (1987-1988),

apresentados no desenvolvimento a seguir.

Discussão e resultados:

Florestan Fernandes (1985b) acompanhou o trâmite da redemocratização e da

Constituinte, expressou no artigo ―Inquietações Burguesas‖ várias questões ligadas ao

complexo contexto da época, ou seja, que havia forte expressão do povo via sindicatos,

partidos e organizações sociais versus a manutenção do ―papel ordeiro‖ do Estado,

apoiado pelos militares e patronato; ―capital nacional‖ versus ―burguesia dependente

pró-imperialista‖; elites do poder e o desespero pela ―normalidade do Estado‖ versus

todos os algozes deixados pela Ditadura, os quais precisavam ser enfrentados.

Fernandes (1985a) compôs uma análise sobre as negociações entre militares e o

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), os quais almejavam uma

―transição gradual, lenta e segura‖, sem abalar os aspectos políticos e econômicos já em

curso no país, ou seja, ocorreu uma ―conciliação pelo alto‖ e uma ―reconstrução

democrática de sentido burguês-conservadora‖, que segundo o autor não teria consenso

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uma vez que esse grupo dominante não tinha o real controle sobre os despossuídos,

pequenos burgueses e outros grupos sociais sem prestígio político/econômico ou

massacrado durante a Ditadura. Por fim, Fernandes já apontava que esses conflitos

passariam a ficar mais latentes na Assembléia Nacional Constituinte, cuja função,

segundo ele, também seria a de ―[...] cortar o nó górdio que ata o Brasil do futuro ao

Brasil da época colonial e do escravismo. [...]‖.

Fernandes (2014) deixou um legado de dados e informações sobre esse período,

sob forma de artigos, notícias, denúncias, dentre outras. Em uma das denúncias sobre o

―Congresso Constituinte‖, alegou que essa poderia ser uma ―instituição libertadora‖, no

sentido ―[...] de eixo da construção de uma comunidade nacional livre.‖, porém, a

realidade era mais dura e bruta, definindo a correlação de forças da seguinte forma.

A Constituinte virou um verdadeiro campo de batalha, de um lado a maioria dos

constituintes defendendo a manutenção de privilégios da burguesia dominante e a

propriedade privada, como menciona Fernandes (2014) e de outro lado uma minoria de

parlamentares defensores das classes subalternas, almejando a construção de uma

Constituição que privilegiasse a democracia e ―uma sociedade civil civilizada‖.

Em relação à educação, Fernandes (2014) foi ávido na defesa da educação

pública estatal, com apoio do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP) e

outras organizações sociais. Ao publicizar notícias sobre a educação na Constituinte

defendeu a criação de um Conselho Nacional de Educação, para fomentar e acompanhar

o Plano Nacional de Educação, porém sofreu inúmeras críticas dos setores

conservadores e privatistas, mesmo que essa proposta não fosse a que ele mais

acreditava como se observa no excerto abaixo.

[...] Eu próprio tive a desdita de defender um órgão que serviria para

implementar e dinamizar o Plano Nacional de Educação, um Conselho

Nacional de Desenvolvimento da Educação, e vi voltarem-se contra mim as

iras do Ministério da Educação e dos donos das escolas privadas mercantis e

confessionais. Planejamento democrático na área da educação implicaria em

controles racionais institucionalizados de aplicação e avaliação dos recursos

públicos, o que não interessa aos que comandam o sistema educacional

brasileiro a partir de posições estratégicas ―oficiais‖ ou ―privadas‖... A

resistência possuía um limite de natureza material e psicológica, embora as

implicações essenciais fossem políticas e econômicas. Na verdade, as

contradições existentes são fatores de aceleração da acumulação de capital.

Precisam ser mantidas intocadas (FERNANDES, 2014, p. 115-116).

Rodrigues (no prelo) traz um panorama dos trabalhos na ―subcomissão da

educação‖, dizendo que Fernandes estava preocupado em levar várias proposições da

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sociedade civil para garantir recursos públicos para a educação pública, a defesa do

Estado laico e da escola pública, gratuita e laica. Em contraposição estavam os

representantes das instituições privadas, desejosos em garantir a sua parcela de

propostas privatistas.

Rodrigues (no prelo) relata outro momento da Comissão em que se tratou na

gratuidade do ensino, sendo apresentadas duas propostas distintas, uma pelos privatistas

e outra em defesa da escola pública, gratuita e laica, porém, não houve acordo entre os

grupos, deixando essa decisão para a equipe de sistematização.

De acordo com a pesquisadora (no prelo) Florestan propunha ―três conjuntos de

prioridades‖: a primeira seria a ―garantia de igualdade efetiva de oportunidades

educacionais‖; a segunda trataria da ―valorização de professores e funcionários da

escola‖ e a terceira abordaria a ―auto emancipação pedagógica‖. (RODRIGUES, no

prelo, p. 16), com destaque para o segundo conjunto de medidas que tratava da gestão

educacional, proposta pelos movimentos sociais, denominada de gestão democrática.

O cenário educacional estava em disputa e Fernandes tinha clareza de sua

resistência nesse enfrentamento, embora seus oponentes fossem a maioria. Noutro texto,

publicado em jornal, intitulado ―A retranca da direita‖, o sociólogo e deputado apresenta

as derrotas frente ao cenário educacional, apontando para a privatização da educação.

Quanto à educação escolarizada, nada mais há a falar. Prevaleceu a

privatização do público, uma saída sutil de proteger os privilégios das

organizações privadas confessionais e mercantis contra os direitos dos

educandos e contra as tarefas construtivas do Estado democrático na área do

ensino (FERNANDES, 2014, p. 190).

No texto final da constituição de 1988, identifica-se que foi aprovada várias

brechas para a privatização da educação, que hoje, são compreendidas como formas de

se estabelecer as parcerias público-privadas, tais como o Art. 209 – ―O ensino é livre a

iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I- cumprimento das normas gerais

da educação nacional; II- autorização e avaliação de qualidade do Poder Público‖, Art.

213 – ―Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos

a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei [...]‖ (BRASIL,

1988, s/p). Além disso, deixou em aberto o que seria a gestão democrática, a partir do

Art. 206- ―VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;‖ (BRASIL,

1988, s/p).

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Vale ressaltar que esses textos da Constituição são os dispositivos aprovados na

época. Atualmente, o inciso VI do Art. 206 e o Art. 209 permanecem inalterados.

Porém, o Art. 213 que trata dos recursos públicos, sofreu alterações ampliando a

participação das verbas públicas para iniciativa privada (BRASIL, 2016 s/p).

Considerações finais:

Para uma pedagoga fazer um exercício de estudo histórico é desafiador, embora

esse seja parte de meu tema de doutoramento é complexo compreender a realidade dos

anos 1980, os entraves, conflitos, ganhos e perdas. Florestan Fernandes tem sido uma

grande descoberta em minha trajetória acadêmica e um grande exemplo como educador,

pesquisador e político.

Miriam Limoeiro (1996), estudiosa desse pesquisador, tem ressaltado que não há

como compreender o seu pensamento sem entender os processos econômicos de

dependência econômica e cultural do nosso país, num processo de desenvolvimento

desigual e combinado, fundamental para compreender não apenas os anos 1980, mas

todo o processo histórico de desenvolvimento do país e a prioridade no setor da política

social que torna a privatização uma realidade constante de um país dependente.

Finalizo com uma citação que se tornou o ponto de partida para entender a

realidade educacional brasileira e ponto de chegada, a princípio. Trata-se de uma citação

de Fernandes, apresentado como epígrafe do artigo de Rodrigues, que diz o seguinte:

[...] a educação é o mais grave dilema social brasileiro. A sua falta prejudica

da mesma forma que a fome e a miséria, ou até mais pois priva os famintos e

miseráveis dos meios que os possibilitem a tomar consciência da sua

condição, dos meios de aprender a resistir a essa situação. Portanto, pode

representar um fator de difusão da ignorância e do atraso cultural. Com esses

mecanismos e um sistema escolar injusto e inócuo, há reprodução do sistema

de desigualdade, da concentração de riqueza, de poder e de dominação

(Florestan Fernandes, Discurso à Assembleia Nacional Constituinte, em 14

de novembro de 1987 apud RODRIGUES, no prelo, p. 2).

Referências Bibliográficas:

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Tradução Andréa Dore.

Bauru, SP: EDUSC, 2006. (Coleção História)

BRASIL. Constituição de 1988. Câmara dos Deputados, Brasília, DF, 1988.

Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-

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67

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto, Brasília, DF,

2016. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso

em junho de 2019.

FERNANDES, Florestan. Os azares da ―conciliação pelo alto‖. In: Folha de S. Paulo.

Opinião, s.p., 12 de junho de 1985a. Disponível em:

https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=9166&keyword=FLORESTAN%2CFER

NANDES&anchor=4310852&origem=busca&pd=8141af0be8adf87147b35958adda5e1

5 Acesso em junho de 2019.

___________. Inquietações Burguesas. In: Folha de S. Paulo. Opinião, p. 3, 24 de

junho de 1985b. Disponível em:

https://acervo.folha.com.br/leitor.do?numero=9178&keyword=FLORESTAN%2CFER

NANDES&anchor=4151427&origem=busca&pd=cf5e13ce017ad4e9076c23049bf5105

a Acesso em junho de 2019.

____________. Florestan Fernandes na Constituinte. Leituras para a reforma

política. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, Expressão Popular, 2014.

LIMOEIRO, M., Florestan Fernandes: a criação de uma problemática. In: Estudos

Avançados, 10 (26), 1996. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141996000100014

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RODRIGUES, F. C. Florestan Fernandes na Assembleia Nacional Constituinte

(1987 – 1988): A defesa da educação pública nos primórdios da ―Nova República‖ (No

prelo).

TENDLER, Silvio. Documentário “Trancredo – A Travessia”, 2011. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=BDmpIoadSPc Acesso em março de 2019.

A GESTÃO DE ESCOLAS MUNICIPAIS NA CIDADE DE

PETRÓPOLIS: PARCERIA PÚBLICO PRIVADA

LA GESTIÓN DE LAS ESCUELAS MUNICIPALES EM LA

CIUDAD DE PETRÓPOLIS: ASSOCIACIÓN PÚBLICA PRIVADA

Felipe de Souza Araujo (UFRJ) – [email protected]

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Palavras-Chave: Gestão Escolar; Parceria Público Privada; Privatização; Políticas

Educacionais; Petrópolis.

Palabras-Clave: Gestión Escolar; Associación Público Privada; Privatización; Políticas

Educativas; Petrópolis.

Introdução

O presente trabalho é fruto de pesquisa realizada no contexto da dissertação de

mestrado e trata-se de um estudo sobre política educacional em que utilizamos o

referencial teórico-metodológico-analítico do Ciclo de Políticas (BOWE; BALL;

GOLD, 1992) aprofundando na análise dos contextos de influência e de elaboração do

texto. A referida pesquisa teve como objetivos analisar e compreender a agenda política

que engendrou a elaboração do PME da cidade de Petrópolis, considerando o lugar da

gestão democrática dentro deste complexo processo, materializada sobretudo pelo

processo de seleção de diretores escolares por meio da eleição.

Observamos diferentes atores envolvidos na elaboração do plano, sobretudo

ganhando destaque expressivo o Conselho Municipal de Educação, sendo ativo em

todas as etapas do processo de elaboração do PME. Para a construção dos dados de

campo desta pesquisa realizamos levantamento bibliográfico, análise documental e

entrevistas semiestruturadas – optamos por entrevistar quatro atores envolvidos com a

rede pública municipal de ensino de Petrópolis e que participam e/ou participaram

ativamente dos espaços políticos de debate. Ressaltamos que, apesar de o Município

contar com algumas Instituições de Ensino Superior (Universidade Católica de

Petrópolis, Universidade Estácio de Sá e Universidade Federal Fluminense, entre

outras) as pesquisas realizadas nessas instituições não se aprofundaram sobre a rede

pública municipal de ensino.

Para a escrita da dissertação, além do levantamento bibliográfico e documental,

foram realizadas quatro entrevistas com pessoas que atuaram no campo educacional e

político do município de Petrópolis antes e durante o período de discussão do PME. O

processo de escolha dos entrevistados se deu por meio da leitura dos documentos legais

referentes à educação pública no município de Petrópolis, a medida em que os

documentos eram analisados, alguns nomes ganhavam destaque pelas falas realizadas

ou tão somente por ser quem assinava os documentos. As entrevistas foram realizadas

presencialmente durante os meses de outubro a novembro de 2018, foram gravadas em

formato de áudio e posteriormente transcritas para a forma textual a fim de que depois

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pudéssemos realizar uma leitura crítica às respostas concedidas. No decorrer da

realização das entrevistas um novo tópico relacionado intrinsecamente às políticas

educacionais do município passou a chamar nossa atenção: as influências do campo

religioso sobre as demandas educacionais municipais. Esse elemento trouxe um novo

cenário para a investigação e retrata uma questão pesquisada por diferentes autores que

demonstram a projeção do campo religioso sobre o campo educacional. Nesse sentido,

para este presente texto realizamos um recorte da dissertação a fim de trabalharmos as

questões que apresentam relação com as parcerias realizadas pelo município com

instituições privadas na oferta da educação básica.

O Ciclo de Políticas como um referencial teórico-analítico

O modelo teórico-analítico cunhado pelo sociólogo inglês Stephen Ball e seus

colaboradores (BOWE, BALL e GOLD, 1992; BALL, 1994), denominado como

―policy cycle approach‖ (abordagem do ciclo de políticas).O ciclo de políticas é uma

abordagem de orientação pós-estruturalista que tem suas bases nos trabalhos realizados

na área da política educacional pelos pesquisadores ingleses Stephen Ball e Richard

Bowe.

A abordagem realizada pelo ciclo de políticas aponta para a natureza complexa

presente na construção das políticas educacionais, trazendo ênfase aos processos

micropolíticos e a atuação dos profissionais que lidam com a educação em contexto

local, bem como, a necessidade de articulação dos processos nos contextos macro e

micro. Destacamos ainda que esse modelo teórico-analítico não se apresenta estático,

mas sim flexível e dinâmico.

Conforme apontam Mainardes e Stremel (2015),Ball e colaboradores passam a

indicar que os focos de análise das políticas educacionais deveriam incidir sobre a

formação do discurso da política, bem como sobre a interpretação ativa da política no

âmbito da prática. Na publicação do livro ―Refoming Education And Changing

Schools” no ano de 1992, os autores apresentam uma versão mais apurada do ciclo de

políticas propondo um ciclo contínuo formado por três contextos principais: o contexto

da influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Estes contextos

se encontram inter-relacionados, porém não apresentam uma dimensão temporal ou

mesmo sequencial, como também não possuem linearidade.

O contexto da influência é onde os textos de políticas públicas costumam ser

iniciados e os discursos começam a tomar forma de políticas. O contexto da produção

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de texto se encontra intimamente relacionado com o contexto anterior, haja vista que o

texto político final é fruto de influências, neste contexto os discursos tomam forma. O

contexto da prática, para os autores Bowe et al. (1992) é o momento em que a política

se encontra sujeita a interpretação, recriação, (re)apropriação, e é onde as mudanças na

política geram efeitos e consequências. Em estudo posterior, Ball (1994) acrescentou

dois novos contextos ao ciclo de políticas: o contexto dos resultados (efeitos - visa

compreender as questões de justiça, igualdade e liberdade individual) e o contexto da

estratégia política (relaciona-se com a identificação de um conjunto de ideias e ações

sociais que seriam necessárias para lidar com as desigualdades).

Parceria Público x Privado no Município de Petrópolis (RJ)

O município de Petrópolis possui três pilares importantes da Igreja Católica:

uma diocese, um seminário e uma universidade. A Diocese de Petrópolis foi criada pelo

Papa Pio XII, por meio da Bula ―Pastoralisquaurgemur‖, no dia 13 de abril de 1946.A

cidade também sedia o Seminário Diocesano da Nossa Senhora do Amor Divino e a

Universidade Católica de Petrópolis (UCP). A UCP é uma instituição tradicional no

município no que se refere a formação de nível superior, responsável por formar alunos

há mais de 50 anos e por décadas foi a única instituição de nível superior na cidade.

No município de Petrópolis, a Igreja Católica mantém intima relação com a

prefeitura, sobre tudo no que diz respeito aos convênios educacionais. Há muitos anos

os diversos governos que administram o município têm celebrado convênios com a

finalidade de aumentar a oferta do número de vagas na educação infantil e no ensino

fundamental, em virtude de a rede municipal de escolas públicas não possuir unidades

suficientes para atender a demanda.

A Mitra sempre teve escolas públicas religiosas vinculadas às suas ordens e,

quando a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a oferta educacional é dever do

estado, sendo o município o seu representante federativo, Petrópolis se viu em um

cenário sem escolas em número suficiente para atender a demanda. A solução

encontrada foi a celebração de convênios com diversas instituições, com destaque para

as religiosas que já possuíam algumas escolas, e, nesse contexto, o município conveniou

dentre outras, a Escola Metodista, o Instituto Petropolitano Adventista de Ensino

(IPAE) e as escolas da Mitra Diocesana de Petrópolis. No decorrer dos anos a Escola

Metodista, o IPAE, bem como outras instituições deixaram de ser conveniados do

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município, permanecendo ainda a mitra diocesana com um número expressivo de

escolas conveniadas.

O ex-secretário Alex destaca que ―a prefeitura em diferentes momentos, ou

pagava por aluno, ou pagava a folha de pagamento daquela unidade, ou pagava a folha

de pagamento e a luz, os acordos eram diversos, em diferentes situações‖. No convênio

celebrado entre a prefeitura e a Mitra que estabeleceu uma parceria com duração de 5

anos (jan./2006 – jan./2011), para além de arcar com os custos de manutenção da

infraestrutura escolar e folha salarial dos funcionários, nos chamou a atenção o texto

apresentado no documento deste convênio que determina o caráter de tratamento

especial às escolas conveniadas da Mitra, o texto apresentado no documento que celebra

o convênio é uma realidade materializada no processo de tramitação do PME em que a

Mitra Diocesana de Petrópolis se fez presente para impor algumas alterações no texto,

dentre as quais a maior discussão era sobre a abordagem da questão de gênero nas

escolas do município – uma demanda dos estudantes. Para a Mitra esse tema deveria ser

retirado do PME visto que o mesmo confronta as doutrinas pregadas pela Igreja

Católica, contudo após amplo debate na câmara municipal, o texto oriundo da

Conferência Municipal permaneceu.

No ano de 2016 o município realizou a renovação dos convênios com diferentes

instituições para a oferta de 528 vagas de educação infantil e ensino fundamental. De

acordo com as informações publicadas no Diário Oficial, o município de Petrópolis

gastou um pouco mais de 1 milhão de reais com instituições privadas. Dentre os

convênios para o ano letivo de 2016 a Mitra Diocesana de Petrópolis foi a instituição

(CEI Nossa Senhora da Gloria e CEI São Judas Tadeu) que recebeu o maior aporte

financeiro totalizando um valor de R$ 395.037,00.

Em 2018, a prefeitura realizou um aditivo para que os convênios fossem

prorrogados por mais um semestre. Dessa vez a prefeitura de Petrópolis realizou um

aditivo ao ―Termo de Colaboração Educacional‖ para 13 instituições conveniadas com

fim de realizar a prorrogação da oferta dos serviços educacionais por parte dos

conveniados, resultando em um aporte financeiro de um pouco mais 3.5 milhões de

reais. Outrossim, nos chamou atenção o fato de que novamente as instituições ligadas à

Igreja Católica foram as que receberam os maiores aportes financeiros, ao ponto de o

Colégio Padre Correia receber mais 1.2 milhões de reais.

Não há duvidas de que estamos falando de dinheiro público utilizado para o

ensino e aprendizagem das crianças que necessitam utilizar das escolas públicas,

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contudo, estamos falando também de dinheiro público que está sendo utilizado no

proselitismo dessas crianças. O Prof. Marcos relembrando das escolas pelas quais

passou durante a infância e adolescência, relata que em duas delas as diretoras eram

indicadas pelos padres das igrejas próximas ou de onde as escolas funcionavam, ele

destaca ainda que em uma delas ele chegou a se confessar com o padre na sala de aula.

Medeiros (2012) salienta que nas escolas municipais da rede pública de Petrópolis é

comum observar a existência de rituais e artefatos religiosos, que via de regra são

colocados por diretores escolares. No estudo realizado pelo autor foi possível identificar

que em todas as escolas analisadas há um momento destinado para a realização da

oração do ―Pai Nosso‖, e quando os responsáveis pelas escolas eram perguntados sobre

este ritual respondiam que se tratava de ―uma oração universal‖ (MEDEIROS, 2012, p.

37).

O modelo de gestão patrimonialista no qual o Brasil se insere historicamente se

encontra baseado na utilização e apropriação da coisa pública, do aparelho do Estado e

em alguns momentos até mesmo do próprio Estado por grupos que buscam fazer valer

os seus interesses privados em detrimento do bem-estar coletivo, se aproveitando das

trocas e concessões realizadas com o poder público. Podemos observar claramente que

os convênios realizados pela prefeitura de Petrópolis com a Mitra Diocesana da cidade

se configuram como resultado da forma de gerir a coisa pública e de suprir a suposta

ineficiência do Estado – abrindo o mercado educacional de responsabilidade do Estado

para a celebração de Parceria Publico Privada (PPP). Os convênios do município com a

mitra têm conseguido dar conta de atender a demanda educacional, todavia sem buscar

compreender os custos envolvidos nessas parcerias público privadas, que para além do

custo financeiro tem custado a constitucionalidade da laicidade do Estado brasileiro e o

princípio da gestão democrática da escola pública.

Algumas considerações

Ao iniciarmos as entrevistas para esta pesquisa, identificamos um efeito não

intencional que foi o aparecimento da Mitra Diocesana de Petrópolis na celebração de

convênios com a prefeitura com a finalidade atender a demanda de matrículas da rede

pública de ensino. Através desses convênios ao longo dos anos foram aportados alguns

milhões de reais à Igreja Católica como pagamento pela parceria estabelecida. Nos

chamou atenção o fato de que nas escolas conveniadas não há processo democrático

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73

para a seleção de diretores, mais precisamente nas conveniadas com a Igreja Católica

onde quem define quem será o diretor é o padre local responsável.

O texto apresentado no documento que celebra o convênio com a Mitra assegura

a instituição Católica tratamento diferenciado no exercício das atividades educacionais

principalmente no que tange as atividades proselitistas que são de costumes católicos

dentro de ambientes educacionais, tais como: confissões e rezas. O local de prestígio

gozado pela Mitra foi observado inclusive no processo de tramitação do PME, quando

os representantes católicos quiseram retirar do plano o debate sobre questões de gênero.

Percebemos que o dinheiro público investido nessa parceria público-privada, além de

financiar a atividade educacional, tem sido útil no proselitismo dos alunos e no

estabelecimento de uma democracia fragilizada ao ignorar os normativos legais para a

provisão dos diretores escolares no município, reforçando práticas patrimonialistas.

Referências Bibliográficas

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studies in policy sociology. London: Routledge, 1992.

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Buckingham: Open University Press, 1994.

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políticas. 2015. Disponível em: <www.uepg.br/gppepe>. Acesso em: out. 2018.

MEDEIROS, Leonardo Barros. O Ensino Religioso na Escola Pública: o sistema

municipal de ensino de Petrópolis.Notandum 28. CEMOrOC-Feusp / IJI-Universidade

do Porto. Jan.-abr. 2012.

PETRÓPOLIS. FUNDO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO BOLETIM Nº 004/16.

Diário Oficial de 6 de abril de 2016, n. 4919. Petrópolis, RJ, 2016.

PETRÓPOLIS. FUNDO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO BOLETIM Nº 020/18.

Diário Oficial de 30 de agosto de 2018, n. 5509. Petrópolis, RJ, 2018.

AS FERRAMENTAS NEOLIBERAIS E A PRIVATIZAÇÃO DO

TRABALHO DO PROFESSOR

LAS HERRAMIENTAS NEOLIBERALES Y LA

PRIVATIZACIÓN DEL TRABAJO DOCENTE

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74

Érika Marin da S. Guimarães11

Este trabalho apresenta uma pesquisa que propõe levantar os meios pelos quais a

política neoliberal tem controlado o trabalho do professor. Trata-se de umapesquisa

bibliográfica e de revisão histórica sobre o tema da proletarização docente. Atemo-nos a

seguinte problemática: Quais as ferramentas neoliberais utilizadas para controlar o

trabalho docente? O trabalho consiste em refletir sobre a atual situação da docência no

Brasil, tornando-se essencial este estudo na busca de responder aos desafios presentes

na tarefa de ser professor na atualidade. Identificamos como as leis de base neoliberais

interferem e se apropriam do trabalho docente, moldando desde sua formação inicial até

sua atividade fim, mais especificamente o ato de ensinar. Ou seja, é possível a educação

libertar-se da agenda neoliberal? A educação se tornará de vez produto do capital?

Palavras-chave: Professor. Proletarização. Neoliberalismo. Educação.

Palabras-clave: Profesor. Proletarización Neoliberalismo. Educación.

O trabalho do professor e a corrente neoliberal

A corrente Neoliberal foi introduzida no Brasil na década de 80, tendo seu

aprofundamento na década de 90. Os defensores dessa agenda argumentam ser

necessário desregular os mercados porque o número excessivo de regras e controles

estatais sobre a economia inibia os investimentos privados, comprometendo o

crescimento econômico (COELHO, p. 99, 2012).

A escola, dentro da corrente neoliberal, aparecerá como braço do Estado, a

serviço de satisfazer às necessidades econômicas de uma sociedade capitalista. Diante

deste fato, o professor também estará a serviço deste Estado, que tem como interesse

precípuo o bom desenvolvimento econômico de uma sociedade capitalista. Para que os

professores façam parte desse mecanismo é necessário criar meios para orientar, ou seja,

direcionar o trabalho docente.

Assim, surge a temática sobre o processo de proletarização do professor, que é

estudada e apresentada por vários autores, estando o processo atrelado às políticas

públicas voltadas ao interesse econômico mundial, que buscam se apropriar da tarefa

docente para responder às necessidades econômicas.

O termo proletarização foi usado por Marx para evidenciar a característica

despossuída dos trabalhadores do séc. XIX. Assim, definem o proletariado como ―a

11

Professora na prefeitura municipal de Santa Gertrudes – SP. Especialista em Gestão da Educação

Pública UNIFESP – UAB. Contato: [email protected]

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classe dos assalariados modernos, que não tendo meios próprios de produção são

obrigados a vender a sua força de trabalho para sobreviver (BASCONI e COSTA,

2018).

Sendo a educação um direito social, logo um direito humano de tornar-se

humanizado, a educação realiza ações humanas para a realização de um objetivo social.

A educação compreende o trabalho das ações de vários indivíduos na busca de um

objetivo em comum, assim, as ações dos professores, dos coordenadores, dos diretores e

outros trabalhadores da educação se constituem enquanto trabalho (RAMOS, CHAVES

e MAIA, 2007).

Dessa forma, as políticas neoliberais procuraram controlar o trabalho docente.

Porquanto, torna-se necessário a compreensão da divisão entre trabalho material e

imaterial, sendo o primeiro o produto em que se pode agregar valor e que se separa de

seu produtor, já o segundo não se pode agregar valor, pois o ato de educar não se separa

do produtor e o resultado do trabalho é consumido ao mesmo tempo em que se produz,

não havendo possibilidade de agregar valor (Ibidem).

Savianni traz uma perfeita diferenciação entre trabalho material e imaterial.

[...]―trabalho não material‖. Trata-se aqui da produção de ideias, conceitos,

valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades. Numa palavra, trata-se da

produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a

cultura, isto é, o conjunto da produção humana (SAVIANNI, p. 12, 2011).

Assim sendo, coube ao sistema capitalista impor o conhecimento a ser

transmitido através do currículo escolar, direcionando o conhecimento que o professor

deverá passar aos alunos.

Na década de 90, houve muitas mudanças na educação brasileira, sendo a

avaliação externa uma das ferramentas utilizadas para mensurar a qualidade na

educação.

―[...] a avaliação se firmou no Brasil mediante a produção de normas

jurídicos-legais e político-administrativas as quais, juntamente com as

estratégias de agentes estatais e seus interlocutores, concorreram para gerar e

potencializar a força normativa dessa prática. Essa forma normativa teria sido

condicionada pelo desafio posto à União e às unidades federadas de reformar

a gestão dos sistemas de ensino nos marcos de uma nova regulação,

conformada por um federalismo regido por uma lógica pragmática e

consoante à emergente governança internacional da educação, num

movimento de centralização-internacionalização‖ (FREITAS, 2005, p.3).

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76

Freitas (2012) também trata da avaliação do sistema escolar, estando os

professores submetidos a uma certificação de sua própria incompetência, acarretando na

culpabilização do docente pelo fracasso escolar.

Segundo Ramos, Chaves e Maia (2010) o conhecimento transmitido na escola é

fruto de um currículo imposto pelo sistema, por meio dos Parâmetros Curriculares

Nacionais e promove o estranhamento do trabalhador docente como produto do seu

trabalho. Assim sendo:

[...] a perda de autonomia do trabalho do docente se concretiza pela perda de

decisão sobre o resultado da sua atividade, pois as regulamentações, normas,

disciplinas, e procedimentos pedagógicos são determinações que não contam

com a participação do docente. Dessa forma, [...] Os docentes encontram-se

submetidos a processos cuja tendência é a mesma que para a maioria dos

trabalhadores assalariados: proletarização (RAMOS, CHAVES e MAIA

apud ENGUITA, 1991, p.41).

Quando o conteúdo fica determinado por políticas públicas que obedecem aos

interesses dos organizamos internacionais, fica evidente o interesse em direcionar o

ensino para satisfazer as necessidades do mercado de trabalho. Dessa forma,

compactuamos com o pensamento de Libâneo.

[...] por forte influência de organismos internacionais que formulam as pautas

das relações entre educação e economia, sobretudo para os países em

desenvolvimento -, uma proposta de escola baseada, por um lado, no

suprimento de competências mínimas para a sobrevivência na sociedade da

informação e do consumo e, por outro, em estruturas de acolhimento e

integração social. Trata-se de escola que privilegia a organização do ambiente

escolar para a integração social, deixando em segundo plano a preocupação

com o ensino dos conteúdos e com o desenvolvimento cognitivo dos alunos

(LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2010, p. 245).

Por conseguinte, o trabalho do professor fica restrito ao controle do Estado,

condicionando a alienação do ato de ensinar, que está cada vez mais orientado aos

ditames do Estado e ao interesse econômico.

O esvaziamento na formação de professores e a política neoliberal

De acordo com Savianni (2009), a política de formação de professores não

conseguiu estabelecer um padrão crescente de qualidade, estando variavelmente

mudando sua concepção, acarretando em descontinuidade de um projeto e sua melhoria.

Convergindo com as ideias de Savianni sobre a questão da formação docente,

Basconi e Costa (2018), nos leva a perceber as ferramentas neoliberais que buscam se

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apropriar do trabalho do professor através da formação inicial aligeirada que,

historicamente não se preocupou com os conteúdos necessários a sua formação,

ocasionando a perda do controle e dos conteúdos do trabalho pela categoria docente.

A formação de professores sempre esteve atrelada a ordem política que o país

vivia, sendo a educação uma ferramenta do Estado para se adequar às exigências de

interesses internacionais. No período ditatorial, por exemplo, as políticas existentes na

época intensificaram a desvalorização docente.

As parcerias entre o MEC e as recomendações norte americanas, conhecidas

como os acordos MEC-USAID, interferiram nas políticas de formação docente, sendo

destinadas à profissão docente as noções elementares, pois não havia preocupação sobre

o que ensinar, mas como ensinar, priorizando o domínio de métodos e técnicas

(ibidem).

Assim, percebe-se que a formação do professor se esvazia, na proporção em que

se esvazia o conteúdo escolar por meio do currículo, estando este voltado a uma

formação prática para responder às necessidades do mercado de trabalho. Logo,

destituído de seus conhecimentos, o professor não poderá promover uma educação para

transformação social, mas estará reproduzindo um conhecimento vazio e restrito aos

interesses burgueses.

Podemos perceber que a questão da formação está em pauta dentro da política

neoliberal há tempos, estando cada vez mais presente. A Lei de diretrizes e bases da

educação nacional – Lei nº9394/96 traz a formação mínima aquela exigida em nível

normal. Tal política corrobora para a despreocupação para com a formação de

professores.

Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em

nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em

universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação

mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro

primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na

modalidade Normal.21 [...]Art. 64. A formação de profissionais de educação

para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação

educacional para a educação bási20 Texto regulamentado pelo Decreto no

3.276/99. 21 Texto regulamentado pelo Decreto no 3.276/99. 22 Texto

regulamentado pelo Decreto no 3.276/99 será feita em cursos de graduação

em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de

ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996).

Ademais, há a presença do aligeiramento da formação dos professores com a

utilização do ensino a distancia como melhoria da educação básica, acarretando em uma

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crescente lacuna no processo de formação. A política de formação de professores a um

custo baixo, mas que se propunha a cumprir com eficiência os problemas educacionais

está de acordo com o documento do Banco Mundial, de 1995, intitulado ―La enseñanza

superior: las leciones derivadas de La experiência‖ (FREITAS, 2002).

Para Basconi e Costa (2018) Uma formação fragilizada, em tempo curto, ao

mesmo tempo em que satisfaz à necessidade de professores para a formação dos jovens,

caracteriza o aligeiramento da formação docente diante do esvaziamento do conteúdo,

dessa forma, o esvaziamento do conhecimento que o professor terá acesso desde a

formação inicial, sendo condicionante da alienação e da precarização do trabalho

docente.

De modo semelhante, Freitas (2002), apresenta a formação de professores

atrelada às mudanças do mundo capitalista, as quais se colocam sob a égide neoliberal e

a obediência de regras impostas pelos organismos internacionais, que buscam satisfazer

às necessidades de um mercado globalizado. A preocupação com a formação de

professores se resume em conseguir prover formação ao maior número de professores

possíveis, mas com poucos investimentos, resultando em cursos a distância em

instituições privadas e de qualidade duvidosa.

Conclusão

Algumas conclusões desse estudo apontam que são vários os mecanismos de

privatização do trabalho do professor, os quais apresentaremos para melhor

compreensão. O currículo direciona o professor ao cumprimento de interesse de grupos

internacionais que organizam a educação nacional. Tem a preocupação sobre

desenvolvimento de competências e habilidades necessárias a adaptação para o mundo

do trabalho. Aliena o professor de sua função, causando estranhamento entre o produto

e seu trabalho.

As avaliações externas direcionam o trabalho do professor na busca por

resultados que tendem a ser utilizados como sinônimo de qualidade, dessa forma,

desvaloriza-se conhecimentos em detrimento de outros cobrados nas avaliações

externas. Também aliena o professor à medida que esvazia seu domínio sobre o que

ensinar e o que é mais importante ensinar.

A formação aligeirada e a distância busca responder a massificação do ensino

com base na rapidez e na perda de conteúdos, valorizando a formação prática em

detrimento da formação teórica.

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79

Logo, concluímos que a corrente neoliberal engessa o trabalho do professor à

medida que implanta decretos e referenciais curriculares para orientar, ou melhor,

direcionar o trabalho do professor para uma linha específica do currículo: a mão de obra

para o capital. O professor, sendo o representante intelectual da sociedade, é capaz de

promover mudanças na ordem social, assim sendo, o capital tratou de controlar seu

trabalho e o conhecimento que este teria acesso desde sua formação inicial. A

proletarização e alienação docente acabaram sendo resultado das políticas públicas de

base neoliberal, que não se preocupam com a condição do professor e a enxergam como

mais uma profissão a serviço do capital.

A educação não pode ser vista como mercadoria ou como objeto de disputa para

o mercado, a qual dita regras e impõe sua necessidade individual como base da

formação docente. A educação deve ser vista como direito humano de tornar-se

humanizado, pois a humanização pressupõe conhecimentos muito maiores e mais

abrangentes que as habilidades e competências para o mercado.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de

dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial

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BASCONI, Tatiane; C. F., COSTA, Áurea C. O Prouni e oprojeto capitalista de

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JFP RAMOS, SA CHAVES, JGB MAIA. Trabalho Docente Aliendado. Fortaleza:

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80

SAVIANI, D. Formação de professores: Aspectos Históricos e Teóricos do problema

no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009, p. 143

– 155.

SAVIANI, D. 1944 - Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aroximações/Dermeval

Saviani- 11. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2011 (Coleção educação

contemporânea).

ESPAÇO PRIVADO ATUANDO NO ESPAÇO PÚBLICO NOS

PROGRAMAS VOLTADOS À EDUCAÇÃO PÚBLICA12

ESPACIO PRIVADO QUE ACTUA EN EL ESPACIO PÚBLICO EN

EL PROGRAMAS CONVERTIDOS A LA EDUCACIÓN PÚBLICA

Bianca Sanae Nakamoto13

– FE/UNICAMP

[email protected]

Palavras-chave: Educação Pública, Escola de Tempo Integral, Educação Integral,

Espaço.

Palabras-clave:Educación Pública, Escuela de Tiempo Integral, Educación Integral,

Espacio.

O presente trabalho tem como objetivo a reflexão sobre a importância e

influência do Espaço para a escola de tempo integral e o quanto ele tem sido

negligenciado e privatizado ao longo dos anos. O Espaço, como categoria, é onde

materializamos as relações existentes entre indivíduos e refletem os valores da

sociedade. O Espaço escolar sofre diferenças quando tratadas em âmbito público e

privado, pois o Espaço tem um valor além das relações. O Espaço tem valor

mercadológico, com isso, a localização e a forma de construção dos prédios escolares

12

O presente trabalho é realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (CAPES). 13

Professora da rede estadual paulista de Campinas, doutoranda vinculada ao programa de pós-graduação

da Faculdade de Educação da UNICAMP, na linha de Políticas Públicas.

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81

sofrem influência do mercado, o que acaba refletindo na qualidade das práticas

pedagógicas realizadas na Educação Pública.

A Escola, vista como uma instituição, constantemente é alvo de críticas perante

sua existência e funcionalidade. Uma de suas funções é assegurar o direito à Educação,

porém, ao longo dos anos foi responsabilizada com atividades voltadas à compensação

de necessidades sociais, desta forma, as práticas pedagógicas ficaram em segundo

plano, trazendo prejuízos a qualidade do ensino. Esses prejuízos são intensificados e

ressaltados nas instituições públicas de ensino. Isso advém das condições estruturais dos

espaços físicos (muitos estudantes por sala, falta de laboratórios, quadras, salas de

informática, biblioteca, espaço recreativo, de socialização e identificação dos

estudantes, participação ativa da comunidade escolar, entre outros aspectos), das

condições de trabalho e verbas que as escolas públicas possuem.

Para minimizar esses problemas, o II Plano Nacional de Educação - PNE (2014

– 2024) discorre na diretriz IV (melhoria da qualidade da educação) e meta 6 (oferecer

educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a

atender, pelo menos 25% dos alunos da Educação Básica) a adoção de modelos que

modificam currículo, corpo docente e ampliação da jornada escolar (tempo de

permanência do estudante sob responsabilidade da unidade escolar).

Para este trabalho o recorte se dá em duas iniciativas de indução da ampliação da

jornada escolar a partir da perspectiva da Educação Integral, o Programa de Ensino

Integral – PEI - do Estado de São Paulo (2012), que sugere a melhora da qualidade de

ensino a partir da ampliação da jornada escolar na própria unidade escolar, e o

Programa Novo Mais Educação14

- PNME - criado pelo Governo Federal (2017), onde a

ampliação da jornada escolar não se dá, necessariamente, na unidade escolar, podendo

acontecer em espaços privados.

Ao analisar os materiais oficiais disponibilizados pela Secretaria de Educação do

Estado de São Paulo e do Ministério da Educação observamos que não é tratado a

questão do Espaço. Nem o Espaço externo (construção predial, a vizinhança e a

comunidade que ali habita) e nem o interno (espaços dentro da escola como o pátio,

salas de aula, refeitório, quadra, salas multifuncionais, entre outros).

Em conjunto com a análise dos materiais oficiais fizemos uma revisão

bibliográfica com intuito de entender a relação da melhora da qualidade de ensino e

14

Este programa substituiu o anterior, Programa Mais Educação, vigente nos períodos de 2007 a 2016.

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82

ampliação da jornada escolar, bem como a influência do Espaço. Como os programas

citados não discutem com afinco a questão do espaço buscamos nos estudos

relacionados à arquitetura escolar e, constatamos que a falta de interesse ou de

preocupação como Espaço é recorrente em diversos governos, isto é, a anos os espaços

escolares têm sido negligenciados. Verificamos isso a partir dos textos da arquiteta

Lima15

(1989), que traz como exemplo o governo de Adhemar de Barros que tinha

aproximadamente 30 auxiliares administrativos e apenas 02 funcionários na equipe de

planejamento escolar.

Mais Tempo no mesmo Espaço

As iniciativas elaboradas pelos governos federal e paulista agregam em seus

documentos o conceito de Educação Integral. A escola de tempo integral, muitas vezes,

é associada a este conceito, porém, é importante diferenciarmos os dois termos. A

escola de tempo integral é uma escola que tem sua jornada escolar ampliada, isto é, os

estudantes permanecem mais horas na própria unidade escolar ou em outros ambientes

sob responsabilidade da escola. O conceito de Educação Integral refere-se ao tipo de

formação do indivíduo onde o objetivo é aguçar sua capacidade de leitura e

compreensão do mundo e sua relação na sociedade de forma crítica a partir de práticas

pedagógicas amplas.

O PNME e o PEI preocuparam-se na ampliação do Tempo e não se dedicaram

com a mesma intensidade na questão do Espaço. O Espaço é o local onde está a escola e

onde as práticas pedagógicas amplas e significativas irão acontecer. A partir do Espaço

oferecido compreendemos a intencionalidade da escola, pois ele demonstra qual o perfil

do indivíduo que será formado. Ainda hoje as escolas públicas se assemelham aos

modelos do século XIX, com um mesmo padrão na fachada, nas cores, na arquitetura e

organização dos espaços. Essas escolas remontam a ideia de formação do indivíduo

padronizado, alienado, que não está preparado para questionar e transformar a realidade.

O PNME alia oficinas no contraturno escolar, isto é, no período oposto à jornada

regular dos estudantes. Essas atividades também podem ser realizadas aos sábados e

fora do espaço escolar, por exemplo, em praças públicas ou parques, por meio de

trabalho voluntário. Porém, não são todas as escolas que fazem parte do programa,

15

Mayumi Watanabe de Souza Lima (1934-1994) formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade de São Paulo – FAU/USP e debruçou-se nas questões voltadas ao espaço urbano escolar.

Trabalhou a ideia do quanto limitamos os movimentos, desenvolvimento da criatividade e do senso crítico

através das construções dos espaços escolares.

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83

assim como as escolas que fazem parte do programa não oferecem acesso para todos os

alunos. Sem contar que neste ponto ressaltamos a precarização do trabalho ao

transformar os oficineiros em voluntários e, o descaso com relação ao espaço, pois o

programa abre precedentes para o uso de espaços privados a partir das chamadas

parcerias público-privado.

No Estado de São Paulo, além deste programa, há também as escolas de tempo

integral associadas ao PEI que oferecem atividades diversificadas a todos os estudantes

matriculados na unidade escolar. Este modelo prioriza a autonomia dos estudantes, pois

eles podem optar quais atividades complementares, chamadas de disciplinas eletivas,

querem cursar, porém as atividades eletivas ofertadas dependem do tipo de profissional

que a escola possui e todas as atividades ocorrem no mesmo espaço escolar.

Ambos os programas estendem o tempo de permanência do estudante na escola.

Este fator tem gerado a expectativa de melhora da qualidade do ensino. Porém, não

podemos avaliar a qualidade apenas por uma extensão do tempo, visto que muitas

escolas, de ambos os programas, não têm infraestrutura adequada e nem corpo docente

capacitado ou mesmo suficiente.

Paro (1988) e Cavaliere (2009, 2014), acreditam que programas como esses nada

mais são do que simples políticas compensatórias. Levando em consideração o conceito

de Educação Integral, o importante não são as horas de permanência e sim a qualidade

das práticas pedagógicas realizadas neste tempo. Se as práticas pedagógicas que

ocorrem na escola de jornada parcial se manter numa jornada estendida não haverá

aumento na qualidade e sim uma repetição das mesmas práticas. Coelho e Maurício

(2016) já diziam, é ampliar mais do mesmo.

Mesmo com novos rótulos, se a postura dos professores não mudar, as horas

extras não serão bem aproveitadas nem pelos professores e nem pelos estudantes. Paulo

Freire acreditava na mudança do olhar para a educação. Em seu texto de 1987, afirma

que todos os espaços são de aprendizagem e que é necessário práticas pedagógicas que

garantam a interação e construção por ambos.

O primordial para se alcançar uma Educação Integral, seriam as práticas

diferenciadas voltadas à integração e construção dos conhecimentos, bem como o

diálogo e a criticização dos estudantes para se reconhecerem na sociedade. O que irá

trazer maior qualidade às escolas públicas não são apenas a extensão de horas e sim as

práticas pedagógicas. Para isso, é necessário formação/capacitação do corpo docente e

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gestão escolar, conscientização da comunidade escolar, melhoria nas condições dos

espaços físicos e das condições de trabalho.

A lógica mercadológica do Espaço Privado tomando parte no Espaço Público

O Espaço tem poder de influência e transformação para a formação dos

indivíduos. Como o Espaço tem seu valor de mercado, ele não é planejado para o uso

público, pois o uso público não é tão vantajoso quanto o uso privado. Isso se reflete na

localização, tipo do terreno, materiais de construção, formatos e modelos de construção

escolar. Assim, escolas privadas, por exemplo, possuem localização privilegiada, maior

planejamento de construção, questões de estética e os tipos de uso dos espaços da e na

escola são melhor elaborados. Esses elementos se refletem na fachada e no tipo de

público que atende.

Além desta questão, para a população mais favorecida a escola só exerce seu

papel de formação de base. As demais formações e capacitações ocorrem em

contraturnos em cursos de idiomas, atividades esportivas, entre outras, que são

realizadas em espaços privados. Ao propor programas como o PNME e o PEI, o público

das escolas públicas passariam a ter acesso aos produtos e a mesma lógica do mercado.

Desde o início não se organiza ou planeja de modo a subverter o modelo de educação e

apresentação das escolas públicas.

Continuamos construindo sistemas de educação pública voltadas ao trabalhador

alienado que sofre opressão, mas que não consegue se conscientizar desses problemas

que lhe afetam e se rebelar. As escolas públicas ainda exercem o papel de espaço de

realização das políticas compensatórias e reprodução da lógica perversa do sistema

capitalista de produção.

A forma que podemos combater e transformar a sociedade é através da

emancipação dos oprimidos que só acontece com a tomada de consciência que poderá

acontecer a partir da Educação Integral. Para isso, necessitamos de espaços pensados

para isso. Escolas projetadas para proporcionar práticas pedagógicas emancipadoras e

carregadas de significados que levem a formação de indivíduos críticos e presentes na

sociedade.

Considerações Iniciais

No texto aqui apresentado procuramos refletir sobre a estratégia do Ministério da

Educação que consiste na implementação de programas que propõem a melhora da

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qualidade da educação através da indução da ampliação da jornada escolar e

organização curricular na perspectiva da Educação integral. Porém, notamos que houve

pouca preocupação na questão do Espaço.

O foco na concepção da Educação Integral são as práticas pedagógicas dotadas

de significados que possibilitem os estudantes a refletir, analisar e argumentar a respeito

das atividades e relações estabelecidas no espaço escolar. As práticas pedagógicas que

podem dar conta destes objetivos têm diversidade de vivências e experiências que

necessitam de espaços adequados para tal, proporcionando liberdade tanto para os

estudantes quanto para os professores, que também necessitam de formação voltada a

este objetivo. Porém, o que observamos é a falta de interesse dos governantes a respeito

do Espaço escolar.

A prioridade são os valores mercadológicos dos espaços, o que levou as escolas

públicas a se localizarem em terrenos que nem sempre são adequados para esse tipo de

construção. Outro problema é o constante discurso do corte de gastos, que faz com que

a grande maioria das escolas tenham construções prediais que seguem padrões do século

XIX, que não condizem nem com a realidade atual dos estudantes e nem com o perfil de

formação de indivíduos desejados no PNE.

Compreendemos que, diante da concepção de Educação Integral as práticas a

qual os estudantes são expostos são o elemento de transformação e, para que isto seja

possível, o Espaço deve ser pensado para essas novas atividades que visam a expressão,

a autonomia, o não controle e a não padronização. Espaços físicos adequados são

necessários para que aconteçam mudanças nas práticas pedagógicas. Assim, o Espaço

destinado a tal prática no âmbito do ensino público deve ocorrer de modo planejado e

com menor interferência da lógica de mercantilização e privatização dos espaços.

Bibliografias Consultadas

ASSIS, A. E. S. Q.; SILVA, C. M. F. Educação integral, tempo e espaço:

problematizando conceitos. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro/SP, v. 27, n. 56,

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http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/issue/view/1073/show

Toc. Acesso em: 30 de março de 2018.

BRASIL, Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014, aprova o Plano Nacional de Educação

(PNE) e dá outras providências.

CAVALIERE, A. M. Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral. Em

Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p.51-63, abr. 2009.

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_______. Escola pública de tempo integral no Brasil: filantropia ou política de estado?

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COELHO, L.M. C.C.; MAURÍCIO, L.V. Sobre tempos e conhecimentos praticados na

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ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1998.

FARIA, A. B. G. Por outras referências no diálogo arquitetura e educação: na pesquisa,

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em: 30 de março de 2018.

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LIMA, M.W.S. A cidade e a criança. São Paulo: Nobel, 1989.

PARO, V. H.; FERRETTI, C. J.; VIANNA, C.P.; SOUZA, D.T.R. A escola pública de

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:http://www.educacao.sp.gov.br/escola-tempo-integral

GESTÃO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA E PRIVATIZAÇÃO: A

GESTÃO INTEGRADA DA EDUCAÇÃO (GIDE) NAS ESCOLAS

MUNICIPAIS DE MANAUS

EDUCACIÓN PÚBLICA Y GESTIÓN DE LA PRIVATIZACIÓN:

LA GESTIÓN INTEGRAL DE LA EDUCACIÓN (GIDE) EN LAS

ESCUELAS MUNICIPALES DE MANAUS

MATOS, Maria Daise. Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ – UNESP.

[email protected]

HERMINIO, Ana Beatriz. Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ – UNESP.

[email protected]

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Palavras-chave: Escola pública, Privatização, Gestão, Qualidade.

Palabras-clave: Escuela pública; Privatización, Gestión, Calidad.

Introdução

Desde a década de 1990 a educação no Brasil vem passando por uma ampla

reforma educacional, especialmente com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional / LDBEN (Lei nº 9.394/96). Essa reforma redefiniu as

responsabilidades entre os entes federados acerca dos níveis e modalidades de

educação; reorganização escolar, ampliação de dias letivos, tempos escolares, correção

do fluxo escolar, currículos; versatilidade dos currículos do ensino superior, outras

possibilidades de espaços formativos; adoção de provas; exames em larga escala; a

obrigatoriedade escolar; implantação de novos mecanismos de controle e

financiamento; políticas de gestão dos sistemas de ensino e do trabalho escolar;

estabelecimento de diretrizes e metas para a educação.

Tais diretrizes trazem marcas provocadas por um conjunto de reformas vinculadas

às metas de ajustes fiscais exigidas pelos acordos internacionais ao qual o Brasil é

signatário.

Neste sentido a educação brasileira seguiu o modelo de reformas educativas

internacionais nas áreas de avaliação, currículo, gestão, financiamento e formação

docente, implantando políticas, programas e projetos. Ampliou-se o discurso de

melhoria na qualidade da educação por meios de processos avaliativos (gestão

integrada, avaliação externa e interna) métodos capazes de mensurar dados para o

rendimento escolar para além das tradicionais avaliações aplicadas em salas de aula

elaboradas pelo professor, que foram traduzidas em ações como a criação do Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) criado pelo Ministério da Educação -

MEC, que utiliza testes padronizados para aferição quantitativa e qualitativa da

educação nacional.

A partir dessas novas demandas muitos foram os Estados e municípios que

buscaram apoio em parcerias público privadas nesses processos. Assim, surgiram

muitos modelos que geralmente expressam como fundamentação, uma

―pseudodemocratização‖ da gestão educacional, marcadas por princípios de

hierarquização das relações e fragmentação entre planejamento e execução, e que

acabaram por colocar a ênfase do processo educacional no produto, em detrimento do

processo (DIAS, 2004). Esses modelos partem de uma visão da escola como instituição

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que visa apenas o desenvolvimento econômico da sociedade e manutenção do status

quo.

Dentro dessa perspectiva, de caráter neoliberal, o mercado é tido como regulador

das relações sociais, políticas e econômicas e a escola assume a tarefa de preparar

recursos humanos para a organização do trabalho. Assim, permanece a centralização do

poder nas decisões relativas à educação (BASTOS, 1999).

Esse cenário foi determinante para que a Secretaria Municipal de Educação de

Manaus- Semed em parceria com o Instituto Áquila em 2014 implementasse a Gestão

Integrada da Educação (Gide). A Gide tem como finalidade integrar aspectos

estratégicos, políticos e gerenciais à área educacional, objetivando aumentar os

rendimentos escolares com base no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(IDEB) e melhoria na qualidade dos serviços públicos. Essa gestão é aliada às

dimensões gerenciais e pedagógicas com base no método do PDCA (planejar, executar,

verificar resultados e agir corretivamente), um sistema de gerenciamento amplamente

utilizado como ferramenta de controle dos processos de produção nas indústrias. O

Instituto Áquila é uma empresa de consultoria internacional especializada em soluções

avançadas em gestão. Assim, é importante ressaltar que os pressupostos e as intenções

que envolvem essa modalidade de parceria com o setor privado em gestão, garantem a

inserção da lógica do mercado para a educação pública municipal, ocultando interesses

hegemônicos do grande capital, por meio de um sofisticado discurso pedagógico com

promessas de sucesso e ampliação da qualidade da educação e dos serviços públicos de

maneira geral.

A pesquisa aqui apresentada tem abordagem qualitativa ainda em andamento. E

objetiva contextualizar as diretrizes estabelecidas para a gestão escolar manauara a

partir da Gide. Para isso, utilizamos documentos de domínio público e pesquisas

bibliográficas envolvendo gestão, qualidade da educação e privatização das instituições

públicas, que trouxe subsídios para discutirmos as questões relacionadas à gestão

gerencial e o modelo utilizado pela Gide nas escolas municipais de Manaus/AM.

O modelo gerencial brasileiro e a Gestão Integrada da Escola- Gide.

O gerencialismo passa a compor a Nova Gestão Pública a partir da década de

1980 nos Estados Unidos e na Inglaterra, com a finalidade de "liberar as forças do

mercado do controle do estado; liberar o consumidor da carga de impostos; e reduzir o

tamanho, âmbito e custo do estado" (NEWMAN; CLARKE, 2012, p. 354). Para esses

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autores, a integração dos princípios gerencialista na administração pública repercutiram

em profundas mudanças na economia mundial, influenciando na governabilidade dos

países, que passam a utilizar mecanismos baseados nas leis de mercado e no

fortalecimento do capital.

No que refere às concepções de gestão pública gerencialista e sua repercussão,

Lima (2011) esclarece que a concepção taylorista foi sendo substituída por um modelo

supostamente inovador, com o intuito de adicionar à gestão pública uma característica

de modernidade, racionalização e otimização dos serviços prestados a sociedade.

É nesse cenário que o gerencialismo se amplia para os diversos setores da

administração pública brasileira, passando a influenciar a gestão da educação por meio

de políticas de alta performance que se configuram o cenário educacional mundial.

―Trabalhamos e agimos numa frustrante sucessão de números, indicadores de

desempenho, comparações e competições‖ (BALL, 2002, p. 10).

Em 2001 o Plano Nacional de Educação (PNE) é promulgado, pela Lei nº. 10.172

(BRASIL, 2001). Em 25 de junho 2014 entra em vigor o segundo PNE aprovado pela

Lei 13.005, referente ao decênio de 2014-2024, que da mesma forma que o primeiro

estabelece a importância dos sistemas de avaliação em todos os níveis de ensino de

forma a aperfeiçoar os processos de coleta e difusão dos dados e de aprimoramento da

gestão e melhoria do ensino.

Essas ações têm contribuído para o fomento de políticas educacionais de gestão

com características gerenciais e que aos poucos vem sendo adotadas nos estados e

municípios brasileiros para monitoramento das atividades administrativas e pedagógicas

das instituições de ensino visando melhoria nos rendimentos escolares. Ampliaram-se

as parcerias por parte do poder público com instituições privadas fornecedoras de

serviços de consultorias para modernização da gestão nas diversas esferas da iniciativa

pública e de acordo com Freitas (2012):

O conceito de público estatal e público não estatal abriram novas

perspectivas para o empresariado: a gestão por concessão. Desta forma,

aquela divisão fundamental entre público e privado ficou matizada. Agora,

abre-se a possibilidade do público administrado privadamente (FREITAS,

2012, p.386).

Nesse sentido, ainda que os sistemas de ensino continuem ofertando a educação

pública, porém o Estado transfere para a iniciativa privada sua gestão, pagando pelos

serviços prestados.

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As mudanças organizacionais na gestão da escola pública, aliadas ao

aprofundamento da privatização na educação básica brasileira promovem

transformações na gestão educacional, uma vez que ―[...] pretende- se reorganizar o

trabalho à semelhança do que se faz na empresa privada‖ (ADRIÃO e GARCIA, 2015,

p. 432).

Uma das propostas de modernização de gestão escolar encontra-se a Gide, um

sistema que contempla aspectos estratégicos, políticos e gerenciais da área educacional

com foco em resultados, implementada em 2014 na Semed/Manaus pelo Instituto

Áquila. Dentre os objetivos da Gide está a melhoria dos indicadores educacionais, tendo

como referência as metas do IDEB estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC).

Com o advento da Gide, a equipe pedagógica passou a assumir novas tarefas,

aprender novas metodologias e utilizá-las para aferição de dados dos rendimentos

escolares tornando-se fundamental que todos os envolvidos no processo educativo das

escolas se apropriem do funcionamento dos processos dessa nova gestão.

Apesar de figurar um modelo de gestão participativa permitindo o

compartilhamento das ações, a Gide utiliza como base o método do PDCA (planejar,

executar, verificar resultados e agir corretivamente), um modelo de gerenciamento

amplamente utilizado como ferramenta de controle nos processos de produção

industriais no âmbito da gestão da Qualidade Total (TQM). Outra ferramenta utilizada é

a matriz Swot, essa matriz possibilita a escola identificar seus pontos fracos e fortes

(fatores internos) e oportunidades e ameaças (fatores externos) contribuindo para a

escola concentrar suas energias em estratégias e ações que se beneficiem das condições

favoráveis apontadas pelas combinações entre forças e oportunidades, e a agir

preventivamente sobre as condições entre fraquezas e ameaças (GODOY e MURICI,

2009).

Considerações finais

As reflexões feitas nesse estudo evidenciam que o modelo de gestão proposto pela

Gide nas escolas municipais de Manaus é de uma gestão escolar alicerçada nos

pressupostos da racionalidade gerencial, inspirado nas organizações empresariais e no

discurso da eficiência, eficácia e qualidade da educação, imputando a todos os

envolvidos nos processos administrativos – pedagógicos das escolas novas atribuições

para o desenvolvimento de suas atividades que passam a serem norteadas por metas,

indicadores e resultados, cujo princípio de funcionamento advém da necessidade de se

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instituir um controle sistematizado sobre o âmbito educacional, uma vez que o processo

de criação de metas são elaboradas por especialistas em políticas públicas e gestão

governamental da empresa consultora, sinalizando para a mercantilização da educação,

competitividade e perda de autonomia tanto da gestão escolar como dos demais atores

envolvidos nos processos de aprendizagem, bem como refletindo diretamente na função

social da escola.

Essa perspectiva foge daquela com caráter crítico-progressista que tem como

princípio a participação de toda a comunidade escolar na construção e no

desenvolvimento do Projeto Político Pedagógico e não viabiliza a autonomia política,

pedagógica e inclusive financeira, da escola, pois trabalha com a lógica de

descentralização de poder e tarefas relativas à organização e ao funcionamento das

unidades escolares. Dessa forma, o objetivo principal não pode ser a qualidade da

educação, pois sua ocorrência está ligada a participação efetiva da comunidade (PARO,

2003).

Nesse contexto acaba ocorrendo certo movimento pela desobrigação do Estado

com a educação pública, consolidam-se práticas de privatização como solução dos

problemas de ordem pública. Também a valorização do discurso de eficiência total e o

distanciamento da finalidade educativa da escola (PARO, 2003).

As análises parciais, apontam que a intenção da Semed em garantir melhorias na

prestação de serviços públicos, especialmente alcançar maiores índices de rendimentos

escolares por meio da Gide, vem ampliando a presença do setor privado na esfera

pública, além de fomentar uma cultura de gestão empresarial e controle, modificando

todos os processos administrativos pedagógicos das escolas municipais de Manaus.

Referências

ADRIÃO, T; GARCIA, T. Mudanças organizacionais na gestão da escola e sua relação

com o mundo empresarial: aprofundamento da privatização na educação básica

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BASTOS, João Batista (org.). Gestão democrática. Rio de Janeiro: SEPE, 1999

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BRASIL. Lei n.13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação

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LIMA, Licínio. A escola como organização educativa. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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PARO, V. H. Administração escolar e qualidade do ensino: o que os pais ou

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TOSCHI, M S. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez,

2003. (Coleção Docência em Formação).

GOVERNANÇA CORPORATIVA DA EDUCAÇÄO PÚBLICA

NA AMÉRICA LATINA: REFLEXÕES A PARTIR DO BRASIL,

COLOMBIA E CHILE

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GOBERNANZA CORPORATIVA DE LA EDUCACIÓN

PÚBLICA EN AMÉRICA LATINA: REFLEXIONES DESDE

BRASIL, COLOMBIA Y CHILE

Camilla Croso, Mestranda pela Faculdade de Educação da UNICAMP, GREPPE.

[email protected]

Palavras-chave: Governança corporativa; privatização da educação; público-privado;

América Latina

Palabras-clave: Gobernanza corporativa; privatización de la educación; público-

privado; América Latina

Introdução:

A educação é um direito humano fundamental, reafirmado amplamente em

instrumentos no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, além de em

legislações nacionais de toda a América Latina (CLADE, 2015). Esse conjunto de

normativas aponta o Estado como garantidor dos Direitos Humanos, dentre eles o

direito à educação, sendo responsável por respeitá-lo, protegê-lo e realizá-lo de maneira

universal e gratuita.

O reconhecimento do Estado como responsável pelo direito à educação implica a

garantia de sua disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adaptabilidade

(TOMASEVSKI, 2006) considerando, inclusive, a existência de mecanismos de gestão

democrática e controle público sobre as políticas que promovam a participação da

população em processos de debate e toma de decisões. Esse conjunto de pressupostos

relacionado ao papel do Estado na garantia do direito à educação implica a centralidade

do fortalecimento dos sistemas públicos de educação e de mecanismos de regulação do

sistema privado, tal como também preveem as Observações Gerais 5 e 16 do Comitê

dos Direitos da Criança (CROSO, C.; MODE, G. 2016).

No entanto, o que se observa é uma tendência crescente à privatização da

educação pública na América Latina e demais continentes do mundo, seja a partir de

processos relacionados ao financiamento e gestão deste direito, ou então relacionados à

sua dimensão curricular e pedagógica (ADRIÃO, 2018). Há uma crescente

financeirização da educação (ADRIÃO, T. et al. 2015, ARGOLLO, 2016; BASTOS

2013; LEHER e ACCIOLY, 2016; MOTTA et al. 2016; OLIVEIRA 2009; PETERS et

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al. 2015) bem como a presença de lógicas mercantis cada vez mais naturalizadas,

fomentando indústrias e negócios que visam a extração de lucro a partir da educação, de

todos os segmentos sociais.

Nos últimos anos, diversas instâncias das Nações Unidas explicitaram os impactos

negativos da privatização na realização do direito humano à educação. Em seu informe,

o então Relator Especial para o Direito à Educação das Nações Unidas, Kishore Singh

(2015), salientou a responsabilidade do Estado como garantidor do direito, assim como

a educação como bem público que não pode ser reduzida à mercadoria lucrativa,

considerando tanto os princípios e normas que sustentam o direito à educação, como

também os fundamentos da não discriminação, igualdade de oportunidades, justiça

social e equidade.

De forma similar, diversos Comités de seguimento aos diretos humanos das

Nações Unidas emitiram recomendações a 16 Estados em ao menos 29 ocasiões

(GIESCR, 2017), no sentido de coibir o lucro e fortalecer os sistemas públicos de

educação, assegurar a gratuidade educativa, impedir o agravamento da segregação,

discriminação e desigualdade. Com relação ao Brasil, o Comitê dos Direitos de Pessoas

com Deficiência (2015) chamou pelo fim do lucro em instituições privadas que recebem

recursos públicos, bem como da transferência de fundos públicos ao setor privado.

Com relação ao modelo de Estado no qual este processo de mercantilização da

educação vem ocorrendo, Avelar et al (2018) chamam a atenção para as reformas

públicas iniciadas nos anos 1980, que levaram a uma passagem do governo de bem-

estar para o neoliberal, centradas em processos de desregulamentação e privatização e

que instalaram novas formas de organização e implementação de serviços e políticas.

Tal passagem implicou num distanciamento de sistemas centrados no Estado, para

outros que se apoiam em redes de atores institucionais e individuais, ativamente

envolvidos em processos de definição de políticas.

Os atores privados que se consolidam a partir de processos de privatização da

educação atuam também no campo da política, influenciando o debate, o sentido e

conteúdo das políticas educativas, tanto em âmbito internacional como nacional. Esses

atores são empresas, fundações privadas, fundos de investimento, instituições

financeiras multilaterais, redes de empresários, entre outras configurações. (ADRIÃO,

T. et al. 2016; ROBERTSON, S.; VERGER, T. 2012; AVELAR et al 2018; VERGER

et al 2016.)

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Estudos sobre os chamados ―edunegócios‖ têm demonstrado como atores que

visam lucro incidem sobre o debate político educacional, determinando as

problemáticas educacionais e gerando um mercado para seus produtos e serviços

(ROBERTSON, S.; VERGER, T. 2012), além de contribuir para a convergência de

políticas educacionais globais, configurando novos espaços e formas de governança que

existem acima, além e entre nações e estados (ROSA, S. 2013).

Dowbor (2017) coloca a questão da governança no centro do debate, salientando

que problemas de desigualdade e injustiça se manifestam "no sistema, na forma de

organização social, no processo de tomada de decisão da sociedade, a chamada

governança" (p.13). Ele também discute a captura do poder político pelas corporações,

que se configuram como atores centrais que desafiam os Estados nacionais, dada sua

força financeira e presença transnacional, tendo seus acionistas mais poder que os

líderes estatais em determinados casos. Além disso, ele aponta para o que chama de

―caótico poder dos gigantes financeiros‖, ao referir-se à escalada da governança

corporativa. Ele chama a atenção para o fato de que as estruturas de articulação

intercorporativas destes gigantes guardam muita semelhança a governos, no sentido de

exercício de poder político direto.

O fenômeno da governança corporativa é uma preocupação no contexto da

escalada da privatização da educação e da erosão do direito humano à educação e da

gestão democrática. A influência corporativa se dá passando por cima ou à margem de

espaços de deliberação pública, onde se prevê a participação de atores sociais no

processo decisório sobre as políticas públicas, e se apoia em relações diretas no âmbito

público, onde o poder e os interesses corporativos são promovidos. A governança

corporativa afeta diretamente o sentido e conteúdo da política pública, e modifica sua

natureza e orientação de servir ao interesse público (CLADE, 2014; VERGER et al,

2016).

Com relação ao fenômeno na América Latina e Caribe, Croso e Magalhães (2016)

apontam que a governança corporativa:

refere-se à participação direta ou indireta de representantes do setor privado e

da indústria da educação na definição do debate e a agenda política

educacional em todas as instâncias de governo. Essa influência é derivada da

criação de redes de relações sociais entre políticos, servidores públicos e

empresários. De maneira geral, existe uma permeabilidade e uma

movimentação de mão dupla de pessoal entre o Estado e os serviços públicos,

por um lado, e do setor privado por outro, sendo inclusive possível a

ocupação simultânea de cargos públicos e privados, o que constitui um grave

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conflito de interesses e uma gestão em causa própria. Essa dinâmica inerente

à privatização da educação torna mais permeável a presença de atores

privados no setor público (como a eleição de donos de empresas educativas

nos parlamentos ou sua presença em conselhos de gestão) ou de atores

públicos no setor privado (como a presença de funcionários públicos em

redes de empresários pela educação ou em cargos diretivos de corporações)

(CROSO; MODE 2016, p. 22).

Estudo realizado pela Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação

(CLADE, 2014) aponta três modalidades de gestão corporativa:

A primeira refere-se à participação de empresas ou redes de empresários na

elaboração da agenda educativa regional e nacional; a segunda refere-se à

presença de programas desenvolvidos pelo setor empresarial nas políticas

educativas do país; e a terceira refere-se à presença direta deste segmento em

instancias públicas e em posições estratégicas para a definição da agenda, o

que implica um conflito de interesses (CLADE, 2014, p.61).

Nesse contexto, faz-se necessário estudar em maior profundidade o fenômeno da

governança corporativa no âmbito da política educacional. O presente trabalho parte da

hipótese de que o setor privado corporativo vem crescentemente ocupando instâncias de

governo relativas à educação, consolidando uma governança corporativa das políticas

educativas, o que debilita a realização do direito à educação e o exercício da

democracia. Nesse sentido, visa conceituar, caracterizar e verificar como vem sendo

implementada a gestão corporativa da educação em três países da América Latina com

extenso histórico de privatização educativa: Brasil, Chile e Colômbia. Isso implica

compreender quais as instancias de governança corporativa nos três países, os atores

corporativos envolvidos, e as implicações para a efetivação do direito à educação.

Metodologia:

Para a realização do estudo, se considerará uma revisão bibliográfica e

documental entre 2000-2019, considerando o período após o Pacto Mundial das Nações

Unidas em 2000 (que articulou o setor privado corporativo em torno à busca do

desenvolvimento sustentável) e a Conferência Mundial de Educação para Todos (Dakar,

2000), uma vez que estudos prévios da CLADE com o IIPE Unesco Buenos Aires

(2007) apontam que a Conferência foi importante para uma fase de aprovação de novas

Leis Gerais de Educação mais sintonizadas com uma perspectiva de educação como

direito humano fundamental, ainda que, como comprova a literatura, processos de

privatização educacional estiveram fortemente presentes na região da América Latina

como em outras partes do mundo nas últimas décadas do século passado.

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O trabalho será de natureza qualitativa, a partir de uma abordagem multi casos,

focando o Brasil, a Colômbia e o Chile. Contará com uma revisão da literatura sobre

privatização da educação, com ênfase na governança corporativa educacional; uma

pesquisa documental por internet; além de entrevistas semiestruturadas com atores

diretamente relacionados ao objeto de estudo nos três países estudados.

O trabalho pretende contribuir conceitualmente com a produção de conhecimento

no campo educacional, a partir de uma reflexão teórica e empírica sobre a governança

corporativa. Ainda que o principal objeto de estudo seja a realidade Latino-americana, o

estudo também levará em conta expressões globais de governança corporativa, e quer

contribuir com o debate para além desta região.

Discussão dos resultados:

O trabalho encontra-se em etapa inicial de desenvolvimento, tendo avançado

especialmente na conceituação sobre governança corporativa da educação, bem como

no fenômeno da financeirização da educação e da expressão desta governança em

âmbito global. Observa-se que o fenômeno da governança corporativa está mais

teorizado e descrito em países fora da América Latina, sendo Ladislau Dowbor um dos

principais destaques no Brasil e nesta região no que tange este assunto.

Com relação à revisão documental de instâncias internacionais, pode-se observar a

crescente naturalização do setor corporativo privado como ator central na definição das

políticas públicas, inclusive educacionais. No campo educativo, a crescente influência e

legitimidade deste setor fica explícito principalmente nas múltiplas iniciativas do ex

primeiro ministro de Grã-Bretanha, Gordon Brown, em especial a Comissão de

Financiamento, a qual lançou duas inciativas marcadamente do campo da

financeirização da educação: a IFFed (International Financing Facility for Education) e

o EOF (Education Outcome Fund). Além disso, o ex primeiro ministro lidera uma

coalizão de empresários pela educação (a Global Business Coalition for Education), que

integra o Comitê Diretivo da Aliança Mundial pela Educação (Global Partnership for

Education- GPE). Por sua vez, a GPE lançou dois documentos centrais para o campo da

privatização da educação e da governança corporativa: um mapeamento do setor

privado educacional em escala global, e uma estratégia do setor privado no âmbito desta

Aliança. Não fosse a resistência da sociedade civil no Comitê Diretivo desta aliança,

ter-se-ia aprovado, em junho deste ano, o uso de recursos públicos da cooperação

internacional para financiar o setor privado com fins lucrativos. Ainda com esta

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resistência, foi aprovado, durante esta mesma reunião, a criação de um assento adicional

para o setor privado no Comitê Diretivo da Aliança, ampliando sua influência.

Vale ressaltar que a influência do setor privado no âmbito das Nações Unidas vem

de longa data, principalmente com a instituição do Pacto Global em 2000, que visava

encorajar empresas a adotar políticas de responsabilidade social corporativa e

sustentabilidade (https://www.unglobalcompact.org/what-is-gc). Este ano, as Nações

Unidas deram um passo decisivo em aprofundar sua relação com o setor corporativo:

assinaram um memorando de entendimento com o Fórum Mundial Econômico que

coloca o risco do próprio sistema ONU como um todo transformar-se em uma parceria

público privada (GLECKMAN, 2019). Em 2009, este mesmo Fórum Mundial

Econômico lançou um informe de 600 páginas conhecido como Global Redesign

Initiative, considerado pelo Centro de Governança e Sustentabilidade de Boston como a

proposta mais completa para redesenhar a governança global desde a formação das

Nações Unidas após a segunda guerra mundial16

. Este informe, segundo Gleckman

(2019), convoca um novo Sistema de governança global onde as decisões dos governos

podem ser secundárias com relação às iniciativas lideradas pelas corporações.

Conclusão:

O trabalho aponta para a consolidação de governança corporativa no âmbito da

educação, bem como de outras políticas sociais, em sintonia com uma reconfiguração da

governança global que pode ser aferida pelo sentido dado às Nações Unidas, de maneira

geral, e certos atores que atuam e incidem na esfera internacional. Esta reconfiguração

do papel das corporações com relação ao papel dos Estados ganha expressão no campo

da educação seja em escala global, seja em escala nacional.

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IMPLANTAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS NA REDE

ESTADUAL DE ENSINO DA PARAÍBA

IMPLANTACIÓN DE ORGANIZACIONES SOCIALES EM LA

RED ESTATAL DE ENSEÑANZA DE PARAÍBA

Ana Cláudia Cavalcanti de Araújo (UFPB) [email protected]

Felipe Baunilha Tomé de Lima (UFPB) [email protected]

Francisco Alex Pereira Soares (UFPB) [email protected]

Luiz de Sousa Junior (UFPB) [email protected]

Palavras-chave: Gestão escolar, Organizações Sociais, Paraíba.

Palabras- clave: Gestión escolar, Organizaciones Sociales, Paraíba.

Introdução

As reformas educativas com foco no mercado ganharam destaque a partir da

crise enfrentada pelo capitalismo mundial, que pode ser atribuída ao esgotamento da

administração keynesiana e do Estado de bem-estar social e do modelo de acumulação

taylorista/fordista. As transformações ocorridas no padrão tecnológico, informacional,

organizacional e gerencial no âmbito do trabalho resultaram em novos métodos de

administração dos sistemas educacionais em todo o mundo.

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101

O modelo de organização do trabalho taylorista/fordista foi considerado

extremamente rígido, e articulava a produção em massa, o parcelamento das tarefas, a

introdução da esteira mecânica que permitia um maior controle do ritmo de produção, a

padronização das peças, e o pagamento de melhores salários que garantia o consumo em

massa (MESKO, 2018).

A partir da década de 1960, ocorre a saturação desse modelo, despontando nesse

cenário a competição com a indústria japonesa e as crises do petróleo, provocando

mudanças na organização industrial, passando para um novo regime chamado de

toyotismo ou acumulação flexível, que reúne os instrumentos tecnológicos, de

comunicação e financeiros com novas roupagens para acumulação do capital, e que foi

fortemente intensificado com o processo da globalização, abrangendo novos setores e

regiões geográficas (HARVEY, 2014).

A acumulação flexível, para superar a rigidez do sistema taylorista/fordista e

atender, de forma ágil, as necessidades do mercado que agora são mais amplas, e mais

facilmente cambiáveis, ―[...] apóia-se na flexibilidade dos processos de trabalho, dos

mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo‖ e resultam no surgimento de

setores da produção inteiramente novos, mercados e, sobretudo,‖ taxas altamente

intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional‖ (IBIDEM, p. 140).

Para empreender essas novas exigências do mundo do trabalho foram

necessárias reformas educativas que foram implementadas, com maior ou menor

intensidade, em diferentes países, tendo como alvo a formação de sujeitos com novas

habilidades e competências desejadas pelo mercado globalizado. Assim, o ensino

baseado em habilidades interpessoais ―educa peças de engrenagem e enquadram-se no

maquinário corporativo de modo a garantir os lucros crescentes‖ (SPRING, 2018, p.

133).

No Brasil, a partir da década de 1990, foram disseminados aparatos jurídicos e

políticas públicas que efetivaram as reformas educativas, destacando-se novos formatos

de financiamento, políticas de avaliação externas e mudanças curriculares. O resultado

foi um redesenho da atuação do Poder Público na educação, com redução da atuação do

Estado, mas permanecendo como financiador e avaliador das políticas sociais e de um

conjunto de atividades ou serviços que permaneçam sob tutela do Estado e passam a ser

geridos pela lógica de mercado (ADRIÃO; PERONI, 2009).

Este artigo apresenta a implantação de Parcerias Público-Privadas (PPP) na rede

estadual de ensino da Paraíba. O estudo de natureza bibliográfica e documental, de

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caráter descritivo, apresenta os mecanismos de implantação de Organizações Sociais

(OS) na rede e o seu sistema de controle e monitoramento.

Público não-estatal e parcerias público-privadas

Na configuração de público não-estatal a natureza da propriedade é redefinida. De

acordo com Adrião e Peroni (2009), a mudança se dá através de dois movimentos: da

alteração do status jurídico de uma instituição estatal logo pública, que passa a ser de

direito privado, ou por meio da instituição de parcerias entre o Estado e instituições

privadas sem fins lucrativos, genericamente identificadas como integrantes do Terceiro

Setor para a execução das políticas sociais. Com as modificações ocorridas no cenário

político e econômico no Brasil, a partir da década de 1990, a relação público-privado

alcançou uma nova configuração no debate nacional, apresentando um novo formato na

execução das políticas sociais, destacando-se medidas de instituição de um modelo de

quase-mercado educacional, através das chamadas Parcerias Público-Privadas.

Para Newman (2001, citado por ROBERTSON e VERGER, 2012) as parcerias

surgiram como um mecanismo para minimizar os danos causados por formas anteriores

de privatização, ainda que sem abandoná-las, permitindo enquadramentos, interesses e

objetivos múltiplos. O renascimento das parcerias estava ligado a mudanças que

ocorreram de forma mais amplas em direção a uma terceira via, que representaram tanto

um corretivo para a forte presença do Estado quanto pela ausência do mesmo, com a

privatização, agindo assim como um canal, permitindo o aproveitamento de valores de

cada parceiro, a serem capitalizados no futuro.

A transferência da responsabilidade da oferta das políticas sociais, e

especificamente das políticas educacionais, da esfera estatal para os setores privados é

chamada, ideologicamente, de ―parceria‖ entre o Estado e a sociedade civil, com o

Estado contribuindo, financeira e legalmente, para propiciar a participação da sociedade

civil (MONTAÑO, 2010).

Nesse contexto as parcerias entre o público e o privado passam a ser priorizadas

pela legislação brasileira. A Emenda Constitucional n° 19, de junho de 1998, autorizou

as mais variadas formas de parcerias, admitiu a destinação de recursos públicos para a

esfera privada. A Lei Complementar n° 101, de maio de 2000 regulamentou a EC n° 19,

estabelecendo normas para as finanças públicas voltadas para a responsabilidade na

gestão fiscal. E, em 2004, a Lei nº 11.079 instituiu normas gerais para a licitação e a

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103

contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos estados,

do Distrito Federal e dos municípios.

Adrião (2017) enquadra em três dimensões as formas de operacionalização nos

diferentes contextos em que a educação básica está submetida, que são: a privatização

da oferta educacional, a privatização do currículo e a privatização da gestão da

educação. No Estado da Paraíba, a o governo estadual adotou a política de contratar OS

para trabalhar a gestão administrativa das escolas estaduais.

As PPP são resultantes, portanto, do distanciamento do Estado da oferta direta

da educação, mantendo seu foco no financiamento aos provedores (através de vales ou

subsídios) e atuando na esfera da regulação e da avaliação dos serviços educacionais, o

que contribuiu para a transformação do setor educacional, aumentando a autoridade dos

atores privados envolvidos (ROBERTSON e VERGER, 2102).

Emerge dessa nova situação a possibilidade de uso dos seguintes mecanismos: o

contrato de gestão e o termo de parceria. O contrato de gestão é considerado um

dispositivo jurídico que inaugura a possibilidade de compromisso institucional entre o

Estado e uma entidade pública estatal (agências executivas) ou uma entidade pública

não-estatal (organizações sociais). Os contratos de gestão são uma maneira do Estado

transferir suas responsabilidades, por meio de OS, sem, contudo, continuarem

submetidos às exigências administrativas da administração pública. Transferir a gestão

de escolas e sistemas de ensino para o setor privado como forma de ampliar o mercado

educacional é o objetivo das mudanças sugeridas segundo (ADRIÃO, 2013).

As leis 9.637/98 e 9.790/99 criaram a figura jurídica de Organizações Sociais

(OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Estas foram

assim habilitadas a estabelecer uma relação contratual com o Estado para

implementação e gestão de políticas públicas e ações governamentais. Montaño (2010)

chama atenção para a problemática de tais organizações, consideradas como integrantes

da sociedade civil, ser tanto executoras como fiscalizadoras das políticas públicas.

Resultados

Na Paraíba, o contrato de gestão com as OS foi implantado com base na Lei

9.454, de outubro de 2011, que dispõe acerca da contratação de entidades para a gestão

pactuada das ações e serviços de apoio escolar em unidades escolares da Secretaria de

Estado da Educação. Atualmente conta com a participação de duas OS: a Espaço

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Cidadania e Oportunidades Sociais – ECOS, e o Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão

em Saúde – INSAÚDE.

Para concretizar a gestão das ações e serviços de apoio escolar, a rede de ensino

foi dividida em quatro grupos, com dois lotes cada, para fomentar a competição entre

eles, totalizando um total de oito lotes. E, para a constituição desses lotes foram

selecionadas as dimensões do perfil da unidade escolar, do desempenho, da

infraestrutura e do ensino oferecido, correspondendo para cada dimensão algumas

variáveis que podem ser observadas no quadro a seguir:

Quadro 1: Dimensões e Variáveis para a Gestão Pactuada

DIMENSÃO VARIÁVEL

Perfil da Unidade

Escolar

Quantidade de salas

Quantidade de alunos matriculados

Custeio

Desempenho

Média de proficiência do IDEPB do 1° ano do Ensino Médio de

2016

Média de proficiência do IDEPB do 3° ano do Ensino Médio de

2016

Média de proficiência do IDEPB Anos Iniciais 2016

Média de proficiência do IDEPB Anos Finais 2016

Taxa de Aprovação 1° ano do Ensino Médio de 2015

Taxa de Aprovação do 3° ano do Ensino Médio de 2015

Taxa de Aprovação do 5° ano de 2015

Taxa de Aprovação do 9° ano de 2015

Nota do IDEB Anos Iniciais 2015

Nota do IDEB Anos Finais 2015

Infraestrutura

Proporção de equipamentos Adequados

Sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional

Especializado (AEE)

Refeitório

Sala de Leitura

Banheiro com acessibilidade

Área verde

Biblioteca

Dependências e vias adequadas a alunos com deficiência ou

mobilidade reduzida

Laboratório de ciências

Laboratório de informática

Auditório

Quadra de esportes

Pátio

Laboratório de matemática e/ou robótica

FONTE: Edital de Seleção Pública OS Nº 001/2017/SEAD/SEE

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105

O critério para a escolha das variáveis, em cada dimensão, proporcionou que

cada grupo captasse as características específicas das diferentes regiões da Paraíba,

apresentando escolas semelhantes com características homogêneas em cada grupo, e,

heterogêneas em relação aos outros grupos, garantindo, dessa forma, o equilíbrio e

estimulando a competição administrada em cada grupo.

No que se refere ao desempenho das atribuições da OS, durante a vigência do

Contrato de Gestão, serão analisadas o cumprimento de diversos objetivos, tais como

suporte à educação inclusiva, ao professor, ao secretariado, suporte pedagógico e

suporte de TI, acompanhamento pedagógico ao aluno, alimentação, limpeza, segurança,

manutenção, gestão dos espaços pedagógicos, de estoques, de RH, prestação de contas e

gestão financeira. A avaliação do cumprimento das metas do contrato de gestão será

feita a partir de indicadores que remetem ao consumo pelos estudantes/clientes, tais

como Índice de Clima Escolar – ICE; Índice de satisfação do Atendimento ao Público;

Índice de satisfação da Merenda Escolar – IME; Índice de Equilíbrio Financeiro – IEF;

Índice de Suporte de TI; Índice de Segurança Escolar e; Sistema Estadual de Avaliação

da Educação da Paraíba – Avaliando IDEPB.

Na prática, as escolas estaduais passaram a ser geridas por essas instituições

privadas, as quais terão que responder não apenas por metas administrativas, mas

também por metas de desempenho (rendimento) escolar. A remuneração do corpo

dirigente das OS terá uma parte fixa (70%) e outra variável (até 30%). O recebimento da

parte variável decorrerá de cumprimento das metas esboçadas no plano de trabalho.

Logo, as OS irão determinar o ―ritmo‖ da produção escolar, para usar uma linguagem de

mercado.

Considerações finais

A relação público/privado, no contexto das políticas educacionais, reforçada pelas

transformações ocorridas no mundo do trabalho e nas reformas da administração

pública, iniciadas na década de 1990, ganhou novos desenhos e concretizou-se em

diversas formas de parcerias, destacando-se as Organizações Sociais.

A adoção do contrato de gestão com Organizações Sociais na rede estadual da

Paraíba ainda se encontra em seus primórdios e com resultados incertos. Chama a

atenção a pouca transparência na execução do contrato e, sobretudo, quanto ao repasse

dos valores financeiros paras as duas OS, alcançando a cifra aproximada de 234 milhões

de reais. Todavia, já emergem nos órgãos da imprensa diversas denúncias sobre

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106

malversação dos recursos, o que levou o atual governo a decretar novas regras para

contratação de futuras OS.

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governança global da educação. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 121, pp. 1133-1156,

out-dez. 2012.

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O DESCONHECIMENTO DOS GESTORES SOBRE O IMPACTO

DA POLÍTICA NEOLIBERAL NA ESCOLA PÚBLICA

BRASILEIRA

EL DESCONOCIMIENTO DE LOS GERENTES DEL IMPACTO

DE LA POLÍTICA NEOLIBERAL EN LA ESCUELA PÚBLICA

BRASILEÑA

SIMIONI

17, Sônia Maria Rodrigues - FFCLRP/USP-Ribeirão Preto

[email protected]

CARDOSO18

, Danielle Batista - FFCLRP/USP-Ribeirão Preto

[email protected]

Palavras-chave: Gestores. Escola pública. Política pública.

Palabra- clave: Gerentes.Escuela pública. Politica pública

Introdução

A aviltante postura de governos diante da educação pública, seu manifesto

descompromisso para com seus governados,avulta-se sobretudo como uma questão

imoral e ilegal do ponto de vista ético e humano.

Esse cenário, que claramente infringe a CF/1988, vem sendo construído desde

a década de 1990, sob a égide de uma política educacional afinada com preceitos

neoliberais, e consolidou a educação pública em moeda de troca. Em outras palavras:

em nome da lucratividade do mercado e das grandes corporações, esses governos, ainda

que democraticamente eleitos, descumprem os preceitos legais negando uma formação

pública e gratuita a toda a população.

Cumpre lembrar que é dever do Estado zelar pela formação de seus cidadãos

garantindo ―[...] pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho‖ (BRASIL, 1988).

17

Pós -doutoranda em Educação -DEDIC 18

Mestranda em Educação - DEDIC

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Há um contrassenso generalizado ao que está posto em legislações e

documentos pertinentes a esta questão; se por um lado a escola é ‖para todos‖, quando

nos reportamos ao Movimento de Educação para Todos‖ – que culminou na

democratização do ensino, marcadamente nos anos de 1990 –, por outro, a entrada da

iniciativa privada no sistema público de ensino,antes de responsabilidade única e

exclusiva do Estado, nos deixa a certeza de que vivemos momentos sombrios de

retrocesso de nossas políticas sociais.

Nos lugares por onde o ―rolo compressor‖ dessas políticas econômicas e

capitalistas passa e onde estasse instalam, existem pessoas que, contrariando essas

corporações que vêem na escola um negócio de rentabilidade, concebem a educação

como instrumento essencial para a formação da sociedade.

Neste sentido, algumas reflexões orientam o desenvolvimento deste trabalho:

a) Quais as condições e o que pensam os protagonistas (professores, gestores e demais

profissionais do magistério) que atuam na linha de frente em defesa de uma escola

pública e gratuita? b) Como a gestão percebe esse processo de relação da oferta

educacional num modelo de ensino com a presença de parceiro público privado? Qual a

incidência dessa parceria nas condições efetivas do docente?

Este trabalho consiste em um recorte de duas pesquisas em andamento no

GREPPE Ribeirão Preto: a) Cardoso (2019) (Estudo 119

) realiza uma investigação

diante do modelo de escola de tempo integral com participação de um ator privado,

indagando como os gestores compreendem esse modelo, sendo o campo de pesquisa o

estado do Mato Grosso; e b) Simioni (2019) (Estudo 220

) realiza seu estudo na rede

estadual de São Paulo onde investiga as condições de trabalho, modelo de gestão e

saúde.

Os objetivos foram:

Geral: Averiguar em duas pesquisas em curso a incidência da política

neoliberal ao implementar projetos educacionais com a presença de ator privado, na

visão do gestor da escola pública.

Específicos

Verificar a percepção dos gestores que atuam em escola de tempo

integral em relação à parceria público/privado;

19

Pesquisa em andamento intitulada: ―Gestão Escolar e a implementação do modelo de escola plena na

rede estadual de Mato Grosso‖ 20

Pesquisa em andamento intitulada: ―Gestores escolares: condições de trabalho, modelo de gestão e

saúde‖

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Observar a percepção dos gestores em relação à presença do setor

privado no seu cotidiano escolar.

Em ambos os estudos, houve o predomínio da investigação qualitativa21

. Para

contemplar os objetivos, os procedimentos metodológicos da pesquisa de Cardoso

(2019) utilizaram como instrumento para coleta de dados a entrevista. Para tal a

pesquisadora se deslocou ao campo de trabalho dos participantes a fim de levantar seus

dados, por meio de entrevista gravada, e os participantes assinaram o TCLE. Por sua

vez, Simioni (2019) utilizou como instrumento formulários online (Google Forms)22

, e

sua coleta de dados foi realizada por meio de e-mail e WhatsApp. Os participantes

receberam um link e, antes de responder ao formulário, tomavam ciência do estudo e,

por meio do TCLE, faziam a leitura – se estivessem de acordo em participar, colocavam

um ―x‖ no campo ―Concordo em participar da pesquisa.‖

Participantes: a) 6 participantes que atuavam em uma escola de tempo integral;

b) 6523

participantes gestores da rede estadual paulista, em cidade de

médio porte localizada na região nordeste do estado de São Paulo.

Quanto aos aspectos éticos, as duas pesquisas foram submetidas e aprovadas

pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade de São Paulo-

USP – Ribeirão Preto-SP, sob os números: CAEE nº 98228918.9.0000.5407CAEE nº

00513718.6.0000.5407.

Discussão dos resultados

No Estudo 1, as entrevistas revelam o desconhecimento da presença do ator

privado como parceiro até o ato da implementação do projeto na unidade escolar.

Questionados sobre a parceria com o ICE,o conhecimento que eles tinham sobre o ator

privado, um deles, o orientador pedagógico, respondeu:

Não, na verdade eu não conhecia o ICE, eu tive conhecimento apenas lá

nessa formação (ORIENTADOR PEDAGÓGICO, 2018).

E, em seguida, o diretor da unidade escolar:

Não, primeira vez. Somente nesse momento que fiquei sabendo

do ICE. No ato de ser descoberto, não tinha essa informação.

21

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação. 22

―O Google Forms é um serviço gratuito para criar formulários online. Nele, o usuário pode produzir pesquisas de

múltipla escolha, fazer questões discursivas, solicitar avaliações em escala numérica, entre outras opções. [...].‖

Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/2018/07/google-forms-o-que-e-e-como-

usar-o-app-de-formularios-online.ghtml> 23

A pesquisa está em fase de coleta de dados, o número de participantes poderá chegar a

aproximadamente 120.

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Só se sabia que a ideia foi a partir do ICE, que eles consultaram esse modelo, mas não que eles fariam esse atendimento ao longo do ano. Isso

foi conhecido na hora da formação, naquela semana que todo mundo foi

para lá.

Já para a coordenadora da unidade escolar:

Não. Não me recordo de terem falado do ICE. A SEDUC mandou o material

para estudar para uma prova,e aí nós vimos que nesse material falava da

escola que é modelo do ICE de Pernambuco, ali que fomos percebendo que

tinha alguém no meio, mas assim não que veio alguém explicar, não me

recordo disso não, em Cuiabá fomos fazer a formação e fomos apresentados

sobre o ICE, como que trabalhava.

Segundo um dos orientadores pedagógicos entrevistado:

Não, quando eu entrei,o ICE não estava mais, pelo que eu fiquei sabendo

eles foram contratados para implementar o projeto, como o ano passado

todo eles deram esse suporte, eu não sei que cargas d'água o governo cortou

essa consultoria ou assessoria.

Quadro 1 –Gestão e parceria público/privadas

Estudo 2

3.1.2 – Relevância sobre o cargo/função na perspectiva da comunidade escolar e parceria com

iniciativa privada, pública e instituições filantrópicas

3.1.2.1 Questão: Você tem conhecimento se existem parcerias com a iniciativa privada (empresas)

nas escolas da rede estadual?

Participantes 65 –

Que responderam esta questão: 62

Definitivamente verdadeiro 4,8%

A maioria das vezes verdadeiro 17,7%

Não sei 6,5%

Definitivamente falso 41,9%

A maioria das vezes falso 29%

Fonte: elaborado pela autora.

Observa-se pelo quadro 1 que 41,9% dos gestores participantes não têm

conhecimento sobre a privatização da escola pública, ou seja, acreditam que o setor

privado não está atuando no setor público. Além desses, 29% afirmaram ser falso, 6,5%

não sabem e 22,5% têm essa compreensão sobre o agente privado parceiro da educação

pública.

Os dados, tanto do Estudo 1 como do Estudo 2, apresentam resultados

semelhantes. No Estudo 1, há um desconhecimento da equipe da gestão da unidade

escolar entrevistada sobre a presença do ator privado até o momento de implementação

do projeto na unidade escolar.

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Já no Estudo 2, 41,9% dos participantes foram categóricos ao responderem que

não existe nenhuma forma de parceria do setor privado com o setor público.

Tais evidências nos revelam que as decisões políticas não perpassam o

universo da prática docente e da gestão da escola.

A oferta da educação pública no contexto atual

No contexto global das reformas na educação, Stephen Ball (2002) aborda a

respeito de como determinadas ―tecnologias políticas‖ estabelecem novas identidades,

inclusive para os professores, novas formas de interação e novos valores.

Novos papéis e subjetividades são criados conforme os professores são ―re-

trabalhados‖ como produtores/ proporcionadores, empreendedores

educacionais e gestores e são sujeitos a avaliações/apreciações regulares, a

revisões e comparações do seu desempenho. Novas formas de disciplina são

colocadas pela competição, eficiência e produtividade. E novos sistemas

éticos são introduzidos, baseados no auto-interesse institucional,

pragmatismo e valor performativo (BALL, 2002, p. 7, grifos do autor).

Dessa forma, a atividade do docente consiste nos excelentes desempenhos

obtidos com os resultados das avaliações e com isso implica automaticamente a

avaliação e o desenvolvimento da eficiência da gestão escolar.

Segundo Ball (2002, p. ), ―[...] não é tanto, ou não só, uma estrutura da

vigilância, mas um fluxo de performatividades tanto contínuas como acidentais‖ [...], e,

assim, a questão não é mais apenas a da ―certeza de ser sempre visto, observado como

num ―panóptico‖ (BALL, 2002, p. 10, grifos do autor), mas também de ser

repetidamente avaliado.

Para Ball (2004), existe uma cultura de performatividade competitiva que

produz novos perfis institucionais, envolvendo uma combinação de descentralização,

alvos e incentivos inspirados em teorias econômicas recentes e práticas industriais.

É possível compreendermos que o processo de privatização da educação nas

escolas brasileiras é historicamente de um período recente. Entretanto, a proposta vem

ganhando fôlego e se propagando por todo o país como um ideal de educação de

qualidade que, em parceria com instituições privadas, alcança resultados que o próprio

estado isoladamente não alcançaria.

O fracasso de reformas educacionais que se destinam a instituir grandes

mudanças na sociedade consiste ―no fato de as determinações fundamentais do sistema

do capital serem irreformáveis‖ (MÉSZÁROS, 2008,p. 27, grifos do autor).

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É fundamental, entretanto, olhar para o atual contexto histórico das reformas

educacionais e pensar no embate que a educação enquanto política pública enfrenta em

um contexto crescente de parceiros públicos privados.

Neste tempo cheio de contradições, ambas as pesquisas em curso se propõem a

analisar a atual conjuntura política educacional em que se constitui a oferta da educação

ora com a presença de atores privados, levando em consideração as condições efetivas

do trabalho docente e da gestão escolar.

Conclusão

Diante dos resultados apresentados em ambos os estudos, podemos apresentar

duas situações para a reflexão;

1) Uma dicotomia entre a política educacional proposta em legislações e em

discursos políticos e os ideais da política econômica no âmago da escola cujo cotidiano

se mostra travestido de um pseudo compromisso com a melhoria na qualidade da

educação pública.

2) O desconhecimento e a desinformação sincronizados com o intuito exclusivo de

fazer com que os gestores das escolas não se dêem conta desse processo de

privatização/precarização que vem mascarado de uma política bem-intencionada, mas

que na realidade é fragmentada, tendenciosa e descontinuada.

Reconhecemos que o momento atual é preocupante, por atravessarmos uma

crise sem precedentes quanto à garantia de uma educação pública, gratuita e de acesso

para todos. Assistimos a um verdadeiro desmonte do sistema público de ensino em

nome da lucratividade de um sistema econômico capitalista perverso.

Nesse contexto, faz-se necessária a bandeira da resistência por entendermos ser

relevante instruir as populações sobre os bastidores dessa política neoliberal de

financeirização da educação. Todavia, para que isso faça sentido, é essencial o

investimento humano em pesquisas e na formação das massas, mesmo sabedores do

sucateamento e de um orçamento público para educação acintosos.

Referências

BALL, S. Reformar escolas/reformar professores e os terrores da performatividade.

Revista portuguesa de educação, v. 15, n. 2, p. 3-23, 2002.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação. Tradução

Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto,

Portugal: Porto, 1994.

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113

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. 2.ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A

CULTURA - UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos

(Conferência de Jomtien-1990). Tailândia: Unesco, 1990. Disponível em:

<https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-

conferencia-de-jomtien-1990>. Acesso em: 10 maio 2019.

O MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO COMO EXPRESSÃO

DAS PRIVATIZAÇÕES DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

EL MOVIMIENTO TODOS POR LA EDUCACIÓN COMO

EXPRESIÓN DE LA PRIVATIZACIÓN DE EDUCACION EN

BRASIL

COSSETIN, Márcia (ICHS/UFMT). E-mail: [email protected]

DOMICIANO, Cassia Alessandra (ICHS/UFMT). E-mail: [email protected]

Palavras-Chave: Políticas Educacionais; Privatização; Todos pela Educação.

Palabras-clave: Políticas Educativas; Privatización; Todos por la Educación.

Introdução

O presente texto apresenta resultados de pesquisas desenvolvidas na área de

políticas educacionais, que versam sobre a privatização da educação pública brasileira.

Além disso, faz parte de estudos e pesquisas em andamento no projeto intitulado de

―Mapeamento das ações adotadas por municípios matogrossenses para educação básica

pública frente à Lei De Responsabilidade Fiscal (2005-2020)24

‖ que investiga, entre

outros elementos, a atuação do setor privado no estado de Mato Grosso.

Tratamos, especificamente, da caracterização do denominado movimento Todos

pela Educação – TPE – sua configuração como articulador entre o setor público

educacional e instituições privadas, tais como: Organizações não Governamentais

24

Projeto PROPeq nº 225/2019.

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(ONGs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações

ligadas às grandes empresas, instituições filantrópicas, entre outras.

As perspectivas de ação dessas organizações nos diversos Governos brasileiros,

desde a década de 1990 até a atualidade, foram construídas a partir de articulações e

vinculações econômicas, políticas e ideológicas que engendraram legislações

específicas25

que fizeram com que o empresariado nacional pudesse criar espaços de

definição e atuação direta na educação pública no Brasil.

As denominadas parcerias público-privadas – PPP – que entendemos como o

processo de privatização da educação por apresentar a destinação de recursos públicos,

definição e efetivação das políticas educacionais mediante instituições privadas, ainda

estão em processo de implantação no Brasil. Diante disso, como exemplo, trazemos o

anúncio recente, (05/07/2019), da articulação da Secretaria de Estado de Educação de

Mato Grosso – Seduc – e o movimento Todos pela Educação.

Para elaboração do texto ora apresentado, realizamos pesquisa documental, em

que a análise de documentos é aspecto central. A opção por este tipo de pesquisa deve-

se ao fato de se constituir uma fonte rica e estável de dados (GIL, 2002) e ainda, por

contemplar o objetivo delineado nesta investigação.

O TPE e a Definição das Políticas Educacionais

Oficialmente, o movimento Todos pela Educação (TPE) foi criado no ano de

2006 e apresenta-se como um movimento com a missão de ―[...] engajar o poder público

e a sociedade brasileira no compromisso pela efetivação do direito das crianças e jovens

a uma Educação Básica de qualidade‖ (TPE, 2015, p. 4). Denomina-se como uma

associação sem fins econômicos ou lucrativos, com caráter privado, de natureza

filantrópica, com sede no estado de São Paulo e não apresenta tempo de duração

determinado (TPE, 2015).

Designa-se como apartidário e plural, desse modo, afirma formar-se por

representantes de diferentes setores da sociedade. No ano de 2014, o TPE teve seu

Estatuto reformado para se qualificar como Organização da Sociedade Civil de Interesse

25

Lei n.º 9.637/1998; Lei n.º 9.790/1999; Lei n.º 13.019/2014; Lei nº 13.204/2015. Essas legislações

interessam por tratar das chamadas parcerias entre o poder público e as organizações da sociedade civil

que podem estar vinculadas a empresas e à destinação de recursos públicos para estas organizações e,

podem possibilitar a sua atuação na área da educação pública. A última Lei, a n.º 13.204, flexibiliza de

forma clara essas possibilidades, pois estabelece a dispensa de chamamento público. Dá-se um passo

importante na simplificação das exigências para a formação das privatizações, também, no que se refere à

educação.

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Público (OSCIP). A partir de sua qualificação como OSCIP, o TPE pode receber verbas

provenientes do Estado para o desenvolvimento de suas atividades, divulgando e

propagando a sua educação, articulando-se com outras ONGs, Institutos e Fundações.

Todavia, o TPE constituiu-se a partir, principalmente, da convocatória realizada

pelo setor financeiro, Itaú Unibanco Holdings26

, em articulação com setor industrial

representado por Jorge Gerdau Johannpeter. O objetivo seria o de ampliar a

convocatória dos empresários para a organização de suas ações no âmbito educacional

(SANDRI, 2016).

Um dos representantes mais importantes do TPE é o presidente do Conselho de

Governança do movimento, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, que, de acordo

com reportagem de Tatiana Vaz na revista Exame.com (2015), é um dos ícones do

empresariado nacional, dono de uma das maiores empresas de metalurgia do Brasil, a

Metalúrgica Gerdau.

É neste contexto que grupos empresariais, que já possuíam um histórico de

atuação junto à educação pública, articularam e promoveram o TPE. São traçados,

ainda, dentre os objetivos estratégicos do TPE, o de buscarem a integração do público e

do privado: ―Articular-se com entidade nacionais de direito público e de direito privado

[...]‖ (TPE, 2013, p. 1-2).

O TPE é o grande ―guarda-chuva‖, que abriga sob sua proteção diversas

Fundações, Institutos, ONGs, OS, que buscam consolidar-se na área da educação

pública, atuando tanto na formulação de políticas educacionais que servem de porta de

entrada para atuação direta dessas instituições na implementação, avaliação de ações

educativas, como também na formação de professores, assessorias às prefeituras,

produção de material didático, entre outras ações, consolidando aquilo que definimos

como privatização da educação pública por meio das anunciadas parcerias público-

privadas.

Ultrapassa-se a ideia de que o Estado deve retirar-se da oferta da educação, o

empresariado não pretende, ao que nos parece, assumir a educação pública sozinho. Os

empresários da educação não vão correr o risco, haja vista que eles precisam do Estado

como fiador, como financiador da educação pública por eles engendrada.

26

Conforme informações disponíveis no site oficial do Itaú Unibanco Holdings, essa é a maior

corporação bancária da América Latina e faz parte do grupo Itaú Unibanco, um dos maiores

conglomerados financeiros do mundo. Reportagem disponível em:

http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2016/02/lucro-do-itau-unibanco-atinge-r-2335-bilhoes-em-

2015.html. Acesso em: 4 ago. 2019.

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Na sequência, trouxemos um quadro no qual apresentamos os membros do

Conselho de Governança do TPE.

Quadro 1: Conselho de Governança do

TPECONSELHO DE GOVERNANÇA DO TPE

NOME VINCULAÇÃO PROFISSIONAL FUNDAÇÃO/INSTITUTO

Jorge Gerdau Johannpeter (presidente)

Metalúrgica Gerdau/Presidente da CGDC/MBC

Instituto Gerdau

Ana Maria dos Santos Diniz

Grupo Pão de Açúcar

Instituto Grupo Pão de Açúcar

Cesar Callegari

Faculdade SESI-SP/Conselho Nacional de Educação/ Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada – IBSA

TPE

Antonio Jacinto Matias

Banco Itaú (aposentado)

Fundação Itaú Social

Beatriz Johannpeter

Metalúrgica Gerdau

Instituto Gerdau

Daniel Feffer

Suzano Papel e Celulose

Instituto Ecofuturo

Danilo Santos de Miranda

Serviço Social do Comércio - SESC/SP

TPE

Denise Aguiar Alvarez

Banco Bradesco

Fundação Bradesco

Fernão Bracher

Banco Itaú Unibanco

Fundação Itaú

José Francisco Soares Presidente

INEP (até mês três de 2016)

TPE

José Roberto Marinho

Rede Globo

Fundação Roberto Marinho

Luciano Dias Monteiro

Santillana Brasil (PRISA, Editora Moderna e Salamandra, Idiomas - Richmond e Santillana Español,

Avaliação educacional - AVALIA, Sistema de ensino - UNO Internaciona, SmartLab – Projeto Escola do Futuro)

Santillana Brasil

Luís Norberto Pascoal

Empresa D´Paschoal

Fundação Educar-

Paschoal/Associação Paulista de

Fundações

Luís Paulo Montenegro

Instituto Brasileiro de Opinião

Pública – IBOPE

Grupo de Institutos, Fundações e

Empresas = GIFE

Milú Villela

Banco Itaú

Fundação Itaú Social

Mozart Neves Ramos

Instituto

Foi Reitor da Universidade Federal de Pernambuco, Secretário de Educação do mesmo estado, membro do

Conselho Nacional de Educação

Instituto Ayrton Senna

Ricardo Henriques

Banco Unibanco e Professor de economia da Universidade Federal Fluminense

Instituto Unibanco

Wanda Engel Aduam

Foi Ministra de Assistência Social, chefe da Divisão de Desenvolvimento Social do Banco Interamericano

e é conselheira do Educar para Crescer

TPE

Viviane Senna

Instituto Ayrton Senna

Instituto Ayrton Senna

Fonte: Elaborado pelas pesquisadoras de acordo informações presentes no site do TPE:

https://www.todospelaeducacao.org.br/pag/quem-somos/. Acesso em: 30 out. 2016.

A partir das informações dispostas no quadro, observamos que os participantes

do Conselho de Governança do TPE apresentam vinculação profissional com empresas

que constituem Institutos ou Fundações para atuação na área da educação. Muitos deles

têm sido chamados para tratar de definição de políticas educacionais, assim como tem

promovido palestras, conferências, workshops.

Apresentamos as instituições e as Fundações que são denominadas como

mantenedores do TPE: Fundação DPaschoal; Fundação Bradesco, Fundação Itaú Social,

Fundação Telefónica (Vivo e Telefônica), Grupo Gerdau, Instituto Unibanco, Itaú BBA,

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Santander, Suzano Papel e Celulose, Instituto Península, Instituto Natura e Instituto

Samuel Klein (TPE, 2016).

Além das instituições e Fundações mantenedoras, o TPE apresenta, ainda, as que

reconhece como parceiras, a saber: Grupo ABC, DM9DDB, Rede Globo, Editora

Moderna, Fundação Santillana, Instituto Ayrton Senna, Friends Aúdio, Fundação Vitor

Civita, MCKinsey & Company, Instituto Paulo Montenegro, Instituto HSBC

Solidariedade, Canal Futura, Editora Saraiva, Banco Interamericano de

Desenvolvimento - BID -, PATRI – Políticas Públicas, Luzio strategy group, Itaú

Cultural e Fundação Maria Cecília Souto Vidigal - FMCSV.

Os empresários e os demais sujeitos envolvidos no processo de criação do TPE

estariam tomando a dianteira nesse movimento de participação e convencimento para a

busca da qualidade da educação pública (TPE, 2015). A partir desses pressupostos é que

se teria formado o movimento TPE, com a preocupação de que o Governo, ou podemos

entender, o Estado, não está dando conta de oferecer uma educação de qualidade, e na

busca dessa qualidade estariam empenhados os participantes do movimento.

A construção discursiva realizada pelo TPE é muito convincente, pois se

apropriam de elementos e de reivindicações que são caros e latentes para educadores da

classe trabalhadora que, historicamente, vêm lutando pela educação de qualidade, ou

seja, para chamar para a participação no movimento e, poderíamos dizer, para

convencer sobre a viabilidade de suas propostas e da própria necessidade do TPE, que

apropria-se de demandas provenientes da própria classe trabalhadora. Todavia, a

educação almejada e enunciada pelo TPE em muito se diferencia daquela buscada e

encabeçada pela classe trabalhadora.

Conforme evidencia Harvey (2013), não há construção de pensamento

dominante sem a proposição de ―[...] um aparato conceitual que mobilize nossas

sensações e nossos instintos, nossos valores e nossos desejos, assim como as

possibilidades inerentes ao mundo social que habitamos‖ (HARVEY, 2013, p. 15).

Essa é a intencionalidade do TPE ao apropriar-se de demandas caras aos

trabalhadores, aos educadores e aos movimentos que pensam a educação como

instrumento de transformação social. O TPE reconceitualiza essas demandas,

anunciando-as como suas, incorporando seus próprios interesses e propagando-as para

que sejam aceitas e assumidas socialmente.

Para levar a cabo a sua concepção de educação de qualidade, conforme apontam

Leher e Evangelista (2012), embora o TPE seja uma iniciativa de classe autônoma em

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relação ao Estado e ao Governo, ele só pode ter êxito em seus objetivos atuando por

meio dos Governos e, por isso, vem construindo, em seus conselhos, articulações com

os novos gestores da educação pública no Brasil, tanto no MEC, como nas secretarias

de educação (LEHER; EVANGELISTA, 2012).

Um exemplo recente da atuação do TPE na educação pública encontrado por

essa pesquisa, está em processo implementação na Secretaria de Estado da Educação de

Mato Grosso - Seduc. No dia cinco de julho de 2019 foi publicada reportagem no site

oficial da Seduc sobre a formação de parceria com o TPE27

para melhoria dos índices da

educação básica, dentre eles a proficiência dos alunos no Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica - IDEB. Esse seria um dos principais objetivos da parceria a ser

firmada entre Seduc e TPE.

De acordo com a secretária de estado de Educação de Mato Grosso, Marioneide

Kliemaschewsk, o TPE viria participando das políticas educacionais do país, com

pesquisas, estudos, acompanhamento e monitoramento dos indicadores educacionais e

em função disso a Seduc teria buscado o assessoramento da organização.

Considerações finais

Diante dos elementos apresentados consideramos que o TPE, ao se identificar

como representante da sociedade civil, como produtor de conhecimentos por meio de

pesquisas, produtor de materiais, assessorias, entre outras formas de atuação, busca

consolidar um espaço que lhe promova como definidor das políticas educacionais

públicas adequadas para a formação para o trabalho, tendo em vista seu declarado

vínculo com grandes empresas e bancos lucrativos.

Compreendemos que o TPE tem agido como um dos grandes articuladores para

a ação de diferentes atores privatistas que buscam estabelecer-se como potenciais

formuladores e executores da educação pública financiada pelo Estado.

A problematização da constituição do movimento TPE e de seus parceiros

permitiu-nos, ainda, compreender que seus enunciados são tecidos no embate social,

refletindo, justamente, o movimento, as negociações, os conflitos, isto é, a escolha

intencional de determinado enunciado e não outro. São produções ideológicas que aliam

27

Reportagem intitulada de ―Parceria com o Todos pela Educação busca melhorar índices educacionais

de Mato Grosso‖, no dia cinco de julho de 2019. Disponível em: http://www2.seduc.mt.gov.br/-

/12172332-parceria-com-o-todos-pela-educacao-busca-melhorar-indices-educacionais-de-mato-grosso.

Acesso em: 6 ago. 2019.

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119

o discurso da qualidade na educação pública com enunciados presentes no contexto da

organização social vigente, evidenciando a convergência para a sustentação da

sociedade na forma como está organizada contemporaneamente.

Existem ainda, muitos elementos sobre atuação do TPE, como também de outros

atores privatistas a serem investigados o que envolve uma avaliação de quanto tem

custado essas contratações privadas e que efeitos isso tem gerado para a efetivação da

educação pública de qualidade, socialmente referenciada. Todavia, essas questões

requerem aprofundamento que só será possível com o desenvolvimento de novas

pesquisas, especialmente ao tratar-se do foco de nossa pesquisa que é o estado de Mato

Grosso que, conforme apontado tem estabelecido articulações com o TPE para a

definição das suas políticas educacionais.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.204 de 14 de dezembro de 2015. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13204.htm . Acesso em:

8 jan. 2019.

______. Lei nº 13.019 de 31 de julho de 2014. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm. Acesso em:

8 jan. 2019.

______. Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9790.htm. Acesso em: 17 jan. 2019.

_______. Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9637.htm. Acesso em: 17 jan. 2017.

EVANGELISTA, Olinda; LEHER, Roberto. Todos pela educação e o episódio Costin

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Necessário, ano 10, n. 15, 2012. Disponível em: – www.uff.br/trabalhonecessario.

Acesso em 23 mar. 2019.

HARVEY, David. O neoliberalismo: história e implicações. Tradução de Adail Sobral,

Maria Stela Gonçalves. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

SANDRI, Simone. Relação público-privado no contesto do Ensino Médio brasileiro:

em disputa a formação dos jovens e a gestão da escola pública. 2014. 252 f. Tese

(Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2016.

Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso – Seduc. Parceria com o Todos

pela Educação busca melhorar índices educacionais de Mato Grosso. Disponível em:

http://www2.seduc.mt.gov.br/-/12172332-parceria-com-o-todos-pela-educacao-

busca-melhorar-indices-educacionais-de-mato-grosso. Acesso em: 6 ago. 2019.

Todos pela Educação - TPE. Relatório de Atividades 2015 – Movimento Todos pela

Educação. São Paulo, 2015. Disponível em:

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120

http://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/digital_relatorio_de_atividad

es_todos_pela_educacao_2015_1.pdf. Acesso em: 26 jul. 2019.

VAZ, Tatiana.Jorge Gerdau deixa o comando do conselho da Gerdau. Revista

Exame.com. 27 de março de 2015.

Disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/jorge-gerdau-deixa-o-

conselho-de-administracao-da-gerdau. Acesso em: 19 mai. 2019.

PERFORMATIVIDADE, POLÍTICAS EDUCACIONAIS E OS

SENTIDOS DO TRABALHO DOCENTE NA ESCOLA PÚBLICA

PERFORMATIVIDAD, POLÍTICAS EDUCATIVAS Y LOS

SENTIDOS DEL TRABAJO DOCENTE EN LA ESCUELA

PÚBLICA

Susana Schneid Scherer

UFPEL;Apoio: Capes

E-mail: [email protected]

Palavras-chave: performatividade; trabalho docente; políticas educacionais e escola

pública.

Palabras-clave: performatividad; trabajo docente; Políticas educativas y escuela

pública.

Introdução

Essa pesquisa investiga desdobramentos das políticas educacionais sobre o

trabalho docente na escola pública em uma realidade no Brasil28

, centrando-se no

conceito da performatividade, desenvolvido por Stephen Ball (2010; 2014; 2017).

28

Pesquisa vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação da UFPEL, sob a orientação da Profª

Dra. Maria de Fátima Cóssio, com apoio da CAPES, e aprofundada pelo Estágio Científico Avançado no

Instituto de Educação da Universidade do Minho, com a supervisão do Prof. Catedrático Licínio Lima,

via PDSE/CAPES.

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121

Enquadra-se em um esforço sociológico de articulação entre questões

macrocontextuais no âmbito das políticas educacionais e micro-específicas atinentes à

docência, o qual se compreende que o conceito da performatividade potencializa,

especialmente em sentido de desvelar efeitos sobre a educação e a sociedade.

Assume-se a performatividade no âmbito das estratégias da Nova Gestão Pública

(NGP), gerencialismo e governança voltados a ratificar um novo paradigma de

educação pública (HOOD, 1996), dentro de um projeto de educação e sociedade

(SHIROMA, 2016). Busca-se, assim, exprimir elementos característicos da

performatividade e quais os efeitos de sua presença no trabalho docente escolar.

Definições metodológicas

Sustenta-se na perspectiva de Ball (MAINARDES; MARCONDES, 2009) que

compreende as políticas educacionais como processo multifacetado, dialético e

complexo de disputas variadas para dar sentidos ao ato educativo, tendo nos docentes

uma figura central.

Subsidia-se na ideia de atuação política, theory of policy enactment, elaborada

por Ball, Maguire e Braun (2016), para assumir o papel dos atores escolares no

movimento político, permeado por contextos situados, históricos e localmente ligados à

escola. Trata-se de um aprofundamento da abordagem ciclo de políticas, construída por

Ball e colegas nos anos 90 (MAINARDES, 2006), sustentada em três contextos

políticos chaves: da produção do texto e da influência e estratégia política, atrelados ao

nível macropolítico; e o contexto da prática e de seus efeitos, como esfera microescolar.

Com tais bases, enfoca-se o contexto de prática e de seus efeitos sobre a

docência, levando-se em conta as relações estabelecidas no liame do ciclo político. É

objetivo analisar elementos da performatividade presentes no trabalho docente, para

através disso, refletir a respeito de impactos sociais mais amplos.

Resultados e Análises

Ball (2010, p. 41) usa da concepção de performatividade para representar um

mecanismo imprimido no campo da política social e do setor público para modificar

subjetividades profissionais e pessoais. Sintetiza uma série de medidas (Quadro 02),

altamente prescritivas e responsabilitórias, injetadas por meio de indicadores de

desempenho, metas, tabelas de classificação erankings, programas de formação, e

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122

mecanismos de valorização salarial e de carreira, via bonificações e premiações,

voltadosa instituir ummodelo de professor para o século XXI (BALL, 2017).

Quadro 02: Síntese do conceito e das características da performatividade.

Conceito e definição Conceito retirado por Ball (2010) de Jean Lyotard (1984) quem a concebeu

como uma cultura de otimização da performance pela maximização daquilo que

sai (output -benefícios) e minimização daquilo que entra (input - custos).

Ball, todavia, move-se para além dessa perspectiva exprimindo-a como

tecnologia, cultura e método de regulação de desempenhos.

O desempenho é expresso pelas performances como medidas de resultado, de

significado da qualidade e do valor de um indivíduo ou organização.

Função enquanto

tecnologia política

Sistema de gestão das subjetividades, criando meios para controlar as funções e

ações à lógica de desempenho, por meio de mecanismos de controle indireto e a

distância, e aparentemente mais autônomos, mas fortemente administrativos das

capacidades humanas.

Mecanismos de

disseminação

Base de dados, reuniões de avaliação, balanços de análise anual, elaboração de

relatórios, construção de informações e indicadores de desempenho, publicação

periódica de resultados, candidaturas à promoção, inspeções e análise dos pares,

além de realizações e materiais institucionais de caráter promocional, e, ou

outros elementos que visam nomear, diferenciar e classificar, em sentido de

estimular, julgar e comparar profissionais em termos de resultados.

Efeitos de primeira

ordem (mudanças

observáveis na prática

escolar)

Restringe as possibilidades de ação docente, prescrevendo formas de ser e vir a

ser, que na educação dirigem a formas de pensar e agir pedagogicamente

relacionadas ao desempenho e tudo aquilo que promova a melhoria dos

resultados.

Efeitos de segunda

ordem (padrões de

democratização e justiça

social)

―Mercantilização do profissional público‖ (BALL, 2014, p. 68), pela

modificação da forma, compromissos e valores pelos quais os docentes

experienciam o seu trabalho e as satisfações que obtêm a partir dele, o que

implica nas relações profissionais e também interpessoais estabelecidas por

esses sujeitos, bem como nas concepções sobre o mundo.

Fonte: Elaborado pela autora (2018).

Ao examinar o caso do Brasil se observam diferentes políticas voltadas direta,

aos docentes ou, ainda, indiretamente atingindo-os por implicarem em suas práticas

pedagógicas. São exemplos medidas curriculares (Base Nacional Curricular Comum,

BNCC) e a promoção de avaliações externas e em larga escala estudantis em todos

níveis de ensino (Sistema de Avaliação da Educação Básica, SAEB; Exame Nacional do

Ensino Médio, ENEM; e Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes, PISA) e

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123

a docentes (Prova Docente; BNCC Docente); além de orientações e programas dirigidos

à formação inicial do magistério. Isso, enquanto as condições trabalhistas e salariais

docentes são retiradas de importância, dentro de discursos de crise do Estado.

Ilustra-se na rede da Figura 01 as políticas docentes que se mapeou com apoio

do instrumento Gephy 9.0. Nele são apresentadas as políticas materializadas (na cor

vermelho) e as influências nessas medidas, em nível de organismos (na cor verde) e

lógicas (na cor azul) ou ainda grupos sociais (amarelo). O maior destaque é da Prova

Nacional Docente, em vista de apresentar mais ligações, seguida pela BNCC Docente e

pela Política Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica.

Para Oliveira (2007), o movimento das políticas públicas brasileiras resulta em

um paradoxo sobre a docência, pois se por uma via a luta por maior autonomia no

escopo da democratização promulgado na Constituição Federal de 1998 e da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN/1996), por outro lado os sujeitos docentes são

expostos a cada vez mais controle sobre seu trabalho no curso do projeto

desenvolvimentista global a qual o país se coaduna a partir de 1990. Podendo-se dizer

que se encontram no seio de uma ―era da autonomia prescrita e da iniciativa obrigada ou

forçada‖ (OLIVEIRA, 2007, p. 367).

Figura 01: Rede política docente no Brasil

Fonte: Elaborado pela autora (2019), através do programa Gephi 9.0.

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124

No âmbito da presidência de Fernando Henrique Cardoso (FHC), nos anos 90,

diversas medidas de desregulamentação, descentralização e autonomia foram

concretizadas via Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e avaliações externas e em

larga escala para as diferentes etapas escolares (SAEB; ENEM), com claro teor

performático, unidos à estratégias financeiras por intermédio do Fundo Nacional de

Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF), dentre outras iniciativas de

gestão e com implicações na sala de aula, voltadas a atender as deliberações

economicistas para a educação no século XXI (OLIVEIRA, 2009).

Ademais a isso, Werle (2011) destaca medidas criadas para operacionalizar as

políticas nacionais dos anos 90, como por exemplo, via Plano de Desenvolvimento da

Educação (PDE, BRASIL, 2007) que se desdobrou em uma série de programas e

medidas, tais que Prova Brasil, PAR, PDE/Escola, Provinha Brasil, FUNDEB, usando o

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) como indicador de qualidade,

implicando no financiamento e na disseminação da gestão de cunho gerencial. Na esfera

docente, pode-se dizer que grande parte das políticas docentes identificadas como

tangenciando a profissão no Brasil atualmente se relacionam a IDEB, SAEB e ENEM.

Segundo analisa Lima (2011), as políticas performativas produzem efeitos sobre

a profissão docente, tais que:

A intensificação do trabalho dos docentes; uma perda da sua autonomia

relativa e da sua capacidade eleitoral; o seu tendencial isolamento face a

dinâmicas de trabalho colegial e cooperativo; a promoção de lógicas de

competitividade; a sua subordinação perante as novas agendas avaliativas e

gestionárias; a sua adesão estratégica, ou simples aquiescência passiva, à

visão do líder formal da escola. Estas e outras dimensões podem arrastar

crises de identidade e a perda de referenciais educativos e pedagógicos, por

esta via contribuindo para a desprofissionalização dos docentes e,

eventualmente, para a alienação do seu trabalho. Há já indícios significativos

de uma crise de legitimidade pedagógica, de desvalorização crescente do

pensamento e da pesquisa em educação, de defesa de modelos de formação

de professores que limitem a mínimos didáticos o seu currículo, de avaliação

de desempenho docente a partir dos resultados escolares obtidos pelos alunos

em testes e exames estandardizados, de reforço da autoridade docente mais

pela via disciplinadora e sancionatória e menos através do recurso a bases de

poder cognoscitivo, científico e profissional, os quais, entre outros, parecem

dividir de forma crescente professores e educadores (p.17-18).

Para Ball (2010, p. 40), o resultado é tal que se tem a ―emergência de uma nova

subjetividade – um novo tipo de professor‖, na medida em que as práticas pedagógicas

se tornam reféns das políticas performativas. É instituído um modelo de prática

profissional passiva, exaurida de debate público morais e críticos a respeito da função

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educativa. Enquanto as possibilidades autônomo-criativas da ação docente são

reduzidas, compromissos e discursos sociais mais amplos são ruídos, valoriza-se

individualização, meritocracia, competição, no lugar da valorização de um projeto de

educação como bem público e manifestado por cooperação, coletividade e

solidariedade.

Considerações Finais

Esta pesquisa tem como propósito investigar efeitos das políticas educacionais

sobre docentes público-escolares, elegeu-se o conceito da performatividade

desenvolvido por Stephen Ball como categoria de estudo, por considerá-lo potencial

para embasar a compreensão desse fenômeno em seu movimento real, no liame de

discussões micro-contexto e macrossociais.

Com apoio dos estudos de Ball se tem defendido que a penetração da

performatividade é uma característica chave da NGP e do gerencialismo. Trata-se de um

mecanismo capaz de disseminar valores, relações e subjetividades mercantis nas arenas

da prática escolar, o que redimensiona o sentido da educação e da função docente.

Tal como se identificou ao longo deste estudo este tipo de política se faz presente

no Brasil, dentro de medidas voltadas ao setor público dos países, tais como são a

educação e seus profissionais - os docentes, com vista ao fortalecimento do programa

econômico global, tendo reflexos sumários nos processos de materialização da docência

na escola.

Nesta tônica, compreende-se a validade de analisar os impactos gerado pela

performatividade aplicada aos professores, uma vez que é um modelo político que

contribui para retificar um projeto de mercado, privado e capitalista, ensejado por

critérios econômico-produtivos, pela competição e individualismo. É uma reflexão

essencial para se pensar sobre o projeto de educação e de sociedade que se defende,

sobretudo na luta por um projeto democrático e socialmente referenciado.

Referências:

BALL, Stephen.Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma

sociedade performativa. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 37-55,

maio/ago. 2010.

______. Educação global S.A.: novas redes políticas e o imaginário neoliberal. Ponta

Grossa: Editora UEPG, 2014.

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126

______. The Education Debate. Bristol: Policy Press/University of Bristol, 2017.

______; MAGUIRE, Maguire; BRAUN, Annete. Como as escolas fazem política:

atuação em escolas secundárias. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2016.

HOOD, Christopher. Racionalismo económico en la gestión pública ¿De la

administración pública progresiva a la nueva administración pública? Lecturas de

Gestión Pública. Madrid: Ministerio de Administraciones Públicas, p. 447-467, 1996.

MAINARDES, Jefferson. Abordagem do ciclo de Políticas: Uma Contribuição para a

análise de Políticas Educacionais. Educação e Sociedade. Campinas, v. 27, n. 94, p.

47-69, 2006.

______; MARCONDES, Maria Inês. Entrevista Com Stephen J. Ball: Um Diálogo

Sobre Justiça Social, Pesquisa E Política Educacional. Educação e Sociedade.

Campinas, v. 30, nº. 106, p. 303-318, 2009.

OLIVEIRA, Dalila. Política educacional e a re-estruturação do trabalho docente:

reflexões sobre o contexto latino-americano. Educação e Sociedade. Campinas, v. 28, n.

99, p. 355-375, maio/ago, 2007.

______. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e permanências. Revista

Brasileira de política em administração educacional, RBPAE, v. 25, n. 2, p. 197-209,

mai./ago, 2009.

LIMA, Licínio C. V. Políticas educacionais, organização escolar e trabalho dos

professores. Educação: Teoria e Prática, v. 21, n. 38, p.1-18, 2011.

SHIROMA, Eneida. Redes de políticas públicas e governança da educação:

pesquisando a convergência das políticas para docentes nas agendas para a

próxima década. Relatório de pesquisa, Florianópolis, UFSC, 2016.

WERLE, Flávia O. C. Políticas de avaliação em larga escala na educação básica: do

controle de resultados à intervenção nos processos de operacionalização do ensino

Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 19, n. 73, p. 769-792,

out/dez, 2011.

PLANO DO DISTRITO FEDERAL: O FÓRUM DE EDUCAÇÃO E

SUA ATUAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL

PLAN DE DISTRITO FEDERAL: EL FORO DE LA EDUCACIÓN Y

SU TRABAJO POLÍTICO Y SOCIAL

Flávio Bezerra de Sousa

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127

Universidade Estadual de Campinas

[email protected]

Palavras-chave: Gestão da Educação; Política Educacional; Plano de Educação; Fórum

de Educação; Participação.

Palabras-clave: Gestión educativa; Política educativa; Plan educativo; Foro de

educación; Participación

Introdução

O debate em torno da participação é um assunto amplamente discutido nas

pesquisas educacionais (AIRES, 2016; ALVES, 2016; GADOTTI, 2014;

BORDIGNON, 2011), contudo, a atenção recai, principalmente, sobre a

instrumentalização conceitual, deixando de lado os estudos sobre a participação como

mecanismo da gestão democrática principalmente associados às discussões em torno do

planejamento da educação, e da complexidade que envolve a elaboração de uma política

pública em educação.

Este texto apresenta os resultados de uma pesquisa acadêmica em nível de

mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da

Universidade de Brasília, e tem como objeto a atuação do Fórum de Educação no

processo de elaboração do Plano Distrital de Educação promulgado por meio da Lei nº

5.499 de julho de 2015.

Para tanto, elege-se o seguinte problema: há sinais de que a participação política

e social dos segmentos apresentou limites de atuação do Fórum na elaboração do Plano

Distrital de Educação, seja pela ausência de participação de os segmentos no processo,

seja pela vinculação de funções e competências à Secretaria de Educação do Distrito

Federal, ou pela relação de embates e conflitos existentes junto às demais instâncias dos

Poderes Executivo e Legislativo.

A seguinte questão norteia o trabalho: em que direção as formas de participação

política e social apresentadas pelo Fórum de Educação no processo de elaboração do

Plano Distrital de Educação imprimiram avanço democrático na elaboração de políticas

de educação básica do Distrito Federal? O objetivo geral que estrutura o trabalho

circunstanciou-se em: analisar as formas de participação política e social do Fórum de

Educação no processo de elaboração do Plano Distrital de Educação entre 2012 e2015,

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128

buscando compreender as formas de participação dos segmentos, as concepções de

participação que sustentaram a elaboração do documento, e, além disso, procurando

interpretar as formas implícitas e declaradas da participação política e social dos

segmentos do fórum na construção da referida políticas pública educacional.

Ancora-se no método do materialismo histórico-dialético, tendo como categoria

central a contradição, e como categoria a priori ao campo empírico, a participação.

Como procedimento metodológico optou-se pelo entrelaçamento dialético entre a

pesquisa bibliográfica, documental e a experiência do campo empírico a partir do uso da

entrevista semiestruturada e dos seguintes eixos de debate e reflexão: atuação,

autonomia, relação Fórum x demais entidades, controle social e pluralismo.

Os resultados apontam para uma materialização do Fórum de Educação do

Distrito Federal como um espaço diferenciado de debate coletivo no processo de

elaboração da política educacional local. O seu posicionamento de coordenação

metodológica do processo, e os embates com instâncias e atores historicamente

presentes no campo da gestão da educação do DF apontam substancialmente para a sua

função como mecanismo de efetivação do princípio normativo da gestão democrática da

educação.

Contudo, o fenômeno que se apresenta no cenário da gestão da educação do DF

é que os espaços participativos, não podem se tornar mecanismos de divulgação de um

Estado supostamente democrático, que mantenha de forma velada os interesses nas

decisões de todo o processo em âmbito legal-normativo-institucional-político-social. É

necessária a superação, de consolidação de um Fórum atuante em favor da ampliação da

participação do conjunto da sociedade civil organizada.

O delineamento metodológico da pesquisa: categorias e instrumentos

A pesquisa foi realizada no Distrito Federal mediante aplicação de entrevistas

semiestruturadas para dezessete sujeitos de segmentos políticos e sociais envolvidos

com o processo de elaboração do plano de educação em seus diferentes espaços,

momentos e formas.

Os sujeitos selecionados se dividiram em dois grupos, conforme a atuação nos

espaços de debates. O Grupo I esteve subdividido nos subgrupos A e B dentre aqueles

com ―formalidade‖ no processo, pois se assentaram em comissões e subcomissões

técnicas para elaboração do documento-base do Plano.

O subgrupo A concentrou o servidor de carreira da Secretaria de Educação do

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Distrito Federal, que participou das ações (plenárias, conferências, audiências públicas

ou grupos de trabalhos) para elaboração do Projeto de Lei (PL), que foi indicado, ou

eleito, para participar de representação junto às comissões ou espaços legalmente

instituídos para o processo de elaboração do plano. No subgrupo B, estão os

representantes de segmentos sociais com assento no Fórum de Educação que estiveram

presentes nas comissões, subcomissões, plenárias do Fórum ou outras ações pontuais

coordenadas pela entidade.

No Grupo II, o subgrupo C apresenta um dos sujeitos delegados do poder

legislativo que atuou no trabalho. Pontua-se que este representante está vinculado à

Comissão de Educação, Saúde e Cultura da Câmara Legislativa do Distrito Federal,

especialmente na coordenação da comissão de educação que o coloca em situação

privilegiada de acompanhamento dos acontecimentos no âmbito da câmara.

No subgrupo C, se encontra o representante do Conselho de Educação do Distrito

Federal (CEDF), que atuou, em conjunto com seus pares, na análise sobre o texto-base

do Plano de Educação que fora transformado em PL e enviado ao poder legislativo para

aprovação.

O subgrupo D foi reservado aos segmentos sociais com assento, ou não, no Fórum

de Educação e que foram partícipes do processo, ou de movimento social não arrolado

para atuar nos espaços ―formais‖ do processo, como a comissão técnica ou grupo de

trabalho técnico de elaboração das metas e estratégias, mas que estiveram presentes nos

espaços de debate como plenárias, audiências públicas, na própria Conferência Distrital

de Educação (CDE), ou em outros momentos que os tornam atores conhecedores da

dinâmica presente no transcurso de elaboração do plano de educação.

O quadro seguinte apresenta a conformação dos sujeitos entrevistados, inclusive

com a disposição de códigos de anonimato.

Quadro 1 – Sujeitos de pesquisa

GRUPO SUB-

GRUPO

REPRESENTAÇÕES CARACTERIZAÇÃO DA

REPRESENTAÇÃO

PERFIL CÓDIGO QTD

A

Secretaria de Educação do

Distrito Federal

Participante da Rede Técnica do

Ministério da Educação

Graduado e Mestre em Química EIA1 1

Representante na Comissão de

Elaboração do PDE

Graduado em Química, mestrado em

educação

EIA2 1

Participante da Subcomissão de

Educação Básica

Pedagoga e mestre em educação EIA4 1

Coordenação do Fórum e da

Comissão Técnica de Elaboração

Geógrafo, mestre em educação EIB9 1

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Fonte: Elaborado pelo autor em dezembro de 2017, Brasília –DF.

Nesse sentido, foram definidos cinco eixos temáticos que nortearam a

entrevista semiestruturada: atuação, autonomia, relação Fórum de Educação versus

entidades, controle social e pluralismo. A partir desses eixos definiram-se 13 (treze)

perguntas distribuídas entre os eixos com pequenas alterações (as últimas perguntas

relacionadas ao eixo pluralismo), mas que levassem a uma contraposição do diálogo

entre os Grupos I e II dos entrevistados. Observa-se que, a partir disso foi

sistematizada a seleção de sentenças, frases, fragmentos, tópicos ou parágrafos nas

entrevistas realizadas.

Da análise das entrevistas, constatou-se que os entrevistados manifestaram um

número de frases, citações ou menções que permitiram a elaboração e definição de

síntese temática, advinda segundo o maior número de ocorrência entre os sujeitos

entrevistados (repetição de conteúdo ou falas comuns entre os sujeitos, ou por bloco de

sujeitos).

O Quadro 2 descreve o resultado que, após entrevistas realizadas, foram feitas

marcações especiais em itálico que sinalizam para a manifestação dos entrevistados.

Outro registro sobre os trechos selecionados são os destaques feitos em negrito para

iluminar nas falas as expressões e determinações do objeto. Portanto, são grifos do

pesquisador indicando trechos que permitiram o suporte para as análises.

I

B

Fórum Distrital de Educação

Entidades que compõem o

Fórum

Graduado em História, mestre em

educação

EIB3

7

Economista, Doutor em Educação EIB5

Graduada em Ed. Física, Doutora em

Educação

EIB6

Graduado em História EIB7

Graduada em Serviço Social, mestre

em educação

EIB8

Graduado em Administração EIB13

Graduado em Direito

EIB14

II

C

Câmara Distrital de

Educação

Comissão de Educação, Saúde e

Cultura

Doutora em Educação EIIC10 1

Conselho de Educação do

DF

Representante do Conselho de

Educação do Distrito Federal

Graduado em História EIIC11 1

D

Segmentos sociais diversos

Representações externas à

formalidade do processo de

elaboração d o PDE

Graduada em Fonoaudiologia,

doutora em Psicologia

EIID12

4 Graduada em Pedagogia EIID15

Graduado em História e doutorado em

Educação

EIID16

Estudante de História EIID17

TOTAL 17

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Quadro 2 – Unidades, sínteses temáticas, e categorias do campo

UNIDADE TEMÁTICA

SÍNTESE TEMÁTICA (Subcategoria)

*QUANTIDADE DE

OCORRÊNCIA

ATUAÇÃO

Desnivelada 16

Temática 10

Espaço de debate ampliado 10

AUTONOMIA

Sobreposição organizada de segmentos 13

Dificuldade Administrativo-Organizativa 13

Vinculada aos segmentos sociais 12

Autonomia relativa 7

RELAÇÃO FÓRUM X

ENTIDADES

Conflito de competência 12

Organização e Articulação 10

Lacunas de representatividade 8

Disputa de Espaço 7

CONTROLE SOCIAL

Disponibilidade da Informação 15

Ampliação do debate 10

Responsabilização 8

PLURALIDADE Diversidade de segmentos 16

Justaposição ideológica 7

Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de Franco (2008)

*Quantidade ocorrência a partir dos 17 sujeitos que participaram das entrevistas

No quadro 2, a primeira coluna, numa visualização da esquerda para a direita,

representa os eixos de análise classificados como unidades temáticas. Na segunda

coluna estão dispostas as sínteses temáticas, entendidas como subcategorias que

emergiram do campo de análise.

O quadro dispõe de uma última coluna que apresenta o quantitativo de vezes na

qual se apresentaram as subcategorias no conjunto de respondentes, e que, a partir de

então se consubstanciou como ponto de partida para as interpretações da realidade no

bojo dos atores partícipes do processo e objeto da pesquisa.

Considerando-se a abordagem qualitativa como instrumento deste trabalho, e na

tentativa de interpretar as expressões fenomênicas, o trabalho buscou aproximar-se da

categoria contradição, especialmente sustentado em reflexões teórico-conceituais e

investigações empíricas.

Um compendioso referencial

A educação tem sido objeto das políticas públicas engendradas com um papel

preponderante na oferta pelos entes federados, tornando-se um dos instrumentos que

corrobora para a necessidade de ações coordenadas para sua garantia, não só no campo

teórico de formação, mas no conjunto de prático de realização.

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O Plano Nacional de Educação, aprovado e sancionado em 2014, dispõe não só

de muitos desafios, mas ao chamamento de que os ―Estados, o Distrito Federal e os

Municípios deveriam elaborar seus correspondentes planos de educação à luz das

diretrizes, metas e estratégias do plano nacional‖ (BRASIL, 2014, art. 8º), ―com ampla

participação de representantes da comunidade educacional‖ (BRASIL, 2014, art. 8º, §

2º).

Em termos históricos, no Brasil, a ampliação dos espaços participativos em

educação teve como pano de fundo, as movimentações ocorridas na década de 1980. As

lutas sindicais articularam-se na luta contra a ditadura militar e pelo retorno do Estado

de direito. No campo democrático desenvolveu-se uma cultura política de mobilização e

de pressão direta, como prática principal para viabilizar o encaminhamento das

demandas que compunham suas agendas.

A participação é concebida como intervenção social periódica e planejada, ao

longo de todo o circuito de formulação e implementação de uma política pública,

porque toda a ênfase passa a ser dada nas políticas públicas (GOHN, 2003).

O princípio da gestão democrática prevê o envolvimento amplo dos sistemas e

das instituições educativas públicas e privadas, e de toda a sociedade civil. Dessa forma,

deve ser entendida como um espaço de deliberação coletiva, o que exige a necessidade

de democratizar a gestão da educação.

O Fórum constituiu-se como espaço de síntese em uma conjuntura nacional e

internacional, o que demandou a necessidade da continuidade e ampliação do debate

nacional acerca das consequências da nova ordem materializada no campo da

educação, principalmente no arcabouço legal: leis, emendas constitucionais, decretos

e medidas provisórias, que no Brasil criaram mecanismos de favorecimento a

interesses particulares e não coletivos.

É mister apontar que hoje os fóruns educação representam importantes

espaços de deliberação no âmbito da gestão da educação. A evolução histórica da

qual fez parte seu surgimento permite apontá-lo como um relevante espaço em que a

sociedade civil pode fazer política, principalmente se estiver alocada na mediação

com o Estado. Todavia, num processo inédito que foi o processo de elaboração dos

planos de educação à luz das determinações do artigo 8º do PNE, torna-se de

fundamental importância o conhecimento do papel realizado por estes espaços

participativos.

Analisar os resultados das ações do Fórum de Educação do DF sobre a

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elaboração do PDE torna-se um caminho especial para a compreensão do processo de

construção da cidadania, assim como para avaliar as possibilidades de um

aprofundamento do processo de democratização da sociedade brasileira.

Considerações sobre os resultados

O processo de elaboração do PDE ocorreu, majoritariamente, à luz dos

interesses representativos, entretanto, ele permitiu a abertura de espaços de debate

junto à sociedade civil tendo como pano de fundo a ação dos segmentos organizados

em audiências públicas e Conferência de Educação. Isso posto, há sinais de ampliação

no que diz respeito à participação dos segmentos políticos e sociais na construção de

uma política de educação no DF, ainda que amparado nos espaços e

encaminhamentos representativos.

A participação do Fórum de Educação avançou e apontou, expressamente, um

interesse no cumprimento do preceito da gestão democrática como aludido na Lei nº

4.751 de 2012 (Lei do sistema de ensino e da gestão democrática do ensino público),

ainda que práticas centralizadoras e de sobreposição de decisão sobre os interesses

coletivos se fizeram presentes.

Essas práticas aparecem no bojo político ideológico, pela necessidade de

posicionamento legalista da Secretaria de Educação e da Comissão de Educação,

Saúde e Cultura da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Há uma dificuldade no

reconhecimento e na ampliação de espaços participativos, pelo simples receio de

perda do domínio no trato histórico do perfil normativo sobre os rumos da educação,

e pela hegemonia estatal da organização participativa em torno da elaboração do

planejamento da educação.

A transposição das disputas entre o público e o privado, entre a concepção

conservadora e progressista, o estabelecimento do FDE como mecanismo competente

perante a sociedade civil, e os espaços institucionais do Estado para carrear um

processo de tamanha envergadura no âmbito da gestão da educação do Distrito

Federal, são aspectos políticos que marcaram o escopo de dificuldades e limites

apresentados.

As contradições permearam o trabalho do Fórum de Educação na

materialização do processo participativo de elaboração do Plano de Educação,

especialmente no estabelecimento das determinações interligadas, dialeticamente,

numa dimensão totalizante da realidade.

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A forma política de participação esteve incisivamente presente na atuação do

Fórum, principalmente quando o mote de fundo se canalizou para uma tentativa de

organização da vida social em torno do cômputo da educação, a partir de uma prática

política que se relaciona tanto com a questão do poder e da dominação quanto com a

questão do consenso em torno do processo e das causas mútuas de elaboração.

Portanto, afirma-se o FDE como resultado de sua atuação no processo de

elaboração do Plano Distrital de Educação, a existência de uma forma de participação

legitimada e reconhecida, que agora, faz parte do bojo organizativo e do planejamento

no âmbito da gestão da educação do DF. A forma de participação conquistada

(legitimada) pelo Fórum exige práticas de conformação e qualificação que ampliem

ainda mais o conjunto da participação dos segmentos políticos e sociais no processo

decisório de elaboração da política pública em educação no DF.

É neste contexto que se assenta a participação ativa, que se caracteriza por

atitudes e comportamentos de elevado envolvimento, individual ou coletivo, traduzindo-

se na capacidade de mobilização para a ação, conhecimento aprofundado de direitos,

deveres e possibilidades de participação, atenção e vigilância em relação a todos os

aspectos considerados pertinentes, afirmação, defesa e alargamento das margens de

autonomia dos atores e da sua capacidade de influenciar as decisões.

O processo de elaboração do Plano Distrital de Educação, no que tange à

participação política e social dos segmentos do Fórum, esteve permeado por

representação ou pela ausência de determinados segmentos. Em tempo, afirma-se que o

Fórum de Educação contribuiu sobremaneira em direção ao avanço democrático na

elaboração de políticas de educação básica do Distrito Federal ao ampliar o processo

participativo de construção de uma política pública.

Após a análise histórica e conjuntural, e à luz da categoria contradição,

apresentaram-se, nesse estudo, os seguintes resultados para os eixos de análise

considerados no procedimento metodológico: i) atuação-FDE como mecanismo de

participação e espaço de debate no campo da gestão da educação do DF, o

estabelecimento de um processo metodológico participativo de elaboração de uma

política pública: elaboração e execução, e a incidência parcial do MEC sobre o processo

de elaboração; ii) autonomia- sobreposição de segmentos em detrimento de outros no

âmbito do Fórum de Educação, ingerência da SEDF sobre os encaminhamentos do FDE

e da Conferência Distrital de Educação; iii) Relação Fórum de Educação x demais

entidades: primazia do FDE em ser referência no processo de elaboração do Plano de

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Educação do DF, a existência de embates entre segmentos no FDE: público x privado,

surgimento de outra forma de participação na elaboração de políticas educacionais,

menos institucionalizada, acentuação nas intencionalidades de manutenção do status

quo de atuação de algumas entidades do campo da educação; iv) Controle Social:

mecanismo de participação (Fórum) no contexto da política e do planejamento

educacional, novos significados necessários para o princípio da gestão democrática no

planejamento da educação, o Sinpro-DF (movimento sindical) como referência no

aporte político e estrutural do processo em detrimento da tentativa de sobreposição da

SEDF na promoção de aporte administrativo, e o FDE como possiblidade do exercício

do controle social, desde que pautado numa agenda ampliada de participação em

conjunto com a sociedade civil, e por último, v) Pluralismo: ausência de segmentos

historicamente organizados no DF no processo de elaboração, busca de uma

participação mais ligada aos movimentos sociais em educação do que representatividade

formal organizada, e um pluralismo inédito no debate de uma política de educação, mas

ainda pautado no escopo da representatividade.

No aspecto democrático, o Fórum Distrital de Educação (FDE) se põe, agora,

como um espaço de efetivação da gestão democrática, tanto no que se refere à incisão e

reconhecimento normativo, quanto de atuação pratica no campo da educação, superando

com a isso a dualidade representativa de um Conselho de Educação e de uma Secretaria

de Educação.

Nesse sentido, há que se recriar modos e processos coletivos que favoreçam a

atuação do Fórum de Educação do DF em busca da ampliação do preceito participativo

no seio do estabelecimento das políticas de educação básica no DF. Em si, ele não pode

assumir a total responsabilidade, pois esbarra nos mecanismos cartoriais, e mesmo

porque ainda está permeado por vícios e enraizamentos de culturas contraditórias.

Todavia, isto faz parte do contraditório, do jogo dito democrático, cabendo assim, uma

vigília permanente dos quesitos que tornam mais justos e iguais os posicionamentos e

interesses em torno da educação.

A atuação e as formas de participação do Fórum de Educação do Distrito

Federal, cada vez mais, necessitam de materialização perante à sociedade civil. Há que

se ter a proximidade com este público, e assim, incidir em ações mais autônomas e

ampliadas no aspecto da pluralidade. Posto isto, o campo da pesquisa pode contribuir de

forma singular nesse processo, especialmente sob o olhar analítico e crítico dos avanços

que serão encontrados nas práticas e nos itens normativos que tem sido dispensado ao

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136

tema da gestão democrática da educação no DF, cujo Fórum de Educação, participativo,

autônomo, transparente, descentralizado, e contribuinte ao estabelecimento das formas

de controle social, desempenhará papel relevante.

Referências bibliográficas

AIRES, Carmenísia J.; LOPES, Ruth G. de F.; OLIVEIRA, José R.; SILVA, Alexandra

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efetivação entre avanços, recuos e desafios. In.: CUNHA, Célio; SOUSA, José Vieira

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método, temas e olhares. 1. ed. – Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2016.

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Conceitual ao Debate Contemporâneo. In.: NEVES, Ângela V. (Org). Democracia e

participação social: desafios contemporâneos. Campinas, Papel Social, 2016.

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TERCEIRA VIA: A NOVA FACETA NEOLIBERAL E SEU

DESDOBRAMENTO NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

BRASILEIRAS A PARTIR DA DÉCADA DE 1990

TERCER CAMINO: LA NUEVA FACETA NEOLIBERAL Y SU

DESARROLLO EN LAS POLÍTICAS EDUCATIVAS BRASILEÑAS

DE LOS AÑOS 90

Lorena Mariane Santos Rissi

Universidade Estadual de Londrina

[email protected]

Maria José Ferreira Ruiz

Universidade Estadual de Londrina

[email protected]

Palavras-chave: Terceira Via; Reforma do Estado; Políticas Educacionais; Parcerias

Público e Privado.

Palabras-clave:Tercer Camino; Reforma del estado; Políticas educativas; Asociaciones

públicas y privadas.

Introdução

O presente trabalho é fruto de pesquisa de Mestrado em andamento. Objetiva o

estudo sobre os pressupostos teóricos da Terceira Via, a partir das reformulações

elaboradas por Anthony Giddens, que ganharam proeminência a partir da década de

1990, com reflexos para as políticas educacionais brasileiras, por meio das parcerias

público-privadas.

A Terceira Via ganha notoriedade mediante um discurso de superação das

vertentes políticas ideológicas opostas, a saber, o socialismo e o liberalismo por meio da

diluição de seus valores. Os socialistas defendem a efetivação de uma sociedade justa e

igualitária, já os liberais propagam a suprema liberdade do mercado e o individualismo

exacerbado.

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Desse modo, a estrutura de pensamento denominada como Terceira Via, sob as

orientações de Anthony Giddens, divulga a reforma do Estado objetivando sua

modernização para prestação de serviço ágil aos consumidores mediante a redução de

seu papel de executor direto de serviços em algumas atividades.

A partir desses pressupostos, surgiram indagações sobre como a classe

dominante se organizou para interferir na condução e execução da reforma do Estado

brasileiro, quais foram os pressupostos teóricos que embasaram suas ações e como isso

repercutiu nas políticas educacionais, a partir da década de 1990 até 2010. Diante destes

questionamentos, o objetivo geral proposto é identificar a concepção ideológica da

classe dominante na condução e execução da reforma do Estado brasileiro, bem como

nas políticas educacionais, a partir da década de 1990 até 2010.

Essa concepção tem se manifestado nas instituições de ensino básico e superior,

mediante alianças com a sociedade civil, promovendo a atuação do setor privado na

educação com vistas à formação de mão de obra para o mercado, obtenção de lucros e

produção das relações de manutenção e legitimação da classe burguesa no poder.

Portanto, a disseminação desse trabalho, que está correlacionado com o eixo

temático―gestão da educação pública e privatização‖,é importante para contribuir na

formação daqueles que participam do processo educativo, de modo a compreender os

meios que a ideologia da classe dominante tem se materializado nas instâncias

educativas visando sua mercadorização.

Metodologia

A perspectiva teórico-metodológica escolhida para apreensão da realidade é a

materialista histórico dialética, tendo em vista que o objeto de análise faz parte de uma

realidade histórica, social, em constante movimento, permeada pela luta de classes e

seus desdobramentos. Para tanto,objetivando compreender os pressupostos teóricos e

práticos da classe burguesa, bem como a materialização dos seus preceitos nas políticas

educacionais brasileiras a partir da década de 1990, optou-se pelas categorias

metodológicas, totalidade, contradição e hegemonia, as quais conforme aponta Cury

(2000, p.21) são ―um instrumento de compreensão de uma realidade social concreta,

compreensão esta que, por sua vez, só ganha sentido quando assumida pelos grupos e

agentes que participam de uma pratica educativa‖.

A compreensão a luz da categoria totalidade permite analisar a educação como

partícipe da totalidade social em sua relação com os determinantes mais amplos da

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sociedade. Essa relação ocorre de forma dialética, em um cenário essencialmente

contraditório, uma vez que é palco de reprodução da luta de classes, no qual a classe

dominante busca a permanência das relações de expropriação do trabalho e expansão do

capital, mediante a materialização de uma ideologia liberal conservadora. Essa é

divulgada como valores e crenças universais, objetivando a direção e dominação da

classe subalterna através da difusão da hegemonia, que prevê o poder e o domínio de

uma classe sobre outra.

O procedimento metodológico do estudo é a pesquisa bibliográfica de cunho

qualitativo, numa análise histórico e crítica de alguns dos precursores da corrente

político-econômica neoliberal a partir de Friedrich von Hayek (1899-1992) e Milton

Friedman (1912-2006) e do reformulador da terceira via, Anthony Giddens. A pesquisa

documental abrangerá os documentos da reforma do Estado na gestão de FHC,

informações coletadas na página da internet do Ministério da Educação que evidenciam

as parcerias entre o público e o privado, a exemplo do Plano de Metas Compromisso

Todos pela Educação, do Plano de Desenvolvimento da Educação: razões princípios e

programas e do Modelo de escola de charter: a experiência de Pernambuco.

Discussão dos resultados

A Terceira Via ganhou notoriedade como uma forma de superação dos

postulados defendidos pelo que ficou conhecido como neoliberalismo. O surgimento do

grupo que defendeu o ideário neoliberal ocorreu em 1947, em MontPèlerin, na Suíça,

em uma reunião organizada por Hayek, o qual se opôs às políticas inspiradas em Jonh

Mainardes Keynes, convocando para esta reunião aqueles que partilhavam de suas

ideias. Entre eles destacavam Milton Friedman, Karl Popper, Lioner Robbins, Ludwig

von Mises entre outros, surgindo então a sociedade de MontPèlerin. A formação deste

grupo ocorreu para unir forças contra o socialismo e a intervenção do Estado

(ANDERSON, 1995).

Estes teóricos ficaram conhecidos como neoliberais apesar de se identificarem

como liberais, em sentido originário do século XIX e produzem novas estratégias de

sustentação do capitalismo, ganhando visibilidade a partir da crise econômica da década

de 1970. A estratégia neoliberal, conforme apontada por Moraes (2001), consiste em

criar novas regulamentações que diminuam a interferência do Estado sobre o mercado e

conter os gastos do Estado em relação às políticas sociais.

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O papel do Estado, ante a dicotomia em aumentar a sua atuação ou diminuí-la

transferindo para o mercado, depara-se com uma terceira alternativa, a qual ganhou

visibilidade após a queda do muro de Berlim, em 1989. Com o projeto socialista

revolucionário em baixa e anteposto ao pensamento que exalta a atuação do mercado,

surge o que Anthony Giddens denomina como a Terceira Via. Expressão essa que partiu

da concepção da ruptura dos pressupostos que Giddens (2007, p.18) denomina de

―socialistas tradicionais, por serem radicais e reformistas‖ incorporando a influência da

social democracia renovada, a qual rompe com os valores da social democracia clássica

em expandir o Estado, mas, incorpora os princípios duradouros de efetivação da justiça

social da esquerda, utilizando a via do liberalismo, dando primazia ao mercado por meio

do livre comércio e no fortalecimento da sociedade civil.

A Terceira Via defende o Estado mínimo para as políticas sociais, por meio do

discurso da reconstrução do Estado através do aprofundamento e ampliação da

democracia, atribuindo responsabilidades das políticas sociais à sociedade civil,

ampliando e fortalecendo parcerias entre o setor público e o setor privado, tendo em

vista o dinamismo do mercado.

Esse novo viés político e ideológico inspirou as políticas brasileiras a partir da

década de 1990 por meio da solicitação da elaboração do Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado, a mando de Fernando Henrique Cardoso. A reforma do Estado

brasileiro buscou ―transferir para o setor privado as atividades que podem ser

controladas pelo Estado‖ (BRASIL, 1995, p.17) através das estratégias de privatização,

terceirização e publicização.

Sendo o campo educacional influenciado pela concepção de Estado, esse não

poderia ficar de fora das reformas. Por meio da estratégia da publicização ―transfere-se

para o setor público não-estatal a produção dos serviços competitivos ou não exclusivos

de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade civil para

seu financiamento e controle‖ (BRASIL, 1995, p.13).

Em 2003, com a ascensão do governo do Partido dos Trabalhadores, ocorre à

intensificação dos valores pregados pela Terceira Via, por meio da atuação do

movimento de empresários no campo educacional. Essa atuação ocorre por meio do

movimento que se materializou na coalizão de grupos econômicos, a exemplo do

movimento empresarial Todos pela Educação (TPE), que tratou de cumprir a agenda do

capital sob uma suposta neutralidade partidária de atuação da sociedade civil.

A influência da concepção da Terceira Via mediante as parcerias público-

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141

privadas (PPPs) na execução das políticas educacionais em vista da elevação de sua

eficiência, propõe ―uma nova sinergia entre os setores públicos e privados, utilizando o

dinamismo dos mercados, mas tendo em mente o interesse público‖ (MERKEL, 2007,

p. 109). Um exemplo dessa modalidade é o Programa Universidade para Todos

(ProUni), ―no qual o governo compra um produto educacional do setor privado. Esse

programa prevê a concessão de bolsas para alunos carentes por parte de instituições

particulares de ensino superior, em troca da isenção de determinados impostos federais‖

(VELOSO, 2011, p.241).

Já em relação à Educação Básica a formação de alianças com setores privados é

vista por meio de diferentes propostas, algumas já em curso em países de

neoliberalismo avançado a exemplo dos EUA e do Chile, que chegam ao Brasil em

forma de experiências isoladas, à primeira vista, mas, que podem se fortalecer, tendo em

vista o avanço das forças conservadoras. Portanto, estas experiências precisam ser

problematizadas na esfera acadêmica afim de explicitar quão deletérias são para a

educação pública. Uma destas experiências são as escolas charters, que propõe que a

gestão da escola seja dividida entre o governo e o setor privado.

Esse modelo de escola surgiu pela primeira vez no Brasil em Pernambuco no

ano de 2007 ―pela qual se adota um regime de parceria entre o poder público e o

Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE) para cogestão das escolas: o

poder público se responsabiliza por investir recursos necessários ao custeio da escola,

enquanto sua gestão fica a cargo do ICE‖ (ADRIÃO, 2014, p.269).

Próximo a esse modelo, o Estado de Goiás por meio do governador Marconi

Perillo modifica a lei estadual n°15.503, de 28 de dezembro de 2005, que trata da

Educação como campo para atuação das Organizações Sociais (OSs). O objetivo do

governador ―era implantar a gestão compartilhada por via das OSs na educação pública

Estadual‖ (SOUZA; FLORES, 2017, p.221), proposta que não obteve êxito por conta da

resistência de alguns grupos e movimentos sociais, com destaque para o Movimento

Estudantil Secundarista. Contudo, é muito importante que esta experiência seja

estudada, a fim de elaborar argumentos de resistência, tendo em vista que as estratégias

vão se camuflando e reaparecendo em outras roupagens.

Essas parcerias denotam a lógica educacional subordinando-a a lógica financeira

sob o discurso de uma educação de acordo com os parâmetros de ―eficiência‖ do

mercado. Desse modo, propõe a formação de alianças com setores privados para

alcançar esses ideais. Tal como aludido pelos adeptos da terceira via, pois defendem

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142

―um papel revisado para o Estado – como um facilitador, como um habilitador: ainda

envolvido no custeio e na regulamentação dos serviços, mas não necessariamente em

sua prestação‖ (LATHAM, 2007, pg.54).

A Terceira Via reproduz o discurso dos neoliberais de maneira velada sob ideais

de aprofundamento da democracia e maior igualdade social, mas mantém as relações

que permitem a sustentação do modo de produção capitalista por meio da produção do

discurso de solidariedade social, mascarando o antagonismo entre as classes sociais.

Considerações finais

O Estado brasileiro vem sendo influenciado a partir da década de 1990 por

vertentes que defendem a soberania do mercado como supremo regulador das relações

materiais de produção. A educação, influenciada pela concepção de Estado subjacente, é

defendida como um campo para atuação do empresariado visando à obtenção de lucro.

Sob o discurso de voluntariado, ampliação da democracia e participação da

sociedade civil, o Estado delega a educação para grupos filantrópicos e empresariais,

mediante a gestão da escola púbica compartilhada com o setor privado através de

recursos financeiros públicos, ou por intermédio das parcerias com as organizações da

sociedade civil (ONGs, Terceiro Setor, etc.) deixando a população majoritária a mercê

da filantropia. Essas temáticas, por ora apresentadas de forma preliminar, serão

aprofundadas em pesquisa de maior amplitude desenvolvida em Programa de Pós-

Graduação em Educação.

Referências bibliográficas

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143

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TERRITÓRIO EDUCATIVO COMO GARANTIA DE DIREITOS

CONSTITUCIONAIS: UM CAMINHO POSSÍVEL?

TERRITORIO EDUCATIVO COMO GARANTÍA DE

LOSDERECHOSCONSTITUCIONALES: ¿UNA FORMA

POSIBLE?

Dejanira FontebassoMarquesim

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP

[email protected]

Palavras-chave: Território Educativo; Direitos Sociais; Educação Integral.

Palabras clave: territorio educativo; derechos sociales; educación integral.

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144

Introdução:

O presente projeto de doutoramento visa discutir o território educativo como

Política Pública entendendo-o como parte das políticas sociais para a garantia dos

direitos constitucionais brasileiros. Autores como Florestan Fernandes, Carlos

Rodrigues Brandão sugerem que, nas sociedades democráticas, o Estado, através dos

governos e das políticas públicas, constitui-se como a esfera de materialização dos

direitos sociais ocorrendo desta maneira uma disputa acerca do que se entende por

direitos sociais e quais serão priorizados. Nesse sentido o conceito de território

educativo, introduz um novo olhar para a garantia dos direitos sociais, assumindo o

cidadão como inteiro e favorecendo que os diferentes espaços políticos, direitos sociais

assumam um caráter educativo tratando as políticas públicas garantidoras de direitos

como políticas interligadas e educativas, abandonando a segmentação das ações e

promovendo a intersetorialidade.

Num momento em que os direitos são fragilizados a partir da multiplicação de

políticas de privatização, o Estado, numa lógica capitalista reduz seu tamanho e, como

explicam Dardot e Laval (2016) esse é reestruturado de fora para dentro com as

privatizações maciças, e dentro para fora com instauração da regulação e controle.

Escondido sob o discurso de um Estado ineficaz, moroso e improdutivo se esconde a

mercadorização da instituição pública e a progressiva desresponsabilização do Estado

pelos direitos sociais.

O artigo 6º da Constituição Federal que criou um escopo de direitos sociais, a

saber ―educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança,

previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados‖,

que devem ser garantidos em sua totalidade e que estão inter-relacionados, ou seja,

nenhum deles poderá ser plenamente alcançado por um política pública de forma

isolada, faz-se necessário uma conjunção de todas.

A hipótese central deste estudo é a de levantar e descrever as experiências

assumidas na Região Noroeste do Município de Campinas buscando compreender como

o conceito de Território Educativo se coloca, tecendo então possíveis caminhos para as

Políticas Públicas voltadas para a Educação Brasileira. O objetivo central é demonstrar

como a intersetorialidade presente no território educativo pode gerar um movimento

contrário aos processos de exclusão e mercantilização.

A educação mundial vive um processo de mercantilização que reduz o conceito

de conhecimento a um conjunto de saberes e aprendizagens que possam ser mensurados

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145

em testes padronizados de larga escala, como podemos observar na leitura de

documentos da UNESCO29

e outros relatórios das agências de fomento internacionais.

A lógica da mercantilização redireciona os sentidos da escola pública e restringe

a possibilidade de concretização do artigo 205 da Constituição Federal principalmente

no que tange o pleno desenvolvimento da pessoa humana e seu preparo para o exercício

da cidadania, uma vez que reduz o conceito de aprendizagem a determinados conteúdos

padronizados, aprendidos em faixas etárias estipuladas e que possam ser medidos a

partir de avaliações de larga escala.

Comprometemo-nos com uma educação de qualidade e com a melhoria dos

resultados de aprendizagem, o que exige o reforço de insumos e processos,

além da avaliação de resultados de aprendizagem e de mecanismos para

medir o progresso. (DECLARAÇÃO DE INCHEON, 2015, P.2, [grifo

meu])

Celso Henz (2012), seguindo nessa mesma perspectiva aponta que a educação

precisa se tornar integral (refere-se a ampliação do tempo) e integradora a fim de

possibilitar o educando os desafios e condições para descobrir-se, assumir-se e ser mais.

Para Brandão (2012) em tempos de ―cultura de mercado‖ a invadir a educação, dando-

lhe um caráter redutor de funcionalização, urge resgatar a sua função integral e

humanizadora.

Os documentos regulatórios no Brasil trazem a marca do que podemos chamar

de Educação Integral ou integralizadora desde a Constituição de 1988 com seu artigo

205, reforçada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1996 no seu artigo 2º ao

trazer a educação como:

A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de

liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno

desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e

sua qualificação para o trabalho (Brasil, art. 2º, 1996, [grifo meu]).

O ideário da Educação Plena, integral do educando é uma marca constante nos

discursos em torno da educação e assumiram um caráter de grandes saltos educativos

para a melhoria da educação no Brasil. Os autores Titton e Pacheco (2012)

compreendem que constitui-se um desafio histórico repensar a educação de modo a

superar a fragmentação do conhecimento, dicotomias como formal/não formal, turno e

29

Vide por exemplo a Declaração de Incheon - Educação 2030: rumo a uma educação de qualidade

inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todo, resultado do Fórum Mundial de Educação

realizado em 2015. Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002331/233137POR.pdf

Acesso em: 24 jul. 2018.

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contraturno, curricular e extracurricular, agregando outros princípios como a

territorialização, a intersetorialidade e outros arranjos educativos possíveis no local, no

entorno da escola, para além de seus muros.

Moll (2013) ressalta que a lógica da institucionalização da escola e do

conhecimento provoca um distanciamento entre as linguagens e saberes do mundo e da

comunidade, das linguagens, saberes e modus operandi das organizações escolares. A

escola acabou por se transformar no espaço da homogeneização. Contudo faz-se

necessário reconectar os tempos da escola com os tempos da vida, ampliar o olhar de

espaço para além dos muros e construir um espaço do conhecimento integrado ao

espaço da vida.

A experiência das Cidades Educadoras, originária na Espanha e que ganha força

a partir da década de 90, introduz um novo olhar para a garantia dos direitos sociais,

assumindo o cidadão como inteiro e promovendo que os diferentes espaços políticos,

direitos sociais assumam um caráter educativo tratando as políticas públicas

garantidoras de direitos como políticas interligadas e educativas abandonando a

segmentação das ações, promovendo a intersetorialidade. As cidades expandem para

além de suas funções tradicionais, capazes de reconhecer, promover e exercer um papel

educador na vida dos sujeitos, assumindo como desafio permanente a formação integral

de seus habitantes. As diferentes políticas, espaços, tempos e atores são compreendidos

como agentes pedagógicos, capazes de apoiar o desenvolvimento de todo potencial

humano30

.

O grande desafio é materializar a intersetorialidade assumindo os diferentes

espaços do território como educativos, além da escola, com diferentes agentes, não só os

docentes. A compreensão de Educação Integral e da tão almejada educação para o pleno

exercício da cidadania precisa se colocar no território e no conjunto de Políticas

Públicas garantidoras de direito nesse território, assim a intersetorialidade se junta ao

processo educacional.

Nesse sentido volto então a questão norteadora dessa pesquisa: Como, a partir da

escola, é possível se constituir um território educativo que qualifique a educação,

concretizando uma educação efetivamente integral, nos termos da Carta Cidadã?

Precisamos entender os caminhos assumidos por essas experiências e clarear

possibilidades para a manutenção do direito a uma educação pública, de qualidade que

30

Definição dada pelo site Cidades Educadoras disponível no endereço eletrônico:

http://cidadeseducadoras.org.br/conceito/

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147

efetivamente leve ao pleno desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o

exercício da cidadania e uma educação integral engendrada num território educativo.

Metodologia:

A opção metodológica desta investigação tem seus pressupostos na pesquisa

qualitativa (BOGDAN & BIKLEN, 1994),com utilização de procedimentos

metodológicos distintos para coleta, tratamento dos dados e para sua análise, cujo

percurso pretende desvelar e auxiliar na compreensão de como as circunstâncias, as

experiências de materialização da Educação Integral e o conceito de Território

Educativo, os modos como os sujeitos às interpretam podem gerar transformação social.

Para o estudo das experiências realizadas envolvendo Educação Integral e

território educativo os principais recursos metodológicos serão: levantamento

bibliográfico dos marcos regulatórios vigentes sobre educação e sua relação com o

território educativo; mapear as experiências de Educação e intersetorialidade no

Município de Campinas; traçar um perfil dos equipamentos Público e privados

presentes na Região Noroeste que possam se tornar espaços educativos; traçar um perfil

da Região Noroeste do Município de Campinas do ponto de vista intersetorial

considerando todos os direitos garantidos no Artigo 6º da Constituição Federal;

acompanhamento das experiências realizadas na região Noroeste do Município de

Campinas com a observação direta em campo, com produção de diários de observação,

coleta de depoimentos e entrevistas dos sujeitos envolvidos, além de publicações

virtuais ou impressas de textos ou relatos das experiências em estudo.

Coletados os dados, aplicar-se-á a abordagem qualitativa, através de um

conjunto de técnicas interpretativas com o objetivo de construir dados que permitam a

compreensão sobre os significados que os acontecimentos têm para os sujeitos da

investigação, enfatizando-se a importância da interação e da cultura para a compreensão

do todo (BOGDAN; BICKLEN, 1994). A interpretação dos dados acontecerá durante o

processo, à medida que vão sendo recolhidos, gradualmente, sem hipóteses pré-

concebidas e auxiliará na construção de análises interpretativas dos mesmos a luz das

premissas teóricas adotadas. Os resultados do estudo devem apontar, além de dados

interpretativos em torno da temática, essencialmente traçar os efeitos de uma educação

vinculada ao território e aliada a um forte laço intersetorial como garantidora de direitos

e de formação plena do cidadão.

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Ao longo de toda a pesquisa estarei continuamente questionando os sujeitos da

investigação com o objetivo de perceber aquilo que eles experimentam, o modo como

interpretam suas experiências e o modo como estruturam o mundo social em que vivem.

Outra fonte importante de dados será a análise documental de registros de eventos e

iniciativas surgidas das diferentes ações no território assim como as publicações locais a

respeito da temática.

Discussão dos resultados:

Trata-se de um projeto de doutoramento cujo ingresso se deu em fevereiro de

2019, portanto, ainda não há dados a serem discutidos. Nesse momento o que se

apresenta é o cenário no qual se coloca o estudo e o contexto da pesquisa.

Conclusão:

Investigar e discutir a viabilidade de tomar o território, o espaço e o lugar de

vida como dimensões que promovem processos educativos. Analisar se o conceito de

território educativo é o caminho real para a concretização de uma educação

efetivamente integral nos termos da Carta Cidadã. Ao realizar tal discussão pretende-se

ainda delinear um caminho para as Políticas Públicas visando a concretização de um

município educador, uma cidade educadora, respeitando-se as especificidades

brasileiras na contramão dos processos de mercantilização da educação.

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149

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24/07/2018.

EIXO 3 – FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E PRIVATIZAÇÃO

LEI DE RESPONSABILIDADE E GASTOS COM PESSOAL EM

TRÊS MUNICÍPIOS MATOGROSSENSES - CUIABÁ, VÁRZEA

GRANDE E RONDONÓPOLIS

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150

LEY DE RESPONSABILIDAD Y GASTO DEL PERSONAL EN

TRES MUNICIPIOS MATOGROSSENSE: CUIABÁ, VARZEA

GRANDE Y RONDONÓPOLIS

DOMICIANO, Cassia Alessandra (ICHS/UFMT). E-mail: [email protected]

COSSETIN, Márcia (ICHS/UFMT). E-mail: [email protected]

Palavras-chave: Lei de Responsabilidade Fiscal. Gasto com Pessoal. Financiamento da

educação.

Palabras-clave: Ley de Responsabilidad Fiscal. Gasto en personal. Financiación de la

educación.

Introdução

Este trabalho, em andamento no Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas

Educacionais (Greppe-UFMT)31

, apresentará o percentual de gasto com pessoal em três

municípios que integram a amostra da investigação intitulada ―Mapeamento das ações

adotadas por municípios matogrossenses para educação básica pública frente à Lei De

Responsabilidade Fiscal (2005-2020) 32

‖ quais sejam: Cuiabá, Várzea Grande e

Rondonópolis tendo em vista serem os três mais populosos dentre aqueles elencados

para pesquisa33

.

A Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar nº 101/2000, definiu para

os municípios, o teto de gasto com pessoal em 60%, sendo 54% para o executivo e 6%

para o legislativo, estipulando o prazo de adequação de dois anos para aqueles cuja

população estivesse entre 50.000 e 100.000 habitantes e até 2005 para os municípios

pequenos que tivessem até 50.000 habitantes, tendo o primeiro grupo, que reduzir, no

mínimo, 50% do excesso de gasto já no primeiro exercício fiscal após a implementação

da lei.

Diferentes teóricos na área da educação (ADRIÃO coord., 2009; ARELARO

2008; BORGHI; 2012), concordam que a restrição prevista na LRF ―[...] tem induzido o

aumento das parcerias entre os setores públicos e o privado por meio da terceirização

31

O Greppe agrega pesquisadores (docentes, estudantes de graduação e pós-graduação) vinculados a

diferentes universidades públicas no Estado de São Paulo (Unesp-RC, Unicamp e USP-RP e, mais

recentemente, em 2019 foi aprovado no âmbito da UFMT encontrando-se em processo de cadastramento

no diretório do CNPq. 32

Projeto PROPeq nº 225/2019, coordenado pelas professoras Dras. Cassia Domiciano e Márcia Cossetin. 33

Os municípios a serem investigados são os sete mais populosos do Estado de Mato Grosso: Cuiabá,

Várzea Grande, Sinop, Rondonópolis, Cáceres, Barra do Garças e Tangará da Serra.

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151

dos contratos‖ (ADRIÃO; BEZERRA, 2013, p. 59) o que nos estimula buscar dados

que comprovem tal situação em diferentes partes do país.

Para este trabalho, de caráter preliminar, apresentaremos o levantamento inicial

do gasto com pessoal nos três municípios mais populosos do estado de Mato Grosso

(3.035.122 hab): Cuiabá (551.098 hab.), Várzea Grande (252.596 hab.) e Rondonópolis

(195.476 hab.)34

, nos períodos de 2001; 2002; 2005; 2010 e 2015 tendo como objetivo

averiguar o movimento dos percentuais nos dois exercícios consecutivos à implantação

da LRF e nos dez anos seguintes, abarcando três gestões municipais, para, em etapa

posterior, verificar as ações adotadas por eles para garantir a oferta e a gestão

educacional, frente à restrição de gastos35

. Pretende-se, portanto, mapear possíveis

reduções ou ampliações no gasto com pessoal sob influência da LRF.

Nesta parte da investigação fizemos uso da pesquisa documental, caracterizada

pela análise de documentos. A opção por este tipo de pesquisa deve-se ao fato de se

constituir uma fonte rica e estável de dados (GIL, 2002) e ainda, por contemplar o

objetivo delineado nesta investigação.

Para apurar o gasto com pessoal utilizamos as Declarações enviadas pelos

municípios ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro

(Siconfi). As de 2002 a 2005 foram encontradas no link ―Declarações anteriores ao

Siconfi‖, em relatórios denominados ―Quadro de dados Contábeis Consolidados

Municipais‖, pelos quais localizamos o valor das Receitas Correntes e do Gasto com

Pagamento de Pessoal. Para os exercícios de 2010 a 2015, encontramos o Relatório de

Gestão Fiscal (RGF) disponível em: consulta; ―Declarações Siconfi‖. No RGF os gastos

já se encontram apurados, facilitando o levantamento.

O texto encontra-se organizado em três partes: esta introdução, que inclui a

metodologia utilizada; na sequência trazemos parte da LRF/2000 que tem estreita

relação com o levantamento inicial deste trabalho e a apresentação da apuração do

limite de gasto com pessoal nos três municípios citados. Para finalizar, tecemos

brevemente nossas análises sobre os dados apresentados.

Lei de Responsabilidade Fiscal e limite de gasto com pessoal: Cuiabá, Várzea

Grande e Rondonópolis-MT.

34

População com base nos dados do Censo de 2010, do IBGE, divulgado pelo Atlas do Desenvolvimento

Humano no Brasil. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta/ - acesso em 05 ago.

2019. 35

Etapa não contemplada neste trabalho.

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152

A LRF, Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, estabelece normas de

finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O objetivo declarado no texto legal é o alcance da responsabilidade na gestão

fiscal por meio da ação planejada e transparente, prevenindo riscos e corrigindo desvios

que podem afetar o equilíbrio das contas públicas (BRASIL, 2000).

Conforme preconizado na lei, o controle se efetiva pelo cumprimento de metas

de resultados entre receitas e despesas e obediência a limites e condições sobre a

renúncia de receitas, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras,

dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de

receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar (BRASIL, 2000).

A LRF/2000, ampliou e aprimorou as exigências previstas na Constituição

Federal de 1988 para o planejamento público do qual fazem parte: o Plano Plurianual

(PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA)

(BRASIL, 2000). Além dos mecanismos de planejamento, instituiu instrumentos de

transparência da gestão fiscal, os quais, devem ser ampla e constantemente divulgados,

inclusive em meios eletrônicos de acesso público, dentre esses instrumentos encontram-

se: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o

respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) e

o Relatório de Gestão Fiscal (RGF); e as versões simplificadas desses documentos

(BRASIL, 2000), este último utilizado para o levantamento deste trabalho.

Para o aprimoramento, ou ―aprisionamento‖, do controle das finanças públicas e

cumprimento das metas fiscais, a LRF prevê limites das despesas totais com pessoal

para cada ente da federação. No caso dos municípios, 54% para o Executivo e 6% para

o Legislativo, incluindo o Tribunal de Contas do Município, quando houver.

A despesa total com pessoal compreende o somatório dos gastos do ente da

Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos,

cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, subsídios,

proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações,

horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e

contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência. Também contabilizam-

se como despesa com pessoal, os valores dos contratos de terceirização de mão-de-obra

que se referem à substituição de servidores e empregados públicos. O executivo soma

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153

os gastos da Administração Direta, das Autarquias, das Fundações, dos Fundos e das

Empresas Estatais Dependentes.

O percentual das despesas com pessoal é apurado sobre a Receita Corrente

Líquida, que corresponde ao somatório das receitas tributárias, de contribuições,

patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras

receitas correntes, computando-se ainda os valores pagos e recebidos em decorrência da

LC n° 87, de 13/9/1996 (Lei Kandir) e do fundo previsto pelo art. 60 do Ato das

Disposições Constitucionais e Transitórias (Fundeb) (BRASIL, 2000).

Quando o município atinge o limite de alerta36

cabe ao Tribunal de Contas

advertir o ente federado (BRASIL, 2000) apenas para que observe os referidos valores

para os quadrimestres posteriores tendo em vista a Receita Corrente Líquida. Se a

despesa total com pessoal exceder o limite prudencial a lei veda ao Poder ou órgão que

incorreu em excesso:

I) concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de

remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial

ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão geral anual

prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

II) criação de cargo, emprego ou função;

III) alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV) provimento de cargo público a qualquer título, ressalvada a

reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das

áreas de educação, saúde e segurança;

V) contratação de horas extras, salvo no caso do disposto no inciso II o

§6º do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes

orçamentárias. (BRASIL, 2000, p. 9).

Além disso, o texto constitucional no § 3º, art. 169 prevê a suspensão de todos

os repasses de verbas federais ou estaduais aos entes federados que não cumprirem o

limite imposto pela lei complementar (BRASIL, 1988).

No caso específico dos gastos com Educação, o previsto pela LRF/2000

confronta-se com o determinado pela Emenda Constitucional 53, de 19 de dezembro de

2006 que instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e

de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), determinando que a proporção

não inferior a 60% fosse destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da

educação básica em efetivo exercício. Diante desta contradição legal, tornou-se

36

Conforme art. 22, parágrafo único, limite prudencial se refere a 95% do limite total de gasto (54%) que

representa 51,30%. Já o limite de alerta corresponde a 90% do total estabelecido em lei, ou seja, 90% dos

54% que corresponde a 48,60% (art. 59, inciso II). (BRASIL, 2000)

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154

recorrente prefeitos, governadores anunciarem a transferência da gestão, a compra de

vagas em instituições privadas, entre outras formas de arranjos públicos e privados para

garantia da oferta educacional, sob as justificativas dos limites impostos pela

LRF/200037

. Fato que nos leva a investigar com mais profundidade as ações municipais

para educação, diante das restrições fiscais.

Relembramos que, neste momento, apresentaremos dados de três municípios

matrogrossenses no que se refere a apuração do gasto com pessoal na série histórica

delimitada.

Tabela 1 – Apuração do Gasto com Pessoal nos municípios de Cuiabá, Várzea Grande e Rondonópolis (2001; 2002; 2005; 2010; 2015)

Fonte: Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do setor Público Brasileiro (SICONFI). Relatório de Gestão Fiscal (RGF) – 2001; 2002; 2005; 2010, 2015

Obs. Valores atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para julho/2019.

* Valores em milhões

Município

Apuração do

cumprimento do Limite

legal

2001 2002 2005 2010 2015

Cuiabá

Receita Corrente Líquida 990.476.009,92 922.317.634,23 1.118.370.190,58 1.290.771.032,33 1.838.025.500,71

Despesa Total com Pessoal 443.523.248,78 433.969.159,95 485.493.359,59 611.681.153,02 911.194.828,92

% Apurado 44,78% 47,05% 43,41% 47,39% 49,57%

Várzea Grande

Receita Corrente Líquida 294.629.282,20 *299.538,67 328.985.568,51 404.387.938,87 680.599.581,70

Despesa Total com Pessoal 114.642.943,81 130.576,01 161.634.450,62 213.181.321,99 317.186.874,67

% Apurado 38,91% 43,59% 49,13% 52,72% 46,60%

Rondonópolis

Receita Corrente Líquida 249.111.162,68 251.700.187,61 377.969.144,08 496.293.004,92 881.608.523,48

Despesa Total com Pessoal 93.365.161,42 105.064.771,52 151.225.918,50 209.356.713,36 381.139.992,72

% Apurado 37,48% 41,74% 40,01% 42,18% 43,23%

Primeiramente, destacamos que no exercício seguinte à aprovação da LRF os

três municípios analisados conservaram o gasto com pessoal abaixo do limite definido

em lei (54%), fato que se manteve ao longo dos períodos destacados. Até 2015, nenhum

deles atingira o limite prudencial (51,30%), entretanto, dois deles extrapolaram o limite

de alerta, (48,60%) quais sejam, Cuiabá, em 2015 e Várzea Grande, em 2005 e 2010.

A receita corrente líquida nos três municípios em tela se ampliou ao longo dos

catorze anos, em Cuiabá, 85,57%, em Várzea Grande 131% e em Rondonópolis

253,90%. O gasto com pessoal cresceu acima dos percentuais das receitas municipais,

ficando em 105,44% em Cuiabá, 176% em Várzea Grande e 308,22% em

Rondonópolis, ainda assim, não houve desobediência à norma legal.

Considerações Finais

37

Como exemplo podemos citar no estado de São Paulo, os municípios Campinas e Americana. O

primeiro, transferiu a gestão de unidades de educação infantil para entidades privadas, o segundo demitiu

professores e profissionais da saúde no final do estágio probatório gerando um caos da educação e saúde

local.

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155

A Lei de Responsabilidade Fiscal, implantada sob o discurso do controle das

finanças públicas, com foco na dívida pública e no gasto com pessoal, parece provocar

nesses três municípios ora analisados: Cuiabá, Várzea Grande e Rondonópolis o que

Dea Guerra Fioravante, Maurício Mota Saboya Pinheiro e Roberta da Silva Vieira

(2006, p. 6) indicaram em seus estudos. Para os autores, a imposição do limite de 54%

para o executivo ―[...] estimulou o aumento dessa despesa para a maioria dos

municípios que apresentavam gastos muito inferiores ao teto determinado. No entanto, a

minoria que ultrapassava esse teto se ajustou.‖ Podemos assim afirmar, que, neste

quesito, a Lei Complementar não atingiu o objetivo ao qual se propunha. Teria ela então

reduzido o endividamento nesses municípios?

A esse respeito, nosso levantamento carece de dados, mas para Fioravante,

Pinheiro e Vieira (2006), ao analisarem o indicador ―endividamento‖ em diferentes

municípios brasileiros, notaram que a LRF ―[...] gerou um efeito controlador para o

pequeno número de municípios que ultrapassava o limite imposto [...] e aos que não se

ajustaram, aumentaram sua participação na dívida agregada [...]‖. Desta forma, os

autores notaram dois efeitos provenientes do limite de gasto, o controle da dívida de

alguns municípios e a concentração do endividamento de outros, evidenciando mais

uma vez, que embora a LRF tenha como meta principal declarada o controle da dívida

pública, tal preceito, naquele momento histórico da pesquisa dos autores citados, não se

concretizara inteiramente.

Diante dessas breves considerações questionamos: Seria o limite de gasto

imposto pela LRF justificativa suficiente e objetiva para implementação de múltiplos

acordos entre os setores público e privado como temos assistido nos últimos anos do

século XXI? Teria esta lei, provocado a diminuição de concursos públicos na área da

educação e a ampliação de contratações de trabalhadores que tem seus trabalhos,

remuneração, carreira precarizados em detrimento de uma austeridade fiscal? Essas e

outras questões são assuntos para posterior aprofundamento e debate.

Referências

ADRIÃO, Theresa (coord.). Estratégias municipais para a oferta da Educação

Básica: Análise das parcerias público-privado no estado de São Paulo. Relatório de

pesquisa. Fapesp, 2009.

ADRIÃO, Theresa; BEZERRA, Egle Pessoa. O setor não lucrativo na gestão da

educação pública: corresponsabilidade ou debilidade. Currículo sem Fronteiras, v. 13,

n. 2, mai.-ago., 2013, p. 256-268.

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156

ARELARO, L. A não-transparência nas relações público-privadas: o caso das creches

conveniadas. In: ADRIÃO, T.; PERONI, V. (Orgs.). Público e privado na educação:

novos elementos para o debate. São Paulo: Xamã, 2008, p.51-66

BORGHI. Raquel Fontes. A oferta educacional da educação infantil: arranjos

institucionais entre o público e o privado. Relatório de pesquisa. CNPQ, 2012.

BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Lei de Responsabilidade

Fiscal. SILVA, M. M da; AMORIM, F. A.; SILVA, V. L. da. Lei de responsabilidade

fiscal para os municípios: uma abordagem prática. São Paulo: Atlas, 2004.

BRASIL. Emenda Constitucional nº. 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova

redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc53.htm - acesso

em 0/12/2008.

FIORAVANTE, Dea Guerra; PINHEIRO, Maurício Mota Saboya; VIEIRA, Roberta da

Silva. Lei de responsabilidade fiscal e finanças públicas municipais: impactos sobre

despesas com pessoal e endividamento. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea), 2006.

SISTEMA DE INFORMAÇÕES CONTÁBEIS E FISCAIS DO SETOR PÚBLICO

BRASILEIRO. Declaração Siconfi 2010, 2015. Brasília: Siconfi, 2019. Disponível em:

https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/pages/public/declaracao/declaracao_list.jsf - acesso

em 05/08/2019.

SISTEMA DE INFORMAÇÕES CONTÁBEIS E FISCAIS DO SETOR PÚBLICO

BRASILEIRO. Declarações Anteriores ao Siconfi 2001, 2002, 2005, 2010. Brasília:

Siconfi, 2019. Disponível em:

https://siconfi.tesouro.gov.br/siconfi/pages/public/declaracoes_anteriores/declaracoes_a

nteriores_list.jsf - acesso em 05/08/2019.

GASTOS DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO

ENSINO COM O SETOR PRIVADO COM E SEM FINS

LUCRATIVOS: ANÁLISE DE MINAS GERAIS E PARÁ38

GASTOS DE MANTENIMIENTO Y DESARROLLO EN

EDUCACIÓN CON EL SECTOR PRIVADO Y SIN FINES DE

LUCRO: ANÁLISIS DE MINAS GERAIS Y PARÁ.

38

Este artigo é um recorte dos resultados obtidos na dissertação de mestrado da autora, financiada pela

CAPES, desenvolvida no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisa em Política Educacional (Greppe) e

vinculada ao projeto intitulado ―Mapeamento das estratégias de privatização da educação básica no Brasil

(2005-2015)‖, financiada pelo CNPq e coordenada pela Prof.ª Dr.ª Theresa Adrião.

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157

Ellen Ceccon

Mestre em Educação

GREPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional

[email protected]

Palavras-chaves: Financiamento; Privatização; Educação Básica

Palabras clave: Financiamiento; Privatización; Educación BásicaIntrodução

Este trabalho apresenta as aplicações de recursos de manutenção e

desenvolvimento do ensino contingenciados para o setor privado com e sem fins

lucrativos em dois estados brasileiros, Minas Gerais e Pará. Para tal, foram analisados a

aplicação dos recursos públicos que são transferidos para instituições privadas nos

Elementos de Despesas das Categorias Econômicas (EDCEs) 3.33.90.39 – Outros

Serviços de Terceiros – Pessoa Jurídica e 3.33.50.00 – Transferências às Instituições

Privadas Sem Fins Lucrativos.

O financiamento da educação brasileira é regulamentado pelo artigo n.º 212 da

Constituição Federal de 1988, que define os percentuais mínimos de recursos

financeiros, arrecadados por meio de impostos, que devem ser investidos em

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) pela União, Estados, Distrito Federal

e Municípios. (OLIVEIRA, 2007). A União deve aplicar, em educação, pelo menos

18%, enquanto os Estados e os Municípios devem aplicar pelo menos 25% dos volumes

dos impostos por eles arrecadados. (BRASIL, 1988). A Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB) de 1996 determina o que pode ser considerado gastos em (MDE) e o

que não deve ser considerado MDE, nos artigos 70º e 71º da legislação.

As despesas públicas são discriminadas de acordo com sua natureza e

categorizadas seguindo a Portaria Interministerial nº 163, de 4 de maio de 2001, que

dispõe sobre normas gerais de consolidação das contas públicas, também aplicadas nas

contas da educação. O manual de despesa nacional, elaborado pelo Tesouro Nacional,

padroniza as despesas relacionadas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios. Os Elementos de Despesas das Categorias Econômicas (EDCEs) analisados

nessa pesquisa foram selecionadas devido ao tipo de gasto que o contempla, no qual

determina-se que os itens nessa categoria correspondem a: 39 - Outros Serviços de

Terceiros – Pessoa Jurídica, que são ―despesas orçamentárias decorrentes da prestação

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158

de serviços por pessoas jurídicas para órgãos públicos‖ e 50 – Transferências às

Instituições Privadas sem Fins Lucrativos, conforme o manual do Tesouro Nacional, são

consideradas ―despesas orçamentárias realizadas mediante transferência de recursos

financeiros a entidades sem fins lucrativos que não tenham vínculo com a administração

pública.‖ (BRASIL, 2008).

Para seleção dos casos, levou-se em consideração pesquisas realizadas pelo

GREPPE (ADRIÃO (coord.), 2015a; ADRIÃO (coord.), 2015b) que apontavam Minas

Gerais e Pará como possíveis casos e devido a políticas assumidas de privatização,

como o Pacto pela Educação do Pará e os modelos de parcerias criadas pelo Choque de

Gestão em Minas Gerais.

O período da pesquisa corresponde a 2005-2015, previsto no projeto de

referência, que considera o começo da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei

Complementar 101/2000), que institui normas de finanças públicas relacionadas à

responsabilidade na gestão fiscal (ADRIÃO et al, 2014). De acordo com Adrião et al

(2014), a lei de Responsabilidade Fiscal ao delimitar os gastos do poder público,

apresenta um papel indutor à privatização e contribui significativamente para o aumento

dos pactos e acordos entre os governos e o setor privado.

Metodologia

Para analisar a aplicação dos recursos públicos que são transferidos para

instituições privadas nos EDCEs 3.33.90.39 – Outros Serviços de Terceiros – Pessoa

Jurídica e 3.33.50.00 – Transferências às Instituições Privadas Sem Fins Lucrativos,

optou-se pela coleta dos dados financeiros no SIOPE, uma vez que

O Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (SIOPE) é um

sistema eletrônico, operacionalizado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da

Educação (FNDE), instituído para coleta, processamento, disseminação e acesso público

às informações referentes aos orçamentos de educação da União, dos estados, do

Distrito Federal e dos municípios, sem prejuízo das atribuições próprias dos Poderes

Legislativos e dos Tribunais de Contas (FNDE, 2017).

Para a coleta dos dados no SIOPE, relacionados às receitas e despesas de MDE,

utilizaram-se os seguintes relatórios contábeis: Demonstrativos de receitas e despesas

com MDE (somente em 2005) ; Relatório Resumido da Execução Orçamentária –

RREO – Anexo X da Lei de Responsabilidade Fiscal (a partir de 2006); Demonstrativo

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159

na Função Educação 9 ; e Relatório de Dados Informados pelas Unidades da Federação:

Despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa de natureza qualitativa descritiva, com

procedimentos de estudo de caso (ANDRÉ, 2013) – serão analisados dois casos que

contemplam as redes estaduais de ensino de dois estados de diferentes regiões: Minas

Gerais (sudeste) e Pará (norte).

Desenvolvimento

A fim de apresentar as despesas pagas para o setor privado nos elementos de

despesa das categorias econômicas (EDCEs) analisados, levantou-se todas as despesas

próprias custeadas com impostos e transferências em MDE disponibilizadas pelo

SIOPE, correspondentes ao estado de Minas Gerais e Pará. É importante destacar que o

estado de Minas Gerais não entregou os relatórios ao SIOPE nos anos de 2014 e 2015, e

devido a isso, não constam informações contábeis nesse período para o estado.

Tabela 1 – Total de Despesas, em Minas Gerais e no Pará, nos EDCEs 3.33.90.39 e 3.33.50.00

(2005 a 2015) Minas Gerais Pará

Exercício Fiscal

3.33.90.39 -

Serviços de

Terceiros - PJ

3.33.50.00 -

Transf. Instituições

privadas

TOTAL-

EDCEs

selecionadas

Taxa de evoluçã

o em

relação a 2005

3.33.90.39 -

Serviços de

Terceiros - PJ

3.33.50.00 -

Transf. Instituições

privadas

TOTAL-

EDCEs

selecionadas

Taxa de

evolução em

relação

a 2005

2005 130.352.161,8

3 13.087.770,58

143.439.932,4

0 0 64.600.658,18

11.181.384,2

6 75.782.042,43 0

2006 160.981.715,2

7 42.739.182,81

203.720.898,0

7 30% 57.786.394,97

12.921.376,7

1 70.707.771,68 -7%

2007 114.896.603,4

5 57.524.516,56

172.421.120,0

0 17% 29.429.498,06 4.142.192,60 33.571.690,66 -126%

2008 202.176.024,7

9

139.603.174,7

4

341.779.199,5

4 58% 64.797.393,95 5.874.461,16 70.671.855,11 -7%

2009 135.875.756,6

8

131.907.811,0

6

267.783.567,7

4 46%

135.060.930,1

5

28.102.826,8

9

163.163.757,0

5 54%

2010 163.588.167,7

6

112.201.946,7

5

275.790.114,5

1 48% 91.503.797,46 9.525.807,92

101.029.605,3

8 25%

2011 125.286.334,7

2 9.954.705,68

135.241.040,4

0 -6% 95.637.503,73 2.361.466,51 97.998.970,24 23%

2012 241.715.214,1

1

188.561.742,9

7

430.276.957,0

7 67% 62.866.390,81 6.157.075,35 69.023.466,16 -10%

2013 182.622.084,7

7

193.516.550,2

7

376.138.635,0

4 62% 86.658.797,77 636.975,35 87.295.773,12 13%

2014 - - - - 57.901.329,04 1.937.258,96 59.838.588,01 -27%

2015 - - - - 9.509.776,82 1.611.380,82 11.121.157,64 -581%

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160

Fonte: autora com base em Adrião (coord.), 2015). Dados coletados no SIOPE e atualizados pelo INPC para

janeiro de 2017.

Identificou-se que, em ambos os estados, o maior repasse de recursos concentra-

se no EDCE 3.33.90.39 Serviços de Terceiros – PJ. No caso do Pará, observa-se uma

redução do volume do total pago nos dois EDCEs, de 2005 a 2015, em 581%, e então o

montante passou de R$75.782.042,43 para R$11.121.157,64. Os exercícios fiscais de

2009, 2010, 2011 e 2013 apresentaram aumento no volume pago para instituições

privadas, considerando que em 2009 pagou-se 54% a mais do que foi pago em 2005.

Em contrapartida, em Minas Gerais o valor total pago nos dois EDCEs, de 2005

a 2013, apresenta aumento, no qual o único ano que demonstra redução é o de 2011,

com 6% menor do que o pago em 2005. Em 2012, encontra-se o maior volume pago

para instituições privadas, R$430.276.957,07, o que corresponde a 67% maior do que

foi pago em 2005.

Ao relacionar os dados da tabela 1 (volume gasto no EDCEs) e gestão

governamental, percebe-se que dois anos que apresentaram maior aumento em relação a

2005, no caso de Minas Gerais, foram 2012 e 2013, ocorreram durante a gestão de

governo do PSDB. Já no caso do Pará, os dois anos que apresentam o maior aumento

são 2009 e 2010, ocorreram durante a gestão de governo do PT.

Considerações Finais

A bibliografia evidenciou que as parcerias do Estado com instituições não

estatais ou privadas são uma realidade presente no Brasil. A ideia de que a única

maneira para o aumento da eficiência do Estado e para assegurar a educação garantida

em lei, ocorrerá apenas se inserirmos mecanismos de gestão privada e gerencial na

educação. Neste modelo, verifica-se que as parcerias realizadas entre o setor público e

as instituições privadas ocorrem através de diversos formatos.

A hipótese de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar n.º

101/2000) influenciaria no aumento dos recursos pagos para o setor privado não pôde

ser identificada analisando apenas os dois EDCEs estudados. Em ambos os estados,

identificou-se políticas que sinalizam a privatização e a transferência da

responsabilidade educacional para o setor privado sem fins lucrativos e com fins

lucrativos. Assim, a presença do setor privado na gestão de políticas educacionais se

apresentou nos programas de governo Choque de Gestão e Pacto pelo Pará, no qual os

objetivos de ambos seriam a união entre o setor privado e o estado. Segundo Adrião

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161

(2017a), ―o que se observa, nesse começo de século, é a generalização da prática do

filocapitalismo‖. Ou seja, a filantropia se alinhando ao mundo dos negócios.

Referências

ADRIÃO, T. Indicações e reflexões sobre as relações entre esferas públicas e

privadas para a oferta educacional. In: Políticas Educativas, v.3, n.1, Porto Alegre,

2009, p.48-64.

ADRIÃO, T. e PERONI, V. Público não-estatal: estratégias para o setor

educacional brasileiro. In: ADRIÃO e PERONI (org.) O público e o privado na

educação: interfaces entre Estado e Sociedade. Xamã, São Paulo, 2005.

ADRIÃO, T. (coord.); GARCIA, T.; BORGHI, R.; BERTAGNA, R..; BARBOSA, L.;

MOELECKE, S. Mapeamento das estratégias de privatização da Educação Básica

no Brasil (2005-2015). Projeto de pesquisa apresentado a Chamada Universal –

MCTI/CNPq, nº 14, 2014.

ADRIÃO, T. GARCIA, T. Subsídio público ao setor privado: reflexões sobre a gestão

da escola pública no Brasil. Políticas Educativas, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 110-122,

2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da

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>http://www.anpae.org.br/iberolusobrasileiro2010/cdrom/123.pdf<

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162

CONFIGURAÇÕES DO PÚBLICO E DO PRIVADO NA

EDUCAÇÃO: PROGRAMA BOLSA CRECHE E “ESCUELAS

AUTOGESTIONADAS”

CONFIGURACIONES PÚBLICAS Y PRIVADAS EN EDUCACIÓN:

PROGRAMA “BOLSA CRECHE” Y “ESCUELAS

AUTOGESTIONADAS”

Jaqueline dos Santos Oliveira Valadares

Prefeitura Municipal de Rio Claro

[email protected]

Palavras-chave: público; privado; educação.

Palabras-clave: público; privado; educación.

Introdução

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de doutorado, já concluída, que

analisou as configurações do público e do privado em políticas de subvenção estatal às

instituições educacionais privadas no Brasil (Programa Bolsa Creche) e na Argentina

(Projeto ―Escuelas Autogestionadas‖). Aqui discutimos tais configurações, apontando

as principais semelhanças e diferenças nos dois modelos, considerando contextos

socioculturais tão distintos.

As legislações gerais e educacionais do Brasil e da Argentina tratam da questão

da subvenção estatal às instituições educacionais privadas. No Brasil, a Constituição

Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 garantem a

destinação de recursos públicos a instituições privadas comunitárias, filantrópicas e

confessionais, ressalta-se, no entanto, que a legislação brasileira não faz referência à

destinação de recursos a instituições particulares em sentido estrito. Na Argentina, a Lei

de Educação Nacional de 2006 garante a destinação de recursos públicos a instituições

privadas para o pagamento de salário dos docentes.

O Programa Bolsa Creche consiste no subsídio do Estado às instituições

educacionais privadas com e sem fins lucrativos para o atendimento da educação

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163

infantil. No caso específico da pesquisa apresentada, investigamos o programa adotado

no município paulista de Limeira, instituído pela Lei Municipal n° 3.649 de 2003 e

regulamentado pelo Decreto Municipal nº 318, de 18 de outubro de 2007, nele fica

estabelecido um valor per capita mensal por aluno matriculado, repassado à instituição

privada concessionária. O projeto Escuelas Autogestionadas ou Escolas Experimentais

foi instituído na Província argentina de San Luis pela Lei nº 4.914 de 1991 e

regulamentado pelo Decreto Executivo nº 2.562 de 1999, consiste em um projeto de

escolas geridas por associações civis (caracterizadas como organizações públicas não

estatais), financiado pelo Estado por meio de um sistema de alocação por aluno.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa (LÜDKE, ANDRÉ, 1986; TRIVIÑOS, 2008),

realizada por meio da revisão bibliográfica e pesquisa documental em fontes primárias

(legislações, documentos e publicações oficiais e dados relativos aos programas/

projetos), além de coleta, sistematização e análise de dados oficiais dos dois países.

Discussão dos resultados

O Programa Bolsa Creche e o Projeto ―Escuelas Autogestionadas‖ constituem

políticas de subvenção estatal às instituições educacionais privadas. No quadro abaixo

apresentamos as principais características dos dois programas/ projetos.

Quadro 1: Características do Programa Bolsa Creche e do Projeto “Escuelas

Autogestionadas” Projetos/

programas

Programa Bolsa Creche (município

de Limeira – SP - BRASIL)

Projeto ―Escuelas Autogestionadas‖

(Província de San Luis - ARGENTINA)

Leis Lei Municipal n° 3.649 de 2003

Decreto Municipal nº 318, de 18 de

outubro de 2007

Lei nº 4.914 de 1991 - Lei de Escolas

Experimentais.

Decreto nº 2.562 (13 de agosto de 1999)

estabelece o Regime de Escolas

Experimentais no Sistema Educacional

Provincial de acordo com a Lei nº 4.914 de

1991

Ano de início 2007 2001

Natureza das

instituições

Privadas com e sem finalidade

lucrativa

Públicas de gestão estatal ou gestão privada.

Gestão Privada Privada - Associações Educacionais

(Associações civis sem fins de lucro)

Instrumento

jurídico

Termo de Concessão Contrato - ―Compromiso de Escuela de

Calidad"

Etapa atendida Educação Infantil Educação inicial, primária e secundária.

Formato de

subsídio

Per capita mensal (vaga

disponibilizada e ocupada) pago a

Alocação por aluno – Unidade de Subvenção

Educativa (U.S.E.), que é

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164

Projetos/

programas

Programa Bolsa Creche (município

de Limeira – SP - BRASIL)

Projeto ―Escuelas Autogestionadas‖

(Província de San Luis - ARGENTINA)

cada instituição privada integrante

do Programa

entregue mensalmente às Associações

Educacionais

Prestação de

contas

Ofício atendendo ao disposto no

inciso IV, do art. 3º, do Decreto

Municipal nº 420, de 30 de

dezembro de 2010, quando a

situação assim exigir;

Controle de frequência, conforme

disposto no inciso X, do art. 3º, do

Decreto Municipal nº 420, de 30 de

dezembro de 2010;

Relatório circunstanciado, a fim de

atender o disposto no Parágrafo

Único do art. 7º, do Decreto

Municipal nº 420, de 30 de

dezembro de 2010, quando for o

caso;

Relatório mensal de suas atividades,

dirigido ao Agente de

Desenvolvimento Educacional

responsável pela concessionária.

A Associação Educacional responsável pela

escola pode utilizar os recursos sem prestar

contas de acordo com o que considera

melhor, desde que garanta o cumprimento

do Projeto Educativo Institucional.

Justificativa para

adoção

Atendimento a demanda Inovação (pedagógica e didática) e melhoria

da educação

Regulação por

parte do Estado

Secretaria Municipal da Educação,

através da Diretoria Técnica de

Planejamento – Agentes de

Desenvolvimento Educacional –

supervisionará o serviço oferecido

pelas instituições, elaborando

normas e zelando pelo bom

atendimento das crianças bolsistas.

Ministério de Governo e Educação deve

organizar um sistema de apoio e orientação

para escolas experimentais, além de

organizar um sistema de supervisão continua

e sistemático do cumprimento das metas de

aprendizagem, da gestão dos recursos

financeiros, assim como dos aspectos

normativos e legais (Art. 31 do Decreto nº

2.562/99).

FONTE: AUTORA, 2018

Os dois programas/ projetos são regulamentados por normativas específicas

(Leis e Decretos). Ambos os programas – Bolsa Creche e ―Escuelas Autogestionadas‖ -

apresentam instrumentos jurídicos que regulam a concessão, no caso do primeiro é o

Termo de Concessão e no segundo o ―Compromiso de Escuela de Calidad". O Programa

Bolsa Creche atende especificamente a educação infantil e o projeto ―Escuelas

Autogestionadas‖ atende a educação inicial, primária e secundária. Observamos, então,

uma distinção entre os programas no que diz respeito à extensão.

Observa-se que nesses dois programas/ projetos a oferta educacional é gratuita

(assim voga as leis que os estabelecem), no entanto, o Estado se desresponsabiliza de

uma de suas funções básicas/ primordiais que é a oferta da educação e assume um papel

secundário de financiador e regulador/ avaliador de tais políticas. Para Freitas (2016), as

políticas de avaliação por resultado e responsabilização viabilizam a privatização da

educação, para ele, a privatização é a destinação final de tais políticas.

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165

As instituições que integram o Projeto ―Escuelas Autogestionadas‖ podem ser

escolas públicas de gestão estatal ou gestão privada que se converteram em

Autogestionadas, conforme estabelecido na lei, assim, o Estado estabelece uma

concessão da gestão das escolas públicas a associações civis, a concessão dada pelo

Estado não é ilimitada, a autorização concedida pelo governo é de cinco anos e pode ser

renovada, se for bem avaliada. Ainda no caso das ―Escuelas Autogestionadas‖, o Estado

pode ou não concessionar o edifício escolar às associações civis. No caso do Programa

Bolsa Creche, todo ano as escolas integrantes do Programa precisam apresentar à

Secretaria Municipal da Educação os documentos (atualizados), estabelecidos em decreto

municipal.

A natureza das instituições integrantes dos dois programas é diferente, em uma

privada e em outro pública, no entanto, a gestão educacional de ambos é privada. Alguns

estudos (como os de: BALL & YOUDELL, 2008; ADRIÃO et. al, 2009, Campanha

Latino-Americana pelo Direito à Educação, 2014; FREITAS, 2016, entre outros) indicam

que a terceirização da gestão educacional, quando passa a ser exercida por uma

organização social privada, viabiliza a privatização educacional.

No concernente as configurações, isto é, as formas exteriores, os aspectos, do

público e do privado, temos que os termos ―público‖ e ―privado‖ são usados

cotidianamente em diferentes situações e contextos. Falamos em política pública,

transporte público, educação pública, patrimônio público, vida pública, saúde pública,

assim como educação privada, patrimônio privado, bens privados, planos de saúde

privados, vida privada. Para Carvalho (2008), os termos ―público‖ e ―privado‖ são

polissêmicos, cada um deles isoladamente e em sua relação, podendo levar a

imprecisões e ambiguidades.

Em relação à polissemia e diferentes configurações, as legislações educacionais

brasileira e argentina apresentam educação pública: no Brasil, instituições públicas são

as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público e instituições

privadas são as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito

privado, a diferença, portanto é pautada na propriedade e no financiamento; na

Argentina – toda educação é pública, mas pode ser de gestão estatal, gestão privada e

ainda de gestão social e cooperativa. Gamallo (2015) explicita bem essa questão:

O serviço educacional obrigatório é considerado "público",

independentemente dos agentes e instituições que o ensinam. As últimas leis

nacionais (Lei Federal de Educação nº 24.195 de 1993 - LFE - e a Lei de

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166

Educação Nacional nº 26.206 de 2006 - LEN) distinguiram entre escolas de

gestão "estatal" e "privada", reforçando a ideia de que estas últimas são

"agentes" do Estado. Desta forma, sua atividade é dotada de atributos

"públicos" baseados em diretrizes definidas pela autoridade estatal (estrutura

e conteúdo curricular, critérios de permanência, promoção e avaliação dos

alunos, certificação dos habilitados a lecionar, validade das credenciais

emitidas, entre outros) (GAMALLO, 2015, p.43.Tradução livre)

Na Argentina, a educação é entendida como pública e o que a diferencia é a

gestão: estatal, privada, social e cooperativa, assim, no país poder-se-ia dizer que no

campo educacional o público não seria sinônimo de estatal. Já no Brasil, a Constituição

Federal e a LDB ao apresentar as definições de instituições públicas e apresentar a

responsabilidade do Estado, aproximar-se-ia mais desta perspectiva: de educação

pública como sinônimo de estatal, no entanto, enfatizamos que não se trata de

entendimento consensual.

Nesse sentido, a Lei de Educação Nacional da Argentina define toda educação

como pública, mas a gestão pode ou não ser estatal. A constituição argentina traz o

estatal como adjetivo para educação pública. A adoção do termo estatal não aparece na

legislação brasileira, contudo, a LDB regula que as instituições públicas são as criadas e

mantidas pelo Poder Público, entendido como estatal.

Conclusão

Tanto no Brasil quanto na Argentina o público e o privado na educação tem

assumido diversas configurações – entendidas como forma exterior, aquilo que se

apresenta, aparência, formato; como disposição das coisas, estrutura, ajustes, arranjos; e

conjunto de características próprias, perfis. O exame da legislação e a análise das

políticas de subvenção estatal às instituições privadas – Bolsa Creche e ―Escuelas

Autogestionadas‖ – permite afirmar que as configurações do público e do privado nos

dois países, apesar de terem o mesmo viés (marcado pelo processo de privatização),

apresentam características singulares em cada contexto

Entendemos que as diferenças legais na definição de instituição pública e

privada no Brasil e na Argentina demonstram uma primeira configuração de educação

pública e privada. Essa configuração influencia também o financiamento da educação.

No Brasil, os recursos públicos são destinados a instituições públicas e as privadas sem

fins lucrativos, ou seja, as comunitárias, filantrópicas e confessionais (LDB e

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167

FUNDEB), a legislação também permite a concessão de bolsas quando a oferta por

parte do Estado não for suficiente.

A legislação argentina estabelece que todo serviço educativo seja considerado

público, as instituições educacionais criadas, administradas e mantidas pelo Poder

Público são chamadas de estabelecimentos educativos de gestão estatal e as demais

instituições podem ser de gestão privada (confessional e não confessional), gestão social

e gestão cooperativa e todas integram o Sistema Educacional Nacional, conforme

estabelece o Art. 14 da Lei de Educação Nacional. As instituições educacionais de

gestão privada estão autorizadas a receber recursos públicos por parte do Estado,

destinados aos salários dos professores. Essa é uma especificidade da Argentina em

relação ao Brasil, pois a lei argentina já estabelece a subsidiariedade do Estado em

relação ao pagamento dos docentes, prática regulamentada desde a década de 1940. Tal

configuração específica da Argentina difere da perspectiva adotada no Brasil.

Conclui-se que o público e o privado em educação assumem perspectivas

diferentes nos dois países, assim como as políticas educacionais adotadas.

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das parcerias público-privado no Estado de São Paulo. Relatório de Pesquisa. FAPESP,

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CARVALHO, J. S. F. O declínio do sentido público da educação. Revista Brasileira

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FREITAS, L. C. Três teses sobre as reformas empresariais da educação: perdendo a

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SAAP. Vol. 9, Nº1, p. 43-74. mayo, 2015.

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168

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.

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SAN LUIS. Decreto nº 2.562, de 13 de agosto de 1999.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: A Pesquisa

qualitativa em Educação 16. São Paulo: Atlas, 2008.

EDUCAÇÃO INFANTIL DE 0 A 3 ANOS NO MUNICIPÍO DE SÃO

PAULO: A OPÇÃO PELA REDE PRIVADA COM

FINANCIAMENTO PÚBLICO

EDUCACIÓN INFANTIL DE 0-3 AÑOS EN LA CIUDAD DE

SÃO PAULO: LA OPCIÓN DE LA RED PRIVADA CON

FINANCIACIÓN PÚBLICA

Gicelia Santos Silva- Universidade Nove de Julho

[email protected]

Palavras-chave: Educação Infantil. Privatização. Financiamento.

Palabras-clave: Educación Infantil. Privatización. Financiacion.

Introdução

O atendimento à criança pequena no município de São Paulo, mesmo após o

processo de transição, no qual deixou de ser vinculado à Secretaria de Assistência

Social e passou a ser responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação, em 2005

(tendo como marco legal a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do

Adolescente de 1990 e a Lei de Diretrizes e Bases Nacional de 1996), continuou a ser

realizado por três tipos de rede, a saber: a rede direta, a rede indireta e a rede particular.

Com fim do FUNDEF e a criação do FUNDEB, em 2007, essa etapa de ensino passou a

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169

receber recursos oriundos FUNDEB, o que impulsionou a ampliação do número de

matrículas, prioritariamente, por meio de instituições conveniadas mantidas com

recursos públicos.

Atualmente a criação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica-, deverá contribuir para a consolidação

da tradição dos convênios e parcerias entre o setor público e o setor privado

na oferta da educação infantil, ainda que tenha resgatado o conceito de

educação básica como um direito, uma vez que nele estão incluídas todas as

etapas e modalidades de ensino. (BORGHI; ADRIÃO; ARELARO, 2009, p.

15)

Dados atuais, apontam para o crescimento do número de matrículas em

instituições conveniadas, que atuam no atendimento a crianças de 0 a 3 anos, no

município de São Paulo, chegando próximo a 85% do total do número de matrículas

nessa faixa etária, no município, com perspectiva de crescimento. No Portal

Transparência São Paulo, em 11/04/2019, a Secretaria Especial de Comunicação

anunciou a criação de 50 mil novas vagas e destacou a fala do Prefeito Bruno Covas:

―Nós temos 340 mil crianças nas creches do município e 280 mil estão sob a

responsabilidade das entidades parceiras. Se o poder público não tivesse essa parceria,

não conseguiria ofertar essa quantidade de vagas‖39

.

Diante desse quadro, no qual o poder público deixa evidente a opção pela

entrega do atendimento da criança de até 3 anos ao setor privado, e o crescimento de

recursos públicos destinados a esse setor, é necessário nos debruçarmos sobre o tema da

privatização e o seu financiamento com recurso público. Concordamos com Freitas

(2018, p. 50) quando diz:

A questão é que não existe ―meia privatização‖. Não existe ―quase‖ mercado.

Uma vez iniciado o processo, coloca-se a escola a caminho da privatização

plena da educação, ou seja, sua inserção no livre mercado, como uma

organização empresarial, sem contar que a transferência para as organizações

sociais (ONGs) insere de imediato as escolas em formas de controle político

e ideológico ditadas pelas mantenedoras privadas (ou confessionais) dessas

cadeias, retirando as escolas do âmbito do controle público.

Os objetivos desse trabalho consistem em: analisar os dados referentes à

evolução das matrículas da rede direta e da rede parceira nos anos de 2017 e 2018 e

2019, relacionando-os à execução orçamentária de 2017 e 2018 na Educação Infantil de

0 a 3 anos de idade na Prefeitura do Município de São Paulo.

39

Disponível em: http://www.capital.sp.gov.br/noticia/centros-de-educacao-infantil-de-sao-paulo-

passam-a-comprar-alimentos-de-fornecedores-locais. Acesso em: 31/07/2019.

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170

Como professora da rede municipal de ensino fundamental, na Prefeitura de São

Paulo, acompanho a expansão da rede conveniada na Educação Infantil de 0 a 3 anos e

considero a questão da privatização e do financiamento um dos temas centrais a serem

pesquisados, pois diz respeito a gestão das escolas de Educação Infantil, ao destino que

se dá ao dinheiro público e as concepções de escola e de serviços públicos que estão

sendo construídas nesse processo. Mais uma vez recorremos a Freitas (2018, p. 46)

quando este, examinando o neoliberalismo, aponta a privatização como categoria

central.

Nascido, como vimos, no âmbito do liberalismo econômico, pensamos que a

sua categoria central esteja representada pela privatização. Tal categoria está

no centro da concepção da reforma pois ela remete à própria forma de

organização da atividade privada: a empresa, modelo de gestão que a ―nova

direita‖ assume, supondo sua operação em um livre mercado.

Para análise, foram utilizados dados do orçamento do município de São Paulo,

disponibilizados pela Secretaria da Fazenda, referentes aos anos de 2017 e 2018, o

número de estabelecimentos e matrículas da rede direta, da rede indireta, e da rede

particular conveniada, considerando os dados de 2017, 2018 e os dados de 2019

disponibilizados até a data de posição em 28 de fevereiro, a Portaria SME 4548/17 que

estabelece as normas para celebração de convênios.

O avanço da privatização e a redução das matrículas na rede direta

Atualmente, na cidade de São Paulo, o atendimento a crianças de 0 a 3 anos

realizado pelo Prefeitura, ocorre nos Centros de Educação Infantil (CEIs) da rede direta

e por meio de convênios. Os Centros de Educação Infantil Diretos são definidos como:

―Unidades Educacionais com profissionais, edifício e bem móveis da Prefeitura, que

atendem crianças de zero a 3 anos em período integral‖ e CEMEI ―Centro Municipal de

Educação Infantil, que recebe crianças de zero a 5 anos e 11 meses‖ (SÃO PAULO,

2019)

A Portaria 4.548/17 que estabelece normas para a celebração e o

acompanhamento de termos de colaboração entre a Secretaria Municipal de Educação e

Organizações da Sociedade Civil para o atendimento de crianças de 0 a 3 nos de idade,

em seu artigo 3º. denomina, nos incisos I e II, os CEIs conveniados nas seguintes

modalidades:

I - CEIs da Rede Parceira Indireta (RPI), assim denominados aqueles em que

o serviço à população é realizado em equipamento próprio municipal,

inclusive em imóvel locado pela Administração Municipal ou por ela

recebido em comodato ou mediante termo de permissão de uso.

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171

II – CEls/Creche da Rede Parceira Particular (RPP), assim denominados

aqueles em que o serviço à população é realizado em imóvel da própria

organização, a ela cedido ou por ela locado, com recursos financeiros

próprios ou com recursos repassados pela SME.

Inicialmente, partimos da coleta de dados referente aos orçamentos de 2017

2018, destinados à Prefeitura de São Paulo, à Secretaria Municipal de Educação e os

dados do orçamento para a Manutenção e Operação da Rede Parceira Centro de

Educação Infantil (CEIs), como podemos observar na tabela 1.

Tabela 1 - Orçamento da Prefeitura De São Paulo, Orçamento da Secretaria Municipal de Educação e

Orçamento referente à Manutenção e Operação da Rede Parceira.

Ano Orçamento

Prefeitura

Orçamento

Educação

Manutenção e Operação

da Rede Parceira (CEI)

2017/Orçado 54.694.563.143 10.985.422.304 1.993.121.938

Atualizado 54.857.744.933 11.209.467.401 2.042.572.394

Empenhado 51.414.029.077 10.694.214.287 1.982.226.695

Liquidado 49.334.719.021 10.236.129.116 1.958.681.496

2018/Orçado 56.370.560.562,00 11.774.780.638.00 2.271.387.707

Atualizado 56.499.455.435.05 12.049.514.422,11 2.367.339.297

Empenhado 54.157.141.735,67 11.872.583.011,13 2.354.160.528

Liquidado 51.832.935.722,31 11.016.056.158,84 2.302.434.127

Fonte: Secretaria da Fazenda. Disponível em

http://orcamento.sf.prefeitura.sp.gov.br/orcamento/execucao.php.

Observando os dados dos orçamentos liquidados de 2017 e 2018, notamos que o

orçamento destinado a Manutenção e Operação da Rede Parceira (CEIs), já consome

20% do orçamento da Educação. Comparando esses dados com o número de

estabelecimentos e matrículas da rede parceira, podemos notar o crescimento desse tipo

de oferta de vagas que privilegia as Organizações da Sociedade Civil.

Tabela 2 - Número de estabelecimentos e de matrículas dos Centros de Educação Infantil da

Rede Direta, dos Centros de Educação Infantil da Rede Indireto e CEIs/creches Rede Conveniada

Tipo de Escola

Centro de

Educação

Infantil Direto

(Rede Direta)

Centro de

Educação Infantil

Conveniado

(Rede Indireta)

Creche

Privada

Conveniada

2017 Escolas 362 368 1.353

Matrículas 55.245 61.454 174.885

2018 Escolas 362 370 1.438

Matrículas 55.360 63.636 194.320

22019

Escolas

362

375

1.611

Matrículas

52.633

63.997

216.811

Fonte: Adaptado de Infocidade - Prefeitura de São Paulo/ Educação –Tabelas. (Acessado em 01/08/2019.

2018 posição em 31 de março; 2019 posição em 28 de fevereiro)

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Comparando o número de matrículas da rede direta 52.633 com a soma da rede

indireta e a CEI/Creche Particular 280.808, podemos notar que a rede parceira

representa em 2019 (até a data da coleta de dados), quase 85% do atendimento na

Educação Infantil de 0 a 3 anos de idade, sendo a rede direta responsável por

aproximadamente 15% do atendimento. Comparando os dados das matrículas da rede

direta de 2017 com 2018, notamos que houve um pequeno avanço, porém quando

comparamos os dados das matrículas de 2018 com os dados de 2019, notamos que

houve uma diminuição do número de matrículas da rede direta em 2.727, com a

permanência do mesmo número de escolas. Também podemos constatar que a

preferência dos gestores, mesmo quando se trata de parcerias, concentra-se na rede

parceira particular (creche privada conveniada), cujo crescimento entre 2017 e 2018 foi

bem maior em relação à rede parceira indireta.

A passagem do atendimento das crianças pequenas da Secretaria de Assistência

Social para a Secretaria Municipal de Educação criou uma expectativa de que a rede

conveniada fosse substituída pelo atendimento da rede direta, ou seja, a rede mantida e

administrada pela Prefeitura. A realidade é que a rede parceira indireta e a rede parceira

particular tornaram-se a regra e a exceção é a rede direta. As mudanças na legislação

sustentam os valores presentes na execução orçamentária e os números de

estabelecimentos e matrículas, inclusive com redução do número de matrículas da rede

direta. Soma-se a esse fato mais uma medida do governo municipal que amplia a

autonomia financeira das redes parceiras, quando transfere recursos públicos para que

comprem alimentos para abastecimento das instituições de Educação Infantil, numa

ação chamada de descentralização, ―o valor per capita do recurso mensal repassado às

entidades será reajustado em 3,85% ―40

.

Considerações finais

Entendemos que a gestão de equipamentos públicos por Organizações Sociais,

mesmo sem fins lucrativos, é parte de um processo de privatização, como nos esclarece

Freitas (2018, p. 126)

Procuramos mostrar ainda que a ilusão de limitar os processos de

privatização, categoria central da reforma, à terceirização para organizações

40

Secretaria Especial de Comunicação, 11/04/2019. Disponível em:

http://www.capital.sp.gov.br/noticia/centros-de-educacao-infantil-de-sao-paulo-passam-a-comprar-

alimentos-de-fornecedores-locais. Acesso em: 01/03/2019.

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sociais com ou sem fins lucrativos adicionando regulação contrária a própria

essência do livre mercado que fundamenta a reforma empresarial. Na

verdade, ela se constitui em momento inicial da privatização, destinada a

criar um mercado educacional que avança progressivamente para estágios,

mais avançados. Uma ―regulação da atividade privada‖ não é compatível

com a ideia de ―livre mercado e não intervenção do Estado‖, sendo na prática

irrealisável. Não existe quase-mercado, a não ser como preparação para o

livre mercado.

Notamos que há um avanço no processo de privatização no atendimento a

crianças de 0 a 3 anos de idade, na Prefeitura de São Paulo. A transferência de recursos

públicos para aquisição de alimentos, amplia a autonomia financeira da rede parceira ao

mesmo tempo em que o poder público reduz o número de matrículas da rede direta, num

claro movimento de preparação para o livre mercado como nos alerta Freitas. O

congelamento dos investimentos públicos por vinte anos, com a aprovação da Emenda

Constitucional 95/16, que institui Novo Regime Fiscal, na prática desvincula verba da

educação e da saúde, e os recentes cortes de verbas da educação favorecem o discurso

dos gestores de que os recursos são poucos. Argumentam que para ampliar as

matrículas na Educação Infantil é preciso recorrer às parcerias por serem menos

onerosas. Assim, a pretensa economia ocorre sem, no entanto, garantir o mesmo nível

de qualidade e de condições matérias de atendimento dados na rede direta.

Em nota técnica de 2016, a Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores

em Financiamento em Educação) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ao

abordar os efeitos do congelamento dos investimentos públicos (algo que tende a

aprofundar a terceirização dada pela LRF), aponta o problema central em relação ao

financiamento: o pagamento dos juros e encargos da dívida pública.

Outro engodo que se pretende passar é que essa medida representa uma

economia geral dos gastos públicos. Na verdade, o gasto público mais

daninho para a nação brasileira longe de ser reduzido, aumentará. Trata-se

das despesas com juros e encargos da dívida pública que, de 2012 a 2015

foram superiores a 1 trilhão de reais, recursos que, em sua maioria, foram

parar no bolso das famílias mais ricas do país que não vivem do suor de seu

trabalho, mas da especulação financeira. É importante lembrar que a PEC

241 não congela esses gastos; na verdade libera mais recursos públicos para o

seu pagamento (FINEDUCA, CNDE, 1/2016).

Nesse sentido, a defesa da escola pública universal financiada e gerida

diretamente pelo poder público se constitui defesa fundamental para a garantia do

direito à educação para todos e de qualidade.

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Referências

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das creches conveniadas. In.: ADRIÃO, Theresa; PERONI, Vera (Org.). Público e

Privado na Educação: novos elementos para o debate. São Paulo: Xamã, 2008.

FINEDUCA/CAMPANHA Nacional pelo Direito à Educação. Nota 1/2016. A

Aprovação da PEC 241 significa estrangular a educação pública brasileira e tornar letra

morta o Plano Nacional de Educação 2014-2024, Brasília: 2016. Disponível em:

http://www.fineduca.org.br/wp-content/uploads/2016/10/Nota-conjunta-FINEDUCA-

CNDE_01_2016.pdf. Acesso em 02/06/2108.

FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas

ideias. 1ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.

SÃO PAULO (Município). Prefeitura de São Paulo. Infocidade: Educação - Tabelas.

Escolas e Matrículas da Rede Municipal segundo Tipo. Município de São Paulo.

Disponível em:

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/sme_2005a2019_

utf8_1555612528.htm. Acesso em: 01/08/2019.

CONTAS ANUAIS DO GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO

PAULO REFERENTE AOS EXERCÍCIOS DE 2015 A 2017 -

RECURSOS DE MDE - CONSIDERAÇÕES DO TRIBUNAL DE

CONTAS

CUENTAS ANUALES DEL GOBERNADOR DEL ESTADO DE SAO

PAULO PARA LOS AÑOS DE 2015 A 2017 - RECURSOS MDE -

CONSIDERACIONES DE LA CORTE DE AUDITORES

Flávia Gizzi- Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

[email protected]

Palavras-chave: MDE; Tribunal de Contas; Financiamento da Educação.

Palabras-clave: MDE; Tribunal de Cuentas; Financiamiento de la educación.

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Introdução

A política educacional brasileira apresenta, em seu histórico recente, o crescente

debate sobre o financiamento da educação, os recursos disponibilizados e os gastos

apontados como indispensáveis à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), o

acompanhamento e respectiva fiscalização que efetivamente, possibilitem a todos uma

educação de qualidade.

Diz o artigo 205 da Constituição Federal de 1988: " A educação, direito

de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a

colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (BRASIL, 1988).

Uma vez incorporados, diversos direitos sociais, no contexto das Constituições

do Estado Social de Direito, o direito à educação, apresenta-se como um direito público

subjetivo, no qual o indivíduo aciona uma norma jurídica a seu ―favor‖. O que não torna

o direito individual superior ao coletivo, pois o direito público subjetivo pretende

proteger os interesses individuais quando corresponderem ao interesse público – direitos

sociais - e este se concretiza através de políticas públicas (DUARTE, 2004).

Na história constitucional brasileira, a Constituição Federal de 1934 iniciou a

prática de se vincular receita pública à Educação, como garantia, ou ao menos tentativa,

a priori de sua efetivação. As Cartas de 1937 - ditadura do Estado Novo - e 1967 -

durante o golpe militar instituído em 1964 - eliminaram essa sistemática. A vinculação

caracterizou-se como uma das ―principais marcas dos governos democráticos

brasileiros‖ (MENEZES, 2008).

As despesas permitidas com os recursos disponibilizados à educação envolverão

ações em Manutenção e Desenvolvimento da Educação (MDE) e deverão respeitar as

orientações previstas no artigo 70 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. A

fiscalização será desempenhada pelos Tribunais de Contas através da análise das contas

anuais.

Este trabalho pretende:

Analisar as considerações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

realizadas nas contas anuais do governador, frente às despesas efetuadas em

manutenção e desenvolvimento do ensino no período de 2015 a 2017;

Averiguar o percentual admitido nas aplicações em MDE para cumprimento

legal do mínimo estabelecido em lei: 30% conforme a Constituição Estadual ou

25% de acordo com a Constituição Federal;

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Observar se o Estado como provedor de políticas públicas, supre o direito à

educação, através dos percentuais de vinculação e subvinculação já estipulados

e de acordo com a definição legal quanto a MDE;

Verificar se há alguma orientação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

dos exercícios em análise, referente a recursos em MDE contingenciados para o

setor privado.

A Carta Constituinte de 1934 estabeleceu os percentuais mínimos a serem

cumpridos para destinação de recursos à educação: 10% à União, 20% aos Estados e

10% aos Municípios. A Constituição Federal de 1946, tendo como base de cálculo a

receita e os impostos, manteve os percentuais da União e Estados e ampliou para 20% o

percentual mínimo dos Municípios. A Emenda Constitucional 1/69, determinou a

receita tributária como base de cálculo e citou e assegurou o percentual de 20% aos

Municípios. Em 1983, a Emenda Constitucional 1/83, retoma como base de cálculo

além da receita, também os impostos e redefiniu os percentuais à União em 13% e aos

Estados e Municípios em 25%. A Constituição Federal de 1988, manteve a base de

cálculo na receita mais os impostos, ampliou o percentual mínimo da União de 13%

para 18% e conservou o dos Estados e Municípios em 25%. O Estado de São Paulo foi

exceção, pois em sua Constituição, artigo 255, estipulou o mínimo percentual em 30%

que este Estado deveria aplicar na educação (TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

DE SÃO PAULO, 2016).

A Constituição Federal de 1946, trouxe pela primeira vez o termo ―manutenção

e desenvolvimento do ensino‖ (MDE) e os recursos destinados à educação deveriam ser

gastos com o rol de ações integrantes neste termo. Portanto, torna-se muito importante

não apenas a definição de quais são e como se estruturam as fontes de recursos para a

educação, mas também, a determinação do tipo de despesa que pode ser relacionada

como de MDE (PINTO; ADRIÃO, 2006).

Os artigos 70 e 71 da Lei 9.94/1996 estabelecem, respectivamente, quais

despesas são consideradas MDE e quais não são. Mas a compreensão dos vários

Tribunais de Contas, em relação às despesas e receitas vinculadas à manutenção e

desenvolvimento do ensino, muitas vezes não é compatível ao expresso na lei

(DAVIES, 2006).

... a experiência de César Callegari (1997) na análise das contas do governo

estadual de São Paulo também confirma a importância do conhecimento

sobre tais interpretações, que, materializadas em instruções normativas,

resoluções ou deliberações, são na prática mais importantes do que o

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estipulado na LDB (Lei 9.394), pois os governos estaduais e municipais

procuram seguir (quando o fazem, é claro) as orientações dos TCs na sua

prestação de contas, e não necessariamente as disposições da LDB ou de

pareceres e resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE). Daí a

importância do estudo dessas interpretações para a avaliação menos

imprecisa dos recursos vinculados à MDE (DAVIES, 2006, p. 174).

Outro ponto fundamental e complementar a considerar sobre a utilização dos

recursos vinculados ao ensino é o avanço dos recursos de MDE destinados ao setor

privado em todo o país. Entre os anos de 2010 e 2014, o crescimento do investimento

em educação cresceu 140%, enquanto os recursos de MDE destinados ao setor privado,

no mesmo período triplicaram (ADRIÃO E DOMICIANO, 2018).

Metodologia

O desenvolvimento desta, ainda breve pesquisa qualitativa, ocorre por meio da

revisão bibliográfica e análise documental: Financiamento da Educação e pareceres do

Tribunal de Contas - processos das contas anuais do governador do estado de São Paulo.

A investigação também ocorre no acervo digital do Tribunal de Contas do

Estado de São Paulo, locais estes que possuem nos seus arquivos os documentos a

respeito dos relatórios, dos pareceres e instruções normativas em relação às receitas e

despesas especificadas como MDE, por meio dos quais procede-se a análise

documental.

Discussão dos resultados

O processo TC 003554/026/15 – Tribunal de Contas do Estado de São Paulo –

referente às contas anuais do governador, exercício do ano de 2015, diz que o governo

do estado investiu 31,27% (R$ 35,095 bilhões) das receitas de impostos e transferências

(R$ 112,246 bilhões) na manutenção e desenvolvimento do ensino dando cumprimento

ao disposto no artigo 255 da Constituição Estadual (30%) e informa que as despesas

com o PASEP estão incluídas no valor e percentual citados. Porém, alerta para a

Deliberação TC - A - 023996/026/15, cujo conteúdo proíbe a inclusão das despesas com

o PASEP nos gastos com pessoal e nas aplicações do ensino e da saúde de todos os

jurisdicionados a partir de 1º de janeiro de 2017.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, através do processo TC

05198/989/16-2 que avalia as contas do governador referente ao ano de 2016, informa

que o Estado aplicou R$ 35,394 bilhões com o Ensino, cumprindo os principais

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limitadores mínimos com o percentual de 31,43% no Ensino e destes, 5,8% são

destinados aos inativos da Educação, portanto, não revertem para o aperfeiçoamento e

para o desenvolvimento da Educação.

Relata também que das 79 unidades escolares visitadas ―in loco‖, em relação a

prestação de serviços de limpeza terceirizada, concluiu que há necessidade de realizar

estudo sobre os moldes de contratação dos serviços de limpeza escolar vigente, devido à

insatisfação dos responsáveis pelas unidades escolares e do número reduzido de

faxineiros disponibilizados.

Para APPLE (2003), seguindo o modelo da maioria das grandes corporações, o

lucro deve aumentar constantemente e os empregos são cortados sem considerar as

consequências que essa atitude poderá acarretar aos desempregados e suas famílias. E

acrescenta... ―É necessário perguntar se essa é a ética que devemos introduzir como

modelo para nossas instituições públicas e para nossos filhos‖ (APPLE, 2003, p. 23).

Sobre as contas anuais do governador do estado de São Paulo – exercício 2017 -

o processo e-TCESP 3546.989.17-9, o Executivo atinge o percentual de 31,36% de

aplicação no Ensino, mas ainda mantêm os valores gastos com inativos do magistério.

Retirados os valores pagos para inativos, a aplicação em MDE cai para 25,30%. Tal

índice atende a Constituição Federal, mas não alcança o estabelecido pela Carta

Estadual – 30%. Neste caso, a SDG (Secretaria – Diretoria Geral) do Tribunal de Contas

orienta que o estado reorganize suas contas e direcione tais valores aplicados até então

na cobertura de insuficiência financeira do regime próprio de previdência estadual –

SPPREV para o pagamento de despesas consideradas como aplicação no Ensino, ou

altere o percentual da Constituição do Estado, uma vez que a Carta Magna Federal,

estabelece um percentual menor.

Os Artigos 70 e 71 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº

9394/96) ao definir e regulamentar as despesas permitidas ou não à Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino (MDE) com vistas à consecução dos objetivos básicos das

instituições educacionais de todos os níveis, não inclui os gastos com inativos do

magistério no rol das ações destinadas à MDE.

Conclusão

As considerações do TCE SP, entre os anos de 2015 e 2017, apontam como

característica comum, o pagamento de inativos do magistério com recursos de MDE. E

mesmo com as recomendações desse órgão de que a partir de 2017 essa prática não

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mais seria aceita pelo Tribunal de Contas, as contas anuais do governador, apesar de

algumas observações nesse sentido, continuaram a receber pareceres favoráveis.

Diante de diferentes percentuais mínimos estabelecidos pelas Constituições –

Estadual e Federal – o TCE SP orienta o governo estadual a rever e mudar sua prática,

porém, aceitou o excedente dos 25% dos recursos vinculados ao ensino pago aos

inativos do magistério, com a justificativa de apoiar-se na regra da Carta Magna

Federal. Portanto, a aplicação mínima de 30% em recursos de MDE relatada pelo

governo não acontece.

Nas considerações referentes ao exercício de 2016, o TCE SP relata a

insatisfação dos responsáveis pelas unidades escolares em relação aos serviços de

limpeza terceirizados realizados em algumas escolas estaduais e nada mais consta sobre

a ―privatização‖ da educação através dos recursos de MDE destinados ao pagamento de

produtos e serviços ofertados pelo setor privado, conforme indicam pesquisas recentes.

DAVIES, (2006, p. 187), sugere que ―... o avanço representado pela vinculação

constitucional de recursos para a MDE pode estar sendo grandemente minado pelos

artifícios adotados pelas Secretarias de Fazenda e aceitos com a conveniência dos TCs.‖

Os gastos em MDE, para além da oferta de vaga, precisam garantir um padrão

mínimo de qualidade.

Como forma de garantir que os recursos vinculados à educação sejam

assegurados e para que haja transparência em seu uso, a Lei 9.394 adotou três

medidas: a correção trimestral, pelos governos, das diferenças entre receita e

despesa previstas e as efetivamente realizadas; o repasse dos valores

correspondentes à parcela vinculada dos impostos destinados ao ensino, do

caixa da União, dos estados, do distrito federal e dos municípios, diretamente

para o respectivo órgão gestor da educação, em prazos pré-fixados, e,

determinação de correção monetária, no caso de atraso na liberação desses

recursos, com responsabilização civil e criminal das autoridades competentes

(PINTO; ADRIÃO, 2006).

Esta breve análise, demanda ainda muita pesquisa sobre o assunto em questão,

mas já mostra que a vinculação de recursos apenas não basta para a efetivação de uma

educação de qualidade com equidade. Torna-se fundamental também entender os

movimentos do mercado financeiro e os mecanismos usados por seus atores privados

para moldar e lucrar com as diversas estratégias de privatização no campo educacional

com permissão ―legal‖.

Referências Bibliográficas

ADRIÃO, T. (coord.); DOMICIANO, C. Gastos estaduais de MDE realizados com o

setor privado (2005-2015). 2017.

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180

ADRIÃO, T. DOMICINAO, C. A Educação Pública e as Corporações: avanços e

contradições em uma década de ampliação de investimento no Brasil. FINEDUCA

– Revista de Financiamento da Educação, Porto Alegre, v. 8, n. 3, 2018.

APPLE, Michael W. Educando à direita: mercados, padrões, Deus e desigualdade.

Tradução de Dinah de Abreu Azevedo; revisão técnica de José Eustáquio Romão – São

Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.

BRASIL. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394,

20 de dezembro de 1996.

BRASIL. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

DAVIES, N. Os Tribunais de Contas de São Paulo e sua avaliação dos gastos

governamentais em educação. EccoS – Revista Científica, São Paulo, v. 8, n. 1, p.

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DUARTE, Clarice Seixas. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São

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em http://www.scielo.br. Acesso em: 19/07/2018.

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descaminhos do ordenamento constitucional. In: Revista HISTEDBR on-line,

Campinas, n. 30, jun/ 2008, p. 149-163. Disponível em http://www.histedbr.br. Acesso

em: 31/07/2018.

PINTO, J. M. R. Os recursos para Educação no Brasil no contexto das finanças

públicas. Brasília: Editora Plano, 2000.

PINTO, José Marcelino de Rezende; ADRIÃO, Theresa. Noções gerais sobre o

financiamento da educação no Brasil. Eccos: Revista Científica, São Paulo, v. 8, n. 1,

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SÃO PAULO. TCE. Manual Básico: Guia de Orientação aos Membros do Conselho

do FUNDEB. 2016.

SÃO PAULO, Tribunal de Contas. TCE SP Processo TC 003554/026/15. Disponível

em https://www.tce.sp.gov.br/contas-anuais Acesso em 31/07/2019.

SÃO PAULO, Tribunal de Contas. TCE SP 05198/989/16-2. Disponível em

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SÃO PAULO, Tribunal de Contas. TCE SP 3546.989.17-9. Disponível em

https://www.tce.sp.gov.br/contas-anuais Acesso em 31/07/2019.

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181

O NOVO FUNDEB EM DEBATE: ENTRE A GESTÃO DE

RESULTADOS E A PRIVATIZAÇÃO DA OFERTA EDUCATIVA

NO BRASIL

EL NUEVO FUNDEB EN DEBATE: ENTRE LA GESTIÓN DE

RESULTADOS Y LA PRIVATIZACIÓN DE LA OFERTA

EDUCATIVA EN BRASIL

Andréia Mello Lacé – Universidade de Brasília- [email protected]

Catarina de Almeida Santos – Universidade de Brasília- [email protected]

Palavras-Chave: Privatização; FUNDEB; Gestão por resultados

Palabras-clave: Privatización; Fundeb; Gestión de resultados

Introdução

De acordo com a Constituição Federal de 1988 o Brasil é um Estado

Democrático de Direito e a Educação é o primeiro dos direitos sociais. O art. 205

estabelece que todas as pessoas residentes no Brasil têm direito à educação, cabendo ao

Estado e a família garantirem esse direito, inclusive para os cidadãos e cidadãs que não

tiveram acesso na idade obrigatória (4 a 17 anos de idade). Já o art. 212 define os

percentuais mínimos que cada um dos entes federados deverá investir para garantia

desse direito.

O legislador previu ainda a forma como os entes federados deveriam se

organizar para ofertar e financiar o direito à educação. Se por um lado delegou a

diferentes entes a responsabilidade na oferta, por níveis, etapas e modalidade, por outro

deixa claro que a garantia do direito cabe ao Estado Brasileiro, ou seja, os entes que o

compõe. Assim, o art. 211 definiu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios organizassem-se em regime de colaboração, seus sistemas de ensino.

Na divisão da oferta coube a estados e municípios a oferta da educação básica,

mas o § 1º do citado artigo é claro quando define que a União exercerá, ―em matéria

educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de

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182

oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante

assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios‖

(BRASIL, 1988)

Esse dever da União é fundamental, tendo em vista o modelo do federalismo

brasileiro que delega grandes responsabilidades a entes que possuem a capacidade

políticas e econômicas diversas e desiguais, provocando uma disparidade entre

responsabilidades e capacidade de assumi-las. Essas disparidades se concretizam

exemplarmente no campo do federalismo educacional, pois há uma clara desigualdade

entre os diferentes municípios, entre estes e os estados e, sobretudo, entre os dois

primeiros e a União.

Santos e Cara (2018) afirmam que

Frente às desigualdades existentes na Federação brasileira, tendo em vista

que as responsabilidades dos diferentes entes federados não são

proporcionais as suas capacidades arrecadatórias, a Constituição prevê, no

caso da garantia do direito à Educação, que estes entes se organizem em

regime de colaboração para que todo cidadão tenha esse direito garantido,

independentemente do local em que resida. Sendo a União o ente federado

que mais arrecada, o legislador determinou que a sua função supletiva e

redistributiva deve ser utilizada para assegurar o direito à Educação pública

com base em um patamar básico de qualidade (SANTOS, CARA, 2018, p.

52)

Os autores, utilizando como base Cara (2014), destacam a necessidade da

efetivação do regime de colaboração como forma de combater as disparidades

existentes no sistema federado brasileiro, tendo em vista que o autor afirma que há três

grandes categorias de desigualdades no Brasil: a desigualdade regional, exemplificada

pela imensa disparidade regional na participação do PIB com flagrante concentração de

atividade econômica no Sudeste, desde o final da década de 1930; a desigualdade

federativa horizontal, que traduz as desigualdades entre os estados, inclusive entre as

unidades federadas de uma mesma região e também entre os municípios e a

desigualdade federativa vertical, que é a disparidade entre a capacidade de investimento

e as responsabilidades na prestação dos serviços por parte dos entes federados.

A proposta mais concreta de efetivação do regime de colaboração no campo

federalismo educacional está no atual Plano Nacional de Educação, sancionado pela Lei

13.005 de 26 de junho de 2014, quando cria o Sistema Nacional de Educação. A criação

do SNE está prevista no art. 214 Constituição que definiu que este deve ser articulado

pelo PNE e adquire importância fundamental diante da não regulamentação do regime

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de colaboração, previsto no art. 23 da CF de 1988. Como aponta Cara (2014), as

inúmeras desigualdades verificadas na República brasileira, continuamente

retroalimentadas pela falta de regulamentação dos mecanismos de equilíbrio federativo

que integram a Carta Magna, prejudicam demasiadamente a realização das políticas e,

consequentemente, a consagração dos direitos sociais, inclusive o direito à Educação.

Nesse sentido o Art. 214 da Constituição de 1988, definiu que cabia ao PNE

definir as metas para a garantia do direito, assim como o percentual de aplicação de

recursos públicos em Educação como proporção do PIB necessária à implementação das

metas. A meta 20 definiu 10% do PIB como o mínimo e a estratégia 20.9 definiu a

regulamentação do parágrafo único do Art. 23 e do Art. 211 da Constituição Federal,

[...] por lei complementar, de forma a estabelecer as normas de cooperação

entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em matéria

educacional, e a articulação do sistema nacional de educação em regime de

colaboração, com equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos

recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da

União no combate às desigualdades educacionais regionais, com especial

atenção às regiões Norte e Nordeste. (Brasil, 2014)

Na perspectiva da articulação dos entes para a garantia do direito a educação,

como está inscrito na Constituição de 1988, outro elemento importante aprovado na

meta 20 do PNE é a estratégia 20.6 que define

no prazo de 2 (dois) anos da vigência deste PNE, será implantado o Custo

Aluno-Qualidade inicial - CAQi, referenciado no conjunto de padrões

mínimos estabelecidos na legislação educacional e cujo financiamento será

calculado com base nos respectivos insumos indispensáveis ao processo de

ensino-aprendizagem e será progressivamente reajustado até a

implementação plena do Custo Aluno Qualidade – CAQ (BRASIL, 2014)

Além da estratégia 20.10, ao estabelecer que ―caberá à União, na forma da lei, a

complementação de recursos financeiros a todos os Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios que não conseguirem atingir o valor do CAQi41

e, posteriormente, do

CAQ42

‖ (BRASIL, 2014).

Após cinco anos de vigência as metas do PNE pouco avançaram, sobretudo a

criação dos citados dispositivos legais, como a criação do SNE e do CAQi e CAQ. O

41

O CAQi é um mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ele traduz em

valores o quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano, em cada etapa e modalidade da educação

básica pública, para garantir, ao menos, um padrão mínimo de qualidade do ensino. 42

O CAQ representará o esforço do Brasil em dar um passo além do padrão mínimo de qualidade, de

forma a se aproximar dos países mais desenvolvidos do mundo em termos de financiamento da educação.

Disponível em: http://campanha.org.br/o-que-fazemos/custo-aluno-qualidade-inicial-e-aluno-qualidade/.

Acesso em 2 de agosto de 2019.

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que se tem em vigor no país, como mecanismo de equalização das desigualdades são as

políticas de fundo, como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica, criado pela Emenda Constitucional nº 57 de 2006 e regulamentado pela Lei nº

11.494, de 20 de junho de 2007. O Fundeb tem vigência de 14 anos, o que implica que a

sua validade se esgota em junho de 2020.

Já estão em debate no Congresso Nacional algumas Proposta de Emenda

Constitucional-PEC para criação do novo Fundeb, algumas tramitando em paralelo nas

duas Casas Legislativas (Câmara e Senado) e uma delas em específico, a PEC 15 de

2015, será objeto de discussão neste trabalho. A análise será feita a partir de algumas

Emendas recebidas, cujo teor volta-se para utilização da verba pública para

financiamento de matrículas no setor privados e financiamento da educação com base

na lógica da gestão por resultados. Assim, o objetivo centra deste trabalho é analisar as

EMC 01 e 02 (à PEC nº 15, de 2015) Da Sra. Deputada Tabata Amaral, Sr. Deputado

Felipe Rigoni, a EMC 03 - (à PEC nº 15, de 2015) PEC Nº 15, DE 2015 (dos Srs.

Deputados Tiago Mitraud e Marcelo Calero), além das sugestões do Ministério da

Educação (MEC) encaminhadas à relatora da matéria, deputada Dorinha Seabra, em 10

de junho de 2019, pelo Ofício 1991/2019/ASPAR/GM/GM-MEC.

Para o desenvolvimento do trabalho e alcance dos resultados e análises

apresentadas foram estudados o conteúdo da PEC 15 de 2015, das EMC e do ofício

enviado pelo MEC. Assim, as análises se deram por meio de fontes documentais em

fontes primárias e secundárias, como demonstradas ao longo do texto.

A proposta de Emenda Constitucional Nº 15-a de 2015 e a constitucionalização do

Fundeb

O financiamento da educação, especialmente a básica, deveria ter como base a

garantia do direito, no sentido definido na Constituição e legislações correlatas. Isso

significa que a educação de qualidade deveria ser o ponto de partida para se definir o

quanto deve-se investir na educação no país. Esse preceito, apesar de inscrito na Carta

Maior, nunca foi efetivado no Brasil, mesmo que defendido desde a década de 1930 por

educadores como Anísio Teixeira. O PNE atual apresenta essa perspectiva com a

aprovação do CAQi e CAQ, mecanismos que parte do preceito que não se garante

direito sem garantia de qualidade. A realidade, no entanto, mostra que após cinco anos

em vigor, esses mecanismos vêm sendo ignorados pelos sucessivos governos que

estiveram e estão a frente da gestão do país, conforme dito acima.

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Desse modo, o mecanismo de financiamento da educação básica atualmente no

país é o Fundeb, que parte da capacidade arrecadatória de cada estado e seus

municípios, e do DF para definir a quantidade de educação assim como a qualidade que

cada cidadão ou cidadã terá direito. Apesar dos problemas apresentados, no entanto, é

ponto pacífico entre os estudiosos da área tais como (MARTINS, 2011; ARAÚJO,

2016) que o Fundeb exerceu e exerce uma forte função redistributiva em um país tão

desigual como o Brasil. Em muitos municípios os recursos do Fundo respondem por

mais de 80% do que é investido em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE).

O prazo de vigência do atual fundo, no entanto, expira em junho de 2020 e o

novo fundo já está em debate no Congresso Nacional. As propostas apresentadas até o

memento apresentam divergências de diferentes montas, mas parece haver um consenso

que é preciso constitucionalizar o Fundeb tornando-o permanente, o que significa retira-

lo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e inseri-lo no corpo permanente

da Constituição.

A principal proposta de Fundeb em vigência no Senado é a PEC Nº 65 de

2019, apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues e assinada por mais 30 senadores,

propõe acrescentar art. 212-A à Constituição Federal, tornando o Fundeb permanente e

revogando o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa proposta

já recebeu um voto favorável do Relator Flavio Arns, que fez algumas sugestões de

redação e emendas.

Na Câmara, a PEC em debate é a nº 15-A de 2015, da deputada Raquel Muniz

cuja a proposta é inserir parágrafo único no art. 193; inciso IX, no art. 206 e art. 212-A,

da Constituição Federal, de modo a tornar o Fundeb instrumento permanente de

financiamento da educação básica pública e revogar o art. 60 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias. A relatora desta PEC é a Deputada Dorinha Seabra

Rezende que vem, desde 2017, discutindo a proposta com diferentes grupos, por meio

de debates em seminários e audiências públicas.

No ano de 2019, a relatora apresentou um texto substitutivo, mas que ainda não

foi votado. Assim, o projeto que recebeu as propostas de emendas que serão aqui

analisadas, refere-se a PEC 15-A e não o substitutivo. A exceção é o ofício do MEC que

encaminhou apoio e sugestão a proposta da relatora, o tema de maior divergência não só

entre as propostas que tramitam nas duas casas é o percentual de complementação da

União ao Fundo, tendo em vista que a PEC 65/2019 defende que esse percentual seja de

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40% e a PEC 15-A defende o percentual atual, qual seja, 10% e a proposta da relatora

da matéria advoga 30%.

Para além do parlamento, há uma pressão por parte das entidades do campo da

educação, sendo que as fundações e grupos empresariais defendem um percentual entre

10 e 15% e as entidades defensoras da educação pública, gratuita e de qualidade, como

a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, União Nacional dos Dirigentes

Municipais de Educação e o Fórum dos governadores, estão defendendo a

complementação de, no mínimo, 40% por parte da União.

Resultados

EMC 01 foi apresentada pelos parlamentares Tabata Amaral e Felipe Rigoni e

propõe o acréscimo do VII ao Art. 212-A. Segundo a proposta, no novo Fundeb a União

deve distribuir

[...]anualmente e em caráter adicional, o equivalente ao mínimo de 10% da

complementação a que se referem os incisos V e VI do caput deste artigo aos

entes federados cujas redes de educação básica alcançarem evolução

significativa em processos e resultados educacionais, considerando o nível

socioeconômico dos alunos e visando à redução das desigualdades em cada

rede, nos termos da lei. (EMC 01, 2019)

Ao analisar as propostas que estão sendo debatidas no Congresso e as Emendas

recebidas, a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação aponta como essa proposta

busca a constitucionalização de uma lógica gerencialista das políticas educacionais,

―tendo em vista que propõe bonificar, com um adicional de 10% do montante da

complementação da União ao Fundeb, as redes de ensino dos entes federados que

―alcançarem evolução significativa em processos e resultados educacionais‖. (CNDE,

2019, p. 45)

EMC 02 foi apresentada pelos mesmos parlamentares de EMC 01 e versa

sobre a complementação da União ao Fundo, que deve ser de, no mínimo, 15% (quinze

por cento) do total dos recursos. Na justificação da Emenda eles defendem que

as evidências mostram que os municípios só aumentam seus resultados

educacionais quanto maior o montante de recursos, até o limite de R$ 4,3 mil

de custo por aluno. Depois dessa marca, os recursos adicionais não

apresentam impactos significativos relacionados com a melhora do

desempenho. (EMC 02, 2019)

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A proposição e sua justificação podem ser contestadas por dados apresentados

em diferentes estudos, inclusive pelas simulações que vêm sendo feitas pelos

pesquisadores, por meio do Simulador de Custo-Aluno-Qualidade, com base dados do

Siope, Fibra e Censo Escolar de 2017. As simulações apontam que o gasto-aluno médio

nas redes estaduais e municipais em 2017 foi de R$ 5.876,00, o que representa um valor

médio cerca de R$ 1.500 maior que o proposto na justificação da EMC 2/2019.

EMC 03 apresentada pelos deputados Tiago Mitraud e Marcelo Calero propõe

alteração no art. 3 da PEC 15/2015 e no art. 213 da CF de 1988 ―para possibilitar que

estados e municípios optem por direcionar parte dos recursos do FUNDEB para

organizações da sociedade civil e para financiar bolsas de estudo em instituições de

ensino privadas‖ (EMC 03, 2019).

De acordo com a proposta dos parlamentares, seria acrescentado um § 4º Ao

art. 3º da PEC 15 de 2015, com o seguinte teor: ―Os estados e municípios poderão, na

forma da lei, converter parte dos recursos para financiar o ensino público em

instituições privadas com ou sem fins lucrativos‖ (EMC 03, 2019).

Já o § 1º do Art. 213 da CF de 1988, seria alterado e passaria a vigorar com o

seguinte texto:

Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo

para o ensino básico, na forma da lei, para os interessados inscritos e

selecionados que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver

instituições cadastradas segundo requisitos definidos em lei na localidade da

residência do educando (EMC 03, 2019)

Os propositores argumentam na justificação da Emenda que o Fundeb precisa

voltar-se ―para a razão central da política educacional, que é o aluno educado e não a

estrutura escolar estatal‖, tendo em vista que no entendimento de ambos se ―a finalidade

do processo educacional é o aprendizado do aluno; logo é ele que deve ser financiado,

não a escola‖ (EMC 03, 2019).

Essa proposta apresenta questões problemática de cunho jurídico-

constitucional, mas cabe destacar também os objetivos econômicos que sustentam a

proposição. Fica explícito, como apontando na análise da CNDE,

o enorme interesse do mercado da educação nos recursos de uma das maiores

fatias do orçamento público em todos os entes federativos: a ideia posta na

justificativa da EMC de que quem deve ser financiado é o estudante e não a

escola tergiversa sobre os verdadeiros interesses a serem financiados: na

verdade, é a abertura jurídica para a implementação da política de Vouchers e

das chamadas charter schools, escolhas que vêm sendo bastante criticadas

por estudos realizados por pesquisadores em diferentes países, além dos

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levantamentos e relatórios de organismos internacionais, como a Unesco.

(CNDE, 2019, p. 52)

O Ministério da Educação (MEC) encaminhou sugestões à relatora da PEC 15-

A, em 10 de junho de 2019, por meio do Ofício 1991/2019/ASPAR/GM/GM-MEC. O

texto do ofício sugere algumas alterações no texto da relatora e defende que a

complementação da União seja de 10%, no primeiro ano, sendo progressivamente

ampliado em 1% ao ano, até alcançar um valor equivalente ao mínimo de 15%. Sugere

ainda a partir de 1º de janeiro de 2021, a União retenha ―10% dos recursos a que se

refere o art. 159, inciso I, alínea ―a‖, do Distrito Federal ou do Estado que não cumprir o

disposto no parágrafo 2º do art. 158, dos recursos relativos à contribuição para o Fundo

de Participação dos Estados para punir Estados que não cumprirem a proposta à índices

de qualidade educacional nos municípios, a ser medido por fórmula própria.

Considerações finais

A análise da PEC 15-A/2015, da Câmara dos Deputados, colocou em evidência,

por meio das EMCs, forças em disputas. Ainda que pese o consenso sobre a importância

de se constitucionalizar o Novo Fundeb, as divergências são explícitas, no que tange ao

percentual de complementação da União ao fundo, na instituição de bonificação por

resultados para justificar essa complementação e nos usos dos recursos públicos do

fundo para financiar instituições privadas com ou sem fins lucrativos. Assim sendo, nos

parece que o teor das EMCs em estudo tende a fragilizar o direito à educação pública,

gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada para todos.

Referências

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básica. São Paulo: Paco editorial, 2016.

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e dá outras providências. Disponível em:

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Acesso em: 01 de ago. de 2019.

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CARA, Daniel. O Custo Aluno-Qualidade Inicial como proposta de justiça federativa

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Lei nº 13.005/2014. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2018.

ETNOGRAFIA DE REDES: UMA ANÁLISE SOBRE OS

REFORMADORES EMPRESARIAIS E AS NOVAS POLÍTICAS

EDUCACIONAIS BRASILEIRAS

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ETNOGRAFIA DE REDES: ANÁLISIS SOBRE LOS

REFORMADORES EMPRESARIALES Y LAS NUEVAS

POLÍTICAS EDUCACIONALES DE BRASIL

Andresa Cóstola; Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖ (UNESP),

[email protected]

Raquel Fontes Borghi; Universidade Estadual Paulista ―Júlio de Mesquita Filho‖

(UNESP), [email protected]

Palavras-chave: BNCC; Neoliberalismo; Movimento Todos pela Base; Educação.

Palabras clave: BNCC; Neoliberalismo; Movimiento Todos por la Base; Educación.

Introdução

De acordo com a lógica neoliberal, vivemos uma crise da educação latina

americana quando nos referimos à qualidade, segundo essa corrente de pensamento, isso

se dá pelos sistemas educacionais não se configurarem como ―mercados escolares

regulados por uma lógica interinstitucional, flexível e meritocrática‖ (OLIVEIRA, 2003,

p. 49). A solução para essa crise não se daria pelo maior investimento no setor

educacional, mas, segundo os neoliberalistas, pela melhoria no gerenciamento,

nivelamento do ensino e padronização na formação de professores e métodos

avaliativos, além de incentivos à participação de recursos privados no sistema público

de ensino.

Nesse sentido, o empresariado defende a reestruturação do sistema educacional

brasileiro, se colocando como agente deste processo, modificando a agenda de políticas

educacionais e transformando a escola em um ambiente que irá beneficiar apenas o

capital e o aumento da produtividade. Como salienta Oliveira (2003) ―por possuir uma

compreensão economicista e fragmentária acerca das múltiplas relações nas quais os

indivíduos estão inseridos, [o empresariado] termina por valorizar muito mais o papel

da escola como espaço de preparo do indivíduo para o mercado de trabalho" (p.51)

reduzindo a educação aos interesses mercadológicos.

Logo, este trabalho se enquadra, no nosso entendimento, as temáticas que

envolverão o eixo de ―Financiamento da educação básica e privatização‖, pois

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buscamos contribuir com o debate acerca da relação dos reformadores empresariais

acima mencionados, com as novas políticas educacionais brasileiras, ao analisar a

influência destes na educação em um mundo globalizado e em rede. Para tanto,

partimos da análise do Movimento Todos pela Base (MBNC), através dos discursos

presentes nos materiais disponibilizados em sua plataforma online, e investigamos quem

são os sujeitos sociais que compõem o MBNC e quem estes representam. O método

utilizado para tal análise é o da etnografia de rede, onde diminuímos o interesse nas

estruturas sociais e damos ênfase aos fluxos e mobilidades, entendendo a ―política em

movimento‖ (Ball, 2014), ao realizar um ―mapeamento da forma e do conteúdo das

relações políticas‖ (idem, p.28).

Metodologia

Para a realização desta pesquisa, foi adotado o método de etnografia de rede, que

se caracteriza como um método de análise de políticas, com foco no papel cada vez

maior do terceiro setor – empresas; associações sem fins lucrativos e filantrópicas;

empreendimentos sociais, etc. – na prestação de serviços na área da educação e na

elaboração de políticas educacionais, o que caracteriza, como salienta Ball (2014), ―o

surgimento de novas formas de governança em ‗rede‘‖ (p.23).

Este método se caracteriza, portanto, em um mapeamento das relações políticas

em determinado campo, no caso, a educação brasileira; ele vem para remediar a falha

existente na análise de redes, que oferece apenas um esboço da interação entre os

sujeitos, sem adentrar nos detalhes desta relação. Ao utilizar de novas formas de

comunicação virtual e eletrônica, a etnografia de rede oferece, como nos apresenta Ball

(p.28, 2014), o acesso amplo e detalhado para o ‗social‘ em redes sociais, mais do que

apenas a utilização de dados terrestres. Ou seja, este método tende a focar na

espacialização das relações sociais, que é resultado do processo de globalização que tem

se intensificado nas últimas décadas. É importante salientar que o uso desse método

atinge apenas um ponto determinado do globo – o Norte e o Oeste – onde podemos

dizer que a vida social está em rede.

Assim, analisando as redes existentes dentro do Movimento Todos pela Base,

podemos verificar a atuação destes na construção da BNCC, entendendo os atores que

compõem esse grupo e como estes exercem seu poder na construção de novas políticas

educacionais, inferindo deste modo, como se criam as novas formas de governanças em

rede.

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Para tanto foram realizadas análises dos materiais produzidos pelo Movimento

Todos pela Base, como vídeos, artigos, sua plataforma online, entre outros;

investigamos também, a formação deste movimento, seu contexto de influência em rede

e nos embasamos em referenciais teóricos através da revisão bibliográfica.

O Movimento pela base

O Movimento pela Base Nacional Comum foi constituído em abril de 2013,

segundo apresenta seu site (MOVIMENTO PELA BASE NACIONAL COMUM, 2016)

para discutir a criação de uma base comum que promovesse ―a equidade educacional e o

alinhamento de elementos do sistema brasileiro‖, na qual influenciasse na aprendizagem

de cada estudante, na formação docente, nos recursos didáticos utilizados em sala, bem

como nas avaliações externas, que classificam a qualidade da educação brasileira.

Este é um exemplo de grupo que vem influenciando as políticas educacionais no

Brasil, justificando suas intervenções como forma de tirar a educação deste quadro de

caos que compromete a competitividade do país no cenário internacional (FREITAS,

2012). Pautando-se na educação baseada em resultados, o grande empresariado

brasileiro traz para o ambiente escolar as ideias de modificações que são implementadas

nos âmbitos da produção, reorganizando o processo educativo, como coloca Saviani

(1986), ―de maneira a torná-lo objetivo e operacional‖ (p.15), planejando a educação

para ser eficiente, neutra e produtiva, caracterizando deste modo, uma pedagogia

tecnicista que coloca tanto o professor quanto o alunado em segundo plano.

O posicionamento desses sujeitos sociais como o MBNC, em assumir um papel

educacional e elaborar propostas que influenciam as políticas educacionais, se dá com o

intuito de construir escolas de cunho tecnicista, produzindo um conhecimento

instrumental baseado apenas na racionalidade e produtividade. Nesse sentido, é

essencial analisar o discurso desse grupo que se nomeia ‗sem fins lucrativos‘, mas que

indiretamente irá lucrar com as reformas educacionais, seja no âmbito das editoras dos

livros didáticos, na formação inicial e continuada de professores, nas avaliações

externas, na produção de guias para a implementação da BNCC, ou nos diversos outros

setores do capital financeiro, como o Banco Mundial, que investe em modelos

educacionais do tipo (UNESCO, 1990), atuando na educação pela disputa de orçamento.

A composição deste Movimento, que se denomina uma iniciativa da sociedade

civil, se caracteriza pela participação de diversas instituições, que se colocam como

atuantes da área da educação ―são organizações da sociedade civil, acadêmicos,

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pesquisadores, professores de sala de aula, gestores municipais, estaduais e federais,

especialistas em currículos, avaliações e políticas públicas‖ (MOVIMENTO PELA

BASE NACIONAL COMUM, 2016). Listaremos aqui os institutos, fundações e

instituições públicas e privadas aos quais os agentes que compõem o MBNC

representam, podendo observar a partir desta análise, que muitos desses grupos

participaram ativamente na mobilização para a construção da base, produzindo

diferentes documentos que deram direção e agilizaram o processo de elaboração e

homologação desta.

Figura 2 – Entidades que os agentes que compõem o MBNC representam.

(Cóstola, Borghi, 2018).

De fato, existem professores presentes no Movimento, entretanto, em sua

maioria são pessoas ligadas a instituições. Essa ideia de separar indivíduos de

instituições nos faz refletir sobre como o movimento tenta frisar, de todas as formas, a

concepção de ‗representantes da sociedade civil‘, apresentando diferentes nomes, mas

que na verdade não se configuram em agentes isolados da sociedade civil, mas sim,

traduzem grupos como: Cenpec, Fundação Lemann, Instituto Natura, Comunidade

Educativa – CEDAC, Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Instituto Ayrton

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Senna e Instituto Inspirare, estes, que inclusive, fazem parte do Movimento Todos pela

Educação.

Basicamente, ampla parcela dos agentes que compõe o MBNC é oriunda de

grandes instituições privadas que tem se articulado com instituições internacionais que

já implementaram reformas curriculares de mesmo cunho em seus países. Essa

articulação fica explicita através dos exemplos exaustivos apresentados no site do

movimento. Temos aqui a representação clara das interações transnacionais,

apresentadas por Ball (2014), essa ‗rede‘ de interação é entendida como um ―tecido

conectivo que se junta e dá alguma durabilidade a essas formas distantes e fugazes de

interação social‖ (p.29), sendo assim, o envolvimento do setor privado tem mudado o

processo de construção de políticas, causando um novo tipo de Estado. Ao seguir esta

tendência de ‗perda de capacidade‘ do Estado nacional de controlar seus sistemas de

ensino, geramos um processo de desnacionalização deste, através das propostas

milagrosas trazidas pelas empresas como alternativa política ao ‗fracasso‘ do Estado.

Considerações finais

Analisamos deste modo, que o MBNC é composto por agentes que representam

instituições privadas que tem influenciado constante e diretamente a construção de

políticas educacionais no Brasil. Verificamos também, que o movimento aborda os

problemas da educação brasileira com soluções instrumentais, adotadas por uma lógica

técnica e racional, através da ratificação do currículo básico; do alinhamento de todo o

sistema educacional; pela formação de professoras e professores, equiparadas à estes

conteúdos que serão abordados pela base; pela produção de material didático

estandardizado e através das avaliações padronizadas. Ou seja, segundo o movimento,

todos os problemas do sistema educacional brasileiro existem pela falta da padronização

dos conteúdos, pois igualando os conteúdos, a formação de professores e os métodos

avaliativos, os problemas educacionais deixariam de existir.

Os resultados evidenciam que o setor privado tem se organizado cada vez mais

para dar rumo às políticas públicas, onde o elemento principal do momento são as

políticas educacionais. Estes, que se apoiam nas ideias do estreitamento curricular, na

verdade estão interessados nos diversos campos de atuação que se abrem com a

efetuação da BNCC, como: i) Formação inicial de professores; ii) Formação continuada;

iii) Produção de guias para a implementação da BNCC; iv) Produção de materiais de

apoio ao ensino (aqui leia-se produção de livros didáticos, planejamento escolar para a

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organização de atividades pedagógicas, planos de aula, sítios na internet com conteúdos

inteiramente formulados, etc.) e; v) Avaliações externas. Enfatizamos, portanto, que os

reformadores empresariais têm incitado à criação de políticas educacionais brasileiras,

para com isso, poderem ofertar as ―soluções‖ para os ―problemas‖ educacionais.

Referências

BALL, S. J. (2014). Educação Global S. A.: Novas redes políticas e o imaginário

neoliberal. Ponta Grossa, UEPG.

COSTOLA, A.; BORGHI, R. F. (2018). Os reformadores empresariais e as políticas

educacionais: análise do movimento todos pela base nacional comum. Revista on line

de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 22, n. esp. 3, p. 1313-1324, dez.,

2018 ISSN: 1519-9029. DOI: 10.22633/rpge.v22iesp3.11889.

FREITAS, L. C. (2012). Os reformadores empresariais da educação: da desvalorização

do magistério à destruição do sistema público de educação. Educação e Sociedade, v.

33 (n.119), 379-404, 2012. Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0101-

73302012000200004. Acesso em 28 de out. de 2018.

MOVIMENTO PELA BASE NACIONAL COMUM. (2016). O Movimento.

Disponível em Movimento Pela Base Nacional Comum:

http://movimentopelabase.org.br/o-movimento/. Acesso em ago. de 2018.

OLIVEIRA, R. D. (2003). O empresariado industrial e a educação brasileira. Revista

Brasileira de Educação, 22, pp. 47-60, Jan/Fev/Mar/Abr de 2003. Disponível em

http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022003000200004. Acesso em 28 de out. de 2018.

UNESCO, (1990). Secretariat of the international consultative forum on education

for all. World declation on education for all and framework for action to meet basic

learning needs. Jomtien, Thailand.

FORTALECIMENTO DOS CONSELHOS DE

ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL DO FUNDEB NO

ESTADO DA PARAÍBA

FORTALECIMIENTO DE LOS CONSEJOS DE MONITOREO Y

CONTROL SOCIAL DE FUNDEB EN EL ESTADO DE PARAIBA

Maria Aparecida Nunes Pereira

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196

Universidade Federal da Paraíba- UFPB

[email protected]

Luiz de Sousa Junior

Universidade Federal da Paraíba

[email protected]

Gabriela da Costa Silva

Universidade Federal da Paraíba- UFPB

[email protected]

Palavras-chave: Financiamento da educação. Capacitação. CACS-FUNDEB. Paraíba.

Palabras clave: Financiación de la educación. Entrenamiento. CACS-FUNDEB.

Paraíba.

Introdução

Este artigo tem como objetivo apresentar como vem se dando o fortalecimento

dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social – CACS, do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais

da Educação – FUNDEB, no estado da Paraíba, desde o ano de 2017, a partir da

institucionalização de um Programa de Formação Continuada para os conselheiros,

aprovado no âmbito da Extensão Universitária, pela Pró-reitoria de Extensão e Assuntos

Comunitários – PRAC da Universidade Federal da Paraíba - UFPB.

Partindo de pesquisas bibliográficas, documentais e de campo, foi possível

constatar que, no estado da Paraíba, assim como em muitos estados brasileiros, o

CACS, criado nos anos 1990 por meio da legislação que aprovou o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos

Profissionais do Magistério – FUNDEF e renovado pela Lei 11.494/2007, que institui o

FUNDEB, não tem uma ação efetiva conforme determina a referida legislação.

Aprovado para vigorar de 1996 a 2006, o FUNDEF foi substituído pelo

FUNDEB, este com vigência de 14 anos, de 2006 a 2020, com abrangência a toda a

educação básica. Dentre as muitas semelhanças do FUNDEB com o seu antecessor,

destaca-se, no âmbito da legislação que o aprovou, a manutenção do CACS, com a

introdução de dispositivos que não constavam na legislação que aprovou o FUNDEF,

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conferindo-lhe, dessa forma, mais autonomia, independência frente à administração

pública e maior poder decisório. (PINTO, 2008; BASSI; CAMARGO, 2009).

A despeito dos avanços, Pinto (2008) destaca alguns aspectos considerados

negativos e que não foram contemplados pela lei 11.494/2007, a saber: não fiscalização

da totalidade dos recursos da educação, por parte dos membros dos CACS e definição

de um número mínimo de participantes, em detrimento da garantia de uma

representação de pelo menos 50% da comunidade educacional, a exemplo do que

acontece no sistema de saúde.

Aspecto bastante discutido quando se trata da composição do CACS refere-se ao

conhecimento especializado, por parte dos membros do referido órgão. De acordo com

Pinto (2008) há uma tendência de desqualificar a atuação dos que não possuem o

conhecimento técnico especializado, no entanto, o referido autor destaca que a

legislação estabelece que qualquer cidadão interessado possa participar do CACS,

independente do seu grau de escolaridade, fato que credencia aqueles que possuem o

conhecimento prático a participarem dos referidos órgãos colegiados.

Isso significa que, respeitados os impedimentos legais, presentes no artigo 24, §

5o da Lei 11.494/2007, qualquer cidadão poderá participar do CACS, não sendo a falta

de conhecimento especializado, impedimento à sua participação. A qualificação dos

conselheiros, por meio de processos de formação continuada, é algo que deve ocorrer,

apesar da referida legislação ser omissa a respeito dessa questão.

Considerando a importância do CACS para a gestão dos recursos financeiros da

educação, surge a proposta de formação dos conselheiros do CACS, por entender que

ancorados na literatura que discute as questões da educação, do seu financiamento, bem

como questões de natureza contábil, os conselheiros adquirem condições de

acompanhar o recebimento dos recursos, a sua aplicação, fiscalização e, a partir daí, de

forma qualificada, participar da gestão pública, indicando o melhor uso dos recursos

públicos da educação, visando, sobretudo, a melhoria da qualidade da educação.

Espera-se que essa experiência de extensão possa contribuir com os atores que

investigam e se debruçam sobre a questão do financiamento da educação, mais

especificamente, sobre os órgãos de gestão colegiada, a exemplo do CACS do

FUNDEB.

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198

Metodologia

Participaram dessa pesquisa, conselheiros titulares e suplentes do CACS do

FUNDEB, além de membros do Conselho Municipal de Educação, representantes do

Conselho Tutelar, educadores e membros da sociedade civil que participam do processo

de formação por demonstrar interesse e envolvimento com as questões relacionadas ao

financiamento da educação.

Os municípios envolvidos na pesquisa são Cabedelo, Alhandra e Santa Rita,

estes localizados na região metropolitana de João Pessoa. A seleção dos referidos

municípios deu-se a partir de demandas apresentadas pelos Secretários Municipais de

Educação, sendo a exceção, o município de Cabedelo, em que a sua contemplação deu-

se em função de pesquisas realizadas sobre os impactos da política fundos na educação

básica, a partir dos início dos anos 2000.

Com fins de identificar as contribuições da formação aos conselheiros do CACS

do FUNDEB dos municípios supracitados, aplicou-se questionários com questões

abertas e fechadas, esses aplicados no decorrer das reuniões de formação, realizadas

quinzenalmente, nos municípios supracitados, no decorrer de dez meses, prazo de

validade da ação de extensão PRAC/UFPB. Além dos questionários aplicados, ao final

de cada encontro formativo, os conselheiros apresentavam/apresentam uma avaliação do

processo, ocasião em que são estimulados a relatar os aspectos positivos e/ou negativos

do encontro, bem como sugestões de leitura e discussões para os encontros

subsequentes.

Discussão dos resultados

A proposta de formação dos membros do CACS do FUNDEB no estado da

Paraíba decorre da participação no Grupo Nacional de Pesquisa sobre o

Acompanhamento e Implantação do FUNDEF no Brasil, este vinculado a ANPAE, e

financiado pela Fundação FORD, no início dos anos 2000. O objetivo da pesquisa era

analisar os impactos do FUNDEF em estados brasileiros, sendo a Paraíba, parte da

amostra. Na Paraíba, foi coordenada pelo prof. Dr Luiz de Sousa Junior, e contou com

o envolvimento das pesquisadoras Maria Aparecida Nunes Pereira e Giovanna Cristina

Januário Alves.

Sete municípios foram selecionados, dentre eles, João Pessoa e Cabedelo. A

partir de uma metodologia de pesquisa proposta pelo Grupo Nacional, o grupo de

pesquisa local deu início a coleta de dados, com fins de responder o problema de

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pesquisa. Após coleta, tabulação e análise dos dados, elaborou-se o Relatório a ser

encaminhado ao Grupo Nacional, resultando em outros trabalhos acadêmicos, a saber:

tese, trabalhos monográficos, a produção de um livro, intitulado ―Gestão e

financiamento da educação municipal: dois estudos de caso sobre os resultados iniciais

do FUNDEF, além de aprofundamento da temática em nível de mestrado, no Programa

de Pós-graduação da UFPB, de 2004 a 2007, e de doutorado, na Universidade Estadual

de Campinas – UNICAMP, no período de 2008 a 2012.

No decorrer da investigação, surgiram outras questões de pesquisa, dentre elas,

―as contribuições efetivas do CACS a gestão dos recursos do FUNDEF e,

posteriormente, do FUNDEB‖. Visando responder a esse questionamento, no ano de

2017, realizou-se uma investigação no município de Cabedelo, constatando-se que o

CACS havia sido criado, estava em funcionamento, no entanto, muitas eram as

fragilidades teórico-metodológicas, por parte dos seus membros. De posse desse

diagnóstico, foi apresentada a proposta de formação voltada, exclusivamente, à

formação dos membros do CACS do FUNDEB do município de Cabedelo.

Em 2017, conforme já mencionado, a formação ocorreu no município de

Cabedelo, no período de julho a dezembro de 2017, totalizando 10 encontros. A

formação foi organizada em dois momentos: 1o, destinado ao contato com a literatura

que versa sobre a educação e o seu financiamento e o 2o, voltado ao aspecto contábil, a

partir do conhecimento e análise das peças orçamentárias.

Destaca-se o envolvimento dos membros do CACS no processo de formação, no

sentido da realização das leituras e discussões. Ressalta-se a baixa participação dos

conselheiros às reuniões, sendo um dos principais motivos apresentados, a falta de

tempo. Não houve participação da representação estudantil, durante a formação.

No ano de 2018, por solicitação do Secretário Municipal de Educação de

Alhandra, a formação ocorreu no referido município. Iniciou-se em abril e se estendeu

até o mês de dezembro, num total de 10 encontros. Destaca-se o envolvimento dos

participantes nas reuniões no tocante às leituras e discussões e a preocupação com o

entendimento de questões relacionadas às atribuições dos conselheiros. Identificou-se

fragilidade na composição do CACS, uma vez que participavam do mesmo, pessoas

impedidas conforme a Lei 11.494/2007, ausência de reuniões, desarticulação dos

conselheiros e pouco conhecimento das questões relativas ao financiamento da

educação e atribuições dos conselheiros.

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No ano de 2019, por solicitação da Secretaria Municipal de Educação de Santa

Rita, a formação passou a ocorrer neste município. Iniciou-se em maio e vai até

dezembro do corrente ano, totalizando 10 encontros. Destaca-se o envolvimento dos

conselheiros no CACS, periodicidade de reuniões com fins de discutir questões

concernentes ao FUNDEB, engajamento no processo de formação no que se refere à

participação, leitura e discussões. Ressalta-se conhecimento razoável acerca das

questões teórico-metodológicas, relacionadas ao financiamento da educação, baixa

participação, justificada pelo envolvimento em outras ações dentro da administração

pública. Não tem participado das reuniões de formação, representantes de pais e

estudantes.

Considerações finais

Foi/é possível constatar no decorrer do processo, as fragilidades dos CACS dos

municípios envolvidos na pesquisa e as contribuições da formação, que se voltam para o

fortalecimento dos CACS, traduzidas no discurso, nas ações e atuação dos conselheiros

frente ao Conselho.

Observou-se que os CACS dos municípios investigados não têm exercido as

suas funções, conforme determina a Lei 11.494/2007, resultando, negativamente, no

acompanhamento das receitas do FUNDEB e realização das despesas. Aspecto

preocupante e que está relacionado ao item anterior, é o fato de os conselheiros não

terem clareza das suas atribuições, limitando-se a analisar folhas de pagamento, nas

reuniões do CACS. Também não possuem conhecimento técnico especializado,

impossibilitando a análise de Balanços, Balancetes, Demonstrativos de receitas e

despesas com MDE, dentre outros. Há relatos em que os conselheiros afirmam assinar

pareceres técnicos sem terem noção do que se trata. Dificuldades relacionadas à

participação nas reuniões do CACS e das reuniões de formação, também foram

relatadas pelos conselheiros. A falta de apoio da parte do Poder Público no sentido da

garantia de infraestrutura e condições materiais adequadas ao pleno desenvolvimento

das competências do CACS, conforme determina a legislação supracitada, também é

destacada pelos conselheiros.

Por outro lado, pode-se destacar acerca da formação in loco, as seguintes falas:

―excelente a proposta‖; ―estávamos precisando de uma formação, tendo em vista que a

ofertada pelo MEC, a distância, não contempla a todos‖; ―precisamos nos capacitar para

atuarmos de forma mais efetiva no CACS‖; ―a UFPB está de parabéns por essa

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201

iniciativa‖; ―temos atuado na boa vontade; não temos claro quais são as nossas

atribuições, de fato‖; ―temos nos reunido para analisarmos as folhas de pagamento‖;

―não sabíamos como estávamos atuando sem o conhecimento da legislação‖; ―a partir

desse momento, passamos a entender sobre a dinâmica do financiamento da educação

que não se resume ao FUNDEB e a análise de folhas de pagamento‖; ―a partir desse

momento, a minha atuação frente ao CACS será diferente‖; ―agora, sabemos onde

consultar os dados financeiros‖; ―só temos a agradecer a equipe da UFPB por essa

formação que veio em tão boa hora‖.

Questionados acerca dos dificuldades relacionadas ao processo formativo e a

uma atuação mais efetiva no âmbito do CACS, os relatos vão na seguinte direção: a)

pouco conhecimento das questões relacionadas ao financiamento da educação e da

execução orçamentária; b) receio de perseguição política; c) disponibilidade de tempo

para participar dos encontros formativos; c) falta de um local apropriado para a

realização das reuniões.

Mediante o exposto, enfatiza-se a necessidade de formação especializada para os

membros do CACS, uma vez que as questões técnicas exigem um conhecimento

especializado (PINTO, 2008).

Referências

BASSI, Marcos Edgar. CAMARGO, Rubens Barbosa de. Participação e controle

social no Fundef e no Fundeb. Poiésis - Revista do Programa de Pós-Graduação em

Educação, [S.I.], v. 2, n. 3, p. 105-118, ju. 2009. ISSN 2179-2534. Disponível em:

<http:/www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/artcicle/view/504/517>.

Acesso em: 02 ago. 2019. doi: http://dx.doi.org/10.19177/prppge.v2e32009105-118 .

BRASIL. Congresso Nacional. Lei 9.424/96, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe

sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 dez. 1996.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9424.htm . Acesso em: 03

de jun. 2019

______. Congresso Nacional. Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB), de que trata o art.60 do Ato das Disposições

Gerais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 de jun.2007. Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11494.htm . Acesso

em: 27 de mar. 2018.

PEREIRA, Maria Aparecida Nunes. Financiamento da educação básica no estado da

Paraíba: análise dos primeiros resultados do FUNDEB nos municípios de João Pessoa

Page 202: Realização · 2019. 10. 9. · Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp) Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

202

e Cabedelo – PB. Tese. (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação,

Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 274p. 2012.

PINTO, J. M. R. O potencial de controle social dos conselhos do Fundef e o que se pode

esperar dos conselhos do Fundeb. In: SOUZA, Donaldo Bello de. (Org.) Conselhos

municipais e controle social da educação: descentralização, participação e cidadania.

São Paulo: Xamã, 2008. 263 p.

SOUSA JUNIOR, Luiz de; ALVES, Giovanna C. J; PEREIRA, Maria Aparecida

Nunes. Gestão e financiamento da educação municipal: dois estudos de caso sobre os

resultados iniciais do FUNDEF. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003.

SOUSA JUNIOR, Luiz de. Financiamento da Educação: os impactos do FUNDEF na

educação básica do estado da Paraíba. Tese. (Doutorado em Educação) - Faculdade de

Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 305p. 2003.

CONSELHO DE ACOMPANHAMENTO E CONTROLE SOCIAL

DO FUNDEB NO MUNICÍPIO DE ALHANDRA-PB: UMA

EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO

CONSEJO DE MONITOREO Y CONTROL SOCIAL DE FUNDEB

EN LA CIUDAD DE ALHANDRA-PB: UNA EXPERIENCIA DE

FORMACIÓN

Gabriela da Costa Silva

Universidade Federal da Paraíba- UFPB

[email protected]

Maria Eduarda da Silva Santos

Universidade Federal da Paraíba- UFPB

[email protected]

Luiz de Sousa Junior

Universidade Federal da Paraíba- UFPB

[email protected]

Maria Aparecida Nunes Pereira

Universidade Federal da Paraíba- UFPB

[email protected]

Page 203: Realização · 2019. 10. 9. · Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp) Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

203

Palavras-chave: Financiamento da educação. Capacitação. CACS-FUNDEB.

Palabras clave: Financiación de la educación. Entrenamiento. CACS-FUNDEB.

Introdução

Com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e de Valorização dos Profissionais do Magistério - FUNDEF, em 1996,

foram instituídos os Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEF -

CACS, com fins de acompanhar, controlar e fiscalizar os recursos do Fundo. O

FUNDEF teve como objetivo a redistribuição dos recursos para a educação, pois se

percebia a desigualdade do investimento nos diferentes âmbitos: municipais, estaduais e

regionais. Porém, ele não deu conta de superar essas desigualdades e só beneficiava o

ensino fundamental, o que causou um desequilíbrio nos outros níveis e outras

modalidades de ensino. Em 2006, o FUNDEF chegou ao fim e foi substituído pelo

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação – FUNDEB, criado pela EC 53/2006 e aprovado,

definitivamente, em 2007, pela Lei 11.494/2007, com a perspectiva de ampliação dos

investimentos para todos os níveis e modalidades de ensino. (GOUVEIA; SOUZA,

2015).

Os CACS foram novamente instituídos pela legislação que criou o FUNDEB,

mas sofreram alterações por meio da Portaria Nº 481, de 11 de outubro de 2013, no que

se refere à criação, à composição e ao funcionamento. Pesquisas realizadas mostram que

no âmbito da legislação houve avanços em relação às atribuições dos conselheiros e

composição do Conselho, porém, na prática, os CACS não funcionam conforme o

previsto na legislação, sobretudo, no que se refere à participação dos conselheiros

(ALVES; SOUSA JUNIOR; PEREIRA, 2003; SOUSA JÚNIOR, 2003; PEREIRA,

2012).

Tendo em vista a importância desse órgão colegiado para a fiscalização, o

acompanhamento e o controle social dos recursos do Fundo, a Professora Dra. Maria

Aparecida Nunes Pereira e o Professor Dr. Luiz de Sousa Junior apresentaram à Pró-

reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários - PRAC uma proposta de extensão

intitulada ―Capacitação para os membros do Conselho de Acompanhamento e Controle

Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação‖, com vistas à formação dos conselheiros do

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204

FUNDEB, no âmbito dos municípios que compõem a região metropolitana de João

Pessoa – PB.

No ano de 2017, a formação ocorreu no município de Cabedelo – PB. No ano

de 2018, o município contemplado foi Alhandra – PB e, em 2019, o processo de

formação vem ocorrendo no município de Santa Rita – PB.

Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo apresentar como se deu a

execução desse projeto de extensão no município de Alhandra, trazendo seus resultados

e contribuições, respectivamente, para os nove conselheiros do FUNDEB que se

envolveram na formação, para as duas discentes (uma bolsista e uma voluntária) do

curso de pedagogia, e para os coordenadores desta ação.

Metodologia

As atividades do projeto se dividiram em reuniões internas com a equipe de

trabalho para planejamento e estudos, e encontros formativos com os conselheiros. Os

encontros de formação com os conselheiros inicialmente foram divididos em duas

etapas: a primeira etapa, destinou-se ao contato teórico com a literatura que discute a

temática do Financiamento da Educação pública no Brasil, especificamente as

relacionadas às mudanças na Política de Financiamento da Educação, a partir dos anos

1990 e 2000, com a criação do FUNDEF e do FUNDEB; os instrumentos de controle

social dos recursos públicos; a perspectiva do Financiamento da Educação no Plano

Nacional de Educação - PNE 13.005/2014; os riscos do financiamento da educação

pública com a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016, que limita o teto dos

gastos com a educação; as noções de contabilidade pública; o conhecimento das peças

do orçamento público: (PPA, LDO, LOA); a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei

101/2000, além de outras temáticas, apontadas pelos membros do CACS, como

necessárias à compreensão da dinâmica do Financiamento da Educação, mais

especificamente do FUNDEB.

Na segunda etapa, foram desenvolvidas ações no sentido de se analisar, no

contexto das peças orçamentárias, como são tratadas as questões do financiamento da

educação, a saber: receitas vinculadas, conforme artigo 212 da Constituição Federal,

receitas subvinculadas (FUNDEB Lei 11.494/2007), outras receitas destinadas à

educação, ou seja, as provenientes do Fundo Nacional de Educação (FNDE), via

Programas e Projetos, dentre outras. Na sequência, buscou-se identificar as despesas

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empenhadas, liquidadas e pagas, restos a pagar, saldos de aplicações financeiras, dentre

outras despesas.

As reuniões de planejamento aconteceram semanalmente com a equipe de

trabalho, e os encontros formativos com os conselheiros se deram, na sua maioria,

mensalmente, na Universidade Federal da Paraíba. Os dias e horários foram definidos,

ao longo do processo, de acordo com a disponibilidade dos conselheiros. As atividades

foram desenvolvidas pelos professores coordenadores do projeto, auxiliados pelas

alunas bolsistas e voluntárias.

Discussão dos resultados

Ao serem questionados sobre a importância da formação, promovida pela UFPB,

no âmbito do Projeto de Extensão, os (as) conselheiros (as) relataram que ―[...] a

formação deu uma ampla visão sobre o que são as ações do CACS e o papel dos

conselheiros, visto que muitos não conheciam ao menos suas atribuições‖; ―[...]

puderam vivenciar na prática a importância da atuação dos conselheiros frente ao

CACS‘; ―[...] todos os textos trabalhados foram importantes para a nossa formação e

atuação prática‖. Após análise dos dados, constatou-se que todos os (as) conselheiros

(as) responderam nessa mesma direção, referindo-se à formação como propiciadora de

novos conhecimentos e de contribuições para a atuação teórico-metodológica frente ao

CACS.

Alguns desafios à realização do curso, relatados pelos (as) conselheiros (as),

foram: a) disponibilidade de tempo para participar dos encontros formativos; b) falta de

um local apropriado para a realização das reuniões, fato que culminou com a realização

da formação na UFPB. Nessas ocasiões, a Prefeitura disponibilizava o transporte para a

referida finalidade.

Conclusão

Deparamo-nos, no município de Alhandra, no ano de 2018, com um Conselho

não atuante e com poucas informações (ou nenhuma) sobre as atribuições dos (as)

conselheiro (as). Mas, um aspecto relevante foi acompanhar o movimento feito, aos

poucos, por eles/elas, para que o Conselho funcionasse de forma autônoma e efetiva, a

partir do repertório adquirido na formação. Tendo em vista que a formação tem como

objetivo principal instrumentalizar, (in)formar e contribuir com o Conselho, observamos

que isso de fato foi alcançado.

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206

Para os bolsistas e voluntários os resultados foram bastante relevantes, uma vez

que os assuntos abordados no projeto se interligam com os estudados em disciplinas do

curso de Pedagogia. A produção de trabalhos e a experiência durante o planejamento

das formações, também permitiram que os alunos se familiarizassem com vários

aspectos importantes para a sua formação enquanto pedagogo.

Conclui-se que o projeto tem muito a contribuir com a formação dos

conselheiros nos diversos municípios da Paraíba, com a formação dos alunos do curso

de Pedagogia e com os estudos sobre o Financiamento da Educação Brasileira. É de

suma importância que os conselheiros possam ter as ferramentas necessárias para

realizar o seu trabalho, contribuindo com o bom desenvolvimento da educação do seu

município.

Referências

BRASIL. Congresso Nacional. Lei 9.424/96, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe

sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 26 dez. 1996.

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Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 305p. 2003.

ANÁLISE COMPARADA SOBRE OS CORTES DOS GASTOS

PÚBLICOS COM EDUCAÇÃO EM CONTEXTOS DE

INSTABILIDADE POLÍTICA NA GUINÉ-BISSAU E BRASIL

ANÁLISIS COMPARATIVA DE LOS RECORTES DE SERVICIOS

PÚBLICOS EN CONTEXTOS DE INESTABILIDAD POLÍTICA EN

GUINEA-BISSAU Y BRASIL

Maria Rehder,

Universidade Estadual de Campinas, GREPPE, Campinas (SP), Brasil. E-mail:

[email protected]

Rui da Silva,

Universidade do Porto, Centro de Estudos Africanos – Porto, Portugal. E-mail:

[email protected]

Talismã Nice Fero Gomes Dias da Silva Monteiro, Universidade de Lisboa, Instituto de

Educação – Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]

Palavras-chave: Educação. Direitos. Brasil. Guiné-Bissau. Educomunicação

Palabras- clave: Educación. Derechos Brasil Guinea-Bissau Educomunicación

Introdução

No âmbito dos esforços para a publicação de um artigo na Revista Educação &

Sociedade43

, pesquisadores dos três países, Portugal, Guiné-Bissau e Brasil, se uniram

43

Educ. Soc., Campinas, v. 39, nº. 145, p.962-979, out.-dez., 2018.

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208

em torno de uma reflexão comparada sobre os impactos para a realização do direito à

educação na Guiné-Bissau e Brasil. Em consonância à temática do VI Seminário do

GREPPE, os autores escolheram dar ênfase ao país Guiné-Bissau. Selecionaram e

reproduziram aqui trechos do artigo publicado na Revista Educação & Sociedade,

conteúdo nunca apresentado em evento acadêmico.

Com o objetivo de analisar os impactos da instabilidade política (com a transição

não democrática de governos) na manutenção dos princípios constitucionais para o

direito à educação na Guiné-Bissau e no Brasil, a partir da análise documental de

educação e de entrevistas semiestruturadas com dois estudantes, uma mesma

consequência foi constatada: impactos nos investimentos públicos alocados para os

setores sociais. Na Guiné-Bissau, o golpe de 2012 foi marcado pela elevada ajuda

internacional à governança e segurança em detrimento à educação, desafiando a Lei de

Bases do Sistema Educativo e o Plano Setorial da Educação. No Brasil, após o

impeachment de Dilma Rousseff em 2016, foi aprovada a Emenda Constitucional 95

que congela em 20 anos os gastos públicos em educação, inviabilizando o Plano

Nacional de Educação.

Metodologia

A abordagem metodológica para a realização da análise comparada foi

qualitativa (interpretativa), tendo em conta a problemática e a natureza do objeto.

Recorremos à análise documental (de documentos primários) e foi valorizada a voz de

sujeitos de direitos dos dois países a partir da análise de entrevistas semiestruturadas

com dois adolescentes ativistas pelo direito à educação já disponibilizadas em estudos e

artigos anteriores. Os documentos utilizados podem ser caracterizados como dados pré-

existentes e foram selecionados após uma análise exaustiva de documentos nos dois

países como textos constitucionais, leis nacionais sobre educação, pesquisas, estudos e

relatórios.

O olhar comparado do Brasil com a Guiné-Bissau tem como motivação o

arcabouço teórico de Cartas à Guiné-Bissau, de Paulo Freire (FREIRE, 1977), cuja

vivência no país foi fundamental para a produção do seu legado teórico, principalmente

a sua inspiração com Amilcar Cabral, sendo ―dois teóricos-ativistas, cujas

convergências se deram na ‗precedência da prática sobre a teoria; a importância da

leitura da realidade cotidiana, como forma de apreensão do conhecimento válido e

legítimo‘‖ (GADOTTI & ROMÃO, 2012, p. 32).

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209

Discussão dos resultados: Brasil e Guiné-Bissau

A Guiné-Bissau é considerada o primeiro narco-Estado africano e um dos

Estados mais frágeis do continente, vivendo um ambiente de crise alimentar e tendo

sofrido um longo processo de fuga da população do meio rural para o meio urbano

(O‘REGAN & THOMPSON, 2013; TEMUDO, 2008; TEMUDO & ABRANTES,

2013; 2015). As condições econômicas e sociais do país o colocam em uma situação de

dependência de ajuda pública ao desenvolvimento, particularmente para os serviços

públicos, desempenhando a sociedade civil - essencialmente as Organizações Não-

Governamentais (ONGs) e a Igreja Católica - papel crucial na assistência às populações

e na consolidação do Estado, com destaque para os setores da educação, da saúde, dos

direitos humanos, do ambiente e no processo de consolidação da paz (BARROS, 2012).

Todos esses fatores têm restringindo a efetivação do direito humano à educação,

sendo que as escolas apresentam infraestrutura precária, sem alimentação e água.

Mediante essa realidade de precariedade, a Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) chegou a cogitar a necessidade de

reconstrução do sistema educativo: ―Por fim, tantas obras devem ser levadas a cabo para

a escola de Guiné-Bissau que pode-se perguntar se o sistema educativo não é

simplesmente para ser reconstruído em grande parte‖ (UNESCO, 2016). Sem falar do

elevado número de crianças e jovens que sequer chega às escolas em idade escolar:

28,1% das crianças estão em situação de exclusão, com maior prevalência para as

meninas, e 40% dos adolescentes de 18 anos nunca frequentaram a escola (UNICEF,

2018).

Apesar das melhorias alcançadas desde a independência, em um quadro de

grande fragilidade e de ter havido um grande progresso no acesso, o sistema educativo

ainda não chega a todas e todos guineenses não cumprindo, dessa forma, os desígnios

da Constituição Guineense (GUINÉ-BISSAU, 1996) e da Lei de Bases do Sistema

Educativo (GUINÉ-BISSAU, 2011a).

Após a independência, o direito humano à educação ficou expresso na sua Carta

Magna de 1996: A educação visa a formação do homem. Ela deverá manter-se

estreitamente ligada ao trabalho produtivo, proporcionar a aquisição de qualificações,

conhecimentos e valores que permitam ao cidadão inserir-se na comunidade e contribuir

para o seu incessante progresso (GUINÉ-BISSAU, 1996).

Assiste-se, também, a uma influência grande de organizações internacionais (por

exemplo o Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF, a União Econômica e

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210

Monetária do Oeste Africano - UEMOA e o Banco Mundial) na promoção da educação

para todos, que está alinhada com os desejos do Estado Guineense de forma a construir

um Estado-nação moderno e que atinja o nível de progresso de outros países (SILVA;

SANTOS; PACHECO, 2015).

No Brasil, um resultado da recente instabilidade que coloca em risco esses

princípios constitucionais para a educação é a aprovação da Emenda Constitucional nº

95, de 2016 (BRASIL, 2016), que congela os investimentos públicos em educação por

20 anos, inviabilizando o Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014), conforme

nota técnica da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e da Associação Nacional

de Pesquisadores em Financiamento da Educação (CAMPANHA NACIONAL PELO

DIREITO À EDUCAÇÃO; FINEDUCA, 2016): ―A aprovação da PEC 241 significa

estrangular a educação pública brasileira e tornar letra morta o plano nacional de

educação 2014-2024‖, divulgada em 2016.

No Brasil, a denúncia da privatização da educação pública como violação do

direto à educação foi pauta do Movimento dos Secundaristas em Ocupação durante o

período de instabilidade e anúncio da Reforma do Ensino Médio de Temer e é

preocupação da ONU, cujo Comitê sobre os Direitos da Criança recomenda ―Encerrar a

transferência de recursos públicos para o setor do ensino privado‖ (ONU, 2015).

Privatização da educação pública é entendida, conforme Adrião e Domiciano (2018),

como a natureza e a abrangência dos mecanismos de simbiose entre os setores privados

e órgãos públicos que indicam a amplitude dos processos de privatização da educação

pública, entendida como o conjunto de processos que tem direcionado a educação

básica pública brasileira para o campo e sob o interesse do setor privado corporativo ou

associado a ele.

No caso da Guiné-Bissau, o incentivo à iniciativa privada e a uma regulação

mercantil do sistema educativo está presente, contudo parece emergir certo paradoxo

pois, se por um lado se incentiva a iniciativa privada, por outro se reconhece que parte

da população, embora pague pela educação a que tem acesso, não tem capacidade

financeira para tal (SILVA; SANTOS; PACHECO, 2015).

Vozes das “flores da revolução”

Para falar de direito à educação é fundamental ouvir sujeitos de direito, no caso

da educação, os estudantes. As vozes aqui analisadas, tanto na Guiné-Bissau como no

Brasil, confirmam os impactos negativos dos contextos de instabilidade (com transições

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211

não democráticas de governo). Em resposta a pergunta de entrevista realizada em 2013

―Como você descreve a vida de uma criança na Guiné-Bissau?‖, o guineense Cá destaca

os impactos da instabilidade política. Desde 1998, depois da guerra civil e depois da

ratificação da Convenção sobre os Direitos das Crianças, as organizações estão fazendo

o seu melhor para melhorar a situação, mas nem mesmos com esses esforços nós

podemos enfrentar é possível o problema da educação hoje na Guiné-Bissau. Todas as

escolas públicas estão em greve neste momento, as crianças enfrentam problemas com

práticas violentas e nós temos problemas tanto na educação como na saúde. Acredito

que estes sejam as três áreas mais complicadas para as crianças (REHDER, 2013, p.

111).

A exclusão escolar gerada pelo trabalho infantil com as Campanhas de Caju, nos

períodos de colheita, quando há migração das famílias que levam as crianças para

trabalhar, e a infraestrutura escolar foram citadas pelo adolescente: Não há água potável

disponível para os estudantes na Guiné- -Bissau. Não há banheiros. Sobre material, não

usamos livros, mas os professores trabalham com o que chamamos de texto de apoio.

Os professores levam o texto de apoio nas aulas e os estudantes copiam o material

(REHDER, 2013, p. 111). Os problemas relatados pelo adolescente estão em

consonância com as preocupações do Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU. ―O

Comitê registra a crise política atual no Estado da Guiné-Bissau e seu efeito no

desenvolvimento e implementação de legislação relevante, políticas públicas e

programas para a infância‖ (ONU, 2015).

No Brasil, os impactos da instabilidade para a garantia do direito à educação

foram confirmados pelo Movimento dos Secundaristas em Ocupação no Brasil. No dia

25 de outubro de 2016, o El País Brasil destacou: ―PEC 241: Com quase 1.000 escolas

ocupadas no país, ato de estudantes chega a SP que uma das pautas nacionais

majoritárias dos estudantes secundaristas em ocupação‖ (ROSSI, 2016).

Na pauta de luta da adolescente Letícia Karen e dos mais de milhares de

estudantes que ocuparam as escolas no Brasil, destacou-se a resistência contra as

medidas do governo Temer. Participar de todos os processos deste movimento que se

tornou nacional, demonstrando a preocupação da juventude pelo ensino de qualidade me

fez ter a certeza que somente a luta diária e as novas estratégias via ação e participação

dentro das escolas podem resultar em conquistas positivas, afirma Letícia Karen.

(REHDER & OLIVEIRA, 2017, p. 543).

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212

Conclusão

Pôde-se constatar que a instabilidade política na Guiné-Bissau e no Brasil tem

fragilizado a garantia dos princípios constitucionais para o direito à educação,

impactando nos investimentos públicos alocados para os setores sociais e violando os

direitos de crianças e adolescentes conforme confirmam os adolescentes. No Brasil,

destaca-se a Emenda Constitucional 95, inviabilizando o Plano Nacional de Educação

(Lei nº 13.005/2014). Na Guiné-Bissau, alto porcentual do investimento proveniente da

ajuda internacional que foi direcionado para governança e segurança em detrimento à

saúde e à educação: menos de 1% do orçamento do Estado é alocado para as questões

das mulheres e das crianças e apenas 13% para educação (ONU, 2013). Nos dois países,

conclui-se que é urgente a ampliação dos investimentos para as áreas sociais por meio

de estruturas de financiamento público que efetivem os direitos sociais. Conclusão

também já alertada aos países por diferentes mecanismos de direitos humanos da ONU.

Referências

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EIXO 4 – OFERTA DA EDUCAÇÃO BÁSICA E PRIVATIZAÇÃO

INSTITUTO AYRTON SENNA E SUA REDE POLÍTICA NOS

SISTEMAS DE ENSINO DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO AYRTON SENNA Y SU RED DE POLÍTICAS EN LOS

SISTEMAS DE ENSEÑO DEL RIO GRANDE DO SUL

Maria de Fátima Cóssio UFPEL; E-mail: [email protected]

Susana Schneid Scherer UFPEL/Apoio: Capes; E-mail: [email protected].

Palavras-chave: Redes de influências; Políticas educacionais; Parcerias Público-

Privadas.

Page 215: Realização · 2019. 10. 9. · Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp) Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

215

Palabras-clave: Redes de influencias; Políticas educativas; Asociaciones público-

privadas.

Introdução

Este trabalho problematiza a rede política (network policy) do Instituto Ayrton

Senna (IAS), em vista de sua destacada atuação em parcerias público-privadas (PPPs)

nas redes de ensino do Estado do Rio Grande do Sul (RS).

Esse dado derivou da pesquisa ―Redes políticas e as parcerias público-privadas

no estado do RS‖, realizada entre 2016-2019, pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em

Políticas Educacionais (NEPPE/UFPel). Sua pretensão foi a de mapear as instituições

privadas mais atuantes nos sistemas de ensino municipais do Estado, tendo como base a

divisão da Secretaria de Educação do Estado do RS (SEDUC/RS) que agrupa as 497

cidades do estado em 36 Coordenadorias Regionais de Educação (CREs). Nisso,

chegou-se a cinco entidades mais recorrentes: o Instituto Natura como o mais

prevalecente; o IAS como o segundo mais presente; seguido, em menores escalas, pela

Federação Nacional das Associações Atléticas Banco do Brasil (FENABB); Fundação

do Sistema de Crédito Cooperativo (SICREDI), e Associação Nacional dos

Fumicultores do Brasil (AFUBRA).

Nesse sentido, pretende-se refletir acerca dessas novas agências de redes

políticas que se organizam em torno das instituições públicas, sobretudo, no que tange

as implicações na educação pública.

Metodologia

Esta investigação se baseia na sociologia das políticas educacionais, entendida

como campo de disputas em que se produzem e reproduzem sentidos que se dão tanto

em macro-contextos de influências, interesses ou ainda da produção dos textos

políticos, quanto no contexto micro da prática escolar, gerando efeitos diretos e também

efeitos mais amplos em padrões sociais (BALL; MAINARDES, 2011).

Na especificidade deste estudo, investigou-se a rede de influência política do

IAS, com base em estudos de Ball (2014), por entendê-la como um novo e particular

estilo de agenciamento político, o qual mescla laços duradouros e colaborações

esporádicas e interdependências intrincadas para fornecer conhecimento, reputação e

legitimidade ao projeto global de uma sociedade de mercado. Dele participam

Organismos Multilaterais (OM), governos nacionais, organizações não governamentais

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216

(ONGs), think tanks, uma série de grupos de interesse, consultores, empreendedores

sociais, etc, que compartilham de uma mesma filosofia voltada a produzir mudanças no

pensamento e comportamento de governos locais, regionais ou mesmo nacionais por

meio de trocas de normas, ideias e discursos (BALL, 2018; SHIROMA, 2016).

Para a coleta de dados se adotou o método de ―etnografia de rede‖, desvelado

por Ball (2014), e considerado como uma variação do que Bevir e Rhodes (2006)

apresentam como ―análises etnográficas de governança em ação‖. Baseia-se em estudos

de Howard (2002), usando do levantamento de novas de dados da internet, no lugar de

priorizar dados terrestres, como forma de enriquecer o acesso à forma e ao conteúdo da

questão ―social‖ em redes sociais em um campo particular de relações políticas.

Nessa linha, usaram-se como instrumentos de coleta de dados o site oficial do

IAS, e relatórios anuais, que constam de 2012 a 2018; notícias na mídia online;

informações nos sites de entidades representativas de dirigentes estaduais e municipais

de educação; e de Secretarias e Conselhos de Educação (Municipais e Estaduais);

vídeos promocionais, Power points, páginas do Facebook, blogs e outras fontes digitais.

Feito isso, subsidiou-se dos apontamentos de Shiroma, Campos e Garcia (2005)

para analisar os textos e palavras para além do que dizem, procurando desmistificar suas

reais motivações e interesses e refletir acerca de implicações na educação pública.

Resultados e análises

O IAS foi registrado em 20 cidades do Estado do Rio Grande do Sul, através de

quatro diferentes projetos e ações educacionais, quais sejam: ―Se Liga‖, ―Acelera‖,

―Comitê Gestor de Soluções educacionais‖ e ―Letramento em Programação Digital‖.

Encontrou-se o projeto do ―Letramento em Programação Digital‖ do IAS se realizando

dentro do programa ―AABB Comunidade‖ da FENABB, que se volta a promover o

desenvolvimento integral dos estudantes de escolas públicas, a fim de favorecer a

inclusão socioprodutiva e ampliar a consciência cidadã (AABB COMUNIDADE,

2017).

O IAS tem início em 1994 com ações voltadas para a alfabetização e uma visão

de educação integral, obtendo em 2004 a regulamentação de Organização da Sociedade

Civil de Interesse Público (OSCIP) por intermédio da Lei nº 9.790/1999 (IAS, 2019).

Uma de suas primeiras iniciativas foi o programa Educação pelo esporte, criado em

1995, levando a desenvolver as propostas de alfabetização do Acelera em 1997 e Se

Liga em 2001, que permite com que o Instituto ganhe em abrangência e expressividade,

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217

ao serem incluídas, junto ao programa Circuito Campeão, nas versões de 2009 e 2011

do Guia de Tecnologias do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE,

BRASIL, 2007).

Desde 2014 o IAS tem promovido o que chama de ―políticas de gestão da

alfabetização escolar‖, com a pretensão de evoluir nas soluções educacionais já em

tramitação, a fim de alinhar-se às metas do Plano Nacional de Educação (2014-2024)

para o ensino fundamental. A alfabetização é encarada como uma política pública,

exigindo o compromisso do sistema e da comunidade em geral para a obtenção do

sucesso, reforçando a noção de que a sociedade civil precisa fazer a sua parte,

notadamente por meio de fundações e institutos, em aspectos e áreas em que o Estado

não consegue atuar sozinho, como de forma recorrente é referido pelo IAS em seus

escritos. Assim, se utiliza do método gerencial, com protocolos para o controle de

resultados, consultorias na formação dos gestores escolares e professores,

acompanhamento do processo de ensino e avaliação para garantir o alinhamento. São

programas resultantes disso: Gestão Nota 10, criado em 2005 e reformulado em 2014,

de modo a deixar de ser uma ação individual para se integrar a outras iniciativas;

Gestores em Rede, criado em 2015; Rede Nacional de Ciência para Educação (CpE) e o

programa de formação docente Letramento em Programação Digital, respectivamente,

alinhavados em 2014 e 2015.

No Rio Grande do Sul o Letramento em Programação Digital se faz presente em

19 cidades, impactando mais de 800 alunos do ensino fundamental. A Secretaria

Estadual de Educação do RS (SEDUC/RS) possui uma equipe que orienta o programa

por intermédio do Núcleo de Tecnologia Educacionais (NTE), que promove formação

de professores em ambientes computacionais com uma equipe interdisciplinar. No caso

da Rede CpE é uma iniciativa originada em uma Universidade pública, apoiada pelo

IAS e a Fundação de Apoio a Pesquisa do RJ (FAPERJ) que, desde então promove

pesquisas, eventos e troca de conhecimentos com diferentes universidades e áreas do

conhecimento, focados na área de neurociência, segundo a ideia de educação baseada

em evidências. Mais recentemente foram lançados dois novos setores de atuação, o

Desenvolvimento Global em 2017, que troca experiências com outros países; e o

EduLab21, laboratório de ciências aplicadas à educação com cátedras no Brasil (no

Instituto de Ensino e Pesquisa, Insper) e internacional na Universidade de Ghent, na

Bélgica.

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218

A atividade do IAS ilustra sua atuação no âmbito local e no plano macrossocial,

uma vez que é extensa e poderosa sua participação em uma diversidade de redes

políticas, com outros entes privados e setores públicos, o que dá suporte para que

direcione, ao lado de seus parceiros, a agenda da educação pública nacional. Um

exemplo recente é a parceria firmada entre ao IAS e o Conselho Nacional de Educação

(CNE) ―para o desenvolvimento de estudos que orientem futuras diretrizes sobre

educação integral no Brasil, com destaque para a alfabetização plena‖ (IAS, 2019). Sua

lista de parceiros em 2019 passa de 80 instituições, divididas em seis categorias de

maior a menor importância, observando-se que algumas instituições mudam de

categoria a cada ano, ora com maior, ora com menor importância. Analisando os

relatórios divulgados pelo IAS, de 2012 a 2018 se observa a Lide como a grande

parceira, seguida pela P&G. Em 2018, ressalta-se o espaço da Arco Dourado da rede

Mcdonald‘s como uma das grandes parcerias do Instituto.

O IAS mantém cátedra de Educação e Desenvolvimento Humano na

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO),

desde 2004, e com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), desde 2012. Atua em frentes como o Movimento Todos pela Educação e

Movimento pela Base (BNCC), dos quais participa também o Instituto Natura, outra

destacada entidade em programas levantados nos sistemas educacionais do RS.

Ressalta-se, ainda, que as análises evidenciam relações do grupo com representações

públicas como Coordenadoria de Aperfeiçoamento da Pesquisa Superior (CAPES),

Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e União nacional dos

dirigentes de Educação (UNDIME), além de ações vinculadas ao Ministério da

Educação (MEC).

Conclusão

Ao cotejar as PPPs presentes nos sistemas de ensino do Estado do RS e as redes

que mantêm, reconhece-se que expressam novas relações entre Estado, mercado e

sociedade civil em avanço dentro de uma perspectiva da governança, que impulsiona a

constituição de redes de transferência e influências políticas (CÓSSIO, 2015). Esses

conceitos elucidam novas formas políticas no setor público, e que têm repercussões nas

políticas educacionais e seus desdobramentos quanto à organização, gestão, avaliação, e

concretização dos processos escolares como um todo.

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219

No caso específico do IAS, observou-se uma imbricada rede de relações com

empresas privadas; instituições de pesquisa públicas e privadas, nacionais e

internacionais; empreendedores educacionais; filantropos; institutos e fundações

privadas, legalizadas como Organizações Sociais (OS) ou Organizações da Sociedade

Civil de Interesse Público (OSCIP); redes públicas de educação, com propósitos que

anunciam o interesse e o compromisso em melhorar os resultados da educação pública.

Nesse sentido, ficam evidentes as iniciativas, quer seja por meio dos projetos e

programas desenvolvidos pelo IAS, quer seja por meio das parcerias e inserção em

movimentos de instituições e empresariado na adoção de medidas que incidem sobre a

regulamentação da educação nacional, envolvendo desde o diagnóstico, feito por meio

de instrumentos próprios de monitoramento e publicização, passando por redesenho da

política nacional de alfabetização, reorganização do Ensino Médio, currículo nacional,

entre outros. O discurso mais corrente, entretanto, é voltado à gestão das redes e escolas,

no sentido de obter maior eficiência e eficácia através de mecanismos de controle dos

processos, planejamento estratégico e avaliação dos resultados, desconstruindo a gestão

pública e seus princípios orientadores sob a égide da Nova Gestão Pública (NGP) e,

portanto, sua lógica flagrante gerencial e empresarial. A gestão democrática, seus

instrumentos e espaços de efetividade ficam comprometidos diante do avanço da

―modernização da gestão‖.

Concorda-se com Ball (2018) quando diz ser preciso contemplar os sujeitos e as

relações imbricadas nesses arranjos, pois, a educação tem sido uma oportunidade de

investimento social e uma maneira para o dinheiro circular, transformando discursos, as

sensibilidades e os valores da financeirização para celebrar a reforma da educação

pública.

Assim, é preciso questionar a falta de representatividade social, de

compromissos com justiça social e com a materialização de direitos quando os grupos

e/ou redes substituem o poder público e reconfiguram os princípios e propósitos da

educação na perspectiva mercantil. Peroni (2015) alerta que esses grupos não são uma

abstração, sendo formados e operados por sujeitos em um projeto de classe.

Compreende-se que as PPPEs potencializam, em escala abrupta, um avanço em

nível global do setor privado, o qual passa a estar então, ―profundamente enraizado no

coração dos serviços públicos educacionais‖ (ROBERTSON, VERGER, 2012, p. 1149).

Diante de tal prerrogativa, considera-se que as PPPEs se encaixam em um projeto mais

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220

amplo de reconstituição da educação pública no âmbito de uma sociedade pró-

mercado.

Referências:

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http://www.aabbcomunidade.com.br/ >. Acesso em 20/08/2017.

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neoliberal. Ponta Grossa: UEPG, 2014.

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Educação/MEC, 2007.

CÓSSIO, Maria de Fátima. Agenda transnacional e governança nacional: as possíveis

implicações na formação e no trabalho docente. Revista e-Curriculum (PUCSP), v.

13, p. 616-640, 2015.

IAS, Instituto Ayrton Senna. Site institucional. Disponível em:

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PERONI. Vera Maria V. As nebulosas fronteiras entre o público e o privado na

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ROBERTSON, Susan; VERGER, Antoni. A origem das parcerias público-privada na

governança global da educação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 121, p.

1133-1156, out-dez, 2012.

SHIROMA, Eneida Oto. Redes de políticas públicas e governança da educação:

pesquisando a convergência das políticas para docentes nas agendas para a próxima

década. Relatório de pesquisa, Florianópolis, UFSC, 2016.

_____. CAMPOS, Roselane; GARCIA, Rosalba M. Decifrar textos para compreender a

política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. Perspectiva.

Florianópolis, v. 23, n. 02, p. 427-446, 2005.

A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NA ALEMANHA:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA DUAL

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221

LA FORMACIÓN PROFESIONAL EN ALEMANIA:

CONSIDERACIONES SOBRE EL SISTEMA DUAL

Cíntia Magno Brazorotto

Membro do GREPPE/UNICAMP

Doutoranda FE/UNICAMP e pedagoga IFSP

[email protected]

Palavras-chave: Ensino médio; educação profissional; sistema dual.

Palabras clave: Enseñanza secundaria; formación profesional; sistema dual.

Introdução

O presente texto tem por objetivo apresentar a organização do sistema dual na

Alemanha, considerado por organismos multilaterais, como UNESCO (MAROPE,

2015) e OCDE (2018), um modelo de política educacional profissionalizante para

outros países, inclusive o Brasil.

O texto apresenta resultados de pesquisa de doutorado em desenvolvimento que

visa identificar para quê e para quem as políticas para esse segmento educacional são

desenvolvidas em ambos os Países.

O referencial teórico que embasa a presente análise pauta-se em estudiosos da

temática como Huisinga (1999), Thelen (2004) e Deissenger (2015).

O texto organiza-se em: a) apresentação de dados sobre educação e trabalho na

Alemanha; b) caracterização do sistema dual. Ele se inscreve no Eixo 4: Educação

básica e privatização, pois verifica a relação público-privado no desenvolvimento da

política.

Delineamento Metodológico

A pesquisa de caráter quanti-qualitativo utilizou os seguintes procedimentos

metodológicos: a) pesquisa documental: análise da legislação educacional vigente,

documentos e dados estatísticos oficiais; b) entrevistas semiestruturadas: professores de

escola de uma educação profissional (Berufskolleg) e profissional do Instituto Federal

de Educação Profissional (Bundesinstitut für Berufsbildung – BIBB); c) survey:

aplicação de questionário eletrônico junto a estudantes da Berufskolleg.

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A coleta de dados foi realizada no Estado da Renânia do Norte-Vestefália,

Alemanha, durante estágio doutoral na Universidade de Siegen, Programa de Doutorado

Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES), entre outubro de 2018 e março de 2019.

O sistema dual na Alemanha

A Alemanha é o país mais rico na Europa, conta com alta capacidade industrial e

elevado desenvolvimento de novas tecnologias, posição refletida na qualidade da força

de trabalho que recebe uma excelente formação profissional contribuindo para o

crescimento econômico do País (DEISSENGER, 2015).

As taxas de desemprego entre jovens de 25 a 34 anos na Alemanha são menores

do que em outros países europeus, em torno de 3% entre aqueles com ensino médio ou

superior (OCDE, 2018). De acordo com a OCDE, o sistema de educação profissional

alemão associado ao sistema público de emprego garante elevada colocação no mercado

de trabalho, já que em 2017 83% dos egressos desse sistema estavam empregados,

índice próximo aos do ensino superior (87%) e acima da média da OCDE (77%). Já

entre aqueles que não concluíram o ensino médio (13%) a taxa de desemprego é 15%,

refletindo o processo de seleção e segmentação do sistema de ensino básico, que de

acordo com Andrade e Amaral (2013, p. 213) ―é uma das principais varáveis para

definir as chances individuais de integração social e garantir a condições financeiras

mínimas do cidadão‖.

O sistema educacional alemão estrutura-se em diferentes trajetórias educacionais

de acordo com o rendimento acadêmico do estudante. O ensino primário, equivalente ao

fundamental I no Brasil, é igual para todos e tem duração de 4 anos44 na Renânia do

Norte-Vestefália. No quarto ano as crianças são avaliadas e conforme seu desempenho

os professores orientam as famílias para três diferentes tipos de escolas no nível

secundário inferior, correspondente ao fundamental II brasileiro.

Os estudantes com melhores notas são remetidos ao Gymnasium, que prepara

para a Universidade por meio da obtenção do Abitur. Os medianos são direcionados ao

Realschule que lhes garantirá formação geral e profissional, podendo acessar cursos

superiores nas Universidades de Ciências Aplicadas. Já aqueles com baixo rendimento

são enviados ao Hauptschule, com formação geral elementar e qualificação profissional

básica.

44

O ensino primário pode ter duração de 4 a 6 anos, conforme legislação própria de cada Estado.

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223

Segundo Below, Powell, Roberts (2013) a escolha do itinerário educacional em

tenra idade, por volta dos 10 anos, reproduz a estrutura social, pois muitos pais

escolhem a trajetória dos filhos com base em sua posição social e profissão. Assim, os

filhos dos trabalhadores persistiriam na formação profissional, seguindo a tradição

familiar. Em contrapartida, pais com formação superior tendem a direcionar seus filhos

para a trajetória formativa universitária. Esta informação é corroborada por Dumont et

al. (2014) que acrescenta o fato de crianças com histórico familiar de imigração estarem

mais propensas a serem encaminhadas ao Hauptschule, mesmo quando apresentam bom

desempenho.

Os que chegam ao ensino profissional, no geral, são aqueles oriundos da

Realschule ou Hauptschule. A educação profissional é organizada no nível secundário

superior, equivalente ao ensino médio brasileiro. Os cursos profissionalizantes podem

ser: a) vinculados ao sistema dual, no qual os estudantes frequentam a escola um ou

dois dias na semana e nos demais realizam formação na empresa; ou b) cursos de

formação geral articulados ao profissionalizante, realizados exclusivamente na escola.

Conforme dados do Instituto Federal para Educação Profissional (BIBB), em

2017, 68,5% dos jovens ingressantes em escolas profissionalizantes estavam inscritos

no sistema dual.

O sistema dual tem sua origem nas guildas, organizações de artífices do século

VIII, das quais emergiram as corporações de ofícios no século XIX que se incumbiam

da formação dos futuros artesãos, conciliando a formação teórica à prática, conforme o

ofício ensinado, tradição que permanece no atual sistema dual (HUISINGA, 1999;

THELEN, 2004).

Segundo Thelen (2004) uma legislação de 1897 criou o cenário para a formação

de aprendizes sob o controle do setor de artesanato organizado. Neste contexto, foram

criadas as câmaras de artesanato com autoridade para-pública no domínio da formação e

da qualificação profissional de aprendizes e sua respectiva certificação. Os setores da

indústria e sindicatos, emergentes no final do século XIX e início do XX, não se

incluíam nesse sistema e começaram a reivindicar autoridade para realizar a formação

no trabalho.

A indústria de máquinas passou a questionar o monopólio do setor artesanal,

pois dependia de trabalhadores qualificados em suas fábricas, o que gerou uma

competição com o setor artesanal, o único com poder de certificação profissional até

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então. A partir das disputas políticas entre eles o sistema dual foi unificado e

padronizado (THELEN, 2004).

Esse processo avançou quantitativamente sob o regime nazista, dada a demanda

por força de trabalho na indústria armamentista, por exemplo. Já em 1969 por meio da

promulgação da Lei de Formação Profissional chegou à configuração atual, incluindo os

sindicatos no quadro regulamentar da formação profissional. Assim, completou um

longo processo de desenvolvimento institucional que se convertera efetivamente em um

conjunto de instituições originalmente concebidas na década de 1890 que se constituiu

no sistema dual, fortemente marcado pela parceria entre o Estado e o setor produtivo

(THELEN, 2004).

No sistema dual a responsabilidade pela formação profissional é compartilhada

entre as instituições de ensino e as empresas. O governo traça as diretrizes gerais por

meio da Lei de Formação Profissional e outras regulações e portarias. Essas, por sua

vez, são seguidas pelo Comitê Conjunto do Instituto Federal de Educação Profissional

(BIBB) que reúne representantes dos trabalhadores, das empresas, do governo central e

dos Estados e especialistas em educação profissional. Desde 1969, esse comitê revê

periodicamente os regulamentos de forma conjunta, discutindo questões como a

organização dos cursos, currículos, financiamento e as habilidades demandadas pelo

setor produtivo para a capacitação dos trabalhadores (CGEE, 2015).

De modo geral, o sistema dual consiste em uma modalidade de educação

profissional na qual o estudante assina um contrato de aprendiz com a empresa e, assim,

realiza parte de sua formação teórica e de conhecimentos gerais no ambiente escolar e

nos demais dias participa em atividades práticas orientadas por um tutor dentro da

empresa. O estudante recebe uma remuneração por esse período de instrução, com

duração em torno de 3 anos, e o valor é gradativamente ajustado conforme o passar dos

anos de formação. A remuneração é reponsabilidade da empresa contratante, bem como,

a contratação e encargos do tutor e demais recursos necessários para o aprendizado. Da

mesma forma, o governo federal repassa verbas para o funcionamento das escolas

profissionalizantes e para o BIBB que realiza o trabalho de regulação, fiscalização e

assessoria nos assuntos ligados ao sistema dual, bem como a mediação entre o setor

produtivo e a escola.

A seleção para ingressar no sistema dual é feita pelas empresas, por meio da

oferta de vagas de aprendizagem. Após ser selecionado por uma empresa, o estudante é

encaminhado à escola profissionalizante parceira.

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225

De acordo com dados do BIBB, em 2017, 19,7% das empresas estabelecidas na

Alemanha participavam do sistema dual, sendo 523.290 novos contratos naquele ano,

com predominância do setor da indústria e comércio (58,1%), seguido pelo de ofícios

(27,5%). Ainda de acordo com o BIBB, 68% dos jovens foram contratados após o

período de aprendizagem. No total, são 326 profissões regulamentadas e passíveis de

certificação pelo sistema dual. O exercício de ocupações, mesmo básicas como

manicure, demanda certificação na Alemanha.

O financiamento é compartilhado entre o governo e o setor privado, mas de

acordo com o BIBB o investimento realizado pela empresa (cerca de 18.000 euros por

aprendiz) é recompensado pela formação do trabalhador e assim, a empresa consegue

amortizar cerca de dois terços do custo de formação. Com isto, em 2016 as empresas

tiveram um custo líquido de 7,7 bilhões de euros com o sistema dual. Em contrapartida,

o governo federal investiu 7,29 bilhões nas escolas de educação profissional, supervisão

e regulação do sistema, indicando investimento equilibrado entre ambos.

Autores como Thelen (2004) e Deissenger (2015) e relatórios de organismo

internacionais como a OCDE (2018) reconhecem a excelência deste modelo

educacional principalmente pela estreita ligação entre escola e empresa que facilita a

transição do jovem para o mercado de trabalho, sendo um dos motivos para as baixas

taxas de desemprego entre os jovens na Alemanha.

Por conseguinte, o sistema alemão passa a ser referência para países europeus

como a Espanha e França e da América Latina, como o Paraguai, que segundo um dos

entrevistados implantou o sistema dual como política de educação profissional. No

Brasil, se verifica a oferta de cursos baseados no sistema dual no Sistema ‗S‘, SENAI

por exemplo, e em outras instituições privadas em parceria com a Câmara de Comércio

e Indústria Brasil-Alemanha. Para os defensores desse sistema, os benefícios atribuídos

são: eficiente transição dos jovens entre a escola e o mercado de trabalho traduzindo-se

em baixos índices de desemprego; racionalização de custos compartilhado entre os

setores público e privado; qualidade dos técnicos formados, e; alto índice de procura

dos jovens pelos cursos (BARONE, 2008; SENAI, 2015).

Conclusão

Observamos que a sociedade alemã valoriza a tradição na educação profissional,

assim, o sucesso do sistema dual pode ser creditado à permanência do modelo de

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226

aprendizagem iniciado no setor artesanal das guildas e que evoluiu ao longo do tempo

tomando a configuração atual.

Verificamos que possuir uma certificação de nível médio é condição para

inserção qualificada no mercado de trabalho alemão, já que 56% dos jovens no País

possuem o nível médio, 86% desses atrelados à formação profissional (OCDE, 2018).

Contudo apontamos a desigualdade do sistema educacional, que divide os estudantes

em diferentes trajetórias educativas em tenra idade, reproduzindo desigualdades sociais,

com pouca margem de mobilidade.

Concluímos que orientações de organismos multilaterais, como a OCDE (2018),

de adoção do sistema dual como modelo de política para outros países parte de

princípios neoliberais, que buscam a racionalização dos custos com a formação

profissional por meio de parceria entre o setor público e privado, bem como, agilidade

na transição escola-trabalho e a diminuição dos índices de desemprego entre jovens.

Consideramos que o sistema dual é pautado na tradição e na configuração da

sociedade alemã e que o contexto econômico e social de países, como o Brasil, deve ser

considerado para a implantação de políticas de formação profissional que efetivamente

atendam as demandas dessa população por educação e trabalho.

Referências

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brasileiro contemporâneo a partir da experiência internacional. Boletim SENAC, ano

2008. <Disponível em:

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DEISSINGER, Thomas. The German dual vocational education and training system as

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227

DUMONT, Hanna; MAAZ, Kai; NEUMANN, Marko, BERCKER, Michael. Soziale

Ungleichheiten beim Übergang von der Grundschule in die Sekundarstufe I: Theorie,

Forschungsstand, Interventions und Fördermöglichkeiten. In: Z Erxiehungswiss (2014)

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lerhbuch/von Richard Huisinga und Ingrid Lisop. – München: Vahlen, 1999. ISBN:

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2019.

REDES POLÍTICAS E EDUCAÇÃO INTEGRAL NA

PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO DISCURSO

REDES POLÍTICAS Y EDUCACIÓN INTEGRAL DESDE LA

PERSPECTIVA DEL ANÁLISIS DEL DISCURSO

Carolina Machado d´Avila

IFSP-Câmpus Boituva/Unicamp

[email protected]

Palavras-chave: Redes políticas. Filantrocapitalismo. Educação Integral. Análise do

discurso.

Palabras-clave: Redes políticas. Filantrocapitalismo. Educação Integral. Análisis del

discurso.

Page 228: Realização · 2019. 10. 9. · Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp) Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

228

Introdução

Para garantir a oferta da educação integral, muitas secretarias, tanto estaduais

como municipais, têm recorrido às parcerias público-privadas com instituições

filantrópicas com ou sem fins lucrativos, o que se caracteriza o que Olmedo (2013) e

Ball (2014) denominam como governança filantrópica. Essas entidades, privadas,

passam a ter forte influência na definição das políticas públicas para a educação.

A transferência da definição das políticas públicas para fundações, geralmente

com características filantrópicas e ligadas a grandes empresas, muda o paradigma da

relação entre governo e sociedade civil, uma vez que passa a ser decisão da fundação ou

do grupo de fundações a definição de bom/mal professor; aluno ideal; currículo ideal,

entre outras determinações. (OLMEDO, 2016).

Essas instituições privadas, com ou sem fins lucrativos e, principalmente, as

ligadas a grandes empresas têm participado das propostas de educação integral nos

Estados, seja de forma declarada e oficializada ou não. Algumas instituições atuam

através de organizações parceiras, não sendo possível, identificar em uma análise mais

superficial, quem, de fato, está definindo as propostas da educação integral, formando

uma rede política que se infiltra nos governos manipulando as políticas.

Educação integral

A proposta de uma educação integral não é recente. Ela sempre esteve presente

nas discussões, seja sobre as práticas pedagógicas em si, a ampliação do tempo escolar e

até como forma de proteção social. Na última década, embora as matrículas no ensino

médio como um todo estejam diminuindo, as matrículas na educação integral, nesta

etapa de ensino, têm aumentado de forma significativa, conforme pode ser visto nos

gráficos abaixo:

Gráfico 1 – evolução do número total matrículas no ensino médio entre 2010 e 2018.

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Grupo de Estudos e Pesquisa em Política Educacional

15 e 16 de agosto de 2019

Unicamp- Campinas

Ano VI/ Publicação I

Gráfico 2– evolução do número de matrículas em tempo integral no ensino médio entre 2010 e 2018

Fontes: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO

TEIXEIRA (2010; 2011; 2012; 2013; 2014; 2015; 2016; 2017; 2018). Elaborado pela autora.

Enquanto função do Estado, a educação pode ter diferentes concepções e

práticas, conforme as diferentes visões sociais de mundo, como por exemplo,

anarquismo, o socialismo, o liberalismo e, atualmente, o neoliberalismo. No Brasil, a

publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação de 32 ―É um marco que assinala

não só uma revolução na história das ideias pedagógicas no Brasil, como também a

transição [...] que esse documento reflete e explica, de uma civilização para outra.‖

(CURY; CUNHA, 2015, p. 176). De acordo com Cavaliere (2010, p. 250) apesar de

defender a formação do ―homem integral‖ esse modelo de educação era submetido às

necessidades do Estado, que seria ―moldado para servir aos interesses do Estado

Integral‖ e a formação deveria acontecer de acordo com uma verdade já estabelecida.

Considerando que o Estado era mantido pelas elites e muito próximo das famílias e da

igreja, abria espaço para privatizações e domínio da igreja nas ações educativas.

No final do século XX, algumas tentativas de escola em tempo integral foram

implementadas no País, mas a possibilidade de efetivação desta modalidade de ensino,

em todo o Brasil, se dá em 2007, a partir da criação do ―Programa Mais Educação‖,

instituído pela Portaria Normativa Interministerial n.º 17. No mesmo dia, é publicado o

Decreto n.º 6.094, que dispõe sobre a implementação do ―Plano de Metas Compromisso

Todos Pela Educação‖, sendo regulamentado pelo Decreto n.º 7.083/10. O

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230

―Compromisso‖ foi um documento elaborado por um grupo de empresários e previa,

dentre outras propostas, a parceria com a sociedade civil na oferta da educação integral,

visando a melhoria da educação como um todo.

A década de 1990, em termos político-econômicos, é marcante na história

recente do Brasil, com a chegada dos ideais neoliberalistas, especialmente após o

Consenso de Washington e a influência de organismos internacionais como a Unesco, o

Banco Mundial, a OCDE, entre outros. (OLIVEIRA, 2003; LIBÂNEO, 2016). As ideias

concebidas para serem implementadas nas sociedades latinas são difundidas nessas

conferências e encontros mundiais, temáticos, nos quais os países são convidados a

serem signatários.

Lima (2011, p. 2) afirma que os consensos internacionais, a nova agenda e

determinadas orientações para a educação assumem um papel que se sobrepõe aos

governos, obrigando-os a adotarem políticas internacionais ―[..] seja por razões de

adesão política, de subordinação econômica ou de legitimação institucional‖,

reconvertendo, nas palavras do autor, a centralidade do Estado-nação, que permanece

como produtor e reprodutor de políticas educacionais.

Nessa onda neoliberal Adrião e Peroni (2009) afirmam que duas tendências de

gestão se tornam alternativas ao Estado burocrático, considerado lento e ineficiente. Por

um lado, deixa de ser executor e passa a ser financiador e avaliador das políticas

públicas sociais, que passam a ser executadas por organizações privadas, ―[..] o que tem

sido identificado como a propriedade pública não-estatal.‖ (ADRIÃO; PERONI, 2009,

p. 109). Por outro, apesar dos serviços continuarem, oficialmente, como públicos, sua

gestão incorpora a lógica do mercado, ou quase-mercado, com aspectos como

competitividade, redução de custos, metas.

Nessa nova configuração, o Estado empenha-se ―[..] em reduzir custos,

encargos e investimentos públicos buscando senão transferi-los, ao menos dividi-los

(parceria é palavra da moda) com a iniciativa privada e as organizações não

governamentais.‖ (SAVIANI, 2013, p. 438).

Redes políticas e governança filantrópica

Embora o termo política seja mais comumente usado para definir práticas e

ações emanadas do Estado, atualmente, este tem sido muito influenciado pelos policy-

makers (fazedores de políticas, em tradução literal), ou seja, pessoas, grupos de

interesses, instituições, organizações, entre outros, que atuam direta ou indiretamente na

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231

indução de definição de políticas, direcionando a ação do Estado. (COLEBATCH,

2009). Uma característica deste modelo de governança é que as networks (redes), ou

―coleção de atores amorfos‖ passam a dominar a política pública. (PETERS; PIERRE,

1998). Jessop (2003), Olmedo (2013) e Ball (2014) identificam essa nova forma de

governança em rede, com a participação crescente de empresas, ―empreendedores

sociais‖ e instituições filantrópicas como heterarquias ou governança filantrópica.

A metodologia de análise de redes pode ser definida de duas formas: como

uma técnica de análise com a finalidade de olhar a estrutura das comunidades políticas e

como elas se relacionam entre si; e como um conceito, usado para representar as rápidas

mudanças que acontecem na governança. As redes devem ser vistas tanto em relação ao

que acontece nelas, como um todo, como o que acontece em cada ponto nodal.

(OLMEDO, 2013).

Ainda de acordo com Ball (2014, p. 28) a rede tornou-se um dispositivo

analítico chave dentro desta reorientação nas estruturas sociais, dando a possibilidade de

se analisar alguma durabilidade nas novas formas ―distantes e fugazes de interação

social [de] sistemas circulatórios [globais] que conectam e interpenetram o local.‖ A

participação dos atores é multifacetada e as formas de relacionamento são diferenciadas.

Olmedo (2013) afirma que essas novas formas de governabilidade têm fortes

características políticas e econômicas do neoliberalismo, o qual traz novas formas de

governabilidade, com estruturas de governo mais flexíveis, e decisões e

responsabilidades compartilhadas entre o Estado e outros atores. ―[..] É importante que

nós não subestimemos os poderes do Estado, mas é também importante, no abstrato,

não superestimá-lo, nem tratar o Estado como um todo indiferenciado.‖ (BALL, 2014,

p. 31). O que acontece é um deslocamento do centro de gravidade do ciclo de políticas,

uma expansão das redes que acontece em detrimento de mercados e hierarquias, o que

ele chama de heterarquias (JESSOP, 1998) e podem ser definidas como

[..] tentativas e atividades de indivíduos e organizações de assumir o controle

de, ou para orientar, as estruturas de sistemas em que eles não são

necessariamente dirigidos, representados ou envolvidos. Ao trabalhar no

contexto e condições em que estes sistemas funcionam, a intenção das

atividades heterárquicas é influenciar estrategicamente as agendas de outras

pessoas e processos internos de tomada de decisão, evitando a necessidade de

tornar-se diretamente envolvidos em suas operações. (OLMEDO, 2013, p.

476).

Especificamente em relação à educação integral, os discursos e concepções

sobre a modalidade, no Brasil, têm perpassado diferentes governos. A análise destes

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232

discursos sobre políticas de educação integral que se tornam hegemônicos,

independente da ideologia política dos governos, e proporcionam a articulação das redes

políticas será feita sob a ótica dos estudos de análise do discurso de Laclau e Mouffe

(2015). Para os autores, a ―análise do discurso‖ pretende identificar em que condições

um determinado discurso torna-se concreto, ou seja, em um contexto de múltiplas

possibilidades, quais (e como) alguns elementos se articulam e se tornam hegemônicos

enquanto outros são excluídos. A abordagem é o momento da articulação política,

sendo o ponto central, a hegemonia. E, para que seja possível o estabelecimento de um

discurso hegemônico, deve ser analisada a relação entre os entes e em que momento

uma força social particular passa a assumir a representação de uma totalidade.

Algumas considerações

Neste trabalho entendemos que as instituições filantrópicas (particularidades)

se unem em grupos (Gife, Abong, Idis45

) que representam a totalidade, estabelecendo a

relação hegemônica.

A relação hegemônica surge quando as particularidades se unem em relações

de equivalência, representando uma totalidade, sem que cada elemento perca sua

própria singularidade. ―Esta relação, por meio da qual uma particularidade assume a

representação de uma universalidade que lhe é inteiramente incomensurável, é o que

chamamos de uma relação hegemônica.‖ (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 41).

No Brasil, o Gife tem atuando como um grande think thank, possibilitando a

formação de ―[..] nódulos para a circulação e a reiteração de publicações, de ideias, de

defesa do mercado livre, de políticas libertárias sociais e econômicas. Temas, questões,

relatórios, artigos e propostas de políticas [..] reaparecem e repetem-se em cada

localização.‖ (BALL, 2014, p. 55). Os empreendedores de políticas ou think thanks se

aproveitam das ―janelas políticas‖ para apresentar soluções a problemas, as quais são

construídas discursivamente – ―Problemas de política são geralmente ‗construídos‘ ao

invés de identificados.‖ (BALL, 2014, p. 41).

Em relação à educação brasileira a rede de atuação das organizações

filantrópicas junto ao Estado pode ser assim representada:

45

Grupo de Institutos Fundações e Empresas, Associação Brasileira de Organizações Não

Governamentais, Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, respectivamente.

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233

Figura 1 – rede de atuação das instituições junto às secretarias estaduais de educação

Elaborado pela autora com o NodeXL

As relações em rede no Gife são óbvias e estão prontas, mas, procuraremos

analisar outros atores envolvidos na atuação das fundações na educação, influenciadas

pelo Gife, que não estão tão óbvias, em busca dos discursos que têm direcionado as

ações de educação integral e a concepção de ensino presente nestas orientações.

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234

em http://portal.inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica. Acesso em 24 jul.

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JESSOP, B. The governance of complexity and the complexity of governance:

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PETERS, B.G.; PIERRE, J.. Governance without Government?: Rethinking Public

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2017.

SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4.ed. Campinas: Autores

Associados, 2013.

MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM MUNICÍPIOS

PAULISTAS: CONSTRUINDO DADOS SOBRE TAXAS DE

ATENDIMENTO PÚBLICO E PRIVADO

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235

INSCRIPCIÓN EN LA PRIMERA INFANCIA EN LOS

MUNICIPIOS DE SÃO PAULO: CONSTRUYENDO DATOS SOBRE

LAS TASAS DE ASISTENCIA PÚBLICA Y PRIVADA

Danilo Kanno | UNICAMP | email: [email protected]

Theresa Adrião | UNICAMP | [email protected]

Palavras Chave: Matrículas; Educação Básica; Política Educacional.

Palabras clave: inscripción; Educación básica; Política educativa.

Introdução

Este trabalho objetiva apresentar resultados decorrentes da atualização das

informações sobre matrículas na educação infantil contidas no banco de dados

PRIVATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS (Adrião coord ,

2009) desenvolvido no âmbito do GREPPE (Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas

Educacionais). Mais precisamente, visamos com esta pesquisa apresentar para discussão

futuras a variação das matrículas públicas e privadas especificamente em creche e pré-

escola identificadas em municípios paulistas no período de 1996 a 2018.

Tendo em vista a continuidade do levantamento dos dados iniciado em pesquisa

anterior46

, este estudo considerou a estratificação dos municípios paulistas em função do

número de habitantes. Entretanto, esta estratificação foi atualizada tendo em vista a

projeção populacional de 2018. Em vista disso, o número inicial de municípios

distribuídos nos 5 estratos (muito pequenos, pequenos, médios, grandes e

metropolitanos) foi alterado conforme Tabela 1.

Tabela 1 - Municípios por estrato de habitantes na fase 1 (2010) e fase 2 da pesquisa (2018).

Estratos por habitantes Número de municípios 2010 Número municípios 2018

Municípios Muito Pequenos: até

10000 habitantes

278 267

46

ADRIÃO, T. (coord). ESTRATÉGIAS MUNICIPAIS PARA A OFERTA DA EDUCAÇÃO

BÁSICA: ANÁLISE DE PARCERIAS. Relatório de Pesquisa/ Fapesp. 2009. 237p.

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236

Estratos por habitantes Número de municípios 2010 Número municípios 2018

Municípios Pequenos: de 10001

à 50000.

245 239

Municípios Médios: de 50001 à

100000 habitantes.

49 59

Municípios Grandes: 100001 à

500000 habitantes.

63 71

Municípios Metropolitanos:

mais de 500000 habitantes.

10 9

Fonte: Autores com base em Adriao Coord (2011)47

Para efeito deste trabalho, as taxas de variação se referem aos municípios muito

pequenos, uma vez que a pesquisa anterior indicava ser neste estrato a maior presença

de matrícula privadas financiadas por meio de convênios e similares. (Borghi, Adrião e

Garcia, 201; Adrião, Borghi, Domiciano, 2010, Borghi at al, 2014). Ainda assim, vale

lembrar que

Embora no período de 2006 a 2009 haja aumento considerável das matrículas

nas duas redes de atendimento (pública e privada), é importante destacar que, a

partir da instituição do Fundeb, tem sido recorrente o cômputo de matrículas

privadas de escolas conveniadas como constitutivas da rede pública, o que gera

imprecisões nos dados oficiais de matrículas públicas e privadas, disseminando

a ideia equivocada de que o atendimento à educação infantil tenha se dado pela

correspondente expansão da esfera pública estatal. (Adrião, Borghi,

Domiciano, 298, 2010)

O trabalho concentra-se na indicação das variações no atendimento público e

privado para os municípios muito pequenos, em função do número de habitantes,

organizados nas 15 mesorregiões previstas pelo IBGE.

Procedimentos Metodológicos

A partir da atualização do banco de dados inicialmente hospedado no site do

LAGE e de sua migração para o site https://www.greppe.fe.unicamp.br/pt-br, o sistema

foi reimportado no formato.csv (comma separated values) e por uma limitação do

Drupal (sistema em que os sites da Faculdade de Educação são criados) precisava ter no

47

Consultou-se também o site do IBGE: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-

estimativas-de-populacao.html?edicao=22367&t=resultados)

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237

máximo 32 colunas, condição não existente no banco anterior. Além disso, atualizamos

os dados de matrículas para o período 2011- 2018.

O modelo também foi alvo de nossa preocupação. Como é visível na Figura 1, é

muito difícil identificar com clareza qual informação é referente a cada ano além de

todas as informações estarem em diversas planilhas diferentes (como matrículas em

creches da rede particular e outra planilha para matrículas em creche da rede municipal).

Essa dificuldade de visualização, embora não fosse um empecilho para o tratamento dos

dados no sistema Drupal, seria um grande problema futuro para a atualização, entender

onde deveriam ser inseridas as novas informações além de não trivial demandaria muito

trabalho. Tendo isso em vista, uma solução natural foi de organizar os dados todos em

planilhas do Google Drive dado o fácil compartilhamento e a segurança de

armazenamento. Para resolver os problemas de visualização, optamos por criar um

documento para cada etapa e escolaridade (Ensino Infantil, Ensino Fundamental e

Outros) e esfera administrativa (municipal, estadual, federal e privada)

Figura 1: Modelo de csv que foi utilizado na reimportação inicial do banco de dados.

Para efeito de tratamento posterior das informações a coordenação da pesquisa

orientou organizar os municípios em mesorregiões de acordo com categorias que serão

abordadas mais à frente, mantido o critério adotado pelo Banco de estratificação dos

municípios conforme o número de habitantes: Mesorregião de Araçatuba, Mesorregião

de Araraquara, Mesorregião de Assis, Mesorregião de Bauru, Mesorregião de

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Campinas, Mesorregião de Itapetininga, Mesorregião do Litoral Sul Paulista,

Mesorregião Macro Metropolitana Paulista, Mesorregião de Marília, Mesorregião

Metropolitana de São Paulo, Mesorregião de Piracicaba, Mesorregião de Presidente

Prudente, Mesorregião de Ribeirão Preto, Mesorregião de São José do Rio Preto,

Mesorregião do Vale do Paraíba Paulista.

A região com maior concentração em municípios muito pequenos é a

mesorregião de São José do Rio preto, seguida da mesorregião de Presidente Prudente.

Já que não apresenta nenhum município muito pequeno é a mesorregião metropolitana

de São Paulo, razão pela qual será excluída deste levantamento.

Tabela 2 - Total de municípios muito pequenos por mesorregião.

MESORREGIÃO QUANTIDADE

Mesorregião de Araçatuba 23

Mesorregião de Araraquara 7

Mesorregião de Assis 19

Mesorregião de Bauru 24

Mesorregião de Campinas 6

Mesorregião de Itapetininga 18

Mesorregião do Litoral Sul Paulista 1

Mesorregião Macro Metropolitana Paulista 2

Mesorregião de Marília 14

Mesorregião Metropolitana de São Paulo 0

Mesorregião de Piracicaba 10

Mesorregião de Presidente Prudente 29

Mesorregião de Ribeirão Preto 24

Mesorregião de São José do Rio Preto 74

Mesorregião do Vale do Paraíba Paulista 13

A divisão inicial, que contou com os dados do censo de 2010 para o número de

habitantes de cada município resultou em 277 municípios na categoria de muito

pequenos. Como pretendíamos considerar as matrículas do ano de 2018 para fazer a

variação e a taxa de crescimento, achou-se conveniente que as informações do número

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239

de habitantes fosse também atualizado com a projeção da população calculada pelo

IBGE, conforme tabela 1.

A nova seleção dos integrantes da categoria de municípios muito pequenos

resultou em 267. Munidos da função PROCV da plataforma planilhas do Google Drive,

foi rápido identificar quais eram os municípios dada uma característica em uma matriz

em que cada coluna representava uma informação (e.g. id do município, nome,

população de acordo com o censo 2010, população de acordo com a projeção para 2018,

matrículas em determinada rede, etc).

Figura 2: Modelo usado na divisão dos municípios de até 10000 habitantes.

Todos os dados de matrículas da atualização foram provenientes das sinopses

estatísticas presentes no site do INEP. Em posse dessas matrículas (1996 a 2018)

calculamos a variação bruta do período; ou seja, a subtração das matrículas iniciais

(1996) das matrículas mais atuais presentes no banco (2018).

Essa variação bruta, por si só, não representa bem como os dados variaram,

mesmo mostrando a totalidade da diferença. Para ter um dado mais completo,

utilizamos a taxa de crescimento, que é calculada a partir da divisão da variação bruta

pelo valor inicial de matrículas. Por exemplo: se o valor inicial é 30 e o valor final é

100, a taxa de crescimento dessa amostra é de (100-30)/30 = 2,3334 ou ainda 233,34%.

Essa variável se mostra mais completa uma vez que nos apresenta uma

porcentagem de quanto esses dados mudaram em relação a um parâmetro (no caso, o

valor inicial de matrículas) afinal, um aumento de duas matrículas em 1000 é muito

diferente de um aumento de duas matrículas em 20.

Resultados

É importante notar todos os pontos críticos desses métodos empregados e quais

foram os caminhos que tomamos em face dessas dificuldades. Uma primeira dificuldade

adveio da notação dos campos nos quais não temos informação. O sistema Drupal fica

extremamente facilitado quando existem apenas números inteiros em um determinado

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240

banco de dados, sendo assim, o valor ―-1‖ foi utilizado toda vez que em um

determinado campo dever-se-ia preencher ―Sem Informação‖. Se por um lado isso

resolve alguns problemas operacionais, coloca-nos em xeque na hora de fazer operações

com os campos com ―-1‖. Um primeiro momento em que essa problemática vem à tona

é quando tentamos obter as matrículas públicas que são compostas da soma entre as

matrículas municipais, estaduais e federais. Se em algum desses campos houver

ausência de informação temos duas escolhas: ou considerar que também não temos

informação da matrícula pública naquele ponto específico (já que não temos

conhecimento de todas as partes que a compõem), ou considerar zero para aquele

segmento de matrícula específico que não conhecemos. Optou-se por considerar zero

pois assim teríamos um panorama melhor de como foram as matrículas desse segmento.

Outro momento em que foi importante tomar uma decisão a respeito de como

calcular alguns parâmetros foi quando o valor inicial para a taxa de crescimento era zero

ou ―-1‖ afinal, a taxa de crescimento não está bem definida quando o valor inicial do

conjunto de dados é nulo. Optamos por considerar o como valor inicial ―1‖ na divisão

uma vez que o número de matrículas é discreto. Um exemplo seria se inicialmente

tivéssemos 0 matrículas em um determinado segmento e ao final 100. Tivemos um

crescimento bruto de 100 matrículas e também podemos pensar que um crescimento

100 vezes maior que uma matrícula. sendo assim a taxa de crescimento seria de

10000%.

Em relação à análise das variações de matrículas destaca-se que os dados

levantados sobre as matrículas dos municípios muito pequenos confirmam os resultados

apresentados para o período anterior (Adrião coord 2009; Borghi et, al 2014): tem sido

mais frequente a atuação do setor privado nos municípios muito pequenos. Embora a

quantidade de matrículas do setor público ainda seja muito maior que a do setor

privado, o crescimento das matrículas privadas é muito maior, mesmo que

possivelmente por conta da não atuação inicial (em 1996) deste setor.

Ainda, podemos ver que o crescimento das matrículas públicas neste segmento

da educação (creches e pré-escolas) é fortemente ligado às matrículas municipais.

Mesmo que o setor privado esteja apontando um grande crescimento nesse contexto, é

imprescindível a destinação dos recursos públicos para a oferta educativa desses

municípios.

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241

Tabela 4 - Taxa de crescimento das matrículas em pré-escolas em municípios muito pequenos das

mesorregiões do estado de São Paulo.

Mesorregião Pré Escola

Municipal Pública Privada

Mesorregião de Araçatuba 58,19% 58,47% 1700,00%

Mesorregião de Araraquara 242,52% 242,52% 0,00%

Mesorregião de Assis 74,30% 74,30% 6200,00%

Mesorregião de Bauru 216,50% 219,44% 2000,00%

Mesorregião de Campinas 89,81% 89,81% 3600,00%

Mesorregião de Itapetininga 213,67% 213,92% 400,00%

Mesorregião do Litoral Sul Paulista 18100,00% 18100,00% 0,00%

Mesorregião Macro Metropolitana Paulista 484,62% 484,62% 0,00%

Mesorregião de Marília 84,68% 86,29% 200,00%

Mesorregião Metropolitana de São Paulo - - -

Mesorregião de Piracicaba 63,25% 63,25% 0,00%

Mesorregião de Presidente Prudente 525,16% 525,16% 0,00%

Mesorregião de Ribeirão Preto 254,66% 254,66% 9100,00%

Mesorregião de São José do Rio Preto 62,58% 59,28% 12100,00%

Mesorregião do Vale do Paraíba Paulista 1086,88% 1086,88% 2300,00%

Nota: Mesorregião Metropolitana de São Paulo não contém por municípios muito pequenos.

Tabela 5 - Taxa de crescimento das matrículas em municípios muito pequenos em creches nas

mesorregiões do estado de São Paulo.

Mesorregião Creche

Municipal Pública Privada

Mesorregião de Araçatuba 813,74% 618,59% 7000,00%

Mesorregião de Araraquara 458,58% 458,58% 0,00%

Mesorregião de Assis 516,21% 516,21% 9900,00%

Mesorregião de Bauru 711,44% 558,08% 24000,00%

Mesorregião de Campinas 1036,73% 1036,73% 4400,00%

Mesorregião de Itapetininga 1585,71% 1585,71% 3300,00%

Mesorregião do Litoral Sul Paulista 0,00% 0,00% 0,00%

Mesorregião Macro Metropolitana Paulista 26700,00% 26700,00% 0,00%

Mesorregião de Marília 118,89% 112,80% 327,38%

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242

Mesorregião Metropolitana de São Paulo - - -

Mesorregião de Piracicaba 464,36% 464,36% 6100,00%

Mesorregião de Presidente Prudente 867,40% 798,30% 0,00%

Mesorregião de Ribeirão Preto 433,88% 405,34% 30300,00%

Mesorregião de São José do Rio Preto 484,38% 274,35% 51200,00%

Mesorregião do Vale do Paraíba Paulista 1687,80% 1687,80% 1000,00%

Nota: Mesorregião Metropolitana de São Paulo não contém municípios muito pequenos

Os dados presentes nas tabelas 4 e 5 acima permitem algumas observações

importantes:

- Uma taxa de crescimento de 0% pode significar que o número de matrículas no ano

inicial (1996) e no final (2018) foi o mesmo ou então que não houve matrículas

registradas para essa categoria no período analisado, conforme explicado na

metodologia.

- A mesorregião metropolitana de São Paulo não possui taxa de crescimento no

período por não apresentar nenhum município enquadrado na categoria de muito

pequeno (até dez mil habitantes).

- Valores acima de 1000,00% podem indicar falta de informação ou número de

matrícula zero para 1996.

Conclusão

Podemos ver que nos municípios muito pequenos é o poder público o único a

ofertar vagas para a educação infantil, razão pela qual a destinação dos recursos

públicos se torna imprescindível para oferta pública educativa no contexto dessa

categoria dos municípios estudados. A mesorregião com maior taxa de crescimento em

creche pública foi a Macro Metropolitana de São Paulo, já no setor privado, destaque

para a mesorregião de Bauru com 24000% de taxa de crescimento. No segmento de pré

escola, a maior taxa de crescimento pública observada é na mesorregião do Litoral Sul

Paulista, enquanto a mesorregião de São José do Rio Preto lidera o crescimento do setor

privado. A mesorregião mais estagnada no quesito creches é o Litoral Sul Paulista,

mantendo 0% para todos os segmentos analisados (matrículas municipais, públicas e

privadas); enquanto para pré-escolas, a mesorregião com menor taxa de crescimento foi

a de Piracicaba.

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243

Referências

Borghi, R.; Adrião, T. e Gracia, T. As parcerias público-privadas para a oferta de vagas

na educação infantil: um estudo em municípios paulistas. R. bras. Est. pedag., Brasília,

v. 92, n. 231, p. 285-301, maio/ago. 2011.

Adrião, T, Borghi, R, Domiciano, C. Educação infantil, ensino fundamental

Inúmeras tendências de privatização. Disponivel em http://www.esforce.org.br/

BORGHI, R.; Bertagna, R.; ADRIÃO, T.; CORREA, B. C.; GARCIA, T. O. G.

Subsídios públicos para instituições privadas de educação infantil In: Trabalho

Docente e Políticas Educacionais para a educação infantil: desafios

contemporâneos.1 ed. Uberlândia : EDUFU, 2014, v.1, p. 131-149.

Estimativas de População para 2018, disponível em

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-

populacao.html?edicao=22367&t=resultados)

O DIREITO À EDUCAÇÃO: OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS INTEGRADA À EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL

EL DERECHO A LA EDUCACIÓN: LOS DESAFÍOS DE LA

EDUCACIÓN JUVENIL Y ADULTA INTEGRADA CON LA

EDUCACIÓN PROFESIONAL

Andréa dos Santos Lopes – FFCLRP/USP

[email protected]

Palavras-chave: Direito à Educação. Políticas Públicas. Gestão Escolar. Educação de

Jovens e Adultos.

Palabras clave: Derecho a la educación. Políticas públicas. Gestión escolar. Educación

de jóvenes y adultos.

Introdução

Este trabalho tem por finalidade promover uma discussão sobre o Direito à

Educação, vinculando o estudo ao eixo temático da oferta de Educação Básica e

privatização, portanto nesse estudo apresentaremos um recorte da pesquisa que esta em

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244

desenvolvimento, cujo objetivo é analisar a implantação e a consecução de políticas

públicas de garantia de acesso e permanência na Educação de Jovens e Adultos

vinculada ao Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na

Modalidade Educação de Jovens e Adultos - PROEJA, em uma unidade do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP.

O tema foi escolhido por se pautar no princípio constitucional de garantia de

Direito Universal à Educação, conforme consta na Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988 em seu Artigo 205, dispondo como fundamento o direito ao acesso e

permanência na Educação de Jovens e Adultos, uma modalidade da Educação que

sempre foi negligenciada pela sociedade.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988)

Para o autor Carlos Roberto Jamil Cury (2002), a educação para ser pública e

ser função do Estado, passa a ser também um dever do Estado, para promover a

liberdade individual, assim como a participação desse indivíduo em uma sociedade de

pessoas livres. Para isso, o ensino primário, definido atualmente como Ensino

Fundamental do 1º ano ao 5º ano, se torna um direito do cidadão e um dever do Estado,

que nesse caso se impõe a gratuidade, para que essa educação se torne acessível a todas

as pessoas.

Sendo assim, o direito à Educação é garantido pela Constituição Federal de

1988, em seu artigo 208:

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I -

educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos

de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela

não tiveram acesso na idade própria (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Fundamental à consecução do direito à Educação é também a garantia de

igualdade ao acesso e permanência do estudante à escola, tal como previsto pelo Artigo

206 da Constituição Federal de 1988 ―o ensino será ministrado com base nos seguintes

princípios, Inciso I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;‖

(BRASIL, 1988)

O direito à Educação também está garantida na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB nº 9394/1996, em seu ―Artigo 3º, Inciso XIII – garantia do

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245

direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida‖. (BRASIL, 1996) Estendendo a

garantia do Direito à Educação também aos jovens e adultos que não tiveram acesso a

ela na idade própria.

Metodologia

Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa que esta em curso e se

configura como Estudo de Caso, na qual a visão de profissionais da educação, gestores,

docentes e estudantes do Proeja, em um campus do Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia de São Paulo – IFSP é privilegiada. A metodologia está pautada

na análise de documental, coleta e análise de dados e pesquisa de campo.

A Educação como Direito

Desde 1824 o Brasil reconhece a Educação como Direito, porém segundo o

autor Sergio Haddad (2003), o grande entrave na educação seria justamente a sua

universalização, principalmente em se tratando ao acesso no Ensino Fundamental.

De acordo com Haddad (2003), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

– IBGE, no ano de 2000, informou que no Ensino Fundamental na idade de 7 a 14 anos,

o índice de matrículas estava em torno de 98,9%, no entanto conforme o próprio órgão

divulgou ―mais de 280 mil pessoas dessa faixa etária estavam fora da escola‖. (IBGE,

2000). Muito embora o IBGE (2000) demonstre os índices de matrículas em 98,9%, o

autor Sergio Haddad (2003), utilizando-se dos dados publicados pelo órgão, apresenta

um número preocupante dos chamados Analfabetos Absolutos. Para uma população

169, 8 milhões de pessoas, o total de Analfabetos Absolutos com idade acima de 10

anos foi estimado em 17 milhões de habitantes.

Para tentar sanar os déficits relacionados ao analfabetismo, na década de 2000,

o Ministério da Educação em sua página oficial informou que ―construiu uma política

sistêmica de enfrentamento do analfabetismo‖ (BRASIL, 2013). Logo se criou em 2003

o Programa Brasil Alfabetizado – PBA, por meio do Decreto nº 4.834/ 2003, uma ação

da União em colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios.

Em 2014, a Diretoria de Estudos Educacionais - DEE,48

órgão vinculado ao

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, indicou

48

Documento apresentado em Audiência Pública – Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do

Senado Federal – “Estatísticas sobre o Analfabetismo no Brasil”, INEP/DEE, Brasília, DF, 2014.

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246

um decréscimo importante na taxa de analfabetismos entre a população de 15 anos ou

mais entre os anos 1996 e 2012, que sai de 14,7% para 8,7%.

Para compreender a metodologia dos dados apresentados no documento do

DEE/INEP, elaboramos o Gráfico 1 – Taxa de Analfabetismo no Brasil, como consta a

seguir:

Gráfico 1 – Taxa de Analfabetismo no Brasil (1996 – 2015)

Fonte : SIDRA – Banco de Tabela Estatísticas

Elaboração do Gráfico 1 pela própria da pesquisadora

Ao analisarmos o Gráfico 1, observamos um decréscimo das taxas de 14,7%

em 1996 para 8% em 2015. Contudo, devemos registrar que governos com programas

distintos dirigiram o país nesse período histórico.

No período de 1995 a 2002, o governo tinha como Presidente da República

Fernando Henrique Cardoso (FHC), um governo caracterizado por políticas neoliberais,

como privatizações de estatais e interferência mínima do Estado. Em 2002, com novas

eleições, foi eleito como Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido

dos Trabalhadores - PT, sendo que o seu mandato iniciou em 2003-2006, sendo reeleito

até 2010. Foi sucedido por Dilma Rousseff, do mesmo partido, governo com vigência

de 2011 a 2014, foi reeleita em 2014. No entanto, em agosto de 2016 a mesma sofreu

um processo de Impeachment, sendo retirada do executivo nacional. Devemos apontar

que ambos os governos administravam sob o modelo de Estado do Bem Estar Social.

O Ministério da Educação informa na sua página oficial, que entre os anos de

2008 e 2012, cerca de 6,7 milhões de jovens e adultos foram beneficiados pelo

Programa Brasil Alfabetizado - PBA, representando um investimento de R$ 1,4 bilhão

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247

na Educação49

(BRASIL, 2017). Contudo, o IBGE (2010) informou que o país tinha

um contingente significativo de pessoas que não tiveram acesso à educação na idade

certa, isto é, cerca 64 milhões de pessoas acima de 15 anos não tinham instrução ou

ensino fundamental completo e que as redes de ensino tem dificuldade de absorver

tamanho contingente e um dos desafios seria o de impedir que a exclusão dessas

pessoas continue ao longo dos anos.

Do Direito à Educação ao Plano Nacional de Educação – PNE (2014 – 2024)

Para integrar o conjunto de ações para a garantia ao Direito à Educação em

todo o território nacional, no ano de 2014 foi aprovado através da Lei nº 13.005, o Plano

Nacional de Educação – PNE, com vigência por dez anos.

O PNE é composto por 20 metas, cada qual com suas estratégias. Entretanto,

como estamos delimitando o estudo na Educação de Jovens e Adultos – EJA integrada à

Educação Profissional abordaremos a Meta10, que tem como diretriz ―oferecer, no

mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental

e médio, na forma integrada à educação profissional‖.

Conforme estudos apresentados na elaboração do PNE, um dos fatores que

deve ser considerado na modalidade de Educação de Jovens e Adultos é o elevado

índice de abandono, isto é, a evasão escolar, podemos elencar vários motivos, dentre

eles questões do trabalho, família e também a ―inadequação das propostas curriculares

às especificidades dessa faixa etária‖ (BRASIL, 2014). Por esse motivo, o PNE/MEC

propôs 11 estratégias voltadas ao cumprimento da Meta 10 para a Educação de Jovens e

Adultos integrada à Educação Profissional.

Para que a sociedade, os segmentos da Educação e o próprio Congresso

Nacional pudessem compreender a importância da oferta de no mínimo 25% de

matrículas para essa modalidade, o MEC em conjunto com a Secretaria de Educação

Profissional e Tecnológica elaboraram uma Nota Técnica – MEC (2011) 50

,

argumentando sobre a importância de se conhecer a história de vida desses jovens e

adultos que foram excluídos da escola, principalmente na Educação de Jovens e

49

Disponível em http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32636

Acesso em 04/08/2019 50

Avaliação técnica da Meta 10, prevista no Projeto de Lei Ordinário (PLO) nº 8.035/2010, denominado Plano

Nacional da Educação (PNE), correspondente ao decênio 2011-2020 (BRASIL, 2011) 50, como diagnóstico para a

execução da Meta 10 e de suas estratégias.

Disponível em http://fne.mec.gov.br/images/pdf/notas_tecnicas_pne_2011_2020.pdf

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248

Adultos, pois muitos dos direitos lhe foram negados ou mesmo a sua trajetória escolar

fora interrompido, causando a descontinuidade do aprendizado. E, coloca que a

―oportunização de ofertas educacionais que integrem a educação profissional com a

educação básica na modalidade de educação de jovens e adultos é uma questão de

direito a ser garantido pelo Estado brasileiro.‖ (BRASIL, 2011) Informa que a educação

profissional integrada à educação de jovens e adultos, também é uma ―estratégia vital‖

para se assegurar a continuação do desenvolvimento do país, justificando assim a

importância da formação técnica profissionalizante para o trabalho.

Para justificar a porcentagem de 25% na oferta de Educação de Jovens e

Adultos integrada com a Educação Profissional, o MEC esclarece que é uma ―forma

relativamente nova de oferta‖, pois nesse momento a oferta da EJA articulada com a

Educação Profissional poderá ser uma oportunidade de continuidade dos estudos para

esses estudantes e além de proporcionar também um espaço no mercado de trabalho.

Considerações Finais

Ao tratarmos sobre a oferta da Educação Básica, devemos considerar os

investimentos na Educação. Para Amaral (2017) com as políticas públicas

implementadas no período dos governos de Lula e Dilma Rousseff, o repasse de

recursos da União para o Ministério da Educação salta de R$33,91 bilhões em 1996

para R$112,28 bilhões em 2014, portanto foi o período que mais se investiu na

Educação.

Entretanto, após o Impeachment da presidente Dilma Rousseff, assume em seu

lugar o vice-presidente Michel Temer (PMDB), que compactuou com o que chamamos

de ―Golpe Parlamentar‖, iniciando uma politica de retrocesso em nosso país. Também

propôs a PEC 241/2016, a ―PEC do Teto dos Gastos‖, aprovada como Emenda

Constitucional nº 95/2016, congelando os gastos públicos em 20 anos e impactando

diretamente a área da Educação.

Após as eleições de 2018, foi eleito como Presidente da República Jair

Bolsonaro, governo de extrema-direita, anunciando em 2019 o ―contingenciamento‖ de

recursos financeiros para a Educação. Na realidade houve um corte orçamentário no

Ensino Superior e na Educação Básica.

Segundo a ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de

Ensino Superior), com o Decreto 9.741/2019, foi contingenciado R$ 29,582 bilhões do

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249

Orçamento Federal de 2019. ―Com isso, a Educação perdeu R$ 5,839 bilhões, cerca de

25% do previsto.‖

O atual governo justifica que o ―contingenciamento‖ de recursos é necessário

para o cumprimento da Emenda Constitucional nº 95/2016. Contudo, pela visão do

presidente da ANDES, Antônio Gonçalves, ―a medida pode comprometer

profundamente a prestação de serviços públicos para a população. Isso permitirá

também a intensificação do processo de mercantilização e privatização da Saúde,

Educação e Ciência e Tecnologia, por exemplo.‖

Diante de tal fato, estamos presenciando um total desmonte da Educação, com

propostas do Ministério da Educação de parcerias das Universidades Federais e

Institutos Federais com Organizações Sociais (OS), com a implementação de um

programa intitulado ―Futura-se‖ 51

. No entanto, temos o conhecimento que experiências

de parcerias de setores públicos com as Organizações Sociais significa uma clara

iminência para a privatização, retirando assim o princípio do Direto à Educação, que é o

direito de todos terem acesso à educação, mesmo os que não tiveram oportunidade em

idade própria, ou seja, serem incluídos na Educação de Jovens e Adultos.

Apesar de todo esse cenário pessimista relacionado à Educação, grupos de

estudos como o GREPPE - Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e

entidades como a ANPAE - Associação Nacional de Política e Administração da

Educação e ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação,

assim como outras, promovem congressos, seminários, colóquios, palestras que

divulgam o conhecimento científico e proporcionam o diálogo diante dos desafios a

serem enfrentados pela Educação na atualidade.

Referências Bibliográficas

AMARAL, Nelson C. Com a PEC 241/55 (EC 95) haverá prioridade para cumprir as

metas do PNE (2014-2024)? Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, v. 22, n. 71, e 27145,

2017.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, 1988.

BRASIL. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, Brasília, 1996.

BRASIL.Decreto nº 4.834/2003. Programa Brasil Alfabetizado - PBA, Brasília, 2003.

51

Disponível em http://portal.mec.gov.br/component/content/article?Id=78201

Page 250: Realização · 2019. 10. 9. · Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp) Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

250

Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4834.htm

Acesso em 02/08/2019

BRASIL. Lei nº 13.005. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras

providências., Brasília, 2014.

BRASIL, Decreto 9.741 de 09 de março de 2019. Altera o Decreto n o

9.711, de 15 de

fevereiro de 2019, que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira,

estabelece o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo federal para o

exercício de 2019 e dá outras providências. Brasília, 2019

CURY, C. R. Direito à Educação: direito à igualdade, direito à diferença. Scielo, São

Paulo, julho 2002. p.245-262.

HADDAD, S. Educação, direitos humanos e política. Publicado no jornal ―O Povo‖.

15/fev/2003. Fortaleza, Ceará.

www.dhnet.org.br/educar/textos/sergio_haddad_educacao_direitos_humanos.pdf

Acesso em 10/10/2018

EIXO 5 – CURRICULOS ESCOLARES NA EDUCAÇÃO BÁSICA E

PRIVATIZAÇÃO

NEOLIBERALISMO, EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO E CONTROLE DA

CULTURA PERIFÉRICA: QUAIS EXPERIÊNCIAS SÃO

VÁLIDAS?

NEOLIBERALISMO, EDUCACIÓN, EXCLUSIÓN Y CONTROL DE

LA CULTURA PERIFÉRICA: ¿QUÉ EXPERIENCIAS SON

VÁLIDAS?

Autora: Gabriella Santos da Silva

Universidade Federal de Mato Grosso/CUR

[email protected]

Coautora: Pietra Barbosa de Carvalho

Universidade Federal de Mato Grosso/CUR

[email protected]

Page 251: Realização · 2019. 10. 9. · Thais Marin (UNICAMP) Márcia Cossetin (UFMT) Comitê Científico Profª Dra. Elisangela Maria Pereira (Unicamp) Dra. Nadia Pedrotti Drabach (Unicamp)

251

Palavras-chave: Cultura Periférica. Educação. Indústria Cultural. Neoliberalismo.

Palabras clave: Cultura Periférica. Educación. Industria Cultural. Neoliberalismo

Introdução

As instituições de modo geral operam para eliminar e adequar experiências. Essas no

campo progressista e neoliberal se dão como condição de emancipação modificando

todo o processo educacional, influenciando os métodos de ensino para a manutenção

social e controle moral, resultando em um controle do potencial populacional e

coagindo defensivas da população negra e pobre. Nesse sentido, a escolarização faz

parte do processo de disciplinarização, operando de maneira a que tenta podar, punir e

controlar todo movimento de criatividade dos jovens periféricos, transformando a

cultura popular em barbaridade.

Assim, os autores dos Estudos Culturais preocupados com a relação ―cultura-

conhecimento-poder‖ se preocuparam em analisar a opressão do capitalismo no âmbito

cultural e seus diversos meios para a manutenção do controle dos corpos. Influenciada

pelo próprio capitalismo, a mídia também se molda como aparelho do Estado, com a

função de difundir de forma eficaz a ideologia da classe dominante, legitimando uma

cultura enquanto superior e deslegitimando qualquer outra configuração de cultura. Em

nome da expansão capitalista os outros modelos de cultura são silenciados, apagados

e/ou marginalizados (SKLIAR, 2001). A lógica expansiva do capital determina a

população predileções à normativas hegemônicas mascaradas como naturais, essas,

pulverizadas, materializadas e capilarizadas no tecido social através do discurso de

poder (FOUCAULT, 2012) são, para o estado neoliberal, uma forma mais fácil de

controle populacional, visto que, manipular e controlar um multiculturalismo é muito

mais dificultoso.

Nesse interim, o trabalho tem como principal finalidade trazer à tona e provocar

discussões sobre como a Industria Cultural modela os posicionamentos educacionais,

além de difundir a ideia de experiências válidas ou inadequadas, deslegitimando a vida

cotidiana e história dos estudantes periféricos.

Metodologia

Para uma discussão acerca do tema proposto, foi utilizada como metodologia

uma discussão bibliográfica que traz conceitos e discussões de autores sobre cultura,

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educação e poder. Nesse sentido pensar as experiências cotidianas são de suma

importância, pois para Benjamin (1987) o que constitui o eu é o conjunto de

experiências adquiridas ao longo da vida. É fato que se pensarmos num âmbito geral,

tais experiências estão tornando-se reprodutivas e determinadas pela Indústria Cultural.

Mas, por outro lado, quando negamos toda os valores de uma população que sobrevive

de resistências, mesmo que apunhaladas pelo capitalismo a todo momento, negamos a

força que se metamorfoseam e que dão significados ao abandono estatal. A Indústria

Cultural apropriou-se, inclusive dos valores das comunidades periféricas

transformando-as em produtos rentáveis.

Neste sentido, a lógica do ―sistema- -mundo colonial/moderno‖

(GROSFOGUEL, 2007) é de marginalizar as formas de resistência que as populações

faveladas produzem, de maneira a produzir em todos os indivíduos uma internalização

dessa criminalização, vide a instauração do poder punitivo e controlador com os bailes

funks nas comunidades. Os jovens periféricos, que raramente usufruem de acesso à

cultura clássica ou a qualquer outro tipo de cultura a não ser a ofertada pela Indústria

Cultural e pela cultura popular favelada construída por eles mesmos para eles mesmos,

desfrutam da diversão que têm acesso. Não se pode retirar ou renegar da população

periférica a sua forma de vida e sua própria cultura, ou esperar que a cultura impregnada

como universal seja aceita. Diante disso, em uma conferência sobre os ―Perigos de uma

história única‖ realizada na TEDx (Technology, Entertainment, Design) em 2012,

Chimamanda Ngozi Adichie expressou como uma única forma de vida imposta pela

globalização e pelo capitalismo afeta as culturas locais retirando e acortinando

realidades sociais e raciais de todo o ocidente. Ela demonstra como a globalização e o

capitalismo retira das pessoas a sede de saber quem se é, de onde vem e qual cultura é a

sua. Esvaziados de si mesmo, somos obstruídos de realidades universais que não

representam as nossas. Assim, a diferença que é inerente ao ser humano é transformada

em negativa no âmbito social, fazendo-se valer apenas a diferença do dominador.

Portanto, é por meio da linguagem que se elabora o senso comum, que produz-se

um discurso de aversão a cultura popular e local. A linguagem, amparada pela mídia e

seus aparatos dominadores exercem poder sobre os corpos na medida em que a cultura

dominante transpassa a realidade tal como é, excluindo o processo histórico de

construção social dos indivíduos. A linguagem tem o poder de dar significado às coisas,

ela é a ―imagem do pensamento‖ (DELEUZE, 1966). Nessa perspectiva, Foucault

(2007) apresenta um olhar sob a linguagem que ao mesmo tempo em que ela representa

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o real, não esgota todo o significado de tal e está carregada de potência e poder. Assim,

também podemos falar sobre a linguagem quando pensamos em ―favela‖ e ―favelados‖;

retiramos do cotidiano real, uma representação que não condiz inteiramente tal como é.

Substituímos toda a cultura periférica e diaspórica, sua forma de vida local, os

enfrentamentos e as resistências, para uma imagem representativa do que a Industria

Cultural vende por ―favela‖.

Desenvolvimento

De fato, a população pobre e negra deste país sobrevive e têm presente em seu

cotidiano as chamadas ―gambiarras‖, que nada mais é que invenções criativas e

inteligentes que abrangem não só o nível da criatividade das miudezas, mas também

está vivamente presente na economia e cultura das favelas. Historicamente a

inteligência de sobreviver ao caos e a pobreza torna a vida do trabalhador em uma vida

de resistência. Portanto, não é de interesse do capital e do racismo epistêmico

(GROSFOGUEL, 2007) que as pessoas se auto-beneficiem dessas formas de vida, que

para o neoliberalismo vai de costas ao campo progressista liberal.

A Indústria Cultural se posiciona a serviço dos ―donos do poder‖ disseminando

bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais, utilizando de mídia de

massas, estimulando necessidades individuais, além de substituir o que antes era

espontâneo. A mídia de massas tem a função de fazer consumir e descartar. Descartar

não só aquilo que produziu, mas também esvaziar aquilo que existia antes dela

(qualquer expressão cultural popular), é a colonialidade do poder, do saber e do ser,

bem como explicitou brilhantemente Gómez e Grosfoguel (2007). Utilizando da

linguagem, a mídia tem total influência nos significados que damos às coisas.

Funcionando como a Indústria Cultural quer que funcione, as pessoas que sobrevivem

da arte de criar e dar significados as dificuldades vão sendo podadas à mais do mesmo.

Embora a realidade ofertada nessas mídias de massas seja uma vivência contrária a

experiência dessa população ela dissemina-se, absorvendo e pasteurizando tudo,

inclusive as resistências populares.

Para que tudo aconteça de acordo com as intenções capitalistas e neoliberais a

educação e a escola exercitam papéis fundamentais. Historicamente a escolarização foi

pensada para exercer funções distintas entre burguesia e trabalhadores e ao mesmo

tempo reafirmar e reproduzir os valores que sustentassem o sistema capitalista

(FRIGOTTO, 2018). Assim, não só os autores clássicos que discutiram a economia e a

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sociedade, mas também os autores da educação em suas distintas áreas filosóficas e

sociais, nos alertaram sob como a trajetória da escolarização continuaria sendo anexa ao

capitalismo, tendo suas funções explícitas e dualistas (FRIGOTTO, 2018) Nessa

perspectiva, a educação bancária conceituada por Freire, anuncia uma educação

contrária a liberdade e a problematização, é portanto, uma educação disciplinar e de

punição, que caminha, assim, ao narcisismo, retirando as possibilidades de uma

educação de convívio, que pensa o multiculturalismo, a educação inclusiva e a educação

progressista, que pensa a experiência como condição da emancipação. A educação

bancária, ―quer, na verdade, que corpos de alunos e alunas sejam inconscientes e

sujeitados às suas regras. Perpetua e reforça, assim, sua relação vertical e autoritária‖

(BRIGHENTE E MESQUIDA, 2016, p. 155). Os currículos escolares da Educação,

também são recursos fundamentais para que essa educação se mantenha neste formato,

eles não só afastam os estudantes, como também determinam regimes inteligíveis,

produtores de normalidades.

Conclusões

Nesse sentido, os Estudos Culturais e a Decolonialidade propõem-se a produzir

um viés epistemológico amplo, fluido, híbrido e transdisciplinar, que idealiza indivíduos

políticos e produtores de cultura. Ao contrário dessas proposições, para reforçar os

interesses capitalistas a ―escolarização funciona para afirmar as histórias eurocêntricas e

patriarcais, (...) e as experiências culturais dos estudantes de classe média, e ao mesmo

tempo marginaliza (...) experiências e memórias culturais dos estudantes periféricos. ‖

(SILVA, 2013, p. 84).

Em ―O discurso da qualidade e a qualidade do discurso‖, Mariano Enguita

(1994) discute como a qualidade e a quantidade para o Estado de bem-estar social

(lógica da produção empresarial privada), determina posições sociais e experiências

válidas e ilegitimas. Nessa perspectiva, a qualidade dos serviços públicos opera para que

os resultados tenham o mínimo de custo, estando o desenvolvimento como objetivo dos

países pobres e a competitividade como objetivo dos países ricos. Pensando essa, ótica o

acesso quantitativo da educação expande os serviços cansativos direcionados aos

trabalhadores, já o acesso qualitativo direciona seu público à carreiras profissionais e de

elite. Diante disso, as funções que a escola pública exerce são de organização

burocrática, normatizadora, disciplinadora e socializadora da força de trabalho.

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Vejamos que as formações em licenciaturas nos níveis superiores, baseadas em

currículos ―universais‖, são consideradas a partir de temas legítimos de conhecimento, o

―que causa estranheza nessas discussões é, entretanto, a ausência de uma teoria da

identidade e da diferença‖ (SILVA, 2000, p.1). O que ocorre na escolaridade básica,

também ocorre no ensino superior, não estando tão distante. Ao invés de caminharmos

com os estudos multidisciplinares, multiculturais e críticos, tendemos a responder ao

sistema de acordo com o que as burocracias dele mesmo nos oferece. Alguns caminham

nas brechas ocupando ―inevitáveis papéis políticos‖ (GREEN E BIGUM, 1995, 209.)

em defesa de uma educação libertadora e reagem aos ataques políticos a educação.

A política de extermínio das pessoas negras neste país, caminha lado a lado com

as discussões trazidas neste texto. Vejamos como tudo o que é identificado como

cultura popular é transformado em violência e como a escola exerce esse papel de

oprimir as experiências vividas pelos indivíduos que a frequenta, determinando o

correto e o inadequado. Dificilmente vemos escolas públicas que, entre as brechas,

avaliem as demandas estudantis ou que tratem como reais as vivências trazidas dos

estudantes. A educação não é a salvação de tudo, pensemos. Mas têm potencial

suficiente para libertar (FREIRE, 1984) ou limitar uma população inteira.

As discussões fomentadas aqui não buscam dar fim em nenhuma das

problemáticas abordadas, mas provocar os leitores a se aterem aos temas que

transpassam o racismo, a violência, o sexismo, a pobreza, as políticas públicas, ao

neoliberalismo, a educação e a cultura. Nossos modos comportamentais estão sendo

moldados pela Indústria Cultural, mas é preciso assumir que quando se tem uma brecha

resistente a ela, esta brecha está na população periférica e populações tradicionais. É

necessário que as discussões acadêmicas abordem a resistência popular, principalmente

no âmbito cultural e econômico, já que a mídia transforma tudo o que se liga a favela

em medo, violência e drogas. O Brasil criou expansivamente comunidades periféricas

em toda sua extensão territorial e abandonou-as. Mesmo assim, esta população

transgrediu as condições determinadas a ela e sobreviveu nas brechas do sistema que a

pune, mata e vigia.

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conservadores. In: GENTILI, Pablo. Pedagogia da exclusão: crítica ao neoliberalismo

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PRIVATIZAÇÃO DOS TEMPOS NA EDUCAÇÃO INTEGRAL: A

LÓGICA DOS “TEMPOS MODERNOS”

LA PRIVATIZACIÓN DE LOS TIEMPOS EN LA EDUCACIÓN

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INTEGRAL: LA LÓGICA DE LOS "TIEMPOS MODERNOS"

Mariana Roveroni52

Palavras-chave: Educação Integral. Privatização. Política Educacional

Palabras-clave: Educación Integral. Privatización. Política Educativa

Mais tempo para que?

O presente trabalho busca refletir sobre as possíveis formas de privatização do

tempo nas escolas de educação integral, e na concepção de educação integral,

considerando para análise metodológica o diálogo com algumas prerrogativas legais

definidas pós constituição federal e com alguns programas de indução de educação

integral como o programa ―Novo Mais Educação‖ e o programa ―Inova Educação‖. A

reflexão deste ensaio reside na problematização da fragmentação do tempo ocasionada

por essas políticas educacionais contemporâneas que abre precedente para que a

iniciativa privada formule e direcione um projeto de educação integral convergente

com os interesses econômicos da sociedade neoliberal, ao mesmo tempo que

desconfigura um projeto de formação integralizadora e humana. Comecemos pelo

tempo, afinal: mais tempo para que?

O ontem, o hoje e o amanhã; mais cedo, mais tarde, ou nunca. No dia em que eu

nasci, na hora de entrar no trabalho, no ano do golpe militar… São muitas as

dimensões do tempo que definem a nossa existência e a nossa atividade enquanto

humano. Se, na atualidade, somos capazes de datar com precisão - e até prever - alguns

eventos, devemos esse legado a instrumentalização do tempo, conhecimento que foi

criado, aprimorado e transmitido pelas gerações que nos precederam.

Uma datação mais rudimentar do tempo, por exemplo, pode nos remeter a um

desenvolvimento biológico, natural, que intersecciona vida humana e as mudanças na

natureza. Foi observando o céu, o tempo da colheita, as mudanças de clima, que se

começou a perceber as regularidades que acometiam esses acontecimentos, que se

52 Vice-diretora de escola pública no município de Campinas, doutoranda vinculada ao programa

de pós-graduação em Educação na linha de Políticas Públicas da Unicamp. Contato:

[email protected]

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repetiam de ―tempos em tempos‖. O tempo do humano (antes da quantificação por

anos, eras, séculos), cumpria assim, uma trajetória imutável de nascimento, maturação

e morte; um tempo da vida, por assim dizer...

O tempo da vida, com a evolução e organização das sociedades modernas, ganha

novos contornos e regulagens; a necessidade de sincronização e padronização do

tempo demanda do ser histórico novas ferramentas para organizar suas ações. Criam-se

os relógios com padrões universais de marcação, que passam a definir outros modos de

vida, com hora marcada para acontecer (ELIAS, 1998).

Hoje, consciência e corpo encontram-se regulamentados pela lógica instrumental

do tempo; somos regidos sob a égide do relógio, que autodisciplina nossas ações, e que

nos traz pertencimento à dinâmica social da vida, afinal para participar dos processos

do trabalho e da escolarização, por exemplo, é preciso não perder o tempo.

Podemos ir além, numa sociedade globalizada e tecnológica como a nossa, o

controle das ações cotidianas ocorre com instrumentos mais sofisticados, capazes de

medir, calcular, prever, saber quanto tempo leva para percorremos distâncias, ou

quanto tempo falta para o cozimento de nossa comida favorita. Controlamos o tempo,

por assim dizer; ele está, literalmente, em nossas mãos...

A dinâmica da vida em sociedade pautada na lógica formal e métrica do

tempo/relógio/celular impõe tempos de regulação, de controle, de medida, de

definição, de limitação, de ―time is money‖. O tempo da nossa contemporaneidade é a

hora, (hora/aula) os segundos, minutos, os dias, os meses… São esses os ―tempos

modernos‖ operantes quando nos referimos aos tempos escolares.

Tempo de aprender a fazer

As experiências brasileiras precursoras de educação integral, com ampliação do

tempo de escolarização, foram idealizadas e concretizadas por Anísio Teixeira, Darcy

Ribeiro, Paulo Freire e muitos outros53

. Esses educadores apresentaram um projeto de

tempo constituído de forma orgânica à uma ideia de formação omnilateral, menos

dependente da métrica do relógio e mais próxima dos acontecimentos da vida,

53 Experiências precursoras de Educação Integral foram idealizadas por esses educadores. Podemos

citar: o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (década de 30), as Escolas-Parque (década de 50), os

Centros Integrados de Educação Pública (décadas de 80 e 90), as Cidades Educadores (década de 90).

dentre outros.

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incorporando nestes sentidos, o fazer, o sentir, o estar, o desenvolver-se de forma

humana e totalizante. O que os primeiros experimentos escolares protagonizados por

esses educadores demonstraram é que, nesses projetos, não se pensava no que fazer

com o tempo a mais na escola, uma vez que os espaços, as linguagens, os territórios,

compunham uma totalidade não fragmentada de saberes e vivências escolares.

O tempo a mais nas escolas de educação integral torna-se uma dilemática prática

e teórica quando ocorre a institucionalização da extensão da jornada dos alunos com o

acréscimo de atividades inseridas ao currículo, com vistas a preencher as horas a mais

de permanência na instituição. A institucionalização/formalização de um modelo para

a educação integral começa a ser desenhado pela Constituição Federal e tem no II

Plano Nacional de Educação um expoente maior, atingindo a estatura de meta para a

educação nacional.

Para fins de análise metodológica dialogamos com um arcabouço teórico

legislativo que versa sobre o ―tempo‖, a princípio pautando a educação integral como

direito, e a seguir versando sobre a expansão do tempo de escolarização. O novo

ordenado jurídico colocado pela Constituição de 1988, mesmo sem ter mencionado o

termo educação integral em seu texto legal, já pronunciava uma formação

integralizada, intersetorial e globalizante como um direito. A ideia da educação como

direito está em conformidade com os ordenamentos jurídicos propugnados por

documentos que refletem algumas das conquistas do século XX, tais como a

Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) a Convenção Internacional sobre

os Direitos da Criança (1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). O

processo histórico de formação do Estado e constituição de nossa cidadania apregoa a

educação como um direito social, no caso da constituinte brasileira, um direito social,

público subjetivo (COELHO, 2000). Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

(LDBEN/1996) a ideia de uma educação integral será materializada por meio da

―...progressiva ampliação do período de permanência do aluno na escola‖ (Art. 34).

Após as prerrogativas legais supracitadas, o tema da educação integral ganha

maior notoriedade, uma vez que o direito à educação levou o direito a mais educação e

a mais tempo na escola (ARROYO, 2012). As demandas colocadas por essa agenda

política passam a ser viabilização por meio de programas, como é o caso do Programa

Mais Educação (PME)54

datado originalmente do ano de 2007, o Novo Mais Educação

54 Criado pela Portaria Interministerial no 17/2007 remodelado em 2016, no governo de Michel Temer.

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datado de 201755

, e o mais recente deles o ―Inova Educação‖, a ser implementado em

2020. De forma mais expressiva e importante a discussão do tempo ocorre através do I

Plano Nacional da Educação - PNE (2001 – 2011), que esboça uma definição de tempo

integral (período de 7 horas). E, de forma mais efetiva, a partir do II Plano Nacional da

Educação (2014 - 2024) por meio da meta nº6, no qual é definido a sua implementação

em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender,

pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica‖

(Brasil, 2014)56

.

Temos, na contemporaneidade, uma série de políticas e programas aplicados à

educação integral, que historicamente configuraram do tempo como elemento central

de sua realização. Sendo assim, questionamos: como esse tempo vem sendo construído

nas escolas públicas do país? Quem são os proponentes e indutores de políticas

públicas para a educação integral com legitimidade para aprovar programas

educacionais? Serão esses, ―tempos de privatização‖?

O Novo Mais Educação, esvaziado em seus sentidos formativos, culturais e

territoriais é reduzido, em 2017, à atividades de preenchimento do tempo com reforço

de língua portuguesa e matemática. A resolução normativa que o institui, não deixa

dúvidas quanto às razões para reformulação do programa: atender índices, elevar as

notas do IDEB, por melhorias de resultados. Com a circulação desse discurso vale

tudo; a compra de serviços ofertados por grandes conglomerados educacionais, a

adesão à sistemas de gestão público/privado, esquema de formações docentes voltadas

a formar o professor competente, empreendedor, pró-ativo, capaz de gerir sua própria

aprendizagem.

O que dizer do programa ―Inova Educação‖ a ser lançado na rede estadual de

São Paulo em 2020 elaborado em parceria com o Instituto Ayrton Senna que, de

acordo com os site da Secretaria Estadual de Educação do governo deste estado, tem

papel fundamental na proposição, pois ―O Instituto Ayrton Senna auxiliará com a

experiência no desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como garra,

responsabilidade e trabalho em equipe e com base em evidências científicas nacionais

e internacionais‖. O referido programa, orientado pelo então governador João Dória,

55 Criado pela Portaria MEC nº 1.144/2016 e regido pela Resolução FNDE nº 17/2017 passando a

denominar-se de ―Novo Mais Educação‖. 56 Essas porcentagens explicitam um fator importante para a análise: a escola em sua totalidade não

precisa ser de educação integral, por isso a variável da matrícula. Se houver em uma escola de 1.000

alunos, uma turma com 35 que realizem atividades em tempo ampliado, a escola é computada como

realizadora.

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prevê a diminuição da hora/ aula de cinquenta para quarenta e cinco minutos e a

inserção na grade curricular de disciplinas eletivas. De acordo com o proponente,

―Estes estudantes ganharão uma aula a mais e um aumento na carga horária de 15

minutos por dia‖. Não é mais a quantidade de tempo na escola a discussão aqui

apresentada, mas uma lógica de otimização do tempo na escola.

Seriam esses, programas de privatização do tempo da educação Integral? Como

realizar educação integral com projetos que fragmentam sobremaneira o tempo da

aula, o tempo da vida na escola?

Concluindo em tempo

São diversos os motivos e interesses em torno dos quais se constrói uma agenda de

políticas públicas para a educação integral. Uma primeira conclusão deste ensaio é a

importância, e mesmo condição sine qua non, que a dimensão do tempo assumiu na

realização da educação integral no Brasil pós constituinte de 1988.

Os programas de educação integral com maior relevância em nosso cenário

contemporâneo comprovam que esse tempo serve ao esvaziamento da formação

pública, não pautam a construção de uma cidadania verdadeira e não se relacionam

com a apreensão de valores democrático. Esses programas, tampouco se preocupam

com uma formação humana e planetária, onde é possível experimentar o mundo por

múltiplas e diferentes linguagens. Cabe destacar que todas essas políticas são

operacionalizadas com dinheiro público, que por meio de parcerias, contratações,

licitações, formações, desenvolvem formas de cooptação e transferência de recursos

públicos para o setor privado, com respaldo ideológico/propagandístico que associa o

público ao precário, de má qualidade, ao mesmo tempo em que enaltece os atributos do

setor privado, como os de maior qualidade.

No entanto acreditamos que o tempo escolar, compreendido como uma

potencialidade educativa, humanizadora, apresenta questões de natureza intrínseca, que

não podem ser fatiados e repartidos em aula, cada vez mais céleres.

Defendemos a ideia de que o ser humano é complexo e indissociável em suas dimensões

constituintes e que os fundamentos da educação integralizadora não dependem somente da

ampliação das horas de permanência na escola, mas seria melhor realizado com ela, se

esse tempo fosse utilizado para a efetivação de um projeto de educação que pressuponha a

defesa do sentido público e democrático da educação brasileira (CAVALIERE, 2000).

É nesse contexto, que problematizamos as possíveis formas de privatização dos

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tempos na educação integral, mecanismo que se utiliza da lógica formal e métrica para

fragmentar tempos, espaços, conhecimento e vida. Buscamos evidenciar que os

programas de educação integral atualmente implementados seguem a lógica instituída

pela privatização do tempo baseado na aquisição de competências, no rendimento e na

alta performance curricular.

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Paulo. Editora Unesp, 2000.

GADOTTI. Moacir. Educação integral no Brasil. Inovações em Processo. Instituto

Paulo Freire. São Paulo, 2013 HARVEY, David. A condição pós-moderna. Uma

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263

pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

Site: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/governo-de-sp-lanca-o-inova-educacao/.

Consulta em 10 de julho de 2019.

“HOLE IN ONE”: O CASO DO PROJETO IMPULSIONA E A

ALEGORIA DO DISCURSO NEOLIBERAL NOS CONTRATOS

EDUCACIONAIS DO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO

“HOLE IN ONE”: EL CASO DEL PROYECTO IMPULSA Y EL DISCURSO

NEOLIBERAL EN LOS CONTRATOS EDUCATIVOS DEL ESTADO –

ADMINISTRACION

Santiago Castigio e Monteiro

USP – Ribeirão Preto

[email protected]

Palavras-chave: Direito Educacional. Privatização do Ensino. Acordos e Convênios.

Hermenêutica jurídica. Análise de Discurso.

Palabras clave: Derecho educativo. Privatización de la educación. Acuerdos y

Convenios. Hermenéutica jurídica. Análisis del Discurso.

Introdução

O Instituto Península é uma organização social, fundado em 2010 pela família

Abílio Diniz, com o intuito de melhorar a qualidade da educação brasileira, pauta-se na

―crença de que os principais agentes de transformação da educação são os professores‖

(INSTITUTO PENÍNSULA, 2010). Por conta disso, em 2017, foi implementado o

projeto Impulsiona Educação Esportiva, cujo escopo é ―oferecemos formações para que

professores e coordenadores pedagógicos se tornem nossos parceiros na missão de

fomentar novas modalidades, trabalhar importantes competências com crianças e jovens

por meio dos valores do esporte e tornar as escolas mais ativas‖. (INSTITUTO

PENÍNSULA, 2017). Eles identificam no cenário brasileiro uma ―latente necessidade de

ampliar e fortalecer a educação esportiva‖ (Ibidem). Além disso, no site do programa

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afirma-se que o esporte permite ―agregar valor à educação, ao desenvolvimento das

competências socioemocionais e à formação pessoal para a cidadania. Indo além,

também compreendemos que o esporte deve ser abordado nas escolas como uma

manifestação cultural, focando na participação e na inclusão de todos.‖ (Ibidem, on-line,

grifo nosso). Para tanto, o projeto está direcionado, prioritariamente, à capacitação

―gratuita‖ de ―impulsionadores‖ do esporte, limitando-se à oferta de cursos formativos

de curta duração, em ambiente virtual e a distância. Até então, segundo um ―placar‖

institucional (Ibidem), o projeto encontra-se difundido em todos os Estados brasileiros,

em 4.096 municípios, presente em 20.377 escolas e com a formação de 14.881

professores.

Dentre as diversas parcerias que vêm sendo firmadas pelo Instituto Península e o

poder público, temos o caso da adesão, no ano de 2017, pela Secretaria de Estado da

Educação de Minas Gerais para fomentar o esporte em sua rede de educação básica. No

site oficial da Secretaria de Educação há diversas matérias tratando da temática

(SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS, 2017a, 2017b,

2017c), estimulando os professores da rede a aderirem ao curso formativo ofertado pelo

Programa Impulsiona. Na ocasião do primeiro registro eletrônico da Secretaria, há

expressa manifestação no sentido de exaltar o mérito de tal iniciativa: ―O Impulsiona

contribui para o fortalecimento da cultura esportiva, incentivando que alunos e

professores resgatem os esportes, jogos e brincadeiras presentes na história de sua

comunidade. Também viabiliza o reconhecimento de modalidades típicas de outras

comunidades e países.‖ (Ibidem, 2017a). Interessante percebermos que, diferente da

proposta institucional do ente privado, há, no discurso do órgão público, a valorização

do componente regional como aspecto fundamental para motivar a parceria, porém, ao

mesmo tempo, destaca que será ofertada aos professores da rede, ―além dos cursos de

Impulsionador Esportivo e Impulsionador Estratégico, durante o segundo semestre de

2017: Golfe, Miniatletismo, Hóquei, Tênis, Rugby, Goalball, Futebol de 5 e Ginástica‖

(Ibidem, 2017a). Ainda, há o registro do recebimento pela Secretaria da Educação de

―um relatório produzido pelos parceiros do Instituto Península sobre o desenvolvimento

do Projeto Impulsiona no Estado de Minas Gerais‖ (Ibidem, 2017c). Coincide com o

período desta parceria, a divulgação, pela Secretaria da Educação de Minas Gerais, da

aquisição de kits esportivos, ―compostos, entre outros itens, por cone furado com

barreira, bambolês, corda para ginástica; bolas de vôlei, de basquete e de futsal, peteca,

Kit Slackline, Escada de coordenação e colete.‖ (Ibidem, 2017b).

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Metodologia

Aponta-se, inicialmente, que este texto insere-se enquanto resultado da proposta

de ingresso no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP e, portanto, possui a finalidade de

compartilhar elementos prévios do recorte da temática com os participantes do VI

Seminário Internacional de Pesquisa do GREPPE, a fim de verificar, junto à

comunidade acadêmica, eventuais méritos e deméritos desse estudo, que se encontra em

fase inicial.

O objetivo geral do trabalho será verificar os aspectos legais e os discursos que

permeiam as parcerias entre setor público e privado na prestação da educação básica

pública. Para tanto, optou-se por analisar um caso específico desse tipo de parceria, mas

que possibilita compreender a crescente onda gerencial do Estado, que vem abrindo

caminho para que a prestação educacional pública seja deliberada por interesses

privados, distanciando-se do interesse público e assumindo uma postura mercadológica.

De forma geral, a pesquisa se propõe a investigar o problema sob a ótica de dois

eixos: 1) Como se dá a parceria entre o Instituto Península e o setor público? Tal relação

é lícita? Há participação democrática? Que educação que está sendo proposta? Quais os

reais beneficiários? 2) Por que a família Diniz está apostando na educação? Por que o

poder público está aderindo a essa proposta? Quais os discursos por trás dessa

iniciativa?

Para tanto, far-se-á uso da hermenêutica jurídica (MASCARO, 2013) e da

análise do discurso (ORLANDI, 2009), para tentar entender tal relação junto aos

principais parceiros institucionais: CONSED, Estado de Minas Gerais, MEC, Prefeitura

de São Paulo e UNDIME.

Discussão dos resultados

O caso em questão não se dá de forma isolada, mas dentro de um contexto

maior, em que a educação pública é loteada aos investimentos privados como espaço

privilegiado para a reprodução do capital, seja por meio de lucros diretos, seja pela

possiblidade de expansão da ideologia liberal e a habilitação para o mercado de trabalho

(GARCIA; ADRIÃO, 2018). O Projeto Impulsiona é uma iniciativa recente e que se

mostra difundido em todo território nacional. Estudá-lo representa a aferição pragmática

da forma como as relações entre o público e o privado se estabelece no âmbito do

cenário educacional local e, até mesmo, mundial, em que se privilegia o protagonismo

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social da iniciativa privada em face à gestão pública direta. Particularmente, esse caso é

paradigmático, uma vez que explora prioritariamente o protagonismo do professor

dentro do espaço escolar, passando a participar diretamente na formação profissional e

na elaboração das práticas pedagógicas (HILL, 2003). Ainda, além da perspectiva

formal do programa e suas orientações com as tendências globais, é premente investigar

as motivações individuais que norteiam os sócios e gestores.

Em especial, o estudo das formalidades contratuais nas relações entre público e

privado mostra-se salutar em face do Brasil constituir-se juridicamente enquanto Estado

Democrático de Direito (art. 1º da CF/88), o que, nos dias atuais, tem se evidenciado em

um cenário de disputa, em que o jus positivismo é instrumentalizado para legitimar

discursos de poder. Caso da recente não renovação do contrato entre o Ministério da

Educação (MEC) e a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), por conta de

irregularidades formais na contratação: plano de trabalho genérico, ausência de

cláusulas essenciais ao acordo, não apreciação pela Agência Brasileira de Cooperação,

não aprovação prévia pelo órgão jurídico ministerial, ausência de detalhamento da

execução orçamentária, falta de publicação no Diário Oficial da União (MEC, 2019). O

Consultor Jurídico do MEC – Rodrigo Pirajá57

– alega que a decisão não incidiu sobre o

mérito dos serviços prestados e que o Ministro da Educação determinou a realização de

um ―pente-fino‖ nos atuais contratos da pasta (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019).

Em nota oficial, a OEI informou que não foi ouvida pelo órgão público e que são

exemplos das ações desenvolvidas nessa parceria: ―o Programa Bilinguismo com foco

no fortalecimento da língua portuguesa, incluindo a atuação junto a escolas de fronteira,

o Programa Primeira Infância e Educação, o Programa Ibero-americano de Educação

em Direitos Humanos, Democracia e Cidadania‖ (G1, 2019). Ainda nessa seara, há o

caso do Compromisso Nacional pela Educação Básica, firmado entre MEC, CONSED

e UNDIME, em que o único documento disponível é um powerpoint (BRASIL, 2019),

elaborado por meio de tópicos e que não esmiúça de forma transparente como o governo

irá implementar, na prática, tais compromissos. Estariam as políticas públicas

submetidos ao mero juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública?

Parece-nos que não, afinal, como fiscalizar a atuação do gestor público sem o devido

57

Na gestão municipal de São Paulo de Fernando Haddad (PT), Rodrigo Pirajá Wienskoski foi diretor-

presidente da SP Negócios (DIREITO, 2016), ―uma empresa de economia mista, vinculada à Secretaria

Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico da cidade de São Paulo, que tem como finalidade

promover um crescimento econômico bem distribuído pela cidade por meio de investimento privado‖

(NAPRATICA.ORG, 2015). Também, na gestão de João Dória (PSDB) na cidade, foi ―chefe de gabinete

na secretaria encarregada de tocar as privatizações prometidas pelo novo prefeito‖ (ESTADÃO, 2017).

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formalismo e transparência58

? Diante destes dois casos, o direito passa a ser empregado

pelo poder público com ―um peso e duas medidas‖.

Conclusão

Diante desse pequeno recorte da incidência do programa junto ao poder público,

salta-nos aos olhos alguns aspectos que nos estimula a investigar a qualidade de tais

iniciativas. De antemão, percebe-se a dissonância entre o discurso motivador da parceria

e o cumprimento de diretrizes que pautam a valorização da cultura local e do

protagonismo dos atores educacionais na escolha das políticas públicas. Nessa primeira

leitura dos fatos, evidencia-se a escolha de práticas esportivas pautadas em um

pseudopluralismo, que desconsidera a realidade fática das escolas brasileiras. Afinal, os

cursos ofertados, em sua maioria, guardam uma proximidade no fato de serem

tradicionalmente desconhecidos da prática esportiva popular nacional e inexistir, a

priori, estrutura física própria para as práticas educacionais propostas. E nem mesmo,

quando da aquisição de novos ―kits esportivos‖, há uma relação direta entre os materiais

e as modalidades disponibilizadas à formação dos educadores. Além disso, não há, na

divulgação dessa iniciativa, a transparência do poder público em demonstrar a

preocupação com a participação democrática dos sujeitos educacionais da rede pública

quanto às reais necessidades locais para o desenvolvimento da questão pedagógica que

tangencia a prática de esportes. O que percebemos, de início, é uma prática

descontextualizada e pautada na lógica do modelo Top-Down, o que acaba por gerar

incoerências e que, ao invés de solucionar o problema, acaba gerando muitos outros

para a administração e para os sujeitos da educação. Interessante perceber, que o

relatório de análise – supramencionado – parte de agentes externos à parceria,

colocando sob suspeita o protagonismo do poder público na execução de seu papel

enquanto fiscalizador das práticas que se dão dentro de suas competências legais. Por

fim, há, na exposição de motivos dessa parceria, eventuais interesses escusos das partes

contratantes, que não são facilmente evidenciados pela simples leitura das divulgações

oficiais, afinal, por exemplo, por que uma família tradicionalmente conhecida por sua

imponente presença no setor varejista estaria apostando no setor educacional? Bem

como, toda essa suposta gratuidade estaria sendo suportada por quem? Estaríamos

58

Cf. ―A democracia e o poder invisível‖ (BOBBIO, 1986).

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diante de um legítimo ato de filantropia? Uma ―tacada de sorte‖ na tentativa de

melhorar e educação brasileira?

Referências

BOBBIO, N. A democracia e o poder invisível. In.: O futuro da democracia: uma

defesa das regras do jogo. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 82-105.

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Secretaria

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01 jul. 2019.