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Nº 47– 2013– ANO VIII

Capa: Global warming /Ilustração: gs-designe.se

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Mudança climática 2013: a Terra mais quente!O volume “Climate Change 2013: Physical Science Basis” produzido pelo IPCC confirma que as emissõesde GEE induzem alterações significativas em todos os componentes do sistema climático. Por UNEP

Entenda o papel das atividades humanas nas mudanças climáticasA flutuação natural da temperatura terrestre dá lugar a um aquecimento rápido induzido pela açãohumana, com sérias consequências para a estabilidade do clima no planeta. Por BBC Brasil

Mudanças climáticas: Brasil + quente e secoCom aumento da temperatura e queda das chuvas, a floresta amazônica pode virar savana até 2100 –um cenário que ameaça desencadear crise nos setores agropecuário e energético do país.Por Clarissa Neher / Nádia Pontes

Em defesa do IPCCNuma façanha de cooperação científica global, o IPCC mostra a realidade das mudanças climáticas,embora as recentes controvérsias apontadas no relatório pelos “negacionistas” tentem desacreditar ainstituição. Por Damian Carrington

A Constituição em perigoA bancada ruralista tenta tornar legais as transgressões da lei fundamental. A primeira vítima foi oCódigo Florestal. Agora querem legalizar o esbulho de terras indígenas em nome de um indefensáveldesenvolvimentismo. Por Manuela Carneiro da Cunha

O equilíbrio ambiental das áreas úmidasO manejo sustentável e proteção desses nichos devem ter alta prioridade para a governança globalneste momento em que a privatização das áreas públicas representa um grave problema ao equilíbriosocioambiental. Entrevista com Wolfgang Junk

A insustentável sociedade de consumoAlém de reduzir o ser humano ao seu poder de compra, a lógica do “compro, logo existo” precisa sermodificada em direção a formas mais sustentáveis, tanto do ponto de vista social quanto ambiental. PorChris Bueno, da ComCiência

‘O meio ambiente virá sempre em quarto lugar?’O diretor-executivo do Pnuma justifica importância do valor econômico da natureza já que meioambiente e desenvolvimento sustentável são indissociáveis. Entrevista com Achim Steiner por DanielaChiaretti/Valor Econômico

Roça sem fogo: o trio da produtividadeUma nova alternativa agroecológica para o cultivo de mandioca elimina o sistema de derruba-e-queima, reduz a emissão de gases de efeito estufa e protege a biodiversidade amazônica. Por RaimundoNonato Brabo Alves e Moisés de Souza Modesto Júnior

“A democracia brasileira é limitada e não garante a soberania popular”Não há contradição entre as duas propostas de Reforma Política – a da iniciativa popular e a doplebiscito popular – porque ambas têm como objetivo uma reforma radical do sistema político emdireção à verdadeira democracia. Entrevista com Ivo Lesbaupin

Gestão ambiental e marketing verdeSerão os sistemas de gestão ambiental benéficos apenas do ponto de vista do marketing ou imperativosjá que relacionados à sobrevivência da humanidade. Por Mendonça, E.., Spezzano, L., Biasetto, R.P.,Mascaro, A.R., Marciliano da Costa,C.M.

Economia sustentável respeita os princípios da ecologiaOs últimos 50 anos de atividade econômica respondem pela depredação de 60% dos ecossistemas. Oatual modus operandi de obsolescência programada imposta pelo sistema econômico só polui e devastao meio ambiente. Por Marcus Eduardo de Oliveira

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E D I T O R I A L

Caros amigos,

Embora mais uma vez e sempre contestado pelos negacionistas

das mudanças climáticas, o novo relatório 2013 do IPCC sobre a

alarmante alteração da dinâmica climatológica planetária terá de

repercutir nas ações e decisões políticas da governança global. Os

adoradores do “mercado” vão espernear ainda mais forte, e irrigar

com bilhões de dólares as campanhas midiáticas para desacreditar

as centenas de cientistas e organizações que, reunidos no IPCC,

apontam a raiz da questão climática: a sempre crescente taxa de

emissão dos gases de efeito estufa (GEE) pela ação humana. O

que coloca em xeque o atual modelo de produção e consumo, como

bem sintetiza o escritor e pensador Eduardo Galeano no texto “O

Império do Consumo”, de onde extraímos o trecho abaixo:

“... A expansão da demanda se choca com as fronteiras impostas pelo mes-

mo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos

e mais amplos tanto quanto os pulmões precisam de ar e, ao mesmo tempo,

requer que estejam no chão, como estão, os preços das matérias-primas e da

força de trabalho humana. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos

suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora;

mas não tem jeito: para quase todo o mundo esta aventura começa e termina

na telinha da TV. A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina

tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas que geram novas dívidas, e

acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos. O

direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos.

... Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales.”

As consequências do aquecimento global para nosso país são rela-

cionadas nas conclusões do Painel Brasileiro de Mudanças Cli-

máticas (PBMC) que publicamos: o desleixo com o planeta tam-

bém amargará nosso cotidiano via crise nos setores agropecuário

e energético, savanização da Amazônia, desertificação, chuvas e

estiagens desproporcionais, entre outros infortúnios liberados da

caixa de Pandora climática.

Outros artigos menos sombrios desta edição apresentam soluções

que harmonizam a coabitação homem-natureza e garantem a im-

periosa sustentabilidade ambiental – única porta para escaparmos,

nós mesmos, da perdição.

Helio Carneiro

EditorEditada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

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Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

ISSN217-630X

047977217763007

Colaboraram nesta ediçãoAchim Steiner

Amanda Rossi MascaroBBC Brasil

Chris BuenoCintia Moreira Marciliano da Costa

Clarissa NeherComCiência

Damian Carrington BlogDaniela Chiaretti

Eduardo MendonçaGrida-ArendalIHU On-LineIvo Lesbaupin

Leandra de Mattos SpezzanoManuela Carneiro da CunhaMarcus Eduardo de Oliveira

Moisés de Souza Modesto JúniorNádia Pontes

PNUMAPortal EcoDebate

Raimundo Nonato Brabo AlvesRodrigo Pires Biasetto

Valor EconômicoWolfgang Junk

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Por UNEP / United Nations Environment Program

O relatório “Climate Change 2013: Physical Science Basis” produzido

pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) con-

firma que as emissões de gases de efeito estufa induzem alterações sig-

nificativas nos oceanos, nas calotas polares, nas geleiras, na biosfera e

em todos os componentes do sistema climático. Mais uma vez, o rela-

tório aponta que desde 1950, pela ação do homem, a Terra continua a

esquentar, fato responsável por mudanças ambientais sem precedentes

que já impactam negativamente as sociedades e a natureza.

MUDANÇA CLIMÁTICA 2013A TERRA MAIS QUENTE!

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Em 23 de setembro último, em Estocol-mo, foi apresentado o volume “Climate

Change 2013: Physical Science Basis” dorelatório produzido pelo Painel Intergover-namental sobre Mudanças Climáticas(IPCC), criado pela Organização Meteoroló-gica Mundial (OMM) e pelo Programa Am-biental das Nações Unidas (PNUD), em 1988.

O relatório de avaliação do IPCC anterior, di-vulgado em 2007, relatou as evidências an-tropogênicas do aquecimento global como“inequívocas”, com pelo menos nove entre10 chances de acerto. O novo relatório reafir-ma a premissa e confirma que as emissões deGEE nas concentrações atuais induzem alte-rações nunca antes verificadas ao longo demilênios nos componentes do sistema climá-tico. E alerta para o fato que a limitação e/oumitigação das mudanças climáticas requerreduções significativas e sustentadas dasemissões de dióxido de carbono (CO2) e deoutros gases de efeito estufa.

O papel do IPCC é fornecer aos governosmundiais informações de interesse políticosobre as mudanças climáticas. Este QuintoRelatório de Avaliação (AR5) deverá serconsiderado pelos responsáveis que ne-gociarão, em 2015, o novo acordo no âmbi-to da Convenção-Quadro das Nações Uni-das sobre Mudança do Clima (UNFCCC).

“O relatório do IPCC demonstra que de-vemos reduzir significativamente as emis-sões globais de gases de efeito estufa a fimde evitarmos os piores efeitos das mudan-ças climáticas. O estudo também contémnovos e importantes conhecimentos cien-tíficos que podem ser usados para gerarinformações e serviços sobre o clima e,assim, ajudar a sociedade a se adaptaraos impactos das mudanças climáticas”,disse o secretário-geral Michel Jarraud.

“A mudança climática é um desafio de lon-go prazo, que exige ação urgente – nãoamanhã, mas hoje e agora – dado o ritmo ea escala pelos quais os gases de efeito es-tufa estão se acumulando na atmosfera e orisco do aumento da temperatura em mais2Co”, alertou o subsecretário-geral da ONUe Diretor Executivo do PNUMA, Achim Stei-ner. “Os que quiserem se ater aos pontosde interrogação científica do relatório têmtodo o direito de fazê-lo. Mas, hoje, temosde nos concentrar nos fundamentos e nasações. Caso contrário, os riscos que corre-mos vão ficar maiores a cada ano.”

Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal

“É absolutamente crítico estabelecermos em2015 um novo acordo climático mundialcom a chancela da ONU e lastreado em ini-ciativas voluntárias de apoio aos progra-mas que gerenciam poluentes climáticos decurta duração, como, por exemplo, o car-vão. Como indicam as perspectivas da in-clusiva economia verde, os benefícios datransição para um futuro de baixo carbonosão múltiplos: da melhoria da saúde públi-ca, da segurança alimentar e da geração deempregos ao combate às mudanças climáti-cas para os dias que correm e para as futu-ras gerações”, acrescentou Steiner.

PRINCIPAIS CONCLUSÕES DO RELATÓRIO■ A temperatura média global da superfícieaumentou 0,89°C de 1901 a 2012. Desde 1850,cada uma das três últimas décadas tem sidomais quente do que todas as anteriores. NoHemisfério Norte, os últimos trinta anos(1983-2012) foram provavelmente o maisquentes dos últimos 1400 anos. A primeiradécada do século 21 foi a mais quente detodas (o relatório The Global Climate 2001-2010, da OMM, estima em 14,47°C a tempe-ratura média superficial global). As tempe-raturas médias globais provavelmente au-mentarão em outros 0,3°C a 0,7°C durante operíodo 2016-2035. Para o período 2081-2100,a temperatura média da superfície global pro-vavelmente ultrapassará a observada nos

Caso as concentrações de gases de efeito estufa continuem a aumentar,é certo a ocorrência de mudançasclimáticas com potenciais consequências sobre o meio ambiente e todos os setores socioeconômicos –tais como saúde, agricultura, florestas, recursos aquíferos, áreas costeiras e biodiversidade.Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal

níveis pré-industriais em 1,5°C ou até (de-pendendo das futuras emissões de gasesde efeito estufa) em 2°C.

■ Alterações que levam a condições mete-orológicas extremas e a eventos climáticosinabituais têm sido observadas desde 1950.É muito provável que em escala global onúmero de dias e de noites frias tenha dimi-nuído e aumentado o número de dias e denoites quentes. Em grandes partes da Euro-pa, Ásia e Austrália é provável que a frequ-ência de ondas de calor tenha aumentado.

■ É praticamente certo que a camada superiordo oceano (até 700m) tenha sofrido aquecimen-to no período 1971-2010. O oceano profundoabaixo de 3000m também provavelmente seaqueceu desde os anos 1990, quando as ob-servações confiáveis tornaram-se disponíveis.O aquecimento do oceano responde pela maio-ria das alterações na quantidade de energia solararmazenada pela Terra – da ordem de 93% entre1971 e 2010. Em escala global, o oceano conti-nuará a se aquecer durante o século 21. A partirda superfície, o calor chegará às águas profun-das e afetará a circulação oceânica.

■ Desde meados do século 19, a taxa de ele-vação do nível do mar tem sido maior do quea taxa média nos dois milênios anteriores. Onível médio global do mar subiu 19 centíme-

IMPACTOS POTENCIAIS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

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Fonte: Informações colhidas nos boletins dedivulgação do volume “Climate Change 2013:Physical Science Basis”, parte do relatório pro-duzido pelo Painel Intergovernamental sobreMudanças Climáticas (IPCC) em www.unep.org/newscentre/Default.aspx?DocumentID=2726&ArticleID=9633&l=en. Aconselha-mos visita ao site do IPCC (www.ipcc.ch/) paradownload do arquivo “Working Group I Con-tribution to the IPCC Fifth Assessment Report– Climate Change 2013: The Physical ScienceBasis – Summary for Policymakers” – e acom-panhar o calendário de reuniões dos Gruposde Trabalho que culminarão no relatório finala ser divulgado em 27-31 de outubro de 2014,em Copenhagen, Dinamarca

O que é mudança climática?O clima do planeta muda constantemente ao longo do tempogeológico. A temperatura média global, hoje, é de cerca de 15ºC,mas as evidências geológicas sugerem que já foi muito maior oumuito menor em épocas passadas. Entretanto, o atual período deaquecimento está ocorrendo de maneira mais rápida do que emmuitas ocasiões no passado. Os cientistas estão preocupados deque a flutuação natural, ou variabilidade, esteja dando lugar aum aquecimento rápido induzido pela ação humana, com sériasconsequências para a estabilidade do clima no planeta.

O que é ‘efeito estufa’?O efeito estufa se refere à maneira como a atmosfera da Terra“prende” parte da energia do Sol. A energia solar irradiada(que volta) da superfície da Terra para o espaço é absorvidapor gases atmosféricos e reemitida em todas as direções. Essaenergia que irradia para o espaço volta ao planeta, aquecen-do tanto a baixa atmosfera quanto a superfície da Terra. Semesse efeito, a Terra seria 30ºC mais fria, deixando as condi-ções no planeta hostis à vida. Os cientistas acreditam queestamos contribuindo para o efeito natural de estufa via gasesemitidos pela indústria e pela agricultura, que absorvem maisenergia e aumentam a temperatura.

O vapor de água é o mais importante desses gases no efeitoestufa natural, embora suas concentrações mostrem pouca mu-dança. Outros gases do efeito estufa incluem dióxido de car-bono, metano e óxido nitroso, que são liberados pela queimade combustíveis fósseis. O desmatamento contribui para seuaumento ao eliminar florestas que absorvem carbono.

ENTENDA O PAPEL DAS ATIVIDADES HUMANAS NAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

tros de 1901-2010 devido ao aumento de aque-cimento dos oceanos e ao derretimento degeleiras e das coberturas de gelo. A taxa deelevação acelerou-se entre 1993 e 2010, e émuito provável que aumente ainda mais du-rante o século 21, e depois dele. O relatórioobserva que, durante o último período inter-glacial, quando o clima foi 2oC mais quentedo que o dos níveis pré-industriais, os níveismáximos do mar em escala global eram 5 a 10metros mais altos do que são hoje.

■ A água do mar tornou-se mais ácida (seupH diminuiu em 0,1) desde o início da eraindustrial devido às emissões de dióxidode carbono promovidas pela humanidade.O processo de acidificação continuará du-rante o século 21.

■ É muito provável que a cobertura de gelodo mar Ártico continue a encolher e afinar, eque no hemisfério norte a cobertura de neveda primavera míngue durante o século 21, jáque a temperatura média da superfície ter-restre em escala mundial continuará a ele-var- se. Alguns cenários preveem um Ocea-

no Ártico quase despojado de gelo em se-tembro antes de meados do século.

■ Sabe-se com certeza que em todos osquadrantes as geleiras continuarão a en-colher e a perder massa, com poucas exce-ções. Em 2100, o volume glacial pode, emum dos cenários, diminuir ainda mais, naordem de 35-85%. E sabe-se que a exten-são da cobertura de neve do HemisférioNorte tem encolhido desde meados do sé-culo 20, especialmente na primavera, umdeclínio que também vai continuar.

■ É provável que a influência humana tenhaafetado o ciclo global da água e seus padrõesdesde 1960. Por exemplo, nas últimas déca-das, a precipitação aumentou nas áreas terres-tres de latitudes médias do Hemisfério Norte

■ Mais de 250 cientistas e três anos detrabalho foram necessários para compor ovolume “Physical Science Basis” do Quin-to Relatório de Avaliação do IPCC. Volu-mes adicionais sobre impactos, mitigaçãoe uma síntese serão lançados no correr do

próximo ano. O IPCC não realiza novas pes-quisas. Seu escopo é fazer avaliações polí-ticas relevantes da literatura mundial exis-tente sobre os aspectos científicos, técni-cos e socioeconômicos das mudanças cli-máticas. Os relatórios produzidos têm de-sempenhado importante papel aos inspirargovernos na adoção e implementação daConvenção-Quadro das Nações Unidassobre Mudança do Clima. ■

Desde o início da revolução industrial, em 1750, os níveis dedióxido de carbono (CO2) aumentaram mais de 30%, e osníveis de metano cresceram mais de 140%. A concentração deCO2 na atmosfera é agora maior do que em qualquer mo-mento nos últimos 800 mil anos.

Qual é a evidência sobre o aquecimento?Os registros de temperatura, a partir do fim do século 19,mostram que a temperatura média da superfície da Terra au-mentou cerca de 0,8ºC nos últimos cem anos. Cerca de 0,6ºCdesse aquecimento ocorreu nas últimas três décadas. Dadosde satélites mostram um aumento médio nos níveis do mar decerca de três milímetros por ano nas últimas décadas. Umagrande proporção da mudança nos níveis do mar se deve àexpansão dos oceanos pelo aquecimento. Mas o derretimentodas geleiras de montanhas e das camadas de gelo polar tam-bém contribui para isso.

A maioria das geleiras nas regiões temperadas do mundo ena Península Antártica está encolhendo. Desde 1979, regis-tros de satélites mostram um declínio dramático na extensãodo gelo no Ártico, a uma taxa anual de 4% por década. Em2012, a extensão de gelo alcançou o menor nível já registra-do, cerca de 50% menor do que a média do período entre1979 e 2000.

O manto de gelo da Groenlândia registrou um derretimentorecorde nos últimos anos. Se a camada inteira, de 2,8 milhõesde quilômetros cúbicos, derretesse, haveria um aumento de 6metros nos níveis dos mares.

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Este gráfico lista alguns dos principais gases de efeito estufa (GEE, como o dióxido de carbono, metano e freons) e suas concentra-ções em épocas pré-industriais e em 1994; meia-vida na atmosfera; fontes antropogênicas; e Potencial de Aquecimento Global. OsGEE constituem fator-chave no aquecimento global por captarem o calor irradiado na atmosfera e o refletirem de volta na atmosfera.Fonte: Coleção Vital Climate Graphics, 2005. Autoria: Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal. Link: http://www.grida.no/publications/vg/climate/page/3060.aspx

Dados de satélites mostram que a capa de gelo do oeste daAntártica também está perdendo massa, e um estudo recenteindicou que o leste da Antártica, que não havia mostrado ten-dências claras de aquecimento ou resfriamento, também podeter começado a perder massa nos últimos anos. Mas os cientis-tas não esperam mudanças dramáticas. Em alguns lugares, amassa de gelo pode aumentar, na verdade, com as temperatu-ras em alta provocando mais tempestades de neve.

Os efeitos de uma mudança climática também podem ser vis-tos na vegetação e nos animais terrestres. Isso inclui também oflorescimento e frutificação precoces em plantas e mudançasnas áreas ocupadas pelos animais terrestres.

Há uma pausa no aquecimento?Alguns especialistas argumentam que desde 1998 não houve umaquecimento global significativo, apesar do aumento contínuonos níveis de emissão de CO2. Os cientistas tentam explicar issode várias formas. Isso inclui: variações na emissão de energiapelo Sol, um declínio no vapor de água atmosférico e uma maiorabsorção de calor pelos oceanos. Mas até agora, não há umconsenso geral sobre o mecanismo preciso por trás dessa pausa.Os céticos das mudanças climáticas destacam essa pausa comoum exemplo da falibilidade das previsões baseadas em mode-los climáticos computadorizados. Por outro lado, os climatolo-gistas observam que o hiato no aquecimento ocorre em ape-nas um dos componentes do sistema climático – a média glo-bal da temperatura da superfície –, e que outros indicadores,como o derretimento do gelo e as mudanças na fauna e naflora demonstram que a Terra continua a se aquecer.

Quanto as temperaturas vão aumentar no futuro?Em seu relatório de 2007, o IPCC previa um aumento da tempe-ratura global entre 1,8ºC e 4ºC até 2100. Mesmo que as emis-sões de gases do efeito estufa caiam dramaticamente, os cientis-tas dizem que os efeitos continuarão, porque alguns constituintesdo sistema climático, particularmente os grandes corpos de águae gelo, podem levar centenas de anos para responder a mudan-ças na temperatura. Também leva décadas para que os gases doefeito estufa sejam removidos da atmosfera.

Quais serão os impactos disso?A escala do impacto potencial é incerto. As mudanças podemlevar à escassez de água potável, trazer mudanças grandes nascondições para a produção de alimentos e aumentar o númerode mortes por inundações, tempestades, ondas de calor e secas.

Os cientistas preveem mais chuvas em geral, mas dizem que orisco de seca em áreas não costeiras deverá aumentar duranteos verões mais quentes. Mais inundações são esperadas porcausa de tempestades e do aumento do nível do mar. Deveráhaver, porém, muitas variações regionais nesse padrão. Ospaíses mais pobres, que estão menos capacitados para lidarcom a mudança rápida, deverão sofrer mais.

A extinção de plantas e animais está prevista, por conta demudanças nos habitats mais rápidas do que a capacidade deadaptação das espécies a estas. A Organização Mundial daSaúde (OMS) advertiu que a saúde de milhões de pessoaspode ser ameaçada por aumentos nos casos de malária, do-enças transmitidas pela água e malnutrição.

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PRINCIPAIS GASES DE EFEITO ESTUFA

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O aumento na absorção de CO2 pelos oceanos pode levá-los a setornar mais ácidos. Esse processo de acidificação em andamentopoderia provocar grandes problemas para os recifes de corais, jáque as mudanças químicas impedem os corais de formar um es-queleto calcificado, que é essencial para sua sobrevivência.

O que não sabemos?Os modelos computadorizados são usados para estudar a dinâ-mica do clima na Terra e fazer projeções sobre futuras mudançasde temperatura. Mas esses modelos climáticos diferem sobre a“sensibilidade climática” – a quantidade de aquecimento ou esfri-amento que ocorre por conta de um fator específico, como aelevação ou a queda na concentração de CO2. Os modelostambém diferem na forma como expressam “feedback climático”.

O aquecimento global deverá provocar algumas mudanças comprobabilidade de criar mais aquecimento, como a emissão degrandes quantidades de gases do efeito estufa com o derreti-mento do permafrost (gelo eterno da superfície da Terra). Isso éconhecido como feedback climático positivo (no sentido de adi-cionar calor). Mas também existem os feedbacks negativos, quecompensam o aquecimento. Por exemplo, os oceanos e a terraabsorvem CO2 como parte do ciclo do carbono. A questão ésaber qual o resultado final da soma dessas variáveis.

As inundações vão nos atingir?Detalhes vazados do relatório a ser apresentado nesta sema-na indicam que no pior cenário traçado pelo IPCC, com omaior nível de emissões de dióxido de carbono, os níveis dosmares no ano 2100 poderiam subir até 97 centímetros.

Alguns cientistas criticam os modelos usados pelo IPCC paracalcular esse aumento. Usando o que é chamado de modelosemiempírico, as projeções para o aumento do nível do mar

podem chegar a 2 metros. Nessas condições, 187 milhões depessoas a mais no mundo sofreriam com inundações. Mas oIPCC deve dizer que não há consenso sobre o enfoque semi-empírico e manterá o dado pouco inferior a 1 metro.

O que vai acontecer com os ursos polares?O estado dos polos Norte e Sul tem sido uma preocupação cres-cente para a ciência, conforme os efeitos do aquecimento global setornam mais intensos nessas regiões. Em 2007, o IPCC disse queas temperaturas no Ártico aumentaram quase duas vezes maisque a média global nos últimos cem anos. O relatório destacouque a região pode ter uma grande variação, com um períodoquente observado entre 1925 e 1945. Nos rascunhos do relatóriorecém-publicado, os cientistas dizem que há uma evidência maiorde que as camadas de gelo e as geleiras estão perdendo massa eque a camada de gelo está diminuindo no Ártico.

Em relação à Groenlândia, que por si só tem a capacidade deaumentar os níveis globais dos mares em 6 metros, o painel dizestar 90% certo de que a velocidade da perda de gelo entre 1992e 2001 aumentou seis vezes no período entre 2002 e 2011.Enquanto a extensão média do gelo no Ártico caiu cerca de 4%por década desde 1979, o gelo na Antártica aumentou até 1,8%por década no mesmo período.

Para o futuro, as previsões são bastante dramáticas. No piorcenário traçado pelo IPCC, um Ártico sem gelo no verão éprovável até o meio deste século. E a perspectiva para os ursospolares e para outras espécies que vivem nesse ambiente nãoé bom. Haverá bolsões de gelo marítimo em alguns maresmarginais. Esperamos que os ursos polares sejam capazes desobreviver no verão nesses bolsões de gelo remanescentes. ■

Fonte: BBC Brasil reproduzida no portal EcoDebate (27/09/2013).

Este gráfico apresenta as fontes de GEE que contribuem para a mudança climática e seus relativosefeitos “radiative forcing”(radiative forcing é a mudança no equilíbrio entre a radiação que chega à atmosfera e a radiação expelida).Fonte: Coleção Vital Climate Graphics, 2005. Autoria: Philippe Rekacewicz, UNEP/GRID-Arendal. Link: http://www.grida.no/publications/vg/climate/page/3060.aspx

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FONTES DE GASES DE EFEITO ESTUFA

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Mudanças climáticas:

Com aumento da temperatura e queda das chuvas floresta ama-zônica pode virar savana até 2100. Cenário ameaça desencade-ar crise nos setores agropecuário e energético.

Até 2100, a robusta floresta amazônicapode dar lugar a uma paisagem domi-

nada pela savana. A Caatinga, bioma dosemiárido mais rico em fauna e flora domundo, vai virar deserto. Em todo o territó-rio nacional, a temperatura média pode au-mentar 6ºC. As projeções fazem parte doprimeiro estudo que analisa os efeitos dasmudanças climáticas no Brasil, apresenta-dos no Painel Brasileiro de Mudanças Cli-máticas (PBMC) realizado em setembro.

Com um Brasil mais quente e mais seco, osetor energético e a agricultura serão osmais atingidos. “Essas informações cien-tíficas devem ser consideradas no plane-jamento energético do país. Para a agri-

Brasil + quente e seco

cultura é a mesma coisa”, avalia AndreaSantos, secretária-executiva do PBMC. Nofuturo, a mudança de cenário vai forçar amigração de algumas culturas – como a docafé, que precisa de um clima mais ameno.“Esses impactos no setor agrícola vão de-mandar melhoramento genético e recursospara a adaptação”, complementa Andrea.

“Daqui a 100 anos, a agricultura brasi-leira terá que ser diferente para se adap-tar às mudanças climáticas”, sentenciaCarlos Nobre, membro do Painel Intergo-vernamental sobre Mudanças Climáticas(IPCC) e secretário do Ministério da Ciên-cia, Tecnologia e Inovação. “Não é muitocorreto fazer previsões e dizer que não

haverá adaptação que faça frente”, adici-ona, lembrando que medidas de adaptaçãoestão em curso.

FORÇA-TAREFA NACIONAL

O relatório é fruto do trabalho de 345 pes-quisadores. Eles vasculharam as publica-ções científicas dos últimos seis anos e orelatório do IPCC. Concluíram que, até 2100,a queda no volume de chuvas na Amazô-nia deve chegar a 45%, e a temperaturaaumentará até 6°C na região. Somadas aosefeitos do desmatamento, as mudanças cli-máticas vão contribuir para a savanização.

Os cenários climáticos previstos pelo rela-tório apontam o aumento das secas e estia-

por Clarissa Neher / Nádia Pontes

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gens prolongadas não só na Amazônia, mastambém no Cerrado e na Caatinga e uma ele-vação da temperatura em todo o país, cau-sando alterações nos ecossistemas.

Para a Caatinga, é esperada uma elevaçãode até 4,5°C na temperatura e uma reduçãode até 50% da precipitação. “Essas mudan-ças podem desencadear o processo de de-sertificação”, conclui o relatório. No Cer-rado, para o mesmo período, estima-se umaumento de 5,5°C e uma diminuição de 45% no volume de chuva.

Já nos Pampas, deve ocorrer um aumentode 40% na precipitação e de 3°C na tempe-ratura até 2100. Apesar de as previsões te-rem sido formuladas para ao longo do sé-culo, algumas transformações no clima jápodem ser percebidas atualmente.

“Nós já observamos aumento de tempera-tura e alteração no padrão de precipita-ção em várias regiões do Brasil, bem comoo aumento das frequências de eventos cli-máticos extremos como chuvas e inunda-ções”, afirma Paulo Artaxo, coordenador doprograma da Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de São Paulo (Fapesp)sobre estudos em mudanças climáticas, quetambém participou do relatório.

CRISE ANUNCIADA

As periferias nas grandes cidades são asregiões mais expostas aos efeitos das mu-danças climáticas. “O processo desordena-do de ocupação gerou grande vulnerabili-dade”, pontua Nobre. Há algumas déca-das, catástrofes provocadas por chuvas in-tensas, por exemplo, eram registradas a cadadez anos. Atualmente, são de dois a trêsepisódios por ano.

Outro impacto muito sério apontado porNobre é a tendência de haver menos águadisponível na região semiárida do Nordes-te. “Essa é a região semiárida mais popu-losa do mundo. Vai faltar água para o abas-tecimento humano. Agricultura vai se tor-nar menos provável no futuro.” A região,marcada pela seca, já sofre especialmentecom a falta de chuva dos últimos dois anos.

Se globalmente não houver uma rápida re-dução dos gases, a região da América doSul deve ser uma das mais afetadas do mun-do – a grande biodiversidade, principalmenteda Amazônia, corre um sério risco. “Até 40%das espécies podem não conseguir sobre-

viver”, comenta Nobre. A equação é intan-gível: ainda não existem estudos que quan-tifiquem economicamente o que o desapa-recimento de espécies significaria.

AUMENTO DO NÍVEL DO MAR

Além dessas mudanças, também já foramidentificadas a elevação do nível do mar,alterações nas características das massasde água do oceano e aumento da salinidadeem alguns locais. “O nível do mar estáaumentando e variações de 20 a 30 cmesperadas para o final do século 21 jádevem ser atingidas, em algumas locali-dades, até meados do século ou até antesdisso”, aponta o estudo.

No Brasil, essa alteração vem sendo repor-tada pela comunidade científica desde o

Fonte: Clarissa Neher / Nádia Pontes ,da Agência Deutsche Welle, DW, publicadapeloEcoDebate, 12/09/2013. As importantesconclusões a que chegou o Painel Brasileiro deMudanças Climáticas (PBMC) podem ser bai-xadas em http://www.pbmc.coppe.ufrj.br/pt/noticias/371-brasil-mais-quente-e-seco-pode-desencadear-crise

final dos anos 1980. A intensificação doprocesso erosivo na costa brasileira na úl-tima década é consequência, além da mu-dança dos padrões de ventos e ondas, tam-bém dessa elevação.

O principal vilão do aquecimento global sãoas emissões de gases de efeito estufa. As mai-ores fontes de emissão no país são o desma-tamento da Amazônia – apesar das reduçõessignificativas nos últimos anos –, o setor agro-pecuário, a indústria e o setor de transportecom a queima de combustíveis fósseis.

“COLCHA DE RETALHOS”

Para o coordenador do Programa de Mu-danças Climáticas e Energia do WWF Bra-sil, Carlos Rittl, o país ainda não desenvol-veu uma política integrada para enfrentar otema. “Apesar de algum progresso nos úl-timos anos, a agenda climática do Brasilainda é marginal e não integrada aosgrandes planos de desenvolvimento dopaís,” afirma Rittl.

A organização ambiental critica a destinaçãodos investimentos do setor de energia: cercade 700 bilhões de reais vão para os combus-tíveis fósseis, ou seja, 70% do total destina-do ao setor. Desta forma, o país desperdiça-ria o grande potencial das fontes renováveisde baixo impacto, como a eólica, solar, bio-massa e biocombustíveis, argumenta o WWF.

Outra contradição vista pelo grupo é o in-vestimento de mais de 107 bilhões de reaispara produção agrícola e expansão agro-pecuária, setor que liderou o ranking deemissões do país em 2010, responsável por35% do total. “Além de representar imen-sa pressão sobre as florestas nativas dopaís”, adiciona.

Falta coerência, na opinião do WWF Bra-sil. Governos e instituições financeiras têmque aumentar os seus investimentos emenergia renovável e sustentável e, aos pou-cos, devem eliminar os gastos em combus-tíveis fósseis. “O Brasil precisa seguir omesmo caminho. E não é o que está acon-tecendo até agora,” conclui Rittl. ■

diariodonordeste.com.br

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A temperatura deve aumentar 6°C na Amazônia.

No Cerrado, as chuvas devem diminuir 45%.

Estiagem: pecuária e agriculura afetadas.

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O mundo realmente acordou para a ameaça damudança climática na sexta-feira 2 de fevereirode 2007 , quando um relatório do Painel Intergo-vernamental sobre Mudanças Climáticas con-cluiu que as atividades da humanidade condu-zem – sem qualquer sombra de dúvida – ao peri-goso aquecimento global. Aquela data – e con-clusão – continua a ser um momento emblemáti-co. Tanto que o trabalho do IPCC foi reconheci-do com a atribuição do Prêmio Nobel da Paz ,partilhado com Al Gore.

Mas, como as coisas mudam... Em função dapublicidade negativa que recai sobre o recém-lan-çado relatório do IPCC, você seria perdoado sepensasse que as conclusões da equipe de cientis-tas são fruto de um grupo de “fanáticos verdes”,e não a maior façanha de cooperação científicamundial até hoje empreendida. Os estudos e rela-tórios do IPCC são aprovados e recebem o apoiode todas as nações do planeta , o que o tornaabsolutamente único e incontestável.

A mais recente “controvérsia” deu-se sobre o rela-tório especial do IPCC sobre energias renováveis .“Sua divulgação oficial foi sequestrada pelo Gre-enpeace, e o relatório real foi escamoteado durantesemanas”, berraram os críticos. Veja agora o queeles não conseguiram, por algum motivo, dizer.

1. O resumo destinado aos decisores políticos(Summary for policy makers / SPM) foi lançadoantes do relatório completo pela mesma razãoque confere ao IPCC sua influência exclusiva. OSPM é discutido e , em seguida, aprovado portodos os 194 países, o que significa que algumasalterações são feitas ao projeto. As alteraçõessugeridas precisam então ser incorporadas ao re-latório completo – 1000 páginas neste caso. Em-bora isso leve tempo, o SPM já está amplamentedisponível. Assim, não se pode divulgar o SPMcompleto até que as revisões sejam completadas.

2. Sven Teske, o cientista que trabalha para oGreenpeace , foi um dos nove principais autoresdo capítulo em questão, sendo que um deles tra-balhava para uma companhia de petróleo. A res-ponsabilidade final pelo capítulo – apenas 1 dos

11 que formam o relatório – foi delegada a doisdos principais autores. No total, 120 cientistasparticiparam da autoria do relatório, havendo ain-da 269 colaboradores e 340 ou mais revisores.

3. A parte da pesquisa sugerindo que 80% daenergia elétrica pode ser gerada a partir de fontesrenováveis até 2050 figurava em um relatório doGreenpeace. Mas muito mais relevante do quefigurar em relatório do Greenpeace é o fato de talconstatação ter sido aproada por revisores quali-ficados e publicada em respeitada revista científi-ca. E foi a última publicação, não a primeira, queavalizou a informação no relatório do IPCC.

4. O comunicado de imprensa para o relatórioespecial sobre energias renováveis deixa claroque mais de 160 cenários científicos para a ex-pansão das fontes de energia verdes foram exa-minados, com quatro analisados em profundida-de. O mais otimista sugere, em 2050, o uso de77% ; o menos otimista – citado no parágrafoseguinte – sugere apenas 15%.

Será que o IPCC cometeu erros em sua comunica-ção? Certamente. No relatório de 3.000 páginas ocor-reu a afirmação errônea sobre a possibilidade de asgeleiras do Himalaia derreter até 2035 – algo extre-mamente infeliz e contraproducente. A observaçãocrítica foi aprendida e implementada para tentar evi-tar repetições futuras, embora nenhum sistema pos-sa ser infalível num esforço tão gigantesco.

Será que o trabalho crucial do IPCC o colocaacima do escrutínio jornalístico ou crítica? Ab-solutamente, não. Os jornalistas devem traba-lhar sem medo ou favorecimento, o que eu fizem relação às informações contidas nos telegra-mas diplomáticos dos Estados Unidos obtidospelo Wikileaks sobre a forma como foram no-meadas algumas figuras importantes do IPCC.

Algumas críticas foram longe demais ao sugerir queos cientistas participantes de ONGs não deveriamparticipar como autores dos relatórios do IPCC.Você acha que a Nature, uma das editoras de perió-dicos científicos mais prestigiados do mundo con-cordaria? Claro que não. Na verdade, a editora as-

sume visão totalmente oposta. Um editorial naedição de agosto da Nature Climate Change afirma:

“A ampliação do círculo de conhecimento e deinformação das contribuições ao IPCC é essencialpara a evolução da organização, e a esse respeitoo relatório [sobre energia renovável ] deve ser elo-giado. Alguns dos maiores insights sobre comoenfrentar as mudanças climáticas podem vir de taldiversidade, seja na forma de autores ligados àindústria ou a escritórios de advocacia, a fontesde informação fora da mídia ou a meta-análises.”

É verdade que a percepção de polarização podeser prejudicial, mesmo se infundada. Mas essetipo de percepção provém de informação ten-denciosa, despida de contexto apropriado e omi-tindo fatos cruciais.

O escândalo real envolvendo o IPCC é completa-mente diferente. Para um corpo de única e tal im-portância global, seu secretariado é escandalosa-mente pequeno – apenas 12 funcionários. Não hámuito tempo, era apenas metade. Seu orçamentoanual é de apenas alguns milhões de dólares, comapenas um único profissional de comunicações. Éum milagre como conseguem trabalhar.

Como pode ser isso? Ironicamente, isso ocorre,mais uma vez, pela mesma razão que dá o IPCCsua autoridade inquestionável. Ora, o IPCC con-segue que 194 nações cheguem a acordo sobre oaquecimento global. Mas tente fazer que essasmesmas 194 nações concordem em aumentar suascontribuições pecuniárias à instituição...

O IPCC certamente precisa se comunicar melhor eprecisa de recursos para fazê-lo. Em minha opi-nião, isso é algo que vale a pena ser alardeado. ■

Damian Carrington – Com 15 anos de atividadejornalística, chefia a rubrica Meio Ambiente dojornal Guardian. Previamente atuou nas publica-ções Financial Times, New Scientist e BBC NewsOnline. Seus artigos e pontos de vista podem serapreciados no blog www.theguardian.com/environment/damian-carrington-blog

por Damian Carrington Blog

Em defesa do IPCC

Num das maiores façanhas de coope-ração científica global, o IPCC mostrouao mundo a realidade das mudançasclimáticas. No entanto, as recentes con-trovérsias apontadas no relatório pelos“negacionistas” tentam – sem sucesso– ignorar o verdadeiro escândalo.

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Ruralistas tentam tornar

legais as transgressões da

lei. Primeiro foi o Código

Florestal. Agora querem

legalizar o esbulho de ter-

ras indígenas

A Constituição em perigo

Manuela Carneiro da Cunha

Há 25 anos, em 1988, uma nova Constitui-ção afirmou que o país queria novos rumos.O Brasil aspirava a ser fraterno e justo.

O capítulo dos direitos dos índios na Cons-tituição de 1988 foi emblemático dessa pos-tura. Não tanto pelo reconhecimento dodireito dos índios à terra, que já figuravaem todas as Constituições do século 20.Mais significativo foi o abandono da ideia– esta do século 19 – de que a missão dachamada civilização consistia em fazer osíndios deixarem de ser índios. Em vez dis-so, pela primeira vez, celebrou-se a diversi-dade como um valor a ser preservado.

Em 1988, as expectativas de mineração econstrução de hidrelétricas em áreas indí-genas já eram contrárias à afirmação dosdireitos dos índios. No entanto, a Confe-deração Nacional dos Geólogos se opôsaos interesses das mineradoras e entendeuque as terras indígenas constituíam umareserva mineral. Ou seja, elas deveriam seras últimas a serem consideradas para mine-ração, quando o minério fosse de interesseestratégico indiscutível e não houvessealternativa no território nacional.

Na Constituinte, chegou-se finalmente a umacordo: exceções às garantias de usufruto ex-clusivo dos índios sobre suas terras, somenteem caso de relevante interesse da União. Foi oparágrafo 6º do artigo 231 da CF. O entendi-mento era de que cada caso seria debatido esua excepcionalidade comprovada.

Agora, 25 anos mais tarde, as exceções pre-tendem se tornar a regra. Como? Definindo –a pretexto de regulamentar o tal parágrafo – o“relevante interesse da União” de uma formatão genérica e tão ampla que tudo caiba nela.Pasme: passa a ser de “relevante interessenacional” qualquer mineração e hidrelétrica,é claro, além de estradas, oleodutos, gaso-dutos, aeroportos, portos fluviais e até as-sentamentos agrários. E no final, a pérola quetrai a origem da manobra: podem ser “de rele-vante interesse da União” até terras indíge-nas intrusadas, com títulos contestáveis.

Esse é o teor de um projeto de lei comple-mentar na Câmara, de origem ruralista, oPLP 227/2012. Outro projeto, de redaçãomais sutil, mas com efeitos até piores, foiapresentado recentemente pelo senadorRomero Jucá do PMDB de Roraima, e, semsequer ainda ter número, deve ter rápidatramitação. Deve-se reconhecer a esperte-za da manobra, que pretende acabar de umavez com todas as restrições.

O que está acontecendo? A bancada ru-ralista, aliada à bancada da mineração,está tomando conta do nosso Congres-so. Por outro lado, desde 1988, as terraspúblicas remanescentes foram sendodestinadas para se garantir o que inte-ressa ao Brasil como um todo, por exem-plo, a conservação ambiental.

A investida dos ruralistas, agora em posi-ção de força no Congresso – e, portanto,

no governo também – é no sentido de tor-nar legais todas as transgressões da leique já eram praticadas. Primeiro foi o Có-digo Florestal, desfigurado há dois anos,que anistiou os desmatamentos irregula-res. Agora querem legalizar o esbulho deterras indígenas.

Na tentativa de influenciar a opinião públi-ca, os ruralistas usam como fachada os pe-quenos agricultores. A situação hoje é a se-guinte: a definição de áreas de conservaçãoambiental e a demarcação de terras indíge-nas e de quilombolas estão paradas. Multi-plicaram-se os projetos de lei e de emendasconstitucionais que lhes são hostis.

Um exemplo gritante é a proposta de emen-da constitucional (PEC) 215, que quer tirardo Executivo e passar para o Congresso ademarcação das terras indígenas, o que,na prática, significa o fim das demarcações.

Por toda esta semana, índios e não índi-os protestam contra o desmantelamentodo capítulo “Dos Índios” na Constitui-ção Federal. Mas esse não é só um ata-que aos índios. É todo o nosso projetode futuro que está em jogo. ■

Manuela Carneiro da Cunha – Antropólo-ga, membro da Academia Brasileira de Ciênci-as e professora titular aposentada da Univer-sidade de São Paulo e da Universidade de Chi-cago. Artigo publicado na coluna Tendências/Debates, da Folha de S.Paulo (03/10/2013).

Valter Campanato/ABr

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O equilíbrio ambiental

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Entrevista com Wolfgang Junk/ IHU On-Line

Todos os tipos

de áreas úmidas

são de alta importância,

e seu manejo sustentável

e proteção devem ter alta

prioridade política para a

governança global neste

momento em que a privatização

das áreas públicas representa um

grave problema ao equilíbrio

socioemabiental.

IHU ON-LINE – QUE ECOSSISTEMAS PODEM SER DEFINIDOSCOMO ÁREAS ÚMIDAS?Wolfgang Junk – Foi elaborada por um grupo de peritos do Brasilinteiro a seguinte definição para Áreas Úmidas (AUs) brasileiras:Áreas Úmidas são ecossistemas na interface entre ambientes terres-tres e aquáticos, continentais ou costeiros, naturais ou artificiais,permanentemente ou periodicamente inundados por águas rasas oucom solos encharcados, doces, salobras ou salgadas, com comuni-dades de plantas e animais adaptadas à sua dinâmica hídrica.

das áreas úmidasIHU ON-LINE – QUE IMPORTÂNCIA TEM AS ÁREAS ALAGA-DAS PARA O EQUILÍBRIO ECOLÓGICO E AMBIENTAL?W.J. – O Brasil é um país com uma sazonalidade hídrica bem explí-cita. As áreas alagáveis absorvem o excesso das chuvas durantea época chuvosa ou durante períodos de chuvas torrenciais, edevolvem parte deste excesso para a atmosfera, para o lençolfreático e para os riachos e rios conectados. Assim, as áreas ala-gáveis têm “efeito esponja” na paisagem. A destruição destasáreas resulta em inundações e secas catastróficas como foi de-monstrado, por exemplo, em 2012 durante as grandes enchentesem Minas Gerais, com muitas mortes e grandes danos materiais.

IHU ON-LINE – POR QUE É IMPORTANTE, COMO O SENHORPROPÕE, PENSARMOS A REALIDADE DAS ÁREAS ÚMIDAS COMO

PLANÍCIES ALAGÁVEIS E NÃO RETRATOS ESPECÍFICOS DE MO-MENTOS DE SECA OU INUNDAÇÃO?W.J. - Áreas alagáveis são sistemas ecológicos específicos, que re-presentam todo o ciclo hidrológico, anual e multianual, e não somen-te as fases extremas de seca e cheia. Plantas e animais que vivemnestes ecossistemas estão adaptados a estas condições, como tam-bém as populações humanas tradicionais vivendo dentro ou nasmargens destas áreas. Olhar para as áreas alagáveis apenas durantea seca iria levar, por exemplo, agricultores a plantar lavouras, ou apopulação em geral a construir casas e estradas em áreas que alagamdurante as cheias. Isto implicaria em perdas de colheitas e proprieda-

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des. Para não perder a colheita e o patrimônio na enchente, a cons-trução de diques de contenção e outras medidas seriam demandadasdo poder público para proteção. Como consequência, as inundaçõesrio abaixo seriam mais intensas, porque falta espaço para estocar aágua extra, que não mais seria absorvida pelas áreas alagáveis apósestas serem ocupadas. Isso iria criar danos rio abaixo e exigiria outrasconstruções de proteção contra as enchentes etc., com gastos daordem de milhões do patrimônio público.

Por outro lado, durante a cheia, a área alagável passa a impressãode que tem água demais. Em consequência, poder-se-ia propor odesenvolvimento de sistemas para remoção de grandes quantida-des de água para outras áreas. Entretanto, se subitamente vier umano excepcionalmente seco, a água disponível será insuficiente.Neste momento, a ação anterior de retirada demasiada da água sefará sentir, e custará a integridade do ecossistema, resultando, porexemplo, na grande mortandade de organismos aquáticos e na de-terioração da qualidade da água para o consumo humano.

IHU ON-LINE – HISTORICAMENTE, COMO AS ÁREAS ÚMIDAS

CORRESPONDERAM A SISTEMAS IMPORTANTES NA CONSTRUÇÃODA CULTURA HUMANA?W.J. – Áreas úmidas tiveram impactos diferentes na cultura hu-mana dependendo de sua posição geográfica. Nas áreas tempera-das e frias, as AUs eram de interesse para caçadores e pescado-res, porque elas eram ricas em animais. Além disso, elas serviramcomo refúgios para minorias populacionais humanas e, em épo-cas mais recentes, para fugitivos políticos e para criminosos. Paraa agropecuária as inundações pouco previsíveis criaram riscosmuito grandes. Por isso, os moradores tinham que investir emsistemas de proteção que eram muito caros, e somente hoje ohomem dispõe de tecnologias para promover este tipo de prote-ção em grande escala. Porém, os custos econômicos e ecológicossão exorbitantes, de maneira que ambientalistas e dirigentes depaíses da Europa e dos EUA já concluíram que restaurar parte dasAUs perdidas será mais barato do que investir cada vez mais naproteção contra grandes enchentes.

Nos trópicos e subtrópicos, com inundações previsíveis, as po-pulações adaptaram os métodos de cultivo ao ritmo das enchen-tes e secas. As AUs eram muito férteis e as grandes safras deixa-ram tempo suficiente para as populações humanas investirem emartes, tecnologias novas, medicina etc., formando ricos centrosculturais. No Rio Nilo há uma régua feita na era faraônica paramedir o nível da água. Se o nível do Nilo não atingisse uma marcamínima, os agricultores eram isentos de pagar taxas, porque umainundação fraca significava uma colheita fraca. O faraó e os sa-cerdotes sabiam da existência de épocas plurianuais de inunda-ções fracas, e estocavam alimentos para os famosos “períodos devacas magras” mencionados no Velho Testamento. Períodos mai-ores de grandes secas, porém, criaram problemas muito sérios,levando até ao colapso destas culturas.

IHU ON-LINE – ATUALMENTE, QUAIS SÃO AS ÁREAS ÚMI-DAS MAIS IMPORTANTES NO PLANETA? POR QUÊ?W.J. – As grandes turfeiras (regiões alagadiças com vegetais emdecomposição) do hemisfério Norte são importantíssimas para oclima global, porque estocam grandes quantidades de matériaorgânica que, ao se decomporem, entram na atmosfera na forma

de CO2 e metano, o que aumenta consideravelmente o efeitoestufa, contribuindo para as mudanças climáticas globais.

As grandes e famosas AUs, como o Pantanal Mato-grossense e asAUs Amazônicas no Brasil, os Everglades na Flórida, o Delta doOkawango na África, o Delta dos Rios Ganges e Bramaputra (osSunderbans) na Índia, e as AUs no norte da Austrália (Parque Naci-onal do Cacadu) chamam a atenção do público e servem como faróispela beleza paisagística e riqueza de vida silvestre. Porém, no ciclohidrológico, as matas ripárias ao longo dos pequenos rios são desuma importância para tamponar o fluxo da água e garantir e suaqualidade, evitando a entrada de sedimentos, nutrientes, agrotóxi-cos, etc. Os sistemas costeiros são insubstituíveis para a proteçãodas costas, para a pesca e para a o conjunto de seres vivos marinhos.E se somamos a importância das pequenas AUs dispersas na paisa-gem para a manutenção da biodiversidade, podemos constatar queseu valor é extremamente alto. Em outras palavras: todos os tipos deAUs são de alta importância e seu manejo sustentável e proteçãodeveriam ter alta prioridade política em todos os países.

IHU ON-LINE – COMO É FEITO O TRABALHO DO INSTITUTONACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM ÁREAS ÚMIDAS

W.J. – O INCT Áreas Úmidas é um instituto virtual, ou seja, com-posto por vários núcleos de pesquisa. É, sobretudo, uma rede decientistas e institutos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul queaprovaram, em 2008, proposta junto ao CNPq para estudar as qua-tro grandes AUs destes dois estados: Pantanal Mato-grossense,AUs do Rio Araguaia (inclusive Ilha do Bananal), AUs do RioGuaporé e AUs do Rio Paraná. Entretanto, observa-se que: (1) as AUs do Guaporé e do Paraná estendem-se também para osestados de Rondônia e Paraná, e que (2) uma abordagem em nível nacional era necessária para respon-der aos grandes problemas políticos conectados às AUs.

Por isso, a abordagem foi ampliada e formada uma rede que in-cluiu cientistas líderes em AUs de todo o Brasil. O resultado maisrecente é um documento sobre as AUs brasileiras, que se encon-tra no sítio www.cppantanal.org.br e www.inau.org.br. Uma ver-são científica em inglês, de autoria de todos participantes, estáno prelo para a revista científica “Aquatic Conservation: Marineand Freshwater Ecosystems”. Pretende-se intensificar a coope-ração entre os membros da rede ampliada.

IHU ON-LINE – QUAL O PAPEL DO INSTITUTO NACIONAL

DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA / INPA NO TOCANTE ÀSPESQUISAS SOBRE ÁREAS ÚMIDAS?

Estima-se que a preservação

das áreas úmidas é uma

das formas mais econômicas

de proteção das populações

às enchentes, sobretudo nas

regiões metropolitanas.

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W.J. – Podemos considerar o INPA o berçário dos estudos sobreAUs interiores do Brasil, porque os primeiros trabalhos, que visa-ram estabelecer o papel dos rios com suas AUs no contexto dapaisagem foram realizados nos anos de 1950 pelo professor HaraldSioli em cooperação com o INPA. Nos anos de 1960, colaborado-res e alunos do Prof. Sioli continuaram estes estudos por meio deum convênio entre a Sociedade Max-Planck, representada peloInstituto de Limnologia, em Ploen, Alemanha, e o INPA. Eles for-maram uma escola que dá continuidade aos estudos na Amazôniacom o grupo MAUA (Ecologia, monitoramento e uso sustentávelde áreas úmidas), liderado pela Profa. Maitê Piedade. Participan-tes deste grupo publicaram inúmeros trabalhos sobre as AUsamazônicas e cooperam agora intensivamente com pesquisado-res do INAU. Além dos pesquisadores do grupo MAUA tambémoutros pesquisadores do INPA trabalham nas AUs Amazônicas.

IHU ON-LINE – AS PESQUISAS SOBRE AS ÁREAS ÚMIDAS

REALIZADAS PELO INAU BUSCAM FAZER UM MAPEAMENTO COMVISTAS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS. QUE POLÍTICAS SERIAM ESTAS ECOMO ELAS IMPACTARIAM A VIDA DAS PESSOAS?W.J. – As AUs brasileiras são consideradas por muitos políticoscomo áreas sem valor, que deveriam ser inseridas na cadeia produ-tiva tradicional da agropecuária. Outras são usadas como lugarespara despejar detritos sólidos industriais, de mineração, de cons-trução civil e de esgotos, para depois serem aterrados e usados naconstrução de estradas e casas. Em cooperação com peritos doBrasil inteiro, o INAU elaborou parâmetros para o delineamentodas AUs brasileiras, considerando as condições hidrológicas es-pecíficas do país. Estes parâmetros questionam, por exemplo, oconteúdo do novo código florestal, que determina as áreas a seremprotegidas ao longo dos rios e riachos a partir do nível mínimo daágua, enquanto os nossos parâmetros exigem a proteção a partirdo nível máximo, como era definido no Código Florestal antigo.

O novo Código Florestal deixa a maior parte das AUs desprotegi-das, com consequências desastrosas para o ciclo hidrológico, aqualidade da água, a biodiversidade, e – a médio e longo prazo – aqualidade de vida das populações ribeirinhas. O mapeamento e aclassificação das AUs em nível nacional vai possibilitar a elabora-ção de estratégias para seu manejo sustentável. A garantia de aces-so das populações ribeirinhas à água limpa em leitos de rios prote-gidos pela vegetação natural deveria ser um direito público e nãoum luxo em pousadas cujo ingresso somente pode se dar pagandoaltas taxas. O mesmo vale para as grandes AUs brasileiras. O direitodas populações tradicionais vivendo nestas áreas de manejar seusrecursos naturais com métodos sustentáveis deveria ter prioridadesobre os sistemas destrutivos do agronegócio.

IHU ON-LINE – DO PONTO DE VISTA BIOLÓGICO, O QUE ASÁREAS ÚMIDAS REPRESENTAM EM TERMOS DE BIODIVERSIDADE DEPLANTAS E ANIMAIS? QUAL A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO?W.J. – Estudos no mundo inteiro mostram que a biodiversidadeem AUs por área é proporcionalmente maior de que em outrosecossistemas, porque elas são colonizadas por espécies de plan-tas e animais aquáticos, terrestres e palustres (espécies de pânta-no). Muitas espécies são endêmicas, ou seja, ocorrem somenteem AUs. Além disso, as grandes AUs são usadas como paradei-ros de aves migratórias durante suas migrações Norte/Sul e viceversa, ou como paradeiros de espécies migratórias durante o in-

verno nos hemisférios Norte e Sul. O mesmo acontece com muitasespécies de peixes marítimos, que usam os mangues para a deso-va e berçário, bem como na piracema dos peixes nos grandes rios.Por isso, o interesse da comunidade internacional na proteçãodestas áreas é grande, e está sendo regulamentado pela Conven-ção de Ramsar, da qual Brasil é signatário desde 1993.

IHU ON-LINE – DE QUE MANEIRA A CONSTRUÇÃO DE USI-NAS HIDRELÉTRICAS IMPACTAM O EQUILÍBRIO DO ECOSSISTEMA

DE ÁREAS NATURALMENTE ALAGADAS E DE ÁREAS QUE ERAMSECAS E SE TORNARAM ALAGADAS?W.J. – A construção de represas hidrelétricas significa um im-pacto severo ao respectivo rio e às suas AUs laterais. A barra-gem interrompe a conectividade longitudinal do rio, interrom-

1Everglades (Arturo Treminio) 2 Marshall county Indiana (DerekJensen) 3 Pantanal, MT (Alicia Yo) 4 Habitat de castor, WhitehorseYukon, Canada (Peter Prokosch) 5 Sunderban, India (Tista Roy)

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Wolfgang Junk é graduado em Zoologia pela Universidade de Bonn,UNI-BONN, Alemanha, e doutor em Zoologia Botânica Química Ciên-cia do Mar Limnologi pela Universitat Kiel (Christian-Albrechts), UK,Alemanha. Atualmente é coordenador do Instituto Nacional de Ciência eTecnologia de Áreas Úmidas. O professor Wolfgang J. Junk respondeuas perguntas com os pesquisadores Catia Nunes da Cunha e PauloTeixeira de Sousa Jr. do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia emÁreas Úmidas / INAU e da Universidade Federal do Mato Grosso /UFMT; Maria Teresa Fernandez Piedade, Jochen Schoengard e FlorianWittmann do Grupo MAUA, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazô-nia / INPA. Entrevista à IHU On-line (Instituto Humanitas Unisinos -IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em SãoLeopoldo, RS) e republicada no portal EcoDebate (30/07/2013).

pendo as rotas migratórias dos animais aquáticos e interferin-do nos fluxos de água, de sedimentos e de nutrientes dissolvi-dos. O pulso natural na área da represa e rio abaixo é alteradode acordo com as demandas de energia e não acompanha maisos ciclos naturais, o que tem impactos severos para as plantase animais associados a esses ambientes. Estudos de muitosanos no Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia a Aqui-cultura / Nupelia, em Maringá, comprovaram que as popula-ções de peixes migratórios colapsam e a composição da ictio-fauna (conjunto e espécies de peixes que vivem em uma regiãobiogeográfica) como também aquela do fito – e zooplânctonmudam. Os impactos para a vegetação superior das AUs sãobem visíveis pela mortalidade das florestas alagáveis dentro eabaixo das represas.

Ninguém pode negar a necessidade econômica e ecológica do apro-veitamento da hidroenergia, mas é necessário um planejamento emmédio e longo prazo para o aproveitamento deste recurso. Isto éfundamental, porque os custos ecológicos podem ser tão altos queultrapassam, de longe, o valor econômico da energia gerada.

Nem todas as represas hidrelétricas consideradas tecnicamente viá-veis pelos engenheiros deveriam ser construídas devido seus altoscustos para o meio ambiente e para os moradores a ser deslocados,e por causa da baixa quantidade da energia gerada. A represa deBalbina, no Rio Uatumã, no Estado do Amazonas é um exemplo deuma obra faraônica que inundou 2.300 km2 de floresta, não satisfezas demandas energéticas de Manaus e criou efeitos ambientais ne-gativos, como a liberação de grandes quantidades de metano.

IHU ON-LINE – QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS ÀS ÁREASÚMIDAS DO PLANETA?W.J. – Difícil responder porque a situação das AUs nas diversasregiões do planeta é diferente. Na Rússia, o governo não temqualquer cuidado com as AUs porque o país é imenso, suas AUssão pequenas e a população é também pequena. Na China, adestruição das AUs está muito avançada e continua em ritmoacelerado, embora os chineses aleguem que a área de AUs artifi-ciais está aumentando já que AUs naturais são convertidas emáreas de plantios de arroz.

Nos EUA, em vários países Europeus e na Austrália a época dagrande destruição das AUs já passou, e grandes esforços estãosendo tomados para proteger e recuperar aquelas ainda existen-tes, porque as perdas econômicas com a destruição das AUs sãomuito significativas. A África tem grandes AUs colonizadas porpopulações tradicionais, com métodos de uso bem adaptados.Porém, a entrada de capital estrangeiro começa a forçar o desen-volvimento agrário “moderno”, às custas do meio ambiente e daspopulações tradicionais. O subcontinente indiano (Índia e Ban-gladesh) sofre com uma superpopulação e um desenvolvimentoindustrial desenfreado, que exercem uma pressão brutal sobre asAUs ainda existentes.

Na América do Sul, que é rica em AUs em estágio ainda natural oupouco perturbado, falta uma política específica que trate do ma-nejo sustentável e da proteção. Os governos ainda não reconhe-cem os valores econômicos, ecológicos e sociais de suas AUs, eainda não aprenderam a lição de que os custos para a recupera-ção de AUs degradadas são muito mais altos do que aquelesnecessários para mantê-las intactas. ■

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O “compro, logo existo” é hoje uma forma de o indiví-

duo se posicionar – e se diferenciar – dentro da socieda-

de através do que consome. Mas além de reduzir o ser

humano ao seu poder de compra, essa lógica precisa

ser modificada em direção a formas mais sustentáveis,

tanto do ponto de vista social quanto ambiental.

Lojas de departamentos de vários anda-res, shopping centers que oferecem to-

dos os tipos de serviços, boutiques finasque servem champanhe aos clientes, peque-nas lojas que vendem toda sorte de produ-tos por menos de R$ 2,00. Há décadas con-sumir deixou de ser um simples ato de sub-sistência para ser identificado com uma for-ma de lazer, de libertação e até mesmo decidadania. Homens e mulheres são levadosa consumir, mesmo sem necessidade, ape-nas pelo simples ato de comprar. Para al-guns pesquisadores, consumir é indispen-sável para fazer a economia girar e os países

por Chris Bueno, da ComCiência

A insustentávelsociedade de consumo

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se desenvolverem. Para outros, o consumodesenfreado é uma grave doença moderna,com complicadas conseqüências para a so-ciedade e para o meio ambiente.

CONSUMO E MODELO ECONÔMICO

O consumo é considerado, por alguns eco-nomistas, como a “mola propulsora” daeconomia mundial. Consumir geraria de-manda, que por sua vez geraria maior pro-dução por parte das indústrias, estimulan-do o surgimento de novos empregos, oaumento de salários e até mesmo o investi-mento em novas tecnologias para aprimo-rar a produção. Isso significaria mais tra-balhadores, com salários melhores, quetambém seriam levados a consumir, forman-do um ciclo que manteria a economia aque-cida e contribuiria para o desenvolvimentodos países. Por muito tempo, essa foi umacorrente de pensamento econômico predo-minante nos países capitalistas. Mas essemodelo neoliberal, que tinha os EstadosUnidos como seu principal representante,está sendo cada vez mais questionado.

A crise econômica que os Estados Unidosenfrentam atualmente coloca em dúvidaesse modelo econômico fortemente basea-do no consumo, pois evidencia sua insta-bilidade. A crise, desencadeada pelo setorimobiliário, levou os bancos norte-ameri-canos a entrarem em colapso – muitos que-braram e outros precisaram pedir ajuda aogoverno para seguirem ativos. Nesse ce-nário, as instituições financeiras tiveramque reduzir drasticamente o crédito ao con-sumidor, o que acarretou na queda do con-sumo e de toda a atividade econômica dopaís. Para conter a crise, o governo norte-americano lançou um pacote centrado noconsumo da população. Uma das medidasdo pacote determina a devolução de im-postos à população como uma forma deinjetar dinheiro na economia e esquentar oconsumo. Se o baixo consumo representaum problema que agrava a crise nos Esta-dos Unidos, no Brasil ocorre o exato opos-to: o aumento do consumo da populaçãoestá preocupando o governo, que teme avolta da inflação. Para evitar que isso ocor-ra, o governo brasileiro já está pensandoem medidas que desestimulem o consumoe possam conter a alta dos preços. Masnão é só o Brasil e os Estados Unidos queenfrentam problemas econômicos relacio-nados ao consumo: o desemprego e a altados preços são sinais de desgaste do mo-

delo que já despontam em diversos paísesda Europa, enquanto a desigualdade soci-al conseqüente desse sistema mostra queele está ficando cada vez mais inviável paraos países da América Latina e da África.

“Estas relações geram impacto visível naeconomia, mas há um impacto ainda mai-or e mais grave na sociedade e sobre omeio ambiente”, aponta Aloísio Rusche-insky e Mariana Ocaña Madruga, sociólo-gos da Universidade do Vale do Rio dosSinos (Unisinos). Segundo os pesquisado-res, um dos principais impactos que esseestímulo ao consumo causa é o distancia-mento entre ricos, que podem “consumirmais”, e pobres, que lutam para poder con-sumir o mínimo. “Esse fenômeno, por iro-nia da história tem como decorrência oaumento das desigualdades e do contin-gente da população na faixa da pobreza”.

“As relações sociais escravizaram-sepelo dinheiro e pelo poder de consumo”,afirma Valquíria Padilha, socióloga da USPe autora do livro “Shopping Center: A ca-tedral das mercadorias”. A socióloga ex-plica que o cidadão foi reduzido a consu-midor através de uma série de estratégiasque construíram o capitalismo e o neolibe-ralismo. Como parte dessa estratégia, oEstado liberal foi deixando ao mercado res-ponsabilidades que deveriam ser suas,como fornecer saúde, lazer, educação einfra-estrutura de qualidade. A conseqü-ência disso é um número cada vez maiorde pessoas, principalmente de classe mé-dia, pagando, além dos impostos, planosde saúde privados, escolas privadas, pe-dágios e segurança privada. “Os ricos eendinheirados podem comprar conforto,segurança (ou ilusão de segurança), edu-cação, saúde e lazer, mas os pobres mor-rem nas filas de hospitais públicos, ficamadultos analfabetos ou semi-analfabetos,

As relações sociais

escravizaram-se pelo

dinheiro e pelo poder

de consumo. Quem

não tem dinheiro

não tem cidadania.

não têm esgoto, água encanada, dentista,boas escolas”, declara. E conclui: “Quemnão tem dinheiro não tem cidadania”.

Dessa forma, o consumo acabou se tornan-do um fator importante de construção derepresentações sociais. Ao comprar, nãoapenas se adquire um produto ou um servi-ço, mas define-se o status, e mesmo a iden-tidade, de um indivíduo. É o “compro, logoexisto”, uma forma do indivíduo se posicio-nar – e se diferenciar - dentro da sociedadeatravés do que consome. “Aquilo que vocêveste, come e bebe define socialmente quemvocê é, onde você está e até onde pode ir.Desta forma, cria-se um mito cultural: aque-le que maiores condições financeiras obti-ver ‘irá mais longe’”, destaca Ruscheins-ky. “Os impactos psicossociais dessa lógi-ca de vida são bastante complicados, por-que o valor do ser humano é reduzido aoseu poder de compra. Quem tem carro im-portado é melhor, quem se veste com rou-pas da moda é gente de respeito e assimpor diante”, concorda Padilha.

COMPRANDO FELICIDADENão é preciso apenas consumir para existir,mas é preciso consumir para ser feliz. Nessalógica, vale tudo para se realizar um sonhode consumo: fazer horas-extras, “bicos” ouprestações a perder de vista. “É como se osobjetos fossem capazes de propiciar o bem-estar social e a segurança que tanto se re-clama e proclama”, aponta Ruscheinsky.Assim, busca-se a realização pessoal e a fe-licidade através do consumo. A sociedadede consumo vende a satisfação dos dese-jos individuais, mas desperta nos consumi-dores a cada momento novos desejos a se-rem satisfeitos, fazendo-os querer (e con-sumir) sempre mais. “O vazio existencialcavado pela complexidade dos relaciona-mentos psicossociais não se preenche fa-cilmente com bolsas, celulares e carros. Sea felicidade prometida pela sociedade deconsumo fosse real, nós não estaríamos vi-vendo uma sociedade tão violenta como anossa. A violência física e simbólica sãofrutos da desigualdade e da perversidadeda sociedade de consumo que elege os en-dinheirados como os sortudos da ilha dafantasia”, alerta Padilha.

Para compreender a dimensão do consumo navida moderna, é preciso vê-lo como uma práti-ca social e cultural complexa e importante. “Oacesso aos bens de consumo são parte daslutas pela eqüidade e das lutas pela quali-

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dade de vida, em especial, as lutas pelo direi-to de escolha do tipo de vida que queremosviver. Nesse sentido, consumo e cidadaniasão inseparáveis, já que ambos criam e forta-lecem sentimentos de pertencimento a umgrupo social”, explica Fátima Portilho, soció-loga da Universidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ), membro do grupo de pesquisa So-ciedades e Culturas de Consumo e autora dolivro “Sustentabilidade ambiental, consumo ecidadania”. A partir dessas considerações, nãoé mais possível pensar o consumidor comouma simples vítima manipulada pela propagan-da, ou como uma pessoa superficial e aliena-da. Ao contrário, a tendência atual é que oconsumo seja, cada vez mais, associado aodesejo de “fazer alguma coisa” e de participarda vida e dos problemas coletivos. “Ninguémquer apenas sobreviver biologicamente con-sumindo ‘produtos indispensáveis’, mas vi-ver, ou seja, ter prazer, ter uma identidade,escolher, se expressar… E quem definirá oque é ‘consumir para sobreviver’, o que ésupérfluo, o que é necessário, o que é indis-pensável?”, diz a socióloga.

“O consumo é indispensável na vida detodos os cidadãos. O que está em discus-são é a tipologia, o significado e o mon-tante do consumo. Principalmente no quediz respeito às produções que envolvemmatérias-primas há uma crescente preo-cupação. A finitude dos recursos naturaisé evidente, e é agravada pelo modo deprodução regente, que destrói e polui omeio ambiente”, diz Ruscheinsky. “O con-sumo é indispensável e cumpre diversasfunções sociais, mas, nos níveis e padrõesatuais, e em expansão, precisa ser modifi-cado em direção a formas mais sustentá-veis, tanto do ponto de vista social quan-to ambiental”, concorda Portilho.

REPENSANDO O MODELO

O modelo da sociedade de consumo está tãoenraizado na sociedade contemporânea quealguns pesquisadores já chegaram a afirmarque ele é irreversível. Porém, Padilha discor-da: “Nada é irreversível quando se pensaem sociedade”. Para a pesquisadora, a atualcrise nos Estados Unidos é um sinal de queesse modelo deve começar a ser repensado.“O produtivismo e o consumismo desenfre-ados são insustentáveis por mais tempo. Oprimeiro e mais importante limite dessa cul-tura do consumo, que estamos testemunhan-do hoje, são os próprios limites ambientais.O planeta não suportaria se cada habitan-te tivesse um automóvel, por exemplo. Psi-

O cidadão foi reduzido a consumidor

através de uma série de estratégias

que construíram o capitalismo

e o neoliberalismo.cológica e sociologicamente também nãoserá suportável por muito mais tempo essalógica de produção e consumo destrutivosa que estamos sujeitos hoje”, afirma.

“O espaço para discussão sobre o modode produção e hábitos de consumo temcrescido muito atualmente, mesmo queainda não tenha atingido a abrangênciadesejada e os resultados necessários paraprocessos sustentáveis e processos rever-síveis de uso dos recursos naturais”, de-clara Ruscheinsky. Porém, apesar de estarsendo colocada em cheque, ainda é preci-so muita discussão e reflexão para se mu-dar a sociedade de consumo. Esse modelopossui uma estrutura complexa e precisa-ria da ação de vários atores para se alcan-çar uma mudança significativa. De acordocom os pesquisadores, é preciso trabalharem vários níveis – do consumidor, da em-presa e do Estado – para que haja uma alte-ração no sistema. Os consumidores preci-sam ser informados e conscientizados, bus-cando promover uma “mudança de hábi-to” que controle os efeitos do consumodesenfreado. As empresas, igualmente,devem procurar agir rumo a uma produçãosustentável. E o Estado, através da promo-ção de políticas públicas, deve exercer di-versas funções regulatórias, inclusive com

as chamadas políticas de consumo susten-tável (eliminação de subsídios, comprassustentáveis, políticas de estímulo aotransporte coletivo etc.).

Apesar de ainda não existir um modelo alter-nativo forte que possa substituir a socieda-de de consumo, existem caminhos diversosque podem ajudar a torná-la mais sustentá-vel. Portilho afirma: “A ‘alternativa’ pareceser uma tendência à consideração do papeldos diversos atores (Estado, empresas, con-sumidores individuais, mídia, ONGs) queinteragem no mercado e da redução dasdesigualdades de poder entre eles, em espe-cial o consumidor, que nada mais é do queo cidadão nas relações com o mercado emexpansão. Assim, embora não seja possívelatribuir toda a responsabilidade pela reso-lução dos problemas ambientais a um sólado da equação (o consumidor), a ativi-dade de consumo pode oferecer importan-tes possibilidades de ação política e exercí-cio da cidadania”. ■

Matéria publicada em ComCiência, Revista Ele-trônica de Jornalismo Científico, SBPC/LABJOR,No. 99, 10/06/2008, e republicada no PortalEcodebate (11/08/2008). Aconselhamos visitaao site da publicação (www.comciencia.br) porseu conteúdo reflexivo e informativo.

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VALOR – É HORA DE O PNUMA DAR SEU GRITO DE LIBERDADE?Achim Steiner: Criaram o Pnuma com um mandato que olhavapara a frente e que nos ajudaria a entender o que acontece com oplaneta. Começamos a estudar como reduzir os impactos de 200anos de industrialização, do surgimento de produtos químicos epoluentes. Outro ponto era ver como a dimensão ambiental dasustentabilidade se relaciona com o desenvolvimento.

VALOR – O QUE SIGNIFICA SER UM PROGRAMA DA ONU?Steiner – Agências especializadas da ONU têm estrutura de go-vernança própria, nós estamos subordinados à Assembleia Geral.Fazemos parte da mesma família da Organização Mundial da Saú-de, por exemplo, mas o diretor-geral da OMS se reporta à própriaassembleia. O Pnuma é como um departamento do secretariado-geral da ONU. Agora temos um sistema híbrido com um conselhogovernamental, mas só há 58 governos de cada vez. Decisõestomadas no Pnuma não fluem como na OMS ou na FAO, quefazem suas próprias políticas. As nossas têm que ser aprovadasou recusadas pela Assembleia Geral em Nova York.

VALOR – NÃO TEM AUTONOMIA?Steiner – Não muita. Mas o importante é observar que governosnão têm, para o ambiente, o mesmo que têm para a saúde ououtras áreas. Os países querem fortalecer seus ministros ambien-tais e desenvolver uma política verde de verdade? Ou o ambientevirá sempre em segundo, terceiro, quarto lugar?

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‘O meio ambiente viráEntrevista com Achim Steiner por Daniela Chiaretti/Valor Econômico

Achim Steiner, Dire-

tor-executivo do Pro-

grama das Nações

Unidas para o Meio

Ambiente/Pnuma, ex-

plica porque o desen-

volvimento econômi-

co não pode continu-

ar a usar os recursos

naturais como se fos-

sem eternos, e justifica importância do valor econômico da natureza, já

que meio ambiente e desenvolvimento sustentável são indissociáveis.

sempre em quarto lugar?’VALOR – QUAL O TAMANHO DO PNUMA? QUAL O ORÇAMENTO?Steiner – Temos 840 pessoas, é uma organização pequena. Sãoespecialistas ambientais, biólogos, químicos e experts em desen-volvimento sustentável, política energética, agricultura. O orça-mento é de cerca US$ 80 milhões ao ano.

VALOR – É SÓ ISSO?Steiner – Também recebemos recursos ligados a projetos – di-nheiro que tem que ser colocado em um país ou em um projetoespecífico. São outros US$ 150 milhões.

VALOR – O ORÇAMENTO DO PNUMA VEM SOFRENDO COM A CRISE?Steiner – Já sofreu. Em 2011 e este ano teremos 15% a menos.Alguns países reduziram suas contribuições ou as cortaram azero. Todo o financiamento do Pnuma é voluntário.

VALOR – O QUE É O MAIS IMPORTANTE NO TRABALHO DO PNUMA?Steiner – Alguém já descreveu o Pnuma como a consciência am-biental do mundo, o que é meio prosaico. Tentamos trazer com-preensão científica do que acontece no planeta e de quais asconsequências de um desenvolvimento cego que não reconheceque o ambiente é o fundamento da vida.

VALOR – QUAL A GRANDE DIFICULDADE AMBIENTAL HOJE?Steiner – Estamos chegando a 9 bilhões de pessoas e perto dazona de risco em que os sistemas naturais ficam ameaçados. O

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desafio do Pnuma é tentar trazer a melhor ciência possível paraperto de quem decide. Buscamos a ciência da atmosfera, dosoceanos, o impacto dos produtos químicos e ligamos os estu-dos à arena política onde as pessoas podem agir. Também mos-tramos que o futuro do desenvolvimento está ameaçado porquenão compreendemos o quanto os ecossistemas são centrais nofuncionamento da vida.

VALOR – O SENHOR DIZ QUE O CONSUMO PER CAPITA EM UM MUNDO

DE 9 BILHÕES DE PESSOAS TERÁ QUE SER REDUZIDO DOS ATUAIS 9 A 11TONELADAS PARA 4 A 6 TONELADAS. PODE EXPLICAR?Steiner – Criamos um painel de especialistas para estudar comocontinuar a desenvolver nossa economia, mas dissociando o cres-cimento do consumo de recursos naturais. O painel constatou umcenário crítico: se continuarmos a crescer do jeito que semprefizemos vamos triplicar o atual consumo de recursos naturais nospróximos 40 anos. Em 2050 vamos precisar de três vezes mais. Éum cenário inviável. A questão central é como, com populações edemandas crescentes por eletricidade, comida e mobilidade, nãodeixar que entremos em um cenário de colapso ambiental. Estuda-mos quais as opções tecnológicas disponíveis e as políticas queos governos poderiam aplicar, como eficiência energética e ciclosde vida dos materiais. Temos que pôr isso dentro da economia. Odesenvolvimento econômico não pode simplesmente continuar ausar os recursos naturais como se fossem eternos.

VALOR – A QUESTÃO AÍ É COMO DIVIDIR ESSA CONTA, NÃO É?Steiner – Se não investirmos em eficiência, a escassez irá se tor-nar cada vez mais comum. E escassez desestabiliza mercados por-que abre caminho para especulação. Também torna recursos me-nos disponíveis para países não muito industrializados ou eco-nomias emergentes. Temos que enfrentar a escassez investindoagora em reciclagem. Já reciclamos 70% do que produzimos emaço e ferro. Não reciclamos telefones celulares, fornos de micro-ondas, nada dos eletrônicos disponíveis hoje, uma extraordinária

oportunidade perdida. Ao reciclar celularesrecupera-se ouro, prata e outros metais mui-to valiosos que vão parar em lixões. E gasta-se um terço da energia para retornar essesmetais ao ciclo de produção comparando-secom o gasto na extração.

VALOR – O SENHOR DISSE QUE USANDO 2%DO PIB PARA “ESVERDEAR” DEZ SETORES-CHA-VES DA ECONOMIA MUDA-SE O CURSO DO DE-SENVOLVIMENTO PARA UMA ROTA DE BAIXOCARBONO. COMO?Steiner – No relatório sobre economia ver-de, o Pnuma sugere políticas e tecnologiasque permitiriam a países a transição para aeconomia verde – e economia verde não querdizer que ambiente é o único tópico. Trata-se de unir a sustentabilidade ambiental aosoutros dois pilares do desenvolvimento sus-tentável, principalmente a oportunidade eco-nômica e a equidade social. O cálculo de 2%do PIB é baseado em um modelo que fizemospara dez setores diferentes – agricultura, in-dústria, energia, transporte. A mudança não

acontece do dia para a noite, mas bastam esses 2% para catalisaresse movimento e alguns instrumentos políticos, como terminarcom subsídios perversos. Por que o mundo gasta US$ 600 bi-lhões ao ano para que se usem mais combustíveis fósseis e ossubsídios às energias renováveis são menos de US$ 70 bilhões?Não é racional.

VALOR – ALGUNS PAÍSES TEMEM A ECONOMIA VERDE. NÃO DEVERIAM?Steiner– Desafio quem diz que o mundo em desenvolvimentoestá com medo da economia verde; não é correto. Onde quer queeu fale com lideranças do Norte e do Sul há interesse nas aborda-gens, porque os países se identificam com os problemas que des-crevemos e com o porquê de a transição para a economia verdefazer sentido. Há alguma preocupação, particularmente em fun-ção da Rio+20, quando o debate sai da esfera nacional para onível internacional. Alguns países se preocupam se vão perdersoberania ou se esse conceito pode ser usado para protecionis-mo verde. São questionamentos legítimos, mas vi bem poucospaíses receosos, talvez à exceção de Bolívia, Equador, Venezuela.

VALOR – HÁ CRÍTICAS SOBRE A MERCANTILIZARÃO DA NATUREZA.Steiner– É a crítica de movimentos sociais, mas temos que anali-sar um ponto fundamental. Nas economias socialistas ou capita-listas, ministros de finanças ou de economia são decisivos emdefinir como nossos países investem seus recursos. Se tentamosdar valor econômico aos benefícios do que uma bacia hidrográfi-ca saudável traz para uma nação, não estamos argumentando afavor de empresas comerciais. Estamos dizendo que nossas eco-nomias são vítimas do fato de capitais públicos e privados daremzero valor à natureza. Isso explica porque destruímos florestas esolos, porque permitimos que a degradação da natureza continueem nome do desenvolvimento econômico. Nossas economias estãopagando um preço pesado por essa destruição. Trazer essa pers-pectiva econômica é uma maneira de abrir o debate do que querdizer proteger uma floresta em relação a empregos e crescimento.

Descontaminação de solo na Nigéria por equipe da UNEP. 2010 © UNEP

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VALOR – QUAL O TRABALHO DO PNUMA EM ZONAS DE CONFLITO?Steiner– Nos últimos dez anos o Pnuma vem sendo requisitado atrabalhar em conflitos e pós-conflitos. Entender como recursosnaturais como marfim e diamantes podem ser motor de guerras.Em situações de pós-conflito estudamos os danos ambientais eos recursos que podem ser usados pelas populações para que serecuperem. Na República Democrática do Congo, no Sudão, noAfeganistão ou no Iraque, o Pnuma tem equipes tentando re-construir e ajudando a minimizar danos das guerras.

VALOR – PODE CITAR CASOS?Steiner – Fomos chamados para avaliar o impacto da destruiçãodos campos de petróleo no Kuwait e os efeitos desastrosos naspessoas e nos ecossistemas da área do golfo. Exemplo recente foinosso trabalho no sul da Nigéria, na região conhecida como Ogo-ni. Ali, há mais de 30 anos há conflitos na exploração de petróleoe os danos às pessoas e ao ambiente são gigantescos. Propuse-mos um programa de restauração ambiental da área. O trabalhobusca reconciliar todos os atores da região e mobilizar bilhões dedólares para a restauração. Provavelmente será a maior operaçãode limpeza de poluição por petróleo já feita no mundo.

VALOR – SOBRE A RIO+20, O TÓPICO DE GOVERNANÇA…Steiner – Fico preocupado com a ideia de que o debate no Rionão é sobre ambiente, mas sobre desenvolvimento sustentável.Vejo uma fraqueza fundamental nesse argumento. Quando se dizque meio ambiente é menos importante e desenvolvimento sus-tentável é mais importante, a questão, para mim, é: ambiente não éparte do desenvolvimento sustentável? O fato de essas confe-rências de desenvolvimento sustentável terem um componentemuito forte do elemento ambiente não é algo que deveríamosderrubar ou minimizar, ao contrário.

VALOR – AO CONTRÁRIO, COMO?Steiner – Teríamos que aproveitar para fortalecer o entendimentode como o ambiente é central para o futuro do desenvolvimentoeconômico e social. Minha esperança é que o Brasil, como naçãoanfitriã, não permita que a conferência do Rio seja aquela quemanteve o ambiente afastado da dimensão econômica do desen-volvimento sustentável. Seria um recuo.

VALOR – O MUNDO PRECISA DE UMA AGÊNCIA AMBIENTAL E A CRIAÇÃODE UM CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL É UMA BOA IDEIA?Steiner – A sustentabilidade ambiental é fundamental para o fu-turo das nossas sociedades. Se em um nível internacional conti-nuarmos como uma instituição tão fraca como o Pnuma é hoje…No contexto do multilateralismo, fortalecer o Pnuma é uma pré-condição para dar a ministros do ambiente uma plataforma paraque possam, juntos, desenvolver acordos que vão permitir aomundo enfrentar esses desafios. Ao mesmo tempo, a lógica é defortalecer o desenvolvimento sustentável. Todos reconhecem quea comissão de desenvolvimento sustentável da ONU foi um ins-trumento bem-intencionado, mas sem função. Temos que coorde-nar melhor as três dimensões do desenvolvimento sustentável.Esse ponto é também uma prioridade.

VALOR – O SENHOR NÃO FALA EM UMA NOVA AGÊNCIA AMBIENTAL. OSENHOR FALA EM FORTALECIMENTO DO PNUMA.Steiner – Como diretor-executivo do Pnuma, não tenho autorida-de para pedir uma coisa ou outra. Mas mais de 130 países defen-dem a criação de uma agência especializada, com participaçãouniversal, melhor fluxo de recursos e mais autoridade para decidirsobre questões ambientais. O modelo é mais parecido com o daOrganização Mundial da Saúde do que com a Organização Mun-dial do Comércio. Não se trata de policiar governos, mas de pro-ver serviço melhor para a comunidade internacional.

VALOR – A CRISE ECONÔMICA PODE TER ALGUM EFEITO POSITIVO NASMUDANÇAS QUE SÃO NECESSÁRIAS?Steiner – No curto prazo acredito que tem efeito negativo, semcrise teríamos tido mais progresso. De outro lado, a crise financei-ra é a ponta do iceberg de tantas outras crises do futuro quetemos que enfrentar, como a segurança alimentar, o manejo dasfontes de água, segurança energética, mudança climática. Sãoameaças para a estabilidade da economia do futuro. A Rio+20deveria ser vista como um grande encontro internacional de eco-nomia, mas bem diferente das reuniões do G-20 ou do FMI. ■

Daniela Chiaretti – Entrevista para o jornal Valor Econômico e soci-alizada pelo ClippingMP. Publicada no portal EcoDebate (11/04/2012).

Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente/Pnuma❚ Embora desconhecido do público em geral, o Pnuma é referência de especialistas emambiente e em desenvolvimento.

❚ Foi o epicentro da solução ao problema do buraco na camada de ozônio: da criação doProtocolo de Montreal ao banimento dos gases que causavam o problema, os CFCs.

❚ Foi pioneiro, há mais de 20 anos, em estudar o potencial de energias alternativas, comoeólica e solar.

❚ É de seus estudos que saiu a proposta de eliminar o chumbo dos combustíveis.

❚ Equipes do Pnuma são chamadas a ajudar depois de guerras, como a do golfo Pérsico,para apontar estratégias de descontaminação.

❚ O Pnuma desenvolveu um estudo para ajudar na recuperação de uma região no sul daNigéria, no que pode vir a ser a maior operação de limpeza de poluição por petróleo jáfeita no mundo.

Ilustração de Coco Tin Chi Ting (14 anos) de Hong Kong, China, vencedor do 19o ‘UNEP International Children's Painting Competition’

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AG

RI

CU

LT

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A

por Raimundo Nonato Brabo Alves e Moisés de Souza Modesto Júnior

Conheça essa alternativa agroecológica para o cultivo de mandioca na

Amazônia que elimina o sistema de derruba-e-queima – responsável por

grande parte da dizimação da biodiversidade amazônica – e reduz a emissão

de gases relacionados ao efeito estufa.

No estado do Pará, cerca de 90% daspropriedades e 85% da mão-de-obra é

formada por agricultores familiares, que sãocaracterizados pelo baixo nível tecnológi-co e conseqüentemente baixa produtivida-de (INCRA, 2007). Há 21 anos (1992 a 2011)que o Pará vem se destacando no cenáriobrasileiro como o maior produtor de man-dioca do Brasil (IBGE, 2011), porém a pro-dutividade média máxima de mandioca foiobtida em 2006 com apenas 16,17 t/ha.

O Trio da ProdutividadeMandioca, cupuaçú e banana

Roça Sem Fogo

A queima da vegetação tem sido a basedos sistemas de produção praticados pelaagricultura na Amazônia, sendo a principalfonte de emissão de gases de efeito estufana região. As queimadas ocasionam diver-sos distúrbios na biodiversidade, muitasvezes invisíveis para a maioria das pesso-as, mas que impactam profundamente oequilíbrio dos ciclos dos nutrientes do solocomo nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio,magnésio e enxofre. As queimadas também

têm sido uma das causas da redução daprodutividade das culturas, principalmen-te da mandioca.

Os agricultores não faziam a seleção demanivas–sementes e adotavam o corte emformato de bisel em suas manivas. Logo aseleção de manivas–semente contribui paraum plantio isento de pragas, e o corte dasmanivas deve ser feito o mais reto possívele sem ferimentos, evitando-se o formato

Mandioca em crescimento em área preparada com a técnica da Roça Sem Fogo e plantio no Trio da Produtividade em Baião-PA, 2010.

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bisel que proporciona muitas perdas naarmazenagem e no plantio (Takahashi,2002). O corte reto também possibilita aprodução mais uniforme e maior númerode raízes que o formato em bisel (Mattos eCardoso, 2003), e por isso influencia dire-tamente na produção de raízes. Da mesmaforma os agricultores não efetuavam o con-trole adequado de plantas daninhas nacultura da mandioca, o que é fundamentalpara obtenção de alta produtividade de raiz.Pesquisa conduzida no estado da Bahiapor (Carvalho et al. 2004), indicou quedeve-se manter a cultura livre de plantasdaninhas por um período de 135 dias apósa emergência, ou seja, cerca de cinco me-ses após o plantio da mandioca. Outro pro-blema identificado era que os agricultoresnão plantavam a mandioca em espaçamen-tos adequados, sendo que para produçãode raízes esses autores recomendam o es-paçamento em fileira simples de 1,0m x 1,0mou em fileiras duplas 2,0m x 0,60m x 0,60m.

O grande desafio a ser superado era man-ter a atividade agrícola na mesma área, re-duzindo ou eliminando as queimadas emantendo níveis de produtividade aceitá-veis do ponto de vista econômico, sem autilização de insumos mantendo no longoprazo a vida e a fertilidade do solo difun-dindo tecnologias agroecológicas. Inúme-ros trabalhos de pesquisa estão em anda-mento ou já foram concluídos sobre a agri-cultura sem queima, no estado do Pará,sobretudo tendo como foco o enriqueci-mento e a trituração da capoeira que, toda-via, contém em seu escopo a mecanizaçãopara triturar a capoeira (Kato et al. 2002;Kato et al. 2004; Saturnino; Landers, 1997).

Pesquisa conduzida por Santos (2006), emMarapanim-PA, sobre a percepção de umgrupo de agricultores em relação às práti-cas agrícolas de corte e trituração da ca-poeira como alternativa sustentável de cul-tivo da terra sem uso do fogo, indicou vá-rias vantagens, com destaque ao social (re-dução da força de trabalho), eficiência ope-racional (redução do número de capinas erapidez na colheita), ao meio ambiente (rá-pido crescimento da capoeira, melhoria dafertilidade do solo) e econômico (flexibili-zação do calendário agrícola e aumento daprodutividade no segundo ano).

Percebeu-se que a maior demanda dos agri-cultores de mandioca é por informações sim-ples, que não dependem de capital para se-

rem adotadas, e que poderiam promover umaverdadeira “revolução” nos sistemas de pro-dução dos agricultores familiares. De outrolado, os agentes de extensão, quando dis-põem dos recursos necessários para suasatividades, estão assoberbados com as ati-vidades de elaboração de projetos e super-visão do crédito rural, e se preocupam em“transferir” informações voltadas para o usode “tecnologias de insumos”, que sempreoneram o sistema de produção e frequente-mente não são adotadas pelos agricultores,principalmente os descapitalizados.

Como soluções para os problemas foramdesenvolvidas junto com os agricultoresfamiliares de mandioca as práticas denomi-nadas de “Roça Sem Fogo” como proces-so de preparo de área (Alves; ModestoJúnior, 2009) e “Trio da Produtividade daMandioca” como boas práticas de cultivodo sistema de produção da cultura (Alves;Modesto Júnior; Andrade. 2008).

A Roça sem Fogo consiste no corte da ve-getação rente ao solo, utilizando-se ferra-mentas manuais como motosserras, macha-do, facões e foices, seguido do inventáriodas espécies de valor econômico (comofruteiras e essências florestais) para pre-servação no roçado e posterior retirada domaterial lenhoso, finalizando com opicotamento da vegetação na superfície dosolo para plantio de mandioca ou espéciesperenes e aceiro ao redor da área para con-trole do fogo (Alves; Modesto Júnior,2009), conforme as seguintes etapas:

1. Broca: corte raso (rente ao solo) da ve-getação de sub-bosque, com uso de facõese/ou machados.2. Inventário: identificação e seleção deespécies madeireiras e frutíferas de inte-resse econômico para permanecerem naárea, a uma distância de 20 metros uma dasoutras.3. Derruba: corte raso das árvores que nãotiverem interesse econômico, com macha-dos e motosserras,4. Desdobra das toras de madeira: apro-veitamento das varas ou caibros acima de3,5 m para venda às empresas de constru-ção civil e corte das toras no tamanho deum metro, para venda como lenha ou fabri-cação de carvão.5. Rebaixamento da galhada da copa dasárvores: picotamento dos galhos comterçado, foice e machado, e posterior dis-tribuição na área para cobertura do solo.

Essa prática

pode ser reproduzida

por qualquer

agricultor familiar

da Amazônia,

independente de seu

poder aquisitivo.

A adoção do Roça

sem Fogo não

depende de insumos,

mas da mudança

de hábitos relativa

à execução, controle

de práticas agrícolas

e número de

operações

O Trio da

Produtividade

da Mandioca consiste

na seleção

de manivas–semente,

plantio em

espaçamento

de 1m x 1m e capina

manual durante

os cinco meses

iniciais do ciclo

da mandioca.

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Moju*AcaráCametáAbaetetuba

Média

151277

-

71,76b113,20a48,97b62,92b

74,21b

36,08b62,68a32,96b33,60b

41,58b

28,7026,2021,2512,56

22,17

Muni

cípio

s

Idad

e da

capo

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s

Biom

assa

fresc

a t/h

a

Biom

assa

seca

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Prod

utiv

idad

ede

raiz

kg/h

a

Idade, biomassa da capoeira e produtividade deraízes de mandioca em roças sem fogo de municí-pios da região do Baixo Tocantins, Pará, em 2010

Médias de mesma letra não diferem significativamenteao nível de 5% pelo Teste de Tukey. *Única roça de mandi-oca adubada com aplicação 20g/planta de NPK (10:28:20).

6. Aceiro: limpeza e retirada de toda a bio-massa proveniente do rebaixamento dagalhada, numa largura de até cinco metros,em volta da área preparada para impedirpropagação de incêndios para dentro doroçado de cultivo.

O Trio da Produtividade da Mandioca é umamarca criada para facilitar o entendimentopelos agricultores e consiste na seleção demanivas–semente, plantio em espaçamentode 1m x 1m e capina manual durante os cin-co meses iniciais do ciclo da mandioca(Alves; Modesto Júnior; Andrade. 2008).

Essas tecnologias podem ser adotadas ereplicadas por qualquer agricultor na Ama-zônia, independente do poder econômico,pois sua adoção não depende de insumos,mas apenas de informação necessárias parasua mudança de hábito, visando à execuçãoe controle de práticas agrícolas e no númerode operações. São conhecidas como “tecno-logias de processos”, que mais promovempositivamente a produtividade de raízes demandioca, em nível de produção familiar commenor impacto ambiental possível.

Foram conduzidos experimentos em Moju,Acará, Cametá e Abaetetuba cujos resul-tados encontram-se na Tabela 1, e as tec-nologias já foram difundidas em 25 muni-cípios do Pará: Abaetetuba, Acará,Castanhal, Vigia, Cametá, Barcarena,Bragança, Tracuateua, Paragominas,Ipixuna do Pará, Marabá, Tailândia, Baião,Santa Izabel do Pará, Capitão Poço,Mocajuba, Garrafão do Norte, São Migueldo Guamá, Irituia, Ourém, Nova Esperan-ça do Piriá, Oriximiná, Santarém, Moju,Mãe do Rio, Tomé-Açu Belém (Outeiro) e03 municípios do Maranhão: São Benedi-to do Rio Preto, Caxias e Amarantes.

A maior produtividade média de mandioca foide 28,70 t/ha obtida na roça de Moju, influen-ciada pela aplicação de fertilizante mineral nadose de 20g/planta de NPK (10:28:20), aos 30dias após plantio (Tabela 1). Em contrapartidaa produtividade média de 26,20 t/ha de mandi-oca da roça do município de Acará foi obtidasem a aplicação de fertilizantes, as expensassomente da fertilidade natural do solo e daliberação gradual de nutrientes, resultante damineralização da matéria orgânica da biomas-sa. A biomassa variou de 32,96 t na roça deCametá com 7 anos, a 62,68 t na roça de Acarácom 12 anos de idade. Esses dados estão com-patíveis com os determinados por Denich et

al. (2004) em capoeiras de 7 anos (42-77 t) e 10anos (78-94 t). A maior disponibilidade de bio-massa nem sempre está relacionada com a ida-de da capoeira. A disponibilidade de biomas-sa da capoeira de 12 anos do Acará foi maiorque a de Moju que tinha 15 anos de idade. Éque na capoeira mais velha, maior quantidadede biomassa é retirada da área na forma decaibros, moirões, lenha e outros produtos nãomadeireiros. As menores produtividades demandioca foram obtidas em Cametá eAbaetetuba em consonância com a menor dis-ponibilidade de biomassa em capoeiras maisjovens sobre solos de baixíssima fertilidade.Nota-se que a melhor idade da capoeira para omanejo da roça sem fogo varia de 10-12 anospela maior disponibilidade de biomassa e nu-trientes (ver tabela abaixo).

As práticas da Roça sem Fogo e do Trio daProdutividade podem ser reproduzidas porqualquer agricultor familiar da Amazônia, in-dependente de seu poder aquisitivo, pelofato de os recursos utilizados no processoestarem sob o controle do próprio agricul-tor e disponíveis na propriedade. Com a ado-ção da Roça sem Fogo é possível solucio-nar um dos principais problemas ambientaisde preparo de área para cultivo agrícola naAmazônia, as queimadas. O novo preparode área com a prática da Roça sem Fogo seequivale em termos de custo ao sistema con-vencional de derruba e queima, com a van-tagem de mitigar a emissão de em média 70toneladas de carbono para a atmosfera.

Com base nos principais resultados obti-dos provenientes da validação e difusãodessas práticas, pode-se afirmar que:

❚ A Roça Sem Fogo elimina o sistema dederruba-e-queima responsável por grandeparte da dizimação da biodiversidade ama-zônica, reduzindo a emissão de gases rela-cionados ao efeito estufa.❚ Com a Roça Sem Fogo busca-se conseguir omaior benefício dos recursos naturais dispo-níveis na capoeira, tais como: produtos ma-deireiros (madeira, lenha, caibros para cons-trução civil, moirões para cercas e carvão) enão madeireiros (folhas, inflorescências e ta-los para artesanatos, frutas, sementes e óle-os), vinculada à conservação dos recursos am-bientais, principalmente solo, e com mínimoinput de insumos externos ao sistema.

Dia de campo para difusão das tecnologias realizado em Baião, PA, 2010.

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❚ A Roça Sem Fogo pode ser utilizada paracultivo de culturas anuais além de siste-mas agroflorestais sequenciados com a in-trodução de espécies frutíferas, medicinaise florestais após a colheita da mandioca ousistemas agroflorestais simultâneos inte-grando cultivos anuais envolvendo a man-dioca e perenes como cupuaçuzeiros, ca-caueiros, açaizeiros, castanheiras e outroscom espécies madeireiras.❚ Melhor aproveitamento da terra com am-pliação do prazo de preparo de área eplantio das culturas ampliando a possibili-dade de produção de alimentos.❚ Redução de custos de produção de man-dioca, elevação de produtividade e de ren-da em função do cultivo sustentável con-cebido pela adoção de práticas como o Trioda Produtividade da Mandioca.❚ Os agricultores que adotaram a Roça semFogo com o Trio da Produtividade da Man-dioca em Moju, Acará, Cametá e Abaetetubaobtiveram produtividade média de 22,17 t/ha,cerca de 40% a mais que a média estadual.❚ O processo de transferência de tecnolo-

gia atingiu no período de 2007 a 2011, maisde 3.500 pessoas nos eventos de difusãode tecnologia, por intermédio de cursos,palestras, dias-de-campo, seminários eworkshops.❚ A eliminação do uso do fogo e o manejo da

biomassa das capoeiras estudadas pelo pro-cesso de roça sem fogo reduziu a emissão emmédia de 20,8 toneladas de carbono para aatmosfera, considerando que o teor de car-bono oscila entre 45% e 50% da massa totalda biomassa seca (LEMOS et al., 2010). ■

Mandioca em crescimento em área preparada com a técnica da Roça Sem Fogoe plantio no Trio da Produtividade em Baião, PA, 2010.

NOTA DO EDITOR: Roça Sem Fogo e Trio da Produti-vidade da Mandioca recebeu menção honrosa noPrêmio Celso Furtado 2012 concedido pelo Minis-tério da Integração Nacional, que tem por objetivopromover a reflexão, do ponto de vista teórico eprático, sobre o desenvolvimento regional no Bra-sil. O processo tecnológico foi inscrito na categoriaII “Práticas exitosas de produção e gestão instituci-onal”, que compreendeu relatos de experiências emandamento, com resultados positivos concretos,implementados por instituições governamentais dasesferas federal, estadual ou municipal, por entidadesprivadas e pela sociedade civil, que tenham geradomudanças estruturais e transformações no territó-rio onde está instalada e em seu entorno.

Raimundo Nonato Brabo Alves – Engenheiroagrônomo, M.Sc. em Agronomia. Pesquisadorda Embrapa Amazônia Oriental, Caixa Postal48, CEP 66.095-100, Belém, PA. E-mail:[email protected]

Moisés de Souza Modesto Júnior – Engenheiroagrônomo, especialista em Marketing e Agrone-gócio. Analista da Embrapa Amazônia Oriental.E-mail: [email protected]. Artigo publi-cado no portal EcoDebate em 20/08/2013.

FOTOS CEDIDAS PELOS AUTORES.

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“A democracia brasileira é limitada

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Entrevista com Ivo Lesbaupin

Não há contradição entre as

duas propostas de Reforma

Política – a da iniciativa po-

pular e a do plebiscito popu-

lar – porque ambas têm como

objetivo uma reforma radical

do sistema político, na dire-

ção da criação de condições

para uma verdadeira demo-

cracia brasileira.

IHU ON-LINE – NESTE SETEMBRO FOI LANÇADA EM BRASÍLIA A “CAM-PANHA DE PROJETO DE LEI DE INICIATIVA POPULAR PELA REFORMA

POLÍTICA” PELA “COALIZÃO DEMOCRÁTICA PELA REFORMA POLÍTICA EELEIÇÕES LIMPAS”. QUAL A ORIGEM DESSA INICIATIVA E O QUE PRO-PÕE? POR QUE É PRECISO UMA REFORMA POLÍTICA?Ivo Lesbaupin – No sistema político atual, executivo e legislativopodem se entender, aprovar projetos e implementar políticas semlevar em conta o que os movimentos sociais pensam ou o que amaioria dos cidadãos reivindicam.

Há cerca de dez anos constituiu-se uma articulação de movimentossociais e entidades da sociedade civil, que passou a se chamar“Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Po-lítico”. O ponto de partida desta articulação era a constatação deque nossa democracia é seriamente limitada, porque não conseguegarantir o essencial, que é a soberania popular. Em outras palavras,há elementos formais da democracia, como eleições regulares, im-prensa livre, direito à liberdade de opinião, mas o poder não estánas mãos dos cidadãos e cidadãs, o poder é apropriado pelos re-presentantes eleitos (parlamentares e governos), com muito poucapossibilidade de interferência da maioria da sociedade além do voto.Mesmo depois da introdução dos conselhos setoriais e das confe-rências de políticas públicas, há muita participação, mas, sem po-der de decisão. O governo faz o que bem entende com as indica-ções que são aprovadas nestas conferências.

e não garante a soberania popular”

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A Plataforma concluiu que, para efetivar a soberania popular, seriapreciso muito mais do que uma simples reforma eleitoral. Seria precisoreformar o sistema político em cinco eixos: a democracia direta, a demo-cracia representativa, a democracia participativa, a democratização dosmeios de comunicação, a democratização do poder judiciário. Depoisde alguns anos pressionando o parlamento para realizar esta reforma,a Plataforma decidiu dar um passo além. Em 2011 elaborou um projetode lei de iniciativa popular que englobava dois daqueles temas – ademocracia direta e a representativa –, e passou a fazer campanha deassinaturas. Em 2013, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral/ MCCE, juntamente com a OAB, elaborou outro projeto de lei deiniciativa popular, centrado na democracia representativa.

IHU ON-LINE – POR OUTRO LADO, HÁ UMA INICIATIVA DE VÁRIASORGANIZAÇÕES POPULARES SUGERINDO UM “PLEBISCITO POPULAR”SOBRE A REFORMA POLÍTICA. QUEM ESTÁ ARTICULANDO, COMO COME-ÇOU, O QUE PROPÕE E QUAIS SERÃO OS PRÓXIMOS PASSOS?I.L. – A partir das mobilizações de junho e das manifestações dos movi-mentos sociais organizados em julho e com o destaque que a reformapolítica assumiu, sentiu-se necessidade de organizar um consenso emtorno de uma proposta comum. A partir de sugestão da CNBB, reuniram-se várias articulações e entidades: a Plataforma, a Frente Parlamentarpela Reforma Política, o MCCE, a OAB, o MST, a CUT, a FederaçãoNacional dos Jornalistas/FENAJ, a UNE, a CONTAG, o Conselho Naci-onal de Igrejas Cristãs/CONIC, a Associação dos Magistrados do Brasil,a Cáritas e a Comissão Brasileira de Justiça e Paz/CBJP. Formou-se a“Coalizão Democrática pela Reforma Política e Eleições Limpas” e cons-truiu-se um projeto de lei de iniciativa popular de consenso, tratando dedois eixos: a democracia direta e a democracia representativa.

Um dos itens fundamentais é o fim do financiamento empresarial priva-do para campanhas eleitorais e partidos. Muitos consideram este umdos principais fatores da corrupção existente no país. Bancos, emprei-teiras e empresas em geral entram com muitos recursos para financiaras campanhas dos candidatos. O resultado é que boa parte das açõesdos governos e dos parlamentares é feita não para atender aos interes-ses de seus eleitores, mas os de seus financiadores.

Isto é muito fácil de verificar: se levantamos os principais financia-dores das eleições de 2010 e examinamos certas políticas e a maio-ria das obras públicas desenvolvidas pelos governos, vemos queestas grandes empreiteiras e o setor do capital financeiro são osgrandes beneficiários. Para dar apenas dois exemplos, a Odebrechtdoou um milhão para a campanha presidencial. No decorrer de ape-nas um ano, recebeu 24 milhões para a realização de obras públi-cas; a empresa Carioca Engenharia doou 600 mil, e teve obras orça-das em 176 milhões. E os lucros dos bancos aumentam a cada ano(mesmo considerando o período em que houve ligeira queda nosjuros), conforme informa regularmente a imprensa.

PROPOSTAS:O projeto propõe o financiamento público, de um lado, e a possibi-lidade de financiamento individual, com um teto de 700 reais porpessoa (em torno de um salário-mínimo), cercado de exigências. Ofinanciamento por parte de pessoa jurídica (empresas) fica termi-nantemente proibido. Além de reduzir radicalmente o peso do po-der econômico nas eleições, a proposta reduzirá também o mon-tante atualmente gasto nas campanhas que, além de ser exorbitan-te, só dá chances a candidatos ricos (ou apoiados por ricos).

Outro elemento importante do projeto de lei é a regulamentação douso de instrumentos de democracia direta. Estes instrumentos estãona Constituição de 1988, mas a possibilidade de seu uso é bastanterestritiva. Agora, a proposta estabelece que determinados temastenham necessariamente de ser decididos pela população: por exem-plo, a criação ou desmembramento de estados; a possibilidade deprivatização de serviços públicos, de empresas estatais, ou de benspúblicos; a alienação, pela União Federal, de jazidas, em lavra ounão, de minerais e dos potenciais de energia hidráulica. Isto querdizer que, nestas matérias, nem o executivo nem o legislativo podemdecidir, só o povo, diretamente (plebiscito).

A eleição de parlamentares será feita em dois turnos: os eleito-res votarão primeiramente num partido e, no segundo turno, nocandidato daquele partido. Em outras palavras, primeiro se es-colhe o programa e, em seguida, o candidato que o eleitor con-sidera melhor para levar à frente aquele programa.

Os movimentos sociais organizados avaliaram que o tema mais forteque saiu das mobilizações de junho e julho foi a Reforma Política.Como o Congresso não quis o plebiscito nem a assembleia constitu-inte exclusiva – propostas inicialmente pelo governo –, movimentossociais e outras entidades da sociedade civil se reuniram no início deagosto e se puseram de acordo para levar para as ruas um plebiscitopopular, nos moldes daqueles que já ocorreram sobre a dívida exter-na, sobre a ALCA, sobre a Vale. A pergunta única seria se a pessoaconcorda com a convocação de uma assembleia constituinte exclu-siva para fazer a reforma do sistema político. O plebiscito seria feitodaqui a um ano, precedido de amplo debate nas bases sobre o quedeve ser reformado, quais as mudanças mais importantes etc.

São dezenas de movimentos e entidades da sociedade civil queaprovaram esta proposta: movimento negro, MST, UNE, MAB,pastorais sociais da Igreja Católica, da rede evangélica Fale, aolado de CUT, Marcha Mundial de Mulheres, Levante Popular daJuventude, entre outras organizações e movimentos.

IHU ON-LINE - NÃO HÁ CONTRADIÇÃO ENTRE AS DUAS INICIATIVAS?

I.L. – Diria que não há contradição entre as duas propostas – a dainiciativa popular e a do plebiscito popular – porque ambas têm comoobjetivo uma reforma radical do sistema político, na direção da criaçãode condições para uma verdadeira democracia. A iniciativa popularpretende começar a influenciar desde já o Congresso para tentar fazervaler as mudanças já para a próxima eleição, ou, se não for votada atéoutubro, para servir de pressão sobre os parlamentares. A do plebisci-to popular considera que uma reforma com o alcance pretendido sópoderia ser realizada através de uma assembleia constituinte exclusiva,não por este Congresso. De qualquer modo, para realizar o plebiscitopopular, será necessário realizar um processo amplo de debates nasbases dos movimentos sociais, das pastorais sociais, das entidadesda sociedade civil – o que certamente será útil para todos. ✐

Ivo Lesbaupin – É professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro– UFRJ. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia,é mestre em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Riode Janeiro – IUPERJ e doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É autor e organizador de diversos livros, entre osquais “Igreja: comunidade e massa” (São Paulo: Paulinas, 1996); e” Odesmonte da nação: balanço do governo FHC” (Petrópolis: Vozes, 1999).Entrevista publicada em IHU- On line (24/09/2013).

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Mendonça, E., Spezzano, L.de M., Biasetto, R.P. ,Mascaro, A.R., Marciliano da Costa,C.M.

Gestão Ambiental

Na composição deste objeto de estudo fo-ram levantadas informações inerentes ao

meio ambiente, visando o entendimento da com-posição da matriz da vida, à degradação ambi-ental, visando uma maior consciência dos indi-víduos, à própria gestão ambiental, e, por fim, omarketing verde, com seu cunho informativo.

Os objetivos foram: verificar a importânciada utilização da gestão ambiental dentro dasorganizações, para as mesmas e para o meioambiente; estudar a possibilidade de mini-mizar os impactos do exercício das empre-sas no meio através da gestão ambiental;ponderar sobre a relação entre o desenvol-vimento da humanidade e a devastação domeio ambiente; entre outros.

Referente à metodologia aplicada na elabo-ração do projeto foi adotado método induti-vo, que advém do estudo particular para ogeral, com a utilização de técnicas de pes-quisa qualitativa bibliográfica, que tem porfinalidade explicar um problema a partir dereferências teóricas publicadas em documen-tos, tais como: livros, revistas acadêmicas,sites, artigos, entre outros.

INTRODUÇÃOSituar-se acima de exigências legais, median-te sistema de gestão ambiental, deixa de serapenas uma estratégia preventiva para cons-tituir-se mesmo em vantagem competitiva ediferencial no mercado. Isto porque a quali-dade ambiental exige um uso mais racional eprodutivo de insumos, reduzindo os custosde produção. Além disso, as mudanças po-dem gerar novas oportunidades de negócios.

De acordo com Valle (1995), “a qualidadeambiental é parte inseparável da quali-dade total ansiada pelas empresas quepretendem manter-se competitivas e asse-gurar sua posição em um mercado cadavez mais globalizado e exigente.”

Na medida em que cresce a consciência da ne-cessidade de se manter e melhorar a qualidadeambiental e de se proteger a saúde humana,organizações de todos os tamanhos estão cadavez mais orientando suas atenções para o pos-sível impacto de suas atividades, produtos eserviços. Para as partes interessadas internase externas de uma organização, seu desempe-nho ambiental é de importância crescente.

Empresas que têm como produto ou servi-ço a responsabilidade social e ambientalacabam ganhando a simpatia dos consumi-dores e formadores de opinião. Com issoatuam no mercado verde que ainda jovemestá ganhando cada vez mais espaço. Tec-nologias inovadoras, responsabilidade so-cial e ambiental, atitudes e mudanças dehábitos são decisões que nortearão o con-sumo consciente e a sustentabilidade.

O marketing verde utiliza estratégias paradeterminar os menores impactos ambientaisao longo do ciclo de vida dos produtos.

Diante de um cenário crescente em âmbitomundial, grupos ambientalistas surgiramcom a proposta de fiscalizar e pressionar asempresas quanto aos seus impactos aoMeio Ambiente, (principalmente as multi-nacionais que retiram da natureza matériaspara produzir seus produtos), e fazem comque essas empresas divulguem através dapropaganda institucional, a prestação decontas sobre o trabalho produzido provan-do com que toda atividade seja refletida nocuidado com o Meio Ambiente

Este estudo tem como finalidade apu-

rar, analisar e confirmar se os sistemas

de gestão ambiental são benéficos ape-

nas para as organizações, do ponto de vista

do marketing, caracterizando-se exclu-

sivamente como mais uma estratégia

empresarial ou, de forma mais abran-

gente, se o conceito de gestão ambi-

ental se faz imperativo quando relacionado

à sobrevivência da humanidade.

e Marketing Verde

Jared Rodrigues/Truthout.org

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REFERÊNCIAS

Dias, Reinaldo. Gestão Ambiental: Responsabili-dade Social e Sustentabilidade. 1 ed. São Paulo:Atlas, 2007.Valle, Cyro Eyer do. Qualidade Ambiental: Comoser competitivo protegendo o meio ambiente:(como se preparar para as normas ISO 14000).São Paulo: Pioneira, 1995.Kotler, Philip. Princípios de Marketing. 7ª ed.Rio de Janeiro. Qualytmark, 1995.

GESTÃO AMBIENTAL

“Gestão ambiental é o controle apropri-ado do meio ambiente físico, para propi-ciar o seu uso com o mínimo de abuso, demodo a manter as comunidades biológi-cas, para o benefício continuado do serhumano.” Ou ainda, a Gestão Ambientalconsiste na administração do uso dos re-cursos ambientais, por meio de ações oumedidas econômicas, investimentos e po-tenciais institucionais e jurídicos, com a fi-nalidade de manter ou recuperar a qualida-de de recursos e desenvolvimento social(CAMPOS, 2002).

(SEBRAE, 2004) Inicialmente, nos anos 70e começo dos anos 80 na Europa, os esfor-ços concentraram-se no desenvolvimentodas estruturas legislativas e regulamenta-res, reforçados por uma estrutura de licen-ciamento ambiental.

A resposta da indústria foi amplamente rea-cionária. A indústria investiu em soluçõestecnológicas superficiais para assegurar queestava de acordo com as regulamentações,sempre mais restritivas, e com as licençasde operação relacionadas a condicionan-tes ambientais, na busca de atender ao co-mando-controle da legislação ambientalcada vez mais rigorosa.

A implementação de sistemas de gestão am-biental em empresas permanece voluntária.No entanto, organizações em todo o mundoestão estimando cuidadosamente não só osbenefícios financeiros (identificação e redu-ção de desperdícios, melhora na eficiênciada produção, novo potencial de marketingetc.) que podem surgi r de tais atividades,mas também os riscos de não empregar solu-ções organizacionais e técnicas para proble-mas ambientais (acidentes, incapacidade deobter crédito bancário e investimento priva-do, perda de mercado e da clientela).

MARKETING VERDE

O termo marketing verde, ecológico ou am-biental, surgiu nos anos setenta, quando aAMA (American Marketing Association)realizou um Workshop com a intenção dediscutir o impacto do marketing sobre o meioambiente. Após esse evento o MarketingEcológico foi assim definido: “O estudo dosaspectos positivos e negativos das ativi-dades de Marketing em relação à polui-ção, ao esgotamento de energia e ao esgo-tamento dos recursos não renováveis.”Posteriormente, o marketing ambiental tam-

bém foi discutido por Kotler que o definiucomo sendo: “(…) um movimento das em-presas para criarem e colocarem no mer-cado produtos ambientalmente responsá-veis em relação ao meio ambiente”.

Dias (2007) expõe que o aumento da cons-ciência ambiental acaba por afirmar umnovo tipo de consumidores, os consumi-dores verdes, fazendo com que o meio am-biente passe a compor as preocupações eestratégias de marketing.

Esse novo consumidor manifesta suas pre-ocupações inerentes ao meio ambiente noseu comportamento de compra, optandopor produtos que causam menos impactosao ambiente e valorizando as empresas so-cial e ambientalmente responsáveis. Des-tarte, manifestará seu repúdio em relaçãoàqueles produtos e àquelas empresas quecontaminam o meio ambiente.

É este comportamento que se torna aos pou-cos um novo modelo de paradigma de con-sumo que obriga as empresas a visualizaremo marketing sob uma nova ótica, norteadostambém para um objetivo mais ecológico.

CONCLUSÃO

Depois de realizado o planejamento faz-se ne-cessário colocar em prática o estabelecido, deforma eficiente e com eficácia, para que osobjetivos sejam alcançados, entretanto é per-ceptível a carência da preparação, conside-rando que quando há uma pequena alteraçãoem procedimentos de uma organização a pos-sibilidade de erro já é grande, que dirá de umamudança tão profunda nos valores e porquenão dizer, na alma da empresa.

Com a organização preparada à implemen-tação do modelo de gestão ambiental paraauxiliar no alcance das metas propostas nasfases de planejamento, serão delineadas epostas em práticas as estratégias e méto-dos que serão comuns a todos os tipos deorganizações como a introdução dos con-ceitos de redução, reutilização e reciclagemem suas atividades, além de estratégias in-

trínsecas a cada tipo de organização.O marketing verde também tem grande impor-tância, pois é a constatação e a demonstra-ção por parte das organizações da consciên-cia de que a necessidade por uma gestão vol-tada ao meio ambiente saudável está cada vezmais inserida dentro das prioridades organi-zacionais. Oferecendo informações sobre suagestão aos consumidores, que possuem opoder da compra, sabendo cada vez maiscomo usá-lo de forma que não deixem de ladoseus valores e lutam para que as empresasatendam não somente as necessidades pes-soais como também as sociais.

O marketing ecológico também atende parci-almente ao quesito de educação ambiental,partindo do princípio de que há contato emtempo integral com tantos meios de comuni-cação com as organizações, e levando emconsideração a facilidade do ser humano dese influenciar, e que, portanto, quanto maiorfor o apelo direcionado à questão ambiental eo desenvolvimento sustentável maior a cons-cientização da população e maior será a mobi-lização pelo atendimento da necessidade deminimização dos impactos no meio ambiente.

Conclui-se então, que a gestão ambientalimplementada nas organizações pode e de-verá ser uma ferramenta de marketing para aempresa, no sentido de ser um diferencialcompetitivo e não apenas mais uma modaque passará, sendo importante ressaltar queas instituições estão se conscientizando cadavez mais da possibilidade de se beneficiardo fator ambiental como também percebemque a destruição do meio ambiente vai levara humanidade à extinção caso não sejam to-madas atitudes visando à preservação doambiente, que é a base do desenvolvimentonão por ser de onde extraímos as matérias-primas para produção, mas sim por ser o meioque possibilita a vida no planeta. ■

Eduardo Mendonça, Leandra de MattosSpezzano, Rodrigo Pires Biasetto, AmandaRossi Mascaro, Cintia Moreira Marcilianoda Costa /Centro Universitário Estácio Radialde São Paulo. Estudo publicado pelo PortalEcoDebate (25/10/2012).

O marketing verde utiliza

estratégias para determinar

os menores impactos

ambientais ao longo do

ciclo de vida dos produtos.

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Os últimos 50 anos de atividade eco-

nômica respondem pela depredação

de 60% dos ecossistemas. O atual

modus operandi de obsolescência

programada do sistema econômico

só polui e devasta o meio ambiente.

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Economia sustentável respeita os princípios da ecologia

por Marcus Eduardo de Oliveira

Omercado formou o atual e devastador mo-delo econômico que, ao sustentar-se numa

escala de produção crescente para “satisfazer”níveis de consumo exagerados, dilapida os prin-cipais serviços ecossistêmicos, exaurindo recur-sos ambientais acima da capacidade de regenera-ção do sistema ecológico.

Mesmo tal nível de consumo não sendo extensi-vo a todos, visto estar concentrado em poucasmãos, fere substancialmente o patrimônio natu-ral. Os números que conformam esse argumentosão ilustrativos:❚ Pouco mais de 250 pessoas, com ativos superi-ores a US$ 1 bilhão cada, têm, juntas, mais do queo produto bruto conjunto dos 40 países mais po-bres, onde vivem 600 milhões de pessoas.❚ Os 16% mais ricos do mundo são responsá-veis por 78% do total do consumo mundial.❚ 92 mil pessoas acumulam em paraísos fiscaismais de US$20 trilhões.❚ Os 500 milhões de indivíduos mais ricos doplaneta são responsáveis por 50% da emissão dedióxido de carbono, agravando o efeito estufa.

Segundo o relatório “O Estado do Mundo”, doWorldwatch Institute, em 2008 foram vendidosno mundo 68 milhões de veículos, 85 milhões derefrigeradores, 297 milhões de computadores e1,2 bilhão de telefones celulares. O consumo dahumanidade em bens e serviços saiu de US$4,9trilhões, em 1960 (calculado em dólares de 2008);para US$23,9 trilhões (1996), chegando a US$30trilhões (2006) e, em US$41 trilhões, em 2012.

O consumo suntuoso (conspícuo, no “idiomaeconomês”) grassa aceleradamente, “consumin-do” o capital natural do planeta. Os gastos comcosméticos ao ano – somente nos EUA – che-gam aos US$9 bilhões. A Europa (com 740 mi-lhões de habitantes) gasta com cigarros, tambémao ano, mais de US$50 bilhões, e mais US$105

bilhões em bebidas alcoólicas. O gasto mundialanual em armamentos e equipamentos bélicosse aproxima de US$900 bilhões, enquanto ape-nas US$9 bilhões (1% do que as grandes potên-cias gastam para matar gente inocente) seriamsuficientes para levar água e saneamento básicoà toda população mundial.

Esse modelo econômico de elevada produção“alimentado” com exagerado consumo é des-truidor dos serviços ecossistêmicos. Basta aten-tar para o estrago generalizado nos quatro ecos-sistemas que fornecem nosso alimento – flores-tas, pradarias, pesqueiros e terras agrícolas.Especificamente, nesses dois últimos, a ativi-dade econômica tem se manifestado ao longo dotempo de forma muito invasiva. Das 17 reser-vas pesqueiras oceânicas conhecidas no mun-do, 11 delas possuem taxas de retirada maior doque a capacidade de reposição. Das terras fir-mes do mundo, quatro bilhões de hectares en-contram-se deteriorados. Os últimos 50 anosde atividade econômica respondem pela depre-dação de 60% dos ecossistemas.

Relacionado a isso, o crescimento populacionale, logo, de suas “necessidades”, se apresentanum ritmo mais acelerado do que a natureza écapaz de suportar. Descontadas as mortes, acada dia 220 mil novas pessoas nascem no mundo– são 80 milhões ao ano. Nos últimos 112 anos,a população cresceu mais de 350%; passou de1,5 bilhão (em 1900) para os atuais 7 bilhões.Por isso, de 1980 para cá, o consumo mundialdos recursos aumentou 50% – a cada ano sãoextraídas 60 bilhões de toneladas de recursos.

Quando o consumo material excede o nível ne-cessário, o bem-estar consequentemente decli-na. Talvez isso explique a necessidade de secriar uma nova economia, um novo modelo eco-nômico projetado para a Terra – e não para o

mercado –, sendo considerado sustentável, naacepção do termo, somente se praticar o im-prescindível respeito aos princípios ecológicos.Para alcançar esse novo estágio de modelo eco-nômico é necessário, antes, mudar o modusoperandi do sistema econômico.

É inaceitável mantê-lo da forma como está, cri-ando cada vez mais necessidades fúteis. É as-sim que esse modelo se sustenta, pouco se im-portando em satisfazer plenamente as necessi-dades da população, mas sim em continuar cri-ando novas produções para alimentar um con-sumismo, em geral, de futilidades, mantendosempre em nível elevado essas “necessidades”.Para isso, estimula-se em ritmo alucinante aprodução econômica, “oferecendo”, como es-pécie de “recompensa”, à biosfera mais polui-ção, mais degradação ecológica.

A obsolescência programada (mecanismo paradiminuir a vida útil dos produtos forçando as-sim novas vendas) ocupa considerável espaçonessa dinâmica. Apenas para ilustrar: somenteem 2012, a população brasileira descartou (jo-gou no lixo) 200 milhões de telefones celulares.

Junto à insidiosa indústria da publicidade (o se-gundo maior orçamento mundial, perdendo ape-nas para os gastos bélicos) a dinâmica capitalis-ta “surfa” cada vez mais nessa onda consumista.Quem sofre com isso é o planeta que fica arra-nhado em sua textura principal pelas garras afi-adas desse consumo voraz, ainda que restritopara poucas mãos. ■

Marcus Eduardo de Oliveira é professor deEconomia e Mestre em Integração da AméricaLatina (USP). Texto publicado no portalEcoDebate (29/07/2013), no qual é articulista.E-mail: [email protected]

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