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REFERENCIAIS CURRICULARES DO ENSINO FUNDAMENTAL

DO ESTADO DA PARAÍBA

Educar em e para...

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GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA José Targino Maranhão SECRETARIA DA EDUCAÇÃO E CULTURA Francisco de Sales Gaudêncio SECRETARIA EXECUTIVA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E CULTUR A Emília Augusta Lins Freire SUBSECRETARIA EXECUTIVA DA EDUCAÇÃO Christiani Medeiros Loureiro Soares GERÊNCIA EXECUTIVA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO FU NDAMENTAL Maria Josana Cavalcanti Veras

PROJETO “ELABORAÇÃO DOS REFERENCIAIS CURRICULARES D O ENSINO FUNDAMENTAL DO ESTADO DA PARAÍBA” Rosa Maria Godoy Silveira – Coordenação Geral REVISOR LINGUÍSTICO DO PROJETO “ELABORAÇÃO DOS REFE RENCIAIS CURRICULARES DO ENSINO FUNDAMENTAL DO ESTADO DA PAR AÍBA” José Temístocles Ferreira Junior ARTE, PROJETO GRÁFICO E DESIGN EDITORIAL Williame Farias Ribeiro

CAPA: A foto do Lyceu Paraibano homenageia a secular instituição de ensino criada em 24 de março de 1836, com o prédio atual inaugurado em 1937, pelo significativo papel desempenhado no ensino público na Paraíba, intermediando os níveis da Educação Básica, entre a formação das primeiras letras e o ensino superior.

G721r Governo do Estado da Paraíba. Secretaria de Educação e Cultura. Gerência Executiva da Educação Infantil e Ensino Fundamental.

Referenciais Curriculares do Ensino Fundamental: Linguagens e Diversidade Sociocultural. / Governo do Estado da Paraíba. Secretaria de Educação e Cultura. Gerência Executiva da Educação Infantil e Ensino Fundamental. – João Pessoa: SEC/Grafset, 2010.

392p.

1. Parâmetros Curriculares 2. Temas Transversais: Educação Fundamental. 3. Linguagens 4. Diversidade Sociocultural I. Título.

CDU: 371.214

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Senhores Professores Senhoras Professoras A Secretaria de Estado da Educação e Cultura da Paraíba tem a grata satisfação de entregar aos

docentes do sistema estadual de ensino os novos Referenciais Curriculares do Ensino

Fundamental, dispostos em 03 volumes, que constituem um material bastante sugestivo para as

atividades pedagógicas.

Com esta meta cumprida, o Governo do Estado da Paraíba supre uma lacuna de mais de duas

décadas, uma vez que o último currículo do Ensino Fundamental vigente no Estado data de 1988.

Uma reforma curricular – todos sabemos – não é uma panaceia para todos os problemas

educacionais, mas se configura como uma política pública relevante para a melhoria da qualidade

de ensino, tanto mais quanto a potencialização de novos conhecimentos se alargou de modo

incomensurável, com as tecnologias de informação e comunicação, demandando uma outra

concepção de Educação e uma mudança na atuação da Escola e do professor.

Em consequência, tais transformações exigem um currículo escolar que incorpore conteúdos

inéditos e criativamente organizados, novos conceitos e metodologias de ensino-aprendizagem,

novas linguagens suscitadas pela contemporaneidade, novas formas de avaliação.

A proposição desses Referenciais Curriculares também visa à adequação ao profuso sistema

normativo que vem sendo implantado no sistema educacional do país, desde a Constituição

Federal de 1988, com um amplo conjunto de dispositivos legais, a darem um perfil bastante

inovador à Educação brasileira, equacionando-a para o tempo presente e também futuro.

Cabe remarcar, nesta oportunidade, o apoio essencial do Governo Federal para a consecução

desse trabalho, mediante o aporte de recursos financeiros do Fundo Nacional de Desenvolvimento

da Educação – FNDE.

Cordialmente,

João Pessoa, dezembro de 2010.

Francisco de Sales Gaudêncio Secretário de Educação e Cultura

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Estimados Professores e Professoras,

Desde 1988, não se procedia a uma mudança curricular no Ensino Fundamental do sistema

estadual de ensino da Paraíba.

Desnecessárias maiores delongas para expressar o quanto o mundo e a sociedade mudaram em

termos materiais e simbólicos, nas dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais. Mudou a

juventude, que hoje apresenta perfil e valores bastante diferenciados.

Advoga-se, em conseqüência, uma outra Educação compatível com tais transformações e que

possa ter significado para os jovens guardarem relação com os seus modos de vida e suas

expectativas.

Por outro lado, desde a retomada do Estado de Direito e a reconstitucionalização da sociedade

brasileira, o Estado Nacional brasileiro vem empreendendo uma reformulação abrangente do

arcabouço legal que normatiza o nosso sistema educacional.

Daí que uma mudança dos referenciais curriculares do Ensino Fundamental do sistema estadual

de ensino paraibano se fazia imperiosa. Foi nesse intuito que a Gerência Executiva de Educação

Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Estado da Educação e Cultura elegeu, entre tantas

outras ações igualmente imperiosas, a reforma curricular como uma política pública prioritária e

formulou projeto nesse sentido junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação –

FNDE, com vistas à elaboração de Referenciais Curriculares para o Ensino Fundamental de nove

anos.

Ao entregar aos docentes do Ensino Fundamental do Estado da Paraíba esses Referenciais, esta

Gerência espera que possam contribuir positivamente para o fazer pedagógico desses profissionais

em sala de aula. Sem dúvida, esta ação precisa ser complementada com um programa de

capacitação de professores e demais providências apontadas nos próprios Referenciais.

João Pessoa, dezembro de 2010.

Maria Josana Cavalcanti Veras Gerente da Educação Infantil e do Ensino Fundamental

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SUMÁRIO GERAL DO VOLUME 1

UMA REFORMA CURRICULAR EM UM CONTEXTO DE MUITAS MUD ANÇAS 11

O contexto geo-sócio-histórico ou espaço-temporal ................................................................ 11

O contexto epistemológico ....................................................................................................... 13

Os impactos das mudanças geo-histórico-epistemológicas sobre a socialização cultural e a

Educação ................................................................................................................................... 16

O Educador diante das mudanças: o seu lugar social ............................................................... 30

Novos marcos regulatórios da Educação Brasileira: o sistema normativo .............................. 32

Referenciais Curriculares e Ensino Fundamental ..................................................................... 33

À guisa de conclusão ... ou de um começo ............................................................................... 34

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 34

ANEXOS .................................................................................................................................. 35

LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS ..................................................... 39

LÍNGUA PORTUGUESA

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 42

1 CONCEITOS-CHAVE .......................................................................................................... 44

1.1 Concepções de linguagem .................................................................................................. 44

1.2 Concepção de letramento.................................................................................................... 46

2 INSERÇÃO DA DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO BÁSICA .... 48

3 OBJETIVOS GERAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSINO

FUNDAMENTAL .................................................................................................................... 50

4 COMPETÊNCIAS A SEREM DESENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ENSINO-

APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA................................................................. 51

4.1 Eixos estruturadores: como a competência textual e a gramatical serão trabalhadas? ....... 60

4.2 Competências x capacidades de linguagem x análise linguística ....................................... 62

4.3 Gêneros textuais indicados para os dois segmentos do Ensino Fundamental .................... 68

5 METODOLOGIAS PARA O ESTUDO DE LÍNGUA PORTUGUESA ............................. 74

5.1 A Pedagogia dos Projetos ................................................................................................... 74

5.2 O desenvolvimento das Sequências Didáticas (SD) ........................................................... 76

6 ARTICULAÇÃO ENTRE COMPETÊNCIAS, CAPACIDADES E MOBILIZAÇÃO DE

CONTEÚDOS .......................................................................................................................... 78

7 O SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA ......................................... 91

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REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 95

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA ...................................................................................... 98

SITES RECOMENDADOS ..................................................................................................... 99

LÍNGUA ESTRANGEIRA

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 102

1 INSERÇÃO DA LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CURRÍCULO DO ENSINO

FUNDAMENTAL II .............................................................................................................. 103

2 CONCEITOS BASILARES NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE

LÍNGUAS ESTRANGEIRAS (PCN-LE, 1998) .................................................................... 105

3 OBJETIVOS DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA .............................................. 113

4 CAPACIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS NO E PELO ENSINO DE LÍNGUA

ESTRANGEIRA .................................................................................................................... 114

5 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS .............................................................................. 120

6 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM .............................................................................. 136

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA PARA O PROFESSOR ............................................. 144

SÍTIOS DE INTERESSE PARA PESQUISAS ..................................................................... 145

ANEXOS ................................................................................................................................ 147

ARTES

1 INSERÇÃO DAS ARTES NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PROBLEMAS, SOLUÇÕES E

ENCONTROS DO PASSADO E DO PRESENTE ............................................................... 150

1.1 Problemas, soluções e encontros propostos pelo Ensino das “Artes e Ofícios”.......... 151

1.2 Problemas, soluções e encontros propostos pelo “Ensino do Desenho” .......................... 153

1.3 Problemas, soluções e encontros propostos pelo ensino dos “Trabalhos Manuais/Artes

Aplicadas” .............................................................................................................................. 157

1.4 Problemas, soluções e encontros propostos a partir da “Educação pela Arte” ................ 159

1.5 Problemas, soluções e encontros propostos pelo ensino das “Artes Industriais” ............. 161

1.6 Problemas, soluções e encontros propostos pelo ensino da “Educação Artística” ........... 161

1.7 Problemas, soluções e encontros propostos pela “Arte-educação” .................................. 163

1.8 Problemas, soluções e encontros propostos pelas “Artes” ou “Arte/educação”............... 164

2 OBJETIVOS DO ENSINO DE ARTES OU DA ARTE/EDUCAÇÃO ............................. 165

2.1 Legislação em vigor sobre Arte/educação ........................................................................ 167

2.3 Legislação em vigor sobre o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena ... 168

2.4 Legislação em vigor no município de João Pessoa/PB .................................................... 168

3 COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS AO ENSINO E APRENDIZAGEM DE ARTES .... 168

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3.1 Das competências e capacidades para “aprender a aprender” a partir da problematização

................................................................................................................................................ 168

3.2. Das práticas sociais de Artes ........................................................................................... 173

3.3 Das competências às capacidades das/nas visualidades, teatralidades e musicalidades .. 175

4 SISTEMATIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE CONCEITOS E CONTEÚDOS DE ARTES

................................................................................................................................................ 177

4.1 Problemas provenientes da vida que geram encontros desencadeadores de saberes ....... 178

4.2 Problemas geradores de saberes a partir da convivência com as diferenças .................... 179

4.3 Problemas desencadeadores de encontros e experiências mobilizadoras do pensamento 180

4.4 O ensino de Artes como um dos meios para ajudar a solucionar problemas ................... 181

4.5 Ensino de Artes e suas especificidades: problemas em interação com as visualidades, as

teatralidades e as musicalidades ............................................................................................. 182

4.6 O Ensino de Artes e os desafios das experiências interdisciplinares e transdisciplinares 182

4.7 Os problemas, os conceitos, as variabilidades e velocidades múltiplas ........................... 184

4.8 Conceitos necessários ao ensino de Artes ........................................................................ 185

5. DAS POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS PARA O ENSINO DE ARTES ............ 216

5.1 Das pesquisas sobre a inteligência e os processos de aprendizagem ............................... 216

5.2 Da relação entre as Inteligências Múltiplas e os processos educacionais ........................ 218

5.3 Da relação entre as Inteligências Múltiplas e o ensino de Artes ...................................... 219

5.4 Das perspectivas metodológicas do ensino de Artes ........................................................ 220

5.5 Da sala de aula aos espaços de vivência em arte e cultura: construindo a mediação cultural

................................................................................................................................................ 223

5.6 Do trabalho por projetos e da interdisciplinaridade ......................................................... 225

5.7 Das Novas Tecnologias e o Ensino de Artes .................................................................... 226

5.8 Das Artes e as musicalidades ........................................................................................... 227

5.9 Das Artes e as teatralidades .............................................................................................. 228

5.10 Das Artes e as visualidades ............................................................................................ 229

5.10.1 A Abordagem Triangular ............................................................................................ 229

5.10.2 A Interculturalidade ou Multiculturalismo no ensino de Artes ................................... 230

5.10.3 A Educação da Cultura Visual..................................................................................... 232

6. AVALIAÇÃO .................................................................................................................... 236

6.1 Dos sentidos de avaliar... .................................................................................................. 236

6.2 Da coexistência das avaliações formativa e somativa ...................................................... 238

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6.3 Da avaliação formativa ..................................................................................................... 239

6.4 Da avaliação formativa em Artes ..................................................................................... 242

6.5 Dos recursos e orientações voltados à avaliação .............................................................. 244

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 246

ANEXOS ................................................................................................................................ 251

EDUCAÇÃO FÍSICA

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 264

1 A INSERÇÃO DA DISCIPLINA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL

................................................................................................................................................ 266

2 OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................................................ 271

3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ......................................................... 272

4 CONCEITOS NECESSÁRIOS AO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA ......................... 274

5 CONTEÚDOS ESTRUTURANTES .................................................................................. 277

5.1 Jogo ................................................................................................................................... 277

5.2 Esporte .............................................................................................................................. 278

5.3 Ginástica ........................................................................................................................... 279

5.4 Dança ................................................................................................................................ 280

5.5 Luta ................................................................................................................................... 280

6 ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA DOS CONTEÚDOS ESTRUTURANTE ......................... 282

6.1 Anos Iniciais – 1º ao 5º ANO ........................................................................................... 283

6.2 Anos Finais - 6º ao 9º ano ................................................................................................. 288

7 EDUCAÇÃO FÍSICA E DIVERSIDADE .......................................................................... 293

8 PROCEDIMENTOS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS.................................................... 295

9 AVALIAÇÃO ..................................................................................................................... 299

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 301

BIBLIOGRAFIA SUGERIDA ............................................................................................... 304

SITES SUGERIDOS .............................................................................................................. 305

FILMES SUGERIDOS .......................................................................................................... 306

DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 310

1 DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL: CONCEITO E DESAFIOS .................................. 310

2 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 312

3 INSERÇÃO: POR QUE FALAR EM DIVERSIDADES NO AMBIENTE ESCOLAR? . 314

4 CONCEITOS ESTRUTURANTES PARA AS DIVERSIDADES .................................... 318

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4.1 Conteúdos conceituais ...................................................................................................... 318

4.2 Alteridade: conceito estruturante ...................................................................................... 319

4.3 Outros conceitos básicos .................................................................................................. 320

5.1 Currículo e os novos conteúdos: conceitual, procedimental e atitudinal ......................... 325

5.2 Competências e capacidades para a Diversidade ............................................................. 327

5.3 Iguais nas diferenças: que capacidades desenvolver? ...................................................... 331

6 METODOLOGIA ................................................................................................................ 332

6.1 Procedimento metodológico ............................................................................................. 333

6.2 Transversalidade e Interdisciplinaridade .......................................................................... 334

6.3 Estratégias metodológicas em Diversidade ...................................................................... 336

6.3.1 Trabalho com Projeto .................................................................................................... 337

7 AVALIAÇÃO ..................................................................................................................... 338

7.1 Significado e desafios ....................................................................................................... 338

7.2 Avaliação Formativa......................................................................................................... 339

8 CONSIDERAÇÕES SOBRE DIVERSIDADES SOCIOCULTURAIS ............................. 340

8.1 Diversidade Linguística .................................................................................................... 342

8.2 Diversidade Étnico-racial ................................................................................................. 347

8.2.1 Indígenas ........................................................................................................................ 353

8.2.2 Afro-brasileiros .............................................................................................................. 354

8.2.3 Ciganos .......................................................................................................................... 355

8.3 Gênero e Sexualidade ....................................................................................................... 357

8.4 Educação Especial ............................................................................................................ 366

8.5 Diversidade Religiosa ....................................................................................................... 374

8.5.1 A Laicidade e a Diversidade Religiosa.......................................................................... 377

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 379

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 380

ALGUMAS INDICAÇÕES REFERENCIAIS PARA APOIO DE AÇÕES DE INCLUSÃO

NAS ESCOLAS ..................................................................................................................... 384

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UMA REFORMA CURRICULAR EM UM CONTEXTO DE MUITAS MUD ANÇAS

Rosa Maria Godoy Silveira (UFPB)

Empreender uma Reforma Curricular requer a leitura e compreensão de vários

contextos: o geo-sócio-histórico ou espaço-temporal, o epistemológico, o cultural-

educacional e o jurídico-legal.

Todas essas dimensões são indispensáveis à formalização de uma proposta de

currículo naquilo que ele significa: um programa de conhecimentos realizado pela instituição

escolar no cumprimento de suas finalidades de socialização cultural.

Assim, se buscamos uma socialização cultural que possibilite aos sujeitos recursos

para uma compreensão abrangente e atualizada sobre a sociedade em que vivem e uma

preparação/qualificação para nela se inserirem de modo ativo, o currículo deve levar em conta

essas várias dimensões que o permeiam.

O contexto geo-sócio-histórico ou espaço-temporal

Trata-se da compreensão da temporalidade e espacialidade do tempo presente, de suas

configurações e o que estas implicam em termos educacionais.

O tempo-espaço atual vem se configurando desde a década de 1970, por um conjunto

de processos a que se denomina de globalização, ou seja, uma nova estruturação societária,

embora muitas de suas características possam ser encontradas antes desse período. Mas é a

partir de então que se torna visível como conjunto de processos articulados compondo um

modo de organização social diferenciado em relação a estruturas sociais antecedentes.

Na esfera econômica, aprofunda-se a internacionalização da economia, com a

formação de vastos mercados de consumo e a incorporação a tais mercados de segmentos

populacionais-sociais, até então, deles excluídos, processo que se encontra em aberto,

podendo abranger mais segmentos e que decorre de mudanças no padrão de acumulação

capitalista: a produção de mercadorias vem se transformando, quantitativa e

qualitativamente, em decorrência da incorporação das novas tecnologias de informação e

comunicação nos processos produtivos e gerando novos produtos segundo um

direcionamento de mercados segmentados. Ou seja, se a produção capitalista, na fase anterior,

que corresponde à primeira metade do século XX, era dirigida para um mercado de grandes

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massas populacionais, com produtos padronizados, agora continua a ter produtos

padronizados, mas se segmenta, agrega algo mais, especializando-se segundo as

características de conjuntos diferenciados de consumidores: mulheres, gays, idosos etc.

Tais alterações incidiram sobre as relações do mercado com o Estado, ensejando o

neoliberalismo: conjunto de políticas implementadas para otimizarem a reprodução do

capital nas novas bases da produção e consumo: desregulamentação que torne o capital mais

livre de controle, a exemplo de impostos e taxas alfandegárias; a chamada flexibilização do

trabalho, com a supressão de direitos trabalhistas, para diminuir os encargos do patronato.

Por outro lado, é preciso desmentir o discurso neoliberal de que o Estado não intervém a favor

do capital, de que no neoliberalismo predominam as “leis” do mercado, pois a expansão do

capital, historicamente, sempre demandou e continua demandando do Estado a criação de leis,

mecanismos e políticas para favorecê-lo, garantindo a sua maior liberdade de reprodução e

circulação.

Todas essas mudanças afetam a esfera educacional, mas uma delas, em particular,

incide sobre a educação de modo especial: o fato de que os serviços e os chamados bens

simbólicos estão sendo convertidos em mercadorias vendáveis no mercado. Em outras

palavras: os conhecimentos estão sendo vendáveis para quem pode comprá-los; muitas

instituições chamadas de educacionais estão fazendo, de uma pretensa “educação”, uma mera

atividade lucrativa, sem nenhuma preocupação de qualidade. Muitas pessoas, sobretudo as

mais pobres, estão pagando para se qualificarem, mas sem terem o retorno de qualidade, o que

pode dar-lhes até um título formal, mas não a capacidade efetiva para enfrentarem a

concorrência no mercado de trabalho.

Na esfera social, entre as mudanças ocorridas depois dos anos setenta, podem ser

arroladas: a do perfil da sociedade e da classe trabalhadora, que se tornou mais complexo

desde o fim da 2ª Guerra Mundial, com a intensificação da presença da mulher no mercado de

trabalho e também a diversificação dos grupos sociais; a maior visibilização e expressão de

certos sujeitos coletivos (mulheres, indígenas, negros, gays-lésbicas-bissexuais-transsexuais-

simpatizantes, consumidores, membros de diversas confissões religiosas etc.), muitos dos

quais já presentes, historicamente, há muito tempo, e constelados pelas lutas em defesa de

suas identidades, mas que adquiriram vigor depois dos anos de 1960-1970; os intensos

deslocamentos demográficos intercontinentais, de antigas colônias, para suas ex-

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metrópoles europeias ou para os Estados Unidos, gestando processos interculturais

complexos, contraditórios e conflituosos; o aumento das exclusões sociais.

No plano político, esses últimos cinquenta-sessenta anos têm se caracterizado por um

vasto processo de reconfiguração geopolítica do mundo, com desterritorializações e

reterritorializações, o surgimento de entidades supranacionais (CEE, NAFTA,

MERCOSUL etc.), a expressão de entidades subnacionais (revalorização dos espaços locais

e regionais), a afetação dos Estados Nacionais pelo processo de globalização e a

desagregação do bloco dos países do chamado socialismo real (de que vem resultando o

desaparecimento de certos Estados Nacionais – Yugoslávia, por exemplo; o aparecimento de

novos países, como o Kosovo (embora não reconhecido amplamente); a remodelação de

certos Estados, como o Brasil). Alguns autores (BAUMANN, 2000), interpretando essas

mudanças, apontam a separação entre poder (controlado pelas empresas multinacionais) e

política, restrita a esferas locais/nacionais, bem como um certo “crepúsculo ideológico” com

o fim das utopias coletivas, após o fracasso do socialismo real.

A dimensão cultural alçou-se a uma importância bastante acentuada, com a

configuração de padrões de modos de vida vinculados à expansão da sociedade de massas

e um movimento no sentido de homogeneização de valores e comportamentos que, no

entanto, não elidem a tendência contrária de heterogeneização, vinculada às expressões

identitárias das diversidades socioculturais acima referidas. Vivemos em uma ambivalência

entre: um ethos estruturado pela sobrevalorização do individualismo e do consumismo,

em que as pessoas estão imersas na “liberdade” do mercado, submetidas a suas regras; e uma

nova perspectiva cultural sobre a humanidade, emergente após o genocídio da 2ª Guerra

Mundial – a Cultura de Direitos Humanos, que busca responder às exclusões e

discriminações sociais.

Em uma dimensão societária global, é preciso atentar para problemáticas que vêm se

constituindo como ameaças à própria espécie humana: a destruição do meio ambiente e a

guerra (extremada ao terrorismo ); e a substância do tempo presente como um tempo de

incerteza e de imprevisibilidade, de impossibilidade de decisão e controle.

O contexto epistemológico

Esse conjunto de mudanças, balizadas da 2ª Guerra Mundial ao tempo presente, foram

sinalizando que os referenciais de conhecimento disponíveis para os seres humanos se

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compreenderem, compreenderem a natureza e a sociedade, já não conseguiam dar conta dos

novos acontecimentos (eventos) e processos em curso. Em outras palavras: o paradigma do

conhecimento vigente não possibilitava a compreensão deste mundo novo emergente.

Um paradigma de conhecimento é um modelo, um padrão de conceitos,

procedimentos, métodos, escalas de valores, tendo por base determinados pressupostos

teóricos, que orientam estudos e pesquisas. Tal conjunto ou constelação se torna

paradigmático depois de um longo tempo de uso e compartilhamento por uma comunidade de

pensadores, estudiosos, pesquisadores, e aí se consagra e se converte em referência

orientadora para as investigações (KUHN, 1978).

A forma de produção do conhecimento ainda vigente foi sendo construída desde a

transição da Idade Média para a Modernidade, com a Revolução Científica (séculos XVI-

XVII), resultando, ao longo da modernidade, na constituição e institucionalização de campos

organizados de conhecimento (as disciplinas), tendo por núcleo estruturante: uma

determinada concepção de razão (a cartesiana); uma concepção da ciência como um modo de

aquisição da verdade sobre o mundo (natureza, sociedade e sujeitos), distinto da opinião e do

dogma; a adoção de métodos adequados para tal aquisição, como a observação e a

experimentação ou demonstração, que conduziriam à objetividade ou validade dos

conhecimentos. Um outro elemento nuclear do método científico moderno é o princípio da

semelhança entre os seres, que ensejou a sua classificação e ordenação por suas características

comuns, descartando os seus elementos diferenciadores.

O paradigma moderno foi importante para expandir a compreensão do mundo pela

humanidade, mas as transformações históricas foram apontando as inadequações de seus

referenciais para dar conta das mudanças contemporâneas. Já desde a 2ª metade do século

XIX e adentrando o século XX, muitos filósofos, pensadores, cientistas, já vinham fazendo

formulações contradizendo tais referenciais.

Com a intensificação das mudanças históricas, nestes últimos 40-50 anos, aumentaram

as evidências da erosão do paradigma moderno para “ler”, analisar, interpretar o tempo

presente. O discurso de um progresso social crescente, lastreado no desenvolvimento da

ciência e da tecnologia como solução dos problemas da sociedade, foi sendo minado quando

cotejado com a persistência de vultosas desigualdades sociais. Passou-se a criticar a

exacerbação da crença na ciência, ou seja, o cientificismo, e suas posturas: a formalização do

pensamento; a arrogância da ciência se autoconsiderando como a detentora única de um

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conhecimento verdadeiro; a instrumentalização da ciência a serviço do poder econômico e

político (a razão instrumental); o apartamento da ciência do contexto social em que é

produzida; a consideração dos especialistas como os únicos capazes de deterem a verdade; a

desvinculação da ciência com o senso comum e sua insensibilidade para com o outro

(especialmente, os grupos subalternos), daí resultando o “desperdício das experiências”

(SANTOS, 2002).

Nesse percurso, ao mesmo tempo em que emergem as críticas ao paradigma vigente,

também vão sendo elaborados novos referenciais de conhecimento, buscando configurar uma

razão mais aberta, sob novos princípios:

a) indeterminação: este princípio representa uma crítica ao determinismo que impregnou o

paradigma moderno, isto é, ao princípio da causalidade mecanicista linear, segundo o qual

um/a certo/a evento/processo/situação (efeito) já estaria presente em outro

evento/processo/situação anterior (causa)=determinismo no passado, ou um certo

evento/processo/situação anterior acontece devido a uma certa finalidade=determinismo

no futuro. Em outras palavras, o determinismo concebe uma ordem no Universo, elimina a

possibilidade de intervenção humana no evento/processo/situação, ou rejeita que a

inteligibilidade do evento está no próprio evento/processo/situação. Por outro lado, o

desenvolvimento científico apontou que nem tudo “já está escrito”: o acaso e a

imprevisibilidade fazem parte dos fenômenos/processos/situações; um

evento/processo/situação pode ter condições anteriores para a sua ocorrência, mas pode

modificá-las no tempo presente em que ocorre;

b) alteridade (chamada por Ricoeur, 1994, de outridade): o ser humano/sujeito se constitui

em relação com o outro, em interdependência, de onde se infere que a compreensão do

mundo requer não apenas a visão do Eu mas também a desse Outro, isto é, a incorporação

das diferenças como componente da vida social e do conhecimento; não só a perspectiva

de olhar da nossa cultura, mas das demais culturas. Assim, o eurocentrismo, base do

paradigma moderno, que considera a cultura da Europa Ocidental como “a correta”, “a

verdadeira”, o modelo a ser seguido pelas outras, vai sendo criticado e contestado;

c) dialogicidade: em decorrência do reconhecimento da alteridade, também é criticada e

contestada a univocidade, o discurso apenas do Eu, do sujeito do conhecimento; é preciso

dar espaço à multivocidade, às vozes do Outro, dos muitos “outros” que também são

sujeitos do conhecimento. Esse princípio vai “quebrando”, pois, o discurso da

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“autoridade”, daquele que se considera o único detentor da verdade, dando lugar à

democratização das falas, em que todos/as têm o direito de se expressarem, manifestando

as suas verdades;

d) subjetividade: este princípio busca superar a dicotomia entre sujeito e objeto, que constitui

o paradigma moderno. A ciência, a produção do conhecimento não é neutra, o sujeito do

conhecimento neste está envolvido, com a sua cultura, os seus valores, a sua

subjetividade. Sujeito e objeto constituem uma relação, em que a perspectiva do sujeito

interfere no conhecimento do objeto;

e) multidimensionalidade: a sociedade é uma rede de relações de diversas ordens

(econômicas, políticas, sociais, culturais), constituindo uma tessitura complexa de inter-

influências. Este princípio critica e busca superar visões/análises/interpretações

unidimensionais dos fenômenos/processos naturais e sociais, vistos somente por uma

perspectiva (apenas econômica ou apenas política, ou apenas social ou apenas cultural);

f) interdisciplinaridade: decorrentes dos demais princípios, mas também do

movimento/desenvolvimento interno a cada campo de conhecimento, foram sendo

detectadas as suas relações/conexões com outros campos; foi percebido que a

complexidade das problemáticas sociais não são resolvidas apenas com o concurso de um

único campo, mas se tornam necessárias as contribuições de vários deles, relacionalmente.

Este princípio visa a superar a compartimentação, a fragmentação dos conhecimentos,

constituindo uma visão/análise/interpretação mais abrangente dos fenômenos naturais e

sociais.

Os impactos das mudanças geo-histórico-epistemológicas sobre a socialização cultural e a Educação

Os processos de tais mudanças anteriormente referidas, tanto na natureza e na

sociedade quanto no conhecimento sobre o mundo, vêm, portanto, impactando fortemente os

processos de socialização cultural. Ou melhor dizendo: tais processos representam novos

modos de socialização cultural.

O que é socialização cultural?

Trata-se do conjunto de processos mediante os quais a(s) cultura(s) de uma sociedade,

ou de seus respectivos grupos constitutivos, é/são transmitida(s) a seus membros, enquanto

recurso de sobrevivência, vivência e convivência. A(s) cultura(s) abrange(m) bens materiais e

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simbólicos: linguagem, normas sociais, valores morais, comportamentos, crenças, hábitos,

fazeres etc. Sua socialização é permanente na vida das pessoas: antes, durante e mesmo

depois de suas existências, os seres humanos estão envolvidos em relações sociais; portanto, é

dinâmica e supõe tanto a integração dos indivíduos em sua(s) cultura(s) de origem quanto em

nova(s) cultura(s) de inserção, configurando o seu ser.

Assim sendo, a socialização cultural se constitui enquanto processo educativo, pois

supõe aprendizado. E muitos são os espaços educativos: família, vizinhança, grupos de

convívio, ambiente de trabalho, igrejas e, no mundo contemporâneo, os meios de

comunicação de massa, entre outros.

Mas a Escola formal é o espaço educativo por excelência, na medida em que apresenta

características não encontráveis em outros âmbitos socializadores: o seu tempo de

socialização é mais longo, a exemplo da Escola de Educação Básica brasileira atual, com 12

anos de duração; a instituição promove (se não o faz, deveria fazê-lo) um aprendizado

contínuo e crítico, não só de informações, mas dos próprios princípios, métodos,

contextualizações e significações do aprender; conferindo, desse modo, autonomia aos

sujeitos do conhecimento. Ou seja, se a Escola cumpre suas funções, não serão apenas

aprendizados de conhecimentos que serão apre(e)ndidos, mas também como construi-los e

mobilizá-los na vida concreta das pessoas.

No entanto, a Educação e a Escola atual, internacionalmente e no Brasil, têm passado

por fortes críticas, por não mais corresponderem às demandas de socialização cultural do seu

tempo, o tempo presente. As transformações históricas têm resultado em uma nova

Socialização Cultural, que os seres humanos estão vivenciando, globalmente, embora em

diferentes ritmos, devido a seus múltiplos contextos de espaço-tempo.

De modo que a Educação ora vigente, pensada enquanto conjunto de processos

construídos em e para uma dada socialização cultural, não está conseguindo dar conta da

configuração dos processos socializadores atuais. Demanda-se uma outra Educação porque:

• O mundo mudou;

• A concepção de Conhecimento mudou: não é mais considerado como

fixo/permanente, portanto, um dado, mas como uma construção, em dois sentidos.

O primeiro deles diz respeito ao tempo: o Conhecimento muda com as

transformações no tempo histórico; como vimos, as formas de produção,

circulação, apropriação dos saberes são outras. Segundo: é o ser humano que o

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produz, a partir de seu lugar social: para haver conhecimento, é preciso que ele

passe por dentro dos indivíduos, subjetive-se, deixando de ser externo e

reprodutivista e passando a ser uma construção;

• A concepção do que se denomina verdade, nos processos educacionais, se

relativizou, explicitando as várias óticas e perspectivas com que o mundo é

interpretado e significado;

• A Educação vigente, até então focada no argumento da autoridade, neste caso, a do

professor, vem se deslocando para focar no aluno, no sujeito que está sendo

socializado em um determinado tempo e espaço, no presente e para o futuro;

• A Educação que vem sendo pensada e (re)construída não mais foca no aluno-

indivíduo-individualizado (uma mônada), mas foca no indivíduo em interação em

grupos sociais, em coletivos: não se trata apenas dos interesses dos grupos

subalternos em suas organizações de identidades socioculturais. Nem mais

interessa ao próprio sistema dispor de indivíduos socializados como pessoas

passivas e pouco afeitas a ações interativas, pois os processos produtivos atuais

demandam trabalho em equipe, sujeitos atuantes em e para coletivos tanto na

esfera de produção quanto nas de serviços e consumo;

• Em suma, e de modo mais abrangente, a Educação ainda predominante

corresponde a uma etapa anterior do sistema, falta-lhe atualização: seja para

atender aos interesses de reprodução social desta nova etapa do capitalismo

globalizado; seja para atender às demandas/produção do novo dos grupos sociais

subalternos, que, desse modo, correm o risco de uma nova exclusão, pois, já

excluídos educacionalmente na etapa histórica anterior, podem continuar excluídos

nesta nova etapa.

Como estamos vivendo esse momento de transição e mudanças, há dois conjuntos de

requerimentos postos à Educação e à Instituição Escolar: a) de um lado, aquelas que pleiteiam

a mercantilização da educação; b) de outro, as que requerem a educação como um bem não

mercantilizável, mas político, no sentido de que pertence a toda a espécie humana.

Em cada uma desses conjuntos de requisições, os sentidos são diferentes.

Na primeira situação – a Escola mercantilizada – a Cultura e o Conhecimento são

convertidos em mercadoria, privatizados; a Escola serve, inclusive, para a acumulação direta

ou indireta do capital e, usualmente, embora com exceções, a lógica que preside os processos

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educativos é aquela provinda do mundo produtivo econômico, ou seja, da concorrência,

traduzida na educação como formação dos “mais aptos”, dos “mais competentes”, por isso se

entendendo aqueles mais adestrados/ajustados ao padrão, ao sistema econômico vigente.

Assim, trata-se de uma educação excludente para aqueles que o sistema e seus agentes,

segundo a sua ótica produtivista, classificam como “desajustados” ao padrão.

Na segunda situação – a Escola Cidadã – a Cultura e o Conhecimento são

considerados patrimônio universal, pertencente a todos os seres humanos, a todos os membros

de uma sociedade, em sua diversidade. A perspectiva de educação nesta Escola, porque

contextualizada, é muito mais abrangente e não se reduz à unidimensionalidade produtivista:

não ignora (nem pode fazê-lo) a economia de mercado em que se situa, mas fixa como

prioridade uma dimensão mais ampla, uma multidimensão, que engloba todas as dimensões

do ser humano (biológica, psicológica, social, histórica): a Cidadania, que se vincula ao

“mundo da vida” (HABERMAS, 1987), valoriza o vivido, a pessoa em sua integralidade.

Nestes termos, trata-se de uma Escola holonômica – a Holonomia, do grego, significando o

todo, o uno, a unidade, é a ciência e filosofia que trata dos fenômenos da Diversidade que

compõem a Unidade, em que se processam diálogos multiculturais.

A Escola do primeiro tipo é reprodutivista e excludente. A Escola holonômica é

inclusiva e nela, a questão da reprodução e produção nos processos educativos é considerada

uma falsa questão, uma vez que a socialização cultural requer tanto a reprodução (a herança

cultural das gerações anteriores à dos educandos) quanto a produção (a transformação da

cultura e conhecimentos herdados em novos conhecimentos e nova cultura, pelos educandos,

à luz dos problemas do presente histórico da sua geração).

As mudanças acima expostas, na sociedade envolvente e nas novas expectativas em

relação à Escola, têm implicado novas concepções sobre o Currículo escolar, entendido como

o conjunto de conhecimentos desenvolvidos pela Instituição no cumprimento de suas

finalidades de socialização cultural.

Com a Revolução Científica (entre os séculos XV a XVII), foi sendo configurado o

sistema de disciplinas, territorializando campos do conhecimento. Também dos inícios da

modernidade, acentuando-se no século XIX, data a Escola pública tal como a conhecemos

hoje e, desde então, ela tem estado a serviço do poder de determinados grupos sociais e do

Estado. Depois da Revolução Industrial, sobretudo, a escolaridade [mínima] dos trabalhadores

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buscava discipliná-los para o trabalho. No século XX, imprimiu-se à educação uma orientação

tecnicista para o ajuste das grandes massas aos padrões e valores da sociedade capitalista.

No entanto, já desde o século XIX, aparecem críticas a esse modelo disciplinador de

currículo, entre as quais a do pensador norte-americano Dewey, apontando a necessidade de

sistemas educacionais prepararem as pessoas para práticas de liberdade e a convivência em

uma sociedade democrática. Tais ideias influenciaram a chamada Escola Nova, no Brasil da

década de 1930, e também repercutiriam nos anos de 1970, como resposta educacional de

contestação ao regime militar.

Depois da 2ª Guerra Mundial, multiplicaram-se, na Europa e nos Estados Unidos, as

críticas ao currículo disciplinador, denunciando os vínculos entre educação/cultura e poder e o

ensino reprodutivista, bem como a desqualificação da cultura popular, dos grupos subalternos,

pelos detentores do poder. Em outras palavras, a educação e o currículo não são neutros e nem

são “naturais”, como se tenta apresentá-los através de uma visão tecnicista. Resultam de

escolhas e interesses.

O foco dessas críticas deslocou-se, pois, do como ensinar? para uma outra direção:

para que ensinar? Na década de 1970, o movimento de Reconceituação Curricular avança no

sentido de ir além da constatação da hegemonia presente nos currículos, apontando a disputa

simbólica presente na Escola, com as tensões, conflitos e oposições dos subalternos,

vislumbrando, portanto, a possibilidade de uma educação emancipatória. A reflexão crítica

centra-se em o que aprender? A Escola de Frankfurt teve forte influência sobre os assuntos

curriculares, através dos estudos sobre a chamada indústria cultural e a sociedade de massas.

Às teorias críticas de currículo, somaram-se as teorias chamadas pós-críticas, focando no

universo simbólico da Escola, nas significações culturais (as relações entre língua, texto e

poder) aí presentes e em seus sujeitos: para quem ensinar? Fica, dessa maneira, sepultada a

concepção do Conhecimento como dado e realça-se a sua historicidade, enquanto uma

construção social e de seus grupos constitutivos, em suas diferenças. A derivação destas

concepções é a necessidade do empoderamento da Escola e do currículo por professores e

alunos.

Com o avanço do processo de Globalização e a maior complexificação social, com as

expressões de suas diversidades, a exemplo dos movimentos identitários (étnicos, geracionais,

de gênero, de orientação sexual etc.), a inadequação da Escola e do currículo escolar às novas

demandas postas pelo tempo presente tornaram-se mais evidentes, mostrando a perda de

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significado da Instituição, sobretudo para grupos sociais vulneráveis, que nela e com ela não

se identificam.

A Educação por competência cidadã – a sua configuração nesta Proposta de Reforma Curricular

A velha Educação, apenas conteudista1, vem sendo ultrapassada por uma EDUCAÇÃO

POR COMPETÊNCIA CIDADÃ.

Competência é uma palavra polissêmica e, assim, polêmica. O que vem a ser?

Etimologicamente, a acepção da palavra (do latim petere= procurar algo), precedida

do prefixo com, significava “buscar junto com outros”. Posteriormente, no bojo de uma

educação tecnicista/mercadológica, adquiriu o sentido de competição, disputar junto, daí a

rejeição mais recente ao uso do termo.

Mas, como questiona uma educadora,

Silenciar uma palavra é superar os aspectos ideológicos da prática? Acredito que não. Temos que garantir a “pronuncia” e procurar garantir também o sentido com o qual pronunciamos. [...] Sem dúvida, é preciso cuidado com o que as palavras “querem dizer”. Muitas vezes, elas são usadas exatamente para “não dizer”, ou “dizer pela metade”, disfarçar o que se apresenta. Em seu belo texto ‘Em defesa da palavra”, Eduardo Galeano afirma que “a palavra é uma arma que pode ser bem ou mal usada: a culpa do crime nunca é da faca” (Galeano, 1978, p. 22). Faz referência àqueles que “convertem a palavra em alvo de fúria”. Mas também chama atenção para a necessidade de “resgatar a palavra, [...]usada e abusada com impunidade e freqüência para impedir ou atraiçoar a comunicação (RIOS, In ROVAI, 2010, p. 151).

A palavra competência foi adquirindo vários sentidos, provindos de vários campos da

atividade humana. No Direito, trata-se da faculdade legal de certos indivíduos para

julgamento de certas questões/situações. Na esfera da Economia/Administração/Gestão,

significa capacidade profissional e de desempenho e, tendo sido marcado pela concepção

fordista-taylorista de organização do trabalho produtivo industrial, o termo foi aplicado às

relações trabalhistas e adquiriu um significado fortemente tecnicista, como um inventário de

saberes técnico-práticos considerados necessários segundo um padrão comportamental, 1 Educação conteudista: aquela centrada apenas no objeto de cada área de conhecimento, sem preocupação com os objetivos procedimentais e, sobretudo, atitudinais. Ademais, aí os conteúdos são pensados e realizados de forma estanque, já são fixados de antemão, ignorando a dinâmica das situações de aprendizagem; a sua avaliação é quantitativista: afere a quantidade de conteúdos aprendidos pelo educando, e não a sua qualidade.

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vinculado a um posto de trabalho. Esse “modelo de competência” hoje é bastante criticado e

considerado insuficiente diante da complexidade e constante mutação do mundo atual, que

exige capacidades complexas: avalia-se agora como necessário preparar pessoas até para a

imprevisibilidade, as novas situações, superando a concepção de competências pré-definidas.

Mas a base maior para a compreensão do significado de competência na Educação

advém da Psicologia, ao estudar as relações entre processos mentais (percepções, memória,

representações do conhecimento, linguagem, pensamento) e os comportamentos dos seres

humanos, mediados pelo ambiente ou meio. As contribuições de Piaget (sobre as relações

entre desenvolvimento intelectual e cognitivo e faixas etárias) e Vygotsky (sobre as relações

cérebro-funções psicológicas-mediações sócio-históricas e culturais-mediações simbólicas-

comportamentos) foram fundamentais aos processos educacionais. Mas os avanços mais

recentes na própria Psicologia e na Neuropsicologia, além dos estudos sobre inteligência

artificial (processos computacionais), vêm trazendo novos elementos para o entendimento das

capacidades cognitivas humanas, possibilitando distingui-las em três sistemas: capacidades

sociais (referentes à linguagem, aspectos emocionais, comportamentos sociais), biológicas

(categorizações) e físicas (referentes ao espaço físico); bem como para uma melhor

compreensão do entrelaçamento entre tais capacidades, compreendendo que estas se referem às

áreas do conhecimento, não são exclusivas de uma ou outra área, posto que as transversalizam.

Entre as implicações dessas concepções de inteligências múltiplas na educação,

pode-se enumerar:

a) é preciso incorporar de forma mais adequada esses conhecimentos mais recentes sobre o

cérebro humano e os sistemas cognitivos, na medida em que o desenvolvimento das

disciplinas científicas e acadêmicas neles se baseia;

b) a cultura influencia o desenvolvimento de tais capacidades: se ela valoriza determinadas

capacidades, em detrimento de outras, é preciso desenvolver aquelas preteridas. Exemplo:

uma sociedade que incentiva mais o esporte e não se preocupa com o ensino de matemática,

ou vice-versa;

c) a transferência entre domínios cognitivos, e mesmo a partilha de elementos neurológicos

comuns entre tais domínios, demanda pensar na transferência de aprendizagem entre eles.

Ex.: entre música e matemática, porque ambas envolvem processamentos visuo-espaciais

(ANDRADE; PRADO, 2006);

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d) os estudos da área possibilitam perceber a interferência de crenças culturais em domínios

cognitivos;

e) A percepção de que certas capacidades cognitivas podem se desenvolver mais

precocemente do que se supunha (do que supunha Piaget), coloca a possibilidade de

aprendizagem em faixas etárias inferiores às anteriormente supostas. Se, de um lado, a

aprendizagem mais precoce pode melhorar o aproveitamento escolar, deve haver cuidado

para não se produzir stress nas crianças (IDEM);

f) a relativização das concepções sobre talento, questionando as teses do inatismo,

enfraquecem discriminações, como aquelas que categorizam crianças, considerando umas

talentosas de nascença e outras, não, ignorando as condições e oportunidades sociais

diferenciadas no desenvolvimento humano;

g) as conexões neurológicas não exercitadas acabam inibindo-as, demandando mais tempo e

dificuldades de aprendizagem..

Estes novos conhecimentos sobre as capacidades cognitivas do ser humano mais os

requerimentos sociais por uma nova Educação, no limite, implicam a desconstrução de certas

capacidades ou a sua secundarização, até mesmo sua des-aprendizagem. Por exemplo: uma

educação em História, cuja centralidade residia apenas em memorização, vem sendo

superada.

De um modo geral, podemos conceituar competência como um conjunto de

conhecimentos e capacidades de diversas naturezas – recursos – integrados e mobilizados,

que possibilitam ao indivíduo ter inteligibilidade de si próprio e dos demais seres humanos,

dos vários fenômenos da natureza e da sociedade, e agir em relação aos mesmos.

Le Boterf (1994), um dos mais importantes estudiosos do tema, coloca que,

conceitualmente, a adição de saberes, saber-fazer e saber-ser já não bastam para o

entendimento do que seja competência. Uma nova abordagem implica saber-mobilizar, saber-

integrar, saber-transferir recursos (conhecimentos, saberes, valores e atitudes) em situações

da vida prática, e até mesmo imprevisíveis, tomando decisões e resolvendo problemas.

Para o autor, a competência se situa “numa encruzilhada, com três eixos formados pela

pessoa (sua biografia, socialização), pela sua formação educacional e pela sua experiência

profissional” (FLEURY e FLEURY, 2001).

Com base em Perrenoud (1999) e outros estudiosos, pode-se caracterizar a Educação

por competência da seguinte maneira:

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1. Educar por competência não significa detrimento dos chamados conteúdos: o

ensino disciplinar e só de conteúdos (aqui entendidos em sentido estrito de conhecimentos

disciplinares) impede o desenvolvimento de competências; mas a construção de competências

pressupõe conteúdos. Todavia, a chamada “cultura geral” ministrada pela Escola está sendo

questionada: sendo sempre seletiva, é preciso refletir sobre quais heranças culturais de

conhecimentos precisam ser sacados do patrimônio da espécie (que é muito mais amplo do

que o tempo de escolaridade permite apreendê-lo) para conferir inteligibilidade aos problemas

do tempo presente. Então, há algumas perguntas a orientarem essa nova seleção de conteúdos:

Que Cultura é essa do nosso tempo atual? Que problemas ela apresenta? A identificação

destes últimos direciona as escolhas no patrimônio de cada área do conhecimento. Mas,

mesmo as escolhas de conteúdos feitas a partir de uma visão atualizada de nossa Cultura se

tornarão anacrônicas se não forem acompanhadas da mobilização dos saberes, pois a nossa

Cultura atual demanda essa mobilização. A Educação por competência emergiu de

necessidades histórico-sociais palpáveis, e não do acaso: é preciso educar não para uma mera

acumulação de informações, mas para que as pessoas as utilizem em suas vidas,

contextualizadamente;

2. Competência não é inseparável de e incompatível com capacidades: é preciso

superar a ótica de que competências são de natureza mais “intelectual”, vinculadas mais à

Escola, e, portanto, “mais nobres e superiores”, e capacidades são da ordem do cotidiano e,

por ilação, “secundárias” porque seriam do “senso comum” (da experiência, vida prática).

Essas dimensões de conhecimentos se articulam, embora tenham distinções. Perrenoud dá um

exemplo: “de que adianta escolarizar um indivíduo durante 10 a 15 anos de sua vida se ele

continua despreparado diante de um contrato de seguro ou de uma bula farmacêutica?”. Por

outro lado, ele lembra que as capacidades de ordem prática, da vida cotidiana, não dispensam

saberes escolares básicos ou disciplinares, como o autor os denomina (IDEM);

3. Portanto, há uma diversidade de competências que o ser humano pode

desenvolver mediante processos educativos escolares e não-escolares:

Em resumo, é mais fecundo descrever e organizar a diversidade das competências do que debater para estabelecer uma distinção entre habilidades e competências. Decidir se temperar um prato, apresentar condolências, reler um texto ou organizar uma festa são habilidades ou competências teria sentido se isso remetesse a funcionamentos mentais muito diferentes. Mas não acontece dessa maneira. Concreta ou abstrata, comum ou especializada, de acesso fácil ou difícil, uma competência permite

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afrontar e regular adequadamente uma família de tarefas e de situações, apelando para noções, conhecimentos, informações, procedimentos, métodos, técnicas ou ainda a outras competências, mais específicas. (IDEM)

Há capacidades de diversas naturezas, umas mais gerais e outras, mais

específicas. De acordo com Pérez (2005), elas comportam as cognitivas (raciocínio lógico,

planejamento, organização, análise, dedução, síntese, avaliação), as psicomotoras (expressão

corporal, orientação espacial, destreza), as de comunicação (expressão oral, escrita, plástica,

gráfica) e as de inserção social (participação, integração ao ambiente, convivência,

compreensão da realidade, relacionamento interpessoal). Na Escola tradicional, quando

ensinadas, são primaziadas as consideradas intelectuais (as cognitivas, que permitem construir

conhecimentos) e pouco, as sociais (aquelas que possibilitam a inserção do indivíduo na

sociedade, a sua interação e relacionamento com o outro). Em outras palavras, o como

aprender é até focado, mas o para que fica secundarizado. É neste sentido que Perrenoud diz

que a educação por competência é “um horizonte”, que deve ser propiciado a todos,

principalmente para a grande maioria, abrindo-lhe chances para estudos mais aprofundados e

para a sua profissionalização. O autor vai mais longe quando diz que, mesmo aqueles

privilegiados educacionalmente, precisam hoje desta formação geral (ou seja, em um conjunto

de, e não apenas alguns, conhecimentos e capacidades);

4. O foco principal da educação por competência é a mobilização dos saberes (LE

BOTERF, 1994, p. 16): não basta dispor de conhecimentos, é preciso mobilizá-los em

situações. Na ação. Em contextos: nem se concretizam ações sem recursos (conhecimentos e

saberes), nem adianta dispor de recursos sem mobilização, pois serão inúteis. Como diz

Perrenoud, serão “letras mortas”. Esta é a razão principal pela qual os alunos, atualmente, não

veem sentido para o que é transmitido na Escola, em relação a suas experiências concretas de

vida;

5. Educar por competência pressupõe a historicidade, a contextualização de

situações de ensino-aprendizagem e constitui um processo permanente, ao longo da vida

das pessoas: assim, o foco dos processos educativos não é fazer dos alunos produtos prontos

e acabados, próprio de uma concepção tecnicista. Ao contrário, a ênfase recai no processo

formativo, de modo que a pessoa se compreenda sempre em formação;

6. As competências anteriormente consideradas básicas – ler, escrever, contar –

segundo uma concepção de escolaridade fundada no século XIX, não mais são

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suficientes para as necessidades da nova socialização cultural, portanto, de uma nova

escolaridade: esta tem posto novos requisitos aos processos educativos, especialmente

aqueles cuja efetividade possa preparar indivíduos para se expressarem, utilizarem novas

linguagens comunicacionais, interagirem e conviverem socialmente nas diversidades;

7. Portanto, competências não são parte dos processos de ensino, constituem o

processo de ensino e produzem valor para os indivíduos, os grupos sociais, as

instituições: Valor como dimensão cultural e filosófica: é algo significativo nas e para as

relações sociais, de que dispomos para definir princípios e orientar as ações, comportamentos

e atitudes, realizar escolhas em nossas vidas;

8. Finalmente, como síntese, podemos denominar a Educação por competência,

assim concebida, como uma Educação por competência cidadã, na medida em que se

propõe tendo a Ética para o Outro como sua dimensão fundante: “[...] a ética para o outro

reclama antes de mais nada não remetê-lo para fora da humanidade. Não arrancar ninguém de

sua condição humana ...” (DEPRESBITERIS, 2010, p. 88), possibilitando o pleno

desenvolvimento desta última. Nesse sentido, contrapõe-se à concepção tecnicista de uma

pedagogia da hegemonia porque se alinha com uma pedagogia da autonomia e emancipação

(FREIRE, 1996).

A Educação por competência cidadã, pois, afeta as várias dimensões dos

processos educativos.

Assim, os objetivos do Ensino mudam. Àqueles de dimensão mais cognitiva

(conceituais e procedimentais), relativos aos conceitos básicos de cada área do conhecimento

e aos modos de construção deste conhecimento, acrescentam-se objetivos atitudinais,

relativos à esfera dos valores éticos projetados como desejáveis na socialização cultural.

Novos conceitos são incorporados na aprendizagem de cada área do conhecimento:

não apenas novos em decorrência das mudanças contextuais, que exigem novas

representações do mundo (a inteligibilidade da sociedade, da natureza, do ser humano), mas

novos, também, no sentido de que conceitos básicos a cada área, ditos “clássicos”, são

acrescidos de outros significados, propiciados pela dinâmica cultural.

Novos conteúdos, no mesmo movimento, são adicionados: não só pelo alargamento

do objeto de cada área, convertendo em temas de estudo os problemas identificados no mundo

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atual; mas também novos pelas abordagens de tais problemas, o que remete a procedimentos

metodológicos inovadores.

Novas metodologias são, portanto, recomendadas: de um lado, pela introdução de

novas tecnologias de informação e comunicação, que possibilitam potencializar e combinar as

linguagens as mais variadas (oral, escrita, visual, virtual); de outro lado, por um movimento

de rearticulação – a interdisciplinaridade – de conhecimentos disciplinares, usualmente

tratados de forma isolada e fragmentária, de modo a dar-se conta da complexidade

constitutiva da natureza, da vida social e do ser humano e a propor respostas mais globais, de

conjunto, no enfrentamento dos problemas relativos a cada um desses âmbitos do mundo.

Novas concepções de Avaliação de ensino-aprendizagem, coerentes com as demais

mudanças pedagógicas, procuram superar a ótica tradicional dos processos avaliativos,

marcada pela quantificação/medida de conhecimentos acumulados (avaliação somativa) e

aferições pontuais, circunstanciais, apenas em determinados momentos. Em seu lugar, vêm se

configurando processos avaliativos orientados pela: qualidade e significado dos

conhecimentos apre(e)ndidos (avaliação formativa); aferição do ensino-aprendizagem como

um todo e em sua continuidade (avaliação contínua e processual); aferição do desempenho

do/a educando/a, seus avanços na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de

capacidades, e suas dificuldades, durante todo um determinado período, em cotejo com os

objetivos, capacidades e conteúdos programados (avaliação cumulativa), buscando,

sobretudo, compreender os sujeitos. Além disso, estas novas concepções se propõem, ainda, a

desenvolver a própria autoavaliação dos alunos e a aferir a atuação dos demais sujeitos

envolvidos no ensino-aprendizagem: professores, técnicos, gestores. Assim, o foco avaliativo

sofre um grande deslocamento: de um modelo/padrão, seletivo, classificatório e punitivo,

mira, agora, as diferenças de ritmos de aprendizagem entre os indivíduos e a formação de

pessoas responsáveis, dotadas de capacidade crítica e, portanto, autônomas.

.....................................

Em Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI,

coordenada por Jacques Delors, para a UNESCO, foram apresentados os quatro pilares da

Educação:

� Aprender a conhecer: abrange os processos cognitivos por excelência (atenção,

memória, raciocínio lógico, intuição, compreensão), básicos à formação de um

conhecimento crítico;

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� Aprender a Fazer: compreende a aplicação prática dos conhecimentos

adquiridos;

� Aprender a conviver: constitui a esfera de atitudes e valores, no sentido de

construção de uma convivência nas diferenças;

� Aprender a ser: considerado a síntese dos outros três, no sentido de reunir no

indivíduo todas as capacidades de que, potencialmente, o ser humano dispõe:

autonomia, ação, comunicação, interação, cooperação.

O ensino ainda vigente primazia o aprender a conhecer, contempla muito

insuficientemente o aprender a fazer e se omite quanto ao aprender a conviver.

No Art. 32 da Lei 9394/96 – LDB, já se apresentaram as competências mais gerais do

Ensino Fundamental:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos,

gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por

objetivo a formação básica do cidadão, mediante:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da

tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a

aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e

valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade

humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

O texto explicita os requisitos necessários à formação de todo cidadão: saberes,

capacidades, atitudes, valores, que correspondem, por sua vez, aos quatro princípios

emanados pela UNESCO.

Nesta Proposta de Reformulação Curricular do Ensino Fundamental do Sistema

Estadual de Ensino da Paraíba, a equipe de Consultores/as, em processo interativo com

professores/as da rede estadual de ensino, apresenta a Educação por Competências da

seguinte maneira:

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RCEF 2010

� Denomina de Competência Cidadã: a formação educativa básica necessária à

socialização do indivíduo, promovida mediante a apropriação do patrimônio

cultural, a aprendizagem de processos de construção e mobilização de saberes,

imprescindíveis ao conhecimento do mundo (natureza, sociedade, ser humano) e à

inserção, interação e atuação em sociedade. Já foi dito que a Escola é a instituição

social precípua para realizar essa competência devido ao tempo de socialização que

promove e à abrangência desta formação, daí a mesma denominar-se de Educação Básica.

Desse modo, a competência é o conjunto de capacidades, reunindo conhecimentos,

saberes, valores e atitudes. Os conhecimentos se referem ao objeto de estudo. Os saberes

constituem as ações/atitudes dos sujeitos em relação aos conhecimentos (ao patrimônio

herdado) implicando o seu domínio e mobilização. Os valores tanto estão impregnados

nos conhecimentos quanto nos saberes e atitudes.

A Competência, desse modo, é entendida como uma qualificação abrangente, uma espécie

de Capacidade-matriz global dos indivíduos.

No entanto, como cada área tem um objeto próprio (foca uma determinada dimensão da

vida: processos de linguagem, sociais, naturais, biopsíquicos), o modo de cada uma

efetuar a competência varia de acordo com as especificidades da dimensão abordada.

O significado da inserção de cada dimensão na socialização cultural e, portanto, da

inserção de cada área do conhecimento no currículo escolar, reside na resposta de cada

uma delas a uma questão central e comum a todas as disciplinas que formam a base

nacional comum do Ensino Fundamental e à Área Transversal: O que é Educar na(s)... e

para a(s)...? A resposta é a dimensão com que cada uma trabalha. A expressão na(s) e

para a(s) significa ter conhecimentos, saberes, valores e atitudes naquela dimensão,

expressá-los, usá-los interativamente em relação à mesma.

� Língua Portuguesa= educar nas e para as práticas sociais de linguagem na língua

materna;

� Língua Estrangeira= educar nas e para as práticas sociais de linguagem em língua

estrangeira;

� Matemática= educar em e para a percepção e compreensão de padrões e relações;

� Ciências= educar em e para as relações com a Natureza na diversidade;

� Geografia= educar em e para as espacialidades;

Page 30: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

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RCEF 2010

� História= educar nas e para as temporalidades (o tempo social, suas mudanças e

permanências);

� Educação Artística= educar em e para as visualidades, as teatralidades e as

musicalidades;

� Educação Física= educar em e para a cultura corporal;

� Ensino Religioso= educar em e para a alteridade;

� Diversidade Sociocultural: Diferentes e Iguais: educar nas e para as diversidades.

� Denomina de Capacidades: os saberes, a ações em relação aos conhecimentos,

componentes sem os quais a competência não se concretiza. Na verdade, os saberes

equivalem aos pilares da Educação, apontados nos documentos da UNESCO, acima

referido. Para fins didáticos, tais capacidades estão abaixo relacionadas de forma

distinta, mas, nos processos educativos concretos, a sua realização ocorre de forma

imbricada:

Saber (re)conhecer (Aprender a aprender)

Saber expressar e usar (Aprender a fazer e mobilizar)

Saber vivenciar (Aprender a conviver)

O conjunto dos saberes constitui o aprender a ser.

� Especifica as Capacidades acima apresentadas, por disciplina e a Área Transversal,

de acordo com o seu respectivo campo de conhecimento.

O Educador diante das mudanças: o seu lugar social

Em consequência do complexo conjunto de mudanças geo-históricas e sociais,

epistemológicas e educacionais, também a atuação dos educadores tem sido fortemente

afetada. Na tradição europeia ocidental, que pesou e ainda pesa na formação social brasileira,

foi preponderante, desde a Idade Média, o chamado argumento de autoridade, em que “a

verdade”, “o conhecimento”, estava em grandes figuras, obras e instituições de referência, as

chamadas “autoridades”. Na Escola, instituiu-se a “autoridade” do/a professor/a, que, em

muitas situações, gerou como padrão uma postura autoritária, em que os alunos tinham pouca

voz. Esse comportamento ainda perdura em muitas escolas, apesar das mudanças

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RCEF 2010

educacionais no sentido de democratização do ambiente escolar, aí se compreendendo as

relações interpessoais.

As mudanças no sentido de uma Educação para a competência cidadã ainda resultam

em muitas resistências da Escola e dos professores. De um lado, porque persiste uma

concepção de que a Escola ensina os saberes e a vida e a atuação profissional ensinam as

competências. Esta concepção vem sendo duramente criticada, na medida em que a Escola

atual, de um modo geral, nem sequer ensina os saberes necessários à compreensão do mundo

e, muito menos, as capacidade para os indivíduos agirem em situações complexas. (MORIN,

2005). Por outro lado, os professores, em sua grande maioria, não aprenderam por

competência, mas apenas por conhecimentos (conteúdos, em sentido estrito do objeto de cada

área do conhecimento).

Educar por competência implica, portanto, a reeducação dos próprios professores.

Assim como se requer outro modelo de Escola e outro currículo, requer-se, também,

outro/a professor/a, com algumas características marcantes: disposição ao diálogo com os

alunos, aprendendo, pessoalmente, a viver e conviver nas diferenças; consciência reflexiva

sobre a importância estratégica da sua profissão; emersão de uma postura individualista para

uma perspectiva e práticas comprometidas político-pedagogicamente, de participação na vida

da polis, no caso, no microcosmos societário de diversidades em que a Escola se configura.

As práticas docentes, à luz das constantes mudanças no Conhecimento e das demandas de

uma sociedade bastante complexa, não mais podem manter o particularismo autoritário

univocal: se o/a professor/a precisa se compreender não mais como o único sujeito (emissor)

do processo educativo, isso não significa, porém, que incorra em uma posição de neutralidade,

pois também é um sujeito de direitos tanto quanto os seus alunos (isto significa interlocução).

Mas é necessário que se coloque como mediador/a pedagógico(a) (GUTIERREZ; PRIETO,

1991), segundo uma concepção de educação centrada no/ aluno/a, não meramente

acumulativa de informação (conteudista), mas participativa e, portanto, relacional e

comunicativa. Vivencial.

Em síntese: é preciso que o/a professor/a se construa como professor/a-

cidadão/cidadã no âmbito escolar, autovalorizando-se, e, consequentemente, exigindo que a

sociedade e o Estado o valorizem.

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RCEF 2010

Novos marcos regulatórios da Educação Brasileira: o sistema normativo

O sistema educacional brasileiro, desde a saída do regime militar e o sequente

processo de redemocratização do país, tem se ajustado às transformações da sociedade,

internacionalmente, e segundo as especificidades nacionais, criando novos marcos

regulatórios.

O sistema normativo da esfera da Educação vem mudando desde os fins dos anos de

1980 e inícios da década seguinte.

A legislação compreende vários níveis:

� marcos regulatórios gerais são aqueles de força normativa mais forte e abrangente, tais

como a Carta Magna do país, Leis e Decretos (Anexo I);

� Marcos regulatórios específicos do Ensino Fundamental ou da Educação Básica: a

legislação desta natureza tem configurado uma nova visão política, cultural,

epistemológica da educação brasileira. Expressa-se em várias Diretrizes Curriculares

exaradas pelo Conselho Nacional de Educação, através de Resoluções e Pareceres de

ordem mais geral sobre a Educação Básica (Anexo II).

.......................

Ainda nesse âmbito da Educação Básica, têm sido exaradas Diretrizes sobre as várias

modalidades de ensino previstas na LDBEN, o que representa uma busca de

compatibilização com as novas demandas educacionais de um mercado segmentado entre

diversos grupos sociais, com suas características peculiares (Anexo III).

....................

A par das Diretrizes sobre modalidades, alguns temas transversais têm sido alvo de

regulamentação (Anexo IV).

E, mais recentemente, desde o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, em

2007, o Ministério da Educação, através da SECAD – Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade, vem desenvolvendo Projetos e outras ações, no sentido de

oferecer suporte para a elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação

em Direitos Humanos.

................................

Outro conjunto normativo importante diz respeito ao Ensino Fundamental de 9

anos. Ou seja: a ampliação da escolaridade para mais um ano. Essa medida visa

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RCEF 2010

compatibilizar a Educação Básica, no Brasil, a padrões internacionais. Vários

instrumentos normativos têm sido exarados (Anexo V).

.............................

Também foi normatizada a questão de suporte financeiro para a Educação Básica

(Anexo VI).

.............................

Outras normas importantes nesse processo de remodelação do sistema educacional

brasileiro são aquelas referentes aos Cursos de Formação Inicial para Professores, a

respeito dos quais há uma série de Resoluções do Conselho Nacional de Educação

que aqui não arrolamos neste texto, mas aparecem nos Referenciais desta proposta. Esta

regulamentação tem objetivado mudar o perfil de qualificação dos profissionais da

educação, de modo a que estejam capacitados para responder aos desafios educacionais do

tempo presente, com projeção para o tempo futuro.

� Marcos regulatórios sobre Educação Básica no Sistema Estadual de Ensino da

Paraíba

O sistema estadual de ensino da Paraíba tem especificado algumas normas nacionais

para o contexto local, através de Resoluções do Conselho Estadual de Educação (Anexo

VII).

Referenciais Curriculares e Ensino Fundamental

Todo esse complexo processo de mudanças acima exposto, de diversas dimensões,

vem afetando profundamente a Escola, como também já foi dito. E o Currículo Escolar.

Nestes termos, o Ministério da Educação vem elaborando Parâmetros Curriculares

como suporte aos professores em seu trabalho. Vem, ainda, disponibilizando um vasto

conjunto de obras relativas a currículo, especialmente no tocante às modalidades de ensino e

aos chamados temas transversais.

Os principais Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica constam no

Anexo VIII.

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RCEF 2010

À guisa de conclusão ... ou de um começo

O Currículo do Ensino Fundamental do sistema estadual de ensino data de 1988. Está,

pois, defasado em relação às mudanças geo-sócio-históricas, epistemológicas e na

socialização cultural, escolares e curriculares. Assim, mais do que se justifica a Reforma

Curricular ora apresentada.

A Escola precisa, urgentemente, oferecer respostas convincentes para essa nova

socialização cultural que estamos vivendo, mediante a capacitação dos mais diversos

segmentos da sociedade brasileira para o tempo presente e os tempos vindouros,

especialmente as novas gerações. A menos que a Instituição, por inércia, queira se tornar

anacrônica e superada.

A implicação prévia desta mudança curricular necessária é a imperiosidade da (re)

qualificação dos docentes, de um modo geral, com especial atenção para aqueles que atuam

na Educação Básica, considerando-se esta, como a própria nomenclatura expressa, a base da

socialização cultural de que nenhuma sociedade pode abdicar.

Não bastam ações pontuais. É preciso ter uma perspectiva abrangente, tal como essa

proposta curricular tenciona fazê-lo.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Paulo Estevão; PRADO, Paulo Sérgio T. do. Psicologia e Neurociência cognitivas: Alguns avanços recentes e implicações para a educação. < http://calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/psicologia/article/view/3225/2587> , 2006. E <www.katiachedid.com.br/content.php?News&ID=65 - Em cache.> BAUMANN, Zygmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional de Educação para o Século XXI. 2.ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC/UNESCO, 2003. DEPRESBITERIS, Léa. Em busca das competências perdidas: “saber conviver”. In ROVAI, Esméria (Org.). Competência e competências: contribuição crítica ao debate. São Paulo: Cortez, 2010, p. 68-91. FLEURY, Maria Tereza Leme; FLEURY, Afonso. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea. V. 5, nº esp. Curitiba, 2001. On-line version ISSN 1982-7849.

Page 35: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

35

RCEF 2010

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GUTIERREZ, F. e PRIETO, Daniel. A Mediação Pedagógica: Educação à Distância Alternativa. Campinas: Papirus, 1991. HABERMAS, J. Teoria de La acción comunicativa. Tomo II: Crítica de la razón funcionalista. Madri: Taurus, 1987. KUHN, Thomas. A estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1978. LE BOTERF, G. De la compétence - essai sur un attracteur étrange. Paris : Les éditions d'organisations, 1994. MORIN, Edgard. O método 6 : ética. Trad. Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2005. PÉREZ, Matiniano Román. Aprender a aprender en la sociedad del conocimiento. Santiago, Chile: Arrayan Editores, 2005. PERRENOUD, Philippe. Construir competências é virar as costas aos saberes? In Pátio. Revista pedagogica . Porto Alegre, n° 11, nov.1999, p. 15-19. RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. Trad. Constança Marcondes Cesar. Campinas: Papirus, T. 1: 1994. RIOS, Terezinha Azeredo. A construção permanente da competência. In ROVAI, Esméria (Org.). Competência e competências: contribuição crítica ao debate. São Paulo: Cortez, 2010, p. 149-166. SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. v. 1. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

ANEXOS

Anexo I: marcos regulatórios gerais

� Constituição Federal de 1988

� Lei nº 9.131/1995: Criação do Conselho Nacional de Educação, após a extinção do

Conselho Federal de Educação pelo Governo Collor,

� Lei 9394/96 – LDBEN: Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece os

princípios orientadores e a organização do sistema nacional de educação.

É preciso atentar que esta Lei tem sido modificada em algumas de suas partes, para a sua

atualização, a exemplo do:

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RCEF 2010

- artigo. 33 – sobre Ensino Religioso;

� Lei nº 8069/90 – ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente, contemplando direitos e

deveres deste segmento etário da população e que constitui a maior parte dos alunos da

Educação Básica; + Lei n.º 11.525: torna obrigatório o ensino de conteúdos sobre os

direitos das crianças e dos adolescentes no Ensino Fundamental;

� Lei 10.172/2001: Plano Nacional de Educação, elaborado para implementar a LDBEN, com

vigência de dez anos (2001-2010);

� Lei 10.639/2003, que alterou a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as

diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino

a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira” ;

� Lei 11.645/2008, que modificou a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para incluir no

currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-

Brasileira e Indígena”;

� Decreto nº 6.872/2009, que instituiu o Plano Nacional de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial – PLANAPIR;

� Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Educação das Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-

brasileira e Africana: 2009;

� Programas Nacionais de Direitos Humanos I (1996), II (2002) e III (2010);

� Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos: 2006;

Anexo II: Marcos regulatórios específicos do Ensino Fundamental ou da Educação Básica

(Resoluções e Pareceres de ordem mais geral sobre a Educação Básica)

� Resolução CEB nº 1, de 7 de abril de 1999: Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Infantil;

� Resolução CNE/CEB nº 2/1998: estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Ensino Fundamental; modificada pela Resolução nº 1/2006;

� Resolução CNE/CEB nº 3/1998: estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Ensino Médio;

� Resolução nº 4/2010: estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a

Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010);

� Resolução CNE/CEB n} 07/2010: fixa as Diretrizes Curriculares para o Ensino

Fundamental de 9 anos.

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RCEF 2010

Anexo III : Marcos regulatórios específicos do Ensino Fundamental ou da Educação Básica

(Diretrizes sobre as várias modalidades de ensino previstas na LDBEN). Entre outras:

� Resolução nº 3/1999 – sobre Educação Indígena;

� Resolução CEB/CNE nº 01/2000 – sobre Educação de Jovens e Adultos;

� Resolução CNE/CEB Nº 2/2001 – sobre Educação Especial;

� Resolução CNE/CEB nº 1/2002 – sobre Educação nas Escolas do Campo;

� Resolução CEB nº 4, de 8 de dezembro de 1999: Institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico.

Anexo IV: Marcos regulatórios específicos do Ensino Fundamental ou da Educação Básica

(Temas Transversais)

� Resolução Nº 1/2004+ Parecer CNE/CP 3/2004 – sobre Educação das Relações Étnico-

Raciais e Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;

Anexo V: Marcos regulatórios específicos do Ensino Fundamental ou da Educação Básica

(Ensino Fundamental de 9 anos).

� PL 144/2005 > Lei 11.114/2005;

� Resolução CNE/CEB Nº 3/2005;

� Parecer CNE/CEB Nº 18/2005;

� Parecer CNE/CEB Nº 6/2005;

� E, finalmente, a Lei Nº 11.274/2006;

Anexo VI: Marcos regulatórios específicos do Ensino Fundamental ou da Educação Básica

(Suporte Financeiro para a Educação Básica)

� Lei Nº 9.424/1996 – Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF;

� Lei n. 11.494/07: Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB;

� Lei Nº 11.738/2008 – Regulamenta o piso salarial profissional nacional para os profissionais

do magistério público da educação básica.

Anexo VII: Marcos regulatórios sobre Educação Básica no Sistema Estadual de Ensino da

Paraíba

� Resolução 229/2002 – Estabelece normas para a Educação de Jovens e Adultos, no

Sistema Estadual de Ensino e outras providências;

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RCEF 2010

� Resolução nº 207/2003 – sobre Educação Indígena;

� Resolução nº 147/2008 – Regulamenta a oferta da Educação Religiosa nas escolas públicas do

ensino fundamental do estado da Paraíba e dá outras providências.

� Resolução nº 340/2006 – fixa novos critérios para ampliação do ensino fundamental para

nove anos, no Sistema de Ensino do Estado da Paraíba;

� Resolução nº 198/2010 – regulamenta a Educação das Relações Étnico-Raciais + Parecer

nº 149/2010.

Entre outubro de 2002 e abril de 2004, conforme suas atribuições, o Conselho Estadual de

Educação elaborou a versão preliminar de um Plano Estadual de Educação, que foi convertido

na Lei 8.043/2006, após aprovação na Assembléia Legislativa do estado.

Anexo VIII: Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental

� Referenciais Curriculares de Educação Indígena – 1991;

� Parâmetros Curriculares Nacionais do EF: 1997 - 1998

� Temas Transversais: 1998

OBS: Vale remarcar que a legislação tem passado por constantes revisões, que a alteram e a

complementam. Recomenda-se consultar:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12992:diretrizes-para-

a-educacao-basica&catid=323:orgaos-vinculados>.

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39

RCEF 2010

LINGUAGENS

Como seres humanos, encontramo-nos envolvidos na e pela história e por isso todas as nossas

atividades são determinadas pela época em que vivemos e, por conseguinte, pelas crenças e saberes

que estão cristalizados ou estabilizados em espaço e tempo específicos. Sendo assim, para

interagirmos na sociedade, intervirmos e transformarmos nossas realidades, utilizamos diferentes

linguagens que possibilitam a manifestação das nossas ideias, dos nossos sentimentos e valores. Nessa

linha de raciocínio, podemos afirmar que qualquer vivência humana está sempre envolta por

manifestações de um tipo de linguagem, seja ela verbal ou não verbal.

As disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Artes e Educação Física - reunidas

em uma área denominada Linguagens - têm a percepção comum de que: a) a linguagem contempla

várias formas de interação; e b) as diferentes linguagens compartilham as seguintes características:

• são sistemas de signos usados para as múltiplas interações humanas;

• são construídas culturalmente e transmitidas a outras gerações nas/pelas práticas sociais;

• servem a indivíduos e grupos para manifestar atitudes e emoções;

• possibilitam a construção de saberes e significados a partir das experiências vivenciadas

pelos indivíduos;

• permitem a compreensão de quem somos e daqueles com os quais interagimos;

• comportam a criação/representação de mundos reais e imaginários;

• são espaços de interação entre os indivíduos construídos sócio-historicamente.

Diante do exposto, estes Referencias da área de Linguagens reconhecem “as linguagens como

formas de constituição dos conhecimentos e das identidades, portanto, como o elemento-chave para

constituir os significados, conceitos, relações, condutas e valores que a escola deseja transmitir”

(PARECER CNE Nº 15/98 – CEB). Isso significa dizer que a linguagem nos torna humanos, uma vez

que é nela e através dela que nos constituímos como cidadãos, ao interagirmos por meio das línguas,

das musicalidades, das visualidades, das teatralidades, dos gestos, do olhar e da cultura corporal.

Ademais, na e pela linguagem manifestamos sentimentos, emoções, opiniões e construímos visões e

versões de mundo; engajamo-nos discursivamente no mundo; questionamos; nos posicionamos e nos

construímos.

Assim, é possível dizer que cabe à Escola auxiliar o alunado na mobilização e

desenvolvimento de capacidades que os possibilitem compreender e usar diferentes tipos de

linguagens e, além disso, selecionar, organizar, interpretar e acomodar essas linguagens a seus

propósitos comunicativos a contextos variados.

Sucesso a todo (a)s.

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LÍNGUA PORTUGUESA

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CONSULTORES ELABORADORES Profa. Dra. Lucienne Claudete Espíndola - UFPB Profa. Dra. Regina Celi Mendes Pereira da Silva – UFPB LEITORES CRÍTICOS Ana Cristina Souza da Silva – GEEIEF/SEEC Edvirges Soares – GEEIEF/SEEC Maria dos Prazeres Bezerra – GEEIEF/SEEC Maria Vânia da Silva Luhsys – GEEIEF/SEEC Francisco de Assis Soares da Silva – 12ª GREC Ilane de Andrade Carneiro – 8ª GREC Janira Severina A. da Silva Lira – 9ª GREC Marcedonia Oliveira Alves – 1ª GREC Maria da Guia Santos – 4ª GREC Maria das Dores Barbosa Cândido – 1ª GREC Maria das Dores Ferreira da Silva – 11ª GREC Maria das Graças Bezerra – 1ª GREC Maria do Socorro da Costa – 7ª GREC Maria Izilene Mousinho Soares – 1ª GREC Maria Neide de Freitas Torres – 5ª GREC Maria Rosita Soares dos Santos Buriti – 4ª GREC Suely Sobreira de Paula Santos – 10ª GREC

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42

RCEF 2010 /Língua Portuguesa

INTRODUÇÃO

edicamos as palavras aqui desenhadas a todos vocês que estão no dia a dia da sala

de aula, procurando contribuir para o desenvolvimento cognitivo e intelectual dos

alunos da Educação Básica de nosso estado. A linguagem é, sem dúvida, um

componente fundamental nesse processo. Estamos todos cientes de que são muitas as formas

de linguagem que usamos para produzir sentidos e interagir com os outros, mas trataremos

aqui, mais especificamente, da linguagem verbal e não verbal com a qual trabalhamos em

nossas aulas de Língua Portuguesa.

Pensamos em qual seria a melhor forma de abordar a questão, de modo a não criar um

distanciamento em relação às práticas reais de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa

que se desenvolvem nas escolas paraibanas. Uma forma de evitar o distanciamento foi

convidar os próprios professores a participarem do processo e colaborarem com o momento

singular que representa a elaboração dos Referenciais Curriculares para o Ensino

Fundamental do Estado da Paraíba.

Durante o encontro, percebemos que, de maneira geral, todos nós falávamos a mesma

linguagem - não nos referimos aqui à Língua Portuguesa, obviamente – ou seja, o

compartilhamento da concepção que passou a fundamentar as práticas de ensino dos

professores de Língua Portuguesa a partir do século XXI. Esse novo direcionamento teve

início no final da década de oitenta e começo da década de noventa do século passado,

período em que se desenvolviam reflexões e discussões sobre a necessidade de mudanças no

ensino de Língua Portuguesa. Contribuíram com essas discussões ilustres linguistas, dentre os

quais citamos apenas alguns nomes como Carlos Franchi, João Wanderley Geraldi, Sírio

Possenti, Maria Helena de Moura Neves, Ingedore Koch, Angela Kleiman, Luiz A.

Marcuschi, dentre muitos outros que compõem uma numerosa lista.

Noções pouco discutidas e sistematizadas até então, como o caráter dialógico da

linguagem, os conceitos de enunciado e enunciação e o estatuto dos gêneros textuais

ganharam um lugar de destaque nas discussões ancoradas nas contribuições dos filósofos

Valentin Volochinov e Mikhail Bakhtin. A reflexão sobre a língua passa a ocupar o campo do

discurso no contexto sócio-histórico. O enunciado (e não a frase enquanto sequência

gramatical formal, abstrata e descontextualizada) passa a ser a unidade concreta e real da

D

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43

RCEF 2010 /Língua Portuguesa

própria atividade comunicativa entre os indivíduos situados em contextos sociais sempre

reais.

Essa mudança de enfoque exigiu que fosse dado um novo direcionamento ao ensino de

Língua Portuguesa, o que, obviamente, demandou e ainda demandará um tratamento didático

diferenciado. Tais reflexões e ações culminaram na publicação dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN, 1997, 1998), Parâmetros em Ação (1999), documentos que sinalizaram para

a necessidade de mudança e se apresentaram como um grande desafio para o professor.

Nos dias atuais, decorridos quase treze anos da publicação desses documentos, a nossa

compreensão é a de que ainda existe uma lacuna em relação à apreensão dos fundamentos

presentes nesses documentos por parte de uma grande maioria dos profissionais das escolas

brasileiras, visto que nem todos os professores encontram-se totalmente preparados para

implementar atividades que respaldem tais orientações teórico-metodológicas. Ainda hoje é

possível encontrar professores que seguem as mesmas práticas tradicionais de ensino de

Língua Portuguesa. Por essa razão, iniciaremos as reflexões ora desenvolvidas neste

documento pelos conceitos e concepções que são caros e significativos ao professor de

português.

Diante disso, a discussão sobre a nova proposta curricular que vai orientar as práticas

pedagógicas no Ensino Fundamental requer, inicialmente, uma reflexão sobre diferentes

concepções de linguagem, uma vez que o agir docente em sala de aula reflete o seu

comprometimento com uma concepção de língua/linguagem.

Refletir sobre essas questões leva a pensar também no que significa ser um professor

de Língua Portuguesa na sociedade atual. Quais saberes e competências nós professores

precisamos dominar para atender às demandas de uma realidade social, heterogênea, que está

sempre em evolução e que se transforma tão rapidamente? Quais capacidades de linguagem

queremos ver desenvolvidas em nossas crianças e adolescentes? Esses questionamentos

implicam, necessariamente, pensar em recursos metodológicos e critérios de avaliação.

Procuraremos responder a esses e a outros questionamentos à medida que apresentarmos a

proposta curricular para a disciplina.

Segundo Schneuwly e Dolz (2004), um Currículo (planejamento) para o ensino da

expressão deveria fornecer aos professores, para cada um dos níveis de ensino, informações

concretas sobre:

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• Os objetivos visados pelo ensino (um deles focaliza a progressão dos

conteúdos de ensino, visando ao desenvolvimento progressivo no processo de

aprendizagem dos alunos);

• As práticas de linguagem que devem ser abordadas;

• As capacidades e os saberes implicados em sua apropriação.

O que se espera, então, de uma proposta curricular? Baseando-nos na proposta de Coll

(1992), elaboramos a representação abaixo que sintetiza essas expectativas:

Figura 1

1 CONCEITOS-CHAVE

1.1 Concepções de linguagem

s discussões que levaram a um novo direcionamento nos estudos sobre a

linguagem, na verdade, abrigavam uma questão epistemológica a elas subjacente

que ficou conhecida como paradigma sociointeracionista. Essas orientações

tiveram uma repercussão notável sobre a concepção de língua/linguagem, porque vieram

acompanhadas de reflexões teóricas e epistemológicas que puseram em xeque as abordagens

tradicionais de ensino-aprendizagem de língua, as quais serão descritas abreviadamente aqui,

focalizando as implicações decorrentes delas no tratamento didático-pedagógico dos objetos

de conhecimento e na dinâmica da sala de aula.

A

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A) Linguagem como expressão do pensamento.

• A prática de sala de aula embasada nessa concepção postula que as pessoas não

se expressam bem porque não pensam (bem). Em consequência, a meta é

trabalhar com os alunos a organização lógica do pensamento, o que presume a

necessidade de regras do bem falar e do bem escrever.

• Texto: “[...] é visto como um produto – lógico - do pensamento (representação

mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ ouvinte senão “captar” essa

representação mental [...]” (KOCH, 2003, p.16)

• Sentido: está no texto, é de responsabilidade do sujeito (produtor) e cabe ao

leitor identificá-lo.

B) Linguagem como instrumento de comunicação.

• Nessa concepção, a língua é vista como um código (conjunto de signos que são

combinados segundo regras) utilizado para transmitir uma mensagem de um

emissor a um receptor.

• Texto: “[...] é visto como simples produto da codificação de um emissor a ser

decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do

código.” (KOCH, 2003, p. 16)

• Sentido: está no social ou como diz Koch (2003, p.15) “A fonte do sentido é a

formação discursiva a que o enunciado pertence.”

C) Linguagem como forma/processo de (inter)ação.

• A perspectiva sociointeracionista tem suas origens na abordagem pragmática dos

estudos linguísticos: o foco passa a ser os usos da linguagem, ou seja, o que se

faz com ela, em que circunstâncias e com que finalidades. Nessa perspectiva, o

sujeito utiliza a linguagem não só para expressar o pensamento ou para

transmitir conhecimentos, mas também para agir, atuar sobre o outro e sobre o

mundo.

• Texto: “[...] passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os

interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e

são construídos.” (KOCH, 2003, p.17)

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• Sentido: “[...] é, portanto, construído na interação texto-sujeitos [...] e não algo

que preexista a essa interação” (op. cit., p.17).

Essa perspectiva de língua, alicerce de como propomos, aqui, trabalhar a Língua

Portuguesa, demanda uma nova postura de professor.

O primeiro passo a ser dado pelo professor é ‘aderir’ (conhecer) à concepção de linguagem como lugar de interação. Saliente-se, porém, que esse aderir requer uma mudança de postura social em relação à língua e ao respectivo ensino. Não é um processo rápido; é necessário um tempo de adaptação, de namoro com essa nova perspectiva, pois é preciso evidenciar que a tradição gramatical vem de longas décadas e que não se troca uma prática pedagógica sem que se tenha outra para colocar no lugar. (ESPÍNDOLA, 2004, p.94)

1.2 Concepção de letramento

• Conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita com que os indivíduos se

envolvem em seu contexto social (SOARES, 2003, p. 7).

A definição de letramento como um conjunto de práticas sociais mediadas por leitura e

escrita, apresentada por Magda Soares, exemplifica bem o desafio da escola e do professor em

proporcionar e acolher as diferentes manifestações culturais a que alunos e professores têm

direito. Hoje já não é mais possível falar em letramento, no singular, devido à gama de

manifestações semióticas desenvolvidas na sociedade.

Assim, a concepção de linguagem como um fenômeno interativo, aliada à

compreensão de letramento nos conduz, necessariamente, à adoção dos gêneros textuais como

eixo norteador das atividades em sala de aula.

• Gêneros textuais: “[…] fenômenos históricos profundamente vinculados à vida

cultural e social. Fruto de trabalho coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e

estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia.” (MARCUSCHI, 2003, p.19).

A relação entre os conceitos de gêneros textuais e letramento não poderia ser mais

evidente. Nós nos comunicamos e interagimos com o outro de diferentes maneiras, tendo em

vista os diferentes objetivos e características da situação comunicativa. Os gêneros textuais,

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portanto, vão materializar as diferentes práticas de letramento dos indivíduos na sociedade.

Por essa razão, trabalhar em uma perspectiva de letramento é considerar a diversidade cultural

em toda sua plenitude, abrindo espaço em sala de aula para a convivência equilibrada entre

práticas de letramento dominantes e não dominantes, valorizadas e não valorizadas.

O caminho percorrido ao longo do processo de letramento evidencia que não existe

indivíduo com grau zero de letramento, embora, lamentavelmente, ainda existam indivíduos

não alfabetizados em nossa sociedade. Há, portanto, uma distinção entre os conceitos de

alfabetização e letramento.

• Alfabetização (sentido estrito) – “É a ação de alfabetizar, de tornar o indivíduo

capaz de ler e de escrever. Trata-se de um processo mais específico, que diz

respeito à aquisição e à apropriação do sistema da escrita, alfabético e

ortográfico.” (PEREIRA, 2005, p.62).

• Letramento (acepção bem mais ampla) – “Admite-se que seja bastante difícil

definir com precisão o termo, uma vez que se trata de um fenômeno que envolve

uma gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções

sociais da leitura e da escrita” (PEREIRA, 2005, p. 62).

Segundo Soares (1998, p.62),

[...] um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado, alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita. (grifos nossos)

Nesse contexto, tendo em vista todas as concepções já discutidas, passa-se a lidar com

uma concepção de gramática que vai além da visão normativa e prescritiva do que seja certo

ou errado nos usos da linguagem. Volta-se o interesse pela descrição e registro de uma

determinada variedade da língua, em um dado momento de sua existência, suas regularidades

e categorias linguísticas, os tipos de construções possíveis e os efeitos dessas construções

sobre os usuários. Segundo Bronckart (1999), as frases e os morfemas tornam-se apenas

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recortes abstratos do construto que é a língua; os textos e/ou discursos tornam-se as únicas

manifestações empiricamente observáveis das ações de linguagem humana.

É nesse contexto que as teorias linguísticas que tomam o texto como objeto de estudo

passam a se destacar como representativas de um novo enfoque de investigação da linguagem

e vão delinear o perfil da disciplina e sua inserção na Educação Básica.

2 INSERÇÃO DA DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA NA EDUCA ÇÃO BÁSICA

ara iniciar a discussão sobre o papel da Língua Portuguesa na Educação Básica,

trazemos dois trechos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB,

1996):

A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. (Art. 22) O ensino fundamental obrigatório, com duração de nove anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos seis anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; (inciso I do Art. 32 e inciso I)

No Art. 22, a LDB estabelece as finalidades da Educação Básica e, no Art.32,

encontramos oficialmente o papel da Língua Portuguesa, quando esse documento institui o

pleno domínio da leitura e da escrita como meios básicos para desenvolver a capacidade

de aprender.

O documento enfatiza a modalidade escrita à qual acrescentamos a modalidade oral,

pois a “capacidade de aprender” pode (e deve) ser trabalhada (desenvolvida) através de

práticas de recepção e de produção de textos, as quais envolvam práticas de linguagem tanto

na modalidade escrita quanto na modalidade oral.

A LDB, ao antecipar o papel da Língua Portuguesa, enfatiza a sua devida importância,

enquanto língua materna, em todas as fases da formação do aluno, em especial na Educação

Básica. Porém, com essa antecipação, a LDB também anuncia, mesmo que de forma velada,

a responsabilidade que se impõe ao ensino de Língua Portuguesa, uma vez que o pleno

domínio das práticas de linguagem só será desenvolvido satisfatoriamente, se o seu ensino,

P

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em toda a Educação Básica, for feito em uma perspectiva que considere a língua como meio

de um sujeito (cidadão) interagir social e politicamente em várias esferas sociais.

A LDB poupa-nos esforços para situar o papel da Língua Portuguesa na formação do

aluno em todas as fases acadêmicas, pois a própria já se estabelece e revela sua importância

mesmo antes de se chegar ao ensino chamado sistematizado: o aluno chega à escola

dominando alguns gêneros textuais da modalidade oral e está diuturnamente em contato com

o mundo letrado, através de vários gêneros da modalidade escrita (publicidades nos diversos

suportes2, rótulos de produtos, listas de compra, documentos pessoais, receitas médicas,

etiquetas etc.).

Portanto, é mobilizando várias competências e saberes sobre a língua(gem) nas

diversas práticas de recepção e produção de textos que o aluno estará apto a transitar, buscar e

transformar conhecimentos de diferentes áreas e, assim, estar preparado para exercer

plenamente a sua cidadania, escalar os próximos degraus acadêmicos e vivenciar, com mais

propriedade, as situações do mundo letrado.

Ratificando a posição de destaque da Língua Portuguesa, na formação do aluno na

Educação Básica, citamos Antunes (2007), que define o papel da língua em nossas vidas.

É parte de nós mesmos, de nossa identidade cultural, histórica, social. É por meio dela que nos socializamos, que interagimos, que desenvolvemos nosso sentimento de pertencimento a um grupo, a uma sociedade. É a língua que nos faz sentir pertencendo a um espaço. É ela que confirma nossa declaração: Eu sou daqui. Falar, escutar, ler, escrever reafirma, cada vez, nossa condição de gente, de pessoa histórica, situada em um tempo e em um espaço. Além disso, a língua mexe com valores. Mobiliza crenças. Institui e reforça poderes. (p. 22)

Essas ações, na e pela linguagem, não se limitam ao espaço escolar, mas acontecem

em vários espaços sociais, como bem evidencia a LDB.

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (Art. 1)

2 Tomamos como referência o conceito de suporte proposto por Marcuschi (2003, p.11 – itálicos do autor): “[...] entendemos como suporte de um gênero um lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto” .

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Em outras palavras, a formação do aluno não se restringe ao espaço escolar, e cada um

desses espaços exige práticas de linguagem adequadas ao interlocutor, ao espaço e aos

objetivos da interação. Consequentemente, essas diferentes práticas exigem uma competência

interativa, a qual requer a mobilização de capacidades textuais e gramaticais que se

materializam em gêneros textuais.

3 OBJETIVOS GERAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA PARA O ENSI NO FUNDAMENTAL

onsiderando-se as novas demandas que caracterizam as inter-relações dos

indivíduos na sociedade, nas quais a linguagem desempenha papel fundamental, o

ensino de Língua Portuguesa deve elencar determinados objetivos que busquem,

acima de tudo, proporcionar aos alunos condições efetivas de inserção social, participação nas

trocas comunicativas e exercício de cidadania.

Essas interações comunicativas são mediatizadas por textos, logo, estes assumem o

papel de protagonista nas ações de linguagem. Esse protagonismo está bem evidente nos

objetivos propostos nos PCN, com os quais nos alinhamos por entendermos que não existe

ação de linguagem que esteja desvinculada dos processos de

apreensão/compreensão/produção de textos orais e escritos. Na perspectiva defendida nos

PCN e ratificada nestes referenciais, o texto torna-se ponto de partida e de chegada das

reflexões sobre a língua e os usos da linguagem. Os objetivos, portanto, são construídos em

estreita sintonia com as perspectivas teórico-metodológicas de ensino de língua e servem

como eixo organizador das ações didático-pedagógicas em sala de aula.

Os objetivos gerais descritos abaixo, tais como se apresentam nos PCN, aplicam-se

progressivamente aos nove anos do Ensino Fundamental, respeitando-se a relação

indissociável entre o nível de aprendizagem dos alunos e o grau de complexidade dos objetos

de ensino-aprendizagem:

• utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais, responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar as diferentes condições de produção do discurso; • utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade, operando sobre as representações construídas em várias áreas do conhecimento:

C

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� sabendo como proceder para ter acesso, compreender e fazer uso de informações contidas nos textos, reconstruindo o modo pelo qual se organizam em sistemas coerentes (sic); � sendo capaz de operar sobre o conteúdo representacional dos textos, identificando aspectos relevantes, organizando notas, elaborando roteiros, resumos, índices, esquemas etc.; � aumentando e aprofundando seus esquemas cognitivos pela ampliação do léxico e de suas respectivas redes semânticas;

• analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio, desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos:

� contrapondo sua interpretação da realidade a diferentes opiniões; � inferindo as possíveis intenções do autor marcadas no texto; � identificando referências intertextuais presentes no texto; � percebendo os processos de convencimento utilizados para atuar sobre o interlocutor/leitor; � identificando e repensando juízos de valor tanto socioideológicos (preconceituosos ou não) quanto histórico-culturais (inclusive estéticos) associados à linguagem e à língua; � reafirmando sua identidade pessoal e social;

• conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, procurando combater o preconceito lingüístico; • reconhecer e valorizar a linguagem de seu grupo social como instrumento adequado e eficiente na comunicação cotidiana, na elaboração artística e mesmo nas interações com pessoas de outros grupos sociais que se expressem por meio de outras variedades; • usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise linguística para expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades de uso da linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica. (PCN, 1998, p.32-33)

4 COMPETÊNCIAS A SEREM DESENVOLVIDAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA

conceito de competência, adotado para estes referenciais de Língua Portuguesa, é

o postulado por Perrenoud (1999), que a define como “uma capacidade de agir

eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas

sem limitar-se a eles” (p.7).

Seguindo a tendência dos últimos documentos oficiais relativos ao ensino de língua

materna no Brasil, nos quais conteúdos e capacidades são mobilizados em função da

aquisição de certas competências, estabeleceremos, inicialmente, as três competências gerais a

serem desenvolvidas na disciplina de Língua Portuguesa. Conforme representação a seguir,

as competências textual e gramatical estão ‘a serviço’ da competência interativa, objetivo

maior do ensino de, pois entendemos que todas as ações (mobilizações) pedagógicas nas

O

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aulas de língua devem ser feitas em função de o aluno tornar-se capaz de interagir, saber usar

a variedade adequada ao interlocutor, ao gênero e à situação em que se encontra.

COMPETÊNCIAS GERAIS

COMPETÊNCIA INTERATIVA

COMPETÊNCIA GRAMATICAL

COMPETÊNCIA TEXTUAL

Figura 2

As competências aqui apresentadas são as mesmas propostas para o Ensino Médio,

nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 2000) e nas Orientações

Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+, 2002), uma

vez que entendemos que o compromisso do ensino de língua materna deve,

independentemente do nível de ensino, desenvolver nos alunos três competências gerais: a

interativa, a textual e a gramatical. Salientamos, porém, que essas três competências serão

trabalhadas do primeiro ao nono ano do Ensino Fundamental, considerando e respeitando o

desenvolvimento cognitivo requerido em cada um dos seus nove anos, distribuídos em dois

segmentos.

Priorizar a aquisição e o desenvolvimento de competências implica limitar o tempo destinado à mera assimilação do saber, à aquisição do conhecimento meramente declarativo. Implica também questionar uma organização curricular composta de disciplinas autocentradas. Entretanto, ao contrário do que alguns imaginam, a eleição dessa prioridade não desvincula as

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competências dos saberes (conteúdos), já que a aquisição ou desenvolvimento daquelas só pode se processar por meio destes [...] (PCN +, 2002, p.31) (grifo nosso)

A) Competência interativa

A língua materna, um dos principais sistemas de signos que circulam entre os

integrantes de uma mesma Nação, possibilita ao sujeito (inter)agir nas mais diversas

instâncias sociais, ora instaurando-se como “eu” ora sendo instaurado como “tu”. Saber usar

adequadamente essa língua nas mais variadas situações de interação é condição sine qua non3

para que um cidadão possa ser considerado de posse da competência interativa.

Nesse sentido, usamos competência interativa como sendo o saber interagir através

da língua materna:

• enquanto locutor - nas mais diversas situações sociais, ao produzir um texto

(independentemente da modalidade), saber decidir pelo gênero textual e variedade

linguística adequados à situação (contexto e público) e aos objetivos da interação;

• enquanto interlocutor – ser capaz de construir sentido(s) a partir do

(re)conhecimento do gênero em que o texto está materializado, da reflexão sobre a

variedade linguística e dos recursos linguístico-discursivos utilizados, visando

(re)construir os possíveis efeitos de sentido do texto que está ‘veiculando’.

Entendemos aqui variedades linguísticas4 como sendo os vários usos que se faz de uma

língua, usos “condicionados” por fatores: geográficos, etários, de gênero, sociais, situacionais

etc..

De acordo com Travaglia (1996),

[...] se se acredita que em diferentes tipos de situação tem-se ou deve-se usar a língua de modos variados, não há por que, ao realizar as atividades de ensino/aprendizagem da língua materna, insistir no trabalho apenas com uma das variedades, a norma culta, discutindo apenas suas características e buscando apenas o seu domínio em detrimento das outras formas de uso da língua que podem ser mais adequadas a determinadas situações. Não cabe o argumento de trabalhar apenas com a norma culta porque o aluno já domina as demais: isso não é verdade, uma vez que o aluno, quando chega à escola, pode dominar bem uma ou duas variedades e alguns elementos de várias, mas tem muito que aprender de diversas variedades, inclusive das que domina. (p.41)

3 Indispensável 4 Ver diversidade linguística em Temas Transversais neste volume.

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E, para consolidar a importância de a escola reconhecer a heterogeneidade nos usos da

Língua Portuguesa, citamos Bagno (2002).

O reconhecimento da existência de muitas normas lingüísticas diferentes é fundamental para que o ensino em nossas escolas seja conseqüente com o fato comprovado de que a norma lingüística ensinada em sala de aula é, em muitas situações, uma verdadeira língua estrangeira para o aluno que chega à escola proveniente de ambientes sociais onde a norma lingüística empregada no quotidiano é uma variedade de português não-padrão. (p.19)

A variedade linguística está diretamente relacionada ao gênero textual (tanto na

recepção quanto na produção de textos) e, por conseguinte, aos recursos linguístico-

discursivos próprios de cada gênero, sendo que à escola cabe trazer gêneros representantes

das variedades linguísticas com as quais o aluno está em contato e aquelas que ele “precisa”

conhecer (dominar). Uma prática pedagógica pautada nessa concepção descrita contribui para

o desenvolvimento de uma competência textual que favoreça ao aluno interagir como

produtor ou receptor de textos em situações diversas, demonstrando atitude de respeito à

heterogeneidade linguística, cultural, social, religiosa e política.

B) Competência textual

Para definir a competência textual, partimos do conceito de texto que norteia este

documento:

O texto é um evento sociocomunicativo, que ganha existência dentro de um processo interacional. Todo texto é resultado de uma coprodução entre interlocutores: o que distingue o texto escrito do falado é a forma como tal produção se realiza. (KOCH; ELIAS, 2009, p.13)

Nessa perspectiva, deixamos claro que a competência textual precisa ser desenvolvida

tanto no processo de produção textual quanto no processo de recepção de textos na

modalidade oral e na escrita. Em outras palavras, é preciso que a escola prepare o aluno,

capacite-o, para produzir textos de gêneros da oralidade, da escrita, e para ouvir e ler textos

(verbais e não verbais). Saliente-se que, ao desenvolver estas duas últimas atividades, o aluno

deverá ser capaz de reconhecer as características composicionais, de estilo e a função

sociocomunicativa dos textos utilizados nessas formas de interação e, em relação aos textos

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não verbais, aprender a explorar os vários efeitos de sentido proporcionados pela combinação

de imagens, gestos e cores.

Iniciamos pela leitura , citando Paulo Freire (1983), quando diz que “A leitura do

mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade da leitura daquela.” (p.11-12).

Nesse sentido, ler não se restringe a decodificar, mas requer que outras capacidades

sejam desenvolvidas, que o “texto seja apreendido como construção de conhecimentos em

diferentes níveis de compreensão, análise e interpretação”, conforme a matriz de Língua

Portuguesa elaborada pelo SAEB5 (SAEB, 2010, p. 344).

Salientamos que, pela natureza deste documento, incorporaremos algumas das

capacidades de leitura propostas pelo SAEB, outras pelo Pró-letramento6 (2008), adequadas à

reflexão aqui desenvolvida, e outras capacidades são resultados de leituras e da nossa prática

enquanto leitores e mediadores no processo de ensino de leitura e produção de textos.

Ressaltamos que as capacidades relativas à leitura arroladas a seguir deverão ser

desenvolvidas e mobilizadas no decorrer de todo o Ensino Fundamental, porém, por motivos

de organização didático-pedagógica, distribuiremos essas capacidades (bem com as

capacidades textuais para a escuta e para a produção de textos) em duas matrizes: uma para o

segmento 1 e a outra para o segmento 2 do Ensino Fundamental.

• Ler textos que circulam em diferentes situações de participação social.

• Identificar a estrutura composicional do gênero.

• Localizar informações explícitas em um texto.

• Inferir informações implícitas em um texto (fazer inferências).

• Estabelecer relações com outros textos (intertextualidade).

• Construir uma compreensão global do texto.

• Identificar a função sociocomunicativa de diferentes gêneros.

• Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições

que contribuem para a continuidade de um texto.

• Interpretar um texto considerando o gênero a que pertence, o suporte onde está

inserido e também os elementos não verbais que compõem o texto.

5 Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica.(2010). Disponível em: <http://provabrasil2009.inep.gov.br>. Acesso em: 3 set. 2010. 6 Alfabetização e Linguagem. Fascículo 1 - Capacidades Linguísticas. Alfabetização e Letramento.

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• Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um

texto.

• Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções,

advérbios etc.

• Identificar efeitos de ironia ou humor em gêneros diversos.

• Reconhecer os efeitos de sentido decorrentes do uso da pontuação e de outras

notações.

• Reconhecer os efeitos de sentido decorrentes da exploração de recursos fonológicos,

morfossintáticos e semânticos.

• Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que

tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas

em que será recebido.

Na produção de textos, as capacidades arroladas deverão ser consideradas, uma vez

que o aluno deverá ser capaz de usar essas capacidades também necessárias para o uso dos

gêneros da oralidade e da escrita em contextos sociais diversos.

Com base nos documentos oficiais já citados, estabelecemos as principais capacidades

relativas à escrita a serem trabalhadas no Ensino Fundamental, sendo que algumas deverão

ser desenvolvidas em todos os anos, de forma contínua e aprofundada, garantindo o princípio

da progressão previsto na organização curricular.

• Conhecer, utilizar e valorizar os modos de produção e circulação da escrita na

sociedade.

• Saber usar a escrita, considerando os seus usos e funções sociais.

• Dispor, ordenar e organizar o texto de acordo com as convenções gráficas da Língua

Portuguesa para cada gênero.

• Escrever de acordo com o princípio alfabético e as regras ortográficas.

• Produzir textos escritos de gêneros diversos, adequados aos objetivos, ao interlocutor e

ao contexto de circulação.

• Produzir textos escritos coerentes, coesos.

• Revisar e reelaborar (reescrita) o seu próprio texto, segundo o planejamento,

considerando o interlocutor, os objetivos, o gênero e o contexto de circulação previsto.

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A oralidade é hoje concebida como “uma prática social interativa, para fins

comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados na

realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos mais variados

contextos de uso.” (MARCUSCHI, 2001, p.25). O desenvolvimento da oralidade (fala e

escuta), hoje já incluído nos documentos oficiais, deve ser trabalhado durante toda a Educação

Básica, considerando os gêneros textuais que se concretizam na oralidade e que precisam ser

ensinados. Dizer que o aluno já vem para a escola praticando a oralidade não mais justifica a

não inclusão dessa capacidade no rol das capacidades a serem trabalhadas pela escola.

É justo e necessário respeitar os usos diversificados da Língua Portuguesa e os cidadãos que as adotam, sobretudo quando esses cidadãos são crianças ingressando na escola. Os alunos falantes de variedades lingüísticas diferentes da chamada “língua padrão”, por um lado, têm o direito de dominar essa variedade, que é a esperada e mais aceita em muitas práticas valorizadas socialmente; por outro lado, têm o direito também ao reconhecimento de que seu modo de falar, aprendido com a família e a comunidade, é tão legítimo quanto qualquer outro e, portanto, não pode ser discriminado. (PRÓ-LETRAMENTO, 2008, p.53)

Para desenvolver a oralidade do aluno, ao mesmo tempo em que se trabalha o respeito

às variedades proporcionando o domínio da variedade padrão àqueles que não o possuem,

propomos algumas capacidades gerais que devem ser trabalhadas com alunos no

decorrer de todo o Ensino Fundamental:

• Conhecer e respeitar a diversidade de formas de expressão oral em situações sociais

diversas.

• Realizar tarefas cujo desenvolvimento dependa da escuta atenta e da compreensão de

gêneros da oralidade.

• Saber escutar textos orais com os quais nos defrontamos em diferentes situações de

participação social.

• Usar a língua falada em diferentes situações, buscando empregar a variedade

linguística adequada ao gênero textual e à situação.

• Planejar e usar a fala em situações formais.

• Produzir textos orais, respeitando os elementos coesivos de continuidade e de

sequencialidade próprios dos textos da modalidade falada.

• Saber utilizar os recursos prosódicos e entonacionais próprios dos textos orais.

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• Participar das interações cotidianas da sala de aula, ajustando-se às especificidades e

às funções sociocomunicativas de cada gênero textual.

C) Competência gramatical

A partir das concepções de língua(gem) e de gramática que alicerçam este documento

e da nossa prática de sala de aula, buscando fazer com que o ensino de Língua Portuguesa seja

um espaço de reflexão da língua em uso, esboçaremos não uma receita, pois o ensino de

língua, na concepção aqui proposta, não tem espaço para receita, mas possibilidade de como

encaminhar conteúdos gramaticais de forma que possam ser (re)conhecidos pelos alunos

como sendo úteis nas suas práticas sociais de recepção de textos (leitura e escuta de textos) e

de produção de textos (produção de textos orais e escritos).

Os conteúdos de gramática não serão mais os determinantes do planejamento

pedagógico, mas serão concebidos (trabalhados) como ferramentas necessárias nas práticas de

recepção e de produção de textos. A competência gramatical será desenvolvida à medida que

os gêneros a serem trabalhados em sala de aula requeiram certos conteúdos gramaticais para

que o aluno seja capaz de ler (compreender) e produzir determinado gênero.

A competência gramatical será desenvolvida através de atividades de análise

linguística caracterizadas nos PCN (1997) como “aquelas que tomam determinadas

características da linguagem como objeto de reflexão.” Segundo Geraldi (1991), essas

atividades de análise linguística podem ser de dois tipos: epilinguísticas e metalinguísticas. As

epilinguísticas são aquelas “a que se dedicam os interlocutores para refletir sobre os recursos

expressivos que estão usando.” (p. 24); as metalinguísticas “são aquelas que tomam a

linguagem como objeto, não mais enquanto reflexão vinculada ao próprio processo interativo,

mas conscientemente constroem uma metalinguagem sistemática com a qual falam sobre a

língua.” (p.25). Neste documento, devem ser priorizadas as atividades epilinguísticas, não

descartando, no entanto, a necessidade de serem realizadas atividades metalinguísticas,

principalmente, quando a sistematização dos conteúdos gramaticais resulta de atividades

epilinguísticas.

Os conteúdos gramaticais serão colocados como conhecimentos necessários para

desenvolver as capacidades do eixo das práticas de recepção e de produção de textos. Estar de

‘posse’ da competência gramatical é saber usar conteúdos gramaticais na língua em uso, é

saber produzir gêneros textuais, identificando a variedade de língua adequada, sabendo o

tempo verbal em que esse gênero é produzido, a pessoa do discurso adequada etc.; nas

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práticas de recepção de textos, os conhecimentos gramaticais devem possibilitar ao aluno

identificar essas mesmas categorias para reconhecer o gênero que está ‘lendo’, as marcas do

locutor, as informações implícitas etc.

Ler o texto considerando, para uma das leituras, as escolhas feitas nos níveis fonético-

fonológico, morfológico, sintático, semântico-discursivo e pragmático constitui uma atividade

de análise linguística. Em outras palavras, a competência gramatical precisa ser desenvolvida

de maneira que os conhecimentos e conteúdos gramaticais da Língua Portuguesa sejam os

meios para ler e produzir textos. Arrolamos algumas das capacidades gramaticais a serem

trabalhadas com o aluno nos eixos de recepção e de produção de textos, salientando que,

nas matrizes, as capacidades serão apresentadas de forma detalhada e separada para os

segmentos 1 e 2 do Ensino Fundamental.

• Dominar as diferenças entre escrita alfabética e outras formas de escrita.

• Conhecer e utilizar o alfabeto.

• Dominar as relações entre grafemas e fonemas (regularidades e

irregularidades).

• Reconhecer e usar unidades fonoaudiológicas: sílabas, rimas etc.

• Dominar convenções gráficas da Língua Portuguesa (alinhamento,

segmentação, pontuação).

• Dominar os elementos linguístico-discursivos que particularizam a estrutura

composicional do gênero.

• Dominar os elementos coesivos de continuidade e sequencialidade de gêneros

da oralidade.

• Dominar os elementos coesivos de continuidade e sequencialidade de gêneros

da escrita.

• Usar a variedade linguística adequada ao gênero, ao interlocutor e à situação de

circulação prevista.

• Usar recursos expressivos adequados ao gênero e aos objetivos do texto.

• Dominar relações lógico-discursivas marcadas textualmente por conjunções,

advérbios etc.

• Dominar os sinais de pontuação e outras notações (parágrafo, margem, espaço

etc.) em textos escritos.

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4.1 Eixos estruturadores: como a competência textual e a gramatical serão trabalhadas?

Os conceitos estruturantes e a organização deste documento em torno das

competências requerem uma nova forma de encaminhamento para o ensino de Língua

Portuguesa. Na perspectiva que assumimos, as competências textual e gramatical estarão a

serviço do desenvolvimento da competência interativa do aluno em todos os domínios

discursivos, sendo que, para desenvolver as competências textual e gramatical, são

mobilizadas capacidades específicas de cada uma dessas competências, ao realizar uma

atividade de um dos eixos estruturadores:

• Práticas de recepção de textos

• Práticas de produção de textos

Trabalharemos com as práticas de linguagem elencadas, pois acreditamos que, sempre

que ‘utilizamos’ a linguagem, estamos desenvolvendo uma atividade que vai estar enquadrada

em um dos dois eixos, independentemente da modalidade.

PRÁTICAS DE RECEPÇÃO DE TEXTOS: nas esferas privada e pública7

• Atividades de escuta de textos em eventos da oralidade;

• Atividades de escuta de textos em eventos de leitura em voz alta;

• Atividades de leitura de textos escritos (verbais) e também dos não verbais.

PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DE TEXTOS: nas esferas privada e pública

• Atividades de produção de textos escritos;

• Atividades de produção de textos (contação de histórias, relatos, participação em peças

teatrais etc.) em eventos da oralidade;

• Atividades de retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos

(escritos ou orais);

• Reescrita.

7 Usamos os termos privado e público para indicar, respectivamente, as práticas de produção que circulam entre interlocutores em um espaço mais restrito e aquelas que têm uma maior circulação social.

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A ANÁLISE LINGUÍSTICA – constitui uma prática constante que se dará sempre

vinculada a um dos dois eixos acima (práticas de recepção de textos e prática de produção

de textos) A análise linguística não deve ser exclusiva das práticas de produção de textos,

mas também necessária nas práticas de recepção de texto para se chegar a uma das possíveis

leituras. Nesse sentido, postula-se o uso dos conhecimentos advindos da análise linguística

como instrumentos para produzir textos adequados aos objetivos, ao gênero, aos

interlocutores e para subsidiar uma leitura crítica.

Além da escuta, leitura e produção de textos, parece ser necessária a realização tanto de atividades epilingüísticas, que envolvam manifestações de um trabalho sobre a língua e suas propriedades, como de atividades metalingüísticas, que envolvam o trabalho de observação, descrição e categorização, por meio do qual se constroem explicações para os fenômenos lingüísticos característicos das práticas discursivas. (PCN, 1998, p.78)

A análise linguística pode ser atualizada em duas direções: através de atividades

epilinguísticas e metalínguísticas. As primeiras caracterizam-se como atividades a serviço da

recepção de textos – escuta e leitura – e da produção de textos – orais e escritos. Ou seja,

recorre-se aos conhecimentos gramaticais (fonologia, morfologia, sintaxe, semântica):

• na leitura e na escuta de textos orais, para identificar as escolhas feitas pelo

produtor do texto e, em função dessas informações, se chegar a uma das leituras;

• na produção de textos orais e escritos, para melhor adequar o texto aos objetivos,

à variedade linguística, ao interlocutor, ao gênero escolhido e à situação onde

circulará.

Geraldi (2000, p. 74) define a prática de análise linguística.

A análise lingüística inclui tanto o trabalho sobre as questões tradicionais da gramática quanto às questões amplas a propósito do texto, entre as quais vale a pena citar: coesão e coerência internas do texto; adequação do texto aos objetivos pretendidos; análise dos recursos expressivos utilizados (metáforas, metonímias, paráfrases, citações, discursos direto e indireto etc.); organização e inclusão de informações; etc. Essencialmente, a prática de análise lingüística não poderá limitar-se à higienização do texto do aluno em seus aspectos gramaticais e ortográficos, limitando-se a “correções”. Trata-se de trabalhar com o aluno o seu texto para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores a que se destina.

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A seguir, apresentamos duas matrizes de referência para o primeiro e o segundo

segmentos do Ensino Fundamental, as quais elencam as capacidades a serem trabalhadas nos

eixos: prática de recepção de textos, prática de produção de textos, além da prática de

análise linguística constante nos dois eixos, objetivando trabalhar as competências textual e

gramatical, as quais, consequentemente, estão a serviço do desenvolvimento da competência

interativa. Essa competência só será desenvolvida satisfatoriamente por meio da inserção de

textos que circulam socialmente (os gêneros textuais), os quais serão sugeridos

subsequentemente às matrizes.

4.2 Competências x capacidades de linguagem x análise linguística

PRIMEIRO SEGMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL

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SEGUNDO SEGMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL

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4.3 Gêneros textuais indicados para os dois segmentos do Ensino Fundamental

Considerando os eixos da recepção e da produção de textos, apresentaremos dois

quadros com sugestões de gêneros textuais da modalidade oral e gêneros da modalidade

escrita para serem trabalhados nos dois segmentos do Ensino Fundamental, os quais se

diferenciam tendo em vista as especificidades e o nível de aprofundamento previsto para cada

segmento.

Nossa proposta, construída com base na distribuição sugerida por Marcuschi e Xavier

(2005), Marcuschi (2008) e nos PCN (1997), manteve parte da classificação sugerida pelo

referido autor, salientando que a tabela apresentada neste documento elegeu os domínios

discursivos8 e respectivos gêneros, com vistas ao trabalho com gêneros textuais em sala de

aula. Os gêneros textuais estão distribuídos por domínios discursivos onde circulam,

considerando que “É justamente pelas distintas práticas sociais desenvolvidas nos diversos

domínios discursivos que sabemos que nosso comportamento discursivo num circo não pode

ser o mesmo que numa igreja e que nossa produção textual na universidade e numa revista de

variedades não será a mesma.” (MARCUSCHI, 2008, p. 194)

Ressaltamos que o quadro apresentado não está fechado nem impõe que todos ou

somente os gêneros ali elencados sejam trabalhados, uma vez que a própria definição de

gêneros como “enunciados relativamente estáveis” (BAKHTIN, 1992) remete para propostas

não fechadas. Salientamos também que a distribuição dos gêneros, considerando os eixos da

recepção e da produção de textos, aponta a posição que assumimos neste documento de que

há gêneros que devem ser levados para a sala de aula para serem lidos (ouvidos) e produzidos

e outros adequados somente à leitura e à escuta, ressaltando que o aluno tem o direito de ter

acesso aos gêneros do domínio ficcional (a literatura de qualidade). Nem todos os alunos

serão literatos, mas todos têm o direito de ter acesso à literatura de autores consagrados,

cabendo ao professor promover atividades de leitura em sala de aula e fora dela como

forma de desenvolver o gosto pela leitura.

Outros dois aspectos que precisam estar presentes na prática de sala de aula: o

combate ao preconceito aos estigmas e às desqualificações do outro, e a promoção do

respeito à diversidade e da inclusão social. Uma das formas de se acolher a transversalidade

8 [...] entendemos como domínio discursivo uma esfera da vida social ou institucional (religiosa, jurídica, jornalística, pedagógica, política, industrial, militar, familiar, lúdica etc.) na qual se dão práticas que organizam formas de comunicação e respectivas estratégias de compreensão. (MARCUSCHI, 2008, p. 194)

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nas práticas de recepção e de produção de textos é o professor assumir a responsabilidade de

abordar esses temas, incluindo-os em suas aulas, ao selecionar os gêneros a serem

trabalhados em um projeto9. Outra forma de trabalhar a diversidade é adotar uma prática

permanente que respeite a heterogeneidade linguística na sala de aula, na comunidade; mas

também proporcionar atividades que favoreçam ao aluno adquirir outras variedades e, dentre

elas, a variedade padrão.

São sugeridos alguns temas considerados transversais: 10

• Diversidade étnico-cultural

• Diversidade religiosa

• Diversidade linguística

• Gênero e sexualidade

• Deficiências

9 Trataremos desse tema mais adiante na pedagogia dos projetos. 10 Ver os Temas Transversais neste volume.

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5 METODOLOGIAS PARA O ESTUDO DE LÍNGUA PORTUGUESA

onforme já antecipamos no início deste documento, a reflexão sobre as

competências e capacidades previstas para o ensino-aprendizagem de Língua

Portuguesa na Educação Básica vai requerer uma atenção especial ao tratamento

metodológico dispensado pelos professores nas práticas em sala de aula. Em função disso,

recorremos a dois grandes eixos metodológicos como alternativas para um trabalho mais

produtivo e dinâmico com a linguagem:

• a Pedagogia dos Projetos;

• o desenvolvimento das Sequências Didáticas (SD).

5.1 A Pedagogia dos Projetos

Entendemos que os projetos conseguem, de fato, articular os usos específicos que

fazemos da leitura e da escrita com as práticas sociais de letramento, mais amplas, com as

quais nos envolvemos no nosso dia a dia. Para Angela Kleiman (2000, p. 238), os projetos de

letramento se constituem como

Uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (os aspectos formais apenas), transformando objetivos circulares como “escrever para aprender a escrever” e “ler para aprender a ler” em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e realização do projeto.

No contexto de realização de uma visita extraescolar a um abrigo para idosos, por

exemplo, os alunos, investidos da necessidade de entrevistarem alguns desses idosos11,

precisam se apropriar, com antecedência, das características do gênero entrevista, do conteúdo

temático a ser explorado e ter conhecimento do perfil do entrevistado. Reconhecemos, então,

que esse é um contexto significativo de inserção e estudo dos gêneros textuais para a sala de

aula porque acreditamos, em concordância com a avaliação de Kleiman (2006, p. 33), que

“[...] é a prática social que viabiliza a exploração do gênero, e não o contrário”. No

desenvolvimento dos projetos, é possível evitar que os gêneros sejam trabalhados de modo

11 Esta atividade, de fato, foi realizada por alunos do nono ano da Escola Estadual de Ensino-aprendizagem Sesquicentenário na ocasião do desenvolvimento das Olimpíadas de Língua Portuguesa, em 2008, com o projeto Memórias.

C

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descontextualizado, dissociados de sua esfera real de circulação. Daí, esse acesso se tornará

mais justificado porque virá acompanhado por práticas efetivas verbais e não verbais, orais e

escritas, voltadas para o professor, alunos, professores de outras disciplinas e, em alguns

casos, envolverá também outros setores da comunidade escolar.

A execução de projetos consegue, então, agregar alunos e professores de forma ativa

na execução de objetivos comuns. Segundo Gandin (2002, apud SUASSUNA; MELO;

COELHO, 2006, p.227-244), as vantagens de uma pedagogia de projetos assentam-se no fato

de que esta

a) possibilita o estudo de temas vitais, de interesse dos alunos e da comunidade; b) permite e requer a participação de todos, de modo que o aluno não fica apenas na postura passiva de “receber” conteúdos; c) abre perspectivas para a construção do conhecimento a partir de questões concretas; d) oportuniza a experiência da vivência crítica e criativa; e) ajuda o educando a desenvolver capacidades amplas, como a observação, a reflexão, a comparação, a solução de problemas, a criação; f) cria um clima propício à comunicação, à cooperação, à solidariedade e à participação.

Os projetos de letramento podem surgir da tentativa de resolver uma determinada

situação-problema, registrada na comunidade escolar, ou podem ser motivados por uma

temática instigante que envolva alunos, professores e demais integrantes da escola. Constitui-

se, então, uma excelente oportunidade para trabalhar os temas transversais, conforme já

mencionamos anteriormente. É importante enfatizar que, normalmente, os projetos não são

impostos aos alunos e professores, eles são construídos colaborativamente, o que

desencadeia, naturalmente, a articulação com outras disciplinas, revelando, de fato, o real

alcance do trabalho interdisciplinar.

Além disso, o desenvolvimento dos projetos proporciona o acesso a diferentes

tecnologias, haja vista a necessidade de inserir a escrita e a leitura em situações efetivas de

uso. Tais práticas permitem que o computador, por exemplo, passe a desempenhar, de fato, o

papel de instrumento didático, uma vez que proporciona as condições para enriquecer a

pesquisa orientada e permite ao aluno usar os recursos de formatação, edição e ilustração de

seus textos. Dependendo da natureza do projeto, alunos e professores aprendem a usar

câmeras de vídeo, produzir filmes, elaborar slides em PowerPoint, criar blogs, organizar

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publicações em CDroom, montar peças de teatro, programas de rádio, enfim, uma série de

atividades cujo desenvolvimento exigirá a apropriação de diferentes mídias.

5.2 O desenvolvimento das Sequências Didáticas (SD) De acordo com o que foi apontado acima, as etapas de planejamento, elaboração e

execução de um projeto, assim como acontece com outras práticas de letramento, serão

viabilizadas por ações de leitura e de escrita de textos os mais variados possíveis. Nesse

contexto, as sequências didáticas (SD), definidas por Schneuwly, Dolz e Noverraz (2004,

p.97) como “um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em

torno de um gênero textual oral ou escrito” passam a ter um papel decisivo no

encaminhamento das aulas de leitura e produção de textos. A proposta de elaboração de SD

tem sido bem acolhida na dimensão didático-pedagógica do ensino de língua por duas razões

[...] em primeiro lugar, por ter conseguido posicionar os gêneros textuais como elemento norteador das práticas de linguagem em sua dimensão linguística, cognitiva e sociodiscursiva; em segundo lugar, por ter firmado a natureza processual das atividades de elaboração de textos orais e escritos (PEREIRA, 2009, p.252).

É precisamente nos domínios das atividades de leitura e de produção de textos em que

os alunos serão mais cobrados a corresponder aos objetivos de aprendizagem previstos para os

dois segmentos do ensino-fundamental. Retomamos o esquema da SD a fim de proporcionar

uma maior visualização da proposta.

Figura 3: Esquema da sequencia didática Fonte: SCHNEUWLY; DOLZ; NOVERRAZ (2004, p. 98).

Módulo

1

Módulo

2

Módulo

n

PRODUÇÃO FINAL

PRODUÇÃO INICIAL

Apresentação da situação

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Os autores (op. cit., p. 108-109) defendem que a elaboração do procedimento se guia

por escolhas pedagógicas, psicológicas e linguísticas e suas principais finalidades visadas, as

quais serão descritas, abreviadamente, a seguir:

a) Escolhas pedagógicas

• Inclui possibilidade de avaliação formativa.

• Insere-se em um projeto que motiva os alunos a escrever ou tomar a palavra.

• Proporciona diversidade de atividades e de exercícios, atendendo às exigências de

diferenciação do ensino.

b) Escolhas psicológicas

• A atividade de produção de textos é trabalhada em toda sua complexidade.

• O procedimento proporciona ao aluno uma consciência mais ampla de seu

comportamento de linguagem em todos os níveis.

• A transformação no modo de falar e de escrever é possível porque diferentes

instrumentos de linguagem são propostos aos alunos.

c) Escolhas linguísticas

• A atividade de linguagem produz textos e discursos.

• A linguagem não é abordada como objeto único, mas como algo que se adapta às

situações de comunicação.

• O objeto do procedimento são os gêneros textuais.

d) Finalidades gerais

• Preparar os alunos para dominar sua língua nas situações mais diversas da vida

cotidiana.

• Desenvolver no aluno uma relação consciente e voluntária com seu comportamento de

linguagem.

• Construir nos alunos uma representação da atividade de escrita e de fala em situações

complexas.

A exposição do esquema da SD evidencia a viabilidade dessa proposta metodológica

no ensino da leitura e da escrita, na medida em que consegue integrar as competências aqui

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elencadas (interativa, textual e gramatical) com as capacidades de linguagem a serem

desenvolvidas. Nessa perspectiva, justifica-se o lugar da análise linguística no contexto das

ações de linguagem desenvolvidas pelos alunos no processo de elaboração textual visto que

são operações de reflexão/análise específicas à competência gramatical, mas em estreita

interdependência com a competência textual e a interativa. Ainda para os autores (2004), as

questões relativas à sintaxe da frase, à morfologia verbal e à ortografia não estão diretamente

integradas à execução das sequências; no entanto, à medida que o professor tem acesso aos

textos dos alunos, ele certamente identificará os problemas de ordem linguística e gramatical,

os quais merecerão um tratamento diferenciado de ensino.

O tratamento das dificuldades encontradas caracterizará o conteúdo a ser trabalhado

nos módulos e a avaliação dos impactos da intervenção docente será possível com as

atividades de reescrita. A reescrita, então, servirá como feedback necessário para o professor

acompanhar os avanços alcançados pelos alunos no processo de produção textual.

Entendemos a atividade de reescrita como a reflexão do aluno sobre o seu texto,

encaminhada, logicamente, pelo professor (ou por um parceiro mais experiente), que se volta

tanto para os parâmetros de produção do gênero textual (contexto sócio-pragmático, conteúdo

temático, interlocutor) como para os aspectos voltados para as suas características linguístico-

discursivas. Certamente, as questões de ordem ortográfica, pontuação e de norma padrão12

também serão consideradas à medida que o professor identifique os problemas ocorridos

nesse nível e conduza os alunos a reescrever o texto considerando tais ocorrências. Como as

SD foram concebidas especificamente para o trabalho de elaboração de gêneros orais e

escritos, essas questões tornam-se mais particularizadas, uma vez que não existem problemas

de sintaxe ou de morfologia, por exemplo, que sejam exclusivos de um determinado gênero,

mas que se tornam evidentes em qualquer produção de texto. É o que tentaremos evidenciar

na próxima seção.

6 ARTICULAÇÃO ENTRE COMPETÊNCIAS, CAPACIDADES E MOB ILIZAÇÃO DE CONTEÚDOS

Os conteúdos, na perspectiva deste documento, ocupam um espaço diferente do

ocupado em perspectivas consideradas tradicionais. O objetivo geral no ensino de Língua

Portuguesa é tornar o aluno competente para interagir em qualquer situação,

12 Se o gênero requerer essa variedade linguística.

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considerando os objetivos dessa interação, o interlocutor, a variedade adequada, o gênero

requerido e a situação. Para alcançar esse objetivo, duas outras competências precisam ser

desenvolvidas: a competência textual e a gramatical, as quais necessitam ser trabalhadas

simultaneamente, através do desenvolvimento das capacidades elencadas nos eixos de

recepção e de produção de textos nas matrizes do item 4.2. Essas capacidades serão

trabalhadas com a inserção de gêneros textuais em sala de aula, como unidade de ensino,

sendo que nesse ponto é que os conteúdos (fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos)

devem ser mobilizados a serviço da recepção e da produção de textos.

Ressalte-se que a mudança de encaminhamento necessária nas aulas de Língua

Portuguesa requer também uma nova postura do professor.

Ensinar gramática em uma perspectiva de língua(gem) enquanto lugar de inter-ação requer uma nova postura do professor de Língua Portuguesa, que deverá adotar uma nova concepção de linguagem e, conseqüentemente, de sujeito e de texto. Adotar essa concepção de linguagem acarretará trabalhar com a língua em uso: gêneros discursivos diversos serão incorporados ao conjunto de textos com os quais o aluno interagirá; fatos de língua servirão para trabalhar uma gramática reflexiva, que forneça subsídios semântico-discursivos para a leitura e produção de textos. (ESPÍNDOLA, 2004, p. 109)

Nesse sentido, apresentamos uma amostragem de como competências, capacidades,

gêneros textuais e conteúdos podem (devem) ser articulados nos dois eixos estruturadores:

prática de recepção e prática de produção de textos. Salientamos que as sugestões aqui

apresentadas não devem ser inseridas de forma descontextualizada nas atividades de sala de

aula; deverão ser parte de uma sequência didática, de um projeto ou de outra modalidade

metodológica.

Inicialmente, vamos demonstrar como trabalhar, no eixo prática de recepção de

textos, a modalidade leitura, tendo como objetivo desenvolver com o aluno,

prioritariamente, a capacidade: ler textos que circulam em diferentes situações de

participação social, não esquecendo que várias outras capacidades são mobilizadas, tais

como: escrever de acordo com o princípio alfabético e as regras alfabéticas; dispor, ordenar

e organizar o texto de acordo com as convenções gráficas da Língua Portuguesa para cada

gênero, entre outras.

Para trabalhar essa capacidade, dentre os gêneros sugeridos para o primeiro

segmento, escolhemos a receita culinária do domínio discursivo instrucional.

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Brigadeiro

Ingredientes 1 lata de leite condensado 1 colher de sopa de margarina sem sal 7 colheres de sopa de Nescau ou 4 colheres de sopa de chocolate em pó chocolate granulado para fazer bolinhas

Modo de Preparo Coloque em uma panela funda o leite condensado, a margarina e o chocolate em pó. Cozinhe em fogo médio e mexa sem parar com uma colher de pau. Cozinhe até que o brigadeiro comece a desgrudar da panela. Deixe esfriar bem, então unte as mãos com margarina, faça as bolinhas e envolva-as em chocolate granulado.

Antes de levar a receita culinária para a sala de aula, o professor precisa conhecer:

domínio discursivo onde circula, locutor e interlocutor marcados ou não no texto, variedade

linguística utilizada, macroestrutura do gênero, conteúdos linguístico-discursivos necessários

para se ler esse texto. Mesmo que essa receita seja levada somente para uma atividade de

leitura, é preciso que se ensine como deve ser lida, pois não se lê uma receita como se lê um

poema ou um conto. Vejamos quais questões devem ser levantadas e respondidas em uma

aula de leitura:

• Onde circulam as receitas culinárias? Quando e para que se lê uma receita?

• Quais as características recorrentes na ‘forma’ de uma receita?

• Qual a disposição gráfica da receita?

• Quais sinais de pontuação são usados na receita? Por quê?

• Qual variedade linguística é usada em receitas?

• Há marcas textuais que identifiquem o produtor?

• Quem é o interlocutor desse texto? Há marcas textuais que possibilitem identificar a

quem é endereçada uma receita?

• Que tipo de ato é recorrente na receita: narrar, afirmar, pedir, mandar (instruir) etc.?

• Há uma ordem nos atos elencados? Por quê?

• Quais elementos do contexto sócio-histórico-cultural podem ser inferidos na leitura de

uma receita?

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

Da lista acima, o professor deverá selecionar as questões adequadas ao

desenvolvimento cognitivo do ano com o qual trabalha, sendo que o mesmo gênero poderá ser

explorado do primeiro ao nono ano, desde que a abordagem seja adequada ao nível da turma.

Para responder às questões acima, são necessários os seguintes conteúdos:

• Função social da receita;

• Conhecer como a escrita é disposta graficamente: parágrafo, margem;

• A macroestrutura de uma receita culinária: elementos estruturadores (título, partes que

a compõem);

• Os sinais de pontuação usados na receita;

• As pessoas do discurso da receita: segunda e terceira pessoas do discurso

(interlocutor);

• O modo imperativo do verbo: segunda e terceiras pessoas do discurso;

• Os elementos responsáveis pela sequencialidade e continuidade desse gênero:

• Os numerais;

• As unidades de medida.

Ao serem mobilizados os conteúdos acima, para que seja desenvolvida

prioritariamente a capacidade ler textos que circulam em diferentes situações de participação

social, além da atividade epilinguística realizada, também se pode, no final, sistematizar os

conteúdos que serão necessários para se trabalhar esse gênero, caracterizando uma atividade

metalinguística. Saliente-se que os mesmos elementos linguísticos mobilizados para a leitura,

em momento posterior, serão mobilizados para a produção de uma receita, uma vez que a

receita culinária é um dos gêneros que devem ser trabalhados tanto no eixo da recepção

como no eixo da produção de textos.

Nessa atividade em que enfatizamos a prática de leitura, pode-se trabalhar a

interdisciplinaridade com a Matemática: números e unidades de medida utilizados na receita;

com Ciências: a composição dos alimentos; com Geografia e História: as diferenças regionais

e socioculturais.

A receita também pode estar inserida em um projeto em que a diversidade regional

seja a temática. Nesse contexto, receitas de comidas regionais podem ser trazidas para a sala

de aula, para mostrar as diferenças de costumes, os quais se revelam também na alimentação.

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

É um espaço adequado para se trabalhar o respeito às diferenças e à heterogeneidade, além de

incentivar a busca do novo que está ao nosso redor.

Ao se trabalhar a receita em um projeto dessa natureza, cria-se a oportunidade para

discutir a variedade vocabular de uma região para outra. Exemplo disso são os pratos

denominados, no Nordeste, munguzá, canjica, pé de moleque etc., que recebem outras

denominações, por exemplo, no Sul.

Apresentamos, agora, outra amostragem de como, no primeiro segmento do ensino

fundamental, mobilizar os conteúdos necessários para a produção do relato de viagem

(domínio interpessoal), tanto na modalidade oral quanto na modalidade escrita, gênero

recomendado para os eixos da recepção e da produção.

Neste espaço, elegemos trabalhar o relato de viagem, no eixo da produção de textos,

objetivando desenvolver com o aluno, prioritariamente, a capacidade de produzir textos orais

e escritos de gêneros diversos, adequados aos objetivos, ao interlocutor e ao contexto de

circulação. É necessário registrar que, ao se priorizar essa capacidade geral, no âmbito da

competência textual, para que seja desenvolvida nas duas modalidades, outras capacidades no

eixo da produção de texto, tanto da competência textual quanto da gramatical, serão,

necessariamente, mobilizadas: escrever de acordo com o princípio alfabético e as regras

alfabéticas; dispor, ordenar e organizar o texto de acordo com as convenções gráficas da

Língua Portuguesa para cada gênero; empregar as variedades linguísticas considerando os

gêneros textuais e os contextos de uso, entre outras.

Antes de continuar a amostragem de como desenvolver a capacidade de produzir

textos orais e escritos de gêneros diversos, tendo como unidade de trabalho o gênero relato de

viagem13, é preciso abrir um espaço para ressaltar as atividades de leitura e escuta – do eixo

prática de recepção de textos - que, necessariamente, devem preceder a que estamos

propondo, independentemente da orientação metodológica em que essa atividade esteja

inserida. Registramos, portanto, que postulamos práticas de linguagem, em sala de aula, que

tenham início, desenvolvimento e fim, caracterizando-se, portanto, a demonstração aqui

apresentada como uma das atividades previstas, por exemplo, em uma sequência didática.

Como já frisamos na abordagem da receita culinária, antes de levar o relato de viagem

para a sala, o professor precisa dominar alguns conhecimentos sobre esse gênero textual:

domínio discursivo onde circula, locutor e interlocutor marcados ou não no texto, variedade

13 Gênero sugerido para o primeiro e o segundo segmentos.

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

linguística utilizada, macroestrutura do gênero, conteúdos linguístico-discursivos necessários

para se ler um relato. A seguir, algumas perguntas para as quais o professor precisa ter as

respostas:

• Onde circulam os relatos de viagem?

• Qual a função social do relato de viagem?

• Quais as características recorrentes da macroestrutura de um relato de viagem?

• Qual a disposição gráfica de um relato de viagem?

• Quais sinais de pontuação são, geralmente, usados no relato? Por quê?

• Qual variedade linguística geralmente é usada em relatos?

• Há marcas textuais de quem produz os relatos? Em que pessoas do discurso o relato

pode ser produzido?

• Quem é o interlocutor do relato? Há marcas textuais que possibilitem identificar a

quem é endereçado o relato?

• Há uma ordem nos atos elencados? Que ordem é essa?

• Quais elementos do contexto sócio-histórico-cultural podem ser inferidos na leitura de

um relato?

Da lista acima, o professor, no primeiro segmento, deverá selecionar os itens

adequados ao desenvolvimento cognitivo do ano com o qual trabalha, sendo que o relato de

viagem poderá ser abordado do primeiro ao nono ano. Para responder às questões acima, é

imprescindível que sejam mobilizados os seguintes conteúdos:

• Função social do relato;

• Conhecer como a escrita é disposta graficamente: parágrafo, margem;

• A macroestrutura de um relato de viagem: elementos estruturadores (título, partes que

o compõem);

• Tempos verbais predominantes no gênero relato: pretérito perfeito, pretérito imperfeito

e presente do indicativo (nos anos iniciais, trabalhar somente o pretérito perfeito, sem,

necessariamente, nomeá-lo);

• As pessoas discursivas do relato: primeira e terceira pessoas do singular e do plural;

• Os sinais de pontuação usados no relato;

• Os elementos linguísticos de sequencialidade típicos da oralidade no relato;

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

• Os elementos linguísticos de sequencialidade da escrita no relato;

• Discurso direto;

• Diferença entre os relatos de viagem e os relatos ficcionais.

Pelo fato de o relato de viagem circular tanto na oralidade quanto na escrita, propomos

que, inicialmente, sejam levados para a sala de aula relatos orais de viagem, gravados ou

filmados, para desenvolver, no eixo da recepção de textos, a capacidade de ouvir e/ou ver

filmes com relatos de viagens. Essa atividade pode ser trabalhada nos dois segmentos do

Ensino Fundamental, dosando o grau de dificuldade ao nível da turma.

No eixo da recepção de gêneros orais, os conteúdos acima serão mobilizados pelo

professor para ‘apresentar’ o gênero relato: onde circula; para que serve; diferenças entre um

relato e outras manifestações orais já conhecidas pelos alunos; diferenças entre fazer um

relato em primeira ou em terceira pessoa (diferentes pontos de vista); elementos linguísticos

utilizados na oralidade que permitem a continuidade e o encadeamento de ações no relato

(primeiro, depois, aí, então etc.); o tempo verbal utilizado nos relatos (nos anos iniciais,

trabalhar somente o pretérito perfeito). Entra em cena, aqui, a análise epilinguística, cuja

função é mobilizar os conteúdos acima para a compreensão do relato tanto na leitura como na

escuta.

O trabalho com os relatos de viagem favorece a interdisciplinaridade com Geografia,

História, Artes, entre outras, dependendo dos lugares visitados e dos conteúdos dos relatos. Os

temas transversais também têm espaço garantido nessa atividade, uma vez que viagens

proporcionam contato com diversidades étnico-cultural, religiosa, linguística etc. Cabe ao

professor, através de atividades reflexivas, levantar as semelhanças e as diferenças relativas

aos aspectos citados entre cidades e países, enfatizando a importância do respeito às

diferenças, combatendo a intolerância étnico-cultural.

Esse é o momento de, além do gênero relato de viagem do domínio interpessoal,

também trazer, para o espaço escolar, o relato de viagem do domínio ficcional, inserindo,

assim, na sala de aula, a literatura (todas as literaturas: da clássica à popular), o que favorece

trabalhar a diferença entre os relatos de viagens que circulam nas relações interpessoais e os

relatos de viagens das obras literárias.

O texto abaixo - trecho de um relato de viagem dos muitos disponíveis na internet - é

um exemplo para ser utilizado nas atividades de leitura e de produção de textos.

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Taiguaras vão ao Pantanal Vida Pantaneira

O grupo se levantou a tempo de ver o sol nascendo em um céu limpo e sem nuvens que se manteve ao longo de todo o dia. O motivo que tirou os meninos da Casa Taiguara da cama tão cedo foi um rodeio. Nada de música sertaneja, arquibancada, barracas de comida. Aqui, laçar bois e bezerros faz parte de mais um dia de trabalho.

O ritual é feito semanalmente na época conhecida no Pantanal como Aparição – ou seja reprodução. Nesse período, que vai de maio a outubro, é preciso marcar os bezerros que nasceram durante a semana. Parte do grupo acompanhou os peões a cavalo e o restante seguiu no trator até a área onde o gado estava reunido. Muitos estavam com dó dos animais. “Se eu tiver uma fazenda vou colocar um brinco neles para identificar, que não dói tanto”, dizia Tiago.

Os peões fizeram uma fogueira para aquecer o ferro com a marca da fazendo Santa Sophia e começaram a laçar os bezerros um a um. Além dos que precisavam ser marcados, os funcionários trouxeram também os machucados, que tomaram vacinas e remédios. As crianças, então, se empolgaram e quiseram ajudar – não a marcar, mas a dominar os animais. Só uma menina se arriscou, Carol, que contou com a ajudinha dos colegas.O grupo retornou à fazenda para o almoço e depois da digestão foi hora de participar da rotina pantaneira mais uma vez e ajudar a juntar o gado espalhado.

Como preveria a Saracura, com seu canto noturno, o dia seguinte amanheceu nublado. Meninos foram acompanhar a castração dos bois para a engorda – onde meninas não podem participar. Isso porque, segundo a lenda local, quando uma mulher vê o processo, o boi morre.

Enquanto isso, as meninas saíram no jipe de Beatriz Rondon, a dona da fazenda, para conhecer outras áreas. O chacoalhar do carro entre o terreno lamacento arrancou gritinhos e muita risada. Araras azuis, um tuiuiú, garças e até um pica-pau foram o saldo do passeio. Ao final, caras felizes e uma constatação. “Estou aprendendo muita coisa aqui”, diz Carol.

(MOREIRA, Adriana. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/viagem/?s=pantanal.Acesso em: 6 nov. 2010)

Lembramos que há livros e filmes sobre relatos de viagem (Alice no país das

maravilhas, Viagens para lugares que nunca fui, As viagens de Gulliver, Aventuras de Hans

Staden, o filme Hans Staden etc.), os quais devem ser inseridos no espaço de aula,

considerando-se a adequação à faixa etária.

A respeito do papel da literatura e de sua importância na formação intelectual e cidadã

de nossos jovens, é importante destacar que, embora tenhamos apresentado uma numerosa e

diversificada lista de gêneros possíveis de serem trabalhados nos dois segmentos do Ensino

Fundamental, o incentivo à leitura de autores e obras representativos de nossa literatura deve

ser uma preocupação constante dos professores que trabalham com crianças e adolescentes.

Afinal, não nascemos leitores, e sim, nos tornamos leitores, gradativamente,

motivados pelas experiências de letramento vivenciadas ao longo de nossa formação e, nesse

processo, a escola tem uma responsabilidade única na implantação de condições que

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

permitam o que Guedes (2006) chama de “desprivatização da leitura”. Promovendo e

estimulando a leitura dos clássicos, mas também de autores desconhecidos, e igualmente

relevantes na ampliação das competências leitoras, permitimos o acesso dos jovens e da

sociedade em geral à leitura e a todas as implicações positivas decorrentes dela. O sentido de

desprivatização da leitura remete especialmente a isso: tornar público e acessível, em nossa

sociedade, o que é exclusivo a uns poucos.

Faz-se necessária, portanto, a criação de círculos de leitura, rotinas sistemáticas

em que alunos e professores possam ler e discutir textos integrais, uma vez que, na

maioria das vezes, os alunos só têm acesso a fragmentos das obras, e assim, pouco a pouco,

aprenderão a desfrutar dos momentos de prazer que a leitura e o acesso ao conhecimento

proporcionam.

Em um segundo momento, no eixo da produção de textos orais, para desenvolver a

capacidade de produzir relatos orais de viagens, é preciso criar uma situação em que os

alunos produzam, oralmente, seus relatos de viagem. Para essa atividade, o professor,

necessariamente, precisa retomar os conhecimentos relativos à estrutura do relato de viagem

(a pessoa discursiva utilizada, o tempo verbal, os elementos de sequencialidade próprios da

oralidade), estabelecendo um roteiro para que cada aluno prepare seu relato e o apresente

oralmente14.

Nesse momento, os relatos apresentados oralmente podem ser registrados (ipsis

litteris) pelo professor no papel de escriba (em turmas em que os alunos ainda não dominam a

escrita) ou por um aluno da sala (em turmas em que os alunos já dominem a escrita), nos anos

iniciais do primeiro segmento. Após o registro ipsis litteris do texto oral, surge, naturalmente,

o espaço para o professor trabalhar a retextualização – a passagem do texto oral para o texto

escrito – na perspectiva de que “as diferenças entre a fala e a escrita se dão dentro de um

continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica

de dois pólos opostos”. (MARCUSCHI, 2001, p. 37 – itálicos do autor)

Para efetivar os ajustes que envolvem a mudança da modalidade oral para a escrita, o

professor pode utilizar os processos de retextualização15, com as devidas adequações,

14

O livro Viagens para lugares que eu nunca fui é uma sugestão para introduzir os relatos orais no primeiro segmento. 15 A retextualização “[...] não é um processo mecânico, já que a passagem da fala para a escrita não se dá naturalmente no plano dos processos de textualização. Trata-se de um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem-comprendidos da relação oralidade-escrita”. (MARCUSCHI, 2001, p. 46)

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

propostos por Marcuschi (2001), os quais preveem ajustes necessários do texto base para o

texto final. Essas operações objetivam adequar o texto base às exigências da modalidade

escrita.

Na produção escrita de um relato de viagem, o professor tem de mobilizar os

conteúdos já elencados (a pessoa discursiva utilizada, o tempo verbal, os elementos de

sequencialidade próprios da escrita), estabelecer quem será o interlocutor e onde o relato de

viagem circulará.

Após o planejamento e o processo de produção textual, é a hora da reescrita, momento

em que o aluno (coletivamente, de preferência) mobilizará os conteúdos já elencados ao

escutar ou ler o relato para, agora, “olhar” seu texto e verificar se a sua produção está

adequada ao planejamento: o texto apresenta a macroestrutura do relato? A pessoa discursiva

está de acordo com o ponto de vista escolhido? O tempo verbal está adequado ao gênero? A

variedade linguística é adequada ao interlocutor e ao gênero relato? A pontuação está

adequada? Os elementos de sequencialidade estão adequados? Após essa atividade

epilinguística, o professor pode propor a sistematização dos conteúdos mobilizados para

trabalhar o relato de viagem, caracterizando uma atividade metalinguística pertinente e

necessária para o contexto.

Finalmente, trazemos mais uma ilustração de como articular competências e

capacidades, atrelando-as aos dois eixos estruturadores das práticas docentes em sala de aula:

recepção e produção bem como à análise linguística que perpassa os dois eixos. Ilustraremos

com dois exemplos do gênero notícia por apresentarem, a despeito de suas semelhanças,

algumas especificidades.

Bebê jogado em rio é resgatado com vida em Minas Uma menina recém-nascida foi resgatada com vida de dentro do rio Arrudas, na tarde deste domingo, em Contagem (MG). O caso é investigado.

De acordo com a Polícia Militar, a criança foi encontrada boiando por um rapaz de 22 anos. Ele tirou a menina da água, a enrolou em um cobertor e a levou para um hospital da região.

Segundo informações do Hospital da Criança São José, a menina chegou sofrendo paradas cardiorrespiratórias em seqüência e, por fim, foi reanimada. Em estado estável e acordada, ela foi transferida para o Hospital Municipal de Contagem, onde permanecerá em observação no CTI neonatal.

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Como a menina ainda tinha cordão umbilical e estava presa à placenta quando chegou ao hospital, a suspeita é a de que ela tenha nascido hoje. Os pais estão sendo procurados.

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u332691.shtml>. Acesso em: 30 set. 2007.

Juiz nos EUA define hoje os rumos do processo do acidente da GOL

[..] Será definido como será a condução do processo, quem irá a julgamento, quais as provas necessárias para que isso ocorra e os documentos que deverão ser apresentados. Os familiares que entraram com ação nos EUA acreditam que, caso o processo seja julgado pela Justiça norte-americana, haverá mais agilidade na definição dos valores das indenizações. Um dos fatores que pode contribuir para que o caso corra mais rápido na corte americana é o fato de os tripulantes do Legacy estarem nos EUA, conforme explicou Cíntia Magalhães, assessora do advogado Leonardo Amarante. [...] Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL140147-5598,00.html>. Acesso em: 2 out. 2007.

Repetindo os procedimentos já abordados na exposição da receita e do relato de

viagem, destacamos que o professor precisa dominar alguns conhecimentos sobre o gênero

textual notícia: domínio discursivo onde circula, locutor e interlocutor marcados ou não no

texto, influência do suporte na informação veiculada, variedade linguística utilizada,

macroestrutura do gênero, conteúdos linguístico-discursivos necessários para se ler uma

notícia. Novamente, apresentamos algumas perguntas cujas respostas devem ser conhecidas

pelo professor e que podem, também, guiar as etapas de apresentação e exploração do gênero

nos dois casos.

• Onde circulam as notícias?

• Qual a função social da notícia?

• Qual a influência do suporte no teor informativo veiculado pela notícia?

• Quais as características recorrentes da macroestrutura de uma notícia?

• Qual a disposição gráfica de uma notícia?

• Quais sinais de pontuação são, geralmente, usados na notícia? Por quê?

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• Qual variedade linguística geralmente é usada em notícias?

• Há marcas textuais de quem produz a notícia? Em que pessoas do discurso a notícia

pode ser produzida?

• Quem é o locutor da notícia? Há um profissional específico que assume a

responsabilidade pelo que é dito?

• Quem é o interlocutor da notícia? Há marcas textuais que possibilitem identificar a

quem é endereçada a informação?

• Há estruturas linguístico-discursivas típicas do gênero?

• Há uma ordem nos fatos elencados? Que ordem é essa?

• Quais elementos do contexto sócio-histórico-cultural podem ser inferidos na leitura de

uma notícia?

Respeitando-se o nível de complexidade da abordagem, que precisa estar adequado ao

ano no qual o professor atua, a notícia também poderá ser abordada do primeiro ao nono ano.

Para responder às questões acima, é imprescindível que sejam mobilizados os seguintes

conteúdos:

• Função social da notícia;

• Conhecer como a escrita é disposta graficamente (parágrafo e margem) e seus recursos

paratextuais (negrito e caixa-alta);

• A macroestrutura de uma notícia: elementos estruturadores (título, lead e seus

elementos constitutivos básicos: Quem? Quê? Quando? Onde? Por quê? Como?)

• Tempos verbais predominantes na notícia: pretérito perfeito, pretérito imperfeito e

presente do indicativo (nos anos iniciais, trabalhar somente o pretérito perfeito, sem,

necessariamente, nomeá-lo);

• As vozes do verbo (ativa e passiva) e seus efeitos de sentido podem ser trabalhados

nas séries finais (mais evidente na primeira notícia).

• As referências temporais e espaciais (advérbios de tempo e de lugar).

• As pessoas discursivas da notícia: terceira pessoa do singular e do plural;

• Os sinais de pontuação usados na notícia;

• Os elementos linguísticos de sequencialidade típicos da oralidade na notícia;

• Os elementos linguísticos de sequencialidade típicos da notícia escrita;

• Discurso direto e indireto.

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• Pressupostos e subentendidos (mais evidente na segunda notícia).

O gênero notícia tanto pode ser trabalhado no eixo da recepção como da produção de

textos e nas duas modalidades: oral e escrita. Obviamente, isso não significa dizer que

tenhamos de formar jornalistas e repórteres para atuarem na sociedade, mas é importante que

fique claro que, mesmo na condição de cidadãos comuns, lidamos constantemente com a

recepção e produção de notícias.

Estamos constantemente informando aos outros, especialmente na oralidade, sobre

acontecimentos que podem, em maior ou menor intensidade, afetar as nossas vidas. Nesse

sentido, torna-se importante saber ler adequadamente as notícias que circulam na mídia falada

e escrita, tentar atribuir aos fatos relatados uma dimensão equilibrada de seu teor de realidade,

ou seja, tentando distinguir o fato da opinião sobre esse fato, explorar com os alunos os

sentidos possíveis que podem ser inferidos de determinados elementos linguísticos,

evidenciando-lhes os juízos de valor ou preconceitos possivelmente veiculados por eles. Isso é

exercer a cidadania, é contribuir para a formação de cidadãos mais críticos frente aos apelos

da sociedade.

Também é possível, desde que inseridos em um projeto de letramento, permitir que os

alunos vivenciem a experiência de elaboração e editoração de um jornal escolar. Tais

experiências já têm se apresentado como bastante produtivas e levam os alunos a

desenvolverem as práticas sociais de linguagem em toda sua totalidade, articulando ações de

linguagem com ações não verbais, de modo a intervirem positivamente no contexto onde

estão inseridos. No desenvolvimento dessas práticas, os professores partem da reflexão no

nível macro, em que se situam as reflexões sobre os parâmetros sociais de produção dos

textos, mas também consideram os elementos de estruturação linguístico-discursiva dos

textos, a exemplo do uso das vozes passiva e ativa, que, longe de serem avaliadas como

equivalentes sintáticos, prestam-se a efeitos discursivos diferenciados e pragmaticamente

orientados. É importante também ressaltar a relevância e funcionalidade dos advérbios de

tempo e lugar que, no gênero notícia, assumem um papel de destaque. A competência

gramatical apresenta-se, portanto, inteiramente inserida na competência textual e, ambas, a

serviço da competência interativa, evidenciando a interseção existente entre as competências a

que nos referimos na apresentação de nossa proposta curricular.

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

Tendo sido elencadas as possibilidades de articulação entre conteúdos e

capacidades, apresentamos uma proposta de como encaminhar as atividades de planejamento

na Escola. Nesse momento, cabe ao professor, preferencialmente, em colaboração com outros

colegas e a equipe pedagógica:

• Escolher dentre as capacidades elencadas as que vão ser trabalhadas em um determinado ano;

• Escolher o tema (dar prioridade aos temas transversais);

• Determinar o(s) eixo(s) estruturador(es): recepção e produção de textos;

• Determinar o(s) gênero(s) a ser(em) trabalhado(s) dentre os indicados em cada matriz;

• Elencar os conteúdos a serem mobilizados na recepção e/ou produção dos gêneros escolhidos.

7 O SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA

omo avaliar as competências e capacidades que desejamos ver desenvolvidas em

nossos alunos do Ensino Fundamental? A reflexão sobre os parâmetros de avaliação

vem finalizar a discussão sobre uma proposta curricular, mas deve naturalmente

ilustrar o percurso teórico-metodológico adotado pelos professores de Língua Portuguesa no

exercício de sua prática docente. Tentamos conduzir as reflexões aqui elencadas no sentido de

deixar evidente a relação de convergência entre concepções teóricas subjacentes ao ensino-

aprendizagem de Língua Portuguesa, procedimentos metodológicos e sistema de avaliação, os

quais, como procuramos evidenciar neste documento, passam a redirecionar a noção dos

conteúdos a serem explorados com os alunos.

Entendemos que a proposta das SD pode se constituir como eixo integrador entre as

dimensões metodológica e avaliativa das práticas de leitura e produção de textos, objetivos

centrais do ensino de Língua Portuguesa. Isso porque nelas a condução dos objetivos de

ensino organiza-se sequencial e gradativamente aos objetivos de aprendizagem. Ou seja, as

dificuldades encontradas pelos alunos, na apropriação de determinados objetos de ensino,

passam a direcionar as ações didáticas do professor, tendo em vista as metas de aprendizagem

C

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92

RCEF 2010 /Língua Portuguesa

ao longo de todo período letivo, caracterizando uma avaliação contínua, processual e

formativa .

Figura 4.

Na execução das SD, o professor tem a oportunidade de acompanhar sistematicamente, e

não apenas por meio dos mecanismos tradicionais de avaliação, com data e período de

realização pré-definidos, o desenvolvimento cognitivo dos alunos, de acordo com os critérios

de avaliação de aprendizagem propostos para o Ensino Fundamental nos PCN que

contemplam as capacidades envolvidas nos processos de leitura, escrita e análise linguística.

Critérios de avaliação para o primeiro segmento, segundo os PCN (1997, p.76,77, 85,

86):

• Narrar histórias conhecidas e relatos de acontecimentos, mantendo o

encadeamento dos fatos e sua sequência cronológica, ainda que com ajuda. • Demonstrar compreensão do sentido global de textos lidos em voz alta. • Ler de forma independente textos cujo conteúdo e forma são familiares. • Escrever utilizando a escrita alfabética, demonstrando preocupação com a

segmentação do texto em palavras e em frases e com a convenção ortográfica.

• Narrar histórias conhecidas e relatos de acontecimentos, mantendo o encadeamento dos fatos e sua sequencia cronológica, de maneira autônoma.

• Demonstrar compreensão de textos ouvidos por meio de resumo das ideias. • Coordenar estratégias de decodificação com as de antecipação, inferência e

verificação, utilizando procedimentos simples para resolver dúvidas na compreensão.

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• Utilizar a leitura para alcançar diferentes objetivos: ler para estudar, ler para revisar, ler para escrever.

• Escrever textos com pontuação e ortografia convencional, ainda que com falhas, utilizando alguns recursos do sistema de pontuação.

• Produzir textos escritos, considerando características do gênero, utilizando recursos coesivos básicos.

• Revisar os próprios textos com o objetivo de aprimorá-los. • Escrever textos considerando o leitor.

Critérios de avaliação para o segundo segmento, segundo os PCN (1998, p. 95-98):

• Demonstrar compreensão de textos orais, nos gêneros previstos para o

ciclo, por meio de retomada dos tópicos do texto. • Atribuir sentido a textos orais e escritos, posicionando-se criticamente

diante deles. • Ler de maneira independente textos com os quais tenha construído

familiaridade. • Compreender textos a partir do estabelecimento de relações entre

diversos segmentos do próprio texto e entre o texto e outros diretamente implicados por ele.

• Selecionar procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses (estudo, formação pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e a características do gênero e suporte.

• Coordenar estratégias de leitura não-lineares utilizando procedimentos adequados para resolver dúvidas na compreensão e articulando informações textuais com conhecimentos prévios.

• Produzir textos orais nos gêneros previstos para o ciclo, considerando as especificidades das condições de produção.

• Redigir textos na modalidade escrita nos gêneros previstos para o ciclo, considerando as especificidades das condições de produção.

• Escrever textos coerentes e coesos, observando as restrições impostas pelo gênero.

• Redigir textos utilizando alguns recursos próprios do padrão escrito relativos à paragrafação, pontuação e outros sinais gráficos, em função do projeto textual.

• Escrever textos sabendo utilizar os padrões da escrita, observando regularidades lingüísticas e ortográficas.

• Revisar os próprios textos com o objetivo de aprimorá-los. • Utilizar os conceitos e procedimentos constituídos na prática de análise

lingüística.

Uma avaliação pautada no reconhecimento do desenvolvimento dessas capacidades

requer, da parte do professor, que ele se desapegue daquelas práticas avaliativas pontuais,

pautadas em mecanismos que indicam exclusivamente o nível de conhecimento conteudístico

do aluno em questões específicas, momentâneas, quantitativamente direcionadas, e passe a

considerar as outras instâncias das práticas de linguagem nos mais variados momentos em que

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alunos e professores dela fazem uso: nas interações em sala, nos debates entre colegas, nas

rodas de leitura, na participação e execução dos projetos de letramento, nas diferentes

situações de leitura, produção e reescrita de texto em que os alunos recorrem aos

conhecimentos sobre os processos cognitivos e inferenciais de compreensão e à estrutura e

regularidades da língua em suas diversas situações de uso.

O processo avaliativo, nessa concepção, permite não apenas que os alunos sejam

avaliados pelo professor, mas que também se autoavaliem. Na dinâmica das trocas interativas,

eles se reconhecem como sujeitos que aprendem e que também promovem o aprendizado de

seus colegas, exemplificando bem a noção vygotskiana de Zona de Desenvolvimento

Proximal16, espaço onde o outro, não só o professor, pode atuar no favorecimento da

aprendizagem. Isso aponta para uma ampliação da esfera avaliativa, uma vez que o

desempenho dos alunos passa a servir de ponto de referência para o professor também se

autoavaliar e, assim, questionar, redirecionar e aprimorar sua prática pedagógica. A reflexão

sobre o desempenho dos alunos deve provocar questionamentos, tais como: quais conteúdos

são mais complexos; onde e como o professor pode ajudar na aprendizagem?; o que parece

interferir no processo de ensino-aprendizagem?; o conteúdo foi suficientemente explorado?

A título de finalização, e por mais contraditório que pareça, neste momento,

gostaríamos de lembrar que as reflexões aqui iniciadas estão longe de serem concluídas, na

verdade, estão apenas começando. É importante manter um diálogo permanente com os

professores, pois acreditamos que, a despeito das dificuldades, é possível trabalhar

produtivamente os conteúdos de Língua Portuguesa, fazendo com que a sala de aula seja

palco de interações (nem sempre harmônicas, é verdade!), mas que propiciem situações de

reflexão e de aprendizagem sobre os usos da linguagem, onde tanto alunos como professores

assumam, construtiva e desafiadoramente, papéis de mestres e de aprendizes, uma vez que

estamos, a todo momento, ensinando e aprendendo com aqueles com quem convivemos.

Nessa troca, trocamos muito mais do que mensagens: partilhamos experiências, alegrias,

tristezas, enfim, nos constituímos como indivíduos, agentes de linguagem.

16 Vygotsky (1987) conceitua a Zona de Desenvolvimento Proximal como a distância que separa o nível de Desenvolvimento Real , aquele em que a solução dos problemas se dá sem a ajuda do outro, do nível de Desenvolvimento Potencial, indicativo do verdadeiro potencial do aluno.

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RCEF 2010 /Língua Portuguesa

REFERÊNCIAS

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<http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/>

<http://revistaescola.abril.com.br/>

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LÍNGUA ESTRANGEIRA

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CONSULTORES ELABORADORES Profa. Dra. Betânia Passos Medrado - UFPB Profa. Dra. Maura Regina Dourado – UFPB LEITORES CRÍTICOS Fabivânia Ferreira da Silva – 6ª GREC Laercio José de Sousa – 10ª GREC Maria das Graças Rodrigues Nunes – 2ª GREC Marluce Rodrigues Lemos Soares – 7ª GREC Mary Gláucia de Moraes X. Machado – 1ª GREC Tânia Maria Pereira Fernandes – 1ª GREC

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INTRODUÇÃO

stes Referenciais partem do princípio de que a aprendizagem de uma língua

estrangeira, nas suas modalidades oral e escrita, é requisito básico para a

participação social em um mundo globalizado. Portanto, a sala de aula é um espaço

onde alunos e professores podem criar oportunidades para a negociação e construção de

saberes. No entanto, não é suficiente apenas inserir a língua estrangeira no currículo do

Ensino Fundamental, faz-se necessário repensar sistematicamente o que ensinar, para que

ensinar, como ensinar e para quem ensinar.

Sendo assim, estes Referenciais oportunizam esse repensar à luz:

das demandas sociais da sociedade globalizada, que se descortinam no nosso dia a dia;

a) da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), segundo a

qual “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”

(Art. 2º, § 2º);

b) dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN, 1998) e

dos Referenciais Curriculares tanto para o Ensino Fundamental de outros estados e

municípios (SEC-PE, 2005; SEC-PR, 2008; RME-BH, 2009), quanto para o Ensino

Médio do Estado da Paraíba (2007);

c) dos quatro pilares apresentados pelo Relatório da Comissão Internacional sobre

Educação para o Século XXI para a UNESCO: Aprender a Conhecer; Aprender a

Fazer; Aprender a Conviver; Aprender a Ser.

Desta feita, o documento de Língua Estrangeira está organizado da seguinte forma:

1. Inserção da Língua Estrangeira no currículo do Ensino Fundamental II

2. Conceitos basilares que fundamentam a proposta curricular de Língua Estrangeira

3. Objetivos do ensino de Língua Estrangeira

4. Capacidades a serem desenvolvidas no e pelo ensino de Língua Estrangeira

5. Temas e gêneros

6. Orientações metodológicas

7. Avaliação da aprendizagem

8. Bibliografia de referência para o professor

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1 INSERÇÃO DA LÍNGUA ESTRANGEIRA NO CURRÍCULO DO EN SINO FUNDAMENTAL II

esde o final da década de 90, com a publicação dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN, 1998), o ensino de Língua Estrangeira, assim como de todas as

outras disciplinas que integram o Ensino Fundamental I e II, tem sido foco de

discussões. Dentre essas, uma de grande relevância para os professores de línguas –

estrangeira e portuguesa – foi oportunizar o engajamento discursivo do aluno no mundo.

Nesse sentido, os PCN ressaltam a importância de o ensino de língua estrangeira

garantir a participação social do aluno, o que só pode ocorrer na e pela linguagem, como

explanado na Apresentação da Área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

Enquanto um currículo descolado do entorno sociocultural prioriza o saber sobre a

língua alvo, sua gramática e seu vocabulário, um currículo alinhado ao entorno sociocultural

valoriza o uso dessa língua, ainda que em nível elementar, pois é nesse encontro e vivência na

língua, com outro modo de pensar, ver e significar o mundo que o aluno se constituirá como

brasileiro, aprendiz de uma língua estrangeira.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas Estrangeiras (PCN-LE, 1998) já

reconheciam, em 1998, que

A aprendizagem de Língua Estrangeira no ensino fundamental não é só um exercício intelectual em aprendizagem de formas e estruturas lingüísticas em um código diferente; é, sim, uma experiência de vida, pois amplia as possibilidades de se agir discursivamente no mundo. O papel educacional da Língua Estrangeira é importante, desse modo, para o desenvolvimento integral do indivíduo, devendo seu ensino proporcionar ao aluno essa nova experiência de vida. Experiência que deveria significar uma abertura para o mundo, tanto o mundo próximo, fora de si mesmo, quanto o mundo distante, em outras culturas. Assim, contribui-se para a construção, e para o cultivo pelo aluno, de uma competência não só no uso de línguas estrangeiras, mas também na compreensão de outras culturas (p. 38, grifo nosso).

Desse modo, a língua estrangeira passa a ter um papel fundamental no currículo, não

apenas como acesso à informação produzida em língua estrangeira, mas pela possibilidade de

encorajar o aluno brasileiro a confrontar diferentes perspectivas culturais, prepará-lo para um

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mundo diverso, porém globalizado, ampliar a sua visão de mundo e contribuir, assim, para

torná-lo mais tolerante à diferença e ao Outro.

Uma proposta de ensino de língua estrangeira para que os alunos sejam capazes de

usá-la é direito de todos, independentemente de eles, no futuro, tornarem-se motoristas de

táxi, donas de casa, advogados, jogadores de futebol, operadores de computador, médicos,

técnicos, professores, políticos, dançarinos, cantores, encarregados de serviços gerais,

repórteres etc.. A vivência formadora proporcionada na e pela língua e cultura estrangeiras

tem papel fundamental na transformação da sociedade que queremos para o futuro, à medida

que possibilita:

i) a participação do aluno nessa sociedade;

ii) e o acesso a bens culturais da humanidade, direito inalienável do aluno.

Vários currículos ao redor do mundo já estão voltados para capacitar as crianças e

jovens a participarem da vida pública, reconhecendo que eles são cidadãos do aqui e agora, e

não apenas do futuro. Essa educação cidadã conscientiza sobre os conceitos de diversidade e,

por conseguinte, os de justiça, democracia, direito, respeito, ética e responsabilidade; visa a

construir conhecimento, capacidades e saberes para que as crianças e os jovens de hoje

tenham um papel transformador em suas comunidades e atinjam, consequentemente, uma

condição social melhor.

Em sintonia com essa tendência, os PCN-LE postulam que

desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania (p. 7).

Para tanto, faz-se necessário conhecer alguns dos princípios básicos que também

subjazem aos Parâmetros Curriculares Nacionais de Línguas Estrangeiras, que estão presentes

nestes Referenciais.

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2 CONCEITOS BASILARES NOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS (PCN-LE, 1998)

s PCN-LE defendem uma concepção de linguagem como prática social. Mas, o

que isso significa? Prática social é toda atividade humana exercida na e pela

linguagem. Se concordarmos que não podemos agir no mundo fora da linguagem

verbal (as línguas em suas modalidades oral e escrita) ou não verbal (dança, pintura, escultura,

desenhos, gestos, movimento corporal), então, entenderemos que toda atividade humana só

acontece na e pela linguagem.

E a língua? A língua, tida como uma manifestação da linguagem, não pode ser

considerada, tão-somente, como um sistema autônomo ou como um código que traduz

mensagens construídas na mente de um falante. É importante ampliar esse entendimento e

reconhecer a língua como prática social, haja vista que ela permite aos sujeitos intervirem no

mundo (perguntando, orientando, explicando, argumentando etc.).

Nesse sentido, é imprescindível compreender que a língua não está pronta em algum

lugar para ser utilizada, mas é atividade social, histórica e cognitiva. Ao participar de uma

interação, não apenas comunicamos algo, mas dizemos quem somos, posicionamo-nos,

relatamos experiências e produzimos sentidos. Estes, por sua vez, também não estão na

língua, mas são construídos pelos sujeitos envolvidos nas interações.

O ensino de língua estrangeira torna-se, portanto, oportunidade de contato e vivência

em línguas e culturas diferentes, o que amplia a autopercepção do aluno como ser humano e

cidadão e, consequentemente, a sua aprendizagem sobre si mesmo e sobre um mundo plural,

marcado por outros valores culturais e maneiras diversas de organização política e social.

Podemos inferir que aprender não é uma questão de domínio de regras prontas postas

em uma gramática, mas se configura como um processo dinâmico de possibilidades de usos e

negociação de sentidos. Como esses usos e sentidos construídos nas interações estão sempre

atrelados a contextos sócio-históricos, é possível dizer que em uma determinada época era

natural ouvir alguém dizer em língua inglesa que um projeto ended in smoke, ou seja, foi por

água abaixo ou não deu certo. Hoje, esta expressão certamente soaria estranha ou

desconhecida a um falante nativo de língua inglesa, uma vez que a expressão foi se

transformando ao longo do tempo, tornando-se mais comum dizer hoje que um plano went up

in smoke. Assim, resgatamos o início da nossa argumentação quando afirmamos que para nos

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comunicarmos em uma língua não podemos nos desvencilhar do contexto sócio-histórico que

nos cerca se quisermos ser compreendidos adequadamente.

Além dessas concepções de linguagem e língua, os PCN também defendem o texto

como unidade de ensino. Portanto, cabe-nos elucidar o que são textos nesse ponto da

discussão. O leitor deste documento deve concordar que em casa, na rua, na escola, no clube,

na internet, no restaurante, no supermercado, no shopping, todos nós, no dia a dia, deparamo-

nos com e circulamos entre textos.

Textos não são constituídos apenas por signos linguísticos, ou seja, por palavras, mas,

igualmente, fotos, imagens, esculturas, letras, símbolos, desde que formem um todo

significativo, isto é, uma unidade potencial de sentido, produzida em situações/contextos

diferentes e com propósitos distintos. Um texto não se define por sua extensão nem,

tampouco, é um mero somatório de palavras. Por exemplo, será que podemos afirmar que o

que temos abaixo seja um texto? Se afirmativo, por quê?

Todo texto que circula na sociedade é autêntico e

tem uma função social, pois cumpre uma finalidade

específica, tal como: informar, dar um aviso, instruir,

entreter, persuadir etc.. A imagem ao lado tem o propósito

comunicativo de indicar onde se localiza a lanchonete de

uma rede específica.

Nesse sentido, a imagem se torna um todo significativo e, portanto, um texto

produzido em um contexto específico (um local de travessia, ou seja, de grande fluxo de

pedestres e motoristas, no qual se espera uma faixa de pedestres padrão).

As batatas-palito, paralelamente dispostas, cumprem não apenas a função da faixa,

mas, juntamente com a embalagem, cumprem também a função de fazer propaganda da rede

de lanchonete em foco.

Como podemos afirmar que o propósito comunicativo da faixa de pedestres acima seja

indicar onde se localiza a lanchonete da rede? Estamos considerando que as setas brancas, em

ambos os lados da faixa de pedestres, e representadas em amarelo como batatas-palito,

constituem-se pistas para a configuração do texto como evento comunicativo no qual “[...]

convergem ações lingüísticas, sociais e cognitivas” (MARCUSCHI, 2009, p. 93).

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A concepção de texto como evento

comunicativo implica compreendê-lo como

uma entidade concreta e empírica que não

apenas articula sons, palavras, enunciados e

significações, mas também participantes aos

seus contextos e ações. Dessa forma, é

consensual dizer que o texto envolve não apenas

aspectos linguísticos, mas igualmente aspectos

não-linguísticos, possibilitando uma leitura

multimodal. Em outros termos, a leitura que

fazemos de um texto como um pôster, por

exemplo, requer a mobilização de recursos

cognitivos não limitados apenas às nossas

capacidades de juntar palavras e enunciados,

mas também de produzir sentidos para cores,

imagens, tipos e formas de letras etc.

e como todos esses elementos se articulam com o texto escrito. Lembramos que o texto só

fará sentido se conhecermos o contexto sócio-histórico no qual se encontra inserido.

Embora os PCN-LE defendam o texto como unidade de ensino, o professor deve

observar se os textos a serem selecionados para a sala de aula possuem relevância social, ou

seja, se contribuem na formação de opinião e construção de visão de mundo de um aluno

sobre uma determinada temática. Vale, aqui, trazermos a crítica que os PCN-LE fazem aos

textos criados exclusivamente para fins pedagógicos. Esse fenômeno denominado “texto

sobre a escova de dente”, tão comum em sala de aula de Língua Estrangeira, descola a

linguagem do mundo social. Segundo os PCN-LE,

a temática de um texto sem relevância social, em detrimento a um texto que problematize questões que se vivenciam no mundo social, por exemplo, a ética na política, as dificuldades cada vez maiores de se conseguir emprego, a importância de se utilizar práticas preventivas na vida sexual, o respeito aos direitos de todos os cidadãos sem distinção de gênero, etnia ou opção sexual, não situa, imediatamente, a linguagem como um fenômeno social, já que o engajamento discursivo pela motivação temática não está patente (p. 44-45).

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Desta feita, os textos que circulam na sociedade atendem às necessidades diárias do

ser humano, cumprem um propósito comunicativo, circulam em diferentes esferas sociais

(midiática, escolar, jornalística, religiosa etc.) e são classificados como gêneros textuais.

Ao pensarmos no gênero piada e no gênero notícia, por exemplo, podemos reconhecer

elementos que podem constituir um gênero, mas não o outro. Ao ouvirmos alguém dizer

“Sabe aquela do português?”, nos preparamos, cognitivamente, para ouvir um texto

humorístico, uma vez que podemos reconhecer tipos de enunciados relativamente estáveis

(BAKHTIN, 2000) que são encontrados na maioria das piadas que ouvimos. Isso possibilita,

então, a identificação de um texto como pertencente ao gênero piada.

Podemos compreender os gêneros como rotinas sociais do nosso dia a dia ou como

formas que organizam a estrutura social. Vale ressaltar que a vida diária é permeada por

gêneros que sempre surgem de acordo com as necessidades sociais. Um bom exemplo disso

são os gêneros que circulam hoje na esfera virtual como o orkut, o twitter ou o blog, e que

possuem elementos típicos e propósitos comunicativos bem específicos. Entre todos os

gêneros disponíveis na língua, é possível ao falante escolher um a partir da sua função, da

natureza e do objetivo da interação. É importante, portanto, ter em mente que toda escolha por

um gênero é feita pela função e não pela forma (estrutura) do gênero nem, tampouco, pela

gramática da língua.

Em resumo, é preciso lembrar que quando interagimos na vida real, devemos:

• escolher um gênero pela sua função comunicativa;

• selecionar o que dizer/escrever;

• organizar o conteúdo; e

• realizar linguisticamente os objetivos pretendidos para atuarmos em situações

sociais particulares.

Se quisermos parabenizar alguém que está distante pelo seu aniversário, sabemos -

porque aprendemos socialmente, dependendo do nosso nível de letramento1 – que há vários

instrumentos que podemos utilizar para realizar esse propósito comunicativo. Por exemplo,

1 A noção de letramento perpassa esse documento, uma vez que estamos considerando que as práticas de leitura, escuta e produção de textos orais e escritos são socialmente determinadas ao envolverem os indivíduos, concretamente, no uso da língua em contextos reais e propósitos específicos.

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podemos enviar um cartão de aniversário ou um e-mail2, dar um telefonema etc.. Se

escolhermos fazê-lo via e-mail, sabemos que há informações que devemos contemplar, como

veremos abaixo3:

pics=pictures

Na ilustração acima, podemos constatar que quem escreveu o e-mail o fez devido à

função comunicativa que era a de parabenizar uma amiga pelo seu aniversário. Nessa

condição de produção, optou por um e-mail informal, marcado linguisticamente por:

2 Embora haja divergências teóricas no que diz respeito à classificação de e-mail como gênero textual, alinhamo-nos ao posicionamento de que esse termo tem “[...] duas acepções tanto de origem como de função. Contudo, o e-mail na função de correio eletrônico [ou seja, como suporte] é nitidamente um serviço que transporta os mais variados gêneros, tais como propagandas, ofícios, bilhetes, cartas comerciais, relatórios, artigos científicos e assim por diante. Não obstante isso, a idéia mais comum em relação aos e-mails é que sejam vistos como um gênero da área epistolar [...] (cf. MARCHUSCHI, 2008, p. 185-186). 3 Nesse momento, faz-se necessário explicar ao professor de Língua Estrangeira que todos os exemplos serão fornecidos em língua inglesa para mantermos coerência com o Edital Nº. 01/2010/SEAD/SEEC, que estabelece o componente curricular Língua Estrangeira (Inglês).

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• saudação antes do vocativo [Hey];

• fechamento que sugere carinho pela forma de despedida [Love yeah...];

• escolhas lexicais [the boys, going OK, pics];

• seleção do que e como dizer (parabenizar alguém, fazendo uso de letras

maiúsculas na cor rosa [Happy Birthday]; desejar felicidades [Hope you have a

Happy one]; mandar saudação à família [Give “the boys” a hug for me];

informar brevemente como andam as coisas [Things are going OK ....

wedding];

A percepção de que nos organizamos socialmente a partir de gêneros textuais tem

permitido pensar o ensino e a aprendizagem de línguas estrangeiras como um processo que

promova a inserção do aluno em diferentes esferas sociais.

O foco do ensino de uma língua deve ser, portanto, deslocado da gramática para o uso

dos gêneros textuais, pois, aprender uma língua implica aprender a operar com gêneros e

saber usá-la em situações reais. Todavia, a seleção dos gêneros pelo professor deve levar em

conta a sua relevância para as diferentes faixas etárias e a comunidade escolar.

Não convém, entretanto, afirmar que alguns gêneros sejam ideais para o ensino de

língua estrangeira. Podemos, tão-somente, considerar que o ensino de alguns deles pode ser

bastante eficaz, uma vez que os gêneros textuais em língua portuguesa circulam entre os

alunos do Ensino Fundamental II, possibilitando um caminho para o tratamento dos gêneros

em sala de aula de língua estrangeira.

Estes Referenciais ressaltam a importância de estimular o acesso do aluno a uma gama

de gêneros textuais, a serem gradativamente selecionados e transformados em objetos de

ensino pelo professor.

Pela faixa etária dos alunos e pela realidade das regiões de ensino do estado da

Paraíba, sugerimos, no quadro a seguir, temas e gêneros textuais que devem ser associados ao

tema transversal Diversidade, o qual pode ser abordado à luz de várias perspectivas, a saber:

pluralidade étnico-cultural, diversidade religiosa, educação especial, diversidade linguística,

sexual e de gênero.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Temas Gêneros textuais (orais e escritos)

Tema transversal Diversidade

Gravidez (na adolescência)

Debate, relato, palestra, pesquisa, filme, diário, álbum (de família), fórum

Pluralidade étnico-cultural, diversidade religiosa, sexual e de gênero

Preconceito Pesquisa, palestra, infográfico, campanha publicitária, cartaz, documentário

Diversidade linguística, pluralidade étnico-cultural

Bullying Blog, e-mail, fotoblog, cartum , vídeo, verbete, campanha publicitária, relato, bilhete

Pluralidade étnico-cultural

Drogas Pesquisa, palestra, infográfico, campanha publicitária, cartaz, documentário

Pluralidade étnico-cultural

Deficiência História em quadrinhos, desenho animado, filmes, cartum, entrevista, diário, blog, lei

Pluralidade étnico-cultural, educação especial

Meio ambiente

Palestra, documentário, desenho animado, história em quadrinhos, cartum, campanha, letra de música, lei

Pluralidade étnico-cultural

Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST)

Gráfico, guia informativo, debate, cartaz, diário, blog, lei

Pluralidade étnico-cultural, diversidade sexual e de gênero

Esporte e Saúde4

Tabela, entrevista, relato, filme, letra de música, manchete, diagrama, rótulos, pesquisa, cartum, anúncio produto, tirinha, história em quadrinhos, capa de revista, quiz, infográfico, biografia, campanha

Pluralidade étnico-cultural, educação especial, diversidade sexual e de gênero

Mídia Bate-papo, lista de discussão, documentário, programas de TV, notícia, blog

Pluralidade étnico-cultural, diversidade linguística

Sexualidade Campanhas, quiz, capa de revista, palestra

Pluralidade étnico-cultural, diversidade religiosa, diversidade sexual e de gênero

Viagem Cartão postal, torpedo, SMS, mapa, agenda, diário, roteiro, guia turístico

Pluralidade étnico-cultural, diversidade linguística

Família

E-mail, infográfico, documentário, filme, álbum

Pluralidade étnico-cultural, diversidade religiosa, educação especial, diversidade sexual e de gênero

Moda Anúncio, manchete, capa de revista, biografia

Pluralidade étnico-cultural, diversidade sexual e de gênero

Consumo Anúncio, letreiro, manchete, capa de revista, verbete

Pluralidade étnico-cultural

Violência Lei, foto, manchete, filme, relato, depoimento

Pluralidade étnico-cultural

Quadro 1 – Temas, gêneros (orais e escritos) e o tema transversal Diversidade

4 Temas a serem abordados de forma conjugada.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Vale ressaltar que cada tema abarca subtemas. Por exemplo, o tema Sexualidade pode

incluir os subtemas Mudanças do corpo, Modismos, 1º beijo, Gravidez, Namoro, Tabus,

Influência da mídia, Conflitos, Contraceptivos, Orientação Sexual, Exploração Sexual,

Relacionamentos, dentre outros, a serem nivelados ao longo dos quatro (04) anos do Ensino

Fundamental II. Contudo, o professor deve levar em consideração a maturidade dos alunos e a

relevância dos subtemas para a comunidade em que estão inseridos.

Temas a serem abordados de forma conjugada.

Além dos gêneros textuais listados no Quadro 1, há muitos outros que podem ser

contemplados no currículo do Ensino Fundamental II com o objetivo de abordar os temas e

seus respectivos subtemas.

Para que a aprendizagem da língua estrangeira seja significativa para o aluno, ele

precisa usar/vivenciar a língua através de gêneros textuais. Para tanto, ao ser exposto a uma

situação em que tenha que interagir em língua estrangeira, caberá ao aluno refletir sobre

aspectos que também são considerados durante uma interação em qualquer língua. Importa-

nos destacar que para interagirmos em uma língua estrangeira não é suficiente ter o domínio

de regras gramaticais, mas compreender as regras sociais que regem o que dizer e o como

dizer, o que requer a observação de aspectos linguísticos, culturais, pragmáticos e afetivos5,

como ilustra o diagrama a seguir:

5 Por aspectos pragmáticos, estamos consideramos que ao interagirmos devemos levar em consideração o contexto e os usuários da língua. Os aspectos afetivos envolvem motivação, autoestima, nível de ansiedade etc..

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Destarte, o ensino de língua estrangeira pode traçar para o aluno do Ensino

Fundamental um caminho de aproximação entre a língua do Outro e a sua própria língua;

entre a cultura do Outro e a sua própria cultura; entre as novas situações na língua estrangeira

e as situações que já vivenciou na sua própria língua, conforme preconizam os PCN-LE

(1998):

A aprendizagem de Língua Estrangeira contribui para o processo educacional como um todo, indo muito além da aquisição de um conjunto de habilidades lingüísticas. Leva a uma nova percepção da natureza da linguagem, aumenta a compreensão de como a linguagem funciona e desenvolve maior consciência do funcionamento da própria língua materna. Ao mesmo tempo, ao promover uma apreciação dos costumes e valores de outras culturas, contribui para desenvolver a percepção da própria cultura por meio da compreensão da(s) cultura(s) estrangeira(s) (p. 37).

Podemos concluir essas primeiras reflexões, afirmando que:

• a língua não existe fora do uso situado, ou seja, a língua não existe a priori, mas

se realiza em situações reais de comunicação;

• todas as nossas manifestações verbais se realizam como textos;

• os textos são classificados como gêneros textuais;

• quando ensinamos a operar com um gênero, ensinamos um modo de atuação

sociodiscursiva numa cultura e não um simples modo de produção textual;

• a aprendizagem de língua estrangeira no Ensino Fundamental II não é só um

exercício intelectual de aprendizagem de formas e estruturas linguísticas em um

código diferente; é, sim, uma experiência de vida, pois amplia as possibilidades

de se agir discursivamente no mundo.

• a aprendizagem de língua estrangeira contribui para o processo educacional

como um todo, indo muito além da aquisição de um conjunto de habilidades

linguísticas.

3 OBJETIVOS DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

Os objetivos propostos para o ensino da disciplina de Língua Estrangeira são pautados

em um entendimento de que necessitamos valorizar as realidades multissociais e culturais dos

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

alunos. Assim, estamos considerando a importância de um ensino que contemple não apenas

conteúdos disciplinares, mas sobretudo conteúdos atitudinais que visem ao desenvolvimento

dos alunos nas dimensões afetivas e interpessoais.

À luz dessas considerações, o objetivo maior destes Referenciais é oportunizar

vivências significativas na língua estrangeira para que os alunos, ao término do Ensino

Fundamental II, sejam capazes de:

• conscientizar-se de que a língua está sempre vinculada a um contexto de

produção sócio-historicamente situado;

• fazer uso da língua nas suas modalidades oral e escrita em situações variadas

de comunicação, adequando-a ao propósito comunicativo e ao contexto de

produção;

• desenvolver a percepção sobre a língua e cultura maternas pela vivência da

língua e cultura estrangeiras;

• compreender a língua estrangeira para respeitar o Outro, sua língua e sua

cultura;

• desenvolver atitude crítico-reflexiva em relação aos diversos usos da língua

estrangeira e, consequentemente, de sua própria língua.

Podemos afirmar que educar na e para as práticas sociais de linguagem em língua

estrangeira no Ensino Fundamental II implica desenvolver capacidades que possibilitem ao

aluno não apenas alcançar os objetivos comportamentais e atitudinais elencados acima, mas

também agir comunicativamente, organizando, articulando e mobilizando saberes novos e

aqueles já construídos na língua alvo.

4 CAPACIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS NO E PELO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

iante do sentido polissêmico evocado pelo termo competência, quer nas ciências

econômicas, sociais ou humanas, consideraremos essa noção como resultante de

uma série de processos que foram aprendidos informalmente ao longo da vida ou

formalmente na escola. De uma maneira ou de outra, foram processos aprendidos

socialmente, isto é, mediados pelas nossas relações com o mundo, nas socializações em

família, na escola ou em outros grupos nos quais convivemos.

D

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Retomando o que já discutimos em seções anteriores - noção de língua como prática

social

e gêneros textuais como unidade de ensino - queremos deixar explícito que compreendemos

que a noção de ser competente está vinculada ao uso social da língua estrangeira e,

portanto, significa dizer ser competente para ler, escrever, escutar e falar a língua estrangeira

em contextos reais de uso.

Nessa linha de raciocínio, ao entendermos o gênero como megainstrumento

(SCHNEUWLY, DOLZ, NOVERRAZ, 2004), ou seja, como uma ferramenta para a atuação

do indivíduo no mundo, estaremos adotando, igualmente, a perspectiva de que o ensino de

gêneros textuais auxilia o aluno a atuar/agir nesse mundo. De tal modo que, para escrever um

bilhete em língua inglesa para um amigo, é necessário auxiliar o aluno a compreender que

vários saberes devem/podem ser mobilizados, articulados e relacionados com saberes já

aprendidos. Outros, no entanto, devem ser desenvolvidos:

• determinadas estruturas na língua estrangeira que é o nosso objeto de estudo

[Peço ou conto algo no presente, passado ou futuro?] ;

• novos itens lexicais [Qual palavra é mais adequada nesta situação? Que

palavra se coloca com essa outra?)

• maneiras de dizer [Como devo dizer isso na língua estrangeira? Qual a

implicação se eu perguntar ou afirmar dessa forma?]

Por conseguinte, entendemos que um aluno demonstra competência em língua

estrangeira quando ele é capaz de interagir na língua alvo, compreendendo e fazendo-se

compreender. Assim, concebemos competência nesse sentido mais amplo.

As capacidades, por outro lado, estão mais associadas à atuação do próprio aluno, haja

vista que demandam daquele que aprende uma participação mais efetiva no processo de

aprendizagem. Ao professor, cabe mediar o desenvolvimento dessas capacidades

(BRONCKART e DOLZ, 1999) e à Escola, oportunizar a aprendizagem e o desenvolvimento

de capacidades para que os alunos tornem-se competentes na compreensão e produção dos

mais diversos gêneros textuais não apenas no contexto escolar, mas, sobretudo, fora dele.

Nessa perspectiva, falaremos de capacidades de linguagem que mobilizamos ao produzirmos

um gênero textual em uma determinada situação. Segundo Dolz, Pasquier e Bronckart (1993)

e Dolz e Schneuwly (1998), há três ordens de capacidades integradas:

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

As capacidades de ação são aquelas que mobilizamos quando adaptamos a nossa

produção de linguagem ao contexto que é partilhado por nós e por nossos interlocutores. No

caso do ensino de língua estrangeira, é importante ressaltar que muito do que passamos a

conhecer nessa língua, já nos é familiar na língua portuguesa. Dessa forma, ao mobilizarmos

as capacidades de ação, também associamos gêneros, sua estrutura composicional e função

social realizados na língua estrangeira àquelas já conhecidas na língua materna.

As capacidades discursivas estão relacionadas à maneira como selecionamos o

conteúdo de um texto e que, certamente, provocam reações e efeitos de sentido em nosso

interlocutor. Essas escolhas também perpassam a maneira como organizamos o texto [O que

escrevo deve ser organizado como um diálogo ou como uma narrativa? Devo argumentar ou,

simplesmente, explicar o que quero?].

As capacidades linguístico-discursivas dizem respeito às operações de textualização

que fazemos uso para produzir e compreender gêneros textuais. Depois de organizados ou

estruturados, precisamos escolher os itens lexicais que mais se adequam ao que queremos

dizer; os tempos verbais apropriados; articular o que estamos dizendo, fazendo uso de

elementos de coesão e conexão; e finalmente, organizar os enunciados em orações e períodos.

À luz das discussões de Cristóvão (2005, 2009) e Petreche (2008), consideramos que

essas capacidades servem não só à produção de gêneros textuais, mas também à compreensão,

uma vez que ambos os processos possibilitam a produção de sentidos.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

As três ordens de capacidades, explanadas acima, podem permitir ao aluno de língua

estrangeira, além do seu engajamento discursivo, o seu posicionamento acerca de temas do

cotidiano, da língua e da cultura do Outro.

Embora essas capacidades já façam parte da vida do aluno na língua portuguesa, ele

necessita, todavia, conscientizar-se de que elas também estão disponíveis em língua

estrangeira e podem ser apreendidas e apropriadas. Vejamos, no Quadro 2, como o

desenvolvimento de cada capacidade pode auxiliar o aluno na compreensão da situação na

qual se encontra inserido (e sobre quem são os seus interlocutores) e na compreensão e

produção de gêneros textuais, ou seja, do seu engajamento discursivo na língua

estrangeira.

Capacidades de ação

• Reconhecimento do gênero textual e identificação do seu contexto de produção (lugar e tempo físicos e socio-históricos).

• Identificação da esfera social na qual ocorre a interação (família, escola, trabalho).

• Compreensão dos papéis sociais assumidos pelos participantes na interação (aluno(a), filho(a), amigo(a), namorado(a)).

• Percepção dos propósitos comunicativos do gênero textual.

• Adequação da produção textual (oral e escrita) ao contexto de interação.

• Articulação do conhecimento prévio (sobre o gênero textual ou tema) com o que está sendo aprendido.

Capacidades Discursivas

• Reconhecimento dos elementos constitutivos de um determinado gênero textual e sua função social em língua estrangeira6.

• Realização de inferências e utilização do conhecimento prévio para a compreensão da organização da estrutura do texto.

• Mobilização de elementos linguísticos e não-linguísticos para a construção de sentidos dos textos.

• Adequação de diferentes sequências textuais (narrativa, argumentativa, descritiva, expositiva e injuntiva) a serviço da necessidade comunicativa.

• Seleção do conteúdo temático para produção do gênero textual.

• Ordenação do conteúdo.

Capacidades linguístico-discursiva

• Escolha de vocabulário relevante e adequado ao tema, ao gênero textual e ao contexto de produção.

• Reconhecimento, seleção e utilização de tempos verbais condizentes ao que se quer comunicar.

• Compreensão e utilização de elementos coesivos de forma a viabilizar a coerência temática e textual.

Quadro 2 – Três ordens de capacidades em manifestação na aprendizagem de língua estrangeira

6 Ressaltamos a importância de o professor valorizar o conhecimento tácito de compreensão e produção de gêneros textuais que o aluno traz na língua portuguesa.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

É importante ressaltar que a maneira como o professor vai mobilizar, desenvolver e

aprofundar essas capacidades dependerá não apenas do tema e do gênero textual explanados

em sala mas, sobretudo, da faixa etária e das necessidades específicas de cada turma. Assim,

em uma proposta de ensino, centrada em temas e respectivos subtemas, os gêneros textuais

são os instrumentos de que o professor dispõe para desenvolver as capacidades de linguagem.

Em tempo

Enquanto a primeira parte destes Referenciais discorre sobre o porquê e para quê

aprender, a segunda parte discute conteúdo programático, orientações metodológicas e o

processo de avaliação da aprendizagem. Acreditamos que uma síntese das ideias apresentadas,

até aqui, poderá ajudar o professor a prosseguir com a leitura das seções seguintes.

Os princípios básicos que fundamentam os Referenciais de Línguas Estrangeiras, tanto

no que tange aos temas trabalhados quanto em relação ao linguístico-discursivo da língua

estrangeira, em sua modalidade escrita e oral, podem ser sintetizados a partir das questões que

seguem:

O que queremos que os alunos vivenciem?

• Uso: Como ler, escrever, escutar e falar sobre esse tema na língua estrangeira

em contextos reais de uso?

• Reflexão crítica: De que forma eu digo (escrevo ou falo) isso na língua

estrangeira? Qual a implicação de eu dizer de outra forma [em relação à norma

padrão e às variantes da língua estrangeira]? Por que isso é dito (de forma

escrita ou falada) assim na língua estrangeira?

• Mobilização de conhecimentos já adquiridos: Como esse tema e conteúdo

se relaciona com outras coisas que já aprendi, vi, ouvi?

• Oportunidades de posicionamento e ampliação de visão de mundo: Que

outros pontos de vista existem sobre isso? Qual a minha posição e

responsabilidade em relação a isso?

O que queremos que nossos alunos sejam capazes de fazer?

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Reconhecer e utilizar diferentes gêneros textuais, compreendendo o seu papel social na

interação e o dos outros participantes de forma a adequá-los ao contexto de interação e aos

seus propósitos comunicativos.

O que queremos que nossos alunos sintam e valorizem?

A abordagem dos temas deve, a nosso ver, favorecer um conjunto de atitudes que

incluem: tolerância, respeito, cooperação, curiosidade, integridade, autonomia (entendida

como corresponsabilidade pela aprendizagem), comprometimento, motivação, autoestima e

confiança.

Como os alunos devem agir? O que fazer com o que aprenderam?

Em uma proposta de educação cidadã, os alunos devem ser encorajados a refletir, a

fazer escolhas informadas e a agir com responsabilidade em relação aos colegas, aos

professores, à família, à comunidade, às pessoas em geral.

Temos plena consciência de que é somente você, professor, que é capaz de definir, à

luz das necessidades, interesses, condições de trabalho, comunidade em que a escola se insere,

perfil do aluno etc., os temas, os conteúdos, a metodologia e as formas de avaliação aplicadas

para que o aluna estabeleça uma relação significativa entre o que aprendeu, como aprendeu,

para que aprendeu e como sabe que aprendeu.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

5 ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS

linhando-se à visão sociointeracional da aprendizagem adotada nos PCN-LE, a

qual postula que aprender é uma forma de ser no mundo sócio-historicamente

construído, estes Referenciais defendem a interação entre professor-aluno e aluno-

aluno como lugar de construção e produção de sentidos para as experiências vividas na língua

estrangeira em sala de aula.

Uma rotina tradicional de sala de aula, na qual o professor inicia a interação com uma

pergunta do tipo “What do you know about...? ou What do you think about ...?”, o aluno

responde “I think [that]...” “ I know [that]...” e, em seguida, o professor avalia “Good!”,

“Very good!” ou “Great! não é o que entendemos por interação. Esse modelo tradicional,

conhecido como IRA (teacher initiates, student responds, teacher assesses), não dá conta do

sentido amplo de interação, na qual todo encontro, inclusive uma aula, é marcado pelo mundo

social que o envolve, o local e o contexto, o momento histórico, os participantes, o objetivo

etc.. O termo interação é, portanto, utilizado para significar lugar de construção e negociação

de sentidos mediados pelo outro (professor, alunos, textos orais ou escritos) e numa

determinada condição de produção.

Posto isso, discutiremos, nesta seção, algumas orientações metodológicas consonantes

à visão sociointeracional de aprendizagem discutida brevemente acima. Apresentamos,

primeiramente, as orientações num plano macro, isto é, orientações metodológicas que

devem perpassar toda situação de aprendizagem em contexto sala de aula. Em seguida,

passaremos ao plano micro para a abordagem do tema, do gênero textual e dos conteúdos.

Plano Macro

A disposição das etapas, no plano macro, é pedagógica e não tem a intenção de

estabelecer uma linearidade. Sabemos que o processo de ensino-aprendizagem se dá de forma

recursiva, como numa espiral que gradativamente avança a partir da retomada do que já foi

realizado.

O ponto de partida é o que denominamos problematização do tema. Essa etapa visa

não apenas a sensibilizar o aluno para “[...] o desenvolvimento da capacidade de

aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de

atitudes e valores” (LDB, 1996, Seção III, Art. 32, Inciso III), mas despertar o seu interesse

A

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

1. Problematização do tema

2. Ativação de conhecimento prévio

3. Oportunização de práticas de linguagem para aprofundamento do tema

4. Sistematização e reflexão sobre o uso da língua

5. Ressignificação do que foi construído

pelas práticas de linguagem necessárias a sua participação nas discussões sobre o tema. Esse

engajamento é o que permitirá a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de

capacidades de linguagem e, consequentemente, o seu posicionamento crítico.

Juntamente com a etapa de problematização do tema, tende a haver ativação

espontânea do conhecimento prévio que o aluno traz e que pode vir à tona por meio de

posicionamentos verbais explícitos como, também, por meio de crenças, que influenciam as

suas atitudes, quer de forma consciente ou inconsciente.

Uma vez problematizado o tema e viabilizada a

ativação de conhecimento prévio do aluno, cabe ao

professor promover a oportunização de práticas de

linguagem (orais, escritas e mediadas tanto na língua

portuguesa quanto na língua estrangeira), que

possibilitem o aprofundamento do tema e, sobretudo, dos

gêneros textuais escolhidos para a abordagem do tema e

que permitirão o que denominamos vivência na Língua

Estrangeira. É a partir dessa vivência realizada nas e pelas

práticas de linguagem que a sistematização e reflexão sobre o uso da língua tornar-se-á

possível e relevante. Isso porque a capacidade linguístico-discursiva será construída a partir

da reflexão sobre a língua em uso e não a partir de fórmulas e regras abstratas. Por fim, é

mister que ao aluno seja concedida a oportunidade de fazer uso do que apreendeu, realizando,

então, a ressignificação do que foi construído na interação com o professor, alunos e texto(s)

nas práticas de linguagem.

Consideramos importante ressaltar que todas as fases elencadas como parte do

plano macro requerem a presença do Outro - o interlocutor. A mobilização de conhecimentos

já adquiridos e a construção de novos saberes, nas diversas fases do plano macro, possibilitam

a produção de sentidos para os textos trabalhados em sala de aula.

À guisa de ilustração do plano macro e retomando o que foi apresentado no

Quadro 1, elegemos o tema deficiência para contextualizar a proposta. Além da relevância do

tema, vale lembrar que, diante da sociedade na qual vivemos, a tarefa da escola também é a de

sensibilizar o aluno para a inclusão, para o respeito ao Outro e para a convivência saudável

com as diferenças que são constitutivas de todo grupo social. Dessa forma, defendemos que o

ensino de língua estrangeira também deve estar a serviço da problematização de temas que,

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Different kinds of flowers are unique and beautiful. They work together to create a beautiful garden – just like different people are unique, interesting and work together to create a beautiful world.

aparentemente desafiantes, contribuem para a implantação e implementação de uma escola

que seja, de fato, de todos e para todos.

Algumas perguntas7 que podem promover o desenvolvimento e a mobilização das

capacidades de linguagem de modo que o aluno aprenda a conhecer, a fazer, a conviver e a

ser na diversidade são:

• Em que sentido podemos dizer que as pessoas são diferentes umas das outras? Falam de forma

diferente? Possuem cor de pele diferente? Pertencem a culturas diferentes? Demonstram possuir

habilidades, gostos e preferências diferentes? Expressam a sua espiritualidade de formas

diferentes? Exteriorizam formas de pensar, agir e de aprender diferentes?

• Essas formas diferentes de ser levam a caminhos

diferentes para aprender, conhecer, viver e conviver? Se

afirmativo, como esses caminhos precisam ser

considerados e respeitados? Por quê?

• O que, então, podemos entender pelo termo

diferente? E o que significa conviver na diferença?

• Você se vê de forma diferente? Se afirmativo,

como?

• De que forma as pessoas veem você?

• Como se sente uma pessoa considerada diferente?

• Como você se sentiria se fosse considerado ou

tratado como sendo diferente?

• Em que medida as nossas necessidades especiais podem ser consideradas como diferença?

• Que necessidades especiais têm o cego, o surdo e o cadeirante? Eles são diferentes? Só eles

têm necessidades especiais?

• Há pessoas que escrevem ou falam sobre esse tema? Onde escrevem e falam? Quem são essas

pessoas que se preocupam com esse tema na sociedade brasileira e mundial? E por que o

fazem?

• Na sua casa, a sua família conversa sobre esse tema? Por que conversam/não conversam?

Como você se sente em relação a isso? O tema incomoda você? Por quê?

• Você já leu, ouviu ou debateu sobre o tema das necessidades especiais? Onde? Jornais,

revistas, TV, encartes, gibis, sítios8?

7 Há de se concordar que a extensa lista de perguntas tem a finalidade de exemplificar os conhecimentos, visões e opiniões dos alunos sobre determinados temas e subtemas que se pretende acionar. A sensibilidade do professor é que determinará quais e quantas perguntas são necessárias para fazer essa ativação, quando e como.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

• E nesses suportes, que textos tratam sobre as necessidades especiais e diversidade como um

todo?

• Qual a relevância do tema na nossa comunidade, escola, sala de aula?

• De que forma o tema atinge você? E a escola? A comunidade?

• Em que condição vivem as pessoas com necessidades especiais?

• O que as pessoas em cargos públicos, diretores de escola, professores etc. poderiam fazer para

mudar a condição (socioeconômica, psicológica etc.) em que vivem as pessoas com

necessidades especiais?

• E se você estivesse no lugar dessas pessoas, como poderia mudar essa condição, o que você

faria para mudá-la?

Plano Micro

Embora estejamos separando por entradas distintas os planos macro e micro, não

há uma separação marcada entre esses planos. As perguntas geradoras e ativadoras da

discussão inicial em sala de aula de língua estrangeira conduzem, naturalmente, ao gênero que

o professor escolher para trabalhar essa temática.

Tendo em mente um aluno do 6º ano, selecionamos a história em quadrinhos (HQ).

Uma vez que já fizemos a problematização e a ativação do conhecimento prévio do aluno no

tema diversidade e, mais especificamente, em necessidades especiais, partimos, então, para o

grau de familiaridade dos alunos com o gênero HQ e, consequentemente, a ativação de seu

conhecimento sobre o referido gênero. As perguntas abaixo cumprem essa função:

• O que faz um texto ser uma HQ?

• Qual a extensão, organização e disposição dos quadros?

• Que tipo de relação podemos estabelecer entre as falas e os pensamentos das personagens com

os formatos dos balões?

• De que forma a indignação, a alegria, a surpresa e a tristeza são representadas?

• Toda HQ tem um título?

• Há identificação do autor da HQ? Em que lugar?

8 Jornais, revistas, TV, gibis e sítios são considerados como suportes de gêneros e são entendidos aqui como “[...] um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação de um gênero materializado como texto” (MARCHUSCHI, 2008, p.174). Outros suportes tradicionais são: livro, jornal, livro didático, rádio, telefone, quadro de avisos, outdoor, encarte, folder e faixas. Há ainda alguns suportes considerados incidentais como: embalagem, para-choques e para-lamas de caminhões, roupas, paredes, muros, fachadas, corpo humano, janelas de carros etc..

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

• O final da história é marcado ou não? Como?

• Quem escreve HQ?

• Com que propósito comunicativo?

• Para quem escreve?

• Quem lê HQ e com que intuito?

• Onde as HQ circulam?

• Que tipo de personagem típico as HQ apresentam?

• Que temas as HQ frequentemente abordam? Por quê? Para quê?

• É comum esse tema em HQ?

• Que motivação podem Maurício de Souza e/ou os editores da revista da Mônica terem tido

para abordar um tema específico?

• Quais sequências textuais (narrativa, argumentativa, expositiva etc.) são predominantes nas

HQ?

Ao apresentar esse gênero textual para a turma, o professor pode, de acordo com

os interesses e a maturidade dos alunos e, em consonância com os objetivos da aula, propor

atividades variadas, com graus de dificuldade distintos, e que articulem a prática oral e a

escrita da língua estrangeira. É possível, então, solicitar aos alunos que produzam, ainda

que em língua portuguesa, uma HQ, abordando o tema necessidades especiais, para depois

confrontarem suas histórias ou, mesmo, justificarem a escolha de uso de determinadas

sequências textuais, personagens, desenhos, tipos de balões de fala etc..

Entendemos que ao reconhecerem e produzirem o gênero textual HQ, sua

função e a sua relação com o contexto que o motivou, os alunos estejam não apenas

mobilizando capacidades de ação, mas também revelando o que conhecem sobre o gênero

e como ativam seus saberes sobre os aspectos linguístico-discursivos para a produção da

HQ. Lembramos que não se deve exigir do aluno uma produção completa, mas o propósito

da atividade é possibilitar aos alunos a compreensão de que o gênero já lhes é conhecido na

língua portuguesa, logo o que está sendo ensinado não é completamente novo. Por outro

lado, essa produção servirá como ponto de partida para o professor, uma vez que poderá

identificar as capacidades de linguagem e conteúdos linguísticos a serem aprimorados e/ou

apresentados.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Tomamos como exemplo um fragmento de uma HQ, que introduz Dorina, uma

criança cega, à Turma da Mônica9, o qual pode ser trabalhado em qualquer ano do Ensino

Fundamental II, observando os conhecimentos linguísticos e as capacidades de linguagem

já desenvolvidas.

9 A HQ original é intitulada Dorina, a nova amiguinha e foi traduzida por alunos do curso de Graduação em Tradução da UFPB sob a supervisão do Prof. Dr. Roberto Carlos de Assis. Os alunos-tradutores foram: Arthur Renato Moura Bezerra Melo; Caio César Martino; Clarissa Rosas; Maysa Maria Gomes Felipe da Silva; Rodolfo Pimentel Neves Guimarães e Romulo Coelho de Sousa.

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[....]10

10 Por questões de extensão do documento, alguns trechos entre esses quadros foram suprimidos.

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Dentre as várias possibilidades metodológicas que o professor possui para abordar

essa HQ, elencamos algumas que permitem ao aluno:

i. inferir a estória considerando o não verbal11.

ii. produzir fragamento da HQ a partir de balões que fossem apagados;

iii. colocar a HQ em uma ordem que considere lógica para o desenvolvimento da

narrativa [os quadros precisariam ser entregues recortados e soltos para os

alunos ou colocados em uma ordem diferente da estória original];

iv. inserir uma nova fala para um personagem em um quadro específico;

v. retextualizar parte da HQ (do oral para o escrito ou do escrito para o oral).

Reconhecemos que essas sugestões não esgotam as possibilidades de trabalho

com esse fragmento de HQ, por isso encorajamos os professores-leitores destes

Referenciais a pensarem outras alternativas que se adequem a sua realidade escolar.

11 Nesse primeiro momento, os alunos teriam acesso apenas às imagens da HQ.

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Entendemos que, com essas atividades, os alunos estariam ativando e

desenvolvendo as capacidades discursivas ao (re)organizarem o texto, darem

sequência à HQ, criarem expectativas (fazendo inferências) em relação a como a HQ

continua; perceberem em que momento os personagens narram, conversam, discutem

etc.. Da mesma forma, as capacidades linguístico-discursivas seriam mobilizadas para

a identificação dos itens lexicais, dos conectivos ou de outras estruturas linguísticas

que contribuam para a construção dos possíveis sentidos para o texto.

Ainda do ponto de vista do desenvolvimento das capacidades linguístico-

discursivas, o professor de língua inglesa pode encorajar o aluno a refletir de forma

mais aprofundada sobre os usos das estruturas gramaticais, favorecendo a percepção

i. da função de determinados conectivos na HQ [but, because, and];

ii. dos pronomes [it, its, he, his] e os sintagmas nominais [Radar, cute doggie, labrador]

utilizados para fazer referência ao cachorro de Dorina;

iii. do campo semântico, isto é, as palavras que pertencem ao mesmo tema que precisam

ser trabalhadas12. Nesse caso, diversity, diverse, special needs, people with

disabilities, blindness, blind, impaired, deaf, deafness, senses [smelling, seeing,

hearing, touching, tasting] or the sense of smell, the sense of sight, the sense of

hearing, the sense of touch, the sense of taste];

iv. do cuidado com o uso de termos considerados pejorativos ou politicamente incorretos

[por exemplo: crippled, retard, wheelchair-bound, handicapped, differently abled] 13

v. das escolhas lexicais utilizadas por Mônica para concordar com Dorina ou contestá-la

[I see, Really? But wait a minute!] embora não se deva perder de vista a articulação

coerente entre o verbal e o não verbal;

vi. das expressões adjetivas que são utilizadas pelos outros personagens para elogiar

Dorina [What cute clothes! I like your hair!] e o seu cão-guia [Wow, cool dog; Oh,

what a cute doggie!]

12 Ensinar vocabulário implica apresentar uma palavra, oportunizar possibilidades de uso dessa palavra em diferentes contextos de produção para que o aluno a reconheça, atribua-lhe significado, armazene-a e seja capaz de recuperá-la quando da produção escrita ou oral. Dessa forma, o professor estará auxiliando não apenas na aprendizagem de vocabulário passivo (que permite o reconhecimento), mas também ativo (que permite o uso) na língua estrangeira. 13 http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_disability-related_terms_with_negative_connotations

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vii. dos aspectos e tempos verbais utilizados na HQ: presente simples [He guides and

helps....], passado simples [I moved..., I heard...];

viii. dos marcadores conversacionais e os efeitos de sentido que podem ser construídos a

partir dos seus usos [well, really];

ix. das funções dos dêiticos de pessoa [I, you, his] ;

x. das diferentes formas de falar e dos efeitos de sentido criados [...It’s because Dorina

can´t see! vs. Well let’s say I can´t see the way you guys do!]

xi. de como Dorina se constrói como deficiente visual e como sua relação com a cegueira

está marcada linguisticamente por: [Because I can´t see Monica!; I can´t see the way

you guys do!; But I can feel..., smell..., hear... and first and foremost, I can imagine

what my eyes can´t see; My mom helps me look cool!]

O quadro abaixo sintetiza a proposta para o trabalho didático com esse texto:

Tema Deficiência

Subtema Necessidades especiais

Gênero História em quadrinhos (HQ)

Conteúdos

linguistico-discursivos

Conectivos; pronomes pessoais e possessivos; sintagmas

nominais; vocabulário; expressões adjetivas, tempos verbais

(presente e passado simples); dêiticos de pessoa; marcadores

conversacionais

Visando a aprofundar um pouco mais as orientações metodológicas, explanamos,

abaixo, o tema Trabalho e Consumo (cf. PCN - Temas Transversais, 2001) vivenciado na e

pela sociedade contemporânea como fenômeno do consumismo exacerbado. Conscientes de

que o ato de consumir deva ser feito de forma responsável e sustentável, objetivando a

educação cidadã, trazemos um breve excerto do texto dos PCN-Temas Transversais para

oportunizar a contextualização e a reflexão do professor-leitor destes Referenciais:

Consumir, portanto, não é um ato “neutro”: significa participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá-lo, tornando-se um momento em que os conflitos, originados pela desigual participação na estrutura produtiva, ganham continuidade por meio da distribuição e apropriação de bens e serviços. A história do movimento dos consumidores (consumerismo) reflete esta compreensão. Considera-se que o

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movimento dos consumidores iniciou-se em Nova York, em 1891, quando surgiu uma associação de consumidores denominada New York Consumers League, cuja luta era pela melhoria das condições de trabalho locais, contra a exploração do trabalho feminino e infantil em fábricas e comércio. Essa associação elaborava “Listas Brancas”, contendo o nome dos produtos que os consumidores deveriam escolher preferencialmente, pois as empresas que os produziam e comercializavam respeitavam os direitos dos trabalhadores, como salário mínimo, horários de trabalho razoáveis e condições de higiene condignas. Era uma forma de influenciar a conduta das empresas pelo poder de compra dos consumidores.(p. 343)

Sem perder de vista que os nossos alunos pré-adolescentes de língua estrangeira do

Ensino Fundamental II são consumidores em potencial, e que os seus hábitos de hoje terão um

impacto decisivo nos padrões de consumo do amanhã (UNESCO-UNEP, 2002), exploraremos

o tema, neste documento, para um público-alvo formado por alunos do 8º ou 9º ano, por meio

de relato de pesquisa disponível na internet14.

Resgatando a fase macro, Problematização do tema e Ativação de conhecimento

prévio, algumas considerações iniciais e perguntas - que vão do plano macro ao micro -

cumprem essa função:

• Os meios de comunicação têm alertado para o fato de que o planeta Terra está

enfrentando um desgaste e depredação insustentável devido ao consumo não

responsável, aos padrões de produção atuais, o descaso e o desrespeito à vida

animal. Você sabia? De que forma isso atinge a humanidade, você, a sua

família, a sua comunidade?

• Você concorda com a afirmação de que os animais são os melhores amigos dos

seres humanos? Você se considera amigo dos animais e um defensor dos seus

direitos?

• Você já pensou sobre o impacto que o seu padrão de consumo tem na vida

animal? No caso das roupas, de que forma o consumo humano atinge os

animais? E a nossa alimentação?15

• E quanto ao consumo de cosméticos? Você sabia que animais são utilizados

para testar a segurança de cosméticos? Você já pensou sobre o impacto que a

14 A Internet é considerada, por alguns teóricos, um suporte e por outros, um serviço (cf. MARCHUSCHI, 2009). 15 As palavras-chave relacionadas ao tema trabalhado podem ser registradas no quadro em inglês à medida que os alunos delas precisem para se engajarem nas discussões.

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criação intensa para abates de animais tem na nossa saúde e na saúde do nosso

planeta?

• Como podemos consumir e evitar o sacrifício de animais e/ou a extinção de

espécies em perigo?

• O que você espera ler em textos disponibilizados em sítios da internet voltados

à conscientização das pessoas sobre consumo responsável e testes realizados

em animais pelas indústrias de cosméticos?16

• E se você soubesse que o texto é intitulado “O lado negro da beleza”. O que

você esperaria ler?

• Aqui está o texto, observe-o na íntegra sem se preocupar com palavras

específicas. O que você tem a dizer17?

Uma atividade prática que poderia ser feita nesse momento é o preenchimento de um

quadro pelos alunos em suas próprias residências ou em visitas a supermercados ou farmácias

(Vide Anexo I). Considerando o foco no uso de testes de cosméticos em animais, o professor

pode trabalhar com o aluno a função do quadro comparativo que identifique, por exemplo,

características de diferentes itens ou produtos. Os alunos podem resgatar suas experiências de

vida como pessoas letradas, que se deparam com e saibam, ainda que intuitivamente, sobre os

contextos nos quais quadros comparativos circulam ou se fazem necessários em diferentes

esferas discursivas. O quadro no Anexo I tem um formato em colunas que permite que o

aluno liste o produto, identifique a fabricante e responda às seguintes perguntas do tipo yes/no

questions sobre o produto por meio das perguntas: você pode viver/passar sem ele [o

produto]?; ele é testado em animais?; a embalagem pode ser reciclada?; ele possui algum

símbolo relacionado ao meio ambiente?

Vale destacar que essas perguntas evidenciam a língua como prática social, ou seja, a

língua sendo utilizada para um fim real, e não algo que foi pedagogicamente elaborado para

16 Se a escola dispuser de laboratório de informática com computadores ligados à internet, sugerimos uma visita a alguns sítios orientados para esse fim e voltados para crianças. Como, por exemplo: http://green-changemakers.blogspot.com/2010/11/sustainable-consumption-and-production.html,; http://www.dolceta.eu/malta/Mod5/spip.php?article224&action=quiz_pdf&id_article=224 17 O objetivo é permitir inferências e à medida que os alunos forem verbalizando em português as suas leituras das imagens e dos dados estatísticos da página na internet, ou seja, o que quer que capte a atenção dos seus olhos e interesse, o professor pode escrever palavras-chave em inglês no quadro. Ao permitir que o aluno leia dessa forma, espera-se que seus olhos saltem de um ponto a outro do texto conforme os estímulos que receberem. Isso já faz parte do processo de leitura e precisa ser valorizado pela escola.

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treinar uma dada estrutura. Essa atividade é o que temos denominado vivência na língua

estrangeira, a qual, a nosso ver, é imprescindível para que o aluno comece a construir o

conceito de consumo responsável e perceba o que significa adotar comportamentos e

desenvolver atitudes de respeito e proteção à vida animal e ao meio ambiente.

No que diz respeito, especificamente, à oportunização de práticas de linguagem para

aprofundamento do tema e desenvolvimento de capacidades de linguagem, além do quadro já

preenchido individualmente (envolvendo escrita e leitura), discutido e/ou relatado oralmente

(envolvendo fala e escuta), o texto a seguir poderia dar continuidade à explanação do tema.

Como todo texto, faz-se necessário apresentar o aluno ao contexto de produção (Quem

escreve/fala? Para quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê? Com que propósito?).

Vejamos na prática como construímos sentido de forma distinta quando somos apresentados a

apenas um fragmento (imagem 1), e quando temos acesso a todo o contexto de produção

(imagem 2) :

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Tomamos como pressuposto que disponibilizar para o aluno o contexto de produção,

no qual se encontra o relato de pesquisa em foco, permite a produção de sentidos para o texto

a partir da reconstituição pelo aluno, com a mediação do colega ou professor - par mais

elevado (VYGOTSKY, 2000 ) nessa tarefa - do sítio em que o texto circula; de quem

produziu o texto; com qual objetivo e finalidade etc..

Abordar o tema transversal Trabalho e Consumo, pelo recorte do consumo

responsável, visa, a longo prazo, a formar consumidores capazes de fazer escolhas

conscientes dos produtos que utilizam. Novamente, sem perder de vista esse objetivo e os

mais específicos, listados anteriormente, cabe ao professor resgatar o que o aluno já conhece

sobre um relato de pesquisa e a sua função, qual seja, relatar resultados de estudos ou

investigações científicas, visitas, entre outros.

A escolha do gênero textual relato de pesquisa, pelo autor do texto, tem a função de

evidenciar números e fatos relativos ao “lado negro” da beleza, que não é disponibilizado pela

indústria de cosméticos. Concluímos, portanto, que as escolhas do tema e do gênero não são

neutras, uma vez que educar é um ato ideológico, e que pré-adolescentes – que já se

interessam por cosméticos, naturalizando a sua produção e circulação - podem começar a

construir essa consciência na sala de aula.

Além de sua função social e seu propósito comunicativo, o gênero relato de pesquisa

traz na sua estrutura o uso de recursos tipográficos (números, marcadores, tamanhos de fonte)

que devem ser trabalhados, embora reconheçamos que não há a necessidade de esgotá-lo em

apenas um encontro ou ano escolar. O objetivo é familiarizar o aluno com os diferentes

gêneros que circulam na sociedade letrada.Ademais, a escolha de um texto com vários

recursos não verbais18 é proposital, pois o objetivo é informar, conscientizar e sensibilizar os

alunos para a temática, engajando-os nas práticas de linguagem oportunizadas em sala de

aula, tais como:

• o debate oral, a leitura e a escuta do texto preferencialmente em língua inglesa;

• resgate de informações específicas no texto por meio de wh-questions[What

does EU mean?; How many animals per year are used and killed to develop or

test cosmetics in the EU?; Which animals are usually used for testing?];

18Imagem de um coelho, sendo injetado para testes por substâncias contidas em batons, perfumes e xampu; dados estatísticos e datas; marcadores em vermelho; negritos ressaltando os animais usados como cobaias; cor e tamanho da fonte; layout da página da internet e das informações contidas no relatório.

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• perguntas que evoquem sentimentos [How do you feel about it?] e despertem a

conscientização e a ação [What can be done to change this situation?] são

fundamentais e não devem ser esquecidas.

Insistimos no registro em inglês no quadro das palavras-chave que os alunos utilizam.

Além daquelas já elencadas anteriormente, esperamos que um aluno do 8º ou 9º ano, quando

instigado por essas perguntas, utilize também as seguintes palavras: rabbit, guinae pig, animal

testing, cosmetics, rats/mouse or mice/rodents, animal welfare, consumption, endangered

species, health etc..

Esperamos que seja possível perceber que, para além de falar ou sensibilizar sobre o

tema, objetiva-se, nas etapas de Sistematização e reflexão sobre a língua e Ressignificação,

envolver os alunos em vivências significativas para que possam:

� redimensionar e desenvolver saberes linguístico-discursivos na língua inglesa;

� construir conhecimento no e sobre o tema que está sendo abordado;

� expressar valores e posicionamentos críticos a partir do texto disponibilizado

ou construído pelos alunos.

O professor deve se lembrar que dissemos que a lingua(gem) não é apenas um

instrumento de comunicação, mas constitui-se como prática social. Nessa linha de raciocínio,

chamam-nos a atenção as ações atribuídas aos animais no relato de pesquisa na e pela

linguagem. No plano não verbal, por exemplo, o mais evidente é a foto, pela qual o leitor

pode, se olhar com atenção, perceber produtos injetados nos animais. Por outro lado, no plano

verbal, há a escolha da voz passiva (around 38,000 animals/year are used or killed); de

orações relativas (Second report on the statistics on the number of animals used for) e de

nominalização (the use of non-human primates in experiments).

A perspectiva de língua como prática social demanda uma abordagem crítico-reflexiva

da gramática, haja vista que não importa apenas identificar ou ser capaz de nomear o

fenômeno da voz passiva, da oração relativa ou do uso da nominalização, mas, sim, o efeito

de uso desses elementos para a construção de sentidos.

Dessa forma, em um primeiro momento de leitura e compreensão do texto, o professor

pode prover os andaimes (CAZDEN, 1988) necessários para que o aluno leia o texto fazendo

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as seguintes perguntas relacionadas aos fragmentos do texto em que se encontram essas

construções linguísticas:

• Volte ao texto e identifique o que os animais fazem ou que ações eles realizam.

Nenhuma? Se eles não fazem nada, será que alguém o faz por eles ou neles?

• Se afirmativo, o que fazem com eles? Eles são usados ou mortos? E por quem?

Podemos inferir quem os utiliza? Como?

• Quantas vezes é dito que os animais são usados? O número de vezes que isso é

dito é significativo? Por quê?

• Além de dizer que os animais são usados, o texto também fala do uso de

animais. Onde? Como você sabe que estamos falando do uso e não que “os

animais são usados”?

• O que essas discussões, atividades e leitura, realizadas até agora, têm a ver com

consumo sustentável? Como você definiria o verbete “consumo sustentável”

em um dicionário ou enciclopédia?

É importante dizer que a construção de um entendimento para o termo “consumo

sustentável” pode ser o ponto de partida para outras atividades que resultem no confronto

entre a definição elaborada pelos alunos e outras concepções do termo (veja exemplos a

seguir). Esse confronto pode resultar em um redimensionamento da ideia de consumo para os

alunos em uma turma específica. No entanto, não estamos sugerindo que isso aconteça logo

após as atividades propostas até aqui, mesmo porque o aluno pode precisar de mais vivências

no tema para construir, significativamente, o conceito de consumo sustentável, que vai para

muito além da indústria de cosméticos e testagem em animais.

Vejamos no quadro abaixo a síntese da proposta para o trabalho didático com o texto

The dark side of beauty:

Tema Trabalho e Consumo

Subtema Consumo responsável

Gênero Relato de pesquisa

Conteúdos

linguístico-discursivos

Numerais; vocabulário (animais); voz passiva; adjetivos;

formação de palavras; orações relativas.

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6 AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

ualquer discussão sobre avaliação em língua estrangeira requer uma ponderação

acerca de um conjunto de princípios e concepções que dizem respeito ao ensino e à

aprendizagem da língua alvo, uma vez que a avaliação não acontece em “[...] um

vazio conceitual, mas sim dimensionada por um modelo teórico de mundo e de educação,

traduzido em prática pedagógica” (LUCKESI, 1996, p. 28).

O fato de a língua ser entendida como prática social demanda que o processo

avaliativo leve em conta, sobretudo, o uso que o aluno faz da língua em diferentes contextos

(HUDSON, 2005). Em se tratando de ensino-aprendizagem de língua estrangeira, caberá ao

professor planejar e aplicar instrumentos de avaliação que, também, deem conta do uso da

língua em circunstâncias diversas.

Toda opção por um, ou outro, instrumento de avaliação requer, do professor, um

ajuizamento, entre outros, em relação aos objetivos da disciplina e às capacidades que foram

trabalhadas e desenvolvidas. Dessa forma, é necessário que discutamos a avaliação a partir de

três questões norteadoras: Por que e para que avaliamos? O que avaliamos? Como

avaliamos?

Por que e para que avaliamos?

A avaliação esteve, e ainda está, em nossos dias, a serviço da seleção e,

consequentemente, da exclusão, haja vista que os resultados de provas escolares categorizam

sempre dois tipos de alunos: aqueles que foram “bem-sucedidos” e os que “fracassaram”.

Nesse sentido, as práticas de avaliação têm promovido tão-somente a comparação do

desempenho de estudantes e a constatação de que eles conseguem, ou não, atingir as metas

propostas para um determinado conteúdo, unidade ou bimestre.

Além disso, a avaliação tem servido como parâmetro de excelência, em muitos

contextos, para dar visibilidade a algumas instituições escolares e estimular, cada vez mais, a

competitividade entre os alunos. Por conseguinte, a compreensão que muitos têm hoje sobre

excelência escolar está vinculada à “[...] arte de refazer o que acaba de ser exercitado em

aula” [grifo do autor] (PERRENOUD, 1999, p. 45). Isso faz com que os alunos, até certo

ponto, (re)conheçam o estilo de prova de um determinado professor, identifiquem exercícios

que já foram simulados em aula ou criem expectativas para um formato de teste ou conjunto

Q

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de perguntas. É por isso que, como nos diz Perrenoud (1999), “[...] na maioria das aulas, os

exercícios propostos nas provas escritas assemelham-se, como duas gotas d´água, ao trabalho

escolar cotidiano” (op.cit., p. 72).

Em decorrência disso, como garantir que o sucesso em um determinado exame

evidencie uma apreensão satisfatória, por parte dos alunos, do conteúdo ministrado em sala?;

Como transformar um instrumento de avaliação que seleciona e exclui em um instrumento

diagnóstico, regulatório e que esteja a serviço das aprendizagens? Como modificar formas de

fazer e de compreender a avaliação para que capacidades (e não um desempenho ou conteúdo

específico) sejam examinadas e para que os seus resultados sirvam para orientar e planificar

práticas futuras?

Os PCN-LE nos auxiliam a responder esses questionamentos quando asseveram que a

avaliação pode tornar-se

[...] uma atividade iluminadora e alimentadora do processo de ensino e aprendizagem, uma vez que dá retorno ao professor sobre como melhorar o ensino, possibilitando correções no percurso, e retorno ao aluno sobre seu próprio desenvolvimento (p. 79).

Esta proposta curricular alinha-se, mais uma vez, às recomendações dos PCN-LE, ao

compreender que testes e provas constituem apenas um meio, dentre outros possíveis, de se

aferir o desempenho do aluno em relação a um determinado conteúdo. Dessa forma, não

podemos, jamais, transformar a avaliação em um instrumento de constrangimento ou

intimidação para evidenciar apenas o que o aluno desconhece ou que, por várias razões, não

foi capaz de demonstrar. Por conseguinte, é premente discutir práticas avaliativas sem que as

dissociemos dos elementos que compõem o todo da atividade educacional: as metodologias;

os materiais didáticos; os conteúdos; os programas; os planejamentos didáticos; e, sobretudo,

os contextos e suas singularidades; os alunos e suas individualidades19. Esse entendimento de

avaliação extrapola aquele de mera classificação, concebendo-a como um elemento

preponderante para a educação, atuando como um meio de regulação da ação pedagógica

19 Lembramos que os nossos alunos possuem necessidades específicas e estilos de aprendizagem diferentes. Há alunos mais visuais, por exemplo, que se beneficiariam de tipos de avaliação que contemplassem imagens, figuras, gráficos, etc.. Por outro lado, há alunos mais cinestésicos que, por exemplo, aprendem com mais facilidade se expostos a atividades que exijam deles movimentos, como a música, jogos, encenações, etc.. Gardner (1987) revisitou o conceito tradicional de inteligência, reduzido a um escore de QI, de forma a abranger pelo menos sete (07) inteligências básicas, quais sejam: a inteligência linguística, a lógico-matermática, a espacial, a corporal-cinestésica, a musical, a interpessoal e a intrapessoal.

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(PERRENOUD, 1999). Scaramucci (2006, p. 52) sintetiza essa linha de raciocínio acerca da

avaliação:

[...] não é apenas central ao processo de ensino e de aprendizagem; é, sobretudo, o elemento integrador entre os dois processos e, como tal, como uma etapa final independente[...]. Pensar na avaliação desde o início do processo é fundamental na definição não apenas do ponto de chegada ou dos objetivos a serem alcançados, mas, sobretudo, do de partida.

Entendemos que avaliamos para irmos além de uma prática meramente burocrática e

das linhas fronteiriças entre os sucessos e os fracassos dos alunos. Devemos avaliar para que,

como instrumento pedagógico, a avaliação seja eficaz no exame de como os alunos têm

desenvolvido capacidades, utilizado estratégias de aprendizagem e construído conhecimentos.

Além disso, avaliamos para podermos identificar problemas e solucioná-los, ou seja, para que

o professor possa analisar, criticamente, o seu trabalho e pensar em alternativas para

redirecioná-lo, se for o caso. Outrossim, avaliamos para que os alunos também possam

compreender melhor o seu próprio desenvolvimento no aprendizado de uma língua

estrangeira, pois a avaliação deve servir ao aluno como uma bússola que o oriente para novos

caminhos, caso os já conhecidos não estejam servindo a uma aprendizagem produtiva e

significativa.

Assim, compreendemos que práticas avaliativas possuem um compromisso com a

aprendizagem e exigem muito mais do que conhecimentos teóricos, mas, principalmente, “[...]

uma postura e disposição do professor em compartilhar com o aluno o poder que a instituição

lhe confere ao avaliar” (SCARAMUCCI, op.cit., p. 58).

O que avaliamos?

Os PCN (1998) atestam que além de retroalimentar e orientar a ação pedagógica, é

função da avaliação considerar não “[...]só os conteúdos conceituais, mas também os

procedimentais e os atitudinais, indo além do que se manifesta, até a identificação das causas”

(p. 79). Logo, se estamos pensando em uma avaliação comprometida com práticas

pedagógicas que concebem língua como prática social, não podemos restringir os objetivos da

avaliação à mera aferição de domínio de conteúdos gramaticais, mas recomendamos que o

professor de língua estrangeira encoraje o aluno a testar suas capacidades em:

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• avaliar diferentes contextos de uso da língua e como eles determinam as

escolhas linguístico-discursivas (ex: estruturas gramaticais e o léxico);

• escolher gêneros específicos a partir das suas necessidades e propósitos

comunicativos;

• adequar o registro (grau de formalidade e informalidade) às situações e

aos seus interlocutores;

• expor, argumentar, convencer, solicitar, ordenar, instruir, sugerir etc.;

• utilizar estratégias de polidez;

• inferir o que está implícito;

• usar estratégias para compensar eventuais dificuldades linguístico-

discursivas;

• negociar e resolver situações-problema;

• potencializar os seus estilos de aprendizagem;

• valorizar “o conhecimento de outras culturas como forma de

compreensão do mundo em que vive” (PCN-LE, op.cit., p. 75);

• demonstrar tolerância, respeito e compreensão em relação ao Outro, ou

seja, à língua e à cultura estrangeira.

Como avaliamos?

Os PCN-LE (1998), assim como os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da

Paraíba (2007), discutem duas possibilidades de avaliação: a somativa e a formativa. A

primeira, realizada logo após a ministração de um conteúdo específico, tem por objetivo o

julgamento do domínio de um conteúdo ou conjunto de conteúdos e é, geralmente, utilizada

para certificar e promover o aluno. Os resultados de uma avaliação somativa são traduzidos

por notas e médias que refletem um processo que visa, apenas, à classificação e à

homogeneização das capacidades que foram trabalhadas e estimuladas pelo professor. Por

outro lado, a avaliação formativa possui um caráter reflexivo sobre a aprendizagem e

contempla não apenas o produto, mas o processo pelo qual o aluno foi desenvolvendo suas

capacidades e utilizando estratégias para lidar com ou superar suas dificuldades.

Num processo de avaliação no qual é importante ter “[...] acesso ao que os alunos

podem fazer com a língua estrangeira, e não apenas ao que sabem sobre ela” (FORTES e

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ZILLES, 2009, p. 224), faz-se premente pensar em uma prática avaliativa, que, para além de

somativa, seja formativa20, evidenciando aspectos vulneráveis na aprendizagem e que

necessitam de maior dedicação e acompanhamento do professor e serem melhor trabalhados

pelo aluno. Dessa forma, acreditamos que práticas avaliativas devam tornar-se práticas

educativas, no sentido mais amplo do termo, e devam contribuir para o desenvolvimento e

formação dos alunos, deixando para trás a concepção de que toda avaliação é classificatória e

punitiva.

As provas e testes, tais quais os concebemos normalmente, configuram-se em apenas

um tipo de instrumento de avaliação. Devemos levar em consideração que cada professor

pode criar os seus próprios critérios de avaliação e grades avaliativas que o ajudem no

acompanhamento do desempenho de seus alunos, sem perder de vista que a avaliação deva ser

um elo que integre, de forma justa e ética, professores, pais de alunos e alunos.

Consequentemente, entendemos que toda avaliação da língua estrangeira deva ser:

• processual – não se restringe a um conteúdo ou momento específico de

aprendizagem, mas deve levar em consideração um conjunto de fatores

que dizem respeito à evolução do aluno na disciplina;

• espiralada – o aluno precisa perceber que os conhecimentos não são

estanques e que aprendemos associando, relacionando saberes novos a

saberes antigos. Assim o aluno terá oportunidade de rever conceitos e

revisitar conteúdos que não ficaram bem assimilados;

• diversificada – vários instrumentos de avaliação podem ser utilizados

(testes formais, projetos, pesquisas, autoavaliação, portfolios21, diários,

relatos etc.);

• transparente – os alunos e os pais devem conhecer os instrumentos

avaliativos, os seus objetivos, valores e pesos desde o início do ano

letivo. Havendo necessidade de mudar as regras ou instrumentos de

20 Sabemos quão difícil é avaliar qualitativamente alunos em turmas numerosas. No entanto, queremos registrar que a avaliação formativa não pode ser reduzida ao cumprimento de tarefas ou trabalhos e pesquisas escolares. A concepção de avaliação formativa transcende, igualmente, a mera presença do aluno em sala de aula, mas compreende que a partir de um exame da participação efetiva do aluno, é possível, acompanhar o seu desempenho e progresso. 21 Seleção e organização de trabalhos, projetos, relatos e outros textos ou documentos que compõem a história individual e pessoal do aluno, possibilitando a sua reflexão acerca dos conteúdos e temas aos quais é exposto durante a disciplina de língua inglesa.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

avaliação, que foram previamente acordados, o professor deve informar

aos alunos e pais;

• ampla – a avaliação não precisa ter uma medida objetiva, mas pode

incluir elementos que extrapolam a aferição do conteúdo linguístico na

disciplina de Língua Estrangeira. O professor pode avaliar fatores como

envolvimento do aluno na disciplina, progresso individual, interação

com o colega, participação em sala, atitudes em relação à língua

estrangeira etc.;

• inclusiva - que possa levar em consideração as necessidades especiais, a

pluralidade étnico-racial, a diversidade religiosa, sexual e de gênero dos

alunos, sem provocar situações que segmentem ou excluam. Alunos com

deficiência visual, por exemplo, precisam de um tempo diferenciado para

responder às questões de uma avaliação, pois a escrita do Braille, que faz

uso de instrumentos como reglete e punção, é produzida em um ritmo

mais lento.

Muitas vezes, o processo de avaliação se torna complexo e difícil para o

professor, haja vista que precisa dar conta do progresso individual de cada um dos

seus alunos. Por esse motivo, sugerimos alguns aspectos que podem auxiliar o

professor no processo avaliativo e contemplar ritmos e estilos individuais:

Compreensão Auditiva

Demonstra ser capaz de: Sim Não Progredindo

Entender informação geral sobre determinado assunto

Entender informação específica sobre determinado assunto

Distinguir informação geral de específica nos diferentes gêneros explorados

Entender informação veiculada tipicamente em tempo presente (rotina, hábitos, preferências, descrições de lugares, objetos e pessoas)

Entender informação veiculada tipicamente em tempo passado (acontecimentos passados)

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Entender informação veiculada tipicamente em tempo futuro (previsões)

Identificar uma linha de argumentação e posicionamentos/opiniões dos participantes em uma conversa.

Reconhecer vocabulário relacionado aos temas trabalhados

Compreender os papéis sociais assumidos pelos participantes de uma interação

Fala

Demonstra ser capaz de: Sim Não Progredindo

Expressar ponto de vista em relação ao tema trabalhado

Responder a perguntas orais (perguntas do tipo sim ou não e perguntas do tipo, onde, quando, o quê) sobre um tema

Narrar / informar sobre experiência vivida relacionada ou não ao tema trabalhado

Construir argumentos para sustentar pontos de vista

Selecionar e ordenar conteúdo temático relevante

Empregar vocabulário relacionado ao tema trabalhado

Adequar a produção ao contexto de interação (para quem e como fala)

Adequar diferentes estruturas sintáticas a serviço da necessidade comunicativa

Leitura

Demonstra ser capaz de: Sim Não Progredindo

Distinguir informação geral de informação específica nos diferentes gêneros explorados

Reconhecer diferentes gêneros textuais e seus propósitos comunicativos (ou seja, função social)

Reconhecer e inferir sentidos para o vocabulário relacionado aos temas trabalhados

Levantar e confirmar hipóteses para os textos lidos

Articular linguagem não verbal e verbal

Fazer inferências relevantes

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

Utilizar conhecimento prévio para a compreensão da estrutura composicional22 do texto e do seu tema

Identificar fatos e opiniões

Escrita

Demonstra ser capaz de: Sim Não Progredindo

Produzir os gêneros trabalhados (HQ, lista, tirinha, cartaz, instrução de jogo, etc.)

Construir argumentos para sustentar ponto de vista

Listar fatos e opiniões

Utilizar vocabulário relacionado aos temas trabalhados

Relatar experiências por meio de diferentes gêneros (cartazes, panfletos informativos, blogs, relatos de experiência ou pesquisa etc.)

Adequar a produção ao contexto de interação

Adequar diferentes estruturas a serviço da necessidade comunicativa

Selecionar e ordenar conteúdo temático relevante de forma coerente

Gramática crítico-reflexiva

Demonstra ser capaz de: Sim Não Progredindo

Compreender o funcionamento de aspectos gramaticais em textos orais e escritos

Construir sentido para aspectos gramaticais da língua em uso

Perceber implicações do uso das variantes padrão e não padrão da língua inglesa

Identificar recursos linguísticos das variantes padrão e não padrão da língua inglesa

Ajustar uso da língua à variante padrão

Quadro 3 - Grade de Avaliação Formativa

Embora um documento dessa natureza possa embasar a reestruturação de práticas

pedagógicas relativas ao ensino de línguas no Ensino Fundamental II, tal como os Parâmetros

Curriculares Nacionais começaram a fazer há doze anos, tal reestruturação só será

22 A estrutura composicional de um texto refere-se a sua forma e elementos de composição. Por exemplo, o gênero textual cartão-postal é constituído pelos seguintes elementos: destinatário, saudação inicial, informação contida em uma parte do cartão, fechamento e nome do remetente.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

efetivamente possível se a publicação destes Referenciais estiver fortemente atrelada a um

programa permanente de formação continuada. É esse programa de formação que poderá

garantir que o professor compreenda e apreenda o porquê das mudanças teórico-

metodológicas indicadas em relação às concepções de linguagem, língua, texto, gênero

textual, capacidades de linguagem, aprendizagem e avaliação. Uma vez que esse processo de

formação avance, temos certeza que o professor desenvolverá as condições teórico-

metodológicas necessárias para uma ação plena de educar na e para as práticas sociais de

linguagem em Língua Estrangeira de forma a capacitar o aluno a utilizá-la na modalidade

verbal, tanto na escuta e produção de gêneros orais, quanto na leitura e produção de gêneros

escritos. Com efeito, essas ações permitirão desencadear um processo de ressignificação,

qualificação, valorização e transformação da educação brasileira.

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA PARA O PROFESSOR

ARMSTRONG, T. Inteligências múltiplas na sala de aula. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BRASIL, República Federativa do Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394), 1996. BRONCKART, Jean-Paul e DOLZ, J. La notion de competence: quelle pertinence pour l’étude de l’apprentissage des actions langagières? In: Raison éducatives. Paris: De Boeck Université, nº 2/1-2, p. 27-44, 1999. CAZDEN, C. Classroom discourse: the language of teaching and learning. Portsmouth, NH: Heinemann Educational Books, 1988. CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. Sequências Didáticas para o ensino de línguas. In. CRISTOVÃO, V. L. L. O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. São Paulo: Mercado de Letras, 2009, p. 305-344. DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michéle; SCHNEUWLY, Bernard. Sequências Didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In.: SCHNEUWLY, Bernard et. al. Gêneros Orais e Escritos na Escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004, p. 95-128. DOLZ, Joaquim; PASQUIER, A. BRONCKART, Jean-Paul. L’aquisition des discours:emergence d’une competence ou apprentissage de capacities langagiéres? In.: Études de Linguistique Appliquée, 1993, nº92, p. 23-37.

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

ESCALANTE, M. P.; DOURADO, M. Conhecimentos de Línguas Estrangeiras. In Paraíba. Secretaria de Estado da Educação e Cultura. Coordenadoria de Ensino Médio. (Org.). Referenciais curriculares para o Ensino Médio da Paraíba. Linguagens, Códigos e suas tecnologias. 1a ed. João Pessoa: Secretaria de Estado da Educação e Cultura da Paraíba, 2006, v. 1, p. 101-213. MACHADO, Anna Rachel e CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. A construção de Modelos didáticos de gêneros: aportes e questionamentos para o ensino de Gêneros. In: ABREU-TARDELLI, Lília Santos e CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes. Linguagem e Educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais. São Paulo: Mercado de Letras, 2009, p. 123-151. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (3º e 4º ciclos). Brasília, 1998. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1º e 2º ciclos). Brasília, 1998. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (3º e 4º ciclos). Brasília, 1998. MEC. Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasília, 2004. PETRECHE, Célia Regina Capellini. A sequência didática nas aulas de língua inglesa do Ensino Médio e o Desenvolvimento de capacidades de linguagem. In.: CRISTOVÃO, Vera Lúcia Lopes (Org.). Estudos da Linguagem à luz do Interacionismo Sociodiscursivo. Londrina: UEL, 2008, p. 239-258. REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BELO HORIZONTE. Proposições Curriculares, Ensino Fundamental, 2º ciclo, Belo Horizonte, 2009. SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In.: SCHNEUWLY, Bernard et. al. Gêneros Orais e Escritos na Escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004, p.41-70. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente. São Paulo, Martins Fontes, 2000.

SÍTIOS DE INTERESSE PARA PESQUISAS sítio da Associação de Educação Cidadã: <http://www.teachingcitizenship.org.uk/> sítio da Organização das Nações Unidas, no qual o professor pode encontrar ideias para trabalhar com temas acerca de, entre outros, Educação para a Paz; Direitos Humanos; Pobreza de acordo com diferentes faixas etárias: <http://cyberschoolbus.un.org/>

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

sítios sobre o ensino dos cinco (5) sentidos: <http://preschoolresource.tripod.com/august2.html>; <http://www.sedl.org/scimath/pasopartners/senses/lesson7a1.html>; <http://edtech.kennesaw.edu/web/5senses.html> Sítio que conscientiza sobre como descartar embalagens de produtos de limpeza, higiene e outros: <http://www.learner.org/interactives/garbage/hazardous/hhitems.html> sítios de estórias infantis <http://www.bbc.co.uk/history/forkids/> <http://www.monica.com.br/ingles/index.htm> <http://www.magickeys.com/books/>

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RCEF 2010 /Língua Estrangeira

ANEXOS

Anexo I

http://www.dolceta.eu/malta/Mod5/IMG/pdf/FINAL_REV_EP_LESSON_1_SECONDARY_PERSONAL_BODY_CARE_PRODUCT_USE_AUDIT.pdf

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ARTES

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CONSULTORES ELABORADORES Prof. Dr. Erinaldo Alves do Nascimento – UFPB Profa. Esp. Potira Pereira Gusmão Maia – PMJP LEITORES CRÍTICOS Marta Maria da Silva – GEEIEF/SEEC Railma de Oliveira Meira – GEEIEF/SEEC Terezinha Figueiredo Santos – GEEIEF/SEEC Naiara Gomes de Santana – GEEIEF/SEEC Elizabete de Souza Mendes da Silva – 2ª GREC Erotildes Maria Morais de Souza – 12ª GREC Jucelina de Sousa Normandes – 8ª GREC Luzia Lima de Morais – 9ª GREC

Sonho que se sonha só

É só um sonho que se sonha só

Mas sonho que se sonha junto é realidade

Raul Seixas

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RCEF 2010 /Artes

1 INSERÇÃO DAS ARTES NA EDUCAÇÃO BÁSICA: PROBLEMAS, SOLUÇÕES E ENCONTROS DO PASSADO E DO PRESENTE

inserção ou inclusão da Arte na educação escolar resulta de várias tentativas, no

passado e no presente, de enfrentar problemas e encontrar soluções em diversos

momentos da história da sociedade brasileira. São problemas que propiciam

diversas modalidades de encontros de ensino e de aprendizagem. Serão apresentados, de

forma resumida, os principais problemas, soluções e encontros propostos para a inserção das

Artes na educação escolar, com a finalidade de mover o pensamento em consonância com os

valores e referenciais discursivos em cada momento e situação específica vivenciada no

contexto brasileiro.

Apoiado na pesquisa de doutorado realizada por Nascimento (2005), a análise será

feita a partir das denominações atribuídas à Arte na educação, as quais foram adotadas em

diferentes momentos no contexto brasileiro. São denominações relacionadas, em sua maioria,

com o campo das Artes Visuais, mas que também podem ser vistas como referências para as

mudanças processadas no ensino da Dança, do Teatro e da Música. As denominações,

adotadas aqui, são as seguintes: “Artes e Ofícios”, “Ensino do Desenho”, “Trabalhos

Manuais”, “Artes Aplicadas”, “Educação pela Arte”, “Artes Industriais”, “Educação

Artística”, “Arte-educação” e “Artes” ou “Arte/educação”.

As denominações adotadas para designar a Arte na educação escolar, em diferentes

épocas, podem servir para indicar diferentes modos de propor problemas e encontrar soluções

específicas. As mudanças da Arte na educação nem sempre coincidem com as de outras áreas,

mesmo as que embasam o trabalho educacional, como é o caso da Pedagogia, ou com alguns

recortes políticos e sociais.

Em contraponto, este documento usa as denominações adotadas para designar a Arte

na educação escolar, no contexto brasileiro, como uma tentativa de estabelecer uma análise

histórica da Arte na educação escolar. Faz tal opção porque entende que tais nomenclaturas

ajudam a respeitar a dinâmica interna da área e evidenciar as suas especificidades. Em suma,

analisar as mudanças históricas, tomando como referência as denominações atribuídas, ajuda

a conhecer as dinâmicas internas ocorridas no interior da Arte na educação escolar.

Essas denominações foram selecionadas porque são de ampla difusão nacional e

internacional. A maior parte foi adotada em vários países, assumindo conotações específicas

A

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RCEF 2010 /Artes

do lugar e do momento histórico. São respaldadas por um considerável e estratégico aparato

da edição de textos, com ampla distribuição comercial e oficial.

Esta reflexão sobre a inserção da Arte na educação escolar privilegia uma análise

focada no ensino das Artes Visuais. Tal opção se justifica porque, nesta modalidade de

ensino, detecta-se uma predominância no espaço escolar e vem desempenhando,

historicamente, um papel importante na formulação de novos projetos educativos para a área.

Paralelamente, vem enfrentando, de modo mais organizado, o desafio de ampliar o alcance do

ensino de Arte para toda a população.

1.1 Problemas, soluções e encontros propostos pelo Ensino das “Artes e Ofícios”

É possível afirmar que, há algum tempo, no período da colonização do território

brasileiro, os programas educacionais e os rituais religiosos confundiam-se, pois ambos

tentavam resolver os problemas decorrentes do processo de catequização do catolicismo

romano. A solução encontrada foi idealizar um programa educacional, sob a denominação de

“Artes e Ofícios”, e uma visão de catequese específica, de tradição católica, para cada tipo de

infância. Isso ocorreu associado à implantação de um projeto de colonização e catequese, que

desconsiderou uma tradição milenar, vivenciada por diferentes povos que habitavam o

território brasileiro, os quais, depois, foram chamados homogeneamente de “indígenas”,

gerando-se diversos desencontros e conflitos.

Diante do problema de formar lideranças governamentais, primeiro na Europa e depois

no Brasil, os filhos dos reis e dos aristocratas foram incentivados a estudar em colégios

especializados ou com tutores especialmente contratados, cujo programa incluía vários

encontros com o desenho e com a arte da pintura e da escultura como matérias obrigatórias.

Para formar lideranças religiosas e funcionários para atuarem no setor administrativo, os

filhos dos “senhores de engenho” estudavam nos colégios jesuítas, seguindo o programa do

Ratio Studiorum, que promovia encontros com a arte literária, empregando o teatro, apenas,

para ajudar no exercício da preleção ou ato de discursar. O Ratio Studiorum é um conjunto de

normas criado para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Tinha por finalidade

ordenar as atividades, funções e os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas. O problema

da formação de artífices ou artesãos foi resolvido encaminhando os pobres e as crianças

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RCEF 2010 /Artes

indígenas para estudarem nas “escolas de ler e escrever” ou nas reduções, cujo ensino artístico

era ministrado em oficinas com produção destinada, principalmente, à decoração dos templos,

palácios e residências.

As diferentes propostas educacionais, adotadas pelos jesuítas, vinculadas ao projeto

das “Artes e Ofícios”, contribuíram para uma visão hierarquizada e discriminadora, que

persiste até hoje, relacionada com a Arte na educação escolar. O ensino das “Artes e Ofícios”

convivia com uma situação ambígua: ora era valorizado por colaborar com o processo de

contemplação divina de base literária; ora era desprestigiado por estar associado às atividades

manuais que, em geral, eram destinadas aos “de rude talento”. Esta confusão entre valorização

e desvalorização ainda é bastante presente na sociedade e na imensa maioria das escolas.

A articulação da temática religiosa com modelos europeus para a produção de objetos

artísticos direcionados ao atendimento de interesses religiosos era o encaminhamento

metodológico preponderante nessa época. A atuação docente era exercida por sacerdotes

estrangeiros, vinculados a uma ordem religiosa, proveniente da “Europa Católica” e com

capacidade e disposição para a polivalência. Diferentemente do que ocorria em outras partes

do país, em Minas Gerais, a docência era exercida, em sua maioria, por mestiços, nascidos na

Colônia, que atuavam como empreiteiros, em oficinas artísticas, servindo às irmandades e

ordens terceiras.

O jesuitismo contribuiu para difundir a suposição de que a Arte é desnecessária no

currículo escolar. Sua persistência nos dias atuais ocorreu, sobretudo, porque foi disseminada

em diferentes versões, em conformidade com a projeção de infância: a infância proveniente

da elite dirigente foi forjada a pensar que o acesso às diferentes modalidades de arte era um

sinal de distinção e de erudição exclusiva aos líderes governamentais e aristocratas de “gosto

refinado”; valorizar, exclusivamente, o saber “bacharelesco”, vendo a arte, unicamente, como

um penduricalho curricular ou como uma opção de lazer, constituía o que a infância da

“classe média” foi induzida a pensar. A infância pobre foi levada a julgar a arte como algo

inferior, uma atividade que só se procurava e exercia porque não se tinha aptidão para

profissões mais importantes.

O projeto educacional, associado ao jesuitismo, contribuiu muito para difundir a ideia

de que arte é necessária e importante para alguns poucos “privilegiados” e desnecessária para

a maioria da população. Parece incrível, mas essas suposições do passado, surgidas no

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período colonial, ainda são amplamente difundidas no presente. Ainda não se conseguiu,

apesar do esforço dos professores de Artes, demais profissionais comprometidos com este

campo de conhecimento e das entidades representativas da categoria, deixá-las no passado.

Os jesuítas também trouxeram as primeiras informações musicais, consideradas

eruditas pelos europeus. Tratava-se de uma musicalidade simples e singela, conhecida como

canto gregoriano, empregando o cantochão, considerado um canto litúrgico da Igreja Católica

do Ocidente, essencialmente monódico, cujo ritmo ou ausência de ritmo se baseia apenas na

acentuação e nas divisões do fraseado. Desde a primeira missa, os indígenas deixaram-se

enlear por tais melodias. A dança não foi explorada pedagogicamente pelos jesuítas, apesar de

estar presente nas festividades, nas atividades recreativas e lúdicas dos portugueses, indígenas

e africanos, bem como nas atividades lúdicas e nos rituais dos seus descendentes.

1.2 Problemas, soluções e encontros propostos pelo “Ensino do Desenho”

Depois, no século dezenove, com o nome de Ensino do Desenho, o foco educacional

direcionou-se para a solução dos problemas da formação de trabalhadores para servirem ao

início da industrialização no Brasil. Trata-se de um complexo processo associado com o

desenvolvimento da atividade fabril, baseada nas relações de trabalho assalariadas, marca

principal do sistema capitalista. No Brasil, este processo ocorreu a partir do final do século

dezenove, visto que, antes desta data, ocorriam apenas pequenos focos de indústrias e

manufaturas.

A primeira proposta oficial, empregando a denominação Ensino do Desenho neste

século, foi encaminhada pela Missão Francesa, em 1816. Para a Missão Francesa, ensinar era

usar o desenho para articular as artes e os ofícios com a intenção de “fazer caminhar a

indústria nacional”. Era um ensino pautado numa associação institucional que envolveria a

Escola de Belas Artes, a de ofícios e os ateliers práticos. Firmava-se sobre uma base

neoclássica, que tentava repudiar a persistente herança jesuítica. Contudo, mantinha um

modelo de estratificação dos sujeitos similar àquela adotada pelos jesuítas. A distinção se

estabelecia pela classe econômica: os filhos da elite seguiam para a Escola de Belas Artes; os

mais pobres, para a Escola Gratuita de Desenho. Era um ensino que hierarquizava os saberes,

enaltecendo a superioridade da formação artística em relação à de artífices.

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Com a vinda de D. João, tal como ocorreu com as artes visuais, a música recebeu

especial tratamento, principalmente quando da reorganização da Capela Real pelo padre José

Maurício Nunes Garcia, que lhe deu grande prestígio, mandando vir de Lisboa o organista

José do Rosário. Depois do tempo de D. João VI, merece destaque a atuação de Francisco

Manuel da Silva (compositor do Hino Nacional), que fundou o Conservatório de Música do

Rio de Janeiro (1841), padrão das instituições congêneres no Brasil. Um decreto federal de

1854 regulamentou o ensino de música no país e passou a orientar as atividades docentes,

enquanto, no ano seguinte, outro decreto fez exigência de concurso público para a contratação

de professores de Música. Os ideais liberais e positivistas da República, que valorizaram

sobremaneira o Ensino do Desenho, não viam na Dança um caráter pedagógico capaz de

contribuir com as ciências, tampouco com a emergente “indústria nacional”.

No Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, matriz das Escolas Técnicas,

instituição que difundiu outra maneira de ensinar o desenho, o conhecimento valorizado era o

que associava o estudo das belas artes ao aperfeiçoamento dos ofícios e profissões industriais.

Rechaçavam-se os conhecimentos artísticos centrados na difusão das Belas Artes. Um bom

professor, nesse momento, deveria ser um artista, com sólida formação neoclássica, capaz de

articular o desenho a serviço do Belo Ideal e da atividade industrial.

No discurso de Rui Barbosa, difusor do Manual de Calkins, livro publicado no final do

século dezenove para facilitar o entendimento e a aplicação do método de ensino intuitivo,

defendia-se a utilização dos objetos como suporte didático para explicar os conceitos. Os

sentidos deveriam ser educados para obter o conhecimento, passando da intuição dos sentidos

para a intuição intelectual.

Para Rui Barbosa, os saberes desejados eram aqueles nos quais o desenho seria

realizado a partir da realidade, da observação e da experimentação, almejando a

profissionalização na chamada “indústria nacional”. O Ensino do Desenho era a base do

projeto pedagógico, cuja articulação advinha de uma relação ativa com a natureza e que servia

para fortalecer a dignidade humana, as outras matérias e o desenvolvimento industrial.

Deveria ser desconsiderado, na educação geral, o conhecimento escolástico, o sistema

monitorial e o ensino de desenho tido como luxo, passatempo e distinção dos mais ricos.

O bom professor, para Rui Barbosa, era aquele capaz de apresentar “coisas” e ideias,

antes de apresentar conceitos. As aulas deveriam instigar o aluno a observar, executar e falar.

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RCEF 2010 /Artes

Os alunos aprenderiam por meio da observação, relacionado-a com o assunto estudado;

depois, distinguiriam, verbal e gestualmente, as formas apresentadas e, por último, nomeariam

as coisas observadas e executariam exercícios correlatos.

Para Theodoro Braga, educador e artista paraense, defensor de outra proposta

inovadora para o Ensino do Desenho, nesta época, o conhecimento importante era o que

implementava a articulação dos ornatos ou dos enfeites com a estilização baseada na flora e

fauna brasileira. O conhecimento a ser expurgado era o que incentivava o desenho de ornatos

a partir de estampas com padrões e temas importados e o que promovia o ensino das “prendas

femininas”. A criança era vista como um pequenino homem, e o Ensino do Desenho deveria

ser ministrado considerando-a deste modo.

Para ser considerado bom, conforme Theodoro Braga, o professor de Desenho deveria

interessar-se pelos trabalhos dos alunos, conhecer o desenho e estimular a “originalidade”,

demonstrando competência, honestidade e dedicação. Deveria aplicar o método de ensino

prático com aplicação imediata, implementando os seguintes procedimentos: 1) desenho dos

objetos do entorno da criança; 2) exercícios com ornamentos geométricos e à mão livre,

composições decorativas; 3) aplicação da escala, estabelecendo medidas e projeções por meio

do desenho.

Para Anita Malfatti, artista considerada a precursora da arte moderna no Brasil, nas

primeiras décadas do século vinte, e que também defendeu e experimentou outra proposta

inovadora para o Ensino do Desenho, o conhecimento importante era o que advinha dos

sentimentos e da imaginação. O conhecimento rechaçado era o que mantinha o preconceito de

que somente os privilegiados são capazes de transmitir seus pensamentos pelos desenhos e

pelas convenções acadêmicas.

Para ser considerado bom, conforme Anita, o professor deveria dar plena liberdade de

expressão ao aluno, evitando impor-lhes o gosto e a maneira de pintar. Por conseguinte, o

ensino deveria aplicar técnicas de desenho e pintura a partir de temas, da observação de

objetos e paisagens, as quais seriam direcionadas às necessidades práticas, respeitando a

imaginação criadora das crianças. Competiria ainda à ação docente supervisionar as

atividades sem desrespeitar cada etapa do trabalho educacional da criança. Ensinar, para

Anita, significava articular estrategicamente o desenho de observação do natural com a

valorização do sentimento e da imaginação.

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RCEF 2010 /Artes

Em suma, os ornatos, a geometria, o desenho do natural, as belas artes e ofícios, a

intuição e a observação das coisas, a estilização da fauna e flora brasileiras e o desenho

espontâneo associado à observação constituíam os encontros com os conhecimentos

valorizados nessa época.

Um bom professor de Ensino do Desenho passou a ser, sobretudo, um imigrante ou

brasileiro, a maioria do sexo masculino, capaz de articular a formação em Belas Artes com a

atuação docente. Esse profissional deveria ser capaz de ensinar a desenhar a partir de modelos

provenientes dos artistas clássicos do passado e, em outra circunstância, a apresentar “coisas”

e ideias, antes de apresentar conceitos, estimular a “originalidade” na configuração de ornatos

e dar liberdade de expressão aos alunos nos desenhos de observação.

Saber desenhar era um requisito primordial do saber docente nessa época. Tratava-se

de um desenho sempre associado a um referente figurativo. Até mesmo as ornamentações

geométricas, de feição abstrata, tinham como base a estilização derivada de um referente

figurativo. Como era requisitada a posse de um desenho figurativo, o docente deveria, por

conseguinte, em qualquer programa educativo, saber ensinar a reproduzir desenhos de um

modelo idealizado ou natural, importado ou nacional.

A ideia da predominância do desenho figurativo, disseminada no século dezenove,

persiste até hoje, quando se pensa num bom desenho ou numa boa pintura. Na maioria das

escolas, há muita dificuldade de se valorizar os grafismos das crianças, sobretudo as

chamadas “garatujas”, porque exploram linhas e formas abstratas. São traços que parecem

estranhos para os adultos, mas que são compreensíveis para as crianças. No lugar da

valorização dos desenhos e demais trabalhos das crianças, preponderam os desenhos

mimeografados que são causadores de enormes danos ao processo criativo dos estudantes.

Trata-se de uma herança do passado que precisa ser revista em razão das obstruções que

causam ao desenvolvimento do grafismo dos estudantes.

Em relação ao ensino do Teatro, a partir da segunda metade do século dezenove, a

atividade dramática passou a ser vista como um processo de aprendizagem, após as

colaborações de Caldwell Cook. A partir do pensamento de Rousseau, Cook defendeu o papel

do Teatro na educação escolar e conferiu destaque à criança como centro do processo

educativo.

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RCEF 2010 /Artes

O reconhecimento da criança como um ser moralmente vulnerável e dependente

permitiu reivindicar a infância como um período da vida que exigia uma proteção especial e

um atraso na assunção de responsabilidades adultas. Mantendo a tradição jesuítica, as crianças

deveriam ser segregadas em instituições educacionais condizentes com seu nível social e

econômico.

Dentre as suposições provenientes da denominação Ensino do Desenho, difundida a

partir do século dezenove, persistente nos dias atuais, e que ainda constitui um problema a ser

enfrentado e combatido, pode ser destacada a alegação de que a arte na educação não é

importante por si mesma, mas é um acessório curricular, pois serve para complementar outras

matérias e atividades tidas como estratégicas para o desenvolvimento pessoal, social,

econômico e político. Trata-se de uma importância adquirida por transferência ou, como se

diz popularmente, “por tabela”.

1.3 Problemas, soluções e encontros propostos pelo ensino dos “Trabalhos Manuais/Artes Aplicadas”

O ensino dos ”Trabalhos Manuais” e o ensino das “Artes Aplicadas”, adotados no

início do século vinte, surgiram diante do problema de educar o gosto popular e barato,

articulando mão e cérebro, de modo a preparar o sujeito para viver no mundo industrial. Seus

valores firmavam-se na separação de sexos em colégios diferentes, reforçados pela Reforma

Capanema, na junção entre arte e vida, na formação de gosto popular e na ocupação do tempo

ocioso do operariado.

A reforma Capanema adveio do nome de Gustavo Capanema, que esteve à frente do

Ministério da Educação a partir de 1934, momento no qual se começou a implantar tais

mudanças. A reforma, que leva o seu nome, foi composta de Leis Orgânicas do Ensino,

responsáveis pela estruturação do ensino industrial, pela reforma do ensino comercial e pela

criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI – trazendo significativas

mudanças no ensino secundário.

O desenho, as atividades manuais e as decorações nacionalistas passaram a ser os

saberes valorizados. Os encaminhamentos metodológicos envolviam encontros do desenho

com atividades manuais e a construção manual de objetos populares em salas especialmente

preparadas de modo a se assemelharem com oficinas de marcenaria.

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158

RCEF 2010 /Artes

Na vigência da denominação Trabalho Manual ou Arte Aplicada, o bom professor

deveria ser capaz de atuar em um ambiente adequado e equipado para poder ajudar a definir a

finalidade do objeto e seu aspecto formal, ferramentas a serem utilizadas, acabamento e a

decoração nacionalista a ser adotada. O professorado passou a ser, em sua maioria, do sexo

feminino, com formação artística ou pedagógica, de base psicologizante, centrada na criança.

Valorizava-se quem desenvolvesse, por faixa etária e por sexo, o gosto construtivo, popular, e

a decoração nacionalista. O desenho era visto como um complemento expressivo para a

produção de objetos baratos e populares.

O ensino dos Trabalhos Manuais e das Artes Aplicadas, no Brasil, contribuiu para

difundir a ideia renitente que o ensino de arte é o espaço para criação de objetos decorativos,

de trabalhos manuais para adornarem o lar ou presentearem as pessoas. Até hoje, os objetos

são confeccionados, especialmente nas datas comemorativas (dia das mães, dos pais, das

crianças, entre outras). Preponderam os utensílios feitos de palitos de picolé, os sabonetes

decorados, as pinturas em telha, os bordados, a pintura em tecidos, entre outros objetos

decorativos. Tais atividades, quando são adotadas como objetivo principal, já eram bastante

questionadas na década de 1930, momento de sua implantação, por causarem equívocos no

entendimento do que seja arte e por conferirem uma importância secundária e popularesca ao

ensino de Artes.

Em relação à educação musical no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1940, implantou-

se o ensino de música nas escolas, em âmbito nacional, com a criação da Superintendência de

Educação Musical e Artística (SEMA) por Villa-Lobos. O objetivo era a realização da

orientação, do planejamento e do desenvolvimento do estudo da música nas escolas, em todos

os níveis, a partir da disciplina, do civismo e da educação artística de toda a população. Com a

expansão do ensino de Canto Orfeônico em todo o território nacional, foi criado o

Conservatório Brasileiro de Canto Orfeônico (CNCO), em 1942, com a finalidade de formar

professores capacitados a ministrar tal matéria, constituindo-se numa notável realização a

favor do ensino da música. A docência de canto orfeônico, a partir de 1945, passou a ser

possível somente com o credenciamento fornecido pelo CNCO ou por outra instituição

equivalente.

O canto orfeônico, bastante valorizado no Brasil desta época, vinha de uma grande

popularização em outros países, especialmente na França. Foi e um tipo de considerado um

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RCEF 2010 /Artes

canto coletivo, adotado como obrigatório nas escolas. Entendia-se que pode trazer mensagens

e tentar incutir comportamentos nos seus praticantes e ouvintes, tornando-se uma ferramenta

eficaz para atender a objetivos sociais e políticos.

Cabe ressaltar a importância da Reforma Capanema (Leis Orgânicas do Ensino) e suas

contribuições para o ensino da música: na concepção escolar orientadora dessa reforma, o

Canto Orfeônico fazia parte do currículo durante quatro anos do primeiro ciclo e durante os

três anos posteriores do segundo ciclo, com a denominação “música e canto orfeônico”.

A dança, nesse momento, ainda continuava enfrentando barreiras para ser considerada

um componente curricular importante. Uma mudança ocorreu quando Rudolf Laban, um dos

primeiros teóricos a estudar a Dança na educação escolar, no início do século vinte, passou a

vê-la como um meio para desenvolver as capacidades humanas de expressão e criação. A

partir das ideias de Laban, em meados da década de 1940, foi criada a Escola de Dança da

Universidade Federal da Bahia, que teve o primeiro curso superior de Dança do Brasil, na

década seguinte.

1.4 Problemas, soluções e encontros propostos a partir da “Educação pela Arte”

Na vigência da denominação Educação pela Arte, o foco do problema passou a ser o

desenvolvimento integral do indivíduo, de modo a harmonizar-se com o meio em que se vive,

e a enaltecer a paz, quando se convivia com as duas grandes guerras mundiais. Os valores

difundidos, sobretudo, a partir dos textos intitulados Educação pela arte, de Herbert Read,

publicado em 1943, Desenvolvimento da capacidade criadora, de Lowenfeld & Brittain,

publicado em 1945, e no Jornal Arte & Educação, produzido pela Escolinha de Arte do Brasil,

centraram-se no expressivismo e nos saberes enaltecedores da expressão de sentimentos e

emoções.

Na Escolinha de Arte do Brasil, os encontros entre crianças e professores aconteciam

sem horário rígido, sem regras, exceto a de não atrapalhar e desrespeitar o processo de

produção infantil. Mais tarde, quando se detectou a necessidade de atribuir-lhe um nome,

aproveitou-se o diminutivo “escolinha”, termo permeado de afetividade proferido pelas

próprias crianças. Inicialmente, usou-se o nome Escolinha de Arte da Biblioteca Castro Alves.

Depois, quando foi percebido o potencial de difusão, chamou-se Escolinha de Arte do Brasil

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160

RCEF 2010 /Artes

(EAB) e, finalmente, Movimento Escolinhas de Arte (MEA), terminologia que se articulava

aos nomes das cidades onde se implantava (Escolinha de Arte de São Paulo, Escolinha de

Arte do Recife, Escolinha de Arte de Florianópolis, Escolinha de Arte de João Pessoa, dentre

outras).

A partir de 1951, mesmo ano em que se iniciou a implantação de Escolinhas em outros

Estados fora do Rio de Janeiro, o MEA promoveu cursos para formação de professores. Tais

cursos, depois de 1961, passaram a ter o foco centrado na função da criatividade no processo

educativo. Fundou-se, em decorrência, o Curso Intensivo de Arte na Educação (CIAE) e,

consequentemente, os Seminários de Arte e Educação, reunindo educadores do Brasil e da

América Latina. Depois, estes cursos foram substituídos pelos Cursos de Licenciatura em

Educação Artística. Não pretendiam formar especialistas de educação artística, mas

professores criativos para a educação.

A vigência da denominação Educação pela Arte estava associada à circulação de

textos defensores de um ensino centrado na criança. Comprometido com o pacificismo, o bom

professor era aquele que deveria atuar, assumidamente, como um facilitador do processo

educativo e como um estimulador de atividades propiciadoras da “livre expressão de

sentimentos e emoções”. O desafio da atuação docente consistia no rechaçamento de qualquer

modelo externo e de estereótipos. Privilegiavam-se imagens autoexpressivas da criança e se

desmitificava a noção de “desenhar bem”, difundida pelas academias de arte.

A sugestão de temas e o estímulo à livre expressão passaram a ser os

encaminhamentos e os encontros mais valorizados. Um bom professor passou a ser “um

professor de nada”, ou seja, quem estimulasse, sem atrapalhar ou interferir, as atividades de

“livre expressão de sentimentos e emoções”.

A partir desse momento, o ensino do teatro passou a ser concebido como uma forma

de expressão artística acessível a todas as pessoas, e não apenas a um pequeno grupo de

iniciados (profissionais de Teatro ou integrantes do Teatro Amador).

As propostas educacionais, associadas à Educação pela Arte, colaboraram para

difundir a noção de arte associada aos sentimentos e aos sentidos. Ajudaram a disseminar a

prática educativa de dar temas para as crianças pintarem ou desenharem, também deixando-as

livres para fazerem o que bem quisessem. Outro aspecto foi a valorização das associações

organizativas para defender a importância da arte para a sociedade.

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RCEF 2010 /Artes

1.5 Problemas, soluções e encontros propostos pelo ensino das “Artes Industriais”

O acordo MEC-USAID, também conhecido como “Aliança para o Progresso”,

contribuiu para a vigência da denominação Artes Industriais. Como se depreende do texto

intitulado As Artes Industriais na Educação Geral (WILBER, 1966), o foco direcionou-se

para o problema da preparação de indivíduos para viver no mundo industrial e tecnológico. Os

valores firmaram-se na estilização e no raciocínio, embasado em conhecimentos enaltecedores

do planejamento de objetos e projetos destinados à indústria. Os manuais traduzidos dos

Estados Unidos enfatizavam a demonstração, a elaboração de projetos e a confecção de

auxílios visuais como encaminhamentos metodológicos e encontros relevantes. Um bom

professor era quem fomentasse o pensamento crítico e criativo do alunado, direcionando-o

para os interesses do mercado e da indústria.

Enquanto vigorava o ensino das Artes Industriais, um curso de formação de

professores de Música foi criado em São Paulo, no ano de 1960, pela Comissão Estadual de

Música, ligada ao Conselho Federal de Cultura, junto à Secretaria de Estado dos Negócios do

Governo. A organização da música vocal na rede oficial paulista de ensino permitiu uma

maior veiculação da música entre a população brasileira, por muitas gerações, em um

processo de democratização e de valorização cultural. Todavia, por meio da Lei de Diretrizes

e Bases (LDB 4024/61), o Conselho Federal de Educação instituiu a educação musical, em

substituição ao canto orfeônico (por meio do Parecer nº 383/62, homologado pela Portaria

Ministerial nº 288/62), provocando mudanças no cotidiano musical escolar.

O ensino das Artes Industriais comprova que o ensino por projetos não é uma

novidade educacional. A crítica mais contundente a esta proposta é o foco exclusivo na

preparação de mão de obra para servir à indústria.

1.6 Problemas, soluções e encontros propostos pelo ensino da “Educação Artística”

A persistência do acordo MEC-USAID contribuiu para a oficialização e vigência da

denominação Educação Artística, referendada pela Lei 5692/71. Esta lei oficializou o ensino

da Educação Artística, concluído em dois anos, como Licenciatura Curta, e em quatro anos,

como Licenciatura Plena, nas habilitações de Artes Cênicas, Artes Plásticas, Música e

Desenho.

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RCEF 2010 /Artes

O desenvolvimento com segurança, implantado pela ditadura militar, e a

profissionalização do ensino regiam os interesses daquele momento. O romantismo, as teorias

da criatividade e da Gestalt influenciavam marcantemente os programas educacionais do

período.

A Gestalt é uma teoria da psicologia, iniciada no final do século dezenove, que

possibilitou o estudo da percepção. Parte do princípio de que o objeto não é apenas um pacote

de sensações para o ser humano, pois a percepção está além dos elementos fornecidos pelos

órgãos sensoriais. Compreende que os elementos percebidos são organizados de forma a

fazerem sentido mediante as associações e os conhecimentos anteriores.

A denominação Educação Artística ficou conhecida, em diversos livros didáticos e nas

resoluções emitidas pelo MEC, por conceber a arte como uma atividade expressiva e

complementar de outras matérias, com capacidade de desenvolver a criatividade pela emoção

e pela espontaneidade. Seus valores, extraídos de uma apropriação superficial dos princípios

da Educação pela Arte, que estavam sendo difundidos pelas Escolinhas de Arte do Brasil,

foram disseminados e intensificados como criatividade, liberação emocional e espontaneísmo.

Temas, técnicas, desenho geométrico e atividades manuais constituíam os saberes e os

encontros a serem valorizados. Os principais encaminhamentos eram as proposições

temáticas, a transmissão de técnicas expressivas e a livre expressão, sem preocupação com a

contextualização. Um bom professor era um profissional polivalente e incentivador da

liberação emocional e da espontaneidade. Era quem valorizava o processo em detrimento do

produto.

Pelo exposto, é possível afirmar que a oficialização da Educação Artística, pela Lei

5692/71, valorizou a autoexpressividade e o “mundo interior” das crianças, enfatizando sua

autorrealização, desprezando, estrategicamente, o confronto e o conflito que poderiam advir

de análises críticas da cultura e da sociedade.

O ensino da Educação Artística, visto como uma atividade, pautava-se no processo em

detrimento dos resultados e, do ponto de vista dos encaminhamentos didáticos, explorava,

principalmente, como indicavam as disciplinas que integravam a estrutura curricular dos

Cursos de Licenciatura, técnicas expressivas baseadas, em geral, em alguma proposição

temática.

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RCEF 2010 /Artes

A limitada carga horária de 50 minutos, a desarticulação dos objetivos, o número

restrito de profissionais habilitados e a atuação polivalente contribuíram para que o ensino da

Educação Artística se efetivasse como um enxerto curricular que serviria, apenas, para

complementar outras matérias e conferir poucos momentos de descontração à formação

profissionalizante.

O bom professor, em decorrência, deveria ser, preferencialmente, um profissional

polivalente enaltecedor do processo em detrimento dos resultados. A polivalência

predominava porque a estrutura curricular da licenciatura plena, generalizante e focada na

autoexpressividade, obstruía a especialidade e a atuação interdisciplinar.

Em relação à carga horária, o Parecer 540/77 afirmava: “o desenvolvimento de

atividades artísticas dificilmente poderá ocorrer no curto espaço de uma aula de cinqüenta

minutos” (BRASIL, 1977, p. 24, 25). Contudo, tornou-se uma tradição equivocada reservar

tão limitada carga horária para as aulas de Educação Artística, o que persiste até hoje, mesmo

depois de os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reconhecerem a necessidade de

reservar, no mínimo, duas horas, com aulas duplas, para o desenvolvimento desta disciplina

no currículo escolar (BRASIL, 1977, p. 66).

Este documento, que contém diretrizes para o trabalho com Artes no Estado da

Paraíba, também refuta esta tradição de limitada carga horária, porque se provou ineficaz, e

endossa a mesma recomendação adotada pelos PCN, ou seja, a de contemplar, no mínimo,

duas horas/aula, preferencialmente juntas, porque as atividades de caráter artístico exigem um

tempo de preparação e adequação do ambiente escolar, difícil de acontecer em apenas uma

hora/aula.

1.7 Problemas, soluções e encontros propostos pela “Arte-educação”

A denominação Arte-educação foi adotada, a partir de 1980, para externar uma forma

de resistência às consequências da oficialização da Educação Artística no sistema

educacional. A partir desse momento, a Arte passou a ser vista como uma área específica,

com conteúdos próprios e articulados, de modo a fomentar a criatividade pelos processos

mentais e pela percepção visual. Seus valores passaram a ser, a partir deste momento,

percepção e cognição. Os desenhos perceptivos e a exploração de imagens originais e

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164

RCEF 2010 /Artes

reproduzidas constituíam os saberes e os encontros a serem valorizados. Os desenhos de

observação, de diferentes perspectivas, e as atividades perceptivas baseadas em leituras de

imagens passaram a ser adotados como principais procedimentos metodológicos. O mesmo

ocorreu com a Música, o Teatro e a Dança, que passaram a requerer uma atuação

especializada ou interdisciplinar no sistema escolar, opondo-se à polivalência generalizada.

Um bom professor, conhecido como arte-educador, passou a ser um profissional

especializado em cada uma das linguagens artísticas (Artes Plásticas, Teatro, Dança e

Música), capaz de provocar experiências perceptivas e acionar dispositivos mentais

impulsionadores da criatividade, em conformidade com o nível de compreensão intuitiva e

cognitiva do alunado.

1.8 Problemas, soluções e encontros propostos pelas “Artes” ou “Arte/educação”

Na vigência da denominação Arte, oficializada pela lei 9394|96, ou Artes1,

regulamentada pela Resolução Nº 1, de 31 de janeiro de 2006, do Conselho Nacional de

Educação/Câmara de Educação Básica – ou Arte/educação, mais adotada recentemente em

várias publicações, a produção artística, em suas diferentes modalidades e matrizes culturais,

passou a ser vista como um bem a ser acessado, desfrutado e problematizado em encontros

educacionais.

A Escola, junto com as outras instituições, passou a ter um papel primordial no

processo de democratização da arte e da cultura. Como a arte está diluída na vida, na

publicidade e na produção visual em geral, pode ser usada para ajudar a compreender as

representações materializadas na produção visual, que fixam as representações de si e do

mundo.

A contextualização, a mediação cultural, a diversidade cultural, a educação inclusiva, a

democratização da arte e da cultura, a cidadania cultural, o questionamento das interpretações

a partir das imagens são os principais valores difundidos. A produção artística e visual, as

culturas silenciadas, as visualidades, as teatralidades, as musicalidades, a inclusão em suas

diferentes variáveis (Pluralidade Étnico-cultural, Diversidade Religiosa, Educação Especial,

1 Utilizaremos a palavra “Artes” com letra inicial maiúscula quando se tratar da disciplina curricular.

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RCEF 2010 /Artes

Diversidade Linguística, Diversidade Sexual e de Gênero), os fazeres especiais da

comunidade e as representações visuais são os principais saberes a serem valorizados.

A Abordagem Triangular, a Interculturalidade ou Multiculturalismo e a Educação da

Cultura Visual passaram a ser as principais maneiras de desencadear o processo educacional

até este momento, perspectivas que serão mais detalhadas no tópico que trata das perspectivas

metodológicas, adiante.

2 OBJETIVOS DO ENSINO DE ARTES OU DA ARTE/EDUCAÇÃO

Baseado na LDB (Lei 9394/96, parágrafo 2º) e na Resolução 009/2006, do Conselho

Municipal de Educação de João Pessoa/PB, que implantou o ensino de Artes em todas as

séries, modalidades e níveis do Ensino Infantil e Fundamental no Município de João Pessoa,

os objetivos de Artes no currículo escolar podem ser condensados nos seguintes:

• desenvolver culturalmente o alunado a partir do contato e vivência com diferentes

tipos de visualidades, teatralidades e musicalidades, decorrentes de problemas

advindos das experiências vividas;

Teatralidades aludem às diversas modalidades de atuações teatrais e da dança,

vivenciadas no cotidiano e em demais espaços cênicos e específicos da dança,

em diversos contextos temporais e culturais, bem como as possíveis maneiras

de interpretá-las. Visualidades podem ser entendidas como diferentes tipos e modalidades de

imagens, abrangendo as mais corriqueiras até as “preservadas” em renomados

museus, reconhecidas como “obras de artes”, produzidas em diversos contextos

culturais e temporais. Envolvem também as possíveis maneiras de interpretar as

diversas imagens.

Musicalidades envolvem os diversos tipos e modalidades de músicas,

abarcando às difundidas e improvisadas no cotidiano, às apresentadas em

shows, concertos e em outros espaços musicais consagrados pela sociedade, em

diversos contextos culturais e temporais. Diz respeito, ainda, as possíveis

maneiras de interpretar as diversas musicalidades.

Page 166: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

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RCEF 2010 /Artes

• socializar informações culturais, articulando o próximo e o distante, o local e o

global, o senso comum e o conhecimento sistematizado de diferentes fontes

culturais provenientes dos problemas desencadeados, em diálogo com as diversas

visualidades, teatralidades e musicalidades;

• promover, em conformidade com o planejamento educacional desenvolvido a

partir dos problemas relacionados com as visualidades, teatralidades e

musicalidades, visitações a acervos artísticos (literários, pictóricos, museológicos,

cinematográficos etc.), patrimônios arquitetônicos, casas de espetáculo (teatros,

cinemas etc.) e outros eventos culturais, de modo a favorecer o contato e a

familiarização com as diversidades culturais;

• vivenciar procedimentos educacionais e metodológicos favorecedores de uma

ampliação da visão do alunado sobre a Arte e a Cultura em resposta aos problemas

surgidos no contexto escolar;

• questionar estereótipos e preconceitos culturais difundidos pelas visualidades,

musicalidades e teatralidades;

• amenizar os obstáculos informacionais, culturais e econômicos que atravancam o

acesso aos bens culturais diversos;

• articular o planejamento educacional de modo a atender aos problemas suscitados

por docentes e discentes em relação às visualidades, musicalidades e teatralidades;

• proporcionar vivências significativas com as visualidades, musicalidades e

teatralidades, de modo que o alunado possa realizar produções individuais e

coletivas;

• conhecer e saber utilizar os diferentes procedimentos relacionados com as

visualidades, teatralidades e musicalidades, desenvolvendo uma relação de

autoconfiança com a produção artística pessoal, relacionando a própria produção

com a de outros sujeitos;

• conhecer, respeitar e saber questionar as produções de visualidades, teatralidades e

musicalidades presentes no entorno, assim como as demais do patrimônio cultural

e do universo natural, identificando a existência de diferenças nos padrões

artísticos e estéticos de diferentes grupos culturais.

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RCEF 2010 /Artes

No Ensino Fundamental, adaptando a partir dos PCN, o ensino de Artes pode

ser organizado e vivenciado de modo que o alunado seja capaz, a partir dos problemas

gerados, de:

• experimentar e explorar as possibilidades das diferentes visualidades, teatralidades e

musicalidades;

• compreender e utilizar as visualidades, teatralidades e musicalidades, mantendo uma

atitude de busca pessoal e coletiva;

• articular o pensamento de modo a realizar, utilizar e fazer questionamentos em relação

às diferentes modalidades de visualidades, teatralidades e musicalidades;

• experimentar e conhecer os materiais, instrumentos e procedimentos diversos

empregados para produzir diferentes tipos de visualidades, teatralidades e

musicalidades, de modo que favoreçam a realização de trabalhos pessoais,

identificando-os e interpretando-os culturalmente;

• construir uma relação de autoconfiança com a produção artística pessoal e

conhecimento cultural, respeitando a própria produção e a dos colegas, sabendo

receber e elaborar críticas;

• identificar, comparar e compreender, de forma contextualizada, as visualidades,

teatralidades e musicalidades nas diversas culturas;

• conhecer, respeitar e observar as produções culturais presentes no entorno social,

assim como as demais do patrimônio cultural e do universo natural, identificando a

existência de diferenças nos padrões artísticos e estéticos de diferentes grupos

culturais;

• identificar, comparar e compreender as diferentes funções das visualidades,

teatralidades e musicalidades, seu modo de produção e criação.

2.1 Legislação em vigor sobre Arte/educação

É muito importante conhecer e utilizar, na fundamentação dos planos de curso,

projetos, artigos e relatos de experiência, a legislação relacionada com o ensino de Artes ou

Arte/educação. Em anexo, um importante resumo com as principais leis que regem este

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RCEF 2010 /Artes

campo de conhecimento, sintetizado a partir do quadro elaborado por Ana Maria Schultze e

divulgado em <http://www.arte-educar.art.br/leis.html>.

2.3 Legislação em vigor sobre o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena

O ensino de Arte ou Arte/Educação tem suas atribuições reguladas por outras

legislações. Merecem destaque as relacionadas com o ensino da História e Cultura afro-

brasileira e indígena, também condensadas a partir do quadro-resumo elaborado por Ana

Maria Schultze, divulgado em <http://www.arte-educar.art.br/leis.html> e disposto em

anexo.

2.4 Legislação em vigor no município de João Pessoa/PB

Desde dezembro de 2006, encontra-se em vigor a resolução 009/2006, aprovada pelo

Conselho Municipal de Educação, que oficializa o ensino de arte nas várias séries, níveis de

ensino (infantil e fundamental) e modalidades (Educação de Jovens e Adultos), respeitando a

formação inicial no âmbito da Licenciatura. Para conhecer o processo que resultou na

aprovação deste documento, ver texto de Nascimento (2008), também disponível na internet

no endereço http://www.anpap.org.br/2008/artigos/098.pdf. Esta resolução encontra-se

disponível no blog ensinando – www.ensinandoartesvisuais.blogspot.com – no link resolução

009/2006

3 COMPETÊNCIAS NECESSÁRIAS AO ENSINO E APRENDIZAGEM DE ARTES

“ (...) o tempo me contou Que quem não tem problema

Não tem nada, nada, nada” Liminha/ Ana Cañas

3.1 Das competências e capacidades para “aprender a aprender” a partir da problematização

A sociedade está sempre mudando. Essas mudanças são provocadas por tentativas de

enfrentar e achar soluções para os problemas vivenciados em diversas esferas (econômica,

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RCEF 2010 /Artes

política, cultural, comunicacional etc.)2. Uma das mudanças que destacamos aqui,

especialmente porque demarca a contemporaneidade, foi o surgimento e intenso avanço das

Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). As TIC são tecnologias e métodos

usados diante do problema de intensificar e acelerar o processo comunicacional surgido no

contexto da Revolução Informacional, também conhecida como “Revolução Telemática” ou

“Terceira Revolução Industrial”.

A imensa maioria delas se caracteriza por agilizar, horizontalizar e tornar menos

palpável (fisicamente manipulável) o conteúdo da comunicação, por meio da digitalização e

da comunicação em redes (mediada ou não por computadores) para a captação, transmissão e

distribuição das informações (texto escrito, visualidades, musicalidades e teatralidades).

O primeiro computador foi criado durante a 2ª Guerra Mundial, na tentativa de

resolver problemas vivenciados no conflito: calcular trajetória de bombas, decifrar mensagens

secretas. Desde então, ele ganhou outras dimensões e funções; solucionados os problemas da

guerra, passaram a atender às novas demandas e resolver outros problemas, agora de ordem

mais coletiva.

Os meios de comunicação fomentaram uma mudança da cultura de transmissão do

conhecimento por vias essencialmente escritas. Essas transformações tiveram seu auge com a

difusão, em larga escala, da internet, rompendo com o que Gadotti (2000) chama de “cultura

do papel”.

Hoje, o pouco acesso que a sociedade tem ao conhecimento produzido pela

Humanidade já não é por meio de livros e jornais impressos, mas por meios de comunicação

de massa, que englobam principalmente TV, rádio e progressivamente a internet.

Os meios de comunicação de massa possuem as seguintes características, segundo

Monteiro (2001): a) são operados por amplas e complexas organizações, envolvendo

profissionais diversos; b) podem difundir suas mensagens para milhares de pessoas ao mesmo

tempo, utilizando recursos tecnológicos sustentados pela economia, principalmente através da

publicidade; c) “falam” para um público numeroso, heterogêneo e anônimo; d) e,

principalmente, exercem uma comunicação que não permite respostas daqueles que os

2 Para melhor compreensão dos processos de mudança nestas esferas, sugerimos a leitura do texto introdutório destes referenciais, intitulado: “REFORMA CURRICULAR: o contexto histórico, epistemológico e educacional”.

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RCEF 2010 /Artes

assistem, ainda que possuam algum sistema de feedback ou retorno - índices de audiência, por

exemplo.

A Escola, assim como os meios de comunicação, tem o papel de socializar o

conhecimento produzido culturalmente, permitindo o acesso à informação. E, na contramão

dessas mudanças tão significativas ocorridas na sociedade, uma boa parte das escolas continua

parecida com as escolas dos séculos passados, ignorando grande parte dos problemas que a

atingem na contemporaneidade.

A maioria das escolas ainda insiste em conceber a aprendizagem de conceitos de

forma fragmentada, em vez de compreendê-los em seu contexto, desconsiderando os modos

individuais de aprendizagem. Muitas continuam a exigir uso da memorização e a ignorar a

interpretação, o julgamento e a decisão. A grande maioria delas prossegue esperando

"respostas corretas e únicas", sem considerar que o mais importante é saber encontrar as

informações necessárias no momento adequado e transformá-las em ação para solucionar os

problemas pessoais e coletivos. Por isso, a grande maioria das escolas tem fracassado no seu

propósito de socializar saberes de forma significativa e contextualizada.

Alguns estudos, no passado e no presente, tentaram romper com uma educação

“livresca” ou “conteudista”, como no movimento da Escola Nova, difundida desde o final do

século dezenove na América Latina por John Dewey, e no Brasil, principalmente, após a

publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em 1932.

No entanto, a grande maioria das escolas permanece negando tais avanços, e continua

a negligenciar a vida e a não atender às expectativas e necessidades dos discentes, tampouco

para as demandas da sociedade atual, marcada pela dinamicidade das informações. Em razão

dessa situação, a instituição educacional enfrenta enormes dificuldades para ajudar na

efetivação da igualdade de direitos e do respeito à diversidade.

É fundamental tentar estabelecer uma vivência educacional “afinada” com este tempo,

enfrentando o desafio de “educar na vida e para a vida”. Uma educação empenhada em

solucionar os problemas propostos pelos sujeitos que integram o sistema educacional.

Nesse sentido, vê-se uma tendência mundial no campo da pesquisa em educação (que

não é tão recente) de apontar para a urgente necessidade de a Escola mudar o foco do ensino

de conteúdos para uma aprendizagem em busca do desenvolvimento de competências e de

solução de problemas.

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Embora não haja um consenso quanto à concepção de competência, ela vem sendo

adotada por diversos campos do saber com significados completamente distintos, e tem sido

alvo de contradições. Atualmente, essa concepção tem sido adotada nas políticas educacionais

formuladas com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei 9394/96) – nos

Parâmetros Curriculares Nacionais e nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a

Educação Básica.

Neste documento, o termo “competência” pode ser entendido como:

Para este autor, competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos

cognitivos para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações ou problemas.

Assim, a competência utiliza-se do conhecimento para ultrapassar barreiras, resolver questões,

situações complexas, problemas, a partir do domínio de capacidades básicas.

Ao reconhecer educacionalmente a existência das competências, não é possível

negligenciar as demais esferas do indivíduo em detrimento da esfera cognitiva. Ao contrário,

aproxima-se o indivíduo da vida, na busca por soluções de seus problemas.

Uma educação pautada nas competências não comunga com “receitas prontas” para as

questões, ao contrário, propõe o pensamento/reflexão em busca de soluções particulares para

problemas que são distintos uns dos outros.

Nessa perspectiva, a educação para a aquisição de competências envolve três esferas

que se interagem mediadas pelo ambiente. Poderíamos assim ilustrá-la:

“... a capacidade de agir eficazmente numa dada situação apoiada em

conhecimentos, mas não limitada a eles.” (PERRENOUD, 1999, p. 7).

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RCEF 2010 /Artes

Ou seja, a competência é a conjunção de capacidades que une os conhecimentos aos

procedimentos e à ação, com vistas à solução de problemas e questões, mediados pelo

ambiente em que está inserido o sujeito.

Em convergência com a noção de competências, defendida por Perrenoud (1999), a

educação contemporânea tem demonstrado grande inclinação, sobretudo no contexto das

políticas educacionais, à adesão aos princípios fundamentais da educação propostos no que se

denomina “Os quatro pilares da Educação”, documento formulado pela Comissão

Internacional sobre Educação para o século vinte e um, vinculada à UNESCO - Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, coordenada por Jacques Delors.

Neste documento, editado sob a forma do livro "Educação: Um Tesouro a Descobrir",

publicado em 1999, a comissão defende quatro capacidades fundamentais a serem

desenvolvidas na Escola:

• aprender a conhecer

• aprender a fazer

• aprender a viver com os outros

• aprender a ser

Segundo Duarte (2001), juntamente com a concepção de competências, estes

fundamentos integram uma corrente educacional da atualidade chamada de pedagogias do

“aprender a aprender”. É uma perspectiva que tenta romper com o problema da reprodução do

conhecimento, valorizando a construção pessoal e social da aprendizagem.

Entendemos que aprender sozinho, não impossibilita o aprender com o outro e com o

conhecimento construído e transmitido socialmente. Faz-se necessário que o sujeito seja

preparado para o mercado de trabalho, entretanto, a Escola não deve restringir-se a este

objetivo. Ao contrário, deve ter como foco principal o desenvolvimento de sujeitos críticos e

conscientes de seu papel social e cultural, exercitando a sua cidadania.

Para alcançar esses objetivos, a Escola precisa articular-se com a vida de maneira

crítica e comprometida, de modo a questionar a imposição de padrões que atendem aos

anseios de um segmento específico da sociedade.

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RCEF 2010 /Artes

Isso implica o ajustamento dos aspectos curriculares aos recursos cognitivos, afetivos

e sociais dos alunos, com vistas às condições necessárias para a atuação, para a interação

social e para a solução de problemas na e da vida.

Para viabilizar essa pretensão, faz-se necessário que a educação parta da realidade

concreta e existencial dos estudantes, colaborando para que assumam o papel político de

transformação de uma sociedade, que ainda se apresenta injusta e desigual. A esse respeito,

Paulo Freire (1987, p. 49) afirmou: “o que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo,

através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como

problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual,

mas no nível da ação.”

3.2. Das práticas sociais de Artes

"A vida só é possível reinventada".

Cecília Meireles

disciplina de Artes assume, então, um papel fundamental nessa mudança de

modelo educacional em busca de sintonia entre indivíduo e sociedade, pois, para

acompanhar tais mudanças, as capacidades de leitura e escrita (em termos

restritos) já não são suficientes.

A arte orienta os sujeitos a entenderem seu lugar no tempo e espaço, a descobrirem a

si e aos outros. Colabora para que dêem significados à existência por intermédio dos sentidos,

da percepção, da compreensão, dos saberes e das experiências. Como as visualidades,

teatralidades e musicalidades expressam a riqueza criadora dos sujeitos, possibilitam, em

decorrência, a percepção e identificação de semelhanças e diferenças, promovendo o respeito

e favorecendo a convivência com a diversidade.

Ao selecionar, escolher, reordenar, reeditar os signos, as visualidades, teatralidades e

musicalidades ajudam a (re)criar, (re)projetar e inovar a própria vida, desafiando a realidade,

mostrando como ela é e como poderia ser de um outro modo, a partir de uma maneira de

pensar e imaginar o mundo.

Hoje, o mundo vivencia o auge da era digital, e as linguagens se articulam produzindo

processos comunicativos que envolvem todos os sentidos. As capacidades de percepção,

A

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Ilustração 1 – cartaz relacionado com a campanha de proteção dos “pássaros Galvão”.

intuição, raciocínio, imaginação, articulação e sensibilidade são requeridas a todo o momento,

pois os estímulos visuais, sonoros, cênicos e corporais nunca foram tão utilizados como agora,

e de maneira entrelaçada. Como afirma Ohler (2000, p. 1): “Numa era em que os estudantes

criam páginas da Web como projetos de sala de aula, integram vídeos, gráficos e animações

dentro das suas apresentações, a arte começa a converter-se no novo alfabetismo do nosso

tempo”.

É evidente como as visualidades, teatralidades e musicalidades atingem a todos, em

todo o momento, em nosso cotidiano, por intermédio dos meios de comunicação. As

visualidades, teatralidades e musicalidades não se apresentam só como “obra de arte”, restrita

a espaços consagrados, como os museus, os teatros, as igrejas. As visualidades, teatralidades e

musicalidades apresentam-se na forma dos objetos, na arrumação das vitrines, na música dos

puxadores de rede, nas ladainhas entoadas por tapeceiras tradicionais, na dança de rua, nas

estátuas vivas, nos pregões de vendedores, nos jardins, na vestimenta, nas estampas de

camisetas, nos outdoors, no samba de roda, nas cirandas, nos folguedos, no carnaval, no

cinema, nos programas televisivos, nas cantigas de roda e de ninar, na nau catarineta, no

bumba-meu-boi, no xaxado, no coco de roda, nas quadrilhas juninas, nas exposições artísticas,

nos shows, no circo, no teatro realizado em diferentes espaços, dentre outras modalidades

comunicativas.

Como afirmamos anteriormente, a sociedade atual tem presenciado grandes mudanças.

Destacamos, especificamente, a maneira como as diversas formas de linguagem e

comunicação têm sido utilizadas, pois esta transformação ampliou o acesso à arte e sua

dimensão sobre as demais modalidades de visualidades,

teatralidades e musicalidades que circulam na sociedade.

A internet é um grande exemplo: espaço rico de

possibilidades interativas e de interlocução, no qual o

sujeito emite suas opiniões e as divulga mundialmente por

meio de blogs, twitters - rede social e servidor - que permite

aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de

outros contatos pela internet ou mesmo do celular, sites,

redes de relacionamento, comunidades, MSN, dentre

outros.

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Ilustração 2 – capa da “Revista Veja” discutindo o fenômeno mundial do “Cala boca Galvão

Seu potencial comunicativo pode ser atestado no

recente episódio ocorrido na Copa de 2010, quando

comentários e protestos em massa, no twitter, sob título “Cala

Boca, Galvão!!!” foram entendidos por usuários em outros

países como uma campanha de proteção de uma espécie de ave

em extinção no Brasil. Uma boa parte dos brasileiros acabou

brincando com esse equívoco dos estrangeiros. Quando os

internautas de outros países descobriram que não se tratava de

uma campanha ambiental, e sim de um repúdio a um locutor

esportivo no Brasil, a brincadeira/pegadinha já havia ganhado

dimensões mundiais.

Esse exemplo pode parecer banal, por se tratar de uma “simples” insatisfação com o

trabalho de um repórter esportivo, mas ilustra o potencial e as possibilidades que os sujeitos

podem ter para intervir na sociedade, sendo politicamente ativos, utilizando o domínio de suas

competências artísticas a fim de solucionarem seus problemas e atuarem na sociedade à qual

pertencem.

3.3 Das competências às capacidades das/nas visualidades, teatralidades e musicalidades

s competências englobam um “conjunto de capacidades, reunindo conhecimentos,

saberes, valores e atitudes” como afirma Silveira, no texto introdutório destes

Referenciais. O conjunto das visualidades, teatralidades e musicalidades exige a

aquisição de capacidades específicas de saber, fazer, ver e dizer.

As visualidades, teatralidades e musicalidades, para serem compreendidas, exigem que

sejam situadas no tempo, no espaço e na cultura. Os conhecimentos teóricos precisam ser

utilizados na vida cotidiana para solucionar os problemas que são individuais e coletivos. É

necessário compreender os acontecimentos associados com as visualidades, as teatralidades e

as musicalidades em seu contexto. Perceber, ainda, como interferem na construção de certos

padrões estéticos e também de comportamentos. E, por fim, é necessário saber usar as

visualidades, teatralidades e musicalidades como meio de repensar a própria vida, tanto no

A

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âmbito individual como coletivo. Implica, também, saber escolher padrões, utilizar cores,

imagens, sons, expressões corporais, dentre outros elementos, com fins diversos.

É importante que a Escola possibilite a cada sujeito a “posse” de seu espaço dentro da

sociedade, de maneira crítica e reflexiva. É preciso, ainda, que ela colabore para o usufruto

das possibilidades de interação e intervenção social, a partir da compreensão do mundo em

que vive esse sujeito, permitindo que este se manifeste na diversidade com base na ampliação

de sua competência estética, desenvolvendo suas capacidades para produzir trabalhos pessoais

e grupais, interpretando, interagindo, valorizando e julgando as visualidades, teatralidades e

musicalidades de distintos povos e culturas, produzidas ao longo da história e na

contemporaneidade.

Por meio das visualidades, musicalidades e teatralidades, os sujeitos podem

compreender, interpretar, produzir conhecimento e soluções para os problemas do mundo.

Então, para desenvolver tais competências, o ensino de Artes precisa proporcionar o

desenvolvimento de capacidades, entre as quais podem ser destacadas as seguintes:

• Desenvolver o potencial de problematização dos sujeitos, extraindo da vida

elementos que tragam significados e sentidos às aprendizagens na interação com as

visualidades, teatralidades e musicalidades;

• Reconhecer a importância das visualidades, teatralidades e musicalidades na

formação cultural e subjetiva dos sujeitos;

• Conhecer e respeitar as diferentes expressões, opiniões, atitudes e demais

possibilidades de produção de visualidades, teatralidades e musicalidades;

• Identificar e conhecer diferentes culturas através das visualidades, teatralidades e

musicalidades;

• Identificar a influência das visualidades, teatralidades e musicalidades, refletindo

sobre a construção da identidade cultural dos povos;

• Interpretar e questionar a si mesmo, aos outros e ao mundo em que vivemos, a

partir da interação com as visualidades, teatralidades e musicalidades;

• Construir sua identidade de modo a poder escolher com criticidade os conceitos,

procedimentos e atitudes que regem a sua conduta, mediante reflexão e prática nas

visualidades, teatralidades e musicalidades;

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RCEF 2010 /Artes

• Reconhecer as características fundamentais e os elementos de composição de

diferentes visualidades, teatralidades e musicalidades.

• Compreender as especificidades do modo de produzir, conceber e executar as

diferentes visualidades teatralidades e musicalidades;

• Apropriar-se de vocabulário específico das Artes Visuais, Teatro, Dança e Música,

dialogando com as diferentes visualidades, teatralidades e musicalidades, de modo

a promover o enriquecimento cultural;

• Comunicar e interagir através de visualidades, musicalidades e teatralidades;

• Posicionar-se frente às visualidades, teatralidades e musicalidades, com críticas

fundamentadas no conhecimento da sociedade e da arte.

4 SISTEMATIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE CONCEITOS E CONTE ÚDOS DE ARTES

Alguém já disse que a arte é uma resposta à vida. Ouso acrescentar dizendo que a arte também faz várias perguntas à vida. Além de fornecer respostas à vida de modo inusitado, ela ajuda a problematizar e questionar como estamos vendo, concebendo e agindo na vida.

Erinaldo Alves do Nascimento

istematizar e organizar os conceitos e conteúdos para o campo curricular de Artes, ou

para qualquer outro campo de conhecimento, é uma tarefa bastante complexa e de

decisão melindrosa. Isso ocorre porque todo currículo é marcado por escolhas

arbitrárias, justificadas em determinadas teorias, por decisões, por uma seleção feita a partir

de um universo abrangente de conhecimentos e saberes. Como enfatizou a Professora Luciana

Gruppelli Loponte, na palestra intitulada “Ensino de Arte: currículo, conhecimento, formação

docente e pesquisa”, proferida no “I Encontro Nacional de Ensino de Artes: circuito

Nordeste”, ocorrido entre 10 a 12 de novembro de 2010, na cidade de João Pessoa/PB: “o

currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos

e saberes. Seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo”.

S

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RCEF 2010 /Artes

Para amenizar o reducionismo das opções ou para fazer escolhas menos limitantes,

procurou-se entender como ocorre o processo de seleção e sistematização de conceitos e

conteúdos. Na aventura de tentar encontrar alternativas que possam vir a favorecer decisões

mais abertas e menos excludentes, após uma exaustiva pesquisa em textos de fundamentação,

encontrou-se a abordagem da “pedagogia do conceito”, defendida por Gilles Deleuze e Felix

Guattari (1997) - no livro O que é a filosofia?

A perspectiva apresentada por estes autores foi selecionada como referencial para

fundamentar as orientações, aqui propostas, porque está embasada em alguns princípios que

ajudam a compreender o complicado processo de tomada de decisões curriculares, além de

conferir uma maior abertura na sistematização dos conceitos e conteúdos.

4.1 Problemas provenientes da vida que geram encontros desencadeadores de saberes

A abertura e flexibilidade na organização e sistematização de conceitos e conteúdos

são facilmente dedutíveis porque se compreende que todo o conceito remete a um ou mais

problemas (DELEUZE, 1992). São problemas sem os quais a existência dos conceitos não

teria sentido. Os problemas só podem ser isolados ou compreendidos na medida de sua

solução. Em razão disso, não se cria conceitos, a não ser em razão dos problemas

considerados importantes para serem enfatizados e priorizados.

Consequentemente e concordando com esta linha de raciocínio, as orientações, aqui

propostas, defendem que o ensino de Artes precisa ter como base uma sistematização de

conceitos e conteúdos baseada na evidenciação e formulação de problemas. São problemas

que precisam ser associados às visualidades, às teatralidades e às musicalidades, focos de

estudo e de conhecimento reveladores da especificidade de atuação das Artes no currículo e

na educação.

Os problemas ajudam a dar consistência e relevância aos conceitos criados. Uma

variedade de desdobramentos conceituais e uma multiplicidade de possibilidades de situações

educacionais são colocadas em cena para tentar encontrar respostas aos problemas propostos.

A provocação é que as aulas de Artes coloquem os educandos em contato com problemas

e situações nas quais possam por em movimento seus pensamentos em relação às

visualidades, às teatralidades e às musicalidades.

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Prioriza-se, neste documento, os problemas ou questionamentos a serem pensados a

partir da vida, ou seja, a partir das experiências vividas ou que se deseja viver. São

experiências que afetam, em geral, o modo de ser e de viver de crianças e adolescentes, bem

como de adultos, para não esquecer o público atendido pelo projeto de Educação de Jovens e

Adultos (EJA), pelo ensino noturno e diurno.

Na palestra de abertura do encontro para elaboração desta proposta curricular,

ocorrida no dia 13 de setembro de 2010, a professora Rosa Godoy, coordenadora da Comissão

de Elaboração dos Referenciais Curriculares do Ensino Fundamental do Estado da Paraíba,

ressaltou que “a modernidade jogou fora a experiência dos sujeitos”. Os referenciais

curriculares, aqui propostos, para estar em consonância com a contemporaneidade, pretendem

ajudar a “recuperar ou tirar proveito das experiências vividas dos sujeitos”. Almejam, ainda,

provocar novos encontros educacionais de modo a propiciar outras vivências, sobretudo

aquelas que ampliem o olhar e a compreensão do público docente e discente.

Os problemas gerados a partir da vida são vistos, aqui, como possibilidades

para pensar e gerar oportunidades de encontros educacionais com as experiências

vividas ou a serem vivenciadas pelas crianças, pelos adolescentes e pelos adultos, com a

mediação ou orientação docente, a partir dos diálogos permeados pelas visualidades,

pelas teatralidades e pelas musicalidades.

Este referencial curricular assume a vida e a experiência dos sujeitos como mote

desencadeador dos projetos e propostas educacionais no campo das Artes. Ao fazer tal opção,

reforça-se o que foi dito também pela Profa. Luzia Lima de Morais, de Cajazeiras,

participante do Encontro para a Elaboração dos Referenciais Curriculares do Ensino

Fundamental do Estado da Paraíba, ocorrido entre 13 a 17 de setembro de 2010. Ao concordar

com o encaminhamento adotado por esta proposta, ela concluiu: “a grande escola do ser

humano é a vida”.

4.2 Problemas geradores de saberes a partir da convivência com as diferenças

Depreende-se, a partir do exposto, que é tarefa do professorado e do alunado

“aprender e conviver com e nas diferenças”, que tão bem caracterizam a existência humana e

a vida. O viver é marcado por encontros e vivências interculturais diversas. Esta aventura pela

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diversidade inclui, dentre outras possibilidades, a história e cultura dos africanos,

afrobrasileiros e indígenas, porque são referenciais culturais basilares para a formação do

povo brasileiro, como preconiza a Lei 10.639/2003 e a Lei 11.645/2008, as quais constam na

tabela com a legislação pertinente ao ensino das Artes, exposta em tópico anterior. Este

campo de conhecimento não pode deixar de promover encontros com as diversidades das

visualidades, das musicalidades e das teatralidades, incluindo as de matrizes africanas e

indígenas, pelas suas singularidades e por estarem respaldadas pela legislação mencionada.

Ao falar em diversidades, esta proposta também comunga com os ideais e princípios

da Educação Inclusiva. Em razão disso, considera que os problemas também precisam

dialogar e promover encontros com as diferentes dimensões da diversidade humana, social e

cultural. Estas diversidades contemplam as variáveis étnico-racial, religiosa, socioeconômica,

familiar, linguística, cultural, de gênero e sexualidades, geracional e a diversidade das pessoas

com deficiência, como explicita detalhadamente o documento que trata da diversidade

cultural, que compõe o conjunto dos referenciais curriculares para o Ensino Fundamental do

Estado da Paraíba, do qual esta proposta destinada à área de Artes faz parte.

Compreendem-se as diversidades socioculturais como as diversas formas de ser e de

se representar no mundo ou como a capacidade flexível e contextualizada de conviver com as

diferenças. É um conceito que também consta no documento sobre esta temática, que integra

os referenciais curriculares aqui propostos. Tem bastante coerência com o que está proposto

para o ensino de Artes, na perspectiva adotada aqui, porque admite que cada ser humano é

múltiplo na sua forma de ser e de atuar para compreender a si mesmo, aos outros e ao mundo

que o cerca. É possível afirmar que, mesmo sendo único e irrepetível, cada ser humano é

marcado pela diversidade em sua singularidade.

4.3 Problemas desencadeadores de encontros e experiências mobilizadoras do pensamento

Na perspectiva adotada aqui, cada conceito é singular, uma vez que é formado por

multiplicidades de componentes estruturados para resolver um ou mais problemas tidos como

cruciais. Por isso, é possível afirmar que o ato do pensamento cria conceitos para dar conta

dos acontecimentos que encontra a partir das situações vivenciadas em diferentes âmbitos e

dimensões da existência humana.

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Os problemas advindos da vida são situações nas quais colocamos a nós

mesmos, docentes e discentes, para vivenciar encontros e experiências, ou seja, situações

que dão o que pensar. Cada professor e a sua turma de estudantes precisam exercitar o poder

de decisão, ou seja, o poder de constituir os próprios problemas, que lhes parecem importantes

e prioritários. Destacar ou selecionar problemas não é simplesmente descobrir, mas também

ter a ousadia e a perspicácia de inventá-los a partir de uma sagaz observação do cotidiano e

das diversas possibilidades de explicá-lo.

4.4 O ensino de Artes como um dos meios para ajudar a solucionar problemas

Faz-se necessário lembrar que o conhecimento, inclusive o da área de Artes, precisa

estar a serviço dos sujeitos, de suas expectativas e necessidades, em suma, precisa estar a

serviço da vida. Nesta perspectiva, este documento não enxerga o ensino de Artes como um

fim, mas como um meio, melhor dizendo, como “um dos meios” capazes de colaborar na

solução de problemas provenientes da vida dos estudantes, ou seja, problemas que serão

apresentados pelo público participante do Ensino Fundamental.

Cada problema tem sempre as soluções merecidas em função da maneira pela qual é

proposto, das condições sob as quais é determinado e priorizado, dos meios e dos termos de

que se dispõe para evidenciá-lo. Nesse sentido, a história da Humanidade está respaldada na

constituição de problemas e nas diferentes tentativas de solucioná-lo. A própria história do

ensino de Artes, em diferentes momentos, sofreu mudanças a partir do momento que se

constatou problemas e se buscou solucioná-los, como se pode observar no item I - “Inserção

das Artes na Educação Básica: problemas, soluções e encontros do passado e do presente”.

Os problemas podem ser desencadeados a partir das expectativas ou necessidades

propostas pelo professorado e pelo alunado. O encaminhamento das soluções precisa

considerar constantemente a diversidade em suas diferentes modalidades e possibilidades. Ter

a ousadia de questionar o “pensamento único”, o “pensamento naturalizado” ou “pensamento

que não se questiona mais” é outra possibilidade a ser vivenciada e desafiada cotidianamente.

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4.5 Ensino de Artes e suas especificidades: problemas em interação com as visualidades, as teatralidades e as musicalidades

Os problemas advindos da vida devem ser relacionados com o ensino de Artes

mediante o diálogo com as visualidades, as teatralidades e as musicalidades, as quais

constituem a especificidade do trabalho docente neste campo de conhecimento. A atitude e a

ação de explorar as visualidades, as teatralidades e as musicalidades é o que diferencia o

ensino das Artes das demais “matérias” que compõem o currículo escolar. É evidente que a

exploração das visualidades, das teatralidades e das musicalidades precisa respeitar a

formação docente, no âmbito das Licenciaturas, para que a qualidade do trabalho

educacional seja mantida ou alcançada.

Neste aspecto, quem é formado na Licenciatura em Artes Visuais ou Licenciatura em

Educação Artística – Habilitação em Artes Plásticas - terá maior afinidade e preparo para

trabalhar com as visualidades, enquanto quem é formado na Licenciatura em Teatro ou

Licenciatura em Educação Artística – Habilitação em Artes Cênicas – tem maior preparação

para trabalhar com as teatralidades. Quem é formado na Licenciatura em Educação Musical

ou na Licenciatura em Educação Artística – Habilitação em Música – por conseguinte, está

mais apto a trabalhar com as musicalidades. Faz-se necessário que as escolas respeitem a

formação inicial e ofereçam condições para uma atuação interdisciplinar e transdisciplinar

envolvendo o campo do Ensino das Artes.

Reconhecer a formação inicial do professorado, no âmbito da Licenciatura, é um

direito do profissional, respaldado pela LDB (artigos 63 a 67), e um princípio para a

construção de uma escola pública de qualidade. Estes referenciais não pode ser vivenciados

sem se respeitar este princípio e a legislação pertinente ao tema.

4.6 O Ensino de Artes e os desafios das experiências interdisciplinares e transdisciplinares

Por respeitar a formação docente, no âmbito das Licenciaturas, esta proposta

endossa, provoca e conclama que sejam experimentadas propostas interdisciplinares e

transdisciplinares, envolvendo, neste caso, o ensino de Artes. Apoiado em Oliveira e Nunes

(2009), é possível afirmar que a interdisciplinaridade diz respeito aos processos nos quais

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vários professores planejam e executam a correlação de conteúdos e práticas, mantendo-se no

âmbito do seu campo de formação profissional. Interdisciplinaridade ocorre quando várias

disciplinas e seus respectivos profissionais mantêm relações e correlações em torno de um

objetivo comum.

A transdisciplinaridade diz respeito aos conteúdos e práticas de um campo de

conhecimento que pode atravessar os demais e vice-versa, estabelecendo um trânsito que

possibilite perceber analogias e destacar distinções, de modo complementar. Para

exemplificar, pode-se dizer que uma experiência relacionada a uma imagem visual pode

ampliar a relação com a linguagem sonora e desta com uma linguagem cênica e assim

sucessivamente. Uma marca importante da transdisciplinaridade é o estabelecimento de

relações entre disciplinas diferentes que pode ser realizada por um só professor. A

transdisciplinaridade busca a unidade dos saberes dos diversos campos de conhecimento para

responder aos problemas propostos.

É notório que o contexto escolar privilegia a polivalência, ou seja, um único

professor ensinando todas as linguagens artísticas (Artes Visuais, Dança, Teatro e Música),

sem estabelecer vínculos entre elas, ou a monodisciplinaridade, que pode ser entendida como

as aulas de Artes ministradas por um único professor, cujos conteúdos e práticas relacionam-

se com o seu campo específico de atuação.

A polivalência – entendida como a abordagem de conteúdos e procedimentos sem

estabelecer relações entre si - é bastante criticada pela sua superficialidade e a

monodisciplinaridade, por não atender às necessidades e ao direito dos estudantes de

conviverem com um referencial mínimo de conhecimento das “linguagens artísticas” (Artes

Visuais, Dança, Teatro e Música) reconhecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais

como integrantes do campo disciplinar das Artes.

Em relação ao trabalho docente envolvendo a interdisciplinaridade e a

transdisciplinaridade, compreende-se que...

Se um trabalho interdisciplinar exige trocas; uma proposta transdisciplinar exige ainda mais integração entre currículos e planejamento, ou seja, entre objetivos, conteúdos, atividades, métodos e avaliação. Isto implica mais relações entre os professores, o que pode ser traduzido por mais tempo para preparação e avaliação das aulas. Mais estudos, leituras, reflexões e discussões. Da dificuldade para encontros freqüentes dos professores, o que

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determina ausência do estabelecimento de correlações, surge a impossibilidade de se trabalhar dentro de uma delimitação de campo maior, para a formação da criança ou do adolescente, que seria denominada transdisciplinaridade. Isto quer dizer que a transdisciplinaridade poderia surgir de um trabalho integrado dentro de escolas que possuem professores habilitados nas três principais linguagens ou ainda em sistemas de ensino nos quais os professores possam trabalhar de modo integrado. Transdisciplinaridade é então considerada como um modo de atuação, neste caso, nas aulas de Arte, na qual vários professores trabalham seus conteúdos específicos devidamente correlacionados. Insistimos: não se trata de polivalência. Cada professor aborda os conteúdos da sua área de habilitação; porém, cada um deles estará preparado para estabelecer analogias e mostrar diferenças em relação às demais linguagens, graças a sistemas de planejamento e avaliação conjuntos (OLIVEIRA E NUNES, 2009, p. 3834 e 3835).

4.7 Os problemas, os conceitos, as variabilidades e velocidades múltiplas

Voltando aos princípios que ajudam a selecionar conceitos e conteúdos, é importante

entender que pensar é uma atividade inerente ao ser humano. A pretensão dos referenciais

propostos para a área de Artes é incentivar a provocação do pensamento em diálogo com as

visualidades, as teatralidades e as musicalidades. Para Deleuze (1992), o significado da tarefa

de “criar conceitos” é a inventividade colocada em movimento a partir de um “encontro” com

aquilo que “dá o que pensar”.

Uma das finalidades das aulas de Artes, tal como está concebida neste referencial, é

estimular, preparar e oferecer condições para que o alunado possa pensar a partir do diálogo

capaz de gerar problematizações em interação com as visualidades, as teatralidades e as

musicalidades. Mediante a formulação de problemas, relacionados com as visualidades, as

teatralidades e as musicalidades, espera-se que as aulas de Artes ajudem o educando a se

encontrar com situações e delas tenha uma experiência capaz de acionar e mover o

pensamento, ampliando o repertório de significados existentes.

Para Deleuze e Guatarri (1997), o conceito é um sistema heterogêneo de elementos

em relação. Os autores descrevem as “variabilidades infinitas” em “velocidades infinitas”. Em

razão disso, os conceitos expostos aqui são alguns exemplos diante de variabilidades inúmeras

e de velocidades diversas que podem surgir da formulação de problemas desencadeados pelo

professorado de Artes em cada escola da Rede Estadual de Educação na Paraíba.

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Fica evidenciado que este referencial não dá conta de todas as variabilidades e

velocidades possíveis de possibilidades de formulação de problemas e de formulação ou

invenção de conceitos. Estas diretrizes, ao adotar a vida como ponto de partida para os

projetos educacionais, abre-se para surpresas e para “aventuras pedagógicas” carregadas de

sentido e de desejo de ensinar e aprender. Consideram-se as diversidades dos sujeitos que

integram o sistema escolar e, a um só tempo, as diversidades de possibilidades como uma

característica de uma proposta que assume os problemas provenientes da vida dos sujeitos

como mote para desencadear os conceitos.

Vejamos, adiante, alguns conceitos necessários ao ensino de Artes associados com

cada dimensão dos problemas expostos aqui.

4.8 Conceitos necessários ao ensino de Artes

Os problemas e desânimos enfrentados pelo alunado constituem uma das relevantes soluções para conceber e implementar os projetos educacionais, bem como para re-inventar a escola. Nos problemas há soluções.

Erinaldo Alves do Nascimento

A respeito das possibilidades conceituais e dimensões para a constituição dos

problemas, Deleuze (1992) enfatiza: “os novos conceitos devem estar em relação com

problemas que são os nossos, com nossa história e, sobretudo, com nossos devires.” São

problemas que envolvem o presente, o passado e a possibilidade de um futuro imediato, um

futuro diferente do presente que está sendo vivenciado até o momento.

As dimensões apontadas por Deleuze tornam possível pensar em três eixos

fundamentais para articular este referencial curricular, quer seja mediante a elaboração de

trabalhos por projetos ou nos planos de cursos, nas diferentes séries e com os diferentes

públicos atendidos pela Escola. Os conceitos fundamentais específicos das Artes

(visualidades, teatralidades e musicalidades) permeiam os três eixos porque constituem

a especificidade do trabalho docente neste campo de conhecimento.

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As questões centrais que estes três eixos pretendem responder e evidenciar são as

seguintes:

• Como educar para as Artes a partir de problemas desencadeados na interação com

as visualidades, as teatralidades e as musicalidades?

• Como educar a partir da formulação de problemas relacionados com as

visualidades, as teatralidades e as musicalidades?

• Como educar “nas” e “para” as visualidades, as teatralidades e as musicalidades

sem desconsiderar a experiência vivida de docentes e discentes?

Estas questões centrais apontam para os seguintes conceitos, explicitados

anteriormente: problemas, visualidades, teatralidades, musicalidades e experiência

vivida.

São eixos que trazem alguns conceitos fundamentais, relacionados aos problemas

propostos para o trabalho do professorado com Artes. Tais conceitos poderiam ser outros se

os problemas tivessem sido diferentes. Mas, assim sendo, estão esmiuçados a seguir:

Eixo 1 - Os problemas que “são os nossos” relacionados com as teatralidades, as

musicalidades e as visualidades

Os problemas relacionados com o “Eixo 1” podem ser compreendidos como os

questionamentos enfrentados na contemporaneidade e relacionados com o que somos e o que

vivemos, nos dias atuais, desencadeados pelas visualidades, teatralidades e musicalidades.

Respondem aos seguintes questionamentos:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam, de um

determinado modo e não de outro, o que somos e como vivemos nos dias atuais?

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades nos fazem ver como

vemos, agir como agimos, dizer como dizemos e pensar como pensamos nos dias

atuais?

Este eixo envolve alguns conceitos fundamentais gerais, como o de identidade,

alteridade, subjetividade e demais conceitos associados com os temas transversais e que se

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relacionam com o modo como vivemos hoje (ética, saúde, orientação sexual, meio

ambiente, pluralidade cultural , trabalho e consumo).

EIXO 2 - Os problemas com “a nossa história ou com o nosso passado” relacionados com as visualidades, as teatralidades e as musicalidades

Este eixo refere-se aos problemas que podem surgir dos questionamentos enfrentados

ou vivenciados pelo professorado e pelo alunado no presente, decorrentes de visões e atitudes

herdadas do passado, transmitidas pelas visualidades, teatralidades e musicalidades. Diz

respeito aos problemas vindos do passado, que ainda afetam o presente, e que as visualidades,

as teatralidades e as musicalidades ainda disseminam. Relacionam-se com o que somos e o

Recorrendo ao estudo de Hernández (2007, p. 72), é possível afirmar que a noção

de identidade, condizente com a perspectiva apresentada neste documento, é

aquela que tem a ver com a caracterização dos sujeitos mediada pela linguagem e

determinada pelas práticas sociais. É uma noção construída culturalmente,

oferecendo elementos de discriminação em relação a grupos com afinidades de

gênero, etnia, religião ou pátria. Tende a ser estável, rígida e unívoca.

O termo alteridade possui o prefixo alter do latim e significa colocar-se no lugar

do outro, dialogar com o outro. Com o passar do tempo, assumiu diversos sentidos,

como ser do outro, ser outro, atitude para com o outro, existência do próximo,

realidade do outro e reconhecimento do outro. É quando o indivíduo é capaz de se

perceber que todos somos singulares, entendimento que só ocorre na relação com o

outro.

A noção de subjetividade, em contrapartida, tem a ver com ações reflexivas dos

sujeitos para se perceberem como “assujeitados”, ou seja, relaciona-se com a

capacidade de ação dos indivíduos para adotar um sentido de ser, em diálogo com

os discursos que vêm “de fora”. É uma maneira de constituir-se a partir da reflexão

sobre si e na interação com os outros. Deste ponto de vista, a subjetividade é

instável, mutável, flexível e múltipla.

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que vivemos no presente, porque o passado contribuiu para que fosse assim, desencadeados a

partir de uma interação com as visualidades, as teatralidades e as musicalidades.

O “Eixo 2” pretende ajudar a responder aos seguintes questionamentos:

• Desde quando o passado vem demarcando como somos no presente, cujo processo

pode ser visível nas visualidades, nas musicalidades e nas teatralidades?

• Desde quando o passado vem nos fazendo viver a vida como vivemos, processo

também projetado nas visualidades, nas musicalidades e nas teatralidades?

• Desde quando nos fizeram ver como vemos, agir como agimos, falar como falamos

e pensar como pensamos, cuja persistência pode ser detectável nas visualidades,

nas musicalidades e nas teatralidades também produzidas no passado?

No Eixo 2, é possível associar alguns conceitos gerais como: temporalidades,

história, memória, construções sociais, permanências ou continuidades, mudança,

descontinuidade, ruptura e patrimônio cultural .

O termo alteridade possui o prefixo alter do latim e significa colocar-se no lugar

do outro, dialogar com o outro. Com o passar do tempo, assumiu diversos

sentidos, como ser do outro, ser outro, atitude para com o outro, existência do

próximo, realidade do outro e reconhecimento do outro. É quando o indivíduo é

capaz de se perceber que todos somos singulares, entendimento que só ocorre na

relação com o outro.

A noção de temporalidades, adotada aqui, é a mesma concebida pelos

referenciais curriculares de História, que integra o conjunto dos referenciais

curriculares para o Estado da Paraíba. Entende-se que não há como compreender

“os problemas com a nossa história” sem recorrer, contextualmente, à noção de

tempo. Entende-se que cada temporalidade é fruto de construções sociais. O

presente, o tempo atual, é profundamente atravessado pelo passado ou pelos

tempos anteriores vivenciados por cada sujeito e pela coletividade.

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A noção de memória pode ser compreendida como interpretações de

acontecimentos vivienciados ou conhecidos pelos indivíduos, imbricados e

enraizados por relações e construções sociais assoiadas com diferentes

temporalidades.

A noção de patrimônio cultural hoje está ampliada. Conforme as palavras do ex-

Ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmação que é possível de ser encontrada em

vários sites da internet sobre a temática, pensar em patrimônio cultural, neste

momento,“...é pensar com transcendência, além das paredes, além dos quintais,

além das fronteiras. É incluir os agentes, os costumes, os sabores e os saberes. Não

mais somente as edificações históricas, os sítios de pedra e cal. Patrimônio

também é o suor, o sonho, o som, a dança, o jeito, a ginga, a energia vital , e todas

as formas de espiritualidade da nossa gente. O inatingível, o imaterial.”

Mudança diz respeito às alterações ocorridas no sistema social e cultural.

Mudanças são lentas e conjunturais. Ocorrem porque “uma cultura deixa de pensar

como fizera até então e se põe a pensar outra coisa e de outro modo”

(FOUCAULT, 1992, p. 65).

Permanências ou continuidades dizem respeito ao tempo de disseminação,

dispersão, materialização e consolidação de uma determinada prática discursiva.

Refere-se a um longo tempo de permanência ou de continuidade, sendo capaz de

influir marcadamente na maneira de pensar, ver, dizer e agir dos sujeitos e da

coletividade, caracterizando-se como o “verdadeiro” de uma época.

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Eixo 3 Problemas com os nossos devires, ou seja, problemas com o que poderemos ser ou viver relacionados com as teatralidades, as musicalidades e as visualidades

São problemas que podem surgir da capacidade de questionar a situação vigente ou a

herdada do passado para pensar como poderemos ser um pouco diferente do que somos e de

como vivemos. Dizem respeito, ainda, à nossa capacidade de prever ou planejar como as

visualidades, as teatralidades e as musicalidades podem ser associadas aos novos modos de

ser e de viver. É o momento de efetivar o que foi dito por Cervantes, frase registrada em um

de seus textos, citada de memória: “deixar o passado no passado e tomar outras veredas no

presente”. É quando demonstramos que o presente é uma condição de possibilidade e que

pode vir a ser diferente de como é.

O Eixo 3 pretende responder aos seguintes questionamentos:

• como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades nos provocam para sermos e

vivermos um pouco diferente de como somos e vivemos no presente?

• como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades podem nos ajudar a nos

vermos diferentes de como nos vemos e de como outros nos veem, a agir diferente de

como agimos, a dizer diferente de como dizemos e a pensar diferente de como

pensamos?

O termo construção social pode ser entendido como uma representação coletiva

configurada a partir de lutas, de relações de forças, de mudanças no equilíbrio nas

relações de poder, nas estratégias de dominação destinadas a fazer triunfar formas

de classificação dos grupos sociais que aspiram a hegemonia social e política.

Falar em construção social significa reconhecer, como assevera Popkewitz (1994,

p. 175), que, embora ocorram “coisas” no mundo, “as práticas linguísticas dos

campos disciplinares envolvem certas regras de expressão e censura do significado

que atuam por intermédio de signos e de sistemas de significação”. Nessa relação,

as “coisas” do mundo são re-feitas como dados que são interpretados e explicados.

Não se trata, nunca, de um raciocínio “puro” sobre o mundo, mas de interpretação

reguladas por relações sociais e de poder.

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Estes questionamentos também podem ser elaborados da seguinte maneira:

• como é possível ser e viver diferente de como somos e vivemos no presente a partir da

problematização com as visualidades, as musicalidades e as teatralidades?

• como é possível vermos diferentes de como nos vemos e de como outros nos veem, a

agir diferente de como agimos, a dizer diferente de como dizemos e a pensar diferente

de como pensamos a partir da problematização com as visualidades, com as

musicalidades e com as teatralidades?

Este eixo diz respeito às mudanças que podem ser feitas num futuro imediato, bem

próximo. Em suma, como é possível passar a fazer, agir, pensar, dizer e fazer, hoje, para que,

a curtíssimo prazo, possamos ser um pouco diferentes, a partir do diálogo com as

visualidades, as musicalidades e as teatralidades.

Alguns conceitos podem ser explorados neste eixo, tais como: mudança,

possibilidade e devir.

É possível condensar o que este referencial defende para sistematizar conceitos e

conteúdos no seguinte diagrama:

Possibilidade e devir dizem respeito ao reconhecimento de que o presente tem potencial

para operar mudanças, podendo gerar descontinuidades e rupturas. No presente, existem

forças, vetores e diferenciação de potencial para fazer “hoje” ser o que não é e para fazer

hoje ser diferente do que é.

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Fica evidente, então, que as crianças, os adolescentes e os adultos são os propositores

de problemas advindos de uma interação problematizadora com as visualidades, as

teatralidades e as musicalidades. Tais questionamentos aludem aos problemas que são nossos,

com a nossa história e com o vir a ser, os quais podem ser sintetizados nas seguintes

perguntas: Como somos e como vivemos? Como o passado interfere no presente? Como o

presente pode ser diferente?

Adiante, algumas sugestões de problemas desencadeadores de propostas e

projetos para o Ensino Fundamental no campo das Artes.

� Problemas relacionados ao ser criança

Problema principal:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam o ser criança

de um determinado modo e não de outro?

Problemas geradores para o Fundamental – Segmento I (1º ao 5º ano)

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Alguns problemas complementares:

Seguem, adiante, algumas possibilidades de trabalhos por projetos ou de propostas

para elaboração de planos de curso, sem descartar outras ideias que a dinâmica dos problemas

advindos das experiências vividas pelos estudantes podem desencadear, sobretudo quando se

pensa nos estudantes do 1º ao 5º ano. Para os anos iniciais, um problema, associado com o

primeiro eixo, pode ser o seguinte:

• Como as narrativas veiculadas pelas narrativas visuais, escritas e teatralizadas

relacionadas com os contos infantis projetam o ser criança de um determinado

modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• as letras e palavras numa perspectiva estética e artística, atentando para os modos

de produção e recepção da identidade infantil. Exemplo: diferentes grafias dos

nomes dos personagens, diferentes grafias dos títulos das histórias. Em

decorrência, as crianças podem explorar diferentes grafias dos seus próprios

nomes, entre outras propostas;

• as ilustrações dos contos infantis, para questionar como as crianças são vistas,

atentando para o modo de produção e de recepção de tais representações ilustradas.

Atentar para as características básicas de como as crianças são mostradas,

questionando-as a partir da diversidade das crianças que se encontram na sala de

aula. Por exemplo: atentar para a persistência das características das personagens

associadas com a pele branca, cabelos lisos e loiros, magreza, pele sem manchas,

com atitudes de obediência e de ingenuidade. Aproveitar a oportunidade para

comparar as características com as das próprias crianças presentes nas salas de

aula, usando um espelho ou fotografias. Comparar ainda com as crianças de outros

contos infantis provenientes de diferentes contextos culturais, como os indígenas,

africanos, chineses, japoneses, indianos, entre outros. Pode-se, entre outras

possibilidades, elaborar uma colagem associando as imagens das crianças dos

contos infantis com as fotos das próprias crianças e de outros contextos;

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• as musicalidades e as teatralidades elaboradas a partir dos contos infantis,

atentando para o modo como apresentam a infância. Podem ser empregadas as

cantigas de ninar; as cantigas de roda, de videogame, dos desenhos animados, das

músicas que as crianças curtem, entre outras;

• as diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e

dança), executadas no contexto paraibano, em outros lugares do nosso país e de

outras partes do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades,

atentando para o modo como tratam os contos infantis e as infâncias.

Neste exemplo, os principais conceitos e conteúdos explorados podem ser os

seguintes: contos infantis, ilustração, grafias, nomes, infância, visualidades, teatralidades

e musicalidades.

As análises, reflexões e sugestões pedagógicas a partir dos contos infantis podem

também ser extrapoladas para as demais mídias. Nesse caso, o problema poderia ser expresso

na seguinte pergunta:

• Como as narrativas veiculadas pelas visualidades, musicalidades e teatralidades

nas diversas mídias projetam o ser criança de um determinado modo e não de

outro?

Para responder a esta pergunta, várias possibilidades de encontros, transformados em

projeto ou planos de cursos, com várias aulas, podem ser desencadeados, abordando as

seguintes possibilidades, dentre outras que podem ser acrescentadas:

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades destinadas ao público infantil, entre as quais

às veiculadas nos desenhos, filmes e programas;

• diversas musicalidades destinadas ao público infantil;

• vários brinquedos e brincadeiras, inclusive as propiciadas pelos jogos eletrônicos;

• inúmeros desenhos animados;

• muitos filmes de animação;

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• várias séries e programas de TV;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e

dança), executadas no contexto paraibano, em outros lugares do nosso país e de

outras partes do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades.

Os encontros e experiências sugeridas precisam, nesse caso, atentar para o modo de

produção e de recepção, especialmente para como mostram a infância. Cada questionamento

esboçado pode ser um desdobramento de um mesmo projeto ou de um único plano de curso,

ou pode ser um projeto ou um plano de curso novo. Cada projeto ou plano de curso pode gerar

outras propostas, pois o processo é dinâmico, vivo e instigante, especialmente porque

pretende e precisa partir da vida.

� Problemas relacionados ao viver a infância

Outra dimensão dos “problemas que são nossos” envolve a maneira como as crianças

são levadas a “viver a infância”. Nesse caso, o problema pode ser expresso na seguinte

pergunta:

Problema principal:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam o viver a

infância de um determinado modo e não de outro?

Alguns problemas complementares:

Como um desdobramento do problema principal, dentre outros possíveis,

relacionados com o viver a infância, pode-se ter outro questionamento complementar, o qual

pode ser expresso da seguinte maneira:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades incentivam o consumo

na infância?

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Para responder a esta pergunta, várias possibilidades de encontros, transformados em

projeto ou planos de cursos, com várias aulas, podem ser desencadeados. Seguem algumas

possibilidades:

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• as diversas modalidades de teatralidades infantis, incluindo às veiculadas nos

desenhos, filmes e programas;

• as diversas musicalidades destinadas ao público infantil;

• vários brinquedos e brincadeiras, inclusive as propiciadas pelos jogos eletrônico;

• diversos desenhos animados;

• inúmeros filmes de animação;

• variadas séries e programas de TV;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e

dança), executadas no contexto paraibano e em outros lugares do nosso país e de

outras partes do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades;

• outros modos de visualidades, teatralidades e musicalidades.

Nestes encontros e experiências, precisa-se atentar para o modo de produção e de

recepção, especialmente para como incentivam o consumo na infância. Para continuar

exemplificando algumas perguntas e outras possibilidades de respostas, recorremos a um

projeto de estágio supervisionado, o qual está detalhado a seguir:

Exemplo de uma experiência educacional explorando as visualidades: a possibilidade de problematizar o consumo de “lanches” nas aulas de Artes Visuais.

É possível exemplificar uma possibilidade de formular problemas, a partir da

perspicácia de inventá-los ao pensar como as crianças são induzidas a viverem e consumirem,

em interação com as visualidades, teatralidades e musicalidades. Recorre-se, neste caso, a um

exemplo proposto como um projeto de trabalho, desenvolvido em 2006, como estágio

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supervisionado, por um grupo de estudantes3 da “disciplina” Prática de Ensino das Artes

Plásticas, cursada na Licenciatura em Educação Artística, da Universidade Federal da Paraíba

(UFPB), sob a orientação do Prof. Dr. Erinaldo Alves do Nascimento.

O estágio mencionado precisava ser desenvolvido, aproximadamente, com uma carga

horária total de 20h. Esta experiência, realizada entre 10 de maio a 20 de junho de 2006, no

horário das aulas de Artes, com duas horas/aula, foi divulgada recentemente em outro texto

(NASCIMENTO, 2009).

Como foi dito anteriormente, é sempre importante reiterar que destacar uma

experiência escolar e torná-la pública preocupa porque decorre de um momento e processo

singular, em condições específicas. Cada projeto exige a análise de uma série de variáveis,

sendo difícil sua reprodução do mesmo modo e nas mesmas circunstâncias. Aplicar projeto

similar é possível e até interessante, desde que se leve em consideração as condições

existentes no momento de sua concepção e execução. É complicado também traduzir em

palavras as situações vivenciadas. Nem sempre é possível transpor para o texto escrito o que

foi vivenciado na dinâmica dos acontecimentos.

Ao longo do processo, o projeto recebeu a seguinte denominação: “as imagens que

fazem o meu lanche”. Apesar de ser focado nas visualidades, é plenamente possível prever ou

relacioná-lo com as teatralidades e musicalidades, experimentando uma relação

transdiciplinar, desde que se mantenha a coerência e o foco.

O projeto surgiu, em síntese, do reconhecimento do seguinte problema vivenciado na

escola4: as crianças formam um público vulnerável aos apelos publicitários, sobretudo os

relacionados com a alimentação. Não partiu de um desejo ou sugestão do alunado, mas de

uma constatação e inquietação da equipe docente a partir de um problema detectado,

envolvendo as escolhas feitas pelos estudantes para se alimentarem. Foi um problema

proposto a partir da constatação de uma situação existente envolvendo o gosto alimentar dos

estudantes e que pode, a médio e longo prazo, trazer danos à saúde. Trata-se de um problema

ou situação que os estudantes não percebiam. A equipe docente só a detectou à medida que se

3 Os estudantes e estagiários, co-autores e executores da proposta, cuja maioria, hoje, atua como professores, sendo que dois deles já atuavam na profissão, foram os seguintes: Emanuel Guedes Soares da Costa, Ivonice Fontes de Abreu, Severino Carneiro Pinto, Suely de Morais e Willtamira Ferreira da Paixão. 4 Escola Municipal de Ensino Fundamental Virginius da Gama e Melo, localizada no Bairro de Mangabeira I, na cidade de João Pessoa. Englobou os estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental I.

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interessou por elaborar uma proposta que partisse de algum problema associado com as

experiências de vida dos estudantes. É possível afirmar que foi “inventado” a partir da

perspicácia de tentar conhecer, com um pouco mais de profundidade, as peculiaridades e as

singularidades dos modos de vida do público estudantil atendido pela escola mencionada.

A proposta surgiu após muita conversa e apresentação de possibilidades de temáticas

relacionadas com a vida das crianças, desencadeadas a partir das provocações da Educação da

Cultura Visual, também analisada neste documento e apontada como uma possibilidade de

realização metodológica do trabalho docente. Pode ser vista como mais uma maneira para

desenvolver as atividades, dentre outras possibilidades de realização no campo do ensino das

Artes.

A decisão sobre o problema a ser enfrentado firmou-se quando se descobriu que a

Coordenação Geral da Política de Alimentação e Nutrição – do Ministério da Saúde –

divulgou uma análise das publicidades veiculadas nas três principais emissoras de televisão

brasileiras, que abrangiam, em 2001, 90% da audiência. O estudo mostrou que 44% das

publicidades de alimentos voltadas ao público infantil eram de alimentos ricos em açúcar e

gordura. Apesar de as publicidades destinadas ao público infantil, sobretudo as veiculadas

pela TV, nos programas idealizados para este público, serem constantes, especialmente a

partir da década de 1980, pouca atenção era dada ao problema nas escolas de João Pessoa. A

escola mencionada, por exemplo, nunca tinha tratado do assunto com os estudantes.

• Como as imagens interferem no meu lanche? Como eu quero o meu lanche?

Na execução do projeto, o diálogo foi desencadeado, desde a primeira aula, com uma

breve reflexão sobre a proliferação de imagens e suas influências na construção de valores e

gostos. Para exemplificar o que estava sendo dito, na primeira aula, questionou-se como cada

estudante assimilou os conceitos de “bom” e “importante” em relação à moda. Entre as

respostas, constam:

• Eu uso esse tênis porque está na moda e porque passa na televisão – disse um

menino.

• A gente veste a camisa do Brasil porque é um ano de copa do mundo - interpelou

outro menino.

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Na sequência, os estudantes foram provocados a responder às seguintes perguntas:

• Como as imagens interferem no meu lanche?

• Como quero o meu lanche?

As respostas às perguntas foram instigadas a partir de um desafio:

• Se você fosse o diretor da escola, como seria a merenda?

Iniciou-se uma discussão na sala. Uma grande parte do alunado respondeu de

imediato:

• “Eu queria refrigerante com bolacha recheada” ou “Um salgado (coxinha) com

coca-cola”.

Outros responderam: “Hambúrguer e pizza”.

Depois, os estudantes foram divididos em cinco grupos, cada um representando um

dia da semana de funcionamento da escola. Foram entregues fichas para que formulassem o

“cardápio ideal” para cada dia.

Os lanches, veiculados pela publicidade, preponderaram no cardápio. Por exemplo,

para a 5ª feira, propuseram: “um hambúrguer do McDonald's e um copo de Coca-Cola”. Os

alunos, depois, arquivaram os seus cardápios nos “portfólios” ou “porta-fólios”, procedimento

avaliativo adotado para análise e registro do processo de aprendizagem, cuja discussão

ocorrerá no tópico “Possibilidades da Avaliação em Artes”.

• Como fazem querermos um lanche?

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No projeto em destaque, a constatação das estratégias de subjetivação adotadas pela

publicidade de alimentos, direcionada ao público infantil no presente, foi analisada a partir

das seguintes provocações:

• Como fazem para querermos determinados lanches e não outros?

• Como a publicidade nos faz querer determinados lanches?

Um comercial televisivo de um produto alimentício foi exibido para ser analisado

pelos estudantes. Após a exibição da publicidade, questionou-se sobre os significados

transmitidos:

• Quem come o produto fica forte e ágil, como um super-herói - disse um aluno,

sintetizando os comentários dos demais, após participar dos comentários sobre a

visualidade, musicalidade e teatralidade associadas ao produto.

Outros comentaram como as cores eram atraentes, o som vibrante e como a ação dos

personagens era dinâmica. Destacaram, ainda, que o produto oferece um brinde para

colecionar. No produto apresentado, o brinquedo era associado ao filme “Carros”, da Disney.

Ressaltaram como os brindes oferecidos nos produtos atraem a atenção para o consumo de

Ilustração 4 – Cardápio desenhado por uma aluna, tentando responder à proposta de

elaboração de um cardápio “ideal” para a escola.

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crianças. Outras publicidades, que incentivam o consumo mediante a oferta de brindes, foram

apresentadas para confirmar o apelo ao consumo.

O uso de brindes, com personagens licenciados, nos produtos alimentícios destinados

ao público infantil, é uma estratégia bastante disseminada por algumas empresas. Tal

procedimento vem sendo bastante combatido pelos órgãos de defesa do consumidor. O

Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC – por exemplo, combate o uso de tal estratégia

mercadológica e defende uma regulamentação para esse tipo de marketing. Reforçando o que

foi constatado pelos estudantes, o IDEC entende que o consumidor compra pela sedução dos

personagens, convertidos em brinquedos, e não pela qualidade alimentícia dos produtos.

• Qual lanche minha família consumiu ou desejou consumir durante a infância e a

adolescência?

No projeto em destaque, recorreu-se ao passado para compreender as mudanças que

ocorreram nos lanches dos familiares. A pergunta motivadora foi:

• Qual lanche minha família consumiu ou desejou consumir durante a infância e a

adolescência?

As respostas foram colhidas mediante uma pesquisa com os familiares, encaminhada

na aula anterior. Com a pesquisa realizada, os estudantes puderam constatar que:

• antes não havia os mesmos lanches que hoje;

• Meus pais comiam mais rapaduras e frutas.

A última dedução foi possível porque conheceram que alguns familiares foram

agricultores. Ao serem questionados sobre alguns motivos que proporcionaram tais opções,

com base nas aulas anteriores, responderam:

• Naquele tempo, não existia tanta televisão.

• Desde quando as publicidades nos incentivaram a consumir determinados lanches?

Para a aula seguinte, a equipe de estagiários montou uma espécie de “Museu da

Publicidade Infantil” na sala de vídeo da escola. O objetivo era promover um contato com

várias imagens publicitárias do passado e do presente, explorando experiências

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multissensoriais. Penduraram várias imagens de publicidade de produtos alimentícios, do

passado e do presente, em varais, junto com jingles, anúncios televisivos, instalações,

associados com o “cheiro” de pipoca e hambúrguer no ambiente da exposição. Tais imagens

publicitárias são facilmente encontradas na internet. Ao se aproximar do término da visita, os

estudantes receberam pipocas e assistiram algumas publicidades alimentícias, divulgadas a

partir de 1980, em vídeo. Numa avaliação posterior, percebeu-se que algumas imagens

expostas ficaram mais altas que o nível do olhar das crianças, aspecto para o qual é necessário

atentar no momento de realizar exposições nas escolas. A experiência foi muito significativa,

pois os alunos deduziram ao final da visita:

• a mídia faz de tudo para vender, só não expõe o que é ruim do produto.

• Como é o lanche em outras partes do mundo?

A questão que motivou a incursão por outros contextos culturais, no projeto

mencionado, foi:

• Como é o “lanche” em outras partes do mundo?

De início, os estudantes identificaram o hambúrguer e a coca-cola como produtos

amplamente consumidos nos Estados Unidos. A equipe docente expôs vários lanches de

diferentes países. Em seguida, o alunado foi provocado a realizar desenhos com o mesmo

enfoque. Na ocasião, tentou-se mostrar hábitos alimentares diferentes, como o consumo de

insetos nos países asiáticos, o leite de jumenta, na Mongólia, os escargots, na França, entre

outros. Discutiu-se sobre o relativismo e sobre questões históricas e sociais que levam ao

consumo e aceitabilidade de determinados alimentos. Os alunos compararam o que era

vendido no Parque Sólon de Lucena, em João Pessoa/PB, com o comercializado nas ruas de

Pequim, evidenciando que tudo depende de aspectos culturais. Salientou-se a diferença

alimentar, mesmo dentro dos mesmos grupos sociais ou étnicos. Enfatizou-se, ainda, o

respeito e abertura a novos sabores. O assunto foi reforçado quando os estudantes assistiram

na televisão a programas sobre alimentos consumidos em outras partes do mundo.

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RCEF 2010 /Artes

• Como a arte trata o lanche e quem faz a imagem?

No projeto mencionado, o assunto foi explorado em contato com a produção artística a

partir da seguinte pergunta:

• Como a arte trata o lanche e quem as produz?

Inicialmente, a conversa girou em torno do acesso dos estudantes a museus, galerias

de arte ou alguma exposição artística. Poucos responderam afirmativamente. Desconheciam

conceitos como instalação e performance. Disseram que só conheciam instalação elétrica e

hidráulica. Conheciam, apenas, atividades realizadas em desenho, pintura e gravura.

A instalação é uma técnica ou forma de expressão artística criada a partir da década

de 1960, quando era chamada de “ambiente”. Artistas brasileiros tiveram uma

atuação pioneira com esse tipo de obra, dentre os quais se destaca Hélio Oiticica.

Preocupa-se em desenvolver uma ideia ou conceito utilizando diversos suportes,

meios e linguagens, compondo um ambiente que pode ser percorrido pelo

espectador. Busca acabar com a passividade do público. Em vez de ficar parado ou

apenas olhando, o espectador é convidado a envolver-se, passear pela obra. Procura

explorar outros sentidos, como tato e audição. Apropria-se dos aspectos cênicos,

fazendo o espectador sentir-se como parte integrante da obra. Parte da premissa de

que esta deve permanecer num espaço coletivo desgastando-se com o tempo. É, em

geral, efêmera. Abarca todo tipo de técnica. Recorre a pinturas, esculturas, objetos,

músicas, poesia, materiais naturais como pedra e terra e até o teatro. É exibida por

um curto período e depois desmontada, restando somente o seu registro documental.

A performance foi criada a partir da década de 1970. Explora teatralmente o corpo

como suporte de criação artística. Consiste numa ação previamente planejada, na qual

o público somente observa ou interage com a obra. Preocupa-se com a visualidade do

ato dramático. Atrai a atenção para o artista e os materiais que utiliza para chocar ou

questionar o público.

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RCEF 2010 /Artes

Ilustração 5 Cildo Meireles - “Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola” (1970). Fonte: http://passantes.redezero.org/reportagens/cildo/coca.htm. Acesso em 17.12.2010.

Ilustração 6 - Grupo Escombros – “Pão Torturado” – s/d. Fonte: http://www.grupoescombros.com.ar/obj-inaccesible.htm. Acesso em 17.12.2010.

A partir desse momento, a equipe docente apresentou os conceitos de instalação e

performance, junto com outros, presentes nos trabalhos artísticos que exploram lanches ou

alimentos. Analisaram a arte de Claes Oldemburg, Cildo Meireles, Vik Muniz, Andy Warhol,

Arcimboldo e do Grupo Escombros. Identificaram as modalidades de produção artística e a

maneira como o lanche e a comida assumiam outras conotações na produção artística

destacada

• Culminância: “você tem fome de quê?”

Page 205: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

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RCEF 2010 /Artes

As atividades de criação, conhecidas amplamente como “fazer artístico” ou “práticas

de ateliê”, constituem um dos importantes diferenciais do ensino de Artes em relação às

demais matérias do currículo escolar. Trata-se de uma excelente oportunidade para reforçar e

consolidar o exercício da autoria. Tais atividades ajudam a tornar as aulas mais prazerosas e

contribuem para visibilizar as mudanças no processo interpretativo. É o momento mais

reivindicado pelo alunado porque, entre outros motivos, oferece alternativas criativas para a

exploração da linguagem visual, exigindo uma atuação corporal dinâmica. A Escola, em

geral, privilegia o código escrito, a passividade corporal na realização das atividades escolares

e a repetição dos enunciados divulgados nos livros didáticos.

No projeto destacado anteriormente, os momentos do “fazer” poderiam ter sido mais

explorados nas suas diversas etapas. Inclusive, é uma diretriz que este referencial recomenda:

os momentos do “fazer” precisam ser planejados e previstos nas várias etapas dos projetos e

planos de curso.

Contudo, como foi dito, o estágio supervisionado tem um tempo restrito, não

permitindo maiores diversificações. O momento para uma maior exploração do “fazer” foi

reservado para as etapas finais, na culminância do projeto, ocorrida no dia 20 de junho de

2006. Várias atividades, nucleadas por uma instalação, foram desenvolvidas a partir da

seguinte pergunta: você tem fome de quê?

O alunado foi instigado a planejar e produzir vários objetos artísticos para compor

a instalação de pretensão artística. Penduraram garrafas de refrigerantes, em cordões de nylon

transparente, umas com os respectivos rótulos, outras sem, tentando realçar como os

alimentos ingeridos pela maioria dos estudantes podem ser nocivos à saúde e estão associados

aos interesses comerciais. A partir da semelhança com os reservatórios de lixo, de cor

vermelha, utilizados pela escola, colaram um grande rótulo da coca-cola, que tem a mesma

cor, na parte da frente de um dos recipientes. O título atribuído foi “coca-cola x lixo”.

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RCEF 2010 /Artes

Ilustração 7 - Montagem de intervenção concebida pelos estudantes: “caveira” e “coca-cola x Lixo.

Pegaram uma caveira humana, que estava disponível na biblioteca, e a deitaram

numa mesa com um pano vermelho. Entre as costelas, na parte interior, colocaram garrafas de

refrigerantes e embalagens vazias de comidas industrializadas. Intitularam-na “caveira”. Uma

escultura, em formato humano, foi montada com embalagens de comida, destinadas ao lixo, e

a intitularam de “Carmem Miranda”.

Confeccionaram uma TV, com papelão, com diversas publicidades de alimentos

destinados ao público infantil. A abertura oficial da exposição ocorreu no pátio, destinado à

merenda. Neste local, aproveitaram a mesa para montar um lanche, com frutas e bolos, para

servir aos convidados. Intitularam essa parte da instalação como “praça da alimentação –

lanche ideal”.

Ao final do processo pedagógico, a equipe de estagiários ressaltou como a

perspectiva da Educação da Cultura Visual exige um trabalho árduo, porém proveitoso. Os

estudantes puderam pensar e repensar o “universo visual”, questionando os estereótipos e

apelos midiáticos destinado à alimentação infantil. As possibilidades, expostas e

exemplificadas ao longo deste texto, são algumas provocações, dentre outras possíveis, para

aproximar a Escola da vida, para efetivar aprendizagens significativas e processos de ensino

mais empolgantes e prazerosos.

Page 207: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

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RCEF 2010 /Artes

� Problemas relacionados ao passado envolvendo a infância

• Como as visualidades, as teatralidades e as musicalidades consolidaram, no passado, o

ser e o viver a infância de um determinado modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades destinadas ao público infantil, no passado, e

as veiculadas nos desenhos, filmes e programas;

• diversas musicalidades destinadas ao público infantil do passado;

• vários brinquedos e brincadeiras do passado;

• variados desenhos animados do passado;

• diversidade de filmes de animação do passado;

• várias séries e programas de TV do passado, destinados e valorizados pelo público

infantil;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e

dança), executadas no contexto paraibano e em outros lugares do nosso país e de

outras partes do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades,

realizadas no passado.

Estes encontros e experiências precisam atentar para o modo de produção e de

recepção, especialmente para como mostram a infância. Os problemas relacionados com este

eixo podem ser tratados exclusivamente ou integrando os demais eixos. Isso ocorre porque se

compreende que conhecer o passado é fundamental para se entender como o presente se

configurou da maneira como o conhecemos.

� Problemas relacionados aos devires da infância

• Como as visualidades, as teatralidades e as musicalidades provocam outras

possibilidades de ser e viver a infância?

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RCEF 2010 /Artes

Este eixo pode ser um desdobramento dos anteriores. Tomando como referência, o

projeto exemplificado, os encontros propostos poderiam ser os seguintes:

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades destinadas ao público infantil;

• variadas modalidades de desenhos, filmes e programas;

• inúmeras musicalidades destinadas ao público infantil;

• diversas produções artísticas.

Os encontros e experiências, neste momento, precisam atentar para o modo de

produção e de recepção, especialmente para outras possibilidades de ser e viver a infância de

modo diferente do presente.

� Problemas relacionados ao ser adolescente

Problema principal:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam o ser

adolescente de um determinado modo e não de outro?

Alguns problemas complementares:

Seguem, adiante, algumas possibilidades de trabalhos por projetos ou de propostas

para elaboração de planos de curso, sem descartar outras ideias que a dinâmica dos problemas

advindos das experiências vividas pelos estudantes pode desencadear, sobretudo quando se

pensa nos estudantes do 6º ao 9º ano. Para este nível de ensino, um problema, associado com

o eixo 1, pode ser o seguinte:

Problemas geradores para o Fundamental – Segmento II (6º ao 9º

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RCEF 2010 /Artes

• Como as narrativas veiculadas pelas visualidades, teatralidades e musicalidades

projetam o ser adolescente de um determinado modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversos filmes de longa e de curta metragem;

• diversas musicalidades;

• diversas teatralidades;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e

dança).

Tais encontros precisam ser trabalhados de modo a discutir as projeções do ser

adolescente de um determinado modo e não de outro.

Cada questionamento esboçado pode ser um desdobramento de um projeto ou de um

plano de curso, ou pode ser um projeto ou um plano de curso novo. Cada projeto ou plano de

curso pode gerar outras propostas, pois o processo é dinâmico e vivo, porque parte da vida.

� Problemas relacionados ao viver a adolescência

Outra dimensão dos “problemas que são nossos” envolve a maneira como os

adolescentes são levados a “viver”. Neste caso, o problema pode ser expresso na seguinte

pergunta:

Problema principal:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam o viver a

adolescência de um determinado modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

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RCEF 2010 /Artes

• diversos filmes de longa metragem e de curta metragem;

• diversas visualidades, sobretudo as publicitárias;

• diversas musicalidades;

• diversas teatralidades.

Os encontros precisam ser mediados de modo a refletir sobre como se é adolescente

de um determinado modo e não de outro.

� Problemas relacionados com o passado envolvendo a adolescência

Problema principal:

• Como as visualidades, as teatralidades e as musicalidades consolidaram, no passado, o

ser e o viver a adolescência de um determinado modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontro e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades do passado;

• desenhos, filmes e programas televisivos do passado;

• diversas musicalidades do passado;

• diversas modalidades de jogos eletrônicos;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e dança),

executadas no contexto paraibano e em outros lugares do nosso país e de outras partes

do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades, realizadas no passado.

Os problemas relacionados com este eixo podem ser tratados exclusivamente ou

integrando os demais eixos, sempre voltados para o modo como os adolescentes são

mostrados. Isso ocorre porque se compreende que conhecer o passado é fundamental para se

entender como o presente se configurou da maneira como o conhecemos.

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RCEF 2010 /Artes

� Problemas relacionados aos devires associado com a adolescência

Problema principal:

� Como as visualidades, as teatralidades e as musicalidades provocam outras

possibilidades de ser e viver a adolescência?

Este eixo pode ser um desdobramento dos anteriores. Tomando como referência o

projeto exemplificado, os encontros propostos poderiam ser os seguintes:

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades;

• diversas modalidades de desenhos, filmes e programas televisivos;

• diversas musicalidades;

• diversas produções artísticas.

Os encontros, relacionados com este eixo, precisam atentar para outras possibilidades

de ser e viver a adolescência de modo diferente no presente.

� Problemas relacionados ao ser adulto

Problema principal:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam o ser adulto de

um determinado modo e não de outro?

Problemas geradores para o Fundamental – Segmento I e II (EJA)

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RCEF 2010 /Artes

Alguns problemas complementares:

Seguem, adiante, algumas possibilidades de trabalhos por projetos ou de propostas

para elaboração de planos de curso, sem descartar outras ideias que a dinâmica dos problemas

advindos das experiências vividas pelos estudantes pode desencadear, sobretudo quando se

pensa nos estudantes do 6º ao 9º ano. Para este nível de ensino, um problema, associado com

o eixo 1, pode ser o seguinte:

• Como as narrativas veiculadas pelas visualidades, teatralidades e musicalidades

projetam o ser adulto de um determinado modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversos filmes de longa e de curta metragem;

• diversas musicalidades;

• diversas teatralidades;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e dança).

São encontros e experiências que precisam refletir sobre os modos de projetar o ser

adulto de um determinado modo e não de outro.

Como já foi dito, cada questionamento esboçado pode ser um desdobramento de um

projeto ou de um plano de curso, ou pode ser um projeto ou um plano de curso novo. Cada

projeto ou plano de curso pode gerar outras propostas, de maneira que o processo é dinâmico

e vivo, porque parte da vida.

� Problemas relacionados ao viver como adulto

Outra dimensão dos “problemas que são nossos” envolve a maneira como os adultos

são levados a viver. Neste caso, o problema pode ser expresso na seguinte pergunta:

Page 213: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

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RCEF 2010 /Artes

Problema principal:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades projetam o viver a fase

adulta de um determinado modo e não de outro?

Alguns problemas complementares:

Como um desdobramento do problema principal, dentre outros possíveis,

relacionados com o viver a fase adulta, pode-se ter outro questionamento complementar, o

qual pode ser expresso da seguinte maneira:

• Como as visualidades, as musicalidades e as teatralidades incentivam o consumo

na fase adulta?

Para responder a esta pergunta, várias possibilidades de encontros, transformados em

projeto ou planos de cursos, com várias aulas, podem ser desencadeados, abordando as

seguintes possibilidades, dentre outras que podem ser acrescentadas:

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades;

• filmes, programas televisivos e publicidades;

• diversas musicalidades;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e dança),

executadas no contexto paraibano e em outros lugares do nosso país e de outras partes

do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades;

• outros modos de visualidades, teatralidades e musicalidades que projetam outros

modos de mostrar o consumo na fase adulta.

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RCEF 2010 /Artes

� Problemas relacionados com o passado envolvendo a fase adulta

• Como as visualidades, as teatralidades e as musicalidades consolidaram, no

passado, o ser e o viver a fase adulta de um determinado modo e não de outro?

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades produzidas no passado;

• desenhos, filmes e programas televisivos produzidas no passado;

• diversas musicalidades produzidas no passado;

• diversas modalidades de jogos eletrônicos produzidas no passado;

• diferentes modalidades de produções artísticas (artes visuais, teatro, música e dança),

executadas no contexto paraibano e em outros lugares do nosso país e de outras partes

do mundo, em suas diferentes modalidades e possibilidades, realizadas no passado.

Os problemas relacionados com este eixo podem ser tratados exclusivamente ou

integrando os demais eixos, considerando o ser e o viver a fase adulta de um determinado

modo e não de outro. Isso ocorre porque se compreende que conhecer o passado é

fundamental para se entender como o presente se configurou da maneira como o conhecemos.

� Problemas relacionados aos devires associado com o ser adulto

• Como as visualidades, teatralidades e musicalidades provocam outras

possibilidades de ser e viver a fase adulta?

Este eixo pode ser um desdobramento dos anteriores. Os encontros propostos

poderiam ser os seguintes:

Conteúdos e conceitos necessários - Encontros e experiências com:

• diversas modalidades de teatralidades;

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RCEF 2010 /Artes

• diversas modalidades de visualidades (desenhos, filmes e programas televisivos);

• diversas musicalidades;

• diversas produções artísticas.

Tais encontros precisam levar em consideração as possibilidades de ser e viver a fase

adulta de outras maneiras possíveis a partir do presente.

Sites que ajudam a elencar problemas, conceber e sistematizar projetos e planos de cursos:

Alguns sites ou blogs trazem importantes colaborações para perceber problemas ou

conceber e sistematizar projetos e planos de curso. Nos sites elencados, é possível encontrar

outras sugestões de endereços virtuais igualmente interessantes e sugestivos. Merecem

destaque os seguintes:

• Site da Rede Arte na Escola - http://www.artenaescola.org.br/index.php

• Blog “Ensinando artes visuais – www.ensinandoartesvisuais.blogspot.com

• Site Uol/ Educação - http://educacao.uol.com.br

• Site da revista Nova Escola - http://revistaescola.abril.com.br

• Site da Revista Bravo - http://bravonline.abril.com.br

• Blog “arte: pesquisa e ensino” - http://artepesquisaensino.blogspot.com

• Museu do índio - http://www.museudoindio.org.br

• Museu internacional de Arte Naif do Brasil - http://www.museunaif.com.br

• Museu de Arte Moderna da Bahia - http://www.mam.ba.gov.br

• Museu de Arte Contemporânea de São Paulo - http://www.macvirtual.usp.br/mac

• Museu de Arte Sacra - http://www.museuartesacra.org.br

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RCEF 2010 /Artes

5. DAS POSSIBILIDADES METODOLÓGICAS PARA O ENSINO D E ARTES

5.1 Das pesquisas sobre a inteligência e os processos de aprendizagem

onforme afirmamos no item “Competências necessárias ao ensino e aprendizagem

de Artes”, desde o fim do século dezenove, alguns estudos já tentavam romper com

uma educação livresca e conteudista. Essas tentativas foram marcadas pela

inclinação dos pesquisadores em focar os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem –

os educandos.

Pesquisadores da psicologia cognitiva e da neuropsicologia contribuíram para o

entendimento de tais processos, o que levou, posteriormente, à ampliação da noção de

inteligência, merecendo destaque a “teoria das inteligências múltiplas”, como resultado de

pesquisas coordenadas pelo psicólogo americano Howard Gardner, em meados da década de

1980.

Essa teoria permitiu uma mudança significativa no campo da Educação,

especialmente nos procedimentos metodológicos de ensino e avaliação. Os estudos basearam-

se na avaliação do repertório de capacidades cognitivas e das estratégias utilizadas por

diferentes profissionais na busca por soluções culturalmente apropriadas para resolução de

seus problemas, e também no desenvolvimento das capacidades de crianças “normais” e com

altas habilidades (superdotadas) e em adultos com lesões cerebrais, além de pessoas autistas.

As pesquisas mostraram a competência dos sujeitos para realizar certos tipos de

atividades com destreza, e também as dificuldades para realizar tarefas de outras naturezas,

em diferentes níveis. Gardner (1994) concluiu que não há uma única inteligência, geral e

inata, mas várias, as quais possibilitam ao sujeito exercer funções diferentes com maior ou

menor habilidade. Afirmar que existem sujeitos naturalmente mais ou menos inteligentes

tornou-se, portanto, um equívoco superado pela história e pelos avanços das ciências.

O autor concluiu ainda que essas competências são desenvolvidas no contato com o

meio e por intermédio da cultura, nos meandros das relações sociais, contradizendo a ideia de

que a inteligência nasce com o sujeito e que não sofre influências do ambiente.

Gardner provou haver várias inteligências que se desenvolvem dentro de um dueto

de probabilidades e possibilidades: de um lado, a predisposição genética e os fatores

neurológicos, do outro, a interação com o ambiente.

C

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RCEF 2010 /Artes

Ele detectou a existência de processos cognitivos independentes, definindo tais

potenciais intelectuais como “inteligências humanas”, conhecidas como inteligências

múltiplas. São elas:

• Inteligência linguística – capacidade de manipular vários domínios da linguagem

oral e escrita;

• Inteligência musical – capacidade de reconhecer, apreciar, compor e/ou

reproduzir sons;

• Inteligência lógico-matemática – capacidade de explorar relações, categorias e

padrões por intermédio da manipulação de objetos ou símbolos;

• Inteligência espacial – capacidade de perceber o mundo visual precisamente,

efetuar transformações sobre as percepções iniciais e ser capaz de recriar aspectos

da experiência visual, mesmo na ausência de estímulos físicos relevantes;

• Inteligência cinestésica – capacidade de resolver problemas ou criar produtos

mediante o uso do corpo, usando a coordenação motora grossa ou fina no controle

dos movimentos e na manipulação de objetos;

• Inteligência interpessoal – capacidade de entender e responder às relações

pessoais. Na sua forma mais avançada, manifesta-se como a habilidade para

perceber intenções e desejos de outras pessoas, e para reagir apropriadamente a

partir dessa percepção;

• Inteligência intrapessoal – capacidade de se autoconhecer, perceber os próprios

sentimentos, sonhos e ideias e discriminá-los de modo a lançar mão deles na

solução de problemas pessoais;

• Inteligência naturalista – capacidade de compreender e organizar os objetos, os

fenômenos e os padrões da natureza.

As inteligências múltiplas, defendidas por Gardner, podem ser melhor visualizadas

por meio do diagrama elaborado por Virgílio Vasconcelos Vilela5:

5 Disponível no site: www.mapasmentais.com.br

Page 218: RCEF. Vol 1 -Linguagens e Diversidade Sociocultural

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RCEF 2010 /Artes

Embora Gardner tenha detectado e nomeado algumas inteligências, segundo ele,

ainda há muito que descobrir acerca dos processos mentais:

(...) existem evidências persuasivas para a existência de diversas competências intelectuais humanas relativamente autônomas (...). A exata natureza e extensão de cada 'estrutura' individual não é até o momento satisfatoriamente determinada, nem o número preciso de inteligências foi estabelecido. Parece-me, porém, estar cada vez mais difícil negar a convicção de que há pelo menos algumas inteligências, que estas são relativamente independentes umas das outras e que podem ser modeladas e combinadas numa multiplicidade de maneiras adaptativas por indivíduos e culturas (GARDNER, 1994, p. 7).

5.2 Da relação entre as Inteligências Múltiplas e os processos educacionais

A concepção de múltiplas inteligências nos permite pensar que os distintos processos

de aprendizagem se encontram no mesmo nível de complexidade, embora tenham ganhado

importâncias diferentes no decorrer da história do ensino, na medida em que foram

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219

RCEF 2010 /Artes

privilegiadas algumas inteligências consideradas superiores, em detrimento de outras. Ainda

que sejam distintas, as competências intelectuais se articulam, se reforçam e se completam

mutuamente. Elas se desenvolvem combinando-se de maneira única em cada sujeito.

Além de “denunciar” que algumas inteligências são negligenciadas no ensino

tradicional, tal pesquisa possibilitou que educadores se conscientizassem da existência de

múltiplos processos de aprendizagem, que demandam, por conseguinte, formas variadas de

ensino.

Essa descoberta também rebateu a ideia de “dom”, bastante comum no campo das

Artes. Todos os sujeitos são capazes de desenvolver suas competências, porém, o fazem de

forma particular, estruturados a partir das condições genéticas e neurológicas e dos estímulos

recebidos, sobretudo na primeira infância.

Ressaltamos aqui a impossibilidade de a Escola, centrada na aprendizagem de certos

conteúdos específicos, dar conta da complexidade do sujeito. A Escola que não garante ao

aluno o desenvolvimento das competências, em sua amplitude, contribui para o

“atrofiamento” de parte destas capacidades, colaborando para a formação de sujeitos com

grande dificuldade de lidar com a vida em sociedade quando adultos.

5.3 Da relação entre as Inteligências Múltiplas e o ensino de Artes

(...) arte como caminho para recuperar o que há de humano no ser humano

Ana Mae Barbosa

Historicamente, as Artes, que assumiram diferentes conotações a partir das

denominações que lhes foram atribuídas, tiveram um papel secundário na educação escolar.

Consolidaram-se no Ensino Fundamental, na grande maioria das escolas brasileiras, com

práticas de livre expressão e até de caráter “terapêutico”, na medida em que serviam de escape

ao estresse provocado por outras disciplinas.

Com a compreensão da arte como conhecimento, expressão e cultura e das

visualidades, teatralidades e musicalidades como modalidades de práticas discursivas e

não discursivas, as quais se articulam à vida dos sujeitos, a disciplina se apropriou de

outras concepções epistemológicas, objetivos e, consequentemente, procedimentos

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220

RCEF 2010 /Artes

metodológicos. E trouxe expectativas aos professores insatisfeitos com o seu status ao longo

da história e com os resultados obtidos nas atividades de livre-expressão, não favoráveis à

ampliação dos conhecimentos, tampouco à relação dos educandos com sua própria cultura.

A arte, juntamente com as reflexões acerca da cultura inerente às musicalidades,

teatralidades e visualidades, passa a apropriar-se de seu importante papel no desenvolvimento

de certas inteligências. Como afirma Barbosa:

(...) como uma linguagem aguçadora dos sentidos, transmite significados que não podem ser transmitidos por nenhum outro tipo de linguagem, como a discursiva e a científica. O descompromisso da arte com o que é certo e o que é errado estimula o comportamento exploratório, válvula propulsora do desejo de aprendizagem. (2009, p. 21).

Certamente, o ensino de Artes, por meio das musicalidades, teatralidades e

visualidades, possui maior possibilidade de desenvolver principalmente três inteligências,

pelo fato de estarem diretamente ligadas aos objetos de estudo da disciplina: 1- Inteligência

cinestésica – desenvolvida a partir do encontro e experiências com as teatralidades; 2-

Inteligência espacial – desenvolvida a partir do encontro e experiências com as visualidades;

3- Inteligência musical – desenvolvida a partir do encontro e experiências com as

musicalidades.

Apesar dessa relação, a disciplina não deve servir somente ao desenvolvimento

restrito destas capacidades, sob o risco de esvaziar o sentido da aprendizagem para seu uso

social e podar a capacidade crítica dos sujeitos. É desejável que o sujeito tenha condições de

se desenvolver em sua amplitude, sobretudo no que se refere a capacidade de convivência

com o outro na diversidade e a compreensão de si mesmo.

5.4 Das perspectivas metodológicas do ensino de Artes

Estranhem o que não for estranho Tomem por inexplicável o habitual

Sintam-se perplexos ante o cotidiano Bertolt Brecht

Como pensar em concepções e procedimentos metodológicos que deem conta da

complexidade do sujeito em seus processos de aprendizagem?

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RCEF 2010 /Artes

Primeiramente, não é possível conceber a existência de uma “metodologia ou

abordagem perfeita”, pronta e acabada, que sirva a todos os sujeitos, em diferentes contextos,

tempo e espaço. Se cada sujeito é único também na maneira com que mobiliza seus recursos

cognitivos, é fundamental pensar em formas amplas e diversificadas de procedimentos

metodológicos. Além disso, segundo Zagonel (2008, p. 13), “seria ingênuo pensar que uma

única metodologia pudesse servir para o ensino de todas as expressões artísticas, tendo em

vista que cada uma tem características e especificidades próprias”.

Ocorre que o encaminhamento metodológico não deve acontecer aleatoriamente. Os

procedimentos metodológicos utilizados no ensino de Artes, tanto nas musicalidades, nas

teatralidades, como nas visualidades, precisam estar em acordo com as concepções que

embasam os objetivos, os conteúdos e, antes de tudo, a própria concepção da educação nesta

disciplina.

Apresentamos algumas orientações em consonância com a concepção teórica que

respalda este Referencial:

• Partir da vida do sujeito e sua cultura: focando situações, ou questões que

atingem os educandos, de forma a possibilitar uma aprendizagem significativa, por

meio da valorização dos interesses e conhecimentos prévios desses sujeitos,

alicerçada nos princípios do respeito à diversidade cultural;

• Problematizar a questão a ser trabalhada: transformar a questão em problema,

pôr em dúvida as verdades que o localizam na cultura e no tempo presente, bem

como o conhecimento prévio de cada sujeito, de modo a desenvolver o olhar

questionador que amplia e possibilita novas aprendizagens;

• Construir um novo olhar, crítico, reflexivo e contextualizado sobre o

problema: compreender as questões do passado que contribuíram para o contexto

e a persistência no presente, por meio das musicalidades, teatralidades e

visualidades, de forma a promover o enriquecimento cultural e a democratização

da arte e da cultura;

• Possibilitar a compreensão e a produção de musicalidades, teatralidades e

visualidades: desenvolvendo a capacidade criativa e promovendo seu uso social

na interação com o outro, a fim de construir sentidos e significados diferentes para

o tema problematizado, um vir a ser, diferente do que é e do que foi.

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A opção de trabalhar por temas problematizáveis – “questões-problema” – articula-se

com a proposta educacional da transversalidade, uma vez que prega o fim da fragmentação

em prol de uma visão ampla do conhecimento por meio do estudo de objetos que perpassam e

transpõem as disciplinas, permitindo uma compreensão mais adequada e abrangente da

realidade.

Este documento considera que os Temas Transversais, sugeridos pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais – PCN – são campos férteis de possibilidades para o trabalho com as

Artes tendo como foco a percepção e compreensão dos problemas vivenciados pelos sujeitos.

Por analogia, o trabalho interdisciplinar mostra-se adequado, na medida em que

possibilita o estudo aprofundado e articulado das diversas esferas do objeto de estudo

(questão-problema) nos vários componentes do currículo escolar. A troca, a interação dos

conhecimentos específicos estudados pelas disciplinas, possibilita a compreensão ampliada do

objeto de estudo.

A transdisciplinaridade, por sua capacidade de estabelecer nexos entre campos de

conhecimento diferentes, revela-se como um procedimento desejável e salutar, mas também

exige trocas e parcerias entre os professores e entre saberes.

Evidenciamos, a partir desses princípios, que a opção metodológica em voga na

educação contemporânea, e endossada neste Referencial, pressupõe uma prática educacional

que aproxima o sujeito da vida em sociedade e do mundo em que vive. Assim, os

conceitos e conteúdos trabalhados em Artes devem ser utilizados como meios de se alcançar a

compreensão da realidade atual (presente), mediante o entendimento do passado, e com vistas

à construção de possibilidades futuras. Ou seja, não se configuram como fim último do

processo de ensino.

Além de tais pressupostos, concordamos com Barbosa (2009) quando diz que os

melhores procedimentos para atingir os objetivos educacionais hoje se concentram,

principalmente, na flexibilidade de pensar e agir, na capacidade de elaborar em direção à

melhor qualidade de vida no planeta e no aprender a aprender.

A flexibilidade de pensar e agir possibilita o equilíbrio entre o planejamento e a

capacidade de inventar novas maneiras de ensinar, permitindo ao professorado estar

aberto ao novo, ao inesperado, libertar-se das armadilhas dos conceitos e convicções

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“TV Sunset” de Michael Leunig. In: Leunig Penguin. Penguin Australia Group Ltd, 1974.

inquestionáveis, dos planos irredutíveis, uma vez que o processo educacional não pode ser

completamente controlado e manipulado.

É importante que seja valorizada, inclusive, a construção coletiva e colaborativa

dos processos de ensino e de aprendizagem, possibilitando a participação ativa dos sujeitos

da aprendizagem nas escolhas dos temas de estudo e problematização, na pesquisa e

construção do conhecimento, no fazer musicalidades, teatralidades e visualidades, na

avaliação dos percursos trilhados e no redimensionamento de ações.

Uma melhor qualidade de vida significa, sobretudo, o convívio respeitoso e pacífico

com as diversidades em suas múltiplas esferas, entre elas: Pluralidade Étnico-cultural,

Diversidade Religiosa, Educação Especial, Diversidade Linguística, Diversidade Sexual e de

Gênero6.

Esta proposta metodológica ampara-se no combate à transmissão exaustiva e

descontextualizada de informações históricas e bibliográficas dos artistas e a “livre-

expressão” sem propósito. Propõe a reflexão, a análise crítica, a contextualização, a

experienciação e a produção tendo como princípios o aprender a conhecer, o aprender a

fazer, o aprender a conviver e o aprender a ser, na busca por um mundo melhor e mais

justo.

5.5 Da sala de aula aos espaços de vivência em arte e cultura: construindo a mediação cultural

A realidade é mais interessante ao vivo! Entretanto, a maioria das Escolas prefere

fechar-se ao mundo, insistindo em querer aprender distante do lugar em que se originam e se

6 A respeito destas questões, sugerimos a leitura do Tema Transversal Diversidade Sociocultural neste volume.

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aplicam os conhecimentos, de onde os sujeitos aprendem a ser o que são e a conviver com

outros sujeitos.

Em Artes não é diferente, professores aprisionam-se sob quatro paredes enquanto, do

lado de fora, a riqueza de manifestações artístico-culturais povoam as ruas, as feiras-livres, os

teatros, os museus, as instituições religiosas, as casas de cultura, entre outros espaços.

Segundo Porcher (1982), um sujeito não familiarizado com a arte (estendemos aqui

às musicalidades, teatralidades e visualidades) tem propensão à cegueira ou à surdez estética.

Por isso, é interessante aproximar estes campos de conhecimento aos sujeitos aprendizes,

sobretudo as expressões típicas de cada comunidade, deixando claro que as artes não se

restringem àquelas obras consagradas pela história da arte e pela mídia, elas também

acontecem nos espaços públicos e privados das comunidades, configurando-se como

expressões singulares e ricas de sentido e significado.

É por meio da mediação cultural que a interação nos espaços de vivência em arte

e cultura alcança sua maior amplitude. Pois, de acordo com Tourinho (In BARBOSA, 2009),

a capacidade de mediação é um processo alargado, estendido, que se configura como as

formas de experimentar propostas colaborativas de aprendizagem. Ou seja, adotá-la é romper

com uma educação em um só sentido: educador � educando, e assumir uma postura

dialética: educador � educando.

De acordo com Costa (In BARBOSA, 2009), as visitas mediadas a esses espaços

diferenciam-se das demais pela intencionalidade. O educador deve ter objetivos pedagógicos

definidos, deve conduzir o olhar e permitir o diálogo democrático. Também é recomendável

que o educador se prepare antecipadamente, visitando o local, pesquisando sobre ele e sobre o

problema em questão.

A fim de fomentar o domínio das vivências em artes no estado da Paraíba,

sugerimos, a título de exemplificação, algumas manifestações culturais que podem ser

acompanhadas, pensadas, refletidas e vivenciadas, lembrando que há muitas outras não

citadas aqui.

Manifestações culturais/ festejos:

• Festival do Coco - São Gonçalo/Sousa – novembro

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• Festa do Bode Rei - Cabaceiras – junho

• Festa do Peixe - Coremas – maio

• Festa da Mandioca - Princesa Isabel – setembro

• Festa da Galinha e da Cachaça - Alagoa Nova – junho

• Festa do Amendoim - Mogeiro - agosto/setembro

Além disso, divulgamos em anexo, a relação de Museus e Teatros do estado da

Paraíba. Os primeiros, catalogados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

- IPHAN7. Os últimos pelo Centro Técnico de Artes Cênicas, que divulga os Teatros de todo

Brasil.

5.6 Do trabalho por projetos e da interdisciplinaridade

Da necessidade de desenvolver procedimentos metodológicos que valorizem a

participação do educando e do educador no processo de ensino e de aprendizagem, surgiu o

trabalho por projetos. Conforme Hernandez (1998), esta modalidade permite a ressignificação

dos espaços de aprendizagem, de tal forma que estes se voltam para a formação de sujeitos

ativos, reflexivos, atuantes e participativos.

A escolha do tema a ser problematizado, os conteúdos a serem trabalhados, os

procedimentos metodológicos e a avaliação devem acontecer conjuntamente, legitimando os

projetos como realidades únicas, apropriadas a cada coletivo de trabalho.

Os projetos possuem alguns elementos que o constituem: 1- um problema – questão

norteadora; 2- uma justificativa – comprova sua trajetória, “por que surgiu?” “como surgiu?”;

3- objetivos – emergem da questão a ser resolvida, devendo ser objetivos e realistas; 4- as

capacidades – a serem desenvolvidas pelos educandos; 5- os conteúdos – articulados ao

problema, podendo, também, ser vinculados com outras disciplinas; 5- avaliação e

redimensionamento – quando se julga se os objetivos foram alcançados, se as capacidades

foram desenvolvidas e se define a adoção de novas estratégias, quando necessário.

7 As informações compõem o “Relatório de Atividades VI – Alimentação da base de dados do Cadastro Nacional de Museus para os Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte”, coordenada por Átila Tolentino e executada por Sandra Valéria Félix de Santana, e gentilmente cedidas por ela.

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O ensino por projetos possibilita a aproximação das disciplinas curriculares. A partir

do momento que se define, democraticamente, um problema transversal a ser estudado e

questionado. Os projetos possibilitam o olhar de outras disciplinas tornando-se

potencialmente interdisciplinar – um dos desafios educacionais do presente. Sendo assim, é

recomendável que o professor estabeleça a interação com os professores de outras disciplinas

no desenvolvimento de projetos interdisciplinares.

5.7 Das Novas Tecnologias e o Ensino de Artes

A escola deve ficar atenta a como pode se preparar para utilizar as novas mídias como ferramenta de ensino e discussão (...) É importante que o aluno entre em contato com questões que envolvem como a mídia elabora a realidade, o que ela prioriza, e qual o seu olhar e sua abordagem.

Fátima Cristina Vollú

Defendemos que as Novas Tecnologias devem e podem ser usadas no Ensino de

Artes por diferentes vias, nos distintos momentos do ensino, não se restringindo a uma

ferramenta com fins exclusivamente práticos. A utilização para fomentar momentos reflexivos

está em consonância com a proposta defendida por este Referencial de Artes – aproximar a

Escola da vida dos sujeitos de maneira crítica.

Primeiramente, das Novas Tecnologias podem emergir as questões-problema, que

chegam aos alunos via programas de TV, novelas, jornais, pela internet, sites de

relacionamento, twiters, dentre outras possibilidades. Não que os problemas não existam, mas

é comum que os sujeitos só se deem conta das questões que os envolvem ao verem, como

espectadores, situação similar, real ou não.

Posteriormente, a construção de um novo olhar sobre o problema demanda estudo e

pesquisa aprofundada da questão, busca por referências no passado para contrapor com o

presente, e diálogos com outras culturas. Nesse sentido, a internet é, potencialmente, um

campo rico de possibilidades, onde não há limites territoriais. As informações transitam

livremente, e cabe ao professor conduzir o trabalho para desenvolver educandos ativos,

conscientes e capazes de encontrar, compreender e lidar com as informações.

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Em um terceiro momento, as Novas Tecnologias podem servir para a produção de

musicalidades, teatralidades e visualidades, por meio do usufruto dos programas do

computador e outros recursos acessíveis e disponíveis na comunidade e na escola. É

interessante que o educador busque mostrar como tais instrumentos, ou outros similares, já

foram usados por artistas de maneiras diversas e fins distintos, promovendo a aquisição de

novos conhecimentos e nutrindo os processos criativos.

Assim, reforçamos a ideia de que as Novas Tecnologias se constituem em um campo

fértil de experiências e novos encontros e reencontros com a vida e a aquisição de

conhecimento por meio das musicalidades, teatralidades e visualidades.

5.8 Das Artes e as musicalidades

O convívio com a sonoridade atinge a criança desde o nascimento, nos silêncios e

nos sons produzidos pela natureza e pelos sujeitos. A partir de então, a criança já passa a

manifestar-se, demonstrando agrado, desagrado, estranheza. Também muito cedo, apreende a

produzir e a usar os sons e silêncios nos processos de interação comunicativa, valendo-se do

próprio corpo e, posteriormente, do contato com objetos.

O aprimoramento da competência musical, que começa a se desenvolver desde o

nascimento, perpassa o ouvir, contextualizar e produzir musicalidades. Quanto mais se ouve

musicalidades de diversas naturezas, estilos, gêneros, mais o sujeito exercita sua

sensibilidade, sua acuidade auditiva, seu senso rítmico, sua imaginação, sua memória, sua

concentração. Em virtude disso, o ensino deve contemplar o exercício da apreciação musical

diversificada, geralmente restrita a certos gêneros, e o estudo contextualizado, ativando a

compreensão das musicalidades enquanto manifestações que contribuem para a formação da

identidade cultural dos povos.

Todavia, segundo Zagonel (2008), as aulas não devem findar na apreciação e

contextualização musical. Uma pesquisa, realizada por esta autora, submeteu dois grupos de

sujeitos a processos similares de ensino e constatou que o desenvolvimento do estudo a partir

do ato de criação mostrou-se mais eficiente. O grupo de educandos que criaram suas

musicalidades, com foco nos objetos que seriam estudados, desenvolveu-se melhor quanto à

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compreensão de conceitos, à percepção musical, ao envolvimento com as atividades e com o

coletivo.

Da pesquisa, extraímos a recomendação de que os educandos possam praticar e

produzir musicalidades, frequentemente indesejadas e até depreciadas na Escola. A aula de

Artes é o momento no qual os sujeitos devem e podem se manifestar e exercer seu interesse e

fascínio pelos objetos produtores de sons. São interesses que se manifestam nas batucadas na

carteira, nos usos criativos do assobio, dentre outras manifestações tão conhecidas pelos

educadores. E se apresenta, inclusive, como alternativa à falta de recursos na escola pública.

Contudo, por mais que o ensino de Artes deva contemplar a liberdade de

manifestação e criação de musicalidades, ele deve apoiar-se na mediação do professor. O

trabalho, alicerçado no ideal de promoção do patrimônio cultural, conduz o exercício da

criação por meio da aprendizagem de noções das propriedades dos sons: altura, intensidade,

duração e timbre, que, combinados, formam os elementos básicos da música: melodia,

dinâmica, ritmo, timbre. Sem, com isso, pleitear a formação de artistas músicos.

5.9 Das Artes e as teatralidades

Uma das características marcantes na primeira infância é a capacidade imaginativa.

O “faz de conta” é uma brincadeira que surge de maneira espontânea sem a intermediação do

adulto. Promove uma articulação entre o imaginar e o imitar a realidade, exercita as

possibilidades do vir a ser, favorecendo a apropriação de papéis sociais, na convivência

democrática.

Esse é um dos primeiros exercícios de teatralidade vivenciados pelos sujeitos. Por

isso, pode ser utilizado como ponto de partida para promover o acesso às práticas teatrais

mais complexas e conscientes, que envolvem o ato do pensamento reflexivo, imaginativo,

criativo, expressivo e interativo. Assim, é desejável que a Escola se aproprie do ato cênico por

meio de uma perspectiva lúdica, envolvendo os diversos usos da palavra e as várias

possibilidades de exploração do corpo.

O lúdico é aquilo que tem caráter de jogo, brincadeira e divertimento, ainda que

camufle, por trás de sua suave leveza, objetivos sérios e profundos. Por esta questão e outras,

o jogo teatral é fundamental dentro da escola, pois viabiliza que o educando se aproprie da

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percepção de si e do outro, do desenvolvimento da imaginação criativa e da intuição, da

responsabilidade pelo coletivo e pelo ambiente. Como enfatiza Kaudela (In SPOLIN, 2008,

p. 21), o jogo instiga e faz emergir uma energia do coletivo quase esquecida, pouco utilizada e

compreendida, muitas vezes depreciada.

A experiência com o fazer teatralidades possibilita o domínio das capacidades

expressivas do corpo, por meio da voz, do espaço e na interação com os objetos; bem como a

exploração das capacidades de improvisar, dramatizar e coreografar.

Ademais, a reflexão e o estudo contextualizado das teatralidades permitem ao

educando, compreender o presente em algumas de suas dimensões por intermédio da ação

teatral. Dessa forma, o educando amplia seu olhar sobre o mundo situando-se frente à

contribuição das teatralidades na formação da identidade cultural dos povos e também dos

sujeitos.

5.10 Das Artes e as visualidades

5.10.1 A Abordagem Triangular

publicação de A imagem no ensino da arte (BARBOSA, 1991) difundiu a

chamada Abordagem Triangular e demarcou, inquestionavelmente, a emergência

de uma mudança na maneira de ver, dizer e fazer relacionada ao processo do

ensino e aprendizagem da arte no Brasil. A Abordagem Triangular foi sistematizada,

inicialmente, entre os anos de 1987 e 1993, no Museu de Arte Contemporânea da USP e,

simultaneamente, experimentada, com êxito, nas escolas da rede municipal de São Paulo, na

gestão de Paulo Freire como secretário de educação.

A Abordagem Triangular defende uma articulação entre a contextualização, a leitura

de imagens ou leitura de campo de sentido e a produção ou fazer artístico. Está associada a

uma visão da arte como conhecimento e como expressão e cultura.

Tal abordagem pretende ser uma incentivadora da comparação e do diálogo

interativo e prazeroso com o objeto cultural ou com sua reprodução, e considera seus

componentes como “ações mentalmente e sensorialmente básicas”.

Trata-se de uma abordagem que, em termos de procedimentos metodológicos, pode

ser desencadeada por qualquer um dos componentes. Qualquer conteúdo, de natureza visual e

A

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estética, pode ser explorado, interpretado e operacionalizado. Em vista disso, assume-se como

multicultural, uma vez que a Escola é vista como um espaço democrático de acesso à

informação artística e cultural de diferentes épocas e lugares.

A Escola, sobretudo a pública, é considerada como uma das responsáveis para tornar

possível o acesso à arte para a maioria das crianças. A abordagem triangular rechaça um

ensino de arte excessivamente espontaneísta porque advoga a convivência com referências

artísticas e culturais para viabilizar o processo de produção ou “fazer artístico”.

5.10.2 A Interculturalidade ou Multiculturalismo no ensino de Artes

A emergência do multiculturalismo vem sendo atribuída, a partir do final da década

de 1960, entre outros fatores, às implicações, nas relações internacionais, da convivência de

culturas estrangeiras específicas sem a regulação do Estado de origem, configurando-as como

“pequenas populações sem Estado”. É o caso, por exemplo, de vários imigrantes que vivem

em outros países, sem reconhecimento da sua cidadania como clandestinos.

A valorização do multiculturalismo, na educação em geral e no ensino de Artes, em

particular, está associada à repercussão de reivindicações defendidas pelos movimentos de

resistência ecológica, feminista e étnico-cultural, à difusão e valorização do intercâmbio entre

a cultura local e transnacional, ao agravamento das consequências proporcionadas pela evasão

escolar de crianças emigrantes, especialmente na sociedade britânica, e do segregacionismo

étnico norte-americano.

A tentativa de solucionar o problema da evasão escolar desencadeou, nesses países,

um movimento de reformulação curricular pautado na diminuição da segregação racial, na

luta pela igualdade de oportunidades para todos e no respeito aos direitos humanos,

permitindo às crianças o confronto com outros modos de vida e com racionalidades culturais

diferentes.

Dados recentes divulgados pelo relatório do Desenvolvimento Humano, no Brasil,

referentes a 1996, comprovam que mais de 35% dos negros, 33% dos pardos e 15% dos

brancos são considerados “analfabetos”. São dados que demonstram que o sistema

“educacional brasileiro é seletivo e discriminatório, porque seleciona em especial os pobres,

os negros, os mulatos e os nordestinos” (SILVA, 1999, p. 140). Em razão disso, vários textos

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acadêmicos e oficiais, entre os quais se incluem os Parâmetros Curriculares Nacionais, vêm

enfatizando a heterogeneidade da população brasileira e a importância de se implementar

políticas e propostas educativas multiculturais ou interculturais.

Na perspectiva intercultural, a comparação é assumida como um procedimento

primordial para implementar o reconhecimento das diferenças artísticas e culturais, ajudando

a perceber a existência de desigualdades dentro de uma mesma cultura, rechaçando a

marginalização e promovendo a tolerância. Os chamados fazeres especiais do cotidiano,

geralmente associados com estereótipos étnicos, com desníveis sociais, culturais, econômicos

e as relações desequilibradas de gênero, vêm sendo os motes desencadeadores de

questionamentos no trabalho educacional.

A contextualização da arte, nessa perspectiva, é permeada por uma visão

antropologizante e etnográfica da cultura de si e do outro. O conteúdo enfocado pela

perspectiva multicultural tenta se aproximar da vida com suas diferenças de significação de

mundo, heterogeneidade de sujeitos e diversidade de culturas. Os conteúdos são introduzidos

tendo como referência a realidade sociocultural dos estudantes e culminam no cruzamento de

diversos códigos da produção artística em seus diferentes contextos.

O ensino pautado na interculturalidade e na estética do cotidiano no ensino das Artes

rechaça, da mesma maneira que o faz a Abordagem Triangular, o expressivismo excessivo,

dissociado o tempo todo de informação cultural, e o monoculturalismo. Essa perspectiva não

se coaduna com propostas que desarticulam a arte da vida dos estudantes, nem hierarquiza o

circuito artístico consagrado no meio cultural e estético em que as crianças estão inseridas,

por meio do estudo da história da arte e a biografia dos “grandes” artistas.

Depreende-se, pelo exposto, que a atuação docente, comprometida com a perspectiva

multicultural, é aquela capaz de trabalhar com Pluralidade Étnico-cultural, Diversidade

Religiosa, Educação Especial, Diversidade Linguística, Diversidade Sexual e de Gênero,

tendo como referência o cotidiano dos estudantes. Contribui para que compreendam as

diferenças culturais, a partir dos próprios valores. É através dela que se consegue, pela

reflexão comparativa, mostrar que as culturas são diferentes e têm importância para aqueles

que as vivenciam.

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5.10.3 A Educação da Cultura Visual

esde os anos de 1990, repercutem, cada vez mais, as contribuições da Educação da

Cultura Visual ao processo educacional, em âmbito nacional e internacional.

Trata-se de um campo e uma abordagem transdisciplinar que tenta explorar as

diferentes imagens e suas potencialidades para consolidar, difundir e questionar processos

interpretativos, sem se preocupar em estabelecer fronteiras disciplinares e metodológicas.

A Educação da Cultura Visual, como o termo sugere, entende que as interpretações

visuais têm uma cultura, que afeta tanto o processo de produção como o de recepção de

visualidades, e que também pode ser associada às musicalidades e às teatralidades. Nesse

caso, as visualidades, as teatralidades e as musicalidades são construídas a partir de um

repertório cultural, forjado no passado, e que, no presente, fixa e dissemina modos de

compreender historicamente construídos.

A Educação da Cultura Visual é alimentada e se efetiva mediante a articulação de

diferentes saberes para que sejam compreendidos os efeitos e o poder dos processos de

subjetivação exercidos pelas visualidades, pelas teatralidades e pelas musicalidades,

especialmente na contemporaneidade.

O principal diferencial da Educação da Cultura Visual é a problematização das

interpretações desencadeadas pela interação com as visualidades, as quais podem ser

associadas às teatralidades e às musicalidades, sem problema algum.

O interesse principal é tentar confrontar diferentes modos de ver, dizer, pensar e

fazer, veiculados pelos diferentes tipos de visualidades, teatralidades e musicalidades.

Questionar as interpretações existentes, atentando para as condições históricas que

contribuíram para tornar uma determinada afirmação aceitável, e criar possibilidades para que

outras possam surgir são provocações fundamentais da Educação da Cultura Visual.

Sua principal colaboração é ajudar a produzir desconfianças nas “verdades”

transmitidas pelas visualidades, teatralidades e musicalidades. A problematização das

interpretações que fazemos, hoje, é a conexão importante para a escolha e os

encaminhamentos das visualidades, bem como das teatralidades e das musicalidades a serem

postas em deslocamento.

D

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A Educação da Cultura Visual não pretende compreender as visualidades,

teatralidades e musicalidades para desencadear processos de familiarização artística e cultural,

mas gerar desconfianças interpretativas na maneira como estamos acostumados a ver, pensar,

fazer e dizer. A familiarização artística, cultural e imagética pode ser uma decorrência dos

questionamentos promovidos a partir do processo de interação com os objetos e as imagens,

mas não é o seu foco principal.

Nesse aspecto, o interesse não reside nas “verdades ou mensagens ocultas”, mas nas

que estão visíveis, evidentes e bem próximas. São aquelas interpretações que, justamente por

estarmos acostumados com elas, não as percebemos, porque foram ou estão sendo

culturalmente “naturalizadas” ou “normalizadas” como padrões de pensamentos a serem

seguidos.

A Educação da Cultura Visual compreende que qualquer visualidade, teatralidade e

musicalidade, tanto no processo de produção quanto no de recepção, é envolta por práticas

discursivas e não discursivas. Entendo que imagens, junto com músicas, teatros e danças

diversas ratificam, disseminam e podem ajudar a questionar os significados em cada situação

específica. O interesse centra-se nas visualidades, nas teatralidades e nas musicalidades

comumente entendidas como interpretações visuais, teatrais e musicais construídas

historicamente pelos sujeitos em diferentes épocas.

As visualidades, teatralidades e as musicalidades podem ser entendidas como

regimes de enunciação visual ou os modos como passamos a ver, pensar, dizer e fazer de

determinada maneira, e não de outra.

Essa forma de encarar a relação do sujeito com o discurso e com as visualidades, as

teatralidades e as musicalidades traz algumas implicações no processo de sistematizaçao, de

deslocamentos de imagens e interpretações na perspectiva da Educação da Cultura Visual. A

principal é que as escolhas e o foco da análise residem mais nos conceitos, nos temas, nas

imagens e nos enunciados do que nos próprios sujeitos. Em decorrência, as reflexões não se

centram nos artistas ou em qualquer outro profissional produtor de imagens, músicas, teatros e

danças. A biografia só interessa quando ajuda a compreender as mudanças processadas na

produção artística e cultural. Isso não significa que os sujeitos não sejam importantes, mas

que o foco do processo de ensino e aprendizagem reside, prioritariamente, na maneira como

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os conceitos, as ideias foram tecidas ou passaram por mudanças de modo a fixar ou alterar

determinada interpretação em vigor no presente.

A perspectiva da Educação da Cultura Visual não se volta ao passado para

demonstrar erudição, mas para lançar outro olhar sobre a maneira como pensamos o hoje. Ao

conhecer o passado é possível questionar como nos tornamos o que somos e como

poderíamos não ser mais o que viemos a ser. É uma maneira de evidenciar as condições

históricas que ajudaram a fixar e disseminar determinadas interpretações em detrimento de

outras amplamente veiculadas pelas visualidades, pelas teatralidades e pelas musicalidades.

Procura-se entender como, no passado, determinadas interpretações passaram a ser

consideradas relevantes e interferiram nas nossas subjetividades no presente. A Educação da

Cultura Visual recorre ao passado para elaborar uma história de como passamos a pensar de

um determinado modo e não de outro, abrindo possibilidades para se pensar diferente no

presente.

Conhecer o passado é importante para compreender as condições que tornaram

aceitáveis e possíveis algumas crenças, valores e atitudes veiculadas pelas visualidades, pelas

teatralidades e pelas musicalidades, nas quais passamos a acreditar e com as quais passamos a

agir. É possível dizer que se recorre ao passado para ajudar a diagnosticar como nos movemos

no presente ao interagirmos com as visualidades, teatralidades e musicalidades. Não se trata

de conhecer o passado para se adotar uma “possibilidade do retorno” ou “uma volta às

origens”, mas construir uma história dos nossos olhares a partir do que não somos mais,

abrindo oportunidades para não sermos mais como passamos a ser.

É possível afirmar, ainda, que a Educação da Cultura Visual ajuda a promover

questionamentos sobre o passado renitente, que atravessa o presente, mediante as

interpretações desencadeadas pelas visualidades, teatralidades e musicalidades circundantes,

com a finalidade de construir outro hoje, incitando-o a ser diferente do que é.

O trabalho educacional pode ser definido pelo empenho em demonstrar a

contingência do presente, materializado em visualidades, teatralidades e musicalidades e, por

conseguinte, tentar abalá-lo como resultado de um processo histórico. A Educação da Cultura

Visual é uma maneira de realizar uma problematização histórica do presente.

A Educação da Cultura Visual pretende ser uma tentativa de reorganização do

espaço, do tempo, da relação entre docentes e alunos, bem como dos saberes a serem

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ensinados. Não se entende o currículo como uma “grade curricular”, tampouco o ensino como

uma relação unidirecional, mas como diversas oportunidades nas quais se constitui ou se

transforma a experiência de si.

As visualidades, teatralidades e musicalidades de vários tipos, quer estejam dentro ou

fora do contexto escolar, podem ser vistas como modalidades de currículos, de percursos que

nos fazem pensar, ver, agir e dizer de um determinando modo, e não de outro. Os diferentes

currículos sugerem e materializam conhecimentos, saberes e como devemos nos posicionar na

sociedade. Uma das finalidades da Educação da Cultura Visual é poder inventar outros

currículos com abertura suficiente para questionar os existentes, podendo cogitar outras

modalidades de currículos, outras veredas, outros percursos.

A concepção de currículo, que se coaduna com a perspectiva da Educação da Cultura

Visual, é a que o compreende como uma possibilidade para aberturas que permitam mudanças

constantes no processo de subjetivação, um lugar para a pluralidade de vozes e de interesses.

Um currículo capaz de questionar as opções por alguns saberes em detrimento de outros,

sempre permitindo a confrontação das diferenças e como foram produzidas nas relações de

saber e poder, sobretudo em situações de diversidades ou de desigualdades.

No confronto com as visualidades, teatralidades e musicalidades, algumas perguntas

são cruciais para ajudar a questionar as interpretações vigentes, na perspectiva da Educação

da Cultura Visual:

• Que saberes são validados pelas visualidades, teatralidades e musicalidades?

• Quais saberes são produzidos na relação com as visualidades, teatralidades e

musicalidades?

• O saber de quem? Para quem?

• Como as visualidades, teatralidades e musicalidades mostram como somos e

vivemos ou como devemos ser e viver?

• Quem é destacado? quem está excluído?

• Como as visualidades, teatralidades e musicalidades são mostradas de uma forma e

não de outra?

• O que pode ser dito e o que não está dito?

• Como as visualidades, teatralidades e musicalidades se relacionam com o que

penso, vejo, digo e com o modo como ajo?

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RCEF 2010 /Artes

• Quem fala ou quem está autorizado a falar?

A Educação da Cultura Visual é, a um só tempo, um convite à rebeldia e ao

autoconhecimento propiciado pela interação com as visualidades, teatralidades e

musicalidades. Incita-nos ao questionamento sobre como passamos a pensar como pensamos,

a ver como vemos, a agir como agimos e a dizer como dizemos. Abertura para possibilidades

de mudanças subjetivas é a sua principal provocação e inquietação no processo educacional.

6. AVALIAÇÃO

Eu tô aqui pra quê? Será que é pra aprender?

Ou será que é pra sentar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco cheio porque eu não fiz o dever

A professora já tá de marcação porque sempre me pega Disfarçando, espiando, colando toda prova dos colegas

E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo E quando chega o boletim lá em casa eu me escondo...

Trecho da letra de “Estudo Errado”, de Gabriel O Pensador

6.1 Dos sentidos de avaliar...

ara que se avalia? Qual o objetivo do processo avaliativo na Escola? Como se avalia

em Artes?

Medir, mensurar a aprendizagem do alunado; certificar a aquisição de

conhecimentos; estabelecer a classificação – dos melhores aos piores, com vistas à aprovação

daqueles que se encontram da ponta superior ao meio da escala de aprendizagem, e a

reprovação daqueles que se encontram do meio ao extremo inferior – são respostas que

condizem apenas com uma lógica da avaliação, mas esta não é a única possível e certamente

não está entre as mais justas e apropriadas, embora se configure como a lógica

tradicionalmente adotada e priorizada na educação brasileira.

A avaliação encontra-se no cerne das contradições do sistema de ensino,

relacionando-se, muitas vezes, de maneira desencontrada e desarticulada das intenções dos

educadores e dos princípios que desejam seguir e difundir.

P

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As chamadas avaliações somativa, normativa e classificatória que, no fundo da

questão, são variações de uma avaliação homogeneizadora, têm servido para fins de seleção

por meio de medidas e quantificações, estereotipando os alunos e classificando-os no final de

cada ciclo de estudos. Esses tipos de avaliação pressupõem que as pessoas aprendem de um

mesmo modo e ao mesmo tempo, e evidenciam o domínio de aprendizagens isoladas e

desarticuladas.

Também (re)produzem a lógica exclusivista camuflada na falsa garantia de igualdade

de acesso de todos à educação, pois se o sujeito não aprende, a responsabilidade é dele. E

ainda estabelecem o princípio da concorrência, da competitividade, uma vez que a definição

de padrões é externa ao sujeito, acontece por intermédio da comparação entre os estudantes,

resultando em um ranking dos melhores aos piores.

Conforme já evidenciamos em outras passagens destes Referenciais, a sociedade está

sempre mudando e a Escola, ainda que em passos lentos, muda também. As transformações

são geralmente respostas aos problemas vivenciados, às novas descobertas científicas ou às

novas demandas da sociedade. Os processos avaliativos não poderiam, por esta razão, ficar

imunes aos avanços, pois, na medida em que muda o olhar sobre um objeto ou situação,

modifica-se também a maneira de analisá-lo.

Segundo Perrenoud (1999), desde que a Escola existe, pedagogos se revoltam contra

as notas e tentam colocar a avaliação mais a serviço das aprendizagens do que do sistema.

Contudo, foi na década de 1960 que conceituou e inaugurou uma nova perspectiva de

avaliação.

A avaliação formativa tem como foco o processo de aprendizagem ou formação

(por isso tal denominação). Baseia-se na análise no decorrer do processo de ensino e de

aprendizagem, acontecendo de maneira processual, visto que está arraigada a todas as etapas

do processo indissociavelmente; e, contínua, pois não há momentos específicos para avaliar -

enquanto o professor ensina, ele também avalia.

Tal modalidade de avaliação tem como propósito regular o próprio processo de

ensino no intuito de garantir a aprendizagem - informando professor e aluno dos resultados

desse processo. Possibilita, por este motivo, a mudança de estratégias para se alcançar os

objetivos educacionais, diferentemente da avaliação somativa que, acontecendo ao final de

cada etapa, não possibilita a adequação e mudança: consequentemente, diminui

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consideravelmente a possibilidade de atender às diversas formas de aprendizagem e de

aprimoramento das estratégias usadas.

Tal concepção prima pelo sujeito e propõe analisar seu desenvolvimento tendo como

ponto de referência ele próprio. Assim, o princípio comparativo entre os sujeitos se esvai e dá

lugar a uma análise sobre os processos pessoais de construção, em que o que importa é o

avanço de cada um frente ao seu próprio estado inicial de aprendizagem. Dessa forma, ela

propicia o desenvolvimento da cooperação em detrimento da competição.

6.2 Da coexistência das avaliações formativa e somativa

Nenhuma lógica avaliativa é estanque ou acontece de maneira isolada e independente

de outras lógicas avaliativas. Não há rupturas absolutas, diferentes maneiras de ver e agir

coexistem na Escola e determinam práticas plurais e híbridas. Apesar de contraditórias, as

lógicas formativa e somativa habitam o cotidiano do ensino no Brasil.

Conforme afirma Perrenoud (1999, p. 78), há uma parcela de avaliação formativa

em toda avaliação contínua. Isso ocorre mesmo nos sistemas escolares tradicionais, pois,

inevitavelmente, há um mínimo de regulação em função das aprendizagens. Essa afirmação

pode ser feita desde que entendamos a lógica formativa como toda prática de avaliação

contínua que pretende contribuir para melhorar as aprendizagens em curso. Nessa perspectiva,

este autor interroga: “Se a avaliação formativa nada mais é do que uma maneira de regular a

ação pedagógica, por que não é uma prática corrente?” (PERRENOUD, 1999, p. 14).

Primeiramente, destacamos que as noções de bom senso relacionadas, de algum

modo, à regulação do processo de ensino e à avaliação formativa, se dão, geralmente, em

âmbito global. Não são, portanto, diferenciadas – centradas nas diferenças individuais. A

lógica formativa estabelecida limita-se a regular o ritmo e o conteúdo do ensino, ajustando o

currículo ao compasso da turma. Na medida em que o professor percebe indícios de que o

objetivo não está sendo alcançado, de alguma forma, ele busca outras estratégias de atuação

com o grupo. Contudo, alcançar a avaliação formativa em sentido amplo exige mudanças

mais profundas na concepção e prática avaliativas.

A lógica somativa domina a maior parte da ação avaliativa no ensino do país. Ela dá

maior ênfase aos instrumentos avaliativos como provas, testes, e privilegia a nota como forma

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de verificar o alcance dos objetivos pretendidos. É usada para atender à função comparativa e

classificatória no fim de cada processo, segundo os níveis de aproveitamento – “do melhor ao

pior aluno”.

Embora exista uma parcela formativa nos processos avaliativos desta natureza,

precisamos reconhecer que a educação brasileira dá ênfase, sobretudo, à avaliação somativa,

em diferentes âmbitos: no plano macro – sistemas de regulação nacional/estadual, como o

Exame Nacional de Desempenho do Estudante – ENADE; Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Básica - SAEB / Prova Brasil; e no plano micro – que acontece na sala de aula,

determinando os resultados finais dos períodos/ bimestres e fim do ano.

O grande desafio de se instaurar efetivamente a avaliação formativa consiste no

impacto da ruptura que ela pressupõe: operar a ação educativa ao nível das

aprendizagens e individualizá-la; mover as informações coletadas no processo avaliativo

colocando-as a serviço da reflexão da prática docente, e inaugurar medidas pontuais de

intervenção para cada educando.

Dessa forma, a avaliação entraria em consonância com a lógica das diversidades e

do respeito às variadas formas de aprender, fundamentadas no princípio da igualdade de

direitos e do aprender a aprender.

6.3 Da avaliação formativa

Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar:

Manhê! Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova

Decorei toda lição Não errei nenhuma questão

Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!)

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi

Decoreba: esse é o método de ensino Eles me tratam como ameba e assim eu não raciocino

Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos Desse jeito até história fica chato

Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo

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Porque eu quero usar a mente pra ficar inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente

E sei que o estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa

O sistema bota um monte de abobrinha no programa Trecho da letra de “Estudo Errado”, de Gabriel O Pensador

Conforme anunciamos, a avaliação formativa está pautada em três princípios:

• O primeiro deles diz respeito ao aspecto processual e contínuo, que possibilita uma

visão mais abrangente e realista da realidade, evitando as falhas do processo que já são

conhecidas pelos professores: “ele sabe, mas fica nervoso na prova”, “ela sabe, mas

não se saiu bem na avaliação”, dentre outras falas rotineiras;

• O segundo refere-se à diferenciação, que permite o exercício do respeito às

diversidades, à forma particular de aprendizagem e o tempo necessário para efetivar-

se. Possibilita que todos os sujeitos se apropriem de novos conhecimentos,

combatendo a segregação na Escola;

• O terceiro princípio trata da regulação, que acontece na medida em que o sistema de

ensino se ajusta tendo em vista as necessidades individuais e coletivas, e possibilita a

(re)organização e o (re)planejamento por parte do educador e do educando. Ela deixa

de ser externa/posterior ao processo de ensino e passa a estar intrínseca a ele,

enriquecendo-o de sentido e direção.

Estes aspectos principais fazem com que a avaliação formativa não seja um fim em si

mesma. Ao contrário, serve ao processo de ensino e de aprendizagem de forma a nutri-lo,

direcioná-lo e melhorá-lo, proporcionando, além da qualidade educacional, também a garantia

de que todos os sujeitos tenham oportunidade de crescer e aprender em suas individualidades.

Por isso, o ensino deve primar pela avaliação formativa, pois ela dá sentido ao ato de

avaliar, proporcionando o progresso individual e coletivo. Ainda que o sistema educacional

brasileiro exija respostas manifestadas por meio da avaliação somativa, esta deve vir como

resultado, consequência de um processo mais humanizado e legítimo que é próprio do seu

sentido formativo.

Pensando na coexistência das avaliações com ênfases formativa e somativa, impostas

pelas exigências do sistema de ensino, propomos uma reflexão com base num exemplo

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hipotético que nos permite visualizar quando a avaliação formativa sobrepõe-se à somativa no

ensino de Artes:

Imaginemos que o professor proponha certo trabalho com uma turma de sétimo ano,

centrado na reflexão acerca dos modos como as musicalidades reproduzem e expressam a

representação da mulher na sociedade ao longo dos tempos. Trabalho realizado por meio de

um projeto intitulado “A representação da mulher nas musicalidades – percursos históricos”.

O trabalho, desenvolvido em grupos, pressupõe:

1- Problematização da questão; 2- Pesquisa sobre musicalidades em diversos momentos

históricos (passado e presente) e a reflexão crítica e comparativa entre os vários recortes

temporais; 3- Produção de musicalidades utilizando-se de conhecimentos específicos de tal

produção, com vistas à construção de possibilidades de vir a ser (futuro).

Observemos o quadro comparativo:

Situação inicial: Nos diferentes grupos, há alunos com capacidades variadas para perceber, apreciar e criar sons, mais que natural!

ÊNFASE À AVALIAÇÃO FORMATIVA ÊNFASE À AVALIAÇÃO SOMATIVA

O professor acompanha o passo a passo das atividades. Em cada momento, observa especialmente um número de alunos.

O professor registra observações referentes a cada aluno observado.

O professor percebe o empenho maior ou menor de cada aluno para se apropriar de cada etapa.

O professor assiste à apresentação de cada grupo, que consiste no fechamento do projeto.

O professor observa o passo a passo das atividades de forma geral, acompanhando o trabalho nos grupos.

O professor não registra as observações individuais do desempenho de cada aluno observado.

O professor percebe os avanços gerais de cada grupo para se apropriar de cada etapa.

O professor assiste à apresentação de cada grupo, que consiste no fechamento do projeto.

Situação final: Na apresentação final, os grupos que eram formados por alunos que já tinham um

contato prévio com a apreciação e produção em musicalidades, em seus convívios sociais, tiveram

melhor desempenho, sem ter tido grande esforço para isso. Contudo, o professor percebeu que uma

equipe, em especial, teve grande empenho para superar as dificuldades, apesar de não ter alcançado

um resultado tão satisfatório.

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SÍNTESE AVALIATIVA COM ÊNFASE NA AVALIAÇÃO FORMATIVA

SÍNTESE AVALIATIVA COM ÊNFASE NA AVALIAÇÃO SOMATIVA

Conforme o professor foi observando, auxiliando cada grupo, foi vendo as necessidades individuais e grupais, incentivando, instruindo e redirecionando os trabalhos.

Em sua síntese avaliativa, exigida pelo sistema por meio da atribuição de notas, o professor teve como princípio analisar cada aluno em seu processo individual, ou seja, seus avanços do início ao fim do processo.

Assim, o critério foi o empenho durante o processo, o resultado final foi visto como consequência.

Formalizou, após diálogo com os alunos, o resultado assim: notas melhores para aqueles que melhor se desenvolveram no processo de construção do conhecimento e mais se esforçaram em superar-se.

Conforme o professor foi observando cada grupo, foi percebendo aqueles que estavam se destacando na conquista dos objetivos do projeto.

Em sua síntese avaliativa, exigida pelo sistema por meio da atribuição de notas, o professor teve como princípio comparar os alunos entre si, criando uma escala dos que menos alcançaram os objetivos, para os que mais alcançaram.

Assim, o critério foi o resultado final, o processo só serviu de meio para isso.

Formalizou, a partir de seus critérios pessoais, o resultado assim: notas maiores para aqueles que alcançaram melhor resultado e as menores notas para aqueles que não conquistaram os objetivos satisfatoriamente.

A partir desse quadro ilustrativo, ressaltamos que a avaliação formativa, além de

garantir melhorias na qualidade de ensino e o respeito às diversidades, também se efetiva em

consonância com uma educação mais ampla que ultrapassa a mera aprendizagem de

conteúdos.

Ao analisar todo o processo de aprendizagem revelando e valorizando as

individualidades, o respeito e a cooperação, a avaliação formativa possibilita a formação do

sujeito apto a exercer sua cidadania, por meio do desenvolvimento das capacidades de:

aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver e aprender a ser.

6.4 Da avaliação formativa em Artes

Mas o ideal é que a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais

E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles não lembram mais nada

E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada Trecho da letra de “Estudo Errado”, de Gabriel O Pensador

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Todo processo avaliativo pressupõe julgamento. Seria ingênuo pensar que ele se

efetiva na imparcialidade e na neutralidade. É o olhar do professor que dirige a ação

avaliativa, que se inicia muito antes do que se imagina, desde a escolha do que trabalhar e de

como proceder.

Nesse sentido, a avaliação em Artes é especialmente delicada, pois seu objeto é o

mais subjetivo dentre as disciplinas, pois não há produção certa e errada, a liberdade nesse

sentido é muito maior, está pautada em critérios estéticos variados. E, por esse motivo, sua

avaliação é mais arriscada, especialmente se o professor se detiver nos gostos pessoais, não

permitindo o diálogo entre produtor (aluno) e avaliador (professor).

É fundamental que o professor mantenha a compreensão de que o ensino de Artes

não tem como objetivo formar artistas. Em vez disso, pretende desenvolver a capacidade

crítica, reflexiva, criadora, a expressão, e os aspectos afetivos e sociais mediados pelas

musicalidades, teatralidades e visualidades.

Mas então, como desenvolver o processo avaliativo?

Antes de tudo, é preciso transparência, informando o que se pretende avaliar e

como se pretende avaliar, permitindo que os alunos opinem sobre tais escolhas, questionem

com o objetivo de chegar a alguns consensos.

Os instrumentos avaliativos adotados devem, também, se articular aos objetivos

que se quer alcançar, com os conteúdos selecionados e com os procedimentos de ensino,

para não se correr o risco de o trabalho fracassar por falta de coerência.

As intervenções do educador devem preservar as individualidades, pois cada um, a

partir de seu lugar, constrói seus padrões e define seus gostos. Ao professor, cabe

disponibilizar e democratizar o acesso às variadas formas expressivas de musicalidades,

teatralidades e visualidades.

Além disso, o professor precisa aceitar seus erros e consertá-los sempre que for

possível. Isso pressupõe admitir sua humanidade e parcialidade, permitindo-se aprender com

os próprios erros e equívocos.

Ao contrário do que muitos pensam, tal atitude não promove o desmerecimento do

trabalho docente, tampouco a falta de autoridade do professor (diferente de autoritarismo).

Em vez disso, promove o respeito e aproxima estudante e educador responsabilizando-os pelo

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processo de ensino e de aprendizagem, extinguindo a visão de que professor é inimigo. Uma

boa estratégia para evitar a ocorrência de falhas é estar sempre acessível ao diálogo,

principalmente no “fechamento” de cada processo avaliativo, permitindo que cada aluno

discuta a avaliação e o professor reavalie o processo, construindo uma ação dialógica e justa.

Segundo Irene Tourinho, na palestra “Avaliação e suas possibilidades no ensino de

Artes”, proferida dia 12 de novembro de 2010, no I Encontro Nacional de Ensino de Artes:

circuito Nordeste, ocorrido na cidade de João Pessoa/PB, o professor não deve ter medo de

arriscar e experimentar diferentes estratégias, pois cada ação pode suscitar uma avaliação

única e inovadora.

Ademais, não existem “fórmulas prontas embaladas num pacote milagreiro”: toda

prática se constrói na própria prática, no ir e vir, no acerto e erro, desde que intermediado pela

reflexão.

6.5 Dos recursos e orientações voltados à avaliação

Tendo como preceito a avaliação formativa, apontamos algumas possibilidades de

recursos avaliativos condizentes com esta proposta. Salientamos que estas não são as únicas

possibilidades, por isso, não estamos propondo que o professor se limite a tais sugestões.

Valorizamos a inovação, a criatividade e iniciativa de cada um no sentido de produzir

soluções próprias em cada realidade.

Também salientamos que a utilização conjunta das sugestões aqui listadas permite

maior abrangência avaliativa, além de possibilitar que as variadas habilidades pessoais sejam

expressas, minimizando o favorecimento de certas capacidades em detrimento de outras.

Portfólio – compreende a coletânea de todos os trabalhos realizados durante um

curso ou disciplina, podendo ser individual ou grupal. Sua vantagem é possuir uma

organização flexível, podendo conter, entre outros elementos: registros de aulas, registros de

visitas aos espaços de vivência em artes, resumos e resenhas de textos, reproduções de

visualidades, musicalidades e teatralidades (por meio de CD, fotografias, vídeos ou

fotocópias), projetos e relatório de pesquisa sobre o tema, anotações de experiências, ensaios

autorreflexivos acerca do processo de produção, dentre outras tantas possibilidades que

colaborem para o aluno perceber em quê a disciplina está ajudando ou modificando sua visão

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de mundo. Também permite, ao professor, ter acesso aos registros dos percursos de

construção do conhecimento pelo educando.

Caderno de Memória, Diário de Bordo ou Blog – Independentemente de qual

formato tenha, neles o aluno registra suas atividades, reflexões, os seus comentários sobre

como o trabalho vem sendo desenvolvido, individual ou coletivamente. São formas

privilegiadas de descrever e refletir sobre os problemas que surgem, os obstáculos e a forma

de superá-los. A escrita desenvolve o hábito de pensar a ação e a própria aprendizagem. No

caso da utilização do Blog, a relação com as novas tecnologias pode favorecer o interesse pelo

registro das atividades, além de possibilitar a interação comunicativa com outros sujeitos.

Criação pessoal e grupal de musicalidades, teatralidades e visualidades – a

utilização dos recursos, técnicas e procedimentos artísticos por meio da produção permite que

o professor avalie os processos de criação individuais e coletivos. Significa, portanto, avaliar

se o aluno transpõe o conhecimento teórico à sua execução prática, o saber fazer, o saber ser e

o saber conviver.

Autoavaliação – a autoavaliação à que nos referimos aqui se baseia na autorreflexão

e autocrítica, e o aluno deverá expressar o caminho trilhado, os avanços e dificuldades, o que

aprendeu e o que ainda não aprendeu; também seu comportamento junto à coletividade, e

outras tantas análises possíveis. Ela pode ser feita de forma oral ou escrita, também pode

acontecer individualmente ou em grupo, porém, não se restringe à mera atribuição de notas

por parte dos alunos.

Essas formas de avaliar e outras tantas possíveis como: avaliações orais – que

podem analisar a visão perceptiva dos educando; avaliações escritas – que podem ponderar

os processos reflexivos relacionados à questão-problema; relatórios – que permitem refletir

sobre o entendimento e amplitude da visita, ou outros processos de ensino e aprendizagem.

Não são os instrumentos avaliativos que, isoladamente, definem se uma prática é

inovadora ou não, e sim o uso que se faz de tais instrumentos.

Quaisquer que sejam os instrumentos adotados, eles devem estar pautados em

princípios, alguns dos quais já tratamos no decorrer do texto e sistematizamos para reforçar

tais orientações. Assim, o processo avaliativo deve ser:

• Abrangente – abarcar todos os envolvidos no processo;

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• Transparente e compreensível – ser conhecido por todos os envolvidos no processo

educacional;

• Flexível - permitir mudanças quando necessário;

• Contínuo e processual – considerar todo o percurso de aprendizagem;

• Diversificado – atender às expectativas e necessidades de todos os envolvidos no

trabalho educacional;

• Compromissado com a aprendizagem;

• Incentivador e desafiador;

• Construído coletivamente;

• Instrumento de promoção e transformação;

• Instrumento de reorientação;

• Multidimensional: Do aprender a conhecer

Do aprender a fazer

Do aprender a ser

Do aprender a conviver

Inquestionavelmente, só educadores que prestam atenção em seus educandos, os

veem e escutam, conhecendo as capacidades e potencialidades de cada um, podem

proporcionar-lhes as aprendizagens de que precisam para se desenvolverem.

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ANEXOS

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MUSEUS

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TEATROS

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EDUCAÇÃO FÍSICA

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CONSULTORES ELABORADORES

Profa. Menda. Áurea Augusta Rodrigues da Mata – UFPB/PMJP

Prof. Me. Jeimison de Araújo Macieira – PMJP

LEITORES CRÍTICOS

Audineto Nunes de Freitas – 7ª GREC

Célia Maria Ferreira Santos da Silva – 1ª GREC

Jansem Ramos Campos – 3ª GREC

Márcio Medeiros Vieira – 6ª GREC

Maria do Socorro Porto – 4ª GREC

Ricardo de Souza Costa – 12ª GREC

Ticiano Vieira de Carvalho Fonseca – 8ª GREC

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RCEF 2010 /Educação Física

APRESENTAÇÃO

“... as contradições da prática social devem estar presentes na escola – como atualidade e como auto-organização – já que não basta interpretar o mundo, é preciso também transformá-lo – como propõe Marx”. (FREITAS, 2009, p. 78).

rezados professores,

O documento aqui apresentado é oriundo das discussões e reflexões

realizadas junto aos professores da rede estadual de ensino da Paraíba que

participaram do momento de construção desses Referenciais Curriculares. Essas

reflexões foram pautadas no cotidiano escolar paraibano a partir das dificuldades enfrentadas

no dia a dia pelo coletivo político que constitui a Escola.

O nosso diálogo partiu das questões mais gerais, como concepção de homem e de

sociedade, até as especificidades da instituição Escola e, mais particularmente, das aulas de

Educação Física. Levantaram-se questões como: Que projeto histórico de sociedade e de

homem queremos? Com que projeto de Educação e Educação Física estamos comprometidos?

Colocamo-nos comprometidos em dar respostas aos interesses e anseios da classe

trabalhadora, e, para isso, esses referenciais aqui apresentados tomam como bases teóricas a

Pedagogia Histórico-Crítica e a Abordagem Crítico-Superadora, a qual admite a Cultura

Corporal como objeto de estudo e têm como base a teoria do conhecimento materialista

histórico-dialética. Coletivamente, consideramos esta abordagem como aquela que dá conta

de responder às necessidades do cotidiano escolar e de garantir aos alunos o acesso ao

conhecimento produzido e acumulado historicamente pela humanidade. Assim, nossa

proposta estabelece compromisso com uma educação problematizadora que está

fundamentada nos alunos como sujeitos históricos, autênticos e incompletos – em permanente

devir – e que fazem parte de uma realidade também incompleta e em contínua construção,

pois a educação se constitui como uma prática social.

Essas orientações exigem uma organização curricular que possibilite desenvolver

outra lógica sobre a realidade, a lógica dialética, na qual o aluno possa realizar outra leitura,

desenvolvendo possibilidades de compreensão, de maneira que possa agir criticamente sobre

a realidade. “O currículo capaz de dar conta de uma reflexão pedagógica ampliada e

P

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comprometida com os interesses das camadas populares tem como eixo: a constatação, a

interpretação, a compreensão e a explicação da realidade social complexa e contraditória”

(COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 28).

Para tanto, a Educação Física não pode estar sozinha, isolada das outras disciplinas;

pois o objeto de estudo de cada componente curricular só tem sentido pedagógico à medida

que se articula com os demais. Nessa concepção de currículo, a disciplina é relevante quando

a ausência de seu objeto de estudo compromete a visão de totalidade do aluno. Não podemos

esquecer que a disciplina também precisa estar articulada ao projeto político pedagógico da

Escola.

Outras discussões que não podem ficar fora da Escola e, consequentemente, das aulas

de Educação Física, dizem respeito aos temas transversais, os quais permeiam o cotidiano

escolar. Neste documento, o coletivo que o constituiu (consultores e professores) optou por

incorporar em suas reflexões, de forma central, o tema transversal Diversidade Sociocultural.

De acordo com Almeida (2009), são vários os problemas que a Educação Física

precisa enfrentar, tais como: a ausência de conteúdos nas aulas, a competitividade exacerbada,

o individualismo, a reprodução e dependência cultural no trato do conhecimento, a ausência

do trabalho socialmente útil na Escola e nas relações didáticas mais gerais, os processos de

exclusão implícitos nas ações avaliativas, a superação do dualismo teoria-prática, dentre

outros. Mas, é a partir do acesso ao conhecimento sistematizado que poderemos dar saltos

qualitativos na nossa práxis educativa.

O trato do conhecimento na organização do trabalho pedagógico exige um método

didático da prática social, que promova o desenvolvimento do pensamento do senso comum

ao pensamento do concreto pensado (SAVIANI, 2002). O professor, ao lidar com o

conhecimento numa perspectiva ampliada, deve fazê-lo a partir do entendimento das relações

e nexos que o geraram, histórica e socialmente, o que implica: a) partir da prática social; b)

problematizar a prática social; c) instrumentalizar; d) planejar-implementar-avaliar, criar; e) e

retornar à prática social em um nível mais elaborado, do ponto de vista teórico e prático.

É preciso que os professores percebam a diferença e a importância de trabalhar na

perspectiva de focar o esporte da escola em contraposição ao esporte na escola. Esse

entendimento se amplia a todos os conteúdos estruturantes da Cultura Corporal.

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1 A INSERÇÃO DA DISCIPLINA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSIN O FUNDAMENTAL

niciaremos nosso diálogo fazendo um resgate histórico da inserção da disciplina

Educação Física como componente curricular, no contexto educacional brasileiro.

Nas primeiras quatro décadas do século XX, a Educação Física sofreu forte influência

dos Métodos Ginásticos e da Instituição Militar. Eram os instrutores do exército que

ministravam as aulas de Educação Física nas escolas, focando na disciplina e na hierarquia.

Nesse período, os médicos, especificamente os higienistas, também exerceram influências no

desenvolvimento dos conteúdos da Educação Física escolar, orientando, assim, a função a ser

desempenhada por essa disciplina, que seria a de desenvolver a aptidão física dos indivíduos.

A história da Educação Física no Brasil se confunde, em muitos momentos, com as

instituições médicas e militares que, em variados momentos, definiram o caminho da referida

disciplina e delinearam seus espaços, delimitaram o seu campo de conhecimento, tornando-a

"um valioso instrumento de ação e de intervenção na realidade educacional e social [...]"

(SOARES, 2007, p. 69).

Outras tendências surgiram após a Segunda Guerra Mundial, dentre elas o Método da

Educação Física Desportiva Generalizada, divulgada em nosso país por Auguste Listello. De

acordo com essa tendência, o esporte passa a ser um dos conteúdos principais nas aulas de

Educação Física. E na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, fica determinada a

obrigatoriedade da Educação Física para o ensino primário e médio.

Essa influência do esporte no sistema escolar é de tal magnitude que temos, então, não o esporte da escola, mas sim o esporte na escola. Isso indica a subordinação da educação física aos códigos/sentido da instituição esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento da instituição esportiva: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e internacional. Esses códigos podem ser resumidos em: princípios de rendimento atlético/desportivo, competição, comparação de rendimentos e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas etc. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 54).

Através do Decreto n.º 69.450, de 01 de novembro de 1971, a referida disciplina

permanece como obrigatória no currículo, reconhecida como atividade escolar regular, em

todos os graus de ensino. Permanece, também, a ênfase na aptidão física, pois a Educação

Física é considerada como “atividade que por seus meios, processos e técnicas, desperta,

I

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desenvolve e aprimora – forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando,

constituindo um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional”

(BRASIL, 1971).

Na década de 1970, os vínculos entre esporte e nacionalismo tornaram-se mais

próximos, e foi o “modelo piramidal”1 que orientou as diretrizes para a Educação Física

escolar. Foi o período da “caça” aos novos talentos esportivos para representarem o país nas

competições internacionais; as escolas eram vistas como “celeiro de atletas”. Almejava-se

consolidar o país como potência olímpica, elevando seu status político e econômico.

Porém, os resultados não atingiram o esperado, o país não se tornou uma nação

olímpica. Em decorrência disso, nos anos de 1980, houve uma crise de identidade nos

pressupostos e no próprio discurso da Educação Física, causando mudanças significativas na

política educacional relativa à disciplina. Nesse cenário, surgem diferentes abordagens

teóricas criticando as características vigentes da área e propondo novos pressupostos. Desse

movimento de mudanças nas concepções pedagógicas da Educação Física, que teceram

críticas aos paradigmas da aptidão física e esportivização, destacamos:

� A Psicomotricidade (1983) – essa abordagem tem por objetivo a formação

integral do aluno. A Educação Física está voltada para o desenvolvimento da

criança e trabalha o ato de aprender ligado aos processos cognitivos, afetivos e

psicomotores. Nessa perspectiva, a referida disciplina é compreendida somente

como meio para educar e disciplinar os corpos, pretendendo, através dos

exercícios, desencadear mudanças de hábitos, ideias e sentimentos. O autor de

referência é Le Boulch (1983);

� Abordagem Desenvolvimentista (1988) – defende o movimento como

principal meio e fim da Educação Física, o ensino de habilidades motoras de

acordo com uma sequência de desenvolvimento motor. O autor de referência é

Go Tani (1988). Essa abordagem fundamenta-se nas obras de D. Gallahue

(1982) e J. Connoly (1980); 1 Com o propósito de formar um exército constituído por jovens sadios e fortes, o governo militar, na década de 1970, investiu na Educação Física. Para isso, foi criado o chamado "modelo piramidal", do qual a Educação Física escolar seria a base. A maior meta desse modelo era projetar, cada vez mais, a imagem do país através do desempenho dos seus atletas. Por esse motivo, as aulas de Educação Física da época começaram a contemplar o aluno mais habilidoso em detrimento dos demais.

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� Abordagem Construtivista (1989) - defende a construção do conhecimento a

partir da interação do sujeito com o mundo (perspectiva construtivista-

interacionista). Nessa abordagem, o jogo enquanto conteúdo/estratégia tem

papel privilegiado; fundamenta-se na psicologia do desenvolvimento. O autor

referência é João Batista Freire (1989), sua fundamentação teórica é oriunda

dos trabalhos de Jean Piaget.

Já na perspectiva da Pedagogia Crítica brasileira, destacamos na Educação Física a

abordagem Crítico-Superadora (1992) e a abordagem Crítico-Emancipatória (1991). De

acordo com Darido (2001, p. 12),

Estas abordagens denominadas críticas ou progressistas passaram a questionar o caráter alienante da Educação Física na escola, propondo um modelo de superação das contradições e injustiças sociais. Assim, uma Educação Física crítica estaria atrelada às transformações sociais, econômicas e políticas tendo em vista a superação das desigualdades sociais.

A abordagem Crítico-Superadora trata como objeto de estudo da Educação Física a

Cultura Corporal, a partir de conteúdos estruturantes como jogo, esporte, ginástica, luta,

dança, entre outros, construídos e acumulados historicamente pela humanidade. Em relação à

seleção dos conteúdos para as aulas, propõe que se considere a relevancia social dos

conteúdos, sua contemporaneidade e sua adequação às características sociocognitivas dos

alunos. Propõe que os conteúdos selecionados para aulas de Educação Física propiciem a

leitura da realidade do ponto de vista da classe trabalhadora. Essa abordagem surgiu de um

Coletivo de Autores2, no início dos anos de 1990, e tem como referencial a teoria do

conhecimento do materialismo histórico-dialético, que chegou à Educação Física através das

influências dos professores Libâneo (1985) e Saviani (1991).

Na abordagem Crítico-Emancipatória, o movimento humano em sua expressão é

considerado significativo no processo de ensino/aprendizagem, pois está presente em todas as

vivências e relações que constituem o “ser no mundo”. Nesse sentido, parte do entendimento

de que a expressividade corporal é uma forma de linguagem pela qual o ser humano se

relaciona com o meio, tornando-se sujeito a partir do reconhecimento de si no outro. Tem

2 Coletivo formado por: Carmen Lucia Soares, Celi Nelza Zulke Taffarel, Maria Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Michele Ortega Escobar e Valter Bracht.

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como centro da discussão o processo comunicativo, também descrito como dialógico. O autor

referência é o professor Elenor Kunz (1994), que se fundamenta teoricamente nas ideias da

teoria sociológica da razão comunicativa de Habermas (1987) e situa-se no âmbito do

paradigma fenomenológico da ciência, principalmente nos estudos de Merleau-Ponty (1974).

Essas duas abordagens, como já dito anteriormente, são as que avançam para uma

Educação Física crítica, relacionada à transformação social. No entanto, existem, entre elas,

diferenças estruturais e de concepções teóricas, tais como: a Crítico-Emancipatória propõe

como conteúdo da Educação Física apenas o esporte e se preocupa com a transformação

didático-pedagógica apenas do esporte. Já a Crítico-Superadora apresenta um conteúdo

amplo, a cultura corporal, que abrange jogo, esporte, ginástica, luta, dança, entre outros

conteúdos.

Kunz (1994) faz uma crítica ao Coletivo de Autores (1992), em relação à cultura

corporal, e ressalta que a visão de "cultura corporal" possibilita fragmentações e uma possível

forma de retorno a dicotomias entre corpo e mente, pois, uma vez que exista a cultura

corporal, do corpo, seus gestos e significados, poderá haver, então, novas e tantas quantas

forem possíveis áreas de expressão cultural (Cf. KUNZ, 1994, p.18-20).

Somos contrários a essa crítica, e concordamos com Escobar e Taffarel (2009, p. 174)

quando afirmam que:

Assinalar à disciplina Educação Física o campo da Cultura Corporal como objeto de estudo não significa perder de vista os objetivos relacionados com a formação corporal, física, dos alunos, senão recolocá-los no âmbito espaço-temporal da vida real de uma sociedade de classes.

Em meados dos anos de 1990, foi discutida e aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDBEN, de n. 9.394/96. As referências vinculadas à Educação Física

são encontradas no art. 26 § 3º, onde se lê: “A Educação Física, integrada à proposta

pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica, ajustando-se às faixas

etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos” (BRASIL,

1996).

Anos mais tarde, foi aprovada a Lei n. 10.328, de 12 de dezembro de 2001, que altera

a redação do parágrafo referido anteriormente. A novidade que a lei traz, é a inclusão, na

própria ementa, da palavra “obrigatório” após a expressão “curricular”. O processo de

regulamentação do artigo 26 da LDBEN não parou por aí, uma vez que, em 1º de dezembro

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de 2003, é aprovada a Lei n. 10.793, que dá uma nova redação ao § 3º do artigo 26 e amplia e

aprofunda o texto da Lei n. 10.328, de 2001.

Deste modo, a lei que vigora nos dias de hoje, tem a seguinte redação:

§ 3º. A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é

componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática

facultada ao aluno:

I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas;

II – maior de trinta anos de idade;

III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação

similar, estiver obrigado à prática de atividade física;

IV – amparado pelo Decreto – Lei n. 1.044, de 21 de outubro de 1969;

V – (VETADO)3;

VI – que tenha prole.

Logo após a LDBEN de 1996, o Ministério da Educação, através da Secretaria de

Ensino Fundamental, lançava os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) – PCN, que têm

como função primordial subsidiar a elaboração ou a versão curricular dos estados e

municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a

discussão pedagógica interna às escolas e a elaboração de projetos educativos; assim como

servir de material de reflexão para a prática dos professores. No entanto, o que era para servir

de referencial, acabou se tornando um currículo mínimo, propondo objetivos, conteúdos,

métodos, avaliação e temas transversais.

Referente à disciplina de Educação Física, os PCN não apresentaram uma coerência

teórica. Tanto é assim que suas formulações foram consideradas como um ecletismo teórico,

por estudiosos/críticos4, uma vez que a opção de seus elaboradores foi mesclar elementos e

objetos de estudos de várias abordagens, o corpo humano, a motricidade e a cultura corporal

humana, sem ao menos estabelecerem qualquer referência às profundas e antagônicas

diferenciações em termos de projetos históricos, concepções filosóficas, referências

epistemológicas, bases teóricas e proposições metodológicas entre as três propostas.

3 O inciso V- de curso de pós-graduação foi vetado pelo motivo de o art. 26 da LDBEN referir-se à organização curricular da educação básica, portanto, considerou-se que a inclusão desse item extrapolava a matéria. Mensagem n. 672, de 1º de dezembro de 2003. 4 A propósito, cf. CBCE, 1997.

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Essa avaliação dos PCN aponta a necessidade de avançarmos na construção de um

referencial curricular tendo por base uma abordagem teórica preocupada em assegurar aos

alunos uma formação que os possibilite a identificarem, sistematizarem, ampliarem e

aprofundarem seus conhecimentos, admitindo nesse caminho o reconhecimento dos dados da

realidade social na qual estão inseridos, para que, a partir daí, possam intervir na realidade.

Percebendo a escola como “um instrumento de luta, no sentido de que permite

compreender melhor o mundo [...] com a finalidade de transformá-lo, segundo interesses e

anseios da classe trabalhadora [...]” (FREITAS, 2009, p. 34) e relacionando com a realidade e

as necessidades históricas das escolas da rede estadual de ensino da Paraíba, identificamos, a

partir das oficinas pedagógicas realizadas com os professores daquela rede5, que a abordagem

Crítico-Superadora, com a Cultura Corporal como objeto de estudo da Educação Física, é a

que mais se aproxima da realidade concreta dos professores. Portanto, coletivamente,

consideramos esta abordagem como aquela que dá conta de responder às necessidades do

cotidiano escolar e de garantir aos alunos o acesso ao conhecimento produzido e acumulado

historicamente pela humanidade.

2 OBJETIVOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Educação Física, entendida a partir de uma abordagem teórica que tem como

objeto de estudo a Cultura Corporal, apresenta como objetivos de ensino:

� Criticar, criar e preservar a Cultura Corporal para a elevação do padrão cultural

da classe trabalhadora, tendo como eixos articuladores e unificadores das ações

as práticas corporais diversificadas, tratadas criticamente, a partir da

organização do trabalho pedagógico comprometido com a elevação da

compreensão e ação dos participantes na construção da cultura;

� Fomentar aprendizagens sociais significativas, que vão desde o acesso ao

conhecimento científico até aos conhecimentos da cultura popular, da cultura 5 Foram realizadas duas oficinas pedagógicas com os professores da rede; a primeira delas, no período de 13 a 17 de setembro de 2010, foi uma oficina geradora e os professores da rede assumiram a função de interlocutores dos consultores, apresentando as dificuldades encontradas por eles no cotidiano escolar, ou seja, foi debatida a realidade concreta da Educação Física nas escolas públicas da rede estadual de ensino da Paraíba e, assim, os professores contribuíram diretamente para elaboração destes referenciais. A segunda oficina foi realizada no período de 06 a 10 de dezembro seguinte e teve como objetivo a sistematização final desse documento. Os professores assumiram a função de leitores críticos dos textos elaborados pelos consultores a partir do que foi debatido na primeira oficina.

A

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local, da cultura infanto-juvenil, priorizando os princípios de solidariedade,

respeito, socialização, cooperação, diversificação, criatividade, emancipação;

� Valorizar os patrimônios naturais, humanos e culturais, ampliando-se as

formas de relações nas práticas esportivas e de lazer, que preservem a natureza,

relações humanas dignas e valores culturais que contribuam para a

emancipação do ser humano;

� Oportunizar o acesso, inclusive de alunos deficientes, ao patrimônio cultural

esportivo clássico e de lazer, imprescindível à vida humana com dignidade;

� Praticar o esporte e lazer sem violência e agressões entre seres humanos, ou à

natureza e ao patrimônio cultural da população.

3 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

niciaremos nosso diálogo pontuando a necessidade de refletirmos sobre a organização do

trabalho pedagógico no trato da Cultura Corporal nas escolas. Ressaltaremos,

inicialmente, as dificuldades para essa disciplina se consolidar enquanto área de

conhecimento socialmente relevante no currículo escolar, para, então, situá-la na perspectiva

de uma teoria pedagógica avançada, apontando seu papel na Escola.

Para Escobar (2006), são vários os problemas nos quais a Educação Física esbarra para

consolidar sua legitimação no currículo escolar. A autora aponta:

� persistência do dualismo corpo-mente como base científico-teórica da

Educação Física, que mantém a cisão teoria-prática e dá origem a um aparelho

conceitual desprovido de conteúdo real, a exemplo do conceito a-histórico de

esporte e das suas classificações;

� A banalização do conhecimento da Cultura Corporal, especialmente o dos

jogos e de outras atividades esportivas, pela repetição mecânica de técnicas

esvaziadas da valorização subjetiva que deu origem à sua criação;

� A restrição do conhecimento oferecido aos alunos, isso é um obstáculo para

que modalidades esportivas, especialmente aquelas que mais atraem as

crianças e jovens, possam ser apreendidas na escola, por todos,

independentemente de condições físicas, raça, cor, sexo ou condição social;

� A redução do tempo destinado à Educação Física na prática escolar;

I

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� A adoção da teoria da “pirâmide” como teoria educacional;

� A falta de uma teoria pedagógica construída como categorias da prática;

� A utilização de testes padronizados – exclusivos para aferir o grau de

habilidades físicas na perspectiva das teorias desenvolvimentistas – como

instrumentos de avaliação do desempenho instrucional dos alunos nas aulas de

Educação Física;

� A falta de uma reflexão aprofundada sobre o desenvolvimento da aptidão física

e sua pretensa contradição com a reflexão sobre a Cultura Corporal.

Para superação dessas problemáticas, é necessário que a disciplina Educação Física

esteja situada no âmbito de uma teoria pedagógica avançada, que reconheça a Cultura

Corporal como objeto de estudo da referida disciplina, tendo em vista os objetivos

relacionados com a formação corporal, física, dos alunos, porém, situados no âmbito da vida

real de uma sociedade de classes. Escobar (2006) defende que

avançada é uma teoria que defenda a historicidade da cultura e a necessidade da sua preservação através da participação coletiva do povo na sua produção e evolução, no marco de um projeto histórico anticapitalista no qual a “cultura” recupere o seu significado real de resultado da vida e da atividade do homem em busca da sua superação. Uma teoria que reconheça a participação da classe trabalhadora na produção da cultura de modo que se preserve a memória nacional e se tenha como perspectiva o desenvolvimento omnilateral. Só assim a Educação Física estará cumprindo sua responsabilidade social e justificando sua razão de ser e de estar na escola (p. 01. Grifos nossos).

Na Escola, os professores, juntamente com os alunos, devem, através das aulas de Educação

Física, se perceberem enquanto coletivo e desenvolver ações para enfrentar tais problemáticas. Tais

ações devem sempre estar atreladas ao Projeto Político Pedagógico, a exemplo dessas sugeridas por

Almeida (2009):

� Elaborar programas e projetos decididos por coletivos políticos ampliados (comunidade

escolar), legitimados e relacionados com perspectivas de trabalho que promovam a

autodeterminação e a emancipação dos participantes, como festivais culturais, torneios

esportivos, entre outros;

� Promover e assegurar relações interativas e cooperativas entre escolas, comunidades,

movimentos de luta da classe trabalhadora, como também relações entre secretarias,

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escolas e universidades, na perspectiva de qualificar e ampliar as ações da Cultura

Corporal e esportiva;

� Desenvolver práticas de esporte e lazer sem violência, sem agressões, de forma que essas

ações ampliem as possibilidades de realizar o trabalho socialmente útil na Escola, de

preservar o meio ambiente, criar espaços e tempos, implementos e equipamentos

coletivizados, autogeridos e auto-organizados, assegurando o acesso a orientações

técnicas e pedagógicas adequadas aos diferentes interesses e necessidades das escolas;

� Priorizar princípios que dignifiquem o desenvolvimento humano, como solidariedade,

cooperação, diversificação, criatividade, emancipação humana, que orientem a

construção do programa da Educação Física escolar.

Para desenvolver essas ações de enfrentamento das problemáticas, não só da área, mas do

coletivo da Escola como um todo, e elevar o padrão cultural dos alunos e, consequentemente, da

sociedade, os professores precisam desenvolver atividades que favoreçam essa perspectiva. Para que,

assim, o ensino de Educação Física possibilite aos alunos assumirem as seguintes atitudes nos

segmentos do Ensino Fundamental:

1º segmento – anos iniciais (1º ao 5º ano) – participação em atividades corporais de forma autônoma,

respeitando seus limites e os dos colegas, e para que, além disso, tenham condições de criar e/ou

recriar diferentes regras e/ou jogos e brincadeiras, de forma individual e coletiva. Nas vivências de

atividades competitivas, saibam se comportar, respeitando as regras e os demais participantes, e

tenham condições de conhecer e valorizar a pluralidade de manifestações da Cultura Corporal, na

perspectiva de elevar o padrão cultural da sociedade.

2º segmento – anos finais (6º ao 9º ano) – autonomia para acessarem o patrimônio cultural esportivo

clássico e de lazer, imprescindível à vida humana com dignidade e, assim, assumirem atitude crítica e

apropriarem-se da Cultura Corporal elaborada pela humanidade, de forma consciente e criativa. E que

todas essas atitudes os levem a reivindicar espaços adequados para as práticas de esporte e lazer,

reconhecendo-as como uma necessidade do ser humano e um direito do cidadão, em busca de uma

melhor qualidade de vida.

4 CONCEITOS NECESSÁRIOS AO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

ara falarmos de conceitos no âmbito escolar, tomaremos como referência os estudos

desenvolvidos por Vygotsky, pois um dos temas dos estudos desse psicólogo russo

foi a compreensão do processo de formação de conceitos pelos sujeitos, e suas P

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contribuições têm sido de grande valia para o ensino escolar.

De acordo com Cavalcanti (2005), Vygotsky distingue três fases no processo de

formação de conceitos. A primeira é denominada de conglomerado vago e sincrético de

objetos isolados. Nessa fase, a criança agrupa os objetos de maneira desorganizada,

amontoando-os aleatoriamente, sem levar em consideração as desigualdades apresentadas em

seu conjunto. A segunda é a do pensamento por complexos. Nessa fase, os objetos isolados

se associam na mente da criança devido às suas impressões subjetivas e às relações que, de

fato, existem entre esses objetos; as crianças passam a agrupar os objetos de acordo com as

características visíveis, concretas e factuais. Essa fase é importante porque há nela um

momento chamado de “pseudoconceito”, bastante semelhante à fase de formação dos

conceitos propriamente dita, e que é, inclusive, elo para essa formação. A terceira fase é a de

formação de conceitos. Nesse período, as crianças agrupam os objetos segundo uma única

característica.

Nas aulas, o professor, ao confrontar o conhecimento (experiência) cotidiano que os

alunos têm da Cultura Corporal (da dança, do jogo, do esporte, da luta, da ginástica, entre

outros conteúdos) com o conhecimento sistematizado que pressupõe a formação de certos

conceitos científicos (que são os conceitos aprendidos pelas crianças na escola), percebe a

possibilidade de reelaboração e maior compreensão desses temas da Cultura Corporal, pela

internalização consciente desses conhecimentos pelo aluno.

Nesse processo de formação de conceitos, o professor, como mediador, deve propiciar a expressão, a comunicação da diversidade de símbolos, significados, valores, atitudes, sentimentos, expectativas, crenças e saberes que estão presentes em determinado grupo de alunos, que vive em contexto específico, esforçando-se para entender como cada grupo em particular elabora essa diversidade e para promover o diálogo entre as diversas formas dessa elaboração, buscando atuar nas ZDP6, e o diálogo dessas formas com a forma científica estruturada. (CAVALCANTI, 2005, p. 204)

6 Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD) – é a distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial dos alunos. Esse nível é determinado pela solução de problemas com a ajuda/orientação do professor ou com a colaboração de colegas que dominem o conteúdo.

Nessa perspectiva de formação de conceitos, a partir do encontro/confronto do cotidiano dos alunos com o conhecimento sistematizado, nas aulas de Educação Física, podemos destacar vários conceitos como: Cultura Corporal, prática corporal, expressão corporal, corpo, práxis, atividade física, exercício físico, lúdico, lazer, saúde, entre outros.

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CULTURA CORPORAL

A Cultura corporal é entendida como uma das formas de apreensão do conhecimento específico da disciplina, tratada a partir de uma visão de totalidade, caracterizando-se como objeto de estudo da Educação Física, o qual está composto pelos seguintes conteúdos: Jogo, Dança, Luta, Esporte, Ginástica e outros. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

PRÁTICA CORPORAL Prática corporal pode ser compreendida como modo de exercitar-se através do corpo, materializada nas diversas manifestações culturais da sociedade; compreende os exercícios físicos, a ginástica, a corrida, o saltar, o pular, o caminhar e todas as formas de expressão da Cultura Corporal, entre outros.

EXPRESSÃO CORPORAL A expressão corporal participa da Educação Física na qualidade de prática pedagógica, a qual possibilita aos corpos se apropriarem do direito da expressão e se apresenta como uma proposta capaz de estabelecer uma relação reflexiva com o corpo. Inventividade, espontaneidade, sensibilidade, liberação corporal, criação. (FESTENSEIFER, 2008)

CORPO O corpo assume uma função central na análise social, pois se destaca por ser um constructo social. Deve ser entendido em sua totalidade, ou seja, o ser humano é o seu corpo, que sente, pensa e age. O entendimento de corpo que vem sendo consolidado por mecanismos mercadológicos e midiáticos nos leva à individualização do sujeito e à construção de um corpo enquanto ferramenta de produção e objeto de consumo. O que consideramos importante aqui é entender que o conceito de corpo deve ser analisado sob uma perspectiva crítica de construção histórica, e não apenas como um referencial de beleza e saúde estética.

PRÁXIS Utilizamos práxis para designar a ação propriamente dita. Porém, esta ação não está, em nenhum momento, desvinculada da teoria, do pensamento teórico. Portanto, quando dizemos “práxis”, estamos nos referindo à união entre teoria e prática. “[...] A razão pela qual utilizaremos o termo “práxis” está centrada na intenção de livrar o conceito de “prática” do significado predominante em seu uso cotidiano que é o que corresponde ao da atividade prática humana no sentido estritamente utilitarista [...]”. (VÁZQUEZ, 2007, p.27). Por exemplo, a aula prática na quadra e a teórica, na sala de aula.

ATIVIDADE FÍSICA O conceito de atividade física, muitas vezes, aparece relacionado à melhoria da saúde e da qualidade de vida, entendido como qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos do qual resultam dispêndios energéticos. Porém, não devemos restringir a atividade física apenas a esses elementos. Outros fatores, ligados à pratica da atividade física, alteram seu significado, tais como: problemas de natureza atlética e, sobretudo, fatores socioeconômicos e culturais.

EXERCÍCIO FÍSICO Podemos definir exercício físico como uma forma de atividade física, porém planejada, estruturada, repetitiva, que objetiva o desenvolvimento da aptidão física, de habilidades motoras ou reabilitação (NAHAS, 2009). Estão inclusas nesta definição as atividades de níveis moderados ou intensos de esforço.

LÚDICO Identificamos o lúdico em diferentes esferas da vida social, considerando-o, fundamentalmente, como um jogo, uma atividade livre, não séria, mas absorvente para o jogador, desligada de interesses materiais. (HUIZINGA, 2000)

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5 CONTEÚDOS ESTRUTURANTES

Educação Física na Escola trata de temas ou formas da cultura corporal que

contêm sentidos e significados que se interpenetram e expressam

intencionalidades/objetivos dos homens e mulheres, as intenções/objetivos da

sociedade. Os temas ou formas propostos pela Cultura Corporal, para serem trabalhados nas

aulas de Educação Física, são: jogo, esporte, ginástica, dança e luta. Vale ressaltar que a

organização dada aos conteúdos estruturantes nestes referenciais não se constitui de forma

rígida, cabendo ao professor distribuí-los de acordo com os interesses da turma e a realidade

social em que a escola está inserida.

5.1 Jogo

Tomando como referência o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (2008), a

palavra jogo significa passatempo, no entanto, nas aulas de Educação Física, partindo dos

conteúdos da Cultura Corporal, o jogo não pode ser considerado apenas como entretenimento.

É preciso que professores e alunos compreendam o jogo como uma invenção do homem, um

ato em que sua intencionalidade e curiosidade resultam num processo criativo para modificar,

imaginariamente, a realidade e o presente (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.65-66).

O jogo possibilita reflexão sobre o seu sentido/significado através da vivência,

possibilitando aos alunos criarem e recriarem os movimentos, as regras, refletindo sobre os

mesmos, relacionando-os às situações do cotidiano, aos problemas da sociedade. Através do

LAZER O Lazer é um campo de atividade em estreita relação com as demais áreas de atuação do homem. Para compreendermos o conceito de lazer, faz-se necessário que admitamos dois aspectos (o tempo e a atitude) que, caso sejam desconsiderados, fazem-nos incorrer em uma série de mal-entendidos. Portanto, “Lazer considerado como atitude será caracterizado pelo tipo de relação verificada entre o sujeito e a experiência vivida. Basicamente, a satisfação provocada pela atividade. O lazer ligado ao aspecto tempo considera as atividades desenvolvidas no tempo liberado do trabalho, ou no “tempo livre”, não só das obrigações profissionais, mas, também, das familiares, sociais e religiosas.” (MARCELINO, 2002, p.8).

SAÚDE “Saúde não deve ser fixada em dados estatísticos, os quais reduzem o fenômeno a uma relação causal determinada biologicamente, que desconsidera a história da sociedade, e que tende a responsabilizar, única e exclusivamente, o indivíduo por sua condição de vida. Portanto, é importante compreendermos que, por saúde, entendemos um campo de saberes e práticas que toma como objeto as necessidades sociais da saúde”. (LUZ, 2005, p.20).

A

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conteúdo jogo, os professores poderão resgatar a memória lúdica da comunidade do entorno

da escola, possibilitar o conhecimento de jogos das diversas regiões brasileiras e também de

outros países. Esse conteúdo poderá ser mais atrativo se, antes de vivenciá-lo, os alunos

investigarem a sua respectiva história e as suas repercussões culturais.

A ação pedagógica dos professores deve ser estruturada e organizada de forma que o

jogo seja entendido, apreendido, refletido e reconstruído enquanto conhecimento que constitui

o acervo cultural da humanidade, possibilitando sua constatação, sistematização, ampliação e

aprofundamento (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

De acordo com Tavares (2003), os jogos podem ser classificados em três categorias

interligadas histórica e teoricamente: jogos esportivos – são os jogos padronizados e ligados

às regras institucionalizadas, definidas com rigor; jogos populares – são os jogos realizados,

em sua maioria, nas ruas; necessitam de poucos recursos materiais, podendo deles participar

um grande número de pessoas, as regras são flexíveis; jogos de salão – são os jogos pré-

fabricados e suas regras são pré-determinadas.

Além dessas categorias, existem também os jogos recreativos – são jogos que

proporcionam a integração entre os participantes e, também, “novas possibilidades de

construção de experiências educativas e culturais verdadeiramente ricas e libertadoras”

(FENSTERSEIFER, 2008, p. 361). E os jogos cooperativos - nos jogos cooperativos, os

alunos jogam uns com os outros e não contra os outros; “(...) são jogos de compartilhar, unir

pessoas, despertar a coragem para assumir riscos, tendo pouca preocupação com o fracasso e

o sucesso em si mesmos” (BROTTO, 2001, p.55).

5.2 Esporte

De acordo com o Coletivo de Autores (1992), o esporte é uma prática social que

institucionaliza os aspectos lúdicos da Cultura Corporal, se projeta numa dimensão complexa

de fenômeno, que envolve códigos, sentidos/significados da sociedade que o cria e o pratica.

No âmbito pedagógico escolar, ele precisa ser percebido e tratado como o “esporte da escola”

e não como o “esporte na escola”; é preciso que se questionem suas normas, as condições de

adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria.

A expressão “esporte da escola” vem com o propósito de superação, no currículo

escolar, dos códigos e significados que a sociedade capitalista atribui a esse conteúdo, tais

como: máximo rendimento atlético, princípio de sobrepujar, rigorosas regulamentações,

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individualização. A Escola é espaço para serem resgatados os valores nos quais o coletivo

sobrepõe-se ao individual, devendo prevalecer os princípios de solidariedade, cooperação e

respeito, o entendimento de que o jogo acontece a dois, preponderando o jogo com o

companheiro e não o jogo contra o adversário.

Não estamos, com isso, defendendo que sejam negados os conhecimentos técnicos e

táticos aos alunos, e sim, que não sejam oferecidos somente eles; que sejam oportunizados aos

alunos conhecimentos para desmistificar esse fenômeno social no contexto socioeconômico-

político-cultural. Nessa perspectiva, devem ser ofertados aos alunos desde os jogos que

possuem regras simples até os esportes, que possuem regras institucionalizadas.

Para Assis (2001, p. 128),

[...] um trato diferenciado e crítico do esporte não deve afastar os alunos do esporte criticado, mas dirigir esse contato através de uma “transformação” que garanta a preservação do significado, a vivência de sucesso nas atividades e a alteração de sentidos através da reflexão pedagógica.

5.3 Ginástica

A ginástica é um bem cultural da humanidade. Uma forma de exercitar-se com ou sem

o uso de aparelhos, e, na Escola, sua prática deve dar condições ao aluno de reconhecer as

possibilidades de seu corpo, assim como possibilitar vivências que provoquem preciosas

experiências corporais, enriquecedoras da cultura corporal dos alunos. Esse conteúdo engloba

desde a ginástica imitativa de animais, às práticas corporais circenses, da ginástica geral até as

esportivizadas: artística e rítmica.

Os elementos básicos da ginástica (saltar, equilibrar, rolar/girar, trepar e

balançar/embalar) devem ser tratados a partir de abordagem problematizadora abrangendo

sua globalidade e historicidade, em que o sentido/significado da própria prática seja

compreendido para, assim, proporcionar aos alunos atitudes de interesse, criticidade,

criatividade e curiosidade. Por serem os elementos básicos da ginástica, atividades que

traduzem significados de ações historicamente desenvolvidas e culturalmente elaboradas

devem estar presentes em todos os anos, em níveis crescentes de complexidade.

De acordo com o Coletivo de Autores (1992), a abordagem da ginástica nos diferentes

anos deve abranger desde as formas espontâneas de solução dos problemas, com técnicas

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rústicas nos anos iniciais, até a execução técnica aprimorada nos anos finais do Ensino

Fundamental.

5.4 Dança

A dança é uma manifestação da Cultura Corporal que pode ser compreendida como

uma “mistura” de expressões dos variados aspectos da vida, “uma linguagem social que

permite a transmissão de sentimentos, emoções da afetividade vivida nas esferas da

religiosidade, do trabalho, dos costumes, hábitos, da saúde, da guerra etc.” (COLETIVO DE

AUTORES, 1992, p. 82).

Na Escola, a dança precisa ter um tratamento focado nos movimentos expressivos e

espontâneos, mas sem negar o aspecto técnico. Os professores poderão dialogar com os

alunos oportunizando teorizar acerca da dança, constituindo uma consciência crítica e

reflexiva sobre os significados culturais, as representações simbólicas peculiares a cada

modalidade de dança, permitindo aos alunos a construção e/ou a criação de novas

possibilidades de movimento dentro de contextos significativos.

Poderão trabalhar, também, com outras formas de expressão corporal rítmica, como a

mímica ou pantomima, as brincadeiras cantadas, cantigas de roda, jogos rítmicos, partindo

do resgate da cultura local, regional, brasileira, chegando às diversas manifestações pelo

mundo. Em relação às danças com interpretação técnicas, devem-se priorizar aquelas em que

as técnicas sejam aprimoradas a partir do que já foi historicamente criado pelo ser humano e a

partir da criação dos próprios alunos e da compreensão que eles adquiriram da sua própria

corporalidade.

5.5 Luta

As lutas “são disputas em que os oponentes devem ser subjugados mediante técnicas e

estratégias de desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na

combinação de ações de ataque e defesa.” (BRASIL/MEC/PCN, 1998, p. 70). Essas possuem

uma regulamentação específica, com o objetivo de evitar e punir atitudes violentas e

irregulares. Sendo uma forma de expressão corporal que representa vários aspectos da vida do

homem, a luta precisa ser compreendida desde a busca pela sobrevivência, no que se refere à

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sua história, passando pelas esferas sociais, afetivas, religiosas, políticas, econômicas, entre

outras, até como uma forma de linguagem transmitida ao ser humano ao longo dos tempos.

Podemos citar como exemplos de lutas, a serem trabalhadas na Escola, desde as

brincadeiras de cabo-de-guerra e braço-de-ferro até as de movimentações e regras mais

complexas, como a capoeira, o judô, o karatê, entre outras.

Ao tratarmos, na Escola, o tema luta, faz-se necessário o resgate da cultura brasileira,

de maneira a priorizar as tradições culturais do negro, do branco e do índio. Assim, desperta-

se a identidade social e cultural dos alunos e busca-se o respeito às diferenças e o

desenvolvimento de habilidades técnicas e táticas para que eles compreendam o

sentido/significado implícito em cada uma de suas ações.

Segundo Cordeiro e Pires (2005), a compreensão da realidade, relacionada ao campo

das lutas,

[...] deve estar presente na formação das nossas crianças e adolescentes em sua educação básica, como conhecimento tratado pela educação física, pois, a partir desses referenciais, a escola poderá proporcionar aos alunos uma leitura crítica de atividades como o vale tudo e outras diferentes competições, que desrespeitam princípios filosóficos sobre os quais estão apoiadas as práticas corporais agonísticas que culturalmente se diferenciam. Negar esse conhecimento é excluir aspectos fundamentais dos agrupamentos humanos e suas culturas, é negar a especificidade das práticas corporais construídas no ínterim do processo de formação das sociedades (p. 214).

Dessa forma, o desenvolvimento das práticas será vivenciado e valorizado em função

do contexto em que elas ocorrem e também das intenções dos praticantes, considerando aqui

os valores éticos sem os quais qualquer prática da Cultura Corporal se tornaria simplesmente

uma técnica sem valor social. Citamos como exemplo a capoeira, que, segundo o Coletivo de

Autores (1992), culmina em movimentos de luta pela emancipação do negro no Brasil

escravocrata. Expressa, de forma explícita, um conjunto de gestos que representa a voz do

oprimido em busca da libertação

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6 ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA DOS CONTEÚDOS ESTRUTURANTE

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Caros professores,

Ao analisar os quadros dos conteúdos distribuídos por anos de ensino, que se

encontram abaixo, não se esqueçam de fazer a relação com os eixos temáticos/conteúdos

presentes no diagrama na página anterior.

6.1 Anos Iniciais – 1º ao 5º ANO

1º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Identificar o conhecimento do aluno sobre os jogos recreativos, dando-lhe condições de conhecer as diversas possibilidades de ação corporal;

Vivenciar diversos jogos recreativos, possibilitando ao aluno identificar aqueles jogos que estão presentes em sua realidade social;

Possibilitar, mediante a prática dos jogos recreativos, a formação de valores através do respeito mútuo, a socialização e a integração;

Participar de festivais de jogos para socialização o conteúdo trabalhado, junto à comunidade escolar.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Identificar o conhecimento do aluno sobre o esporte, dando-lhe condições de conhecer as diversas possibilidades de ação corporal;

Possibilitar ao aluno o reconhecimento de diversos esportes, inerentes a sua realidade, identificando a sua organização em modalidades individuais e coletivas e refletindo acerca de valores, tais como: respeito mútuo, cooperação, integração e socialização e sua utilização para e nos espaços de lazer da comunidade;

Fazer uso do acervo de materiais esportivos para que os alunos possam encontrar relações entre as coisas, identificando semelhanças e diferenças que os façam reconhecer as ações dos esportes individuais e coletivos;

Participar de eventos esportivos inseridos no projeto político pedagógico da escola.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Identificar o conhecimento do aluno sobre a ginástica com a vivência e identificação das diferentes possibilidades de ação corporal: no andar, no correr, no saltitar e nos elementos básicos (saltar, girar, equilibrar, trepar, balançar/embalar);

Possibilitar a exercitação combinada dos fundamentos, em sequências ginásticas, relacionando semelhanças e diferenças entre os mesmos;

Utilizar jogos/brincadeiras para criar sequências ginásticas, socializando na comunidade escolar o conteúdo apreendido.

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CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Identificar as experiências rítmicas dos alunos através das cantigas de roda, enfatizando as relações espaço-temporais;

Expressar, de forma corporal e oral, ideias, sentidos, intenções na dança vivenciada.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Identificar o conhecimento do aluno sobre lutas através da sua vivência;

Realizar jogos/brincadeiras que possibilitem aos alunos identificarem os fundamentos básicos da luta: ataque, defesa e controle;

Promover atividades que possibilitem aos alunos perceberem as diferenças entre lutar e brigar.

2º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Oportunizar a prática dos jogos populares para explorar e recriar novas possibilidades de jogos a partir da realidade dos alunos;

Participar de atividades que envolvam jogos populares, enfatizando ações cooperativas de solidariedade e respeito;

Vivenciar a prática dos jogos populares, aprimorando noções de espaço-tempo e da lateralidade.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Sistematizar os esportes coletivos, relacionando-os à realidade social em que a escola se insere;

Possibilitar o conhecimento e vivência dos esportes coletivos, explorando as diversas possibilidades de jogá-los, adaptando-os a sua realidade;

Elaborar novas maneiras de vivenciar os esportes coletivos a partir da cultura local;

Participar de eventos esportivos, com atitudes de cooperação, solidariedade e respeito;

Aprimorar as noções de espaço-tempo, através da prática dos esportes.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Identificar os elementos básicos da ginástica, explorando os ritmos (lento, moderado e rápido);

Identificar e organizar os elementos básicos:

� Andar: para frente, para trás, na lateral, agachado, em diferentes ritmos; � Correr: para frente, para trás, na lateral, em diferentes ritmos; � Saltitar: para frente, para trás, pedalando bicicleta, sem deslocamento; � Saltar: de cima para baixo, de baixo para cima, sobre obstáculos, no solo; � Girar: com rolamentos, com estrelas, com piruetas; � Equilibrar: em superfície estreita, em superfícies móveis, invertendo o corpo; � Balancear-se: com materiais ou com colegas; balancear partes do corpo; � Trepar: em materiais inclinados, verticais e horizontais.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Identificar e vivenciar as danças populares e folclóricas da Paraíba, explorando as possibilidades de ações do corpo na dança e relacionando os ritmos.

Propiciar a diferenciação dos ritmos e das características das danças (passos, personagens,

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locais de realização, variações rítmicas, motivações na dança, de acordo com a realidade cultural de cada região) nos ciclos festivos paraibanos, enquanto forma de reconhecimento da cultura local, a partir da relevância social do conteúdo para a nossa região.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Conhecer os fundamentos e regras básicas da luta possibilitando diferentes posições do corpo e a concepção de postura nas ações, relacionando-as aos cuidados necessários para não se machucar e não machucar o outro;

Vivenciar a luta enfatizando a convivência social, a não violência e o respeito mútuo.

3º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Identificar os jogos populares, relacionando-os à cultura corporal das crianças;

Vivenciar os diferentes tipos de jogos populares, procurando relacioná-los à realidade social das crianças, como também identificar as semelhanças e as diferenças entre eles;

Possibilitar a compreensão do caráter competitivo dos jogos populares, observando a vitória e a derrota como elementos integrantes da vivência desses jogos.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Identificar as características das diversas modalidades dos esportes coletivos e individuais, possibilitando a formação de suas representações e respeitando as possibilidades e os limites pessoais e coletivos;

Possibilitar a prática dos esportes coletivos e individuais, identificando as modificações de diferentes possibilidades de ação corporal;

Compreender o caráter competitivo do esporte observando a vitória e a derrota como elementos integrantes de sua vivência social;

Elaborar pesquisas sobre os esportes coletivos e individuais, apresentando relações com as práticas sociais de sua comunidade (lazer, diversão);

Participar de eventos esportivos inseridos no projeto político pedagógico da escola.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Vivenciar a prática da ginástica através de jogos e brincadeiras envolvendo os elementos ginásticos, relacionando o seu conteúdo à cultura popular;

Propiciar a prática dos elementos básicos da ginástica, apontando o significado de cada elemento e refletindo sobre as possibilidades das ações corporais;

Vivenciar os elementos ginásticos, relacionando-os às atividades circenses, finalizando com a apresentação de uma sequência ginástica para a comunidade escolar.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Conhecer as origens das danças populares, os seus saberes e as suas práticas;

Relacionar as semelhanças e diferenças entre danças, manifestações populares e folguedos, quanto a: passos, personagens, locais de realização, variações rítmicas gerais, origens e evolução, partindo da realidade cultural da região;

Representar os diversos temas figurados, a partir das motivações das danças;

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Elaborar pequenas sequências coreográficas, em grupos, a partir das danças trabalhadas;

Compreender o estudo das manifestações populares como saberes construídos em determinado tempo e espaço, expressos de diversas formas, sentidos e ideias, vivenciadas de forma corporal e oral.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Conhecer a historicidade das lutas;

Elaborar brincadeiras, enfatizando ataque, defesa e controle na luta;

Identificar as semelhanças e diferenças presentes na luta, elaborando uma definição de luta a partir das vivências;

Compreender a relação existente entre as ações da luta (ataque, defesa e controle) e seus benefícios para a saúde;

4º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Identificar os jogos cooperativos, procurando recriar e reinventar novos jogos inerentes à Cultura Corporal;

Conhecer os diversos jogos cooperativos presentes na cultura da comunidade em que a escola se insere;

Realizar e socializar pesquisas sobre jogos cooperativos, enfatizando a história e seus aspectos sociais, refletindo sobre a existência dos mesmos na cultura local.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Constatar e apresentar a história dos esportes entendendo-os como práticas historicamente construídas;

Praticar os fundamentos básicos dos esportes coletivos e individuais, evidenciando suas regras e formas de organização estratégicas, articulando com a realidade social e vivências comunitárias;

Vivenciar nos esportes a avaliação da auto-organização individual e coletiva;

Elaborar pesquisas sobre o tema e socializar os resultados na comunidade escolar, sob a forma de exposições, murais, construção de maquetes e feiras de conhecimentos culturais.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Realizar a prática dos elementos básicos: saltos, giros, equilíbrios, balanceios, constatando semelhanças e diferenças entre os mesmos, reorganizando-os em sequências ginásticas, com ou sem ritmo musical;

Conhecer a ginástica acrobática e artística, confrontando semelhanças e diferenças nas manifestações, nos fundamentos e nos materiais utilizados;

Oportunizar a socialização de sequências ginásticas na comunidade escolar com ênfase na cultura local.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Vivenciar os ritmos e danças elaborando pequenas sequências coreográficas, a partir do conhecimento já existente e historicizado, das origens, dos saberes e das práticas sobre as

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danças folclóricas;

Compreender as motivações, origens e evolução histórica das danças, relacionando semelhanças e diferenças entre as manifestações folclóricas, quanto a: personagens, locais de realização, passos, variações musicais, brincadeiras, adivinhações, motivações da dança, partindo da realidade cultural da região;

Elaborar pequenas sequências coreográficas, em grupos, a partir das danças trabalhadas;

Representar temas e coreografias, a partir das motivações de cada dança;

Expressar, de forma corporal, oral e escrita, sentidos, ideias, intenções nas danças vivenciadas.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Interpretar as várias possibilidades de ação dos fundamentos da luta: Ataque – empurrar, agarrar, puxar, desequilibrando o outro; Defesa - equilibrar-se, esquivar-se, livrar-se do outro; Controle – imobilizar, segurar, prender, gingar, visando dominar o outro;

Vivenciar as diversas modalidades da luta, identificando ataque, defesa e controle em cada modalidade;

Realizar pesquisas sobre as diferenças e semelhanças entre as lutas, fazendo relação com as diversas etnias que compõem o povo brasileiro.

5º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Sistematizar o conhecimento dos jogos, relacionando-os e entendendo a sua importância para o lazer, a educação, a saúde e o trabalho;

Elaborar e discutir textos que reflitam a vivência, a origem e a evolução dos jogos;

Socializar experiências de jogos através de festivais.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Oportunizar a prática dos esportes coletivos e individuais, aplicando seus fundamentos básicos, regras e formas de organização estratégicas;

Vivenciar os esportes proporcionando a avaliação da auto-organização individuais e coletivas;

Possibilitar a elaboração de textos que reflitam sobre a origem e a evolução do esporte;

Elaborar pesquisas e socializar os resultados na comunidade escolar, sob a forma de gincanas, festivais, produção de textos e feiras de conhecimentos culturais.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Reorganizar o conhecimento da ginástica acrobática e artística, confrontando semelhanças e diferenças nas manifestações, conceituando-as e relacionando-as ao lazer, à educação, à saúde e ao trabalho;

Identificar as diversas técnicas da ginástica artística, vivenciando seus fundamentos, refletindo sobre o sentido/significado e as suas origens, contextualizando a ginástica na realidade social;

Elaborar pesquisas sobre as possibilidades de exercitação da ginástica, nos espaços livres da comunidade, refletindo sobre o direito ao lazer (à diversão, à brincadeira, à ludicidade).

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RCEF 2010 /Educação Física

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Conhecer as origens, os saberes e as práticas sobre as manifestações populares do Nordeste;

Compreender as motivações, origens e evolução histórica das danças trabalhadas;

Estabelecer semelhanças e diferenças entre as danças trabalhadas quanto a: personagens, locais de realização; variações musicais, passos; motivações da dança, sempre partindo da realidade cultural da região Nordeste;

Elaborar sequências coreográficas, em grupos, a partir das danças trabalhadas;

Representar os temas/coreografias a partir das motivações de cada dança;

Expressar, através das diversas linguagens (corporal, oral e escrita), os sentidos, ideias, intenções das danças.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Vivenciar os fundamentos e regras básicas de algumas modalidades de luta;

Elaborar e organizar festivais, através dos quais possam ser vivenciados os fundamentos de algumas modalidades de luta, selecionadas pelos grupos e com regras adaptadas.

6.2 Anos Finais - 6º ao 9º ano

6º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Praticar jogos esportivos, criando e recriando regras que oportunizem a participação de todos;

Interpretar e assimilar as diversas técnicas e táticas para os jogos esportivos, procurando respeitar as possibilidades individuais e coletivas;

Refletir sobre o sentido/significado das práticas dos jogos esportivos;

Propiciar a prática da pesquisa escolar, aplicando questionários aos colegas mais experientes, ao professor da escola, parentes, ou até mesmo, pessoas da comunidade, buscando informações sobre os jogos esportivos, conhecidos e praticados por eles, para fins de socialização dos resultados na comunidade escolar.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Organizar e sistematizar o conhecimento do esporte enquanto fenômeno social, procurando conceituá-lo e relacioná-lo ao lazer, à educação, à saúde, ao trabalho;

Vivenciar as diferentes modalidades esportivas, coletivas e individuais, procurando alterar as regras e ampliar seu sentido/significado a partir da realidade daqueles que as praticam;

Compreender, através da vivência dos esportes coletivos e individuais, seus aspectos em comum e suas especificidades;

Organizar os esportes coletivos e individuais, utilizando técnicas e táticas, vivenciando-as de modo a respeitar as possibilidades individuais e coletivas;

Socializar as experiências apreendidas, através da participação em eventos esportivos, inseridos no projeto político pedagógico da Escola, com ênfase nos elementos técnicos e táticos.

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RCEF 2010 /Educação Física

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Organizar e sistematizar o conhecimento da ginástica rítmica, conhecendo seus fundamentos e materiais, estabelecendo semelhanças e diferenças, relacionando-as à realidade social;

Vivenciar os diferentes fundamentos da ginástica rítmica, através da utilização de aparelhos móveis;

Oportunizar a prática de diferentes fundamentos ginásticos, identificando as acrobacias e pirâmides humanas, sistematizando uma sequência gímnica, com elementos da ginástica acrobática e rítmica a ser socializada na comunidade escolar;

Comparar o esforço utilizado na prática de diferentes possibilidades de ação corporal da ginástica no andar, no correr, saltitar, em diferentes ritmos;

Elaborar pesquisas utilizando entrevistas (com praticantes dos diversos tipos de ginástica), buscando informações sobre o mundo da ginástica, relacionando-o ao trabalho educativo, à saúde e ao lazer.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Conhecer as origens, os saberes e as práticas sobre danças das regiões Norte e Centro-Oeste do país;

Estabelecer semelhanças e diferenças entre as danças trabalhadas quanto a: personagens, locais de realização; variações musicais, passos; motivações da dança, sempre partindo da realidade cultural das regiões Norte e Centro-Oeste;

Elaborar e apresentar textos tratando da historicidade das danças;

Compreender e diferenciar o que (o corpo), onde (espaço) e como (fluência) se dança as manifestações coreográficas estudadas;

Elaborar sequências coreográficas, em grupos, a partir das danças trabalhadas, para socialização com a comunidade escolar.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Constatar e identificar a luta como uma das possibilidades de prática corporal, exercida de forma lúdica e/ou profissional;

Estabelecer, a partir de situações específicas e práticas de luta, comparações com situações similares em outros contextos sociais e com outras modalidades esportivas, avaliando possíveis generalizações em termos de Cultura Corporal.

7º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Compreender os diferentes jogos esportivos e de salão, ampliando seu sentido e significado, através de suas diversas manifestações, considerando a realidade social;

Compreender, através de pesquisas, o jogo enquanto fenômeno social, situando-o histórica e socialmente;

Conhecer o funcionamento dos sistemas energéticos corporais, caracterizando-os durante a prática de jogos que proporcionem um equilíbrio entre o consumo de oxigênio e o gasto de energia.

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RCEF 2010 /Educação Física

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Compreender o fenômeno esporte, contextualizando e ampliando seu sentido/significado, em relação com a realidade social;

Oportunizar a prática dos esportes coletivos e individuais nos diferentes espaços (escola, campos comunitários, praia, praças), compreendendo suas especificidades;

Sistematizar e organizar os esportes coletivos e individuais, utilizando técnicas e táticas, respeitando as possibilidades individuais e coletivas;

Catalogar os dados referentes aos eventos esportivos (locais, regionais, nacionais, internacionais), com ênfase na arbitragem, socializando na comunidade escolar as experiências apreendidas;

Participar na construção de eventos esportivos, inseridos no projeto político pedagógico da escola.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Analisar criticamente e compreender a realidade da ginástica na sociedade, identificando os conceitos das modalidades já trabalhadas, reorganizando o conhecimento e situando-o historicamente;

Sistematizar, organizar e executar as técnicas do movimento das ginásticas, trabalhando seus fundamentos, refletindo sobre os seus sentidos/significados e as suas origens e contextualizando-os;

Estabelecer generalizações acerca dos fundamentos da ginástica nas diferentes modalidades em confronto entre os fundamentos ginásticos e outras ações corporais existentes no jogo, na luta, na dança, no esporte.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Conhecer as origens, os saberes e as práticas das danças das regiões Sul e Sudeste do país;

Estabelecer semelhanças e diferenças entre as danças trabalhadas quanto a: personagens, locais de realização, variações musicais, passos, motivações da dança, sempre partindo da realidade cultural das regiões Sul e Sudeste;

Elaborar e apresentar textos tratando da historicidade das danças;

Compreender e diferenciar o quê (o corpo), onde (espaço) e como (fluência) se dança as manifestações coreográficas estudadas;

Elaborar sequências coreográficas, em grupos, a partir das danças trabalhadas, para socialização com a comunidade escolar.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Relacionar as diversas experiências trabalhadas durante as aulas com outros temas da Cultura Corporal;

Sistematizar o conhecimento das regras oficiais de diversas modalidades de lutas.

8º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Ampliar a contextualização histórica e social dos jogos esportivos e de salão já vivenciados, relacionando-os com outros jogos;

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RCEF 2010 /Educação Física

Sistematizar a compreensão dos conceitos, das características e das regras dos jogos esportivos e de salão, estabelecendo relações entre o conhecimento oriundo da comunidade próxima à escola e o conhecimento sistematizado na escola;

Compreender e ampliar os sistemas de jogo, próprios aos jogos esportivos e de salão, através dos recursos audiovisuais;

Vivenciar os diferentes jogos esportivos e de salão, alterando as regras e ampliando seu sentido/significado a partir da realidade social.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Sistematizar e compreender o processo histórico das diversas modalidades esportivas coletivas e individuais, a partir de pesquisas e vivências corporais, elaborando textos quanto à origem e transformações históricas dessas modalidades;

Praticar os esportes coletivos e individuais em diferentes espaços (escola, campos comunitários, praia, praças), compreendendo suas especificidades;

Sistematizar e organizar os esportes coletivos e individuais, utilizando técnicas e táticas especificas, relacionando-as com as possibilidades individuais e coletivas e refletindo acerca dos elementos éticos que envolvem a arbitragem;

Oportunizar a prática dos esportes coletivos e individuais, ampliando seu sentido/significado a partir da realidade de seus sujeitos praticantes;

Elaborar e socializar as experiências apreendidas na prática dos esportes coletivos e individuais, através da participação em eventos esportivos, inseridos no projeto político pedagógico da Escola, com ênfase na organização e na arbitragem.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Contextualizar historicamente a ginástica, trabalhando os métodos: sueco, francês e calistênico, relacionando-os às modalidades ginásticas da atualidade;

Ampliar o conhecimento sobre as modalidades das ginásticas já trabalhadas, organizando sequências coreográficas e socializando-as em forma de festival para e com a comunidade escolar;

Identificar o índice de massa corporal (IMC), com suas classificações.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Conhecer as origens, os saberes e as práticas sobre danças de massa;

Compreender a historicidade, as semelhanças e diferenças entre as danças populares, eruditas e de massa;

Analisar as diferenças e semelhanças quanto às danças de massa brasileiras – axé, funk, suingueira, entre outras, e a dança de rua;

Vivenciar e analisar as técnicas das danças de massa, a partir de uma pesquisa anterior sobre o quê, onde e como se dança;

Expressar através das danças de massa a vivência de temas sociais (papel do homem, mulher, artistas, personagens, entre outros);

Elaborar sequências coreográficas, em grupos, a partir das danças de massa trabalhadas, para socializá-las com a comunidade escolar.

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RCEF 2010 /Educação Física

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Contextualizar historicamente as lutas através de textos, filmes e documentários;

Conhecer as características das possíveis lesões osteo-musculares durante a prática das lutas, e os procedimentos emergenciais;

Sistematizar e organizar torneios com objetivo de integração e vivência do conhecimento trabalhado;

Ampliar a prática das modalidades de lutas trabalhadas.

9º ANO

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: JOGO

Vivenciar os diferentes tipos de jogos, enfatizando os elementos técnico-táticos que possibilitem um trabalho coletivo, no qual os mais experientes possam ajudar aos menos experientes, respeitando os limites individuais e coletivos;

Ampliar a socialização dos diferentes tipos de jogos, através de seminários, festivais, oficinas, entre outros, com a comunidade escolar;

Elaborar e realizar festivais e torneios dos diversos tipos de jogos, articulados ao projeto político pedagógico da Escola, com o apoio da comunidade escolar;

Oportunizar a participação dos alunos em torneios, campeonatos, competições, na função de árbitros.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: ESPORTE

Compreender a historicidade das diversas modalidades esportivas coletivas e individuais a partir de pesquisas e vivências corporais, estabelecendo uma leitura critica da realidade, elaborando textos quanto à origem e mudanças nessas modalidades;

Sistematizar e ampliar o conhecimento técnico-tático dos esportes, compreendendo-os através de recursos audiovisuais;

Organizar os esportes coletivos e individuais, utilizando técnicas e táticas especificas, relacionando-as com as possibilidades individuais e coletivas e refletindo acerca dos elementos éticos que envolvem os jogos escolares (locais, regionais, estaduais e nacionais);

Elaborar projetos de eventos esportivos e/ou festivais, inseridos no projeto político pedagógico da Escola (jogos internos, festivais, entre outros).

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: GINÁSTICA

Sistematizar e ampliar o conhecimento sobre a ginástica aeróbica e de academia, organizando coletivamente sequências coreográficas, extrapolando-as para a comunidade escolar;

Elaborar e socializar, de forma escrita e/ou oral, os conceitos, as atitudes, os processos e as habilidades trabalhadas sobre ginástica aeróbica e de academia.

Identificar e constatar o cálculo de aferição da frequência cardíaca, em repouso e durante o exercício, relacionando-a com o esforço utilizado na prática da ginástica trabalhada em diferentes ritmos aeróbicos, assim como refletir sobre a ingestão de alimentos e o gasto de calorias.

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RCEF 2010 /Educação Física

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: DANÇA

Conhecer as origens, os saberes e as práticas das danças eruditas;

Vivenciar as danças eruditas (como o Ballet Moderno, Sapateado, Jazz, Balé, entre outras) identificando motivações, origens e passos característicos;

Elaborar produções (oficinas e coreografias) que contemplem os diversos tipos de danças trabalhadas.

CONTEÚDO ESTRUTURANTE: LUTA

Sistematizar e ampliar o conhecimento sobre luta, tratando historicamente o desenvolvimento das práticas mediante vivências;

Ampliar o conhecimento sobre as diferentes lutas e seus fundamentos técnicos (ataque, luta e controle), organizando festivais, workshops e seminários para a comunidade escolar;

Elaborar e socializar, de forma escrita e/ou oral, os conceitos, as atitudes, os processos e habilidades sobre as diferentes modalidades de lutas.

7 EDUCAÇÃO FÍSICA E DIVERSIDADE

Coletivo de Autores (1992) já apontava a necessidade de relacionar, nas aulas, os temas da

Cultura Corporal com os grandes problemas sociopolíticos atuais como: ecologia, papéis

sexuais, saúde pública, relações sociais do trabalho; preconceitos sociais, raciais, em

relação a deficiências e ao envelhecimento; distribuição do solo urbano, distribuição da renda, dívida

externa e outros. Destacando que

[...] a reflexão sobre esses problemas é necessária se existe a pretensão de possibilitar ao aluno da escola pública entender a realidade social interpretando-a e explicando-a a partir dos interesses de classe social. Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão da prática social. Portanto, os conteúdos devem ser buscados dentro dela (p. 62-63).

Acreditamos que esse mesmo entendimento deve ser estendido aos temas transversais

tratados pelos PCN; não podemos caracterizá-los como conteúdos paralelos aos da disciplina,

nem abordá-los de maneira isolada. As temáticas propostas pelos PCN são consideradas como

de urgência para todo o país, são elas: Ética, Saúde, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente,

Orientação Sexual e Trabalho e Consumo; os professores são livres para, nas aulas, trabalhar

com outras temáticas, a partir das necessidades de cada região.

Nestes referenciais curriculares, o coletivo que o constitui (consultores das várias

disciplinas e professores da rede estadual de ensino) e que toma como referência o cotidiano

escolar paraibano e nacional bem como as reflexões realizadas de forma coletiva nas Oficinas,

O

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RCEF 2010 /Educação Física

sobre as problemáticas socioculturais deste cotidiano, optou por assumir, como proposta no

próprio documento, a incorporação, em suas reflexões, do tema Transversal Diversidade

Sociocultural7.

Essa temática está presente em todo o conjunto das disciplinas escolares, no entanto,

seus temas ou diversidades específicas são representados de forma diferenciada em cada área

de conhecimento. No documento mencionado acima, foram sugeridos os seguintes temas:

Pluralidade Étnico-cultural, Diversidade Religiosa, Educação Especial, Diversidade

Linguística, Diversidade Sexual e de Gênero.

Na Educação Física, a questão das diversidades se coloca com mais frequência

relacionada ao padrão de beleza, diversidades físicas, diversidade sexual e de gênero, de

habilidades corporais; com isso, não queremos dizer que as outras não se façam presentes,

mas essas citadas são as mais explícitas no âmbito das aulas dessa disciplina.

Ao professor cabe propiciar momentos nas aulas para dialogar sobre essas

problemáticas sociais, assim como desenvolver práticas nas quais essas questões sejam

tratadas na perspectiva de compreensão da sua totalidade, radicalidade (no sentido de ir às

raízes), e que sejam elaboradas proposições coletivas, solidárias, alternativas, emancipatórias

e superadoras.

Essa gama de elementos culturais referentes à corporalidade dos alunos foi construída

historicamente e, a partir das diversidades socioculturais presentes no mundo, estes conteúdos

foram assumindo novos contornos e, consequentemente, foram admitindo variados

significados, determinados pelos diversos modos de realizar estas atividades. Nas aulas de

Educação Física, e na dinâmica escolar como um todo, é preciso que se perceba e considere o

contexto social no qual os alunos estão “mergulhados”.

Uma possibilidade, dentre várias, de trabalhar com essas temáticas nas aulas de

Educação Física são os esportes adaptados, a maioria das modalidades esportivas atualmente

também já é praticada por pessoas deficientes. Os professores podem propiciar aos alunos

vivenciarem essa experiência, independentemente de haver ou não na turma alunos

deficientes. Esse momento é extremamente importante para que seja estabelecido diálogo

sobre as problemáticas sociais, como já afirmamos anteriormente. Pode ser desenvolvido um 7 Mais explicações sobre essa temática: consultar os Referenciais Curriculares do Ensino Fundamental sobre Diversidade Sociocultural, neste volume.

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RCEF 2010 /Educação Física

jogo com os alunos de olhos vendados e a bola envolvida em sacolas plásticas para que emita

sons e ruídos. Vivenciar o vôlei sentado8 com a turma, dialogando sobre esse esporte

adaptado para cadeirantes e pessoas com dificuldades de locomoção. A discussão das regras

dessa modalidade esportiva possibilita um espaço de debate sobre a questão de igualdade de

condições físicas e de adaptação social.

Pode-se dialogar sobre gênero desmitificando a questão de que existem brincadeiras e

esportes específicos para meninas e brincadeiras e esportes específicos para meninos,

possibilitando, assim, o entendimento que todos os alunos, independente da diversidade

sexual e de gênero, podem brincar e/ou realizar atividade esportiva por eles preferida.

Outra possibilidade é trabalhar com os jogos e as danças das diferentes regiões e

culturas. Dividir os alunos em grupos para realizar pesquisas sobre os jogos populares da

nossa região e das demais regiões do país (Norte, Sul, Sudeste, Centro-Oeste) e,

posteriormente, escolher alguns jogos ou brincadeiras para vivenciar na aula. Da mesma

forma, pode-se fazer com as danças das diferentes culturas como as da Cultura

Afrodescendente, a Cultura Indígena, entre outras.

Esses são apenas alguns exemplos de como abordar as questões referentes à

diversidade nas aulas de Educação Física. Para tanto, é necessário que o professor esteja

sempre atento às problemáticas sociais locais, regionais e nacionais para que inclua essas

discussões nas aulas, a partir de procedimentos teórico-metodológicos pautados pelos

interesses e anseios da classe trabalhadora, na qual os alunos estão inseridos.

8 PROCEDIMENTOS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS

proposta pedagógica apresentada nestes referenciais curriculares coloca a

necessidade de que todo o coletivo da Escola – e isso inclui os professores de

Educação Física – “encare” essa disciplina não como mera atividade escolar sem

conteúdos próprios, e sim, como um componente curricular obrigatório na Educação Básica,

que possui conhecimentos necessários à formação humana omnilateral, ou seja, uma

formação ampliada, abrangente, e não unilateral.

Para tanto, a aula precisa ser considerada como um espaço intencionalmente

organizado para possibilitar a direção da apreensão, pelo aluno, do conhecimento específico

8 Nomenclatura usada para designar o vôlei paraolímpico.

A

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RCEF 2010 /Educação Física

da Educação Física e dos diversos aspectos das suas práticas na realidade social (COLETIVO

DE AUTORES, 1992, p. 87).

Partindo desse entendimento e tendo em vista a Cultura Corporal como objeto de

estudo da Educação Física, o professor, a partir dos conteúdos estruturantes, será responsável

por organizar e sistematizar os conhecimentos sobre essas práticas corporais, de modo que

possibilite o diálogo com as diferentes culturas. Para isso, precisará desenvolver metodologias

que tenham o eixo central focado na construção do conhecimento pela práxis, ou seja,

metodologias que proporcionem, ao mesmo tempo, trabalhar a expressão corporal, o

aprendizado das técnicas próprias dos conteúdos propostos e refletir sobre a Cultura Corporal,

tomando como base o princípio da complexidade crescente.

Nessa perspectiva, o mesmo conteúdo pode ser trabalhado tanto nos anos iniciais

como nos anos finais do Ensino Fundamental, assim como está posto no tópico “Organização

Didática dos Conteúdos Estruturantes”. Para um melhor entendimento dos professores, na

sequência, apresentamos um exemplo. Poderíamos tratar como exemplo qualquer um dos

conteúdos estruturantes, mas optamos pelo conteúdo esporte, modalidade futebol, por ser um

dos mais trabalhados nas aulas.

O professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental, ao trabalhar com o conteúdo

estruturante esporte, modalidade futebol, pode apresentar aos seus alunos a história do futebol

perpassando pelos vários contextos – político, econômico e social – desde a criação dessa

modalidade de esporte, às mudanças pelas quais passou, de modo que permitam aos alunos

compreenderem-na como uma prática histórico-social, desnaturalizando-a; conhecerem as

regras básicas e mais elementares, a noção dos fundamentos básicos, sempre dialogando sobre

o conhecimento que os alunos possuem sobre essa modalidade, com o propósito de avançar a

partir do que eles conhecem.

Já nos anos finais do Ensino Fundamental, o professor pode partir de um diálogo mais

aprofundado sobre a história do futebol, mais aprofundado sobre a história do futebol, levando

em consideração as suas práticas em vários contextos e épocas; discutir o futebol enquanto

espetáculo esportivo, o mercado de trabalho futebolístico, as torcidas organizadas, além é

claro, da arbitragem e das técnicas e táticas.

A partir de uma perspectiva crítica do processo educativo, o que é o propósito destes

referenciais, o professor pode se utilizar da metodologia baseada no método didático da

prática social (SAVIANI, 2005). Esse método prevê cinco etapas: prática social – ponto de

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RCEF 2010 /Educação Física

partida, em que, através do diálogo, são reconhecidos os conhecimentos prévios dos alunos,

os quais serão problematizados posteriormente; problematização – fase em que o professor

irá problematizar os conhecimentos prévios dos alunos para chegar ao conhecimento

escolar/conteúdo sistematizado; instrumentalização – momento em que o professor

socializará com os alunos os instrumentos teóricos e práticos necessários à solução dos

problemas que têm referência na prática social. Trata-se da aquisição do conhecimento crítico,

contextualizado e significativo, necessário à transformação social, no sentido da emancipação

humana; catarse - momento de criatividade, em que os alunos expressam o conhecimento

construído, de diferentes formas, ou seja, o aluno expressa a compreensão que teve de todo o

processo; e nova prática social – construção do conhecimento sintetizado sobre a realidade,

transformando-se em algo mais rico e orgânico, pois o aluno passa a ter uma análise e

compreensão mais amplas e críticas da realidade; conclusão e avaliação a partir do realizado.

A prática social é transformada num espaço pedagógico pautado pelo diálogo entre professor

e alunos e, sobretudo, entre os níveis e tipos diversificados de pensamentos.

Vamos descrever um exemplo do desenvolvimento das cinco etapas do referido

método didático. Usaremos como referência uma aula cujo conteúdo estruturante é a

ginástica, ministrada para alunos do 1º, 2,º e 3º anos. O professor precisa definir qual o

objetivo da aula. No nosso exemplo, o objetivo da aula é fazer com que os alunos

compreendam e vivenciem os fundamentos da ginástica.

1º momento: Prática social

Diálogo com os alunos sobre a ginástica e o objetivo da aula, trazendo à tona os

conhecimentos pré-existentes acerca desse conteúdo.

2º momento: Problematização

O professor apresentará os fundamentos da ginástica (saltar, equilibrar, rolar/girar,

balançar/embalar) e proporá atividades/desafios para serem solucionados pelos alunos, como

por exemplo: realizar movimentos de equilíbrio individualmente, em dupla, em trios; pedirá

aos alunos para saltarem de diferentes formas: de um pé para dois pés, de dois pés para um,

entre outras atividades.

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RCEF 2010 /Educação Física

3º momento: Instrumentalização

Através de exposição oral, o professor explicará detalhadamente os fundamentos da ginástica,

um a um (conhecimento escolar/conteúdo sistematizado).

4º momento: Catarse

Divididos em pequenos grupos, os alunos identificarão uma brincadeira que envolva ao

menos dois dos fundamentos da ginástica, para, após esse momento, a brincadeira ser

vivenciada por toda a turma.

5º momento: Nova prática social

Através do diálogo com os alunos, realizar uma avaliação coletiva da aula para, assim,

identificar o que eles apreenderam e o que o professor precisa retomar na próxima aula.

Para além das aulas formativas que envolvem professores e alunos, compreendidas no

tempo regular de 45 minutos, os professores também podem se utilizar de outras

possibilidades metodológicas para trabalhar os conteúdos da Educação Física, favorecendo

uma melhor compreensão e apreensão por parte dos alunos. Essas outras possibilidades

metodológicas se constituem como: festival, oficina e seminário.

Das possibilidades metodológicas colocadas nestes referenciais, podemos considerar o

festival como um dos mais significativos espaços, pois opera com os sentidos e significados

que lhe atribuem seus participantes. Nele podemos socializar os conteúdos trabalhados

durante um período determinado, que pode ser: um bimestre, um semestre, ou a finalização

das atividades anuais da disciplina/escola. Nesse espaço, também observamos a possibilidade

de integração e ampliação de saberes, além de se trabalhar alguns princípios curriculares no

trato com o conhecimento, tais como: a relevância social e a simultaneidade dos conteúdos.

Um bom exemplo desse tipo de atividade são os festivais de cultura corporal onde

pode(m) ser contemplado(s) um ou mais dos conteúdos estruturantes (por exemplo, um

festival de ginástica e/ou de danças populares). Nesse momento, o coletivo da escola estaria

envolvido na elaboração das atividades e na organização do festival, inclusive, pode ser um

momento propício para envolver a comunidade do entorno da escola, convidando os grupos

culturais (dança, ginástica, capoeira, entre outros) da comunidade para socializarem seu

conhecimento com o coletivo da escola.

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RCEF 2010 /Educação Física

A oficina é encarada como espaço privilegiado de elaboração, sistematização e

ampliação do conhecimento produzido coletivamente, dentro ou fora do tempo destinado à

aula. Também possibilita a construção coletiva de práticas corporais e elementos da cultura

corporal dos alunos. Durante a construção de oficinas pedagógicas, os alunos podem ter

acesso ao conhecimento, de forma autônoma e participativa. A oficina de brinquedos

populares é uma possibilidade de se trabalhar com esse tipo de metodologia. Nela, os alunos

podem criar e recriar diversos brinquedos populares como: a pipa, o peão, o carrinho de

rolimã, a bola, a perna de pau, o salto alto, entre outros.

Outro importante elemento metodológico, que contribui significativamente para a

elevação dos conhecimentos dos alunos, é o seminário. A partir da utilização desse método,

os alunos passam a socializar, através das diversas linguagens (verbalização, fotos, cartazes,

músicas, vídeos, expressões corporais, entre outras), o conteúdo trabalhado durante um

determinado período de aulas. O objetivo central dessa atividade é fazer com que os alunos

possam demonstrar que são capazes de sintetizar e confrontar o conhecimento apreendido por

eles durante o estudo com as observações feitas pelos outros alunos e pelo professor.

Essas são apenas algumas possibilidades metodológicas, no entanto, o professor pode

trabalhar com diversas outras propostas de metodologias, como: torneios, campeonatos,

palestras, debates, gincanas, maratonas, workshops, entre outras.

9 AVALIAÇÃO

a perspectiva das teorias críticas, a avaliação do processo ensino-aprendizagem é

muito mais do que simplesmente aplicar testes, levantar medidas, selecionar e

classificar alunos. Mas, para avançarmos, é necessário considerar que a avaliação

está relacionada ao projeto político pedagógico da Escola. De acordo com a LDBEN – Lei n.

9.394/96, a avaliação deve ser contínua, cumulativa e os aspectos qualitativos devem

prevalecer sobre os quantitativos, dando ênfase ao aprender e não ao ensinar.

Avaliar significa ação provocativa do professor, desafiando o educando a refletir sobre as situações vividas, a formular e reformular hipóteses, encaminhando-se a um saber enriquecido. Dialogar é refletir em conjunto sobre o objeto de conhecimento. Exige aprofundamento em teorias de conhecimento e nas diferentes áreas do saber. Acompanhar é favorecer o vir a ser desenvolvendo ações educativas que possibilitem novas descobertas (HOFFMAN, 1998, p.153).

N

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300

RCEF 2010 /Educação Física

A aprendizagem articulada neste contexto, que se fundamenta na construção de um

saber reflexivo, dialógico, nos moldes da autonomia, “significa descobrir a razão das coisas e

pressupõe a organização das experiências vividas pelos sujeitos numa compreensão

progressiva das noções” (IDEM).

Partindo desse entendimento, e tendo em vista que a Educação Física é um

componente curricular com conhecimentos próprios, não mais procede avaliar somente por

participação, frequência e rendimento atlético/físico. É necessário avaliar levando em

consideração os objetivos e critérios propostos para que, assim, a apropriação do

conhecimento seja oportunizada de maneira significativa. De acordo com o Coletivo de

Autores (1992, p.104),

As práticas avaliativas produtivo-criativas e reiterativas buscam imprimir à avaliação uma perspectiva de busca constante da identificação de conflitos no processo ensino-aprendizagem, bem como a superação dos mesmos, através do esforço crítico e criativo coletivo dos alunos e as orientações do professor.

A avaliação deve apontar a aproximação ou o afastamento dos objetivos propostos,

para que o professor possa tomar decisões e reorganizar o ensino. Os instrumentos de

avaliação devem ser bem estruturados e relacionados aos encaminhamentos metodológicos. O

professor deve procurar conhecer as experiências prévias dos alunos, através de diálogos,

dinâmicas, entre outros procedimentos; proporcionar momentos de reflexões críticas sobre o

que foi trabalhado, que podem ser expressos por diferentes linguagens: verbal, não verbal,

expressão corporal, entre outras; trabalhar com diferentes instrumentos avaliativos como a

construção e realização de festivais, oficinas, torneios, assim como provas, trabalhos

escritos, seminários, mas todos esses instrumentos, utilizados na perspectiva também de

serem subsídios para o redimensionamento da ação pedagógica do professor, não só para

classificar os alunos em aprovados e reprovados.

Tomando como referência os exemplos utilizados no tópico anterior, “Procedimentos

didático-metodológicos”, podemos perceber que o professor pode avaliar os alunos durante

todo o período que compreende o bimestre, desde a socialização dos conteúdos até sua

finalização. Para tanto, o professor pode recorrer a vários instrumentos avaliativos, além da

participação e frequência, tais como:

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RCEF 2010 /Educação Física

1. Festival – esse procedimento metodológico também pode ser utilizado como um

instrumento de avaliação, ele pode ser construído pelo professor e apenas vivenciado pelos

alunos e, pode ser construído pelos próprios alunos com a ajuda do professor. Deve-se avaliar

desde o momento de elaboração, passando pela construção e finalizando com a efetivação do

festival. Nesse momento de avaliação, o professor deve levar em consideração os seguintes

aspectos: se os alunos respeitam as regras estabelecidas pelo grupo durante as atividades

propostas; se persistem na realização das tarefas acordadas coletivamente; se compreendem

seus limites e os dos colegas.

2. Seminário – momento de aprofundamento do conteúdo trabalhado. Aqui, o

professor deve levar em consideração os seguintes aspectos: se, através das pesquisas

realizadas, os alunos conseguem acessar o conhecimento de forma consciente e criativa,

utilizando as várias linguagens (cartazes, expressão corporal, entre outras); se têm

compreensão dos conceitos e conteúdos trabalhados.

3. Provas escritas – momento de avaliação no qual o professor deve observar se os

alunos têm facilidade de conceituar e contextualizar os conteúdos propostos e se eles se

expressam textualmente de forma clara e objetiva. O professor deve evidenciar, também, os

avanços e as dificuldades que os alunos têm acerca do conteúdo trabalhado.

Vale salientar aqui que os instrumentos descritos se apresentam como possibilidades

avaliativas, ademais, os professores podem utilizar esses e outros instrumentos já citados no

decorrer do texto. Além disso, também podem, em cada bimestre, trabalhar com um, dois ou

vários desses instrumentos. Outra observação a ser feita refere-se à maneira como os

professores podem aplicar os instrumentos de avaliação no 1º e no 2º segmento: alguns

instrumentos podem ser utilizados para fazer avaliação nos dois segmentos, no entanto, é

preciso considerar as possibilidades sociocognitivas dos alunos ao se adotar um determinado

instrumento avaliativo, ou seja, ele precisa estar adequado à capacidade cognitiva e à prática

social do aluno.

REFERÊNCIAS

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RCEF 2010 /Educação Física

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RCEF 2010 /Educação Física

FILMES SUGERIDOS

Linha de Passe (Nacional), 2008– (Universal), 108 minutos

O fime mostra a história de quatro irmãos da Cidade Líder, periferia de São Paulo que, com a ausência do pai, precisam lutar por seus sonhos. Dario (Vinícius de Oliveira) vê em seu talento como jogador de futebol a esperança de uma vida melhor. O título é uma alusão ao futebol, que está no centro das atenções, Dario aspira carreira como jogador de futebol.

Filhos do paraíso (Iraniano), 1997 – (Paris Filmes), 88 minutos

Ali, um garoto de nove anos, ao perder o sapato da irmã (Zahra), recém consertado, vê-se obrigado a dividir o único par de sapatos que restou. Na escola, o professor de Educação Física divulga uma corrida na qual o colocado em terceiro lugar ganhará um tênis; empolgado com a possibilidade de ganhar o par de sapatos para a irmã, Ali participa da competição, não para vencer, mas para chegar em terceiro.

Invíctus (USA), 2009 – (Warner Bros), 134 minutos

Trata de um momento histórico para a África do Sul: Nelson Mandela, recentemente eleito presidente daquele país, vê o povo dividido por fatores econômicos e, principalmente, pelo racismo, em decorrência do apartheid. Ele percebe que a seleção nacional de rúgbi pode ser um elo de agregação popular, então decide apoiar o time nessa empreitada.

Billy Eliot (ING), 2000 – (Columbia), 111 minutos

O filme retrata a vida de Billy Elliot (Jamie Bell), um garoto de 11 anos que vive numa pequena cidade da Inglaterra; seu pai e irmão trabalham como mineradores e estão liderando um comando de greve por melhores condições de trabalho. Em meio a tudo isso, Billy se debate entre a vontade do pai, de que ele lute boxe e a sua, de praticar balé.

O ano em que meus pais saíram de férias (Nacional), 2006 – (Globo Filmes), 110 minutos

O filme mostra a expectativa de Mauro (Michel Joelsas), um garoto mineiro de 12 anos, que adora futebol e jogo de botão, com os acontecimentos recentes da sua vida; ele vê seus pais saírem de férias e acompanha empolgado os jogos da Copa do Mundo de 1970. Na verdade, os pais de Mauro foram obrigados a fugir por serem de esquerda e estarem sendo perseguidos pela ditadura militar.

Todos os corações do mundo (Nacional), 1995 – (Sports target media), 108 minutos

Documentário oficial que trata da Copa do Mundo dos Estados Unidos, realizada em 1994, onde o Brasil sagrou-se tetracampeão. Ele mostra os detalhes dos grande jogos daquele Mundial, além da expectativa das torcidas das principais seleções.

Entre os muros da escola (FRA), 2007 – (Sony ), 128 minutos

O professor de língua francesa François Marin (François Bégaudeau) tenta fazer com que seus

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RCEF 2010 /Educação Física

alunos aprendam algo durante o ano letivo; ele encara a dura realidade da sala de aula e alunos desinteressados. O filme retrata com tanta fidelidade os problemas dentro da sala que mais parece um documentário. Vale apena tratar de algumas questões levantadas pelo filme.

Pro dia nascer feliz (Nacional), 2006 – (Ravina e fogo azul fimes), 88 minutos

A realidade das escolas brasileiras contadas a partir da visita a três estados diferentes, nos quais percebemos anseios, inquietações, preconceitos e projetos dos adolescentes. Neste documentário nos deparamos com os problemas da escola pública e a realidade cruel das escolas particulares e suas exigências.

Capitalismo: uma história de amor (USA), 2009 – (Paramount vantage), 127 minutos

O filme apresenta uma crítica ao modelo capitalista americano; faz uma análise de como este modo de produção deteriora a vida dos americanos; mostra a busca desenfreada por lucros cada vez maiores para uma pequena parte da sociedade, enquanto a maioria da população sofre com a perda de direitos.

A onda (Alemão), 2009 – (Mares Filmes), 107 minutos

Um professor propõe um experimento para explicar na prática os mecanismos do fascismo. Seus alunos começam a propagar o poder da unidade e ameaçar os outros. Quando o jogo fica sério, o professor decide interrompê-lo, inutilmente.

Tempos modernos (USA), 1936, direção de Charles Chaplin – Warner Bros, 87 minutos

O “Vagabundo” (Chaplin) passa apuros em uma fábrica repleta de geringonças como um “Comedor para funcionários”, que promete diminuir para quinze minutos o horário de almoço. Demitido da fábrica, ele encontra uma moradora de rua e com ela decide procurar felicidade e dinheiro. Mas encontra desventuras como vigia noturno sobre patins, como um hilário garçom cantante de músicas sem sentido, como presidiário e muito mais.

Idiocracia (USA), 2006 – Fox Filmes, 84 minutos

Joe Bowers (Luke Wilson) não é um sujeito brilhante. Depois de uma experiência governamental com hibernação cair no esquecimento, Bowers acorda no ano 2505 e encontra uma sociedade tão emburrecida pelo comercialismo de massa e a alienação provocada pela programação televisiva, que ele acaba sendo o cara mais inteligente do planeta. A este sujeito mediano caberá recolocar a evolução da raça humana nos trilhos. Filme roteirizado com sarcasmo incisivo e piadas visuais hilárias.

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DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL

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CONSULTOR ELABORADOR Professora Ma. Luciana Calissi – UEPB CONSULTORES COLABORADORES Professor Me. Wallace Ferreira de Souza – UFCG Professor Me. Idelbrando Alves de Lima – SEC/Solânea Professora Ma. Verioni Ribeiro Bastos – UFPB LEITORES CRÍTICOS Cezarina Maria da Silva Santos – 12ª GREC Francisca Roseane Frances R. de Sousa – 1ª GREC Geralda Maria de Souza – 9ª GREC Gisélia Soares Mota – 6ª GREC Ivaneide Dantas de Oliveira – 8ª GREC Josefa Nogueira dos Santos Praxedes – 7ª GREC José Carlos do Nascimento Santos – 2ª GREC Laura Helena Baracuhy Amorim – 1ª GREC Maria Azimar Fernandes e Silva – SEEC Maria Auxiliadora da Costa Silva – 6ª GREC Maria Edna de Paula – 10ª GREC Maria Lucia Santos Bezerra – 11ª GREC Maria dos Remédios Mendes Oliveira – 10ª GREC Marilene Barbosa Maia Dantas – 3ª GREC

“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém

que explique e ninguém que não entenda.”

Cecília Meireles

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INTRODUÇÃO

Caros educadores,

ste documento é fruto de reflexões coletivas acerca de problemáticas

socioculturais que permeiam nosso ambiente escolar. As propostas aqui

apresentadas buscam representar o diálogo com diversos educadores da rede

pública de ensino da Paraíba que, a partir de suas vivências, nos colocaram questões,

dificuldades e caminhos a percorrer para educar em e para a diversidade. O diálogo com

diversos grupos de educadores envolvidos com Direitos Humanos, que lutam por uma

educação inclusiva, também foi de extrema importância para a construção de uma proposta

que contemple as principais dimensões de um tema tão vasto e complexo como este.

1 DIVERSIDADE SOCIOCULTURAL: CONCEITO E DESAFIOS

ntre os desafios a serem enfrentados para a concretização deste tipo de

educação, encontra-se o de fazer com que todas as áreas do conhecimento ou

disciplinas pensem as diversidades como conteúdo curricular (e não

disciplinar); como algo que deva ser trabalhado de forma transversal e interdisciplinar. Este

desafio se relaciona com tantos outros, como compreender essas diversidades a partir do

nosso cotidiano, de nossa realidade regional e local; o domínio de conceitos estruturantes

deste campo de conhecimento; o entendimento das capacidades a serem desenvolvidas pelos

alunos para praticarem a inclusão; as estratégias a serem empreendidas para alcançar os

objetivos propostos.

Do diálogo com os professores na Oficina Geradora, depreendeu-se que os educadores

e a comunidade escolar (que envolve o espaço escolar e o seu entorno) não têm a diversidade

como parte do planejamento da Escola ou do conteúdo de seus currículos escolares. Os

indicativos nos levam a perceber que o tema da inclusão ainda não faz parte do cotidiano de

muitas escolas, de forma sistematizada e reflexiva. Os próprios professores reconheceram esta

lacuna. Essas observações foram o ponto de partida para o desenvolvimento e organização do

que estas páginas apresentam.

Uma preocupação permeou esta proposta: a de evitar o distanciamento entre o

tratamento teórico de questões como as expostas/mencionadas acima e as condições reais e

práticas de ensino-aprendizagem em e para a diversidade. Por isso, o diálogo estabelecido

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

com os professores da Rede Pública buscou identificar as concepções gerais sobre as

diversidades, as melhores metodologias, tentando perceber quais os temas mais importantes

para a realidade local.

O Tema Transversal Geral proposto por este documento se denomina Diversidade

Sociocultural. Por “diversidade sociocultural”, compreende-se tudo o que apresenta

diferenças em relação ao outro, individual ou coletivo, e pressupõe um padrão estabelecido, e

que deve ser questionado. Este termo está relacionado com as variedades

ou multiplicidades de situações sociais, econômicas, políticas e culturais que compõem a

sociedade. Embora as diversidades sejam intrínsecas e naturais às sociedades humanas, elas

nem sempre são/foram assim encaradas. Por diversos motivos históricos, alguns indivíduos e

grupos sociais, em diferentes contextos, que foram/são considerados fora do padrão e/ou

inferiores, sofrem preconceitos e exclusões sociais.

Na Escola, isso é evidente e se revela através de diversas práticas tanto dos educadores

quanto dos pais e dos alunos. O famoso bullyng, uma versão atualizada de diversos

preconceitos enraizados na nossa sociedade e que sempre se manifestaram nas escolas, agora

ganha outra perspectiva de análise. O que antes estava naturalizado ou banalizado, como a

discriminação de crianças por religião ou algum tipo de deficiência física, agora, graças aos

diferentes movimentos e ações sociais, sofre críticas e recriminações; e alerta-se para a

necessidade de combater preconceitos e conflitos, objetivando uma sociedade mais justa.

Portanto, um dos principais objetivos deste documento é contribuir para que a

comunidade escolar pense sobre as diversidades, preconceitos e consequentes conflitos

que vive diariamente. A intenção é propiciar o conhecimento e a compreensão das

diversidades por parte dos educadores, através de e um diálogo dentro da Escola sobre

essas questões, contemplando o objetivo maior da sociedade cidadã: a igualdade na

diferença.

A partir do tema geral, Diversidade Sociocultural, foram sugeridos temas referentes a

diversidades específicas. São eles: Diversidade Linguística, Diversidade Étnico-racial,

Gênero e Sexualidade, Educação Especial e Diversidade Religiosa.

Essas diversidades foram elencadas juntamente com alguns professores da Rede

Estadual de Ensino Fundamental e os demais consultores de outras áreas, a partir das

discussões desenvolvidas na Oficina Geradora, que identificaram as situações-problema mais

comuns nas escolas. Eleitas para serem objetos de reflexão neste documento, estas

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diversidades se referem às diferentes dimensões socioculturais e a tipos distintos de

preconceitos e exclusões decorrentes de sua incompreensão.

É importante ressaltar que não existe uma hierarquização no tratamento das

diversidades, e que cada uma delas compreende uma complexidade e pluralidade de conceitos

e de concepções acerca de suas especificidades. Além disso, estes temas se interrelacionam de

diversas formas. Por exemplo, a diversidade/desigualdade econômica ajuda a explicar

diversos tipos de exclusão. O preconceito contra as mulheres também contém preconceitos

relativos à sexualidade. O preconceito religioso perpassa o tratamento de quase todas as

diversidades a serem aqui estudadas, uma vez que os nossos valores são predominantemente

judaico-cristãos. Nesse sentido, poderíamos assim representá-los:

Diagrama 1 – Diversidades Socioculturais

2 OBJETIVOS

Como já enfatizado, o estudo destas situações-problema tem a intenção aqui de

sugerir parâmetros para auxiliar a consolidação das reflexões e ações em e para a inclusão, e

propiciar ao professor um trabalho escolar que supere, à medida do possível,

preconceitos/exclusão:

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OBJETIVO GERAL: refletir sobre as diversidades, preconceitos e consequentes conflitos com os quais a comunidade escolar (con)vive diariamente, construindo o conhecimento e a compreensão dessas diversidades para diminuição dos preconceitos/exclusão. Assim, as intenções são:

desenvolver o respeito às diferenças e à igualdade de direitos e oportunidades a crianças e adolescentes, e também a educadores e à comunidade escolar como um todo;

combater preconceitos em relação à pluralidade étnico-cultural;

combater o preconceito contra as demais diversidades encontradas na Escola, como a pessoas deficientes, homossexuais, mulheres, entre outros;

desenvolver o espírito de liberdade, igualdade e fraternidade entre membros da comunidade escolar;

perceber o real papel da Escola, suas necessidades e limites para o enfrentamento das diversidades e adversidades na comunidade escolar.

Além desses objetivos, cada tema ou diversidade contempla objetivos específicos que

serão estabelecidos pelos professores e alunos ao longo do trabalho a ser desenvolvido.

Acreditamos que uma estratégia para o alcance dos nossos principais objetivos seja

contextualizar estas questões como parte do processo de globalização, levando à compreensão

do sentido e da importância desse tipo de conteúdo escolar no contexto histórico, e o papel da

Escola para uma sociedade mais democrática. Para tanto, empenhamo-nos primeiramente em

demonstrar o que significa a prática inclusiva e a sua importância para a sociedade atual.

Em um segundo momento, será apresentado o tema Diversidade Sociocultural e seus

temas, sempre os vinculando com a Escola inclusiva e o papel dos educadores. Nesse sentido,

os objetivos atitudinais são intrínsecos e fundamentais para este tipo de conteúdo, pois

representam a busca de caminhos educacionais alternativos para a necessária inclusão nas

escolas, uma vez que os objetivos aqui representam questões éticas envolvidas nas relações

sociais.

Na tentativa de propiciar um ponto de partida para o trabalho escolar, o presente

documento também apresenta conceitos estruturantes para a construção de outros conceitos e

conteúdos importantes no processo de ensino-aprendizagem. Além dos conteúdos e conceitos,

acompanhando o perfil de toda a proposta, discutiremos as possibilidades metodológicas para

a efetivação desse trabalho e formas de avaliação de todo o processo a se desenvolver no

cotidiano das práticas educativas. Como esse tipo de estudo deve ser incorporado por todas as

disciplinas curriculares, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade serão aqui

retomadas como base metodológica da educação em e para a diversidade.

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3 INSERÇÃO: POR QUE FALAR EM DIVERSIDADES NO AMBIEN TE ESCOLAR?

omo já colocado na Apresentação destes Referenciais Curriculares, a

reflexão e a ação em/para inclusão se dão a partir de um contexto

mundial/nacional “geo-socio-histórico”, cultural, jurídico e epistemológico,

que se configura há décadas. Entre as diferentes dimensões do contexto emergente, a

dimensão cultural ganha, a todo instante, maior importância dentro e fora das escolas. As

transformações sociais e territoriais (migração e desenvolvimento das comunicações)

possibilitaram a emergência/evidência de sujeitos coletivos antes mais silenciados,

contrapondo-se à perspectiva homogeneizante do capitalismo globalizado. A emersão de

diversos atores/grupos sociais, como representantes de religiões não-cristãs – islâmicos,

judeus ou afrodescendentes – de etnias africanas, orientais e indígenas, produziu novas

conexões socioculturais, as quais “inventaram” novas concepções e padrões morais nas

sociedades, o que engendrou a discussão sobre as diversidades socioculturais em prol de uma

sociedade democrática e de direitos, já proposta há pelo menos meio século. A Declaração

dos Direitos Humanos de 1948 já propunha o desenvolvimento de ações onde as diferenças

identitárias fossem respeitadas, desde que preservem a dignidade humana.

O que se entende por dignidade humana é que cada pessoa tenha condições básicas de

sobrevivência e convivência e que, segundo os nossos parâmetros ideais de democracia, viva

em uma sociedade livre, igualitária e fraterna, onde todos sejam sujeitos de direitos e deveres.

“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e

consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”

(Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. I). Compreender o sentido da fraternidade,

como ação que amplia a ação da solidariedade, é de extrema importância para promover a

inclusão, uma vez que a solidariedade, embora válida e importante, pressupõe ações de alguns

grupos com caráter muitas vezes paliativo, mas que não configuram, necessariamente, ações

de mudanças estruturais. Já a prática da fraternidade pressupõe ação contínua por parte de

todos os cidadãos, e estes devem compartilhar, repartir os bens econômicos, culturais/sociais;

devem se empenhar para que todos, de fato, vivam numa sociedade justa.

Esta noção aqui remete a uma perspectiva de transformação e não de adequação ou

conformação à sociedade desigual e injusta em que vivemos; remete à união de forças, de

classes e de grupos por autonomia, respeito e liberdade. Estes ideais normalmente são

“ventilados” ou veiculados na mídia como reforço ao assistencialismo e não como lutas por

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direitos. Nesse sentido, corremos o perigo de, como educadores, acreditarmos que devemos

aceitar ajudas, formação para o conformismo, esquecendo-nos de nossa força, nossa

possibilidade de críticas e de diferentes capacidades para nos situarmos como sujeitos

pensantes. A nossa responsabilidade requer cautela a respeito do que nos é demandado.

Assim, a Escola, embora tenha papel importante na dinâmica social, deve se pensar de forma

autônoma e crítica, e evitar que tantas demandas a ela impostas (e, devido à própria estrutura,

impossíveis de serem atendidas) tragam a sensação de incompetência e ineficiência aos

educadores.

Assim, a proposta de se trabalhar com diversidades socioeconômicas pode ser vista

sob diversos ângulos. A intenção é de ajudar a pensar sobre os desafios enfrentados pelos

educadores, e não o de colocá-los como únicos responsáveis pela solução desses desafios.

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. II).

É nesse sentido, portanto, que as diferentes crianças devem ser respeitadas nas escolas,

devem encontrar espaços de ação, de atuação, de aprendizado e direitos. Mas não só a Escola

é responsável pela eficácia das estratégias que se pensam para tal. A pluralidade ou

diversidade sociocultural deve ser um bem, e não um empecilho para o desenvolvimento de

uma sociedade.

Nessa perspectiva é que a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, de 2002,

configura a diversidade cultural como fator de desenvolvimento, pois, segundo esse

documento

A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha oferecidas a cada um; ela é uma das fontes de desenvolvimento, entendido não somente em termos de crescimento econômico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória. (Art. 3º)

Esta Declaração reafirma a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a

Constituição da UNESCO e seus princípios e acordos. É fruto de diversas reflexões

conectadas a fóruns mundiais de diferentes tipos e lugares, os quais analisam e elaboram

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propostas para a efetivação de uma sociedade justa e igualitária. Reconhece o processo de

Globalização e seus desafios e possibilidades, e constata “que a cultura se encontra no coração

dos debates contemporâneos sobre a identidade, a coesão social, e o desenvolvimento de uma

economia baseada no conhecimento [...]” (UNESCO, DDC, Conferência Geral)1.

O capital cultural e a valorização das diferenças na igualdade, nos quais toda pessoa

tem direitos, mesmo aqueles considerados fora de um padrão preestabelecido, como pessoas

portadoras de deficiência, homossexuais, negros, indígenas, protestantes, católicos ou

umbandistas, nos levam a ter certeza de que todos devem ser tratados fraternalmente como

iguais. Aliás, até mesmo o que representa um padrão passou a ser questionado diariamente, o

que traz a sensação de que vivemos uma crise de valores. Esta crise não é, necessariamente,

negativa. Se, por um lado, a evidente pluralidade gera conflitos, por outro, possibilita que os

diversos grupos e classes se expressem em prol de seus direitos. Porém, vale ressaltar que,

embora essas bandeiras sejam diariamente agitadas, longe estão de terem sido alcançadas.

Por isso é que a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, em

seu plano de ação, destaca a Escola e os educadores em geral como imprescindíveis para

esse processo. Seu plano propõe: “Promover, por meio da educação, uma tomada de

consciência do valor positivo da diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a

formulação dos programas escolares como a formação dos docentes.” (art. 7º). Para tal,

necessita-se desenvolver novas concepções acerca do conhecimento escolar e novas

metodologias, e/ou aperfeiçoar métodos existentes com o fim de promover a comunicação e a

construção de saberes relacionados a essas questões. Mais uma vez, destaca-se, neste

documento, a necessidade de uma reflexão crítica quanto às demandas sobre a Escola e os

educadores. Afinal, em que medida essas propostas de mudanças metodológicas e de agenda

escolar são responsáveis pela solução de problemas referentes à globalização? Estas

demandas visam a adequar o quê a quem?

Se a Escola tem esse papel fundamental, ou ainda é lugar, por excelência, para

promover a educação para a inclusão, pois nela se encontram e evidenciam diversas formas de

diversidades, cabem às questões: quais as responsabilidades que, de fato, os educadores

têm sobre todo esse processo de crise? Como nos cabe enfrentar tal situação? Como as

escolas paraibanas têm cumprido esse papel? As crianças têm acesso às escolas de forma

1 Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. In: http://www.col-dumont.com.br/projetos/anoescravatura/Escravatura_declaracao.htm. Acesso em: 10. dez. 2010.

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a permanecerem nela? Os alunos deficientes são incluídos nas escolas? Os negros são

tratados da mesma forma que os não considerados negros? Os educadores já

perceberam os diversos tipos de diversidades em sua região e/ou comunidade escolar?

Quais são as condições estruturais, de dever do Estado, dadas a essas escolas? Quais

princípios metodológicos são adequados para o tratamento dessas questões?

O pressuposto metodológico para este documento considera que todo conhecimento

deve ser significativo, ou seja, tenha algum significado/utilidade para os alunos, diga respeito

ao seu cotidiano e à sua vida, seja construído e aplicado. Esse interesse ou significado se

verifica a partir de uma situação-problema da sala de aula ou da comunidade escolar, e deve

partir de questionamentos dos alunos e da Escola em relação a tal situação. Nesse sentido,

Temas Transversais, como Diversidade Sociocultural, cumprem o papel de orientar o estudo

sobre questionamentos gerais que ultrapassam os conteúdos específicos de cada área. Sua

complexidade decorre de seu próprio objeto: trata-se de um campo de conhecimento

eminentemente atitudinal.

O estudo destes temas tem objetivos/conteúdos atitudinais. Relaciona-se portanto a

questões éticas atravessando diferentes campos do conhecimento, uma vez que não

compreende uma disciplina específica, mas conteúdos de todas as disciplinas, por isso, é

transversal a todas.

Ainda como parte do mesmo pressuposto metodológico – situações-problema de uma

comunidade escolar, é que o trabalho com temas sociais na Escola, por estar diretamente

vinculado à realidade, deve partir da e se referir à realidade de cada local. Devido à

diversidade regional brasileira,

[...] é inevitável que determinadas questões ganhem importância maior em uma região. Sob a denominação de Temas Locais, os Parâmetros Curriculares Nacionais pretendem contemplar os temas de interesse específico de uma determinada realidade a serem definidos no âmbito do Estado, da cidade e/ou escola. (MEC/SEF, 2001, p. 35).

Os temas locais contemplam questões de interesse específico, e, sendo assim, os temas

aqui propostos possibilitam que cada comunidade escolar vislumbre as suas necessidades a

partir deles, ou ainda, que, de forma autônoma, elenque, quando achar necessário, outros

temas ou diversidades sobre as quais os alunos possam refletir. O importante é que o trabalho

com esses temas possibilite o desenvolvimento de ações escolares que combatam o

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

preconceito, aliviem os conflitos e promovam a inclusão social, fazendo da Escola um espaço

de aprendizado, de organização política livre, de fraternidade, de inclusão.

Mas, afinal, o que significa inclusão? Seria apenas tolerar, dentro da Escola, diferentes

tipos de crianças ou os grupos que elas representam? Seria permitir que os diferentes grupos

de crianças e adolescentes entrem na Escola? Seria o cumprimento de leis que exigem o

acesso das pessoas, consideradas “fora do padrão”, à comunidade escolar? O entendimento

desses e de outros conceitos é de fundamental importância para o desenvolvimento desse tipo

de trabalho. Nas próximas páginas, serão encontrados alguns conceitos, para que os

educadores ultrapassem o senso comum sobre a diversidade humana e iniciem a construção de

conhecimentos importantes para o desenvolvimento social no Brasil e na Paraíba.

4 CONCEITOS ESTRUTURANTES PARA AS DIVERSIDADES

4.1 Conteúdos conceituais

construção do conhecimento pressupõe o desenvolvimento de

capacidades para o domínio e apreensão de saberes sistematizados,

propiciando a (re) elaboração/construção de novos conhecimentos

significativos. Para isso, é indispensável o domínio dos conteúdos relacionados à área do

conhecimento com que se trabalha e, nesse sentido, os conteúdos conceituais são

imprescindíveis para o aprofundamento de qualquer campo de estudo. O que são conteúdos

conceituais? São os conceitos referentes ao tema estudado, que devem ser construídos

com/pelo aluno (e não definidos pelo professor), para a compreensão desse tema transversal.

No caso dos conteúdos conceituais escolares, o termo “conceito” pode ser entendido

como uma ideia-chave a ser compreendida para o desenvolvimento de uma área de

conhecimento ou disciplina. Essa ideia-chave, na verdade, é uma elaboração intelectual

resultante de pesquisas sobre um determinado campo de estudo e representa a construção de

sua identidade. Por exemplo, o conceito de território para a Geografia e o de tempo (e suas

derivações) para a História caracterizam cada uma dessas áreas e discernem o objeto central

de análise e/ou metodologia de cada uma delas. Uma determinada área de conhecimento

constrói a sua singularidade e metodologias próprias, e essas são compreendidas a partir de

conceitos construídos historicamente, que se organizam a partir de temas, problemas a serem

estudados, “resolvidos”; no caso da disciplina de História, por exemplo, o conceito-chave diz

respeito ao ser humano através do tempo.

A

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A identidade de uma área do conhecimento, quando conhecida e reconhecida pelo

pesquisador/estudante, possibilita a troca de conceitos, metodologias e conteúdos com outras

áreas do conhecimento, pois o conhecimento do próprio objeto de saber possibilita percorrer e

explorar outros campos de saberes. Nesse sentido, os conceitos são recursos cognitivos para o

desenvolvimento de um determinado campo do conhecimento. A sua compreensão possibilita

a produção de novos conhecimentos e, assim, de novos conceitos.

O trabalho com o tema transversal Diversidade Cultural, que compreende diferentes

subtemas, perpassa diversas áreas de conhecimentos com seus conteúdos conceituais e

metodológicos específicos. Por isso, conhecer e compreender os conceitos que estruturam este

tema é considerado pré-requisito básico.

4.2 Alteridade: conceito estruturante

Para o estudo da Diversidade Cultural, o conceito considerado estruturante é o de

alteridade, pois seu significado representa uma síntese das principais questões que envolvem

esse campo de estudo, e sua compreensão permite que outros conceitos e conhecimentos

correlacionados se construam. Uma vez que os principais conteúdos deste campo de estudos

são interdisciplinares e atitudinais, a construção da noção do que é o outro e o que ele pode

significar é o ponto de partida para o desenvolvimento das discussões que perpassam o

desenvolvimento desses saberes.

A concepção sobre o conceito de alteridade é plural. A enciclopédia Larousse

Cultural (1998, p. 220), por exemplo, afirma que alteridade pode significar "Estado, qualidade

daquilo que é outro, distinto (antônimo de identidade)". A mesma enciclopédia apresenta o

significado de alteridade para a filosofia e a psicologia, remetendo a primeira à "... relação de

oposição entre o sujeito pensante (o eu) e o objeto pensado (o não eu)"; e, a segunda, às

"relações com outrem". Percebamos que, embora o outro seja o elemento comum dessas

“definições”, elas representam concepções diferenciadas, uma vez que, na definição da

enciclopédia e da filosofia, acentua-se a ideia de oposição, de oposição entre o outro e a

identidade, entre o eu e o não eu; já na psicologia, passa-se à ideia de relação com o outro.

Nesse sentido, alteridade aqui é compreendida, a princípio, como qualidade do que é

outro, podendo este ser igual ou diferente; ou a concepção que cada um tem do outro, uma vez

que ser humano pressupõe uma interação social e uma interdependência entre indivíduos, os

quais, mesmo de forma não intencional, representam, reciprocamente, contrapontos

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identitários. Este conceito, portanto, é uma ideia-chave para este tipo de estudo, uma vez que

abre caminhos para novos conhecimentos sobre o tema, pois remete a outros conceitos-chave

como identidade, cultura, inclusão, entre outros, para que os indivíduos possam elaborar

outras concepções sobre si e o outro, tendo como princípio o desenvolvimento do respeito às

diversas formas de ser.

4.3 Outros conceitos básicos

Com base nesses pressupostos acerca da importância desses conceitos estruturantes

para cada área/disciplina, aqui se apresenta a reelaboração, de forma sintética, de alguns

conceitos importantes para esse tipo de estudo. Esses conceitos são gerais e valem para a

análise sobre todas as diversidades a serem discutidas/estudadas. Eles são apresentados de

forma objetiva, didática, ou seja, não contempla uma concepção pronta e acabada sobre um

conceito ou palavra-chave, podendo esta ser complementada e/ou reelaborada de acordo com

cada situação e tema estudados. Por exemplo, o conceito sobre cidadania: construída a partir

das primeiras concepções ocidentais gregas, os alunos vão percebendo como se construiu o

significado moderno desse conceito, e qual o seu significado na atualidade. Por isso, os

conceitos aqui apresentados são referências iniciais para que os professores desenvolvam

esses e outros conceitos relacionados à Diversidade.

Aqui, a maior parte dos conceitos tem como fonte enciclopédias, dicionários gerais e

alguns dicionários especializados como os de Antropologia e de História. Ao final, um mapa

conceitual interrelaciona os conceitos com o objetivo de uma visualização global dos mesmos.

Os conceitos são aqui apresentados em ordem alfabética, e não em ordem de importância ou

abrangência, uma vez que todos são igualmente importantes e interdependentes.

Quadro 1 – Conceitos básicos para as Diversidades

CIDADANIA: “complexo de direitos e deveres atribuídos aos indivíduos que integram uma Nação, complexo que abrange direitos políticos, sociais e civis” (SILVA, 2008, p. 47). Qualidade ou condição de ser cidadão, isto é, um indivíduo integrante e participante/atuante de um Estado, e portador e consciente de direitos e deveres. Portanto, ser cidadão não é só poder votar em eleições oficiais, mas ser capaz de cobrar direitos sobre um determinado político por nós eleito como nosso representante; é reivindicar condições mínimas de sobrevivência, entre

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outros direitos como educação, cultura e lazer, direitos que devem garantir a dignidade da pessoa humana.

CULTURA: “tudo aquilo que é produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Além disso, é também todo comportamento aprendido, de modo independente da questão biológica.” (SILVA, 2008, p. 85); conjunto de atividades, instituições, padrões de comportamento, conhecimentos, crenças, costumes, tradições, valores morais, espirituais e intelectuais produzidos por grupo social/sociedade.

DIFERENÇA: condição, estado, qualidade daquele ou daquilo que é desigual. No que se refere a diversidades e direitos humanos, a diferença é o estado do que não representa um padrão, pode ser ele físico, sexual, de gênero, étnico, sociolinguístico, religioso ou cognitivo. E a desigualdade refere-se à discriminação, a uma hierarquização que pode estar relacionada à questão socioeconômica ou à questão de ação de direitos. Assim, grupos considerados diferentes diante de um padrão pré-estabelecido, muitas vezes, são tratados de forma desigual perante a lei, ou são excluídos do mercado de trabalho. Por exemplo, quando pessoas portadoras de determinadas deficiências físicas ou homossexuais são impedidos de exercer uma profissão, mesmo estando aptos para tal, ou são tratados de forma desrespeitosa na Escola.

DISCRIMINAÇÃO: ato ou efeito de distinguir e separar pessoa ou grupo em uma sociedade, de forma pejorativa e vexatória, impedindo o exercício dos direitos humanos. Essa separação social e física pode ser causada por diversos fatores sociopolíticos como condição econômica privilegiada de um grupo sobre outros; tipo de religião praticada, profissão, nacionalidade. A discriminação ou segregação causa isolamento voluntário ou involuntário de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos frente a outro que se impõe como melhor, mais forte e mais aceito.

DIVERSIDADE: qualidade daquilo que apresenta aspectos ou tipos diferentes; que é diverso, diferente do outro; do que, por determinado aspecto, não se identifica com algum outro. Este termo está relacionado com variedade ou multiplicidade de situações sociais, econômicas, políticas e culturais em que, nesse caso, não deve pressupor uma hierarquia ou desigualdade na diferença. A variedade deve ser colocada como parte constitutiva da sociedade.

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ÉTICA: conjunto de todas as formas de normatividade vigentes nos agrupamentos humanos (SALDANHA apud SILVA, 2008, p. 120); conjunto de princípios morais que devem ser observados na atuação social; ou seja, habilitação da conduta humana através de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade. No caso da Diversidade Sociocultural, a ética, em nossa sociedade, está estritamente relacionada ao respeito à dignidade humana.

ETNOCENTRISMO: tendência de grupos sociais a considerarem suas normas, valores, costumes e cultura, como parâmetros a serem seguidos por todos, pois são por eles considerados superiores aos demais diferentes deles. O etnocentrismo se revela de diversas formas e em diferentes dimensões; ele pode se revelar no regionalismo nacional, na concepção de grupos majoritários sobre grupos minoritários, como os indígenas (por muitos ainda considerados “incivilizados”); nas relações de classe social, entre outros. Esta relação não é simples, pois os considerados diferentes, muitas vezes, querem se tornar iguais, corroborando e enfatizando o etnocentrismo de grupos mais fortes sobre os menos favorecidos ou organizados.

IDENTIDADE: a noção de identidade é abordada por diversas áreas do conhecimento e podem ser apontados vários tipos identitários. Pode-se dizer que se trata de um sistema de representação simbólica que permite a construção do “eu”, quando o indivíduo se percebe semelhante a si próprio e diferente dos outros, na tentativa de compreensão de sua própria posição no mundo. Esse sistema de representação, que busca a construção do eu individual, também é coletivo, uma vez que essas representações são também constituídas histórica e socialmente. Portanto, identidade pode ser entendida como um conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa (identidade pessoal), de um grupo (identidade grupal) ou de uma sociedade (identidade coletiva), e está relacionada àquilo que denominamos de cultura.

IGUALDADE : uniformidade, identidade, regularidade; qualidade, condição ou estado do que é igual. Para a discussão de diversidade, o termo “igualdade” se refere à equidade, ou seja, à relação entre os indivíduos, em que todos são portadores dos mesmos direitos fundamentais que provêm da sua humanidade, de sua condição humana, e definem a dignidade da pessoa humana. Reconhecimento de

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que os direitos são iguais para todos, expresso em julgamento, ação e atitude. Todas as pessoas são iguais na diferença.

INCLUSÃO: qualidade de conhecer, compreender, reconhecer e aceitar o outro na sua diversidade, com vista a propiciar, de forma respeitosa, o privilégio recíproco de conviver com pessoas diferentes, compartilhando conhecimentos pluridimensionais. A inclusão pressupõe estar com o outro de forma a interagir com ele; pressupõe a socialização em todos os níveis. Para isso, os lugares públicos (como a Escola, por exemplo) devem propiciar uma estrutura que permita a todas as crianças o acesso à Escola, e garantir a permanência destas na instituição. Pois a inclusão só se efetiva se houver um aprendizado permanente e de igual qualidade para todos.

PRECONCEITO: “opinião que se emite antecipadamente, a partir de informações acerca de pessoas, grupos e sociedades, em geral infundadas ou baseadas em estereótipos, que se transformam em julgamento prévio, negativo.” (SECAD, 2006, p. 221). Opinião, sentimento e atitude ou qualquer manifestação hostil e desfavorável a indivíduos ou povos, baseadas em crenças e generalizações equivocadas acerca destes indivíduos e povos. O preconceito pode levar à discriminação e a intolerância se manifesta contra as pessoas, grupos sociais e povos.

RESPEITO: ação ou resultado de respeitar (-se). Atitude de deferência e de aceitação em relação a outro ou a algo; acatamento e apreço pelo outro, mesmo que diferente. Respeitar não significa, necessariamente, tornar-se adepto de, concordar com o outro, mas sim, propiciar a liberdade de ser para si e para o outro. Diferencia-se da tolerância, uma vez que não simula uma aceitação e sim convive e compartilha espaços com o que ou com quem é diferente.

TOLERÂNCIA: qualidade de quem suporta, de quem reconhece para os outros os mesmos direitos a opiniões, comportamento, atitude social, posição político-partidária, crença religiosa, entre outras expressões, diferentes das nossas próprias, mesmo sem aprová-las. Diferencia-se de respeito, pois a tolerância representa uma simulação de aceitação do que é diferente, e não a aceitação de fato. A tolerância pode levar à falsa ilusão do não preconceito. Por exemplo: muitas pessoas toleram negros em um determinado lugar, mas não interagem com eles; não convivem por convicção, mas por uma nova lei ou convenção social. A frase “não sou racista, mas minha filha não se casa com um negro” é um exemplo desse tipo de comportamento.

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UNIVERSALIDADE: qualidade do que é para todos ou para a maioria; relaciona-se ao que é de âmbito público em detrimento do particular. Pode ser entendida como uma proposição de sentido geral, que se contrapõe à particularidade, ou seja, uma proposta que se supõe generalizada para diversos segmentos sociais. Aqui, a universalidade não pressupõe a homogeneidade, ao contrário, a diversidade é o ponto-chave para se perceber que, nesse sentido, universalizar representa generalizar os direitos humanos, o direito à diferença e à diversidade, universalizando o respeito ao outro

Hoje, com a Globalização e seus desdobramentos societários, se coloca, com mais intensidade, a problemática de como sensibilizar sociedades, culturas, grupos sociais, para a perspectiva teórico-prática dos Direitos Humanos, que comporta determinada(s) visão(visões) de mundo, de sociedade, de ser humano, e ações conseqüentes à(s) mesma(s), entre as quais a intervenção na Educação. Os processos educativos, constituindo dinâmicas de socialização da Cultura, abrangem, sob as mais diversas formas, todos os seres humanos, e visam, pois, transmitir-lhes as experiências culturais vividas enquanto conjunto das relações humanas com a Natureza e entre os membros da espécie, de modo a possibilitar-lhes a produção e reprodução de sua existência. (SILVEIRA, 2007, p. 245).

Assim, a conquista do respeito às Diversidades, como parte da universalização dos

Diretos Humanos, depende da forma como tais diversidades são compreendidas a partir da

sociedade na qual necessitam ser respeitadas. A igualdade na diversidade pressupõe, entre

outras coisas, conceitos entendidos como construções históricas que se modificam ao longo

do tempo, desconstruindo preconceitos também históricos. Assim, cada um desses conceitos

deve ser aprofundado, acrescentado a outros, de acordo com o tema estudado e a situação

social em que se desenvolve este tema.

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5 SOBRE COMPETÊNCIA E CAPACIDADES PARA A DIVERSIDAD E SOCIOCULTURAL 5.1 Currículo e os novos conteúdos: conceitual, procedimental e atitudinal

omo sabemos, o papel da Escola tem se modificado nos últimos anos. Isso

exige mudanças nas suas concepções e práticas educativas. Pouco a pouco e

cotidianamente, tem se buscado reconstruir os caminhos que devem tecer o

conhecimento, revendo-se procedimentos educacionais, a concepção sobre currículo e

conteúdos curriculares.

O currículo é uma construção histórica e, como já afirmado neste documento por Rosa

Maria Godoy Silveira, um produto resultante de “escolhas e interesses” ao longo do tempo, a

partir de lutas sociopolíticas entre grupos e classes sociais, lutas simbólicas e culturais.

Portanto, o currículo não representa uma fórmula dada e imutável; ele se reorganiza e se

ressignifica sempre que novas demandas sociais, políticas e culturais se estabelecem na

sociedade. Nesse sentido, nas últimas décadas, diversas linhas de análise contribuíram para

reconstruir uma concepção sobre currículo e conteúdos curriculares escolares.

Destas análises, aqui se depreende que: primeiro, o currículo não deve ser estabelecido

de “cima para baixo”; segundo, não compreende uma “grade” inflexível de conteúdos,

C

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imutável; e terceiro, passou a compreender, além dos conteúdos convencionais, ou seja, da

gama de conhecimentos sistematizados e acumulados por área de estudo, também conteúdos

que perpassam todas as áreas de conhecimento; são os conteúdos conceituais, procedimentais

e atitudinais. Os conteúdos conceituais são aqueles que, como afirmamos no texto anterior,

estão relacionados à construção de conceitos estruturantes de um tema a ser estudado. Os

procedimentais relacionam-se aos procedimentos que os alunos aprendem a desenvolver para

aprender a aprender, e, finalmente, os atitudinais são os referentes ao aprendizado

comportamental, de novas atitudes perante o problema levantado.

Esses conteúdos, portanto, não se restringem, por exemplo, a conteúdos específicos de

uma disciplina, a serem ensinados de forma mecânica e linear, no intervalo de um ano ou de

um semestre, ou com vista a terminar o conteúdo de um livro didático. Ao contrário, eles

devem partir do pressuposto de uma “expressão de princípios e metas do projeto educativo,

que precisam ser flexíveis para promover discussões e reelaborações quando realizado em

sala de aula, pois é o professor que traduz os princípios elencados em prática didática.”

(BRASIL, MEC, 1998, p. 49). Nesse sentido, o currículo compreende, além da chamada

grade curricular convencional, as etapas e princípios educacionais adotados pelos educadores:

estes têm a liberdade de escolha de conteúdos convencionais a partir de objetivos visando

questões/problemas a serem respondidos, as quais darão sentido ao conhecimento dos

estudantes.

A Escola, que encara dia a dia novos desafios – e um dos mais evidentes é o

enfrentamento das tensões sociais –, busca soluções diferenciadas por parte dos educadores,

os quais devem elencar conteúdos e práticas a partir de sua realidade. Desse modo, os

conteúdos atitudinais são de extrema importância quando o projeto educativo visa a trabalhar

a inclusão social. Em Diversidade Cultural, são os conteúdos éticos, morais, de

comportamento, responsáveis pela construção de estudantes-cidadãos, que devem nortear a

construção deste tipo de conhecimento.

Se esses conteúdos representam um importante papel na construção de uma Escola

cidadã, eles não se desvinculam dos conteúdos convencionais de cada área do conhecimento.

“Pelo contrário, os conteúdos das diferentes disciplinas devem ser o principal instrumento

para o desenvolvimento dessas habilidades.” (GARCIA, 2010 p. 4). Para se desenvolver tais

tipos de conteúdos, os planejamentos devem vislumbrar capacidades a serem desenvolvidas

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com os alunos para que os objetivos sejam alcançados. Na verdade, as capacidades não

podem se desenvolver sem conteúdos e objetivos.

Os objetivos, como já sugerido anteriormente, devem agora partir de uma situação-

problema, e essa situação deve envolver preocupações de ordem cidadã, democrática. Eles

não se restringem mais ao desenvolvimento intelectual baseado no conteúdo científico; eles

agora devem envolver procedimentos, valores e atitudes. Se os objetivos se modificaram, as

capacidades a serem desenvolvidas para alcançar esses objetivos também são diferentes das

predominantemente consideradas até agora. Mas afinal, de que capacidades estamos falando?

5.2 Competências e capacidades para a Diversidade

A transmissão de notícias, dados, opiniões, descrições e narrações de acontecimentos

em geral, estão disponíveis em diversos tipos de meios de comunicação. O desenvolvimento

tecnológico abriu inúmeras possibilidades de acesso a muitas informações. A questão é: o que

os alunos fazem com tantas informações? Eles têm capacidades desenvolvidas para lidarem e

trabalharem com elas? Eles são capazes de compará-las, criticá-las, selecioná-las,

compreendê-las de forma a reelaborá-las?

A Escola, lugar por excelência de formação, tem o papel de desenvolver com o aluno

capacidades que lhe permitam trabalhar, compreender e utilizar as informações para a vida.

Não só as informações mais midiáticas ou de fácil acesso, mas também as informações dos

conteúdos convencionais escolares. É nesse processo de transformar informações em

conhecimento sistematizado e aprofundado, em conteúdos significativos para a vida, que se

realiza a formação global do indivíduo. O desenvolvimento de capacidades é que possibilitará

a transformação de meras informações em um conhecimento significativo: os conhecimentos

escolares não são apenas transposição de conteúdos considerados importantes pelos

professores e absorvidos pelos alunos de forma mecanicista, sem que estes percebam o seu

significado.

Competência aqui é compreendida como um princípio metodológico que propicia o

aprendizado do aluno de forma autônoma. É o conjunto de capacidades desenvolvidas para

saber utilizar, mobilizar conhecimentos para a vida, para que o aluno aprenda a ser e a

conviver na diversidade. As capacidades de pesquisar, compreender, interpretar, comparar,

representar e reelaborar ideias, são importantes para a formação de um espírito crítico. Se o

aluno não aprende a aprender ou não consegue, por exemplo, perceber que determinado

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conceito ou conteúdo permite resolver problemas, pensar criticamente, generalizar

pressupostos, relacionar situações, ele não desenvolveu capacidades que permitam que aquele

conhecimento seja reelaborado, aprofundado e/ou utilizado.

O sentido de utilidade aqui não se refere à aquisição do conhecimento para responder a

necessidades imediatas ou mecânicas. Não se trata de adquirir conhecimento, por exemplo,

para passar no vestibular, para depois esquecê-lo. Não se refere à competitividade e nem à

eficiência no sentido de aquisição de conhecimento para responder às necessidades

mercadológicas. Ser útil, nesse caso, é propiciar condições de desenvolvimento metodológico

para aprender a aprender e aprender a ser. Esse processo pode gerar a capacidade de lidar com

situações variadas; da mais concreta, pragmática, à abstrata, filosófica ou política. Como, por

exemplo, o discernimento entre grupos político-partidários, o papel dos governantes e sua

importância para a sociedade; ou resolver conflitos relacionados a preconceitos ou outros

tipos de violência que, muitas vezes, os alunos enfrentam.

É nesse sentido que, para Perrenoud (1999), competência é o desenvolvimento de

capacidades de mobilizar, fazer uso de, deslocar um conjunto de conhecimentos e esquemas

ou recursos cognitivos para enfrentar ou resolver situações-problema, indagações, dúvidas. A

mobilização é exercida em situações complexas, que se estabelecem a partir de um problema,

e determinam conhecimentos pertinentes, reorganizando-os em função da situação, para

extrapolar ou preencher as lacunas.

Segundo Perrenoud (1999, p. 20-21), as

Potencialidades do sujeito só se transformam em competências efetivas por meio de aprendizados que não intervêm espontaneamente, como junto com a maturação do sistema nervoso, e que também não se realizam da mesma maneira em cada indivíduo. Cada um deve aprender a falar, mesmo sendo geneticamente capaz disso.

Ou seja, as capacidades são construídas, aprendidas e/ou desenvolvidas ao longo da

vida.

Um aluno competente, portanto, deixou de ser aquele que apenas acumula

conhecimentos de forma sistemática, que responde a questionamentos de forma mecânica. Ser

competente é, cada vez mais, ter capacidades de mobilizar os seus conhecimentos para fazer

“uso” destes de forma significativa e construtiva. Ou seja, o enfoque mudou; as capacidades

passaram a ser o motor do processo de ensino-aprendizagem e, portanto, compreendem o

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principal objetivo do ensino. O sentido de competência aqui não se refere à competitividade

ligada prioritariamente ao mercado de trabalho, mas sim ao desenvolvimento de capacidades

para um aprendizado que tenha significado para a vida. Outra observação importante é que

cada área de conhecimento requer capacidades específicas, e o significado delas se modifica

de acordo com o campo de saber.

Essa concepção sobre o processo educacional considera o professor como mediador do

conhecimento para a autonomia. O educador não pode negar que o seu “papel fundamental é

contribuir positivamente para que o educando vá sendo o artífice de sua formação com a ajuda

necessária do educador.” (FREIRE, 2002, p. 28). Um professor mediador é aquele que, por

exemplo, deve desenvolver no aluno a capacidade de comparação a partir de uma postura

investigativa e crítica. Por exemplo, uma situação-problema relacionada ao preconceito

étnico-racial na Escola.

Quando o professor estimula os alunos à investigação sobre diversos grupos sociais,

ao elaborar questões que os levem a perceber a sua própria cultura e identidade; a pensar

sobre conceitos e preconceitos sobre outras culturas a partir do conceito de alteridade; a

refletir sobre igualdades e diferenças ou igualdade na diferença, o educador estará instigando

a leitura de forma investigativa e crítica. Nesse momento, os educandos devem descobrir por

si, mas com a orientação do educador, a importância desse conhecimento para se

autoconhecerem, descobrindo sua identidade e a do outro. Nesse processo, o professor está

desenvolvendo capacidades nestes alunos, e estas capacidades se relacionam com o princípio

do aprender a conhecer, o que representa o primeiro passo para uma mudança do olhar.

Como parte desse processo de aprendizagem, os alunos analisam diversas formas de

expressões/representações que revelam características como religiosidade, costumes etc.,

referentes aos grupos étnico-raciais que estiverem em questão. Essas representações podem

estar expressas em diferentes linguagens como texto, música, pintura, gravura ou até mesmo

vídeo ou sites de internet. Essa etapa do ensino-aprendizagem não só possibilita,

primeiramente, o aprimoramento dos conhecimentos sobre o tema, mas também prepara os

educandos para a troca de ideias a respeito do que foi estudado. As discussões a serem

desenvolvidas com o professor ou com a sala de aula sobre esse estudo compreendem, então,

o desenvolvimento de capacidades simultâneas: interpretação, expressão e comunicação.

É muito importante que se enuncie aqui o que se compreende por expressão,

representação e comunicação. Não se trata, por exemplo, de expressar ideias prontas sem

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reelaborá-las, ou seja, os alunos, ao interpretarem as ideias de diversos suportes midiáticos,

por exemplo, desenvolvem as capacidades de comparação e reelaboração destes

conhecimentos, que devem se expressar através de suas próprias representações2. Ou seja,

representar não é copiar de forma direta o que se lê, mas desenvolver

interpretações/conclusões sobre o objeto estudado, também através de diversas linguagens, da

oral à computacional.

Essa etapa da comunicação é de extrema importância, pois permite ao grupo de

estudantes a visualização do outro, de outras interpretações sobre o assunto, e possibilita, sob

a orientação dos educadores, uma desconstrução de preconceitos referentes a questões étnico-

culturais, uma vez que o material e conteúdos estudados demonstram uma pluralidade de

ideias e representações que faça os alunos reverem conceitos e preconceitos.

A expressão como resultado de uma compreensão, e não apenas como rebeldia diante

da indignação/incompreensão, torna o processo de aprendizagem compensador. “Uma das

questões centrais com que temos de lidar é a promoção de posturas rebeldes em posturas

revolucionárias que nos engajam no processo radical de transformação do mundo.” (FREIRE,

2002, p. 31). Nesse momento, os educandos podem elaborar uma contextualização

sociocultural e, consequentemente, terão oportunidade de se perceberem não como sujeitos

isolados e atípicos, mas como sujeitos históricos, pertencentes a um grupo ou sociedade e

passíveis de transformação, ou seja, podem aprender a ser.

Só assim o educando pode mobilizar conhecimentos para a desconstrução de

preconceitos e para a resolução de um problema de seu cotidiano. E ainda deve ser capaz de, a

partir do desenvolvimento destas capacidades, desconstruir outros tipos de preconceitos a

partir da busca de novos conhecimentos. Essa capacidade de mobilizar os estudos para

resolver um problema é o que denominamos de competência. No processo de ensino-

aprendizagem, as estratégias metodológicas contribuem para a autonomia do aluno a partir do

momento em que ele se habitua ao exercício de utilizar o conhecimento em busca de sentido.

Esse exercício de construção e análise do conhecimento representa capacidades desenvolvidas

para a vida do estudante em diversas situações. Poderá ele, então, perceber, em outros

2 A concepção sobre representação pode ser sintetizada como forma expressões culturais que revelam interpretações e apropriações da realidade e que se materializam em diversos tipos de suporte. Por exemplo, a película fílmica é o suporte das mensagens e linguagens de um filme; o papel fotográfico é o suporte material para a expressão do fotógrafo, a tela é o suporte para as tintas do pintor. Cada suporte comporta possibilidades de linguagens diferenciadas.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

contextos sociais, os mecanismos que já aprendeu a conhecer nos estudos realizados sob essa

perspectiva/abordagem educacional.

A partir do exemplo acima, podemos perceber algumas capacidades específicas a

serem desenvolvidas no tratamento de temas relacionados à Diversidade Sociocultural. As

capacidades para esta área de conhecimento, ou seja, os tipos de saberes a serem mobilizados,

que estão diretamente relacionados aos objetivos a serem alcançados, se estabelecem a partir

dos tipos de problemas pressupostos para esses estudos do aprender a conviver com as

diferenças.

5.3 Iguais nas diferenças: que capacidades desenvolver?

Vários documentos sobre Diversidade indicaram capacidades importantes a serem

desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem a partir deste tema transversal. Em geral,

a competência objetivada está relacionada a capacidades de conhecer, compreender e

valorizar diversas culturas presentes no Brasil, reconhecendo a contribuição destas na

constituição da identidade brasileira, desenvolvendo o respeito à diversidade, e combatendo

discriminações e consequentes violências contra o outro. Neste documento, em que, além da

pluralidade étnico-cultural, se propõe o tratamento de outras diversidades sociais, algumas

capacidades específicas estão indicadas a seguir.

Um educando apto a lidar e agir sob a perspectiva da inclusão social deve ser capaz de:

PESQUISAR E CONHECER/COMPREENDER OS DIVERSOS TIPOS DE DIVERSIDADES SOCIOCULTURAIS DE SUA REGIÃO;

CONSTRUIR CONCEITOS ESTRUTURANTES PARA O APROFUNDAMENTO

DOS TEMAS RELACIONADOS À DIVESIDADE SOCIOCULTURAL;

ARTICULAR ESTES “CONTEÚDOS” COM DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO;

ENTENDER A IMPORTÂNCIA DA HISTORICIDADE DOS TEMAS ESTUDADOS;

COMPREENDER A IMPORTÂNCIA DA IGUALDADE NA DIFERENÇA;

RECONHECER E COMPREENDER AS REPRESENTAÇÕES RELATIVAS A DIVERSIDADES DE GÊNERO, ETNIA, SEXUALIDADE, ENTRE OUTRAS,

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ENCONTRADAS EM DIVERSOS TIPOS DE SUPORTES E EM DIFERENTES LINGUAGENS;

LER, ANALISAR, INTERPRETAR AS REPRESENTAÇÕES RELATIVAS ÀS

DIVERSIDADES, DE FORMA CRÍTICA, PERCEBENDO OS CONCEITOS E PRECONCEITOS NELAS REPRESENTADOS (EX. IMAGENS DOS NEGROS NOS LIVROS DIDÁTICOS);

ELABORAR AS PRÓPRIAS REPRESENTAÇÕES SOBRE UM TIPO DE DIVERSIDADE UTILIZANDO-SE DE DIVERSAS FORMAS DE LINGUAGENS;

COMPREENDER A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO RELATIVO ÀS DIVERSIDADES PARA A VIDA INDIVIDUAL E COLETIVA;

MOBILIZAR O CONHECIMENTO PARA A COMPREENSÃO E “RESOLUÇÃO” DE CONFLITOS SOCIOCULTURAIS VIVENCIADOS NO COTIDIANO;

MOBILIZAR OS SABERES RELACIONADOS AO RESPEITO ÀS

DIVERSIDADES PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA, SOB UMA PERSPECTIVA DE ATUAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.

As capacidades a serem desenvolvidas sob essa perspectiva “nos fazem ver a

impossibilidade de estudar por estudar. De estudar descomprometidamente como se

misteriosamente de repente nada tivéssemos a ver com o mundo, um lá fora e distante mundo,

alheado de nós e nós dele.” (FREIRE, 2002, p. 30-31).

6 METODOLOGIA

ormar em e para a Diversidade Sociocultural pressupõe procedimentos

metodológicos que desenvolvam junto aos alunos capacidades que os levem à

compreensão, reconhecimento, análise e reelaborações conceituais sobre as

diversidades. Esse processo possibilita construir conhecimentos que levem as pessoas a se

posicionarem de modo contrário a qualquer tipo de preconceito, objetivo maior deste

documento, e a se capacitarem para o autoconhecimento, para que se coloquem e se afirmem

como cidadãs críticas e conscientes da necessidade de lutas por direitos no processo de

globalização em que vivemos, no qual as mudanças e permanências criam contradições que

precisam ser compreendidas e enfrentadas.

As relações entre as pessoas e os lugares se modificaram. Os avanços tecnológicos,

relacionados à informática e à comunicação, por exemplo, em certo sentido, aproximaram,

F

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

mesmo que virtualmente, as pessoas e os lugares. As informações estão cada vez mais

acessíveis, e os professores precisam se atualizar constantemente. Desenvolver o ensino-

aprendizagem tornou-se uma tarefa ainda mais complexa e demanda dos educadores uma

reflexão e reelaboração sobre as metodologias de ensino. Para ensinar, é preciso estudar,

conhecer, aprender. Por isso, uma diretriz específica para a diversidade sociocultural no

currículo escolar se refere à formação de nós educadores. Buscar alternativas para ensinar

requer a procura de respostas/soluções para as demandas escolares da atualidade. A

concretização de uma sociedade mais justa e democrática, na qual as diversidades sejam

respeitadas e os direitos saiam do papel, é um dos principais objetivos da escolha de

metodologias educacionais adequadas a cada realidade vivida.

Quais as metodologias pertinentes para a educação em Diversidade Sociocultural?

As reflexões e proposições de Piaget, Vygotsky, Paulo Freyre, Emília Ferrero,

Perrenoud, entre outros, são fundamentais para que possamos pensar e agir sobre a Escola e o

processo educacional no Brasil. A maior parte de nós educadores, direta ou indiretamente, se

baseia em suas teorias educacionais ao adotar determinadas linhas metodológicas que fujam

do sistema tradicional de ensino. Muitas vezes, os educadores acabam por seguir orientações

a respeito do processo ensino-aprendizagem contidas em documentos que, em sua maioria, se

fundamentam nestes teóricos mais conhecidos e influentes. Cada um deles defende

metodologias e abordagens específicas e variadas, mas com ideias compartilhadas. Algumas

discussões são mais correntes e, às vezes, comuns a diversos teóricos e educadores.

Para a maioria destes pensadores, por exemplo, a Escola tem um papel importante no

desenvolvimento cognitivo da criança e para a sua formação geral, uma vez que, como

mediadora ou como desafiadora, de acordo com a abordagem metodológica adotada, ela pode

propiciar a aprendizagem sob diversos aspectos e dimensões. A metodologia adotada

representa uma proposta de formação educacional e gera tipos diferenciados de alunos para a

sociedade. Portanto, toda metodologia adotada pressupõe procedimentos de acordo com uma

determinada concepção educacional.

6.1 Procedimento metodológico

Compreende-se por procedimento metodológico o conjunto de ações que constroem o

processo de ensino-aprendizagem. Em todas as áreas de conhecimento, os procedimentos

metodológicos relacionam etapas, dimensões, estratégias e o tipo de abordagem e organização

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de conteúdos para o desenvolvimento de capacidades específicas junto aos alunos. As

estratégias metodológicas devem ser coerentes, tendo em vista que as dimensões do processo

de apreensão do conhecimento correspondem às capacidades que pretendemos desenvolver,

as quais se baseiam nos princípios educacionais indicados em diversos documentos e

trabalhos de educadores no mundo e no Brasil3: aprender a conhecer, aprender a fazer,

aprender a conviver e aprender a ser. Em linhas gerais, estes princípios devem propiciar a

busca do conhecimento, a instrumentalização para a apropriação e expressão deste

conhecimento, e fazer dele algo significativo para a vida dos educandos que, na perspectiva

do respeito à diversidade, devem desenvolver atitudes que representem mudanças positivas

em sua convivência com o outro.

A educação em Diversidade Sociocultural deve promover a construção da cidadania,

que pode ser compreendida e construída a partir de estratégias que viabilizem o estudo e

compreensão sobre os direitos fundamentais dos cidadãos, o respeito à pluralidade e às

diversidades socioculturais. Nesse processo, é imprescindível a comunicação entre diferentes

áreas, pois este tipo de educação se desenvolve em diferentes dimensões: social, política,

jurídica (conhecimento das leis básicas), cultural.

Os conteúdos relacionados a este tipo de objeto analisado se apreendem através da

vivência, da contextualização dos direitos à diversidade e, consequentemente, necessitam

relacionar os conteúdos convencionais de cada disciplina com a realidade. A realidade dos

alunos torna-se objeto de estudo e os conteúdos formais são fundamentais para a sua

compreensão. Nesse sentido, podemos considerar as diversidades socioculturais nas escolas

como temas ou subtemas transversais e interdisciplinares, uma vez que são objetos de estudo

que transcendem os conteúdos específicos de cada área e, ao mesmo tempo, dizem respeito a

todas as pessoas envolvidas no processo ensino-aprendizagem escolar brasileiro.

6.2 Transversalidade e Interdisciplinaridade

Sobre os diversos tipos de abordagens metodológicas, ou as diferentes formas de

organização de conteúdos e disciplinas curriculares, predomina nas escolas brasileira uma

abordagem multidisciplinar do conhecimento, ou seja, uma organização disciplinar tradicional

3 O documento internacional de referência destes princípios é o relatório para a UNESCO, da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenado por Jacques Delors, e intitulado Educação um Tesouro a Descobrir. No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais e outros documentos oficiais elaborados pelos educadores de todo o país também adotaram estes mesmos princípios educacionais.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

linear e fragmentada, na qual não existe nenhuma relação entre as disciplinas. A

pluridisciplinaridade, também presente nas práticas didáticas escolares, indica as primeiras e

tímidas relações entre as disciplinas, mas ainda não representa um diálogo que propicie ao

aluno a percepção das relações entre os diversos campos de saber ou disciplinas. A

interdisciplinaridade, embora seja um conceito bastante veiculado nas escolas, ainda não é, de

fato, predominante, mas essencial e, assim como a transversalidade, que compreende uma

outra forma de abordagem dos conteúdos escolares, envolve várias áreas de conhecimentos de

forma integrada. É importante destacar que a transversalidade é diferente da

transdisciplinaridade. Esta última ultrapassa as nossas possibilidades escolares, visto que, de

acordo com FAZENDA (1995, p. 31), “a transdisciplinaridade parece utopia, já que as

relações não seriam apenas de integração das diferentes disciplinas, pois iriam muito além,

propondo um sistema sem fronteiras, em que a integração chegou a um nível tão alto que é

impossível distinguir onde começa e onde termina uma disciplina.”

O que chamamos aqui interdisciplinaridade pode ser entendido como uma prática que

relaciona conhecimentos específicos das diversas áreas, integrando os saberes disciplinares.

Cada disciplina representa uma área de conhecimento com objetivos, conteúdos e métodos

específicos, mas com alguns conceitos ou esquemas comuns. Por exemplo, os conceitos de

espaço e território são construções referentes à Geografia, mas são importantes para todas as

áreas, pois representam conceitos amplos em que a territorialidade define diversos tipos de

espaços, inclusive epistemológicos. Ou, de forma mais simples, estes conceitos servem para

compreender, por exemplo, os espaços dos diversos grupos étnicos no Brasil, territórios que

devem ser compreendidos e respeitados por todos. Mas a interdisciplinaridade vai além disso

e representa a interpenetração entre várias áreas do conhecimento, como Biologia e Física; ou

História e Geografia, exigindo uma comunicação entre elas, inclusive no que se refere à

metodologia de trabalho. “[...] a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das

trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um

projeto específico de pesquisa.” (JUPIASSSU, 1976, p. 74).

A transversalidade estabelece a relação entre os conhecimentos sistematizados por

especialidades e acumulados ao longo da história, de forma interdisciplinar, com

problematizações identificadas na vida real, as quais devem ser pensadas e resolvidas. Os

temas transversais expõem conflitos relacionados a vários tipos de diversidades socioculturais

de uma região ou comunidade escolar, dando sentido social a conceitos e conteúdos das áreas

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convencionais. Na prática, a transversalidade representa não apenas um objeto de estudo, mas

a inter-relação entre vários objetos que podem ser estudados por diferentes disciplinas/campos

de estudos. Tanto o professor de Ciências quanto o professor de História, devem contemplar,

no desenvolvimento de seus conteúdos, uma metodologia que vislumbre a capacitação, por

exemplo, para o reconhecimento e a reivindicação de direitos como a diversidade sexual, a

pluralidade étnica, as diferenças físicas, a liberdade religiosa. “Questões éticas encontram-se a

todo momento em todas as disciplinas. Vale dizer que questões relativas a valores humanos

permeiam todos os conteúdos curriculares. [...] Portanto, não há razão para que sejam tratadas

em paralelo, em horário específico de aula.” (BRASIL, 2001, p. 93).

Os subtemas do Tema Diversidade Sociocultural, portanto, compreendem conteúdos

múltiplos e metodologia interdisciplinar e transversal, com o objetivo de desenvolvimento de

capacidades para a mobilização e materialização de ações direcionadas à construção de

pessoas conscientes de seus direitos sob a perspectiva da igualdade na diversidade.

6.3 Estratégias metodológicas em Diversidade

Os temas que compreendem a Diversidade Sociocultural podem ser trabalhados

mediante diversos tipos de atividades e estratégias, que variam de acordo com as diferentes

realidades escolares e com as áreas de conhecimento. Também é importante lembrar que a

inserção dos subtemas transversais se dá de forma diferenciada em cada área de conhecimento

e/ou disciplina, uma vez que a afinidade entre temas e áreas não é uniforme. Os temas ou

subtemas aqui propostos podem ser trabalhados tanto dentro quanto fora da sala de aula, pois

alguns objetos de estudo demandam uma maior socialização do conhecimento ou o acesso a

outros espaços de conhecimento.

Os procedimemtos metodológicos adotados pelos educadores também revelam a

concepção sobre a aprendizagem e seu significado. O desenvolvimento de novas

metodologias para a construção do conhecimento é resultado de novas demandas escolares, as

quais exigem, por parte dos alunos, a construção de conteúdos aprendidos.

O conhecimento significativo é aquele que diz respeito ao aluno, que propicia a relação teoria

e realidade, que vislumbra a capacidade de mobilizar saberes para a vida.

Nesse sentido, um procedimento básico para o debate sobre os subtemas transversais é

o questionamento das problemáticas que incomodam a comunidade escolar e que podem se

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tornar objeto de estudo. Os subtemas do tema transversal aqui proposto são oportunidades

para se perceber e trabalhar diversos problemas que permeiam as relações escolares. Assim, o

princípio básico para este trabalho é a escolha do tema ou subtema a ser analisado, que deve

ser fruto de uma situação-problema. Ou seja, como toda pesquisa para o conhecimento, o

pesquisador parte de problemas e inquietações que necessita resolver, compreender, assim

também os educandos. Por exemplo, ao se perceber em sala conflitos relacionados a

preconceitos raciais, o professor pode, a partir desta situação, chamar os educandos para uma

reflexão a partir de diversas estratégias metodológicas.

6.3.1 Trabalho com Projeto

Entre as diversas situações didáticas possíveis de serem adotadas, o trabalho com

projeto caracteriza-se como uma atividade bastante adequada para este tipo de estudo, uma

vez que possibilita a interdisciplinaridade de forma abrangente e transversal. É muito

importante enfatizar, nesse momento, que este não é o único caminho para se trabalhar as

diversidades aqui propostas, pois cada comunidade escolar ou professor/a pode e deve

perceber outras estratégias de trabalho que contemplem possibilidades de respostas para a

situação-problema a ser trabalhada. Também é bom destacar que a interdisciplinaridade não

se estabelece apenas através de um projeto, e que nem todo projeto é interdisciplinar. A

interdisciplinaridade é condição aqui considerada relevante para o desenvolvimento dos temas

transversais e se dá em diversos momentos didáticos, mas dificilmente pode-se contemplar a

abrangência destes temas sem a troca de conceitos e procedimentos entre as áreas.

Suponhamos que o tema da exclusão étnico-racial tenha surgido nas aulas de História.

Será difícil trabalhá-lo no sentido de desconstrução do preconceito se não forem utilizados

conceitos e metodologias de outras áreas. Territorialidade e etnicidade, intrínsecos a esta

discussão, não são conceitos restritos ou próprios apenas à História. A construção dos

conceitos de raça e etnia, por exemplo, nos leva à compreensão de conteúdos de outras áreas

como a de Ciências, relacionadas com condições ou aspectos biológicos dos seres humanos,

heranças genéticas, entre outros. As estratégias para se combater este tipo de exclusão podem,

portanto, se desenvolver em situações didáticas sistematizadas em sala, sem necessariamente

desenvolver um projeto.

Por outro lado,

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

A organização dos conteúdos em torno de projetos, como forma de desenvolver atividades de ensino e aprendizagem, favorece a compreensão da multiplicidade de aspectos que compõem a realidade, uma vez que permite a articulação de contribuições de diversos campos de conhecimento. Este tipo de organização permite que se dê relevância às questões dos temas Transversais, pois os projetos podem se desenvolver em torno deles e ser direcionados para metas objetivas ou para a produção de algo especifico (como um jornal por exemplo). (NOGUEIRA, 2007, p. 61)

Os principais elementos constitutivos de um trabalho com projeto interdisciplinar são:

o problema, uma vez que se pressupõe, como já colocado, que o tema seja significativo e

parta de uma necessidade da comunidade escolar; os objetivos, estabelecidos a partir do

problema; a justificativa, que indica a importância do trabalho a ser elaborado; as capacidades

a serem desenvolvidas com os educandos; as disciplinas e conteúdos envolvidos, instrumentos

para atingir desenvolver capacidades e atingir os objetivos propostos. A avaliação, estratégias

de atividades e continuidade da ação complementam tal atividade. É importante que a Escola

considere que um dos pressupostos deste tipo de atividade é a aproximação da Escola com o

educando e a articulação entre teoria e prática. Ou seja, um projeto interdisciplinar, para

alcançar resultados, deve contemplar esta articulação. Outro aspecto a ser destacado, e que

não cabe apenas a trabalhos com projetos, se refere às estratégias que envolvem atividades

interdisciplinares e conhecimentos significativos. Estas compreendem uma diversidade de

procedimentos que os educandos desenvolvem fazendo com que estes se percebam como

sujeitos do seu próprio aprendizado, e, portanto, capacitados para a mobilização e

contextualização de saberes para o combate à exclusão.

7 AVALIAÇÃO

7.1 Significado e desafios

valiar conteúdos procedimentais, conceituais e atitudinais, como os

constitutivos dos temas transversais, ainda é tarefa relativamente nova, e

nós educadores estamos também no processo de aprendizagem de novas

demandas e significados da avaliação. Se analisarmos o histórico das práticas avaliativas nas

escolas, podemos perceber que, em sua maior parte, a avaliação foi utilizada como prova,

como algo que comprovasse a competência ou incompetência dos alunos e,

consequentemente, como instrumento de pressão dos professores sobre os mesmos.

A

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Como instrumento de controle, a repetência é outro aspecto polêmico do processo

avaliativo. Segundo Loch, “[...] a avaliação escolar é usada como instrumento de coerção e

controle social, muitas vezes justificando-se ‘naturalmente’ a seleção social, a discriminação e

até a punição de determinados grupos.” (2003, p. 131). Como se pode perceber, o tipo de

avaliação, se não for bem concebido, pode representar um resultado inverso do proposto para

este trabalho que objetiva a inclusão social: a exclusão e a opressão sobre grupos de alunos.

Apresenta-se, portanto, uma questão central sobre a avaliação no desenvolvimento dos

conteúdos e discussões de Diversidade Sociocultural. Não se trata de avaliação somativa e

quantitativa, mas sim, de verificação da formação dos educandos enquanto sujeitos de direitos

e deveres, sujeitos para conviver de forma democrática nos lugares sociais em que vivem.

Embora a avaliação formativa deva ser referência para todas as disciplinas, nos temas

transversais, a formação de valores e atitudes são marcantes e compreendem os principais

objetivos deste trabalho. Como lidar com estas novas demandas pedagógicas? O que significa

avaliação formativa?

7.2 Avaliação Formativa

Primeiramente, a avaliação formativa acompanha as etapas e dimensões de todo o

processo metodológico adotado no desenvolvimento dos conteúdos/temas estudados. As

atividades desenvolvidas de acordo com as etapas e dimensões do processo ensino-

aprendizagem representam instrumentos avaliativos do próprio processo. Este tipo de

acompanhamento avaliativo da aprendizagem dos alunos, de suas dificuldades, avanços e

possibilidades, é o que se denomina de avaliação contínua e processual.

Por exemplo, quando se propõe uma pesquisa orientada sobre as religiosidades das

pessoas da comunidade escolar, o resultado apresentado desta pesquisa já pode representar um

instrumento avaliativo, na medida em que os educadores estabeleçam objetivos

procedimentais na coleta e análise de dados. Em outro momento, quando os educandos, por

exemplo, fazem uma comparação com outros dados ou com outras experiências e leituras, a

verificação destas etapas compreende outro momento avaliativo. A síntese e contextualização

representam um dos momentos mais importantes, pois revelam a aprendizagem do conteúdo

atitudinal: o professor pode perceber se as concepções e atitudes dos educandos se

modificaram perante um problema discutido. Portanto, a avaliação é nitidamente qualitativa e

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não cabe, caso os resultados não sejam satisfatórios, punições ou desmerecimento de esforços,

mesmo que frustrados.

Este é o momento em que se contempla a significação do conhecimento para os

alunos; verifica-se se as teorias reelaboradas e as pesquisas construídas conseguiram

estabelecer a relação entre teoria e prática, isto é, a relação que o aluno faz entre a sua

aprendizagem e a sua vida cotidiana. Por fim, verifica-se, também, a acumulação de

conhecimentos construídos e passíveis de serem mobilizados para outras situações similares,

para outros momentos de resolução de conflitos.

Portanto, os procedimentos metodológicos e avaliativos são concomitantes e têm

objetivos comuns: promover e avaliar aprendizado significativo e atitudinal para uma

comunidade escolar promotora do direito à diversidade sociocultural.

8 CONSIDERAÇÕES SOBRE DIVERSIDADES SOCIOCULTURAIS

A comunidade é o vínculo que une os alunos e os professores de maneira especial, a algo mais importante do que eles próprios: valores e ideais compartilhados. Eleva tanto os professores quanto os alunos a níveis mais elevados de autoconhecimento, compromisso e de desempenho [...]. A comunidade pode ajudar os professores e os alunos a serem transformados de uma coleção de ‘eus’ em um ‘nós’ coletivo, proporcionando-lhes, assim, um sentido singular de identidade, de pertencer ao grupo e à comunidade. (SERGIOVANNI, apud STAINBACK, 1994, p. 32).

leger a Diversidade Sociocultural como Eixo Temático da educação escolar

paraibana implica colocar-se contra a exclusão social e as concepções que a

geram, e a favor da inclusão social, ao se admitir que a sociedade é plural e

que deve ser igualitária. A realidade social é constituída de diferentes classes e grupos sociais

e necessita-se de uma discussão e análise de valores e conteúdos que ajudem a

instrumentalizar os educadores para capacitarem seus alunos para a cidadania e o respeito a

estas diversidades. A comunidade escolar deve se empenhar em um esforço consciente e

positivo para melhor viver e conviver.

A inclusão pressupõe, antes de tudo, o fim do preconceito, e este pode ser combatido a

partir do conhecimento sobre diferentes grupos sociais que compõem a nossa sociedade. A

compreensão da proposta deste Eixo Temático passa pela percepção de que precisamos

E

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

repensar nossos padrões4 pré-estabelecidos os quais, muitas vezes, excluem pessoas

deficientes, negros e seus descendentes, homossexuais, não praticantes do cristianismo, entre

outros. Posicionar-se em relação às questões sociais e considerar a prática educativa como

uma necessária intervenção na realidade presente requer que estas questões sejam

apresentadas para reflexão e conhecimento dos educandos.

A sugestão e a determinação de inclusão destas questões no currículo e planejamento

escolares não são novidades. A Lei 11.645/2008, de 10 de março de 2008, por exemplo, inclui

“no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-

Brasileira e Indígena’”. Considerando esta lei, o Conselho Estadual da Educação da Paraíba,

através da Resolução nº 198/2010, “regulamenta as diretrizes curriculares para a educação das

relações étnico-raciais e o ensino da "história e cultura afro-brasileira e africana’ e da ‘história

e cultura indígena’ no sistema estadual de ensino”. Outro exemplo é quanto à questão

religiosa: o art. 33 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, institui que o “ ensino

religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e

constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,

assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de

proselitismo”, o que tem gerado muita polêmica e a luta por um ensino realizado sob a

perspectiva da diversidade religiosa, e não doutrinária.

A reflexão sobre estes e os demais temas aqui propostos deve gerar interrogações

sobre a legitimação ou não de práticas e valores tradicionais de nossa sociedade. Sendo assim,

será que o que consideramos correto, melhor, de fato o é? Ser apresentado à discussão de

cada um destes temas permitirá aos educadores pensarem sobre as relações entre os diferentes

grupos presentes na comunidade escolar, e refletirem sobre as dimensões da convivência

humana quanto a padrões físicos, sexuais, raciais, linguísticos, religiosos e de gênero.

A seguir, serão descritas, em linhas gerais, as diversidades elencadas. É importante

ressaltar que, devido à amplitude e complexidade de cada uma delas, a apresentação não

pretende esgotá-las, pelo contrário, pretende ser apenas uma introdução, um ponto de

partida para a pesquisa e compreensão acerca das mesmas, de forma reflexiva. O

objetivo é estimular ações para a transformação, de acordo com as prioridades de cada

4 Modelo, estereótipo que generaliza, determina e estandardiza como corretos determinados valores, comportamentos, estética etc.

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comunidade escolar; por isso, ao final, estão sugeridas leituras e sites eletrônicos que podem

ajudar nesse sentido. Para cada tema/diversidade, são colocados a sua pertinência, principais

características, desafios e conceitos importantes a serem construídos. O objetivo desta

apresentação é a reflexão, por parte dos educadores em geral, sobre a diversidade de sua

Escola e o que isso representa para o desenvolvimento da comunidade escolar.

8.1 Diversidade Linguística

O preconceito linguístico é real, porém, pouco percebido. As discussões e reflexões

sobre este fenômeno, usualmente, estão restritas à área de conhecimento de Línguas

(Portuguesa e Estrangeira), principalmente de Língua Portuguesa. Porém, a não visibilidade

do preconceito o torna ainda mais importante, pois aquilo que é real e não é visto pode ser

mais devastador, já que se torna mais difícil de combater. Se aprendermos a olhar e distinguir

suas manifestações, podemos notar que o comportamento que revela este tipo de preconceito

pode ser percebido em diversos lugares e grupos sociais e, também, na Escola. Muitas vezes,

os próprios educadores alimentam esse tipo de discriminação na medida em que só aceitam,

em qualquer circunstância, uma única forma de falar e escrever como sendo correta e a que

deve ser seguida, em detrimento da variedade linguística de grupos sociais e regiões

brasileiras. Ao fazermos estes apontamentos, devemos nos perguntar o que é diversidade

linguística e, de que forma gera preconceitos; qual a relação deste tipo de preconceito com a

exclusão social; e, em que sentido, este tema é transversal.

Primeiramente, é necessário compreender conceitos específicos deste tipo de

conteúdo/tema transversal. A diversidade linguística, o primeiro destes conceitos, pode ser

percebida nos variados modos de falar/escrever encontrados na atividade linguística dos

cidadãos de diversos lugares sociais e regionais que, em seu cotidiano, se comunicam

independentemente das normas consideradas padrão.

Entre as variações linguísticas, consideramos: a variação situacional, quando, de

acordo com o lugar social e a situação em que as pessoas se comunicam (onde, com quem e

em que circunstâncias), as pessoas utilizam uma linguagem mais formal ou informal;

variação social ou diastrática é um uso determinado por fatores sociais, como grau de

escolaridade, idade, sexo, profissão etc., e que determina preconceitos, inclusive contra os

alunos na Escola; e a variação geográfica ou regional, que se revela nas mudanças de região,

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cada qual com suas características fonológicas, lexicais, sintáticas, semânticas e entonacionais

que marcam esses diferentes falares.

Em síntese, o lugar de onde se fala e/ou o modo como se fala podem inscrever pessoas

em determinados grupos sociais: escolarizado, pobre, rico, sulista, nordestino, pernambucano,

paraibano. E esta inscrição ou inserção social está relacionada à construção de estereótipos e

preconceitos. Mas, afinal, por que estas variações podem gerar preconceitos?

Faz-se necessária, neste momento, a compreensão de outras três nomenclaturas ou

conceitos referentes ao tema. Primeiro: o que se denomina de norma-padrão. Segundo Bagno

(2004), esta norma linguística, chamada também de “norma culta”5, é aquela que rege a

gramática normativa formal oficializada por um grupo de linguistas: “[...] modelo idealizado

de língua ‘certa’, prescrito pelas gramáticas normativas e por seus divulgadores [...].” (p.11).

As variedades prestigiadas são as variedades na fala e na escrita de grupos sociais

privilegiados: “cidadãos de maior poder aquisitivo, de maior nível de escolarização e de maior

prestígio sociocultural” (p. 12) e, na sua maioria, que vivem em espaços urbanos e

metropolitanos. Por fim, as variedades estigmatizadas: os falares das camadas populares do

campo ou da cidade, praticadas por pessoas com características inversas às dos cidadãos que

usam variedades linguísticas consideradas prestigiadas.

Na verdade, existe uma grande distância entre o Português, que a gramática normativa

tenta impor como uso único e exclusivo da língua, e as formas de falar das pessoas em geral.

A gramática formal ou a norma-padrão se distancia tanto dos falares das camadas populares,

como dos falares urbanos de grupos sociais privilegiados, os quais também não seguem a

norma-padrão. Isso significa que “a norma-padrão não faz parte da língua, isto é, não é um

modo de falar autêntico; não é uma variedade do português brasileiro contemporâneo.”

(BAGNO, 2004, p. 12). E, ainda segundo este autor, nem mesmo a maioria dos textos

acadêmicos seguem ipsis litteris esta gramática normativa. Porém, ao final, as variedades

estigmatizadas, como a própria nomenclatura indica, são submetidas à hierarquia das

linguagens, pois a norma padrão é a referência de como se deve falar e escrever.

Essas considerações iniciais são a base que possibilita a compreensão de como se

construiu o preconceito linguístico. Já percebemos que existe uma hierarquia das formas de

5 Embora Bagno aproxime norma-padrão de norma-culta, e diferencie norma-padrão de norma privilegiada, este documento está considerando que norma-padrão e norma privilegiada são próximas. Em síntese, o foco aqui é que os professores percebam que existem normas linguísticas mais utilizadas por grupos sociais privilegiados e outras formas utilizadas por grupos sociais menos privilegiados.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

falar e escrever. Também podemos considerar que a norma-padrão, como verdade ou como a

única forma linguística “certa”, é a base dos preconceitos linguísticos, na medida em que o

acesso a estas normas é, em nossa realidade, excludentes, pois a maioria da população não se

apropria destas regras . A inacessibilidade a essa norma representa, muitas vezes, a

inacessibilidade a outras oportunidades e espaços sociais privilegiados. Ou seja, quem “não

fala direito” não é respeitado ou ouvido. Estes cidadãos menos privilegiados são excluídos

duas vezes: econômica e linguisticamente. Esta observação nos leva a pensar o papel da

Escola para a inclusão, ou seja, a educação para o respeito a estas pessoas que, muitas vezes,

são nossos alunos.

Esse tipo de preconceito e barreira social se assemelha e se relaciona a outras situações

de exclusão. Por exemplo, em nossa sociedade, muitas vezes, quem não é branco

heterossexual, bem sucedido financeiramente e eloquente, não é aceito em determinados

lugares ou, até mesmo, não é tratado/a como sujeito de direitos. Se uma pessoa chega a um

lugar “falando bem” e “bem vestido”, transmite mais credibilidade e respeito do que outra

pessoa que não apresente as mesmas características ou quesitos, mesmo que, na prática, a

aparência não a substancia.

Esta hierarquia, que revela a heterogeneidade sociocultural, e estas variedades ou

diversidades demonstram que a língua existe porque é falada, é viva, pois é utilizada pelos

seres humanos, e como tal, sofre processos de transformações e adaptações. Este é o ponto-

chave para se perceber que as variedades/diversidades fazem parte da dinâmica da sociedade e

que, portanto, devem ser respeitadas.

Essas reflexões nos demonstram que o estudo da gramática também deve ser

contextualizado da mesma forma que qualquer outro conteúdo a ser compreendido e

“utilizado”. A norma-padrão não é apenas apreendida nas aulas de Língua Portuguesa. Todas

as disciplinas podem e devem contribuir para a reflexão sobre a diversidade linguística, o que

contribui para a contextualização de aprendizado. Esse tema transversaliza todas as

disciplinas, pois, em todos os momentos de aprendizagem, o domínio da língua e de suas

variações é intrínseco à construção do conhecimento.

Os momentos para este tipo de aprendizagem, por parte dos professores e alunos, são

riquíssimos. Pode-se utilizar qualquer texto verbal e não-verbal como música, charge, filmes,

produção midiática televisiva, entre outros, para observar e refletir sobre preconceitos

linguísticos. Nesse momento, deparamo-nos com outras considerações necessárias.

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Bortoni-Ricardo (2004), ao tratar da sociolinguística na sala de aula, evidencia uma

das questões centrais para tratar de preconceito linguístico: como tratar os “erros de

Português” dos alunos, se devemos respeitar as diferenças ou variações? Em linhas gerais,

considera-se que os professores, de qualquer disciplina, ao observarem “erros” ou “variações”

(de acordo com a perspectiva linguística) dos alunos, em sua escrita ou oralidade, devem

compreender e respeitar a cultura que os alunos representam - popular, da oralidade e

informalidade de lares menos escolarizados – diversa da cultura da Escola – da Escola que

preza pela formalidade. Respeitar essas diferenças não significa não conscientizar os

educandos de outras possibilidades de expressão, pelo contrário, mas a orientação é que os

professores prezem pelo respeito e, assim, deve-se fazê-lo de forma a valorizar os alunos e

não depreciá-los.

Se devemos aceitar e respeitar todas as formas de expressão linguística, seja ela padrão

ou não, para que serve o letramento? Ou, qual a função do letramento na formação de sujeitos

leitores e escritores? Respeitar a forma de expressão/falada e escrita de um aluno, mesmo que

não correspondente à forma oficial, não significa que este não tenha que ser inserido na

norma-padrão. Aliás, esta apresentação/inserção é democrática, pois a inclusão linguística

possibilita outras inclusões sociais decorrentes, como no mercado de trabalho, no acesso à

diversidade de produções literárias e a outras linguagens e possibilidades de leituras6.

Esta tarefa não é tão simples, pois reivindica dos professores uma nova forma de

pensar o papel das linguagens na Escola. Os professores, muitas vezes, não percebem que a

inclusão social no espaço escolar pode ocorrer a partir de uma nova concepção de língua e

seus usos, que são plurais. Usos que, muitas vezes, são caracterizados simplesmente como

feios ou bonitos, corretos ou incorretos, geram preconceitos, pois os educadores

desconsideram aspectos culturais e/ou socioeconômicos dos falares dos alunos. E aprender a

conhecer e respeitar a diversidade linguística pode fazer do professor um agente de inclusão,

na medida em que os alunos que se sentem “diferentes” possam se sentir iguais e, assim, se

autovalorizam, apresentando, muitas vezes, um aumento no seu rendimento escolar.

Outro elemento importante é que muitos educadores julgam que o aprendizado da

leitura e da escrita é papel restrito aos professores do primeiro segmento do Ensino

6 O sentido da palavra “leitura” é abrangente, refere-se à leitura não somente de textos convencionais, mas à leitura/interpretação e atuação do/no mundo. Os alunos, ao conhecerem diferentes formas linguísticas e diferentes linguagens, desenvolvem sua capacidade comunicativa, propiciando o enriquecimento de suas argumentações e a capacidade de defesa de seus direitos.

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Fundamental – do 1º ao 5º ano – e aos professores de Língua Portuguesa. Porém, aprende-se a

ler tanto com um livro/texto de História quanto de Ciências. Mais uma vez, é importante

enfatizar que o aprendizado é interdisciplinar e contínuo; em todos os momentos de estudo,

em vários tipos de pesquisa, pratica-se e aprende-se a língua materna e/ou estrangeira.

A partir dessas relações de saberes e poderes, podemos sintetizar os lugares sociais

que estão em oposição hierárquica: rural x urbano; camada popular x classes média e alta; a

partir da associação entre lugares e sotaques, Nordeste x Sudeste e Brasil x países

consagrados como civilizados. Mas existe outra hierarquia relacionada a territórios, mais

próxima, e talvez menos evidente, que se refere às línguas chamadas minoritárias, como

línguas indígenas, falares ciganos, língua brasileira de sinais entre outros. Dificilmente

pensamos, pedagogicamente, como têm sido recebidos e entendidos os educandos que

chegam à Escola falando outra língua materna que não o português. A exclusão e preconceitos

sobre eles são naturalizados na sociedade e na Escola.

“Recordando que a diversidade linguística constitui elemento fundamental da

diversidade cultural, e reafirmando o papel fundamental que a educação desempenha na

proteção e promoção das expressões culturais” (UNESCO/BRASIL, 2007. In:

http://www.scribd.com/doc/29231475/convencao-da-unesco), a Organização das Nações

Unidas para a Educação, Ciência e Cultura tem como um de seus objetivos, para preservação

da diversidade cultural, o respeito e a proteção da diversidade linguística no mundo, dando

seu apoio aos Estados-membros que respeitam a diversidade de línguas maternas e promovem

a educação para os valores da diversidade cultural.

Essa observação é também importante para um estado como a Paraíba, que convive

com diferentes grupos étnico-culturais, como comunidades quilombolas, indígenas e ciganas.

Portanto, a oposição hierárquica local está muito mais próxima do que a regional e estadual.

Muitas vezes, nas escolas, estes grupos são invisíveis e, por isso, pouco valorizados, ou pior,

por serem invisíveis, a sua inclusão se torna mais difícil, mas necessária, pois o respeito a este

tipo de diversidade representa a preservação de importantes culturas no estado da Paraíba.

As diferenças linguísticas, além de serem construídas a partir da vivência de

grupos/classes sociais, também representam diferenças regionais que, por sua vez,

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representam identidades de grupos sociais. A relação entre diversidade linguística, regional e

identitária revela uma das facetas dos preconceitos regionais7.

O debate sobre diversidade linguística, portanto, vai além dos conflitos entre professor

(representante de uma “norma culta”) e alunos (representantes da variação estigmatizada),

pois estes conflitos representam preconceitos socioeconômicos e culturais. São construídos

historicamente a partir de relações de poder. Não podemos desconsiderar que os diferentes

modos de falar/escrever constituem elementos fundamentais de identidade cultural de

indivíduos e grupos sociais. O papel da Escola, nesse sentido, é muito importante, pois tem

como uma de suas funções não denegrir os alunos, mas sim valorizá-los, fazendo com que se

sintam capazes de produzir/conhecer, mesmo quando sua língua materna não é a oficial ou

quando não se expressam sob as regras linguísticas da norma-padrão.

É possível perceber, portanto, que todas estas questões passam pelas relações político-

econômicas de saberes e poderes, por diferenças entre culturas próximas e mais distantes.

Para maior compreensão deste tipo de diversidade na Escola, é preciso tratá-lo para além da

área específica de Línguas e colocá-lo como tema transversal, na medida em que ele transita

por conceitos referentes a diversos campos de pesquisa e saberes; conceitos como território,

linguagem, língua, historicidade, entre outros. Percebe-se que o trabalho sobre este tipo de

diversidade também constrói conteúdos atitudinais como o respeito ao outro, pois um de seus

objetivos principais é combater o preconceito contra diferenças socioculturais associadas a

variações linguísticas e que estereotipa e estigmatiza grupos sociais dentro e fora das escolas.

8.2 Diversidade Étnico-racial

4.2 As políticas e programas de educação devem contribuir para o desenvolvimento da compreensão, da solidariedade e da tolerância entre os indivíduos, entre os grupos étnicos, sociais, culturais, religiosos, lingüísticos e as nações (UNESCO, 2010).

As lutas antirracistas, nas últimas décadas, têm ocupado a agenda política

governamental, imprimindo na sociedade brasileira um novo modelo de relações étnico-

7Para uma discussão mais ampliada sobre os regionalismos, são de grande contribuição as obras de Durval Muniz de Albuquerque, A invenção do Nordeste; de Rosa Maria Godoy Silveira, O Regionalismo Nordestino, e o texto de José D’Assunção Barros, História, Região e Espacialidade, cuja referência se encontra no final deste documento. É importante ressaltar que a disciplina de Geografia trabalha com conceitos e conteúdos relacionados ao tema.

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raciais. Porém, a Escola, entendida como um espaço para o desenvolvimento humano, ainda

reproduz e reelabora conhecimentos e práticas discriminatórias provenientes de um modelo

alicerçado no mito da democracia racial. Desse modo, o espaço escolar ainda está impregnado

de atitudes/práticas de exclusão racial. Como afirma Nilma Lino Gomes

Não há como negar que a educação é um processo amplo e complexo de construção de saberes culturais e sociais que fazem parte do acontecer

humano. Porém, não é contraditório que tantos educadores concordem com essa afirmação e, ao mesmo tempo, neguem o papel da escola no trato com a diversidade étnico-racial? (2005, p. 146)

É importante lembrar que a educação escolar contribui para a construção de uma

concepção que a sociedade elabora sobre si mesma, e esta autoimagem está impregnada de

preconceitos. Indígenas, negros e ciganos ainda são vistos e retratados de forma equivocada e

preconceituosa. Reconhecer a igualdade de oportunidade e a efetiva diversidade étnico-racial

que nos constitui como sociedade brasileira é um passo fundamental para a superação dos

racismos e intolerâncias vivenciados no cotidiano por homens, mulheres, crianças, jovens e

nossos sábios idosos. Conhecer para aproximar o “outro” representa uma etapa fundamental

para o respeito à diversidade.

Existem trabalhos teóricos e ações realizadas através de projetos educacionais que

objetivam o combate ao racismo. Os professores do Ensino Básico, ao pesquisarem sobre este

tema, encontrarão uma gama de discussões e propostas educacionais para ações efetivas

antidiscriminatórias nas/para as escolas.

A Universidade Estadual da Paraíba, por exemplo, oferece cursos de extensão voltados

para a educação inclusiva, através da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários.

Estas ações, juntamente com cursos de formação de professores e trabalhos com a

comunidade, são significativas para a construção de uma sociedade mais justa e democrática.

Este documento, portanto, pretende somar-se a estas iniciativas.

O que se denomina aqui de Diversidade Étnico-racial refere-se a conceitos básicos

para este estudo: Raça, Etnia, Etnocentrismo, os quais foram construídos por um processo

histórico.

A palavra ou terminologia “Raça”, ao longo de nossa história ocidental, já contemplou

diferentes conceituações/concepções acerca de grupos humanos. O conceito de raça foi

utilizado pela primeira vez no século XVII, no processo de disputas de territorialidade entre

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grupos sociais europeus, para justificar a hegemonia de um grupo sobre o outro. Mais tarde,

no processo neocolonialista, os europeus também o utilizaram com justificativa para invasões

territoriais. Alegavam uma classificação “científica” com argumentos e critérios

hieraquizantes, que distinguia a raça branca (europeia) civilizada, das demais raças, a serem

civilizadas, como africanos e indígenas.

A partir da segunda metade do século XX, esta concepção discriminatória sobre povos

não europeus vem se modificando significativamente. Por diversos motivos, e a partir de

mudanças históricas e epistemológicas sobre a compreensão do mundo e do que é ser

humano, movimentos sociais, políticas públicas e pesquisas em várias áreas do conhecimento,

revelam os equívocos das concepções civilizatórias herdadas pela nossa sociedade.

Os avanços da pesquisa no campo da genética, por exemplo, constataram durante o

século XX a inexistência das raças. Ou seja, biologicamente a ciência não consegue

estabelecer diferenças significativas entre grupos humanos, sepultando esta categoria como

verdade científica.

Porém, na visão de muitos antropólogos e outros estudiosos das ciências sociais, o

termo “raça” ainda é utilizado, mas com outro sentido: “Embora os mais renomados cientistas

sociais do mundo contemporâneo também defendam a idéia de que as raças não existem, não

podemos deixar de lembrar que as expressões raça e racismo se tornaram comuns nas línguas

nacionais desde o século 19.” (FLORES, 2007, p.2). Assim, estas nomenclaturas foram (re)

introduzidas no cenário dos movimentos sociais anti-racistas, quando se adotou o conceito

étnico-racial, no sentido de reafirmar uma identidade política na luta por direitos e territórios.

Etnia designa um grupo com cultura/características peculiares que o diferenciam de

outros grupos, e são construídas historicamente. Não se trata de uma elaboração abstrata, mas

de vivências, de modos de ser distintos, relacionados a valores, costumes e visão de mundo.

Esta concepção permite explicar as diferenças constituídas entre sociedades e a perceber que a

pluralidade é produto das relações humanas, que são dinâmicas e se movimentam na

sociabilidade cotidiana.

Por isso, abordar historicamente os aspectos multidisciplinares da diversidade étnico-

racial é caminhar no limiar entre a abordagem historiográfica continental ocidental e novos

conhecimentos em defesa dos grupos não hegemônicos, visto que as políticas colonizadoras

valorizaram a cultura europeia como parâmetro civilizatório, cujos valores ainda são

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considerados “melhores” em nossa sociedade. A respeito dessa dimensão colonizadora dos

europeus, expressa Certeau (2007, p. 216-217):

Os ocidentais têm a ‘superioridade’. Acreditam que seja um dos ‘dons singulares que os homens da parte de cá receberam de Deus’: Seu poder cultural é referendado pelo absoluto: isto não é apenas um fato, mas um direito, o efeito de uma eleição, uma herança divina.

A construção do conhecimento sobre raças e etnias brasileiras se deu através das

visões euro, Teo8 e etnocêntricas, de onde se originaram conceituações como “culturas

primitivas” e “evolucionismo cultural”, as quais foram, em uma determinada época,

legitimadas por pesquisadores e suas teorias, geradoras de preconceitos herdados pela nossa

sociedade.

Manifestações religiosas e artísticas afro-brasileiras ainda são vistas como não

civilizadas, “demoníacas” no sentido pejorativo do termo e, portanto, maléficas para a

sociedade. Os indígenas ainda são vistos como pessoas preguiçosas e inferiores mentalmente,

fruto da ideia de raça (como biológica ou cultural) que foi difundida no processo colonizador

brasileiro, como explicitam Silva e Goldfarb

As crenças em torno da raça serviram para justificar a colonização e as políticas de expansão do continente europeu. No Brasil, a raça também foi utilizada para explicar e justificar a escravidão dos povos tidos como ‘inferiores’, como era o caso dos negros africanos (2010, p.85) A idéia de raças constituídas sobre hierarquias dominou o pensamento social em muitos países e foi bastante eficaz no Brasil; sendo em grande medida pela ciência. Também não podemos deixar de destacar a sua importância como ideologia, que atendia a fins políticos que justificassem tal desigualdade (1999, p.12).

Na abordagem “científica” histórico-antropológica sobre as raças e etnias não

hegemônicas, como a indígena, africana e, posteriormente no Brasil, a cigana, os grupos

hegemônicos, segundo Geertz, afirmavam-se perante os demais,

Referindo-se sobre si mesmas [culturas européias] como ‘As Verdadeiras’, ‘As Boas’ ou simplesmente ‘Os Homens’, e desprezando as que se situavam do outro lado do rio ou da serra [ou do mar] como ‘macacos’ ou ‘ovos de

8 Aqui o termo “Teo” designa a religiosidade cristã como parâmetro civilizatório na América.

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piolho’, isto é, não humanas ou não plenamente humanas [...] (GEERTZ, 2001, p. 70).

O conceito de etnia remete a outros conceitos como identidade e alteridade, referidos

no quadro conceitual acima. O etnocentrismo, conceito importante para a compreensão dos

preconceitos raciais arraigados em nossa sociedade, está relacionado com o conceito de

alteridade, ou seja, com a percepção que um grupo tem de outro. De forma sintética,

podemos dizer que o etnocentrismo designa uma concepção preconceituosa na medida em que

uma determinada sociedade considera-se o centro, o parâmetro regulador de outros grupos e

os julga a partir de seus valores e parâmetros.

No caso do Brasil e sua história colonialista, não é difícil percebermos que estas

concepções foram constituídas a partir de grupos europeus e cristãos, e, portanto, que seus

valores predominaram no processo de construção identitária brasileira. A sobreposição da

cultura destes grupos imposta a outras etnias brasileiras gerou o que denominamos de

etnocentrismo europeu ou eurocentrismo; os europeus como grupo (etnia) dominante, que

deveriam ser aceitos e seguidos pelos demais grupos como os indígenas e africanos. Estas

imposições contribuíram para a consolidação de preconceitos e segregações, inibidores da

expressão livre e plural de pensamento e de vivência dos diferentes grupos sociais que

constituíam a nossa sociedade.

É importante ressaltar que todo este processo se estabeleceu de forma conflituosa. Os

grupos étnico-raciais não hegemônicos reagiram e resistiram à tentativa de silenciamento e

desvalorização de suas identidades. Tratar sobre formas de sobrevivência a partir da

diversidade étnico-racial no Brasil remete à ação de “se insurgir contra uma tradição

conformista da historiografia brasileira” (FLORES, 2010, p. 57).

O panorama brasileiro e seu processo de formação identitária marginaliza a

diversidade étnico-cultural, referindo-se às diferenças entre grupos sociais com atributos

pejorativos ou, quando o preconceito não é revelado, expressando-se de diversas formas,

inclusive com pseudovalorizações destes grupos.

Torna-se necessário, então, observar a questão da diversidade étnico-racial a partir de

uma perspectiva que traga “um efeito historiográfico e político [...] para que se possa rever

criticamente toda uma historiografia que se reconhece como crítica das grandes narrativas da

‘civilização ocidental’” (FLORES, 2010, p.57).

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Assim, o combate aos diversos tipos de preconceitos étnico-raciais tem se re-

elaborado, ganhando força nas últimas décadas com a organização dos grupos historicamente

excluídos, por meio de suas mobilizações, fazendo com que estes grupos venham a se inserir

na sociedade, protagonizando mudanças sensíveis na quantificação e qualificação de suas

representações sociais.

As ações políticas vêm sendo reflexo desse processo de mobilização dos grupos

étnico-raciais, concretizando-se em documentos como: Declaração de Princípios sobre a

Tolerância (1995); Declaração Universal da Laicidade no Século XXI (2005); Declaração

das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1963);

Cartilha sobre Diversidade religiosa e direitos humanos; leis federais, estaduais, municipais,

como também inúmeros decretos, que têm colaborado com estas lutas e demonstrado a

necessidade do combate a este tipo de preconceito.

Essas ações são denominadas de “ações afirmativas”, sejam no plano das organizações

de grupos sociais, sejam através das políticas públicas implantadas nos diferentes níveis

governamentais.

A educação é o campo estrutural da sociedade de onde deve partir essa nova

compreensão histórica-historiográfica, como também, a produção dos conhecimentos para

compreensão do direito à diversidade ser “isotônico”, ou seja, os grupos étnico-raciais terem

espaço igual e concreto, espaço para suas manifestações com total liberdade de expressão e

efetiva presença nos diversos setores da sociedade.

Cabe a todas as áreas de conhecimento, em todas as etapas de ensino, compreenderem

que as escolas e as universidades são os lugares para as reflexões sobre as formas e os meios a

serem adotados para se eliminarem todas as formas de desigualdade na sociedade brasileira

que nega o espaço à diversidade cultural vigente.

As publicações acadêmicas advindas dessas reflexões sobre a diversidade cultural da

sociedade brasileira, mostrando sua riqueza e importância, têm revelado um crescimento

quantitativo e qualitativo, o que também colabora para a reafirmação das ações antirracismo.

Comumente, as publicações didáticas também vêm sofrendo críticas e aprimoramentos

em suas referências às culturas negras e indígenas. Alguns trabalhos, por exemplo, elaboram

análises das representações imagéticas destas etnias, demonstrando as permanências da

abordagem eurocêntricas sobre estas culturas. Além disso, os conteúdos têm sido revistos no

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sentido de mostrar as diversas facetas e contribuições étnico-raciais9 na construção do Brasil,

desde a colonização até hoje. Mas ainda há muitos silêncios e muito o que rever.

Embora estas iniciativas sejam imprescindíveis e louváveis, elas não representam

mudanças imediatas das concepções e das atitudes da maioria da população brasileira em

relação a grupos não hegemônicos.

Nesse contexto, é importante destacar que, durante muitas décadas, a sociedade

brasileira viveu sob o utópico conceito da democracia racial, na qual as etnias (índio, negro e

branco europeu) formadoras da sociedade brasileira viviam harmonicamente, sem conflitos.

Esse conceito, defendido por intelectuais como o sociólogo pernambucano Gilberto Freyre,

encobriu as diversas formas de conflitos e preconceitos sociais existentes no país.

Um dos aspectos que dificultam a superação dessas atitudes preconceituosas é a

valorização, em grande escala, principalmente pela mídia televisiva, da estética, valores e

religiosidade cristã branca ocidental. Mesmo diante dos lentos avanços no que se refere à

forma como são vistos os indígenas, negros, ciganos e outros grupos sociais pela sociedade

em geral, ainda falta muito para conquistar.

Ao analisarmos as diversas obras e discussões que objetivam a superação do racismo,

observa-se que é de fundamental importância a compreensão dos conceitos básicos.

Consideramos aqui que, para melhor compreensão destes conceitos e dos preconceitos étnico-

raciais, devemos estabelecer uma discussão/compreensão da etnicidade a partir da exposição

de grupos da Paraíba, mais especificamente três casos particulares – indígenas, afro-

brasileiros e ciganos.

8.2.1 Indígenas

Sem fé, sem lei, sem rei! Desde a conquista do Brasil, em 1500, os nativos foram

apreendidos de formas diferenciadas, partindo de concepções que iam “[...] desde um estado

de encantamento até uma total estranheza e recusa das diferenças” (LIMA, 2010, p.156).

9 Um exemplo deste tipo de conquista é a Lei 11.645 de março de 2008 que Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”: “Art. 26-A. Nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

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“Monstros”, “animais”, “criaturas incrédulas”, “irracionais”, “selvagens”, essas foram

algumas das imagens inicialmente produzidas pelos portugueses acerca dos nativos brasileiros

– indígenas. O ato de negar as práticas culturais dos nativos era utilizado pelos portugueses

como um meio de justificar as atitudes de dominação e exploração social, política, econômica,

cultural e religiosa sobre os nativos.

Essas representações foram ao longo da História se perpetuando, sendo assim,

causadoras de um caudal de ideias equivocadas sobre a população nativa. Entretanto,

Pode-se dizer que, apesar de todas as ações de extermínio – físico e cultural – e/ou assimilacionista, a população nativa, na Paraíba e no Brasil, mostra a sua capacidade de sobreviver, não enquanto resquícios de um passado colonial, mas como parte do processo intencional entre as nações nativas e as sociedades envolventes. (IDEM, p. 171)

A população nativa da Paraíba tem conseguido resistir às diferentes formas de

preconceitos, buscando a cada dia sua autoafirmação, enquanto sujeitos históricos e culturais

dentro da sociedade paraibana, através da reafirmação de suas manifestações culturais e

apoderamento de sua territorialidade10 anterior à conquista e à exploração portuguesas.

Assim, cabe a todos que estão no processo educacional contribuir para essas práticas

afirmativas e consolidadoras da eliminação da ignorância sobre esses povos, como também,

de preconceitos e discriminações, sejam provenientes de interesses político-econômicos,

sejam por princípios e dogmas religiosos.

8.2.2 Afro-brasileiros

No final da década de 70, os negros da Paraíba dão início à luta organizada.

Denominados de “unionistas” – terminologia referente ao movimento negro unificado – serão

os responsáveis pelo gene embrionário da luta política e simbólica do movimento negro no

estado da Paraíba. Entretanto, o marco inicial da organização do movimento negro paraibano

é de 1981, pois neste ano muitos dos ativistas negros, formadores da geração unionista,

participaram do I Encontro de Negros do Norte e Nordeste, ocorrido em Recife-PE.

10 Os conceitos de território e territorialidade são contemplados nas disciplinas de Geografia e História, na amplitude de seus significados. Devemos lembrar que território hoje é compreendido para além de limites políticos regionais. Estes termos se referem a relações de poderes mais amplos: a territorialidade se estabelece a partir destas relações; quem se apodera de que território (simbólico ou não) e de que forma.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

A partir desse encontro, os negros paraibanos se mobilizaram em torno do debate para

rever a História do Brasil, priorizando a participação da cultura afro-brasileira na construção

social do país e, consequentemente, da Paraíba, em contraposição à História Tradicional, que

reduz o papel do negro à mera condição de escravo. Porém, o movimento não será bem

acolhido pela sociedade, o que ocasiona o impedimento das discussões em diversos

segmentos sociais. Diante desse fato, o movimento consegue realizar em João Pessoa o II

Encontro de Negros do Norte e Nordeste, em conjunto com a professora Joana Neves, do

Curso de História da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, objetivando ampliar as

discussões sobre a revisão crítica da História do Brasil e da data de 13 de maio como data da

libertação dos escravizados. Segundo Flores (2010, p. 57)

Essa revisão permite, para ativistas negros e negras, construir novas constelações interpretativas que vinculem passado e presente, trazendo à tona as lutas negras da pré e da pós abolição, uma vez que formas totalizantes e excludentes de contar a história continuam a ser produzidas, [...].

É importante salientar que o movimento negro não busca apenas o reconhecimento

dentro da historiografia brasileira, mas tem o objetivo de sanar as consequências decorrentes

da marginalização imposta por uma sociedade elitista, na qual ao negro só estão reservadas as

condições inferiores, nos diversos setores da sociedade.

Entretanto, podemos considerar que o movimento negro na Paraíba, ao longo dessas

últimas três décadas, conseguiu, apesar dos poucos avanços contra o preconceito, inserir na

sociedade paraibana suas ações afirmativas e também as políticas públicas pelo respeito e

igualdade.

8.2.3 Ciganos

A identidade cigana é muito difícil de ser definida, pois essa etnia não é um povo

homogêneo, nem todos são nômades, como são popularmente vistos, e estão subdivididos em

três segmentos étnicos (Rom, Calon e Sinti). O que os torna um povo, a partir de suas

concepções, é o fato de não serem Gadgés, ou seja, não ciganos.

A maior concentração de ciganos do estado da Paraíba está localizada na cidade de

Sousa, “[...], onde residem três grupos, sedentarizados desde o ano de 1982, localizados

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

próximos à BR 230, a 3 km do centro, no âmbito periférico da cidade, com uma população de

aproximadamente 600 pessoas” (GOLDFARB, 2008, p. 78).

Os ciganos são apreendidos pela população da cidade de Sousa de forma

discriminatória, em relação ao seu comportamento, principalmente no que diz respeito ao

corpo.

Expressões do tipo “velhacos”, “feios”, “sujos” e “fedorentos” são utilizadas para

denominar esse grupo étnico como forma de “expressão da antinorma, da falta de higiene, da

ausência da limpeza” (GOLDFARB, 2008, p. 79).

Assim, nosso objetivo nesse documento é apresentar as visões ainda deturpadas sobre

o povo cigano, que o transformam em projeção dos problemas socioculturais do seu próprio

contexto levando à catarse dos seus medos e dolos, exigindo uma atitude subserviente do todo

dessa etnia.

As lutas contínuas para se alcançar a igualdade nas diversidades étnico-raciais se dão

em diversas dimensões. Desde a reivindicação de respeito e igualdade de oportunidade e de

tratamento das pessoas como cidadãos, até a mudança de mentalidade de pessoas pertencentes

aos próprios grupos marginalizados, pois, pela dificuldade de pertencerem a tais grupos,

acabam, muitas vezes, negando a sua identidade.

Assim, há muito o que fazer. E este fazer deve ser de todos e de todas, e também da

Escola. Mais uma vez, a Escola é chamada, como lugar de excelência para a promoção da

liberdade, igualdade e fraternidade, lemas ainda não compreendidos e praticados, mas ainda

perseguidos, a promover e praticar a luta pelo respeito à diversidade étnico-racial.

Por isto, algumas questões se colocam. Afinal, o que de fato a Escola tem feito contra

o preconceito? Ela tem se preparado para isto? Há preconceitos evidentes nos discursos e

atitudes dos educadores, pais e dos próprios alunos na sua comunidade escolar? Como isto

pode ser percebido? Temos autoconhecimento para reconhecermos nossos preconceitos

étnico-raciais? Onde buscar informações para transformá-las em conhecimento sobre

os diversos grupos sociais com os quais convivemos? Será que enxergamos de fato estes

grupos? Quais as concepções predominantes da população escolar em relação aos grupos

étnicos? Como se pode caracterizar, quanto à etnia, a maior parte das pessoas da sua

comunidade escolar? E, por último (embora muitas outras questões ainda sejam passiveis de

serem levantadas), como os educadores se caracterizam ou se identificam etnicamente?

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

Tantas questões, e provavelmente muitas delas ainda sem respostas, são necessárias

para podermos enxergar o outro. O exercício da alteridade positiva na Escola está começando,

e os educadores são também mediadores e condutores desta mudança, ou deveriam ser.

Portanto, baseados em outros estudos e experiências, temos aqui reflexões e ações para

a Escola, de como a mesma deve promover a formação de sujeitos pensantes e de direitos,

para a valorização das diversas culturas e etnias constituintes da nossa sociedade, as quais têm

se tornado cada vez mais atuantes e reivindicadoras de cidadania.

8.3 Gênero e Sexualidade

A Escola pode ser tanto um espaço de libertação quanto de prisões e opressões. Cabe

aos educadores esta opção. O verdadeiro respeito às diferenças compreende superar

preconceitos através da busca de conhecimento, de compreensão do outro, de uma relação de

alteridade que represente a dignidade de todos.

Esta perspectiva vale para todos os temas aqui propostos, mas, Sexualidade e Gênero,

ou, diversidade sexual e identidade/equidade de gênero, representam reflexões polêmicas,

pois demandam superação de valores, principalmente judaico-cristãos e machistas, bastante

arraigados na nossa sociedade tradicionalmente cristã e patriarcal, na qual as mulheres foram

(e por muitos ainda são) consideradas inferiores, restritas a determinadas atividades

(principalmente domésticas); e os homens, considerados superiores, comandantes e

impreterivelmente “machos”. Para os grupos sociais que compartilham dessa perspectiva,

outras possibilidades de ser e de se representar são excluídas de seus espaços sociais.

Esse tipo de preconceito revela equívocos e confusões conceituais. A população em

geral confunde sexo com identidade de gênero; gênero com sexualidade, e assim por diante.

Para estas pessoas, “mulher que é mulher gosta de homem” e “homem que é homem gosta de

mulher”. Estas simplificações das identidades e sexualidade humanas geram desconfortos

para quem não se encaixa em um padrão hegemônico construído historicamente por grupos

sociais dominantes, que tem como referências homem “masculinizado” e mulher “feminina”

heterossexuais.

É preciso ser analisada cada uma destas categorias e conceitos: masculinidade,

virilidade, feminilidade, heterossexualidade, homossexualidade, entre outros. Trata-se de

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construções históricas que, como tal, emergiram e/ou se modificaram através do tempo e,

portanto, não representam identidades fixas e universalizantes.11.

Essas considerações são importantes para que educadores revejam seus próprios

conceitos relacionados a estes temas e reelaborem suas concepções sobre o mundo, sobre as

relações humanas e suas diversas dimensões e, consequentemente, sobre estas diversidades

presentes na Escola. É importante que a comunidade escolar perceba que não pode

discriminar pessoas que não se encaixem no padrão de comportamento hegemônico.

É preciso expor mais abertamente estas questões. O intuito aqui é combater e prevenir

a homofobia e os diversos tipos de preconceitos e violências contra as mulheres, através do

estímulo ao debate entre as pessoas que são protagonistas no espaço escolar, onde existem

práticas preconceituosas que condenam e discriminam crianças, adolescentes e professores

que não correspondem à identificação dominante de gênero e sexualidade. Aqueles que

sofrem estes preconceitos muitas vezes não sabem como se defender e/ou não estão

preparados para fazê-lo.

Nesse sentido, este documento também tem a intenção de instrumentalizar estas

pessoas para que conquistem seu espaço/território. A compreensão de espaço e territorialidade

é importante. Estes conceitos estão presentes nos referenciais específicos da disciplina de

Geografia de forma ampla, o que possibilita, inclusive, a discussão sobre territórios

provisórios.

Os temas sexualidade e gênero se inter-relacionam e, portanto, os conceitos básicos

necessários para o seu estudo são melhor compreendidos quando construídos de forma

relacional. Por exemplo, a compreensão de identidade de gênero passa pela compreensão de

identidade sexual. Por isso, parte desta tarefa é estabelecer o diálogo com o tema a partir da

construção destes primeiros conceitos que, embora muitas vezes veiculados nas escolas e até

mesmo na mídia televisiva, não são devidamente debatidos ou, quando o são, sua

compreensão não é imediata.

Na apresentação de conceitos considerados básicos ou essenciais, buscou-se indicar

concepções atualizadas, pois estes conceitos se modificam ao longo do tempo, e muitas vezes

em curto espaço de tempo. Além disso, estas indicações não são consensuais na medida em

que existem diversas tendências epistemológicas sobre estes estudos, os quais, muitas vezes,

11 Algumas leituras podem contribuir para a compreensão da historicidade de concepções e conceitos como FUCAULT. M. História da sexualidade 1: Vontade de saber. 3ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1980. e BOZON, Michel. Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

divergem quanto a conceitos e concepções, mesmo tendo em comum o combate ao

preconceito e o respeito à diversidade.

Por isso, é necessário evidenciar primeiro que são conceitos e não definições, portanto,

devem ser (re)construídos pelos próprios educadores a partir de suas pesquisas. Segundo, o

espaço aqui disponibilizado não daria conta da gama de discussões com os estudiosos destas

áreas, ficando aqui restrito apenas a uma primeira indicação ou “versão” conceitual.

[...] conceito de gênero diz respeito ao conjunto das representações sociais e culturais construídas a partir da diferença biológica dos sexos. Enquanto o sexo diz respeito ao atributo anatômico, no conceito de gênero toma-se o desenvolvimento das noções de ‘masculino’ e ‘feminino’ como construção social. (BRASIL, 1998, p.321).

Outras representações desta distinção entre Sexo e Gênero se apresentam por esquemas didáticos como os quadros abaixo:

Embora tenha sua importância, na medida em que contribuiu para o debate sobre estes

temas, esta concepção tem sofrido algumas contestações/complementações por estudiosos

de outras tendências epistemológicas. Nicholson (2000), por exemplo, apresenta algumas

limitações desta forma de diferenciação entre sexo e gênero, a qual se denomina de “marco

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teórico binário” ou “pensamento dualista”, e defende que as diferenciações e construções de

identidades são mais complexas do que este pensamento consegue explicar.

O sexo também passou a ser compreendido como significação cultural, e não apenas

um aspecto físico morfológico, na medida em que a própria visão que cada grupo social tem

sobre o corpo e sua sexualidade também são construídas nas relações sociais, e, portanto,

culturalmente.

Ao dirigir o foco para o caráter “fundamentalmente social”, não há, contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas. (LOURO, 2007, p. 22)

Os conceitos de gênero e sexo passam a ser usados numa perspectiva relacional na

medida em que consideram as diferentes construções culturais sobre estes aspectos. Essa

premissa nos remete a pensar temáticas de forma plural e, portanto, a pensar não mais homem

e mulher, mas homens e mulheres: “a ótica está dirigida para um processo, para uma

construção, e não para algo que exista a priori.” (LOURO, 2007, p. 23).

As características de feminilidade e de masculinidade não são naturais, são culturais e,

portanto, se transformam ao longo da história e na própria sociedade que as elaboram.

Embora as características identitárias de gênero indicadas na tabela acima ainda representem

para muitas pessoas uma concepção válida, podemos perceber que em muitos grupos sociais o

modo como as mulheres têm sido vistas e representadas vem se modificando.

A feminilidade hoje não está associada a fragilidades; percebe-se uma associação da

feminilidade com a força e a racionalidade antes só atribuídas aos homens. As identidades de

gênero foram se transformando e se complexando, na medida em que padrões mais

generalizados de décadas anteriores foram/são questionados.

A década de 1960 é um marco referencial das manifestações de protesto contra

concepções tradicionalistas e silenciadoras das mulheres no que diz respeito aos movimentos

feministas no ocidente.

É preciso notar que essa invisibilidade, produzida a partir de múltiplos discursos que caracterizam a esfera do privado, o mundo doméstico como o “verdadeiro” universo da mulher, já vinha sendo gradativamente rompida, por algumas mulheres. Sem duvida, desde há muito tempo, as mulheres das classes trabalhadoras e camponesas exerciam atividades fora do lar, nas fabricas, nas oficinas e nas lavouras. Gradativamente, essas outras mulheres

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passaram a ocupar também escritórios, lojas, escolas e hospitais. (LOURO, 2007, p. 17)

Porém, a autora afirma também que as novas atividades até certo tempo, não

representavam a liberação feminina, e nem uma nova representação das mulheres no mundo

ocidental, ainda patriarcal e machista.

Vivemos um processo histórico em que a identidade de gênero tem sido reelaborada, e

esta reelaboração é complexa e conflituosa. Embora as mulheres, através de lutas e

movimentos sociais, tenham conquistado mais liberdades, espaços e direitos, as permanências

são evidentes, ou seja, a resistência de pessoas, que ainda acreditam que essas mudanças são

maléficas e que as mulheres estão infringindo a “normalidade”, se expressa de formas

variadas. Muitas vezes tal postura é disfarçada, mas acabam por se revelar em atitudes de

violência e preconceitos.

As características atribuídas aos homens e mulheres ao longo de nossa sociedade

patriarcal impõem a subserviência feminina e instalam uma hierarquia entre os gêneros,

colocando as mulheres como dependentes e desiguais perante os homens. Isso é uma

manifestação do que se denomina

Violência de gênero [que] é aquela oriunda do preconceito e da desigualdade entre homens e mulheres. Apóia-se no valor da virilidade masculina e da submissão feminina, e essa violência pode se manifestar por meio de ameaças, agressões físicas, constrangimento, assedio sexual e/ou moral e abusos sexuais e estupros. Enquanto os rapazes e os homens estão mais expostos à violência no espaço público, garotas e mulheres sofrem mais violência no espaço privado. (MEC/SPM/PR, 2009, p. 35).

Por isso é tão importante compreendermos que a concepção sobre identidade/equidade

de gênero é uma construção que pode/deve ser mudada para que consigamos promover a

igualdade e a dignidade das mulheres em nossa sociedade. Diariamente temos informações

através da mídia, sobre violências contra mulheres ocorridas em escolas e lares brasileiros,

provocadas por diversos tipos e preconceitos.

Por outro lado, a construção de conceitos relativos a gênero e sexualidade vale

também para a concepção do masculino. Nem todos os homens (sexo masculino) carregam as

características tradicionalmente a eles atribuídas. Assim como a identidade de gênero

feminina se modificou, a manifestação do gênero masculino também passa por processos

semelhantes. Podemos encontrar um exemplo dessa questão na definição de “metrossexual”

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encontrada no dicionário Aulete (2005): “Homem metropolitano muito vaidoso com seu

aspecto físico, e que tem com o corpo, a pele, os cabelos e o guarda-roupa cuidados típicos

das mulheres em geral.” (grifo nosso)12. Perceba, a partir do grifo, que a própria definição do

dicionário indica um padrão de comportamento convencional dos homens. Embora estes

padrões, gradativamente, sofram transformações, as resistências a estas mudanças são

evidentes.

A função deste documento, portanto, é a promoção de condições para a superação das

desigualdades de gênero e de sexualidade, presentes na sociedade e na Escola brasileiras. Mas

o que é sexualidade?

A sexualidade é como um fantasma que ronda as cercanias e os interiores da escola e da sala de aula. Não é o único, sabemos disso. Mas é, sem duvida, um daqueles que, quanto mais se busca erradicar, mais assombra a cada esquina. E isso, há séculos, ao que indica a história. (AQUINO, 1997, p. 25).

Talvez, esta visão da sexualidade como um espectro, seja porque ela expresse desejos

e prazeres que afetam tabus e geram desconforto para a nossa cultura tradicionalista. A

sexualidade é considerada própria da natureza humana e tem manifestações peculiares em

cada fase da vida e expressa-se com singularidades em cada indivíduo. É, portanto, um

conceito amplo, que engloba a diversidade de identidades sexuais e está ligada a

comportamentos e a práticas variadas. Porém, na Escola, como nos afirma Aquino, esta

discussão é evitada. O silêncio evidencia os tabus a serem quebrados e a necessidade do

debate com a comunidade escolar. A demanda do presente debate não é nova, mas a

discriminação contra alunos, professores e outras pessoas da Escola continua e se manifesta

de diferentes formas.

Por exemplo, se um aluno revela sensibilidade ou algum tipo de medo não atribuído

convencionalmente ao sexo masculino, esse aluno sofre atitudes de escárnio por parte de

colegas e de outras pessoas da comunidade escolar. Tais atitudes revelam, portanto, o

preconceito contra pessoas que não são heterossexuais, embora este aluno não seja

necessariamente homoerótico13. Ou seja, a sua representação de masculinidade não

corresponde diretamente à sua identidade sexual. Assim também algumas alunas que

12 http://www.auletedigital.com.br/. Acesso em: nov. 2010.

13 O termo homoerótico designa homossexual e é o mais utilizado pelos estudiosos do tema.

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apresentam características convencionalmente masculinas sofrem o mesmo tipo de

preconceito, ou melhor, duplo preconceito, contra a diversidade de gênero e contra a

diversidade sexual.

Estas variações ou diversidades de relação de gênero e sexualidade devem despertar

nos educadores a busca do conhecimento e o aprofundamento da compreensão dos tipos de

relações humanas. Os educadores têm em suas mãos possibilidades de trabalho que

promovam o conhecimento e argumentações que combatam a desigualdade entre meninos e

meninas nas escolas e, consequentemente, que estes alunos e alunas desenvolvam capacidades

para se defenderem das injustiças e dos preconceitos que possam sofrer. A Escola deve

desenvolver conteúdos atitudinais que construam novas atitudes de inclusão escolar, pois

sabemos que, muitas vezes, o preconceito e a violência contra meninas iniciam-se em casa,

com os próprios cuidadores, e nossa obrigação é impedir que tal atitude se estenda para a

Escola.

O preconceito de diversidades de gêneros e sexualidades tem duas faces que se

correlacionam: a não aceitação do que é diferente ou não hegemônico e a incompreensão do

que são e significam estas diferenças. A superação do senso comum sobre as diferenças

humanas, ou seja, o estudo e o aprofundamento sobre o que é o outro, tendo como pressuposto

que o “eu é o outro para o outro”, passa pela convicção de que temos todos os mesmos

direitos. Por isso, o Documento Final da Conferência Nacional de Educação, realizada entre

os dias 28 de março a 01 de abril de 2010, propõe

Inserir os estudos de gênero, identidade de gênero, orientação sexual, diversidade sexual educação sexual, como disciplina obrigatória, no currículo da formação inicial e continuada, nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, nas licenciaturas e bacharelado, na pós-graduação, no ensino fundamental e médio, em todas as áreas do conhecimento, de forma interdisciplinar, transdisciplinar e transversal, articulando-os à promoção dos direitos humanos - meta do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. (alínea g, p. 144 – grifo nosso)

Ou seja, o debate a ser instalado é para a igualdade nas relações de gênero e para

a compreensão, valorização e respeito das identidades/diversidades sexuais.

Em muitas escolas, este trabalho já começou. Na oficina geradora, por exemplo, houve

relatos de experiências que nos revelam iniciativas de pesquisa, combate à homofobia e a

valorização das mulheres. Estas experiências revelaram também uma outra preocupação: a

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necessidade do conhecimento sobre a sexualidade também como forma de prevenir, além de

preconceitos mais evidentes, outros mais disfarçados, como o uso da camisinha, relacionado

muitas vezes à concepção de masculinidade predominante, e a “vergonha de conhecer o

próprio corpo, como se fosse pecado”. Essas questões estão ligadas a muitas outras como a

saúde sexual.

Outra questão bastante evidente foi a percepção da dificuldade de compreender a gama

de conceitos e variações relacionadas à questão de identidades sexuais e de gêneros. Embora

existam muitas publicações e trabalhos que discutam estas variações e terminologias, percebe-

se que ainda há tabus que dificultam as compreensões. Na tentativa de auxiliar neste trabalho,

abaixo se apresenta, de forma sintetizada, alguns destes conceitos: 14

Heterossexual: que sente atração sexual por pessoas do sexo oposto e só com elas

mantém relações sexuais ou afetivo-sexuais.

Homoerótico: que sente atração por e/ou tem relações sexuais ou afetivo-sexuais com

pessoas do mesmo sexo.

LGBT : Lésbicas, Gays, Bissexuais, e Transgêneros:

Lésbica: mulher de orientação sexual15 homoerótica, ou seja, que se relaciona sexual

ou afetivo-sexualmente com outras mulheres.

Gay: homem de orientação homoerótico, ou seja, que se relaciona sexual ou afetivo-

sexualmente com outros homens.

Bissexual: pessoa que se sente sexualmente atraído/a por ambos os sexos e se

relaciona sexual e afetivo-sexualmente com homens e mulheres.

Trans: inicialmente a letra “T” era utilizada para identificar travestis e/ou transexuais.

Atualmente, é utilizada para identificar uma categoria mais abrangente de pessoas, os

transgêneros. Embora representem sexualidades diferenciadas, pode-se dizer, de maneira

genérica e a partir da identidade de gênero, que são pessoas que não experimentam

concordância entre identidade sexual e de gênero segundo a norma macho-masculino e

fêmea-feminina. Estas pessoas buscam, de forma diferenciada, modificação no corpo e nos

nomes.

Identidade de gênero: como mulheres e homens constroem a sua

feminilidade/masculinidade - como se vêem e se representam. Por exemplo: uma pessoa,

14 Aqui, a elaboração destes conceitos não representa suas formas mais complexas, ou seja, não contempla outras discussões teóricas/psicológicas como as relacionadas a tipos de afetividades, por exemplo. 15 O termo “orientação sexual” é adotado pela Conae, 2010.

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embora tenha sexo ou morfologia masculina, pode se sentir e se representar com

características atribuídas à feminilidade (identidade de gênero). Porém, esta identidade

feminina não se relaciona diretamente com uma identidade sexual. Identidade de gênero é

diferente de sexo, que é diferente de identidade sexual, que por sua vez é diferente de

sexualidade.

Identidade sexual: uma pessoa (independentemente de uma identidade de gênero)

pode se identificar sexualmente com um homem ou com uma mulher, ou seja, se interessar

por outra mulher ou por outro homem. Não existe uma identidade sexual única e nem fixa.

Pode-se dizer que a sexualidade é mais ampla, representa a vontade, o desejo, os prazeres, e

está mais relacionada ao desejo.

Homofobia: manifestação de preconceito discriminatório e excludente, representado

de diversas formas contra pessoas homoeróticas pertencentes ao grupo denominado de LGBT.

Também se refere a preconceitos e violências contra pessoas heterossexuais cujas expressões

de feminilidade e masculinidade não se enquadram no padrão de comportamento de gênero e

sexualidade.

Este texto objetivou uma discussão que levasse à percepção da complexidade de

questões relacionadas à sexualidade e à identidade de gênero e à relação entre elas. Também

pretendeu ajudar os educadores a identificarem e respeitarem as pessoas que não seguem um

pressuposto padrão comportamental, a partir da reflexão sobre, por exemplo, o que é ser

feminino e/ou masculino. Isso possibilita o respeito à pluralidade de identidades de gênero e

de sexualidade e nos permite identificar que esta pluralidade é ainda mais diversa do que a

princípio podemos perceber.

A compreensão destas relações sociais, como se pode perceber, requer um estudo

interdisciplinar, ou seja, um diálogo epistemológico entre biólogos, psicólogos, historiadores,

antropólogos, entre outros. Estes estudos revelam que os educadores, enquanto formadores

para um conhecimento plural, laico e aberto, não podem mais encarar as diversidades sexuais

e de gênero como pecado e/ou distúrbio, nem como formas de ser definitivas ou naturais.

Estas concepções sobre o corpo, o sexo, a sexualidade, a identidade de gênero, são

construídas socialmente, o que significa que se estabelecem a partir das relações sociais, na

construção de alteridades. Por fim, objetivou-se a compreensão da complexidade do ser

humano que, por ser humano, é plural, múltiplo, livre e tem direitos a serem respeitados e não

apenas tolerados.

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8.4 Educação Especial16

A escolha deste tema é importante porque complexo. Educação Especial contempla

diferentes diversidades. Compreender este universo significa uma investigação

interdisciplinar ampla. Porém, este documento é apenas introdutório e tem como objetivo o

chamamento aos educadores paraibanos para esta discussão. Para as reflexões iniciais, foram

elencadas as diversidades mais mencionadas pelos professores e professoras na oficina

geradora.

A discussão deste tema nos remete a diversas indagações: O que é ser deficiente? Que

tipos de deficiência você consegue visualizar em sua comunidade? Você já discriminou

alguma pessoa deficiente? Como os alunos de sua Escola tratam deficientes? As pessoas

consideradas deficientes frequentam os lugares públicos de sua cidade ou bairro com a mesma

assiduidade de outras pessoas? A qualidade da educação oferecida na Escola é a mesma para

todas as crianças, sem distinção? Qual tipo de resistência à inclusão existe na sua escola?

“A palavra de ordem é equidade, o que significa educar de acordo com as diferenças

individuais, sem que qualquer manifestação de dificuldades se traduza em impedimento à

aprendizagem.” (CARVALHO, 2009, p. 35). Essa afirmação nos leva à compreensão de que

somos diferentes uns dos outros e de nós mesmos, pois temos limites, necessidades de

aprendizagem para nos modificarmos e nos tornarmos melhores do que fomos. A afirmação

também nos faz perceber que construímos uma identidade a partir de padrões normativos

estabelecidos historicamente pela sociedade, o que nos dá a ilusão de sermos normais perante

outras pessoas que fogem a este padrão. Ser deficiente é, para o senso comum, ser diferente. E

ser diferente é, sob este mesmo senso, fugir a padrões ilusórios de normalidade, é ser

considerado “anormal”.

Costuma-se enfatizar os limites de uma pessoa deficiente submetendo-a a uma

exclusão por uma suposta incapacidade de aprendizagem e de convivência social. Mas o que é

ser normal? Será que possuir um certo transtorno de desenvolvimento exclui a possibilidade

de desenvolvimento de outras capacidades para conviver? Ser surdo17 é estar, de fato,

impossibilitado de ser ouvinte ou de se comunicar? Ser cego significa ser incapaz de enxergar

16 Terminologia adotada pela Conae 2010 para a “garantia de direitos aos/às estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (alínea I, p. 71). 17 Terminologia adotada pela Conae 2010 quando oficializa “a profissão de tradutor/a-intérprete de Libras para surdos/as e do/a guia intérprete para surdos/as e cegos/as e garantir a presença desses/as profissionais nas escolas e IES que atendem os/as referidos/as estudantes [...]” (alínea V, p. 136).

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ou aprender? E, ao contrário, não ter limitação física significa ser mais capaz para o

aprendizado do que aqueles que a possuem?

É sobre essa percepção mais sensível e profunda que as pessoas que se consideram

normais e mais privilegiadas precisam aprender. Ou seja, a inclusão daqueles que são

considerados “anormais” compreende um aprendizado, uma transformação que leva as

pessoas “normais” a se tornarem diferentes do que são. A nossa sociedade construiu ao longo

da história um discurso identitário baseado na oposição maniqueísta do que é bom ou ruim,

normal ou anormal. Assim, pessoas com deficiência são olhadas sob a perspectiva de

oposição binária em que o outro é excluído do pertencimento social, reforçando o

pertencimento daqueles que se constituem, se consideram como normais. Essa lógica deve ser

desconstruída, pois eticamente é equivocado rotular as pessoas estabelecendo comparações a

partir de padrões que são criações sociais e não refletem necessariamente a realidade.

Na verdade, não são os deficientes que precisam se adaptar à normalidade; “a

sociedade e suas instituições é que precisam ser analisadas em suas crenças, em suas ações

discriminadoras, opressivas e impeditivas.” (CARVALHO, 2009, p. 35). A discriminação de

pessoas com limitações físicas, com síndromes como de Burnout18, ou de crianças surdas, é

explicável, mas não mais aceitável, como também não são aceitáveis diversos tipos de

comportamento relacionados a este tipo de discriminação, como a falsa inclusão.

Um exemplo de falsa inclusão é quando as pessoas “normais” olham para os

deficientes e manifestam sentimento de comiseração em relação ao surdo, ao autista ou ao

deficiente físico; ou quando são incentivados movimentos assistencialistas em detrimento de

ações que promovam a independência e autonomia destas pessoas nos lugares sociais.

Incentivar o sentimento de pena e o assistencialismo nada tem a ver com o combate à

exclusão social, e os educadores devem estar atentos a estes equívocos.

A partir dessas observações, podemos pensar: afinal, que ações de inclusão são

possíveis de serem desenvolvidas nas escolas? Primeiramente, deve ficar entendido que as

ações se referem a oportunizar uma educação de qualidade para toda criança e adolescente.

Seria ingênuo, portanto, presumir que a educação inclusiva se destina apenas aos alunos da

educação chamada especial. Na verdade, trata-se de uma proposta que tem um sentido muito

mais amplo. Refere-se, por exemplo, a pessoas que nunca frequentaram a Escola, aos que

frequentam a Escola, mas dela se evadem; que frequentaram a Escola, mas não

18 Síndrome que tem como sintomas o cansaço, esgotamento e falta de motivação para os estudos.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

desenvolveram um aprendizado adequado; aqueles que tentam frequentar a Escola, mas não

encontram estrutura para poderem se beneficiar da educação por ela oferecida.

Considera-se aqui um passo importante para ações de inclusão o conhecimento sobre a

situação dos deficientes hoje no Brasil e na Paraíba, e a ciência sobre algumas leis que

embasam a necessidade destas ações. Outro passo tão ou mais importante é refletir sobre o

papel da Escola na promoção dos direitos das crianças deficientes.

As pessoas que nascem com deficiência, ou a adquirem ao longo da vida, são

constantemente impedidas de usufruir de oportunidades de convivência social, seja a

convivência com a própria família, vizinhos ou parentes, ou da vida escolar, do acesso ao

trabalho ou ao lazer e à cultura. O Nordeste é uma região onde vivem muitas pessoas

deficientes, e a Paraíba está entre os cinco estados que têm os maiores índices destas pessoas,

proporcionalmente à sua população19. Se repararmos, apesar de existir um alto índice de

deficientes neste estado, elas quase não são vistas nas ruas e nem em outros lugares públicos

com frequência. O acesso à Escola, por exemplo, revela-se ainda restrito, apesar de leis que

buscam garantir este direito.

Dados oficiais de 2008, levantados pela equipe da Secretaria de Educação

Especial/MEC, indicam que as condições educacionais para os estudantes com deficiência

apresentam pequenos avanços quanto, por exemplo, a professores com curso específico nesta

área, à “acessibilidade arquitetônica”, como banheiros adequados, número de matrículas nas

escolas públicas e privadas. Porém, ainda estamos longe da condição de igualdade nas

oportunidades para estas pessoas:

Este indicador, apesar do crescimento de 136% das matrículas, reflete a exclusão educacional e social, principalmente das pessoas com deficiência, salientando a necessidade de promover a inclusão e o fortalecimento das políticas de acessibilidade nas instituições de educação superior. (SESP, 2008, p. 13)

Portanto, as condições desiguais para os estudantes com deficiência se mantêm, seja

por causa da discriminação simbólica, ou pela falta de condições adequadas para que estes

estudantes tenham acesso à Escola e consigam frequentar regulamente o ambiente escolar. Os

19 Para essa constatação, estamos considerando os microdados do censo de 2000/IBGE, que aponta: Maranhão (16,14%), Ceará (17,34%), Piauí (17,63%), Rio Grande do Norte (17,64%), Paraíba (18,76%), Pernambuco (17,4%), Alagoas (16,78%), Sergipe (16,01%) e Bahia (15,64%).

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

direitos das pessoas com deficiência têm sido sistematicamente violados, e a comunidade

escolar também pode se tornar agente de combate à invisibilidade destes educandos, a fim de

assegurar seus direitos à dignidade humana.

Com base nesses dados, é fundamental que os educadores busquem conhecimentos

sobre os direitos humanos em geral e, em particular, sobre os direitos das pessoas deficientes.

A comunidade como um todo deve se mobilizar para obter as informações que são relevantes

para o exercício de funções educativas e deve se comprometer com os ideais de justiça social

e igualdade de direitos para qualquer ser humano. Como afirmam Susan e William Stainback,

a

Arte de facilitar a adesão à inclusão envolve o trabalho criativo com este estado de elevação da consciência, redirecionando a energia estreitamente relacionada ao medo para a resolução de problemas que promova a reconsideração dos limites, dos relacionamentos, das estruturas e dos benefícios (1999, p. 48).

A seguir, apresenta-se uma breve síntese de leis internacionais e nacionais, que visam

a contribuir para a redução ou erradicação da violação dos direitos de crianças e jovens

deficientes, através de diretrizes que orientam políticas públicas para assegurar os direitos de

todos.

A Convenção dos Direitos da Criança (ONU, 1989), por exemplo, possui 54 artigos, e

muitos deles nos dão elementos para a efetivação de estratégias de inclusão e formas de

garantir que todas as crianças, incluindo aquelas com deficiência, tenham acesso à

escolarização de qualidade, garantida a sua permanência na Escola. O artigo 23, que

compreende quatro itens, trata especificamente dos direitos de crianças e jovens com

deficiência, reconhecendo que estas pessoas devem ter direito, por exemplo, à dignidade, a

condições que ofereçam autonomia e participação social, acesso à educação, cuidados para

reabilitação, entre outros:

Art. 23 - 1. Os Estados Partes reconhecem que a criança portadora de deficiências físicas ou mentais deverá desfrutar de uma vida plena e decente em condições que garantam sua dignidade, favoreçam sua autonomia e facilitem sua participação ativa na comunidade. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança deficiente de receber cuidados especiais e, de acordo com os recursos disponíveis e sempre que a criança ou seus responsáveis reúnam as condições requeridas, estimularão e assegurarão a prestação da assistência solicitada, que seja adequada ao estado da criança e às circunstâncias de seus pais ou das pessoas encarregadas de seus cuidados 3. Atendendo às necessidades especiais da criança

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deficiente, a assistência prestada, conforme disposto no parágrafo 2 do presente Artigo, será gratuita sempre que possível, levando-se em consideração a situação econômica dos pais ou das pessoas que cuidem da criança, e visará a assegurar à criança deficiente o acesso efetivo à educação, à capacitação, aos serviços de saúde, aos serviços de reabilitação, à preparação para o emprego e às oportunidades de lazer, de maneira que a criança atinja a mais completa integração social possível e o maior desenvolvimento individual factível, inclusive seu desenvolvimento cultural e espiritual. 4. Os Estados Partes promoverão, com espírito de cooperação internacional, um intercâmbio adequado de informações nos campos da assistência médica preventiva e do tratamento médico, psicológico e funcional das crianças deficientes, inclusive a divulgação de informações a respeito dos métodos de reabilitação e dos serviços de ensino e formação profissional, bem como o acesso a essa informação, a fim de que os Estados Partes possam aprimorar sua capacidade e seus conhecimentos e ampliar sua experiência nesses campos. Nesse sentido, serão levadas especialmente em conta as necessidades dos países em desenvolvimento.

Como se pode perceber, este artigo, na verdade, compromete não só os educadores,

mas os agentes de Estado, em geral, para a garantia destes direitos. Ou seja, fica evidente que

os educadores precisam de formação e apoio para efetivar ações de inclusão. Pensar a

formação dos educadores para atuarem junto aos alunos deficientes significa não apenas uma

educação inclusiva entendida como proposta de acesso destas pessoas à rede regular, mas sim,

uma inclusão que contemple uma prática docente consciente

Que reconhece e valoriza a heterogeneidade dos alunos procurando desenvolver as suas diferentes potencialidades, através de uma prática de ensino flexível e diferenciada que busca o melhor de cada um sem fórmulas de ensino ou propostas pedagógicas de ensino apartado (NERI, 2003, p. 111).

Outras Declarações e Convenções mundiais também se referem à dignidade das

pessoas com deficiência, como a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) ou a Convenção

dos Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2008) que prevê, por exemplo, a igualdade de

oportunidade e acessibilidade a todas as pessoas, sem discriminação de condições especiais.

No nosso país, temos inúmeros instrumentos legais que asseguram os direitos das

pessoas com deficiência, entre os quais a própria Constituição Federal Brasileira de 1988, a

Lei 7.853/89, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990), a Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Brasileira (BRASIL, 1996) e as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na

Educação Básica (2001). A Lei 7.853/89, por exemplo, prevê punição para qualquer

impedimento da inscrição de um aluno, em qualquer Escola, por ser deficiente.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica têm como

objetivo orientar os sistemas educacionais acerca da educação de alunos com necessidades

educacionais especiais em salas comuns das escolas da rede regular; e oferecer subsídios para

a constituição das diversas modalidades de atendimento (atendimento especializado,

hospitalar e domiciliar) ao estudante com deficiência. A RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, de

11 de Fevereiro de 2001 estabelece que:

Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001, p. 69) Mais uma vez, a lei compromete as escolas para se estruturarem para o cumprimento

das leis. O avanço na legislação deveria representar um avanço na inclusão de pessoas com

deficiência nos sistemas educacionais; porém, apesar de todo o conjunto legislativo edificado

nas últimas décadas, a realidade e os dados disponíveis revelam que, para a grande maioria da

população, as leis e os procedimentos legais não são conhecidos e, consequentemente, os

direitos das pessoas com deficiência continuam sendo violados, e uma das violações é a não

inclusão escolar.

É importante evidenciar, portanto, que a “Escola inclusiva”, necessariamente, deve

adotar práticas docentes críticas e sensíveis às diversidades da condição humana para que

possam contribuir para o empoderamento20 da pessoa deficiente. Daí, a ideia de que a

comunidade escolar se constitui como condutora/mediadora da construção intelectual e da

inserção social dos deficientes: todos aprendem juntos, independentemente das dificuldades

e/ou diferenças que apresentam; as “diferenças não incapacitam ou inferiorizam as pessoas,

mas, pelo contrário, oportunizam a todos a vivência do trabalho compartilhado”

(ANDI/BANCO DO BRASIL, 2003, p. 66). A perspectiva de ensino é, portanto, a das

diversidades da condição humana.

A partir ainda das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,

é possível compreender ou aprofundar um dos aspectos relevantes sobre deficientes. Estas

Diretrizes consideram educandos com necessidades educacionais especiais, entre outros,

aqueles que apresentam “dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo 20 Entendemos empoderamento como a ação que possibilita tanto a aquisição da emancipação individual, quanto a consciência coletiva necessária para a superação da dependência social e/ou dominação política. A aquisição da crítica-ação frente à realidade, aos obstáculos sociais e à discriminação.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares” (Artigo I),

tanto vinculadas a uma causa orgânica como relacionadas a determinadas situações e limites

emocionais ou econômicos.

Fazem parte destes grupos de estudantes aqueles excluídos por não corresponderem a

um ritmo e/ou forma de aprendizagem padrão; são alunos estigmatizados com observações

elaboradas pelos colegas e educadores como “este aluno é lento”; “esta aluna tem anomalia

cognitiva”, entre outros.

Este tipo de diversidade passa por todas as reflexões aqui já elaboradas: de um lado, a

legislação que embasa a superação de preconceito e a inclusão das crianças e adolescentes, e,

ainda, ações e estudos que buscam superar as exclusões; de outro, as resistências para a

inclusão, as discriminações e concepções equivocadas sobre os padrões estabelecidos, a falta

de preparo da Escola para lidar com estes tipos de diversidades. Porém, há também crianças e

adolescentes que não são, a priori, consideradas deficientes no sentido da deficiência física

e/ou acentuada, mas apresentam dificuldades ou diferenças21 no processo de ensino-

aprendizagem considerado padrão. Como lidar com a situação?

Os professores da Educação Básica, em geral, ou declaram-se despreparados para lidar

também com a situação, ou culpam a família, a comunidade escolar, a falta de estrutura da

Escola, a falta de apoio, entre outras justificativas, e não percebem, muitas vezes, que o

fracasso escolar de alunos abrange tanto os alunos deficientes quanto os considerados

normais. Precisamos nos diagnosticar. Se a perspectiva de ensino-aprendizagem e de Escola

é a promoção da inclusão das diversidades do humano, é preciso que estejamos atentos aos

desenvolvimentos das potencialidades individuais (suprimir) de cada indivíduo. Eis uma

questão complexa que envolve auto-análise, sensibilidade e aprendizagem de novos

paradigmas. Esse talvez seja um dos grandes desafios do trabalho sob a perspectiva da

inclusão social.

Estar atento à diversidade cognitiva dos educandos é função do professor e da Escola

como um todo. Para tal função, não é necessário desenvolver mais trabalho do que o

planejado por parte dos docentes; a prática reflexiva e o exercício da docência com

planejamento podem identificar e valorizar essas diversidades sem que seja de modo negativo.

21 Crianças podem ter dificuldade ou deficiência para alguns tipos de aprendizagem, mas facilidade para outros que, muitas vezes, não conhecemos. A diferença de aprendizagem é no sentido de perceber que, além de conteúdos convencionais, uma criança pode aprender outros conteúdos importantes para a sua vida; ou seja, temos que superar hierarquizações tradicionais de conteúdos a serem aprendidos e perceber e respeitar a diversidade.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

A diversidade cognitiva dos educandos no ambiente escolar e de sala de aula não deve sofrer

rotulações: “ele/a não acompanha o ritmo da sala”. No processo de ensino-aprendizagem, a

homogeneização não é um bom parâmetro, pois exclui, a priori, as diferenças intrínsecas aos

seres humanos.

O diagnóstico de uma criança e/ou um adolescente com diferença de aprendizagem

não se faz, muitas vezes, de forma imediata, e quando se faz, comete-se equívocos. O

primeiro deles, e mais comum, segundo Carvalho (2009), é o caráter de triagem e

estigmatização sobre a criança. Ou seja, avalia-se o aluno de forma negativa, tentando-se

justificar uma exclusão, como a transferência de crianças e/ou adolescentes para outro tipo de

Escola ou sala de aula. É claro que o diagnóstico é importante, mas deve servir para

encontrarmos estratégias de inclusão.

Outra questão a ser observada é sobre a avaliação de desempenho, de aferição de

aprendizagem, deste tipo de aluno. A avaliação de desempenho e de aferição de aprendizagem

implica, portanto, a não homogeneização do processo de aprendizagem e, uma vez

diagnosticada a diversidade cognitiva, a proposta avaliativa, de acordo com o diagnóstico,

deve ter objetivos claros. O que se espera de cada aluno sempre diferente, embora

elaboremos avaliações generalizantes. E, além disso, toda avaliação deve ser sempre

analisada, e questionados os seus resultados, mas não no sentido de desqualificar aqueles com

diversidades cognitivas, e sim no sentido de identificar os progressos e as aquisições

intelectuais desses educandos . Na verdade, nós educadores sabemos que o processo

avaliativo é uma etapa complexa para qualquer um, porém é possível.

É importante destacar que, para lidar com todos estes tipos de deficiência e diferenças

de aprendizagem, muito se tem pesquisado e produzido sobre isso. Segundo Carvalho,

Educadores que se dedicam aos estudos sobre avaliação têm produzido vasta e excelente literatura a respeito, na qual se evidencia a importância de avaliar para se dispor de subsídios para o planejamento e para as mudanças que as escolas necessitam. Avaliar para transformar e não para rotular. E muito menos para colocar o aluno, e apenas ele, como seu foco (2009, p. 128).

Estas diversidades são complexas na sua compreensão e ação, pois envolvem

mudanças de paradigmas pedagógicos e estruturais profundas. Seria muito simplista supor

que a leitura sobre cada tipo de deficiência será suficiente para se iniciar um processo de

inclusão social na Escola. Igualmente ingênuo pensar que, para a inclusão, basta a

conscientização de professores e alunos.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

Na verdade, é um conjunto de elementos que propiciar a diminuição da exclusão

escolar. Necessitamos de condições estruturais e econômicas adequadas, tanto em relação à

estrutura física da Escola – banheiros, salas, corredores, acessos em geral, pisos etc. - quanto a

pessoas especializadas – fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas etc. – para o apoio ao

professor. Além disso, o próprio profissional da educação necessita de formação continuada e

melhores salários. Porém, o que se acredita é que, embora estas condições básicas ainda não

se encontrem na maioria das escolas, nós educadores não devemos nos eximir desse estudo,

pois ele pode nos ajudar a reivindicar melhores condições para os próprios alunos de nossa

comunidade escolar.

Certamente, ainda vamos precisar de algum tempo para que todos, do porteiro da

Escola até os gestores em geral, se comprometam, de fato, com uma Escola democrática e

inclusiva. Mas o trabalho com a diversidade requer, de imediato, mudanças de postura, como

a predisposição para estudar, compreender e realizar ações pedagógicas que possibilitem o

início das mudanças. Aprendemos a planejar sob a hegemonia do que consideramos padrões

de normalidade, e estes padrões são construções sócio-históricas a serem repensadas e

reelaboradas, pois a atual conjuntura demanda a percepção da pluralidade e diversidade

social.

Chamamos aqui, portanto, os educadores em geral para iniciarem estas reflexões para

as primeiras ações de mudança, tendo como perspectiva alguns objetivos: que tanto os

professores quanto os alunos percebam que o padrão de normalidade é passível de

reflexão e reelaboração; que deficiência física não é sinônimo de incapacidade de

aprendizagem; que existem diversas formas, dimensões e necessidades de aprendizagem; que

as dimensões de diferenças ou deficiências (sensorial, psicológica, física, emocional etc.) são

relativas aos objetivos propostos pela comunidade escolar; que todos temos potencial para

viver e conviver socialmente de forma inclusiva, ou seja, sem sofrer e sem fomentar

preconceitos.

8.5 Diversidade Religiosa

4.1 A educação é o meio mais eficaz de prevenir a intolerância. A primeira etapa da educação para a tolerância consiste em ensinar aos indivíduos quais são seus direitos e suas liberdades a fim de assegurar seu respeito e de incentivar a vontade de

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proteger os direitos e liberdades dos outros. (UNESCO, 1997)

Justiça, democracia, liberdade, igualdade e fraternidade: lemas e objetivos para uma

sociedade que sonhamos promover. Mas como alcançá-la se não aceitamos a diversidade? De que liberdade se fala se não há respeito pela liberdade de crenças? O que é crença?

Crer pode ser uma convicção íntima, independente de uma fé religiosa, como também é uma convicção religiosa, ou seja, é ato de confiança no que nos foge à apreensão e ao imanente, ter fé é crer.

A crença, no campo religioso (BOURDIEU, 1974), é ação subjetiva de compreender o sagrado, ou seja, é o ato de vontade dos sujeitos colocarem-se propensos ao transcendente, que pode ser uma representação simbólica ou uma convicção doutrinária filosófica.

Nesse recorte, estamos falando de categorias abstratas, de difícil definição, cujos conceitos são construídos de forma diferenciada de acordo com as experiências humanas que se distinguem no tempo e no espaço.

Fé, crença, religião ou religiosidade são construções culturais, portanto, plurais. Se cada sociedade tem seu processo sócio-histórico com suas particularidades, construindo seus ritos, interditos e dogmas específicos, em campo tão diverso como o religioso, não se pode reivindicar uma homogeneidade, uma uniformidade religiosa ou de religiosidades em nossa sociedade de constituição tão plural. Então, como impor a um determinado grupo experiências vividas por outro?

É nesse eixo que se cruzam a diversidade e a tolerância positiva, de acordo com Norberto Bobbio (2002), quando este disserta sobre as formas de tolerar e aponta sua interpretação na mesma direção da Declaração de Princípios sobre a Tolerância (UNESCO, 1995).

1.2 A tolerância não é concessão, condescendência, indulgência. A tolerância é, antes de tudo, uma atitude ativa fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro. Em nenhum caso a tolerância poderia ser invocada para justificar lesões a esses valores fundamentais. A tolerância deve ser praticada pelos indivíduos, pelos grupos e pelo Estado. (UNESCO, 1997).

Esta concepção sobre tolerância, que pode ser denominada de “positiva”, aproxima-se

da concepção de respeito defendida neste documento. Portanto, é importante destacar que a

tolerância, que podemos denominar de “negativa”, é a que pode simular a aceitação do que é

diferente. Este entendimento está posto no quadro de conceitos acima.

Os preconceitos velados também são fruto de nosso processo histórico. Desde a

colonização, as justificativas para a submissão de povos criam e recriam conceitos e

preconceitos sobre a submissão de povos. No processo da formação de identidade do Brasil,

não foi diferente. A Igreja Católica, uma das principais Instituições da metrópole colonizadora

no Brasil, imprimiu aqui suas concepções particulares (cristãs) sobre os povos indígenas e os

africanos (não cristãos) que para cá vieram. Outras teorias posteriores colaboraram, direta ou

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

indiretamente, para as permanências de preconceitos socioculturais, ao construírem

abordagens parciais sobre a nossa História.

Assim, é preciso que a Educação garanta às várias gerações o acesso à sua própria

História para eliminação de toda e qualquer forma de discriminação e exclusão do outro por

motivo religioso.

O proselitismo sectarista, o desconhecimento acerca de religiões não hegemônicas e o

desrespeito às mesmas são atitudes que geram conflitos, que contradizem parte dos próprios

discursos religiosos. Igualdade, justiça e fraternidade, defesa da vida incondicional são

ideias/palavras/imagens que circulam e são constantemente veiculadas na mídia através de

discursos políticos e religiosos, predominantemente, por grupos hegemônicos.

Muitos representantes de nossas religiões hegemônicas no Brasil/Paraíba pregam, em

sua maioria, a paz. Mas que tipo de paz estas pessoas desejam? Aquela que silencia a

diversidade? Paz não é sinônimo de silêncio, não pode se efetivar através de uma única forma

de pensar, de ver o mundo. Ela compreende o conviver com o diverso de forma respeitável.

Estas questões são de extrema importância, pois a religiosidade compreende um

aspecto aparentemente intrínseco aos grupos sociais humanos. Mesmo em lugares onde ateus,

agnósticos, materialistas, entre outros, não são hegemônicos.

Diversidade Religiosa

Diversidade não é um conceito, mas uma construção a partir de experiências

percebidas/vividas no cotidiano. Está presente nas relações dos sujeitos com seus conflitos e

tensões.

Nessa perspectiva, a diversidade sempre esteve presente na história do ser humano,

contudo, como os discursos hegemônicos dominaram por séculos as formas e meios de

transmissão de conhecimento, disseminando dogmas preconceituosos com seus “–centrismos”

(BASTOS, 2009), relegaram-se outras formas de religiosidade à marginalidade, com atributos

pejorativos, desqualificadores.

Hoje a diversidade religiosa pode ser observada em números, de acordo com os dados

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000), que mostram: católicos

somam 124.976.912 de adeptos; evangélicos: 26.166.930; espíritas: 2.337.432; umbandistas e

candomblecistas: 517.239; judeus: 101.062; Religiões Orientais: 427.449; “Outras”:

2.118.055; Sem religião: 12.330.101; Não determinada: 382.489.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

Todavia, é preciso verificar que o IBGE não faz o levantamento do trânsito dos

sujeitos entre as religiões. Ou seja, muitas vezes, os que afirmam ter um determinado credo

frequentam espontaneamente outras religiões praticando e/ou prezando seus ritos.

Esse fenômeno de trânsito é recorrente entre grupos hegemônicos e não hegemônicos.

Por exemplo: dizer-se cristão não significa que seja apenas cristão ou que pratique apenas o

cristianismo.

Essa é uma observação importante para se compreender as vivências cotidianas.

Muitas vezes, pessoas que frequentam outros cultos não assumem fazê-lo, pois há um forte

preconceito contra outras formas de religiosidade ou outras crenças e religiões.

A religião não é científica, não pode ser medida, mensurada, é um campo axiomático.

Mas, os fatos religiosos, enquanto expressões e representações culturais com suas práticas

concretas, compreendem um panorama complexo, híbrido e plural e devem ser estudados pelo

campo legítimo para análise, teses e antíteses – a educação.

Podemos dizer que a diversidade religiosa corresponde à pluralidade étnico-cultural,

uma vez que grupos humanos sofrem processos histórico-culturais diferenciados, elaborando

sua cultura, suas próprias crenças, as quais, em convivência com outras, se re-elaboram.

Assim, a religiosidade é sincrética, é um dos elementos representantes das culturalidades

nacionais e da PARAÍBA.

8.5.1 A Laicidade e a Diversidade Religiosa

A proposta deste documento parte do princípio constitucional da laicidade da

instituição escolar, ou seja, a Escola é por princípio um espaço em que há religiosos e/ou

arreligiosos – termo este derivado de “arreligião” que designa aqueles que não têm ou não se

interessam por religião alguma - os quais devem ser igualmente respeitados, aceitos e não

discriminados22.

Como afirma a Declaração Universal da Laicidade no Século XXI (2005), no seu

artigo 4º, a laicidade é “a harmonização, em diversas conjunturas sócio-históricas e

geopolíticas”. Este congraçamento tem por base o “respeito à liberdade de consciência e à sua

prática individual e coletiva; autonomia da política e da sociedade civil com relação às

22 Mesmo em uma Escola confessional, o aluno não pode ser rejeitado por ter outra religião e/ou não querer participar de atividades religiosas. Qualquer constrangimento é considerado ato ilegal.

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RCEF 2010 /Diversidade Sociocultural

normas religiosas e filosóficas particulares; nenhuma discriminação direta ou indireta contra

os seres humanos”. (ONU, 2005).

É preciso uma visão mais ampla ao tratar-se de laicidade, pois como afirma Marília De

Franceschi Neto Domingos

A defesa da escola laica não é um ataque à religião, às crenças ou aos cultos. Também não é uma tentativa de transformar a escola pública em uma instituição atéia ou contra a religião. Trata-se de garantir a neutralidade confessional do ambiente escolar, levando-se em conta que não compete ao Estado, mas à família, a escolha sobre a orientação religiosa que deve ser dada aos seus membros (2010, p.242).

A laicidade proposta aqui não tem como objetivo eliminar a prática do estudo dos

fatos religiosos na Escola, mas sim, tratar a disciplina, denominada Ensino Religioso, como

uma área de conhecimento capaz de fazer compreender a diversidade religiosa, sua dimensão,

suas garantias e seus direitos.

Embora a legislação denomine esta disciplina de Ensino Religioso, é preciso destacar

que é uma terminologia

[...] presente no inconsciente coletivo recente da sociedade com uma configuração pré-determinada, concebida como meio inequívoco de pregar ao “a-luno” um determinado credo, legado da herança dos conflitos e acomodamentos entre Estado e Igreja, meio impeditivo de conhecer e analisar a diversidade cultural de outros povos (BASTOS, 2009, p.04).

Dessa forma, a proposta é garantir à Escola e ao educador perceber a necessidade de

apoderar-se da autonomia do campo educacional legada para formar um cidadão apto a viver

em harmonioso respeito a partir da compreensão do outro, eliminando todas as formas de

ignorância que levam ao preconceito e à discriminação.

Essa responsabilidade do educador não se restringe ao professor da disciplina

denominada Ensino Religioso, mas compete a todos os educadores e a todos nós, pois todos

somos sujeitos – observadores e observados.

Dessa maneira, é nesse momento que os princípios religiosos, para quem os tem,

podem fazer de seus dogmas e de seus valores lentes para o espectro23 do preconceito, da

intolerância, do desrespeito, da discriminação de grupos hegemônicos e não hegemônicos, uns

23 Compreende-se por espectro “aquilo que constitui ameaça”.

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sobre os outros, de acordo com interpretação de Wallace Ferreira de Souza, apresentada

nestes Referenciais Curriculares para o Ensino Religioso da Paraíba.

Por fim, não nos cabe e não nos é permitido levar o individual e o coletivo – crença e

fé – à Escola através dessas preferências e transmiti-las ao aprendente, mas preservar a Escola

como bem público, do povo e para o povo, e isso significa: o meio através do qual a

diversidade se presentifica e deve ser reconhecida para que a riqueza cultural do nosso país

seja mantida. Isto significa a predisposição em conhecer o outro e respeitá-lo em suas crenças,

religiões, religiosidades ou ateísmos.

Reflitamos então: “não haverá Paz verdadeira até que todos os grupos e comunidades

reconheçam a diversidade de culturas e religiões da família humana, dentro de um espírito de

respeito mútuo e compreensão” (BRASIL, 2004).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ilberto Gil, músico, compositor, cantor, político e então Ministro da Cultura

do Brasil, na Revista Palmares de agosto de 2005, editada virtualmente pelo

Ministério da Cultura, utiliza como mote de sua reflexão sobre diversidade

brasileira “a clássica exortação de Cazuza”: “Brasil, mostra a sua cara!”. A “cara” do Brasil,

segundo Gil, é múltipla, plural: “O Brasil tem a cara de todos os povos que o compuseram.”

A essa afirmação de Gilberto Gil, poderíamos acrescentar: sob todas as formas de ser e

de se representar, o Brasil é o país das diversidades física, religiosa, racial, linguística, sexual,

de gênero, regional; e das diversidades dentro da diversidade (territorial); da “diversidade da

normalidade” ou poderíamos chamar de “normalidades”?

Este é o papel da Escola: considerar a liberdade de ser para conviver. A Escola por

princípio é laica, portanto, democrática; laica, portanto, plural. O que tanto se fala sobre

conteúdos, objetivos e princípios atitudinais nada mais é do que o respeito pelo outro, a busca

de sua compreensão, a luta por direitos, o enfrentamento de conflitos - estes sempre existirão,

pois são necessários como motores da história. A busca do real sentido da paz, que muitas

vezes é confundida com preconceitos escondidos e disfarçados, subserviência, acomodação,

tolerância - e não respeito e aceitação - passa pelo enfrentamento do diverso.

A educação é instrumento mestre na luta em favor das igualdades. Lutas que

representam a fraternidade e o respeito. A fraternidade é união por lutas coletivas, é a partilha,

é a igualdade e não a solidariedade paliativa, comiserante. Nós como educadores do Brasil/PB

G

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temos de abandonar a posição de vítimas que incorporamos nas últimas décadas. Realizar

aqui, agora, cotidianamente, de forma fraterna, unidos por um objetivo: a transformação de

nossa educação. Este é o desafio!

REFERÊNCIAS ANDI & FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL. Diversidade: mídia e deficiência. Brasília, 2003. ANDRADE, Fernando C. B. de; CARVALHO, Maria Eulina P. de; MENEZES, Cristiane Souza de (Org.). Equidade de Gênero e Diversidade Sexual na Escola: por uma prática pedagógica inclusiva. João Pessoa: Ed. Universitária/UFPB, 2009. AQUINO, Julio Groppa (org.). Sexualidade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997. BAGNO, Marcos. Preconceito Lingüístico. O que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. BASTOS, Verioni Ribeiro. Ensino Religioso: a natureza de um equívoco etimológico. Anais do III Simpósio sobre Religiosidades, Diálogos Culturais e Hibridações. Campo Grande – MS, 2009, p. 1-08. BENTES, Anna Cristina e MUSSALIN, Fernanda (Orgs). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras, v. 1, 1ª. ed. São Paulo: Cortez, 2001. v. 3. 270 p. BOBBIO, Norberto. Elogio da serenidade. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Unesp, 2002. BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em Língua Materna. A sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1974. BOY, Priscila Pereira. Inquietações e Desafios da Escola. Inclusão, violência, aprendizagem e carreira docente. Ed. Wak Editora, 2010. BRASIL. Diversidade religiosa e direitos humanos. Cartilha sobre Diversidade religiosa e direitos humanos. Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. (2004.). ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Gênero. Brasilia: MEC/SEF, 1998, p. 285 – 336. ______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Orientação Sexual. Brasilia: MEC/SEF, 1998.

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Esta listagem contempla indicações sites para pesquisa e de instituições que trabalham na luta pela Educação de qualidade e inclusiva. O nosso objetivo é propiciar caminhos para aprimoramento de nosso trabalho. Vale lembrar que este documento também indica uma variedade de leituras em diversos suportes, tanto convencional como virtual.

1. João Pessoa – PB

Movimento Negro de João Pessoa – MNJP. O MNJB é a união de diversas organizações negras: comunidades descendentes de antigos Quilombos (Caiana dos Crioulos, Zumbi etc.), grupos artísticos (Banda Ylê Odara, Bateria Show da Escola de Samba Malandros do Morro, Grupo de danças Afroprimitivas, Grupos de Hip-hop...), grupos de formação (alfabetização, reflexão, professores, intelectuais negros e outros), grupos de arte marcial (Badauê dos Palmares, Afronagô e outros), entidades de articulação e luta em defesa dos direitos da etnia negra (Movimento da Ação Negra e Agentes de Pastoral Negros), grupos de gênero (Mulheres Negras, Mulheres Negras da Liberdade, etc.), comunidade de Religião dos Orixás (terreiros), dentre outras formas de organização. O MNPB está atuando, com representantes, nas seguintes localidades: João Pessoa, Santa Rita, Gurinhém, Alagoa Grande, Santa Luzia, Pombal, Catolé do Rocha, Campina Grande, Cabedelo e em outros municípios. Em alguns deles, está também na zona rural como em Alagoa Grande (Caiana dos Crioulos e Zumbi), Pombal e Catolé do Rocha (Lagoa Rasa), e exclusivamente na zona rural em São Bento, no povoado de Vertente. A atuação do MNPB também se estende ao Rio Grande do Norte (Alexandria e Mossoró). Cunhã Coletivo Feminista

A Cunhã Coletivo Feminista é uma organização não governamental, criada em 1990, localizada na cidade de João Pessoa, PB, Brasil. Trabalha na defesa e promoção dos direitos da mulher, jovens e adolescentes com enfoque de gênero e cidadania, nas áreas de saúde, sexualidade, direitos reprodutivos, violência contra a mulher e desenvolvimento sustentável. Adotou como estratégicas as áreas de formação, articulação política e comunicação, visando contribuir para a melhoria das políticas públicas voltadas para mulheres, jovens e adolescentes, para a equidade das relações de gênero e para a democratização dos direitos humanos e sociais. Endereço: Av. João Machado, 510

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Centro, João Pessoa, PB +55 (83) 3241 5916

2. SITES GOVERNAMENTAIS Ministério da Cultura www.cultura.gov.br Secretaria Especial dos Direitos Humanos www.presidencia.gov.br/sedh Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racia www.presidencia.gov.br/seppir Ministério da Educação www.mec.gov.br PAR http://gestao2010.mec.gov.br/indicadores/chart_32.php Ministério do Desenvolvimento Agrário www.mda.gov.br Rede de Direitos Humanos http://www.dhnet.org.br/educar/dados/index.html http://www.dhnet.org.br/redebrasil/index.htm http://www.dhnet.org.br/tecidocultural/index.htm http://www.dhnet.org.br/memoria/comissoes/index.htm Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária www.incra.gov.br Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) www.secad.to.gov.br Fundo das Nações Unidas para a Infência Unicef (United Nations Children's Fund) www.unicef.org/brazil Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) www.ipea.gov.br Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) http://www.unifem.org.br Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

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www.ibge.gov.br Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) www.dieesse.org.br Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Ipahn) www.iphan.gov.br 3. CENTROS DE PESQUISA E NÚCLEOS DE ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS Alagoas Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) www.neab.ufal.br Amazonas Universidade do Estado do Amazonas www.uea.edu.br Bahia Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO/UFBA) www.ceao.ufba.br Centro de Estudos das Populações Africanas, Indígenas e Americanas da Universidade do Distrito Federal Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB) www.unb.br Goiás Programa Passagem do Meio da Universidade Federal de Goiás (UFG) www.ufg.br Maranhão Centro de Ciências Humanas do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) www.ufma.br Mato Grosso Comissão para Elaboração do Programa Institucional Cores e Saberes da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat) www.unemat.br Mato Grosso do Sul Núcleo de Estudos Étnicos-Raciais Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) www.uems.br Estado da Bahia (Uneb). www.uneb.br

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Núcleo de Estudos Afro-Baianos Regionais da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) www.uesc.br Minas Gerais Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e Programa Ações Afirmativas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). www.ufmg.br Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) www.uemg.br Pará Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (UFPA) www.ufpa.br/naea Paraná Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Paraná (UFPR) www.neab.ufpr.br Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Estadual de Londrina (UEL) www.uel.br Rio de Janeiro Programa de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira da Universidade Federal Fluminense (UFF) www.uff.br Programa Políticas da Cor na Educação Brasileira da Universidade Estadual do Rio de Janeiro www.uerj.br Rio Grande do Sul Centro de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) www.ufrgs.br/alaspoa Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) www.ufsm.br Santa Catarina Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) www.ufsc.br Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) www.udesc.br São Paulo Núcleo de Pesquisa em Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro da Universidade de São Paulo ( NEINB/USP)

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www.usp.br Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) www.ufscar.br Núcleo Negro da UNESP para Pesquisa e Extensão da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP www.unesp.br/nupe 4. IMPRENSA NEGRA Afirma Revista Eletrônica On-Line www.afirma.inf.br Portalafro www.portalafro.com.br Agência Afro-Étnica de Notícias www.afropress.com Mundo Negro www.mundonegro.com.br Eparrei On-Line www.casadeculturadamulhernegra.org.br/revista_eparrei.htm Observatório Quilombola koinonia.org.br/oq 5. PESQUISADORES NEGROS Mulheres Negras - do umbigo para o mundo www.mulheresnegras.org 6. MUSEUS Museu Afro-Brasileiro da Bahia www.ceao.ufba.br/mafro Museu Afro Brasil www.museuafrobrasil.prodam.sp.gov.br 7. BLOCOS CARNAVALESCOS Associação Bloco Carnavalesco Ilê Ayê www.ileaiye.com.br Malê Debalê

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www.maledebale.com.br 8. DEFESA E APOIO DOS DIREITOS DAS COMUNIDADES QUIL OMBOLAS Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Maranhão (ACONERUQ) www.gta.org.br Comunidades Quilombolas Comunidade Remanescente do Quilombo de Conceição das Crioulas/PE www.imaginariopernambucano.com.br/areasdeatuacao_conceicaodacrioulas.shtml Comunidade Kalunga/GO www.comunidadeskalungas.pop.com.br 9. INDÍGENAS www.museudoindio.gov.br/IMG/CS/jornal_site_n03.pdf

Comissão Pró-Índio de São Paulo www.cpisp.org.br/terras Povos indígenas e tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade - http://books.google.com.br/books?id=-XCZDv9abG0C&pg=PA125&lpg=PA125&dq=institui%C3%A7%C3%B5es+culturais+governamentais+que+tratam+da+diversidade+IND%C3%8DGENA&source=bl&ots=YMzBEhoXEN&sig=orSwNaKa4rlcsn0LoZOPPuoQA-8&hl=pt-BR&ei=leEMTeGoCcKBlAeapeS9DA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=2&ved=0CB8Q6AEwATgK#v=onepage&q&f=false Instituto Sócio Ambiental (ISA) www.socioambiental.org www.amazonia.org.br - http://74.52.9.3/guia/detalhes.cfm?id=24745&tipo=6&cat_id=43&subcat_id=179 10. OUTROS SITES Portal Afro www.portalafro.com.br IBRAD - Instituto Brasileiro de Administração para a Aprendizagem www.ibrad.org.br/site

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Koinonia - Presença Ecumênico e Serviço www.koinonia.org.br Fala Preta www.falapreta.org.br Qualiafro - Inserção de Profissionais Negros e Afrodescendentes no Mercado de Trabalho www.qualiafro.com.br Mundo Negro www.mundonegro.com.br Afrobras www.afrobras.org.br Ilú Obá de Min www.iluobademin.com.br Povo de Ketú - Associação Portuguesa de Cultura Afro-Brasileira www.apcab.wordpress.com 11. GRUPO DE TRABALHO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA DO BRASIL (GTDL) http://www.google.com.br/search?q=institui%C3%A7%C3%B5es+culturais+governamentais+que+tratam+da+diversidade+IND%C3%8DGENA&hl=pt-BR&client=firefox-a&rls=org.mozilla:pt-BR:official&prmd=ivns&ei=DeEMTYGqOMWclge75s27DA&start=10&sa=N

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