Razão e linguagem, modelo de base da gramática transcendental na doutrina kantiana do uso das...

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Tradução do capítulo ‘Vernunft und Sprache, Grundmodell der transzendentalen Grammatik in Kants Lehre vom Kategoriengebrauch’, pp. 44-61, do livro Urteilskraft und Vernunft, Kants ursprüngliche Fragenstellung, Suhrkamp Verlag Frankfurt am Main, 1989.

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Razão e linguagem, modelo de base da gramática transcendental

na doutrina kantiana do uso das categorias1

Manfred RIEDEL

Tradução de César Romero Fagundes de Souza*, 1997

e-mail: [email protected]

Se, para a 'Crítica da razão pura', cabe ou não à linguagem uma função fundamental, esta questão

parece ser claramente decidível. A crítica de Kant trata da razão pura, que se constrói no poder a

priori da sensibilidade e do entendimento. Em comparação com ela, as relações formais do espaço,

do tempo e das categorias examinadas por Kant, consideram a linguagem quase como um poder a

posteriori —uma coisa do acaso, que nem sequer pela introdução do poder da imaginação, mediador

entre a sensibilidade e o entendimento, é considerada. Para a concepção mais atual nisso consiste

justamente o defeito do pensamento de uma constituição transcendental da experiência. Enquanto

Kant lida apenas no nível da linguagem-objeto, ele fala sobre intuição, imaginação e entendimento,

sem interrogar outra vez aí a possibilidade dessa linguagem, meta-linguagem, como se costuma

dizer. O que a filosofia transcendental perde é o fato da linguagem, que não pode ser igualmente

''puro'' como a razão e justamente por isso a Crítica é pobre. Regresso à linguagem! é por

conseguinte o lema geral que a crítica da razão contrapõe.

A frase não é nova. Ela articula um embaraço da filosofia desde seu começo, que com a dupla

interpretação da palavra grega 'logos' está associada. Nós gostaríamos de nomeá-la o problema

esotérico da relação razão e linguagem. Com isso não pensou que somente um círculo de

conhecidos fosse acessível, que este problema artificial produz, enquanto ele se isola para fora daí,

para a capacidade da linguagem ordinária e para a linguagem dos homens. Como razão e linguagem

se relacionam uma com a outra, é antes, desde a nomeação socrática do logon didonai, um

problema filosófico, provavelmente o problema central da filosofia. Em todo o caso, ele não

desempenha um papel assim, tal como se coloca na atividade filosófica, em nenhuma de nossas

atividades familiares. Todas as atividades dos homens, inclusive o conhecimento, / são ensinadas

para falarem uns com os outros e para se entenderem. É certamente indiscutível que os resultados

científicos têm de ser mostrados por meio da linguagem. Mas nenhum cientista concluirá, do fato da

exposição lingüística, que a linguagem pertença por isso ao problema central da sua disciplina, —

que ela não seja somente um fato empírico, mas um princípio, para falar com Kant: a condição de

possibilidade do conhecimento.

1 Tradução do capítulo ‘Vernunft und Sprache, Grundmodell der transzendentalen Grammatik in Kants Lehre vom Kategoriengebrauch’, pp. 44-61, do livro Urteilskraft und Vernunft, Kants ursprüngliche Fragenstellung, Suhrkamp Verlag Frankfurt am Main, 1989. * Doutorando em Filosofia, PUCRS.

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Como sempre então, quer-se com isto da mais correta atitude: que o autor da 'Crítica da razão pura'

não esclareceu esse problema, sim, passou por alto calado, esta é uma das principais objeções, que

já tinham sido feitas a ele pelos seus primeiros leitores. A crítica da razão de Kant, conforme o

argumento de Herder, que se assemelha também ao de Hamann e Jacob, que não procede de

maneira suficientemente crítica, transcende a linguagem que nós falamos e com isso a condição

fundamental <Grundbedingung> da possibilidade da experiência, que o verdadeiro filósofo crítico

tem de investigar.

O que Herder 20 anos depois do aparecimento da obra de Kant sob o título programático de uma

''Metacrítica'' traz a público, não é senão o próprio argumento do caráter transcendental da

linguagem, que para nós hoje, depois de 200 anos ocupados com interpretações da Crítica da razão

pura, em geral ocorre. A opinião dividida tanto da filosofia analítica como da filosofia

hermenêutica é que as condições de possibilidade da experiência não são encontradas na

combinação regulada e compreendida racionalmente por intuição e categoria, mas em um jogo

lingüístico articulado de ambas, que enquanto tal permanece apenas racionalmente relativo, i.e.

regulável e compreendível. A razão é mais propriamente ainda limitada; ela tem de aparecer, ou

seja, na linguagem, que está transcendentalmente diante de toda a aparência e pensamento. Se a

filosofia transcendental investiga as condições de possibilidade da experiência, / ela só pode tomar a

forma da filosofia da linguagem. A crítica e a hermenêutica da linguagem entram nesse momento na

posse da crítica da razão kantiana.

A reivindicação levantada aqui é tão extensa como ambígua. Em Herder já se apresenta com a frase:

regresso à linguagem! a esperança de uma ''filosofia efetivamente primeira e última'', —da

dominação da metafísica da razão pura através de uma ''linguagem pura do entendimento

reconhecido'', da qual toma a condição interpretativa hermenêutica. E Herder combina com isto o

mesmo juízo sobre Kant, que se expressa, extremamente confessado ou discreto, na atual mudança

para a crítica da linguagem: que a KrV não seja mais filosoficamente abandonada no tempo, através

da descoberta do caráter transcendental da linguagem. Um trabalho semelhante pode ser de

interesse mais histórico do que prático. Para citar mais uma vez Herder, é um ''monumento do

tempo'', que descreve com um método de filosofar tornado prematuro o ''modelo de versificação

artística'', —uma rede de termos artificiais sem apoio da linguagem corrente

<umganssprachlichen>.

A objeção, [de] que Kant terminologiza inutilmente a linguagem filosófica, atinge certamente mais

o problema esotérico, [acerca de] como a filosofia se comunica com o exterior, i.e. ela tem de

mostrar seu objeto <Sache> lingüisticamente <sprachlich>. Para isso, Kant tinha observado na

Crítica que o filósofo não pretende ser legislador na linguagem, que, em vez de ''forjar novas

palavras'', ele prefere verificar se ele não encontra seus termos, com a respectiva expressão

lingüística adequada, já dados de antemão na tradição. O problema esotérico da exposição

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lingüística da filosofia é adequadamente resolvido pelo significado dos termos reservados já

introduzidos ou, no caso de ele no decurso do tempo se tornar oscilante, se consolida-o novamente.

O mais difícil reside na segunda objeção de Herder, segundo a qual Kant com a orientação do

método transcendental pensou sobre a pureza da intuição, do entendimento / e por último da razão

ao largo da linguagem. Esta objeção parece atingir um fato, que cada leitor da Crítica tem de

reparar que Kant não destacou expressamente a participação da linguagem na formação <Formung>

da experiência possível, quando ele investigou as relações formais da sensibilidade e do

entendimento. E que essa investigação em regra desemboca numa fixação terminológica do uso das

palavras, isso tampouco pode ser uma dúvida. Nós fazemos por isso a objeção, não para deixar

simplesmente à parte, porém para submetê-la a uma prova cuidadosa. Isso deve ocorrer em dois

escritos. Eu inicio com algumas explicações prévias sobre a relação entre razão e linguagem e sua

exposição por Kant (I), para então me ocupar dos tipos de função da linguagem no resultado da

doutrina das categorias, que remete de uma crítica da razão em direção a uma crítica da linguagem

(II).

I

A revisão do argumento da primeira objeção reduz à pergunta: que função da linguagem em geral é

concedida na filosofia crítica. Para esclarecê-la, nós temos aqui que voltar a falar sobre o por mim

acima denominado problema esotérico da filosofia. Sua discussão é até hoje sombreada pela típica

argumentação daquele pensamento que Kant caracterizou como dogmático. Eu me limito à menção

de dois tipos: 1. a nomeação de fundamento último e 2. a distinção entre forma e matéria. A relação

entre <von> razão e linguagem permite portanto em princípio a melhor solução. O que aquela

palavra ambígua quer sempre envolver —a razão, conforme a solução lingüística, é

lingüisticamente condicionada; ela se materializa em atos de fala <Sprechakten> e situações de fala

<Sprechsituationen>, que são relativas a uma comunidade lingüística espaço-temporalmente

determinada. A razão, conforme uma outra solução, que num levantamento da primeira poderia

chamar-se racionalista <rationalistisch>, excede a todos os atos e situações de fala; sua realização

é interlingual, ou seja não necessita de nenhuma comunidade lingüística espaço-temporal. Pela

primeira solução se decidiu a crítica da linguagem e a hermenêutica, enquanto a / segunda, de

acordo com os melhores aportes à especulação do 'logos' grego, predomina na moderna filosofia da

consciência de Descartes a E. Husserl. Ambas são no sentido dogmático, que elas de modo algum

poderiam considerar em seu respectivo princípio outras possibilidades teóricas senão: ou a razão

fundamenta a linguagem ou ao contrário aquela nesta, não existe uma terceira. Embora a solução

lingüística relativize o aspecto da razão e com isso favoreça mais o ceticismo, ela concorda com o

postulado fundamental racionalista. Razão e linguagem se relacionam uma e outra como forma e

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matéria, fundamento e fundamentado. É a relação fundamental do dogmatismo, separar o

condicionado da condição um do outro —uma relação que só é derrubada quando se sai da

incondicionalidade das relações. Que certamente isto ocorre em Kant, que a Crítica aqui marca um

outro começo, eu gostaria de mostrar com meu artigo.

A tese segundo a qual tanto ''razão'' como ''linguagem'' são incondicionadas não considera que

ambas sejam ''sem fundamento'' <unbegründet>. Não condicionado <Unbedingtheit> não é o

mesmo que não fundamentado <Unbegründetheit>. Ela exclui o pensamento-fundamento

<Gründe-Denken> dogmático, o postulado do fundamento último no sentido do moderno

cartesianismo, sem com isso falar da renúncia fundamental <Begründsgverzicht> cética da palavra.

Que a relação seja ''incondicionada'', esta tese considera apenas: que tanto a razão como a

linguagem se fundam em uma relação que por sua vez não se deixa ''fundamentar'', porque ela

representa a condição de possibilidade do fundamento. Eu gostaria de chamá-la de correlação

transcendental entre razão e linguagem, na qual entendo aqui por ''transcendental'': indiferente

perante a distinção entre ''matéria'' e ''forma'', ''fundamento'' e ''fundamentado''. Ela é a base daquela

terceira solução do problema, que nós poderíamos designar de zetética. Eu afirmo que ela existe na

Crítica.

A afirmação pode parecer estranha para aquele que procura no trabalho de Kant um tratamento

explícito dos problemas. Quem espera por isso, pode ser ver frustrado. Daí não se necessita concluir

todavia com Herder e Hamman que a relação entre razão e linguagem seja confusa ou que sua

importância seja subestimada —que a crítica da razão passa ao largo da linguagem. Poderia ser sim

que tenha que ficar em suspenso, porque este é o pressuposto para uma / solução do problema

esotérico: com isso ele, enquanto fundamento, não é jogado de um aspecto para o outro. A solução

do problema zetético pressupõe a crítica do pensamento-fundamento, porque é somente o concurso

da linguagem e da razão que corresponde à estrutura da correlação transcendental e à sua

argumentação típica exigida.

A linguagem conta em Kant entre aqueles conceitos da razão, que dizem respeito diretamente ao

objeto da Crítica e justamente por isso nunca se torna temático. Isto a diferencia de expressões

como ''transcendental'', ''constitutivo'' e ''regulativo'', dos quais o significado é plenamente esgotado

e o uso terminológico é rigorosamente fixado. Como uma distinção adotada na escola

fenomenológica, nós devemos chamá-la de um conceito operativo da razão <operativen

Vernunftbegriff>, o qual pertence à Lógica, que não pode ser expressamente tematizado. Conceitos

se chamam, portanto, operativos, se ela opera de modo atemático. A linguagem é em contrapartida

somente um exemplo, que conduz o modo operativo de funcionar para a atividade da capacidade de

julgar.

A palavra ''exemplo'' é certamente imprecisa, se nós por debaixo disso entendermos que uma

matéria acessível à intuição apresenta ou ilustra diretamente uma outra que não pode ser claramente

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a mesma. A esse respeito a linguagem não é exemplo de outra coisa. Enquanto ela opera, ela sempre

proporciona a si mesma apenas a execução de um juízo em concreto. Justamente nisso consiste seu

caráter transcendental, que Kant reconhece enquanto tal e que analisa através da forma

metodicamente interessante de exemplos, que são derivados do domínio da linguagem. Exemplos

deste tipo jamais dão imagens, mas sempre apenas pré-imagens ou esboços de seus domínios de

origem. Em vez de representá-los diretamente, elas podem somente remeter a eles. O que Kant

chama de ''exemplo derivado'' são em essência modelos, que evidenciam diretamente o modo

diferente de funcionar lingüisticamente da capacidade de julgar. Modelos —Kant evidencia

eventualmente esta expressão, sem precisá-la mais de perto— não são partes nem imagens daquele

ao qual elas se referem. Elas variam seu domínio de origem através de outros critérios, enquanto

elas perpassam as relações formais da / intuição e do entendimento com a forma da atividade da

capacidade de julgar e iniciam assim a possibilidade da determinação categorial.

A Crítica conhece dois modelos semelhantes, que apresentam indiretamente como a linguagem

opera pela atividade da capacidade de julgar no guia transcendental da constituição da experiência

possível. Um destes é o modelo da gramática, quer dizer da regra da qual uma linguagem depende,

o outro modelo, a soletração da palavra e da ordem da palavra, quer dizer do emprego da regra em

caso textual concreto. Para isso vem um terceiro modelo, sobre a idéia transcendental da

constituição do objeto da experiência externa, que conduz ao problema da relação lingüística

correlativa entre capacidade de julgar e razão. É o modelo do interpretar, no qual a leitura é

refletida ou explicada no contexto. Os modelos não são arbitrariamente ordenados. Eles estão um

com o outro numa determinada relação de ordenação, que corresponde, a estrutura da Crítica com

certeza diz, à distinção entre forma da intuição, categoria e idéia. Os primeiros dois modelos se

referem à distinção fundamental para a filosofia crítica como um todo entre o objeto do pensamento

e do conhecimento, que é encontrado no fim do resultado da Estética Transcendental na doutrina

das categorias da Lógica Transcendental; o terceiro esboça a especificidade metódica da

interpretação —a participação de um poder da razão, cujo meio não proporciona mais objetos no

verdadeiro sentido, mas a própria linguagem na sua unidade essencial com a razão. A aceitação do

poder da razão pressupõe que ela se atualize. No caso do pensamento e do entendimento ocorre o

que, naquele modo mais geral da linguagem funcionar, se chama a tradicional ''categoria''. Kant

toma isto do termo introduzido por Aristóteles, para com isso distinguir os conceitos elementares

deduzidos das funções fundamentais da capacidade de julgar. ''Seguindo Aristóteles,

denominaremos tais conceitos categorias na medida em que nossa intenção, em princípio,

identifica-se com a de Aristóteles, se bem que se afaste bastante dele na execução.''.2

Ela é igual,

porque Kant / não entende como Aristóteles sob ''categorias'' palavras que apenas indicam objetos

(como ''água'', ''ouro'', ''raposa''), mas elas enquanto tais caracterizam, —o que, como Kant também

2 B 105 (Tradução brasileira, 1980).

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se expressa, ''constituem um conceito da coisa'' (B 765). A categoria necessita também da intuição

pura, um poder não da razão com certeza, mas da sensibilidade, que tem de se atualizar de maneira

própria. Embora Kant aqui vê no trabalho conceitos caracterizados igualmente (os de ampla

determinação como ''ponto'', ''linha'', ''plano''), eles não são convertidos na forma característica da

linguagem da obscuridade <Unanschaulichkeit>, quer dizer refletidas, entendidas e interpretadas,

mas construídas na intuição. A ''Construção'', a apresentação de conceitos na intuição, é o modo de

funcionar do Matemática, que é uma ''linguagem'' somente no sentido transferido. A Matemática é

conhecimento racional da construção dos conceitos (B 741). Isto a distingue não só das ciências

normativas como ''Ética'', ''Jurisprudência'' e ''Política'', como também da Filosofia. Enquanto

''conhecimento racional por conceitos'' eles não são apenas lingüisticamente compostos, mas são

indicados pela correlação transcendental entre razão e linguagem na execução dos juízos. Ela está

na origem daqueles três modelos e dos seus correspondentes atos de pensar, conhecer e interpretar.

A definição de ''pensar'', que Kant dá na Crítica, é totalmente orientada para o contraste [em

relação] à ''intuição''. Kant diz, no início da Lógica Transcendental com aquela locução

antropológica ambivalente, que não são nem empírica bastante nem apoiada transcendentalmente,

que a ''nossa natureza é constituída de um modo tal que a intuição não pode ser senão sensível, i.e.

contém somente o modo como somos afetados por objetos. Frente a isto, o entendimento é a

faculdade de pensar o objeto da intuição sensível.''3. Pensar, o poder do entendimento, quer dizer o

mesmo que atualizar conceitos, o que se dá sobre a função de julgar. O que esta atualização

normalmente lingüística executa e que em geral todas as atividades da capacidade da razão estão

comprometidas com a linguagem, pressupõe a investigação transcendental. É a pressuposição, que

ela enquanto filosofia tem que fazer, / aí o conhecimento racional por conceitos jamais pode obter

certeza demonstrativa, i.e. uma evidência fundamental comparável à Matemática. Em seguida, a

distinção entre conhecimento matemático e filosófico reconduz Kant por último da dedução das

categorias iniciadas até aí para a prova dos princípios, que os argumentos transcendentais dependem

da correlação entre razão e linguagem. Seu modo de provar, diz Kant, não é demonstrativo-

apodítico, mas acroamático, ''pois só podem ser efetuadas através de puras palavras (o objeto em

pensamento)'', enquanto a Matemática mostra por signos artificiais os conceitos na intuição.4

Os

princípios, nos quais a razão se manifesta mediante as categorias, quer dizer manifesta objetos da

experiência possível, não são o que se deixa ver. Nós podemos indicá-los enquanto a própria

exposição da razão —uma maneira de exposição, enquanto é determinada pelo ouvir e entender. O

que a investigação crítica tematiza não são simples atos do pensar puro ou do pensamento, mas

declarações e pensamentos proferidos. Kant indica isto ocasionalmente quando ele escreve que as

categorias ''dizem'' algo ou conforme o modo de falar dão a ''entender'' algo.5

3 B 75 (Trad. brasileira). 4 B 763. 5 B 333.

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A exposição das expressões para ''pensar'' têm em conta o que Kant nos sugere. ''Pensar'', significa

na 'antropologia em sentido pragmático', ''é falar consigo mesmo..., por conseguinte, também ouvir-

se interiormente (por meio da imaginação reprodutiva)''.6A explicação está no contexto de uma

declaração sobre a linguagem, que acentua a participação dela mesma na transposição do ouvir no

entender: ''Toda linguagem é designação dos pensamentos, e, ao contrário, a forma mais eminente

de designar pensamentos é através da linguagem, este máximo meio de entender-se a si mesmo e

entender os demais''. 7Enquanto a linguagem aqui, inteiramente na marcha da solução racionalista

do problema esotérico, instrumentaliza e o pensamento é ordenado, as Enzyklopädie-Vorlesungen

(1781/82) fazem valer o nexo original. / Elas se fundam no modelo gramatical <Grammatik-

Modell>:''Aqui a forma da linguagem e a forma do pensamento é paralela e semelhante uma à outra,

porque nós pensamos sempre em palavras e nossos pensamentos comunicam a outros através da

linguagem, portanto há uma grma'tica do pensamento''.8

Nós encontramos o mesmo modelo nos 'Prolegomena zu einer jeden künftigen Metaphysik'' (1783):

''Extrair do conhecimento comum os conceitos que não se fundam em nenhuma experiência

particular e que, não obstante, ocorrem em todo o conhecimento de experiência, de que, por assim

dizer, constituem a simples forma de conexão, não exigia uma maior reflexão ou mais

discernimento do que extrair em geral, de uma língua, as regras do uso [efetivo <wiklichen>] das

palavras e reunir assim os elementos de uma gramática <Grammatik> (na realidade, estes dois

empreendimentos são entre si muito aparentados), sem no entanto poder indicar a razão por que

cada língua possui justamente esta característica formal e não outra, ainda menos porque é que, nem

mais nem menos, se podem em geral encontrar tais determinações formais da mesma.'' Nós temos

todavia que levar em conta que Kant estabelece um corte distinto entre a doutrina das categorias e a

da linguagem. Isto pode também não ser totalmente diferente, já que o problema das categorias se

relaciona intimamente como o problema esotérico da Filosofia. Nascido ''entre'' razão e linguagem

ou, em disciplina de classificação, manifestado nos limites da lógica e da gramática.

6 Antropologia em sentido pragmático, I, [§ 39] 7 Ibid. 8 Vorlesungen über Philosophische Enzyklopädie (1781/82), hrsg. v.G. Lehmann, Berlin 1961, S. 55; Prolegomena, 2. Teil, § 39, Anhang.