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Maio – Agosto UBE – União Brasileira dos Escritores • seguidores no FacebooK > 2.702 • seguidores no tWitter > 52 EX-EMBAIXADORA DO BRASIL EM GANA, irene vida gala FALA EM REUNIÃO-ALMOÇO NA UBE E ALERTA PARA A CONTINUIDADE DO RACISMO NO BRASIL NOS DIAS DE HOJE. Racismo no Brasil ainda é realidade UBE – União Brasileira dos Escritores 141 2017 www.facebook.com/ubesp www.twitter.com/UbeBrasil Delegação UBE na Feira do Livro de Lisboa União Brasileira de Escritores organizou seminário em Homenagem a Moniz Bandeira em Lisboa durante a 47a. Feira do Livro de Lisboa. Associados que viaja- ram a convite da UBE tiveram a oportu- nidade de lançar suas publicações, de- clamar poesias e participar de vários eventos culturais. @Divulgação Página 11 90 anos de Ariano Suassuna Dramaturgo, ensaísta, romancista pro- fessor e poeta, Ariano Suassuna, um dos maiores talentos da literatura brasi- leira completaria 90 anos em junho des- te ano. Confira artigo por Antonio Campos. @Divulgação Página 7 O legado de Antonio Candido Crítico literário, sociólogo e professor, Antonio Candido foi um dos maiores intelectuais da história do Brasil. Faleci- do no dia 12 de maio aos 98 anos de idade, Candido deixou contribuição inestimável para o cenário histórico, so- cial e literário do Brasil tendo pratica- mente reinventado a crítica literária. @Divulgação Página 8 Página 3 @Depositphotos

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Maio – Agosto UBE – União Brasileira dos Escritores

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EX-EMBAIXADORA DO BRASIL EM GANA, irene vida gala FALA EM REUNIÃO-ALMOÇO NA UBE E ALERTA PARA A CONTINUIDADE DO RACISMO NO BRASIL NOS DIAS DE HOJE.

racismo no brasil ainda é realidade

UBE – União Brasileira dos Escritores

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www.facebook.com/ubesp www.twitter.com/UbeBrasil

delegação ube na feira do livro de lisboa

União Brasileira de Escritores organizou seminário em Homenagem a Moniz Bandeira em Lisboa durante a 47a. feira do Livro de Lisboa. Associados que viaja-ram a convite da UBE tiveram a oportu-nidade de lançar suas publicações, de-clamar poesias e participar de vários eventos culturais.

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90 anos de Ariano Suassuna

Dramaturgo, ensaísta, romancista pro-fessor e poeta, Ariano Suassuna, um dos maiores talentos da literatura brasi-leira completaria 90 anos em junho des-te ano. Confira artigo por Antonio Campos.

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o legado de Antonio candido

Crítico literário, sociólogo e professor, Antonio Candido foi um dos maiores intelectuais da história do Brasil. faleci-do no dia 12 de maio aos 98 anos de idade, Candido deixou contribuição inestimável para o cenário histórico, so-cial e literário do Brasil tendo pratica-mente reinventado a crítica literária.

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Aprofunda-se a crise institucional brasileira com o pedido de cassação do Presidente da República, Michel Temer, fundado em gravação não sujeita a perícia anterior e com a condenação do ex-presidente Lula da Silva, por um tribunal de exceção, alheio às provas dos autos. Da mesma maneira, os trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, por oca-sião do primeiro incidente acima, sofreram interferências espúrias da parte interessa-da. Generalizou-se o deboche.

Os três incidentes mencionados a título de exemplos demonstram um colapso jurídi-co, deontológico e moral nos três poderes da República e poderiam ser demonstrados exponencialmente, e à exaustão, por diver-sas outras ocorrências, que revelam de ma-neira contundente uma profunda crise da democracia brasileira.

De fato, o espírito público praticamente de-sapareceu dentre tantos componentes dos três poderes, que comprometeu as institui-ções, tendo sido substituído pelo corpora-tivismo exacerbado expresso diretamente através da corrupção ou mesmo por vias transversas por meio de pretensa legalidade.

O comportamento de um membro media-no típico do legislativo, do executivo ou do judiciário brasileiro causaria um severo es-cândalo nos países com tradição democrá-tica mais sedimentada e, neles, o indivíduo em questão seria punido, dentro da lei.

Contudo, equivocam-se aqueles que, no Bra-sil, julgam estar a corrupção a ser combatida dentro do Estado de Direito. Não. Ela não está, por ser a ação instrumentalizada por procedi-mentos comuns aos regimes autoritários, com desprezo à Lei doméstica e, frequentemente, a diversas convenções internacionais.

De fato, a Justiça não se faz pelo exercício arbitrário das próprias razões; pela tortura; pela falsificação, subtração, sonegação ou mesmo ausência de provas; pelo cercea-mento da defesa; e, principalmente, no foro das sarjetas, com a exposição indevida de acusados à imprensa. A Justiça tem o seu formalismo, que assegura o Estado de Direito e a própria democracia. Ela também deve ser buscada com decência.

Sobre a criSe inStitucional braSileira

Jornal O EscritorUma publicação da União Brasileira de Escritores - Nacional

Rua Rêgo Freitas, 454, cj. 61, São Paulowww.ube.org.br

Textos: Antonio Campos, Antonio Carlos Fester Durval de Noronha Goyos Jr, Fernanda Groke, Rosani Abou AdalRevisão: Grupo ColmeiaEditora: Sandra Juliana

Mais informações:[email protected]

Diretoria

Durval de Noronha Goyos Jr.Presidente

Ricardo de Medeiros Ramos FilhoVice-Presidente

Cláudio Willer2.º Vice-Presidente

Cássia JaneiroSecretária-Geral

Fábio Tucci Farah1.º Secretário

Sueli Carlos2.ª Secretária

Antonio Francisco C. Moura CamposTesoureiro-Geral

Djalma da Silveira Allegro1.º Tesoureiro

Nicodemos Sena2.º Tesoureiro

Conselho Consultivo e FiscalAnna Maria MartinsAudálio Ferreira DantasCarlos Alberto VogtLygia Fagundes TellesLuis AvelimaLuiz Alberto Moniz BandeiraSamuel Pinheiro Guimarães NetoWalter Natalino SorrentinoCaio Porfírio de Castro Carneiro

Diretores DepartamentaisFabio Lucas GomesDirce Lorimier FernandesBianca FerrariElisabete Vidigal HastingsJosé Domingos de BritoSandra Juliana SiniccoPaulo de AssunçãoRenata PallottiniLuis Antonio PaulinoLevi Bucalem Ferrari

• Durval de Noronha Goyos Júnior, presidente da UBE.

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1. A SrA. regreSSou há pouco tempo de gAnA, onde foi embAixA-

dorA do brASil por mAiS de cinco AnoS e um doS pontoS focAiS

de SuA ApreSentAção trAtou do rAciSmo por Aqui.

Sim, na conversa com os membros da UBE, comecei por ler um texto de uma historiadora norte-americana, Mary Karash, em que ela reporta como, na primeira metade do século XIX, os viajantes falavam do Rio Janeiro por sua beleza, mas tam-bém por sua grande população africana escravizada. Em seu livro “A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850)”, Mary Karash diz que esses dois elementos, a beleza natural e os negros escravizados, “eram inseparáveis da atmosfera e da vitalidade da cidade”. Contudo, ela prossegue, “o que os historiadores e estudiosos do passado têm escolhido para lembrar sobre o Rio é sua beleza perdida. (...) Exceto por um capítulo de Vivaldo Coaracy e referências de passagem em outras histórias do Rio de Janeiro, os historiadores da cida-de ignoraram em larga medida seus escravos africanos”. Ela ainda acrescenta que “a maioria das histórias urbanas do Rio cria a impressão de que se tratava de uma cidade luso-brasi-leira de rostos brancos e cultura europeia”.

Eu usei esse pequeno excerto para sublinhar haver ao menos dois olhares sobre esse mesmo fenômeno da presença negra e africana no Brasil. O primeiro, neste caso dos viajantes, re-conhece-a nitidamente, pois é evidente. Já um segundo opta por ignorá-la. Pergunto-me se esse segundo olhar não refleti-ria a gênese do racismo no Brasil e o descaso com aquela que é a primeira manifestação dos vínculos do Brasil com a África.

2. eSSe texto moStrA A formA como oS viAjAnteS enxergAm o

brASil. por que o foco no olhAr eStrAngeiro pArA AnAliSAr AS

relAçõeS do brASil com A áfricA?

Na minha experiência como diplomata, com muitos anos de trabalho na África e em temas relativos às relações Brasil - África, pude rapidamente perceber como os africanos que viajam ao Brasil reconhecem a existência do racismo em nos-so país, sendo vários deles expostos a situações vexatórias. Na palestra da UBE, contei, por exemplo, a história recente de um empresário ganense que esteve no Brasil a convite de seus amigos brasileiros, ex-alunos, como ele, de Harvard, nos

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Racismo - o grande desafio brasileiro CONVIDADA PARA O ALMOçO MENSAL PROMOVIDO PELA UBE, A EX-EMBAIXADORA

DO BRASIL EM GANA, IRENE VIDA GALA, fALOU SOBRE “BRASIL E ÁfRICA:

ROMPENDO AS BARREIRAS DO DESCONHECIMENTO”. A ENTREVISTA A SEGUIR TRATA

DO TEMA E ABORDA ASPECTOS POUCO CONHECIDOS SOBRE AqUELE CONTINENTE E AS

ATUAIS RELAçõES DO BRASIL COM A ÁfRICA.

Estados Unidos. No regresso a Gana, encontramo-nos e ele disse que a visita havia sido muito boa ... apenas que logo no primeiro dia em seu hotel, em São Paulo, percebeu ser mais conveniente descer para o café-da-manhã já vestido de terno e gravata, pois lhe fora vetada a entrada na sala do café-da-manhã quando vestido com roupa esporte. Esse mesmo empresário ainda foi barrado na área VIP de um clube no-turno, quando os outros membros do grupo, todos brancos, haviam já sido admitidos no local. Parece-me inequívoca a interpretação de que os estrangeiros, neste caso negros afri-canos, podem, quando no Brasil, falar de realidades que são frequentemente ignoradas por uma parte dos cronistas ou mesmo da população brasileira que nega o racismo ou prefe-re aliviá-lo com interpretações e explicações diversas. O fato é que, como representante do Brasil em um país africano e negro, reagir a um relato como esse requer honestidade e, ao mesmo tempo, compromisso com as mudanças que a socie-dade brasileira vem buscando empreender na área do com-bate ao racismo. Por exemplo, ao diplomata brasileiro nessa situação, convém buscar explicar aos africanos o histórico do racismo no Brasil e as medidas, inclusive legais, que vêm sen-do adotadas no nosso país contra o preconceito racial. Cabe também recomendar ao visitante africano que, caso seja ví-tima de qualquer manifestação de racismo, contribua com o esforço da sociedade brasileira, denunciando o fato e buscan-do a devida reparação. Como sempre digo aos amigos afri-canos, quando no Brasil, eles não podem se omitir diante da luta dos negros brasileiros e, estou segura, da grande maioria de toda a nossa população brasileira.

3. A hiStoriogrAfiA e oS textoS brASileiroS ignorAm A verSão

dA hiStóriA dAS relAçõeS brASil - áfricA contAdA peloS negroS?

Uma boa parte sim. A história das relações Brasil - África remonta ao período do tráfico, e esse tráfico, que trouxe mi-lhões de africanos para o Brasil, tem, compreensivelmente, efeitos sensíveis ainda hoje. Esses efeitos não se fazem sentir, contudo, apenas nos registros da culinária e música de raiz africana que passaram a fazer parte da cultura brasileira - e são sempre citados em discursos oficiais. Seus efeitos estão presentes especialmente na discussão sobre a identidade dos afro descentes no Brasil.

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4Em um estudo que preparei, no Itamaraty, em 2007, sobre as relações Brasil - África e suas vinculações com o racismo no Brasil, fiz uma resenha sobre a história das relações Brasil - África, dividindo os autores que escreveram sobre a ma-téria em três grupos: dos “olhares brancos”, dos “olhares negros” e dos “olhares atentos”. No primeiro grupo, dos olhares brancos, o relato das relações Brasil-África ignora o negro escravizado e seus descendentes como protagonistas da história dessas relações. O foco dessa análise está no rela-cionamento econômico-comercial e estratégico à luz do inte-resse nacional concebido pelas elites tradicionais brasileiras, diga-se brancas. Ademais, nesses textos há uma ênfase na diferença entre África Negra e África do Norte, refletindo uma corrente de estudiosos europeus que enaltece a África do norte, árabe e não submetida à escravidão, em oposição a uma África negra diminuída e passível de ser escravizada. Já o grupo dos olhares negros, que tem vários representan-tes, mas desconhecidos do público em geral e especialmente dos alunos e estudiosos de relações internacionais, a ênfase da análise histórica está na perspectiva dos atores internos – os negros e suas organizações, como, por exemplo, o Teatro Experimental do Negro que, na década de 1950, é porta-voz de campanhas em defesa da independência dos países africanos colonizados. Neste grupo, cito o sociólogo Jocélio Teles dos Santos, para quem as relações entre o Brasil e a África remontam ao período do tráfico de escravos e seguem uma linha evolutiva associada aos temas internos de interes-se dos africanos e de seus descendentes brasileiros. Por fim, os olhares atentos são aqueles dos historiadores e estudiosos que, em um passado recente, têm combinado essas duas perspectivas e, no contexto das atuais relações Brasil - Áfri-ca, sublinham sua complexidade. Mais ainda, reconhecem a ambivalência ou ambiguidade com que se trata o legado africano no discurso diplomático brasileiro.

4.e mito dA democrAciA rAciAl como inStrumento diplomático

pArA AproximAção com A áfricA?

No meu estudo, sirvo-me do trabalho do Jocélio Teles dos Santos, mas há outros autores. Jocélio menciona, ini-cialmente, Agostinho da Silva, cujas referências lusófonas seriam muito importantes na concepção da política externa do Governo Jânio quadros em direção à África, que deveria se tornar “o espaço histórico e geográfico, por excelência, da política internacional brasileira”, e a fundação do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade federal da Bahia (CEAO – UfBA), concebida, à época, como “instrumento po-lítico” no contexto de uma política de articulação com os países do Terceiro Mundo. Cita, também, o famoso artigo de Jânio quadros, de agosto de 1961, para a foreign Affairs, em que o presidente apresenta, como um dos atributos que permitiriam ao Brasil desenvolver sua política africana, o fato de ser o Brasil “o maior exemplo de integração e coexistên-cia racial conhecido através da História”. Ele pondera que Jânio quadros acreditava poder oferecer à África o modelo

de uma “política nacional de desenvolvimento, tendo como substrato a total ausência de preconceito racial”.

Jocélio menciona, ainda, um despacho presidencial, datado de abril de 1960, em que o Presidente da República, Jusceli-no Kubtischek, retira o representante diplomático brasileiro na África do Sul, após o massacre de Sharpeville, justificando a decisão pelo fato de a perseguição racial na África do Sul cons-tituir-se em “atentado menos contra os negros do que contra todo o nosso sistema de valores (...) em que todos os homens convivem em harmonia em torno da grandeza nacional.”

O trabalho do Jocélio é interessantíssimo e eu recomendo muito a leitura. Com maestria, ele mostra a ambiguidade do discurso diplomático consolidado pela oficialidade brasileira - e não só o Itamaraty - a partir das décadas de 50/60, se-gundo o qual a formação racial e a proclamada ausência de racismo no país seriam eficientes para angariar a simpatia e o apoio dos governos africanos recém-independentes, e, mais ainda, para mostrar o quanto o Brasil estaria predestinado a oferecer soluções e modelos para o continente africano, em particular por sua experiência de miscigenação.

5. iSSo remete Ao ditAdo AfricAno “enquAnto o leão não

Aprender A eScrever, A eStóriA irá Sempre engrAndecer o pApel

do cAçAdor”.

Gosto muito desse ditado ... Eu cito frequentemente esse ditado porque reflete o esforço dos africanos no sentido de es-crever sua própria história, em oposição à história consagrada pelos colonizadores, no que se convencionou chamar a pers-pectiva eurocêntrica no relato da história da África. A grande maioria dos estudos sobre a África, no âmbito da política, da economia e das ciências sociais - mesmo alguns estudos atuais - refletem o preconceito sobre a África e sobre os negros. Os cientistas sociais e intelectuais africanos desenvolvem um con-tínuo trabalho de desconstrução da história da África contada pela ótica eurocêntrica. Basta de história de caçadores.

6. ou SejA, A queStão dA perSpectivA é eSSenciAl tAmbém pArA A

AnáliSe dAS relAçõeS brASil - áfricA. é iSSo?

Sem dúvida. Ao olhar para a África e buscar construir uma agenda para as relações com o continente, é essencial para os agentes políticos, culturais e econômicos brasileiros identificar-mos a África tal qual nos apresentam os próprios africanos. Precisamos, nós também, desconstruir o preconceito com rela-ção à África, sua história e sua cultura. A superação do desco-nhecimento sobre o continente africano passa, na minha opi-nião, por um maior contato com os próprios autores africanos e suas instituições, especialmente as instituições acadêmicas, mas também seus grupos econômicos. felizmente, embora ainda em números modestos, existe um crescente intercâmbio entre a intelectualidade brasileira e africana. Esse intercâmbio precisaria expandir-se para as áreas da economia e da política.

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5A propósito, eu mencionei na conversa com os membros da UBE, a recente publicação pela fUNAG - a editora vinculada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, de uma coletânea, com quatro volumes, intitulada “O Resgate das Ciências Huma-nas e das Humanidades através de Perspectivas Africanas”, que está disponível para acesso gratuito na loja virtual da fUNAG (http://www.funag.gov.br/loja). São cerca de oitenta textos, escritos por autores africanos, em temas das áreas de Humani-dades. O trabalho de tradução e publicação dessa grande obra

pelo Itamaraty foi espetacular, na medida em que permite ao público brasileiro acesso, em Português, a uma rica bibliografia escrita pelos próprios africanos e magistralmente organizada por dois professores da Universidade de Gana - Legon.

O público brasileiro não sabe, creio, que a coleção “História Geral da África”, com oito volumes, publicada pela UNESCO, está disponível, na sua edição completa, em oito línguas, in-clusive Português. Segundo reportou-me um diretor da UNES-CO com quem estive, em Gana, há três anos, a versão em Português era aquela com maior número de acessos online. Isso reflete, quero crer, o grande interesse dos brasileiros, e refiro-me especialmente aos afrodescendentes, pela História da África, principalmente após a Lei 10.639/03, alterada pela Lei 11.645/08, que tornou obrigatório o ensino da história e

cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental até o ensino médio.

Os brasileiros - sobretudo aqueles descendentes de africanos - buscam, cada vez mais, conhecer e compreender a história da África e de seus antepassados. Por essa razão, as relações diplomáticas Brasil - África devem, neste século XXI, incluir ações orientadas para a ampliação e divulgação do conheci-mento, no Brasil, sobre a África e seus povos, contribuindo,

assim, para o reconhecimento e maior prestígio da matriz africana que é parte da identidade do povo brasileiro.

7. em breveS pAlAvrAS, o que é hoje A áfricA?

A África, como a América, a Europa ou a Ásia e a Ocea-nia, é parte de um mundo globalizado, cuja população, es-sencialmente jovem, passará dos atuais 1,2 bilhão, para 2,5 bilhões em 2050. Ou seja, projeções indicam que os africanos serão, em meados deste século, 21% da população mundial. Em 2050, a Nigéria (que hoje tem uma população um pouco inferior à do Brasil), será, sozinha, o 3o. país mais populoso do mundo, após a Índia (1,7 bilhão0 e a China (1,25 bilhão). Isso significa que a África está se tornando não só um relevante mercado consumidor, mas também um mercado produtor.

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6Atualmente, por exemplo, produz-se, em solo africano, 80% da alimentação consumida no continente. Ao contrário do que é, creio, o senso comum, a África produz muito alimen-to para seu consumo interno. Mesmo assim, o continente é importador líquido de alimentos e convive com situações de insegurança alimentar, em geral associadas a conflitos arma-dos. Sublinhe-se que, ao longo das últimas duas décadas, o continente africano vem desenvolvendo um melhor ambiente macroeconômico e político, com aumento do consumo do-méstico, rápida urbanização e avanços no campo social. Tam-bém há um nítido incremento do investimento estrangeiro e melhora do ambiente de negócios, combinados à expansão dos mercados regionais. A difusão generalizada dos serviços de internet no continente é um fenômeno impressionante. A África está conectada, e a sociedade civil africana, de um modo geral, vem ganhando protagonismo em questões vitais no campo do desenvolvimento social e econômico, mas tam-bém na área de paz e segurança. Agora, por exemplo, é uma rede de mulheres da África Ocidental que está tentando re-compor o diálogo entre grupos opositores que há anos com-prometem a estabilidade política na Guiné-Bissau.

8. e como têm Sido AS relAçõeS do brASil com A áfricA nAS últi-

mAS décAdAS e Sobretudo já no Século xxi?

O tema é complexo. De um modo geral, no Brasil, os agentes políticos, econômicos, culturais e o público em ge-ral ainda ignoram a África. Outros países, sobretudo países de maior presença internacional aos quais o Brasil se equi-para, têm relações mais consistentes com a África do que o Brasil. No século XXI, e mesmo após a política africana do período do ex-Presidente Lula, o Brasil está, em certa medida, na contramão do projeto internacional de cres-cente parceria com a África. Acredito que, nós brasileiros, para construirmos relações mais profundas e cooperativas com o continente africano precisamos superar nosso passa-do escravocrata e, sobretudo, o racismo que ainda persiste em nosso país. Em minha opinião pessoal, nossa História atrapalha o desenvolvimento de uma parceria consistente, ao contrário do que se proclama ao dizermos que as raízes comuns nos aproximam. A superação do preconceito racial dentro das fronteiras brasileiras serviria de impulso ao de-senvolvimento de relações mais profícuas com o continente africano, em especial com os países da África ao sul do Saa-ra. Mas o inverso também é verdade.

9. quAiS São oS mAioreS deSAfioS, nA SuA opinião, pArA A for-

mulAção dA políticA externA do brASil pArA A áfricA? e eSSe

Será um trAbAlho Só pArA políticoS e diplomAtAS ou envolve

outroS SetoreS dA SociedAde brASileirA?

Certamente é um esforço de todos os setores da socieda-de, e os diplomatas tenderão a projetar externamente nossos avanços internos. Assim, penso que o primeiro desafio é o de desconstrução do discurso diplomático brasileiro, utilizado não apenas pelos agentes diplomáticos, mas por grande parte da-queles que participam do diálogo com a África. Esse discurso diplomático tradicional ainda incorpora elementos do mito da democracia racial, da perspectiva eurocêntrica e da naturalida-de com que a aproximação Brasil-África tende a se processar. As relações com a África contemporânea precisam incorporar, cada vez mais, dados atuais relativos aos desafios comuns de desenvolvimento econômico e social, deixando em segundo - ou terceiro, quarto planos, as referências culturais produzidas a partir da história da escravidão. Seria algo como, na cultura, discutir mais as tendências e o contexto da produção dos ar-tistas contemporâneos nos dois lados do Atlântico, por exem-plo as expressões culturais das periferias de Kinshasa, Lagos, Porto Alegre e Belo Horizonte, ao invés de manter o foco nos estudos sobre a influência africana na religiosidade brasileira. No tocante à cooperação econômica e comercial, significa re-conhecer que não temos vantagens comparativas de natureza histórica sobre outros potenciais parceiros africanos como são os chineses, os israelenses, os sul-coreanos ou os turcos.

Mas há um segundo desafio, e este considero talvez ainda mais importante. A formulação da política externa brasileira para a África precisaria passar a incorporar o que chamo de ações afirmativas. Um imenso desafio, ainda por enfrentar, é a incorporação à agenda Brasil - África de ações que sirvam à promoção da igualdade racial e à luta contra o racismo no Brasil. Os parceiros africanos do Brasil podem ajudar-nos em nossa política de promoção da igualdade racial. Nesse par-ticular, as relações do Brasil com a África são únicas. Talvez nenhum outro país possa beneficiar-se tanto de uma agenda positiva com a África como o Brasil, pois o êxito dessa parce-ria deverá, no meu entender, contribuir para o nosso projeto e compromisso de superação do racismo.

OBS - As opiniões da entrevistada são de cunho pessoal e não refletem a posi-

ção oficial do Ministério das Relações Exteriores ou do Governo brasileiro.

• Irene Vida Gala, formada em Direito pela USP, em 1983, ingressa no Instituto Rio Branco em 1985 e toma posse na carreira diplomática em dezembro de 1986. No Brasil, trabalhou no Departamento da África (1986-1991) e, entre 1999 e 2004, foi chefe da Divisão de África II (África Austral e lusófona).No exterior, esteve em missões permanentes em Lisboa (1991-1994), Luanda (1994-1996), Pretória (1996-1998), Nova York (ONU) (2004-2007), Roma (Consulado, 2007-2011) e Acra (2011-2017), e, em missões provisórias, em Bissau (1988), Lusaca (1989), Dacar (2002), além de visitas em missão oficial a Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Madagascar, Seychelles, Tanzânia, Quênia, Sudão, Uganda, Ruanda, Burundi, Lesoto, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Gabão, Libéria, Serra Leoa, Côte d’Ivoire e Etiópia.Durante o período em Nova York, acompanhou, entre 2004 e 2005, temas africanos no Conselho de Segurança da ONU. Em Roma, foi Cônsul-Geral Adjunta. Em Acra, ocupou a chefia da Embaixada do Brasil. Atualmente, é subchefe do Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo (ERESP). É Mestre em Relações Internacionais (2002), com tese “Pensamento Africano em Relações Internacionais”.

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7Quanta gente boa Que não está mais entre nós...

Tenho uma convicção profunda e inabalável de que, em nosso tempo, poucos escritores de língua portu-guesa são tão universais como Suassuna, que nesse ano celebrar-se-ia os seus 90 anos. Uma universalida-

de conseguida através da lição do grande Tolstói: “Pinta bem tua aldeia, que serás universal”. Engana-se, porém, quem restringir a “aldeia” de Suassuna a Taperoá, município do Sertão da Paraíba onde o escritor passou a sua infância e em torno do igual giram suas histórias e seus personagens; ou mesmo, em outra perspectiva crítica, quem compreen-de essa “aldeia” como a própria cultura brasileira, em sua enorme diversidade. Taperoá e o Brasil são extensões de um universo mítico-poético cujas origens mais profundas podem ser encontradas na grandiosa tradição mediterrânea e que se espraiam, a partir da cultura brasileira, por toda a comunida-de de língua portuguesa, abarcando, assim, todos os povos que foram, na visão do escritor, a “Rainha do meio-dia”, em sua dupla conotação, política e religiosa.

A sua obra é composta de poemas, peças de teatro, roman-ces, contos, crônicas e ensaios (transitando, assim, por todos os gêneros literários conhecidos) e representa um verdadeiro monumento literário; um “castelo”, “marco” ou “fortaleza” pacientemente erguida ao longo de mais de sessenta anos de constante atividade artística, comprometida, acima de tudo, com o Brasil e o povo brasileiro. É quase meia centena de títulos, sem contar os inumeráveis artigos em periódicos, estudos mais alentados em revistas e plaquetes, discursos, prefácios, capítulos de livros, participações em antologias. Ariano Suassuna é também tradutor, artista plástico, toca instrumento musicais e é compositor.

Sua peça mais famosa, o Auto da compadecida (1955), foi objeto de incontáveis encenações em todo o mundo, tendo sido ainda editada em inglês (Estados Unidos), francês, ale-mão, polonês, espanhol, italiano e bretão; foi também objeto de três versões cinematográficas, a última delas sob a direção de Guel Arraes, tendo se constituído em um dos maiores su-cessos de bilheteria do cinema brasileiro em todos os tempos. O seu Romance d’ a Pedra do Reino (1971), cujo posfácio foi escrito pelo meu pai, o escritor Maximiano Campos, foi tra-duzido e editado na Alemanha e na frança, além de ter sido adaptado para o teatro, pelo reconhecido encenador Antunes filho, e para o cinema, pelo diretor Luís fernando Carvalho, o mesmo que adaptou para a televisão outras duas peças do au-tor, Uma mulher vestida de sol (1947), e farsa da boa preguiç

Romance d’a pedra do reino trata-se de uma obra que vem sendo objeto de estudos no Brasil e no exterior, gerando centenas de livros e trabalhos acadêmicos- monografias, dissertações, teses, ensaios e artigos. Sobre ela escreveram, entre tantos outros, o uruguaio Ángel Rama, o português António quadros, a norte-americana Candace Slater, a fran-cesa Idelette Muzart, o alemão George Rudolf Lind, além de crítico de teatro e literatura do Brasil, como Décio de Almei-da Prado, Sábato Magaldi, Wilson Martins, Bárbara Heliodo-ra e Antônio Houaiss.

Ariano Suassuna foi de fato um desses escritores raros, cons-cientes do que escrevem não por ofício ou ânsia de reco-nhecimento, mas por missão - um desses escritores que são, também, espécies de profetas e porta-vozes não só do seu povo, mas de toda a humanidade.

AriAno SuASSunA - 90 AnoSpor Antônio Campos

3 anos sem SuaSSunaHÁ TRêS ANOS ATRÁS, NO DIA 23 DE JULHO, fALECIA UM DOS MAIORES ESCRITORES BRASILEIROS. NASCIDO NA PARAÍBA EM JUNHO DE 1927, ARIANO SUASSUNA fOI DRAMATURGO, ENSAÍSTA, POETA E ROMANCISTA, IDEALIzADOR DO MOVIMENTO ARMORIAL, UMA CORRENTE ARTÍSTICA qUE RESGATA A NATUREzA ERUDITA DA CULTURA POPULAR NORDESTINA.

• Antônio Campos é advogado, escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras. Recife, 29 de junho de 2017.

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1 O Escritor nº 28, de setembro de 1984. 2 Antonio Candido - 80 anos de humanização. Jornal O São Paulo, 22.07.1998. 3 O Escritor nº 120, dezembro de 2008. 4 Vergueiro, Maria Clara. “O mundo do meu avô era o meu preferido. FSP, 20 de maio de 2017, Ilustrada, C4.5 O Brasil no meio do caminho in Revista Quatro cinco um nº 2, junho 2017, p.12 e 13.6 Livre adaptação da frase final de Beauvoir, Simone. A cerimônia do Adeus. RJ: Nova Fronteira, 1982.

Como vai o senhor ? Eu vou mal, eu vou muito mal. O que o senhor tem ? Nada, minha saúde está ótima, já lhe disse que não vou mais a médicos. Estou sempre bem, felizmente, mas ainda acordo, não quero ficar

paralisado numa cama, não quero dar trabalho para minhas filhas. Mas vou mal. O mundo, o Brasil, está tudo de cabeça para baixo. Não entendo e não quero entender.

foi assim, a nossa última conversa, em abril, ao lado da porta giratória da agência bancária. Estava indignado também com a maneira como o banco o estava excluindo, forçando o uso de terminais eletrônicos. falei do filme Eu, Daniel Blake, Pal-ma de Ouro em Cannes em 2016, e prometi levar-lhe o dvd quando saísse. De uns tempos para cá, vínhamos fazendo um intercâmbio cinematográfico também, além do vivencial e do literário, me surpreendendo, do alto dos seus 98 anos, com a memória incrível. Dizia, em francês e português, as falas de Pierre fresnay em Monsieur Vincent, diálogos de Jean Anoui-lh, um dos roteiristas de São Vicente de Paulo, Oscar de filme estrangeiro de 1948 (levei-lhe este dvd), santo a quem muito admirava, como a muitas coisas da Igreja Católica, apesar do celibato obrigatório e de outras aberrações, apesar de ser ateu.

quando escrevi Emérito Cidadão do Mundo, por ocasião da outorga do título de Professor Emérito da USP, mandou-me por correio um simpático cartão (como muitos outros, inclu-sive por não poder comparecer ao meu casamento), agrade-cendo as “gentis palavras”. E nesta época, depois de ter sido seu aluno, já éramos amigos, frequentava a sua casa.

Dos seus oitenta anos, transcrevo o final: “Antonio Candido contou-me de uma prima carmelita que não deseja ir para um céu em que ele não esteja. Como ela, eu também não quero, professor, ir para um lugar onde o senhor não esteja. Na dúvida, vamos ficando por aqui, para que eu possa es-crever mais, nos seus noventa anos.” A este artigo, o senhor agradeceu com um telefonema.

Praticamente vizinhos, vendo-nos a cada quinze dias ou a cada mês, além dos encontros casuais pelas ruas e estabele-cimentos do bairro, o artigo pelos noventa o senhor agrade-ceu olhos nos olhos, chamando-me de exagerado, acrescen-tando que mais do que ter noventa anos, assustava-o que seus alunos já tivessem setenta. Encerrei o texto, professor, dizendo que na “amorosidade, ele (o senhor) atinge o mais alto nível de sua própria humanização, pois, afinal, é para o amor que, em última instância, todos nós fomos criados.”

Há mais de vinte anos, Helenice e eu tivemos o privilégio de levá-lo com dona Gilda ao aniversário de 70 anos de Mar-garida Genevois, no sítio dela em Campinas. O senhor dis-se alto e bom som que se mataria se perdesse a lucidez, e acrescentou, provocando risadas, que eu não fizesse aquela cara, pois não estando lúcido, não saberia e não se mataria. O senhor teve a ventura de manter a lucidez e o vigor físico até o fim. Há menos de três anos, portanto com 95 anos, deixou-me muito emocionado ao comparecer, sozinho e à noite, à missa de 7º dia de minha mãe.

Muito se escreveu sobre o senhor de 12 de maio para cá. Sempre será pouco. Comovente o texto de sua neta dizen-do que teve o céu em vida na convivência com o senhor fiquei órfão, todos ficamos órfãos, “uma sensação de perda coletiva que há muito tempo não se manifestava no país”, escreveu Sérgio Alcides. E acrescentou que com este Brasil encalacrado na sua e na nossa garganta, não precisaremos recomeçar do zero, apenas recomeçar a partir do senhor, Antonio Candido.

Se a minha fé proceder, o senhor está na glória de Deus. Se não, poderei pensar como Simone de Beauvoir sobre Sartre, “Minha morte não nos reunirá. Mas já é belo que tenhamos nos entendido por tanto tempo”.

Meu querido ProfeSSor, Antonio CAndido (para Ana Luiza, Laura e Marina)

por Antonio Carlos Fester

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União Brasileira dos Escritores

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Faleceu no último dia 7 de maio de 2017, aos 85 anos, na cidade de São José do Rio Preto, de onde era natural e habitava nos últimos

anos, o Professor Doutor Alfredo Leme Coelho de Carvalho, intelectual brasi-leiro e membro histórico da União Bra-sileira de Escritores (UBE). foi também membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura. Alfredo de Carvalho, estudou no Instituto de Educação Mon-senhor Gonçalves, entidade pública de escol em Rio Preto. Posteriormente, formou-se pela faculdade Nacional de filosofia, no Rio de Janeiro, em letras anglo-germânicas em 1955. Em 1968, fez pós-graduação na Universidade de Iowa, nos Estados Unidos da América, seguida por doutoramento na UNESP.

O Professor Alfredo de Carvalho lecio-nou na UNESP como titular de línguas

anglo-germânicas, de onde foi diretor, tendo também lecionado na Universida-de federal da Paraíba e na Universidade federal de Alagoas. Possuidor de vasta cultura humanística, ele recitou a meu pedido, num jantar que tivemos no res-taurante A Bela Sintra, em São Paulo, de memória e no original italiano, um longo trecho de A Divina Comédia, de Dante. Pouco a pouco, uma espessa cortina do mais absoluto silêncio recaiu sobre todas as mesas, quando os frequentadores se aperceberam que estavam diante de um espetáculo tanto extraordinário quanto insólito. quando terminou, foi o Profes-sor Alfredo de Carvalho, então com 81 anos, aplaudido de pé.

O Professor Alfredo de Carvalho dei-xou vasta obra publicada, exempla-res da qual se encontram disponíveis na biblioteca da UBE. Seu trabalho de

minha predileção é o “Dicionário de Regência Nominal da Língua Inglesa”, encontradiço nas melhores bibliotecas do mundo de fala inglesa, por sua sin-gular excelência. Publicou também um “Dicionário De Regência Nominal Por-tuguesa”; a “Interpretação da Poética de Aristóteles”; o livro de teoria da crítica literária, “foco Narrativa e fluxo de Consciência”; “A ficção Distópica de Huxley e Orwell”; e “O Simbolis-mo Animal na Obra do Padre Manuel Bernardes”. No seu “O Narrador Infiel e Outros Estudos de Teoria e Crítica” discorre sobre a sua visão da literatu-ra e analisa a obra de Lygia fagundes Telles, outra afiliada histórica da UBE, de quem era grande admirador. Mais recentemente, publicou em coautoria com o Professor Pérsio Marconi a obra “Dicionário de Expressões Idiomáticas na Língua Inglesa”.

OConselheiro da União Brasileira de Escritores Caio Porfírio Car-neiro faleceu no dia 17 de julho, em São Paulo, aos 89 anos, víti-

ma de pneumonia. Ocupou o cargo de Secretário Administrativo da entidade durante 47 anos.

Escritor, historiador e jornalista. Nas-ceu em 1 de julho de 1928, em for-taleza (CE).Publicou 33 livros nos gê-neros conto, novela, romance, poesia, memória e literatura infanto-juvenil. Estreou na Literatura com o livro de contos Trapiá. O romance O Sal da Ter-ra foi traduzido para vários idiomas e adaptado para o cinema. O último li-vro publicado foi Veredas Percorridas,

contos, Scortecci Editora, em 2016. Participou de antologias nacionais e internacionais. Seus trabalhos foram traduzidos para o alemão, árabe, espa-nhol, francês, inglês e italiano.

foi agraciado com Placa de Mérito Cul-tural da União Brasileira de Escritores, em 2008, pelos serviços prestados à Cultura. Laureado com o Prêmio Afon-so Arinos da Academia Brasileira de Le-tras (Os Meninos e o Agreste), com o Prêmio Jabuti (O Casarão), entre outros importantes prêmios.

Colaborou no suplemento literário O Estado de S. Paulo e no jornal literário Linguagem Viva que edito.

Conheci o saudoso amigo em 1985, na antiga sede da entidade, Rua 24 de Maio, 250 - 13º andar. Tornamo-nos grandes amigos e trabalhamos juntos na UBE durante 12 anos.

Saudades dos encontros no barzinho da UBE e da boemia literária. Caio ado-rava cantar marchinhas de Carnaval e Dorival Caymmi.

Saudades do amigo, do secretário ad-ministrativo da UBE (1963 - 2010) e do companheiro de trabalho.

Um forte abraço filial, professor. Obri-gado por tudo !Saudades com gosto de “sal da terra”.

notA de fALeCiMento: ALfredo LeMe CoeLho de CArvALhopor Durval de Noronha Goyos Júnior

AdeuS A CAio Porfírio CArneiro por Rosani Abou Adal

• Rosani Abou Adal é escritora, poeta, jornalista, editora do jornal Linguagem Viva e vice-presidente do Sindicato dos Escritores no Estado de São Paulo.

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10entidade à qual está filiado desde a época da faculdade, cursada na Universidade de São Paulo (USP), na cidade de Ribeirão Preto, e membro do Conselho Consultivo da União de Escritores Brasileiros - UBE.

Seu livro, “Anos que vive-mos em perigo: a crise brasileira”, lançado na cida-de de São Paulo no dia 30 de março de 2017, pela Editora Anita Garibaldi, Fundação Maurício Grabois, é um lúci-do e denso registro histórico dos desdobramentos polí-ticos que levaram ao golpe parlamentar e judiciário a destituir a presidente eleita da República, Dilma Roussef, bem como das respectivas inspirações espúrias. A obra tem uma excelente apresen-tação do escritor e jornalista Aldo Rebelo, quem observa com muita propriedade que “o governo Dilma caiu pela ação corrosiva antinaciona-lista e antidemocrática dos grupos conservadores, mas

resenha de “anos Que vivemos em perigo” de Walter sorrentino

Walter Sorrentino é um pen-sador extraordinário com sólida formação humanísti-ca e que, embora médico de formação, optou por servir ao Brasil através do enga-jamento político e de ações para o bem da cidadania. Ele é vice-presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB),

Áurea Laguna, associada UBE de Ribeirão Preto, é Lobatiana” e professora de literatura brasi-leira. Dentre as várias atividades para promover o escritor ela realizou um sarau sobre o autor em maio, no Centro Cultural Luiz Gaetani daquela cidade.. De acordo com a escritora, “Lobato almejava criar, e realmente o fez, um projeto de Literatura para Crianças que se preocupasse em eliminar as moralidades; trouxesse o prazer para a leitura; incentivasse a pesquisa sobre as nossas lendas e mitos; empregasse a linguagem coloquial e, principalmente, apontasse como temática fundamental para um nacionalismo voltado para os problemas reais do país”.

escritor premiado, associado da ube, lança vigésimo primeiro livro

espaço do leitor também por incapacidade de reunir amplas forças políticas e sociais para neutralizar a ofensiva conservadora”.

Walter Sorrentino analisa, em ordem decrescente de data, de 2016 para 2015, os efeitos do governo ilegítimo, impopular e desprovido de mandato público de Michel Temer, para concluir de forma inexorável que “a soberania do voto popular é o caminho para o desfecho da crise bra-sileira”. Tal conclusão não é fundada apenas no amor pela observância do Estado de Di-reito e do regime constitucio-nal brasileiro, muito caro à Nação. O Autor examina, para além dos aspectos legais, as consequências da imposição de uma ilegítima nova ordem sócio econômica ao País. Estas nefastas ameaças encontram-se muito bem elencadas em um Anexo à obra, que é de leitura obrigatória para to-dos aqueles que se interessam pelo nosso futuro.

Ao clamar pela unidade na resistência à cruel agenda que destrói as conquistas legais, sociais e econômicas do povo brasileiro, Walter Sorrentino observa que a luta será dura, complexa e de longa duração, tendo sentido estratégico ao se voltar “contra forças pode-rosas externas e internas do neoliberalismo e imperialis-mo”. Ele reitera ao longo da obra que a crise brasileira exi-ge uma solução democrática. O Autor enfatiza ainda que o Brasil necessita de um novo projeto nacional de desenvol-vimento econômico e social que assegure sua soberania, democracia e política exterior independente.

A importante obra de Walter Sorrentino está fadada a se tornar um livro de referên-cia obrigatória para a com-preensão da situação brasi-leira atual bem como para a busca de sendas seguras para os interesses da Nação.

Silas Corrêa Leite, jornalista conselheiro diplomado em direitos humanos, ciberpoeta e blo-gueiro lançou seu 21o livro, n. A publicação é compêndio de seus melhores trabalhos em prosa e verso. De Itararé-SP, o autor do Hino ao Itarareense, foi boia-fria, tem hoje mais de 100 an-tologias literárias de renome, inclusive no exterior sia. Sua produção literária já foi publicada em espanhol, inglês, francês e russo.

associada da ube realiza mostra em homenagem a monteiro lobato

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• Durval de Noronha Goyos Júnior

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União Brasileira dos Escritores

11acontece na ube

obra de moniz bandeira é analisada em lisboa durante seminário promovido pela ube

Tendo como pano de fundo a análise do trabalho realizado pelo pensador brasileiro Luiz Alberto Moniz Bandeira, “For-mação do Império Americano – da guerra contra a Espanha à guerra no Iraque”, pela Civilização Brasileira, Durval Noronha, presidente da UBE, ressaltou a motivação imperialista da guer-ra movida pelos EUA contra a Espanha, na busca dos espólios do império colonial desta.

“Ao tratar da 1ª. Guerra Mundial, Moniz examina como os EUA emergiram do conflito como a principal potência eco-nômica do mundo, tendo se beneficiado enormemente da atividade bancária e de exportação de material bélico. Como decorrência, é analisada a política exterior de Woodrow Wil-son, já se verificando que “o aparente isolacionismo dos EUA (…) não constituiu mais do que uma expressão do unilate-ralismo real, inerente à sua política exterior (…)”. comenta ele analisando ainda que “entre as duas guerras, Moniz trata da ascensão do nazismo, na Alemanha, com o conseqüente realinhamento de sua política exterior. Trata-se a seguir das contradições entre as políticas econômicas de Hitler e de Roo-sevelt. No mesmo período, é examinada a consolidação do poder de José Stalin, na URSS (União das Repúblicas Socialis-tas Soviéticas) e, afinal, o pacto Molotov-Ribbentrop.

O capítulo seguinte trata da formação inicial do complexo in-dustrial militar, que existe até hoje, mas com uma influência política sem precedentes. É também analisada a formulação da aliança entre Churchill e Roosevelt, bem como a constitui-ção do Eixo. Em seguida, é examinado o ingresso provocado do Japão no conflito armado, com o ataque a Pearl Harbour.

Com o término do conflito, é examinada a formação da nova ordem internacional, com a criação das instituições de Bretton Woods. Moniz explica ainda como Roosevelt colimava no con-flito estabelecer a nova ordem internacional sob a hegemonia dos EUA após o esmagamento da Alemanha, principal rival

do país, e liquidar as possessões da Itália e do Japão; dissolver o império colonial que ainda mantinham França, Holanda e Bélgica. Bem como assumir os domínios do Reino Unido.

A vitória da revolução comunista na China e o resultante alar-me em Washington é objeto do capítulo seguinte, da mesma forma que a descolonização da Índia e a partição da Palesti-na. Naquela ocasião, os EUA, “cuja renda nacional mais que duplicará, saltando de US$ 81 bilhões, em 1940, para US$ 181 bilhões, em 1945, e US$ 241,9 bilhões, em 1950, começaram a afigurar-se como um Estado virtualmente totalitário, muito si-milar à União Soviética”. Mais adiante, observa Moniz, que os EUA “tornaram-se a potência hegemônica e, estabelecendo um sistema de alianças, cujos pactos tinham condições de manter e de cumprir, podiam determinar a vontade de outros Estados, de acordo com seus próprios interesses imediatos e permanentes”.

Moniz analisa ainda a expansão das fronteiras econômicas dos EUA, a revolução cubana e a guerra fria na América La-tina. Nesse particular, Moniz observa e demonstra como a América Latina “foi uma região particularmente afetada pe-las políticas dos Estados Unidos, ao promoverem o liberalis-mo econômico através do autoritarismo político, de governos militares, a serviço da comunidade dos homens de negócios.”

delegação ube marca presença na Feira do livro de lisboa

A UBE levou pela primeira vez uma delegação composta por 10 escritores à Feira do Livro de Lisboa que aconteceu de 01 à 18 de junho. Nos gramados do extenso parque situado em Lisboa, houve recitação de poesias, bate papo com os associados, que falaram de suas aspirações, lan-çamentos, almoços de confraternização e eventos paralelos promovidos pela entidade como, o seminário em Homenagem à Moniz Bandeira, realizado na Universidade de Lisboa – Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ICSP).

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Em seguida, o autor analisa o crescimento do sentimento de antiamericanismo, observando que “o ressentimento com a política do Big Stick e a animosidade contra a atua-ção dos governos americanos foram mais importantes do que a influência comunista na mobilização dos povos, na América Latina, contra a intervenção militar em Cuba, que Kennedy pretendeu promover (…)”.

A guerra do Vietnã é o objeto de capítulos seguintes com destaque especial para a crise econômica que afetou o país durante a administração Johnson. A insensatez da guerra é ilustrada pelo fato de que “o Vietnã do Norte era tão pobre que os setecentos aviões americanos, lá abatidos entre 1965 e 1968, custaram mais caro, cerca de US$ 900 milhões, do que os prejuízos causados pelo bombardeamento, da ordem de US$ 300 milhões”. Os lucros do agronegócio e das grandes corporações americanas com o conflito são objetos de pro-funda análise, bem como os limites do poderio militar.

A duplicidade dos EUA no conflito das Malvinas bem como a intervenção em Granada. O segundo choque do petróleo é acertadamente visto como fator econômico a impulsionar a nova política, mais agressiva, dos EUA no Oriente Médio. O co-lapso da URSS e a reforma econômica na China, o militarismo nos EUA e o terrorismo e o narcotráfico como “novas amea-ças” para a manutenção de encomendas ao complexo indus-trial militar e a formulação de uma política exterior agressiva.

A política exterior de Clinton é objeto de profundo exame, bem como a formação do conceito dos EUA como “nação indispensável” (sic). A expansão da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) aos países do leste europeu e o crescimento de um novo movimento ultra-conservador nos EUA são examinados a seguir. Trata-se então dos interesses geoestratégicos dos EUA na Ásia Central e no mar Cáspio. O golpe judicial que promoveu a ascensão da ultra-direita e de George W. Bush à presidência dos EUA é objeto de considerações especiais.

Aborda também os atentados de 11 de setembro, o ata-que ao direito internacional com os ataques preventivos e outras ações igualmente sancionadas pela ordem jurídica multilateral, de resto duramente construída. Essa crescente tendência ao unilateralismo “se acentuou após a desinte-gração da União Soviética, quando os Estados Unidos en-tenderam que dentro de um sistema unipolar já não ne-cessitavam mais de aliados e sim de vassalos…”. Dentre tais ações, autor inclui a ilegal remoção do altamente compe-tente diplomata brasileiro, Embaixador José Maurício Bus-tani, como diretor da OPAC, que contou com o vergonhoso beneplácito do então chanceler brasileiro, Celso Lafer.

De grande interesse é a análise do autor sobre os objeti-vos da guerra contra o Iraque, bem como sobre os negócios das corporações com o conflito. Trata da manipulação da opinião pública, a reação da ONU, as fraudes de Bush e da repulsa mundial contra a guerra.

Moniz Bandeira situou a premissa maior de seu trabalho na contribuição doutrinária do pensador marxista alemão, Karl Kautsky para quem, escrevendo em 1914, as potências industriais, da mesma forma que as empresas de mercado, terminariam por unir-se, formando uma espécie de cartel. Ao final, o autor conclui sua obra magistral observando que “ao invés de um empire of liberty, ideia germinada no sé-culo XIX com base no pensamento de Thomas Paine, o que os Estados Unidos pretenderam, sob o governo de George W. Bush, foi impor a liberty of empire, i.e., estabelecer uma ditadura global, sobreposta ao Direito Internacional”.

Formação do Império Americano reafirma a condição do Prof. Moniz Bandeira como o maior historiador brasileiro de todos os tempos.

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