Raça e Genêro No Sistema de Ensino

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    O autor responsvel pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro,bem como pelas opinies nele expressas, que no so, necessariamente, as daUNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e aapresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao dequalquer opinio, por parte da UNESCO, a respeito da condio jurdica dequalquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, nem tampouco adelimitao de suas fronteiras ou limites.

    UNESCO 2002. Edio publicada pelo Escritrio da UNESCO no Brasil.

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    RAA E GNERRAA E GNERRAA E GNERRAA E GNERRAA E GNEROOOOONO SISTEMA DE ENSINONO SISTEMA DE ENSINONO SISTEMA DE ENSINONO SISTEMA DE ENSINONO SISTEMA DE ENSINO

    Os limites das polticas universalistas

    na Educao

    R icardo H enriques

    Braslia 2002

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    Conselho Editorial da UNESCO no Brasil

    Jorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneClio da Cunha

    Comit para a rea de Educao

    Angela Rabelo Barreto

    Clio da CunhaLcia Maria ResendeMarilza Machado RegattieriCandido Gomes

    R eviso Tcnica:Marlova Jovchelovicth Noleto e Maria Fernanda PiresD iagramao:Rick Moreira (DPE Studio)R eviso:Eduardo Percio (DPE Studio)A ssistente E ditorial:Larissa Vieira LeiteProjeto Grfico: Edson Fogaa

    E diesUNESCO BRASIL

    Henriques, RicardoRaa e gnero no sistema de ensino: os limites das polticasuniversalistas na educao / Ricardo Henriques. Braslia : UNESCO, 2002.100p.

    ISBN: 85-87853-60-0

    1. Discriminao Educacional-Brasil 2. Discriminao Racial-Meninas-Brasil 3. Educao de Meninas-Brasil 4. TolernciaI. UNESCO II. Ttulo

    CDD 370

    UNESCO, 2002

    Organizao das N aes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/ IBICT/ UNESCO, 9 andar.70070-914 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 321-3525Fax: (55 61) 322-4261E-mail:[email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    PREFCIOPREFCIOPREFCIOPREFCIOPREFCIO

    As anlises dos indicadores sociais desagregados por raa vmevidenciando as desigualdades raciais presentes no Brasil e seconstituindo num dos instrumentos mais contundentes dequestionamento da decantada democracia racial brasileira,

    conferindo autoridade s denncias dos movimentos negroscontemporneos sobre as diferenas de direitos e oportunidadesexistentes em nossa sociedade em prejuzo da populao negra.

    A sntese dos estudos sobre as desigualdades raciais podeser resumida na frase que j se tornou um lugar-comum:pobreza tem cor no Brasil, negra. Como agravante, h umaexcepcional concentrao da pobreza entre as crianas e jovens

    negros na faixa etria de 0 a 14 anos, como mostra esse estudode Ricardo Henriques.

    Dentre os fatores de reproduo das desigualdades raciais, aeducao ocupa lugar privilegiado pelo peso decisivo que elatem, como diz o autor, sobre as chances de integrao doindivduo na sociedade e de sua capacidade de mobilidade ouascenso social em nossa sociedade.

    Apesar dessa importncia que a educao tem no Brasil, comofator de mobilidade social, ela tem sido utilizada, muitas vezes,como instrumento de ocultao das conseqncias sociais doracismo, na medida em que as diferenas educacionais,

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    Ricardo Henriques nos mostra as conseqncias produzidaspelas prticas contemporneas de excluso racial e pela heranade desigualdade produzida na histria sobre o desempenhoeducacional dos alunos negros, segundo ele, discriminaesderivadas, em parte, no interior do sistema educacional, e outraderivada da herana da discriminao infligida s geraes dospais dos estudantes.

    Outras pesquisas nos informam como as humilhaes erejeies no ambiente escolar impactam negativamente acapacidade cognitiva das crianas negras. Todos esses estudosdemonstram a urgncia de investimento na formao deprofessores para uma educao anti-racista. Neste sentido,as experincias exemplares que j vm sendo desenvolvidas,sobretudo pela sociedade civil, so passveis de ser apropriadaspelos gestores pblicos para a formulao de polticas pblicas

    que incidam sobre a qualidade do ensino, em particular nadimenso da consolidao de padres ticos de eqidade degnero e de raa. Dentre as violncias experimentadas pelascrianas negras, est a negao do direito a uma imagempositiva que tem, particularmente sobre a auto-estima dasmeninas negras, o seu efeito mais danoso, sobretudo pelaimportncia que a valorizao esttica tem sobre a condio

    feminina em nossa sociedade.Os dados aqui apresentados podem ser ponto de partida einspirao para que outros pesquisadores possam aprofundar anossa compreenso sobre a articulao de gnero e racismo nodesempenho das meninas e dos meninos negros, no tocante educao, posto que chama tambm a ateno nesse estudo ofracasso escolar dos meninos negros, fenmeno recorrente tambm

    em outros pases, que nos conduz a considerar como temaimportante na agenda de pesquisas dessa rea a problemtica dasmasculinidades subalternizadas na educao.

    Sueli Carneiro

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    ABSTRAABSTRAABSTRAABSTRAABSTRACTCTCTCTCT

    This is a study about social disparities from an economic andhistoric point of view. The author explores the idea of educationas the key factor in promoting changes aimed at overcomingthese disparities.

    When this imbalance is seen in a distorted fashion, societyencourages ideological and rhetorical resistance. This resistancebrings about additional difficulties and these added burdens preventthe correct identification of the problem. Consequently, thisreduces the possibilities for adopting effective political policies.

    From this point of view, the study presents an evaluationthat takes into account the actual lack of egalitarian opportunities

    between Afro-descendents and whites. It considers theeducational profile of each group, with special focus on thesituation of youths in basic education.

    In addition to discussing the racial issue, there is an analysisof multiple prejudice, particularly in regards to gender prejudice.Special attention is paid to the specific case of young Afro-descendent women in their school environment.

    The final part of the text advocates positive discrimination basedon a policy of inclusion in order to reduce the disparities observedin the school environment between Afro-descendents and whites.The author refers to this as an affirmative action policy.

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    INTRINTRINTRINTRINTRODUOODUOODUOODUOODUO R icardo H enriques

    A intensidade da desigualdade de renda do Brasil colocao pas distante de qualquer padro reconhecvel, no cenriomundial, como razovel em termos de justia distributiva. Apobreza, por sua vez, aflige cerca de 34% da populao, quecorresponde a 53 milhes de brasileiros pobres, dos quais 22

    milhes indigentes. O excessivo e vergonhoso tamanho dapobreza est diretamente relacionado intensidade dadesigualdade1.

    Essa desigualdade resulta de um acordo social excludente,que no reconhece a cidadania para todos, na qual a cidadaniados includos distinta da dos excludos e, em decorrncia,tambm so distintos os direitos, as oportunidades e oshorizontes espaciais e temporais dos brasileiros. A persistnciada desigualdade no Brasil est diretamente associada naturalidade com que encarada, como se no fossedecorrncia de um processo histrico especfico ou umaconstruo econmica, social e poltica.

    A naturalizao da desigualdade deriva de origens

    histricas e institucionais, ligadas, entre outras,

    1 Sobre a intensidade da desigualdade de renda e a relao de causalidade entre desigualdadee pobreza no Brasil, ver Barros, Henriques e Mendona (2000a).

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    escravido e sua abolio tardia, passiva e paternalista e,tambm, ao carter corporativista de parte considerveldo perodo republicano. A desigualdade tornada umaexperincia natural, no entanto, no se apresenta, aos olhosda sociedade brasileira, como um artifcio.

    A naturalizao da desigualdade, por sua vez,engendra, no seio da sociedade brasileira, resistncias

    tericas, ideolgicas e polticas para identificar o combate desigualdade como prioridade das polticas pblicas. Adesigualdade racial, em particular, desconsiderada ouocultada pelo confortvel manto do silncio. Silncioenraizado no senso comum de uma sociedade convencida,talvez, da pretensa cordialidade nacional e do mito dademocracia racial. Silncio que oculta a enorme

    desigualdade racial a que esto submetidos os brasileiros.Nega-se, assim, no cotidiano, a desigualdade e o racismo.

    A intensa desigualdade racial brasileira, associada aformas usualmente sutis de manifestao da discriminaoracial, impede o desenvolvimento das potencialidades e oprogresso social da populao negra. A investigao dos

    contornos econmicos e sociais da desigualdade entrebrasileiros brancos e brasileiros afro-descendentesapresenta-se como prioridade para construir uma sociedadedemocrtica, socialmente justa e economicamenteeficiente. A educao emerge como uma dimenso centraldessa investigao, na medida em que participa doconjunto mnimo de oportunidades sociais bsicas que

    contribuem para assegurar eqidade e justia social.O estudo das condies de acesso, permanncia e

    desempenho na escola fornece elementos fundamentais

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    para a anlise da magnitude da desigualdade educacionalentre as raas. As oportunidades educacionais contribuem,de forma decisiva, para a melhoria da qualidade de vidadas pessoas e, dessa forma, o avano no sistemaeducacional influencia diretamente as chances deintegrao do indivduo na sociedade e sua capacidade demobilidade ou ascenso social. A educao aparece,

    portanto, como uma varivel crucial para transformarsignificativamente a situao desigual em que se encontramos indivduos de diferentes raas.

    Como definido, em 1960, pela UNESCO, naConveno contra Discriminao na Educao, educationshall be directed to the full development of the human personality

    and to the strengthening of respect for human rights and

    fundamental freedoms; it shall promote understanding, tolerance

    and friendship among all nations, racial or religious groups.Assim, a educao compe o ncleo de uma estratgia dedireitos humanos orientada pela garantia das liberdadessubstantivas dos indivduos e pela recusa da discriminao.

    Este texto se insere nesse campo de reflexo sobre o

    papel das oportunidades educacionais na construo deuma sociedade justa e sem discriminao racial. Ele analisaas desigualdades raciais no Brasil privilegiando oscomponentes derivados da dimenso educacional. Discuteas condies de igualdade de oportunidade entre aspopulaes de cor branca e de cor negra a partir da anliseda escolaridade dos brasileiros, enfatizando, em particular,

    o perfil escolar das crianas e jovens no ensinofundamental. Alm do recorte racial, destaca os processosde discriminao mltipla, integrando especificamente o

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    recorte de gnero. O estudo procura identificar, portanto,as particularidades das meninas negras no contexto doensino fundamental brasileiro.

    O texto est organizado em trs sees, alm da introduo.Na segunda seo discutem-se os parmetros socioeconmicosda desigualdade racial brasileira. A anlise trata, inicialmente,do perfil demogrfico e racial da populao brasileira. Em seguida,discute a composio racial da pobreza e os condicionantes dedesigualdade de renda entre os brasileiros de cor negra e branca.A terceira seo investiga as desigualdades de oportunidadeseducacionais da populao adulta, explicitando os contornos dadesigualdade racial no Brasil a partir da escolaridade de brancose negros. A quarta seo concentra a anlise sobre asdiscriminaes de raa e de gnero no ensino fundamental. A

    partir de um detalhado exerccio emprico, pretende sistematizaros diversos ngulos da desigualdade racial e de gnero associadosao acesso, freqncia e desempenho das meninas e dos meninos,negros e brancos, no ensino fundamental. A quinta seo procedes consideraes finais.

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    11111. DESIGU. DESIGU. DESIGU. DESIGU. DESIGUALDALDALDALDALDADE RAADE RAADE RAADE RAADE RACIALCIALCIALCIALCIALNONONONONO BRASIL: PBRASIL: PBRASIL: PBRASIL: PBRASIL: PARMETRARMETRARMETRARMETRARMETROSOSOSOSOSSOCIOECONMICOSSOCIOECONMICOSSOCIOECONMICOSSOCIOECONMICOSSOCIOECONMICOS

    1.1. PE RFIL DE MOGRFICO E RACIAL

    DA POPULAO BRASILEIRA

    Em 1999, de acordo com a Pesquisa Nacional porAmostra de Domiclios (PNAD)2, entre os cerca de 160 milhesde indivduos que compunham a populao brasileira, 54% sedeclaravam brancos, 39,9% pardos, 5,4% pretos, 0,46%amarelos e 0,16% indgenas.3 A evoluo histrica mostra, na

    tabela 1, que os brancos eram minoria no sculo passado,representando 44% da populao em 1890. De acordo comAndrews (1992) e, tambm, Silva (1992) a forte imigraoeuropia, ocorrida entre o final do sculo XIX e os anos 30,conduz a uma recomposio racial da populao brasileira, coma participao dos brancos chegando a 64% no recenseamentode 1940. Antes de meados do sculo XX, no entanto, as

    imigraes deixam de ser um elemento crucial na recomposiodemogrfica da populao brasileira e, desde ento, como nosdiz Silva (1992: 7), a dinmica demogrfica passa a ser regida.

    2 As informaes estatsticas apresentadas no presente artigo baseiam-se nas estimativas dapesquisa domiciliar amostral Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios aplicada,anualmente, pelo IBGE. Observe-se que, na dcada de 90, no foi realizada a pesquisa noano de 1994.3 A PNAD pergunta ao entrevistado qual a cor ou raa dos membros do domiclio. Ouniverso de respostas para essa questo predefinido, possibilitando a escolha somenteentre as opes amarela, branca, indgena, parda e preta. Na medida em que a PNAD norealiza levantamentos para a rea rural da regio Norte, estima-se uma sub-representaoda populao indgena.

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    TABELA 2

    80, com os brancos representando cerca de 55% e os negroscerca de 45% da populao brasileira.5

    A pirmide etria da populao brasileira, por sua vez,tem evidenciado um envelhecimento ao longo das ltimasdcadas,6 e em particular nos anos 90, a populao de 0 a 6anos de idade cai de 15%, em 1992, para 13,1%, em 1999,e a de 7 a 14 cai de 18,7% para 16,4% no mesmo perodo. A

    5 A populao negra ou afro-descendente corresponde ao conjunto das pessoas que sedeclaram pretas ou pardas nas pesquisas domiciliares do IBGE.6 Ver, em particular, Camarano (1999).

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    populao de 45 a 59 cresce de 11% para 13% e os commais de 60 anos passam de 7,9% para 9%. No grfico 1,observamos, em 1999, a distribuio da populao brasileirapor faixas de idade e composio racial. O peso dapopulao branca, em relao populao negra, cresce deforma contnua ao longo das faixas de idade, com pequenaexceo na faixa de 7 a 14 anos. As crianas de 0 a 6 anosrepresentavam 13% da populao, sendo 52,2% brancos e47,5% negros, as crianas de 7 a 14 anos representavam16% da populao, sendo 49,1% brancos e 50,8% negros j os idosos, com mais de 60 anos, representavam 9% dapopulao: 61% brancos e 38,5% negros.

    Considerada a evoluo da pirmide etria daspopulaes de cada cor, detectamos, na tabela 2, que o efeito

    de envelhecimento da populao total mantm-se parabrancos e negros. Brancos e negros so cada vez mais idosose, entre eles, h menos crianas e jovens. Em 1992, porexemplo, 14,6% e 17% da populao de cor branca estavam,respectivamente, nas faixas de 0 a 6 e 7 a 14 anos de idade.Em 1999, essa participao reduziu-se para 12,6% e 14,8%.Os idosos brancos passaram de 8,6% para 10,1% entre 1992

    e 1999. Entre pardos e pretos, por sua vez, vemos que ascrianas de 0 a 6 representavam, em 1992, 16,3% e 12,2%de suas respectivas populaes. Em 1999, essas participaeseram de 14,1% e 10,6%. Os idosos pardos passaram de 6,5%para 7,2% e os pretos de 9,9% para 11,3% no mesmo perodo.

    Na medida em que uma dcada um perodo curtopara apresentar qualquer recomposio da populao por

    gnero, observamos que a distribuio por gnero extremamente estvel ao longo da dcada de 90. Assim, em1999, 48% dos brancos so homens e 52% so mulheres.Entre os negros, homens e mulheres representam idnticos

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    GRFICO 2

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    50% da populao. No que se refere populao masculina,temos que 53% so brancos e 46,4% so negros, entre asmulheres 55% so brancas e 44,3% so negras.

    1.2. A COMPOSIO RACIAL DA POBRE ZA

    Em 1999, de acordo com os clculos de Barros,Henriques e Mendona (2000a) com base nas informaesda PNAD, cerca de 34% da populao brasileira vivia emfamlias com renda inferior linha de pobreza e 14%, emfamlias com renda inferior linha de indigncia.7

    Mas e a composio racial da pobreza? Ser que acomposio racial da populao pobre respeita os mesmospesos da populao total? Ser que nosso continente de 53

    milhes de pobres e 22 milhes de indigentes estdemocraticamente distribudo, preservando, na distribuioda pobreza, um perfil socioeconmico sem vis racial? Vemos,no grfico 2, que a resposta a essas questes negativa. Osnegros, em 1999, representam 45% da populao brasileira,mas so 64% da populao pobre e 69% da populaoindigente. Os brancos, por sua vez, correspondem a 54% da

    populao total, mas somente 36% dos pobres e 31% dosindigentes. Ocorre que dos 53 milhes de brasileiros pobres,19 milhes so brancos, 30,1 milhes pardos e 3,6 milhespretos. Entre os 22 milhes de indigentes temos 6,8 brancos,13,6 pardos e 1,5 pretos.

    7 A linha de pobreza calculada como mltiplo da linha de indigncia, considerando osgastos com alimentao como uma parte dos gastos totais mnimos, referentes, entreoutros, a vesturio, habitao e transportes. A linha de indigncia, endogenamenteconstruda, refere-se somente estrutura de custos de uma cesta alimentar, regionalmentedefinida, que contemple as necessidades de consumo calrico mnimo de um indivduo.

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    GRFICO 3

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    GRFICO 4

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    GRFICO 6

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    1.3. DE SIGUALDADE DE REN DA EEMBRANQUECIMEN TO DA RIQUEZA

    Como vimos acima, a pobreza no Brasil tem cor. A pobrezano Brasil negra. Nascer negro no Brasil est relacionado a umamaior probabilidade de crescer pobre. A populao negraconcentra-se no segmento de menor renda per capita dadistribuio de renda do pas. No grfico 6, observamos que acomunidade negra encontra-se proporcionalmente maisrepresentada nos dcimos inferiores da distribuio de renda,com sua participao reduzindo-se de forma contnua ao longoda distribuio. Especificamente, os negros representam 70%dos 10% mais pobres da populao, enquanto, entre o dcimomais rico da renda nacional, somente 15% da populao negra.

    O grfico nos ilustra essa realidade, demonstrando como aestrutura da distribuio de renda brasileira traduz um ntidoembranquecimento da riqueza e do bem-estar do pas.

    Em um recorte ainda mais detalhado, considerando oscentsimos da distribuio de renda brasileira, observamos que decada dez pessoas no segmento mais pobre da distribuio de renda,oito so negros. Conforme avanamos ao longo da distribuio,

    verificamos uma mudana contnua na composio racial que seacelera nos segmentos de maior nvel de renda. Evidenciamos, enfim,que de cada dez pessoas participantes do ltimo centsimo dadistribuio de renda nacional, somente uma negra.

    A desigualdade de renda brasileira, por sua vez, est, emgrande medida, associada desigualdade na distribuio daeducao entre a populao adulta brasileira.9 A literatura sobre

    9 Para as estimativas do peso da heterogeneidade educacional na explicao dadesigualdade de renda no Brasil, ver Barros, Henriques e Mendona (2000b); ver,tambm, Ferreira (2000).

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    GRFICO 7

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    definio dos horizontes potenciais de reduo dessasdesigualdades e, em ltima instncia, construo das bases parao desenvolvimento sustentado do pas. Nas prximas sees,discutiremos os padres de discriminao racial no Brasilexpressos em termos da desigualdade de oportunidades noacesso e permanncia na escola. Em primeiro lugar, trataremosda populao adulta e, em seguida, nos concentraremos noprincipal foco do estudo as crianas e os jovens estudantesdo ensino fundamental.

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    22222. DISCRIMINAO RA. DISCRIMINAO RA. DISCRIMINAO RA. DISCRIMINAO RA. DISCRIMINAO RACIALCIALCIALCIALCIALNO BRASIL: DESIGUNO BRASIL: DESIGUNO BRASIL: DESIGUNO BRASIL: DESIGUNO BRASIL: DESIGUALDALDALDALDALDADE DEADE DEADE DEADE DEADE DEOPOROPOROPOROPOROPORTUNIDTUNIDTUNIDTUNIDTUNIDADES NAADES NAADES NAADES NAADES NAEDUCEDUCEDUCEDUCEDUCAOAOAOAOAO

    O sistema educacional brasileiro expandiu-se de formasignificativa nos ltimos anos. Evidencia-se, entre outros, aelevao da escolaridade mdia da populao, a reduo nataxa de analfabetismo e o aumento do nmero de matrculas

    em todos os nveis de ensino. Essa expanso, apesar deabsolutamente necessria, ainda modesta e nonecessariamente est associada aos componentes de qualidadee eqidade requeridos por uma estrutura educacional moderna.No entanto, evidente que a manuteno dessa tendnciacontribui para recuperar nosso atraso histrico estrutural emrelao escolaridade da populao brasileira e s

    possibilidades de desenvolvimento econmico e socialsustentvel em nosso pas.10

    Nesta seo do texto sero analisados trs elementos,referentes ao perfil da escolaridade dos brasileiros, que externamdesigualdade de oportunidades entre brancos e negros nodomnio da educao. Esses elementos servem comoparmetros estruturais da discriminao racial expressa em

    termos da escolaridade da populao; eles so: a distribuio

    10 Sobre a magnitude do dficit educacional brasileiro e a relao com a sustentabilidadedo desenvolvimento socioeconmico, ver Barros, Henriques e Mendona (2000b).

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    dos nveis de escolaridade de acordo com a cor das pessoas, astaxas de analfabetismo da populao com mais de 15 anos deidade e a escolaridade mdia da populao adulta.

    TABELA

    3

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    A distribuio dos nveis de escolaridade, de acordo coma cor dos brasileiros, demonstra, inicialmente, que, no campoda educao, no existem diferenas significativas entre ospadres distributivos de pardos e pretos que justifiquem otratamento analtico desagregado nessas duas classificaes.Assim como inferimos a partir da tabela 3, o universo doconjunto total da populao negra representa, na dimenso

    educacional, de forma adequada, os respectivos universosparticulares das populaes parda e preta.A distribuio da escolaridade entre os negros

    significativamente pior do que entre os brancos. O pesorelativo dos nveis de mais baixa escolaridade maior entreos negros do que entre os brancos e, alm disso, na medidaem que avanamos para nveis superiores de escolaridade,

    os negros perdem posies relativas frente aos brancos. Atabela 3 apresenta a distribuio da escolaridade das diversasraas, segmentando as faixas de escolaridade de forma acolocar em evidncia os ciclos educacionais completos (1fase do ciclo fundamental 4 anos de estudo; ensinofundamental 8 anos; ensino mdio 11 anos; ensinosuperior 15 a 17 anos). Vemos, inicialmente, que o

    analfabetismo funcional (at 3 anos de estudo) incide sobrecerca de 40 % do total da populao branca, enquanto essevalor encontra-se em torno de 55% para as populaes pardae preta. A partir de 4 anos de estudo completos, aparticipao dos brancos continuamente superior correspondente participao dos negros. Deve-se destacarque as diferenas so mais significativas nos ciclos

    educacionais completos, em particular na concluso doensino mdio. Alm disso, cerca de 19% da populao brancatem 11 anos ou mais de estudo, mas menos de 8% dos negros

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    atingem esse patamar de escolaridade. Em particular, os

    brancos com curso superior completo (15 anos ou mais)superam em 5 vezes os negros.11A incorporao do recorte degnero no altera a estrutura da distribuio da escolaridadeda populao brasileira a partir do recorte racial.

    A alfabetizao uma das caractersticas maiselementares que compem o conjunto de oportunidades bsicasnecessrias para assegurar aos indivduos precondies mnimas

    de cidadania e eqidade social. Desse modo, eliminar oanalfabetismo um desafio histrico para qualquer sociedadecontempornea.

    O Brasil ainda se encontra distante do objetivo deerradicao do analfabetismo. A oferta e o acesso ao sistemaeducacional brasileiro tem crescido ao longo do tempo, no entanto,a reduo na taxa de analfabetismo, apesar de contnua, deu-seem ritmo modesto. De acordo com Castro (1998: 7), entre 1920 e1991, o ritmo da queda na taxa de analfabetismo da populaocom 15 ou mais anos de idade foi, em mdia, de 0,63% ao ano.Na dcada de 90, a taxa de analfabetismo caiu de 20,1%, em1991, para 13,3%, em 1999. Se considerarmos o perodo de 1992a 1999, descrito na tabela 4, vemos que a velocidade de reduona taxa de analfabetismo corresponde, em mdia, a tmidos 0,56%ao ano. Alm disso, no possvel desconsiderar que a taxa de13,3%, observada em 1999, ainda significativamente elevadapara as expectativas do final do sculo XX.

    A anlise desagregada por faixas de idade permiteidentificar o carter geracional do perfil do analfabetismo. Namedida em que a falta de acesso 1 srie do ensino

    11 No podemos deixar de destacar que entre a populao de origem asitica (querepresenta somente cerca de 0,5% da populao do pas) cerca de 40% possui 11 anos oumais de estudo, sendo que 16% (3 vezes mais do que os brancos) possui curso superior.

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    12 Observe-se que, na medida em que estamos tratando do universo da populao adultaque potencialmente poderia ter seu ciclo educacional completo (adultos com 25 anos oumais), os efeitos da expanso educacional da dcada de 90 ainda no podem ser consideradosem sua plenitude.

    A escolaridade mdia da populao brasileira adulta commais de 25 anos, no final do sculo XX, prxima a 6 anos deestudo. A expanso da escolaridade dos adultos, ao longo dosculo, foi extremamente modesta. Barros, Henriques e Mendona(2000b) nos mostram que a escolaridade mdia da populaoadulta, no incio do sculo, aumentou taxa de um ano adicionalpor dcada, enquanto que, em relao aos brasileiros nascidos

    nos anos 40, a escolaridade aumentava taxa de 1,5 ano adicionalpor dcada. Em meados da dcada de 50, a expanso educacionalretraiu-se para um ritmo inferior a um ano por dcada.12

    Essa tmida taxa de crescimento da escolaridade dosadultos traduz-se em uma limitada qualificao da mo-de-obra brasileira, j que o valor nada animador de cerca de 6anos de estudo significa que, em mdia, os adultos enfrentam

    o mercado de trabalho com uma escolaridade equivalentequela que julgaramos adequada para um adolescente de 13anos de idade. Lembremos que trata-se de um valor mdio e,por conseguinte, temos um contingente enorme de adultos certamente entre os mais pobres com nveis de escolaridadebastante inferiores a 6 anos.

    Ao analisarmos os nveis de escolaridade a partir do

    recorte racial, constatamos que a escolaridade mdia de umjovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anosde estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4anos de estudo. O diferencial de 2,3 anos de estudo. Aintensidade dessa discriminao racial, expressa em termos daescolaridade formal dos jovens adultos brasileiros,

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    extremamente alta, sobretudo se lembramos que trata-se de2,3 anos de diferena em uma sociedade cuja escolaridade mdiados adultos em torno de 6 anos.

    Embora a diferena entre nossos jovens brancos e negros deuma mesma cohorte (faixa geracional) seja intensa, no somente amagnitude dessa diferena que representa um elemento perturbadorda discriminao observada. Em termos do projeto de sociedadeque o pas est construindo, o mais inquietante a evoluo histrica

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    33333. AS MENINAS NEGRAS NO. AS MENINAS NEGRAS NO. AS MENINAS NEGRAS NO. AS MENINAS NEGRAS NO. AS MENINAS NEGRAS NOENSINO FUNDENSINO FUNDENSINO FUNDENSINO FUNDENSINO FUNDAMENTAMENTAMENTAMENTAMENTAL:AL:AL:AL:AL:DIADIADIADIADIAGNSTICO E HORIZONTESGNSTICO E HORIZONTESGNSTICO E HORIZONTESGNSTICO E HORIZONTESGNSTICO E HORIZONTESDE POSSIBILIDDE POSSIBILIDDE POSSIBILIDDE POSSIBILIDDE POSSIBILIDADESADESADESADESADES

    Esta seo analisa o comportamento dos indicadoresquantitativos de acesso, permanncia e desempenho no ensinofundamental. Privilegia os recortes de gnero e raa,demonstrando, a partir da anlise emprica, que, apesar dosavanos observados na dcada de 90, os padres dediscriminao racial se mantm intensos e estveis. Na medidaem que o objetivo central do texto refletir sobre asdesigualdades raciais e de gnero, expressas em termos daescolaridade das crianas e jovens que participam do ensinofundamental, as bases de dados utilizadas decorrem daspesquisas domiciliares do IBGE. Os dados do MEC,

    infelizmente, no permitem as desagregaes por raa queencontraremos a seguir. Cabe ressaltar que, como seria esperado,os indicadores de acesso e permanncia escola, obtidos apartir da PNAD, diferem, em diversos momentos, dosfornecidos pelo MEC.

    A seo organiza-se em quatro partes. A primeiraapresenta breves elementos das reformas ocorridas no sistema

    educacional na dcada de 90 e indica a necessidade de seaprofundar na anlise dos indicadores quantitativos referentesao ensino fundamental. As trs partes subseqentesrepresentam a principal contribuio do texto para a

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    compreenso dos padres de desigualdade racial e de gneroestabelecidos entre crianas e jovens brasileiros. Na segundaparte da seo, discute-se a incidncia do analfabetismo entreas crianas de 7 a 14 anos de idade e as restries soportunidades de acesso escola. Na terceira parte, apresentam-se as trajetrias de acesso escolaridade formal, a partir daanlise de diversos indicadores de matrcula no ensinofundamental. Discute-se, especificamente, o comportamento

    das taxas de atendimento, de escolarizao lquida e dedistoro srie-idade de crianas e jovens das populaes decor branca e negra. A ltima parte da seo analisa os padresde discriminao, racial e de gnero, expressos nos indicadoresde desempenho escolar. O detalhamento do estudo evolui nadireo da investigao das diferenas nas oportunidades entreas crianas e jovens de cor branca ou negra a partir de seus

    resultados escolares. Desse modo, as diversas camadas deentendimento acerca das diferenas no desempenho escolarcontribuem para tornar explcitas as distintas facetas dasdesigualdades raciais e de gnero vivenciadas por crianas e jovens brasileiros.

    3.1. MARCO INSTITUCIONALDAS REFORMAS DOS ANOS 90

    O ensino fundamental compe com os ensinos infantile mdio os trs ciclos que definem o Ensino Bsico no Brasil.O ensino fundamental , por fora de lei, obrigatrio e, nosestabelecimentos pblicos, de oferta gratuita. Os critrios de

    acesso aos estabelecimentos pblicos nesse ciclo educacionalrestringem-se disponibilidade de vagas e idade mnima de6 anos para os candidatos a alunos. No final dos anos 90constata-se que, do ponto de vista da estrutura formal de

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    oferta de vagas, o Brasil possui vagas disponveis para o

    conjunto da populao entre 7 e 14 anos de idade. Dessemodo, exceo de alguns descompassos regionais, existemcondies de oferta de vagas nos estabelecimentos pblicospara garantir o acesso universal e gratuito ao ensinofundamental dos brasileiros entre 7 e 14 anos de idade.

    Alm de no apresentar problemas estruturais de ofertade vagas, o sistema de ensino atravessa um perodo de fortetransio institucional. A Lei de Diretrizes e Bases daEducao Nacional (LDB) representa o principal elementoqualitativo dessa transio. A LDB, instituda em 1996,permitiu a redefinio de papis e responsabilidades dosistema de educao, concedendo maior autonomia escola,flexibilizando os contedos curriculares e estimulando aqualificao do magistrio. Alm disso, pavimentou apossibilidade de municipalizao do ensino fundamentale de estadualizao do ensino mdio, reservando aogoverno federal, sobretudo, responsabilidades normativas ede fiscalizao.

    Como nos afirma Bernardo Sorj (2001: 5), a LDBsignifica uma ruptura com as legislaes anteriores porque,

    por um lado, introduz um modelo organizacional baseado nosprincpios de descentralizao e flexibilidade. Por outro lado,substitui os anteriores controles cartoriais ex ante deautorizao para o funcionamento das escolas por controlesex postfinais e de eficincia, realizados por meio de avaliaessistemticas do rendimento escolar dos alunos e das condiesde oferta dos cursos.

    As mudanas estruturais dos anos 90, em particular nasua segunda metade, so inequvocas e sinalizam no sentidoda redefinio dos marcos institucionais de implementaode um ensino universal e de qualidade. Destacam-se, ainda,

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    entre outros, instrumentos fundamentais como aimplementao do Fundo de Manuteno e Desenvolvimentodo Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio(FUNDEF) e do Sistema Nacional de Avaliao da EducaoBsica (SAEB). Assim, a dcada contempla transformaes,de cunho estrutural, que contribuem no sentido dauniversalizao do acesso e permanncia na escola,referenciada em um ensino de qualidade.

    Maria Helena Guimares de Castro (1998: 7), presidentedo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais(INEP), destaca avanos significativos, sobretudo, nosindicadores quantitativos de acesso escola, mas apresentaressalvas importantes sobre as limitaes nas mudanasrelativas qualidade do ensino. A autora afirma que se doponto de vista quantitativo a expanso do sistema atingiupatamares bastante razoveis, inclusive em comparao aospadres internacionais, o mesmo no pode ser dito em relaoaos indicadores de qualidade e eqidade. No tocante a estesaspectos, a situao atual da educao nacional ainda deixamuito a desejar, apesar dos recentes esforos dos trs nveis degoverno para promover a melhoria do ensino e a correo dasineficincias e iniqidades do sistema.

    As fragilidades dos parmetros de qualidade e eqidadedo sistema de educao nacional, como ressaltado, soflagrantes e necessitam ser enfrentadas de forma categricapelas polticas pblicas na rea educacional. No entanto, osavanos dos indicadores quantitativos de expanso do sistemaeducacional, apesar de inquestionveis, devem ser qualificados.

    O detalhamento da investigao sobre a magnitude e ocontedo dos avanos quantitativos tornam-se necessrios,sobretudo, diante do interesse de compreender os contornosdas desigualdades raciais e de gnero no Brasil contemporneo.

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    A dcada de 90, evidentemente, apresenta uma trajetria

    de melhorias nos indicadores educacionais, mas, comoveremos, os avanos so, por vezes, tmidos e, em geral, nointerferem de forma significativa na estrutura de discriminaoracial e de gnero. Assim, apesar dos avanos nos indicadoresquantitativos, as desigualdades raciais e de gnero continuamsignificativas e sinais relevantes de transformao nos padresde discriminao ainda no so detectveis com nitidez. O

    desafio estrutural de uma reforma educacional implica,portanto, a construo de bases efetivas para implementaode um ensino norteado pela qualidade e eqidade, queenfrente os contornos da desigualdade racial que atravessam,de forma contundente, o sistema educacional brasileiro.

    3.2. ANALFABETISMO E ACESSO ESCOLA

    A incidncia do analfabetismo entre as crianas de 7 a14 anos de idade, semelhana do que ocorre com o conjuntoda populao brasileira, reduz-se ao longo do tempo.Conforme vemos no grfico 9, as taxas de analfabetismo paraessa faixa etria so significativamente menores em 1999 doque em 1987, contudo, os valores observados em 1999 aindaso elevados. Os nveis das taxas de analfabetismo das crianasbrancas se mantm, de modo recorrente, abaixo das crianasnegras e, mesmo assim, a intensidade da queda, ao longo dosanos 90, maior entre as crianas brancas. Destaca-se, ainda,que, apesar da melhora generalizada desse indicador entrebrancos e negros, as taxas de analfabetismo dos negros, em

    1999, eqivalem s taxas dos brancos, em 1987, em todasidades dessa faixa etria.Desse modo, constatamos que, no que se refere ao

    comportamento das taxas de analfabetismo das crianas entre

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    7 e 14 anos de idade, as redues observadas na dcada de 90foram mais intensas entre as crianas brancas e, alm disso, as

    crianas negras encontram-se, ao final dos anos 90, com maisde uma dcada de atraso em relao s crianas brancas.As possibilidades de acesso escola podem ser inferidas,

    inicialmente, pela quantidade de crianas que nunca freqentaram

    GRFICO9

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    a escola. A proporo de crianas de 7 anos de idade que no

    tiveram acesso rede formal de ensino, em 1992, encontrava-se em torno de 38%; considerando somente as crianas de corbranca, contvamos com cerca de 26,5%, mas entre as criananegras, esse valor atingia 49%. Em 1999, temos que 16,3%dos brancos e 25,6% dos negros de 7 anos no freqentavam aescola. Apesar da queda observada durante a dcada, a diferenaentre brancos e negros de 7 anos que no freqentam a escolaainda relevante. Alm disso, o patamar de excluso dos negrosda escola, em 1999, comparvel ao dos brancos, em 1992, ecorresponde a das crianas negras com 7 anos de idade. Apartir dos 8 anos de idade, a proporo de crianas que nofreqentam a escola decrescente. Ao final da dcada, aproporo de crianas com mais de 11 anos de idade que notm acesso escola bastante reduzida. Mesmo assim, apesarde baixos, os nveis de excluso do acesso escola dos negros,em 1999, so comparveis aos dos brancos, em 1992, paratodas idades entre 7 e 14 anos.

    As oportunidades de acesso escola devem estardiretamente relacionadas com a condio socioeconmicadas famlias das crianas. Assim, devemos investigar as

    diferenas entre famlias pobres e no-pobres. Podemos verna tabela 6, como esperado, que as diferenas entre os doissegmentos de renda so importantes. Em 1999, por exemplo,cerca de 15% das crianas no-pobres de 7 anos de idadeno freqentavam a escola, enquanto que esse valor de27% entre as crianas pobres. No entanto, alm da esperadadiferena entre pobres e no-pobres, vemos que no interior

    de cada segmento de renda as diferenas entre brancos enegros so relevantes. Em 1999, entre as famlias brancaspobres, vemos que 21% das crianas de 7 anos nofreqentam a escola, enquanto que esse valor de 30,5%

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    TABELA 6

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    3.3. TRAJETRIAS E SITUAOESCOLAR DAS CRIANAS

    Os indicadores de matrcula por sries do ensinofundamental tradicionalmente indicam maior concentrao dematrculas nas sries iniciais. Apesar dos relevantes aumentosnas matrculas observados nos ltimos anos, mantm-se opadro de concentrao desproporcional das matrculas entreas primeiras sries do ciclo educacional. Nesta seo do artigo,estaremos acompanhando a evoluo dos dados de matrculano ensino fundamental, analisando, em particular, o

    comportamento das taxas de atendimento, de escolarizaolquida e de distoro srie-idade.A expanso do sistema educacional brasileiro nas ltimas

    dcadas revela, entre outros elementos, o esforo dos governos,

    entre as famlias negras pobres. Para as crianas de 8 anos,

    os valores so de 6% e 13% para brancos e negros,respectivamente.

    Assim, nas oportunidades de ingresso no sistema escolarbrasileiro, alm das diferenas de recorte estritamenteeconmico associadas renda familiar, existem importantesdiferenas derivadas do pertencimento racial das crianas.Essas diferenas decorrem, seguramente, de processosdiscriminatrios anteriores escola que se manifestam nointerior dos mesmos grupos de renda. Em acordo comHasenbalg e Silva (1992: 87), essas diferenas entrebrancos e negros nas fases iniciais das trajetriaseducacionais nos levam a pensar em fatores que operamdentro da famlia e que condicionam a desigual propensode crianas brancas e no-brancas em procurar escolas paraserem nelas admitidas.

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    TABELA 7

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    A taxa de atendimento refere-se freqncia escolar, masno permite diferenciar as adequaes entre cada faixa de idadee o ciclo educacional esperado. A taxa de escolarizao lquida,por sua vez, indica, para cada ciclo educacional, a freqnciaefetiva das pessoas da faixa de idade correspondente ao cicloeducacional. Na dcada de 90, a porcentagem de alunos quefreqentam escola na faixa de idade adequada aumenta, comovemos na tabela 8, para todos os nveis de ensino. Em 1999, ataxa de escolarizao lquida do ensino fundamental de

    74,4%. Em particular, a forte adequao entre a freqnciadas crianas de 7 a 10 anos idade e a fase de 1 a 4 sries dociclo fundamental corresponde a uma taxa de escolarizaolquida de 88,8%.

    entanto, foi de cerca de 41% para os jovens brancos e 61% para

    os jovens negros. Esta constatao representa uma importanteevoluo nos parmetros de desigualdade racial, j que ocrescimento relativo da cobertura escolar foi mais intenso entrea populao de cor negra. Alm disso, essa maior performancerelativa identificada para todas faixas de idade presentes natabela 7. A evoluo, ao longo da dcada 90, nos revela, portanto,que a variao relativa da freqncia escola dos negros maiordo que a dos brancos, em todas faixas de idade.

    A evoluo das taxas de atendimento escolar da populaototal nos indica ainda, uma tendncia, durante a dcada de 90,de aumento do tempo de permanncia na escola, na medida emque as maiores variaes relativas referem-se justamente aosalunos acima de 18 anos. Ao considerarmos o recorte racial,como destacamos acima, vemos que, apesar dos nveis defreqncia escola dos negros ainda serem inferiores aos dosbrancos, essa tendncia positiva de aumento do tempo depermanncia na escola mais significativa entre os jovens negrosna faixa de 18 e 24 anos de idade.

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    Como vemos na tabela 8, entre 1992 e 1999, a taxa deescolarizao lquida da populao de 7 a 14 anos passa de60,9% para 74,4%, de acordo com os dados das Pesquisas

    TABELA8

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    Nacionais por Amostra de Domiclios. Alm disso, entre 1992

    e 1999, a escolarizao lquida do ensino fundamentalapresentou uma taxa de crescimento de cerca de 22%,decorrente da importante contribuio da 2 fase do ciclo (5 a8 srie) que sofreu um aumento na taxa de escolarizao de43,4% para 61,6% no mesmo perodo.14 O aumento anual dataxa de escolarizao lquida ocorreu de forma linear a partirde 1995, para todos nveis de escolaridade.

    A anlise do comportamento das taxas de escolarizaolquida do ensino fundamental evidencia, durante a dcada de90, mudanas positivas nos valores de brancos e negros e dehomens e mulheres. No entanto, apesar do aumento daadequao da faixa etria dos estudantes s sries freqentadas,o padro de adequao heterogneo conforme consideremosseparadamente as duas fases do ciclo de ensino fundamental.Em 1999, a taxa de escolarizao lquida da 1 fase do ciclo de 88,8%, e a da 2 fase de 61,3%. Alm disso, so distintasas intensidades dos processos de adequao de brancos e negrosao longo da dcada.

    Na 1 fase do ensino fundamental, os brancos passaramde 85,8%, em 1992, para 90,8%, em 1999, representando uma

    variao relativa de 5,8%. A populao negra, por sua vez,observou uma variao relativa de 23,6%, passando de 70,2%,em 1992, para 86,7%, em 1999. Ao final da dcada, ambosvalores so expressivos, apesar da taxa de escolarizao dosnegros, em 1999, ser eqivalente a dos brancos, em 1994.

    14 Destaca-se que os ensinos mdio e superior apresentam baixas taxas de escolarizaolquida. A significativa variao relativa de 80,2% ao longo da dcada de 90 fez com que,em 1999, o ensino mdio atingisse o patamar de 33,3%. O ensino superior, em 1999,apresenta o reduzido valor de 7,5%.

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    Na 2 fase do ciclo fundamental a taxa de escolarizao

    lquida dos brancos passa de 56,6%, em 1992, para 73,9%, em1999, e a dos negros, de 30,8% para 49,3% no mesmo perodo.A variao absoluta apresenta valores semelhantes em ambasas raas (cerca de 18%), mas, na proporo em que ospatamares iniciais so bastante distintos, a variao relativaao longo da dcada significativamente superior entre os negros.A diferena na intensidade da evoluo da taxa de escolarizaonos anos 90, no entanto, no contribui para uma mudanasignificativa da desvantagem racial da populao de cor negra.Em 1999, a taxa de escolarizao dos negros na 2 fase dociclo fundamental encontra-se em valores aindasignificativamente inferiores dos brancos em 1992.

    Os nveis das taxas na 2 fase do ciclo fundamental semantm bastante distintos em todo o perodo e a diferenaentre brancos e negros permanece praticamente constante, namedida em que a diferena absoluta entre brancos e negros erade 25,4 pontos percentuais em 1992 e de 24,6 pontos em 1999.De forma distinta do que acabamos de constatar para a 2 fase doensino fundamental, a diferena absoluta na taxa de escolarizaoentre brancos e negros na 1 fase do ciclo diminui de 15,7 pontos

    percentuais, em 1992, para 4,1 pontos, em 1999. No entanto, seconsiderarmos o esforo de reduo da distncia em relao metade adequao perfeita entre as sries e as faixas etrias vemos que,na 1 fase do ciclo fundamental, os negros (apesar do menor valorda taxa) se aproximam com maior intensidade da taxa de 100%. Na2 fase do ciclo fundamental, as trajetrias so diferentes e os brancos,apesar de apresentarem menor variao relativa na dcada, se

    aproximam com maior intensidade da taxa de escolarizao de 100%.Ao considerarmos o recorte de gnero, presente na tabela9, temos que a taxa de escolarizao lquida das mulheres superior dos homens nas duas fases do ciclo fundamental,

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    em todos os anos do perodo. Na 1 fase do ensino fundamental,

    houve uma reduo no diferencial entre mulheres e homens,atingindo, em 1999, o valor de 89,4% para mulheres e 88,1%para homens. Na 2 fase do fundamental, a diferena entremulheres e homens permaneceu estvel, em torno de 8 pontos

    TABELA9

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    percentuais, durante toda a dcada, atingindo, em 1999, 65,7%

    e 56,9% para mulheres e homens, respectivamente.O recorte simultneo de cor e gnero torna evidente que

    as diferenas decorrentes do componente racial sosignificativamente superiores s de gnero. Em termos globais,temos uma dominncia do fator racial definindo um perfilsemelhante para homens brancos e mulheres brancas e outroperfil para homens negros e mulheres negras. Em toda a dcada

    de 90, constatamos que, por um lado, no interior das raas, osindicadores das mulheres tendem a ser superiores aos doshomens. Por outro lado, entre as raas, as taxas das mulheresbrancas so superiores s das mulheres negras e as taxas doshomens brancos so superiores s dos homens negros.

    Na 1 fase do ciclo fundamental, a taxa de escolarizaolquida das mulheres brancas de 90,7%, dos homens brancos,

    91%, das mulheres negras, 88,2% e dos homens negros, 85,4%.O diferencial entre mulheres e homens de cor branca foidecrescente ao longo do perodo, anulando-se no final dadcada. Entre mulheres e homens de cor negra o diferencialpermaneceu constante, em cerca de 3 pontos percentuais,durante todo o perodo. Em 1999, os valores so positivos erelevantes para todos os recortes considerados, apesar de ainda

    identificarmos uma pequena diferena entre o perfil daescolarizao lquida de brancos e negros.Durante a dcada, o diferencial entre homens brancos e

    homens negros caiu de cerca de 16 pontos percentuais paracerca de 6 pontos, no entanto, os homens negros, em 1999,apresentam um valor da taxa de escolarizao semelhante aoque estimamos para os homens brancos no ano de 1994. As

    mulheres negras, por sua vez, apresentam, em 1999, taxasemelhante das mulheres brancas em 1996, sendo que odiferencial entre elas reduziu-se de cerca de 15 pontospercentuais para 3 pontos, durante a dcada. Desse modo, as

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    diferenas observadas ainda devem-se ao componente racial,

    mas, mantida a tendncia da ltima dcada, so fortes os sinaisde convergncia na taxa de escolarizao lquida entre homense mulheres de ambas raas na 1 fase do ciclo fundamental.

    Na 2 fase do ensino fundamental, de forma distinta da1 fase, os valores encontram-se distantes do ideal de 100% dataxa de escolarizao e traduzem patamares radicalmentediferenciados entre brancos e negros. Em 1999, a taxa de

    escolarizao lquida das mulheres brancas de 77%, doshomens brancos, 70,8%. Em outro patamar, se encontram asmulheres negras com 54,5% e os homens negros com 44,4%.Alm disso, no interior de cada recorte racial, constatamosdiferenas de cerca de 6 pontos percentuais entre mulheres ehomens de cor branca e de cerca de 10 pontos percentuaisentre mulheres e homens de cor negra.

    Apesar da evoluo ao longo da dcada, constatamos,na 2 fase do ensino fundamental, que as taxas de escolarizaolquida de homens e mulheres de cor negra, em 1999, sobastante inferiores s observadas em 1992, de homens emulheres de cor branca. No inicio da dcada, a taxa deescolarizao lquida dos homens negros era metade da doshomens brancos e o diferencial permaneceu constante em cercade 26 pontos percentuais, durante todo o perodo.Comportamento semelhante ocorreu entre as mulheres. A taxade escolarizao das mulheres negras, em 1999, no atinge osvalores das mulheres brancas em 1992 e o diferencial entreelas se mantm elevado caindo, somente, de cerca de 25 pontospercentuais para 22 pontos ao longo da dcada.

    No ciclo da 5 a 8 srie do ensino fundamental, oindicador de escolarizao lquida evidencia, portanto, deforma contundente, um forte padro de discriminao racialexpresso em termos da adequao escolar esperada para os

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    jovens da faixa de 11 a 14 anos de idade. As oportunidades

    de meninas e meninos de cor negra entre 11 e 14 anos deidade so, significativamente, inferiores aos colegas de corbranca da mesma faixa de idade. Cabe investigar, portanto,as diferenas relativas aos distintos segmentos de renda a quepertencem esses jovens.

    Na tabela 10, consideramos a estrutura da distribuiode renda das famlias dos meninos de cor branca e negra deforma a analisarmos as diferenas entre as taxas deescolarizao no ensino fundamental referidas ao recortesimultneo de cor/ raa, gnero e renda. A tabela 10 apresentaas taxas de escolarizao lquida dos dois ciclos do ensinofundamental, considerando os recortes racial e de gnero, paracada quarto (25%) da distribuio de renda em cada ano dadcada de 90. Em 1999, na 1 fase do ciclo fundamental, ataxa de escolarizao lquida dos 25% mais ricos ultrapassa abarreira dos 92%, destacando-se o valor das mulheres negrasem torno de 94%. Entre os 25% mais pobres o valor da taxaflutua entre 81,4% para os homens negros e 89% para asmulheres brancas.

    Na dcada de 90, o diferencial da taxa de escolarizao

    entre os 25% mais ricos e os 25% mais pobres reduz-se deforma relevante na 1 fase do ciclo fundamental. A diferenaentre os homens brancos de 17 pontos percentuais em 1992e chega a 5 pontos em 1999. As diferenas so menores entreas mulheres brancas: 14 pontos em 1992 e 2,7 pontos em 1999.Entre as mulheres negras, a queda de 26 pontos em 1992para 8 pontos em 1999. As diferenas absolutas entre homens

    negros caem, no mesmo perodo, de cerca de 29 pontospercentuais para 11 pontos.Na 1 fase do ensino fundamental a diminuio no

    diferencial entre os extremos da distribuio de renda decorre

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    TABELA 10

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    Na dcada de 90, as redues nas diferenas entre os

    extremos da distribuio de renda na 2 fase do ensinofundamental no so to intensas quanto s constatadas na 1fase. Em 1992, apesar de distintos nveis de escolarizaolquida, as diferenas absolutas no interior das populaes decor negra e de cor branca, independente do recorte de gnero,eram bastante semelhantes e referiam-se a valores de cerca de55 pontos percentuais para os dois extremos da distribuio.

    Entre 1992 e 1999, as diferenas absolutas entre os homensmais ricos e mais pobres de cor negra se mantm praticamenteestveis nesse valor de cerca de 55 pontos percentuais. Entreos outros grupos, caem, no mesmo perodo, as diferenasabsolutas entre os 25% mais ricos e os 25% mais pobres. Em1999, essa diferena, tanto para os homens brancos como paraas mulheres negras, de cerca de 44 pontos percentuais,enquanto entre as mulheres brancas a diferena de cercade 37 pontos percentuais.

    O avano no detalhamento dos nveis de anlise nospermite enfrentar a questo da origem da discriminaoevidenciada nas distintas taxas de escolarizao lquida debrancos e negros. A questo que se coloca remete aos dilemasclssicos da literatura: as diferenas observadas refletemdiscriminao de classe, de gnero ou racial? E, em quemedida essas discriminaes mltiplas interagem entre si?

    Se as condies de pobreza e de riqueza fossem osdeterminantes ltimos das diferenas no desempenhoescolar, ao levarmos em considerao os cortes de renda,tenderamos a ter taxas lquidas de escolarizao bastante

    parecidas entre brancos e negros, tanto nos segmentos maispobres como nos mais ricos da distribuio de renda. Asdiferenas de oportunidades associadas renda das famliasimplicariam, por um lado, ricos mais escolarizados que

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    na segunda fase do ensino fundamental. O elevado nvel da

    taxa de escolarizao bruta indica que uma parcela significativados alunos apresenta forte distoro srie-idade. Na origemdesse comportamento encontram-se a repetncia e a evasoescolar, produzindo um aumento indevido das matrculas noensino fundamental.

    A distoro srie-idade corresponde razo entre a somadas matrculas dos alunos cuja idade est acima da adequada adeterminada srie e o nmero total de matrculas daquela srie.Entre 1992 e 1999, constata-se uma diminuio da taxa dedistoro srie-idade para todas as sries do ensino fundamental.

    A intensidade dessa reduo no homognea entreas sries. Na 1 srie do ciclo fundamental, ocorre a maiorvariao absoluta desse indicador, com uma reduo de59,3% em 1992 para 44,2% em 1999.15 A 2 srie apresentauma variao absoluta um pouco menor, em torno de 10pontos percentuais. O conjunto entre as 3 a 7 sriesapresentam quedas que variam entre 5 e 7 pontospercentuais. O resultado mais tmido reside na 8 srie, comuma contrao de aproximadamente 2 pontos percentuais.Assim, conforme vemos na tabela 11, a intensidade do

    progresso no indicador de distoro crescentementemenor para cada srie em que avanamos no ciclo escolar,com exceo da inflexo na 7 srie.

    15 Destaca-se que a intensidade dessa queda, observada a partir dos dados da PNAD, menor do que a identificada pelos dados do MEC. De acordo com Castro (1998), para a1 srie, a distoro srie-idade era de 59,5% em 1991 e de 40% em 1996. De acordo comos dados da PNAD, conforme vemos na tabela 11, os valores so de 59,3% em 1992

    (portanto bastante prximos do valor reportado pelo MEC), mas de 56,3% em 1996.Assim, apesar de ambas bases de dados partirem de patamares eqivalentes no incio dadcada, as intensidades das quedas so bastante distintas conforme a fonte utilizada.Lembramos a relevncia evidente dos dados de matrcula fornecidos pelo MEC, contudoeles no permitem realizar anlises a partir do recorte racial.

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    O comportamento dessa reduo no indicador de

    distoro no ocorre, para cada srie de ensino, de forma linearentre todos os anos da dcada. A 1 srie, com melhor

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    desempenho absoluto, apresenta uma diminuio de cerca de

    1 ponto percentual para todos os anos entre 1992 e 1997 euma acelerao nos dois ltimos intervalos da srie histrica:

    GRFICO

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    pessoas que freqentam a 1 srie deveriam estar cursando uma

    srie mais avanada e, de forma alarmante, 68,5% dos alunosda 8 srie apresentam algum atraso escolar.

    Entre as pessoas de cor branca, temos a taxa dedistoro srie-idade de 33,1% entre os que freqentam a1 srie e de 54,7% entre os freqentam a 8 srie. Quandoconsideramos a populao de cor negra constatamos queas defasagens so de 52,3% entre os que freqentam a 1srie e de 78,7% entre os freqentam a 8 srie. Osindicadores de defasagem so significativamente maioresentre os negros ao longo de toda a dcada para todas assries de ensino. Destaca-se, por exemplo, que, em 1999,a distoro srie-idade entre os negros na 2 srie maiordo que a dos brancos na 8 srie.

    As conseqncias das elevadas taxas de distoro srie-idade, derivadas da repetncia e evaso escolar, remetem,entre outros, ao aumento da ineficincia do sistemaeducacional e reduo da auto-estima e do rendimento dosestudantes. Nesse sentido, a investigao sobre asdesigualdades racial e de gnero requer que ultrapassemos oslimites da anlise do comportamento das matrculas escolares

    e concentremos o foco sobre o desempenho escolar dascrianas e jovens de cor negra e branca.

    3.4. DESEMPENHO ESCOLAR

    A avaliao da eficcia do sistema escolar solicita,evidentemente, um conjunto de procedimentos complexos que

    pretendem inferir o desempenho escolar e os impactos sobreas condies, objetivas e subjetivas, da vida dos indivduos. Odesempenho escolar pode ser avaliado, de forma indireta, pelaadequao entre a idade da criana e a srie efetivamente

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    16 No que se refere ao desempenho escolar, a qualidade do aprendizado dos alunos podeser medida com maior preciso a partir de sistemas de avaliao direta dos conhecimentosadquiridos, como, por exemplo, o Sistema de Avaliao do Ensino Bsico (SAEB)

    implementado pelo MEC. Apesar da falta de tradio de avaliao do desempenhoexistem, evidentemente, outras metodologias de avaliao de desempenho escolar. Noentanto, o objetivo do texto, em particular a perspectiva de investigar os processos dediscriminao de raa e gnero, restringe a anlise s bases de dados das pesquisasdomiciliares do IBGE.

    concluda.16 A meta quantitativa ideal do desempenho escolar

    remete ao conjunto de crianas que cursaram uma determinadasrie e a concluram exatamente com a idade esperada pelasregras do sistema educacional.

    Se considerarmos, inicialmente, uma medida dedesempenho negativo podemos destacar a proporo de crianasde oito anos que no concluram a 1 srie. Constatamos, entre1992 e 1999, uma melhoria para todos os recortes estudados cor, gnero e renda porm ainda prevalece uma diferena entreos recortes. Ao longo da dcada, brancos se encontram em melhorsituao que negros e mulheres que homens.

    Em 1992 cerca de 53% das crianas de oito anos de idadeno completaram a 1 srie do fundamental. Destas 17,8%nunca freqentaram a escola ou estavam cursando creche oupr-escola, e os restantes 35,5% estavam freqentando a 1srie ou no chegaram a conclu-la. Em 1999, a proporo decrianas de oito anos de idade que no concluiu a 1 srie caiupara aproximadamente 35,5%.

    Em 1992 cerca de 67% das crianas negras de oito anosde idade no tinham completado a 1 srie. A queda de 22pontos percentuais, passando para 45% em 1999, representa

    uma melhora relativa a 1992 de quase 33%. Enquanto osbrancos tiveram uma melhora de 13 pontos absolutos passandode 39% em 1992 para 26% em 1999, que representa a umamelhora de 50% em relao a 1992.

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    A diminuio da proporo de crianas de oito anos que

    no concluram a 1 srie ocorreu de forma semelhante entrehomens e mulheres. As quedas foram de 23 pontos para oshomens negros e de 21 pontos para as mulheres negras. Entreos brancos, queda de 12 pontos para os homens e de 13 pontospara as mulheres. A proporo de crianas de oito anos queno concluram a 1 srie tambm diminuiu entre os pobres,apresentando uma queda de aproximadamente 20 pontospercentuais, passando de 67%, em 1992, para 48%, em 1999,o que representa uma variao relativa de quase 40%.

    O indicador de desempenho escolar positivo referenteao conjunto das crianas de oito anos de idade pode ser medidopelo percentual das que concluram a 1 srie, ou seja, cursarame completaram a 1 srie do fundamental com a idade esperada.Constatamos uma importante evoluo no desempenho dessascrianas ao longo da dcada de 90. Em 1992, apenas 39,7%das crianas de oito anos de idade completaram a 1 srie,enquanto, em 1999, essa participao chega a 53,2%. O nveldo desempenho escolar, apesar do evidente progresso, ainda insatisfatrio. No entanto, a mudana positiva observada noperodo foi bastante relevante para as crianas negras, passando

    de 28,3%, em 1992, para 46,3%, em 1999. Entre as crianasbrancas, a variao absoluta foi de somente 8%, passando de51,5% para 59,9%.

    A diferente intensidade das variaes observadas pelaspopulaes branca e negra preservada quando procedemos aum recorte de gnero. Entre 1992 e 1999, as variaes absolutasdos meninos brancos e das meninas brancas foram semelhantes,

    com os nveis de desempenho escolar dos meninos passandode 50,3% para 57,9% e das meninas, de 52,6% para 61,9%.Entre as crianas negras se observa, no mesmo perodo, umavariao absoluta mais relevante, com o desempenho dos

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    meninos e das meninas de oito anos de idade que concluram a1 srie passando, respectivamente, de 24,6% para 44% e de32,4% para 48,8%.

    Analisando o conjunto das crianas de 8 a 15 anos deidade constatamos, a partir da tabela 12, a constituio de um

    TABELA

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    padro de deteriorao temporal no desempenho escolar. Essepadro de deteriorao significa que, ao longo do cicloeducacional do ensino fundamental, observamos que a cadanovo ano de escolaridade diminui, de forma contnua, aproporo de pessoas que concluem cada srie com a respectivaidade esperada. Aos 11 anos de idade, por exemplo, a crianadeveria ter concludo a 4 srie do ensino fundamental, no

    entanto, em 1999, apenas 37,1% das crianas encontram-senesta situao. Nos extremos do ciclo de ensino fundamentalidentificamos que 53,2% das crianas de oito anos de idadecompletaram a 1 srie, enquanto somente 20,4% dos jovensde 15 anos completaram a 8 srie. Na populao de cor negraesse desempenho ainda mais tmido e insatisfatrio: somente11,5% dos jovens de 15 anos concluem a 8 srie, sendo que

    esse valor de 8,7% para os homens negros e de, vergonhosos,3,8% para os jovens negros pobres.A diferena observada entre as distribuies de

    escolaridade sem defasagem da populao brasileira,controladas pela varivel de renda, bastante significativa.Enquanto 62,5% dos estudantes no-pobres de 8 anos de idadeconseguem completar a 1 srie, apenas 43,6% dos estudantes

    pobres da mesma idade chegam a este resultado.Analisando as propores de crianas sem defasagem paraa 8 srie, chega-se a taxas de sucesso escolar bem inferiores.Temos que 29,8% dos estudantes no-pobres conseguemterminar o ensino fundamental e apenas 7,3% da populaode pobres conclui o referido nvel de ensino.

    No decorrer da dcada de 90, aumenta a proporo de

    crianas e jovens, entre 8 e 15 anos, com a escolaridadeadequada ao desempenho escolar esperado para cada idade.Esse aumento ocorre tanto para brancos quanto para negros,de ambos os sexos. O grfico 12 ilustra esse progresso no

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    desempenho escolar, na medida em que as curvas descrevem,

    para cada idade, a proporo de crianas e jovens que, de acordocom o recorte racial, concluram cada srie sem atraso escolar.

    A partir do grfico 12, notamos, inicialmente, emconsonncia com a experincia brasileira de desigualdade racial,que o desempenho dos brancos sempre superior ao dos negrosem cada ano analisado. Em segundo lugar, considerandoespecificamente o progresso no desempenho escolar na dcadade 90, vemos que todos os pontos das curvas dos brancos, noano de 1999, so superiores aos respectivos pontos no ano de1992. As curvas referentes ao desempenho dos negros apresentao mesmo comportamento no perodo analisado.

    GRFICO 12

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    No entanto, do ponto de vista da desigualdade racial, esse

    progresso no desempenho escolar dos brancos e dos negros nose traduz em uma reduo na intensidade do padro dedesigualdade racial. O grfico 13 ilustra esse comportamentoda desigualdade racial apresentando, para os anos 1992 e 1999,as distncias entre brancos e negros associadas ao desempenhoescolar. Considerando essas distncias, constatamos que somentenas 1, 2 e 3 sries do ensino fundamental as diferenas entrebrancos e negros, observadas no ano de 1999, so inferiores sde 1992. Em todos os nveis de escolaridade referentes aointervalo entre a 4 e 8 sries as diferenas no desempenhoescolar entre brancos e negros aumentam durante a dcada.

    GRFICO 13

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    Reconhecendo um padro diferenciado, sobretudo em

    termos raciais, entre a primeira e a segunda fase do ensinofundamental podemos detalhar a anlise do comportamentoda 5 srie que inaugura a segunda fase desse ciclo escolar.Cabe ressaltar uma caracterstica estrutural do sistemaeducacional brasileiro que, de forma evidente, gera dificuldadesna passagem entre essas duas fases do ciclo educacional. Ainstitucionalizao do ensino fundamental em oito sries

    resultou da justaposio entre um nvel de ensino orientadopor classes unidocentes (antiga escola primria) e outro nveldividido em disciplinas ministradas por professores diferentes(antigo ginsio). A dissociao na organizao pedaggica ecurricular dessas duas fases do ensino fundamental implica,tradicionalmente, dificuldades de adaptao e desempenho na5 srie. Feita essa ressalva, podemos analisar o desempenhodas crianas brancas e negras de 12 anos de idade.

    A proporo de crianas com 12 anos de idade que aindano completaram a 5 srie diminuiu em 14,6 pontos percentuais,passando de 77,8%, em 1992, para 63,1%, em 1999. Apesar damelhora observada para as populaes branca e negra, os nveisdesse indicador de desempenho negativo ainda so muitoelevados e significativamente distintos entre as raas,correspondendo, em 1999, a 48,7% dos brancos e 76,7% dosnegros. O avano na dcada foi proporcionalmente maior, tantoem termos absolutos como em termos relativos, para apopulao branca de ambos os sexos. Entre os negros, a variaoabsoluta foi de cerca de 12,4 pontos percentuais, sendo maisexpressiva entre as mulheres negras que passaram de 87,5%, em

    1992, para 73,2%, em 1999. Enfim, nos anos 90, o progressodos brancos foi mais intenso do que o dos negros e, ao final dadcada, mais de das crianas negras com 12 anos de idadeainda no completaram a 5 srie do ensino fundamental.

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    Como vemos na tabela 12, a proporo de crianas de 12

    anos de idade que concluram a 5 srie, por sua vez, aumentoude forma considervel, passando de 18,8%, em 1992, para 31%,em 1999. Esse aumento foi mais relevante, em termosabsolutos, para os brancos, passando de 28,1%, em 1992, para43,1%, em 1999. Os negros, no mesmo perodo, partiram de9,5% e chegaram a 19,7%. O patamar significativamente maiselevado das crianas brancas de 12 anos de idade se mantminalterado quando consideramos o recorte simultneo de raae gnero. Em 1999, o patamar dos brancos se encontra na faixados 40%, com valores de 45,9% para as meninas brancas e40,1% para os meninos brancos. O desempenho escolar dascrianas negras de 12 anos de idade as coloca em um patamarequivalente a menos da metade do patamar dos brancos, comvalores de 22,6% para as meninas negras e 16,9% para osmeninos negros.

    Ao analisarmos o desempenho das crianas e jovens quecompletaram as sries do ciclo fundamental sem defasagem,incorporando o recorte de renda entre famlias pobres e famliasno-pobres, confirmamos duas hipteses destacadasanteriormente. Em primeiro lugar, a forte relao positiva entre

    o segmento de renda das famlias e o desempenho escolar dascrianas. Em segundo lugar, a existncia de importantecomponente de discriminao racial independente da condiode renda das famlias, na medida em que identificamosimportantes diferenas de desempenho escolar entre brancos enegros no interior dos mesmos segmentos de renda.

    Essas duas caractersticas so evidentes ao longo de todo

    o ciclo fundamental, conforme observamos na tabela 12. Secontinuarmos analisando, como ilustrao, o desempenho na 5srie temos, como vimos acima, que, em 1999, 31% das crianasbrasileiras de 12 anos de idade concluram a 5 srie. No entanto,

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    somente 15% das crianas pobres contra 45% das crianas no-pobres conseguiram o mesmo desempenho. Alm dessa diferenasignificativa, derivada dos segmentos de renda das famliasbrasileiras, constatamos, no interior das famlias pobres, doispatamares distintos associados diretamente cor declarada daspessoas. O mesmo fenmeno ocorre no interior das famlias no-pobres. Assim, em 1999, no grupo de famlias no-pobres,completaram a 5 srie com 12 anos de idade 55,2% das meninasbrancas e 47,3% dos meninos brancos. Em outro patamar,encontram-se as crianas negras no-pobres: 35,3% das meninase 31,5% dos meninos. No grupo de famlias pobres, os valoresso de 26,2% para as meninas e 22,1% para os meninos de corbranca. O universo de crianas negras pertencentes a famliaspobres apresenta desempenho significativamente inferior, comvalores de 13,9% para as meninas e 7,5% para os meninos.

    No caso das crianas de 15 anos, que deveriam tercompletado a 8 srie e, desse modo, concludo o ensinofundamental, a situao ainda pior. Analisando a populaobrasileira como um todo, constatamos que apenas 20,4% dosalunos de 15 anos conseguem finalizar este nvel de ensino.Quando consideramos essas informaes sob o recorte racial

    observamos que 29,2% dos brancos completam o ensinofundamental e apenas 11,5% dos negros chegam a este resultado.De acordo com um recorte de gnero, podemos afirmar

    que, assim como acontece com as demais sries do ensinofundamental, as mulheres tm um desempenho superior ao doshomens, destacando-se o caso das meninas brancas, das quais32% completam esta srie na idade correta. Dos meninos negros,

    que apresentam o pior rendimento, apenas 8,7% se formamsem defasagem alguma.Ao considerarmos, ainda na 8 srie, a varivel de renda

    das famlias, chegamos a nmeros bastante significativos que

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    escolar de todas faixas de idade para todos recortes de raa,

    gnero e renda. No entanto, apesar da melhoria generalizadapara todas as idades, as diferenas entre no-pobres e pobresdiminuem somente nas 1 e 2 sries. As melhorias nodesempenho escolar, dos anos 90, no trazem consigo umcomponente redistributivo que se traduziria na retrao daimportncia da varivel de renda na definio dessedesempenho. Ao contrrio, a distncia entre no-pobres epobres, na segunda fase do ciclo fundamental para ambas asraas, maior em 1999 do que em 1992. Assim, comoconstatamos no grfico 14, para o universo de crianas entre12 e 15 anos de idade correspondente ao intervalo entre a 5 e8 sries, o melhor desempenho escolar dos no-pobres emrelao aos pobres mais intenso em 1999 do que em 1992.Isso decorre do fato de que, entre 1992 e 1999, o progresso nodesempenho escolar das crianas no-pobres dessa faixa etriacresceu a uma taxa superior ao desempenho escolar das crianaspobres. Essa maior intensidade do progresso no desempenhoescolar, concentrada entre os no-pobres, ocorreu para brancose negros de ambos os sexos.

    O progresso, entre 1992 e 1999, no desempenho escolar

    das crianas na segunda fase do ciclo fundamental expressa,no s um efeito de favorecimento dos maiores segmentos derenda, mas, sobretudo, de aumento da discriminao racial.Na tabela 13, consolidamos a variao, entre 1992 e 1999, dasdiferenas no desempenho escolar das crianas brancas e negras,isto , consideramos a diferena entre a proporo de crianasbrancas e a proporo de crianas negras sem defasagem escolar

    observada em 1992 e a comparamos com a diferena observadaem 1999. A tabela mostra que entre a 1 e 3 sries as diferenasentre brancos e negros diminuem, devido melhora maisacentuada do desempenho dos negros. Na 4 srie, as diferenas

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    entre o desempenho escolar dos brancos e dos negros

    permanecem relativamente constantes nos dois anos analisados.A partir da 5 srie, no entanto, a melhoria no desempenho,entre 1992 e 1999, foi maior entre as crianas brancas,produzindo um aumento na diferena entre as raas.

    TABELA

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    O mesmo padro registrado quando consideramos o

    recorte de gnero. A partir da 4 srie, o diferencial positivoobservado entre o desempenho dos meninos brancos e odesempenho dos meninos negros de maior intensidade noano de 1999 do que no ano de 1992. O mesmo fenmenorepete-se nas diferenas entre as meninas brancas e as meninasnegras, com exceo da 4 srie, na qual constatamos umareduo no diferencial entre os dois anos analisados.

    O recorte de renda nos mostra que entre os pobres houveuma pequena reduo na diferena entre brancos e negros na1 srie. No restante do ciclo escolar a variao, entre 1992 e1999, foi mais intensa para os brancos, implicando aumentodas diferenas entre brancos e negros. No grupo de famliasno-pobres, como indica a tabela 13, os aumentos dasdiferenas raciais ocorrem, sobretudo, na segunda fase do ciclofundamental e no ensino mdio.

    A diferenciao entre os componentes de discriminaode raa e de classe fica ainda mais evidente se utilizamos umindicador sinttico de desempenho escolar do conjunto dociclo fundamental. Definimos como taxa tima dedesempenho escolar o ndice sinttico referente a cada ciclo

    educacional integral que considera exclusivamente o conjuntode crianas e jovens que completaram cada nvel deescolaridade com a idade esperada para cada srie. Assim,por exemplo, a taxa tima de desempenho escolar referenteao grupo da 1 a 4 sries considera, exclusivamente, ascrianas que completaram a 1 srie com 8 anos de idade, a2 srie com 9 anos, a 3 srie com 10 anos e a 4 srie com 11

    anos. Na tabela 14, apresentamos esse ndice para os ciclosde 1 a 8 srie, 1 a 4 srie e 5 a 8 srie, considerandorecortes de raa e de gnero e a estrutura da distribuio derenda das famlias.

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    Apesar dos avanos, que incidem sobre a defasagem

    srie-idade, a proporo de jovens de 8 a 15 anos que, em1999, se encontram com a escolaridade correta de apenas32,5%. Entre 1992 e 1999, a taxa de desempenho semdefasagem para a faixa de idade de 8 a 15 anos (1 a 8 srie)teve um aumento absoluto de aproximadamente 10% nosrecortes de raa e de gnero.

    Analisando, separadamente, cada uma das etapas do

    ensino fundamental, observa-se que os estudantes negrosapresentam uma melhora superior dos brancos na primeiraetapa. Entre os estudantes negros, a variao absoluta da taxade desempenho sem defasagem de 14,1 pontos percentuaisfrente a 10,6 pontos dos brancos. J na segunda etapa, que vaida 5 a 8 srie, os brancos tm uma variao absoluta de 13,8pontos percentuais na taxa de desempenho tima contra apenas8,8 entre os negros.

    Quando consideramos os dados de acordo com asdiferenas de gnero, chegamos mesma concluso. Os homense as mulheres da cor branca apresentam maior variao nasegunda etapa do ensino fundamental, enquanto os homens eas mulheres da cor negra apresentam maior variao na primeiraetapa deste nvel de ensino.

    Analisando os nveis absolutos de desempenho timo,identificamos, como esperado, que as crianas brancasencontram-se em melhor situao do que as crianas negras.Alm disso, constatamos, novamente, a existncia de doispatamares no interior da 1 fase do ciclo fundamental. Entre a1 e 4 sries, o desempenho escolar das meninas brancas de

    56% e dos meninos brancos de 51,3%; enquanto esses valorescorrespondem a 37,6% e 31,2% para as meninas negras emeninos negros, respectivamente. No ciclo entre a 5 e a 8sries identificamos uma gradao que hierarquiza raa e gnero.

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    As taxas so de 40,3% para as meninas brancas, 23% para os

    meninos brancos, 18,8% para as meninas negras e 13% paraos meninos negros. A estrutura desigual do desempenho escolarno interior da 2 fase do ciclo fundamental termina porestabelecer quatro patamares de desempenho que combinamgnero e raa de forma que mulheres encontram-se em melhorsituao que homens e brancos em melhor situao que negros.

    Ao analisar o progresso entre os 25% mais pobres,

    constatamos, apesar de reduzidos patamares, uma variaorelativa significativa, destacando-se a populao negra com umavariao relativa de 112% e, em particular, do homem negrocom 141%. Em relao variao absoluta, contudo, observa-se que o aumento ficou abaixo do aumento mdio apresentadoentre os jovens em geral. A parcela mais pobre das crianasnegras obteve um aumento de 8,1 pontos absolutos passando,no ciclo fundamental, de 7,2%, em 1992, para 15,3%, em 1999.As crianas brancas, nesse mesmo segmento de renda,apresentam, em 1999, uma taxa de desempenho para o ensinofundamental de 26,3%. Esse valor do desempenho escolar dascrianas brancas mais pobres, por sua vez, superior mdiada taxa de desempenho escolar da populao negra para oconjunto do pas (23,3%). Assim, as crianas brancas maispobres apresentam um desempenho escolar melhor do que amdia das crianas negras.

    Se considerarmos as duas fases do ensino fundamental,continuamos a observar as importantes diferenas entre brancose negros no interior do mesmo segmento de renda. Entre os25% mais pobres na 1 fase do ciclo fundamental a taxa de

    desempenho de 36,4% para os brancos e 23,7% para osnegros. Na 2 fase, temos 15% entre os brancos e 6,6% entreos negros. Entre os 25% mais ricos, como esperado, odesempenho significativamente maior, mas as diferenas

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    raciais continuam a existir. Na 1 fase do ciclo fundamental a

    diferena reduzida, 66,5% para brancos e 62,6% para negros.Destaque-se a velocidade do progresso na dcada, sobretudoentre os negros que partiram da taxa de 49,4% em 1992. Na 2fase do ciclo fundamental, a diferena se mantm significativaem 1999: 58,1% entre os brancos e 42,1% entre os negros.Portanto, tanto entre os mais pobres como entre os mais ricos, odesempenho escolar dos brancos significativamente superiorao dos negros; e isso sem apresentar grandes variaes por gnero.

    Se considerarmos o recorte por gnero, vemos que na 1fase do ciclo fundamental as diferenas no so significativasentre os 25% mais ricos, onde as taxas de desempenho escolarde meninos e meninas de ambas as raas oscilam entre 62% e69%. Entre os 25% mais pobres identificam-se diferenas degnero e de raa: as taxas so de 41,5% para meninas brancas ede 27,1% para meninas negras; 31,4% para meninos brancos e20,5% para meninos negros. Na 2 fase do ciclo fundamental, asdiferenas so mais relevantes e encontramos, novamente, oeqivalente a quatro patamares no interior de cada segmento derenda. Entre os 25% mais ricos, a taxa de desempenho escolardas meninas brancas ultrapassa o patamar de 60%. Os meninos

    brancos se aproximam de 55%. As meninas negras encontram-se na faixa de 45%, e os meninos negros se aproximam dos 40%.Entre os 25% mais pobres os nveis de desempenho sosignificativamente inferiores, mas ainda possvel identificar umasegmentao em quatro patamares para as diferenas de gneroe de raa. As taxas so de aproximadamente 17% para as meninasbrancas, 13% para os meninos brancos, 9% para meninas negras

    e 5% para meninos negros.Entre as oportunidades educacionais que contribuem parao melhor desempenho na escola encontra-se a possibilidadede freqentar a pr-escola. Barros e Mendona (1999), por

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    17 Ver, tambm, Rosemberg (2000) e Pinto (1987).

    exemplo, demonstram que, no Brasil, cada ano de pr-escolacursado responde, em mdia, por mais 0,4 ano de estudoconcludo. Reimers (1999), refletindo sobre as desigualdades deoportunidades educacionais na Amrica Latina, enfatiza quefreqentar a pr-escola aumenta as possibilidades de melhor

    desempenho no ciclo educacional.17

    TABELA 14

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    Considerando a adequao srie-idade dos estudantes

    que esto entre a faixa etria de 8 a 24 anos, vemos que,entre os brancos, 29,2% esto na srie correta ou um anoadiantado, 25,4% tem dois anos de atraso e a grande maioria,45,4%, tem trs anos de atraso ou mais. Entre os estudantesnegros, na mesma faixa etria, o desempenho, como esperado, pior. Apenas 12,9% esto na srie correta ou um ano adiantado,25,6% tem dois anos de atraso e a grande maioria, 61,5%, tem

    trs anos de atraso ou mais.Esses dados no se alteram significativamente quandoanalisamos a distoro srie-idade de homens e mulheres de ambasraas. O que prevalece na distribuio da defasagem a cor, ouseja, os negros tm uma defasagem maior do que os brancos.Quando se analisa segundo o gnero, nota-se que as mulheresapresentam uma defasagem pouco inferior dos homens.

    No entanto, essas defasagens distribuem-se de formabastante distinta de acordo com o fato dos jovens estudantesbrasileiros terem ou no freqentado a pr-escola ou creche.Conforme vemos nos grficos 15a a 15d, as defasagens sosignificativamente menores para os que freqentaram esseciclo escolar.

    Enquanto 37,8% dos brancos que freqentaram a crecheou pr-escola esto na srie correta ou at adiantados, somente

    18,3% dos que no freqentaram a pr-escola esto semdefasagem. Ainda analisando os dados dos estudantes brancos,conclui-se, como era esperado, que a porcentagem de alunosque tm trs anos ou mais de atraso escolar bem maior paraaqueles que no freqentaram a creche (60,5%) do que paraaqueles que freqentaram (33,8%).

    O mesmo comportamento identificado entre os negros,

    apesar dos patamares de desempenho serem inferiores: porexemplo, 17,4% dos negros que freqentaram a creche ou pr-escola esto na srie correta ou at adiantados, apenas 5,8%dos que no freqentaram a pr-escola esto sem defasagem.

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    Do total de alunos que esto na srie correta ouadiantados, 69,4% so brancos e apenas 30,6% so negros.Sendo que 19,1% so brancos que no freqentaram a pr-escola, 5,4% so negros que tambm no freqentaram a pr-

    escola, 50,3% so brancos que freqentaram a pr-escola e25,7% so negros que freqentaram a pr-escola.

    A importncia da freqncia ao pr-escolar ainda maisntida quando reconhecemos que os negros que freqentarama pr-escola tm uma participao maior entre os estudantessem defasagem do que os estudantes brancos que nofreqentaram. Ou seja, independente da raa, aqueles quefreqentam a pr-escola apresentam melhor desempenho, o quenos permite afirmar que os estudantes cuja formao possui onvel pr-escolar desfrutam melhor das oportunidadeseducacionais que lhe so concedidas.

    Entre os que tm trs anos ou mais de atraso, 42,32%so brancos e 57,68% so negros. Desses alunos, 24,81% soalunos brancos que no freqentaram a pr-escola, 28,20%so negros que tambm no freqentaram a pr-escola, 17,52%so brancos que freqentaram a pr-escola e 29,47% so negrosque freqentaram a pr-escola.

    GRFICO 15 d

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    44444. CONSIDERAES FINAIS. CONSIDERAES FINAIS. CONSIDERAES FINAIS. CONSIDERAES FINAIS. CONSIDERAES FINAIS

    A escolaridade de brancos e negros nos expe, comnitidez, a inrcia do padro de discriminao racial. Como vimos,apesar da melhoria nos nveis mdios de escolaridade de brancose negros ao longo do sculo, o padro de discriminao, isto ,a diferena de escolaridade dos brancos em relao aos negrosse mantm estvel entre as geraes. No universo dos adultosobservamos que filhos, pais e avs de raa negra vivenciaram,em relao aos seus contemporneos de raa branca, o mesmodiferencial educacional ao longo de todo o sculo XX.

    No universo do ensino fundamental, identificamos, aolongo do texto, progressos no sistema escolar. No entanto, osavanos referentes ao acesso e permanncia na escola no setraduzem em redues nos padres histricos de discriminaoracial entre as crianas de 7 a 14 anos. Os indicadores dematrculas e, em particular, de desempenho, e