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Quimeras
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Quimeras Por: Stefan Plnio da Costa
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Prlogo
Segundo a mitologia grega Aegis, tambm chamado de gide, era o
escudo forjado pelo rei-deus Zeus, era capaz de repelir qualquer ataque
direcionado a ele vindo de qualquer direo, no entanto era intil se
usado para lutar diretamente.
Aparentemente inerte na rbita do terceiro planeta do sistema solar
apadrinhado por um sol amarelado de tamanho mdio, cuja cor azul se
destacava estava a maior obra de engenharia e arquitetura da histria
humana. Milhes de toneladas de metal branco como marfim formavam
um conjunto de anis, sendo que o maior media duzentos e cinqenta
quilmetros de dimetro por vinte e trs de largura e o menor cento e
vinte e cinco quilmetros, interligados por quatro hastes que
sincronizavam o giro constante de quarenta voltas por hora em sentido
anti-horrio de ambos os anis.
Do segundo anel mais quatro hastes de conectavam a uma estrutura
esfrica que tinha menos da metade do raio do anel menor. Tal
disposio havia sido pensada com um olhar puramente tcnico e
cientifico, mas o formato irremediavelmente lembrava um escudo
branco e brilhante no a toa ela foi conseqentemente batizada de Aegis
por algum tcnico mais extrovertido.
No entanto, ao invs de se tratar de uma ferramenta de guerra, a estao
atuava como um refgio o que imediatamente a fez ser conhecida como
A Arca uma fez que ela era um refugio... O ultimo refugio da
humanidade.
O planeta milhares de quilmetros abaixo foi outrora rico em vida,
prspero em recursos e em populao agora se encontrava morto e
tomado pela radiao, todo humano e animal que havia ali deixou de
existir.
-
A Colnia: Zona de Quarentena
A tela de cristal transparente brilhou mais intensamente quando a
mensagem comeou a ser exibida. Um homem aparentemente alto com
cabelos finamente curtos e aparados que pareciam casar perfeitamente
com o cavanhaque curto que usava, seu uniforme lembrava um macaco,
mas conservava o aspecto oficial com uma carga de imponncia e
autoridade, os olhos castanhos vazios s afirmavam o que todos sabiam,
aquele era comandante da Arca.
Ao fundo tremeluzia a imagem digitalmente tratada exibindo a flmula
smbolo do governo Colono, um foguete cruzando uma lua, ambos
escarlates sob um fundo amarelo. Houve um instante de silncio e ento
ele comeou a discursar.
- Meus caros cidados! Hoje venho lhes parabenizar, pois nesse dia
completamos mais um ano sob a proteo infinita de nossa amada Arca
Aegis, H exatos duzentos anos nossos patriarcas, homens sos que
sonharam em construir um lugar livre da ganncia e da corrupo, um
paraso intelectual em um mar de ignorncia e poder, chegaram a este
santurio... Este paraso que chamamos de lar! A voz do comandante
apesar de carregar um grande formalismo tambm portava uma frrea
convico em suas prprias palavras.
- Porm... Prosseguiu Ainda hoje h aqueles que se agarram
obsessivamente a insanidade de nosso passado, eles se escondem entre
ns e como todos sabem vm nos atacando periodicamente. Um dio por
nossa paz que os levou a corromper seu prprio DNA, por essa razo
todos que so suspeitos ou que foram vitimas genticas das maquinaes
destes... Terroristas esto devidamente isolados em quarentena
temporariamente! O comandante tomou um novo flego
- De que serve o passado seno para nos guiar rumo a um futuro melhor?
Os impuros homens que habitaram a Terra a destruram com suas
bombas nucleares e envenenaram a gua e o solo com a radiao, mas
-
ns somos Colonos, somos puros e agora cabe a ns defender nosso modo
de vida, nossas famlias... Nossa Superioridade!
O militar desaparece da tela e resta apenas flmula digital ondulante,
em seguida surge uma mensagem escrita que apesar de no ser narrada
soa como se o comandante as sussurrasse. eja sua famlia,
aliste-se no exrcito pacificador Colono
As instrues do alistamento vieram em seguida e depois a tela se apagou
para instantes depois retornarem ao que originalmente transmitiam.
Uma delas em particular, na qual Edan assistiu o pronunciamento o
informe dirio voltou a ser exibido relatando um ataque atribudo ao
grupo rebelde conhecido como vaga-lumes, o informe dizia que uma
bomba havia sido detonada em um trem e que as vitimas fatais j
passavam de duzentas pessoas.
uma palhaada atrs da outra!-Pensou consigo mesmo enquanto
retomava o seu caminho. As ruas da colnia haviam sido originalmente
projetadas para serem amplas e largas possibilitando um fluxo maior de
indivduos, um padro que se mantinha at aquele dia... Com exceo do
setor de Quarentena que mesmo conservando os grandes edifcios
parecia sufocar-se com a falta de espao, as ruas largas foram quase todas
tomadas por barracos e cortios improvisados, transformando as avenidas
em ruelas estreitas e apinhadas de pessoas em um vai e vem constante.
Um olhar para o horizonte revelava a curva acentuada da Arca assim
como o teto de metal, um conjunto de poderosas lmpadas forneciam
uma simulao de luz solar, alimentadas diretamente por painis solares
na parte externa da estao, porm acima de tudo a prpria curvatura
revelava a Colnia alm da zona de Quarentena, parecia um lugar limpo
e organizado com grandes manchas verdes que no podiam ser nada
alm grandes parques e jardins que garantiam que a maior parte do ara se
renovasse de modo natural, algo que h muito desapareceu daquele
lugar.
-
Em razo do choque evidente de realidades Edan, assim como a maioria
mantinha os olhos no cho ou nos ombros de quem quer que estivesse a
frente, movia-se com agilidade e de modo quase dissimulado com os
olhos atentos a sua volta, no preocupava-se com os estranhos ao seu
redor (apesar de no descuidar com eles tambm), mas sim com algum
andride ou drone que passasse por ele.
No demorou muito para que visse o primeiro, mas esse no continha as
cores cinzentas e uniformes das foras de segurana, na verdade no
continha cor nenhuma, era um modelo civil, provavelmente feito com
peas contrabandeadas. Tinha uma aparncia nenhum pouco simptica,
a comear pela cabea que no era muito diferente de uma caixa preta
retangular pouco menor que a de um humano, uma cmera e dois
sensores o orientavam, o resto do corpo como um todo lembrava o de
uma marionete antiga de madeira, porm apoiada sob um tipo de
exoesqueleto permitindo-os se mover livremente, a forma da carcaa
bem como a aparncia de ps e mos variam segundo a funo
desempenhada.
Mais dois andrides passaram por ele, porm todos civis, logo em seguida
reconheceu um drone patrulha passando sob um telhado cinco metros
acima dele, esgueirou por uma sombra at que passasse. Drones so
praticamente idnticos aos andrides, a cabea tem o mesmo formato e
se liga ao tronco do mesmo modo, mas as semelhanas acabam ai. O
tronco por sua vez mais fino e curto feito de uma liga metlica menos
densa, da juno dos ombros duas hlices de meio metro cada, na altura
da cintura estava posicionado seu armamento, sua pintura cinzenta com
o emblema da arca gravado discretamente em seu peito o identificavam
como uma mquina das foras de segurana.
Para indivduos como Edan esse equipamento era especialmente
incomodo uma vez que seus sensores so mais sensveis. Esperou at ter
certeza que mais nenhum apareceria e retomou o seu caminhar gil por
mais cinco ruas estreitas, observou distraidamente casais, pais e filhos,
-
crianas correndo e comerciantes tentando vender algo sucateado ou
consertar quase todo o tipo de sucata, um ou dois postos onde se podia
trocar seus cartes de comida pela comida em si.
Tudo naquele lugar era sujo e velho, sem o menor trao de
individualidade com grande parte da populao, apenas alguns poucos
- vestiam os uniformes de pea nica distribudos
anualmente pelo Anel Interno, o resto adquiria roupas manufaturadas
em bazares e lojas pequenas, um esforo desesperado em busca de
identidade.
O jovem adentrou uma avenida mais larga atento a um endereo,
encontrou-
improvisada com folhas de metal e chapas armadas de forma retangular e
fixadas sabe-se l Deus como. Na entrada lia-se em uma placa de ao:
Oficina do Rgis.
Negcios Ilegais
mais do que comprovado que ao se criar um setor marginalizado em
qualquer tipo de ncleo populacional, a limitao de espao e recursos
leva a uma crescente taxa de criminalidade, motivada principalmente
, ainda que aja
um combate do mesmo por parte das autoridades sempre haver
inmeras formas de burlar os sistemas de controle e preveno
elaborados, na Zona de Quarentena isso no era diferente.
Edan pertencia a essa porcentagem da populao o como todos que
atuavam no mesmo ramo de atividades ele foi at a Oficina do Rgis,
tratar de negcios. A loja em si era pouco mais do que um corredor
comprido com uma variada exposio de peas do mais diversos
mecanismos nas paredes, tanto a venda quanto aguardando o concerto,
acima de qualquer suspeita, um senhor de idade que convenientemente
-
era o prprio Rgis limpava distraidamente o balco com um trapo velho
enquanto seu andride assistente empilhava caixa no fundo da loja.
Edan se aproximou batendo uma camada fina de p do sobretudo escuro
e ajeitando a camiseta de cor neutra, o velho ergueu o olhar e disse quase
sem mexer os lbios.
- O que tem pra mim dessa vez rapaz?
- Infelizmente nada, mas o que eu tenho talvez interesse alguns
companheiros no poro! Edan respondeu com um sorriso irreverente.
- Voc est ficando muito indiscreto garoto, isso vai acabar te matando!
- V se no me amola velhote! O tom agora era de brincadeira.
- Pois bem... S.A.M venha aqui!
- Pois no?- O Andride reportou-se prontamente
- Vigie a loja sim vou tratar de negcios em particular!
O velho Rgis sorriu e acionou um interruptor oculto no balco que
abriu no cho pouco a frente de Edan uma passagem, similar a um
bueiro, dando acesso aos tneis de manuteno interna que h muito no
eram utilizados. Para o governo eles haviam sido selados e de fato
muitos, principalmente os que davam acesso a outras partes da colnia
permaneciam assim, no entanto vrios bolses como aquele
permaneciam intactos.
exatos dez por dez metros quadrados, que lembrava um cubo, ocupada
por quatro mesas onde dez pessoas por vez negociavam ou trocavam um
dos produtos mais valiosos da Zona de Quarentena: A informao.
Mais do qualquer tipo de droga ou bebida a Informao, era o produto
mais restringido desde o inicio da atual gesto da colnia, era do
conhecimento comum que o governo filtrava todo o tipo de dados que
-
circulavam nos meios da comunicao, uma palavra mal interpretada em
um simples e-mail podia ser o suficiente para ser mandado para a
Quarentena, isso fez surgir uma atividade ilegal completamente indita.
O trafico de informao funcionava basicamente com o transporte de
mensagens simples, muitas sem a menor relevncia, mas que exigiam,
por parte se seus respectivos remetentes, privacidade, porm acima de
tudo esse era o principal canal de comunicao de agiotas ou contatos
das mais variveis atividades criminosas
apenas ser um mensageiro, mas tambm ser neutro e protegido.
Em uma mesa Edan viu um grupo de homens em uma discusso
acalorada a respeito da distribuio de alguns exemplares do Alcoro, da
Bblia e do Talmud, em outra mesa v
distribuidor, no viu o que se passava nas outras mesas e francamente
no se importava muito, sua mente e sua ateno estavam voltadas para
uma mesa no fundo sala de metal onde uma figura que s pode ser
descrita como no mnimo extica encarava o resto da sala com um ar
quase divertido.
Spidra era uma mulher linda, rosto redondo de traos sutis, lbios rubros
como sangue olhos de um azul profundo cabelos loiros cortados at a
altura do queixo, um corpo magro e busto mdio, porm na altura da
cintura seus quadris se tornavam mais largos, anormalmente mais largos
e a partir dele surgiam parcialmente cobertas por sua saia, quatro pernas
articuladas tal como as de um aracndeo, ainda que conservassem a cor
de sua pele e segundo a prpria Spidra a mesma maciez do resto de sua
pele.
- Ora quanto tempo Edan, como vo s coisas?
- Agitadas como sempre, mas e voc? Perdeu peso?
A mulher Quimera sorriu e fez um gesto de desdm antes de responder.
-
- - Ela suspirou e prosseguiu Pois bem ambos
sabemos que no est aqui apenas por cortesia, diga o que tem pra mim!
- direto ao ponto, tenho isso! Tomar que lhe interesse!
Edan tirou uma pequena lmina de cristal do bolso, retangular medindo
sete por cinco centmetros, pressionou o polegar direito contra ela at
que emitisse um tnue brilho azul, posteriormente entregou-o a
negociante.
- Esta uma comunicao do centro de controle de alimentos, esto
querendo reduzir o valor dos cartes de comida de rao no prximo
ms, imaginei ento que alguns ativistas ou ladres capazes pagariam
muitos cartes de comida por uma informao dessas!
- E voc quer uma fatia do bolo ao invs dele inteiro?
- No sou ganancioso! Edan pensou um pouco antes de continuar - E se
toda essa fortuna parasse de circular eu correria risco de morte, afinal as
paredes tem ouvidos no?
- E o que garante que eu no te roube agora e fique com toda a grana s
pra mim?
- Porque eu no disse de quanto ser a reduo e porque o arquivo est
decodificado e qualquer tentativa de quebr-lo vai apagar-lo
imediatamente!
Spidra voltou a sorrir, fazia negcios com Edan h anos e a parceria
sempre provou-se muito lucrativa, porm jogos como aqueles eram teis
quando se pretendia confirmar a veracidade da informao, perguntas
inquisitivas ou acusaes falsas podiam delatar mentiras e meias
verdades por meio das hesitaes e gaguejos em suas reaes.
- Cheio de recursos... Como sempre!
- Obrigado, agora quanto ao valor...
-
- Claro! Como de costume vai ter metade do pagamento adiantado e a
outra depois que eu vender, por digamos... Cinqenta cartes de comida
de uma rao inteira!
-Sessenta! Edan rebateu Foi difcil de obter!
- Tudo bem! A resposta veio acompanhada de uma careta azeda
Abriu sua bolsa e entregou a ele quinze cartes de comida, do tipo
poro completa com evidente relutncia em se desfazer deles.
- sempre bom fazer negcios com voc Spidra!
O traficante ajeitou o casaco, girou os calcanhares e caminhou at a sada
junto de outros trs traficantes que como ele j haviam concludo seus
assuntos ali. Enquanto a porta anexa a sala (que muitas dcadas atrs
manuteno como aquelas, agora uma sada discreta para indivduos que
no desejavam ter seus movimentos rastreados ou para aqueles que
tinham que se esconder como Spidra) se abria lentamente entrada que
dava acesso loja de Rgis explodiu com uma onda de choque e um
estalo seco de metal estilhaado.
Dois drones entraram com os seus arpes em ponto de disparo na altura
de se sua cintura mecnica. seguidos por dois andrides policiais e mais
dois soldados com suas fardas cinzentas vestindo um exoesqueleto leve
sobre o uniforme, a estampa com a flmula da Arca se destacava em seus
ombros, os rostos cobertos por capacetes de lentes espelhadas do topo da
testa at o queixo. No portavam armas de fogo, mas adagas e bestas,
algumas movidas presso que disparavam setas afiadssimas.
Era sabido que devido aos recursos mais do que limitados da Arca, o uso
de armas de fogo tornou-se invivel, de modo que as armas necessitavam
ser mais durveis de modo que o combate foi reduzido s artes marciais,
adagas, machados, lanas e bestas que em sua maioria funcionavam de
modo automtico com uma cadncia de tiro entre cinco e sete segundos,
-
desse modo as setas poderiam ser reutilizadas e as lminas amoladas
novamente.
A mira lazer dos drones marcou quatro indivduos e com um estalido
surdo dispararam os projteis nas gargantas dos negociadores, um deles
caiu com sua pistola em ponto de disparo em mos. Tudo aconteceu em
questo de milsimos de segundos.
- Rendam-se agora! Esto presos por adulterar e divulgar falsas
informaes contra a Colnia! Ordenou um dos soldados.
Nesse momento um dos traficantes que estava com Edan resolveu
aproveitar o momento de choque em que todos estavam e tentar apanhar
os cartes que ele havia negociado com a Quimera, desembainhou sua
faca, uma pea simples com cabo de prata e lmina de fio duplo de vinte
centmetros, com a inteno de furar o pulmo dos dois e deix-los para
os guardas encobrindo sua fuga, em tese um excelente plano, apenas em
tese.
A folha de metal riscou o ar em linha reta procurando uma abertura um
pouco abaixo da axila esquerda do segundo traficante, pois considerou
Edan como menos perigoso, o mesmo percebeu o movimento e estando
desprovido de uma adaga ou arpo, por considerar-los um obstculo
durante suas transaes, ele girou os calcanhares e acertou um chute na
panturrilha do agressor fazendo-o cair de joelhos e finalizando-o no ato
com uma joelhada no rosto.
O segundo traficante surpreso com a curta briga que se iniciou tentou
tambm tirar proveito da situao com um punhal curto em riste mirou
na nuca do jovem traficante que reagiu de igual rapidez agarrando o seu
pulso e detendo a queda da arma sobre si. O mesmo no teve tempo de
reagir, pois acidentalmente serviu como escudo quando a as flechas das
armas de presso dos andrides o atingiu nas costas matando-o quase que
na hora.
-
Edan sentiu o peso do corpo caindo sobre si, chutou-o na altura do peito
para fora do corredor fechando a porta logo em seguida enquanto os
virotes dos soldados ricocheteavam na porta. Quando a porta se fechou
ele estilhaou a fechadura a pontas-p e destruiu a trava eletrnica com
um cano de metal de pouco espessura que em algum momento se
quebrou formando uma haste pontiaguda de quinze centmetros.
Bem nesse momento o traficante nocauteado recobrou a conscincia e
investiu contra ele aproveitando-se de ainda estar armado, porm ainda
seu movimento foi muito lento, lento o bastante para que tivesse seu
golpe bloqueado pela haste de metal pouco antes fincada no teclado
digital que transcreveu um circulo no ar antes de fincar-se novamente
no peito do agressor. Seu corpo tombou no piso frio ainda quente
enquanto Edan corria pelo corredor revestido de canos contando os
cartes de comida subtrados dos dois traficantes de antes.
Mais um dia como qualquer outro!- Pensou.
Revirando o Passado
Maiko desligou o computador porttil cuja tela de cristal perdeu logo seu
brilho e retraiu juntamente com teclado at ficar parecido como uma
caixa fina e retangular. A moa esfregou os olhos cansados dando assim o
dia como encerrado, consultou o relgio digital na parede que marcava
sete e meia da noite, ou pelo menos da simulao de noite na Colnia.
Ele j deve estar chegando!- Sups E quando chegar estarei bem bonita
para ele! Sua imaginao procurou projetar a situao e fez com que se
sentisse satisfeita consigo mesma.
Foi at o banheiro cujas paredes de azulejos impecavelmente brancos
refletiam suas curvas esculturais e bem definidas, tirou a blusa, a saia
-
curta e por fim a roupa intima, esquentou a gua da banheira larga de
metal pintado de branco para combinar com o ambiente,
Mergulhou o seu corpo longo na gua sentindo um arrepio subir por seu
brao, deixou apenas o pescoo de fora da gua e passou a mo pelos
cabelos longos e os deixou flutuando soltos. Relaxou a musculatura e
inclinou-se confortavelmente, fechando os olhos e deixando sua mente
viajar at algum momento de seu passado, uma memria um tanto
sombria seno dolorosa, mas que em certo ponto tornava-se agradvel
para ela.
Sua mente a projetou para dez anos no passado. Lembrou-se de estar
escondida dentro de um armrio escuro e poeirento do qual apenas uma
fina fresta no material sinttico pela qual um facho de luz cortava a
negritude dava-lhe uma turva viso do que estava acontecendo.
Viu seu pai, um homem robusto e alto de pele alva, mas de cabelos
negros, empunhava uma besta automtica na forma de pistola. Com um
brao levantado ele procurava manter sua me atrs de si, ela usava um
vestido amarrotado e com pequenas manchas de sujeira, suas mos
tremiam enquanto segurava uma faca tosca aparentemente improvisada
na direo da porta do quarto, lgrimas escorriam de seu rosto.
- Vamos ficar bem querida, vamos ficar bem!- Seu pai repetia
incontrolavelmente.
A esposa em resposta balbuciou algo, estava amedrontada, porm ao
olhar de soslaio para os olhinhos de Maiko atravs da fresta, ela
encontrou de alguma forma foras para se recompor, ficar de p, enxugar
as lgrimas e pensar com clareza novamente.
Um baque forte foi ouvido quando algum tentou forar a porta para o
quarto, porm sem sucesso, a segunda e terceira investidas seguintes
foram igualmente infrutferas, mas na quarta as dobradias comearam a
ceder e na quinta tentativa ela finalmente cedeu. A placa de metal com
-
reforo e o dobro da espessura tradicional se estatelou no cho e apenas
uma figura entrou ordenando para os demais no corredor.
- Apenas cubram a retaguarda! Eu cuido disso! O tom de sua voz era o
mesmo como se relatasse algo trivial.
O homem, diferentemente dos soldados no portava capacete. Trajava
um uniforme aparentemente imprprio para combate, tendo inclusive as
mesmas caractersticas dos usados pelas foras policiais convencionais
com o acrscimo do exoesqueleto de combate sobre ele, portava apenas
uma faca de fio nico e base serrilhada com cerca de quarenta
centmetros, que refletia de maneira bruxelenta a luz provinda do lado
de fora.
- Armados, no? Se querem uma morte de guerreiros ento no irei me
opor, na verdade os admiro por isso! Ele suspirou como se
reconsiderasse o que ia fazer uma pena que sejamos inimigos ao invs
de irmos de armas!
O pai de Maiko sentindo os msculos de enrijecerem ante a adrenalina
em resposta a declarao do oficial escarrou estrondosamente em suas
botas e disse de modo desafiador:
- Pro inferno com sua irmandade ou sua admirao!
Pressionou o gatilho e a as cordas se relaxaram lanando a seta no ar que
se encravou na parede onde um instante antes estivera cabea do
soldado. O homem teve tempo apenas de ver o cintilar da lmina contra
o seu peito transpassando-o logo em seguida com um som seco seguido
de um aguado quando foi removida.
- No!
A esposa investiu contra o soldado sendo tomada por uma fria assassina
tpica de sua espcie, a sua calda de serpente cortou o ar enquanto a faca
presa a ela mirava o pescoo do agressor, o golpe foi desviado, mas o
ngulo da faca em suas mos era incorrigvel, ou deveria ser, o
-
movimento foi bloqueado por um pea da armadura, a mulher ento
mudou o jogo de ps e puxou algo parecido com um pigarro do fundo da
garganta, mas antes que pudesse cuspir o veneno to veloz quanto um
raio a folha de metal atravessou sua garganta enquanto outra transpassou
o peito.
Torrentes de lgrimas brotaram da face juvenil de Maiko enquanto ela se
jogava para fora do armrio, havia abandonado a razo e s pensava em
escapar foi em direo a janela, mas sentiu-se puxada novamente pelo
assassino, agitou os braos em desespero e sentiu suas unhas
transpassarem algo macio, imediatamente ela foi solta em meio um urro
de dor, escorregou pela abertura da janela e caiu em um toldo logo
abaixo caindo em seguida na rua para desaparecer em meio confuso.
A sua mente ento mais uma vez viajou, ignorando os dois anos
seguintes de lembranas difusas relacionadas apenas com sobreviver s
ruas, at o dia em que o conheceu... O dia que mudou sua vida.
Maiko revirava uma lixeira procurando qualquer coisa que pudesse usar
para trocar por cartes de comida ou ento teria que roubar algum,
apesar de detestar roubar ela preferia faz-lo a passar fome. J havia
desistido da busca quando encontrou quatro cartes plsticos verdes,
cartes de comida de meia rao que haviam sido acidentalmente
descartados por algum idiota.
- Hey aberrao de quem voc roubou isso?- Uma voz aguda acusou.
Ela se virou e viu trs garotos que no deviam ter mais do que quinze
anos, pelo jeito com que se portavam eles nitidamente no eram
Quimeras, mas sim colonos normais, que por estarem ali s podiam ter
sido banidos.
- Na...Nada! Respondeu tmida agarrando com mais firmeza os cartes
- Mentira! Contra disse o segundo Quimeras nojentas como vocs
no so inteligentes o suficiente para ganhar uma coisa assim!
-
- Exato essa comida para humanos, v comer lixo seu pedao intil de
merda! Completou o terceiro.
- Acabem logo com essa palhaada e peguem aqueles cartes! Ordenou
o que aparentemente era o lder.
- Mas e quanto a Quimera, Wade?
- No machuquem muito ela! Seu rosto se converteu em uma careta
sdica Conheo um bordel aqui perto que pagaria uma boa grana por
ela!
- No! Se afastem de mim! Maiko ordenou em vo
Os delinqentes se armaram com pedaos de metal e avanavam contra
ela seguros de seu medo e de sua vantagem numrica. A jovem tentou
fugir, mas foi atingida com uma pancada violenta nas costas, caiu e rolou
no cho sentindo um doloroso fluxo sangue se acumular na ferida.
Sentiu-se tonta pela dor forte e em seu interior comeou a ecoar um
pensamento desesperadamente. Por favor, Deus, no me deixe morrer
assim, mande algum, qualquer, mas no me deixe morrer assim!-
Suplicou.
- Fim da linha aberrao!
Ao terminar de pronunciar essas palavras a confiana do lder se
evaporou quando ele viu em um lampejo sua mo ser cortada fora e
transcrever dois crculos no ar devido violncia com que a carne se
partiu.
- Mas que diabos...
O segundo no concluiu a frase, pois ela se afogar numa lufada de
sangue expelida pela boca em conseqncia de um soco muito forte na
altura do umbigo, que embora ele no soubesse (e to pouco se agressor)
romper seu bao, uma leso interna grave que o mataria em meio a
fortes dores em poucas horas.
-
O terceiro marginal se desesperou, comeou a gritar e sacudir a barra de
metal procurando o atacante na escurido parcial do beco, em um
movimento ele sentiu sua arma mais leve s para ento perceber que ela
havia sido cortada pela metade.
- muito fcil ser corajoso quando se est armado e junto da sua
turminha no vagabundo? Perguntou uma voz sinistra vinda da
escurido. Vamos ver o que voc pode fazer por conta prpria!
O ser se manifestou emergindo de uma sombra difusa, ainda sim s era
possvel ver sua silueta, que imediatamente revelou que ele era bem mais
baixo que o delinqente o mesmo avanou contra ele brandindo o
pedao de cano, mas tudo que se ouviu foi o som aguado de um corte
profundo e um gemido de dor.
Maiko se encolheu perto de uma lixeira ignorando sua dor e sentindo as
lgrimas brotarem de seus olhos, os passos da figura misteriosa chegaram
mais perto at que ele se exps a luz ela pode v-lo nitidamente. Era um
garoto, no muito mais velho que ela que trajava trapos em uma situao
pouco melhor do que suas mos sujas de sangue podia-se ver uma
coleo de cicatrizes que cobriam seus braos, tinha a pele negra cabelo
muito ralo e olhos dourados que a lembravam ouro derretido.
- Voc est bem? Meu nome Edan!- Sua voz transmitia simpatia
- Ma... Maiko!- Ela no sabia o por que, mas sentiu-se a vontade para lhe
dizer seu nome.
- Bom... Maiko, voc parece perdida e com fome e admito que eu no
estou muito melhor, mas tenho alguns cartes aqui comigo e no me
importaria de te dar alguns!
Ela relutou e inevitavelmente pensou nos agressores agonizando com
seus ferimentos provavelmente letais. O tal Edan pareceu perceber isso e
tratou de tranqiliz-la.
-
- No se preocupe eles no vo mais te machucar! Havia um tom de
repulsa nas suas palavras. Afinal eu estou aqui pra te proteger no?
Ele sorriu ao fim da frase.
Sentimentos Ocultos
A sua mente voltou ao presente nesse momento. Ela tentou, mas no
pode deixar de sorrir ao rever est ultima memria.
Desde aquele dia ela no havia mais se separado dele, Edan havia
cumprido sua palavra e a protegia sempre, inclusive a ensinou a se
proteger, apenas depois de inmeros apelos por sua parte. Suas origens
no eram muito diferentes, apenas divergiam com relao ao tempo que
haviam passado desamparados nas ruas da Zona de Quarentena, tempo
que tinha transformado crianas em sobreviventes.
To logo os talentos marciais de Edan se tornaram to teis quanto
habilidade com eletrnica de Maiko, tornarem-se traficantes de
informao foi escolha mais natural e desde ento o acesso privilegiado
ao submundo, bem como o poder de barganha abriram novas portas para
a dupla e os permitiu sair das ruas e morar em um dos vrios sales de
manuteno desativados abaixo das avenidas.
No a vida ideal, uma vez que as perseguies do comando da arca se
tornavam mais intensas e o risco de serem mortos se estendeu para alm
das batidas policias realizadas diariamente na Zona, onde a ordem era
matar qualquer um que fosse flagrado em algum delito, que tivesse um
mandado ou se simplesmente fosse um estorvo em seu caminho (eram
juzes, jris e executores segundo o Comando). Ainda sim ela no se
arrependia de nada, na verdade morar ali e tomar banho em uma
banheira de gua quente eram motivo de orgulho.
-
Maiko deixou a gua escorrer para os recicladores e deslizou para fora,
apanhou um par de toalhas e se enrolou nelas. Quando saiu assustou-se
ao olhar para o relgio digital, ele devia estar quase chegando.
Correu para o seu quarto e arrumou-se apressadamente da melhor
maneira que pode, mal deu ateno para a roupa que escolheu e deslizou
por uma haste de ao feita especialmente para ela que ia at o segundo
territrio quase que exclusivo dela, j que evidentemente Edan era um
pssimo cozinheiro.
O pensamento dele elogiando sua comida, novamente, a fez sentir-se
aquecida por dentro, abriu a dispensa e recolheu os ingredientes obtidos
tanto de forma legal, quanto ilegal assim como os alimentos trocados
com os cartes de comida que enchiam a dispensa quase todos os dias.
-Aproximao na porta da frente! Anunciou o sistema de segurana
Checando a identidade, um individuo, identidade confirmada Edan,
morador 2!
Maiko colocou as panelas no fogo e as deixou cozinhando enquanto
ajeitava a roupa e subia para o andar de cima pela mesma haste de antes,
chegando no momento em que ele passava pela porta.
- Porta trancada! Sistema de segurana reativado!
- Ento... Suspeitaram que a informao era falsa? Perguntou carinhosa
A jovem Quimera perdeu o flego ao ver o garoto, agora transformado
em um homem, com os mesmos olhos dourados intensos que pareciam
arder em chamas eternas, estava muito mais alto, mas no passava de um
metro e oitenta, era magro, mas no muito e apesar de evidentemente
cansado, e com ms noticias a contar, sorriu para ela com carinho, como
se sua simples presena bastasse para alegr-lo.
- No, mas acho que no vamos mais negociar com a Spidra!
-
- Tenho certeza que vamos dar um jeito, temos sempre como consultar o
Stannys no?
- Esperta como sempre Maiko!
- Nada que voc no teria pensado!
Talvez fosse apenas um caso de extrema lerdeza por parte de Edan, mas
ele mal havia percebido que Maiko no fazia a menor questo de
esconder os seus sentimentos por ele. Havia se apaixonado por Edan h
anos quando ainda roubavam desatentos nas avenidas e mendigavam em
becos para comer, a principal razo para isso era o fato simples de ele
trat-la como um ser humano, como uma garota acima de tudo.
Um sino agudo tocou no andar de baixo indicando que o jantar j estava
pronto. Maiko no perdeu tempo e deslizou seu longo corpo reptiliano
pela haste.
Da cintura para baixo o corpo de Maiko alongava-se em um majestoso
corpo de serpente com aproximadamente oito metros de escamas lisas e
vermelhas no mesmo tom de seus cabelos ruivos, seus olhos eram de
verde esmeralda com ris horizontais que muitos definiriam como
sedutoras, sua pele era caucasiana a sua metade humana era marcada por
curvas bem definidas e finas dando a ela certa graciosidade ao se
movimentar. Para muitos, inclusive Edan, aquele modo de se
movimentar era algo hipnotizante.
- Olha Maiko...
- Sim?
- No quero ser indiscreto, mas...
- O que?
- Voc est s de blusa!
-
De fato na pressa a jovem lmia (criatura mitolgica meio mulher, meio
cobra, a nomeao usada para classificar certo tipo de Quimera) na
pressa vestiu uma blusa grande, geralmente usada como pijama pensando
distraidamente ser um vestido. Imediatamente corou e sentiu como se
bochechas ardessem a mil graus.
Aps poucos segundos de vergonha ambos riram da situao tola. J
vestida corretamente a jovem Quimera ouv
vivida por seu amado naquela tarde, orgulhou-se em saber que ningum
havia desconfiado da falsa veracidade da informao, provocar um caos
temporrio os ajudaria a negociar melhor suas informaes e estipular
um preo mais alto por elas.
A cada detalhe que ele narrava a sua imaginao voava e se via ao seu
lado, ficar esperando em casa por ele era devers frustrante, mas sabia
bem que para Quimeras como ela ou Spidra ficar abaixo do solo era a
nica garantia de uma vaga segurana, porm graas a isso ela tinha
acesso aos melhores informantes e ao mesmo tempo os dados mais
confiveis.
-... As batidas esto cada vez mais freqentes e imprevisveis! Edan
suspirou insatisfeito. Esto mais violentos e ousados, como se
quisessem nos exterminar! Droga! Bateu o punho com fora na mesa.
Maiko segurou sua mo esquerda tentando acalm-lo. Desde que se
conheceram ambos compartilhavam de um sentimento de revolta muito
grande com relao ao Comando da Arca, porm novamente divergiam
no como cada um lidava com tal sentimento, ela em particular o
ignorava e se mantinha concentrada no seu futuro (que ela via
intimamente relacionado ao futuro dele.), mas Edan reprimia um rancor
muito forte por eles que vez por outra mostrava sua fora em situaes
como aquela.
- ... Reconheo que a situao no fcil, mas o que podemos fazer?
Excluram nossos antepassados para esse buraco por sermos diferentes e
-
enquanto o formos ficaremos aqui! Alm de que foi aqui que nascemos e
crescemos, aqui podemos... Sei l... Construir um futuro! Maiko tentou
conciliar.
- E que belo futuro! Respondeu ironicamente depois divagou Um
dia... Algum vai se erguer contra eles... Um dia vo nos tratar como
er
- Acho que no to cedo querido! Todos sabemos o que aconteceu com
quem tentou fazer a diferena!
- Eu sei, eu sei, mesmo assim...
Rastros
Eles tinham resistido bastante, mas no fim foi intil. O comandante no
fez questo de esconder a expresso orgulhosa que sentia quando descia
as escadas para o posto de manuteno que fedia a sangue e corpos
mortos abafados. Normalmente ele no se dava ao trabalho de checar
todos os esconderijos de criminosos que sofriam uma batida, mas aquele
lugar em especial lhe chamou a ateno quando lhe foi reportado.
- Sargento qual a situao? Perguntou de modo simptico
- Senhor... Temos cerca de vinte e dois mortos, quinze deles Quimeras,
sete deles classe 2! O sargento parecia agitado.
- Limpeza de vermes na toca deles! Excelente trabalho... Mas esse ainda
um procedimento normal! O que houve de to especial aqui para que me
chamassem?
O soldado olhou o superior de cima a baixo observando-o com cuidado,
alvo de cabelos ruivos escuros, olhos cinzentos , ao menos pelo que se
supunha visto que seu olho direito estava coberto por um tapa-olho, era
-
alto com quase dois metros e em seu rosto no se via um nico fiapo de
barba, no seu peito uma plaqueta dourada o identificava como
Comandante da dcima oitava diviso do Centro de Comando 6 da
Colnia, Willian Maller, considerado por muitos uma lenda viva.
-Bom... Senhor...Durante a ao um de nossos andrides gravou uma
srie de imagens que o senhor deveria ver!
Maller assentiu de modo paciente e sinalizou para que o sargento
continuasse sua explicao, o homem ento o conduziu pela sala
evitando pisar nos corpos crivados de balas, feridas de facadas e fraturas
de todos os tipos possveis, o comandante por sua vez no teve a mesma
preocupao, pois via tais indivduos como seres inferiores, criaturas
repulsivas, mais baixas do que qualquer tipo de escria.
O andride cumpria sua funo secundria de recolher os corpos e matar
qualquer um que ainda agonizasse, dando-
quando os dois se aproximaram ele estacou, bateu uma perfeita
continncia e indagou:
- Em que posso ajud-lo senhor?
O comandante trocou um olhar confuso com o sargento que
simplesmente assentiu com a cabea. Algo no est me cheirando
bem!- Desconfiou.
- Quero que me mostre gravao da abordagem que vocs fizeram s
dezessete horas e quarenta e cinco minutos!
-Sim senhor!
Algo parecido com uma mini lmpada emergiu dos ombros do sinttico,
feixes de luz se projetaram h sua frente formando uma espcie de domo
hologrfico de cinqenta centmetros de dimetro revelando a tudo o
que a viso de cento e oitenta graus capitados pelas cmeras e sensores de
sua cabea. Toda ao desde que a equipe fora informada por um espio
-
do centro de negociao at o arrombamento e subseqente execuo
dos suspeitos, nada fora do normal, mas ento algo aconteceu.
Trs meliantes tentaram escapar por uma sada de emergncia lateral que
aparentemente havia sido adaptada como uma rota de fuga, porm
algum quis se aproveitar da oportunidade para, sups o comandante
roubar os demais, em menos de um segundo uma violenta luta
protagonizada por lminas de aspecto ameaador teve inicio.
Porm o menor e mais magro deles sem o menor esforo acabou com
seus oponentes, um deles inclusive tinha quase o dobro do seu tamanho,
a imagem ento assumiu o aspecto infravermelho quando a porta se
fechou e o meliante finalizou de vez um dos inimigos selando o caminho
atrs de si.
- Pela Arca! Esse o nosso homem?- O comandante se fez de
impressionado para esconder sua preocupao.
- Temo que no senhor!- O homem engoliu seco Acreditamos que seja
uma Quimera tambm!
- Mas ele no age como um mero marginal... Ele... Ele foi treinado!
Maller fez uma pausa Se houverem mais como ele o comando vai ter
uma crise nas mos! Mantenha a discrio sargento e pressione todos os
nossos informantes, quero que descubra quem ele !
- Ed... Edan?- Sussurrou uma voz gaguejante no fundo da sala
Imediatamente uma mo glida e de aparncia esqueltica se fechou em
volta da garganta de Spidra fazendo a inacreditvel presso de duzentos e
oitenta quilos contra sua traquia.
- Pare!
A mquina obedeceu, mas no a soltou, tinha o vestido rasgado e fora
crivada com cerca de sete arpes, trs deles na altura do peito, que
milagrosamente no atingiram nenhum rgo vital apesar da gravidade
-
dos ferimentos. Maller se aproximou em trs passadas largas com um
olhar de desprezo e uma careta enojada ao falar com ela.
- Seno vejamos, nos deixaram rastros, parece que voc conhece o nosso
se nos disser quem ele !
Spidra puxou um pigarro da garganta e cuspiu no rosto do comandante,
sendo esbofeteada logo em seguida. Toda a postura simptica e paciente
do Comandante Maller evaporou um menos de um milsimo de
segundo, ele acreditava que tais caractersticas garantiam uma melhor
resposta de seus subordinados e traziam segurana em um interrogatrio,
porm havia limite para o que seu orgulho podia suportar.
- V... Pro... Inferno! Declarou a Quimera
- No minha cara voc vai! O comandante sussurrou antes de fazer sua
faca atravessar o pulmo esquerdo e o corao de Spidra.
- Mande-a para o setor de bio-armas e vamos voltar ao trabalho!
Ordenou secamente.
O comandante se viu com um desafio em mos, uma Quimera com tais
habilidades de combate representava uma presa perfeita para um caador
experiente e quando se trata de caar ningum era melhor que ele.
Formigueiro
-se referir tanto a um mundo
subterrneo ou um mundo oculto, essa ultima pode variar de uma
existncia etrea a literalmente todo um mundo que permanece
escondido de certo grupo de indivduos ou sociedade.
dessa palavra, na
prtica um imenso mercado ilegal, com zonas habitacionais nas suas
-
periferias que em sua maioria eram at mesmo mais dignas que as ruas
trinta andares acima. Mesmo na zona de Quarentena uns poucos
indivduos com as conexes corretas conheciam aquele lugar, ainda sim
Diferentemente da colnia na superfcie
mesma simulao de luz solar, na verdade, no contava com qualquer
tipo de iluminao geral, as nicas luzes eram aquelas provindas das
construes, que atravs de uma complexa rede de gambiarras roubam
energia para si, a distribuio da mesma feita por uma faco mafiosa,
que se auto-
Tinha entradas nos quatro pontos cardeais na forma de grandes tneis de
trs metros de dimetro. Aquele era o epicentro ilegal da zona de
Quarentena onde se podia literalmente comprar e vender qualquer coisa
e era exatamente com isso que Edan contava.
Maiko
vontade nas caladas menos caticas e vigiadas do que as do mercado
acima havia algum vestgio de seu traumtico passado nas ruas, seu corpo
era extico e chamativo, fazendo dela um alvo constante. Seus olhos
verdes esmeralda vasculhavam tudo ao redor com inquietao, segurava
o brao esquerdo de Edan com tanta fora que ele sentiu como se fosse
quebr-lo.
Apesar disso, ela ainda tentava mostrar um sorriso e manter uma
aparncia normal, a sua volta caminhavam todo o tipo de pessoas e
Quimeras. H trs tipos de Quimeras: Classe Um so aquelas que
aparentam serem humanos normais, com exceo de pequenos detalhes
como dentes, olhos ou orelhas. Indivduos Classe Dois so aqueles que
como Maiko ou Spidra tem membros inteiros de seus corpos mudados.
vez que conseguem ocultar seus traos quimerianos que muitas vezes ao
serem revelados faz com que sejam confundidos com Classes Dois.
-
Ao seu redor viam-se minotauros, pessoas que geralmente possuam
cornos bovinos emergindo das testas, que podiam ou no ser
acompanhadas de patas bovinas nos membros inferiores, Papillions com
suas caractersticas insectides produziam em suas lojas e farmcias uma
inominvel variedade de nctares que eram usados para quase tudo,
desde fabricar remdios e bebidas alcolicas at mesmo drogas
alucingenas poderosssimas. Passaram por uma loja de armas onde um
Dracon mal encarado anunciava aos berros os descontos em facas de
quinze centmetros e a promoo de arpes de mola, os Dracons talvez
fossem as Quimeras com parentesco mais prximo das Lmias (que por
razes desconhecidas representada em sua maioria por mulheres)
sendo meio-humanos, meio-crocodilos.
Porm a dupla s esteve em meio verdadeira variedade populacional do
circunstancias normais Edan, e to pouco Maiko, teria evitado cruzar
aquela parte da micro-cidade subterrnea, mas perder um contato
influente como Spidra representava um prejuzo enorme para eles, e no
conheciam ningum melhor do que Stannys para negocia-lhes outro
distribuidor, pois assim funcionava o submundo da zona de Quarentena,
tudo dependia dos seus contatos.
O tal distrito era na verdade uma larga e extensa avenida com dois
quilmetros em linha reta. T
pudesse conceber ou comprar por uma quantia justa de cartes de
comida, a variedade dos estabelecimentos em contraste com a de
espcies e classes de Quimeras possveis que se encontrava ali, no
variava muito com alguns destaques para pequenos motis aqui e ali.
- Hei garoto! Chamou um sujeito alto, um Dracon classe 2 com um
olhar guloso Quantos cartes de comida para uma hora ou duas com
essa jia ai com voc?
Edan apenas o ignorou e seguiu seu caminho sentindo a raiva emanar de
Maiko como se fosse uma fogueira.
-
-Hey idiota eu te fiz uma pergunta! O Dracon armrio pousou uma de
suas mos no ombro de Edan e j puxava Maiko para si pelo punho.
- E ai gracinha c no quer aproveitar o tempo com um homem de
verdade ao invs dessa vareta ai! Passou a lngua entre os lbios
Garanto que te fao ver o paraso!
O soco de Edan foi to sbito que embora no tenha sido muito forte fez
com que o incomodo lagarto casse sentado no cho chamando a ateno
ao seu redor.
- Qual a sua imbecil? No tem medo de morrer! Berrou Ela s
uma Lmia, so TODAS prostitutas!
O comentrio foi seguido de outro golpe repentino do traficante, porm
dessa vez foi um chute, calculadamente mais forte que o soco, na altura
dos dentes do Dracon insolente. Ele gorgolejou e cuspiu uma massa mista
de sangue, saliva e
- Pea desculpa a ela! Ordenou firmemente.
- V a mer...
Outro chute agora na altura do abdmen, roubando-lhe o flego e
jogando-o no cho mais uma vez.
- Pea desculpa para ela agora! O tom de voz de Edan agora era quase
homicida.
- Des... Desculpe! Disse em meio a um careta de dor.
- timo!
Enquanto andava na direo de Maiko o pobre coitado forou-se para
falar ainda de modo desafiador.
- Nem sempre ele estar por perto para te proteger prostituta!
-
To rapidamente quanto Edan, a calda de Maiko enroscou-se no brao
direito do insolente, forou a estic-lo e depois o torceu em um ngulo
doloroso resultando em uma grave fratura exposta juntamente com um
olhar frio como gelo.
- No sou prostitua!- Disse secamente.
Alguns conhecidos do ferido foram ao seu socorro, mas as pessoas ao
redor em sua maior parte ignoraram o ocorrido, no havia autoridade no
formigueiro, apenas faces criminosas que controlavam certos setores
da mini-capital. Assim sendo a dupla seguiu por seu caminho sem serem
perturbados novamente podendo assim chegar ao seu destino em pouco
mais de dez minutos depois.
lado de fora a identificava como Sweet Night. Do lado de fora parecia
apenas uma caixa preta gigante com luzes rosadas na parede, porm no
interior toda a iluminao podia ser descrita por uma cor: Roxo.
Luzes roxas piscavam ou mudavam de tom at quase ser Rosa enquanto a
pista de dana se amontoava cada vez mais assim como o bar onde uma
projeo em trs dimenses em um espelho anunciava uma promoo
nas cervejas de nctar Ambrosio. Porm era em uma sala Vip nos fundos
que era convenientemente isolado da batida eletrnica que inundava o
ambiente, que estava o contato.
bar e comprou uma cerveja, Maiko se arrastou pelas mesas como se
procurasse algum contornando a pista de dana, viu algumas lmias
danando, outras em uma mesa conversando, seno flertando com algum
fregus, o perturbador foi perceber que quase todas elas eram garotas de
programa ou vigaristas, que a olhavam em grande parte como uma rival.
Quando uma delas lanou-lhe um olhar no mnimo indiscreto na altura
de seu busto, ela no pode evitar pensar na noite em que conheceu Edan,
se ele no estivesse l naquele dia muito provavelmente ela estaria em
-
um lugar como aquele, ou ento em algum buraco sujo, se comportando
da mesma maneira. Sentiu-se grata e passou a am-lo ainda mais.
Encontraram-se na porta do setor Vip que era convenientemente
guardada por uma dupla de seguranas Classe 2, um Papillion com olhos
que pareciam vitrais de uma igreja, todos os trs pares, de pele morena e
garras afiadas nas pontas dos dedos dos grandes braos em forma de
carapaa tais como as patas de Spidra. O outro era um verdadeiro
Minotauro para ningum botar defeito, com cornos enormes, patas
bovinas da cintura para baixo, usava uma cala ao menos, e como se para
intimidar algum tinha um piercing em forma de argola no nariz. Antes
que se dissesse alguma coisa uma voz na sombra disse;
- Est tudo bem rapazes! Eles podem passar... Afinal somos amigos, no?
Velhas Amizades
- Ol Stannys!- Maiko cumprimentou com um sorriso
- Seus primos? Edan perguntou com ironia enquanto passava pelos
seguranas.
- Funcionrios da casa! Cuja especialidade garantir a privacidade de
clientes como... Eu!
Stannys vestia um terno preto fino e sem muitos detalhes, mas que
inegavelmente transmitia um aspecto comercial, no usava gravata, mas
em compensao usava uma camisa chique de cor neutra que de alguma
forma destacava sua pele morena, seus cabelos curtos escuros e seus
olhos completamente vermelhos.
- Como vo as coisas Angeline? Cumprimentou Edan
- Prsperas como sempre, e voc sabe que gosto que me chamem de
Angie!
-
Maiko lanou um discreto olhar torto para a Quimera Classe 2 a sua
frente. Tinha traos to finos quanto os de uma boneca, curvas sinuosas e
pele alva, os cabelos eram tingidos de azul claro cortados at a altura do
queixo, os olhos de cinza opacos, no lugar dos braos havia duas longas
asas brancas com mos perfeitamente normais nas dobras das asas de
semelhante modo a um morcego, porm este detalhe no diminua sua
beleza nem o charme sedutor que ela se esforava para transmitir.
- Ento... Previses para um herdeiro?
A Harpia pareceu no se abalar com a indiscrio e respondeu
calmamente.
- Ainda no... Sabe... Eu gostaria de aproveitar mais a vida de casada
antes de pensar nisso!
-Agora enquanto aos negcios... Stannys interveio Devo confessar
na
- Vai por mim, eu no teria feito se no fosse urgente!
- Sou todo ouvidos!
Edan se remexeu no estofado aparentando estar desconfortvel, um
antigo truque para deixar a outra metade mais confiante de suas
propostas.
- Acredito que j saiba da Spidra!
- Sim claro... Meus psames, ela era uma tima negociadora! Stannys
fez uma pausa e acendeu um cigarro Esse ramo de trabalho est cada
vez mais perigoso com essas batidas constantes, quando ramos crianas
mal se via uma por semana, agora j so trs ou mais por dia!
- E sobre isso que eu vim conversar! Maiko e eu conversamos e alm
dos contratos de sempre queramos um negociante mais discreto, algum
bom em agir por debaixo dos panos!
-
O traficante fez uma careta pensativa, aps mais de uma dcada de
amizade e parceria, ele sabia bem que Stannys estava considerando sua
proposta. Ambos j se conheciam antes de morarem na rua depois de se
tornarem rfos ficaram ainda mais unidos, agindo conjuntamente como
crebro e msculos eles rapidamente progrediram na escalada criminal
da Zona de Quarentena, porm a parceria teve fim um pouco antes de
ele conhecer Maiko.
- Olha cara eu queria te ajudar, mas a verdade que ningum mais quer
trabalhar com voc! Essa j a segunda batida da qual voc escapa
inteiro e isso infelizmente gera dois tipos muito distintos de boatos, em
um voc muito habilidoso, no outro voc no passa de um traidor
safado!
- E...
- Infelizmente o boato negativo o que tem ganhado mais fora e isso
afasta padrinhos e negociantes!
- Mas voc um cara influente, no pode falar com algum dos seus
scios!
- Quem sabe alguns tenentes! Interveio Maiko
Stannys baixou o olhar.
- Desculpe, mas no posso fazer isso, j falei com eles, mas nenhum quer
trabalhar com voc, disseram que se eu o fizesse a sociedade estaria
lamento.
Edan observou-o de cima abaixo, constatou com pesar que ele estava
sendo sincero. Em meio a um oceano de mentiras e meias verdades que
cercavam o trafico de informao, ter um amigo honesto, ou algo
prximo era reconfortante, no entanto Stannys nunca havia sido um
sujeito carinhoso, se ele concordou com aquela reunio era por que
lucraria de alguma forma com ela.
-
- Sabe... Cara, voc sempre pode voltar para as lutas, ou ento sei de
algumas pessoas que poderiam requisitar seus servios para cobrar
dividas! Eu sei que no muito se colocarmos tudo na balana, mas...
- No, ta tudo bem eu dou um jeito!
Edan se levantou ajeitou o casaco, estava a um passo dos seguranas
quando...
- Olha... Stannys, e aquela galera nova?- Lembrou Angie.
- - Indagou Maiko com certa desconfiana.
- So um grupo de hackers novos, esto ativos a menos de um ano, mas
tem lucrado bastante, no me pergunte o que eles fazem pois ningum
alvez algum
como Maiko possa ser til, alm de que todo mundo precisa de
segurana, principalmente aqueles nerds!
Angeline abriu sua bolsa, tirou um carto de plstico barato e o entregou
ao traficante, o que quer que estivesse escrito antes havia sido
completamente apagado, restando apenas um borro com um endereo
escrito.
- Ta de brincadeira!- Reclamou Maiko ao ler o endereo Isso quase
no muro limite da Zona!
- Este s um ponto de encontro! Esclareceu o negociante S preciso
mandar um Drone com uma mensagem e pronto!
Maiko puxou se esticou um pouco e sussurrou no ouvido de seu amado:
- Confia nesse cara? Parece ser uma cobra!
- Voc tambm! Olha s ele pode no ser exatamente um modelo de
cidadania, mas no mentiu sobre isso, deve achar que pode me cobrar
um favor no futuro se essa jogada der certo!
- Ele pode?
-
- Ele acha que pode!
Ambos se viraram para o casal e disseram:
- Obrigado Stannys... Angie! Marque o encontro, afinal o melhor que
vou conseguir!
Massacre
Um massacre quando uma pessoa ou grupo mata cruelmente um
grande nmero de pessoas indefesas, ou sem dar chance para que se
defendam. um ato que no faz distino de sexo ou idade, que a
histria humana j provou inmeras vezes ser o principio de um
genocdio.
Edan acompanhado de Maiko deixava Sweet Night quando o som
silenciado por uma distante exploso, que em primeira instncia
produziu um som agudo e ensurdecedor atirando todos no raio da micro-
cidade ao cho com as mos inutilmente cobrindo os ouvidos. Em
seguida algo parecido com uma redoma branca de energia se formou,
expandindo seu dimetro em poucos segundos para uma massa
ameaadora.
- Levanta! Pelo amor de Deus... Maiko, levanta! A voz de Edan chegava
abafada em seus ouvidos, e ela teve a impresso que o mesmo se aplicava
a ele.
Pegou-a pelo pulso e ajudou a se levantar, a redoma estava cada vez
maior, estava desorientada e mal se manteve em p. Sentiu suas costas se
estatelarem contra uma parede e sua calda se contrair junto ao resto de
seu corpo, ergueu os olhos e viu o rosto assustado de Edan quase colado
ao seu, de tal modo que sentia o calor de sua pele atravs de sua testa que
-
encostava-se na sua, ele segurava seus braos com firmeza para mant-la
ereta, voltou a ouvir plenamente no instante em que a redoma atingiu
seu pice explodindo em uma poderosa onda de choque que destruiu
muitos edifcios e casas pelo caminho, deixando apenas quarenta por
cento do Formigueiro em p.
Edan caiu de quatro no cho com a carne de suas costas gravemente
queimadas e fumegando, era impressionante o fato de ele continuar
consciente. Maiko recuperou os sentidos e olhou horrorizada a carne
grelhada das costas de seu amado, imediatamente colocou seu brao
direito sobre seu pescoo, sua mente trabalhava a toda velocidade
procurando um jeito de escapar.
- Na... Hora... Certa!- Disse com a voz entrecortada por gemidos de dor.
- Mas que infernos! Stannys praguejou ao sair de Sweet Night.
Tinha uma pistola na mo esquerda, umas das poucas na Arca, resqucio
da Terra de antes, e abraava Angie que parecia estranhamente
indiferente aos acontecimentos ao seu redor.
- E...Ele me salvou da exploso... O som me... Desorientou! Maiko
engolia suas lgrimas.
- No consegue deixar de bancar o heri, no?
Rugidos dos motores de dornes e gritos desesperados ecoaram
assustadoramente prximos
- Temos que dar o fora daqui! Angie v frente com Maiko eu vou logo
atrs pra dar cobertura!
Angeline deu um curto, porm apaixonado beijo em Stannys, limitou-se
apenas assentir com a cabea e se ergueu trs metros do cho. Maiko por
sua vez no pode evitar desconfiar do casal, desde o comeo nunca
tiveram razes para ajud-los, at onde sabia seu relacionamento com
Edan era puramente comercial. A lmia passou o brao de seu amado
-
envolta de seu pescoo, notando que o mesmo era muito mais pesado do
que aparentava, A harpia a ajudou mesmo a contragosto de Maiko
- Aqui princesa!- Disse Stanys com rispidez enquanto iniciavam a
corrida No sei qual o problema que voc tem comigo ou com minha
esposa, mas saiba que estamos arriscando nossas peles apenas porque
Edan faria o mesmo por mim...
Essa ltima frase deixou Maiko desconcertada, j havia conhecido sua
naquele buraco, mas Stannys, no agiu nem falou ou agiu
como um deles, ele agiu... Agiu como um amigo.
- Desde quando vocs se conhecem?
- Desde garotos, roubamos cartes de comida por um bom tempo, ai eu
apostadores, nos distanciamos, mas nunca perdemos contato... Ele falou
muito bem de voc, alis!
Maiko sorriu e olhou para o rosto oscilante entre a lucidez e
inconscincia de Edan, sentiu orgulho de conhec-lo e prometeu a si
mesmo que o tiraria dali custe o que custasse.
- Qual a situao ai em cima amor?
Angeline estava a pouco mais de sete metros do cho, no arriscava um
vo mais alto por assim se tornar alo fcil para drones ou qualquer um
que estivesse armado. Desceu at voar em paralelo com eles.
- uma invaso e tanto! Tem drones de patrulha e andrides por todo
lado, vi s alguns soldados, mas sempre coordenando o ataque!
- Quantos, no total?
- Chutando por baixo? Duzentos ou Quatrocentos!
-
Um clima pesado caiu sobre o quarteto, se moviam muito devagar se
comparados aos vrios pedestres que passavam enlouquecidos por eles,
logo as tropas os alcanariam e seria o fim. Stannys explicou sobre uma
sada de emergncia pouco conhecida e usada, no era muito longe de
onde estavam e sai e um local reservado na superfcie onde poderiam
fugir ilesos.
Passaram por dezenas de pequeno prdios, tendas de metal, barracos de
todo tipo e at prdios melhor acabados como Sweet Night, a qual teve o
teto arrancado pela exploso, quase tudo havia sido destrudo, se via
restos de membros, sangue e morte por todos os lados alm gritos
sufocados daqueles que ficaram presos sob destroos, sem poder fazer
nada por eles o quarteto simplesmente seguiu em frente.
- Por que isso agora? Disse Angeline quebrando o silncio.
- Estamos perto! Avisou Stannys
- Como?
- Por que decidiram realizar um ataque to ousado, justo agora? Quer
dizer... J tiveram chance de faz-lo, h muito tempo acabaram com os
movimentos populares e as manifestaes, para que toda essa violncia
gratuita?
Maiko ento lembrou-se da conversa na noite anterior, no desabafo de
seu amado havia uma certa lgica agora ela a enxergava com clareza.
- Porque eles querem nos exterminar! O realismo de tais palavras soou
frio e insensvel.
- Eles que tentem! Bradou Angeline confiante.
- aqui! Chegamos!
Um tiro zuniu perto da cabea de Stannys e ricocheteou em uma parede,
as moas se atiraram no cho levando Edan junto que na queda ganhou
um pequeno corte acima da sobrancelha esquerda. O negociante
-
disparou trs vezes no atirador encoberto por uma cortina de fumaa,
resultado de um de vrios focos de incndios dispersos.
Estavam literalmente em um beco sem sada as suas costas uma parede,
cercados por duas construes que mantinham-se precariamente em p.
Os tiros de Stannys foram revidados, Angeline sacou sua prpria pistola
e fez quatro disparos cegos.
- Pra sada agora!
A sada era nada mais que uma portinhola de um metro de dimetro
lacrada magneticamente, cuja trava requeria uma combinao, razo por
praticamente nunca ser usada. Angeline digitou a seqncia de dez
nmeros, suas asas tremiam apesar de seu rosto parecer uma rocha, no
transparecendo quase nenhuma emoo mediante a situao
desesperadora.
A porta se abriu com um rangido e liberando no ar um odor
caracterstico de locais com pouco, ou nenhuma, ventilao Maiko
verificou rapidamente a passagem, havia um corredor escuro e no final
algo parecido com escadas. Os tiros recomearam e dessa fez as duas
tiveram que se espremer contra a parede a fim de evitar a rajada de balas
escaldantes enquanto Stannys se protegia atrs de uma parede cada pela
metade.
- Vo logo, eu dou cobertura! Berrou Stannys impaciente
- No sem voc amor! Pela primeira vez Angeline deixou transparecer
alguma emoo e o medo que exalou de sua voz foi to profundo que
Maiko sentiu como se tivesse sido atingida no peito.
- Vai ficar tudo bem Angie, mas preciso que v com eles, Edan est mal e
no acho que ela v conseguir ir muito longe com ele naquelas
condies, precisam de sua ajuda!
A Harpia olhou de soslaio para a dupla que j se esgueirava passagem
adentro.
-
- Acho bom voc voltar vivo!
- Relaxa boneca! Agora vai enquanto eu os distraio!
Stannys saltou como uma mola de seu abrigo dando uma cambalhota e
rolou, deitado deu mais dois tiros que atingiram a cabea de um andride
e o joelho de um soldado. Angie correu para a passagem se arrependendo
por no olhar para trs.
Mais trs homens chegaram adentrando pela passagem em seus
uniformes cinzentos, a passos pesados de seus exoesqueletos, seus
capacetes filtravam a imagem a sua frente, que estava difusa dificultando
a viso de um soldado ferido no joelho cujo capacete fora danificado e do
andride cujo sensor fora confundido pela fumaa.
Viram apenas um alvo que sem razo aparente atirou contra a parede as
suas costas. No houve ordem de rendio ou mesmo aviso prvio eles
simplesmente invadiram o beco e atiraram, suas ordens eram claras, no
deveriam fazer prisioneiros apenas mandarem corpos para os
recicladores.
Com o painel para a sada destrudo Stannys morreu com um sorriso
irnico no rosto, no fim no pode cumprir o que prometeu para sua
esposa, ainda sim morreu feliz.
- Setor de Ataque 126-5 limpo, todos os vermes Quimeras eliminados!
Anunciou um dos soldados via rdio Iniciando limpeza do Setor de
Ataque 126-6, Quimeras resistindo armadas. Unidade 7 a caminho!
Quando partiram tudo o que se ouviu foram os sons abafados de um
choro na passagem cuja porta jamais se abriria novamente. Assim se
-
O Bom Soldado
Maller liderava uma unidade no centro do combate na queda
,
descarregou as ultimas dez flechas do cartucho da besta automtica nas
costas de uma garota jovem em um vestido lils muito bonito, do qual
brotavam asas muito parecidas com as de uma borboleta, quando
verificou o corpo observou satisfeito que tinha em seus braos uma
criana com pouco mais de dois anos que tambm havia morrido.
Dois com uma s cajadada! Regozijou-se. Havia meses que
investigavam a existncia de tal fortaleza inimiga, quando levou as
imagens da Quimera guerrilheira da ultima batida que coordenou a
autorizao para o ataque foi enfim dada.
Teve at mesmo autorizao para usar canhes de som, desorientando
qualquer tipo de sentinela e usando as bombas de emisso de calor para
enterrar qualquer armamento ou estoque de munio que tivessem sob
toneladas de escombros. Como todo bom patriota ele sentia-se orgulhoso
de participar daquele momento histrico, naturalmente haveria crditos
para os seus superiores e para os outros comandantes em ao, ainda
sim...
- Isso parecia muito vulnervel para uma base terrorista, no? Indagou
um tenente enquanto Maller recarregava a automtica.
- H quanto tempo estamos fazendo batidas? Dez anos... Trinta?
Ironizou Ns os enfraquecemos, cortamos suprimentos e pessoal, mas
agora... Demos o golpe definitivo.
- Mas por que teriam aqui mulheres e crianas? Alm de que ali atrs
havia um bordel, eu acho!
- Voc quer mesmo tentar entender a cabea desses degenerados, veja s
o que fizeram com eles mesmos em nome do dio que sentem por ns!
-
O soldado deu de ombros aparentemente satisfeito com a resposta,
ascendeu um cigarro, mesmo sob o olhar desaprovador do comandante e
correu para as linhas mais a frente. Produtos como tabaco e substncias
alucingenas (Tais como LCD e Metanfetamina) eram proibidos na
Colnia, mas em certos lugares, principalmente na Zona de Quarentena,
esses produtos eram fabricados e comprados facilmente.
Maller recalibrou o seu exoesqueleto, para aumentar sua agilidade,
atravessou uma pilha de escombros que antes havia sido um cortio,
ouviu gemidos fantasmagricos vindos de baixo, provavelmente de uns
pobres coitados que haviam sido soterrados quando a estrutura cedeu,
por um momento pensou ter ouvido o choro de um beb entre placas de
concreto, ignorou-o. Todos os seres daquela espcie lhe eram
repugnantes mesmo que ainda usassem fraldas.
Escorregou pelos restos de uma parede e chegou outra rua ouviu gritos
de algum pedindo socorro, seguido por berros enraivecidos. No so
Colonos! Devem ser marginais ou ento terroristas!- Pensou.
Os sons vinham de um prdio tombado a cinqenta metros de onde
estava, se no fosse silncio sepulcral entrecortado por rugidos de
metralhadoras que tomou conta do Formigueiro, nem mesmo o receptor
de freqncias externas de seu capacete teria sido capaz de identificar
cautela, podia ser uma armadilha, ou obra de criminosos resolvendo suas
desavenas, porm em contrapartida havia a alguns meses lido um
relatrio de um dos espies dentro da Zona que afirmava ter falhado em
rastrear um grupo de jovens Colonas seqestradas a mando de um bordel
em um lugar de difcil acesso dentro da Zona.
Maller no queria perder uma noite de sono com a dvida de ter feito ou
no a coisa certa. Concluiu que se fosse uma armadilha, seria
perfeitamente incapaz de matar de seus inimigos. Correu em direo ao
prdio, que alm de ser feito quase que inteiramente de metal estava em
um estado deplorvel, com paredes gastas e desbotadas, torto em um
-
ngulo antinatural, s no havia cado, pois se escorava no prdio
igualmente decrpito ao seu lado.
-
alcanou-o contra uma janela ainda intacta em menos de um minuto, o
vidro se partiu em milhares de pedaos, ouviu os gritos mais uma vez e
correu escada acima, um, dois... Quatro andares at ouvir vozes
novamente, abafadas atrs de uma porta do nico apartamento ainda
intacto daquele andar, todos os outros tiveram as portas, o ento suas
prprias estruturas destrudas pelas sucessivas ondas de choque e calor.
Tomou um leve impulso e desferiu um violento chute contra a porta que
rangeu dobrou-se de modo impressionante, mas no cedeu. Mais vozes
abafadas vinham do cmodo, podia ouvir apenas parte do que diziam.
- Mas que... Foi aquilo?
-... Melhor sermos rpidos!... V com o Ramirez e procure uma sada
pela janela!
Agora era uma voz feminina que falava com sons vacilantes de medo e
entrecortada por choro.
- Voc o matou, matou o...
- Faa essa... Calar a boca ou eu fecho... Na bala!
- O que... Vo fazer com a gente?
Um som de algo parecido com uma pancada forte pode ser ouvido
enquanto Maller ajustava o traje para aumentar a fora fsica.
- Quieta vadiazinha! Voc vai saber... For hora!
O comandante nesse momento se chocou com a porta batendo com o
ombro protegido com uma fora monstruosa que no s fez as resistentes
dobradias cederem como tambm atirou a mesma do outro lado do
-
cmodo acertando um bandido que morreu na hora, porm ainda
haviam mais cinco no ambiente.
Maller no deu chance de se levantarem sacou a automtica de suas
costas e abateu um dos criminosos, fez um rolamento esquivando-se dos
tiros em resposta dos outros quatro, usavam pistolas e uma semi-
automtica sucatas do passado, do cho acertou o joelho de um deles.
Levantou de um jeito torto e se abrigou atrs de uma mesa, olhou sobre o
ombro trs garotas se esgueirando por de trs de alguns mveis
arrastando o corpo de um homem com elas.
- Vocs vo ficar bem, prometo! Gritou para elas acima dos tiros
Atirou as cegas e ouviu quando um dos meliantes urrou de dor enquanto
outro, o mesmo que fora empalado no joelho gritava aparentemente em
choque.
- Meu olho, meu olho... O desgraado acertou o meu olho!
Uma bala ricocheteou na automtica e se enterrou no teto, Maller sentiu
o cabo da besta romper-se. Bastardo sortudo! Praguejou.
A arma era intil agora, no portava nenhuma granada consigo e s
restava-lhe a pistola na cintura, mas no tinha munio para manter um
tiroteio continuo com ela. Recalibrou o exoesqueleto para velocidade
novamente, arrancou uma perna da mesa e atirou contra eles gritando.
- Granada!
Imediatamente os tiros cessaram no breve momento em que a razo dos
criminosos levou para identificar o p da mesa e constatar que no
representava uma ameaa, esses dois segundos de hesitao e surpresa
foram tudo o que Maller precisava. Como um andride ele simplesmente
ficou de p e descarregou o cartucho de dezesseis disparos em seus alvos
antes mesmo que o p da mesa parasse de rolar sobre o cho e quando o
fez s haviam corpos crivados de setas ao seu lado.
-
- Vocs esto bem? Perguntou enquanto trocava os cartuchos.
As jovens assentiram vagamente aliviadas, mas aparentemente ainda
confusas devido ao tiroteio. O corpo que elas haviam arrastado era de um
Quimera Classe 2, era um Papillion com um par a mais de olhos roxos e
inchados, das suas costas brotavam um par de asas rasgadas, o corpo
estava plido e rgido... Para todos os efeitos ele estava morto.
As garotas estavam com as roupas destrudas, uma delas estava semi-nua.
Se eu tivesse demorado mais alguns minutos...
Todas aparentavam ser humanas, no exibindo nenhum movimento
involuntrio ou sinal das alteraes genticas.
O capacete fez um scanner dos rostos das jovens e os registros as
identificavam como trs das sete garotas seqestradas na colnia. Suas
fichas eram impecveis, como poucos, mas havia uma denncia nvel 1
feita por uma delas que o comandante simplesmente ignorou.
- No se preocupem, vou proteger vocs, soltem esse lixo e vamos
embora, sou da Colnia!
A garota que, por alguma razo desconhecida para o comandante,
chorava a morte da Quimera olhou para ele com uma expresso furiosa
nos olhos apenas meio segundo antes de desferir uma bofetada que fez
arder o rosto do comandante, em considerao ao que deviam ter
passado ele no reagiu.
- Nunca mais fale do meu marido desse jeito seu bastardo miservel!
- Ma... Marido!- O comandante estava chocado e enojado ao mesmo
tempo.
Tinha acabado de ler a ficha da jovem. Dezessete anos, batizada de Aline,
mais velha de uma famlia com trs irms (as outras duas que estavam
com ela), adotadas segundo o estatuto de controle populacional, no era
fichada e todos os testes feitos ao longo de sua vida indicavam uma moa
-
mentalmente saudvel e responsvel. Mas ento por que ela diria
tamanha insanidade? Maller questionou-se.
Sndrome de Estocolmo! Concluiu a nica explicao lgica!
No havia outra forma de uma jovem humana se apegar
emocionalmente aquele ser deformado. O fruto pobre que se infiltrou na
arca, contaminados pela radiao da Terra, mutantes cuja pestilncia se
alastrava DNA adentro, uma maldio ampliada posteriormente por eles
mesmos. Seres inferiores que nem sequer deveriam ser tratados como
animais.
- Senhorita... Maller usou seu tom de voz mais calmo e simptico Sei
que deve ter sido difcil ter que lidar com os abusos que sofreu, mas se
vierem comigo... Tero minha garantia pessoal de que receberam o
melhor atendimento psicolgico possvel, sero heronas!
O olhar de nojo se espalhou pelo rosto das trs jovens, Aline ento
pousou inconscientemente a mo sobre o ventre que s agora o
comandante reparou estar levemente inchado.
- Aline... Ele estuprou voc?
- Qual o seu problema? Perguntou furiosa O que raios disseram pra
voc?
- Irms Harison, seqestradas sete meses atrs por um grupo que vende
colonas como escravas para bordeis!
- No somos escravas, somos uma famlia! Ela comeou a chorar
Robert fazia parte dela! Tocou carinhosamente o ventre.
- Olha! O tom de voz de Maller se tornou autoritrio No tenho
tempo para isso, venham comigo e garanto que iro tirar essa... Essa...
Essa coisa de dentro de voc!
- Voc no entendeu ainda? Idiota! No vamos a lugar algum, aqui o
nosso lar e nada do que voc diga ou faa nos far mudar de idia!
-
As duas outras irms ainda em choque apenas assentiram e murmuraram
umas poucas palavras de consentimento Maller revirou os olhos e
apontou a pistola para as trs.
- Venham agora e vamos tirar esse MONSTRO de dentro de voc!
A mais nova das trs irms, tentou pegar uma das pistolas largadas no
cho a menos de meio metro dela, mas acabou flechada no peito, a do
meio partiu para cima do comandante arranhado seu rosto, a seta
automtica da arma a atingiu no estmago, a garota tombou gemendo de
dor e com a mo encharcada de sangue.
Aline entrou em choque, no teve qualquer reao, apenas chorou e
chorou. Sua sanidade fragmentara-se.
- Agora... O soldado falou devagar Levante-se e vamos nos encontrar
com o resto da tropa!
Aline obedeceu, Maller assentiu satisfeito consigo. O povo da Colnia
precisa de proteo... Mas s vezes eles preciso se proteger deles
mesmos! Voc ter sua sndrome tratada e quanto se recuperar um dia
ir me agradecer! Pensou consigo e no se arrependeu do que acabar
de fazer, ele no devia se arrepender, afinal era um bom soldado.
Danos
- Algum, por favor, me diga que essa dor nas minhas costas, no por
que a Maiko me abraou de novo! Edan disse, sentindo a voz rouca e
abrindo os olhos com dificuldade.
- Edan!
Maiko se conteve ao abraar seu amado, ignorou os curativos speros e
se concentrado em sua respirao e na sua pele marcada por cicatrizes.
- Hey calma ai valentona ta acabando comigo!
-
-Desculpe!
Edan se sentou na cama sentindo o corpo dormente e uma fisgada
incomoda de dor nas costas, estava em um quarto com pouca iluminao
e que alm da cama era mobilhado apenas com um criado mudo e duas
cadeiras, em uma delas sentada de ccoras estava Angeline que o olhava
com expresso cansada acompanhada de olheiras que ele no sabia dizer
se eram por falta de sono ou por choro excessivo (embora ele achasse que
Angeline no fosse do tipo que chorasse.).
- Quanto tempo eu apaguei?
- Trs semanas! Angie respondeu sem rodeios.
- O que? Mas eu... Eu s consigo lembrar de uma exploso, estvamos do
lado de fora da Sweet Night e a Maiko tava desorientada ento eu...
- Me protegeu usando seu corpo foi assim que... Voc se machucou!-
Maiko deixou cair uma lgrima.
Edan esfregou os olhos e ento notou algo: As duas estavam
terrivelmente magras, como se no se alimentassem h dias, alm de que
no reconhecia o local onde estava, porm o mais estranho era o
paradeiro de Stannys, Maiko e Angie no se davam muito bem ento
como ele as tinha deixado juntas e o pior por que no trouxera-lhes
comida. Mudou seu semblante, agora tinha a mesma expresso de
quando lutava com algum ou bolava um plano, uma mscara fria e
imparcial, porm ao mesmo tempo podia-se ver o que ele sentia.
Santo Deus! Ele mudou totalmente, o... Olhar dele... Parece um
psicopata! - Pensou Angie
- O que houve? Vocs esto com uma pssima aparncia e duvido que
Stannys as deixaria aqui sozinhas se tivesse escolha!
-
Perspicaz como sempre! Se alegrou Maiko Ele to... To perfeito,
no entanto... Eu odeio dar ms noticias, porm pior seria se eu no o
fizesse!
As duas ento contaram-lhe em detalhes a fuga da micro-cidade, bem
como as circunstncias de sua destruio, a morte de Stannys, cujo corpo
foi encontrado e divulgado pelas autoridades que o identificaram como
lder
Depois da fuga elas conseguiram se esconder naquele velho abrigo em
uma rea neutra da Zona, ficaram trancafiadas ali dias cuidando de Edan
da melhor maneira que puderam (Em especial Maiko que se dedicava a
viglias com fervor s vezes passando dias sem dormir), quando as
primeiras noticias chegaram souberam que praticamente todo o
subterrneo, no s O Formigueiro havia sido destrudo ou ento
tomado por drones, conseguiram recuperar uma boa quantia de cartes
em suas casas, uma grande parte desse dinheiro fora gasta com
medicamentos para infeco justamente para ele.
-... Em resumo perdemos tudo querido! Maiko concluiu
- Malditos! Edan acertou um soco na parede cujo metal rangeu de
maneira preocupante.
- Edan...
- sempre assim! Por que? Por que eles nos odeiam tanto? Por que
ningum os enfrenta?
- Pode no ser bonito, mas a nossa realidade, no h como fugir dela e
nem mudar quem somos!- Angeline agora era to fria quanto ele. No
importa o que percamos no caminho! Baixou o olhar como se no
acreditasse que havia dito aquilo.
Maiko olhou para Angie com um olhar de reprovao, Edan percebeu e
disse:
-
- No se zangue com ela por dizer a verdade!
- No me zangar? Maiko se transtornou Quer que eu aceite que o
nosso futuro apenas isso? Que tudo pelo que passamos at agora no
serviu de nada alm de prolongar nosso sofrimento!
- Bom isso ou uma Terra radioativa e to morta quanto ns aqui! A
Harpia respondeu com ironia.
- Ela tambm no est errada... Mas... s que eu no sei mais o que
fazer!
Ningum se atreveu a dizer mais nada, um pesado silncio recaiu sob o
quarto diminuto que pareceu ficar ainda menor, Maiko saiu para vender
o que sobrou dos medicamentos, tentaria tambm obter comida, mas
acima de tudo precisa pensar. Angeline trocou a cadeira do quarto por
um sof na sala no qual no fez mais do que tentar dormir um pouco,
passou a noite em claro e mesmo assim no conseguiu pregar os olhos.
Os dias seguintes se passaram da mesma forma, as noticias vinham aos
poucos e de maneira picada, as batidas e patrulhas de Drones se
intensificaram de um modo nunca antes visto, soube de casos em que
no s Quimeras, mas famlias inteiras dos poucos humanos na Zona
tambm foram executadas por abrigarem aqueles acusados de serem
Quimeras. O Anel Interno estava matando sem fazer distino ou
mesmo de se importar com os limites de suas leis corruptas, o grande
responsvel pela matana, se que se podia atribuir a culpa a uma s
pessoa, era um comandante de diviso chamado Willian Maller.
Maiko mal havia acabado de contar a noticia para o traficante, que
observava a Zona de Quarentena da varanda do prdio, um dos originais,
quando seu rosto assumiu a expresso de desolao que o havia tomado
nos ltimos meses. A lmia mal podia reconhecer Edan, o apartamento
no subsolo era um sonho da dupla que havia trabalhado duo para obter-
lo, porm ela sabia que para ele aquele lugar representava sua esperana
-
de uma vida melhor, era um smbolo e agora que tinha sido destrudo
parecia que toda a esperana tinha morrido nele.
Quase rebeldes
- Essa simplesmente a idia mais idiota que eu j ouvi na vida!
Angeline pontuou a ultima palavra com seriedade.
O rosto da Harpia estava contorcido em uma careta irritada, equivalente
ao absurdo que tinha acabado de ouvir. Desde que a Guerra na Terra
acabou ningum conseguiu mudar alguma coisa! Em cento e oitenta anos
todos que se opuseram, que buscaram outro caminho foram mortos e
agora esse imbecil me vem com essa! Quem ele pensa que sou?
-... E voc Maiko? Eu no entendo essa lealdade obsessiva que voc tem
para com Edam, mas pense por si mesma agora!
- Estou pensando! Me surpreende voc que perdeu tanto quanto ns, at
mais se pensar bem, o que estamos oferecendo uma oportunidade de
- Mas fundar um grupo de resistncia armada? Onde vo conseguir as
coisas de que precisam? Pelo que vo lutar, droga?
Ainda que Angeline no soubesse, a deciso ainda pesava para a dupla,
originalmente proposta por Edan a idia de fundar um grupo rebelde,
dessa vez um real, pois todos sabiam que no existia nenhum grupo do
tipo na Zona, soava um tanto tola e extremamente suicida, mas em
contra partida eles no tinham recursos com contar e com muito menos
meios de se obter-lo.
Ao mesmo tempo a Zona de Quarentena parecia querer sustentar uma
aparncia de normalidade, mas a verdade era que nem mesmo as outrora
poderosas faces criminosas do submundo estavam conseguindo se
-
sustentar. O desespero da situao somado a dor da perda do cnjuge fez
Angeline sentir-se como se seu corao tivesse sido arrancado de seu
peito, ela respirou fundo e depois soltou o ar de uma vez.
-
defender, algo que justifique suas aes, se que vocs realmente tm
alguma!
Edan se endireitou na cadeira, era isso que queria ouvir.
- A liberdade e igualdade de direitos para as Quimeras so causa
suficiente pra voc?
- Mas ai entram outras duas questes: Como vo conseguir recursos e
gente disposta a lutar? E mais importante que isso voc precisa dar um
objetivo a eles. O que voc quer? Liberdade e igualdade! timo, mas
como planeja instaur-la? Pedindo independncia para a Zona de
Quarentena? Tomando toda a colnia para si? Compreende?
Dessa vez foi vez de Maiko responder:
- J ouviu falar do manifesto comunista? Foi escrito por um homem
chamado Carl Marx, nele entre outras coisas ele descreve uma sociedade
onde todos so iguais, acredito que com as limitaes que temos impostas
pela prpria estrutura da Arca, bem como a necessidade de
racionamento, podem viabilizar que algo do tipo de certo aqui! Porm
nada ser imposto, um conceito novo, um... Comunismo Democrtico!
- Comunismo Democrtico? Acredita mesmo nisso?
- Se for uma chance de fazer da colnia um lugar melhor para viver,
ento sim! A jovem lmia baixou o olhar para suas mos No
podemos permitir que os erros do passado se repitam, mas tambm no
podemos deixar que o medo de repeti-los nos impea de querer um
futuro melhor!
-
- Angeline... Edan pigarreou Sabemos que essa deciso no cabe a
ns, as pessoas que tero que decidir, mas do jeito que as coisas esto
ns no teremos voz. Precisamos nos unir e fazer com as pessoas deixem
de ser passivo a tudo o que acontece aqui!
- E para alcanar esse objetivo... Para desestabilizar o Anel Interno... At
onde est disposto a ir? O que est disposto a sacrificar?
Silncio, a dupla se entreolhou rapidamente, um leve gesto de aprovao
de Maiko e a resposta veio com a mais simples e pura convico.
- Tudo!
Ai est aquele olhar frio de novo!... De fato ele um classe trs, sem
dvida h muito mais em Edan Argent do que os olhos podem ver!
Pensou Angeline Ainda sim como apenas ns podemos fazer alguma
diferena? Stannys... Se estivesse aqui saberia o que dizer, eu me apoiei
em sua confiana por tanto tempo que agora eu me sinto perdida e
desmotivada, mas agora ouvindo esse discurso daquele seu amigo
metido...
Naqueles quase dois meses desde a queda do Formigueiro, a morte de
Stannys abriu os olhos da dupla para algo maior que sua prpria
sobrevivncia, ao observarem passivos a reao da sociedade da Zona
aps aquele dia deu-lhes a per