QUESTÃO AMBIENTAL E LUTAS SOCIAIS caracterizando o ... · movimento ambientalista e suas ... mundo...
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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015
Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ
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QUESTÃO AMBIENTAL E LUTAS SOCIAIS: caracterizando o movimento
ambientalista e suas mudanças recentes.
Juliana Gabriele Alves da Silva – UFS
Resumo: O presente artigo tem o objetivo de trabalhar o conceito e fundamentos
da Questão Ambiental e as lutas sociais geradas, a partir do que caracteriza o
movimento ambientalista e suas mudanças recentes. Analisa como as lutas sociais
foram, também, a força motriz para dar visibilidade a Questão Ambiental. Faz um
recorte para histórico e concepção dentro do movimento ambientalista brasileiro, onde
percebe que devido à injusta formação sócio-histórica brasileira, é mais notória a
presença do pensamento da “Justiça ambiental”, sendo difícil não percebê-lo e
incorporá-lo.
Palavra-Chave: Lutas sociais; Questão Ambiental; Movimento ambientalista;
Abstract: This article aims to work the concept and fundamentals of
Environmental Issues and social struggles generated from featuring the environmental
movement and its recent changes . Analyzes how the social struggles were also the
driving force to give visibility to Environmental Issues. Makes a cutout for historical
and design within the Brazilian environmental movement , where realizes that due to
unfair Brazilian socio- historical formation , is more clear the presence of the thought of
"environmental justice," it is difficult not perceive it and incorporate it .
Keyword : Social struggles; Environmental Issues; Environmental movement;
1. Introdução
O homem, desde os primórdios, interage com a natureza modificando-a e, ao
mesmo tempo, sendo modificado ao criar os meios para (re)produção da sua vida social
e material. É nesse processo que o mesmo constitui a sua sociabilidade.
No capitalismo, sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção
e apropriação privada do produto do trabalho produzido socialmente, o
desenvolvimento das forças produtivas é intensificado e a relação com o meio ambiente
é modificada. A relação com a natureza deixa de ser vista como forma de atender
prioritariamente a reprodução do homem e passa a ser encarada como fornecedora de
matéria-prima na produção de mercadorias para obtenção da mais-valia. A exploração e
produção desenfreada para aquisição de lucros resultam em depredação e crescentes
danos ambientais, sociais, políticos e econômicos, com significativas consequências
para a humanidade.
2. Questão ambiental e sua (re)produção no capitalismo
Para compreender mais profundamente as bases da Questão Ambiental, e como
ela é gerada, não basta, entretanto, compreender esta relação ontologicamente fundante
do mundo dos homens. É necessário analisar os fundamentos do capitalismo e como a
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relação do homem com a natureza nesse sistema de produção, pois a Questão Ambiental
é própria desse Modo de produção. Foladori (2001, p. 45) afirma que
A análise da crise ambiental contemporânea deve partir das próprias
contradições no interior da sociedade humana, contradições que não são
biológicas, mas sociais, que não se baseiam na evolução ecológica em geral,
mas naquelas que se estabelecem entre classes e setores sociais em particular.
Partiremos da concepção e análise marxista do capitalismo, e da relação homem
x natureza e, assim, primeiro é necessário compreender o Modo de Produção
Capitalista. No modo de produção capitalista (MPC), que se sustenta à base da
exploração do trabalho e da produção de bens de consumo para realização da mais-
valia, a relação com o meio ambiente é modificada. Conforme afirma Foladori ( s/d, p.
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Enquanto a produção pré-capitalista de valores de uso tem seu limite na
satisfação das necessidades, a produção capitalista de mercadorias para
aumentar o lucro não tem nenhum limite. Esta diferença, tão simples e geral,
está na base do esgotamento dos recursos naturais a um ritmo nunca
suspeitado na história da humanidade; porém também está na base da
utilização irracional de qualquer forma de energia e/ou de materiais e seres
vivos
Nesse sistema, a relação com a natureza não se dá apenas para reprodução do
homem, mas serve como matéria-prima na produção de mercadorias para obtenção da
mais-valia. Segundo Marx (2009, p. 240) “Produção de mais-valia ou geração de
excedente é a lei absoluta desse modo de produção”. Este tem a sua forma de
reprodução ampliada, ou seja, é necessário que haja expansão tanto de produção, como
de consumo.
No processo de produção, uma parte da mais-valia obtida é apropriada pelo
capitalista e outra parte é reconvertida em capital para ampliar a produção de
mercadorias. (NETTO, 2010). É necessária essa conversão de mais-valia em capital
para que se realize a acumulação do capital, sem a qual não existe capitalismo.
Dentre os meios de produção necessários para a fabricação de mercadorias está a
matéria-prima, extraída de recursos naturais. Se afirmarmos que o capital, para se
reproduzir, necessita se ampliar e ampliar a sua produção, também é necessário que se
amplie a exploração dos recursos naturais, pois o objetivo não é explorar para a própria
subsistência ou para troca, e sim para realização da mais–valia e acumulação de mais
capital.
Enquanto resultado desse uso indiscriminado e exploração desenfreada dos
recursos naturais para produção de matéria-prima, e de objetos para consumo emerge a
Questão Ambiental1. Silva (2010, p. 67) a defina como
[...] um conjunto de deficiências na reprodução do sistema, o qual se origina
na indisponibilidade ou escassez de elementos do processo produtivo
advindos da natureza, tais como matérias-primas e energia e seus
desdobramentos ideopolíticos. Em outras palavras, trata-se da incapacidade
do planeta de prover, indefinidamente, os recursos necessários à reprodução
1 Alguns autores chamam de “Crise Ambiental” ou “Crise ecológica”.
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da vida, em condições históricas e sociais balizadas pelo alto nível de
produção e consumo.
Portanto, para se ampliar, criar novos mercados, e novas mercadorias, o
capitalismo também transforma a natureza em uma mercadoria, apropria-se
privadamente dela e a explora. A divisão desigual dos recursos naturais também é uma
das bases fundamentais tanto da reprodução do capital como da Questão Ambiental.
Foladori (2001, p. 165) afirma que
Toda a história do capitalismo é a apropriar-se de recursos naturais virgens
com o propósito de utilização privada. Quando se utilizam matérias-primas
dos ‘espaços coletivos’, está-se privatizando-os, já que reaparecem no
produto final vendido como propriedade privada no mercado. Assim é a
existência da propriedade privada que leva à depredação e à contaminação da
natureza.
Outros elementos também estão incluídos no processo de geração da questão
ambiental, como a “obsolescência programada” já que o capitalismo não produz
mercadorias de grande durabilidade, mas a produção é para “produtos descartáveis”,
criando assim a necessidade da obtenção de novos produtos similares ou mais
avançados tecnologicamente em um curto espaço de tempo. Este mecanismo é também
conhecido como “a sociedade dos descartáveis”.
É visível como o capitalismo domina todas as esferas da vida social (inclusive a
subjetiva), determinando-as pela esfera da produção. Foladori (2001, p. 168) afirma que
[...] o lucro como objetivo da produção capitalista obriga a produzir sempre
mais e mais variadas mercadorias e a utilizar todos os meios, desde a
propaganda e os atrativos financeiros até o vício, a droga e a violência, para
aumentar a demanda.
Simplificadamente, essa é a base do capitalismo, e a também da questão
ambiental, pois esse processo de exploração se dá, como já mencionado, em ritmo tão
desenfreado e sem controle, que a natureza é incapaz de se regenerar. Dito de outra
forma, em outros modos de produção havia a exploração dos recursos naturais e a
consequente degradação ambiental, mas no capitalismo essa se dá de modo em que a
velocidade de exploração é muito maior que a capacidade da natureza de se
autorregenerar. Como afirma Loureiro (2012, p. 23)
[...] a velocidade da produção e consumo de mercadorias que se expande pelo
mundo é incompatível com os tempos de recomposição da natureza,
principalmente em relação aos materiais considerados primários ao
desenvolvimento econômico (solo, água, cobertura vegetal, minérios, etc).
Como resultado desse processo de exploração e produção desenfreado para
obtenção de lucros desencadeia-se o desequilíbrio ambiental com depredação e danos
ambientais, sociais, políticos e econômicos, com significativas consequências para a
humanidade, como enchentes, desabamentos, nevascas, poluição dos recursos naturais,
a escassez dos mesmos, contaminação da população, os conflitos territoriais, entre
outros.
Esse debate da Questão Ambiental ganha força e destaque nas décadas de 1970 e
1980. Nesse período sua visibilidade é impulsionada, entre outros fatores, pela ação dos
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movimentos ambientalistas, que colocaram a temática na agenda das organizações e
movimentos sociais, denunciando a situação ambiental e as consequências
“catastróficas” para o planeta.
Mas nem só por afetar o meio ambiente e a população a Questão Ambiental
tornou-se visível. É incontestável que a mesma constitui-se num entrave para a
reprodução do sistema capitalista, por conta da escassez de matérias-primas importantes
para a produção de mercadorias no contexto da crise capitalista. Trata-se de uma crise
de superprodução, onde após a longa onda expansiva dos “anos dourados” inicia-se um
longo período de estagnação. Um elemento novo dessa crise é o fator ambiental que
também contribuiu para a mesma, sendo um de seus “detonadores” – refiro-me ao
“choque” e a crise da alta do preço do petróleo.
A ilusão da infinitude dos recursos naturais é desmascarada pela realidade
gerada pelo próprio capital. Silva (2010, p. 83) analisa que a “ideia de que o planeta
estaria caminhando para uma catástrofe de proporções irreversíveis se a degradação
ambiental não fosse controlada, imediatamente, adquire visibilidade indiscutível.”
Corroboro com a ideia de que a preocupação e urgência conferida ao debate da Questão
Ambiental se fazem predominantemente com o interesse na garantia de reservas de
recursos naturais suficientes para a produção. Isso se verifica também a partir dos
grandes investimentos em pesquisas com a finalidade de descobrir novas fontes de
energia, matéria-prima e novas tecnologias que sejam capazes de manter a reprodução
ampliada do capital e seu processo de valorização. A concepção de “desenvolvimento
sustentável”, que será abordada mais aprofundadamente no próximo item, reafirma essa
ideia: a “produção sustentável” tem a intencionalidade de amenizar os impactos
ambientais gerando, assim, um novo mercado, o de produtos sustentáveis, sem alterar a
lógica da produção e sem deixar de explorar os recursos naturais.
Entretanto, como veremos a seguir, também as lutas sociais em torno do debate
ambiental possibilitaram parte da visibilidade com que a questão tem sido tratada nos
dias atuais. Estas lutas e as propostas que emergiram de seu interior têm se modificado
sendo na atualidade não só permeadas pelo ideário do desenvolvimento sustentável, mas
também pelo caráter classista presente na concepção do movimento pela justiça
ambiental.
3. Lutas Sociais e as Principais Correntes do Movimento Ambientalista
A partir dos anos 1970, um dos períodos de crise cíclica do capital, evidencia-se
o que já abordei como “Questão Ambiental”. Os problemas ecológicos tomaram conta
da agenda mundial, tornando-se uma de suas principais pautas. Como afirma Silva
(2010), foi evidenciada a possibilidade de que houvesse uma catástrofe de grandes
proporções e escassez de matérias primas se não houvesse controle imediato da
degradação e exploração ambiental que ganham, assim, grande visibilidade. Silva
(2010, p. 118) complementa esse pensamento afirmando que
[...] para o capital, a “questão ambiental” se constitui numa problemática tão
somente na medida em que impede, ou cria obstáculos, às formas que
historicamente utilizou para apropriar-se da natureza, isto é, a propriedade
dos bens sociais e naturais e a sua transformação em mercadorias.
Portanto, como a “questão ambiental” também se constitui um entrave para a
reprodução do capital. Segundo Behrends (2011, p.16).
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Durante o século XX, o mundo viveu uma fase de crescimento, em que o
desmatamento e a despreocupação com o meio ambiente representavam o
desenvolvimento para o progresso. “Isso porque, a poluição era vista como
um mal necessário”. Com o grande avanço do descaso com a biodiversidade,
e os seus efeitos começando a atingir o homem, foi neste momento, na
década de 1970, que o mundo começou a se preocupar com danos causados
pela poluição.
Analisando a conjuntura da época, para além da crise capitalista identificamos
fatos que contribuíram para reforçar o debate da Questão Ambiental na sociedade. As
Conferências mundiais sobre o tema, por exemplo, passam a ser sistematicamente
realizadas e são consequências da preocupação com o meio ambiente que vinha
inquietando toda a sociedade. Destaco a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente, em Estocolmo, 1972. “Este evento, que marcou o ambientalismo mundial,
foi convocado em razão da necessidade de discutir temas ambientais que poderiam gerar
conflitos internacionais, a exemplo da poluição da água, do ar e do solo”. (SILVA,
2010, p. 167). O capital, nesse momento, necessita da intervenção estatal nesse
processo, de modo a atender as demandas sociais quanto à exploração ambiental e, ao
mesmo tempo, assegurar a continuidade da produção.
Além das conferências, avalia-se que um dos atores fundamentais nesse processo
de visibilidade da Questão Ambiental foram os movimentos ambientalistas que, através
de denúncias e lutas ambientais, buscaram debater e evidenciar para a sociedade que a
exploração desenfreada dos recursos naturais causa efeitos degradantes ao meio
ambiente atingindo a todos, especialmente os mais pobres.
É a partir dos anos 1970 que os propósitos e ações relativos ao ambiente
assumem um lugar específico como problemática, diferenciando-se das
iniciativas anteriores em termos de visibilidade como também pela
incorporação de novas dimensões – como a luta contra o uso dos agrotóxicos
– por exemplo –, demonstrando mudanças importantes nas bandeiras e ações
anteriores, bem como uma complexificação deste campo. É também a partir
das décadas de 1970 e 1980 do século XX que esta questão passa a ocupar
um lugar de crescente importância também para os países periféricos.
(SILVA, 2010, p.83)
Antes da Questão Ambiental ganhar destaque mundialmente já existiam ações e
movimentos de denúncias ambientais que pautavam o meio ambiente em torno de
diversas vertentes, sendo hegemonicamente a exploração da natureza associada a
progresso e desenvolvimento. Porém, foi no período de ascenso do debate que o
movimento também ganhou força.
O movimento ambientalista é classificado por diferentes autores como um dos
chamados “Novos Movimentos Sociais”. Os primeiros movimentos reuniram
principalmente setores da classe média, juntamente com ativistas, hippies, e outros
setores que não incorporavam, em seus debates, o recorte de classe associado aos efeitos
da questão ambiental. Havia (e ainda há) em muitos deles, o a visão que considera a
natureza acima do ser humano; uma visão romântica da mesma que compreende o meio
ambiente sem contemplar o homem como parte dele. Principalmente por conta disso o
movimento ambientalista se distanciava muitos das classes populares e ainda há uma
resistência de ser reconhecido enquanto um movimento social. Loureiro (2012, p. 47)
afirma que
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Por sua origem junto às classes médias européias e norte-americanas, o
movimento ambientalista é identificado, de forma mais imediata, com as
forças sociais que se configuram nesta fase de reorganização do capitalismo e
suas “bandeiras”: afirmação de valores “ecologicamente adequados”; da
diversidade cultural e de expressões; da tolerância; do zelo ao planeta. Tal
cenário propicia, portanto, que os chamados NMS [Novos Movimentos
Sociais] assumam o “ambiental” de início, como algo inerente às suas
finalidades, enquanto os MS [Movimentos Sociais], diante de suas históricas
lutas sociais, o fizeram posteriormente.
Martínez Alier (2011) considera que existem 03 principais correntes do
movimento ambientalista: o “culto ao silvestre”, o “evangelho da coeficiência” e “a
justiça ambiental e/ou ecologismo dos pobres”.
Quanto ao culto ao silvestre a sua “principal proposta política [...] consiste em
manter reservas naturais, denominadas parque nacionais ou naturais, ou algo
semelhante, livres da interferência humana.” (MARTÍNEZ ALIER, 2011, p. 24). Essa
corrente busca “a beleza do meio ambiente”, é baseada na biologia da conservação e
ganhou destaque a partir de 1960. Também podemos classificá-la como adepta da
perspectiva do “Mito da natureza intocável” (DIEGUES, 2001) – ou seja, não
compreende o homem como parte da natureza.
A segunda corrente é o “evangelho da coeficiencia”. O autor analisa que esta
[...] procede da primeira corrente, preocupada com a preservação da natureza,
[...] uma cronologia que se tornou plausível devido à rápida industrialização
dos Estados Unidos aos finais do século XIX. [...] Preocupada com os efeitos
do crescimento econômico, não só nas áreas de natureza original como
também na economia industrial, agrícola e urbana. Trata-se de uma corrente
aqui batizada como “credo – ou evangelho - da coeficiência.” Sua atenção
está direcionada para os impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes
das atividades industriais, da urbanização e também da agricultura moderna.
Essa segunda corrente do movimento ecologista se preocupa com a economia
na sua totalidade. [...] Acredita no “desenvolvimento sustentável”, na
“modernização ecológica” e na “boa utilização dos recursos.” (MARTÍNEZ
ALIER, 2011, p. 31 e 26).
O mesmo ator também afirma que essas duas correntes, sendo as principais, se
“casam” em alguns movimentos e “dormem juntas”. Uma das conquistas dessa corrente
foi colocar a expressão desenvolvimento sustentável em debate e como alternativa para
a sociedade naquele momento. Bernades e Ferreira (2009, p. 4) reforçam que,
Graças à influência dos movimentos ecológicos, a expressão
desenvolvimento sustentável ganhou extrema força nos discursos políticos do
mundo atual e interpretações variadas. Para alguns significa uma
racionalização da sociedade com a implantação de um desenvolvimento mais
limpo. Para outros, pode representar uma utopia romântica.
A terceira corrente identificada é “a justiça ambiental e/ou ecologismo dos
pobres” que vem crescendo em nível mundial e desafia as outras duas correntes
mediante o seu discurso de que os mais pobres não “paguem” e sofram mais pelos
danos ambientais causados pelo capitalismo. Esta vertente é caracterizada como
O movimento pela justiça ambiental, o ecologismo popular, o ecologismo
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dos pobres, nascidos de conflitos ambientais em nível local, regional,
nacional e global causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade
social. Os exemplos são os conflitos pelo uso da água, pelo acesso às
florestas, a respeito das cargas de contaminação e o comércio ecológico
desigual, questões estudadas pela ecologia política. Em muitos contextos, os
atores de tais conflitos não utilizam um discurso ambientalista. Essa é uma
das razões pelas quais a terceira corrente do ecologismo não foi, até os anos
1980, plenamente identificada. (MARTÍNEZ ALIER, 2011, p. 39).
Esse movimento nasceu nos EUA, em 1987, a partir da luta travada por grupos
étnicos afetados pelo racismo ambiental, com base um estudo que denunciava a ligação
da degradação ambiental com o racismo ambiental. Esse estudo mostrava que a
localização das lixeiras coincidia com os locais de moradia das comunidades negras,
hispânicas e asiáticas.
Partindo da compreensão de que essas três correntes perpassam os movimentos
ambientalistas mundialmente, buscaremos caracterizá-los em nível mundial e depois
abordar suas especificidades no caso brasileiro.
Dentre movimentos e ações que perpassam a perspectiva do culto ao silvestre,
Martínez Alier (2011) menciona a Convenção da Biodiversidade no Rio de Janeiro em
1992, e a Lei de Espécies em perigo nos Estados Unidos, enquanto vitórias para essa
corrente de priorização da preservação sobre a mercantilização.
Atuando conforme a vertente do evangelho da coeficiência, o autor destaca os
movimentos: International Union for the Conservation of Nature (IUCN), o Worldwde
Fundo of Nature (WWF) e Nature Conservancy. A Rede WWF (antes conhecida como
Fundo Mundial para a Natureza) foi criada em 1961, “quando um pequeno grupo de
indivíduos apaixonados e comprometidos assinaram uma declaração que veio a ser
conhecida como o Manifesto de Morges”. (WWF, s/d). Os principais fundadores do
movimento foram o biólogo Julian Huxley e o ornitólogo e pintor Peter Scott. Com base
nas principais vitórias destacadas no site, analisase que as ações deste movimento são
voltadas para a conservação da natureza e preservação do habitat. Porém na década de
1970, por conta da crise mundial, as suas preocupações começaram a se estender para
além desse discurso, adotando também a perspectiva do desenvolvimento sustentável.
Este fato reafirma o que escreveu Martínez Alier (2011) sobre o “casamento” das duas
primeiras vertentes supramencionadas, sendo que a segunda complementa a primeira.
O autor ainda aborda outras organizações que dialogam com essas duas
vertentes: um movimento chamado Sierra Club, – este trabalhava na perspectiva da
preservação da natureza, mas também publicou livros sobre justiça ambiental – e outro
movimento, desmembrado deste primeiro, chamado “Amigos da Terra”, que nasceu em
1969, tendo como lema: “A terra pode sobreviver bem sem amigos, mas os humanos, se
quiserem sobreviver, devem aprender a ser amigos da terra”. (MARTÍNEZ ALIER,
2011, p. 25).
Ferreira (2008), que caracteriza essa segunda corrente – ou seja, a do “evangelho
da coeficiência” – como preservacionista, sinaliza que “dentro do movimento
preservacionista, foi criado na América do Norte, em 1872, o primeiro parque nacional
do mundo, o Parque Nacional de Yellowstone, uma área de 800 mil hectares, [...]
tornando-se modelo para outros países.” (FERREIRA, 2008, p. 18).
Conforme exemplificado acima, alguns movimentos podem perpassar várias
correntes, sendo, majoritariamente, de um campo. Um destes é o Greenpeace, um dos
maiores movimentos ambientalistas do mundo que, por essência, apresenta-se na
perspectiva do evangelho da coeficiência, mas pauta lutas em consonância com outras
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correntes também. Este movimento, conhecido como ecopacifista (uma das suas
características é não-violência), nasceu em 1972, em Vancouver, caracterizando-se
como um dos maiores responsáveis pela popularização da “Questão Ambiental” no
mundo. (BERNADES; FERREIRA, 2009). Esse movimento foi fundado por
“ecologistas, jornalistas e hippies”. (GREENPEACE, 2010). Segundo Martínez Alier
(2011, p. 39)
Trata-se de uma organização fundada há trinta anos com base na preocupação
com testes nucleares com finalidade bélica e preservação das baleias em
perigo de extinção. Do mesmo modo, também tem participado dos conflitos
de justiça ambiental [corrente esta muito forte nos Estados Unidos]. [...] teve
papel importante na Convenção da Basiléia, que proíbe a exportação de
resíduos tóxicos para a África e outros lugares. Tem respaldado e capacitado
dioxinas provenientes dos incineradores. Tem apoiado comunidades dos
mangues na resistência contra a carcinicultura.
O site do movimento cita algumas das principais vitórias ao longo da sua história.
Fazendo um recorte entre as décadas de 1970 a 1990, destaca-se o fim de testes
nucleares, operados pela França, no pacífico Sul, em 1974. A ação do grupo, ao navegar
rumo ao Pacífico Sul, deu visibilidade ao fato e, juntamente com a pressão pública,
levou à suspensão dos testes (GREENPEACE, 2011). Outra ação ocorreu em 1982, mas
iniciou-se na
[...] década de 1970, [quando] a população de baleia azul diminuiu
drasticamente para menos de seis mil em todo o mundo, conseqüência
direta da pesca baleeira agressiva. O fato chamou a atenção do Greenpeace,
que logo após sua fundação decidiu aderir à defesa das baleias. Em 1973 as
embarcações do Greenpeace iniciaram investidas contra barcos baleeiros.
Cenas de baleias mortas sendo içadas chocaram o mundo. Após 10 anos de
campanha, o Greenpeace conquistou sua maior vitória: em 1982 finalmente
a Comissão Baleeira Internacional anuncia a Moratória de Caça às
Baleias. (GREENPEACE, 2011).
A terceira vitória mencionada foi em 1995, quando uma empresa de petróleo
solicitou permissão ao governo britânico para despejar uma instalação inteira, que não
tinha mais serventia, no Oceano Atlântico. O Greenpeace interviu com uma “invasão” à
plataforma e, denunciando o fato mundialmente, mobilizou a opinião pública, que
obrigou a empresa a recuar. Finalizando a década, em 1999, a instalação de várias
madeireiras malaias no Brasil, explorando ilegalmente os recursos do país, levou o
movimento a produzir um relatório denominado “À Margem da Lei”, onde fazia
denúncias sobre as práticas de tais empresas. Devido à repercussão internacional dessas
denúncias, as atividades destas empresas diminuíram e, anos após, suas operações
foram suspensas no Brasil.
Martínez Alier (2011) analisa que os grupos ambientalistas acima mencionados,
tanto do culto ao silvestre como do evangelho da coeficiência, não são tão poderosos
quanto os Estados e empresas, mas participam consideravelmente na governabilidade
ambiental internacional. Considera também que estes pautam, com urgência, a
implantação de políticas ambientais. O autor reforça que, Esses grupos não enfrentam diretamente o mundo capitalista em geral.
Também não contam com um grande plano ou esquema para o futuro da
humanidade e da natureza. Mais precisamente, voltam-se para aspectos
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particulares, mobilizando-se contra aquelas empresas cujo comportamento é
singularmente ofensivo ao meio ambiente. Procuram minar o apoio prestado
pelo Banco Mundial e pelos bancos regionais a ele associados no tocante a
projetos de represamentos, de gás, petróleo e mineração. Nos dias de hoje,
exercem um papel proeminente na definição da agenda da política ambiental
mundial. (MARTÍNEZ ALIER, 2011, p. 266).
Fazendo uma reflexão sobre os dois maiores e principais movimentos
ambientalistas do mundo – por conta da maior visibilidade – o WWF e o Greenpeace, a
minha primeira indagação se refere à falta de concepção destes enquanto movimentos
sociais. O WWF se autodenomina como uma rede. Uma de suas principais
características é o trabalho com vários projetos financiados por entidades internacionais.
O Greenpeace concebe a si mesmo enquanto uma “uma organização global e
independente que atua para defender o ambiente e promover a paz, inspirando as
pessoas a mudarem atitudes e comportamentos.” (GREENPEACE, 2010 – Grifos
nossos). O mesmo não aceita doações de governos, empresas ou partidos políticos e os
valores em que baseiam suas ações são: independência, não violência, confronto
pacífico e engajamento. Uma característica deste movimento são suas ações de
denúncia, frequentemente pacíficas (não há enfrentamento), somadas à publicização do
fato em nível mundial, sensibilizando e chocando a sociedade que, ao repudiar tal fato,
leva a uma vitória na reivindicação.
A segunda reflexão que faço diante da busca por tal caracterização se refere à
insuficiência de elementos teóricos sistematizados sobre as contribuições do movimento
ambientalista para dar visibilidade à “Questão Ambiental”. Pondero a dificuldade em
encontrar fatos que auxiliam na caracterização dos mesmos, o que me leva a questionar
se realmente esses tiveram um papel de grande destaque nesse processo de visibilidade
da Questão Ambiental. Isso porque entre os autores consultados até aqui, notei que o
debate do movimento ambientalista é visivelmente secundarizado ante a divulgação de
grandes pesquisas e relatórios científicos. Dito de outro modo: o Relatório do Clube de
Roma ou Relatório Meadows e o Livro “Primavera Silenciosa”, da bióloga marinha
Rachel Carson, 1962 são tratados como os grandes feitos que deram visibilidade à
questão ambiental e, inclusive, como fatores que impulsionaram os movimentos
ambientalistas mundialmente quando em nossa percepção, o processo deveria ser
inverso.
Após caracterizar e refletir minimamente sobre o movimento ambientalista
mundial trago a discussão para a especificidade brasileira quanto ao surgimento deste
movimento no país. Pode-se dizer que os primeiros seus registros nesse sentido são da
década de 1970, no contexto de ditadura militar2. Como a repressão contra os
movimentos sociais, de um modo geral, era grande, este foi um dos impedimentos para
o movimento ambientalista crescesse no país. Gonçalves (2010) analisa que nesse
período, a burguesia nacional buscava o investimento estrangeiro para o
desenvolvimento do país não possuindo, portanto, a cultura de respeito e preservação da
natureza. O pensamento dominante à época baseava-se nos “tecnocratas brasileiros,
participantes de seminários e colóquios internacionais, [declarando] que ‘a pior poluição
é a da miséria’ e [tentando] atrair os capitais estrangeiros para o país”. (GONÇALVES,
2010, p. 15).
O autor ainda analisa que as movimentações ambientais no Brasil foram reflexos
2 No ano de 1971, a Rede WWF inicia seu trabalho no Brasil, “apoiando os primeiros estudos feitos sobre
um desconhecido primata ameaçado de extinção do Rio de Janeiro.” (WWF, s/d).
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da pressão internacional para que houvesse exigências no investimento financeiro das
organizações no país, entre as quais a preocupação com o meio ambiente. Assim, o
Estado criou algumas instituições para gestão ambiental objetivando cumprir com essa
obrigação. Um exemplo de ação é a diversificação e multiplicação das unidades de
conservação no país, segundo Cunha e Coelho (2009), na década de 1970. Nota-se a
influência do culto ao silvestre mesclado com o evangelho da coeficiência nas políticas
ambientais do Brasil.
Essa é uma particularidade do movimento ambientalista brasileiro: os avanços
na legislação ambiental aconteceram antes da consolidação do movimento em nível
nacional. Isso porque nesse período já havia grupos que denunciavam a degradação
ambiental, mas estes não tinham força política, tanto por possuírem a trajetória ainda
incipiente de organização, quanto pelas condições gerais da repressão política inerentes
à ditadura. Bernandes e Ferreira (2009) classificam três períodos na história do
ambientalismo brasileiro:
uma primeira fase, denominada ambientalista (1974 a 1981), caracterizada
por movimentos de denúncia de degradação ambiental nas cidades e criação
de comunidades alternativas rurais; um segundo momento, de transição (1982
a 1985), foi marcado pela grande expansão quantitativa e qualitativa dos
movimentos da primeira fase; na terceira fase, a partir de 1986, a maioria do
movimento ecológico decidiu participar ativamente da arena parlamentar.
(VIOLA, 1987 apud BERNANDES; FERREIRA, 2009, p 37).
Passada a primeira fase, já abordada acima, o período caracterizado como segunda
fase pelos autores, abrange o final da ditadura militar e o processo de redemocratização
do país ampliando, portanto, as possibilidades de organização dos movimentos sociais
na sociedade brasileira.
Gonçalves (2010) analisa que nesse contexto marcado, entre outros
acontecimentos, pelo retorno dos exilados políticos ao país, estes trazem uma enorme
contribuição para o movimento nacional em face de muitas vivências junto aos
movimentos ambientalistas na Europa e em outros países. Thomas (2006) também
afirma que este se constituiu um período de amadurecimento e politização do
movimento ambientalista brasileiro como reflexo da conjuntura nacional. A autora
reforça que
São outros fatos que representam a politização do ambientalismo: a fundação
do Partido Verde em 1986 (primeiramente no RJ e em seguida em SC), o
primeiro encontro nacional de Entidades Ecologistas Autônomas (em
BH/MG), incluindo, pela primeira vez, o Norte, Nordeste e Centro-Oeste e,
por fim, a adoção da questão ambiental por outros partidos políticos, como o
Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
(THOMAS, 2006, p. 60).
Quanto à terceira fase do movimento ambientalista, além da participação dos
representantes na arena parlamentar, destaco outras conquistas derivadas dessa maior
politização do movimento, tais como a incorporação de pautas emergentes na sociedade
relacionadas à questão ambiental e o início dos trabalhos do Greenpeace no Brasil, no
ano de 1992 – mesmo ano em que o país sediou a ECO-92.
No Brasil, o debate mais politizado da questão ambiental é feito por alguns
movimentos. Entre eles destaca-se o movimento de Justiça Ambiental que surge no
Brasil enquanto Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) em 2001 como uma
11
articulação dos movimentos sociais, centrais sindicais, ONGs, entidades ambientalistas
e diversas organizações para construir e fazer denúncias relacionadas à (in)justiça
ambiental. Na “Declaração de lançamento da rede brasileira de justiça ambiental”
(2001), ficou esclarecido e definido o conceito de injustiça ambiental, enquanto
[...] o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista
econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do
desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais
discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às
populações marginalizadas e vulneráveis. (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2001)
A mesma declaração traz, também, o conceito de justiça ambiental enquanto,
[...] um conceito aglutinador e mobilizador, por integrar as dimensões
ambiental, social e ética da sustentabilidade e do desenvolvimento,
freqüentemente dissociados nos discursos e nas práticas. Tal conceito
contribui para reverter a fragmentação e o isolamento de vários movimentos
sociais frente aos processos de globalização e restruturação produtiva que
provocam perda de soberania, desemprego, precarização do trabalho e
fragilização do movimento sindical e social como um todo. Justiça ambiental,
mais que uma expressão do campo do direito, assume-se como campo de
reflexão, mobilização e bandeira de luta de diversos sujeitos e entidades,
como sindicatos, associações de moradores, grupos de afetados por diversos
riscos (como as barragens e várias substâncias químicas), ambientalistas e
cientistas. (JUSTIÇA AMBIENTAL, 2001).
Para além da RBJA, o debate da justiça ambiental é hegemonicamente
incorporado entre os movimentos sociais campesinos (principalmente os que estão
reunidos na Via Campesina3) que pautam a temática ambiental, direta ou indiretamente.
Considera-se que neste campo os movimentos de maior destaque são o Movimento dos
Trabalhadores sem Terra (MST), MAB (Movimento dos Antigos por Barragens),
Movimentos indígenas e quilombolas. Estes trazem, em seu discurso, o debate da
(in)justiça ambiental, ao pautarem a socialização dos recursos naturais, ao questionarem
a função social da terra, a contaminação do solo por uso de agrotóxicos, etc, como
veremos adiante.
Analisamos que no país, esse debate adquire grande força política por conta da
particularidade de formação sócio-histórica da nossa nação. Esse é um país com grandes
riquezas e recursos naturais que, em sua maior parte, está concentrada nas mãos de
grandes latifúndios. Concordamos com Herculano (2008, p. 5) ao afirmar que
No caso do Brasil, portanto, o potencial político do movimento pela justiça
ambiental é enorme. O país é extremamente injusto em termos de distribuição
de renda e acesso aos recursos naturais [...]. Os vazamentos e acidentes na
indústria petrolífera e química, a morte de rios, lagos e baías, as doenças e
mortes causadas pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, a expulsão das
comunidades tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e trabalho,
3 “A Via Campesina é um movimento internacional que coordena organizações camponesas de pequenos
e médios agricultores, trabalhadores agrícolas, mulheres rurais e comunidades indígenas e negras da Ásia,
África, América e Europa.” Disponível em: http://www.social.org.br/cartilhas/cartilha003/cartilha012.htm
Entre os movimentos que compõem a Via Campesina estão o MST, MAB, MAP, entre outros, e serão
melhor abordados no próximo capítulo.
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tudo isso, e muito mais, configura uma situação constante de injustiça sócio-
ambiental no Brasil, que vão além da problemática de localização de
depósitos de rejeitos químicos e de incineradores da experiência norte-
americana.
No país é difícil discutir e defender a preservação ou conservação dos recursos
naturais e não conseguir visualizar os conflitos territoriais e a injustiça ambiental com a
população que vive nesses biomas. A injustiça, não apenas ambiental, mas
principalmente seus desdobramentos econômicos e políticos ocasionados pela
concentração da terra, riqueza e poder tem produzido permanentemente os conflitos
agrários que têm resultado em muitas mortes no campo4.
Um dos movimentos campesinos que visualizamos possuir, em seu interior, o
debate da justiça ambiental é o MAB. Esse movimento discute e pauta o modelo
energético brasileiro, mas sua luta está articulada com outros movimentos sociais tendo,
em seu horizonte, o projeto de sociedade socialista. A respeito do debate da justiça
ambiental no MAB, Benincá (2011, p. 287-288) afirma
Este é um tema ainda não abordado de forma objetiva pelo MAB, mas que se
revela central em face das múltiplas ocorrências de injustiças, violação de
direitos e impactos ambientais de que os atingidos por barragens são 'vítimas'
no processo de instauração dos projetos hidrelétricos. [...] [Mais a frente
explicita que] aos movimentos populares cabe, pois, a tarefa de desvelar para
a sociedade os custos ecológicos e sociais dos empreendimentos capitalistas e
as contradições insustentáveis que eles imprimem.
Contudo, percebemos que esse é um debate e novo desafio para o movimento que
reconhece sua importância e centralidade. Outro Movimento que também incorpora em
seu interior a discussão da questão ambiental e da justiça ambiental é o MST, que é
objeto desse estudo e será tratado de forma mais aprofundada aos longos dos próximos
capítulos.
4. Conclusão
Para finalizar esta etapa de nossa discussão temos algumas coisas a serem
sublinhadas e que são essenciais à continuidade da exposição. A primeira delas é que
visualizamos amplas possibilidades de expansão do movimento ambientalista no Brasil.
Compreendemos que a QA estimula e pode se articular com as lutas sociais por direitos
no país, pois os é bastante evidente o potencial que mobiliza em face da percepção dos
seus efeitos no cotidiano, especialmente da população mais pobre.
A segunda questão a sublinhar, em íntima relação com a primeira, é que
concordamos com a análise de que os efeitos da Questão Ambiental não são sentidos da
mesma forma pelas diversas classes sociais. Os mais pobres a sentem e sofrem muito
mais, reforçando a ideia de que há um recorte de classe social inerente a estas lutas.
Apesar das duas vertentes abordadas como hegemônicas no movimento ambientalista
não realizarem o debate do sujeito dentro desse processo e preocuparem-se apenas com
a natureza e, posteriormente, com o desenvolvimento do capitalismo de forma
sustentável, a concepção do movimento de Justiça Ambiental dialoga com nossa forma
4 Segundo o Relatório "Conflitos no Campo Brasil 2012” realizado pela Comissão Pastoral da Terra, em
2012 houve 36 assassinatos decorrentes de Conflitos no Campo.
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de compreender a Questão Ambiental e seus efeitos perante a população.
O debate da Questão Ambiental e das lutas do movimento ambientalista traz
consigo, de modo intrínseco aos seus fundamentos, a mediação das classes sociais, ou
seja, uma divisão de classe quanto aos seus efeitos e consequências. Apesar do
movimento ambientalista historicamente ter sido alavancado por ativistas e setores da
classe média, não incorporando inicialmente o debate sobre as desigualdades sociais,
não se pode negar que estas ações ocorrem em meio a conflitos sociais mais amplos. Na
base desta compreensão está o fato de que os fundamentos da Questão Ambiental são
oriundos do Modo de Produção Capitalista, que divide a sociedade em classes sociais,
exploradores e exploradores. Ao falar sobre a categoria "conflitos ambientais" para os
movimentos sociais, Loureiro (2012. p. 51) afirma que
Esta qualifica e integra a ação organizada em defesa de justiça social e do
direito à vida emancipada, saudável e sustentável, uma vez que trata das
relações estabelecidas nos processos antagônicos de interesses que disputam
recursos naturais e buscam legitimar seus modos de vida.
Já se conseguiu avançar muito no que se refere ao movimento pela justiça
ambiental no Brasil e, como visto, as possibilidades de sua expansão são enormes.
Acredito que é preciso que os movimentos sociais consigam visualizar a possibilidade
da luta pela justiça ambiental associada às suas bandeiras especialmente às lutas do
campo, para que avancem nesse debate, aprofundando a pauta e compreendendo essa
luta enquanto uma ação estratégica para construção de um projeto societário alternativo.
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5. REFEREÊNCIAS
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