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QUANDO SE PERDE UMA LÍNGUA: A QUEM CABE O ENSINO E A MANUTENÇÃO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA? Cláudia Spitz UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras RESUMO Pensar em políticas de línguas capazes de garantir os direitos à promoção e manutenção das línguas de herança significa refletir sobre as práticas atuais e ser capaz de desenhar o futuro a que se quer chegar. Partindo do conceito de Língua de Herança (LH) como língua minoritária associada à presença de uma comunidade com background migratório numa “comunidade de acolhimento” maioritária, cuja aquisição começa geralmente em ambiente familiar e que integra o repertório plurilingue dos sujeitos, combinando-se, designadamente com a língua do país de acolhimento(Melo-Pfeifer & Schmidt ,2013),estudos demonstram que o input dos pais por si só não é suficiente para garantir que essas línguas não se erodam de geração para geração (Nesteruk,2009). O Brasil tem presenciado um aumento na sua população de emigrantes e a proliferação de instituições que atuam no ensino, manutenção e promoção da Língua Portuguesa mundo afora. Diversos são os fatores que contribuem para a manutenção ou erosão de uma LH e mapear os programas de Português como Língua de Herança (PLH) e dar voz aos diferentes atores que atuam nesse processo nas diásporas, representa o primeiro passo para gerar entendimentos sobre as necessidades e desafios de se manter uma Língua e Cultura que transita na dicotomia orgulho e vergonha. Esse artigo faz uma leitura dessas iniciativas e problematiza sobre o papel que exercem na manutenção do PLH por meio da exposição linguística e do propiciamento de exposição linguística aos Falantes de Herança. Trata-se de um trabalho de natureza exploratória, descritivo e crítico,que se insere dentro da Linguística Aplicada, como entendida por Moita Lopes (2016), e da abordagem ecológica e sociocultural do ensino- aprendizagem de línguas (Lantolf, 2007, Kramsh,, 2002 Vygotsky,1978) que concebe a língua como um artefato cultural através do qual o indivíduo media sua conexão com o mundo, com o outro e consigo mesmo. Os dados utilizados foram gerados por meio de um questionário online com perguntas abertas que incluíam desde informações básicas dos programas e seus responsáveis até questões como “Quais são as habilidades lingüísticas trabalhadas?” ou “Quais aspectos da cultura brasileira são abordados?” a fim de verificar se havia um

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QUANDO SE PERDE UMA LÍNGUA: A QUEM CABE O ENSINO E A

MANUTENÇÃO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA?

Cláudia Spitz

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Pensar em políticas de línguas capazes de garantir os direitos à promoção e

manutenção das línguas de herança significa refletir sobre as práticas atuais e ser capaz de

desenhar o futuro a que se quer chegar. Partindo do conceito de Língua de Herança (LH)

como língua minoritária associada à presença de uma comunidade com background

migratório numa “comunidade de acolhimento” maioritária, cuja aquisição começa

geralmente em ambiente familiar e que integra o repertório plurilingue dos sujeitos,

combinando-se, designadamente com a língua do país de acolhimento(Melo-Pfeifer &

Schmidt ,2013),estudos demonstram que o input dos pais por si só não é suficiente para

garantir que essas línguas não se erodam de geração para geração (Nesteruk,2009). O Brasil

tem presenciado um aumento na sua população de emigrantes e a proliferação de instituições

que atuam no ensino, manutenção e promoção da Língua Portuguesa mundo afora. Diversos

são os fatores que contribuem para a manutenção ou erosão de uma LH e mapear os

programas de Português como Língua de Herança (PLH) e dar voz aos diferentes atores que

atuam nesse processo nas diásporas, representa o primeiro passo para gerar entendimentos

sobre as necessidades e desafios de se manter uma Língua e Cultura que transita na

dicotomia orgulho e vergonha. Esse artigo faz uma leitura dessas iniciativas e problematiza

sobre o papel que exercem na manutenção do PLH por meio da exposição linguística e do

propiciamento de exposição linguística aos Falantes de Herança. Trata-se de um trabalho de

natureza exploratória, descritivo e crítico,que se insere dentro da Linguística Aplicada, como

entendida por Moita Lopes (2016), e da abordagem ecológica e sociocultural do ensino-

aprendizagem de línguas (Lantolf, 2007, Kramsh,, 2002 Vygotsky,1978) que concebe a língua

como um artefato cultural através do qual o indivíduo media sua conexão com o mundo, com

o outro e consigo mesmo. Os dados utilizados foram gerados por meio de um questionário

online com perguntas abertas que incluíam desde informações básicas dos programas e seus

responsáveis até questões como “Quais são as habilidades lingüísticas trabalhadas?” ou

“Quais aspectos da cultura brasileira são abordados?” a fim de verificar se havia um

(des)contínuo entre os objetivos propostos e as práticas pedagógicas relatadas Na análise das

respostas, tomo por base o paradigma qualitativo-interpretativista (Guba e Lincoln,1989;,

Ribeiro e Garcez, 2002 e Denzin e Lincoln, 2006) e trago nuances quantitativas geradas pelas

respostas, principalmente no que tange o perfil dos programas e a demografia dos

participantes. Integro ainda elementos sociais e culturais à minha própria interpretação dos

eventos, como observadora híbrida que sou.. Por fim, analiso criticamente as ações

pedagógicas e esforços para manter o PLH frente a (in) existência de políticas linguísticas

brasileiras voltadas para a área. Dentre as conclusões preliminares, destaco a importância da

sistematização e formalização do ensino do PLH e a implantação de políticas por parte do

governo brasileiro que possam sustentá-lo e fazer valer o papel de protagonista que o Brasil

deveria exercer no que tange o PLH..

Palavras-chave: Língua de Herança, Programas de Português Língua de Herança, Erosão

Linguística

O DISCURSO DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NA PEC 171/1993

Jordana Lenhardt

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Os estudos aqui propostos buscam investigar o uso da linguagem e a representação de

atores sociais na materialidade linguística do texto que propõe a redução da maioridade penal

para 16 anos por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993. O corpus de

análise é composto pelo texto de inteiro teor da proposta da referida PEC, que data de 27 de

outubro de 1993, bem como seus desdobramentos até o ano de 2015, por meio de dados gerados

em pesquisa sobre a PEC 171 junto ao sistema do site da Câmara dos Deputados do Brasil. As

análises empreendidas neste trabalho baseiam-se em ferramentas teórico-metodológicas como

a Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2003), a Linguística Sistêmico-Funcional de

Halliday e Matthiessen (2004) e as representações de atores sociais de van Leeuwen (1997). A

ACD analisa textos de maneira crítica, buscando compreender questões sociais que envolvem

a constituição de identidades, maneiras de interpretar a realidade, assim como relações de poder

presentes no discurso. A redução da maioridade penal é tema de diversas propostas de emenda

constitucional e reverbera em comentários, discursos e diferentes posicionamentos por parte da

mídia, do legislativo federal e da sociedade civil. Percebendo na linguagem e pela linguagem a

possibilidade de (re)significar o mundo, desafiar discursos legitimados e construir realidades

nos leva a repensar algumas questões sociais, em especial aquelas relacionadas ao menor e a

criminalidade. Este trabalho busca empreender reflexões a respeito de dois textos referentes à

PEC 171/1993, que se constituem de propostas de emendas constitucionais junto a câmara dos

deputados do Brasil e seus desdobramentos, já que a proposta do ano de 1993, tem mais 20

propostas de emenda apensadas a ela. À luz de conceitos Foucaultianos buscamos refletir ainda,

como aparelhos políticos buscam nessas proposições junto a câmara dos deputados transmitir

verdades construídas e unilaterais acerca da maioridade penal em tempos de biopoder. Ao

analisarmos tais propostas, visamos contribuir para a conscientização sobre os efeitos sociais

de textos e para mudanças sociais, a fim de superar relações assimétricas de poder, as quais são

parcialmente sustentadas pelo discurso. Dessa forma, acreditamos que reconhecendo o controle,

a seleção, organização e redistribuição da produção de discursos em sociedade podemos

perceber a manipulação da informação usada como ferramenta de controle social, constituindo

discursos que levam a marginalização daqueles que são indesejáveis pelo poder do estado ou

da ordem. Salientamos ainda, com base nos conceitos abordados, que discursos não devem ser

entendidos como representação simbólica do mundo, como uma realidade exterior e universal,

pois a linguagem se faz elemento constitutivo da realidade.

Palavras-chave: discurso, redução da maioridade penal, PEC 171/1993.

UMA ANÁLISE DISCURSIVA SOBRE QUAL IDEOLOGIA QUEREM NA

CHAMADA NEUTRALIDADE DO ESCOLA SEM PARTIDO?

Juliana Rettich

UERJ – Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar as diferentes possibilidades de sentido da palavra

ideologia no Projeto de lei Programa Escola sem Partido (PL867-2015) e seus apensados.

Desde o início da pesquisa, a dúvida mais latente era a que ideologia se referia o PL 867.

Que doutrinação ideológica seria essa da qual os professores são acusados, da qual falam

aqueles que defendem o Escola sem Partido? Pela estrutura do projeto, já é possível

descartar que ideologia não é, para o seu relator, a política, a religião e a moral, uma vez

que há frases como o professor “ não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de

suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas”. Assim, um

desafio se apresentava para formar a rede que pudesse ajudar a compreender as possíveis

produções de sentido da palavra ideologia. Como os discursos se materializam por meio

de textos, as cartas enviadas ao site do movimento Escola Sem Partido e as mensagens

postadas na página do Facebook Mães pelo Escola Sem Partido foram também incluídas

nas análises do corpus, a fim de compor a rede que ajudará a analisar os discursos que

atravessam o movimento e seus apoiadores. Para seguir esse caminho da rede , a pesquisa

se faz a partir do método da cartografia, presente no livro Pistas do Método da

Cartografia (2015), que é fundamentado nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Além da palavra ideologia, a outra entrada linguística são os enunciados negativos, que

aparecem de forma recorrente no PL 867, os quais foram analisados a partir dos conceitos

da negação polêmica. Quais pontos de vista estão pressupostos nos enunciados com a

negação polêmica? Perguntas como essas acabam sendo essenciais para compreender por

que o PL 867-2015 ganha espaço hoje com a discussão de ideologização ou doutrinação

ideológica. Outro ponto do trabalho, além da materialidade linguística, já que o Escola

Sem Partido é um dispositivo de cerceamento de alguns discursos em sala de aula, é a

compreensão das interdições do discurso, como propõe Michel Foucault, em A ordem do

discurso (2014). Vale também pensar na importância da lei para endossar o movimento

de censura dos professores em sala de aula. Nesse sentido, é possível pensar nos discursos

fundantes ou constituintes de outros discursos, como o religioso, o filosófico, o literário,

científico e, mesmo não sendo consensual, o discurso jurídico. Este especificamente é o

que está no foco de uma parte da pesquisa, bem como a sustentação de que, no Brasil, a

partir dos seus contextos sócio-históricos, o discurso jurídico torna-se um discurso

fundante. Desse modo, o percurso teórico tem sido feito a partir da perspectiva de estudos

discursivos de base francesa, com autores como Dominique Maingueneau e Michel

Foucault; para a negação polêmica, estudos de Oswald Ducrot e Marion Carel; já para

pensar ideologia, além de Foucault, conceitos de Karl Marx, Eni Orlandi, e novamente

Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Palavras-chave: Ideologia. Doutrinação. Escola

UNINDO FORÇAS - REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO RACIAL NA

CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE

Raquel Ferreira Sampaio dos Santos

PPLIN-Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo discutir a construção identitária de professores

negros de Inglês, através de narrativas compartilhadas nas quais eu também estarei incluída.

Este trabalho teve como impulso inicial o puzzle: Por que me sinto tão desafiada ao dar aulas

de Língua Inglesa? Tal questionamento surgiu em um dos ambientes profissionais em que estive

inserida. Nesse contexto, numa escola particular localizada no Rio de Janeiro, vivenciei um

confronto com os meus alunos. Aparentemente, eles não tinham credibilidade na minha

competência enquanto docente. Na maior parte das aulas percebia olhares diferenciados, um

constante monitoramento da minha pronúncia, chegando a ouvir comentários como: “- Teacher,

o meu Inglês é melhor que o seu”. Além disso, alguns chegaram a formalizar tal insatisfação

para os diretores do colégio em questão. Deste modo, a partir dos constantes sinais de rejeição

dos meus educandos as minhas aulas comecei a problematizar esta circunstância com perguntas

como: “Será que é somente minha competência linguística que está em xeque? É a primeira

vez que me sinto testada pelos meus alunos? Será que isso pode ser racismo? ” Cheguei à

suposição de que esta situação poderia estar associada ao racismo porque aquele local de

trabalho era altamente elitizado, com a presença de pouquíssimos professores negros e não fora

a primeira vez que observei esse comportamento por parte dos meus educandos ao longo da

minha jornada enquanto professora de Inglês, iniciada há cinco anos atrás. Questiono-me às

vezes, para que os alunos olham primeiro para a minha competência Linguística ou para a minha

cor de pele? Alinho-me às palavras de Fernandes (2016, p. 108) quando afirma categorização

do negro significa que este recebe “ a marca” que lhe é impingida faz recair sobre ele um olhar

de descrédito que impede que ele possa ser percebido na totalidade de seus atributos e de forma

individual”. O que pode ser uma das razões que levavam os meus alunos a tecerem elocuções

como, “ Teacher, as suas aulas são totalmente improdutivas” , “Teacher, tem certeza que esta é

a pronúncia?”. Seria o meu sotaque o problema? Seria a minha pronúncia o problema? Ou seria

a minha cor de pele o problema? Com a finalidade de se buscar mais entendimentos sobre tal

temática, um dos construtos teóricos a serem utilizados, será a Prática Exploratória, que por

meio do seu viés ético- inclusivo e teórico metodológico (Moraes Bezerra; Nunes 2013) “

propicia, assim, a geração de um espaço discursivo de construção de conhecimentos” (Miller,

2012; Moraes Bezerra e Rodrigues, 2012; Nunes, 2012 apud Moraes Bezerra; Nunes 2013 ).

Serão feitas também considerações sobre o tipo de racismo que ocorre no contexto brasileiro;

um racismo oculto (Camino et. al, 2000; Silva, 2011; Fernandes, 2016). Ademais, será discutido

a importância de um ensino que busque um modelo de letramento que leve os alunos pensarem

em sua realidade social ( Freire, 1983, 2011). O presente trabalho terá uma pesquisa de cunho

qualitativo e interpretativista. Denzin et. al (2006) defende a ideia do pesquisador não como

alguém que observa a questão pesquisada a partir de um olhar estrangeiro, mas sim como

alguém que busca entender o outro, ou seja, a “ capacidade de compreensão do observador está

enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um

agente ativo” (BORTONI, 2008, p.32).

Palavras- chave: Prática Exploratória, racismo, ensino, modelo de letramento.

A VOZ FEMININA NAS COMPOSIÇÕES POÉTICAS DE CHICO BUARQUE: QUE

SÃO ESSAS SUPOSTAS MULHERES?

Andreia dos Santos de Oliveira

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Submissão e inferioridade femininas presentes ou não nas primeiras letras de música

com eu lírico feminino compostas por Chico Buarque? Qual atuação social das mulheres

brasileiras à época dessas composições? Que modernização de gênero já tinha ocorrido até

então? De que forma o contexto histórico – a Ditadura Militar – pode ter influenciado a

‘escolha’ do nosso poeta quanto ao(s) papel(is) das mulheres nas composições em que dá voz

a elas? Esses são os questionamentos cujo caminho por respostas conduzem e embasam este

trabalho. Até a segunda metade do século XX, muitas mulheres já haviam se destacado

socialmente. No século XIX, tivemos Nísia Floresta (1810-1885), que foi pioneira na

educação pública do país; no século seguinte, fomos presenteados com outras mulheres que

corroboraram o desejo e a necessidade de reposicionamento da figura feminina na sociedade

brasileira. São exemplos dessa empreitada Bertha Lutz (1894-1976), que embrenhou na luta

pelo direito de voto, e Patrícia Galvão (1910-1962), que levantou bandeira pelo direito da

mulher à liberdade de comportamento e expressão. Todavia, a mulher que supostamente

recebe voz nas primeiras composições de Chico Buarque não demonstra essa mesma garra,

iniciativa e independência de pensamento. Pelo contrário. Por isso, a proposta deste trabalho é

verificar se a(s) mulher(es) que emerge(m) das composições de Francisco Buarque de

Hollanda cujo eu lírico é feminino acompanha a empreitada feminina já bem impulsionada na

ocasião. Nesse intuito, selecionamos quatro composições a serem analisadas sob o enfoque

das causas feministas reivindicadas no Brasil daquela época e de estudos sobre o feminismo.

Ou seja, nosso intuito é estudar de que forma as primeiras “mulheres buarqueanas”

representam ou não a luta das mulheres contemporânea às composições. As composições

selecionadas são: Com açúcar, com afeto (1966), Atrás da porta (1972) e Olhos nos olhos

(1976) e Folhetim (1977-78). A obra de Luis Felipe Miguel, Feminismo e política: uma

introdução (2014) é um dos alicerces nessa análise. Nela, o autor nos mostra que a busca pela

igualdade será entendida como uma inserção num universo já existente e preenchido pelo

masculino, o que, no mínimo, dificultará que haja igualdade de fato, tendo em vista que as

condições, nos mais diversos âmbitos (social, trabalhista,...), foram pensadas de acordo com

as “necessidades” e desejos dos homens. Sendo assim, não haverá igualdade, e sim a inserção

de um ser (a mulher) que, a princípio, terá que se adaptar, além de continuar a ser tido como

inferior àquele universo. Nesse sentido, acreditamos que somente com a remodelação desse

universo, pensando os dois gêneros (assim como os demais grupos tratados como inferiores)

como iguais em direitos – direitos estes que deveriam ser pensados de acordo com o que os

distingue fisiologicamente, o período pré-menstrual e a gestação, por exemplo - seria possível

o reconhecimento de uma justa aproximação da igualdade. Portanto, não basta usar a

marcação de feminino para ser uma voz realmente feminina, é preciso que o universo

feminino seja devidamente representado.

Palavras-chave: patriarcalismo; atores sociais; mulheres buarqueanas; representatividade.

ARNALDO ANTUNES – “N.D.A.” E A GENÉTICA LÍRICA DA LINGUAGEM

Glauber Mizumoto Pimentel

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A palavra na poesia de Arnaldo Antunes assume um caráter tão conciso e material

quanto versátil e dinâmico, e, ao mesmo tempo, tão técnico e conceitual quanto lírico a,

assim, elucidar/questionar a existência humana, as coisas e/ou apenas sinalizar - revitalizando

através das margens da língua - o próprio processo em que ela, a língua, e a palavra se

realizam - potencialmente - como poiesis. Consideremos, pois, o conceito de poiesis,

conforme falou Arnaldo Antunes: o “espaço criativo - como um espaço de potência diante do

mundo”. O presente trabalho objetiva, sob a luz do propósito crítico da metalinguagem poética,

considerando a conjugação essencial entre poesia e filosofia, (re)conhecer, investigar, e, assim, até

certo ponto, esclarecer a dimensão lírica da palavra na poesia de Arnaldo Antunes. Sobre esta

dimensão lírica, pretende-se, assim, desenvolver uma breve reflexão que leve em conta a sua

concepção diacrônica - tendo em vista, a acepção comumente feita ao conceito de que a poesia lírica é

aquela na qual o poeta se expressa, considerando, assim, a sua força de expressão poética sob a égide

da emoção e do subjetivismo. A partir desta perspectiva, devemos aqui (re)considerar a dimensão

lírica de que o subjetivismo está calcado nas exclamações emocionais do ser para daí, então,

desenharmos uma reflexão mais filosófica na qual os dilemas, os dramas existenciais já são, de certa

forma, superados, a configurarem, portanto, uma individualidade que não se expressa por intermédio

da língua, mas, já e diretamente, na e pela lingua(gem). Ao pensar, então, sobre a dimensão lírica da

palavra na poesia de Arnaldo Antunes, temos aí, inicialmente, algumas questões basilares a serem

consideradas com seu devido cuidado para que assim possamos tratar do tema proposto. Dentre outras,

destaquemos, então: como estudar a relação entre lírica e metalinguagem na poesia de Arnaldo? Quais

são seus reflexos para o desdobramento de sua poética? E o que é linguagem? O que é (isso) poesia?

A partir de tais questões, veremos que a palavra não é um veículo, mas, sim, uma unidade

potencial transformadora. Nesse caso, a poesia (ex)trapola tal unidade, ao ponto da palavra ser

o reflexo unívoco (poeta/poema) numa apresentação crítica e singular. Apresentação daquilo

que, fundamentalmente, enuncia o ser humano: a linguagem enquanto poiesis. A linguagem

enquanto real-experiência a configurar, então, o caráter linguístico próprio das obras de arte.

Para o desenvolvimento deste artigo, portanto, o livro “n.d.a.”(2011), do poeta em destaque,

será a referência básica para tratarmos das questões relacionadas à poesia, lírica e linguagem,

antes citadas. Em “n.d.a.”, título que ao longo do livro fará analogia com DNA e nada,

Arnaldo Antunes traça uma busca - que só se sustenta na e pela palavra - ao que então

podemos considerar como (uma) origem da linguagem. Vemos assim que diferente do DNA –

códigos que definem, segundo o discurso científico, os traços biologicamente humanos – o

livro em questão nos mostra que a palavra é uma célula, que ao alcance dos nossos sentidos –

principalmente sonoros e visuais, está a todo instante a se regenerar só nos deixando rastros

para sua real decodificação – ou, melhor, a sua real deglutição.

Palavras-chave: Linguagem. Poesia. Palavra.

VINICIUS DE MORAES E O CAMINHO PARA O MODERNO

Hilda dos Santos Silva

UERJ - Especialização em Literatura Brasileira

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo mostrar a mudança da poesia de Vinicius de Moraes,

através da reflexão e observação de sua fase mais espiritualizada até sua adesão definitiva ao

movimento modernista brasileiro. Para tanto, foi feito, de início, um percurso diacrônico

através de sua obra poética, assinalando as diretrizes espiritualistas do poeta em sua fase

inicial. A partir de então, se estabeleceu um comparativo entre seus primeiros livros e sua

produção poética na totalidade, na tentativa de demonstrar como tais questões influenciaram

na progressão de sua escrita, até sua aproximação ao Modernismo Brasileiro canônico. Assim,

a análise dos poemas seguiu essa diretriz, obedecendo a um itinerário cronológico, a fim de

identificarmos mais propriamente as mudanças de perspectivas de sua poesia, ao encontro de

uma poética que busca encarnar os costumes do homem comum, que ama, que sofre com seus

amores, que se indigna com as atrocidades do mundo, que está imerso na prosa cotidiana da

vida em caminho de celebração, crítica e criação no universo da linguagem. Nessa linha de

análise, através dos poemas selecionados, busca-se mostrar o afastamento por completo da

poesia de Vinícius de Moraes de um patamar considerado elevado, já agora, suas produção

vão em direção a uma poesia do cotidiano, do prosaico, uma poesia mais terrena, menos

divina. Nesse sentido, a escolha de “O falso mendigo” foi definida pelo próprio autor: “O

primeiro, ao que se lembra o A., escrito em oposição ao transcendentalismo anterior”

(MORAES, 2011, p. 11). “A bomba atômica” e “Azul e branco” porque foram escritos de

maneira muito particular para fazer memória de fatos importantes, que constitui em si um

divisor de águas: o massacre nas cidades japonesas (Hiroshima e Nagasaki), culminando com

o fim da Segunda Guerra Mundial; e a construção mais importante símbolo do modernismo

arquitetônico, o edifício Gustavo Capanema, estes dois de modo especial pela criação

imagética presente neles. Também teremos em consideração, a “História passional,

Hollywood, Califórnia” por constituir um traço crítico à cultura americana, pelo processo

avassalador do consumismo na política da “boa vizinhança” e do “American way of life”.

Assim, o presente estudo será enriquecido à luz de algumas perspectivas teóricas, tais como

José Castello, biógrafo de Vinicius de Moraes, e também Eucannã Ferraz, que busca, através

de seus estudos, dar uma maior visibilidade à obra poética de Vinicius de Moraes, afirmando,

nesse ínterim, ser o autor um poeta refinado e sensível desde as dores de amor até uma poesia

mais politizada.

Palavras-chave: Vinicius de Moraes. Modernismo Brasileiro. Poesia. Transição.

MÁRIO CESARINY AUTORATOR DE POESIA: O ESPETÁCULO DO

PRESTIDIGITADOR

Maria Silva Prado Lessa

UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Considerado o maior representante do Surrealismo em Portugal, Mário Cesariny foi

um multiartista que percorreu as artes plásticas, a poesia, o teatro, a prosa ficcional, o ensaio,

a performance e o happening, a música, entre outros caminhos. Apesar de ter iniciado sua

trajetória pública nas artes visuais e nas letras quase simultaneamente, o surrealista não

mereceu, em vida, muitos estudos que abordassem a relação interartística de sua obra. Porém,

acreditamos que as leituras que favoreçam a abordagem interartística do/no seu trabalho são

extremamente enriquecedoras e representam uma ampliação dos horizontes de investigação e

de divulgação de uma produção como a sua. Nesse sentido, uma vez que a obra que Cesariny

desenvolveu ao longo de sua vida enveredou por múltiplas linguagens da arte, seria

interessante perceber, também, o quanto sua “obra escrita”, geralmente tomada como um todo

uniforme, representaria mais um campo de investigação transdisciplinar de seu caráter plural.

Percebemos, assim, uma possível “espetáculo-poética” que surge da leitura de diversos

escritos de Cesariny. Sua “espetáculo-poética” consistiria num característico gesto de

“encenador” da sua escrita com o qual o “autoractor” apresenta cenas de escrita da poesia na

cidade que fundariam, no limite, cenas de leitura na e da sua obra. Nesse movimento, pode-se

perceber como o poeta, comparado a um prestidigitador, “organiza um espetáculo”,

transformando seus poemas em palcos onde representa suas cenas de leitura e escrita e sobre

os quais dispõe inúmeros elementos cênicos. Tal abordagem pressupõe três campos de

investigação complementares: a leitura de textos prototipicamente dramáticos que foram

escritos por Cesariny e que mereceram, por vezes, encenações em Portugal, bem como de

escritos que estabelecem um diálogo intertextual com o universo teatral, como é frequente na

obra desse artista, além da análise de poemas que poderíamos classificar como “artes

poéticas”. Nesse tipo de composição, a simultaneidade entre a apresentação de uma teoria

poética e a sua prática se assemelha ao gesto espetacular do encenador e do prestidigitador,

algo recorrente em seus poemas. Estes contam com um caráter performático próprio da

linguagem teatral, na qual “dizer é fazer”, demonstrando “sua força performática, seu poder

de, simbolicamente, levar a cabo uma ação” (PAVIS, 2011, p. 103). As três perspectivas de

leitura que propomos em nossa pesquisa têm como intuito pensar a relação entre a poesia e o

drama investigando o quê do espetáculo teatral é transposto tanto para a cena de escrita,

quanto para o momento da leitura, refletindo sobre de que maneira o espectador numa sala de

teatro pode ser comparado ao leitor que tem um livro nas mãos. Da relação espectador-leitor,

é interessante avaliar como Cesariny desloca o seu leitor da posição de um “espectador

incólume”, criando estratégias para limitar o contato contemplativo e confortável com a obra,

fazendo transpor, das páginas dos poemas, um “novo real poético”.

Palavras-chave: Literatura Portuguesa. Surrealismo. Poesia. Drama.

FLU∞ER: POR ENTRE OS RIOS DE ROSA

Eliane Maria Diniz Campos

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A relação de Vilém Flusser (1920-1991) com João Guimarães Rosa (1908-1967) e seus

desdobramentos é o fio condutor desta análise. O contato entre eles começa aparentemente de

maneira tardia, no sentido de que, provavelmente, veio a se sedimentar mais ao final da carreira

de Guimarães Rosa. Isso é perceptível pelas críticas que Flusser fez aos textos do escritor as

quais, em geral, eram sobre os escritos dos livros Estas histórias (1969) e Ave, Palavra (1970),

ambas publicações póstumas. Além disso, o que aproximava esses intelectuais era resultado das

vivências em terras estrangeiras; terem sofrido duramente os impactos da Segunda Guerra

Mundial; da paixão pelas línguas, bem como pela experiência poliglota; além de

compartilharem a ideia da língua como “magia”, a língua no sentido heiddegeriano de que é ela

que fundamenta o SER. Ademais, pode-se afirmar também que ambos tiveram suas resistências,

dificuldades, em participar de um ambiente formalizante e cerceador, seja ele a universidade,

no caso de Flusser, seja ele a Academia de letrados, no caso de Rosa. Através dos escritos de

Flusser, percebe-se que eles tiveram relações, não se sabe se de amizade, mas minimamente de

apreciadores um da obra do outro. Vilém Flusser contribuiu sobremaneira com a divulgação da

obra de Rosa quando, em várias ocasiões, escreveu sobre o escritor e sua produção no

Suplemento Literário do Estado de São Paulo. Textos como Guimarães Rosa . ; O mito em

Guimarães Rosa; Guimarães Rosa e a geografia; O estilo de Guimarães Rosa entre outras

publicações, além de um capítulo inteiramente dedicado ao escritor em Bodenlos (1992) e

comentários também em Língua e Realidade (1963) (uma das principais obras de Flusser)

podem ajudar a elucidar vários aspectos a respeito do pensamento de Rosa. No texto O mito em

Guimarães Rosa, por exemplo, o filósofo tece considerações preciosas sobre o conto “Fita

verde no cabelo”, lançado postumamente junto a Ave, Palavra (1970). Deste modo, Flusser,

fluxo, como um leitor de Guimarães Rosa, é um autor que pode ajudar os intérpretes da obra de

Rosa a navegarem pelas vias desse escritor. Ainda que o filósofo não tenha conseguido observar

cuidadosamente a obra roseana vastíssima, ele pôde sugerir sentidos às palavras imbricadas de

Rosa. E como uma referência dentro de um labirinto, ele pode nos ajudar a buscar atalhos,

atravessar os caminhos, ser o correr da água por entre os rios de Rosa. Nesse sentido, a

comunicação tratará de discorrer sobre o que aproxima e distancia esses pensadores, buscando

analisar, entre outros aspectos, a percepção de linguagem e tradução para ambos os autores.

Será apresentada, inclusive, um experimento de tradução, da própria pesquisadora, de trechos

de “Fita verde no cabelo” para o francês, a fim de poder compreender as possibilidades e

potencialidades de recriação do texto roseano em outra língua.

Palavras-chave: Vilém Flusser. Guimarães Rosa. Linguagem. Tradução.

A SINGULARIDADE DO OLHAR INFANTIL EM CONTOS DE PRIMEIRAS

ESTÓRIAS, DE JOÃO GUIMARÃES ROSA.

Mayara Simonassi Farias

UFF- Programa de Pós-graduação em Estudos da Literatura

RESUMO

As Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, privilegiam personagens que

comumente são colocados à margem ou que não ocupam lugar de destaque nas narrativas: os

loucos, ou aqueles que vivem situações consideradas pelos demais como loucura, e as

crianças. Neste artigo, a atenção se voltará para este segundo grupo, que sempre gerou

opiniões diversas ao longo de toda a história: as crianças, que nos contos de Rosa, de acordo

com Benedito Nunes (2013), são seres de extrema perspicácia e aguda sensibilidade. Nesse

sentido, será discutido como o autor, em meio a sua sensibilidade literária, elege as crianças

como criaturas capazes de produzir cultura, de subverter a ordem e de criar arte e teorizar

sobre ela, a partir de um olhar extremamente singular. Ao suposto não saber da criança e sua

constante experimentação das relações, ela é capaz de modificar e de ressignificar a cultura.

Assim, a criança não sabe menos que os mais velhos, mas possui um saber diferente, aquele

que o adulto perdeu ao longo de seu amadurecimento. Por meio da brincadeira, a criança dá

utilidade ao inútil, ela olha, com um olhar extremamente singular e crítico, não apenas vê o

objeto dado. Esse saber é o que encontramos, por exemplo, na personagem Brejeirinha,

protagonista do conto “Partida do audaz navegante”, de linguagem divinamente poética e

inventividade latente, onde uma simples caixa de fósforos se torna um importante brinquedo,

ou, ainda, que consegue fazer arte com esterco. A personagem cria novas palavras, atribui

sentidos diversos e transforma a realidade. Em “A menina de lá”, o autor acrescenta a

personagem Maria, apelidada de Nhinhinha, um grandiosíssimo senso estético que a faz

escolher sempre o melhor primeiro, saboreava o belo, “o enfeitado do sentido”, o que foge ao

nosso juízo, assim como fogem ao nosso juízo os efeitos e o sabor da literatura e da arte nos

leitores. Esta capacidade infantil de recriar os objetos, muitas vezes censurada pela sociedade,

é a capacidade intrínseca a arte. Para que a arte seja arte é necessário, de acordo com

CHKLOVSKI (1970), que o artista lance seu olhar sobre o objeto e o veja, não apenas o

reconheça. Um menino, em “As margens da alegria”, que após viajarmos juntos e nos

apaixonarmos por ele, chamar-se-á O menino, em “ Os cimos”, desvia seu olhar da construção

da grande cidade que fascina a todos os adultos e se encanta com os pássaros e aves. É este

olhar “desviado” e desautomatizado que pretende ser assemelhado ao olhar do artista, que

através da arte busca atingir a consciência humana. É importante ressaltar que toda a reflexão

sobre a singularidade do olhar infantil levará em consideração a questão da

interdisciplinaridade que deve ser envolvida nos estudos que se referem a concepção de

infância adotada pelo autor e a criança.

Palavras-chave: Infância, Guimarães Rosa, Metaficcionalidade, Primeiras Estórias

ATRAVÉS DO LÓGOS NO SERTÃO MITOPOÉTICO DE ROSA

Pedro Cornelio Vieira de Castro

UFRJ – Doutorando em Literatura Brasileira

RESUMO

Ao estudarmos as obras de Guimarães Rosa, nos deparamos com um universo de

significados e significantes muito vasto, talvez infinito. O uso da língua e das imagens faz de

seu sertão um espaço inédito na literatura, embora seja confundido muitas vezes com uma obra

de caráter regionalista. Este trabalho pretende mostrar que o sertão de Grande sertão: veredas

não é um simples cenário geográfico ou histórico, mas é toda uma natureza mitopoética. Com

alto teor imagético, o romance carrega complexas questões envolvendo o ser humano. Essas

questões se inserem a partir da narração de Riobaldo, sempre dirigida a um homem “muito

culto”. Entretanto, esse homem jamais intervém na narrativa, levando a interpretação de que o

diálogo travado não é com ele, mas com um tipo específico de leitor. A partir de reflexões

explícitas tiradas do livro, faz-se necessário entender quem é esse leitor a quem Rosa se dirige

e de que modo acontece esse diálogo. Para desvendar essa questão, utilizamos textos teóricos

de Manoel Antonio de Castro, o que nos levou imediatamente à origem da palavra diálogo e

sua aproximação com a palavra lógos. Essa aproximação nos leva a tempos ainda mais distantes

e aos aforismos de Heráclito de Éfeso, acompanhados de estudo de seu tradutor Alexandre

Costa. Aprofundando os estudos pré-socráticos, desvela-se uma visão antiga da natureza,

escondida no termo physis e que se irmana da palavra lógos – a qual não nos arriscamos a

traduzir literalmente. É essa natureza encontrada em Grande sertão: veredas. A natureza de

brotar incessante e omniparturiente, características fundamentais dessa physis pode ser vista

também em outros contos do autor. Porém, o objeto principal de estudo reside no romance de

Rosa. As demais obras servem de auxílio para mostrar um projeto mitopoético rosiano e já

foram dissecadas, sob esse aspecto, em tese de doutorado de Maria Lúcia Guimarães de Faria,

Aletria e Hermenêutica nas estórias rosianas, e no livro A saga rosiana do sertão, de Ronaldes

de Melo e Souza. O ponto de partida, que nos fez questionar esse caráter mitopoético do sertão

rosiano, foi “O homem dos avessos”, ensaio de Antonio Candido, que atesta para o caráter

mítico e duplo do romance narrado. As cenas protagonizadas por Diadorim, Joca Ramiro e

Riobaldo possuem resquícios de tempos imaginados e também imaginantes. Torna-se

necessário, portanto, recorrer ao mitólogo Eudoroso de Sousa, que desvenda as origens de mito

e poesia nas civilizações pré-helênicas. A própria entrevista de Guimarães Rosa ao seu

correspondente alemão, Gunther Lorenz, Diálogo com a América Latina: panorama de uma

literatura do futuro, acompanha esse trajeto sertanejo a partir de uma visão divinatória de rio,

que, para Rosa, é a palavra mágica que conjuga eternidade. Esse rio eterno é também narrante,

como podemos observar no nome do narrador Riobaldo. De fato, as palavras correm,

incessantes, sem obstáculo e terminam a travessia das palavras em um sinal de infinito –

terminam?

Palavras-chave: Sertão. Mitopoético. Diálogo. Physis.

FAZER E PENSAR POESIA: O QUESTIONAMENTO DA REPRESENTAÇÃO

EM EUCLIDES DA CUNHA

Lais Peres Rodrigues

UFJF - Departamento de Letras

RESUMO

Grande parte dos poemas de Euclides da Cunha foram arquitetados no solo da

metalinguagem. Alguns, em especial, destacam esse trabalho de forma mais patente, ora

por comparar o processo de construção lírica aos trabalhadores braçais, ora por questionar

a própria função da poesia no início do século XX. Euclides da Cunha possui a

consciência de um poetizar próprio do brasileiro, fruto de nosso passado, vivências e

personalidade. Com uma espécie de pré-antropofagia de nossa poesia, ao eleger uma

estrutura clássica alexandrina, vestindo-a com um personagem do povo, propõe uma

exaltação ao nosso dom artístico nativo, o qual, apesar de nascer do cotidiano, adquire

elementos grandiosos devido a nossa tendência natural de poetizar, ao criarmos, por

exemplo, metáforas e hipérboles com frequência. As características dissonantes e

exageradas do povo brasileiro despertavam imensa atenção de Euclides da Cunha, como

n'Os sertões, a partir da designação dos termos “misto de tapuia e celta” e “Hércules

quasímodo”. Para Euclides da Cunha, a teoria poderia vir de influências europeias, mas

não impediria que o texto poético fosse essencialmente brasileiro. Era preciso beber os

teóricos estrangeiros e produzir um discurso autenticamente brasileiro. Em nossa

apresentação, vamos destacar também que Euclides, assim que retornou da Campanha de

Canudos, ainda sensibilizado com o que vira no sertão baiano, repassou para um lindo

papel de carta o que nem ele mesmo havia digerido emocionalmente. Estavam ali naquela

folha os horrores desconhecidos pelo litoral. O papel de carta era a representação da

capital baiana rica, e as palavras de Euclides da Cunha relatavam Canudos, o arraial

apagado, uma página que tentaram arrancar do enredo brasileiro: “Página vazia”. Ele fala

da impossibilidade de escrever diante do terror da guerra, mas, ao mesmo tempo, ao

declarar essa impossibilidade, ele mesmo já exerce o trabalho de organizar seu

pensamento sobre o acontecido e realizar o ato de não-escrever, escrevendo. Em outro

soneto, intitulado “Se acaso uma alma se fotografasse”, escrito em Manaus, em 1905, o

poeta exalta uma linguagem subjetiva abundante, que atinge seu auge na realização de

uma reflexão sobre a configuração da alma do sujeito poético e sua representação, em

meio ao conceito de modernidade tecnológica da arte, tão discutido naquela época. Na

ocasião da escrita, acompanhava o soneto uma fotografia do escritor com um grupo de

pessoas que fizeram parte da comissão de reconhecimento do Alto Purus. Nesse soneto,

a problematização da representação na modernidade ganha destaque. Questiona: como

escrever poesia na era das fotografias? Ele responde a essa questão, a partir da união dessa

objetividade moderna com o subjetivismo-essência do poeta, permanecendo no entrelugar

característico do discurso euclidiano.

Palavras-chave: Euclides da Cunha. Literatura brasileira. Metalinguagem. Poesia.

O ESCRITOR EM FACE DE SUA ESCRITA: ENTRE A ÉTICA E A ESTÉTICA NA

PRODUÇÃO CRONÍSTICA DE MILTON HATOUM

Aídes José Gremião Neto

UERJ/FFP – Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística (PPLIN)

RESUMO

Entre 2005 e 2007 Milton Hatoum publica sua primeira sequência de crônicas para um

único volume intitulado Entrelivros. Com esse volume de crônicas, que, se visto ao lado de

todo seu projeto literário, situa-se no intermédio de seu projeto, o escritor mostra uma faceta

ficcional pouco explorada até então: o debate acerca da matéria literária por meio de textos que

situam-se na fronteira entre crônicas e ensaios. Nesse sentido, pode-se vislumbrar nessas

crônicas algumas heranças literárias do escritor, bem como aquilo que Dominique

Maingueneau cunhou de ‘rithos de escrita’. Portanto, uma vez que seja possível reconhecer uma

verve ensaística, cabe pensar o projeto de autoria de Hatoum, que surgira em 1979 com a

publicação do volume intitulado Palavras e imagens de um rio entre ruínas, composto em

conjunto, com apresentação e poesia de Milton Hatoum e imagens de outros autores. Nesta

apresentação, Hatoum, em forma de ensaio, de maneira breve, promove um apanhado da

história de Manaus, desde o século XVI até o XX, com o foco recaído na espoliação dos

recursos naturais e culturas ao longo do tempo. Mais tarde, com a publicação de seus romances

e de muitas outras crônicas, pôde-se observar que uma das preocupações do escritor, além da

escrita laboriosa, é recobrir ficcionalmente a história de Manaus por meio de perspectivas

distintas e entrecruzamento de vozes. Um projeto literário iniciado em 1979, cujo foco da crítica

recai sobre os romances, tendo seu desdobramento em diversas modalidades: crônicas, contos

e romances, carece de um olhar atento que opere uma leitura conjunta e dialógica,

principalmente para as crônicas, que amalgamam as diversas facetas deste projeto. Nesse

sentido, a presente comunicação contemplará quatro crônicas do escritor, afim de recobrir os

três volumes em que Hatoum publicou e, no caso do último, publica até os dias atuais, sendo

eles respectivamente: Entrelivros (2005-2007), Terra Magazine (2006-2010) e o jornal

Estadão. Nessas crônicas pensaremos os interstícios de uma poética de autoria e, com isso,

traremos à baila assuntos que perpassam desde a esfera ética até a estética. Se por um lado, na

crônica “Em busca da inspiração perdida”, da Entrelivros, há a presença de um narrador que,

sendo escritor, discute questões ligadas ao ofício da escrita, por outro, as crônicas

“Celebridades, personagens e bananas” e “Domingo sem cachorro” versam sobre uma

dimensão ética, situada no seio do dia a dia, sem perder de vista a macro política. Por outro

lado, há outras temáticas como religião e Ditadura militar de 1964 presentes, respectivamente

em “Tarde delirante no Pacaembu”, publicada no Estadão em novembro de 2009, e “Um jovem,

o velho e um livro”, a qual não cotejaremos no presente trabalho. É trilhando a leitura dos textos

literários de Hatoum aqui selecionados que refletiremos sobre a importância da produção

cronística para a poética do escritor. Para tanto, pensaremos tanto na relação história e literatura,

por meio de autores como Luiz Costa Lima com História, ficção e literatura (2006) e Linda

Hutcheon com Poética do pós-modernismo (1991), quanto as relações estéticas travadas no

interior de suas produções, deixando entrever passos da constituição de sua poética de autoria.

Neste quesito, utilizaremos as considerações de Dominique Maingueneau acerca do Discurso

literário (2006).

Palavras-chave: Milton Hatoum. Projeto literário. Crônicas.

DESLOCAMENTOS E HIBRIDEZ NA NOVA MARVEL

Gabriel Braga Ferreira de Melo

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Os heróis das tradicionais histórias em quadrinhos estão alçando novos voos. Cinema e

séries de televisão são apenas dois dos novos lugares em que você pode encontrar muitos de

seus personagens preferidos. Porém, as páginas em que eles são publicados desde 1938

continuam sendo a mídia de maior relevância de sua história, dada a característica mensal de

publicação da maioria das revistas. Com um espaço maior para se aprofundar em certos

questionamentos, as histórias em quadrinhos, além de entreter, nos trazem um retrato da

sociedade que nos cerca e problematizam seus costumes. Concentrado nessa qualidade das

histórias em quadrinhos e utilizando como figura principal de exame os heróis da nova era dos

quadrinhos – heróis que, no geral, foram criados no século 21 –, este trabalho visa analisar

como se dá a discussão e a problematização das questões culturais de identidade nacional e de

pertencimento nessa nova era dos quadrinhos; como os comics representam a sociedade e

retratam uma identidade nacional estadunidense nos dias de hoje; como é possível estabelecer

heróis que falem à nação em um país sem uma identidade nacional homogênea; como retratar

uma sociedade tão diversificada culturalmente quanto a dos Estados Unidos nas últimas

décadas; e, por fim, como a indústria dos quadrinhos se adapta à nova realidade do mundo para

poder manter discussões pertinentes e estabelecer um debate sobre os temas que mobilizam a

nação – uma característica histórica desse meio desde sua origem no século passado. Para

alcançar tais objetivos, utilizo os suportes teóricos de autores como Umberto Eco (2011 [1964])

e Zygmunt Bauman (2013 [2011]) na discussão do papel dos quadrinhos como um veículo de

cultura. As questões do hibridismo em Nestor García Canclini (2008), da tradução em Stuart

Hall (2005) e Gayatri Spivak (2010), e da caracterização do sujeito que vem de fora e o

relacionamento entre este e o que o recebe presentes em Eric Landowski (2002) também serão

abordadas. Resgato ainda, uma vez mais, Bauman (2001 [2000]) e Hall (2009 [2003]), o

primeiro para abordar as questões da modernidade líquida e o segundo para melhor

compreender as diásporas. Ao longo de todo o trabalho, são empregadas reflexões de diversos

teóricos de quadrinhos como Santiago García (2012), Christopher Knowles (2008), Jason

Dittmer (2013) e Russel W. Dalton (2011) para costurar a relação entre os quadrinhos e as

questões da Literatura e Estudos Culturais. Pretende-se verificar, assim, que, no atual momento,

o multiculturalismo é abraçado pelos comics por meio de um destaque de novas identidades

heroicas surgidas pós-2011 e outras provenientes da fragmentação do herói nacionalista antigo,

estando todas essas identidades em maior consonância com os tempos atuais e que visam

contemplar a diversidade cultural dos Estados Unidos.

Palavras-chave: Deslocamento, nação, tradução cultural, quadrinhos, Nova Marvel.

DESENHAR E ESCREVER: CONSTRUINDO ILUSTRAÇÕES PARA A HORA DA

ESTRELA (1977), DE CLARICE LISPECTOR

Luciana Freesz

UFJF - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários

RESUMO

A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi o último romance que a escritora

publicou em vida, no ano de 1977, envolvido por certo mistério, pois parece assumir a forma

de um testamento literário da autora. A obra convida o leitor a uma rememoração de todas as

obras que a precederam. Compreendemos que a obra possui a capacidade de decodificar a

organização social e cultural da modernidade brasileira. Os percalços vividos pela

personagem central Macabéa, narrados por Rodrigo S. M. fazem parte de um texto cercado

pelo excesso de visão, plenitude de leitura e escrita criados pela autora. Macabéa é a

personagem que Rodrigo S. M. vai desenhar. Como um artista postado de frente a uma folha

de papel em branco, a história vai sendo guiada por traços, esboçando um texto rico em

expressões e impressões do narrador que pensa estar oferecendo “um relato frio”. A narrativa

de Lispector está sempre em busca de algo, a preocupação com o ato da escrita é constante:

“Será mesmo que a ação ultrapassa a palavra?”. Da preocupação com o ato da escrita, com a

ação, caminhamos para a preocupação com o ato de criação de imagens.

Este é o resumo de um projeto de tese que parte, em princípio, da possibilidade de todo texto

literário gerar imagens gráficas, concretizadas pela utilização de qualquer técnica artística que

o idealizador de tal empreitada possa propor. O texto de um autor pode converter-se em forma

visual pelas suas próprias mãos ou pelas de outro autor. É a máxima conexão entre textos,

pois estamos falando primeiramente de um texto verbal que permite ser traduzido para um

texto não-verbal, num fluxo de diálogo constante entre dois tipos de linguagens e ideias

diversas. Pretendemos nesta tese, discorrer sobre o processo criativo gerador de imagens. Para

isso, pensamos em desenhar, ilustrando trechos marcantes da obra A Hora da Estrela,

estabelecendo os registros das etapas do processo correspondente. Este romance, assim como

cada uma das obras de Clarice, exige sempre um novo tipo de leitor e também novas leituras.

Buscando caminhos não antes experimentados e novos olhares sobre a obra, nos

aproximamos de uma leitura de criação, na qual procuramos construir uma interpretação

visual por meio de imagens. Estas imagens, a que denominaremos previamente de

“ilustrações”, serão produzidas utilizando técnicas artísticas de desenho ou pintura, que

retratem fragmentos expressivos do texto. Até o presente momento não há estudo sistemático,

tese de Doutorado, que tenha como tema central o texto de A Hora da Estrela sob a

perspectiva artística-visual. Consideramos necessária a feitura de um trabalho de pesquisa que

explore plasticamente o texto e o próprio processo de construção das obras artísticas. Visamos

a abertura de um novo campo, unindo as áreas de Literatura e Artes Visuais, aprimorando

conhecimentos sobre os processos de criação. Ainda, buscamos um equilíbrio entre teoria e

empirismo, utilizando como metodologia a análise literária, a criação de imagens e a reflexão,

pretendendo alcançar um novo texto.

Palavras-chave: A Hora da Estrela. Literatura brasileira. Tradução intersemiótica.

Ilustração.

O FRACASSO DA LINGUAGEM EM CLARICE LISPECTOR E SAMUEL

BECKETT

Rachel Ventura Rabello

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Esta pesquisa consiste em investigar como o conceito de fracasso da linguagem é

abordado nas escritas de Clarice Lispector e de Samuel Beckett, respectivamente nas obras

Água Viva e O Inominável. Como ponto de partida, assumo fracasso da linguagem como

sendo a incapacidade da linguagem de expressar um pensamento ou um objeto, isto é, sua

“falência expressiva” (MARTINS, 2012, p. 98). Essencialismo linguístico é o posicionamento

filosófico de que a linguagem seria a aparência de algo que está oculto (o mundo, um objeto,

um pensamento). Faz parte dele a ideia de que a linguagem funciona como um sistema de

representação, que expressa algo que está fora dela – por exemplo, o pensamento de um

indivíduo ou a existência de um objeto. A esse posicionamento se opõe o “ceticismo

linguístico” (MARTINS, 2012, p.70), que vê a linguagem como autorreferencial: não havendo

nenhuma razão exterior a ser expressa em seu interior, a linguagem não se referiria a nada

além de si mesma, como afirma Wittgenstein, “nada está oculto” (1999, p.129). O filósofo,

em suas Investigações filosóficas, expõe essa visão cética da linguagem. Em resumo, seu livro

busca descrever a realidade da linguagem, “vista como ferramenta de interação social, que

assume vários modos, chamados ‘jogos de linguagem’, de acordo com a função a ser

realizada e com a cultura da qual ela emerge” (CAVASSANE, 2009, p.79). A obra de Beckett

foi bastante analisada sob o olhar cético dessa vertente filosófica, talvez por conta de seu viés

metalinguístico, em que “as palavras se referem somente a elas mesmas, estando aí o grande

estranho, o grande absurdo que ele logra denunciar: nada a expressar a não ser a própria

falência expressiva da linguagem, sua natureza puramente autorreferencial” (MARTINS,

2012, p.98). Embora a escrita de Clarice, em Água Viva, pareça, em uma primeira leitura,

buscar a expressão de algo que estaria por trás da palavra - fora dela -, acaba por denunciar a

incapacidade expressiva da linguagem, ou seja, o seu fracasso: “Ouve-me, ouve o silêncio. O

que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa” (LISPECTOR, 1998, p.14). Percebendo os

pontos de intersecção das temáticas de Água Viva e O Inominável e observando o diálogo

entre essas narrativas, pretendo analisar a escrita desses autores como um “pensar

performativo” (MARTINS, 2012, p. 66). Nesse modo de pensar, o sem fundo da linguagem

não é descrito ou enunciado, mas experimentado, vivenciado no próprio ato da escrita: “Atrás

do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do

pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és”

(LISPECTOR, 1998, p. 27); “não há nada, nada a descobrir, nada que diminua o que falta

dizer, tenho o mar a beber, então há um mar” (BECKETT, 2009, p. 58). Assim, busco

descrever e analisar como esse pensar performativo se mostra nas escritas de Lispector e

Beckett, investigando o uso do fracasso da linguagem como matéria-prima e tema de escrita.

Nas palavras de Galharte, esses autores, “depois de constatarem a distância entre o que

desejavam falar e o que falaram, transformam esse fracasso no próprio tema e meta a serem

perseguidos” (2004, p. 72).

Palavras-chave: fracasso da linguagem, ceticismo linguístico, pensar performativo

IDENTIDADE ENSOPADA DE SANGUE: UM ESTUDO SOBRE A DESCOBERTA

NÃO VIOLENTA DE SI MESMO NO ROMANCE DE DANIEL GALERA

Daiane Crivelaro de Azevedo

UFF – Programa de Pós-Graduação em Literaturas e Linuagens

RESUMO

Discutir identidade, em um tempo contemporâneo e em um romance contemporâneo,

significa o já clicherizado estudo sobre o humano, na perspectiva investigativa a respeito de

origem e destino de determinadas culturas. O romance Barba ensopada de sangue, publicado

em 2012 pela Companhia das Letras, insere Daniel Galera, escritor portoalegrense, como

reconhecido escritor no cenário literário, utilizando-se exatamente dessa temática. Na narrativa,

o narrador, em terceira pessoa, refaz o percurso de um inominado personagem ao encontro de

si mesmo. Em Garopaba, cidade litorânea de Santa Catarina, o protagonista busca reconstruir

uma suposta verdade sobre a morte – e a vida – de seu avô, Gaudério. Vítima de uma condição

neurológica peculiar que lhe impede de memorizar e, consequentemente, reconhecer rostos,

inclusive das pessoas mais próximas, chamada prosopagnosia, a questão identitária ganha, para

além das construções culturais e históricas, um apelo biológico. Nesse prisma, o encontro com

o avô significa, para personagem de Barba ensopada de sangue, encontrar o próprio rosto –

aquele mesmo que é incapaz de reconhecer, por ser, também, incapaz de relembrar.

Inevitavelmente, o tradicional percurso do bildungsroman, tão recorrente no século XIX,

reaparece no século XXI, assumindo nossos recortes. Um deles é a construção de uma

identidade não mais como unidade, mas como multiplicidade. Nesse sentido, o personagem do

romance de Galera questiona, na busca pela origem familiar, a própria família unívoca,

desdobrando as diversas narrativas sobre seu avô – em uma descoberta derridariana sobre a

inexistência da verdade. Essa narrativa, portanto, interessa a este estudo à medida que nos

permite reflexões a respeito da identidade e alteridade, construções humanas que colocam em

xeque as implicações da diferença. Para realizar essa discussão, utilizaremos, além do objeto

de análise supracitado e de breves comparações a outros romances do mesmo autor – tais como

Cordilheira (2008) e Mãos de cavalo (2006) –, percepções sobre literatura brasileira

contemporânea, a partir de Beatriz Resende e Karl Eric Schøllhammer, e conceitos a respeito

da identidade, propostos por Zygmunt Bauman, Vilém Flusser e Jacques Derrida. A

contribuição desses autores para este estudo refere-se, sobretudo, à busca de uma leitura que

coloque em questionamento os conceitos já clicherizados a respeito de identidade e alteridade,

de modo que nos possibilite novas leituras. Nossa intenção não é limitar o romance Barba

ensopada de sangue, à única cena de leitura como bildungsroman. Mais do que isso, o objetivo

é entender um pouco mais o autor, que a cada dia ganha mais espaço na literatura brasileira

contemporânea, e de seu projeto literário, que, conforme defendemos, inicia-se com Até o dia

em que o cão morreu e se mantém até o mais recente romance publicado, Mais noite e vinte.

Palavras-chave: Identidade. Barba ensopada de sangue. Daniel Galera. Literatura brasileira.

INSTINTO DE MORALIDADE, UMA METÁFORA SEM BASE?

Vagner Leite Rangel

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A revista Niterói (1836) é o prefácio de Cromwell da literatura nacional, pois foi o

veículo responsável pela oficialização do Romantismo, que significou a modernização

oitocentista da literatura brasileira, dando sentido histórico ao fazer literário, mas sentido bem

determinado: “O poeta sem religião, e sem moral, é como o veneno derramado na fonte,

morrem quantos aí procuram aplacar a sede” (MAGALHÃES, 1836, p.5). Desde então, o

Romantismo ofereceu um conteúdo programático aos futuros autores. De 1836 a 1858, ano

que marca a estreia crítica de Machado de Assis, até 1873, ano que marca a estreia romanesca

do autor, com Ressurreição (1872), o programa romântico está em curso, e a tal ponto que

uma das contribuições de Machado ao sistema literário da época, depois de “O ideal do

crítico” (1865), é a metáfora “instinto de nacionalidade”, que questiona o paradigma da cor

local. Outro paradigma, porém, é aceito pelo autor: a religião como dado indispensável à

reforma literária. Do 1º romance até Iaiá Garcia (1878), não se opõe ao programa romântico,

exceto naquele ponto. E duas polêmicas são reveladoras de sua filiação ao programa de 36: a

1ª polêmica é com O primo Basílio, 1878; a 2ª, com “A nova geração”, 1879. Defende a prosa

e a poesia contra novas influências. O rumo machadiano após tais polêmicas nós já sabemos

qual é; o que nos resta sistematizar – eis a hipótese do projeto – é a contribuição machadiana à

história nacional da obra arte como obra de edificação moral, conforme defende em 78 e 79.

Pelo avesso, tais polêmicas nos revelaria o colapso do figurino romântico (forma recatada e

decoro literário), com seu instinto de moralidade (conteúdo edificante e desfecho

moralizante), cujo propósito (segundo a doutrina estética do santo, justo, belo e útil) seria

contribuir para regeneração moral do público – princípio em curso desde 36. Com a

motivação de confirmar tal tese – instinto de moralidade e colapso do figurino romântico –, a

pesquisa tem como objetivo sistematizar a metáfora cordata, instinto de moralidade e figurino

romântico, a fim de compreender a defesa machadiana da obra de arte como obra de

edificação moral, proclamada em 1836 e em curso até 1879. Em 1936, Pereira formula a

pergunta capital: por que teria sido tardio o desabrochar da boa ficção machadiana? “Machado

de Assis, que, nos folhetins, tão cedo se firmara como escritor, tateou muitos anos para

conseguir encontrar nos romances romance o estilo próprio” (PEREIRA, 1936, p.123). Por

que insosso na ficção, se destemido na crônica; por que bisonho no livro, se agressivo no

jornal, até o final de 1870? Para ela, a demora teria sido responsável por um ficcionista “tão

insosso ainda, coitado, tão bisonho” (PEREIRA, 1949, p.104). No meio do caminho – eis

nossa hipótese – não tinha apenas a tradição da moderna literatura brasileira, o que não seria

pouco, tinha, também, exortação, por parte duma autoridade literária da época, Quintino

Bocaiúva, para que ele desse cabo “das formulações românticas sobre o país e o papel da

literatura na construção da nação” (GUIMARÃES, 2016, p.236). A metáfora, portanto, tinha

base, e a tal ponto e de tal modo que foi preciso pôr um ponto final em sua história para então

principiar a 2ª fase.

Palavras-chave: Brasil. Romantismo. Literatura. Machado de Assis.

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A IMAGEM DO RETRATO

A ARTE NA META FICÇÃO HISTÓRICA DE O RETRATO DO REI

Cristina Reis Maia

UERJ/FFP - Estudos Literários

RESUMO

A compreensão e fruição de uma narrativa dependerá das relações estabelecidas entre

leitor e autor, da maneira como este a apresenta e de como aquele a recebe e interpreta. Seu

desenvolvimento incorre em variados níveis de subjetividade e percepção da realidade: muitas

vezes implica na interação de diferentes disciplinas, outras tantas na introdução de questões e

propostas reflexivas ao contexto apresentado – mesmo que sutil ou subliminarmente.

Considerando tais perspectivas, o presente trabalho tem como proposta refletir de que forma

Arte, Literatura e História dialogam no livro O retrato do rei (MIRANDA, 2001),

compartilhando um outro modo de repensar a realidade e suas representações sociais. Assim,

o enredo desenvolve-se sob os auspícios da meta ficção ou meta história, tendo como

referência uma pintura real, alvo de disputa das personagens em sua busca pelo poder e

domínio das riquezas em uma terra a ser desbravada. A utilização de uma pintura (o retrato

do rei) como fio condutor do enredo, propicia a discussão as possibilidades interpretativas

acerca da imagem e de suas significações, constituídas a partir da ekphrasis. Por meio dessa

arte (a representação de uma figura de poder) articulam-se história do Brasil e literatura. Este

exercício transformador do pensamento problematiza, atualiza e superpõe temas e

temporalidades de um passado histórico, fomentando as múltiplas possibilidades de

interpretações sem que o leitor perca o prazer pela leitura. As intertextualidades surgidas

proporcionam interseções entre construção literária e fatos históricos, arte e percepção,

representação e cultura, enquanto dialogismos e polifonias são evidenciados na (re)construção

das personagens – a partir de um patchwork de lendas e fatos documentais, sob um

movimento de desconstrução e um processo de suplementaridade e interpolações. Por sua vez,

imagem e escrita instituem importantes diálogos nos quais são construídos jogos entre signos

e de representações. Neste contexto, a pintura reportada evoca não apenas indicadores de

similitude – ou “emanações” do referente –, mas também interpretações subjetivas – focando

para além de si, o olhar (as percepções) do outro, das demais personagens. A imagem gera,

assim, um novo texto, repleto de códigos e subcódigos, que interage com a palavra escrita.

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Nele, põem-se em jogo diferentes associações mentais e campos associativos, permeados por

fatores contextuais, extralinguísticos, extratextuais, que comporão a narrativa subjetiva.

Ademais, ao estabelecer versões sobre os fatos vividos, tal narrativa revisita o passado,

trazendo à tona importantes temas sociais, mostrando a sua recorrência nos dias atuais.

Constitui, assim, um novo olhar, aberto a reflexão e à subversão das convenções

estabelecidas.

Palavras-chaves: Meta história. Literatura. História. Arte. Diálogos interdisciplinares.

O BRASIL É... UM RETRATO IRÔNICO DO PAÍS A PARTIR DAS VOZES DOS

BRASILEIROS

Yuri Nikolai de Souza Teixeira

UERJ - Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

A publicação de "O Brasil é bom" (a obra reúne 23 contos, alguns publicados

anteriormente em jornais, outros inéditos), de André Sant’Anna, em 2014, cerca de um ano

após as manifestações de junho de 2013, mantém uma relação próxima com esses eventos não

apenas no que tange à temporalidade. À semelhança dos gritos que irradiavam das ruas, a obra

também emite sua voz crítica e irônica contra a estrutura social e política, e o faz igualmente

da forma coral – aqui por dissonância de vozes que, recolhidas da boca dos próprios

brasileiros e expostas, são capazes de gerar uma autorrevelação crítica do país. Nesse contexto

discursivo presente em "O Brasil é bom", este artigo analisa a construção da imagem do país

que se revela à medida que os brasileiros falam e têm suas falas ironizadas. A ironia é

colocada no texto pela direção autoral que Sant’Anna dá a essa compilação de clichês, de

frases do senso comum, de discursos políticos e institucionais, que geralmente apresentam

uma visão positiva do país (o Brasil é bom) e são facilmente encontrados (ou melhor, eram,

principalmente até a eclosão das manifestações de 2013) nos discursos do nosso cotidiano. E

mais do que a reprodução do otimismo patriótico ilusório que muitas vezes domina o

imaginário da nossa sociedade, as vozes trazidas por Sant’Anna desnudam o conservadorismo

de uma parcela majoritária da população no que esse conservadorismo pode ter de mais

desumano ou de resignado com injustiças sociais travestidas de benefícios. Dessa forma,

temos uma obra que, em seus 23 contos, por meio da ironia, cria um discurso crítico implícito,

que se sobrepõe aos que ali estão explicitados para demonstrar seu absurdo. Para melhor

elucidar o processo pelo qual é possível construir-se essa imagem de um Brasil que não é

bom, este estudo se apoiou no método de observação da imagologia, de Daniel-Henri

Pageaux, que contribui para o entendimento de como, na construção de uma imagem feita

através do discurso de um indivíduo pode-se perceber simultaneamente traços da identidade

do próprio enunciador – e aqui expandimos a ideia para a percepção do próprio enunciador

autoral, que organiza as falas dentro de uma concepção política, filosófica e teológica

revelada pelo seu próprio trabalho discursivo feito em cima dos tantos outros discursos

incorporados aos seus contos. Vale ressalvar que é essa voz autoral que faz com que a

identidade dos enunciadores trazidos para o plano do conto (ou do enunciador, se tomarmos

essa confluência de vozes como uma representação da sociedade brasileira) seja posta em

destaque e lançada em um ambiente de crítica pelo recurso da ironia, que, na obra, tem a

dupla função de contribuir para sua natureza intensamente polifônica e reduzir ao ridículo os

discursos massificados ali presentes. Levando em conta o predomínio do recurso expressivo

da ironia, trouxemos as contribuições da obra "Ironia em perspectiva polifônica", de Beth

Brait, que aclara as potencialidades do uso da ironia, desde sua perspectiva retórica até às

noções discursivas, em que podemos enxergar a ironia como um ato argumentativo dotado de

certa agressividade como elucidado aqui pela obra. Observa-se, dessa maneira, em "O Brasil é

bom", um conflito discursivo na definição de um referente sobre o Brasil, ao qual

observamos, em diálogo com o conceito de referenciação, como proposto por Lorenza

Mondada e Danièle Dubois.

Palavras-chave: Literatura brasileira. Imagem. Referenciação. Ironia.

A REPRESENTAÇÃO (VISUAL) DOS ATORES SOCIAIS

NA MÚSICA “SONDA-ME, USA-ME” (2004) DE ALINE BARROS

Camila dos Santos Fernandes

Claudia Neves dos Reis

Dandara Rosa

Joana Guedes

UERJ – Programa da Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O presente trabalho a ser submetido à apreciação da oitava edição do SAPUERJ Letras

baseia-se nos pressupostos teóricos da Rede de Sistemas da Representação (Visual) dos

Atores Sociais - RAS (Van Leeuwen: 1996; 2008) apresentados pela professora Gisele

Carvalho (UERJ) no curso Tópicos Especiais em Análise do Discurso no primeiro semestre

do ano de 2017. Em posse deste arcabouço teórico ao final do curso propusemo-nos a

investigar se tais categorias seriam aplicáveis à música Sonda-me, Usa-me composta por

Aline Barros em parceria com Ana Feitosa e Edson Feitosa. Lançada em 2004, esta música é

a faixa número dois do álbum Som de Adoradores da cantora Aline Barros, o qual foi gravado

na igreja Comunidade Internacional Zona Sul, e indicado ao Grammy Latino de 2005. É o

álbum mais vendido da cantora, sendo certificado com disco de diamante em 2007 pela

ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos). Cientes de que este sistema não foi

criado necessariamente para dar conta de seres ficcionais e muito menos interpretar a

representação de um ser tão abstrato, subjetivo e controverso quanto Deus, buscamos ver que

contribuições esta teoria traria para a compreensão dos múltiplos significados possíveis do

texto e imagens em questão. Um outro fator que muito nos motivou a fazer esta escolha além

do desafio mencionado acima é a crescente influência do mundo religioso, principalmente o

evangélico, no Brasil contemporâneo tanto na cultura popular, na economia quanto na

política. Segundo dados de 2010 do IBGE, em 10 anos o número de evangélicos aumentou

em 61,45% no Brasil. Isto corresponde a mais de 42,3 milhões de brasileiros. Na economia,

de acordo com o site Gospel Prime, esta massa de evangélicos constitui um enorme mercado

consumidor movimentando aproximadamente 21,5 bilhões de reais anualmente, comprando

os mais diversos produtos religiosos de bíblias, livros, CDS, DVDS, camisetas, acessórios,

viagens, adesivos, aplicativos a sex shops. Já na política, de acordo com João Campos –

pastor, deputado federal e líder da FPE (Frente Parlamentar Evangélica) - há

aproximadamente 90 parlamentares, podendo este número aumentar ou diminuir devido aos

suplentes. Parlamentares estes que tentam impor suas agendas conservadoras ao estado laico

de duas maneiras: impedindo que determinadas leis sejam aprovadas ou votadas ou criando

projetos de leis polêmicas como o dia do heterossexual ou a criminalização do funk. Por esses

motivos, parece-nos relevante nos debruçarmos sobre textos e imagens desta natureza a fim

de examinarmos de que maneira a academia poderia contribuir para a compreensão deste

fenômeno de cultura de massa. Sendo assim utilizando as categorias e subcategorias mais

relevantes da RAS neste trabalho, procuramos examinar, classificar e interpretar como atores

sociais Deus e a cantora são representados no seu discurso (a letra da música) e como os

atores sociais presentes no clipe (cantora, músicos e igreja) são representados visualmente

através de imagens retiradas do videoclipe oficial da música “Sonda-me, Usa-me”.

Palavras-chave: Representação. Discurso. Representação visual. Atores sociais. Análise.

Interpretação.

AFORIZAÇÃO E INTERTEXTUALIDADE:

A PRESENÇA DO OUTRO EM POSTS MOTIVACIONAIS

Tatiana Jardim Gonçalves

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A comunicação apresentará, em linhas gerais, a pesquisa que estamos desenvolvendo,

para posterior elaboração de tese, e sua atual fase de reflexão. Experienciamos um momento

em que o corpo é a vitrine do indivíduo. Enquanto superfície histórica, o corpo recebe muitas

inscrições, sobre o corpo são produzidos e sustentados discursos que evocam muitos sentidos.

Estes sentidos estão atrelados a outros discursos e a diferentes esferas sociais que conferem

centralidade ao corpo e instituem processos de subjetivação. Nossa pesquisa se debruça sobre

um dos muitos discursos relativos à corporalidade, nela analisamos o denominado discurso

motivacional que circula na comunidade discursiva dos bodybuilders (fisiculturistas e

musculadores). Tal discurso é atravessado por noções de força e de superação para obtenção

de corpos hipertrofiados, tal discurso evoca um modo de existência e de relação consigo

mesmo que mostram não só o corpo obtido, mas também a moral daquele que o obtém. Nosso

corpus é composto, preliminarmente, por posts de páginas dedicadas à motivação dos adeptos

da prática. Esses textos, que são multimodais, são constituídos, em sua face verbal, a partir de

textos de outras fontes, oriundos de diferentes formações discursivas. A face verbal dos textos

assume a forma de mensagens de autoajuda, de aconselhamento para obtenção de uma

conquista, pois se apresenta, em termos teóricos, no Maingueneau denomina como aforização,

regime enunciativo em que trechos destacados de textos circulam com relativa autonomia.

Em nosso estudo, intentamos compreender e mostrar a engrenagem que compõe esse discurso

e depreender as redes que possibilitam sua circulação. Questionamos, ainda, a denominação

de tal discurso, já que na conjuntura atual o neoliberalismo convida o sujeito a ser empresário

de si mesmo, a gerir sua vida de modo que seja o único responsável por seu sucesso ou seu

fracasso. Isso, como já verificamos em análises preliminares, confere ao discurso em questão

uma dimensão imperativa. No que se refere à contribuição teórica de nosso trabalho,

objetivamos ampliar o conceito de intertextualidade, já que a materialidade linguística do

discurso se dá pela alteridade. Intentamos discutir e mostrar, a partir das análises, que a

intertextualidade é um fenômeno amplo, ligado a uma correlação de forças que ultrapassa as

malhas textuais. Para realizar os intentos mencionados, nos respaldamos em Foucault (2009,

2012, 2013, 2016) no que concerne às noções de corpo, de verdade, de discurso e de sujeito, e

a Maingueneau (2008, 2010, 2014) no que tange ao conceito de aforização e seus

desdobramentos. Nas análises, pretendemos explicitar as relações intertextuais presentes

nesses textos, as correlações de forças entre os textos e os aspectos enunciativos da

comunidade discursiva em questão. Pretendemos, em última colocação, refletir sobre o corpo

como uma das grandes verdades do nosso tempo, pretendemos oferecer uma contribuição que

permita ver nesse discurso uma forma de vida que movimenta outras formas de vida.

Palavras-chave: Corpo. Motivação. Aforização. Intertextualidade

CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DE VACINAÇÃO CONTRA HPV: UMA ANÁLISE

DA REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS.

Maíra Meyberg

Débora Ferreira

Bruna Cardoso

UERJ - PPG Lato Senso em Letras - Práticas de Linguagem e Discursividade

RESUMO

A questão da imunização no Brasil é um tema bastante complexo e por essa razão

pode ser também um campo de debate bastante produtivo. Ao mesmo tempo em que o país é

apontado como referência mundial por suas políticas públicas de imunização, há também o

registro histórico de forte opinião pública e resistência a esses programas, como no popular

episódio da revolta da vacina. Essas políticas públicas apresentam sempre características

impositivas que podem despertar mobilizações de relutância por parte da população, seja por

inspiração religiosa ou por ceticismo em relação aos seus benefícios. Não seria surpresa,

portanto, se as recentes campanhas de vacinação contra o vírus do HPV (Human

Papillomavirus, ou Papiloma Vírus Humano) seguissem o mesmo padrão no que diz respeito

à sua receptividade e impacto, e assim despertassem reações similares. Nesse contexto, cabe

averiguar o papel das peças publicitárias utilizadas nas campanhas de vacinação contra o

HPV. Nesse sentido, a contribuição teórica de Theo Van Leeuwen para análise do discurso

nos permite fazer análises e interpretações tanto em relação ao conteúdo gráfico quanto

textual. Para este teórico, como fica claro em seus trabalhos de 1996 e 2008, os atores sociais

podem estar representados tanto linguisticamente quanto em imagens, e que, enquanto as

palavras ocupam-se de explicar, as imagens tratam de sugerir, e através da análise é possível

compreender as imagens de forma mais explícita em relação àquilo que elas aludem. O

objetivo deste trabalho foi, portanto, analisar os pôsteres publicitários utilizados nas

campanhas de vacinação contra HPV nos anos de 2014, 2015 e 2016, a partir das teorias de

representação de atores sociais de Van Leeuwen, visando sugerir a adequação de seu apelo em

relação ao público alvo, além da sua pertinência como ferramenta educativa e informativa.

Para isso, foram escolhidas as categorias de enquadramento, olhar e ângulo do observado no

que diz respeito à análise das imagens. Quanto à análise linguística, as categorias mais

relevantes do sistema de Van Leeuwen foram os pares inclusão e exclusão, ativação e

apassivação, pessoalização e impessoalização e generalização e especificação no processo de

representação dos atores sociais. Os resultados das análises indicaram que, por se tratarem de

peças publicitárias, os apelos parecem estar adequados aos públicos e propósitos estabelecidos

pelos criadores das campanhas, embora haja espaço para discussões acerca de representações

de gênero e diversidade. Já no que diz respeito ao conteúdo linguístico, o material deixa um

pouco a desejar, pois não traz informações mais completas acerca da vacina e dos

desdobramentos da contaminação por HPV. As ferramentas providas pelo arcabouço teórico

de Van Leeuwen, portanto, nos proporcionam fazer análises críticas bem embasadas que

ultrapassam a mera interpretação baseada em sensações subjetivas ou conotações implícitas.

O sistema de Van Leeuwen serve de apoio teórico para uma crítica mais contundente apoiada

em evidências. Desta forma, fica clara a contribuição deste teórico não só para a Análise do

Discurso no campo da Linguística Aplicada, mas também para a percepção de seus impactos

na sociedade e sua cultura.

Palavras-chave: Representação de atores sociais, Van Leeuwen, Análise do Discurso,

Vacinação contra HPV.

A METÁFORA DA VIAGEM EM JANGADA DE PEDRA, DE JOSÉ SARAMAGO

Caio Henrique da Silva Reis

UERJ- Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O romance A jangada de Pedra, de José Saramago, publicado em 1986, apresenta

como enredo a separação físico-geográfica da Península Ibérica da Europa, causada pelas

ações dos personagens-protagonistas, tais como o risco no chão feito por uma mulher, Joana

Carda, que utilizou uma vara de negrilho e o arremesso de uma pedra pesada ao mar,

realizado por um homem que não era forte, Joaquim Sassa. Essas ações representam o

universo insólito presente na obra, em que mostra o desprendimento da Península do

continente europeu. A partir desse contexto, fazemos esta pergunta, presente no trabalho:

Portugal está à deriva? Analisaremos o que chamamos de “primeira viagem” no romance: a

viagem da Península Ibérica, ou da “jangada” em busca de uma identidade. Além disso,

também há a “segunda viagem” que é a dos personagens em busca de um determinado lugar

(Lisboa). Durante a narrativa, o leitor está também em uma viagem, já que passa por

diferentes lugares da Península com suas histórias. Será que esses personagens estão à deriva

também, junto com a Península? O objetivo é justamente responder a esse questionamento, a

partir de reflexão sobre o rumo em que Portugal irá tomar, ou melhor, discutiremos o destino

desse país, com base na questão da identidade histórico-cultural da terra de Camões. O título

dessa comunicação é baseada no ensaio de Octavio Ianni intitulado “A metáfora da viagem”,

que discute tanto a viagem como forma de encontrar o seu “eu”, a sua identidade, quanto uma

possibilidade de conhecer a cultura de povos estrangeiros. Para ajudar na discussão e reflexão

sobre a questão do destino de Portugal, escolhemos de forma criteriosa o historiador Joaquim

Barradas de Carvalho e o filósofo Eduardo Lourenço, ambos portugueses, como os teóricos

principais para a pesquisa, por estudarem de forma aprofundada a formação identitária de

Portugal, partindo da Expansão Marítima até os dias atuais. Ou seja, discutem se Portugal

pertence ou não à Europa, não na visão geográfica, mas sim histórico-cultural. Sobre a

questão dos personagens supostamente à deriva, esses textos teóricos contribuirão para

responder tal indagação.

Palavras-chave: Ficção. Viagens. Identidade. Iberismo. Portugal. Europa.

OS CRAVOS D’A NOITE: TEATRO, POLÍTICA E IDEOLOGIA EM JOSÉ

SARAMAGO

Carolina Lopes Batista

UFRJ - Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Em 1974, uma revolução militar e civil estourou em Portugal, fazendo chegar ao fim

uma ditadura que durou quase 50 anos. Uma ditadura que começou e terminou sem Salazar,

mas que ficou conhecida como Salazarista. A festa e a alegria se alastraram pelo país e além-

mar, mas durou somente um ano, pois, em 1975, os cravos começaram a murchar: a revolução

deu uma guinada à direita, os militares começaram a tomar cada vez mais o poder e o cenário

nacional para o povo trabalhador continuou o mesmo. Eduardo Lourenço, em seu artigo “Dez

anos de literatura portuguesa (1974-1984): literatura e revolução” (1984) explica: “A

Revolução acelerara apenas a vertiginosa (embora sonâmbula) metamorfose de um povo

saindo do casulo provincial e rústico para o écran de uma civilização consumista sem

fronteiras” (p. 14). Cinco anos após a revolução de abril e quatro anos depois do início de sua

derrocada, José Saramago escreve sua primeira peça de teatro, A Noite, que trata, justamente,

da virada do dia 24 para o dia 25 de abril de 1974. O cenário é uma tipografia de um jornal e

os personagens são os seus trabalhadores. A equipe se divide entre esquerda, direita, centro e

um único personagem que fica a meio caminho da direita e do centro, em dúvida de qual

seguir. Enquanto a revolução não ocorre, as discussões giram em torno da função do jornal e

do jornalista e a censura – sobre as quais nos debruçaremos. Além disso, a partir de dois

livros de Raymond Williams (Keywords: a vocabulary of culture and society, de 1983, e

Marxismo e literatura, de 1979), procuraremos desenvolver uma discussão do que seria

cultura e ideologia para os personagens nas discussões levantadas – uma delas em um artigo

real, lida por um personagem fictício, em resposta a um artigo escrito anonimamente por

Saramago em sua época de jornalista do Diário de Lisboa. Para finalizar, buscaremos

responder uma questão levantada assim que nos deparamos com o tempo do enunciado e o

tempo da enunciação, separados por 5 anos: por que Saramago escreveu essa peça, cujo tema

é a Revolução dos Cravos da forma mais otimista e utópica possível, após o sentimento de

decepção que o resultado de tal movimento deixou em seus compatriotas? Para responder a

essa questão, nos apoiaremos de outros escritos de Saramago (tais como Levantado do chão,

Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis e suas outras peças) e de autores que

sobre ele escreveram. Ademais, para os outros pontos aqui levantados, utilizaremos, além dos

já citados Raymond Williams e Eduardo Lourenço, artigos de Teresa Cristina Cerdeira

(contidos em sua dissertação José Saramago – entre a história e a ficção: uma saga de

portugueses), Luiz Francisco Rebello (“Dez anos de literatura portuguesa (1974-1984): a

literatura teatral”), Theodor Adorno (“Engagement”) e Walter Benjamin (“O autor como

produtor”). Para as informações históricas, o livro Portugal: 50 anos de ditadura, de António

de Figueiredo, será de suma importância.

Palavras-chave: Saramago. Revolução dos Cravos. Teatro. A Noite. Ideologia. Cultura.

UMA LEITURA DA PAISAGEM EM LEVANTADO DO CHÃO,

DE JOSÉ SARAMAGO

Mariana Motta Campinho Cardoso

UFF- Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários

RESUMO

Há alguns séculos, Camões escreveu a grande epopeia portuguesa. Uma das mais

conhecidas obras de expressão dessa língua, Os Lusíadas narra a expansão marítima dos

portugueses, no século XV. Muitos anos depois, durante a ditadura Salazarista, essa glória foi

exaltada incansavelmente pelo Estado para que o povo português sentisse orgulho de si.

Aspecto este muito típico das ditaduras: recuperar um nacionalismo pautado em uma suposta

“glória” da nação. O fato é que Portugal tem, desde sempre, uma relação íntima com o mar.

Tal intimidade é retratada das mais diversas formas na literatura, ao longo dos tempos. O

escritor José Saramago também conquistou o seu espaço na história literária e é conhecido

hoje como um dos maiores. Ele também é conhecido por imprimir em sua obra traços

ideológicos que marcam, de forma bastante contundente, o seu posicionamento político. A

partir do resgate da História Oficial e dos mitos bíblicos, por exemplo, o autor constrói o seu

tecido ficcional de modo a levar o leitor a se perguntar a respeito da veracidade dos discursos

oficiais. Saramago escreveu, então – não à semelhança de Camões –, a sua epopeia

portuguesa. Dessa vez, não há Vasco da Gama, Ilha dos amores ou ninfas. Dessa vez, o

protagonista é o povo português, mais precisamente o trabalhador do latifúndio alentejano,

sujeito muitíssimo explorado em todos os tempos e, ainda mais, nos anos em que Portugal

esteve sob ditadura. Em Levantado do Chão (1980), Saramago narra a saga de quatro

gerações da família Mau-Tempo, que representa a duradoura história da opressão sofrida

pelos trabalhadores do latifúndio. Narra, aliás, o processo de aquisição de uma consciência

ideológica protagonizado por esses trabalhadores que culmina no 25 de abril de 1974, a

conhecida Revolução dos Cravos. Em vez de conquistar o mar, os portugueses conquistam as

terras ao “levantarem-se” do chão. Levantado do Chão se enquadra no grupo de obras pós-

revolucionárias que retratam o período Salazarista. E Saramago o faz de um modo todo

próprio, em um romance polifônico, através de vários discursos articulados. Ademais, dessa

vez o foco narrativo é quem antes esteve à margem da História. O romance em questão traz à

tona discursos totalizantes que contribuíram para a manutenção de estruturas de poder e de

opressão. O autor remonta ao passado histórico recente e expõe situações que fazem parte de

uma memória compartilhada: isto é, quem é que, na sociedade portuguesa, não se recorda dos

longos anos de opressão sob a ditadura salazarista? O romance discute então os danos

causados a mais fraca esfera da população, esta da periferia: os trabalhadores e os pobres, em

geral. Nesse sentido, o presente trabalho propõe a reflexão acerca do caráter crítico da obra

Levantado do Chão, de José Saramago, que compõe o grupo de obras pós-revolucionárias que

contribuem para o resgate da memória dos anos de exceção em Portugal. Essa análise partirá

da leitura da paisagem que é retratada no texto de modo a contribuir para a composição de

uma atmosfera opressora e desigual. O horizonte do narrador, analisado à luz da teoria de

Michel Collot e de Paul Ricoeur, é fundamental para a compreensão de aspectos do tecido

ficcional.

Palavras-chave: José Saramago. História. Neorrealismo. Paisagem.

A PRESENÇA DA LINGUAGEM EM JOSÉ SARAMAGO

Naiara Martins Barrozo

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Meu objetivo nesta comunicação é trazer à tona a existência de um pensamento sobre a

linguagem na obra de José Saramago. Para empreender do melhor modo possível esta tarefa

dentro dos limites temporais de uma comunicação, minha proposta é observar especificamente

“As intermitências da morte”, romance publicado em 2005. O pressuposto teórico de que parto

é o conceito de crítica de arte imanente apresentado por Walter Benjamin em seus textos de

juventude, para quem a crítica deve ter como ponto de partida elementos oferecidos pelo

próprio objeto para empreender sua análise, em geral, elementos extremos que chamam a

atenção do leitor e que se relacionam entre si constelativamente, delineando um sentido. Esses

elementos devem ser acolhidos como guias para o leitor que quiser percorrer os caminhos da

obra. A escolha pelo romance de 2005 respeita este pressuposto teórico. Desde seu início, o

texto oferece um elemento bastante peculiar que não deve ser ignorado a quem busca ouvir a

obra. Trata-se da epígrafe: “Pensa por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade que

não tivesse de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da linguagem”.

Inicialmente, ela mostra a existência de uma relação necessária entre a morte (protagonista do

enredo ) e a linguagem. Esta relação se aprofunda quando percebemos que ele inscreve um

personagem real da história do pensamento na malha ficcional de seu romance, e não é um

personagem qualquer – trata-se de um filósofo importante especialmente no que diz respeito ao

pensamento ocidental sobre a linguagem, Wittgenstein. Em seu trabalho de 1953, Investigações

filosóficas, ele se ocupa sobretudo da linguagem da vida cotidiana. Na apresentação da tradução

brasileira, Emmanuel Carneiro Leão se refere à linguagem exposta por Wittgenstein de um

modo que permite intuir algo do motivo de sua referência no romance. Ele afirma que “A

linguagem real da vida não considera apenas as estruturas lógicas que se podem ordenar com

perfeição e transparência. A linguagem real da vida se mantém sempre em aberto e abrindo-se

para usos sempre novos e jogos em contínua reformulação. A fonte da vida histórica dos

homens é o caos, no sentido originário da palavra grega. (...) A palavra ‘caos’ tem o mesmo

radical do verbo chasko, que nos remete para a experiência de manter-se continuamente

abrindo-se, de estar, portanto, sempre em aberto. A linguagem real da vida cotidiana é este

poder inaugural do caos, o poder em si indeterminado e indeterminável de toda determinação e

indeterminação. (...) Nas Investigações, a linguagem se torna mais elástica e compreensiva e o

pensamento se transforma cada vez mais em atividade de diferenciar padrões de comportamento

sem propósito lógico ou teórico de combinação. Trata-se de aprendizagem, a aprendizagem de

ver novos modos de ver”. Ao que parece, Saramago assimila esta característica da linguagem

real da vida cotidiana em sua narrativa como linguagem de construção poética quando cria o

universo particular de As intermitências, cujo fundamento é exatamente a (re) criação do

necessário e do contingente. Ele faz isso ao subverter a ordem do mundo humano naquele que

é um de seus aspectos essenciais: a morte se torna contingente, e a vida, necessária.

Palavras-chave: Morte. Linguagem. José Saramago.