QUANDO SE PERDE UMA LÍNGUA: A QUEM CABE O ENSINO E A MANUTENÇÃO DO ... · a Análise Crítica do...
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QUANDO SE PERDE UMA LÍNGUA: A QUEM CABE O ENSINO E A
MANUTENÇÃO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA?
Cláudia Spitz
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Pensar em políticas de línguas capazes de garantir os direitos à promoção e
manutenção das línguas de herança significa refletir sobre as práticas atuais e ser capaz de
desenhar o futuro a que se quer chegar. Partindo do conceito de Língua de Herança (LH)
como língua minoritária associada à presença de uma comunidade com background
migratório numa “comunidade de acolhimento” maioritária, cuja aquisição começa
geralmente em ambiente familiar e que integra o repertório plurilingue dos sujeitos,
combinando-se, designadamente com a língua do país de acolhimento(Melo-Pfeifer &
Schmidt ,2013),estudos demonstram que o input dos pais por si só não é suficiente para
garantir que essas línguas não se erodam de geração para geração (Nesteruk,2009). O Brasil
tem presenciado um aumento na sua população de emigrantes e a proliferação de instituições
que atuam no ensino, manutenção e promoção da Língua Portuguesa mundo afora. Diversos
são os fatores que contribuem para a manutenção ou erosão de uma LH e mapear os
programas de Português como Língua de Herança (PLH) e dar voz aos diferentes atores que
atuam nesse processo nas diásporas, representa o primeiro passo para gerar entendimentos
sobre as necessidades e desafios de se manter uma Língua e Cultura que transita na
dicotomia orgulho e vergonha. Esse artigo faz uma leitura dessas iniciativas e problematiza
sobre o papel que exercem na manutenção do PLH por meio da exposição linguística e do
propiciamento de exposição linguística aos Falantes de Herança. Trata-se de um trabalho de
natureza exploratória, descritivo e crítico,que se insere dentro da Linguística Aplicada, como
entendida por Moita Lopes (2016), e da abordagem ecológica e sociocultural do ensino-
aprendizagem de línguas (Lantolf, 2007, Kramsh,, 2002 Vygotsky,1978) que concebe a língua
como um artefato cultural através do qual o indivíduo media sua conexão com o mundo, com
o outro e consigo mesmo. Os dados utilizados foram gerados por meio de um questionário
online com perguntas abertas que incluíam desde informações básicas dos programas e seus
responsáveis até questões como “Quais são as habilidades lingüísticas trabalhadas?” ou
“Quais aspectos da cultura brasileira são abordados?” a fim de verificar se havia um
(des)contínuo entre os objetivos propostos e as práticas pedagógicas relatadas Na análise das
respostas, tomo por base o paradigma qualitativo-interpretativista (Guba e Lincoln,1989;,
Ribeiro e Garcez, 2002 e Denzin e Lincoln, 2006) e trago nuances quantitativas geradas pelas
respostas, principalmente no que tange o perfil dos programas e a demografia dos
participantes. Integro ainda elementos sociais e culturais à minha própria interpretação dos
eventos, como observadora híbrida que sou.. Por fim, analiso criticamente as ações
pedagógicas e esforços para manter o PLH frente a (in) existência de políticas linguísticas
brasileiras voltadas para a área. Dentre as conclusões preliminares, destaco a importância da
sistematização e formalização do ensino do PLH e a implantação de políticas por parte do
governo brasileiro que possam sustentá-lo e fazer valer o papel de protagonista que o Brasil
deveria exercer no que tange o PLH..
Palavras-chave: Língua de Herança, Programas de Português Língua de Herança, Erosão
Linguística
O DISCURSO DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NA PEC 171/1993
Jordana Lenhardt
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Os estudos aqui propostos buscam investigar o uso da linguagem e a representação de
atores sociais na materialidade linguística do texto que propõe a redução da maioridade penal
para 16 anos por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993. O corpus de
análise é composto pelo texto de inteiro teor da proposta da referida PEC, que data de 27 de
outubro de 1993, bem como seus desdobramentos até o ano de 2015, por meio de dados gerados
em pesquisa sobre a PEC 171 junto ao sistema do site da Câmara dos Deputados do Brasil. As
análises empreendidas neste trabalho baseiam-se em ferramentas teórico-metodológicas como
a Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2003), a Linguística Sistêmico-Funcional de
Halliday e Matthiessen (2004) e as representações de atores sociais de van Leeuwen (1997). A
ACD analisa textos de maneira crítica, buscando compreender questões sociais que envolvem
a constituição de identidades, maneiras de interpretar a realidade, assim como relações de poder
presentes no discurso. A redução da maioridade penal é tema de diversas propostas de emenda
constitucional e reverbera em comentários, discursos e diferentes posicionamentos por parte da
mídia, do legislativo federal e da sociedade civil. Percebendo na linguagem e pela linguagem a
possibilidade de (re)significar o mundo, desafiar discursos legitimados e construir realidades
nos leva a repensar algumas questões sociais, em especial aquelas relacionadas ao menor e a
criminalidade. Este trabalho busca empreender reflexões a respeito de dois textos referentes à
PEC 171/1993, que se constituem de propostas de emendas constitucionais junto a câmara dos
deputados do Brasil e seus desdobramentos, já que a proposta do ano de 1993, tem mais 20
propostas de emenda apensadas a ela. À luz de conceitos Foucaultianos buscamos refletir ainda,
como aparelhos políticos buscam nessas proposições junto a câmara dos deputados transmitir
verdades construídas e unilaterais acerca da maioridade penal em tempos de biopoder. Ao
analisarmos tais propostas, visamos contribuir para a conscientização sobre os efeitos sociais
de textos e para mudanças sociais, a fim de superar relações assimétricas de poder, as quais são
parcialmente sustentadas pelo discurso. Dessa forma, acreditamos que reconhecendo o controle,
a seleção, organização e redistribuição da produção de discursos em sociedade podemos
perceber a manipulação da informação usada como ferramenta de controle social, constituindo
discursos que levam a marginalização daqueles que são indesejáveis pelo poder do estado ou
da ordem. Salientamos ainda, com base nos conceitos abordados, que discursos não devem ser
entendidos como representação simbólica do mundo, como uma realidade exterior e universal,
pois a linguagem se faz elemento constitutivo da realidade.
Palavras-chave: discurso, redução da maioridade penal, PEC 171/1993.
UMA ANÁLISE DISCURSIVA SOBRE QUAL IDEOLOGIA QUEREM NA
CHAMADA NEUTRALIDADE DO ESCOLA SEM PARTIDO?
Juliana Rettich
UERJ – Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar as diferentes possibilidades de sentido da palavra
ideologia no Projeto de lei Programa Escola sem Partido (PL867-2015) e seus apensados.
Desde o início da pesquisa, a dúvida mais latente era a que ideologia se referia o PL 867.
Que doutrinação ideológica seria essa da qual os professores são acusados, da qual falam
aqueles que defendem o Escola sem Partido? Pela estrutura do projeto, já é possível
descartar que ideologia não é, para o seu relator, a política, a religião e a moral, uma vez
que há frases como o professor “ não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de
suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas”. Assim, um
desafio se apresentava para formar a rede que pudesse ajudar a compreender as possíveis
produções de sentido da palavra ideologia. Como os discursos se materializam por meio
de textos, as cartas enviadas ao site do movimento Escola Sem Partido e as mensagens
postadas na página do Facebook Mães pelo Escola Sem Partido foram também incluídas
nas análises do corpus, a fim de compor a rede que ajudará a analisar os discursos que
atravessam o movimento e seus apoiadores. Para seguir esse caminho da rede , a pesquisa
se faz a partir do método da cartografia, presente no livro Pistas do Método da
Cartografia (2015), que é fundamentado nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Além da palavra ideologia, a outra entrada linguística são os enunciados negativos, que
aparecem de forma recorrente no PL 867, os quais foram analisados a partir dos conceitos
da negação polêmica. Quais pontos de vista estão pressupostos nos enunciados com a
negação polêmica? Perguntas como essas acabam sendo essenciais para compreender por
que o PL 867-2015 ganha espaço hoje com a discussão de ideologização ou doutrinação
ideológica. Outro ponto do trabalho, além da materialidade linguística, já que o Escola
Sem Partido é um dispositivo de cerceamento de alguns discursos em sala de aula, é a
compreensão das interdições do discurso, como propõe Michel Foucault, em A ordem do
discurso (2014). Vale também pensar na importância da lei para endossar o movimento
de censura dos professores em sala de aula. Nesse sentido, é possível pensar nos discursos
fundantes ou constituintes de outros discursos, como o religioso, o filosófico, o literário,
científico e, mesmo não sendo consensual, o discurso jurídico. Este especificamente é o
que está no foco de uma parte da pesquisa, bem como a sustentação de que, no Brasil, a
partir dos seus contextos sócio-históricos, o discurso jurídico torna-se um discurso
fundante. Desse modo, o percurso teórico tem sido feito a partir da perspectiva de estudos
discursivos de base francesa, com autores como Dominique Maingueneau e Michel
Foucault; para a negação polêmica, estudos de Oswald Ducrot e Marion Carel; já para
pensar ideologia, além de Foucault, conceitos de Karl Marx, Eni Orlandi, e novamente
Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Palavras-chave: Ideologia. Doutrinação. Escola
UNINDO FORÇAS - REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO RACIAL NA
CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE
Raquel Ferreira Sampaio dos Santos
PPLIN-Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo discutir a construção identitária de professores
negros de Inglês, através de narrativas compartilhadas nas quais eu também estarei incluída.
Este trabalho teve como impulso inicial o puzzle: Por que me sinto tão desafiada ao dar aulas
de Língua Inglesa? Tal questionamento surgiu em um dos ambientes profissionais em que estive
inserida. Nesse contexto, numa escola particular localizada no Rio de Janeiro, vivenciei um
confronto com os meus alunos. Aparentemente, eles não tinham credibilidade na minha
competência enquanto docente. Na maior parte das aulas percebia olhares diferenciados, um
constante monitoramento da minha pronúncia, chegando a ouvir comentários como: “- Teacher,
o meu Inglês é melhor que o seu”. Além disso, alguns chegaram a formalizar tal insatisfação
para os diretores do colégio em questão. Deste modo, a partir dos constantes sinais de rejeição
dos meus educandos as minhas aulas comecei a problematizar esta circunstância com perguntas
como: “Será que é somente minha competência linguística que está em xeque? É a primeira
vez que me sinto testada pelos meus alunos? Será que isso pode ser racismo? ” Cheguei à
suposição de que esta situação poderia estar associada ao racismo porque aquele local de
trabalho era altamente elitizado, com a presença de pouquíssimos professores negros e não fora
a primeira vez que observei esse comportamento por parte dos meus educandos ao longo da
minha jornada enquanto professora de Inglês, iniciada há cinco anos atrás. Questiono-me às
vezes, para que os alunos olham primeiro para a minha competência Linguística ou para a minha
cor de pele? Alinho-me às palavras de Fernandes (2016, p. 108) quando afirma categorização
do negro significa que este recebe “ a marca” que lhe é impingida faz recair sobre ele um olhar
de descrédito que impede que ele possa ser percebido na totalidade de seus atributos e de forma
individual”. O que pode ser uma das razões que levavam os meus alunos a tecerem elocuções
como, “ Teacher, as suas aulas são totalmente improdutivas” , “Teacher, tem certeza que esta é
a pronúncia?”. Seria o meu sotaque o problema? Seria a minha pronúncia o problema? Ou seria
a minha cor de pele o problema? Com a finalidade de se buscar mais entendimentos sobre tal
temática, um dos construtos teóricos a serem utilizados, será a Prática Exploratória, que por
meio do seu viés ético- inclusivo e teórico metodológico (Moraes Bezerra; Nunes 2013) “
propicia, assim, a geração de um espaço discursivo de construção de conhecimentos” (Miller,
2012; Moraes Bezerra e Rodrigues, 2012; Nunes, 2012 apud Moraes Bezerra; Nunes 2013 ).
Serão feitas também considerações sobre o tipo de racismo que ocorre no contexto brasileiro;
um racismo oculto (Camino et. al, 2000; Silva, 2011; Fernandes, 2016). Ademais, será discutido
a importância de um ensino que busque um modelo de letramento que leve os alunos pensarem
em sua realidade social ( Freire, 1983, 2011). O presente trabalho terá uma pesquisa de cunho
qualitativo e interpretativista. Denzin et. al (2006) defende a ideia do pesquisador não como
alguém que observa a questão pesquisada a partir de um olhar estrangeiro, mas sim como
alguém que busca entender o outro, ou seja, a “ capacidade de compreensão do observador está
enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um
agente ativo” (BORTONI, 2008, p.32).
Palavras- chave: Prática Exploratória, racismo, ensino, modelo de letramento.
A VOZ FEMININA NAS COMPOSIÇÕES POÉTICAS DE CHICO BUARQUE: QUE
SÃO ESSAS SUPOSTAS MULHERES?
Andreia dos Santos de Oliveira
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Submissão e inferioridade femininas presentes ou não nas primeiras letras de música
com eu lírico feminino compostas por Chico Buarque? Qual atuação social das mulheres
brasileiras à época dessas composições? Que modernização de gênero já tinha ocorrido até
então? De que forma o contexto histórico – a Ditadura Militar – pode ter influenciado a
‘escolha’ do nosso poeta quanto ao(s) papel(is) das mulheres nas composições em que dá voz
a elas? Esses são os questionamentos cujo caminho por respostas conduzem e embasam este
trabalho. Até a segunda metade do século XX, muitas mulheres já haviam se destacado
socialmente. No século XIX, tivemos Nísia Floresta (1810-1885), que foi pioneira na
educação pública do país; no século seguinte, fomos presenteados com outras mulheres que
corroboraram o desejo e a necessidade de reposicionamento da figura feminina na sociedade
brasileira. São exemplos dessa empreitada Bertha Lutz (1894-1976), que embrenhou na luta
pelo direito de voto, e Patrícia Galvão (1910-1962), que levantou bandeira pelo direito da
mulher à liberdade de comportamento e expressão. Todavia, a mulher que supostamente
recebe voz nas primeiras composições de Chico Buarque não demonstra essa mesma garra,
iniciativa e independência de pensamento. Pelo contrário. Por isso, a proposta deste trabalho é
verificar se a(s) mulher(es) que emerge(m) das composições de Francisco Buarque de
Hollanda cujo eu lírico é feminino acompanha a empreitada feminina já bem impulsionada na
ocasião. Nesse intuito, selecionamos quatro composições a serem analisadas sob o enfoque
das causas feministas reivindicadas no Brasil daquela época e de estudos sobre o feminismo.
Ou seja, nosso intuito é estudar de que forma as primeiras “mulheres buarqueanas”
representam ou não a luta das mulheres contemporânea às composições. As composições
selecionadas são: Com açúcar, com afeto (1966), Atrás da porta (1972) e Olhos nos olhos
(1976) e Folhetim (1977-78). A obra de Luis Felipe Miguel, Feminismo e política: uma
introdução (2014) é um dos alicerces nessa análise. Nela, o autor nos mostra que a busca pela
igualdade será entendida como uma inserção num universo já existente e preenchido pelo
masculino, o que, no mínimo, dificultará que haja igualdade de fato, tendo em vista que as
condições, nos mais diversos âmbitos (social, trabalhista,...), foram pensadas de acordo com
as “necessidades” e desejos dos homens. Sendo assim, não haverá igualdade, e sim a inserção
de um ser (a mulher) que, a princípio, terá que se adaptar, além de continuar a ser tido como
inferior àquele universo. Nesse sentido, acreditamos que somente com a remodelação desse
universo, pensando os dois gêneros (assim como os demais grupos tratados como inferiores)
como iguais em direitos – direitos estes que deveriam ser pensados de acordo com o que os
distingue fisiologicamente, o período pré-menstrual e a gestação, por exemplo - seria possível
o reconhecimento de uma justa aproximação da igualdade. Portanto, não basta usar a
marcação de feminino para ser uma voz realmente feminina, é preciso que o universo
feminino seja devidamente representado.
Palavras-chave: patriarcalismo; atores sociais; mulheres buarqueanas; representatividade.
ARNALDO ANTUNES – “N.D.A.” E A GENÉTICA LÍRICA DA LINGUAGEM
Glauber Mizumoto Pimentel
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
A palavra na poesia de Arnaldo Antunes assume um caráter tão conciso e material
quanto versátil e dinâmico, e, ao mesmo tempo, tão técnico e conceitual quanto lírico a,
assim, elucidar/questionar a existência humana, as coisas e/ou apenas sinalizar - revitalizando
através das margens da língua - o próprio processo em que ela, a língua, e a palavra se
realizam - potencialmente - como poiesis. Consideremos, pois, o conceito de poiesis,
conforme falou Arnaldo Antunes: o “espaço criativo - como um espaço de potência diante do
mundo”. O presente trabalho objetiva, sob a luz do propósito crítico da metalinguagem poética,
considerando a conjugação essencial entre poesia e filosofia, (re)conhecer, investigar, e, assim, até
certo ponto, esclarecer a dimensão lírica da palavra na poesia de Arnaldo Antunes. Sobre esta
dimensão lírica, pretende-se, assim, desenvolver uma breve reflexão que leve em conta a sua
concepção diacrônica - tendo em vista, a acepção comumente feita ao conceito de que a poesia lírica é
aquela na qual o poeta se expressa, considerando, assim, a sua força de expressão poética sob a égide
da emoção e do subjetivismo. A partir desta perspectiva, devemos aqui (re)considerar a dimensão
lírica de que o subjetivismo está calcado nas exclamações emocionais do ser para daí, então,
desenharmos uma reflexão mais filosófica na qual os dilemas, os dramas existenciais já são, de certa
forma, superados, a configurarem, portanto, uma individualidade que não se expressa por intermédio
da língua, mas, já e diretamente, na e pela lingua(gem). Ao pensar, então, sobre a dimensão lírica da
palavra na poesia de Arnaldo Antunes, temos aí, inicialmente, algumas questões basilares a serem
consideradas com seu devido cuidado para que assim possamos tratar do tema proposto. Dentre outras,
destaquemos, então: como estudar a relação entre lírica e metalinguagem na poesia de Arnaldo? Quais
são seus reflexos para o desdobramento de sua poética? E o que é linguagem? O que é (isso) poesia?
A partir de tais questões, veremos que a palavra não é um veículo, mas, sim, uma unidade
potencial transformadora. Nesse caso, a poesia (ex)trapola tal unidade, ao ponto da palavra ser
o reflexo unívoco (poeta/poema) numa apresentação crítica e singular. Apresentação daquilo
que, fundamentalmente, enuncia o ser humano: a linguagem enquanto poiesis. A linguagem
enquanto real-experiência a configurar, então, o caráter linguístico próprio das obras de arte.
Para o desenvolvimento deste artigo, portanto, o livro “n.d.a.”(2011), do poeta em destaque,
será a referência básica para tratarmos das questões relacionadas à poesia, lírica e linguagem,
antes citadas. Em “n.d.a.”, título que ao longo do livro fará analogia com DNA e nada,
Arnaldo Antunes traça uma busca - que só se sustenta na e pela palavra - ao que então
podemos considerar como (uma) origem da linguagem. Vemos assim que diferente do DNA –
códigos que definem, segundo o discurso científico, os traços biologicamente humanos – o
livro em questão nos mostra que a palavra é uma célula, que ao alcance dos nossos sentidos –
principalmente sonoros e visuais, está a todo instante a se regenerar só nos deixando rastros
para sua real decodificação – ou, melhor, a sua real deglutição.
Palavras-chave: Linguagem. Poesia. Palavra.
VINICIUS DE MORAES E O CAMINHO PARA O MODERNO
Hilda dos Santos Silva
UERJ - Especialização em Literatura Brasileira
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo mostrar a mudança da poesia de Vinicius de Moraes,
através da reflexão e observação de sua fase mais espiritualizada até sua adesão definitiva ao
movimento modernista brasileiro. Para tanto, foi feito, de início, um percurso diacrônico
através de sua obra poética, assinalando as diretrizes espiritualistas do poeta em sua fase
inicial. A partir de então, se estabeleceu um comparativo entre seus primeiros livros e sua
produção poética na totalidade, na tentativa de demonstrar como tais questões influenciaram
na progressão de sua escrita, até sua aproximação ao Modernismo Brasileiro canônico. Assim,
a análise dos poemas seguiu essa diretriz, obedecendo a um itinerário cronológico, a fim de
identificarmos mais propriamente as mudanças de perspectivas de sua poesia, ao encontro de
uma poética que busca encarnar os costumes do homem comum, que ama, que sofre com seus
amores, que se indigna com as atrocidades do mundo, que está imerso na prosa cotidiana da
vida em caminho de celebração, crítica e criação no universo da linguagem. Nessa linha de
análise, através dos poemas selecionados, busca-se mostrar o afastamento por completo da
poesia de Vinícius de Moraes de um patamar considerado elevado, já agora, suas produção
vão em direção a uma poesia do cotidiano, do prosaico, uma poesia mais terrena, menos
divina. Nesse sentido, a escolha de “O falso mendigo” foi definida pelo próprio autor: “O
primeiro, ao que se lembra o A., escrito em oposição ao transcendentalismo anterior”
(MORAES, 2011, p. 11). “A bomba atômica” e “Azul e branco” porque foram escritos de
maneira muito particular para fazer memória de fatos importantes, que constitui em si um
divisor de águas: o massacre nas cidades japonesas (Hiroshima e Nagasaki), culminando com
o fim da Segunda Guerra Mundial; e a construção mais importante símbolo do modernismo
arquitetônico, o edifício Gustavo Capanema, estes dois de modo especial pela criação
imagética presente neles. Também teremos em consideração, a “História passional,
Hollywood, Califórnia” por constituir um traço crítico à cultura americana, pelo processo
avassalador do consumismo na política da “boa vizinhança” e do “American way of life”.
Assim, o presente estudo será enriquecido à luz de algumas perspectivas teóricas, tais como
José Castello, biógrafo de Vinicius de Moraes, e também Eucannã Ferraz, que busca, através
de seus estudos, dar uma maior visibilidade à obra poética de Vinicius de Moraes, afirmando,
nesse ínterim, ser o autor um poeta refinado e sensível desde as dores de amor até uma poesia
mais politizada.
Palavras-chave: Vinicius de Moraes. Modernismo Brasileiro. Poesia. Transição.
MÁRIO CESARINY AUTORATOR DE POESIA: O ESPETÁCULO DO
PRESTIDIGITADOR
Maria Silva Prado Lessa
UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
RESUMO
Considerado o maior representante do Surrealismo em Portugal, Mário Cesariny foi
um multiartista que percorreu as artes plásticas, a poesia, o teatro, a prosa ficcional, o ensaio,
a performance e o happening, a música, entre outros caminhos. Apesar de ter iniciado sua
trajetória pública nas artes visuais e nas letras quase simultaneamente, o surrealista não
mereceu, em vida, muitos estudos que abordassem a relação interartística de sua obra. Porém,
acreditamos que as leituras que favoreçam a abordagem interartística do/no seu trabalho são
extremamente enriquecedoras e representam uma ampliação dos horizontes de investigação e
de divulgação de uma produção como a sua. Nesse sentido, uma vez que a obra que Cesariny
desenvolveu ao longo de sua vida enveredou por múltiplas linguagens da arte, seria
interessante perceber, também, o quanto sua “obra escrita”, geralmente tomada como um todo
uniforme, representaria mais um campo de investigação transdisciplinar de seu caráter plural.
Percebemos, assim, uma possível “espetáculo-poética” que surge da leitura de diversos
escritos de Cesariny. Sua “espetáculo-poética” consistiria num característico gesto de
“encenador” da sua escrita com o qual o “autoractor” apresenta cenas de escrita da poesia na
cidade que fundariam, no limite, cenas de leitura na e da sua obra. Nesse movimento, pode-se
perceber como o poeta, comparado a um prestidigitador, “organiza um espetáculo”,
transformando seus poemas em palcos onde representa suas cenas de leitura e escrita e sobre
os quais dispõe inúmeros elementos cênicos. Tal abordagem pressupõe três campos de
investigação complementares: a leitura de textos prototipicamente dramáticos que foram
escritos por Cesariny e que mereceram, por vezes, encenações em Portugal, bem como de
escritos que estabelecem um diálogo intertextual com o universo teatral, como é frequente na
obra desse artista, além da análise de poemas que poderíamos classificar como “artes
poéticas”. Nesse tipo de composição, a simultaneidade entre a apresentação de uma teoria
poética e a sua prática se assemelha ao gesto espetacular do encenador e do prestidigitador,
algo recorrente em seus poemas. Estes contam com um caráter performático próprio da
linguagem teatral, na qual “dizer é fazer”, demonstrando “sua força performática, seu poder
de, simbolicamente, levar a cabo uma ação” (PAVIS, 2011, p. 103). As três perspectivas de
leitura que propomos em nossa pesquisa têm como intuito pensar a relação entre a poesia e o
drama investigando o quê do espetáculo teatral é transposto tanto para a cena de escrita,
quanto para o momento da leitura, refletindo sobre de que maneira o espectador numa sala de
teatro pode ser comparado ao leitor que tem um livro nas mãos. Da relação espectador-leitor,
é interessante avaliar como Cesariny desloca o seu leitor da posição de um “espectador
incólume”, criando estratégias para limitar o contato contemplativo e confortável com a obra,
fazendo transpor, das páginas dos poemas, um “novo real poético”.
Palavras-chave: Literatura Portuguesa. Surrealismo. Poesia. Drama.
FLU∞ER: POR ENTRE OS RIOS DE ROSA
Eliane Maria Diniz Campos
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
A relação de Vilém Flusser (1920-1991) com João Guimarães Rosa (1908-1967) e seus
desdobramentos é o fio condutor desta análise. O contato entre eles começa aparentemente de
maneira tardia, no sentido de que, provavelmente, veio a se sedimentar mais ao final da carreira
de Guimarães Rosa. Isso é perceptível pelas críticas que Flusser fez aos textos do escritor as
quais, em geral, eram sobre os escritos dos livros Estas histórias (1969) e Ave, Palavra (1970),
ambas publicações póstumas. Além disso, o que aproximava esses intelectuais era resultado das
vivências em terras estrangeiras; terem sofrido duramente os impactos da Segunda Guerra
Mundial; da paixão pelas línguas, bem como pela experiência poliglota; além de
compartilharem a ideia da língua como “magia”, a língua no sentido heiddegeriano de que é ela
que fundamenta o SER. Ademais, pode-se afirmar também que ambos tiveram suas resistências,
dificuldades, em participar de um ambiente formalizante e cerceador, seja ele a universidade,
no caso de Flusser, seja ele a Academia de letrados, no caso de Rosa. Através dos escritos de
Flusser, percebe-se que eles tiveram relações, não se sabe se de amizade, mas minimamente de
apreciadores um da obra do outro. Vilém Flusser contribuiu sobremaneira com a divulgação da
obra de Rosa quando, em várias ocasiões, escreveu sobre o escritor e sua produção no
Suplemento Literário do Estado de São Paulo. Textos como Guimarães Rosa . ; O mito em
Guimarães Rosa; Guimarães Rosa e a geografia; O estilo de Guimarães Rosa entre outras
publicações, além de um capítulo inteiramente dedicado ao escritor em Bodenlos (1992) e
comentários também em Língua e Realidade (1963) (uma das principais obras de Flusser)
podem ajudar a elucidar vários aspectos a respeito do pensamento de Rosa. No texto O mito em
Guimarães Rosa, por exemplo, o filósofo tece considerações preciosas sobre o conto “Fita
verde no cabelo”, lançado postumamente junto a Ave, Palavra (1970). Deste modo, Flusser,
fluxo, como um leitor de Guimarães Rosa, é um autor que pode ajudar os intérpretes da obra de
Rosa a navegarem pelas vias desse escritor. Ainda que o filósofo não tenha conseguido observar
cuidadosamente a obra roseana vastíssima, ele pôde sugerir sentidos às palavras imbricadas de
Rosa. E como uma referência dentro de um labirinto, ele pode nos ajudar a buscar atalhos,
atravessar os caminhos, ser o correr da água por entre os rios de Rosa. Nesse sentido, a
comunicação tratará de discorrer sobre o que aproxima e distancia esses pensadores, buscando
analisar, entre outros aspectos, a percepção de linguagem e tradução para ambos os autores.
Será apresentada, inclusive, um experimento de tradução, da própria pesquisadora, de trechos
de “Fita verde no cabelo” para o francês, a fim de poder compreender as possibilidades e
potencialidades de recriação do texto roseano em outra língua.
Palavras-chave: Vilém Flusser. Guimarães Rosa. Linguagem. Tradução.
A SINGULARIDADE DO OLHAR INFANTIL EM CONTOS DE PRIMEIRAS
ESTÓRIAS, DE JOÃO GUIMARÃES ROSA.
Mayara Simonassi Farias
UFF- Programa de Pós-graduação em Estudos da Literatura
RESUMO
As Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, privilegiam personagens que
comumente são colocados à margem ou que não ocupam lugar de destaque nas narrativas: os
loucos, ou aqueles que vivem situações consideradas pelos demais como loucura, e as
crianças. Neste artigo, a atenção se voltará para este segundo grupo, que sempre gerou
opiniões diversas ao longo de toda a história: as crianças, que nos contos de Rosa, de acordo
com Benedito Nunes (2013), são seres de extrema perspicácia e aguda sensibilidade. Nesse
sentido, será discutido como o autor, em meio a sua sensibilidade literária, elege as crianças
como criaturas capazes de produzir cultura, de subverter a ordem e de criar arte e teorizar
sobre ela, a partir de um olhar extremamente singular. Ao suposto não saber da criança e sua
constante experimentação das relações, ela é capaz de modificar e de ressignificar a cultura.
Assim, a criança não sabe menos que os mais velhos, mas possui um saber diferente, aquele
que o adulto perdeu ao longo de seu amadurecimento. Por meio da brincadeira, a criança dá
utilidade ao inútil, ela olha, com um olhar extremamente singular e crítico, não apenas vê o
objeto dado. Esse saber é o que encontramos, por exemplo, na personagem Brejeirinha,
protagonista do conto “Partida do audaz navegante”, de linguagem divinamente poética e
inventividade latente, onde uma simples caixa de fósforos se torna um importante brinquedo,
ou, ainda, que consegue fazer arte com esterco. A personagem cria novas palavras, atribui
sentidos diversos e transforma a realidade. Em “A menina de lá”, o autor acrescenta a
personagem Maria, apelidada de Nhinhinha, um grandiosíssimo senso estético que a faz
escolher sempre o melhor primeiro, saboreava o belo, “o enfeitado do sentido”, o que foge ao
nosso juízo, assim como fogem ao nosso juízo os efeitos e o sabor da literatura e da arte nos
leitores. Esta capacidade infantil de recriar os objetos, muitas vezes censurada pela sociedade,
é a capacidade intrínseca a arte. Para que a arte seja arte é necessário, de acordo com
CHKLOVSKI (1970), que o artista lance seu olhar sobre o objeto e o veja, não apenas o
reconheça. Um menino, em “As margens da alegria”, que após viajarmos juntos e nos
apaixonarmos por ele, chamar-se-á O menino, em “ Os cimos”, desvia seu olhar da construção
da grande cidade que fascina a todos os adultos e se encanta com os pássaros e aves. É este
olhar “desviado” e desautomatizado que pretende ser assemelhado ao olhar do artista, que
através da arte busca atingir a consciência humana. É importante ressaltar que toda a reflexão
sobre a singularidade do olhar infantil levará em consideração a questão da
interdisciplinaridade que deve ser envolvida nos estudos que se referem a concepção de
infância adotada pelo autor e a criança.
Palavras-chave: Infância, Guimarães Rosa, Metaficcionalidade, Primeiras Estórias
ATRAVÉS DO LÓGOS NO SERTÃO MITOPOÉTICO DE ROSA
Pedro Cornelio Vieira de Castro
UFRJ – Doutorando em Literatura Brasileira
RESUMO
Ao estudarmos as obras de Guimarães Rosa, nos deparamos com um universo de
significados e significantes muito vasto, talvez infinito. O uso da língua e das imagens faz de
seu sertão um espaço inédito na literatura, embora seja confundido muitas vezes com uma obra
de caráter regionalista. Este trabalho pretende mostrar que o sertão de Grande sertão: veredas
não é um simples cenário geográfico ou histórico, mas é toda uma natureza mitopoética. Com
alto teor imagético, o romance carrega complexas questões envolvendo o ser humano. Essas
questões se inserem a partir da narração de Riobaldo, sempre dirigida a um homem “muito
culto”. Entretanto, esse homem jamais intervém na narrativa, levando a interpretação de que o
diálogo travado não é com ele, mas com um tipo específico de leitor. A partir de reflexões
explícitas tiradas do livro, faz-se necessário entender quem é esse leitor a quem Rosa se dirige
e de que modo acontece esse diálogo. Para desvendar essa questão, utilizamos textos teóricos
de Manoel Antonio de Castro, o que nos levou imediatamente à origem da palavra diálogo e
sua aproximação com a palavra lógos. Essa aproximação nos leva a tempos ainda mais distantes
e aos aforismos de Heráclito de Éfeso, acompanhados de estudo de seu tradutor Alexandre
Costa. Aprofundando os estudos pré-socráticos, desvela-se uma visão antiga da natureza,
escondida no termo physis e que se irmana da palavra lógos – a qual não nos arriscamos a
traduzir literalmente. É essa natureza encontrada em Grande sertão: veredas. A natureza de
brotar incessante e omniparturiente, características fundamentais dessa physis pode ser vista
também em outros contos do autor. Porém, o objeto principal de estudo reside no romance de
Rosa. As demais obras servem de auxílio para mostrar um projeto mitopoético rosiano e já
foram dissecadas, sob esse aspecto, em tese de doutorado de Maria Lúcia Guimarães de Faria,
Aletria e Hermenêutica nas estórias rosianas, e no livro A saga rosiana do sertão, de Ronaldes
de Melo e Souza. O ponto de partida, que nos fez questionar esse caráter mitopoético do sertão
rosiano, foi “O homem dos avessos”, ensaio de Antonio Candido, que atesta para o caráter
mítico e duplo do romance narrado. As cenas protagonizadas por Diadorim, Joca Ramiro e
Riobaldo possuem resquícios de tempos imaginados e também imaginantes. Torna-se
necessário, portanto, recorrer ao mitólogo Eudoroso de Sousa, que desvenda as origens de mito
e poesia nas civilizações pré-helênicas. A própria entrevista de Guimarães Rosa ao seu
correspondente alemão, Gunther Lorenz, Diálogo com a América Latina: panorama de uma
literatura do futuro, acompanha esse trajeto sertanejo a partir de uma visão divinatória de rio,
que, para Rosa, é a palavra mágica que conjuga eternidade. Esse rio eterno é também narrante,
como podemos observar no nome do narrador Riobaldo. De fato, as palavras correm,
incessantes, sem obstáculo e terminam a travessia das palavras em um sinal de infinito –
terminam?
Palavras-chave: Sertão. Mitopoético. Diálogo. Physis.
FAZER E PENSAR POESIA: O QUESTIONAMENTO DA REPRESENTAÇÃO
EM EUCLIDES DA CUNHA
Lais Peres Rodrigues
UFJF - Departamento de Letras
RESUMO
Grande parte dos poemas de Euclides da Cunha foram arquitetados no solo da
metalinguagem. Alguns, em especial, destacam esse trabalho de forma mais patente, ora
por comparar o processo de construção lírica aos trabalhadores braçais, ora por questionar
a própria função da poesia no início do século XX. Euclides da Cunha possui a
consciência de um poetizar próprio do brasileiro, fruto de nosso passado, vivências e
personalidade. Com uma espécie de pré-antropofagia de nossa poesia, ao eleger uma
estrutura clássica alexandrina, vestindo-a com um personagem do povo, propõe uma
exaltação ao nosso dom artístico nativo, o qual, apesar de nascer do cotidiano, adquire
elementos grandiosos devido a nossa tendência natural de poetizar, ao criarmos, por
exemplo, metáforas e hipérboles com frequência. As características dissonantes e
exageradas do povo brasileiro despertavam imensa atenção de Euclides da Cunha, como
n'Os sertões, a partir da designação dos termos “misto de tapuia e celta” e “Hércules
quasímodo”. Para Euclides da Cunha, a teoria poderia vir de influências europeias, mas
não impediria que o texto poético fosse essencialmente brasileiro. Era preciso beber os
teóricos estrangeiros e produzir um discurso autenticamente brasileiro. Em nossa
apresentação, vamos destacar também que Euclides, assim que retornou da Campanha de
Canudos, ainda sensibilizado com o que vira no sertão baiano, repassou para um lindo
papel de carta o que nem ele mesmo havia digerido emocionalmente. Estavam ali naquela
folha os horrores desconhecidos pelo litoral. O papel de carta era a representação da
capital baiana rica, e as palavras de Euclides da Cunha relatavam Canudos, o arraial
apagado, uma página que tentaram arrancar do enredo brasileiro: “Página vazia”. Ele fala
da impossibilidade de escrever diante do terror da guerra, mas, ao mesmo tempo, ao
declarar essa impossibilidade, ele mesmo já exerce o trabalho de organizar seu
pensamento sobre o acontecido e realizar o ato de não-escrever, escrevendo. Em outro
soneto, intitulado “Se acaso uma alma se fotografasse”, escrito em Manaus, em 1905, o
poeta exalta uma linguagem subjetiva abundante, que atinge seu auge na realização de
uma reflexão sobre a configuração da alma do sujeito poético e sua representação, em
meio ao conceito de modernidade tecnológica da arte, tão discutido naquela época. Na
ocasião da escrita, acompanhava o soneto uma fotografia do escritor com um grupo de
pessoas que fizeram parte da comissão de reconhecimento do Alto Purus. Nesse soneto,
a problematização da representação na modernidade ganha destaque. Questiona: como
escrever poesia na era das fotografias? Ele responde a essa questão, a partir da união dessa
objetividade moderna com o subjetivismo-essência do poeta, permanecendo no entrelugar
característico do discurso euclidiano.
Palavras-chave: Euclides da Cunha. Literatura brasileira. Metalinguagem. Poesia.
O ESCRITOR EM FACE DE SUA ESCRITA: ENTRE A ÉTICA E A ESTÉTICA NA
PRODUÇÃO CRONÍSTICA DE MILTON HATOUM
Aídes José Gremião Neto
UERJ/FFP – Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística (PPLIN)
RESUMO
Entre 2005 e 2007 Milton Hatoum publica sua primeira sequência de crônicas para um
único volume intitulado Entrelivros. Com esse volume de crônicas, que, se visto ao lado de
todo seu projeto literário, situa-se no intermédio de seu projeto, o escritor mostra uma faceta
ficcional pouco explorada até então: o debate acerca da matéria literária por meio de textos que
situam-se na fronteira entre crônicas e ensaios. Nesse sentido, pode-se vislumbrar nessas
crônicas algumas heranças literárias do escritor, bem como aquilo que Dominique
Maingueneau cunhou de ‘rithos de escrita’. Portanto, uma vez que seja possível reconhecer uma
verve ensaística, cabe pensar o projeto de autoria de Hatoum, que surgira em 1979 com a
publicação do volume intitulado Palavras e imagens de um rio entre ruínas, composto em
conjunto, com apresentação e poesia de Milton Hatoum e imagens de outros autores. Nesta
apresentação, Hatoum, em forma de ensaio, de maneira breve, promove um apanhado da
história de Manaus, desde o século XVI até o XX, com o foco recaído na espoliação dos
recursos naturais e culturas ao longo do tempo. Mais tarde, com a publicação de seus romances
e de muitas outras crônicas, pôde-se observar que uma das preocupações do escritor, além da
escrita laboriosa, é recobrir ficcionalmente a história de Manaus por meio de perspectivas
distintas e entrecruzamento de vozes. Um projeto literário iniciado em 1979, cujo foco da crítica
recai sobre os romances, tendo seu desdobramento em diversas modalidades: crônicas, contos
e romances, carece de um olhar atento que opere uma leitura conjunta e dialógica,
principalmente para as crônicas, que amalgamam as diversas facetas deste projeto. Nesse
sentido, a presente comunicação contemplará quatro crônicas do escritor, afim de recobrir os
três volumes em que Hatoum publicou e, no caso do último, publica até os dias atuais, sendo
eles respectivamente: Entrelivros (2005-2007), Terra Magazine (2006-2010) e o jornal
Estadão. Nessas crônicas pensaremos os interstícios de uma poética de autoria e, com isso,
traremos à baila assuntos que perpassam desde a esfera ética até a estética. Se por um lado, na
crônica “Em busca da inspiração perdida”, da Entrelivros, há a presença de um narrador que,
sendo escritor, discute questões ligadas ao ofício da escrita, por outro, as crônicas
“Celebridades, personagens e bananas” e “Domingo sem cachorro” versam sobre uma
dimensão ética, situada no seio do dia a dia, sem perder de vista a macro política. Por outro
lado, há outras temáticas como religião e Ditadura militar de 1964 presentes, respectivamente
em “Tarde delirante no Pacaembu”, publicada no Estadão em novembro de 2009, e “Um jovem,
o velho e um livro”, a qual não cotejaremos no presente trabalho. É trilhando a leitura dos textos
literários de Hatoum aqui selecionados que refletiremos sobre a importância da produção
cronística para a poética do escritor. Para tanto, pensaremos tanto na relação história e literatura,
por meio de autores como Luiz Costa Lima com História, ficção e literatura (2006) e Linda
Hutcheon com Poética do pós-modernismo (1991), quanto as relações estéticas travadas no
interior de suas produções, deixando entrever passos da constituição de sua poética de autoria.
Neste quesito, utilizaremos as considerações de Dominique Maingueneau acerca do Discurso
literário (2006).
Palavras-chave: Milton Hatoum. Projeto literário. Crônicas.
DESLOCAMENTOS E HIBRIDEZ NA NOVA MARVEL
Gabriel Braga Ferreira de Melo
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Os heróis das tradicionais histórias em quadrinhos estão alçando novos voos. Cinema e
séries de televisão são apenas dois dos novos lugares em que você pode encontrar muitos de
seus personagens preferidos. Porém, as páginas em que eles são publicados desde 1938
continuam sendo a mídia de maior relevância de sua história, dada a característica mensal de
publicação da maioria das revistas. Com um espaço maior para se aprofundar em certos
questionamentos, as histórias em quadrinhos, além de entreter, nos trazem um retrato da
sociedade que nos cerca e problematizam seus costumes. Concentrado nessa qualidade das
histórias em quadrinhos e utilizando como figura principal de exame os heróis da nova era dos
quadrinhos – heróis que, no geral, foram criados no século 21 –, este trabalho visa analisar
como se dá a discussão e a problematização das questões culturais de identidade nacional e de
pertencimento nessa nova era dos quadrinhos; como os comics representam a sociedade e
retratam uma identidade nacional estadunidense nos dias de hoje; como é possível estabelecer
heróis que falem à nação em um país sem uma identidade nacional homogênea; como retratar
uma sociedade tão diversificada culturalmente quanto a dos Estados Unidos nas últimas
décadas; e, por fim, como a indústria dos quadrinhos se adapta à nova realidade do mundo para
poder manter discussões pertinentes e estabelecer um debate sobre os temas que mobilizam a
nação – uma característica histórica desse meio desde sua origem no século passado. Para
alcançar tais objetivos, utilizo os suportes teóricos de autores como Umberto Eco (2011 [1964])
e Zygmunt Bauman (2013 [2011]) na discussão do papel dos quadrinhos como um veículo de
cultura. As questões do hibridismo em Nestor García Canclini (2008), da tradução em Stuart
Hall (2005) e Gayatri Spivak (2010), e da caracterização do sujeito que vem de fora e o
relacionamento entre este e o que o recebe presentes em Eric Landowski (2002) também serão
abordadas. Resgato ainda, uma vez mais, Bauman (2001 [2000]) e Hall (2009 [2003]), o
primeiro para abordar as questões da modernidade líquida e o segundo para melhor
compreender as diásporas. Ao longo de todo o trabalho, são empregadas reflexões de diversos
teóricos de quadrinhos como Santiago García (2012), Christopher Knowles (2008), Jason
Dittmer (2013) e Russel W. Dalton (2011) para costurar a relação entre os quadrinhos e as
questões da Literatura e Estudos Culturais. Pretende-se verificar, assim, que, no atual momento,
o multiculturalismo é abraçado pelos comics por meio de um destaque de novas identidades
heroicas surgidas pós-2011 e outras provenientes da fragmentação do herói nacionalista antigo,
estando todas essas identidades em maior consonância com os tempos atuais e que visam
contemplar a diversidade cultural dos Estados Unidos.
Palavras-chave: Deslocamento, nação, tradução cultural, quadrinhos, Nova Marvel.
DESENHAR E ESCREVER: CONSTRUINDO ILUSTRAÇÕES PARA A HORA DA
ESTRELA (1977), DE CLARICE LISPECTOR
Luciana Freesz
UFJF - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários
RESUMO
A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi o último romance que a escritora
publicou em vida, no ano de 1977, envolvido por certo mistério, pois parece assumir a forma
de um testamento literário da autora. A obra convida o leitor a uma rememoração de todas as
obras que a precederam. Compreendemos que a obra possui a capacidade de decodificar a
organização social e cultural da modernidade brasileira. Os percalços vividos pela
personagem central Macabéa, narrados por Rodrigo S. M. fazem parte de um texto cercado
pelo excesso de visão, plenitude de leitura e escrita criados pela autora. Macabéa é a
personagem que Rodrigo S. M. vai desenhar. Como um artista postado de frente a uma folha
de papel em branco, a história vai sendo guiada por traços, esboçando um texto rico em
expressões e impressões do narrador que pensa estar oferecendo “um relato frio”. A narrativa
de Lispector está sempre em busca de algo, a preocupação com o ato da escrita é constante:
“Será mesmo que a ação ultrapassa a palavra?”. Da preocupação com o ato da escrita, com a
ação, caminhamos para a preocupação com o ato de criação de imagens.
Este é o resumo de um projeto de tese que parte, em princípio, da possibilidade de todo texto
literário gerar imagens gráficas, concretizadas pela utilização de qualquer técnica artística que
o idealizador de tal empreitada possa propor. O texto de um autor pode converter-se em forma
visual pelas suas próprias mãos ou pelas de outro autor. É a máxima conexão entre textos,
pois estamos falando primeiramente de um texto verbal que permite ser traduzido para um
texto não-verbal, num fluxo de diálogo constante entre dois tipos de linguagens e ideias
diversas. Pretendemos nesta tese, discorrer sobre o processo criativo gerador de imagens. Para
isso, pensamos em desenhar, ilustrando trechos marcantes da obra A Hora da Estrela,
estabelecendo os registros das etapas do processo correspondente. Este romance, assim como
cada uma das obras de Clarice, exige sempre um novo tipo de leitor e também novas leituras.
Buscando caminhos não antes experimentados e novos olhares sobre a obra, nos
aproximamos de uma leitura de criação, na qual procuramos construir uma interpretação
visual por meio de imagens. Estas imagens, a que denominaremos previamente de
“ilustrações”, serão produzidas utilizando técnicas artísticas de desenho ou pintura, que
retratem fragmentos expressivos do texto. Até o presente momento não há estudo sistemático,
tese de Doutorado, que tenha como tema central o texto de A Hora da Estrela sob a
perspectiva artística-visual. Consideramos necessária a feitura de um trabalho de pesquisa que
explore plasticamente o texto e o próprio processo de construção das obras artísticas. Visamos
a abertura de um novo campo, unindo as áreas de Literatura e Artes Visuais, aprimorando
conhecimentos sobre os processos de criação. Ainda, buscamos um equilíbrio entre teoria e
empirismo, utilizando como metodologia a análise literária, a criação de imagens e a reflexão,
pretendendo alcançar um novo texto.
Palavras-chave: A Hora da Estrela. Literatura brasileira. Tradução intersemiótica.
Ilustração.
O FRACASSO DA LINGUAGEM EM CLARICE LISPECTOR E SAMUEL
BECKETT
Rachel Ventura Rabello
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Esta pesquisa consiste em investigar como o conceito de fracasso da linguagem é
abordado nas escritas de Clarice Lispector e de Samuel Beckett, respectivamente nas obras
Água Viva e O Inominável. Como ponto de partida, assumo fracasso da linguagem como
sendo a incapacidade da linguagem de expressar um pensamento ou um objeto, isto é, sua
“falência expressiva” (MARTINS, 2012, p. 98). Essencialismo linguístico é o posicionamento
filosófico de que a linguagem seria a aparência de algo que está oculto (o mundo, um objeto,
um pensamento). Faz parte dele a ideia de que a linguagem funciona como um sistema de
representação, que expressa algo que está fora dela – por exemplo, o pensamento de um
indivíduo ou a existência de um objeto. A esse posicionamento se opõe o “ceticismo
linguístico” (MARTINS, 2012, p.70), que vê a linguagem como autorreferencial: não havendo
nenhuma razão exterior a ser expressa em seu interior, a linguagem não se referiria a nada
além de si mesma, como afirma Wittgenstein, “nada está oculto” (1999, p.129). O filósofo,
em suas Investigações filosóficas, expõe essa visão cética da linguagem. Em resumo, seu livro
busca descrever a realidade da linguagem, “vista como ferramenta de interação social, que
assume vários modos, chamados ‘jogos de linguagem’, de acordo com a função a ser
realizada e com a cultura da qual ela emerge” (CAVASSANE, 2009, p.79). A obra de Beckett
foi bastante analisada sob o olhar cético dessa vertente filosófica, talvez por conta de seu viés
metalinguístico, em que “as palavras se referem somente a elas mesmas, estando aí o grande
estranho, o grande absurdo que ele logra denunciar: nada a expressar a não ser a própria
falência expressiva da linguagem, sua natureza puramente autorreferencial” (MARTINS,
2012, p.98). Embora a escrita de Clarice, em Água Viva, pareça, em uma primeira leitura,
buscar a expressão de algo que estaria por trás da palavra - fora dela -, acaba por denunciar a
incapacidade expressiva da linguagem, ou seja, o seu fracasso: “Ouve-me, ouve o silêncio. O
que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa” (LISPECTOR, 1998, p.14). Percebendo os
pontos de intersecção das temáticas de Água Viva e O Inominável e observando o diálogo
entre essas narrativas, pretendo analisar a escrita desses autores como um “pensar
performativo” (MARTINS, 2012, p. 66). Nesse modo de pensar, o sem fundo da linguagem
não é descrito ou enunciado, mas experimentado, vivenciado no próprio ato da escrita: “Atrás
do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do
pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és”
(LISPECTOR, 1998, p. 27); “não há nada, nada a descobrir, nada que diminua o que falta
dizer, tenho o mar a beber, então há um mar” (BECKETT, 2009, p. 58). Assim, busco
descrever e analisar como esse pensar performativo se mostra nas escritas de Lispector e
Beckett, investigando o uso do fracasso da linguagem como matéria-prima e tema de escrita.
Nas palavras de Galharte, esses autores, “depois de constatarem a distância entre o que
desejavam falar e o que falaram, transformam esse fracasso no próprio tema e meta a serem
perseguidos” (2004, p. 72).
Palavras-chave: fracasso da linguagem, ceticismo linguístico, pensar performativo
IDENTIDADE ENSOPADA DE SANGUE: UM ESTUDO SOBRE A DESCOBERTA
NÃO VIOLENTA DE SI MESMO NO ROMANCE DE DANIEL GALERA
Daiane Crivelaro de Azevedo
UFF – Programa de Pós-Graduação em Literaturas e Linuagens
RESUMO
Discutir identidade, em um tempo contemporâneo e em um romance contemporâneo,
significa o já clicherizado estudo sobre o humano, na perspectiva investigativa a respeito de
origem e destino de determinadas culturas. O romance Barba ensopada de sangue, publicado
em 2012 pela Companhia das Letras, insere Daniel Galera, escritor portoalegrense, como
reconhecido escritor no cenário literário, utilizando-se exatamente dessa temática. Na narrativa,
o narrador, em terceira pessoa, refaz o percurso de um inominado personagem ao encontro de
si mesmo. Em Garopaba, cidade litorânea de Santa Catarina, o protagonista busca reconstruir
uma suposta verdade sobre a morte – e a vida – de seu avô, Gaudério. Vítima de uma condição
neurológica peculiar que lhe impede de memorizar e, consequentemente, reconhecer rostos,
inclusive das pessoas mais próximas, chamada prosopagnosia, a questão identitária ganha, para
além das construções culturais e históricas, um apelo biológico. Nesse prisma, o encontro com
o avô significa, para personagem de Barba ensopada de sangue, encontrar o próprio rosto –
aquele mesmo que é incapaz de reconhecer, por ser, também, incapaz de relembrar.
Inevitavelmente, o tradicional percurso do bildungsroman, tão recorrente no século XIX,
reaparece no século XXI, assumindo nossos recortes. Um deles é a construção de uma
identidade não mais como unidade, mas como multiplicidade. Nesse sentido, o personagem do
romance de Galera questiona, na busca pela origem familiar, a própria família unívoca,
desdobrando as diversas narrativas sobre seu avô – em uma descoberta derridariana sobre a
inexistência da verdade. Essa narrativa, portanto, interessa a este estudo à medida que nos
permite reflexões a respeito da identidade e alteridade, construções humanas que colocam em
xeque as implicações da diferença. Para realizar essa discussão, utilizaremos, além do objeto
de análise supracitado e de breves comparações a outros romances do mesmo autor – tais como
Cordilheira (2008) e Mãos de cavalo (2006) –, percepções sobre literatura brasileira
contemporânea, a partir de Beatriz Resende e Karl Eric Schøllhammer, e conceitos a respeito
da identidade, propostos por Zygmunt Bauman, Vilém Flusser e Jacques Derrida. A
contribuição desses autores para este estudo refere-se, sobretudo, à busca de uma leitura que
coloque em questionamento os conceitos já clicherizados a respeito de identidade e alteridade,
de modo que nos possibilite novas leituras. Nossa intenção não é limitar o romance Barba
ensopada de sangue, à única cena de leitura como bildungsroman. Mais do que isso, o objetivo
é entender um pouco mais o autor, que a cada dia ganha mais espaço na literatura brasileira
contemporânea, e de seu projeto literário, que, conforme defendemos, inicia-se com Até o dia
em que o cão morreu e se mantém até o mais recente romance publicado, Mais noite e vinte.
Palavras-chave: Identidade. Barba ensopada de sangue. Daniel Galera. Literatura brasileira.
INSTINTO DE MORALIDADE, UMA METÁFORA SEM BASE?
Vagner Leite Rangel
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
A revista Niterói (1836) é o prefácio de Cromwell da literatura nacional, pois foi o
veículo responsável pela oficialização do Romantismo, que significou a modernização
oitocentista da literatura brasileira, dando sentido histórico ao fazer literário, mas sentido bem
determinado: “O poeta sem religião, e sem moral, é como o veneno derramado na fonte,
morrem quantos aí procuram aplacar a sede” (MAGALHÃES, 1836, p.5). Desde então, o
Romantismo ofereceu um conteúdo programático aos futuros autores. De 1836 a 1858, ano
que marca a estreia crítica de Machado de Assis, até 1873, ano que marca a estreia romanesca
do autor, com Ressurreição (1872), o programa romântico está em curso, e a tal ponto que
uma das contribuições de Machado ao sistema literário da época, depois de “O ideal do
crítico” (1865), é a metáfora “instinto de nacionalidade”, que questiona o paradigma da cor
local. Outro paradigma, porém, é aceito pelo autor: a religião como dado indispensável à
reforma literária. Do 1º romance até Iaiá Garcia (1878), não se opõe ao programa romântico,
exceto naquele ponto. E duas polêmicas são reveladoras de sua filiação ao programa de 36: a
1ª polêmica é com O primo Basílio, 1878; a 2ª, com “A nova geração”, 1879. Defende a prosa
e a poesia contra novas influências. O rumo machadiano após tais polêmicas nós já sabemos
qual é; o que nos resta sistematizar – eis a hipótese do projeto – é a contribuição machadiana à
história nacional da obra arte como obra de edificação moral, conforme defende em 78 e 79.
Pelo avesso, tais polêmicas nos revelaria o colapso do figurino romântico (forma recatada e
decoro literário), com seu instinto de moralidade (conteúdo edificante e desfecho
moralizante), cujo propósito (segundo a doutrina estética do santo, justo, belo e útil) seria
contribuir para regeneração moral do público – princípio em curso desde 36. Com a
motivação de confirmar tal tese – instinto de moralidade e colapso do figurino romântico –, a
pesquisa tem como objetivo sistematizar a metáfora cordata, instinto de moralidade e figurino
romântico, a fim de compreender a defesa machadiana da obra de arte como obra de
edificação moral, proclamada em 1836 e em curso até 1879. Em 1936, Pereira formula a
pergunta capital: por que teria sido tardio o desabrochar da boa ficção machadiana? “Machado
de Assis, que, nos folhetins, tão cedo se firmara como escritor, tateou muitos anos para
conseguir encontrar nos romances romance o estilo próprio” (PEREIRA, 1936, p.123). Por
que insosso na ficção, se destemido na crônica; por que bisonho no livro, se agressivo no
jornal, até o final de 1870? Para ela, a demora teria sido responsável por um ficcionista “tão
insosso ainda, coitado, tão bisonho” (PEREIRA, 1949, p.104). No meio do caminho – eis
nossa hipótese – não tinha apenas a tradição da moderna literatura brasileira, o que não seria
pouco, tinha, também, exortação, por parte duma autoridade literária da época, Quintino
Bocaiúva, para que ele desse cabo “das formulações românticas sobre o país e o papel da
literatura na construção da nação” (GUIMARÃES, 2016, p.236). A metáfora, portanto, tinha
base, e a tal ponto e de tal modo que foi preciso pôr um ponto final em sua história para então
principiar a 2ª fase.
Palavras-chave: Brasil. Romantismo. Literatura. Machado de Assis.
1
A IMAGEM DO RETRATO
A ARTE NA META FICÇÃO HISTÓRICA DE O RETRATO DO REI
Cristina Reis Maia
UERJ/FFP - Estudos Literários
RESUMO
A compreensão e fruição de uma narrativa dependerá das relações estabelecidas entre
leitor e autor, da maneira como este a apresenta e de como aquele a recebe e interpreta. Seu
desenvolvimento incorre em variados níveis de subjetividade e percepção da realidade: muitas
vezes implica na interação de diferentes disciplinas, outras tantas na introdução de questões e
propostas reflexivas ao contexto apresentado – mesmo que sutil ou subliminarmente.
Considerando tais perspectivas, o presente trabalho tem como proposta refletir de que forma
Arte, Literatura e História dialogam no livro O retrato do rei (MIRANDA, 2001),
compartilhando um outro modo de repensar a realidade e suas representações sociais. Assim,
o enredo desenvolve-se sob os auspícios da meta ficção ou meta história, tendo como
referência uma pintura real, alvo de disputa das personagens em sua busca pelo poder e
domínio das riquezas em uma terra a ser desbravada. A utilização de uma pintura (o retrato
do rei) como fio condutor do enredo, propicia a discussão as possibilidades interpretativas
acerca da imagem e de suas significações, constituídas a partir da ekphrasis. Por meio dessa
arte (a representação de uma figura de poder) articulam-se história do Brasil e literatura. Este
exercício transformador do pensamento problematiza, atualiza e superpõe temas e
temporalidades de um passado histórico, fomentando as múltiplas possibilidades de
interpretações sem que o leitor perca o prazer pela leitura. As intertextualidades surgidas
proporcionam interseções entre construção literária e fatos históricos, arte e percepção,
representação e cultura, enquanto dialogismos e polifonias são evidenciados na (re)construção
das personagens – a partir de um patchwork de lendas e fatos documentais, sob um
movimento de desconstrução e um processo de suplementaridade e interpolações. Por sua vez,
imagem e escrita instituem importantes diálogos nos quais são construídos jogos entre signos
e de representações. Neste contexto, a pintura reportada evoca não apenas indicadores de
similitude – ou “emanações” do referente –, mas também interpretações subjetivas – focando
para além de si, o olhar (as percepções) do outro, das demais personagens. A imagem gera,
assim, um novo texto, repleto de códigos e subcódigos, que interage com a palavra escrita.
2
Nele, põem-se em jogo diferentes associações mentais e campos associativos, permeados por
fatores contextuais, extralinguísticos, extratextuais, que comporão a narrativa subjetiva.
Ademais, ao estabelecer versões sobre os fatos vividos, tal narrativa revisita o passado,
trazendo à tona importantes temas sociais, mostrando a sua recorrência nos dias atuais.
Constitui, assim, um novo olhar, aberto a reflexão e à subversão das convenções
estabelecidas.
Palavras-chaves: Meta história. Literatura. História. Arte. Diálogos interdisciplinares.
O BRASIL É... UM RETRATO IRÔNICO DO PAÍS A PARTIR DAS VOZES DOS
BRASILEIROS
Yuri Nikolai de Souza Teixeira
UERJ - Programa de Pós Graduação em Letras
RESUMO
A publicação de "O Brasil é bom" (a obra reúne 23 contos, alguns publicados
anteriormente em jornais, outros inéditos), de André Sant’Anna, em 2014, cerca de um ano
após as manifestações de junho de 2013, mantém uma relação próxima com esses eventos não
apenas no que tange à temporalidade. À semelhança dos gritos que irradiavam das ruas, a obra
também emite sua voz crítica e irônica contra a estrutura social e política, e o faz igualmente
da forma coral – aqui por dissonância de vozes que, recolhidas da boca dos próprios
brasileiros e expostas, são capazes de gerar uma autorrevelação crítica do país. Nesse contexto
discursivo presente em "O Brasil é bom", este artigo analisa a construção da imagem do país
que se revela à medida que os brasileiros falam e têm suas falas ironizadas. A ironia é
colocada no texto pela direção autoral que Sant’Anna dá a essa compilação de clichês, de
frases do senso comum, de discursos políticos e institucionais, que geralmente apresentam
uma visão positiva do país (o Brasil é bom) e são facilmente encontrados (ou melhor, eram,
principalmente até a eclosão das manifestações de 2013) nos discursos do nosso cotidiano. E
mais do que a reprodução do otimismo patriótico ilusório que muitas vezes domina o
imaginário da nossa sociedade, as vozes trazidas por Sant’Anna desnudam o conservadorismo
de uma parcela majoritária da população no que esse conservadorismo pode ter de mais
desumano ou de resignado com injustiças sociais travestidas de benefícios. Dessa forma,
temos uma obra que, em seus 23 contos, por meio da ironia, cria um discurso crítico implícito,
que se sobrepõe aos que ali estão explicitados para demonstrar seu absurdo. Para melhor
elucidar o processo pelo qual é possível construir-se essa imagem de um Brasil que não é
bom, este estudo se apoiou no método de observação da imagologia, de Daniel-Henri
Pageaux, que contribui para o entendimento de como, na construção de uma imagem feita
através do discurso de um indivíduo pode-se perceber simultaneamente traços da identidade
do próprio enunciador – e aqui expandimos a ideia para a percepção do próprio enunciador
autoral, que organiza as falas dentro de uma concepção política, filosófica e teológica
revelada pelo seu próprio trabalho discursivo feito em cima dos tantos outros discursos
incorporados aos seus contos. Vale ressalvar que é essa voz autoral que faz com que a
identidade dos enunciadores trazidos para o plano do conto (ou do enunciador, se tomarmos
essa confluência de vozes como uma representação da sociedade brasileira) seja posta em
destaque e lançada em um ambiente de crítica pelo recurso da ironia, que, na obra, tem a
dupla função de contribuir para sua natureza intensamente polifônica e reduzir ao ridículo os
discursos massificados ali presentes. Levando em conta o predomínio do recurso expressivo
da ironia, trouxemos as contribuições da obra "Ironia em perspectiva polifônica", de Beth
Brait, que aclara as potencialidades do uso da ironia, desde sua perspectiva retórica até às
noções discursivas, em que podemos enxergar a ironia como um ato argumentativo dotado de
certa agressividade como elucidado aqui pela obra. Observa-se, dessa maneira, em "O Brasil é
bom", um conflito discursivo na definição de um referente sobre o Brasil, ao qual
observamos, em diálogo com o conceito de referenciação, como proposto por Lorenza
Mondada e Danièle Dubois.
Palavras-chave: Literatura brasileira. Imagem. Referenciação. Ironia.
A REPRESENTAÇÃO (VISUAL) DOS ATORES SOCIAIS
NA MÚSICA “SONDA-ME, USA-ME” (2004) DE ALINE BARROS
Camila dos Santos Fernandes
Claudia Neves dos Reis
Dandara Rosa
Joana Guedes
UERJ – Programa da Pós-Graduação em Letras
RESUMO
O presente trabalho a ser submetido à apreciação da oitava edição do SAPUERJ Letras
baseia-se nos pressupostos teóricos da Rede de Sistemas da Representação (Visual) dos
Atores Sociais - RAS (Van Leeuwen: 1996; 2008) apresentados pela professora Gisele
Carvalho (UERJ) no curso Tópicos Especiais em Análise do Discurso no primeiro semestre
do ano de 2017. Em posse deste arcabouço teórico ao final do curso propusemo-nos a
investigar se tais categorias seriam aplicáveis à música Sonda-me, Usa-me composta por
Aline Barros em parceria com Ana Feitosa e Edson Feitosa. Lançada em 2004, esta música é
a faixa número dois do álbum Som de Adoradores da cantora Aline Barros, o qual foi gravado
na igreja Comunidade Internacional Zona Sul, e indicado ao Grammy Latino de 2005. É o
álbum mais vendido da cantora, sendo certificado com disco de diamante em 2007 pela
ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos). Cientes de que este sistema não foi
criado necessariamente para dar conta de seres ficcionais e muito menos interpretar a
representação de um ser tão abstrato, subjetivo e controverso quanto Deus, buscamos ver que
contribuições esta teoria traria para a compreensão dos múltiplos significados possíveis do
texto e imagens em questão. Um outro fator que muito nos motivou a fazer esta escolha além
do desafio mencionado acima é a crescente influência do mundo religioso, principalmente o
evangélico, no Brasil contemporâneo tanto na cultura popular, na economia quanto na
política. Segundo dados de 2010 do IBGE, em 10 anos o número de evangélicos aumentou
em 61,45% no Brasil. Isto corresponde a mais de 42,3 milhões de brasileiros. Na economia,
de acordo com o site Gospel Prime, esta massa de evangélicos constitui um enorme mercado
consumidor movimentando aproximadamente 21,5 bilhões de reais anualmente, comprando
os mais diversos produtos religiosos de bíblias, livros, CDS, DVDS, camisetas, acessórios,
viagens, adesivos, aplicativos a sex shops. Já na política, de acordo com João Campos –
pastor, deputado federal e líder da FPE (Frente Parlamentar Evangélica) - há
aproximadamente 90 parlamentares, podendo este número aumentar ou diminuir devido aos
suplentes. Parlamentares estes que tentam impor suas agendas conservadoras ao estado laico
de duas maneiras: impedindo que determinadas leis sejam aprovadas ou votadas ou criando
projetos de leis polêmicas como o dia do heterossexual ou a criminalização do funk. Por esses
motivos, parece-nos relevante nos debruçarmos sobre textos e imagens desta natureza a fim
de examinarmos de que maneira a academia poderia contribuir para a compreensão deste
fenômeno de cultura de massa. Sendo assim utilizando as categorias e subcategorias mais
relevantes da RAS neste trabalho, procuramos examinar, classificar e interpretar como atores
sociais Deus e a cantora são representados no seu discurso (a letra da música) e como os
atores sociais presentes no clipe (cantora, músicos e igreja) são representados visualmente
através de imagens retiradas do videoclipe oficial da música “Sonda-me, Usa-me”.
Palavras-chave: Representação. Discurso. Representação visual. Atores sociais. Análise.
Interpretação.
AFORIZAÇÃO E INTERTEXTUALIDADE:
A PRESENÇA DO OUTRO EM POSTS MOTIVACIONAIS
Tatiana Jardim Gonçalves
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
A comunicação apresentará, em linhas gerais, a pesquisa que estamos desenvolvendo,
para posterior elaboração de tese, e sua atual fase de reflexão. Experienciamos um momento
em que o corpo é a vitrine do indivíduo. Enquanto superfície histórica, o corpo recebe muitas
inscrições, sobre o corpo são produzidos e sustentados discursos que evocam muitos sentidos.
Estes sentidos estão atrelados a outros discursos e a diferentes esferas sociais que conferem
centralidade ao corpo e instituem processos de subjetivação. Nossa pesquisa se debruça sobre
um dos muitos discursos relativos à corporalidade, nela analisamos o denominado discurso
motivacional que circula na comunidade discursiva dos bodybuilders (fisiculturistas e
musculadores). Tal discurso é atravessado por noções de força e de superação para obtenção
de corpos hipertrofiados, tal discurso evoca um modo de existência e de relação consigo
mesmo que mostram não só o corpo obtido, mas também a moral daquele que o obtém. Nosso
corpus é composto, preliminarmente, por posts de páginas dedicadas à motivação dos adeptos
da prática. Esses textos, que são multimodais, são constituídos, em sua face verbal, a partir de
textos de outras fontes, oriundos de diferentes formações discursivas. A face verbal dos textos
assume a forma de mensagens de autoajuda, de aconselhamento para obtenção de uma
conquista, pois se apresenta, em termos teóricos, no Maingueneau denomina como aforização,
regime enunciativo em que trechos destacados de textos circulam com relativa autonomia.
Em nosso estudo, intentamos compreender e mostrar a engrenagem que compõe esse discurso
e depreender as redes que possibilitam sua circulação. Questionamos, ainda, a denominação
de tal discurso, já que na conjuntura atual o neoliberalismo convida o sujeito a ser empresário
de si mesmo, a gerir sua vida de modo que seja o único responsável por seu sucesso ou seu
fracasso. Isso, como já verificamos em análises preliminares, confere ao discurso em questão
uma dimensão imperativa. No que se refere à contribuição teórica de nosso trabalho,
objetivamos ampliar o conceito de intertextualidade, já que a materialidade linguística do
discurso se dá pela alteridade. Intentamos discutir e mostrar, a partir das análises, que a
intertextualidade é um fenômeno amplo, ligado a uma correlação de forças que ultrapassa as
malhas textuais. Para realizar os intentos mencionados, nos respaldamos em Foucault (2009,
2012, 2013, 2016) no que concerne às noções de corpo, de verdade, de discurso e de sujeito, e
a Maingueneau (2008, 2010, 2014) no que tange ao conceito de aforização e seus
desdobramentos. Nas análises, pretendemos explicitar as relações intertextuais presentes
nesses textos, as correlações de forças entre os textos e os aspectos enunciativos da
comunidade discursiva em questão. Pretendemos, em última colocação, refletir sobre o corpo
como uma das grandes verdades do nosso tempo, pretendemos oferecer uma contribuição que
permita ver nesse discurso uma forma de vida que movimenta outras formas de vida.
Palavras-chave: Corpo. Motivação. Aforização. Intertextualidade
CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DE VACINAÇÃO CONTRA HPV: UMA ANÁLISE
DA REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS.
Maíra Meyberg
Débora Ferreira
Bruna Cardoso
UERJ - PPG Lato Senso em Letras - Práticas de Linguagem e Discursividade
RESUMO
A questão da imunização no Brasil é um tema bastante complexo e por essa razão
pode ser também um campo de debate bastante produtivo. Ao mesmo tempo em que o país é
apontado como referência mundial por suas políticas públicas de imunização, há também o
registro histórico de forte opinião pública e resistência a esses programas, como no popular
episódio da revolta da vacina. Essas políticas públicas apresentam sempre características
impositivas que podem despertar mobilizações de relutância por parte da população, seja por
inspiração religiosa ou por ceticismo em relação aos seus benefícios. Não seria surpresa,
portanto, se as recentes campanhas de vacinação contra o vírus do HPV (Human
Papillomavirus, ou Papiloma Vírus Humano) seguissem o mesmo padrão no que diz respeito
à sua receptividade e impacto, e assim despertassem reações similares. Nesse contexto, cabe
averiguar o papel das peças publicitárias utilizadas nas campanhas de vacinação contra o
HPV. Nesse sentido, a contribuição teórica de Theo Van Leeuwen para análise do discurso
nos permite fazer análises e interpretações tanto em relação ao conteúdo gráfico quanto
textual. Para este teórico, como fica claro em seus trabalhos de 1996 e 2008, os atores sociais
podem estar representados tanto linguisticamente quanto em imagens, e que, enquanto as
palavras ocupam-se de explicar, as imagens tratam de sugerir, e através da análise é possível
compreender as imagens de forma mais explícita em relação àquilo que elas aludem. O
objetivo deste trabalho foi, portanto, analisar os pôsteres publicitários utilizados nas
campanhas de vacinação contra HPV nos anos de 2014, 2015 e 2016, a partir das teorias de
representação de atores sociais de Van Leeuwen, visando sugerir a adequação de seu apelo em
relação ao público alvo, além da sua pertinência como ferramenta educativa e informativa.
Para isso, foram escolhidas as categorias de enquadramento, olhar e ângulo do observado no
que diz respeito à análise das imagens. Quanto à análise linguística, as categorias mais
relevantes do sistema de Van Leeuwen foram os pares inclusão e exclusão, ativação e
apassivação, pessoalização e impessoalização e generalização e especificação no processo de
representação dos atores sociais. Os resultados das análises indicaram que, por se tratarem de
peças publicitárias, os apelos parecem estar adequados aos públicos e propósitos estabelecidos
pelos criadores das campanhas, embora haja espaço para discussões acerca de representações
de gênero e diversidade. Já no que diz respeito ao conteúdo linguístico, o material deixa um
pouco a desejar, pois não traz informações mais completas acerca da vacina e dos
desdobramentos da contaminação por HPV. As ferramentas providas pelo arcabouço teórico
de Van Leeuwen, portanto, nos proporcionam fazer análises críticas bem embasadas que
ultrapassam a mera interpretação baseada em sensações subjetivas ou conotações implícitas.
O sistema de Van Leeuwen serve de apoio teórico para uma crítica mais contundente apoiada
em evidências. Desta forma, fica clara a contribuição deste teórico não só para a Análise do
Discurso no campo da Linguística Aplicada, mas também para a percepção de seus impactos
na sociedade e sua cultura.
Palavras-chave: Representação de atores sociais, Van Leeuwen, Análise do Discurso,
Vacinação contra HPV.
A METÁFORA DA VIAGEM EM JANGADA DE PEDRA, DE JOSÉ SARAMAGO
Caio Henrique da Silva Reis
UERJ- Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
O romance A jangada de Pedra, de José Saramago, publicado em 1986, apresenta
como enredo a separação físico-geográfica da Península Ibérica da Europa, causada pelas
ações dos personagens-protagonistas, tais como o risco no chão feito por uma mulher, Joana
Carda, que utilizou uma vara de negrilho e o arremesso de uma pedra pesada ao mar,
realizado por um homem que não era forte, Joaquim Sassa. Essas ações representam o
universo insólito presente na obra, em que mostra o desprendimento da Península do
continente europeu. A partir desse contexto, fazemos esta pergunta, presente no trabalho:
Portugal está à deriva? Analisaremos o que chamamos de “primeira viagem” no romance: a
viagem da Península Ibérica, ou da “jangada” em busca de uma identidade. Além disso,
também há a “segunda viagem” que é a dos personagens em busca de um determinado lugar
(Lisboa). Durante a narrativa, o leitor está também em uma viagem, já que passa por
diferentes lugares da Península com suas histórias. Será que esses personagens estão à deriva
também, junto com a Península? O objetivo é justamente responder a esse questionamento, a
partir de reflexão sobre o rumo em que Portugal irá tomar, ou melhor, discutiremos o destino
desse país, com base na questão da identidade histórico-cultural da terra de Camões. O título
dessa comunicação é baseada no ensaio de Octavio Ianni intitulado “A metáfora da viagem”,
que discute tanto a viagem como forma de encontrar o seu “eu”, a sua identidade, quanto uma
possibilidade de conhecer a cultura de povos estrangeiros. Para ajudar na discussão e reflexão
sobre a questão do destino de Portugal, escolhemos de forma criteriosa o historiador Joaquim
Barradas de Carvalho e o filósofo Eduardo Lourenço, ambos portugueses, como os teóricos
principais para a pesquisa, por estudarem de forma aprofundada a formação identitária de
Portugal, partindo da Expansão Marítima até os dias atuais. Ou seja, discutem se Portugal
pertence ou não à Europa, não na visão geográfica, mas sim histórico-cultural. Sobre a
questão dos personagens supostamente à deriva, esses textos teóricos contribuirão para
responder tal indagação.
Palavras-chave: Ficção. Viagens. Identidade. Iberismo. Portugal. Europa.
OS CRAVOS D’A NOITE: TEATRO, POLÍTICA E IDEOLOGIA EM JOSÉ
SARAMAGO
Carolina Lopes Batista
UFRJ - Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas
RESUMO
Em 1974, uma revolução militar e civil estourou em Portugal, fazendo chegar ao fim
uma ditadura que durou quase 50 anos. Uma ditadura que começou e terminou sem Salazar,
mas que ficou conhecida como Salazarista. A festa e a alegria se alastraram pelo país e além-
mar, mas durou somente um ano, pois, em 1975, os cravos começaram a murchar: a revolução
deu uma guinada à direita, os militares começaram a tomar cada vez mais o poder e o cenário
nacional para o povo trabalhador continuou o mesmo. Eduardo Lourenço, em seu artigo “Dez
anos de literatura portuguesa (1974-1984): literatura e revolução” (1984) explica: “A
Revolução acelerara apenas a vertiginosa (embora sonâmbula) metamorfose de um povo
saindo do casulo provincial e rústico para o écran de uma civilização consumista sem
fronteiras” (p. 14). Cinco anos após a revolução de abril e quatro anos depois do início de sua
derrocada, José Saramago escreve sua primeira peça de teatro, A Noite, que trata, justamente,
da virada do dia 24 para o dia 25 de abril de 1974. O cenário é uma tipografia de um jornal e
os personagens são os seus trabalhadores. A equipe se divide entre esquerda, direita, centro e
um único personagem que fica a meio caminho da direita e do centro, em dúvida de qual
seguir. Enquanto a revolução não ocorre, as discussões giram em torno da função do jornal e
do jornalista e a censura – sobre as quais nos debruçaremos. Além disso, a partir de dois
livros de Raymond Williams (Keywords: a vocabulary of culture and society, de 1983, e
Marxismo e literatura, de 1979), procuraremos desenvolver uma discussão do que seria
cultura e ideologia para os personagens nas discussões levantadas – uma delas em um artigo
real, lida por um personagem fictício, em resposta a um artigo escrito anonimamente por
Saramago em sua época de jornalista do Diário de Lisboa. Para finalizar, buscaremos
responder uma questão levantada assim que nos deparamos com o tempo do enunciado e o
tempo da enunciação, separados por 5 anos: por que Saramago escreveu essa peça, cujo tema
é a Revolução dos Cravos da forma mais otimista e utópica possível, após o sentimento de
decepção que o resultado de tal movimento deixou em seus compatriotas? Para responder a
essa questão, nos apoiaremos de outros escritos de Saramago (tais como Levantado do chão,
Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis e suas outras peças) e de autores que
sobre ele escreveram. Ademais, para os outros pontos aqui levantados, utilizaremos, além dos
já citados Raymond Williams e Eduardo Lourenço, artigos de Teresa Cristina Cerdeira
(contidos em sua dissertação José Saramago – entre a história e a ficção: uma saga de
portugueses), Luiz Francisco Rebello (“Dez anos de literatura portuguesa (1974-1984): a
literatura teatral”), Theodor Adorno (“Engagement”) e Walter Benjamin (“O autor como
produtor”). Para as informações históricas, o livro Portugal: 50 anos de ditadura, de António
de Figueiredo, será de suma importância.
Palavras-chave: Saramago. Revolução dos Cravos. Teatro. A Noite. Ideologia. Cultura.
UMA LEITURA DA PAISAGEM EM LEVANTADO DO CHÃO,
DE JOSÉ SARAMAGO
Mariana Motta Campinho Cardoso
UFF- Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
RESUMO
Há alguns séculos, Camões escreveu a grande epopeia portuguesa. Uma das mais
conhecidas obras de expressão dessa língua, Os Lusíadas narra a expansão marítima dos
portugueses, no século XV. Muitos anos depois, durante a ditadura Salazarista, essa glória foi
exaltada incansavelmente pelo Estado para que o povo português sentisse orgulho de si.
Aspecto este muito típico das ditaduras: recuperar um nacionalismo pautado em uma suposta
“glória” da nação. O fato é que Portugal tem, desde sempre, uma relação íntima com o mar.
Tal intimidade é retratada das mais diversas formas na literatura, ao longo dos tempos. O
escritor José Saramago também conquistou o seu espaço na história literária e é conhecido
hoje como um dos maiores. Ele também é conhecido por imprimir em sua obra traços
ideológicos que marcam, de forma bastante contundente, o seu posicionamento político. A
partir do resgate da História Oficial e dos mitos bíblicos, por exemplo, o autor constrói o seu
tecido ficcional de modo a levar o leitor a se perguntar a respeito da veracidade dos discursos
oficiais. Saramago escreveu, então – não à semelhança de Camões –, a sua epopeia
portuguesa. Dessa vez, não há Vasco da Gama, Ilha dos amores ou ninfas. Dessa vez, o
protagonista é o povo português, mais precisamente o trabalhador do latifúndio alentejano,
sujeito muitíssimo explorado em todos os tempos e, ainda mais, nos anos em que Portugal
esteve sob ditadura. Em Levantado do Chão (1980), Saramago narra a saga de quatro
gerações da família Mau-Tempo, que representa a duradoura história da opressão sofrida
pelos trabalhadores do latifúndio. Narra, aliás, o processo de aquisição de uma consciência
ideológica protagonizado por esses trabalhadores que culmina no 25 de abril de 1974, a
conhecida Revolução dos Cravos. Em vez de conquistar o mar, os portugueses conquistam as
terras ao “levantarem-se” do chão. Levantado do Chão se enquadra no grupo de obras pós-
revolucionárias que retratam o período Salazarista. E Saramago o faz de um modo todo
próprio, em um romance polifônico, através de vários discursos articulados. Ademais, dessa
vez o foco narrativo é quem antes esteve à margem da História. O romance em questão traz à
tona discursos totalizantes que contribuíram para a manutenção de estruturas de poder e de
opressão. O autor remonta ao passado histórico recente e expõe situações que fazem parte de
uma memória compartilhada: isto é, quem é que, na sociedade portuguesa, não se recorda dos
longos anos de opressão sob a ditadura salazarista? O romance discute então os danos
causados a mais fraca esfera da população, esta da periferia: os trabalhadores e os pobres, em
geral. Nesse sentido, o presente trabalho propõe a reflexão acerca do caráter crítico da obra
Levantado do Chão, de José Saramago, que compõe o grupo de obras pós-revolucionárias que
contribuem para o resgate da memória dos anos de exceção em Portugal. Essa análise partirá
da leitura da paisagem que é retratada no texto de modo a contribuir para a composição de
uma atmosfera opressora e desigual. O horizonte do narrador, analisado à luz da teoria de
Michel Collot e de Paul Ricoeur, é fundamental para a compreensão de aspectos do tecido
ficcional.
Palavras-chave: José Saramago. História. Neorrealismo. Paisagem.
A PRESENÇA DA LINGUAGEM EM JOSÉ SARAMAGO
Naiara Martins Barrozo
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
RESUMO
Meu objetivo nesta comunicação é trazer à tona a existência de um pensamento sobre a
linguagem na obra de José Saramago. Para empreender do melhor modo possível esta tarefa
dentro dos limites temporais de uma comunicação, minha proposta é observar especificamente
“As intermitências da morte”, romance publicado em 2005. O pressuposto teórico de que parto
é o conceito de crítica de arte imanente apresentado por Walter Benjamin em seus textos de
juventude, para quem a crítica deve ter como ponto de partida elementos oferecidos pelo
próprio objeto para empreender sua análise, em geral, elementos extremos que chamam a
atenção do leitor e que se relacionam entre si constelativamente, delineando um sentido. Esses
elementos devem ser acolhidos como guias para o leitor que quiser percorrer os caminhos da
obra. A escolha pelo romance de 2005 respeita este pressuposto teórico. Desde seu início, o
texto oferece um elemento bastante peculiar que não deve ser ignorado a quem busca ouvir a
obra. Trata-se da epígrafe: “Pensa por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade que
não tivesse de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da linguagem”.
Inicialmente, ela mostra a existência de uma relação necessária entre a morte (protagonista do
enredo ) e a linguagem. Esta relação se aprofunda quando percebemos que ele inscreve um
personagem real da história do pensamento na malha ficcional de seu romance, e não é um
personagem qualquer – trata-se de um filósofo importante especialmente no que diz respeito ao
pensamento ocidental sobre a linguagem, Wittgenstein. Em seu trabalho de 1953, Investigações
filosóficas, ele se ocupa sobretudo da linguagem da vida cotidiana. Na apresentação da tradução
brasileira, Emmanuel Carneiro Leão se refere à linguagem exposta por Wittgenstein de um
modo que permite intuir algo do motivo de sua referência no romance. Ele afirma que “A
linguagem real da vida não considera apenas as estruturas lógicas que se podem ordenar com
perfeição e transparência. A linguagem real da vida se mantém sempre em aberto e abrindo-se
para usos sempre novos e jogos em contínua reformulação. A fonte da vida histórica dos
homens é o caos, no sentido originário da palavra grega. (...) A palavra ‘caos’ tem o mesmo
radical do verbo chasko, que nos remete para a experiência de manter-se continuamente
abrindo-se, de estar, portanto, sempre em aberto. A linguagem real da vida cotidiana é este
poder inaugural do caos, o poder em si indeterminado e indeterminável de toda determinação e
indeterminação. (...) Nas Investigações, a linguagem se torna mais elástica e compreensiva e o
pensamento se transforma cada vez mais em atividade de diferenciar padrões de comportamento
sem propósito lógico ou teórico de combinação. Trata-se de aprendizagem, a aprendizagem de
ver novos modos de ver”. Ao que parece, Saramago assimila esta característica da linguagem
real da vida cotidiana em sua narrativa como linguagem de construção poética quando cria o
universo particular de As intermitências, cujo fundamento é exatamente a (re) criação do
necessário e do contingente. Ele faz isso ao subverter a ordem do mundo humano naquele que
é um de seus aspectos essenciais: a morte se torna contingente, e a vida, necessária.
Palavras-chave: Morte. Linguagem. José Saramago.