Psicólogos Sociais Em Uma Instituição Pública de As

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CARMEM MAGDA GHETTI SENRA Psicólogos sociais em uma instituição pública de Assistência Social: analisando estratégias de enfrentamento PUC-CAMPINAS 2009

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TESE

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  • CARMEM MAGDA GHETTI SENRA

    Psiclogos sociais em uma instituio pblica de Assistncia Social: analisando estratgias de

    enfrentamento

    PUC-CAMPINAS 2009

  • CARMEM MAGDA GHETTI SENRA

    Psiclogos sociais em uma instituio pblica de Assistncia Social: analisando estratgias de

    enfrentamento

    Tese apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Psicologia do Centro de Cincias da Vida da PUC-Campinas, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Doutor em Psicologia: rea de concentrao Psicologia como Profisso e Cincia.

    Orientadora: Prof. Dra. RAQUEL SOUZA LOBO GUZZO

    PUC-CAMPINAS 2009

  • Ficha Catalogrfica Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e

    Informao - SBI - PUC-Campinas

    t302 Senra, Carmem Magda Ghetti. S478p Psiclogos sociais em uma instituio pblica de Assistncia Social: analisando estratgias de enfrentamento / Carmem Magda Ghetti Senra. - Campinas: PUC- Campinas, 2009. 251p.

    Orientadora: Raquel Souza Lobo Guzzo. Tese (doutorado) Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Centro de Cincias da Vida, Ps-Graduao em Psicologia. Inclui anexos e bibliografia.

    1. Psiclogos sociais. 2. Assistncia social. 3. Problemas sociais. 4. Comunida- des sociais. 5. Bem estar social. I. Guzzo, Raquel Souza Lobo. II. Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Centro de Cincias da Vida. Ps- Graduao em Psicologia. III. Ttulo.

    22ed. CDD t302

  • CARMEM MAGDA GHETTI SENRA

    Banca Examinadora

    ______________________________________________________

    Prof. Dra. Soraia Ansara

    Prof. Dra. Telma Regina de Paula Souza

    Prof. Dra. Luciana Guida Gurgel Siqueira

    Prof. Dr. Mauro Martins Amatuzzi

    ______________________________________________________

    Presidente: Prof. Dra. Raquel Souza Lobo Guzzo

    Aprovado em: ____/ ____/ ________

    PUC-Campinas 2009

  • iv

    DEDICATRIADEDICATRIADEDICATRIADEDICATRIA

  • v

    Aos meus filhos Mateus e Carolina, por me

    ensinarem a superar tantos limites no cotidiano de

    me de gmeos, esposa, mulher, funcionria

    pblica e estudante de ps-graduao.

  • vi

    AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS

  • vii

    A trajetria de construo do presente estudo foi marcada por eventos muito significativos (ser me de gmeos e mudar de orientador) e por isso gostaria de agradecer em especial:

    Prof. Raquel, por me acolher em um momento delicado da minha produo de conhecimento, pelos incentivos no trabalho rduo para concluso desse estudo. A convivncia com voc s me faz crescer!

    Ao Prof. Fernando, pelos ensinamentos na minha formao em pesquisa qualitativa e pela oportunidade de dilogo sempre aberta.

    Ao Marciano, pelo apoio INCONDICIONAL em todos os momentos. Meu amor por voc s aumenta!

    Aos meus pais, Helio e Therezinha, pelo amor e admirao que nutrem por mim.

    Marli e Juliana, pelo carinho com que cuidam dos meus filhos e da minha casa. A confiana em vocs foi fundamental para prosseguir no meu caminho profissional.

    amiga Maria Regina, sempre presente fortalecendo a nossa amizade.

    Aos amigos, Regina, Rodrigo, Cludia e der por nos acolherem em suas famlias. Amamos vocs!

    Ao Grupo de Pesquisa da prof. Raquel, em especial Adinete e Toninho, companheiros de estgio docncia, pela acolhida no momento da minha transio.

  • viii

    Marg, coordenadora do DAS-Sul, por oportunizar e defender a minha ausncia, valorizando sempre a minha presena.

    s companheiras de trabalho do CRAS Bandeiras, por acompanharem com muito respeito cotidianamente a minha labuta.

    Tambm gostaria de registrar um agradecimento:

    CAPES, pela financiamento desta pesquisa.

    s funcionrias da Secretaria de Ps-Graduao em Psicologia pela ateno dispensada durante estes anos de estudo.

  • ix

    LISTA DE ABREVIATURAS

    CFP- Conselho Federal de Psicologia

    CRAS- Centro de Referncia de Assistncia Social

    CREAS- Centro de Referncia Especializado da Assistncia Social

    CSAF- Coordenadoria Setorial de Apoio Famlia

    CSPSB Coordenadoria Setorial de Proteo Social Bsica

    CSGIIS- Coordenadoria Setorial de Gesto e Integrao de

    Informaes Sociais

    DOAS- Departamento de Operaes de Assistncia Social

    IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IBOPE- Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica

    LOAS- Lei Orgnica de Assistncia Social

    MDS- Ministrio do Desenvolvimento Social

    NOB- Norma Operacional Bsica

    ONG- Organizao no-governamental

    PAIF- Programa de Ateno Integral Famlia

    PGRFM- Programa de Garantia de Renda Familiar Mnima

    PMAS- Plano Municipal de Assistncia Social

    PNAS- Poltica Nacional de Assistncia Social

    SAF- Servio de Ateno Famlia

    SUAS- Sistema nico de Assistncia Social

  • x

  • xi

    RESUMO

    Senra, C.M.G. (2009). Psiclogos sociais em uma instituio pblica de Assistncia Social: analisando estratgias de enfrentamento. Tese de Doutorado. Centro de Cincias da Vida. Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Campinas, 251 p.

    Este estudo teve como objetivo estudar as estratgias de enfrentamento (individuais e/ou coletivas) que buscam minimizar e/ou superar os impactos prejudiciais ao desenvolvimento das aes dos psiclogos em uma instituio pblica no campo da Assistncia Social,

    na perspectiva da teoria da subjetividade de Gonzalez Rey e da Psicologia da Libertao de Martin-Bar. Utilizamos a Epistemologia

    Qualitativa proposta por Gonzalez Rey na anlise de fontes

    documentais e de registros de dirios de campo. A anlise das

    informaes indicou uma predominncia em estratgias de

    enfrentamento individuais e uma potencialidade nas poucas estratgias

    coletivas existentes, indicando a capacidade de ruptura quando, na

    atuao dos profissionais, h articulao entre aspectos tcnicos,

    coletivos e polticos. Apontaram ainda para a importncia de processos

    de fortalecimento dos profissionais, enquanto sujeitos da prtica profissional e de outros estudos que enfoquem a atuao do psiclogo

    no campo da Assistncia Social, em uma perspectiva de transformao

    social.

    Palavras-chave: psiclogos sociais; estratgias de enfrentamento;

    Assistncia Social; fortalecimento.

  • xii

    ABSTRACT

    Senra, C.M.G. (2009). Social psychologists in a public institution of Social Welfare: examining strategies for coping. Doctoral Thesis. Lifes Sciences Center. Pontifical Catholic University of Campinas. Campinas, 251 p.

    This study aimed to investigate the coping strategies (individual and / or collective) seeking minimize and / or overcome the damaging impacts the development of the actions of psychologists in a public institution in

    the field of Social Welfare, in view of the theory of subjectivity Gonzalez Rey and the Psychology of Liberation of Martin-Bar. We use the

    Epistemology Qualitative proposed by Gonzalez Rey in the analysis of

    source documents and records of daily camp. The analysis indicated a

    predominance of information on coping strategies for individual and a

    great potential in the few existing collective strategies, indicating the

    ability to collapse when, in the performance of professionals, there are

    links between technical, political and collective. Also pointed to the

    importance of strengthening procedures for professionals, while subject of professional practice and other studies that focus the work of a

    psychologist in the field of Social Welfare, in a perspective of social

    transformation.

    Keywords: social psychologists; coping strategies; Social Welfare;

    strengthening.

  • xiii

    RESUMEN

    Senra, C.M.G. (2009). Psiclogos sociales en una institucin pblica de Asistencia Social: anlisis de estrategias de enfrentamiento. Tesis de Doctorado. Centro de Ciencias de la Vida. Pontificia Universidad Catlica de Campinas. Campinas, 251 p.

    El objetivo de este estudio fue investigar las estrategias de enfrentamiento (individuales y / o colectivas) que buscan minimizar y / o superar los efectos perjudiciales en el desarrollo de las acciones de los psiclogos en una institucin pblica en el mbito de la Asistencia

    Social desde la perspectiva de la teora de la subjetividad de Gonzlez Rey y la Psicologa de la liberacin de Martn-Bar. Usamos la

    epistemologa cualitativa propuesta por Gonzlez Rey en el anlisis de

    los documentos y registros del diario de campo. El anlisis de las

    informaciones indica predominio de informacin sobre estrategias de

    enfrentamiento individuales y potencialidad en las pocas estrategias

    colectivas existentes, indicando capacidad de ruptura cuando, en al

    actuacin de los profesionales, existe articulacin entre aspectos

    tcnicos, colectivos y polticos. Tambin se destac la importancia de

    fortalecer a los profesionales, como sujetos de prctica profesional, y la necesidad de otros estudios que se centren en la labor del psiclogo en

    el mbito de la Asistencia Social, en una perspectiva de transformacin

    social.

    Palabras clave: psiclogos sociales, estrategias de enfrentamiento;

    Asistencia Social; fortalecimiento.

  • xiv

    SUMRIO

    ndice de quadros............................................................................................................xvi ndice de anexos ...........................................................................................................xvii Apresentao .............................................................................................................xviii

    Justificativa....................................................................................................................xx

    Captulo I - Fundamentao Terica ...........................................................................34

    1- Polticas Pblicas de Assistncia Social................................................................35

    1.1- Contextualizao das polticas sociais..........................................................36

    1.2- Breve panorama da Assistncia Social no Brasil: cenrio de

    desigualdades.................................................................................................................42

    1.3- Sistema nico de Assistncia Social- SUAS: momento atual.................................................................................................................................46

    1.4- Implementao do SUAS em Campinas.......................................................51

    2- Assistncia Social e Psicologia...............................................................................59

    2.1- Insero da Psicologia na Assistncia Social...............................................59

    2.2- O psiclogo no SUAS: cenrio atual.............................................................64

    2.3- Compromisso social da Psicologia................................................................68

    3- Analisando estratgias de enfrentamento..............................................................74

    3.1- Marcas da impotncia e do fatalismo no cotidiano de trabalho dos

    psiclogos........................................................................................................................74

    3.2- O psiclogo enquanto sujeito de sua prtica profissional e o fortalecimento dos trabalhadores sociais................................................................................................80

  • xv

    Objetivos...............................................................................................................90 Captulo II - Metodologia ..............................................................................................92

    1-Caracterizao do contexto da pesquisa..........................................................95

    2- Caracterizao dos participantes...................................................................103

    3- Fontes de dados.............................................................................................105

    4- Procedimentos ...............................................................................................110

    Captulo III - Construo da Informao...................................................................116

    1-Estratgias de enfrentamento: desarticulao entre os profissionais e

    posicionamento dos gestores da Assistncia Social..............................................119

    1.1- Estratgias de enfrentamento individuais.........................................120

    1.2- Estratgias de enfrentamento coletivas............................................130

    1.3- Encapsulamento dos profissionais e das equipes............................134

    1.4- Posicionamento dos representantes da Secretaria..........................137

    2- Compreenso dos psiclogos acerca do seu papel profissional na

    Assistncia Social......................................................................................................142

    2.1- Avanos e desafios nas proposies oficiais acerca do papel do

    psiclogo.......................................................................................................................142

    2.2- Praticismo: o psiclogo como executor das polticas pblicas ......149

    2.3- Dimenso poltica da atuao do psiclogo.....................................155

    3-Transformao social e modelos de interveno do psiclogo no

    CRAS............................................................................................................................162

    Captulo IV Consideraes finais............................................................................171

    Referncias Bibliogrficas ............................................................................................185

    Anexos...........................................................................................................................194

  • xvi

    NDICE DE QUADROS

    Quadro 1. Documentos selecionados para a anlise ...............................................107

    Quadro 2. Distribuio dos dirios de campo ...........................................................109

  • xvii

    NDICE DE ANEXOS

    ANEXO 1 Termo de Autorizao para realizao da pesquisa

    ANEXO 2 Protocolo de anlise dos dirios de campo

    ANEXO 3 Protocolo de anlise dos documentos

    ANEXO 4 Protocolo de anlise do Material Transcrito do Anexo IV (MT) da dissertao Sentidos subjetivos da prtica profissional de psiclogos comunitrios num espao institucional

    ANEXO 5 Dirios de Campo

  • xviii

    APRESENTAO

    Esta pesquisa pretendeu dar continuidade ao estudo realizado em

    minha dissertao de Mestrado (Senra, 2005), a partir de questionamentos que envolvem a prtica profissional de psiclogos

    inseridos em uma instituio pblica no trabalho comunitrio na rea de

    Assistncia Social. Para tanto, buscou enfocar a anlise de estratgias de

    enfrentamento das dificuldades encontradas no cotidiano de atuao dos

    profissionais, na perspectiva de fortalecimento dos profissionais e de

    potencializao das aes por eles desenvolvidas.

    O contexto atual de implantao do Sistema nico de Assistncia Social SUAS abordado, tendo em vista as repercusses dessas

    alteraes para a prtica profissional dos psiclogos inseridos nos

    Centros de Referncia da Assistncia Social CRAS.

    Desta forma, o presente estudo est organizado em quatro

    captulos. O primeiro encontra-se organizado em trs principais tpicos,

    inicialmente realizada uma contextualizao das polticas pblicas de

    Assistncia Social at o seu momento atual de implementao do

    Sistema nico de Assistncia Social, aproximando o olhar para o cotidiano de atuao dos psiclogos e trabalhadores sociais no municpio

    de Campinas.

    Na seqncia abordada a insero da Psicologia no campo da

    Assistncia Social articulada com a discusso do compromisso social

    defendido pela Psicologia.

    No tpico seguinte propomos uma definio e anlise das

    estratgias de enfrentamento das dificuldades construdas pelos

  • xix

    psiclogos na atuao neste contexto. Assim, delimitamos os fenmenos

    do fatalismo e da impotncia como um dos principais marcos na prtica

    dos profissionais na Assistncia Social e buscamos uma interlocuo com

    a teoria da subjetividade de Gonzalez Rey e a psicologia da libertao de Martin-Bar, na proposio de enfrentamento e superao desta

    condio. O conceito de fortalecimento proposto por Montero constitui

    uma categoria fundamental nessa perspectiva. Em seguida, ainda nesse

    captulo so apresentados os objetivos da pesquisa. O segundo captulo apresenta a escolha metodolgica, com a

    caracterizao do contexto de pesquisa e dos participantes, com a

    definio das fontes de dados e dos procedimentos para a realizao da

    pesquisa.

    A construo da informao constitui o terceiro captulo, em que

    apresentamos e discutimos as principais anlises da pesquisa.

    Por fim, no quarto captulo so apresentadas as consideraes

    finais e finalmente so apresentadas as referncias bibliogrficas e os

    anexos.

  • xx

    JUSTIFICATIVA

    Uma pesquisa abre novos campos de idias e informaes, nova

    possibilidade de produo de conhecimento e novos questionamentos

    sobre uma determinada realidade. Por isso, a partir de minha

    dissertao de Mestrado Sentidos subjetivos da prtica profissional de psiclogos comunitrios num espao institucional (Senra, 2005) que delineamos as questes para o presente estudo, que reflete tambm uma

    prtica profissional de dez anos na rea da Assistncia Social.

    Trabalho na Secretaria de Assistncia Social1 do municpio de

    Campinas desde julho de 1997, como psicloga concursada. Ao longo deste tempo atuei no Programa de Garantia de Renda Familiar Mnima -

    PGRFM por um ano (1997 a 1998), no Servio de Ateno Famlia - SAF por cinco anos (1998 a 2003) e desde ento na Coordenadoria Regional de Assistncia Social SUL CRAS- Sul.

    Minha atuao no Programa de Garantia de Renda Familiar Mnima-

    PGRFM marca o incio de minha prtica profissional, uma vez que era

    recm-formada (1996) em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi meu primeiro contato com a realidade da pobreza enquanto

    profissional.

    O PGRFM2 foi implantado em maro de 1995 pelo governo do

    prefeito Jos Roberto Magalhes Teixeira, do Partido Social Democrata

    1 Desde 2005, denomina-se Secretaria Municipal de Cidadania, Trabalho, Assistncia e Incluso Social. Em

    1993 se chamava Secretaria de Promoo Social; em 1994 era Secretaria da Famlia, Criana e Adolescente e Ao Social; e, em 1998 se chamava Secretaria Municipal de Assistncia Social (Hirata, 2006). No presente texto optamos , por razes de simplificao, em nomear somente por Secretaria de Assistncia Social

    2 Lei n 8261 de 06/01/1995.

  • xxi

    Brasileiro (PSDB), que tinha como prioridade a implantao da rede municipal de proteo criana e ao adolescente preconizada no

    Estatuto da Criana e do Adolescente e o sistema descentralizado e

    participativo, conforme determina a Lei Orgnica de Assistncia Social

    (Hirata, 2006). O PGRFM em Campinas estava baseado no repasse de subsdio

    financeiro para as famlias3, que em contrapartida participavam

    mensalmente de grupos scio-educativos desenvolvidos por uma dupla

    de psiclogo e assistente social. O acompanhamento psicossocial4

    abrangia tambm atendimentos individuais e entrevistas domiciliares e

    cada dupla acompanhava cerca de 225 famlias, distribudas em 15

    grupos compostos de 15 representantes de famlias. De forma marcante,

    este modelo influenciou o atendimento da Assistncia Social no

    municpio.

    Durante minha experincia no PGRFM no atuei em dupla com

    assistente social, pois no havia a possibilidade de contratao deste

    profissional naquele perodo. A mudana para o Servio de Ateno

    Famlia SAF ocorreu, por minha escolha, com a abertura de vagas de

    remanejamento dentro da Secretaria de Assistncia Social. A experincia no PGRFM despertou o interesse em um trabalho estreito com as

    famlias, rotuladas como mais complicadas, na busca da oportunizao

    de espaos de dilogo e de potencializao destas pessoas.

    3Os critrios definidos em 1995 eram: famlias pobres, com filhos de zero a 14 anos, residentes em Campinas h 02 anos e renda per capit inferior ao valor de R$35,00 (trinta e cinco reais). Alteraes na lei em 1998 e 1999 modificaram o limite de idade de 14 para 16 anos, o tempo de moradia para 04 anos e o valor da per capita, que ainda no foi implementado.

    4 O termo psicossocial empregado pela Secretaria de Assistncia Social limita-se ao acompanhamento em

    conjunto pelo psiclogo e pelo assistente social.

  • xxii

    Muitas famlias atendidas pelo SAF haviam vivenciado o processo

    de abrigamento dos filhos ou perda dos mesmos para adoo, o que lhes

    infligia marcas profundas. Alm disso, outras se organizavam em

    configuraes familiares que fugiam aos padres esperados pela

    sociedade e que exigiam novas formas de compreenso e de interveno.

    Observava a importncia do investimento no resgate da histria destas

    famlias e do fortalecimento de seus vnculos familiares e comunitrios

    para a ruptura de relaes violentas e de culpabilizao das famlias pelos

    profissionais.

    O SAF foi criado em 1993 para o atendimento s famlias com

    graves conflitos em sua dinmica familiar, como drogadio, violncia

    domstica, entre outros. Era um servio centralizado5 e que, portanto,

    atendia toda a cidade. As famlias eram encaminhadas pelo Conselho

    Tutelar, pela Vara da Infncia e Juventude e pelos programas da

    Secretaria de Assistncia Social. O modelo de atendimento psicossocial

    j era desenvolvido no SAF e o atendimento era realizado tambm em grupos e em atendimentos individuais e domiciliares. Em minha trajetria profissional esta experincia constituiu fonte de intenso crescimento

    profissional e pessoal. Aprendi com os profissionais com quem trabalhei,

    mas, sobretudo com as famlias atendidas.

    A partir de 2002, contudo, ocorreram mudanas na configurao do

    atendimento na Secretaria, implantadas pelo governo do Partido dos

    Trabalhadores e em consonncia com o Plano Municipal de Assistncia

    Social PMAS (2002-2005) que apontava como diretrizes norteadoras: o

    5 Os servios centralizados atendem toda a cidade e demandas especficas como o abrigo para crianas, o

    servio de acolhimento familiar, albergue, servio para moradores de rua, entre outros.

  • xxiii

    trabalho em rede, a participao popular/ participao do usurio e aes

    de preveno/ inverso de prioridades (Campinas, 2002). Assim, o Programa Renda Mnima sofreu alteraes que incluram a

    extino dos grupos scio-educativos e conseqentemente o trmino da

    obrigatoriedade de comparecimento das famlias aos grupos. Estas

    mudanas estavam baseadas em crticas relacionadas concepo do

    Programa em Campinas, envolvendo uma discusso a respeito dos

    programas de transferncia de renda, do impacto para as famlias e

    crticas realizadas pelos prprios profissionais (Campinas, 2003a). Desta forma, os profissionais do Programa Renda Mnima em

    Campinas, a partir de 2002, passaram a compor a equipe da Ao

    Comunitria, aes que compunham o eixo Novas relaes comunitrias

    trabalho em rede/ sistema descentralizado e participativo de Assistncia

    Social (PMAS 2002-2005), cujos principais objetivos eram a construo do trabalho em rede e da intersetorialidade e o fortalecimento das

    relaes comunitrias e autonomia das famlias e a valorizao de

    vivncias coletivas (Campinas, 2002). Em 2003, com a extino do Servio de Ateno Famlia, seus

    profissionais foram alocados nas Coordenadorias Regionais de

    Assistncia Social-CRAS, com a transferncia do atendimento realizado

    para as equipes das cinco regies da cidade, que nesta ocasio

    desenvolviam seus trabalhos e projetos na Ao Comunitria. Minha transferncia para a Coordenadoria Regional de Assistncia

    Social SUL ocorreu de forma compulsria aps a extino do SAF em

    2003, ainda na gesto do Partido dos Trabalhadores. Embora

  • xxiv

    concordasse com a extino do Servio, no houve a possibilidade de

    escolha do novo local de trabalho. Passei, assim, a integrar a equipe de

    Ao Comunitria da regio Sul, dando continuidade ao atendimento s

    famlias, mas de forma descentralizada e com foco em uma determinada

    microrregio. Tais alteraes seguiam as diretrizes do projeto de governo ento vigente e do PMAS (2002-2005). Para a Psicologia, a implantao do Programa de Garantia de

    Renda Familiar Mnima em Campinas, significou a abertura de novos

    campos de trabalho e maior insero no Poder Pblico. Em 1996, houve a

    contratao de assistentes sociais e psiclogos por meio de concurso

    pblico para composio das equipes do PGRFM e outros Servios da

    Secretaria de Assistncia Social. Houve o ingresso de 20 psiclogos para

    atuao nas cinco regies da cidade (norte, sul, leste, sudoeste e noroeste). A atuao do psiclogo no setor pblico no municpio at ento era muito restrita rea da Sade (atendimento clnico nos Centros de Sade). A Psicologia, no entanto estava presente anteriormente na

    Secretaria de Assistncia Social, porm de forma muito discreta e com

    atuao em programas especficos, como por exemplo, no abrigo

    municipal para crianas e adolescentes.

    Campinas e Distrito Federal foram pioneiros na implantao do

    Programa no pas e muitos programas implementados basearam-se no

    modelo campineiro (Hirata, 2006; p.35). Esta insero dos psiclogos trouxe consigo muitas dificuldades e muitos desafios, relacionados

    principalmente prtica profissional e prpria formao em Psicologia,

  • xxv

    historicamente com pouca nfase em Psicologia Social, privilegiando uma

    formao elitista em clnica (consultrios particulares). Neste perodo, os profissionais do PGRFM contavam com espaos

    mensais de superviso dos atendimentos e de integrao das equipes.

    Os profissionais que fizeram parte desta histria contriburam para a

    construo do lugar do psiclogo no cenrio da Assistncia Social, com

    questionamentos a respeito do papel do psiclogo e das caractersticas

    de sua atuao.

    Uma das principais dificuldades apontadas pelos profissionais da

    Secretaria de Assistncia Social, tanto psiclogos como assistentes

    sociais, refere-se justamente a estas mudanas que ocorrem de acordo com o grupo poltico que se encontra no governo municipal,

    predominando questes polticas (partidrias) e administrativas no desenvolvimento das aes (Senra, 2005).

    Projetos e programas so encerrados obedecendo a interesses poltico partidrios, com pouca implicao dos profissionais responsveis

    pelo desenvolvimento das aes. Na maioria das vezes, o trabalho

    desenvolvido encerrado e a experincia, quer seja em seus aspectos positivos e/ou negativos, descartada para posteriormente em algumas

    situaes ser retomada uma ao semelhante, desconsiderando, contudo

    a experincia anterior.

    importante observar que a Assistncia Social vem se consolidando enquanto poltica pblica situada em dois principais marcos. A

    Constituio Federal de 1988 em seu artigo 203 determina:

    A Assistncia Social ser prestada a quem dela necessitar,

    independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos: I- a

  • xxvi

    proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice; II- o

    amparo s crianas e adolescentes carentes; III- a promoo da integrao ao

    mercado de trabalho; IV- a habilitao e a reabilitao das pessoas portadoras de

    deficincia e a promoo de sua integrao vida comunitria; V- a garantia de

    um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora de deficincia e ao

    idoso que comprovem no possuir meios de prover a prpria manuteno ou de

    t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei (Brasil, 1988).

    A Lei Orgnica de Assistncia Social (LOAS-1993) regulamenta a Constituio e traz a concepo de Assistncia Social como poltica social

    pblica (Braslia, 2004). A Constituio delimita o mbito das aes da Assistncia Social,

    restringindo-as a determinados segmentos populacionais (a quem dela necessitar) (Campinas, 2002). Por sua vez, a LOAS tem como um de seus princpios a universalizao dos direitos sociais.

    Os avanos, portanto, so necessrios, decorrentes do processo de

    discusso na rea. Isto traz, porm, implicaes diretas quanto

    necessidade de mudanas no desenvolvimento das aes de acordo com

    as diretrizes da poltica pblica.

    Contudo, mais que as mudanas polticas, a forma como as

    alteraes so implantadas produzem reflexos na ao dos profissionais,

    com posturas diferenciadas no enfrentamento dos desafios da prtica

    profissional na Assistncia Social neste contexto.

    Em minha dissertao de Mestrado (Senra, 2005) relato os diferentes sentidos subjetivos para os psiclogos inseridos em uma mesma prtica profissional. Observo assim, profissionais que assumem

    uma postura de apatia e desnimo frente a estas mudanas constantes,

  • xxvii

    de acordo com os interesses polticos do grupo que se encontra no poder.

    Outros adotam uma postura de alienao, acrtica da realidade, em que

    paralisam o investimento em novas aes e submetem-se muitas vezes a

    um praticismo, o cumprir tarefas sem questionamentos. H ainda aqueles

    que adoecem, so afastados de seu cotidiano de trabalho, outros que

    assumem uma postura fatalista diante de questes estruturais da nossa

    sociedade. E ainda aqueles que buscam estratgias de defender

    princpios mais claros de avaliao e de continuidade de seus projetos e atendimentos, preservando a capacidade criativa mesmo em um cenrio

    adverso de prtica profissional.

    Segundo Gonzalez Rey (2004a, p.149): o indivduo em sua vida social tem duas opes: subordinar-se s vrias

    ordens que caracterizam a institucionalizao dos espaos em que se desenvolve

    ou gerar alternativas que lhe permitam opes dentro de sua socializao nesses

    espaos.

    As diferentes formas de encarar o cotidiano de trabalho constituem

    para mim fonte de questionamentos acerca das possibilidades de

    enfrentamento da realidade adversa do cotidiano de atuao e da

    definio de posturas muitas vezes contraditrias em uma mesma

    realidade de prtica profissional. Ademais, o interesse tambm se volta

    para a possibilidade de fortalecimento e potencializao de caractersticas

    que apontam para a busca de superao das dificuldades e para o

    incremento da crtica e do questionamento da atuao, por meio do

    debate coletivo. Entendo, no entanto, que independente do impacto

    produzido nos profissionais h sempre um posicionamento poltico

  • xxviii

    assumido pelos mesmos, pois como afirma Contini (2003, p.307) no existe uma prtica profissional neutra ou ingnua; existe sim, um projeto de sociedade que sustenta determinadas aes dentro de um contexto

    histrico. Sendo assim, mesmo os profissionais que pretendem manter-

    se distante do debate e do enfrentamento de idias esto, na verdade,

    reforando e perpetuando as relaes hegemnicas da sociedade.

    Os profissionais muitas vezes experimentam sentimentos

    contraditrios em sua prtica, baseados na percepo do papel que

    desempenham: servidor pblico, representante do Poder Pblico e

    representante da defesa dos direitos (no providos pelo Estado) da populao excluda socialmente. Montao (2006, p.142) explicita esta tenso ao afirmar que:

    as polticas sociais constituem instrumentos de interveno estatal

    funcionais ao ento projeto hegemnico do capital (produtivo), embora tensa e contraditoriamente representem conquistas das classes trabalhadoras e

    subalternas.

    Esta contradio vivenciada diretamente pelos profissionais e por

    isto reflete uma prtica profissional que essencialmente poltica

    (Montao, 2006). Entretanto, uma prtica sem este tipo de reflexo, a respeito do

    projeto profissional e da conjuntura atual da sociedade, torna-se alienada e descontextualizada da realidade de interveno da Assistncia Social.

    Neste sentido, segundo Montao (2006, p.145 ): A falta de viso de tal situao certamente vem para reforar (inclusive de

    forma inconsciente) a situao existente e os interesses das classes dominantes

  • xxix

    que (direta ou indiretamente) se apresentam como empregadoras do profissional).

    Os profissionais, contudo, sempre apontaram a ausncia de

    espaos coletivos para reflexo dos aspectos relacionados prtica, com

    baixo investimento no trabalho de equipe e em capacitao profissional.

    Dessa forma, a tenso tambm existente entre psiclogos e

    assistente sociais no abordada e pode ser observada pelo conflito na

    definio de papis (limites e especificidades das atuaes) e no trabalho interdisciplinar.

    Luz (2006), em sua dissertao, destaca a formao clnica dos psiclogos e o elitismo como uma das dificuldades para o

    desenvolvimento das aes, mas pontua sobretudo as diferenas de

    viso de mundo e de valores entre os profissionais da Secretaria de

    Assistncia Social. Estas diferenas seriam geradoras de conflitos no

    cotidiano de trabalho. Gonzalez Rey (2004a, p.174) assinala que um dos maiores problemas das instituies atuais a impossibilidade de assimilar

    em sua riqueza as lgicas diferenciadas dos sujeitos que se integram a elas.

    Os profissionais sentem-se pouco valorizados independente da

    qualidade do trabalho desenvolvido e assumem uma postura de

    descrdito em relao s propostas institucionais. As propostas da

    Secretaria e da poltica pblica de Assistncia Social so tomadas como

    algo externo, pronto, imutvel totalmente dissociado dos profissionais e

    de seu cotidiano de atuao. H um esmaecimento de posicionamentos

  • xxx

    crticos e questionadores e uma desvinculao dos profissionais do

    debate e da elaborao de polticas pblicas.

    A insero da Psicologia na rea da Assistncia Social no setor

    pblico ainda recente no pas e traz inmeros desafios para a profisso.

    O rompimento com o elitismo profissional e uma formao mais

    contextualizada com a realidade da populao so alguns. A contradio

    do papel a ser desempenhado pelo psiclogo no servio pblico de

    assistncia social e a ausncia de debate e crtica a respeito desta

    atuao produzem reaes diversas no cotidiano da prtica profissional.

    Ao psiclogo no basta assumir um discurso de compromisso

    social, necessrio refletir sobre esta prtica social, seu carter poltico e

    desenvolver estratgias de interveno para alm dos modelos tericos

    tradicionais da Psicologia e que venham ao encontro das necessidades e

    demandas da populao socialmente excluda. necessrio buscar estratgias de enfrentamento com o objetivo de minimizar o impacto das mudanas polticas e das tenses existentes nesta atuao.

    neste cenrio que ocorre, a partir de 2005, a implementao do Sistema nico de Assistncia Social SUAS na Secretaria de Assistncia Social em Campinas. As equipes novamente passam por uma

    reestruturao do trabalho. Os profissionais das equipes da Ao

    Comunitria integram agora os Centros de Referncia de Assistncia

    Social CRAS6 e os Distritos de Assistncia Social7, no atendimento da

    proteo social bsica e especial, conforme preconiza o SUAS. Alm

    6 A sigla existente em Campinas (CRAS - Coordenadoria Regional de Assistncia Social) coincide com a

    proposta do SUAS.

    7 Seguem a nomenclatura da Secretaria Municipal de Sade, organizada em 05 Distritos, responsveis

    pelas unidades bsicas de sade.

  • xxxi

    disso, por opo dos gestores municipais, a equipe de profissionais do

    poder Pblico atua em parceria com profissionais contratados por

    ONGs para a execuo do principal programa do CRAS.

    Importa aqui destacar que o SUAS traz a necessidade de

    reorganizao das aes, no que concerne s diretrizes, concepes,

    localizao dos CRAS e formao das equipes. H um reordenamento de

    toda rede scio-assistencial do municpio (incluindo as organizaes no-governamentais) de acordo com a complexidade do atendimento. Algumas aes so, novamente, retomadas no planejamento do trabalho, como grupos scio-educativos e atendimento especializado s famlias.

    O SUAS representa uma conquista histrica, no sentido de

    organizao das aes da Assistncia Social, no entanto, este processo

    no pode estar descolado da realidade de quem o vivencia e o executa

    os trabalhadores sociais e no pode desconsiderar a trajetria do municpio nas polticas de Assistncia Social.

    Os profissionais da rea vivenciam diariamente as dificuldades no

    desenvolvimento das polticas pblicas e os desafios no enfrentamento

    excluso social, a que submetida a populao atendida. So o elo entre

    a poltica pblica e a populao. Do vida ou no ao planejamento das aes. Da, a importncia da implicao destes no processo de

    elaborao das polticas pblicas.

    A Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos do SUAS -

    NOB-RH/ SUAS (Brasil, 2006) aponta como uma das diretrizes para a gesto do trabalho: conhecer os profissionais que atuam na Assistncia

    Social, caracterizando suas expectativas de formao e capacitao para

  • xxxii

    a construo do SUAS. E ainda, assume como princpio que a qualidade

    dos servios socioassistenciais disponibilizados sociedade depende da

    estruturao do trabalho, da qualificao e valorizao dos trabalhadores

    atuantes no SUAS. (Braslia, 2006; p.12) O SUAS assume assim, como um de seus eixos estruturantes a poltica de recursos humanos.

    Acredito, portanto, que neste momento histrico de consolidao da

    poltica pblica de Assistncia Social seja imprescindvel olhar para os profissionais e qualificar o debate (postura crtica8) sobre a implementao do SUAS. Faz-se necessrio discutir o papel a ser

    desempenhado pelos psiclogos na execuo da poltica pblica de

    Assistncia Social e construir estratgias de interveno que

    institucionalmente fortaleam os profissionais para o debate e uma

    atuao mais comprometida com a populao.

    O psiclogo, enquanto profissional da Assistncia Social no setor

    pblico, deve posicionar-se como sujeito desta prtica, sendo necessrio assumir sua funo poltica e social. E, isto permeia no somente

    escolhas e posicionamentos individuais, mas a construo coletiva de um

    projeto profissional tico-poltico comprometido socialmente. Para tanto, espaos coletivos de debate no devem se limitar a

    questes operacionais, mas, devem enfrentar questes conceituais,

    conjunturais e dilemas/ contradies vivenciados pelos profissionais que viabilizem a articulao das equipes, visando o fortalecimento das aes

    desenvolvidas.

    8 Crtica em seu sentido etimolgico significa realizar um julgamento. Uma postura crtica parte do

    pressuposto de que todas as aes e todos os fenmenos possuem ao menos dois lados, (...) tudo contm sua contradio, a realidade de um fato ou fenmeno no se resume a um ponto de vista apenas (Guareschi, 2005, p. 15).

  • xxxiii

    O presente estudo busca trazer contribuies para a atuao dos

    psiclogos na Assistncia Social (hoje, no cenrio do SUAS), assim como para os demais profissionais da rea, refletindo sobre esta insero

    profissional, e buscando a elaborao de estratgias que fortaleam as

    equipes de trabalho, no sentido de superao dos momentos de

    turbulncia (mudanas polticas) e as adversidades do contexto e que possibilitem a construo de uma prtica mais prxima da populao e

    fortalecida em seus princpios e objetivos.

  • 34

    Captulo ICaptulo ICaptulo ICaptulo I

    Fundamentao TericaFundamentao TericaFundamentao TericaFundamentao Terica

  • 35

    As teorias no so reflexos, so produes humanas que nos permitem

    representaes possveis do real (Gonzalez Rey, 2005, p. 202)

    O presente captulo encontra-se organizado em trs eixos, que

    buscam contextualizar a prtica profissional do psiclogo no campo da

    Assistncia Social. Para tanto, a poltica social de Assistncia Social e a

    insero da Psicologia neste campo de atuao so abordados, situando

    o impacto das mudanas polticas para as equipes de profissionais

    (psiclogos) no cenrio atual da poltica de Assistncia Social, a implementao do Sistema nico de Assistncia Social. As estratgias de enfrentamento das dificuldades vivenciadas pelos profissionais so

    analisadas a partir dos principais fundamentos da Psicologia Social da

    Libertao.

    1. POLTICAS PBLICAS DE ASSISTNCIA SOCIAL

    A discusso sobre a poltica de Assistncia Social deve ser

    contextualizada com os processos histricos9 que envolvem as aes na

    rea. Para tanto, buscamos discutir o tema das polticas sociais, do que

    se trata e que tratamento tem recebido em nossa sociedade, com foco na

    rea da Assistncia Social, das polticas pblicas de Assistncia Social e

    do momento atual no Brasil de implementao do Sistema nico de Assistncia Social SUAS.

    9 Histrico uma qualidade dos fatos, aquela qualidade que me diz que todos os fatos so passageiros,

    temporais, transitrios, precrios, relativos, incompletos (Guareschi, 2005, p. 15).

  • 36

    O principal objetivo dos tpicos contextualizar de forma macro, numa perspectiva da sociedade em que vivemos (capitalista, neoliberal) e da realidade brasileira em relao s polticas de Assistncia Social e de

    forma local contextualizar a prtica profissional dos psiclogos na

    Assistncia Social, na perspectiva de abertura da reflexo e do debate

    acerca desta atuao.

    1.1- Contextualizao das polticas sociais

    Como ponto de partida necessrio esclarecer de que social

    estamos tratando. O termo usado muitas vezes, indiscriminadamente,

    para se referir a mltiplos aspectos e possui ampla utilizao na rea da

    Assistncia Social, referindo-se formao dos profissionais, do Servio

    Social e do psiclogo social (neste caso uma especializao do profissional10), mas tambm prpria prtica, sendo comuns referncias do tipo isto uma questo social e trata-se de uma demanda social e

    no de outra rea, como sade ou educao.

    Compreendemos que todo sujeito produzido em sua relao com os espaos sociais em que vive. Nesta perspectiva, o ser humano se

    constri e se constitui a partir das relaes que estabelece com as

    pessoas (Guareschi, 2002). Falar do social assim tratar de relaes entre as pessoas, pensar no ser humano (Guareschi, 2001) e dessa forma, o social permeia campos de atuao no restritivos Assistncia

    Social e pertence a toda prtica profissional do psiclogo em seus

    10 O Conselho Federal de Psicologia na resoluo n 5/2003 reconhece a Psicologia Social como uma

    especialidade em Psicologia.

  • 37

    diversos contextos, no somente no atendimento da populao

    pauperizada economicamente.

    Contudo, a relao intrnseca entre ser humano e os espaos sociais

    pode ser analisada em diferentes concepes ao longo da histria de

    nossa sociedade e revela assim, como o social tratado.

    Guareschi (2001) esclarece que existem diferentes concepes para o social relacionadas s vrias vises de mundo e que todos ns temos

    uma concepo de social e defendemos uma maneira de viver em grupo,

    que muitas vezes no pensada e refletida (Guareschi, 2001, p.65). A nossa cosmoviso sustentada por determinados valores que

    influenciam nosso comportamento e nossas condutas, tornando-se

    importante desvend-la.

    Esta reflexo possibilita tambm a compreenso das polticas

    pblicas, de seus objetivos e princpios em seu contexto histrico. Guareschi (2001) exemplifica como determinada cosmoviso do social implica em uma concepo de ser humano, que determina entendimentos

    muito contraditrios e diferenciados para a questo.

    O autor identifica trs tipos cosmovises principais. A cosmoviso

    liberal capitalista (descrita a seguir), a cosmoviso totalitria em que o ser humano parte de um todo, em que no interessa o ser humano em si, o

    que interessa o grupo, a organizao, a instituio, o partido, o estado

    (Guareschi, 2001, p.69), h uma reificao do social e a cosmoviso comunitrio-solidria em que o ser humano visto como relao, isto ,

    como pessoa. Para Guareschi (2001, p.72): Pessoa aquele que um, mas s pode ser, se tem outro, necessita de

    outro para poder ser. isso que relao. Relao aquilo pelo qual uma coisa

  • 38

    no pode ser, sem outra. Ns somos seres singulares, sim. Agora, a minha

    subjetividade, aquilo que me constitui, o mundo todo, so todos os outros todos.

    No campo da Assistncia Social, que tem como objetivo principal o trato das questes sociais, a reflexo quanto viso de mundo dos

    profissionais que atuam na rea torna-se imprescindvel. Esta influencia a

    relao estabelecida com a prtica, desde o posicionamento que assume

    (consciente ou no) em relao ao pensamento hegemnico em nossa sociedade e que se reflete diretamente em sua atuao cotidiana.

    Para a discusso da poltica pblica de Assistncia Social a reflexo

    a respeito da cosmoviso liberal capitalista, hegemnica em nossa

    sociedade fundamental.

    A cosmoviso liberal capitalista concebe o ser humano como

    indivduo, em uma dimenso daquele que um, mas no tem nada a ver

    com o outro (Guareschi, 2001). A competitividade configura-se como valor predominante na relao entre os indivduos. Contudo, ao longo de nossa

    histria, as relaes no foram sempre estabelecidas dessa forma,

    embora haja uma tendncia em naturalizarmos determinadas idias e concepes quando se tornam hegemnicas. O movimento pela histria

    que permite o exerccio de um olhar crtico.

    Da apropriao dos produtos da terra e da natureza, conforme as

    necessidades das pessoas ao mundo globalizado dos dias atuais ocorrem

    transformaes profundas na relao entre as pessoas. A relao de

    posse (terras e pessoas) estabelecida com o desenvolvimento da agricultura e do sistema feudal. Com a Revoluo Industrial surgiu uma

    nova relao, a de dominao/ explorao, caracterstica do modo de

  • 39

    produo capitalista, em que o dono do capital (mquinas e fbricas) contrata no mais as pessoas, mas o seu trabalho (Guareschi, 2002). So as revolues burguesas (revoluo industrial e revoluo francesa) que concretizam a passagem do sistema feudal para o capitalismo, com mudanas significativas na sociedade ocidental

    (Andriani e Kahhale, 2002). O processo de ascenso da burguesia, enquanto classe econmica esteve embasado nos ideais da razo, da

    liberdade e da individualizao humana. Desta forma, mudanas

    histricas na relao entre o homem e seus mecanismos de subsistncia

    possibilitaram o desenvolvimento do sistema capitalista (Andriani e Kahhale, 2002).

    Os valores que embasam esta viso de mundo esto presentes na

    elaborao das polticas pblicas sociais ao longo da histria do

    capitalismo. As polticas sociais11 estatais surgem como resposta

    questo social12 na expanso do capitalismo (Montao, 2006). Abre-se um campo emergente de atuao, sobretudo para o profissional do

    Servio Social, que surge como implementador das polticas sociais

    (Montao, 2006, p. 142). A forma como as polticas sociais foram implementadas nos diversos pases segue uma variao de acordo com

    as conjunturas polticas e presses sociais (Faleiros, 1991).

    11 Formas de manuteno da fora de trabalho econmica e politicamente articuladas para no afetar o

    processo de explorao capitalista e dentro do processo de hegemonia e contra-hegemonia da luta de classes (Faleiros, 1991, p.80).

    12Questo social significaria o conjunto de problemas polticos, sociais e econmicos postos pela emergncia da classe operria no processo de constituio da sociedade capitalista (Yamamoto, 2007, p. 31).

  • 40

    O Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) delineado por Keynes13 tinha como proposta o aumento dos gastos pblicos, com o fim

    de dar trabalho e auxlio aos desempregados (Faleiros, 1991). Com o processo de industrializao e urbanizao ocorreram alteraes nas

    condies de vida, havendo um crescimento das necessidades,

    principalmente da classe operria. A partir, portanto da segunda metade

    do sculo XIX surgem as primeiras polticas sociais estatais, garantindo e

    ampliando direitos e proteo social aos trabalhadores. Contudo, no

    ps-guerra (1945-1974) que ocorre a expanso e consolidao dos Estados de Bem-Estar Social, com a necessidade de reconstruo das

    cidades e de garantia de condies de bem-estar aos cidados. H uma

    ampliao das organizaes sindicais e ampliao de direitos

    (aposentadoria, habitao, educao, sade). Porm, aps quase 30 anos de expanso econmica o sistema

    capitalista ingressa em uma crise sistmica e como nova resposta do

    capital a sua prpria crise ganham fora as idias do projeto neoliberal. Como afirma Montao (2006, p. 142) a programtica neoliberal representa, portanto, a atual estratgia hegemnica de reestruturao

    geral do capital frente crise e s lutas de classes.

    Hayek e Friedmann, principais idealizadores do neoliberalismo

    criticavam o igualitarismo do auge do capitalismo promovido pelo Estado

    de Bem-Estar, pois o consideravam prejudicial liberdade dos cidados e vitalidade da concorrncia. Argumentavam que a desigualdade era

    um valor positivo e necessrio para as sociedades capitalistas (Anderson,

    13John Maynard Keynes (1833-1946), economista ingls. Para ele era preciso uma estratgia estatal de sustentao do pleno emprego dos fatores de produo e da mo-de-obra (Faleiros, 1991).

  • 41

    2000). Atribuam a crise do sistema capitalista ao poder excessivo dos sindicatos, que pressionavam o Estado para o aumento de gastos sociais.

    A proposta neoliberal foi manter um Estado forte, mas com foco no

    controle financeiro, buscando uma estabilidade monetria. Da, a

    necessidade de conteno com bem-estar (Anderson, 2000). O neoliberalismo, ainda segundo este autor, representa uma reao terica

    e poltica contra a interveno estatal e ao Estado de Bem-Estar Social.

    Prope um novo tratamento questo social, reduzindo e at eliminando

    a interveno social do estado em diversas reas. Segundo Guareschi

    (2001, p.67), o Estado est sendo cada vez mais retirado de cena, o mercado comanda, e os pobres se multiplicam em todo mundo. Sendo

    assim, a responsabilidade pelas seqelas da questo social deixa de ser

    exclusividade do Estado, sendo dividida com o mercado (privatizao) e a sociedade civil (ao solidria, filantrpica, voluntria) (Yamamoto, 2007).

    Neste contexto, as polticas sociais so privatizadas (transferidas ao mercado e/ou inseridas na sociedade civil), focalizadas (dirigidas aos setores com necessidades pontuais) e descentralizadas administrativamente (regies pobres administrando recursos insuficientes) (Montao, 2006). As polticas sociais da atualidade esto intrinsecamente imbricadas

    com os processos histricos e as concepes acerca do papel do Estado

    e da sociedade no tratamento da questo social. A configurao da

    poltica de Assistncia Social encontra-se vinculada a um padro

    ideolgico hegemnico em nossa sociedade. Tal articulao nem sempre

  • 42

    se revela de forma explcita, exige reflexo e crtica dos atores sociais

    envolvidos.

    Os programas sociais, em sua maioria, considerando sua

    concepo, no significam uma garantia permanente e segura de direitos

    incontestveis, mas representam polticas categoriais, obedecendo a

    critrios excludentes e burocrticos.

    1.2- Breve panorama da Assistncia Social no Brasil: cenrio de

    desigualdades

    No Brasil, segundo Paiva e Ouriques (2006, p. 173), a lgica das migalhas d o tom das polticas sociais. De acordo com dados do IBGE14

    (2006, p.66), em 2005, o percentual de recursos prprios dos municpios destinados funo assistncia social, em relao ao total de recursos

    previstos do municpio, era em mdia, de R$ 950 mil, por municpio o

    que corresponde a apenas 3,1% do total do oramento municipal.

    O campo da Assistncia Social, historicamente caracteriza-se por

    uma vulnerabilidade frente s mudanas polticas e benesse da

    sociedade civil. Basta observar, por exemplo, as inmeras mudanas de

    nomenclatura para se referir Assistncia Social, como Bem-Estar Social,

    Promoo Social, Desenvolvimento Social, entre outros.

    Neste processo histrico, pode-se destacar que:

    A Assistncia Social como campo de ao governamental registra no Brasil

    duas aes inaugurais: a primeira, em 1937, com a criao do CNSS Conselho

    14 A Pesquisa de Informaes Bsicas Municipais (Munic) consiste em um levantamento detalhado de

    informaes referentes estrutura e funcionamento das administraes municipais brasileiras. No ano de 2005, teve como tema os servios pblicos municipais de Assistncia Social. A pesquisa, de carter censitrio e descritivo, teve como universo os 5.564 municpios brasileiros existentes no ano de 2005.

  • 43

    Nacional de Servio Social; e a segunda, na dcada de 40 do sculo XX, com a

    criao da Legio Brasileira de Assistncia, a LBA (NOB SUAS, 2005, p.11).

    Nos mbitos estaduais e municipais, o setor da Assistncia Social

    esteve e em algumas localidades ainda se mantm vinculado ao Fundo

    Social de Solidariedade, sob o comando da primeira dama do municpio e

    invocando a caridade e a filantropia.

    As polticas de Assistncia Social obedeceram, portanto lgica do

    assistencialismo15 em nosso pas. Segundo Sposati (1985), a prtica assistencialista caracterizada por um movimento que descola o includo

    dos seus pares, do seu universal, da sua situao de classe, tratando-o

    como um particular. Trata-se assim, de uma prtica sem critrios

    definidos, sendo que o mrito para a entrega, para o repasse ou para a

    doao estabelecido pelo profissional, sobretudo o assistente social.

    Cabe ao profissional, em seu poder e boa vontade constituir uma relao

    individualizada, que trata do caso16.

    A Assistncia Social constituiu-se historicamente como:

    (...) uma rea que no foi concebida como campo de definio poltica dentro do universo das polticas sociais, constituindo-se num mix de aes

    dispersas e descontnuas de rgos governamentais e de entidades assistenciais

    que, gravitando em torno do Estado, construram relaes ambguas e

    contraditrias (Degenszajn, 2006, p.5).

    15 Prestao de uma ajuda arbitrria, inconstante e vinculada a relaes personalizadas entre aquele que

    'd' e aquele que 'recebe', com nfase na subordinao do ato de receber (Faleiros, 1991, p.68).

    16 Terminologia ainda utilizada na prtica profissional para se referir situao, por exemplo, de uma

    famlia, remetendo ao termo discusso de caso.

  • 44

    Dessa forma, alm das marcas do assistencialismo, as polticas

    pblicas de Assistncia Social caracterizaram-se, em nosso pas, por sua

    descontinuidade e reformulaes vinculadas ao carter poltico impresso

    nas gestes pblicas.

    O contexto de atuao da Assistncia Social no Brasil de

    profundas marcas de desigualdade social. Como pontua Freitas (2005), o crescimento da periferia nas cidades no foi acompanhado da oferta de

    servios bsicos para essas populaes, o que gera uma precarizao da

    vida cotidiana.

    Segundo Yamamoto (2007, p. 32), o impacto do programa neoliberal no plano social em naes como as latino-americanas (...) tende a acentuar as desigualdades e aprofundar o quadro de misria

    social.

    recente a formulao de propostas que buscam a superao de um padro assistencialista e o desenvolvimento das aes numa

    perspectiva de consolidao de uma poltica pblica para a Assistncia

    Social.

    Como principais marcos legais na rea da Assistncia Social no

    Brasil podemos destacar a Constituio Federal de 1988 (reconhece a Assistncia Social como dever do Estado), a Lei Orgnica de Assistncia Social (1993), a Poltica Nacional de Assistncia Social (2004) e o Sistema nico de Assistncia Social (2005).

    De acordo com Norma Operacional Bsica NOB SUAS (2005b, p.11):

    A Constituio de 1988 inaugurou novas perspectivas com: a unidade

    nacional da poltica de Assistncia Social e no s federal; seu reconhecimento

  • 45

    como dever de Estado no campo da seguridade social e no mais poltica isolada

    a complementar a Previdncia Social, com papel pblico pouco ou nada definido;

    o carter de direito de cidadania e no mais ajuda ou favor ocasional e emergencial; a organizao, sob o princpio da descentralizao e da participao,

    rompendo com a centralidade federal e a ausente democratizao da sua gesto

    sob o mbito governamental.

    A Lei Orgnica de Assistncia Social (1993) preconiza que a gesto da poltica e a organizao das aes devem ser articuladas em um

    sistema descentralizado e participativo (Brasil, 2005b, p. 12). A poltica social de Assistncia Social no Brasil segue um percurso

    em direo universalizao do acesso aos servios sociais, em um

    movimento que visa a ruptura com o assistencialismo e com a

    segmentao do quem dela necessitar.

    Contudo, a informao sobre a oferta de servios de assistncia

    social no Brasil escassa e dispersa (IBGE, 2006, p.15). No existem levantamentos ou pesquisas regulares que identifiquem as instituies

    que prestam esses servios. A maioria das pesquisas concentra-se em

    aspectos relacionados a indicadores sociais de determinados grupos

    populacionais ou reas geogrficas (IBGE, 2006, p. 15). A elaborao da Poltica Nacional de Assistncia Social em 2004

    buscou a elaborao de uma proposta nacional para a rea, tendo em

    vista a diversidade de experincias nas polticas pblicas de Assistncia

    Social em todas as esferas. Busca assegurar uma unidade de concepo

    em todo territrio nacional.

    Diante deste panorama, observa-se nos ltimos anos um aumento

    no nmero de programas de transferncia de renda no Brasil, tanto no

  • 46

    mbito federal como estadual e nos municpios. So programas que

    realizam o repasse de subsdio financeiro para famlias e jovens por um determinado perodo de tempo. Porm, h de se questionar mais uma

    vez, a que interesses estes programas atendem, pois como pontuam

    Paiva e Ouriques (2006, p. 174): o risco de se atuar na lgica do ajustamento de comportamentos individuais no pequeno, haja vista o esforo em empreender e divulgar as chamadas condicionalidades para

    que as famlias tenham acesso aos benefcios.

    A Assistncia Social mantm-se enquanto um campo de muitas

    contradies e desafios na implantao de uma poltica pblica nica para

    um pas to desigual. Alm disso, ao passo que os marcos legais da

    Assistncia Social buscam a universalizao, os programas de

    transferncia de renda dos governos caminham em rumo contrrio,

    fortalecendo a lgica das condicionalidades e da segmentao do pblico

    alvo.

    1.3- Sistema nico da Assistncia Social SUAS: momento atual A Poltica Nacional de Assistncia Social (Brasil, 2004)

    operacionalizada por intermdio do SUAS e pretende consolidar a

    Assistncia Social enquanto poltica pblica em seu carter de poltica de

    proteo social17. Diretrizes e princpios nicos norteiam as aes em

    todo pas. A Poltica Nacional de Assistncia Social reafirma princpios da

    17Proteo social so formas institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros (Brasil, 2004, p.25). A poltica de proteo social significa garantir a todos, que dela necessitam e sem contribuio prvia a proviso dessa proteo (Brasil, 2004). Di Giovanni (apud Degensajn, 2006) afirma que o sistema de proteo social decorre de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doena, as privaes.

  • 47

    LOAS, sistematiza principais conceitos e organiza as aes de acordo

    com a complexidade dos atendimentos.

    Sposati (apud Degenszajn, 2006) ressalta que desde a I Conferncia Nacional de Assistncia Social em 1995 foram expressas as propostas e

    deliberaes para instituir um sistema nico da Assistncia Social. somente a partir de 2004 com a aprovao da Poltica Nacional de

    Assistncia Social que o movimento de formulao de um sistema

    nacional foi retomado.

    O SUAS possui como diretrizes: a descentralizao poltico-

    administrativa, o controle social, a primazia da responsabilidade do

    Estado na conduo da Poltica de Assistncia Social e a centralidade na

    famlia.

    A descentralizao poltico-administrativa/ territorializao pretende

    superar prticas segmentadas, fragmentadas e focalizadas, buscando

    olhar para a realidade, considerando os novos desafios colocados pela

    dimenso do cotidiano, (...) (Brasil, 2004, p.38). Esse princpio busca a universalizao da proteo social, rompendo com a segmentao

    histrica na Assistncia Social e demanda mudanas na gesto das

    instituies (diagnstico, metodologia), tornando-se necessrio (...) constituir uma forma organizacional mais dinmica, articulando as

    diversas instituies envolvidas (Brasil, 2004, p.42). Dessa forma, competncias so estabelecidas para cada uma das

    esferas de governo; ao governo federal compete a coordenao e

    formulao das normas gerais e aos estados, Distrito Federal e

    municpios a coordenao e execuo dos programas.

  • 48

    O controle social refere-se efetivao da participao popular,

    principalmente por meio da participao em conselhos e conferncias.

    A primazia do Estado define a relao com a sociedade civil na

    conduo da poltica de Assistncia Social enquanto (...) parceira, de forma complementar na oferta de servios, programas, projetos e benefcios de Assistncia Social (Brasil, 2004, p.45). A matricialidade scio-familiar significa a famlia como centralidade

    nas aes da poltica de Assistncia Social, por ser mediadora das

    relaes entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os deslocamentos entre o pblico e o privado, bem como geradora de

    modalidades comunitrias de vida (Brasil, 2004, p.35). A poltica de Assistncia Social entende que deve pautar-se nas

    necessidades das famlias, uma vez que para cumprir sua funo de

    proteo e cuidado dos seus membros, precisa tambm ser cuidada e

    protegida.

    As aes de proteo social so desenvolvidas de acordo com a

    complexidade dos atendimentos e classificadas por nveis de proteo,

    como bsica e especial, sendo esta de mdia e alta complexidade. As

    aes so prestadas em unidades denominadas Centros de Referncia

    da Assistncia Social CRAS e Centros de Referncia Especializados da

    Assistncia Social CREAS.

    A proteo social bsica tem como objetivos prevenir situaes de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisies, e o

    fortalecimento de vnculos familiares e comunitrios (Brasil, 2004, p.27).

  • 49

    A unidade de referncia para as aes da proteo social bsica so

    os CRAS, que consiste em um equipamento social pblico capaz de

    garantir a ateno integral s famlias em determinado territrio (Brasil, 2006b, p.6) e devem estar localizados em territrio de vulnerabilidade social. So considerados a porta de entrada para os servios da

    Assistncia Social. Os CRAS organizam e coordenam a rede de servios

    socioassistenciais locais da poltica de Assistncia Social.

    Cada unidade deve contar com uma equipe de profissionais,

    composta por coordenador (01), assistentes sociais (02), psiclogo (01), profissional de nvel superior (01), estagirios (06) e auxiliar administrativo (02). No CRAS so desenvolvidas as aes do Programa de Ateno

    Integral famlia PAIF, que constitui o principal programa de proteo

    social bsica do Sistema nico de Assistncia Social (Brasil, 2006b). Os servios e aes deste Programa segundo os princpios do SUAS no

    podem ser terceirizados.

    Os servios de proteo social especial de mdia complexidade

    atendem famlias e indivduos com seus direitos violados, mas cujos vnculos familiar e comunitrio no foram rompidos. Caracterizam aes

    de mdia complexidade as desenvolvidas em servios e programas de

    orientao e apoio sociofamiliar, planto social, abordagem de rua,

    cuidado no domiclio, habilitao e reabilitao de pessoas com

    deficincia e medidas socioeducativas em meio aberto.

    So atendidos pelos servios de proteo especial de alta

    complexidade famlias e indivduos que se encontram sem referncia e/ou

  • 50

    em situao de ameaa e que necessitam ser retirados do seu ncleo

    familiar e/ou comunitrio (Brasil, 2004). Englobam os servios de abrigos, de famlia substituta e acolhedora e de medidas socioeducativas

    restritivas e privativas de liberdade.

    Os conceitos propostos pelo SUAS necessitam de um debate mais

    aprofundado por parte dos profissionais que executam a poltica de

    Assistncia Social e de um olhar crtico acerca de suas implicaes na

    prtica profissional.

    O conceito, por exemplo, de proteo social no mnimo desafiador

    quando discutimos a realidade de desigualdade social que assola nosso

    pas. Deparamo-nos cotidianamente com o impasse da implantao de

    uma poltica de proteo social em um contexto extremamente

    excludente.

    A proteo social destinada populao em situao de

    vulnerabilidade social18, como preconiza o SUAS, exige uma discusso

    aprofundada do que atribumos ao prprio conceito de vulnerabilidade,

    uma vez que os documentos oficiais da Poltica Nacional de Assistncia

    Social e do SUAS referem-se em determinados momentos a uma

    vulnerabilidade da pessoa e em outros vulnerabilidade do territrio.

    Entendemos como necessria a diferenciao entre estes dois usos, pois

    a situao familiar e das pessoas do territrio requer indicadores mais

    apurados e qualitativos das subjetividades presentes.

    18 A proteo social bsica destina-se populao que vive em situao de vulnerabilidade social,

    decorrente da pobreza, privao (ausncia de renda, precrio ou nulo acesso aos servios pblicos, dentre outros) e/ ou fragilizao de vnculos afetivos relacionais e de pertencimento social (Brasil, 2005b, p. 20). Degenszajn (2006) tambm aponta os mesmos fatores como configuradores de situaes de risco e vulnerabilidade social. O CFP (2007a, p.23) pontua que intervir em situaes de vulnerabilidades, dentro da Assistncia Social, implica diretamente em promover e favorecer o desenvolvimento da autonomia dos indivduos, oportunizando o empoderamento da pessoa, dos grupos e das comunidades.

  • 51

    Por outro lado, a matricialidade sociofamiliar pode significar em uma

    prtica de culpabilizao das famlias ao no cumprirem com sua funo

    de proteo social, desconsiderando a ausncia histrica de

    investimentos pblicos nas regies mais empobrecidas economicamente

    das cidades. Torna-se imprescindvel manter a conexo entre as

    diferentes responsabilidades dos diversos atores no contexto de uma

    poltica pblica de Assistncia Social.

    So concepes que do sustentao s propostas da Poltica de

    Assistncia Social em nosso pas. necessrio refletir a respeito das implicaes da natureza destas concepes para o atendimento

    populao e para a prtica profissional. Mas, sobretudo, necessrio

    refletir tambm sobre o projeto de sociedade concebido por esta poltica, o que h nela de transformador e de conservador do status quo.

    1.4- Implementao do SUAS em Campinas

    Neste tpico, pretendemos expor em linhas gerais a implantao dos

    CRAS e discutir os principais desafios nesse processo no municpio de

    Campinas.

    A organizao das aes do SUAS em Campinas obedecem aos

    critrios definidos pela PNAS (Brasil, 2004) e NOB-SUAS (Brasil, 2005b), sendo o municpio considerado uma metrpole19 e possuindo gesto

    plena20 dos recursos pblicos.

    19Municpios com mais de 900.000 habitantes (...). Para alm das caractersticas dos grandes municpios,

    as metrpoles apresentam o agravante dos chamados territrios de fronteira, que significam zonas de limites que configuram a regio metropolitana e normalmente com forte ausncia de servios do Estado (Brasil, 2004, p. 40).

  • 52

    De acordo com a NOB-SUAS (Brasil, 2005b), portanto Campinas e neste caso a Secretaria de Assistncia Social enquanto gestora pblica

    tem as seguintes responsabilidades:

    identificar e reconhecer as entidades inscritas no Conselho Municipal

    de Assistncia Social que atendem aos requisitos da NOB-SUAS;

    ampliar o atendimento dos Centros de Referncia Especializados de

    Assistncia Social voltados para as situaes de abuso, explorao e

    violncia sexual;

    manter atualizadas as informaes dos subsistemas e aplicativos da

    Rede SUAS;

    inserir no Cadastro nico as famlias em situao de vulnerabilidade e risco;

    participar da gesto do BPC (Benefcio de Prestao Continuada);

    executar programas de incluso produtiva e promoo do

    desenvolvimento das famlias;

    instalar e coordenar o sistema municipal de monitoramento e

    avaliao e estabelecer indicadores de todas as aes da assistncia

    social;

    apresentar o relatrio de gesto como forma de prestao de contas;

    implantar programas de capacitao de gestores, profissionais,

    conselheiros e prestadores de servios;

    prestar servios de proteo social especial;

    20 Nvel onde o municpio tem a gesto total das aes de assistncia social, sejam elas financiadas pelo

    Fundo Nacional de Assistncia Social mediante repasse fundo a fundo, ou que cheguem diretamente aos usurios, ou, ainda, as que sejam provenientes de iseno de tributos em razo do Certificado de Entidades Beneficentes de Assistncia Social CEAS (Brasil, 2005b, p. 25).

  • 53

    estabelecer pacto de resultados com a rede prestadora de servios

    (Brasil, 2005b). A partir disto, a Secretaria de Assistncia Social, desde 2005, para a

    implantao das aes de proteo social bsica, realizou diagnstico

    regionalizado com indicadores de levantamentos realizados pela

    Secretaria Municipal de Sade, pela Secretaria Municipal de Habitao,

    pela prpria Secretaria Municipal de Assistncia Social, pelos Conselhos

    Tutelares e pelos resultados do Mapa da Excluso/ Incluso de Campinas

    (Campinas, 2003b). Tendemos a apontar que no existem pesquisas especficas

    referentes s aes j desenvolvidas pela Secretaria de Assistncia Social e que avaliem os resultados das propostas elaboradas pelos

    Servios. Existem relatrios anuais de gesto da prpria Secretaria que

    informam sobre os atendimentos realizados e desafios enfrentados para o

    desenvolvimento do trabalho. A rea da Assistncia Social no mbito

    municipal ainda carece da construo e sistematizao de indicadores

    sociais e de avaliao dos impactos das polticas pblicas de Assistncia

    Social desenvolvidas na cidade. Tal desafio apontado como um dos

    eixos estruturantes do SUAS, que o de monitoramento e avaliao das

    aes.

    Em Campinas, o SUAS inicia sua implementao em 2005, no

    governo do PDT21. Quanto s aes de proteo social bsica, os trs

    primeiros CRAS so criados: na regio Noroeste (Satlite ris), na regio Leste (So Quirino) e na regio Sul (Campo Belo). As equipes eram

    21 O Partido Democrtico Trabalhista assume o governo municipal com a eleio do prefeito Hlio de

    Oliveira Santos no final de 2004.

  • 54

    constitudas, nesta poca, apenas por servidores pblicos e no eram

    completas conforme determina o SUAS22 pela defasagem de profissionais

    na Secretaria de Assistncia Social.

    Em 2005, o Ministrio de Desenvolvimento Social disponibilizou

    recursos para a criao de novos CRAS no municpio, considerando o

    seu porte e a gesto plena. Alm dos trs CRAS j existentes a Secretaria apontou a necessidade de implantao de outros cinco, porm

    o MDS disponibilizou recursos para implantao de mais oito CRAS. A

    Secretaria Municipal de Assistncia Social concordou com essa

    ampliao e o municpio totaliza atualmente onze CRAS23 para o

    desenvolvimento das aes em proteo social bsica.

    A escolha dos territrios para a implantao dos CRAS encontra-se

    embasada em vrios indicadores como apontado acima e foi realizado

    com as equipes das cinco regionais de Assistncia Social no municpio.

    Segundo a Secretaria de Assistncia Social (Campinas, 2007) alguns dos seguintes desafios podem ser elencados no que se refere

    proteo social bsica no municpio:

    reposio do quadro de servidores exonerados e/ ou aposentados;

    realizao de concurso pblico;

    adequao da estrutura fsica com reformas e ampliaes;

    construo de 03 novos espaos para os CRAS;

    informatizao dos servios e implantao do Cadastro nico;

    22 O Guia de Orientao Tcnica SUAS n 1 Proteo social bsica (Brasil, 2005a) estabelece a

    necessidade de 02 psiclogos para a composio dos CRAS (metrpole). J a NOB RH/ SUAS (Brasil, 2006a) define 01 psiclogo compondo a equipe dos CRAS.

    23 Regio Norte: CRAS Vila Rgio e CRAS Espao Esperana; Regio Leste: CRAS Nilpolis e CRAS

    Flamboyant; Regio Sul: CRAS Campo Belo e CRAS Bandeiras; Regio Noroeste: CRAS Satlite ris e CRAS So Luiz; Regio Sudoeste: CRAS Vida Nova, CRAS Profilurb e CRAS Campos Elseos.

  • 55

    construo de instrumental para acompanhamento da efetividade das

    aes dos CRAS (NEPP/ UNICAMP);

    efetivar a vigilncia social nos territrios;

    capacitao das equipes em metodologias de trabalho coletivo;

    melhorar a comunicao com os demais atores dos territrios e com

    os usurios;

    complementar os fluxos de referncia e contra-referncia com os

    demais nveis de proteo (Campinas, 2007). A implementao do SUAS em Campinas encontra desafios que

    exigem enfrentamento da gesto pblica e dos profissionais para a

    organizao das aes. Muitos destes desafios no so novos, no

    surgiram com a implementao do SUAS, mas integram um percurso

    histrico da Assistncia Social no municpio. Tal ressalva necessria,

    pois algumas dificuldades podem ser situadas como desafios, quando, na

    verdade, esto postas h anos como obstculos para o desenvolvimento

    do trabalho pelos profissionais, como por exemplo, a capacitao de

    profissionais e a reposio do quadro de funcionrios com a realizao de

    concurso pblico.

    Com relao composio das equipes dos CRAS, no que tange

    aos profissionais de nvel universitrio, a Secretaria de Assistncia Social

    estabeleceu parceria com ONG`s, por intermdio do processo de co-

    financiamento24 deliberado no Conselho Municipal de Assistncia Social,

    na contratao de recursos humanos apoiada no impeditivo legal do limite

    24 Em Dirio Oficial do Municpio de 03/01/2008 foi publicada a relao de entidades co-financiadas na rede

    executora da Assistncia Social. Esta publicao, contudo no explicita as alteraes propostas no desenvolvimento das atividades dos CRAS.

  • 56

    prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal (Campinas, 2007). Segundo a PNAS (Brasil, p.47):

    De acordo com a diretriz da descentralizao e, em consonncia com o

    pressuposto do co-financiamento, essa rede (rede socioassistencial) deve contar com a previso de recursos das trs esferas de governo, em razo da co-

    responsabilidade que perpassa a proviso da proteo social brasileira. O

    financiamento deve ter como base os diagnsticos socioterritoriais apontados pelo

    Sistema Nacional de Informaes de Assistncia Social que considerem as

    demandas e prioridades que se apresentam de forma especfica, de acordo com

    as diversidades e parte de cada regio ou territrio, a capacidade de gesto e de

    atendimento e de arrecadao de cada municpio/regio, bem como os diferentes

    nveis de complexidade dos servios, atravs de pactuaes e deliberaes

    estabelecidas com os entes federados e os respectivos conselhos.

    Historicamente no municpio no houve uma tentativa de trabalho

    integrado dessa forma (composio da mesma equipe) entre Poder Pblico e ONG. As aes na Assistncia Social sempre buscaram uma

    interlocuo com as ONG's, por meio dos Fruns Intersetoriais e

    discusses nos diversos Conselhos Municipais (como o de Assistncia Social e dos Direitos da Criana e do Adolescente), mas a partir dessa parceria em 2005 tornou-se fundamental o investimento na integrao

    desses profissionais.

    Quanto s aes de mdia complexidade, a Secretaria tambm

    realizou parceria com ONG`s para atendimento da demanda j existente nos CRAS e de rgos como Conselho Tutelar e Vara da Infncia e

    Juventude. O municpio implantou um CREAS - Centro de Referncia

    Especializado da Assistncia Social no incio de 2008.

  • 57

    O atendimento de proteo especial em alta complexidade

    realizado pelos servios j existentes na Secretaria de acordo com o segmento de atendimento da populao, a saber, o abrigo para crianas e

    adolescentes, abrigo para mulheres vtima de violncia, albergue

    municipal e programa de acolhimento familiar. A rede de alta

    complexidade engloba ainda os servios das ONG`s relacionados

    demanda especfica deste nvel de proteo social.

    Contudo, existem dificuldades no desenvolvimento de um trabalho

    conjunto entre Poder Pblico e ONGs na proteo social bsica, sobretudo pela no equiparao salarial e de carga horria entre

    servidores pblicos e profissionais contratados, o que muitas vezes tem

    gerado uma rotatividade de profissionais, dificultando o desenvolvimento

    das aes.

    A prpria opo em firmar parcerias com ONG`s mantm a

    situao de precarizao do quadro de servidores pblicos.

    Alm disso, at 2007 os profissionais do Poder Pblico e das ONGs

    desenvolviam as mesmas aes dentro dos CRAS. A partir do co-

    financiamento no incio de 2008, as aes foram redefinidas, de forma

    que aos profissionais do Poder Pblico coube execuo do Acolhimento

    e Referenciamento do CRAS e aos profissionais contratados pelas ONG`s

    execuo das aes do PAIF. Essa nova organizao de trabalho

    trouxe srios impactos para a prtica profissional com conseqente

    segmentao das aes e terceirizao do principal programa

    desenvolvido nos CRAS.

  • 58

    Por fim, a organizao das aes por nveis de complexidade impe

    o desafio de articulao dos atendimentos em proteo social bsica e

    especial. O estabelecimento de fluxos de encaminhamentos entre as

    diversas protees poder reforar o processo de fragmentao das

    aes, caracterstica das polticas de Assistncia Social at ento. Dessa

    forma, h uma fragmentao do atendimento famlia, proteo social

    cabe uma parte do atendimento e proteo social especial outra, no

    havendo a necessria interlocuo entre as diversas aes, culminando

    com o deslocamento das famlias para diversos equipamentos pblicos de

    acordo com as especificidades das aes.

  • 59

    2- ASSISTNCIA SOCIAL E PSICOLOGIA

    A atuao do psiclogo na rea da Assistncia Social no setor

    pblico pode ser considerada recente ainda no Brasil e impe inmeros

    desafios aos profissionais, tendo em vista o cenrio de profundas

    desigualdades sociais em nosso pas e o distanciamento histrico da

    Psicologia com as questes sociais. Refletir sobre esta prtica profissional

    implica em uma anlise da insero da Psicologia no campo da

    Assistncia Social, contextualizando o momento atual de implementao

    do SUAS e do movimento de compromisso social emergente na

    Psicologia nas ltimas duas dcadas.

    2.1- Insero da Psicologia na Assistncia Social

    Historicamente, a Psicologia tem se prestado a categorizar,

    instrumentalizar e fragmentar o ser humano, atendendo os interesses

    dominantes em nossa sociedade.

    Bock (2003) aponta trs aspectos do carter ideolgico da Psicologia e que acompanham as prticas profissionais, favorecendo o

    sentido acima exposto. Primeiro, a naturalizao do fenmeno

    psicolgico, resultando em uma concepo de universalidade do

    fenmeno psquico, o que distancia a Psicologia da realidade social.

    Destaca tambm que os psiclogos no tm concebido suas

    intervenes como trabalho (Bock, 2003, p.21), descolando dessa maneira a prtica profissional dos interesses sociais e das disputas

    polticas da sociedade. Por fim, ressalta que a Psicologia tem concebido

  • 60

    as pessoas como responsveis pelo seu desenvolvimento, descartando o

    papel da sociedade e compreendendo o fenmeno psicolgico a partir do

    prprio homem.

    Tais aspectos tornam-se indispensveis em uma anlise crtica da

    insero do psiclogo na rea da Assistncia Social. Partir de princpios

    como os predominantes historicamente na Psicologia redunda em uma

    prtica conservadora e superficial diante da realidade da populao

    atendida pelas polticas pblicas de Assistncia Social.

    Alm disso, cabe uma anlise da recente presena da Psicologia

    nos setores pblicos da Assistncia Social. Isto se revela nas pesquisas

    realizadas (Botom, 1979; CFP, 1988; CRP-SP, 1995) que traam um perfil da atuao do psiclogo, com predominncia em consultrios

    particulares, demarcando o elitismo da profisso. Mello (1975) em estudo publicado no incio da dcada de setenta, realiza uma crtica aos rumos

    da profisso, apontando que a Psicologia pela natureza de seu

    conhecimento deveria ser muito mais que uma atividade de luxo (p.109). Campos (1983) afirmava que as contingncias do mercado de

    trabalho estariam empurrando o psiclogo para as classes subalternas e

    que esta migrao exporia as insuficincias terico-tcnicas da Psicologia

    tradicional.

    Estes estudos pontuaram, portanto o elitismo da profisso, com a

    prtica do psiclogo restrita aos bolses de riqueza do nosso pas,

    tornando inacessvel o atendimento psicolgico a maior parte da

    populao.

  • 61

    O Conselho Federal de Psicologia reconhece que a despolitizao,

    a alienao e o elitismo marcaram a organizao da profisso e

    influenciaram na construo da idia de que o (a) psiclogo (a) s faz Psicoterapia (Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Servio Social, 2007, p.20).

    Dados mais recentes de uma pesquisa solicitada pelo Conselho

    Federal de Psicologia (IBOPE, 2004) indicam que 55% dos participantes informaram que sua atividade principal era atendimento clnico individual

    ou em grupo e 53% que seu local de trabalho o consultrio particular

    (41%) e clnica (12%). Exercem suas atividades em polticas pblicas de sade, segurana ou educao 11% dos entrevistados.

    Contudo, a atuao do psiclogo social no Brasil tem presena

    recente nas instituies pblicas na rea da Assistncia Social, sendo que

    tradicionalmente, na rea da Assistncia Social o psiclogo tem atuado

    em organizaes no governamentais e no Poder Pblico, nas unidades

    bsicas de sade em atendimento clnico. Yamamoto (2007) pontua a importncia do envolvimento dos psiclogos na dcada de oitenta no

    movimento da sade, sobretudo na participao na Luta Antimanicomial,

    que acabam definindo algumas das condies para a insero da

    categoria, de forma mais extensiva, no campo pblico do bem estar

    social (p. 31). De acordo pesquisa realizada pelo IBGE (2006, p. 55), em 2005, o

    nmero de pessoas ocupadas na rea de assistncia social da

    administrao municipal foi, aproximadamente, de 140.000 pessoas,

    sendo 18,3% com formao superior em Psicologia e mais da metade

  • 62

    (51,2%) com formao em Servio Social. H, portanto uma predominncia de assistentes sociais atuando nessa rea, contudo a

    Psicologia a segunda categoria profissional mais presente na

    Assistncia Social, sendo possvel constatar um aumento da insero da

    Psicologia na Assistncia Social, sobretudo na ltima dcada.

    Desta insero no campo da Assistncia Social decorrem inmeros

    desafios para o profissional de Psicologia. Em minha dissertao de

    Mestrado (Senra, 2005), os psiclogos puderam relatar as dificuldades encontradas em sua prtica, considerando, sobretudo uma formao

    pouco embasada na realidade de atuao da Psicologia Social.

    O trabalho conjunto entre profissionais do Servio Social e Psicologia constitui ponto de conflito e muitas vezes geram dvidas para o

    psiclogo acerca de seu papel profissional, a complementaridade e a

    especificidade em relao a sua atuao com assistentes sociais e outros

    profissionais. Do questionamento sobre sua atuao por outros

    profissionais, o psiclogo passa a questionar a natureza de sua atuao

    na Assistncia Social, encontrando dificuldades quanto s possibilidades

    de interveno (Senra, 2005). Ao psiclogo, no entanto, cabe realmente a tarefa de

    questionamento acerca da natureza e caractersticas de sua interveno,

    assim como da realidade concreta vivenciada pelas pessoas atendidas

    nas polticas pblicas de Assistncia Social.

    Igualmente, o psiclogo deve apropriar-se dos princpios e diretrizes

    das legislaes da Assistncia Social necessrias em seu cotidiano de

    trabalho (Conselho Federal de Psicologia e Conselho Federal de Servio

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    Social, 2007). Deve tambm conhecer a trajetria histrica dessas polticas em nosso pas para a construo do fazer psicolgico na

    Assistncia Social. No entanto, na prtica profissional da pesquisadora

    possvel observar muitos psiclogos que rejeitam este tipo de ap