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    MARCO ANTONIO BETTINE DE ALMEIDAALESSANDRO SOARES DA SILVA

    FELIPE CORRA

    Psicologia PolticaDebates e Embates de um campo Interdisciplinar

    DebateseEmbatesde

    umcampoInterdisciplinar

    Psicologia

    Poltica

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    PSICOLOGIA POLTICA:

    DEBATES E EMBATES DE UM

    CAMPO INTERDISCIPLINAR

    Organizadores:MARCO ANTONIO BETTINE DE ALMEIDA

    ALESSANDRO SOARES DA SILVA

    FELIPE CORRA

    So PauloEscola de Artes, Cincias e Humanidades - EACH/USP

    2012

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    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico,

    para ns de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO-NA-PUBLICAO

    Escola de Artes, Cincias e Humanidades da Universidade de So Paulo

    Universidade de So PauloReitor Prof. Dr. Joo Grandino Rodas

    Vice-Reitor Prof. Dr. Hlio Nogueira da Cruz

    Escola de Artes, Cincias e Humanidades

    Diretor Prof. Dr. Jorge Boueri

    Vice-Diretor Prof. Dr. Edson Leite

    Conselho Editorial

    Prof. Dr. Jos Jorge Boueri Filho (Diretor da EACH), Presidente.Prof. Dr. Edson Leite (Vice-Diretor da EACH), Vice-Presidente.Prof. Dr. Adolpho Jos Mel (aposentado/USP),Prof. Dr. Celso de Barros Gomes (aposentado/USP),Prof. Dr. Slvio Sawaya (FAU/USP),Prof. Dr. Jos Carlos Plcido da Silva (FAAC/UNESP),Profa. Dra. Ktia Castilho (pesquisadora);

    Prof. Dr. Thoms Augusto Santoro Haddad (EACH/USP),Prof. Dr. Pablo Ortellado (EACH/USP),Profa. Dra. Sandra Lcia Amaral de Assis Reimo (EACH/USP).Comisso de Biblioteca e Edio | CoBEd

    Prof. Dr. Thoms Augusto Santoro Haddad | presidenteProf. Dr. Pablo OrtelladoProf. Dr. Rogrio MugnainiProf. Dr. Carlos de Brito PereiraRosa Tereza Tierno Plaza

    RevisoFelipe Corra

    CapaCarlos A. S. SantosDiagramao

    Ademilton J.Santana

    Psicologia polca: debates e embates de um campo interdisciplinar /

    organizadores, Marco Antonio Betttine de Almeida, Alessandro

    Soares da Silva, Felipe Corra. So Paulo: Escola de Artes,

    Cincias e Humanidades EACH/USP, 2012.

    247p.

    Modo de acesso ao texto:

    ISBN: 978-85-64842-02-1

    1 Psicologia poltica I. Almeida, Marco Antonio Bettine de, org II.

    Silva, Alessandro da, org. III. Corra, Felipe, org.

    CDD 22.ed. 320.019

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    5 Apresentao

    Campo Interdisciplinar

    9 A PSICOLOGIA POLTICA: UM BREVEOLHAR SOBRE AS AMRICASLeandro Rosa e Alessandro Soares da Silva

    Poder, Locura e Prises

    37 TRS HIPTESES DA TEORIA DO PODEREM FOUCAULTFelipe Corra Pedro

    69 OS SABERES, O CRIMES E A LOUCURA:UM ENFOQUE DA PSICOLOGIA PLITICADbora Cidro de BritoMarco Antonio Bettine de Almeida

    87 ANLISE DE UM PRESDIO BRASILEIRO:UMA ABORDAGEM DA PSICOLOGIAPOLTICAMarco Antonio Bettine de Almeida eGustavo Luis Gutierrez

    Sade Pblica e Esporte

    105 PARA UMA TEORIA DA AOCOMUNICATIVAGustavo Luis Gutierrez eMarco Antonio Bettine de Almeida

    125 A PROMOO DA SADE: UM ENFOQUEPSICOPOLTICOMnica Alves CardonaMarco Antonio Bettine de Almeida

    137 ASPECTOS CONTEMPORNEOS DOESPORTE: O SUJEITO E A RACIONALIZAOMarco Antonio Bettine de Almeida, SimoneCassoli Ferraz,Mnica Nogueira, WillianGalhardo e Karoline Ribeiro

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    Democracia e Direitos Humanos

    149 A DEMOCRACIA E OS DESAFIOS DAPARTICIPAO POLTICA Guilherme Borges da Costa e

    Alessandro Soares da Silva

    177 A INTERSUBJETIVIDADE COMOPOSSIBILIDADE DE EMANCIPAODennis de Oliveira e Eliete Edwiges Barbosa

    201 A TRAJETRIA DAS POLTICAS DE AOAFIRMATIVA NO CENRIO BRASILEIROAna Rita dos Santos Ferreira e Andra Viude

    221 HOMOFOBIA, VIOLNCIA E DIREITOSHUMANOS

    Alessandro Soares da Silva e

    Thomaz Ferrari DAddio

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    APRESENTO

    O Grupo de Pesquisa em Psicologia Poltica, Polticas Pblicas eMulticulturalismo constitui um esforo interdisciplinar de pesquisadorese pesquisadoras oriundos/as de mltiplas reas do saber com analidade de pensar e investigar o campo do comportamento poltico eseus desdobramentos no mbito dos movimentos sociais e das aescoletivas, das polticas pblicas e das sociedades multiculturais.

    Dentro desse contexto, o livro Psicologia Poltica: debates eembates de um campo interdisciplinarcoloca-se como interlocutor dasdiferentes perspectivas da Psicologia Poltica, como tambm de seuspesquisadores e pesquisadoras. Constitui-se, portanto, um estudo dasproblemticas no amplo campo da Psicologia Poltica que tem comoepicentro a reexo sobre o comportamento poltico nas sociedadescontemporneas.

    O ponto de interseco entre essas duas reas cientcas,Psicologia e Poltica, tem sido a preocupao com a construo de umuniverso de debate em que nem as condies objetivas nem as subjetivasestejam ausentes. Pelo contrrio, que ambas estejam compreendidaspor diferentes abordagens tericas, como co-determinantes e, portanto,constituintes dos comportamentos coletivos, dos discursos, das aessociais e das representaes que constituem antagonismos polticos nocampo social.

    A Psicologia Poltica vem sendo compreendida por ns como

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    uma encruzilhada de campos de conhecimento, apoiando-se nainterdisciplinaridade como um de seus aspectos centrais e debruando-se sobre distintos objetos tais como: preconceito social; diferentes formasde racismo, xenofobia e homofobia; aes coletivas e movimentossociais; intersubjetividade e participao; socializao poltica e sadepblica; relaes de poder e instituies totais; valores democrticos eautoritarismos, participao social e polticas pblicas.

    Psicologia Poltica: debates e embates de um campo interdisciplinarrene professores e alunos, de graduao e ps-graduao, para discutirquestes que julgamos relevantes para o campo da Psicologia Poltica.

    Priorizando as reas em que se desenvolvem, nesse momento, distintosprojetos de pesquisa, o livro est dividido em quatro grandes eixos.Psicologia Poltica: campo interdisciplinar, de um s captulo, trazdiscusses acerca do campo em questo, investigando as produesde alguns pases das Amricas. Poder, Loucura e Prises rene trscaptulos; um terico, acerca da problemtica do poder na obra de MichelFoucault e outros dois que trabalham com objetos mais especcos: aloucura e seu tratamento nos Hospitais de Custdia e as prises, a partirde uma pesquisa realizada em campo. Sade Pblica e Esporte, tambm

    com trs captulos, rene um com aportes tericos acerca da Teoria daAo Comunicativa de Jnger Habermas, e dois outros com discussesmais especcas: a promoo da sade e o esporte. Democracia eDireitos Humanos contm dois captulos com contribuies tericas edois outros que, a partir das noes de democracia e direitos humanos,investigam as polticas de ao armativa e a homofobia.

    Como o leitor notar, o livro no possui uma unidade terica e nemmetodolgica; seus referenciais so amplos e distintos, o que confere a

    ele esse carter de obra de debates e embates. Entendemos, entretanto,que assim que se vem construindo e que se deve construir o campo daPsicologia Poltica. Esperamos que os textos a seguir possam contribuircom o desenvolvimento dos debates e do prprio campo no Brasil.

    Boa Leitura!

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    Psicologia Poltica: Campo

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    A Psicologia Politca:

    Um breve olhar sobre as AmricasLeandro Rosa1

    Alessandro Soares da Silva2

    Impressionado outrora pela ausencia de obras especiaes relativas psychologia politica, eu esperava sempre ver preenchida essa lacuna.Le Bon (1963).

    Quando algum se debrua sobre a produo dos psiclogos ea prpria histria da psicologia observa que, de maneira geral, eles nose distinguiram precisamente por seu interesse por questes polticase sociais. Ainda assim, houve quem praticasse atrocidades racistasescrevendo prolas como Hitler, der Politische Psychologe de WaltherPoppelreuter. Pare ele, o livro de Hitler Minha Lutaera um verdadeiro textode Psicologia Poltica [...], uma autntica mina de ouro para o psiclogo.Mas se esquadrinhamos bem os textos de Psicologia Social, possvel

    detectar algumas poucas obras que se interessaram por questes queatualmente se consideram prprias da Psicologia Poltica: propagandapoltica, democracia e comportamento, comportamento eleitoral, atitudespolticas. Quem sabe por isso foram os Cientistas Polticos quem maisdecididamente comearam a investigar problemas de Psicologia Polticae, ainda hoje, continuam com certa vantagem sobre os psiclogos, vistoque, por exemplo, desde 1968, a APSA (Associao Americana deCincias Polticas) oferece Psicologia Poltica como categoria prossionala ser escolhida por seus membros.

    1Mestrando da Faculdade de Filosoa, Cincias e Letras de Ribeiro Preto Universidade de So Paulo.2Professor Doutor da Escola de Artes, Cincias e Humanidades da Universidade de So Paulo.

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    Mas cam ainda as perguntas: o que e para serve a PsicologiaPoltica? Essas so algumas das questes que nos propomos responderneste captulo introdutrio. Para tanto, faremos aqui uma breve revisode literatura acerca da Psicologia Poltica e da produo no campo feitanas Amricas, visto que a produo europia j se encontra melhorsistematizada e com mais visibilidade no Brasil.

    A gnese da Psicologia Poltica

    A Psicologia Poltica uma disciplina acadmica, fruto da especialconuncia entre a Psicologia e a Cincia Poltica, visto que outros

    estudos se associam na sua produo. Ela se constitui no interstciodas fronteiras disciplinares e muitas vezes se v refm de sua prpriaidentidade, mas com possibilidades efetivas de dar respostas a questesque a tradio disciplinar no tem conseguido responder.

    Ainda que alguns autores armem que o termo psicologia polticaapareceu num trabalho do politlogo estadunidense Merriam em 1924,o termo tem antecedentes mais antigos em obras como Essai dunePsychologie Politique du Peuple Anglais au XIXe sicle(1901); Elementsdune Psychologie du Peuple Americane(1902); The English People: astudy of their political psychology(1901), de Emile Boutmy; El HistrionismoEspaol: ensayo de psicologa poltica(1906), de Eloy Luis Andre; GasparMartins e Julio de Castilhos: estudos crticos de psychologia poltica, deVictor de Britto (1908) ou La Psychologie Politique et la Dfense Social,deGustave Le Bon (1963). Essa ltima obra teve grande repercusso e seestabeleceu como um marco para essa nova congurao interdisciplinardo conhecimento que viria a se consolidar apenas nos anos de 1960,como disciplina independente.

    Le Bon (1963) era um pensador solitrio e fez sua trajetria porfora dos caminhos da academia. Mdico de prosso, politicamenteconservador, mas com uma arguta percepo das contradies sociais desua poca, Le Bon tinha bastante clareza da inuncia que a tecnologiaexercia sobre os indivduos. Como ele prprio narra, nesse livro, apsabandonar as investigaes no campo da fsica devido ao seu alto custoeconmico, decide aplicar alguns de seus princpios publicados emobras anteriores ao campo da poltica e se depara com a surpreendenteinexistncia de obras de psicologia poltica. Segundo o prprio autor, issoocorreu

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    Aps dez annos quase exclusivamente consagradoss experiencia de physica, de que originou o meu livrosobre a Evoluo da Matria; essas investigaes

    se tornaram demasiado custosas para que fossemprosseguidas. Tive, pois, que abandonal-as e resignei-me a voltar a antigos estudos. Desejoso de appplicar(sic) politica principios expostos em varias dentreas minhas obras anteriores, pedi ao professor Riobot,meu eminente amigo, que me indicasse tratadosde psychologia poltica recentemente publicados. Asua resposta me informou que elles no existiam. Aminha estupefao foi a mesma que tive, quinze anosantes, quando, querendo emprehender o estudo dapsychologia das multides, eu me certiquei de quenenhum escripto apparecra sobre esse assunto.No signica isso que as dissertaes polticastenham faltado. So, ao contrrio, abundantes, desdeAristoteles e Plato, mas os seus autores foram, asmais das vezes, theoricos que, alheios s realidadesdo seu tempo, conheciam apenas o homem chimericoproduzido por sonhos. A psychologia a arte degovernar nada tem a pedir-lhes (1963, p. 11).

    Podemos dizer que o livro La Psychologie Politique et DefnseSocial contribuiu, como notaram Maritza Montero e Alejandro Dorna(1993, p. 54), para a cristalizao de um projeto ideolgico e cientco.[...] Apesar de seus defeitos, esse texto merece uma leitura atenta, poiscontm alguns elementos de interesse epistemolgico e metodolgico.3E esse projeto ideolgico de compreenso da cincia e da realidade,de leitura e aplicao da psicologia (social) ao estudo da poltica, comotambm o quiseram autores como Tarde, Mosca e Pareto, pode ser vistaem trechos do livro como este em que o destaca o prprio Le Bon:

    A ausencia de obras clssicas sobre tal assumpto e ainexistencia de cadeiras consagradas ao seu ensinoprovam que a sua utilidade no se revela claramente.Era, pois, necessario demonstral-a. Ser um dosobjetivos deste livro (p. 11).

    Segundo o autor, a psychologia politica se edica commateriaes diversos, de que os principaes so: a psychologia individuala psychologia das multides e, enm, a das raas. (p. 7), sendo ela3Tradues do organizador do livro.

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    mesma um sinnimo de sciencia do governo e to necessaria que osestadistas no a poderiam dispensar (p. 6). Como cincia do governo,a psicologia poltica seria uma espcie de engenharia social, capaz deevitar que governantes cometessem graves e custosos erros por estaremorientados no por leis formuladas, mas por impulsos da occasio ealgumas regras tradicionais (p. 6).

    Aparentemente, os elementos interdisciplinares constituidoresda Psicologia Poltica so claros na obra de Le Bon (1963); contudo,h quem deseje v-la como subdisciplina da Psicologia Social ou comoramo de uma rea que tm diculdade em defender-se como disciplina

    autnoma de seus primrdios at hoje. ngel Rodruguez Kauth (2001)considera que, no que concerne a essa dimenso interdisciplinar e autonomia da Psicologia Poltica enquanto campo de conhecimento, adiscusso traz muitas controvrsias. Ainda assim, estamos de acordocom o autor quando ele diz:

    a Psicologia Poltica costuma ser entendida nosomente como um campo separado da PsicologiaSocial, mas, fundamentalmente, como um nvelsuperior de anlise e de interpretao da realidade,

    no qual se utilizam tanto conceituaes psicossociaiscomo polticas, histricas, ideolgicas, loscas eeconmicas. Tudo isso quando assim o realizamos

    resultado de uma sntese que absorve e integraos dados psicolgicos e sociolgicos de cunhopoltico, e que atravessada pela subjetividade, tantoindividual como coletiva, visando conseguir um maioralcance terico nos processos de pesquisa, assimcomo uma maior efetividade em relao anlise, compreenso e interveno nos fatos poltico-sociais que ocorrem a nossa volta (pp. 41-42).

    Vale rearmar algumas consideraes de Le Bon (1963) e que, anosso ver, ainda hoje seguem vlidas. Para esse autor, A psychologiapolitica participa da incerteza das sciencias sociaes, que indicmos.Cumpre, entretanto, utilisa-la tal como , pois os acontecimentos nosimpellem e no esperam (p. 4). Quem sabe essa capacidade de criticaseja o que faz com que a Psicologia Poltica no tenha se convertido em

    uma disciplina focada em sentidos utilitaristas, mas buscado um caminhocomprometido com a crtica da realidade.

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    A Psicologia Poltica se institucionaliza, de fato, com a publicaode importantes manuais sobre a rea na dcada de 1970 e com a criaoda Sociedade Internacional de Psicologia Poltica, em 1978. No entanto,caracterizar a Psicologia Poltica como disciplina homognea tem semostrado no s um grande desao, mas, para muitos, uma temeridadeque diculta a ela prpria estabelecer-se como um espao de produode conhecimento capaz de auxiliar na compreenso da complexidade darealidade sociopoltica.

    Montero e Dorna (1993) se referem Psicologia Poltica comouma disciplina na encruzilhada. Essa imagem parece realmente muito

    apropriada quando nos deparamos com a quantidade de caminhos oupossibilidades existentes nesse campo do conhecimento. Os autoresdefendem que uma das caractersticas da Psicologia Poltica suaheterogeneidade temtica, a qual pode ser interpretada como sinal devitalidade. Contudo, a heterogeneidade dessa disciplina no se esgotaem sua diversidade de temas.

    Em outro trabalho, Montero (2009) aborda a grande multiplicidadede abordagens existente dentro do campo da Psicologia Poltica.

    Segunda a autora venezuelana, h, de modo geral, trs grandes mbitos:o estadunidense, o europeu e o latino-americano. Cada um dessesmbitos aborda determinados nveis ou perspectivas de anlise quese manifestam em diferentes modelos. importante pontuar que cadaperspectiva pode se vincular a mais de um modelo e vice-versa. Para ela,os nveis e modelos so os seguintes:

    Nveis ou perspectivas de anlise

    Perspectiva psicossocial ou psicosociolgica;

    Perspectivas psicanalticas;

    Perspectiva discursiva;

    Perspectiva estrutural-funcional;

    Modelos

    Modelo liberacionista-crtico;

    Modelo retrico-discursivo;

    Modelo psico-histrico;

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    Modelo racionalista;

    Modelo marxista;

    Modelo da psicologia coletiva.

    Mesmo que a abordagem extensiva de cada um desses modelos enveis no se adqe aos objetivos do presente captulo, consideramosque sua meno seja importante para podermos perceber, de forma clara,a diversidade, no s de temas, mas tambm de referenciais tericos emetodolgicos, existentes dentro da Psicologia Poltica. Como destacaJos Manuel Sabucedo (1996), Ao ser um mbito cientco com uma

    vocao claramente interdisciplinar, a Psicologia Poltica se dene melhorpor sua pluralidade do que por sua uniformidade terica e metodolgica(1996, p. 24).

    Em um artigo publicado na Revista Psicologia Poltica, Montero(2009) aborda como a diversidade desse campo se manifesta tambmem seus objetivos. Segundo a autora, pode-se identicar, de forma geral,trs posies sobre os objetivos da Psicologia Poltica. Uma maneirade se denir os objetivos da Psicologia Poltica de acordo com os

    objetos a serem estudados. Essa a posio defendida por Sabucedo(1996). A crtica de Montero a esse posicionamento est no fato de elaconsiderar insuciente apenas buscar descrever o objeto e entender asrelaes entre o poltico e o psicolgico ali presentes. Segundo a autora,a Psicologia Poltica deve ser utilizada como meio de libertao. ParaMontero, a Psicologia Poltica serve

    a muitos propsitos. O primeiro, para ser essa voz queinsiste em mostrar sociedade suas mltiplas faces,indicando que ela no uniforme, estvel, calma e

    nem perfeita; que dentro dela existem foras que seenfrentam e que quando se acredita ter chegado a umlimite, h, novamente, outros a superar. Para revelaros acertos e os erros e mostrar as correntes que porela discorrem. Para manter ativa a condio dinmicae em constante mudana da sociedade, contribuindocom uma observao crtica da construo dessasociedade que sempre se deseja que seja melhor,que sempre pode e deve ser melhor (2009, p. 211).

    A heterogeneidade apresentada acima pode ser encarada comofruto de um estgio ainda inicial do desenvolvimento da disciplina ou,

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    por outro lado, pode ser concebida como uma caracterstica prpria daPsicologia Poltica, que se identicaria com um campo interdisciplinar e,necessariamente, diverso. Aps abordarmos, de forma geral, a pluralidadeda Psicologia Poltica, consideramos importante, agora, pensar como talpluralidade se manifesta em contextos especcos.

    Teremos como foco de nosso mapeamento quatro pases dasAmricas. Sero eles: Estados Unidos, Canad, Mxico e Argentina.Para a apresentao da Psicologia Poltica nesses locais, utilizaremosautores que abordam uma reviso da disciplina em cada pas. Esperamosque aps nossa breve apresentao, possamos ter elementos para

    melhor compreender como uma mesma rea de conhecimento pode semanifestar de formas to diversas em um mesmo continente.

    Notas sobre a produo em Psicologia Poltica nos Estados Unidos

    da Amrica

    Os Estados Unidos da Amrica podem ser considerados no scomo um dos pases pioneiros no processo de institucionalizao da

    Psicologia Poltica, mas um dos pases que mais tem inuenciado nomodo como se v e entende a disciplina hoje. Certamente, em suasfronteiras se concentra o maior nmero de centros de investigao nocampo, bem como de atividades prticas no mundo do trabalho no-acadmico.

    Autores como Carlos Barracho (2011) lembram que, no incio dosculo XIX, os EUA j haviam estabelecido os fundamentos tericos quesustentariam a abordagem americana da Psicologia Poltica nos sculos

    seguintes. Esses pilares tericos so e o pragmatismo de Willian James(1842-1910), John Dewey (1859-1952) e George Herbert Mead (1863-1931) e o comportamentalismo de John Watson (1878-1958). A essesimportantes nomes, juntam-se trabalhos dos antroplogos Franz Boas(1858-1942), Bronislaw Malinowsky (1884-1942), Willian Issac Thomas(1863-1947), com seu livro Sexo e Sociedadee Florian Znaniecki (1882-1958), com a obra The Polish Peasent in Europe e America.

    Outro importante autor o professor do departamento de Cincia

    Poltica da Universidade de Chicago, Charles E. Merriam (1874-1953). Ele

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    foi o responsvel pela introduo da abordagem behaviorista no campoda poltica, alm de vrios outros conceitos psicolgicos. Ele abordou,entre diversos temas, a funo da hereditariedade e do ambiente noscomportamentos sociais e polticos, assim como a socializao poltica.Defendeu tambm que j em Plato haveria consideraes de naturezapsicolgicas relacionadas losoa poltica. Se por um lado CharlesMerriam visto, erroneamente, por alguns, como o primeiro autor aabordar e utilizar o termo Psicologia Poltica, por outro, no nenhumequvoco dizer que ele foi um dos grandes inuenciadores daqueleque viria a ser considerado por muitos como o fundador da PsicologiaPoltica Moderna, Harol Lasswell.

    Como aponta a literatura (SABUCEDO, 1996; AIZPURA,2002), Lasswell fundamental para a constituio da PsicologiaPoltica estadunidense. Para Lasswell, os trs elementos bsicos paracompreenso do comportamento poltico so: a resposta, o ambiente e apredisposio. Esses elementos lhe possibilitaram estudar, entre outrostemas, a propaganda, a formao da liderana poltica e a relao depoder entre as elites e massas.

    Lasswell defendia que as experincias ocorridas na infncia seriamdeterminantes para a formao do sujeito poltico. Para ele, naquelemomento prximo linha psicanaltica, os lderes polticos teriam comogrande motor de seu comportamento uma racionalizao de motivospessoais. Carlos Barracho, ao comentar as posies de Lasswell,escreve:

    Os polticos, para Laswell, so pessoas infantiscom uma perptua e insacivel necessidade de

    reconhecimento social. No entanto, esta patologiano afecta apenas os lideres, mas tambm os seusseguidores. [...] As idias polticas e os movimentosde massa adquirem a sua energia atravs dodeslocamento dos motivos ntimos dos sujeitos(2011, p. 121-122).

    Barracho (2011) defende que a chegada de grandes pensadoresque migravam da Europa no nal dos anos 30 tambm teve inuncia

    decisiva na abordagem estadunidense da Psicologia Poltica. O embateentre os pensadores europeus e americanos gerou uma disputa, mas

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    tambm uma integrao das escolas behaviorista e da Gestalt. Frutodesse processo foi o signicativo desenvolvimento da Psicologia Socialna poca. lvaro e Garrido (2007) apontam como grandes representantesdesse momento Kurt Lewin (1890-1947) e os estudos dos processosgrupais, Solomon Ash (1907-1996) e o estudo sobre persuaso social,Fritz Heider (1896-1988) e a sua teoria do equilbrio, Leon Festinger(1919-1989) e a teoria da dissonncia cognitiva, os membros da EscolaCrtica como Marcuse (1898-1979), Adorno (1903-1969) e Hannah Arent(1906-1975).

    Entre os anos 1940 e o nal dos anos 1970, a Psicologia Polticaestadunidense foi predominantemente marcada pelos ambientalistas. Ato comeo da dcada de 1960, os trabalhos que remetem PsicologiaPoltica so relacionados participao poltica e ao comportamentoeleitoral. Um dos grupos que realizaram tais trabalhos o da Universidadede Colmbia (Lazarsfekd, Berelson e Gaudet), o qual defende, em suaobra The People Choice, que as variveis demogrcas e sociolgicasso preponderantes s campanhas eleitorais no momento do voto. Outrogrupo formado na Escola de Michigan (Campbell, Converse, Miller eStokes), em seu livro The American Voter, introduz variveis psicolgicaspara explicar a preferncia dos eleitores. Na dcada de 1970 comeam a

    surgir novos estudos relevantes rea da Psicologia Poltica como, porexemplo, Political Ideologyde Robert Lane e The Civic Culturede Almond eVerba. Em 1968, a Associao Americana de Cincia Poltica reconhece acategoria Psicologia Poltica como possuidora de estatuto prossional. Noano de 1972 publicado The Social Psychology of Political Lifede SamuelKirpatrick e Lawrence Petit e Political Mande Robert Lane. Finalmente em1978 fundada a Associao Internacional de Psicologia Poltica, um dosmarcos da institucionalizao do campo (BURRILLO, 1986; BARRACHO,2011).

    Na dcada de 1980 merecem destaque: Psychological Perspectivesof Politicsde Carol Barner-Barry, o Tratado de Cincia Polticade Grawtze Leca e o captulo de Kinder e Sears no Handbook of Social Psychologyde Lindzey e Aronson. A partir da dcada de 1990, a Psicologia Polticapassa a ser uma diviso nos congressos da Sociedade Internacional dePsicologia Aplicada.

    possvel perceber que, dentro de um mesmo contexto nacional,a Psicologia Poltica assume considervel variedade.

    Ainda assim, h certas caractersticas preponderantes na Psicologia

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    Poltica estadunidense. Segundo Montero (2009), essas perspectivasso: psicanaltica, psicossocial (atualmente com predominncia dasabordagens cognitivistas em relao s comportamentais) e estrutural-funcional, a qual possui nos EUA seu principal centro de referencia erene em torno dessa perspectiva psiclogos polticos advindos dasCincias Sociais e Polticas. Relacionado ao nvel estrutural-funcional,tambm podemos encontrar com bastante freqncia nos EUA o modeloracionalista de Psicologia Poltica.

    Por m, vale notar que a Psicologia Poltica no Brasil construiu partede suas contribuies mediante os trabalhos acadmicos e formativos de

    Salvador Antonio Mireles Sandoval, professor da Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo (PUC-SP). Esse destaque se d aqui em funode ele ser um intelectual estadunidense radicado no Brasil e formado apartir das Cincias Polticas. Sua formao se deu com o cientista polticoCharles Tilly (1929-2008), autor que, em sua obra, trata os fenmenossociopolticos levando em conta elementos micro-sociolgicos ou mesmopsicopolticos. Exatamente por isso Sandoval envereda seus estudospara o campo da Psicologia Poltica e, desde 1986, lidera o Ncleo dePsicologia Poltica e Movimentos Sociais da PUC-SP.

    Notas sobre a produo em Psicologia Poltica no Canad

    Segundo Paul Nesbitt-Larking (2004), mesmo tendo desenvolvidogrande nmero de pesquisas nas ltimas trs dcadas, a PsicologiaPoltica no Canad ainda no foi capaz de alcanar um nvel considervelde institucionalizao acadmica. A Psicologia Poltica nesse pas sedivide em um ramo central e algumas escolas perifricas. Sustentandouma concepo ampla, Nesbitt-Larking (2004) defende que o poltico serefere s relaes sociais de poder que dizem respeito elaborao deregras e distribuio de recursos. Tambm argumenta que os sistemaspolticos so afetados pelas disposies psicolgicas dos atores polticos;ao mesmo tempo, tais sistemas tm impacto sobre as subjetividadesindividuais.

    O autor expressa com freqncia sua preocupao de que, natentativa de denir um campo que possa ser academicamente respeitado

    e institucionalizado, os psiclogos polticos acabem por ignorar as linhasmarginais e eclticas da Psicologia Poltica hoje, as quais podem trazer

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    grandes contribuies para o campo. No caso do Canad, uma orientaoecltica assertiva muito adequada para o estudo de assuntos de interessenacional. Alm dessa tradio, h no Canad outra, que Nesbitt-Larkingnomeia de rplica em miniatura da cincia social canadense. Existeuma tenso entre as duas linhas de pensamento. Ambas as tendnciascresceram sombra da academia americana; no entanto, uma delas setornou mais assertiva e independente e a outra buscou a integrao coma cincia estadunidense.

    O Canad o segundo maior centro de estudos das CinciasPolticas em lngua inglesa. Ainda assim, a Psicologia Poltica pouco

    presente na academia (apenas seis departamentos). Neste pas, aPsicologia Poltica institucionalizada capaz, mesmo sendo produzidapor um pequeno grupo, de produzir um grande nmero de publicaes.Essa contradio se d pela estrutura acadmica do pas, a qual muitoprxima estadunidense. Muitos estudos em Psicologia Poltica soenquadrados como estudos de Psicologia Social aplicados a assuntosrelacionados a poder e conitos. Uma alternativa so as CinciasPolticas, onde h mais espao para o ecletismo, o que gera maiorespossibilidades de estudos prprios de Psicologia Poltica. No Canad

    existe uma clara distino entre Psicologia Poltica (nfase em processosindividuais) e estudo do comportamento poltico (nfase em variveisinstitucionais, culturais e contextuais) (NESBITT-LARKING, 2004).

    O autor divide a formao da Psicologia Poltica do Canad emalguns momentos. O primeiro momento a era ecltica. Durante a eraecltica (desde a II Guerra Mundial at anos 60) havia pouca preocupaocom as sistematizaes do conhecimento em disciplinas especicas.Poucas pessoas se caracterizariam, especicamente, como psiclogos

    polticos; nesse momento trs autores so considerados principais:

    Christian Bay: estuda ideologia, comunidade e tem uma concepoclssica de virtude cvica. Faz crticas ao behaviorismo aplicado poltica, mas acredita que uma Cincia Poltica mais til socialmente e sebaseia em uma integrao entre estudantes de poltica e psicologia.

    John Irving: estuda liderana e submisso em Alberta.

    Jean Laponce: estuda topologia mental da poltica, em especial oespectro left-right (direita-esquerda).

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    O segundo momento abordado por Nesbitt-Larking o que marcaa entrada do behaviorismo no pas. O referencial behaviorista vem para

    o Canad principalmente sob a inuencia da academia estadunidense. Obehaviorismo nega conscientemente a postura da era ecltica e assumeposturas mais rgidas nas praticas de pesquisa. Negando a abrangnciaat ento presente no ecletismo, o behaviorismo entra em questo noCanad, como j havia feito nos EUA. Alguns dos autores behavioristasprximos s Cincias Polticas e seus campos de estudo, que Nesbitt-Larking destaca nesse perodo so:

    Meisel: estuda comportamentos eleitorais.

    Pammett e Whittington: estudam a socializao poltica.

    Simeon e Elkins: estudam a tipologia de personalidades polticas.

    Nevitte e colaboradores: estudam o declnio do respeito polticano Canad ps-materialista.

    No terceiro momento da anlise, so abordadas as contribuiesda Psicologia Social politicamente relevantes. Nesse tpico, o autor citacomo temas de destaque: discriminao e etnocentrismo, assim como ofuncionamento do multiculturalismo. Tambm vale destaque a questo daidentidade poltica, em especial no contexto do nacionalismo e relaesFrancs-Ingls no Canad. Muitos psiclogos sociais canadensesentendem o cientista social como tendo o papel de resolver conitospertinentes a sua sociedade. A peculiar situao do Canad (multicultural,bilnge, entre outras caractersticas) faz com que haja interesse em boa

    parte dos acadmicos em estudar conitos entre grupos e como reduzi-los.

    Por m, Nesbitt-Larking (2004) aborda a inuncia do que eledenomina como a Psicologia Poltica da Cognio e da Deciso. Comogrande referencia dessa linha, citado Peter Suedfeld, o qual, junto aseus colegas, desenvolveu uma tcnica para pontuar a complexidadecognitiva dos lideres polticos. De forma menos signicativa, tambm halgumas contribuies canadenses ao estudo das relaes internacionaise existem alguns pesquisadores de vertente psicanaltica que estudamas decises polticas no limitadas ao contexto canadense.

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    Mesmo com a grande inuencia liberal-individualista dos EstadosUnidos da Amrica, o Canad ainda possui traos culturais que nocederam completamente aos padres estadunidenses. Tal resistncia determinante na academia canadense. Nesbitt-Larking (2004) abordaalguns autores e estudos que, segundo ele, demonstram que o ecletismocitado inicialmente ainda existe no Canad. Entre esses autores estoPaul Roazen, Vivian Rakoff e dois estudiosos do autoritarismo, BobAltermeyer e H. D. Forbes. Tambm citado um importante autor decrticas marxistas Psicologia e Psicologia Social, W. Peter Archibald.Isaac Prilleltensky outro psiclogo poltico de vertente socialista queobteve destaque no Canad ao mostrar como teorias da Psicologia Social

    e estratgias de libertao prximas s de Paulo Freire podem ser usadasno combate opresso. Por m, h tambm um grupo de pesquisadoras(Bashevkin, Bell, Brodie, Everit, Gidengil, Shutz e Steinberg.) que tem sededicado ao estudo da questo de gnero no Canad.

    Como concluso, Nesbitt-Larking (2004) destaca a bifurcaoexistente na Psicologia Poltica canadense: um ramo principal e umalternativo, marginal e ecltico. Inspirado em Trent e Stein, o autordefende que o Canad est na armadilha da dependncia intelectual,

    pois mesmo tendo algumas idias e perspectivas novas no pas, aCincia Poltica canadense ainda muito dependente principalmente dosEstados Unidos da Amrica. Ele escreve que necessrio desenvolverestudos interdisciplinares e crticos que desaem o ramo principalexistente. Considera que a complexidade cultural e ideolgica do Canadse mostra um confortvel ambiente para o desenvolvimento da PsicologiaPoltica. Por m, independente da vertente (hegemnica ou alternativa),pode-se dizer que a Psicologia Poltica prospera no Canad.

    De acordo com o panorama apresentado acima, so diversas asperspectivas e modelos de Psicologia Poltica no Canad. A linha ditacomo principal prxima das vertentes estadunidenses (principalmente perspectiva psicossocial e ao modelo racionalista). J as escolasque ocupam posies marginais na academia apresentam referenciaisdiversos. Entre esses, foram destacados no texto: o modelo marxista e omodelo liberacionista-crtico.

    Mais recentemente, Catarina Kinnvall e Paul Nesbitt-Larking

    (2011) lanaram um interessante livro intitulado The Political Psychology

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    of Globalization: muslims in the west, no qual tratam das dimensesmulticulturais propriamente ditas. Nele, se abordam as formas que taiselementos transformam as dimenses da vida em um pas marcado pelapluralidade social e religiosa advinda de processos migratrios. Kinnvalle Nesbitt-Larking abordam os processos de globalizao, estabelecendocomparaes entre diferentes estratgias de identidade e regimes decidadania em um contexto de multiculturalismo, no qual cam clarasmuitas das dicotomias existentes entre indivduo e sociedade, entre olocal e o global.

    Notas sobre a produo em Psicologia Poltica no MxicoGraciela Mota (2002) apresenta a realidade que tem se congurado

    no cenrio mexicano, evidenciando a necessidade de um novo enfoquepara a Psicologia Poltica naquele pas. A Psicologia Social e Poltica,de enfoque positivista, mostra-se insuciente para compreender acomplexidade e as possibilidades diversas da realidade mexicana.Uma alternativa apresentada pela autora a psicologia coletiva, a qualpossui, em relao aos modelos positivistas, uma estrutura mais afetiva

    que racional e mais esttica que reexiva. Tal referencial remete aospesquisadores do nal do sculo XIX e meados do sculo XX.

    Mota defende que a cidadania torna-se, devido s especicidadesdo contexto poltico e social do pas, o ponto de partida para a psicologiacoletiva entender diferentes aes que se do no cotidiano mexicano.Essas aes abarcam as diferentes esferas da sociedade: intima, privada,semi-pblica, pblica e civil. O autor do texto ressalta a importncia deno apenas trabalhar com fatos dados, como os referenciais positivistas

    tm feito, mas pensar as possibilidades do porvir. Ou seja, apoiar asaes que podem fazer com que a construo cidad imprima vigncia,qualidade e historicidade democracia.

    Em 1990 publicou-se a importante obra Cuestiones en PsicologiaPolitica en Mxico, organizada por Mota. No contexto mexicano, Mota(2002) d especial destaque aos trabalhos de Fernandez Christlirb,pesquisador que trabalha com psicologia e afetividade coletiva. Noentanto, mesmo evidenciando o destaque a Christlirb, no possvel

    negar a grande diversidade de temas e perspectivas que a PsicologiaPoltica apresenta no Mxico.

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    Como em grande parte dos pases latino-americanos, no Mxicodos anos 1970 surge uma tendncia: a adoo pela Psicologia deum discurso crtico que remete situao de subdesenvolvimento edependncia econmica nos quais os pases latino-americanos estavamimersos. Segundo Mota (2002), dois fatores principais so determinantespara a Psicologia mexicana naquele momento: os processos polticosna Amrica Latina que questionam a hegemonia do capitalismo e odesenvolvimento de quadros cientcos e prossionais da Psicologiaformados principalmente nos Estados Unidos da Amrica.

    Esses fatores combinados levaram a ramos de investigao em

    torno de:Estudos sobre a psicologia dos mexicanos.

    Modelos de conscientizao (pensamento libertador).

    Modernizao do Mxico.

    Psiclogos sociais como fatores de mudana por trs processos:

    a) modelos assistenciais baseados na necessidade de superar aresistncia mudana;

    b) enfoques conscientizadores, prximos ao referencial de PauloFreire.

    c) modelos militantes, muito vinculados a partidos de esquerda.

    Conana nas instituies / identidade e carter nacional.

    Experimentaes de campo para a implementao de perspectivasprossionais de corte pragmtico.

    Opinio pblica (ditaduras e a reproduo de sua hegemonia).

    Meios de comunicao de massa.

    Mota divide a prtica dos psiclogos mexicanos que buscammudanas sociais em dois grandes grupos, denidos por ela como

    posturas:

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    Posturas racionalistas Posturas scio-construtivistas

    Quantitativos Interpretativos

    Modelos assistencialistas Modelos de participao-ao

    Conscientizadores Pragmtica da vida cotidiana

    Militantes Gneses de identidades coletivas

    Psicologia socialPsicologia comunitria e psicologia

    da libertao

    A psicologia coletiva, muito abordada no texto de Mota, seaproxima da postura scio-construtivista. Segundo Christlirb (2009), apsicologia coletiva, diferente da positiva, no pensa que aquilo que sevive diariamente se restringe a atribuies e explicaes lingsticas. Asignicao compartilhada vai alm das palavras. O autor defende que acontribuio latino-americana Psicologia Social consiste na teorizaode uma psicologia coletiva capaz de interpretar os processos afetivos pormeio de uma metodologia compreensiva (2009, p. 7).

    Essa proposta de Psicologia Social latino-americana, a psicologiacoletiva, surge diante de um cenrio no qual a globalizao e as alteraeseconmicas e sociais por ela acarretadas obrigaram as Cincias Sociaisa repensarem seus modelos. O surgimento de conceitos como novosmovimentos sociais, novas identidades coletivas, culturais e nacionaisque se combinam com sua contraparte afetiva (medo, angustia,sentimento de opresso e alienao, etc.) levaram a Psicologia Social apensar nos limites de suas perspectivas e mtodos. Mota (2002) ressalta

    como grandes inuncias tericas da perspectiva de psicologia por elaadotada os autores: Wundt, Le Bon (1963), G. Mead; membros da escolade Frankfurt e Martn-Bar.

    No horizonte da vida cotidiana, a Psicologia Poltica mexicana temanalisado fenmenos como: efeitos da globalizao na desesperanaaprendida, representao social da crise e ausncia de futuro, apercepo social dos modelos polticos frente ao difcil momento quepassa o pas, entre outros. A democracia um tema central nos estudos

    da Psicologia Poltica mexicana. A partir do foco da psicologia coletiva,democracia vista como estilo de vida apoiado na supra-individualidade,

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    cuja manifestao se apresenta com duas caractersticas sobressalentes:irrompe e irracional. Tendo essa perspectiva como base, Mota sepergunta como possvel potencializar a democracia.

    Segundo a autora, a democracia um estilo de vida que gera asi mesmo por igual em todas as esferas sociais. Para ela, necessriofazer das prticas da Psicologia Poltica uma proposta alternativa para odesenvolvimento da cultura democrtica. A Psicologia Poltica prxima psicologia coletiva pode proporcionar novos olhares para a democracia,pois no se limita anlise dos elementos lingsticos, mas abarca oselementos estticos. Segundo Christlirb, ela lida com o signicado dos

    afetos, dos sentimentos, das paixes, das motivaes, que escapam sua expresso verbal (2009, p. 4).

    Entretanto, a Psicologia Poltica mexicana no composta apenaspela vertente que segue o referencial da psicologia coletiva. Mota (2002)escreve que a Psicologia Poltica responde s vertentes de anlise einvestigao da vida pblica por trs perspectivas:

    Racionalismo e positivismo

    Viso compreensiva e interpretativa (psicologia coletiva)

    Tradio interpretativa que se aproxima de uma fenomenologia decunho cientco

    Segundo a autora, as caractersticas da globalidade (polaridadenorte-sul) e o sentido das diferenas por ela intensicadas levam-na aadotar uma Psicologia Poltica de cortes coletivos e scio-construtivistas.Porm, ela no adota uma postura isolacionista; pelo contrrio, convoca

    os diferentes referenciais envolvidos com a melhora da vida cotidiana eda democracia para agir em conjunto em prol de uma agenda comum depesquisas e aes prossionais (Mota, 2002).

    Como ca evidente, a posio de Mota que no Mxico a PsicologiaPoltica apresenta referenciais diversos. Podemos destacar, a partir dotexto abordado, que, entre esses diferentes referenciais, evidente apolaridade entre o modelo racionalista e o modelo da psicologia coletiva,o qual adotado e defendido pela autora.

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    Notas sobre a produo em Psicologia Poltica na Argentina

    Silvina Brussino, Hugo H. Rabbia e Dbora Imhoff (2010)publicaram um artigo que faz uma importante reviso da PsicologiaPoltica Argentina. Esse texto particularmente importante porque, comoPaul Nesbitt-Larking (2004) e Graciela Mota (2002), apresentam o estadoda arte da Psicologia Poltica, recuperando os principais elementoshistricos que possibilitaram a emergncia do campo nesse pas.

    Para eles, a Psicologia Poltica um campo evidentementeinterdisciplinar com variedades tericas e metodolgicas. Eles defendem,baseados em Goodin e Klingermann, que a Psicologia Poltica umadisciplina hbrida, com elementos de Psicologia, Poltica e, s vezes,Psicologia Social e cognitiva. A Psicologia Poltica abarcaria a psicologiada poltica e a poltica da psicologia. Segundo os autores, a psicologiapode ser poltica e politizada em diversas vertentes e no s a poltica.

    Na Argentina, a Psicologia Poltica ainda est no incio de seudesenvolvimento. Como campo, ela surge na dcada de 80 com a voltada democracia ao pas. No entanto, h elementos que remetem a ela emestudos da psicanlise, poltica e psicologia social desde a dcada de1960 e inicio da dcada de 1970 (BRUSSINO; RABBIA; IMHOFF, 2010).

    O campo passa por um momento de crescimento. Os principaisgrupos, com distintos graus de institucionalizao, que se identicamcomo sendo de Psicologia Poltica encontram-se sediados em BuenosAires (liderado por Orlando DAddamo e Virgnia Garcia Beaudoux,Universidad de Buenos Aires), San Lus (liderado por Elio Parisi e AngelKautch, Universidad Nacional de San Luis) e Crdoba (liderado pro

    Silvina Alejandra Brussino, Universidad Nacional de Crdoba). Ainda quepoucos, esses grupos esto, de modo positivo, bem dispersos pelo pas,ou seja, os debates e embates da Psicologia Poltica no se reduzem cena portenha, visto que, na capital, encontra-se cerca de um tero dapopulao do pas.

    No que diz respeito insero da Psicologia Poltica no espaoformativo, se pode dizer que ela ainda uma disciplina pouco presentetanto na Psicologia como nas Cincias Sociais. No entanto, a falta de

    associaes, congressos e publicaes prprias da rea ainda parece sero maior dcit da Psicologia Poltica na Argentina (BRUSSINO; RABBIA;

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    IMHOFF, 2010). Contudo, esse um ponto que est em franco processode mudana, visto que nos dias 2 a 4 de novembro de 2011, o Grupode Psicologia Poltica da Universidad Nacional de Crdoba sediou o IEncuentro Ibero-Latinoamericano de Psicologia Poltica, ocasio na qualse fundou a Associao Ibero-Latinoamericana de Psicologia Poltica e sederam passos signicativos para a criao de uma Associao Nacionalnaquele pas, a exemplo do que ocorre no Brasil, na Frana e nos EstadosUnidos da Amrica. As condies para isso so as melhores, visto que,alm de grupos consolidados e com uma importante produo no campo,o grupo de San Lus, h 10 anos, publica um peridico intitulado RevistaElectrnica de Psicologa Poltica, o qual permite captar importantes

    contribuies para o campo advindas de todo o pas e do exterior. Outroelemento positivo so os laos estreitos que os grupos da Argentinae do Brasil mantm no campo da Psicologia Poltica. Tal processo deintercmbio possibilita que se produzam avanos cientcos importantes,na medida em que h a realizao de atividades que aproximam ascomunidades cientcas brasileiras e argentina.

    Segundo Brussino, Rabbia e Imhoff (2010), os primeiros trabalhosde Psicologia Poltica na Argentina, surgidos na dcada de 1980, so

    do campo psicanaltico e falam sobre os envolvimentos dos psiclogosnas lutas sociais e polticas da poca. Autores do perodo, importantesa serem lembrados, so Langer, que estuda o movimento feminista, oconito armado centro-americano e o imperialismo dos EUA na regio;Pichn-Riviere (1998, 2005) que, a partir da psicanlise, chega a umapsicologia social que dene como crtica vida cotidiana. Riviereestudao comportamento poltico, situaes de emergncia social e mecanismosde criao. Esse autor argentino, junto a Paulo Freire e Martn-Bar,atribui importante centralidade ao processo educativo na busca por

    mudanas de atitudes que levem superao das formas de dominao(Psicopedagogia e uma Psicologia da libertao).

    A partir do artigo que usamos como referencia nesse tpico,podemos perceber que, com a volta da democracia, a abordagempsicanaltica se concentra nos estudos das conseqncias (individuaise coletivas) do tempo em que o pas esteve submetido ditaduramilitar; alm disso, tambm estudado o papel que os psiclogosdesempenhavam nesse perodo. Assim, os estudos de psicanlise e

    poltica foram predominantes durante os anos 80 e comeo dos anos

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    90. Destaque para o volume Argentina: psicanlise, represso poltica,que trata do processo de sade-doena frente aos traumas psquicoscausados pelo terrorismo de Estado. Alm desse volume, h tambmos estudos de Aguiar, sobre as conseqncias psicossociais da ditaduramilitar e de Ricn, sobre os efeitos do autoritarismo. Devem ainda sercitadas a equipe de Asistencia Psicolgica de Madres de Plaza de Mayo(hoje EATIP) e o Laboratorio de Psicologa y Justicia, ambos abordando,de forma interdisciplinar com a psiquiatria, a questo da violaosistemtica dos direitos humanos.

    Brussino, Rabbia e Imhoff (2010) escrevem que as peculiaridades

    do novo sculo (crise, movimentos sociais e novas prticas sociais epolticas) despertaram um novo interesse de psicanalistas nos estudosde efeitos traumticos de situaes de emergncia social. Pode sercitado como referencia a esse perodo a obra de Bleichmar, Dolor Pas. evidente que as situaes sociais, polticas e econmicas da Argentinaimpulsionaram, em muito, os estudos da Psicologia Poltica.

    Mas, a primeira contribuio argentina Psicologia Poltica foi acompilao de Rodriguez Kauth, Psicologia Poltica Latinoamerica. Kauth

    possui trabalhos sobre racismo, discriminao, xenofobia, ideologia,colonialismo do saber e, especialmente, sobre o papel do psiclogo nocampo poltico.

    Aps o retorno democracia, surgem necessidades sociais deintegrao nacional e regional. Aparecem ento como centrais estudossobre nacionalismo, representaes sociais e esteretipos nacionais,alm de estudos sobre a reconstruo de uma cultura cvica frente aosdifceis tempos da ditadura militar. So diversos os grupos que estudam

    temticas relacionadas a esse perodo de volta democracia. O grupode DAdamo e Garcia Beaudoux tm estudado nos ltimos temposcampanhas eleitorais e conseqncias da comunicao poltica. A CtedraII de Psicologia Poltica da Universidade de Buenos Aires (coordenadapor Benbenaste e Delno) estuda a ao poltica convencional ou no;atitudes scio-polticas dos estudantes universitrios e os vnculosentre a Psicologia Poltica e a economia. H tambm estudos sobrecorrupo, aspectos psicossociais relacionados ao bem-estar, e valorese emoes que afetam o comportamento poltico dos cidados. E, desde

    2008, h um grupo dirigido por Zurieta, que estuda participao poltica,

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    cognio social, crenas em um mundo justo, norma perversa e culturada transgresso, psicologia social do bem estar, conana institucional,percepo de problemas sociais, clima social emocional, psicologiasocial do gnero, representaes sociais da historia e memria coletiva(BRUSSINO; RABBIA; IMHOFF, 2010).

    Brussino e seus colaboradores apontam que o grupo dePsicologia Poltica do laboratrio de psicologia cognitiva de UNC temcomo grandes referncias na Psicologia Poltica a sociologia polticaestadunidense e a Psicologia Poltica espanhola. Partindo da crise deconana institucional e das novas formas de participao, os estudos

    foram focalizados no comportamento poltico e nos fundamentospsicossociais da cultura poltica dos cordobenses. Dirigidos por Brussino,esses pesquisadores abordam a modalidades de vinculao poltica dacidadania e a mobilizao cognitiva, destacando o poder preditivo dasvariveis psicossociais nas relaes que os cordobenses estabelecemcom as instituies polticas. As grandes questes que o grupo consideraque merecem aprofundamento so: modos de participao e dilemaatividade-inatividade.

    Atualmente, surge interesse nesse grupo sobre os marcossociais que inuenciam o processamento cognitivo do poltico natomada de decises polticas e na participao poltica. Por essa via, ogrupo chega aos estudos sobre ideologia. Alm do grupo de Brussino,trabalha em Crdoba o pesquisador Andrea Bonvillani, que aborda asubjetividade poltica dos jovens. H tambm contribuies com estudosda subjetividade poltica a partir de outras reas da Psicologia.

    Segundo Brussino, Rabbia e Imhoff (2010), mesmo com variasreas e grupos de estudo existentes, a Psicologia Poltica ainda muitopouco presente nas salas de aula na Argentina de 40 carreiras, apenasquatro tm a disciplina de Psicologia Poltica. Os autores apresentam ostpicos desenvolvidos em cada universidade:

    Universidade de Buenos Aires: processos eleitorais, participaopoltica e comunicao poltica (DAdamo). Poder e autoridade,autoritarismo, populismo, democracia, mercado e consumo, campanhas

    polticas e ps-modernidade (Biglieri).

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    Universidade de So Luis: ideologia poltica, liderana poltica,discurso poltico, economia e poltica e direitos humanos.

    Universidade Belgrano: comportamentos de anlises da sociedadepoltica, os condicionamentos psicolgicos da ao poltica, as massas eo comportamento psicolgico frente s decises polticas.

    Universidade Nacional de Crdoba (Brussino): socializaopoltica, ao poltica individual e coletiva, violncia poltica, corrupopoltica, liderana poltica, opinio pblica e marketing poltico e umunidade introdutria sobre teoria poltica.

    H outras cinco universidades que possuem contedos dePsicologia Poltica em cursos de Cincias Polticas e RelaesInternacionais. Na ps-graduao h uma especializao em PsicologiaPoltica e Economia na Faculdade de Psicologia de Buenos Aires.Tambm h uma disciplina obrigatria de Psicologia Social e Polticano segundo ano de doutorado em Psicologia Social na UniversidadeArgentina John F. Kennedy.

    A produo do campo tem se concentrado na Revista Electrnicade Psicologia Poltica, sendo que os artigos com carter prximo aPsicologia Poltica no superaram uma dezena at 2009 nas demaisrevistas de Psicologia. Outro grande dcit relacionado aos eventosacadmicos da rea. Em dois congressos realizados no pas, aPsicologia Poltica abordada como um eixo prximo Psicologia Sociale Comunitria, e, em outro evento, foi incorporado um painel especicosobre Psicologia Poltica. Deve-se considerar ainda que alguns trabalhosprximos Psicologia Poltica, mas no identicados como sendo de

    Psicologia Poltica, so apresentados em outros espaos. No entanto,mesmo contabilizando essa estimativa, ainda muito reduzido o nmerode trabalhos prximos a esse campo de conhecimento.

    Analisando a produo recente dos grupos de Crdoba e de SanLuis, podemos perceber que a Psicologia Poltica tem duas perspectivasprincipais: a psicanlise e a psicossocial de carter principalmentecognitivo. Mas, se por um lado, ela constitui-se como um campo

    marcadamente psicolgico, ela, como no Canad e no Brasil, mostra-seaberta a superar essas fronteiras disciplinares. Exemplo disso o fato

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    de que em dez cursos de Cincias Sociais existentes no pas, seis tm adisciplina e como obrigatria em suas grades curriculares.

    Como pde car claro durante nossa exposio, a PsicologiaPoltica um campo extremamente diverso e plural. So muitas aspossibilidades existentes de temas, objetivos, perspectivas e modelos. Oque nos parece importante ressaltar que, mesmo destacando algumasvertentes predominantes nos pases abordados, no esperamos deforma alguma ter abarcado toda a diversidade que a Psicologia Polticaapresenta mesmo nos locais onde ainda est comeando a ocuparespao.

    interessante pensar como a Psicologia Poltica se desenvolveem cada realidade. Mesmo tendo trabalhado com breves snteses, no difcil perceber o quanto a Psicologia Poltica, seus mtodos e teorias,esto vinculados realidade na qual ela est inserida. O multiculturalismocanadense, assim como as posies de subdesenvolvimento e osprocessos de democratizao na Amrica Latina marcam em profundidadeo carter da Psicologia Poltica nesses pases. No que se diz respeitoaos Estados Unidos, a sua fora econmica e poltica facilmente

    percebida tambm no que se refere ao mundo acadmico. Em todosos contextos abordados nesse capitulo, evidente a inuncia que osEUA exercem sobre o campo da Psicologia Poltica. No entanto, mesmoadotando referncias de origem estrangeira (estadunidenses ou no),muitos tericos conseguem adaptar tais abordagens s problemticas etemas de suas prprias realidades. Esse o caso que podemos vericarquando pesquisadores argentinos adotam modelos psicanalticos parapensar sobre os efeitos que o perodo de ditadura militar em seu pasexerceu sobre os sujeitos. Outro exemplo para esse tipo de apropriao

    o Canad, no qual autores tomam modelos behavioristas estadunidensespara tentar pensar sobre questes de seu contexto, como o declnio dorespeito poltica.

    Escrevendo sobre a Psicologia Poltica, Montero e Dornadestacam que uma de suas caractersticas marcantes sua estreitacorrespondncia com sistemas de vida, sociedades especcas comfenmenos sociais particulares [...]. Trata-se de uma psicologia queresponde s vivncias e exigncias do lugar em que produzida (1993,

    p. 13).

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    Assim, o objetivo que esperamos ter alcanado com essa brevesntese evidenciar o quanto a Psicologia Poltica nasce e se desenvolveem intima relao com os ambientes sociais e histricos no qual ela estinserida. Alm disso, nossa meta no fazer com que o leitor tenhaacesso a todas as possibilidades, mas que ele se d conta do quoampla a rea, o quo diversos so seus conitos e o quanto ainda hpor ser descoberto.

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    Poder, Loucura e Prises

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    TRS HIPTESES PARA UMA TEORIA DO PODER EM FOUCAULT

    Felipe Corra Pedro4

    Contribuies tericas sobre o poder, a partir de distintasperspectivas, so fundamentais para os estudos da mudana social e da

    participao poltica. Este ensaio tem por objetivo apresentar hiptesesde Michel Foucault para uma teoria do poder, buscando respostas paraas seguintes questes: O que so o poder e as relaes de poder?Aonde est o poder e aonde se do as relaes de poder? Como seconstitui o poder e como funcionam as relaes de poder? Para isso,sero utilizadas duas compilaes que renem artigos e entrevistas doautor sobre o tema em questo: Microfsica do Poder e Estratgia Poder-Saber.

    Fala-se em hipteses, pois, para uma compreenso do poderem Foucault como realiza, por exemplo, Toms Ibez (1982) necessrio ler todo o conjunto de sua extensa obra. As hipteses aquielaboradas partem, por isso, de um conjunto limitado de artigos que foramescritos em diferentes pocas, e que, portanto, inserem-se em distintoscontextos histricos. Ainda que a seleo dos artigos tenha sido feita apartir do objeto em questo, o poder, no h como no se levar em contaessa limitao das fontes e tambm o risco da falta de contextualizaohistrica. Soma-se a isso a diculdade no tratamento do objeto, j que

    4Mestrando da Escola de Artes, Cincias e Humanidades da Universidade de So Paulo.

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    Poder,Locura e Prises 39

    Foucault nunca teve inteno de criar uma teoria do poder; desenvolveuconceitos na medida em que necessitava para o estudo prtico de seusobjetos: sexualidade, psiquiatria, medicina, etc. situaes concretas ereais, a partir das quais, agora, se buscar extrair elementos relevantespara uma teoria do poder. Essa sistematizao do pensamento deFoucault ser realizada, algumas vezes, a partir de categorias exterioresa seu pensamento, visando a melhor sistematizao e compreenso doobjeto em questo.

    A necessidade de instrumentos para a anlise do poder

    Para Foucault, ainda que seja fundamental pensar esse problemado poder, haveria ausncia de instrumentos conceituais para pens-lo. (2006, p. 226) O poder, em suas estratgias, ao mesmo tempogerais e sutis, em seus mecanismos, nunca foi muito estudado (2005,p. 141); faltaria uma anlise estratgica prpria luta poltica lutano campo do poder poltico. (2006, p. 251) Por esses motivos, torna-seum problema terico central forjar instrumentos de anlise [...] sobre arealidade que nos contempornea e sobre ns mesmos. (2006, p. 240)

    O estudo do poder necessita conceber a teoria como uma caixade ferramentas, o que signica que se trata de construir no um sistema,mas um instrumento: uma lgica prpria s relaes de poder e s lutasque se engajam em torno delas, e, ao mesmo tempo que essa pesquisas pode se fazer aos poucos, a partir de uma reexo (necessariamentehistrica em algumas de suas dimenses) sobre situaes dadas.(2006, p. 251) Essa concepo da teoria como caixa de ferramentasimplica um conjunto de instrumentos que, de acordo com uma situao

    dada, pode-se utilizar, tendo por objetivo uma anlise determinada e queserve para algumas situaes, mas no necessariamente para todas. Anecessidade de que a pesquisa sobre as relaes de poder utilize-se deuma abordagem histrica, constitui uma rejeio de esquemas puramentesociolgicos, que poderiam ser aplicados em qualquer circunstncia,independente dos fatores tempo e lugar: se o objetivo for construir umateoria do poder, haver sempre a necessidade de consider-lo como algoque surgiu em um determinado ponto e em um determinado momento, deque se dever fazer a gnese e depois a deduo.

    Qualquer um que tente fazer qualquer coisa elaboraruma anlise, por exemplo, ou formular uma teoria

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    deve ter uma idia clara da maneira como quer quesua anlise ou sua teoria sejam utilizadas; deve sabera que ns ele almeja ver se aplicar a ferramenta que

    ele fabrica que ele prprio fabrica , e de que maneiraele quer que suas ferramentas se unam quelasfabricadas por outros, no mesmo momento. Consideromuito importantes as relaes entre a conjunturapresente e o que fazemos no interior de um quadroterico. preciso ter essas relaes de modo bemclaro na mente. No se podem fabricar ferramentaspara no importa o qu; preciso fabric-las para umm preciso.

    Portanto, o terico deve ter em mente a nalidade da ferramentaque elabora e saber como essa ferramenta relaciona-se com a conjunturaque deseja analisar. A insucincia de instrumentos conceituais para umaanlise mais aprofundada do poder tem de se ser suprida com a elaboraode uma teoriaque oferea ferramentas capazes de proporcionar a devidacompreenso das relaes de poder. Se o poder na realidade umfeixe aberto, mais ou menos coordenado de relaes, [...] ento o nicoproblema munir-se de princpios de anlise que permitam uma analticadas relaes de poder. (2005, p. 248)

    Questes centrais para a compreenso do poder

    Pode-se perguntar: o poder no um tema central das cinciashumanas em geral e das cincias sociais em particular, que vem sendoestudado h sculos? Pode-se armar que sim. No entanto, Foucaultacredita que as formulaes tericas que tentaram constituir ferramentaspara as anlises do poder possuem srias limitaes. Buscando trabalhar

    sobre esse conjunto terico para a compreenso mais adequada ecompleta do poder, ele aprofunda as anlises clssicas sobre o tema ecoloca vrias delas em xeque, agregando novos elementos que permitemuma compreenso mais signicativa da questo.

    As hipteses para uma teoria do poder em Foucault, comocolocado, sero constitudas a partir de respostas s seguintes questes:1. O que so o poder e as relaes de poder? 2. Aonde est o poder eaonde se do as relaes de poder? 3. Como se constitui o poder e como

    funcionam as relaes de poder? Elas apontam para a denio do poderem termos de relao de fora, para sua localizao em todo o corpo

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    social e para uma dinmica que inclui constante movimento, e inunciasmltiplas horizontais (entre as esferas sociais) e verticais (ascendente edescendente).

    O poder e as relaes de poder

    O poder como produo

    Foucault acredita que muitas anlises do poder tentam vincul-loa uma concepo fundamentalmente negativa, repressiva, de reduodos procedimentos de poder lei de interdio dando-lhe conotao

    jurdica, repressiva e associando-o exclusivamente ao Estado. Emgeral, nessas anlises, o problema sempre apresentado nos mesmostermos: um poder essencialmente negativo que supe, de um lado, umsoberano, cujo papel o de interditar e, do outro, um sujeito que deve,de certa maneira, dizer sim a essa interdio. Essa abordagem permitetrs armaes:

    Ela permite fazer um esquema do poder que homogneo no importa em que nvel nos coloquemos

    e seja qual for o domnio (famlia ou Estado, relaode educao ou de produo). Ela permite nuncapensar o poder seno em termos negativos: recusa,delimitao, barreira, censura. O poder o que dizno. E o enfrentamento com o poder assim concebidos aparece como transgresso. Ela permite pensara operao fundamental do poder como um ato defala: enunciao da lei, discurso da interdio. Amanifestao do poder reveste a forma pura do tuno deves. (2006, pp. 246-247)

    Para Foucault, essa abordagem insuciente; aceit-la seriaadotar uma posio estreita e esqueltica. Se o poder fosse somenterepressivo, questiona, se no zesse outra coisa a no ser dizer no,voc acredita que seria obedecido? A resposta clara: no; o que fazcom que o poder se mantenha e que seja aceito simplesmente queele no pesa s como uma fora que diz no, mas que de fato permeia,produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.

    A insucincia da concepo essencialmente negativa do poderdemonstra-se pela maior relevncia de seus aspectos produtivos: o

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    poder uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social, muitomais do que uma instncia negativa que tem por funo reprimir. (2005,p. 8) Assim, ainda que o poder possua aspectos negativos, eles seriamsecundrios em relao aos produtivos: o interdito, a recusa, a proibio,longe de serem as formas essenciais do poder, so apenas seus limites,as formas frustradas ou extremas. As relaes de poder so, antes detudo, produtivas. (2005, p. 236)

    Se o poder s tivesse a funo de reprimir, seagisse apenas por meio da censura, da exclusodo impedimento, do recalcamento, maneira de umgrande super-ego, se apenas se exercesse de um

    modo negativo, ele seria muito frgil. Se ele forte, porque produz efeitos positivos a nvel do desejo como se comea a conhecer e tambm a nvel dosaber. O poder, longe de impedir o saber, o produz.(2005, p. 148)

    A fora do poder est justamente em sua possibilidade produtiva.Compreender o poder, portanto, implica rechaar seu aspectoessencialmente negativo denido exclusivamente em termos jurdicos,repressivos e, frequentemente, de Estado e assumir que o poder

    permeia as relaes sociais, produzindo, induzindo, constituindo. Opoder pode possuir aspectos de negao, mesmo que nunca se resumaa eles, visto que ele envolve, acima de tudo, a produo.

    O poder como relao de fora

    A partir desse sentido do poder, haveria uma insucincia dasteorias provenientes tanto do campo da direita como da esquerda.

    No vejo quem na direita ou na esquerda poderia ter colocado esteproblema do poder, enfatiza Foucault. Pela direita, vinha sendo colocadosomente em termos de constituio, de soberania, em termos jurdicos.Pela esquerda, fundamentalmente no marxismo, vinha sendo abordadoem termos de aparelho do Estado. Ningum se preocupava com a formacomo ele se exercia concretamente e em detalhe, com sua especicidade,suas tcnicas e suas tticas. Ainda que, aparentemente, se tratasse dotema, a mecnica do poder nunca era analisada. Situao que s semodicaria no m dos anos 1960:

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    Poder,Locura e Prises 43

    S se pde comear a fazer este trabalho depois de1968, isto , a partir das lutas cotidianas e realizadasna base com aqueles que tinham que se debater

    nas malhas mais nas da rede do poder. Foi a queapareceu a concretude do poder e ao mesmo tempoa fecundidade possvel destas anlises do poder, quetinham como objetivo dar conta destas coisas que atento tinham cado margem do campo da anlisepoltica. (2005, p. 6)

    Para que as anlises do poder fossem realizadas a contento, omodelo que se apia nas solues eminentemente jurdicas que trata aproblemtica do poder somente em termos de constituio, lei, proibio

    etc. deveria ser descartado, pois, tendo sido muito utilizado, mostrou-seinadequado. Por essa insucincia, pareceria mais adequado um outromodelo, chamado de guerreiro ou estratgico, ou seja, aquele que sefundamenta nas relaes de foras.

    Conceber o poder a partir das relaes de foras concilia duashipteses: por um lado, os mecanismos de poder seriam de tiporepressivo, idia que chamarei por comodidade de hiptese de Reich,por outro, a base das relaes de poder seria o confronto belicoso deforas, idia que chamarei, tambm por comodidade, de hiptese deNietzsche. Duas hipteses que no so inconciliveis e parecem searticular. Essa concepo do poder, deduzida das hipteses de Reiche Nietzsche, diferencia-se de outra mais clssica, se poderia dizer,utilizada por lsofos do sculo XVIII , que se fundamenta no podercomo direito originrio que se cede, constitutivo da soberania, tendo ocontrato como motriz. Assim concebido, o poder se fundamentaria naidia de um contrato e os excessos ou rompimentos desse contrato

    poderiam tornar-lhe opressivo. As hipteses de Reich e Nietzsche,distintamente da concepo contratual de poder, buscariam analisar opoder poltico, no mais segundo o esquema contrato-opresso, massegundo o esquema guerra-represso; assim, a represso no seriamais o que era a opresso com respeito ao contrato, isto , um abuso,mas, ao contrrio, o simples efeito e a simples continuao de umarelao de dominao. A represso seria a prtica, no interior destapseudo-paz, de uma relao perptua de fora. (2005, pp. 176-177)

    Na tentativa de constituir uma hiptese que funcione comoresposta primeira questo central sobre o poder O que so o poder

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    e as relaes de poder? , cabe ressaltar que talvez ainda no sesaiba o que o poder. Suas investigaes, em grande medida, buscamcompreender as relaes de poder como colocado, fundamentalmenteem seus micro-nveis para que se chegue a uma resposta adequadapara a complexa questo. Apesar da reticncia em apontar inicialmenteum conceito bem denido, Foucault traz elementos relevantes para sepensar a questo. Um primeiro aspecto, negado inicialmente, que nose pode conceber o poder simplesmente como um sinnimo de Estado:a teoria do Estado, a anlise tradicional dos aparelhos de Estado semdvida no esgotam o campo de exerccio e de funcionamento do poder.(2005, p. 75) Assim, necessrio conceber uma denio mais ampla,

    que d conta de um fenmeno que pode ter relaes com o Estado, masque no se resume a ele.

    Fundamentando-se na hiptese de Nietzsche, Foucault questiona:se o poder , em si prprio, ativao e desdobramento de uma relaode fora [...], no deveramos analis-lo, acima de tudo, em termos decombate, de confronto e de guerra?. Trabalhar com essa hiptese,signicaria que o poder guerra, guerra prolongada por outros meios.A clssica posio de Clausewitz, de que a guerra continuao da

    poltica por outros meios, seria, assim, invertida, podendo-se armarque a poltica a guerra prolongada por outros meios, inverso quepermite trs armaes.

    1.) Que as relaes de poder nas sociedades atuaistm essencialmente por base uma relao de foraestabelecida, em um momento historicamentedeterminvel, na guerra e pela guerra. E se verdadeque o poder poltico acaba a guerra, tenta impor a pazna sociedade civil, no para suspender os efeitos

    da guerra ou neutralizar os desequilbrios que semanifestaram na batalha nal, mas para reinscreverperpetuamente estas relaes de fora, atravs deuma espcie de guerra silenciosa, nas instituies enas desigualdades econmicas, na linguagem e atno corpo dos indivduos. A poltica a sano e areproduo do desequilbrio das foras manifestadasna guerra.

    2.) Que, no interior desta paz civil, as lutas polticas,os confrontos a respeito do poder, com o poder e pelopoder, as modicaes das relaes de fora em

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    Poder,Locura e Prises 45

    um sistema poltico, tudo isto deve ser interpretadoapenas como continuaes da guerra, comoepisdios, fragmentaes, deslocamentos da prpria

    guerra. Sempre se escreve a histria da guerra,mesmo quando se escreve a histria da paz e de suasinstituies.

    3.) Que a deciso nal s pode vir da guerra, de umaprova de fora em que as armas devero ser os juizes.O nal da poltica seria a ltima batalha, isto , s altima batalha suspenderia nalmente o exerccio dopoder como guerra prolongada. (2005, p. 176).

    A utilizao da lgica da guerra e da paz para a explicao dopoder fundamenta-se no fato de que poder implica fora, j que relaesde poder implicam relaes de foras. Foras que estariam em disputa,em luta permanente, em correlao e num jogo contnuo e dinmicochamado de guerra, dentro do qual distintas ferramentas e tecnologiaspoderiam ser utilizadas para a ampliao das foras. A guerra, nessesentido, no pode ser entendida somente como conito armado ou militar,mas como disputa e luta permanentes entre as diversas foras em jogo,que podem ser mais ou menos evidentes e violentas, mas que sempre

    existem e possuem um custo para aqueles que detm o poder.

    o nvel de estabilidade das foras em jogo, conforme elas seassentam, que determina o que se chama mais comumente de situaode guerra ou de paz. A paz, no entanto, no mais do que uma situaode guerra estabilizada, em que determinadas foras se impem, aindaque isso acontea sem o m das outras foras de menor eccia. Porisso se arma que, mesmo na paz, h guerra, j que, ainda que umafora tenha se imposto na relao, as outras, ou mesmo novas foras,

    continuaro a disputa e a luta, mais ou menos evidentemente.

    O conjunto ou o universo de regras que deriva de uma situao deconito, e, portanto, da guerra, e que por vezes institui a paz, satisfazem,na realidade, a violncia intrnseca ao jogo de poder;

    Esse universo de regras [...] no destinado a adoar,mas ao contrrio a satisfazer a violncia. Seria um erroacreditar, segundo o esquema tradicional, que a guerrageral, se esgotando em suas prprias contradies,

    acaba por renunciar violncia e aceita sua prpria

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    supresso nas leis da paz civil. A regra o prazercalculado da obstinao, o sangue prometido. Elapermite reativar sem cessar o jogo da dominao; ela

    pe em cena uma violncia meticulosamente repetida.O desejo da paz, a doura do compromisso, a aceitaotcita da lei, longe de serem a grande conversomoral, ou o til calculado que deram nascimento regra so apenas seu resultado e, propriamentefalando, sua perverso: Falta, conscincia, dever tmsua emergncia no direito de obrigao; e em seuscomeos, como tudo o que grande sobre a Terra, foibanhado de sangue. (2005, p. 25)

    Portanto, a paz a instituio, ou a prpria institucionalizao,da violncia da guerra. nesse sentido que um conjunto de decisess pode, realmente, vir da guerra, j que as decises surgem a partir doestabelecimento de relaes de poder, as quais envolvem foras em jogo.Uma relao de poder tem por base uma relao de fora estabelecida,ou seja, quando, em uma determinada correlao de foras, algumadelas se impe em relao s outras, h uma relao de poder, que estlocalizada no tempo e no espao. Por isso, a poltica dene-se comoa interveno/participao em uma determinada correlao de foras,

    sempre desequilibrada, que pode realizar-se em sentido favorvel, deimpulsionar determinada fora, ou no sentido oposto, de cont-la. Nessesentido, a histria s poderia ser uma histria do poder, forjada nasrelaes de dominao, responsvel por estabelecer, no corpo social,

    dominadores e dominados. Homens dominam outroshomens e assim que nasce a diferena dos valores;classes dominam classes e assim que nasce aidia de liberdade; homens se apoderam de coisas

    das quais eles tm necessidade para viver, eles lhesimpem uma durao que elas no tm, ou eles asassimilam pela fora e o nascimento da lgica.(2005, pp. 24-25)

    Um acontecimento histrico, nesse sentido, uma relao deforas que se inverte, um poder conscado, um vocabulrio retomadoe voltado contra seus utilizadores, uma dominao que se enfraquece,se distende, se envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada.

    (2005, p. 28) A histria, a realidade, deve ser pensada em termos dasrelaes de poder, uma concepo que permite armar o poder como o

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    Poder,Locura e Prises 47

    motor da histria. Falar que o nal da poltica seria a ltima batalha, e ques essa batalha seria capaz de acabar com a situao de guerra e com oprprio poder, parece uma sutileza para dizer que o nal da poltica, e doprprio poder, s existiria com o m da histria.

    O poder no pode ser apartado da idia de disputa e luta de forasque se impem umas s outras e, por isso, faria mais sentido falar emrelaes de poder, e no somente em poder. As relaes de poder souma relao desigual e relativamente estabilizada de foras. (2005, p.250) No entanto,

    a pura e simples armao de uma luta no podeservir de explicao primeira e ltima para a anlisedas relaes de poder. Este tema da luta s se tornaoperatrio se for estabelecido concretamente, e emrelao a cada caso, quem est em luta, a respeitode que, como se desenrola a luta, em que lugar, comquais instrumentos e segundo que racionalidade.Em outras palavras, se o objetivo for levar a srio aarmao de que a luta est no centro das relaesde poder, preciso perceber que a brava e velha

    lgica da contradio no de forma algumasuciente para elucidar os processos reais. (2005,p. 226)

    Analisar o poder, e, portanto, as lutas implicaria, portanto,identicar atores que emergem, que entram em cena, um momento emque as foras passam dos bastidores para o teatro, designando umlugar de afrontamento. (2005, p. 24)

    A relao do poder com a guerra agrega outra implicao derelevncia, que a estratgia: quando falo de estratgia, levo o termo asrio; para que uma determinada relao de foras possa no somentese manter, mas se acentuar, estabilizar e ganhar terreno, necessrioque haja uma manobra. (2005, p. 255) Assim, a estratgia torna-seconceito central ao se tratar do poder, j que a concepo de relaes deforas implicaria sempre uma leitura da realidade, um objetivo estratgicoe conjuntos tticos capazes de conduzir estratgia e aos objetivosalmejados. Analisar o poder seria, em outros termos, realizar uma

    genealogia das relaes de fora, de desenvolvimentos de estratgias etticas (2005, p. 5).

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    Seria possvel ainda armar que o poder um feixe de relaesmais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais oumenos coordenado (2005, p. 248); uma coisa to enigmtica, aomesmo tempo visvel e invisvel, presente e oculta, investida em todaparte (2005, p. 75). Nada mais material, nada mais fsico, maiscorporal que o exerccio do poder (2005, p. 147).

    Uma primeira hiptese oferece elementos, a partir dos argumentosdiscutidos, para uma possvel resposta de Foucault para a questo: Oque so o poder e as relaes de poder? O poder uma relao que seestabelece nas lutas e disputas (na guerra, portanto) entre diversas foras,

    quando uma fora se impe s outras. Assim, poder e relao de poderpodem funcionar como sinnimos. As foras em jogo contnuo, dinmicoe permanente, constituem a base das relaes em qualquer sociedadee as lutas e disputas podem estar mais ou menos evidentes, serem maisou menos violentas, mas sempre existem. As relaes de poder so oconjunto dos poderes que se estabelecem entre as diversas foras em

    jogo. Relaes que s existem no espao e no tempo e que possuemdiferentes caractersticas em termos de organizao, visibilidade, nvelde incidncia e espaos em que se do.

    O locusdo poder e das relaes de poder

    As trs esferas e o poder

    A ttulo analtico, ser considerada a diviso da estrutura sistmicada sociedade em trs esferas fundamentais: econmica, poltica/jurdica/militar e cultural/ideolgica. com base nessa estrutura que se realizara analise de onde se encontra o poder, seu locus, na busca de uma

    hiptese capaz de responder a segunda questo central: Aonde est opoder e aonde se do as relaes de poder?

    A esfera poltica/jurdica/militar

    Como se viu na armao de uma noo produtiva do poder, ateoria do Estado, a anlise tradicional dos aparelhos de Estado, semdvida no esgotam o campo de exerccio e de funcionamento do poder.(2005, p. 75) O poder, em seu exerccio vai muito mais longe, passa

    por canais muito mais sutis, muito mais ambguo (que o aparelho de

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    Poder,Locura e Prises 49

    Estado), porque cada um de ns, , no fundo, titular de um certo podere, por isso, veicula o poder. Isso permite armar que busca pelo locusdo poder no pode resumir-se ao Estado. No se nega, com isso, queno Estado haja poder, mas se arma que o poder tambm se d emesferas e nveis que esto para alm dele. Essa armao no tem,de forma alguma, a inteno de diminuir a importncia e a eccia dopoder do Estado, mas leva em conta que de tanto se insistir em seupapel, e em seu papel exclusivo, corre-se o risco de no dar conta detodos os mecanismos e efeitos do poder que no passam diretamentepelo aparelho de Estado, que muitas vezes o sustentam, o reproduzem,elevam sua eccia ao mximo. (2005, pp. 160-161) Denir o Estado

    como locusexclusivo do poder deixaria de lado uma srie de outros locide signicativa relevncia. A questo do poder ca empobrecida quando colocada unicamente em termos de legislao, de Constituio, ousomente em termos de Estado ou de aparelho de Estado. O poder mais complicado, muito mais denso e difuso que um conjunto de leis ouum aparelho de Estado. (2005, p. 221)

    As relaes de poder se do alm do Estado; existem entre umhomem e uma mulher, entre aquele que sabe e aquele que no sabe,

    entre os pais e as crianas, na famlia. Na sociedade, h milhares emilhares de relaes de poder e, por conseguinte, relaes de foras depequenos enfrentamentos, microlutas, de algum modo. Se por um ladopode haver inuncias do Estado e tambm das dominaes de classenessas outras relaes de poder, possvel armar que o contrriotambm verdadeiro:

    Se for verdade que essas pequenas relaes depoder so com freqncia comandadas, induzidasdo alto pelos grandes poderes de Estado ou pelasgrandes dominaes de classe, preciso ainda dizerque, em sentido inverso, uma dominao de classeou uma estrutura de Estado s podem funcionar seh, na base, essas pequenas relaes de poder.O que seria o poder de Estado, aquele que impe,por exemplo, o servio militar, se no houvesse, emtorno de cada indivduo, todo um feixe de relaesde poder que o liga a seus pais, a seu patro, a seuprofessor quele que sabe, quele que lhe enou

    na cabea tal ou qual idia? A estrutura de Estado,no que ela tem de geral, de abstrato, mesmo de

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    violento, no chegaria a manter, assim, contnua ecautelosamente, todos os indivduos, se ela no seenraizasse, no utilizasse, como uma espcie de

    grande estratgia, todas as pequenas tticas locaise individuais que encerram cada um entre ns.(2006, pp. 231-232)

    Um sistema terico que fundamente uma estratgia de atuaodeve considerar seriamente o pressuposto metodolgico de que opoder no est localizado no aparelho de Estado e que nada mudarna sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo,ao lado dos aparelhos de Estado, a um nvel muito mais elementar,

    cotidiano, no forem modicados. (2005, p. 149-150).

    Em vez de orientar a pesquisa sobre o poderno sentido do edifcio jurdico da soberania, dosaparelhos de Estado e das ideologias que oacompanham, deve-se orient-la para a dominao,os operadores materiais, as formas de sujeio,os usos e as conexes da sujeio pelos sistemaslocais e os dispositivos estratgicos. E preciso

    estudar o poder colocando-se fora do modelo doLeviat, fora do campo delimitado pela soberaniajurdica e pela instituio estatal. E preciso estud-loa partir das tcnicas e tticas de dominao. Esta, grosso modo, a linha metodolgica a ser seguidae que procurei seguir nas vrias pesquisas quezemos nos ltimos anos. (2005, p. 186).

    Uma anlise do locusdo poder no pode, portanto, resumir-se ao

    Estado, ainda que seja possvel identicar relaes de poder no governo,no judicirio, nas prises, nos hospitais psiquitricos, na polcia, noexrcito, nas leis etc.

    A esfera cultural/ideolgica

    Foucault nega o conceito de ideologia a partir de trs razesfundamentais: A primeira que, queira-se ou no, ela est sempreem oposio virtual a alguma coisa que seria a verdade. A segunda

    que a ideologia refere-se necessariamente a alguma coisa como osujeito e a terceira que a ideologia est em posio secundria com

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    Poder,Locura e Prises 51

    relao a alguma coisa que deve funcionar para ela como infra-estruturaou determinao econmica, material, etc. (2005, p. 7) Essa negaofundamenta-se em um signicado forte do conceito de ideologia. Nessetexto, ao se considerar a ideologia como parte constituinte de umaesfera, adota-se uma compreenso mais prxima do que foi chamado designicado fraco de ideologia5, abrangendo, juntamente com a cultura,o campo das idias, dos discursos, dos valores, da moral, da tica, dasmotivaes, dos desejos, das aspiraes, dos costumes, das crenas, dosaber etc. aspectos centrais na teoria foucaultiana do poder.

    A esfera cultural/ideolgica est cheia de r