PRÁTICAS COTIDIANAS EM UMA SALA DE INGLÊS: UM ESTUDO ...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE
LINGUAGEM
MARIA DE FÁTIMA COMINI DA SILVA
PRÁTICAS COTIDIANAS EM UMA SALA DE INGLÊS: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO
Cuiabá 2014
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MARIA DE FÁTIMA COMINI DA SILVA
PRÁTICAS COTIDIANAS EM UMA SALA DE INGLÊS: UM ESTUDO ETNOGRÁFICO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Estudos Linguísticos Linha de Pesquisa: Paradigma de Ensino de Línguas Orientadora: Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson
Cuiabá 2014
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DEDICATÓRIA
A todos os meus alunos que foram fonte inspiradora
para esta investigação.
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AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho não seria possível sem a participação de pessoas especiais no meu percurso acadêmico, profissional e pessoal. Pessoas que me apoiaram e construíram comigo momentos únicos e inesquecíveis. De modo especial, agradeço:
À minha orientadora, Ana Antônia de Assis-Peterson, por mil e uma razões, incluindo as conversas inquietantes e transformadoras.
Aos meus alunos participantes desta pesquisa, que muito colaboraram
com este trabalho e com o meu aprendizado. Aos professores doutores Diógenes Cândido de Lima e Sérgio Flores
Pedroso, pelas valiosas contribuições que fizeram ao meu trabalho.
À professora Maria Rosa Petroni, pela leitura e avaliação deste trabalho. A todos os professores que contribuíram com suas experiências e
saberes para a construção contínua do meu conhecimento. Ao colega e amigo Arivan Salustiano Silva que sempre me dispensou
seu conhecimento e tempo. E à Danie Marcelo de Jesus, também colega e amigo, incentivador do meu olhar para a escola pública.
Aos diretores, coordenadores e professores das escolas em que trabalho, pelo suporte dado às minhas ausências durante o desenvolvimento desta pesquisa.
À minha irmã Rita Comini e ao meu cunhado Pitolé Sant’Ana pelo
incentivo e pelos maravilhosos almoços, proporcionando mais tempo para meus estudos.
Aos meus amigos que entenderam a minha ausência e distância. Aos meus pais, pelo modo de viver e de perceber o mundo. Ao meu filho Caio, sempre presente em meu coração. Ao meu companheiro Evandro, por me entender e por desejar o meu
sucesso. A Deus, por poder viver todos esses momentos.
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Nada É Impossível De Mudar
Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece
habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural,
nada deve parecer impossível de
mudar.
— Bertold Brecht
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RESUMO
COMINI DA SILVA, Maria de Fátima. Práticas cotidianas em uma sala de inglês: um estudo etnográfico. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem. Orientadora: Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá, MT: Universidade Federal de Mato Grosso, 2014. Não é de hoje que professores e pesquisadores têm apontado desvantagens e deficiências a assombrar o ensino de inglês na escola de ensino regular, geralmente, contrastando-o com as vantagens e eficiências da renomada escola de idioma. Contudo, se a própria escola pública esquecer o cenário idealizado da escola de idioma e pensar o ensino de um outro lugar, outros modos de pensar poderiam abrir novas possibilidades. O objetivo principal deste estudo etnográfico está embasado em dois conceitos – fundos de conhecimento (GONZÁLEZ; MOLL; AMANTI, 2009) e princípio freireano da escuta (FREIRE,1996,1997) –, que destacam a valorização da cultura do aluno, ambos, portanto, são conceitos poderosos para se afastar da teoria do déficit, que só aponta deficiências estruturais e humanas. Para tal, o estudo busca conhecer de modo contextual a prática rotineira da sala de aula de uma professora de inglês, que também assume o papel de pesquisadora, a fim de avaliar se o trabalho desenvolvido com seus alunos está afinado com a pedagogia culturalmente sensível e inclusiva. Os atores da pesquisa são alunos do 2º ano do Ensino Médio Integrado de uma escola pública central de Cuiabá, oriundos de nove comunidades diferentes e a professora-pesquisadora. Por meio de observação participante e entrevistas semi-estruturadas, busca entender o que os atores – professora e alunos – fazem no espaço da sala de aulas e como eles atribuem sentido a esses eventos. São três as perguntas que orientam a pesquisa: O que os atores (professora e alunos) fazem em sala de aula? Como os atores (professora e alunos) atribuem sentidos aos eventos que acontecem em sala de aula? As práticas culturais da turma acolhem a escuta dos alunos? Por um lado, os resultados do estudo mostraram que os recursos dos alunos podem ser mais explorados a fim de ampliar o empoderamento do estudante sobre seu próprio aprendizado. Por outro, mostraram que a oralidade e o uso de inglês foram enfatizados na sala de aula e, além disso, a aceitação de tópicos dos alunos pela professora são aspectos que fazem parte da prática da turma e podem ser interpretados como índices de acolhimento à escuta dos alunos.
Palavras-chave: prática de sala de aula, ensino-aprendizagem de inglês, escola pública.
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ABSTRACT
COMINI DA SILVA, Maria de Fátima. Daily Practices in a classroom of English: an ethnographic study. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem. Orientadora: Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá, MT: Universidade Federal de Mato Grosso, 2014. Not only now have teachers and researchers pointed out the disadvantages and deficiencies that haunt the teaching of English in a general education school as opposed with the advantages and efficiencies of the renowned language schools. All in all if the public school itself forgets the idealized setting of the language school and thinks of teaching in another place, other ways of thinking can open new possibilities. The principal objective of this ethnographic study is grounded in two concepts – funds of knowledge (GONZÁLEZ; MOLL; AMANTI, 2009) and Freirean principle of listening (FREIRE,1996,1997) that emphasize the acceptance of students’ culture. Both, therefore, are powerful concepts that dispel the theory of deficits that only points out structural and human deficiencies. For this, the study attempts to know in a contextual way the routine practice of the classroom of an English teacher that also assumes the role of researcher, in order to assess if the work developed with the students is in tune with culturally sensitive and inclusive pedagogy. The actors of this research are second year students of a secondary public school in Cuiaba coming from nine different communities and a researcher-teacher. Using participant observation and semi-structured interviews, this study attempts to understand what the actors – teachers and students – do in the space of the classroom and how they attribute meaning to these events. There are three questions that orient the research: What do the actors do in the classroom? How do the actors attribute meaning to the events that happen in the classroom? Do the cultural practices of the class encourage listening of the students? On one hand, the results of the study showed that the students’ resources could be more explored in order to empower the student with his own learning. On the other hand, orality and the use of English were emphasized in the classroom and, moreover, the acceptance of students’ topics by the teacher are aspects that make part of the practice of the class and can be interpreted as indication of the receptiveness of listening to the students.
Keywords: classroom practice, teaching-learning of English, public school.
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TABELA DE SÍMBOLOS USADOS NA TRANSCRIÇÃO
Situação Convenção
Qualquer pausa ...
Incompreensão de palavras ou segmentos
( )
Superposição, simultaneidade de vozes
[
[
Supressão [...]
x
SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 Caracterizando a pesquisa 13 O contexto e a problemática da pesquisa 14 Objetivos e perguntas de pesquisa 20 A natureza e a significância do estudo 21 Organização da dissertação 23
1 O BACKGROUND DA PESQUISA 24 1.1 Um caminho histórico: as reminiscências A mundialização da língua inglesa: o global-local 32 1.2 A reforma educacional nos documentos oficiais: OCEM e OCEB/MT 33 1.3 O conceito de fundos de conhecimento 37 1.4 A educação freireana 40 2 A METODOLOGIA DE PESQUISA 44 2.1 A perspectiva etnográfica 44
2.2 A localização e contextualização da pesquisa 47 A escola 47 Os atores da pesquisa 50 2.3 O percurso da pesquisa 55 2.4 Instrumentos, procedimentos metodológicos e analíticos 58 3 A TURMA DO 2º ANO: PRÁTICAS E SENTIDOS 61 3.1 Das práticas de sala de aula 61 Cena 1 - O ritual de entrada 62 Cena 2 - A chamada, a retrospectiva e a tarefa 64 Cena 3 – Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo 69 3.2 Dos sentidos 81 3.2.1 Dos alunos 82 Tema 1 - “Bom, elas melhoraram” (Greg, entrevista em 06/11/2013) 82 Tema 2 - “Eu aprendo muita coisa com eles” ( Guto, entrevista em 06/11/2013) 85 3.2.2 Da professora 88 Relato 1 – Como vejo as minhas aulas? 88 Relato 2 – Como me vejo como professora? 90 Relato 3 - Como vejo meus alunos? 94 3.3 Dos fundos de conhecimento 97 CONCLUSÃO 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 107 ANEXOS 114
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INTRODUÇÃO
O diálogo entre professoras e/ou professores e alunos ou alunas não os torna iguais, mas marca a posição democrática entre eles ou elas... O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro. O diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem é favor que um faz ao outro... Implica, ao contrário, um respeito fundamental dos sujeitos nele engajados...
— Paulo Freire (1994, p.117)
Paulo Freire, em sua Sétima Carta – De falar ao educando a falar a ele e
com ele; de ouvir o educando a ser ouvido por ele – (FREIRE, 1997, p.58 - 62),
considera a educação como um ato político, no qual os momentos vividos
devem ser harmoniosos e equilibrados entre o falar ao educando e falar com
ele. Para o autor, na escola de que o Brasil tanto precisa, o professor sabe que,
sem excluir os conteúdos, o diálogo sobre a vida é válido, tanto quanto o ato de
ensinar, como também formador de um clima aberto e livre no micro contexto
escolar. Nesse ambiente, onde o professor fala ao educando e fala com ele,
ouve o educando e é ouvido por ele, é que se passa o processo de formação
de cidadãos.
Também sob o ponto de vista de González, Moll e Amanti (2009, p. ix), o
“aprender não acontece apenas ‘entre os ouvidos’, mas é eminentemente um
processo social”1; a educação é vista sob a ótica do falar e do ouvir. Para os
autores, “a aprendizagem dos alunos está constrita em enquadres contextuais,
históricos, políticos e ideológicos mais abrangentes que afetam a sua vida”2.
Esses autores afirmam que são as práticas culturais de uma comunidade que a
tornam competente, devido ao conhecimento construído nas e pelas próprias
experiências vividas.
1 No original: Learning does not take place just “between the ears”, but is eminently a social process. (GONZÁLEZ, MOLL, AMANTI, 2009, p. ix). 2 No original: Students’ learning is bound within larger contextual, historical, political and
ideological frameworks that affect students’ lives (GONZÁLEZ, MOLL, AMANTI, 2009, p. ix).
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Práticas culturais são entendidas como as práticas das pessoas
justificadas através do que elas pensam e fazem. Os autores usam o conceito
fundos de conhecimento para se referirem a práticas culturais e propõem que
professores podem documentá-las, visitando lares ou comunidades de
estudantes para conhecer os fundos de conhecimento ali produzidos e
aproveitar esses recursos culturais e intelectuais nas suas aulas, como modo
de aproximar a escola do mundo do estudante.
De acordo com a perspectiva antropológica (ou cultural), entende-se a
sala de aula como um microcontexto de encontros transculturais marcados por
diferenças socioculturais (ERICKSON, 2001; RYMES, 2009). Conforme Rymes
(2009, p.12), “nesses encontros transculturais, a fim de que possamos
aprender um com o outro, devemos deixar de lado nossos pressupostos
etnocêntricos sobre o que é “normal” e abraçar uma perspectiva diferente da
nossa”3. Segundo Erickson (2001, p.12), sabe-se que a escola é o local que
pode propiciar essa oportunidade e que salas de aula, apesar da aparente
similaridade, “constituem ambientes de aprendizagem qualitativamente
diferentes”.
Todos esses autores alinham-se com a proposta de uma pedagogia
culturalmente sensível4 e inclusiva5, que especificamente reconhece a
presença da diversidade cultural dos estudantes e a necessidade que eles têm
de descobrir conexões entre eles e entre o conteúdo e as tarefas que os
professores pedem para que eles desempenhem. Quer dizer, o ensino deve
fazer sentido para os estudantes.
3 No original: Within such cross-cultural encounters, in order to learn from one another, we have to step outside our own assumptions about what is “normal” and enter into a perspective different from our own (RYMES, 2009, p.12). 4 Pedagogia culturalmente sensível é uma abordagem centrada no aluno e ao ensino em que forças culturais únicas dos alunos são identificadas e alimentadas para promover o desempenho do aluno e uma sensação de bem-estar sobre o lugar cultural dele no mundo (LYNCH, M. 2011, p. 1). 5 Pedagogia inclusiva enfatiza o trabalho que possa desenvolver plenamente competências e habilidades dos alunos a fim de que vivam uma vida responsável, produtiva e criativa no mundo (ANDERSON, J. R. 2014, p. 3).
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Caracterizando a pesquisa
Este estudo se insere na área da Linguística Aplicada, relacionada ao
ensino e aprendizagem de língua estrangeira (inglês). Nele são examinadas,
por meio de pesquisa qualitativa etnográfica, as ações/interações/trocas entre
uma professora de inglês e seus alunos no espaço da sala de aula, para
apreender conhecimentos não só dos eventos e práticas que nela acontecem,
mas também para conhecer que sentidos essas pessoas atribuem aos eventos
em que estão engajados. A turma investigada é do 2o ano do Ensino Médio, na
qual a autora desta dissertação é a professora investida de um segundo papel,
o de pesquisadora. Desse modo, o foco principal da pesquisa recai sobre o
estudo de um grupo, cujos dados são observados, registrados e analisados em
contexto natural e cotidiano, pois dados destituídos de contexto não fazem
sentido em pesquisa etnográfica.
Atualmente, como evidenciado nos documentos oficiais, Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM – (BRASIL, 2000),
Orientações Curriculares para o Ensino Médio – OCEM (BRASIL, 2008) – e
Orientações Curriculares: Concepções para a Educação Básica de Mato
Grosso - OCEB (MATO GROSSO, 2010), a língua estrangeira é considerada
como uma área de conhecimento tão importante quanto outra qualquer,
conforme os objetivos estabelecidos para o seu ensino na escola.
A respeito da importância da língua estrangeira, assinala Jorge (2009,
p.162), essa língua estrangeira constitui-se “como espaço privilegiado em
relação aos contextos culturais, políticos e sociais na contemporaneidade”. A
autora defende o ensino da língua pelo seu caráter educativo, alegando que,
sob este aspecto,
o aluno pode ter de se tornar mais consciente da diversidade que constitui o mundo e as múltiplas possibilidades de ser diferente, seja pela cultura, seja pelas identidades individuais, podem fazer com que o indivíduo se torne mais consciente de si próprio, em relação a seu contexto local e ao contexto global (JORGE, 2009, p.163).
Apesar de a autora citar o ensino da língua de forma generalizada, esta
pesquisa procura investigar um contexto específico. É um estudo qualitativo e
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interpretativo em que o processo é de fundamental importância, mas seus
resultados podem vir a auxiliar outros professores a encontrar pontos de
contato por meio de métodos comparativo e/ou contrastivo com o contexto em
que trabalham.
O contexto e a problemática da pesquisa
A educação tem sido constante motivo de preocupação para a
sociedade, seja ela brasileira ou não. Como um dos exemplos internacionais
mais difundidos, tem-se o Programme for International Student Assessment
(PISA) - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - uma iniciativa
internacional de avaliação comparada, aplicada, em 65 países, a estudantes na
faixa dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade
básica obrigatória na maioria dos países. O objetivo é mensurar os
conhecimentos relativos a Leitura, Matemática e Ciências. Desenvolvido e
coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), e coordenado, no Brasil, pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Pisa tem como objetivo
produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade da
educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas de melhoria
do ensino básico.
O tema também não é indiferente à Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), especialmente, criada em
16 de novembro de 1945, com o objetivo de garantir a paz por meio da
cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento
mundial e auxiliando os Estados-Membros – 193 países – na busca de
soluções para os problemas que desafiam as sociedades, incluindo problemas
educacionais. Assim sendo, a 10ª edição do Relatório de Monitoramento Global
de Educação Para Todos 2012: “Juventude e habilidades: colocando a
educação em ação” (Youth and skills: Putting education to work), publicado em
16 de outubro de 2012, mostra grande preocupação com a realidade
educacional contemporânea, ainda bastante desigual (incluindo a falta de
qualidade e a exclusão), em diversas partes do mundo, conforme se observa
na Figura 1, abaixo.
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Figura 1 - Educação para todos no Brasil (REPRESENTAÇÃO DA UNESCO NO BRASIL, 2012), publicado em 16/10/12.
O debate educacional tem recebido contribuição, além dos órgãos
governamentais ou não-governamentais, não somente dos acadêmicos, das
publicações populares da mídia impressa e digital, bem como por meio de
diversos filmes, entre eles “Conrack” de (EUA, 1974); “The Wall”, de Alan
Parker (Inglaterra, 1982); “Nenhum a menos”, de Zhangyimou (China, 1999);
“Ser e Ter”, de Nicholas Philibert (França, 2002); “Vem dançar”, de
Lizfriedlander (EUA, 2006); “Pro dia nascer feliz”, de João Jardim ( Brasil,
2006); “Escritores da Liberdade”, de Richard LaGravenese (EUA, 2007); “Entre
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os muros da escola”, de Laurent Cantet (França, 2009) e “Waiting for
Superman”, de Davis Guggenheim (EUA, 2010).
As discussões atravessam fronteiras e, no Brasil, a situação não é
diferente. Embora o processo de inclusão de alunos na rede de ensino tenha
tido um grande progresso – em 2003, 65% dos jovens de 15 anos estavam na
escola e, em 2012, a taxa passou para 78% – o resultado do PISA 2012
(Programa Internacional de Avaliação de Alunos) classificou o Brasil, dentre
sessenta e cinco países, na 55ª posição em Leitura, 58ª em Matemática e 59ª
em Ciências, ficando atrás de países como Montenegro e Uruguai, Costa Rica
e Albânia, Jordânia e Argentina.
Além disso, segundo o Relatório de Monitoramento Global de Educação
Para Todos 2012, coordenado e exibido pela UNESCO, mesmo apresentando
outros avanços, como o acesso ao ensino fundamental de 94,45% da
população de 7 a 14 anos, a proporção de jovens, na idade própria, no ensino
médio é maior que o dobro daquela de 1995. Além da redução das taxas de
analfabetismo entre jovens e adultos e o aumento no acesso ao ensino
superior, o Brasil se apresenta entre os cinquenta e três (53) países que ainda
não atingiram, e nem estão perto de atingir, os objetivos de Educação para
Todos até 2015. Como país do E96 (grupo dos nove países mais populosos no
mundo que se comprometeram a encarar a educação como fator de
importância-chave para o desenvolvimento), a erradicação da pobreza absoluta
é um dos problemas a ser enfrentado para que se possa atingir a educação
básica de qualidades para todos.
Nesse cenário, parece haver consenso de que a educação pública
brasileira é deficitária e excludente (FREIRE,1982, p. 94; FORGIARINI, SILVA,
2007, p.2; COX, ASSIS-PETERSON, 2008, p.31; ROJO, 2009, p.15; ARAÚJO;
CARVALHO, 2012, p.2-3) e que precisa mudar os seus parâmetros curriculares
e pedagógicos para atender as exigências atuais – um mundo alicerçado na
informatização, conforme demonstram textos e/ou estudos realizados por
Menezes de Souza (2011), Lopes (2011), Paiva (2011), Duboc e Ferraz (2011),
Maciel (2011), Schlatter e Garcez (2012), Monte Mór (2012), dentre outros.
6 Segundo o documento Marco Estratégico para a UNESCO no Brasil, os países que fazem
parte do grupo E-9 são: Brasil, Bangladesh, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão ( UNESCO, 2006, p.9)
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No cerne dessas discussões sobre a educação pública está o ensino de
língua inglesa, uma vez que ele é, atualmente, o que predomina nas escolas
brasileiras. Tal predomínio explica-se pelo fato de essa língua ser considerada,
na maioria das vezes, como possibilidade de inserção das pessoas no espaço
global. E com o processo intensificado da globalização, tem sido um dos bens
simbólicos mais valorizados no Brasil e em grande parte do mundo, tendo em
vista o papel de língua franca que desempenha como meio de comunicação.
Saber usar a língua inglesa é uma cobrança constante e, segundo Leffa (2011,
p.17), “tanto o fracasso quanto o sucesso na aprendizagem de uma língua
estrangeira é imediatamente percebido”. Ou o sujeito sabe e fala, ou
permanece mudo porque não sabe falar. Não há o que contestar, diz o autor.
Discursos cristalizados sobre a questão da culpabilidade para o fracasso
escolar, que cai ora no aluno, ora no professor, são materializados na
sociedade. É aluno culpado na visão do professor, professor culpado na visão
da academia e da mídia. O aluno é passivo, desinteressado e até destituído de
recursos intelectuais e culturais. O professor é “o bode expiatório”, mal
preparado, desmotivado, estagnado e desatualizado (ASSIS-PETERSON,
COX, 2008, p. 47- 48; LEFFA, 2011, p.21; GIMENEZ, 2011, p. 49;
RAJAGOPALAN, 2011, p. 58; BARCELOS, 2011, p.149).
Ainda na tentativa de justificar o fracasso, outros argumentos são
enumerados em autores que tratam do tema, como Cox e Assis-Peterson
(2008), Lima ( 2008, 2009, 2010) e Schlatter e Garcez (2012). Os professores
se queixam das péssimas condições dos estabelecimentos de ensino, da
escassez de material e recursos didáticos, da falta de oportunidade para se dar
continuidade à sua formação, do número grande de alunos por turma, do ínfimo
número de horas aulas semanais, da correria de uma turma para outra, dos
modelos impostos por exames padronizados, da falta de apoio pedagógico,
dentre outros.
Os alunos, desapontados com o baixo nível de língua que adquirem,
também reclamam do processo. Relacionam o seu aprendizado com um futuro
distante, pressupondo um alto grau de conhecimento de língua, e esquecem,
na maioria das vezes, que o inglês atravessa fronteiras e está, conforme nos
mostra o presente, no cotidiano (DIAS, ASSIS-PETERSON, 2006, p.124;
MICOLLI, 2011, p. 179, COX, ASSIS-PETERSON, 2013, p.154-155). Vê-se,
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então, que há evidências suficientes para se buscarem alternativas que
possam mudar o contexto atual.
Partindo dos princípios da Lei de Diretrizes Básicas (LDB), os
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio – PCNEM - (BRASIL,
2000), trazem, na nova Lei, o Ensino Médio como parte da educação escolar
que “[...] deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Art.1º § 2º
da Lei nº 9.394/96). Ou seja, busca dar significado ao conhecimento escolar,
mediante a contextualização, a interdisciplinaridade, o incentivo ao raciocínio e
à capacidade de aprender, com funções equivalentes para todos os alunos.
Da mesma forma, têm-se as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio – OCEM – (BRASIL, 2006), que retomam as reflexões a partir dos
PCNEM. Esse documento também reafirma as propostas anteriores mediante
apresentação dos seus objetivos, que propõem reflexão, discussão e
sugestões relacionadas à função educacional e as práticas de ensino de
Línguas Estrangeiras, tomando a noção de cidadania como central, e as
questões da exclusão e inclusão aliadas à era globalizante.
Em Mato Grosso, assim como em outros estados brasileiros, estudiosos
atendem ao chamado das secretarias estaduais de educação para elaborar
referenciais ou orientações curriculares de cunho regional. Nasce o documento
estadual denominado Orientações Curriculares para a Educação Básica do
Estado de Mato Grosso (Mato Grosso, 2010), com o objetivo de apontar:
[...] as estratégias e os recursos necessários destinados à apropriação por parte dos alunos dos conhecimentos nele veiculados, de modo a não permitir a exclusão por falta de conhecimento. Concebe-se a educação como elemento propiciador de conhecimento sobre a realidade, pelo debruçar-se sobre ela, a fim de extrair contextos significativos para a formação humana (MATO GROSSO, 2010, p.9).
Como se pode observar, os documentos apresentados comungam de
uma mesma ideia e focam em um ensino-aprendizagem voltado para a relação
do conhecimento com as práticas socioculturais. Essa visão contempla uma
sala de aula em constante diálogo com a sociedade. Aqui, a língua inglesa
assume sua característica de língua franca e a visão de ensino também precisa
se transformar: “[...] de correto para apropriado, de normas exclusivas do
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falante nativo para inclusão global e de maneiras igualitárias de falar que
satisfaçam as necessidades locais” (KADRI, 2010, p.66).
Documentos não garantem a qualidade do ensino e, segundo Oliveira e
Paiva (2011, p.38), “o papel da escola, seja ela pública ou particular, é limitado
no processo de aquisição, e as atividades que oferece são sempre insuficientes
para se aprender qualquer língua estrangeira.” Para a autora (2011, p. 39),
apesar de a escola não ter todas as condições para propiciar o aprendizado de
uma língua, e este não poder ficar restrito à escola, o professor pode estimular
o aprendiz a ir além.
Dutra e Oliveira (2008, p.110-111) discutem possibilidades de mudanças
a partir de três aspectos: disposição para mudar, trabalho colaborativo e
capacidade crítica para apropriar-se da teoria e transformá-la em
autoconhecimento para melhor atuação docente.
Já para Araújo de Oliveira (2011, p. 90-91), para se alcançar a qualidade
necessária no ensino de línguas, as mudanças estão relacionadas a três fontes
de ações: (1) realidade não utópica dos documentos oficiais; (2) expansão da
compreensão das questões da linguagem e a influência da linguística na
sociedade brasileira; (3) reconhecimento popular do papel da língua
estrangeira na formação do educando e do cidadão brasileiro. Para o autor
(2011, p.92), a dissonância entre papéis e práticas só será eliminada com a
intervenção de um trabalho governamental e coletivo: governamental, porque,
de acordo com a nossa Constituição, os governos federal, estadual e municipal
são responsáveis pela educação do povo brasileiro; coletivo, porque é
impossível para um único indivíduo assumir todo o trabalho.
Entendo que a mudança de paradigma de transmissão de conteúdo para
a construção e produção de conhecimento é uma tarefa árdua, mas que pode
ser o caminho para transformações. Acredito que o inglês em escolas públicas
pode funcionar e a investigação da minha própria sala de aula de língua
inglesa, proposta deste estudo, é, sem dúvida, o primeiro passo para que eu
possa conhecer e melhor entender a minha prática pedagógica e o sentido que
o meu aluno dá aos eventos da sala de aula de inglês. Afinal, mesmo com as
dificuldades do panorama atual, quero mudar e ver as coisas acontecerem.
Não quero apenas falar sobre elas.
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Objetivos e perguntas de pesquisa
Esta pesquisa analisa uma turma de inglês do 2o ano do Ensino Médio,
sob a regência desta autora, que também se coloca no papel de pesquisadora
iniciante, a fim de conhecer as práticas culturais do microcontexto da sua
própria sala de aula e os sentidos que os estudantes e a professora dão aos
eventos em que estão envolvidos. O pesquisador etnógrafo entende a sala de
aula como cultura, quer dizer, cada sala de aula é uma comunidade com
modos específicos de conversar, agir, saber, fazer e ser. Esses modos,
práticas ou padrões rotineiros de um grupo específico, só se tornam visíveis, se
forem observados, registrados, gravados, analisados e interpretados
sistematicamente durante um período.
Esta pesquisa tem como principal objetivo conhecer as práticas rotineiras
da minha sala de aula, com o propósito de examinar se o trabalho que faço
com meus alunos está afinado com a pedagogia culturalmente sensível e
inclusiva. Para tal, busco entender, por meio da observação participante e
entrevistas, o que os atores – professora e alunos – fazem no espaço da sala
de aula. Em segundo lugar, busco entender como os atores atribuem sentido
ao que é feito em sala. Por último, busco descobrir se as práticas culturais da
minha sala de aula estão alinhadas com uma pedagogia que esteja centrada
no aluno a fim de promover o seu desempenho acadêmico e social. Três
perguntas orientam a pesquisa:
1. O que os atores (professora e alunos) fazem em sala de aula?
2. Como os atores (professora e alunos) atribuem sentidos aos eventos
que acontecem em sala de aula?
3. As práticas culturais da turma acolhem a escuta dos alunos?
Esta pesquisa se insere no paradigma de investigação qualitativa de
caráter interpretativo e etnográfico na área da Linguística Aplicada. À pesquisa
qualitativa, como é o caso desta, interessa mais o processo do que o produto,
por isso o foco é a atuação humana, para entender a natureza construída da
vida em salas de aulas. Os instrumentos principais utilizados foram:
observação participante por meio de gravações de áudio de aulas e entrevista
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semiestruturada, além da utilização de um questionário para traçar o perfil dos
alunos.
A natureza e a significância do estudo
Este estudo, qualitativo e interpretativo, é parte integrante de dois
projetos de Assis-Peterson: “Redes de conhecimento – conectando lares e
salas de aula em torno do ensino de línguas (um estudo sobre crenças,
discursos, práticas e ideologias de língua estrangeira)” (2008), e “Universidade,
escola e comunidade: teorizando e redesenhando práticas pedagógicas para
novos letramentos no ensino crítico de línguas estrangeiras” (2010)7. Ambos
os projetos comungam com a ideia que uma educação autêntica parte do
princípio de que alunos têm conhecimento e podem aprender.
O primeiro projeto tem como principal objetivo construir conexão entre
lares e escolas, estabelecendo redes de conhecimento nas quais interagem
professores, supervisores, pais e seus filhos, de forma a proporcionar uma
visão mais abrangente sobre como os professores podem ajudar os alunos a
desenvolver habilidades de letramento em língua inglesa. O segundo propõe
uma investigação para compreender a relação entre ensino de línguas
estrangeiras na escola pública e a relação desta com a educação, a concepção
de língua e linguagem presente no ensino de línguas estrangeiras, o
desenvolvimento de cidadania, promoção de inclusão por meio de línguas
estrangeiras e uma intervenção por meio de um programa de educação
continuada.
Mediante o contexto exposto, este estudo vai ao encontro das propostas
almejadas por cada projeto apresentado, pois, inserido no paradigma de
investigação qualitativa, busca observar, registrar e analisar os eventos da sala
de aula da turma do 2º ano. Além disso, apoia-se na compreensão de que a
7 Os dois projetos são coordenados por Ana Antônia de Assis-Peterson e vinculados à linha de
pesquisa “Paradigmas de Ensino de Línguas”, do Programa de Mestrado em Estudos de
Linguagem/UFMT. O segundo projeto é parte integrante do Projeto Nacional “Formação de professores nas teorias dos novos letramentos e multiletramentos: o ensino crítico de línguas estrangeiras na escola”, sob coordenação de Walkyria Monte Mór e Lynn Mario Trindade Menezes de Souza, vinculado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Modernas /USP, sendo a UFMT um dos núcleos parceiros.
22
escuta do aluno pode ser realizada com base no conhecimento que ele já
possui e que adentra os muros da escola.
Pela complexidade do tema, esse fazer investigativo foi desafiador. Observar,
descrever, gravar, preparar, executar a aula e participar dela parecia ser, às
vezes, enlouquecedor. Ser a professora e pesquisadora, ao mesmo tempo,
trouxe momentos de incertezas e alvoroços. O planejado nem sempre
acontecia, mas tudo servia como impulso para continuar a estudar aquele
microcontexto escolar – a minha própria sala de aula.
De acordo como o Projeto “Sala Ambiente” (PPP, 2010) da Escola Azul,
investigada neste estudo, cada professor “tem” uma sala de aula. Assim, os
alunos – e não os professores – é que trocam de ambiente a cada aula. Esse
espaço é especializado para o atendimento de determinada disciplina e cabe
ao professor a responsabilidade de organizá-lo do jeito que lhe convém.
Com uma hora de aula de inglês semanal, a turma do 2º ano, composta
de onze alunos, foi alvo deste estudo durante um semestre. Nesse período,
munida com instrumentos próprios da etnografia, observei, registrei e analisei
dados. Entretanto, de acordo com Blommaert (2006, p. 3), “o cotidiano nunca
será ajustado ao plano de investigação e o único caminho a seguir é o de
adaptar o plano e maneiras de fazer as coisas com as regras da vida
cotidiana”. Assim aconteceu com este estudo, em que adaptações foram feitas
conforme as necessidades do cotidiano escolar.
Com este pano de fundo, espera-se que esta pesquisa possa,
efetivamente, contribuir com outros professores, a fim de que possam refletir
sobre suas ações pedagógicas e que sejam encorajados a investigar a sua
própria sala de aula.
Do ponto de vista teórico, a importância deste estudo se assenta nos
pressupostos de que o ensino de língua inglesa torna-se melhor quando os
professores aprendem sobre e aprendem com o cotidiano vivido pelos seus
alunos. Acredita-se que o diálogo da escola com a comunidade, de professores
com seus alunos, de professores com professores dentro da escola podem
gerar outras modos de pensar o ensino e a escola e isso poderia abrir novas
zonas de possibilidades em favor de uma educação linguística de valorização
de professores e alunos, alçados ao papel de protagonistas de seu dizer e
fazer.
23
Organização da dissertação
Esta dissertação está estruturada em três capítulos, além desta
Introdução e da Conclusão. Nesta INTRODUÇÃO, apresento a caracterização
do trabalho, o contexto e a problemática, os objetivos e as perguntas de
pesquisa, a natureza e a significância do estudo. Aqui também descrevo a
organização da dissertação, a seguir.
No Capítulo 1 – O BACKGROUND DA PESQUISA – apresento os
principais aportes teóricos que orientam o estudo. Primeiramente, relato o
panorama da reforma educacional e do ensino de inglês no contexto brasileiro
e nos documentos oficiais. Em seguida, discorro sobre o conceito de fundos de
conhecimento de González, Moll e Amanti (2009) e discuto a importância do
princípio da escuta do aluno na perspectiva freireana.
No Capítulo 2 – A METODOLOGIA DA PESQUISA – trato do
desenvolvimento da pesquisa ancorado num enfoque qualitativo etnográfico.
Retomo as perguntas de pesquisa e, em seguida, apresento o cenário, os
participantes e instrumentos de pesquisa, destacando as circunstâncias em
que ela se desenvolveu. Por último, explicito os procedimentos de análise de
dados.
No Capítulo 3 – A TURMA DO 2O ANO: PRÁTICAS E SENTIDOS –
analiso e interpreto os temas orientadores da pesquisa, com base nas três
perguntas propostas para este estudo. Em primeiro lugar, descrevo os fazeres
da sala de aula. A seguir, apresento e analiso os dados que indicam os
sentidos atribuídos pelos atores aos encontros transculturais do microcontexto
escolar. Por fim, alicerçada no entendimento informado por dados, procuro
identificar se as práticas culturais da turma acolhem a escuta dos alunos.
Finalmente, na CONCLUSÃO, apresento uma síntese das principais
descobertas do estudo, suas limitações, e destaco o que aprendi com a
pesquisa.
A seguir, exponho os aportes teóricos que norteiam este trabalho
24
CAPÍTULO 1
O BACKGROUND DA PESQUISA
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.
— Paulo Freire (1987, p.39)
O objetivo deste capítulo é apresentar o background da pesquisa.
Primeiramente, com base em alguns estudiosos e documentos oficiais, trago
um breve relato da reforma educacional e do ensino de inglês no contexto
brasileiro. Em seguida, descrevo duas perspectivas teóricas – fundos de
conhecimento e educação freireana, que orientam o estudo. Por último, teço
algumas considerações sobre o papel do professor como pesquisador.
1.1 Um caminho histórico: as reminiscências
Segundo Pedroso (Comunicação pessoal, em sala de aula, 16/08/2010),
tudo o que rodeia a educação institucionalizada é fruto de nossa própria
história de sociedade, em suas mais variadas ramificações: econômicas,
sociais e políticas. Ou seja, o modo ou maneira de ensinar se modifica sempre
pela necessidade de cada época, pela situação de cada momento (PEDROSO,
comunicação pessoal em sala de aula, 20/09/2010). Sendo assim, a educação
brasileira e, consequentemente, o ensino de língua, estão marcados por
paradigmas e abordagens que sempre buscaram e ainda buscam atender os
anseios da sociedade da época em que está inserida.
Para Santos e Oliveira (2009, p.25), desde o começo do século XIX, o
ensino de língua inglesa está presente no currículo escolar brasileiro. Conforme
as autoras, devido às relações comerciais de Portugal com a Inglaterra,
aprender inglês passou a ser uma necessidade relacionada ao momento
25
histórico da época, e a função do ensino era “capacitar os estudantes a se
comunicarem oralmente e por escrito.” Contudo, o único método da época era
o de gramática-tradução e, portanto, as aulas de inglês tinham como base a
tradução de textos e exercícios de leitura.
De acordo com Leffa (1998/1999, p.19), citado em Cox e Assis (2008, p.
20), “as décadas de 40 a 50 formam os anos dourados do ensino de línguas
estrangeiras no Brasil”. Nessa época, além do francês, inglês e espanhol, as
línguas clássicas, como o latim e grego, também faziam parte dos currículos
nacionais.
Dos tempos antigos até os atuais, muitas foram as mudanças e dentre
alguns autores que narram a história do ensino de inglês no contexto brasileiro,
ou parte dela, estão Cox e Assis (2008, p. 19-51). Contudo, até o final da
década de 60, o ensino de inglês, com ligeiras variações, reduzia-se ao registro
escrito padrão, com exercícios gramaticais e atividades voltadas para a versão
da língua estrangeira para a língua materna e vice-versa.
Para Cox e Assis (2008, p. 21), foi a partir de 1961 que a língua
estrangeira sofreu drásticas mudanças dentro do contexto brasileiro. Conforme
as autoras (p. 21-22), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB
(BRASIL, 1961), publicada em 20 de dezembro de 1961, extinguiu a
obrigatoriedade da presença das línguas estrangeiras no currículo nacional,
deixando-as como disciplinas optativas. Assim sendo, a escolha da disciplina,
dentro das escolas brasileiras, ficou a critério dos interesses locais.
Segundo Mulik (2012, p. 20), outra reforma educacional surgiu com a
promulgação da LDB 5692 (BRASIL, 1971) e o ensino foi reduzido de 12 para
11 anos, sendo o 1º grau com oito anos de duração e o 2º, com três anos.
Cox e Assis (2008, p. 22-23), avaliam que o momento histórico
necessitava de mão de obra qualificada para trabalhar nas indústrias nacionais
e multinacionais, e a formação tecnicista e profissionalizante derrubou a base
humanista do período anterior. Apesar de a lei não determinar as disciplinas
obrigatórias nos currículos brasileiros, o foco era a formação de indivíduos para
o mercado de trabalho, e os EUA, nesse período, colocavam o Brasil e outros
países em posição de dependência. Com a habilitação profissional em
destaque, a legislação desobriga a inclusão de Língua Estrangeira (LE) nos
currículos de 1º e 2º graus. Sob a influência das ideias militares de
26
nacionalismo, patriotismo e exaltação da identidade brasileira, a escola não
deveria ser impregnada pela cultura estrangeira e, dessa forma, o ensino de LE
passa a ser um instrumento das classes favorecidas.
De acordo com Mulik (2012, p. 20), vinte e cinco anos após a instituição
da LDB 5692 de agosto de 1971, foi promulgada a LDB 9.934 (BRASIL, 1996).
Com ela, a nomenclatura 1º e 2º graus passou a ser, respectivamente, Ensino
Fundamental e Médio.
Leffa (1999, p.14-15) esclarece que, embora uma base nacional comum
continue presente no currículo, o artigo 26 da LDB 9.934 (BRASIL, 1996)
determina que ela deva ser complementada: "em cada sistema de ensino e
estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela”.
O autor confirma também a obrigatoriedade de pelo menos uma língua
estrangeira moderna, a partir da quinta série, dentro das possibilidades da
instituição (BRASIL, 1996, Art. 26, §5). De acordo com Leffa, (1999, p.14-15), a
lei dispõe para o ensino médio a obrigatoriedade de uma língua estrangeira
escolhida pela comunidade escolar e uma segunda, em caráter optativo, dentro
da disponibilidade da instituição (BRASIL, 1996, Art. 36, Inciso III).
Para Leffa (1999, p.15), a ideia de um único método certo é
abandonada, uma vez que o ensino passa a ser ministrado com base no
princípio do "pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas" (BRASIL,
1996, Art.3º, Inciso III), dentro de uma grande flexibilidade curricular:
organização em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar (BRASIL, 1996, Art. 23).
Ainda conforme Leffa (1999, p.16), os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN - (BRASIL, 1998), para o terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental, publicados em 1998, complementaram a LDB anterior. Com
base no princípio da transversalidade, o documento sugere uma abordagem
sociointeracional, com ênfase na leitura, e incorpora questões como
27
Pluralidade Cultural, Orientação Sexual, Meio Ambiente, Ética, Trabalho e
Consumo.
Já nos PCNEM - (BRASIL, 2000), segundo Souza e Santos (2011, p. 2),
a sugestão é de que o ensino de línguas estrangeiras deva se concentrar no
desenvolvimento integral da competência comunicativa, visto que “(...) o
estudante precisa possuir um bom domínio da competência gramatical,
sociolinguística, da competência discursiva e da competência estratégica”.
(BRASIL, 2000, p.30). Tem-se a impressão, segundo a autora (2011, p. 2), de
que os dois documentos tratam do ensino de línguas estrangeiras para dois
países diferentes.
Entre documentos, práticas e momentos históricos, a língua espanhola
começa a ser percebida no país com a criação, pelo Tratado de Assunção, em
1991, do bloco econômico Mercosul (Mercado Comum do Sul). Entretanto, de
acordo com Mulik (2012, p. 20), foi em agosto de 2005, com a Lei nº 11.161
(BRASIL, 2005), que o ensino de língua espanhola garantiu sua presença nas
séries de educação básica, com prazo de implementação de cinco anos a partir
da criação da lei.
Todavia, Cox e Assis (2008, p. 23) afirmam que, “sob o signo do ensino
profissionalizante, o inglês tornou-se a língua estrangeira hegemônica no
currículo da escola pública brasileira” e que ela era, e ainda é, para muitas
pessoas, no Brasil, sinônimo de língua estrangeira.
Em 2006, um novo documento, as Orientações Curriculares para o
Ensino Médio – OCEM (BRASIL, 2006), é publicado e encaminhado aos
professores, a fim de apresentar um conjunto de reflexões que alimente a sua
prática docente.
A própria Secretaria de Educação Básica, por intermédio do
Departamento de Política do Ensino Médio, assume o novo documento como
uma “retomada da discussão dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Médio” (BRASIL, 2006, vol. 1, p. 9). Para os consultores da seção de Línguas
Estrangeiras, Menezes de Souza e Monte Mór, as OCEM tendem a expandir as
orientações anteriores e responder a investigações recentes (BRASIL, 2006,
vol. 1, p.87).
Em 2010, o Estado de Mato Grosso lança as Orientações Curriculares
para a Educação Básica – OCEB – (MATO GROSSO, 2010), a fim de levar a
28
todos a concepção de educação que norteia as políticas educacionais
pretendidas e, a partir daí, o estado incorpora de forma definitiva a organização
estrutural através dos ciclos de formação humana para o ensino fundamental
até o 9º ano (MATO GROSSO, 2010, p.9).
O ensino médio mantém a estrutura seriada, sem deixar de levar em
conta a formação humana, e o ensino de língua inglesa, de acordo com os
documentos, deve se
aproximar a prática pedagógica das propostas dos PCN (BRASIL, 2000) e das OCN para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), que obrigam hoje à adequação de remissões teóricas e a modificações organizacionais da escola e do currículo em função da concretização das propostas oficiais (MATO GROSSO, 2010, p.86).
Pedroso (Comunicação pessoal, em sala de aula, 26/11/2012) afirmou
que “ninguém é inaugural, todos respondem ao momento histórico em que
existem, por mais importantes que sejam.” Diante desse fato, o ensino de
línguas estrangeiras teve e, possivelmente, virá a ter, na sua história de vida,
uma vasta gama de documentos que busca responder ao momento histórico
em que a educação se encontra.
Fazem parte também dessa história diversas abordagens e/ou métodos
de ensino. Leffa (1988), no artigo Metodologia do ensino de línguas, traz uma
revisão histórica desses principais métodos/abordagens, a fim de “fazer com
que o professor comece onde os outros pararam, sem necessidade de
reinventar a roda ou repetir os erros do passado.” O autor (1988, p.211-236)
inicia com o relato da Abordagem da Gramática e da Tradução e termina com a
Abordagem Comunicativa, abordagem esta que tem sido de grande impacto
para o ensino de língua. Antes, a ênfase era mais na forma e com a nova
abordagem, o foco é a semântica, o uso da língua.
Passada a exaltação do ciclo da Abordagem Comunicativa, que,
segundo Assis-Peterson e Cox (2008, p. 26), talvez não tenha sido
implementada, efetivamente, nas escolas brasileiras, uma vez que ela não se
adéqua às condições do ensino público do Brasil, surgiram outras novidades.
A nova mudança veio, ainda na década de 90, através dos documentos oficiais
— Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, Parâmetros
29
Curriculares do Ensino Médio e Orientações Curriculares para o Ensino Médio
— que buscavam se ajustar às condições do ensino público e atender ao
momento histórico-social da época. Com base na Pedagogia Crítica, o foco é o
sucesso do aluno dentro da necessidade de atuação, isto é, a ênfase do ensino
deve ser voltada para a aprendizagem geral do aluno, a fim de que ele esteja
apto a opinar e participar ativamente na comunidade.
Essa visão muda o paradigma educacional. Rompe-se com a razão
cartesiana e, na era pós-moderna, segundo Pedroso (Comunicação pessoal,
em sala de aula, 26/04/2012), a verdade deixa de ser absoluta e tudo passa a
ser relativizado.
Neste continuum, surgem as Orientações Curriculares. A tecnologia
permeia o mundo, o momento histórico social já é outro e a educação exige
novas mudanças. Com isso, nascem os novos letramentos. Aqui, letramento
desbanca o conceito de alfabetização que, segundo Rojo (2009, p.10), é visto
como conhecimento do alfabeto que leva o aluno ao processo mecânico da
escrita/leitura, e alfabetismo, como conjunto de capacidades e competências
envolvidas nos atos de leitura/escrita respectivamente (ROJO, 2009, p.74).
Embora o segundo conceito — alfabetismo — envolva a história de práticas
sociais do aprendiz, ambos os processos têm um foco individual (ROJO, 2009,
p.98)
Segundo Menezes de Souza e Monte-Mór (2006, p.106), letramento é
usado para “se referir aos usos heterogêneos da linguagem nas quais formas
de ‘leitura’ interagem com formas de ‘escrita’ em práticas socioculturais
contextualizadas”. Isso implica, necessariamente, o reconhecimento de
múltiplos letramentos, como o visual, digital, tecnológico e outros que deram
origem ao conceito de multiletramento, de Cope, Kalantzis (2000), “para dar
conta da extrema complexidade desses novos e complexos usos da linguagem
por novas comunidades de prática” (MENEZES DE SOUZA, MONTE-MÓR,
2006, p.106).
Sendo assim, no letramento crítico, texto e língua tomam novas
direções. Segundo Mattos e Valério (2010, p.138), a língua é vista como um
instrumento de poder e de transformação social e o texto é compreendido
“como um produto de forças ideológicas e sociopolíticas”, um “local de luta,
30
negociação e mudança”, conforme Norton (2007, p.6) citado em Mattos e
Valério (2010, p.138).
Nessa perspectiva, o letramento poderá desenvolver a consciência
crítica do aprendiz, o qual, segundo Freire,
Quanto mais for levado a refletir sobre sua situacionalidade, sobre seu enraizamento espaço-temporal, mais “emergerá” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, porque é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais (FREIRE, 1979, p.35).
Nesse sentido, Mattos e Valério (2010, p.141) confirmam a ideia
freireana quando afirmam que o letramento crítico “promove o empoderamento
do aprendiz, que é levado a apropriar-se de seu próprio processo educacional”.
Segundo as autoras, as atividades de sala de aula de língua inglesa,
trabalhadas sob a concepção de letramento crítico, poderão tanto conduzir o
aluno a pensar criticamente a respeito da cultura que o cerca, do seu cotidiano
e da sua postura como cidadão (MATTOS e VALÉRIO 2010, p.141 ), como
também poderão proporcionar ao professor a oportunidade de pensar sobre
sua experiência, “sobre seu modo de estar no mundo associado à sua ação
sobre o mundo” (FREIRE, 1979,p.8) e, talvez, se quiseram, fazer mudanças.
Afinal, a história prossegue, a elitização da educação nacional diminuiu,
mas não cessou e o ensino de língua estrangeira, no Brasil, segundo Kezen
(2005, p.1) sempre foi discriminatório. A desigualdade social, a exclusão
durante longos períodos dificultaram e, em muitos casos, até impedem a
democratização do ensino do inglês. Diante disso e das novas necessidades
da sociedade — saber inglês é um requisito para o exercício de uma cidadania
plena, não apenas para os alunos em fase escolar, mas para a maioria da
população — presenciamos críticas acirradas à não proficiência no idioma
pelos alunos e professores brasileiros e à incapacidade de as escolas públicas
e, por conseguinte, dos professores, proporcionarem um bom ensino da
língua.
Em parte, concordo com a mídia que denuncia a falta de proficiência
linguística dos estudantes e professores, tão exigida na sociedade atual.
Entretanto, questiono as críticas que, na maioria das vezes, responsabilizam
apenas as escolas públicas e seus professores pela má qualidade do ensino.
31
Oliveira e Paiva (2011, p. 34) testemunha que ao longo de sua carreira, pôde
perceber que “ensino ruim ou de qualidade não é privilégio da educação
pública e que muitas escolas particulares também ficam devendo ao aluno um
ensino de qualidade” (OLIVEIRA e PAIVA, 2011, p. 34).
Outro fator importante é que não se veem muitas investigações voltadas
para os resultados das escolas particulares, referentes ao ensino de língua
estrangeira, e isso, possivelmente, interfere diretamente nas pesquisas
apresentadas para a sociedade brasileira. Portanto, adiro à Oliveira e Paiva
(2011, p. 34), ao considerar que a situação da qualidade perpassa pelo ensino
de uma forma geral, independentemente de ser público ou privado.
Ademais, algumas obras (OLIVEIRA E PAIVA, 2011, p. 34; OLIVEIRA,
2011, p.73; SCHMITZ, 2011 p. 111; LIMA, 2011 p. 162; MICOLLI, 2011 p.175,
SILVÉRIO DE LIMA, 2012), ainda de forma singular, mostram-nos muitas
escolas e professores que têm, dentro dos seus limites, procurado reverter o
panorama com iniciativas que se afinam com as propostas das orientações
oficiais em vigor e fazem do ensino da língua inglesa uma oportunidade para o
aluno interagir e participar no mundo social (humano, tecnológico, cientifico,
acadêmico) e conhecer culturas e tradições de diversos povos, uma vez que, a
cada dia que passa, a tecnologia permite-nos diminuir mais e mais as fronteiras
físicas entre os países.
Estamos em um novo momento, em que, segundo Freire (1997, p. 63),
“aprender e buscar se juntam, necessariamente a ensinar e conhecer”. Nessa
perspectiva, o conhecimento não é fixo, mas um processo dinâmico, produzido
coletivamente, buscando dar sentido ao mundo. A globalização contemporânea
traz consigo a aproximação e justaposição de culturas e povos diferentes
(MENEZES DE SOUZA, 2011, p. 128) e “a língua inglesa tem sido comumente
associada à língua oficial da globalização, que tanto pode incluir como excluir
os cidadãos”, de acordo com Maciel (2011, p. 255).
E é nesse momento histórico social que se situa esta pesquisa e que a
professora pesquisadora iniciante busca, na sua própria sala de aula, desvelar
os seus fazeres pedagógicos.
32
A mundialização da língua inglesa: o global-local
As mudanças sociais das últimas décadas acontecem por conta do
movimento da globalização e não há mais como separar o global do local, a
sociedade da escola, a família do aluno. Para Steger (2003), citado em
Longaray (2009) entende-se, globalização como
um conjunto de processos sociais que produzem, multiplicam e intensificam a interdependência e as trocas sociais ao redor de todo o mundo ao mesmo tempo em que promovem o conhecimento de vínculos cada vez mais profundos entre o local e o não-local (LONGARAY,2009, p. 61),
Nesse cenário, de acordo com Barros (2008), citado por Siqueira (2012,
p.37), “é evidente a necessidade de uma educação para a diversidade,
entendida menos como uma atitude de respeito passivo e mais como uma
forma de estar no mundo.” E nessa circunstância, o ensino de línguas,
maternas ou estrangeiras, é um dos campos do saber/conhecimento que pode
promover a consciência crítica da diversidade humana e suas manifestações,
uma vez que domínio de línguas e interação com outras culturas e outros
povos são de fundamental importância para a educação que tem como meta a
cidadania.
Conforme Cox e Assis-Peterson (2008, p. 37), o mundo global fala inglês
e esse fato não depende de nele acreditarmos ou não. Pode até não agradar a
este ou àquele, mas é algo incontestável. E sendo o inglês a língua que a
globalização elegeu para a comunicação, estudos como os de Moita Lopes
(2008), Peterson, Cox (2007) e House (2003) têm trazido à tona discussões
sobre o ensino e a mundialização dessa língua, que ganha características
locais, e “consegue deixar de ser vista como língua internacional, para ser
mundial, hibridizada, a qual mescla o global com o local” (FERREIRA, KALVA,
2011, p 719).
Segundo essas autoras (2011, p. 710), outros autores, como
Canagarajah (1999; 2006; 2007), Crystal (1997), Block (2006), Seidlhofer
(2004), Gimenez (2008) também discutem a questão. Alicerçados na
33
concepção de inglês como língua franca, veem a língua inglesa permeada pelo
global e o local.
Nessa perspectiva, Ferreira e Kalva (2011, p. 720) concordam com
Canagarajah, (2007) quando este diz que “não se pode pensar em inglês
como homogêneo, mas sim plural, no qual os vários participantes criam suas
próprias variedades de inglês”.
Segundo Ortiz (2006), citado em Assis-Peterson e Cox (2008, p.37),
qualquer indivíduo, independentemente de sua origem, tem a oportunidade e o
direito de manipular e deturpar o inglês que fala, uma vez que a existência de
um padrão linguístico é apenas uma ilusão.
Também para Rajagopalan (2009), a língua que ele chama de “World
English” não tem falantes nativos e ela “pertence a todos aqueles que dela
fazem algum uso no seu dia a dia, por mais limitado ou restrito que ele seja”
(RAJAGOPALAN, 2009, p. 41-42).
A despeito dessa circunstância, em que a língua inglesa é cada vez mais
utilizada e em que se valoriza a pluralidade de variedades de inglês, o ensino
deste não pode fechar os olhos para os aspectos tanto globais quanto locais
que perpassam as salas de aulas. Professores e aprendizes não devem ser
protótipos de falantes nativos e as escolas precisam repensar seus objetivos,
além de seus próprios muros.
1.2 A reforma educacional nos documentos oficiais: OCEM e OCEB/MT
Com a complexidade do “mundo de hoje”, sustentado pela globalização,
Menezes de Souza (2011, p.279) discute, em seu artigo intitulado O professor
de inglês e os letramentos no século XXI: métodos ou ética?, a necessidade
de se atuar de forma diferente diante da sala de aula, de agir e interagir com os
alunos e com os materiais de uma maneira diferente. Para o autor, esse
conceito que tínhamos de métodos, de livros didáticos, muda em consequência
da dinâmica da nossa realidade contemporaneamente.
Assim, acrescenta o autor (2011):
A nossa lógica tradicional educacional – tradicional não do século passado e sim daquilo que ainda vigora na maioria das
34
salas de aula ainda hoje – percebe o conceito de material didático, conhecido até aqui como “método”, sob uma lógica de que tudo seria “self-contained”, ou melhor, teria seu significado contido nele mesmo, a nossa prática já significaria “por si só”: esta é a lógica que temos, é algo completo, organizado, predeterminado, previsível e garantido (MENEZES DE SOUZA, 2011, p. 280).
Em alusão a Paulo Freire, Menezes de Souza retoma a metáfora da
educação bancária — na qual o professor age como quem deposita
conhecimento num aluno apenas receptivo — dizendo que no ensino não é
possível fazer depósitos e imaginar que, em algum momento, a conta vai
aumentar ou gerar lucro.
Na tentativa de fazer mudanças e de potencializar a aprendizagem no
país, o governo brasileiro tem, há décadas, criado diversos documentos oficiais
para nortear os rumos da educação brasileira. Independentemente do nome,
todos os documentos têm como diretriz a garantia de uma educação de
qualidade a todos e as OCEM – Orientações Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio – (BRASIL, 2006) e as OCEB/MT – Orientações Curriculares
para a Educação Básica do Estado de Mato Grosso – (MATO GROSSO, 2010)
não são diferentes, como mostra o excerto abaixo:
A qualidade da escola é condição essencial de inclusão e democratização das oportunidades no Brasil, e o desafio de oferecer uma educação básica de qualidade para a inserção do aluno, o desenvolvimento do país e a consolidação da cidadania é tarefa de todos. [...] Dessa forma, colocou-se acima das diferenças o interesse maior pela educação pública de
qualidade (BRASIL, 2006, p.5).
Centrados nessa perspectiva, os documentos também priorizam uma
educação que enfatiza a formação do ser humano8, buscando com esta
sugestão retomar a proposta do Art. 35 no inciso III da LDB 9394/96 (BRASIL,
1996), que trata da questão do aprimoramento do educando como pessoa
humana. Como se vê, o excerto abaixo não elimina este tema:
8 Ser humano entendido como "um ser pensante, inteligente, dotado de razão e reflexão, e que pode considerar-se a si mesmo como um eu, ou seja, como o mesmo ser pensante, em diferentes tempos e lugares" (LOCKE, 1986, p. 318 apud FERREIRA, 2005).
35
A partir da concepção de uma educação fundamentada na e para a formação humana9, no âmbito das relações socioculturais, estas Orientações Curriculares buscam a ressignificação dos tempos e espaços de aprendizagem e desenvolvimento dos educadores e educandos envolvidos no
espaço educativo (MATO GROSSO, 2010, p.1).
Configura-se, também, como discussão e proposta dos documentos, a
questão da cidadania. Formar para a cidadania, ou seja, formar indivíduos com
consciência social para compreenderem a sua posição no contexto sócio-
histórico em que estão inseridos é o objetivo principal da Educação Básica. E
contribuir com tal objetivo é uma das funções da Língua Estrangeira, conforme
atesta o fragmento a seguir:
Nas propostas atuais, essa visão da cidadania como algo homogêneo se modificou. Admite-se que o conceito é muito amplo e heterogêneo, mas entende-se que ‘ser cidadão’ envolve a compreensão sobre que posição/lugar uma pessoa (o aluno, o cidadão) ocupa na sociedade. Ou seja, de que lugar ele fala na sociedade? Por que essa é a sua posição? Como veio parar ali? Ele quer estar nela? Quer mudá-la? Quer sair dela? Essa posição o inclui ou o exclui de quê? Nessa perspectiva, no que compete ao ensino de idiomas, a disciplina Línguas Estrangeiras pode incluir o desenvolvimento da
cidadania (BRASIL, 2006, p.91).
Ainda com a mesma inquietação, as OCEM (BRASIL, 2006) reforçam a
questão da cidadania, com base nos princípios de Van Ek, Trim (1984) sobre a
contribuição da aprendizagem de língua estrangeira:
... o valor educacional da aprendizagem de uma língua estrangeira vai muito além de meramente capacitar o aprendiz a usar uma determinada língua estrangeira para fins comunicativos (BRASIL, 2006, p.92).
Igualmente às orientações nacionais, as OCEB/MT (MATO GROSSO,
2010) trazem na essência de seu texto o tema da cidadania como inclusão
social do ser humano,enfatizando esse objetivo:
9 Grifo da autora. Formação humana entendida como sinônimo de educação (SAVIANI, 2011 apud BORGES, 2012).
36
...compreendida a Educação Básica, a sua concretização implica em intensivo trabalho coletivo dos profissionais da educação que atuam em todos os níveis, na implementação de políticas públicas que objetivem a formação humana na perspectiva da inclusão social (MATO GROSSO, 2010, p.22).
Aqui também, nas orientações de Mato Grosso, o processo educativo
deve assumir, em sua dimensão de totalidade, uma concepção histórica de
homem em sua integralidade. É preciso compreendê-lo como síntese do
desenvolvimento social e individual, e o processo educativo precisa oferecer
um aprendizado diversificado e contínuo, permitindo ao homem usar seus
conhecimentos científicos, tecnológicos, sócio-históricos e culturais para
compreender e intervir no mundo que o cerca.
À língua estrangeira é dada, como nos documentos nacionais, a função
de trazer para a sala de aula as reflexões sobre o estar no mundo e ela é vista,
pelas orientações mato-grossenses, como uma
condição essencial para possibilitar aos alunos a construção de sua cidadania e, portanto, sua inclusão no mundo social. Hoje, a língua estrangeira faz parte do processo de multiletramento (letramento da língua materna, digital e numérico, entre outros) (MATO GROSSO, 2010, p.88).
Não se pode esquecer, entretanto, como se lê nas OCEM (BRASIL,
2006, p.90), que os objetivos da escola regular são distintos dos cursos de
idiomas, pois “trata-se de instituições com finalidades diferenciadas”. O ensino
de línguas, na escola, tem que se preocupar com a formação de pessoas,
formação de cidadãos, de fazer com que o aluno pense naquilo que está
aprendendo. O objetivo da escola tem que ser benéfico para a escola e para a
própria formação de pessoas. Por isso, continua a autora, é preciso reforçar
que os objetivos do ensino de línguas nas escolas de Educação Básica têm um
caráter educativo e que essas instituições não podem tentar realizar o seu
ensino refletido naquilo que os cursos de idiomas fazem. Cada qual com seu
objetivo.
A necessidade de repensar a prática cotidiana é vital, pois o mundo se
relaciona de forma diferente e, consequentemente, a forma de aprender e
37
ensinar também deve ser diferente. Diante de uma visão sociointeracionista, a
língua deve ser vista como resultado de uma prática social, totalmente
dinâmica e completamente dependente do contexto histórico. E a
aprendizagem de uma língua estrangeira ganha outro caráter. Assim sendo,
segundo as OCEB/MT:
Hoje, a aprendizagem de uma língua estrangeira não é mais ilustração ou um elemento adicional na educação, mas é parte da vida cotidiana e um instrumento importante para colaborar no processo de inclusão daqueles excluídos do mundo do trabalho, da informação, do conhecimento e da tecnologia (MATO GROSSO, 2010, p.84).
1.3 O conceito de fundos de conhecimento
Uma vida escolar bem sucedida não depende apenas dos avanços da
legislação, mas depende, em grande parte, do espaço escolar onde trabalham
professores e alunos e como eles compartilham e negociam seus
conhecimentos, pois ensinar e aprender são processos interativos que
requerem a participação de ambos. Sob essa ótica, as relações professor-
aluno-família-escola se modificam. A escola passa a se aproximar da
comunidade, e professores, de seus alunos, para que juntos possam
vislumbrar um novo olhar para a educação.
Entretanto, aproximar-se da comunidade escolar — alunos e família —
tem sido uma missão desafiadora para a maioria dos professores, uma vez que
não têm tempo e/ou não sabem como se deve fazer essa aproximação. A
situação gera, então, um total desinteresse entre os atores que deveriam estar
envolvidos no processo e o ensino fica, geralmente, à mercê de uma prática
pedagógica descontextualizada da realidade do aluno e do anseio do
professor.
Nessa perspectiva, dois aportes teóricos fundamentam esta pesquisa:
fundos de conhecimento e a educação freireana, pois ambas as concepções
apontam possibilidades de mudança para uma educação mais comprometida
com a diversidade das práticas culturais que adentram a sala de aula.
38
Segundo Moll, Amanti, Neff e González (2009), o conceito de fundos de
conhecimento refere-se a corpos historicamente acumulados e culturalmente
desenvolvidos de conhecimentos e competências essenciais para uso
doméstico ou no funcionamento individual e bem-estar10. Ou seja, os fundos de
conhecimento são os recursos culturais das comunidades locais produzidos
pelas próprias famílias que os utilizam nas suas práticas sociais cotidianas.
Para González, Moll e Amanti (2009, p.1), “as práticas culturais são
formadas e transformadas com as circunstâncias sócio-históricas”. Por essa
razão, os autores entendem que a instrução deve ser ligada à vida dos
estudantes, e os aspectos de uma pedagogia eficaz devem ser ligados à
história local e ao contexto da comunidade.
Amanti (2009, p. 131) defende que “todas as culturas são heterogêneas
e as práticas dentro de um grupo variariam de acordo com fatores como
gênero, religião, classe e localização geográfica”. E para sedimentar a questão,
a autora retoma as palavras de Renato Rosaldo (1989, p.26)
A partir das piruetas do balé clássico até o mais bruto dos fatos brutos, toda conduta humana é culturalmente mediada. Cultura engloba o cotidiano e o esotérico,o mundano e o espiritual,o ridículo e o sublime. Nem alta nem baixa, a cultura é onipresente11 (GONZÁLEZ, MOLL, AMANTI, 2009, p. 132).
Na vida dos alunos, há muito conhecimento que a escola não sabe e,
portanto, não utiliza para ensinar habilidades acadêmicas. Uma vez que esses
conhecimentos são descobertos e mobilizados para a aprendizagem, eles
podem tornar-se um recurso social e intelectual de uma escola, assinalam
González, Moll e Amanti (2009, p. 13).
O conceito de fundos de conhecimento está alicerçado num trabalho
realizado por Vélez-Ibánez e Greenberg (2009) no Arizona. Segundo os
autores (2009, p. 53), esse conceito refere-se às estratégias de adaptação
10No original: We use the term funds of knowledge to refer to these historically accumulated and culturally developed bodies of knowledge and skills essential for household or individual functioning and well-being (MOLL, AMANTI, NEFF, GONZÁLEZ , 2009, p. 72); 11No original: From the pirouettes of classical ballet to the most brute of brute facts, all human
conduct is culturally mediated. Culture encompasses the everyday and the esoteric, the mundane and the elevated, the ridiculous and the sublime. Neither high nor low, culture is all pervasive (GONZÁLEZ, MOLL, AMANTI, 2009, p.132).
39
constituídas por meio da combinação de habilidades rurais, experiências,
conhecimento técnico do habitat e de sobrevivência da grande parte da
população do Arizona-Sonora Mexicano. Mas foi em San Diego, trabalhando
na Universidade da Califórnia, que Moll desenvolveu dois estudos que,
segundo ele, “foram os precursores imediatos do projeto sobre os fundos de
conhecimento” (MOLL, 2009, p. 4). Apoiados nos métodos etnográficos para
pesquisa e na psicologia histórico-cultural de Vygotsky (1978), que enfatiza
como as práticas culturais e os recursos medeiam o desenvolvimento do
pensamento, Moll, Díaz e outros professores pesquisaram a dinâmica de sala
de aula e a vida no lar de algumas crianças mexicanas e suas respectivas
famílias.
No primeiro estudo, através de observações em sala de aula e de fitas
de vídeo, foi feita uma análise da organização social do ensino bilíngue
(crianças mexicanas em escolas americanas). A pesquisa mostrou que,
especialmente no que se referia à competência da leitura, não se aproveitavam
as habilidades das crianças em língua espanhola para dar instruções em língua
inglesa.
Com a ajuda do professor, os pesquisadores mudaram as estratégias de
ensino. Saíram da decodificação e concentração para o desenvolvimento da
compreensão de leitura do aluno. Organizaram lições de leitura, com suporte
em ambas as línguas, criando uma nova perspectiva para a compreensão do
que se lia. Segundo relato de Moll, em González, Moll e Amanti (2009, p. 4), os
alunos relegados a um baixo nível de leitura em inglês passaram a realizar um
trabalho muito mais avançado, uma vez que estavam providos com um suporte
estratégico do espanhol que favorecia o dar sentido ao texto.
O segundo estudo, realizado em escolas de ensino primário, contou
também com a atuação de diversos professores e focou no ensino da escrita
em inglês para aprendizes daquela língua. Além disso, teve como característica
as observações em lares e entrevistas com famílias para documentar a
natureza e amplitude do letramento familiar.
Um grupo de estudo formado pelos pesquisadores e professores
encontrava-se regularmente para discutir a utilização em sala de aula dos
conhecimentos apreendidos das famílias visitadas e refletir sobre esse recurso.
A inclusão de tópicos de relevância nas aulas e o diário reflexivo sobre as
40
tentativas de mudanças a serem discutidas no grupo de estudo eram de
especial importância.
Na proposta de mudanças no ensino, atribuía-se maior ênfase ao
processo de escrita e em criar oportunidades para os alunos falarem sobre o
que eles escreveram; assim, gerava mais escrita pelos alunos e muito mais
oportunidades para ensinar.
Esses dois estudos formaram as bases do primeiro projeto sobre fundos
de conhecimento, em 1988, e impulsionaram a criação do Projeto de
Letramento Comunitário, para fundamentar as observações dos lares de
Tucson, com base nos resultados de Vélez-Ibanez e Greenberg sobre fundos
de conhecimento.
A experiência com a abordagem dos fundos de conhecimento mostrou
que o professor vê os alunos de forma diferente, entende melhor alguma
situação de sala de aula porque conhece as experiências de vida dos alunos.
Torna-se mais sensível e aprende a ouvir com mais atenção cada aluno. A
família, por sua vez, torna-se mais participativa da vida escolar dos seus filhos,
e os alunos, mais interessados. Nessa perspectiva, acredito que a abordagem
dos fundos de conhecimento pode, sim, colaborar com a transformação dos
professores e dos alunos em agentes coaprendizes e co-construtores do
conhecimento.
1.4 A educação freireana
Conhecido internacionalmente como um educador popular, Paulo Freire
se preocupou com a educação em geral e suas teorias estão ligadas a
propósitos sociais e políticos. Segundo sua filosofia, a educação é uma prática
política e sua pedagogia tem como objetivo maior desvelar as relações
opressivas vividas pelos homens, transformando-os para que eles transformem
o mundo.
Freire sempre defendeu, em todos os seus tabalhos (1982,1987, 1994,
1997 e outros), uma educação voltada para a conscientização (FERRARI,
2009, p.110). Atento às necessidades de seu tempo — instituir a democracia e
promover o desenvolvimento econômico do país — a educação era um motor
41
propício para as transformações necessárias. Condenava a maioria das
escolas burguesas, que qualificou de “educação bancária”, e não aceitava a
ideia de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as condições
para autoaprendizado. Freire ( 1987) afirma:
Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem, cabe àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser de “experiência feito” para ser experiência narrada ou transmitida (FREIRE, 1987, p. 60).
Nessa visão, a educação não pode ser depósito de informação do
professor para o aluno. Precisa “superar a contradição entre o educador e o
educando para realizar-se como prática da liberdade” (FREIRE, 1987, p.68).
Para o autor, ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também
não aprendem sozinhas: “Os homens se educam entre si mediados pelo
mundo” (FERRARI, 2009, p.110 -111).
A concepção de educação está embutida numa concepção de mundo e
a valorização da cultura do aluno é a chave para o processo de sua
conscientização. Um dos seus princípios é de que o “aluno, alfabetizado ou
não, chega à escola levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a
do professor”. E é através da relação de respeito à linguagem, cultura e história
de vida dos alunos que Freire propunha que a educação fosse feita. Dessa
forma, seria possível conscientizar o aluno para que este pudesse desenvolver
a criticidade e ter condições de entender sua situação social menos privilegiada
e agir em favor da própria libertação.
Para isso, o educador dizia ser preciso que o professor possibilitasse a
criação e a produção de conhecimento, e que o saber só existe “na invenção,
na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens
fazem no mundo, com o mundo e com os outros” (FREIRE, 1987, p. 58).
Três momentos básicos permeiam a teoria do educador Paulo Freire. O
primeiro é aquele em que “o educador se inteira daquilo que o aluno conhece
não apenas para poder avançar no ensino de conteúdos, mas principalmente
para deixar que a cultura do aluno entre na sala de aula” (FERRARI, 2009, p.
111). Aqui, as práticas culturais do aluno vêm para sala de aula, auxiliam no
conteúdo e os dois – professor e aluno – aprendem juntos, um com o outro.
42
Nada é verdade absoluta e as relações afetivas e/ou democráticas garantem a
todos a possibilidade de expressão. A base é o diálogo libertador e não o
monólogo opressivo do educador sobre o educando. Desta maneira:
o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também, educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos de autoridade’ já não valem (FREIRE, 1987, p. 68).
A exploração das questões relacionadas ao tema em discussão surge no
segundo momento. É aqui que se dá a “construção do caminho do senso
comum para uma visão crítica da realidade” (FERRARI, 2009, P.111),
possibilitando, assim, a criação e a produção do conhecimento. Para que isso
ocorra, sempre é necessária a existência de sujeitos — aquele que ensina e
que aprende e aquele que no papel de aprendiz, também ensina — e objeto a
ser ensinado e aprendido, ou seja, o conteúdo.
Segundo Freire (1994),
o ato de ensinar e de aprender, dimensões do processo maior — o de conhecer — fazem parte da natureza da prática educativa. Não há educação sem ensino, sistemático ou não, de certo conteúdo. E ensinar é um verbo transitivo-relativo. Quem ensina, ensina alguma coisa — conteúdo — a alguém — aluno (FREIRE, 1994, p.110).
Entretanto, continua o autor (1994), o problema fundamental, de
natureza e política e ideológica, é
saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o seu ensino, contra quem,a favor de que, contra que. Qual é o papel que cabe aos educandos na organização programática dos conteúdos; qual o papel, em níveis diferentes, daqueles e daquelas que, nas bases, cozinheiras, zeladores, vigias, se acham envolvidos na prática educativa da escola; qual o papel das famílias, das organizações sociais, da comunidade local? (FREIRE, 1994, p.110).
Finalmente, volta-se do abstrato para o concreto, na chamada etapa de
problematização. O conteúdo encontra-se “dissecado”, o que deve sugerir
43
ações para superar os impasses e essa etapa é que, segundo Freire, atende
ao objetivo final do ensino: a conscientização.
Assim sendo, como educadoras e educadores somos políticos, fazemos
política ao fazer educação. E se queremos uma escola democrática, isto é,
uma escola como sendo um espaço de interação e socialização, que prepara o
indivíduo para a vida adulta, não podemos fechar os nossos ouvidos para os
alunos e nem fechar os olhos para suas realidades contextuais, uma vez que a
dinamicidade, flexibilidade e heterogeneidade das culturas permeiam as
nossas salas de aulas, fazendo com que as práticas culturais locais
intercambiem com as práticas culturais globais. Não podemos esquecer que,
segundo Freire, tudo está em permanente transformação e interação. Afinal, já
dizia o educador: “o mundo não é, o mundo está sendo”.
No capítulo seguinte, apresento e discuto a metodologia empregada na
realização da pesquisa.
44
CAPÍTULO 2
A METODOLOGIA DE PESQUISA
A ciência não passa do bom senso exercitado e organizado.
— Aldous Huxley (2013)
Neste capítulo, inicialmente, exponho a ótica da pesquisa. Em seguida,
discorro sobre os instrumentos e procedimentos metodológicos, bem como
descrevo os procedimentos analíticos aos quais recorri. Por último,
contextualizo o percurso da pesquisa, descrevo o cenário (cidade, bairros e
escola) e o perfil dos participantes.
2.1 A perspectiva etnográfica
Conforme André (2001), à ampliação do número de pesquisas da área de
educação nos últimos 30 anos, somaram-se igualmente a ampliação e
diversificação de temas. Os estudos que focavam o produto passaram a focar o
processo; as questões genéricas deram lugar às localizadas e as investigações
passaram a ser desenvolvidas em contextos específicos. A autora também
esclarece que a pesquisa etnográfica na área educacional ganhou força a partir
do final da década de 1970 e, a partir de então, o incentivo aos estudos
etnográficos tem sido intenso, pois eles proporcionam contato direto do
pesquisador com a situação investigada, possibilitando um contato face a face
com a realidade escolar, o que permite a interpretação das ações cotidianas
dos participantes.
Na pesquisa etnográfica, como sendo um processo participativo, o pesquisador
não somente observa, indaga, compara e faz inferências, mas também ouve e
reflete sobre o que os participantes têm para dizer. E nessa perspectiva, o
aprendizado deixa de ser uno e torna-se bilateral e o pesquisador tenta
45
conhecer um novo modelo de entendimento de uma situação específica, não
prevista, para compará-la a outras que se aproximam de tal realidade.
São muitas as definições sobre etnografia ou o que não é etnografia.
Aqui destaco alguns aspectos que me auxiliam a entender a sala de aula como
cultura, pois, como diz Fetterman (1998, p. 11), etnografia é “a arte e ciência de
descrever um grupo ou cultura”. Se olharmos pela perspectiva da etnografia,
então, podemos entender a sala de aula como culturas que estão sendo
construídas numa base diária. O tipo de cultura que está sendo formada na
sala de aula determina o tipo de aprendizagem que ocorre. Quer dizer,
lembrando Erickson (2001, p. 12), que estudantes e professores criam padrões
rotineiros ao longo do tempo no modo de como eles agem, interagem,
compreendem e acreditam. Esses padrões rotineiros não são visíveis para os
atores neles engajados. A etnografia pode ser usada para tornar esses padrões
visíveis e permitir conhecer o que estudantes e professores estão fazendo e
aprendendo em sala de aulas.
Rees e Mello (2011, p. 35), discutindo a etnografia no espaço da sala de aula
de línguas, entendem que
a etnografia seja uma alternativa para o estudo do processo de ensino-aprendizagem porque ela permite tratar de questões teóricas e práticas sobre o que está acontecendo no momento em que a L2/LE está sendo ensinada e aprendida, além de poder compreender vários aspectos do contexto institucional da escola, entre eles as pressões sociais que os professores e alunos sofrem, as políticas de ensino e uso da(s) língua(s), os fatores sociais que afetam o planejamento educacional, os discursos concorrentes. Em outras palavras, a pesquisa etnográfica chama a atenção para a importância dos fatores socioculturais no processo de ensino-aprendizagem de L2/LE, além de proporcionar meios para a integração da teoria e prática (REES & MELLO, 2011, p. 35 - 36).
Aliada às possibilidades acima, há também a perspectiva de Spradley
(1980, p.7 - 8), ao entender que a etnografia se apoia na visão ética e êmica. A
primeira (visão ética) é descritiva e observa as estruturas comportamentais do
grupo cultural em foco. Na segunda (visão êmica), a verdade de um fenômeno
cultural deve ser interpretada de acordo com a visão de quem vive a cultura
investigada e isto é específico da etnografia.
46
Eventos são diferentes em cada sala de aula porque professores e
estudantes são diferentes, estabelecendo e criando seus direitos e obrigações,
papeis e relações, normas e expectativas (GREEN, DIXON, 1993). O
pesquisador etnógrafo examina a sala de aula da perspectiva de ambos –
professor e alunos – e entende como as relações sociais são complicadas e
como são diferentes de uma sala para outra.
Os principais métodos usados na etnografia são observação participante
associada com as anotações de campo, entrevistas e documentos.
Etnógrafos se engajam em observação participante com o propósito de
ganhar insights acerca das práticas culturais. Os insights se desenvolvem ao
longo do tempo através de repetidas análises dos muitos aspectos observados
e anotados em relação aos detalhes de vida nos contextos da pesquisa.
Enquanto a observação participante oferece informação acerca das ações dos
atores, entrevistas propiciam aprender como pessoas refletem sobre ações,
circunstâncias, identidades, eventos e outros. As entrevistas são importantes
para ganhar insights em relação a perspectivas dos atores.
Os documentos são artefatos que não são produzidos para fins de
pesquisa. Eles são produzidos pelas pessoas que estão no campo de pesquisa
(por exemplo, no contexto escolar, podem ser cadernos de alunos, anotações
de professor), ou por pessoas que estão, de alguma forma, relacionadas com
as pessoas do contexto que estão sendo investigadas (o PPC, por exemplo),
ou ainda podem ser documentos produzidos sobre as pessoas que estão no
contexto da pesquisa. Todos esses documentos ajudam o pesquisador a
entender questões relacionadas ao seu contexto de pesquisa e como esses
documentos afetam os atores (WOLCOTT, 1994; HAMMERSLEY, 1995;
ERICKSON, 2001).
Entendo, portanto, que a etnografia é uma abordagem sistemática,
teoricamente orientada para o estudo da vida diária de um grupo social,
constituindo-se em “um modo de ver e observar vida em grupos sociais
específicos e um meio de documentar, analisar e representar essa vida”
(DIXON, FRANK, GREEN, 1999, p. 4). Ademais, entendo que não basta
registrar dados, descrevê-los ou falar sobre eles; também é necessário dialogar
com eles em consonância com as falas dos entrevistados, as anotações por
meio de observação participante e análise de documentos. Assim, a relação
47
entre pesquisador e pesquisado se fundamenta sempre pelo discurso, pois,
fora dessa construção dialógica, a pesquisa perde o sentido.
A opção por inserir este trabalho nos princípios metodológicos da pesquisa
etnográfica se deveu ao fato de acreditar que a etnografia possibilita, no seu
contato face a face, uma relação de troca entre pesquisados e pesquisador.
Com uma observação participante detalhada, busquei observar ações
humanas que ocorrem em uma sala de aula real (a minha própria sala de aula,
em contexto natural) e, ao mesmo tempo, perguntar às pessoas nelas
engajadas como interpretam o que fazem. O objetivo central foi compreender
se as práticas realizadas em sala incluem o universo dos alunos. Com o intuito
de lembrar ao leitor, retomo aqui as três questões que guiam esta pesquisa:
O que os atores (professora e alunos) fazem em sala de aula?
Como os atores (professora e alunos) atribuem sentidos aos eventos
que acontecem em sala de aula?
As práticas culturais da turma acolhem a escuta dos alunos?
Para responder a essas questões, apresento na sequência o cenário da
pesquisa e seus atores.
2.2 A localização e contextualização da pesquisa
Para atender à essência desta pesquisa interpretativa etnográfica, que é
conhecer e tornar conhecidos os tipos de conhecimento advindos das práticas
culturais da comunidade investigada – uma sala de aula – nesta seção
descrevo o cenário e os participantes da pesquisa.
A escola
A Escola Azul faz parte da rede oficial de ensino, mantida pelo governo do
Estado de Mato Grosso, através da Secretaria de Estado de Educação
(SEDUC). Está localizada na cidade de Cuiabá, Mato Grosso. Situada à
margem esquerda do rio de mesmo nome, formando uma conurbação com o
município de Várzea Grande, Cuiabá possui uma população de 551.350
habitantes, segundo o resultado do Censo do IBGE de 2010. A região
48
metropolitana engloba ainda outros municípios, como Santo Antônio do
Leverger e Nossa Senhora do Livramento, Acorizal e Chapada dos Guimarães,
formando um aglomerado urbano próximo de atingir um milhão de habitantes.
O município é cercado por três grandes ecossistemas: a Amazônia, o Cerrado
e o Pantanal; está próximo da Chapada dos Guimarães e ainda é considerada
a porta de entrada da Floresta Amazônica.
A Escola Azul, cenário desta pesquisa, localiza-se no Bairro Bandeirante,
situado na região leste da cidade, área nobre do município incluindo o Parque
Antonio Pires de Campos, “o morro da luz”. Segundo relato de moradores do
local, o bairro teve sua origem em um loteamento residencial em 1956. Desde
a sua fundação, conta com uma concentração significativa de população árabe,
tendo inclusive a mesquita da cidade localizada no bairro.
Antes era um bairro residencial, mas sofreu grandes alterações em
consequência da sua localização próxima à área central da cidade. Atualmente,
o bairro alterna a área residencial com atividades comerciais, como lojas,
bares, restaurantes, escritórios, hotéis e órgãos públicos, escolas públicas e
privadas, entidades de classes, hospitais, entre outras. Conta com uma boa
infraestrutura. Contudo, na questão da segurança, deixa a desejar e há
ocorrência de roubos e assaltos.
Por ser complexa a administração de uma escola, quatro órgãos
colegiados dão apoio direto à direção da escola, sendo eles: Conselho
Deliberativo da Comunidade Escolar, Conselho de Classe, Conselho Fiscal e
Grêmio Estudantil.
Com instalações antigas, mas bem estruturada, a escola é constituída
por dois andares e possui 33 salas distribuídas para aulas, diretoria, secretaria,
recursos humanos, coordenação, almoxarifado. Possui também biblioteca,
anfiteatro, laboratórios de informática e de ciências da natureza e da
matemática, quadras de esporte, cantina terceirizada, cozinha e refeitório.
Os serviços de multimídia didáticos são encontrados na escola com
facilidade. Há muitos televisores, DVDs, computadores, Data shows, máquinas
fotográficas digitais, filmadora, multiprojetor, calculadora, fotocopiadora,
retroprojetor e videocassete. Possui três lousas digitais e a Internet é
distribuída gratuitamente para toda a escola, através da rede WIFI.
49
No ano letivo de 2013, nos períodos vespertino e matutino, 26 turmas foram
formadas com a Educação Básica nos níveis Médio, Médio Integrado e na
modalidade Médio Inovador – com implantação gradativa – somando um total
de 1.150 alunos, oriundos de 48 bairros distintos e da cidade vizinha Várzea
Grande.
Cinco projetos foram propostos para serem desenvolvidos no ano de 2013:
Sala do Educador, Olimpíadas, Robótica, Interdisciplinar Temático e Jornal
impresso, sendo o último proposto por mim, especificamente para área de
linguagem. Além disso, a escola conta com o projeto Sala Ambiente desde o
ano de 2005, projeto este que possibilita ao professor ter uma sala fixa para
sua disciplina, com materiais diversos e necessários para sua prática
pedagógica diária. Esse projeto melhorou a conservação dos bens públicos,
como carteiras, mesas e até paredes, e facilita a atuação do professor que não
precisa se deslocar a cada aula, de sala em sala, carregando sacolas de
materiais.
Os estudantes são oriundos de diversos bairros, em sua maioria, distantes dos
arredores da escola. Eles utilizam transporte público para ir à escola. Há casos
em que alguns estudantes gastam até uma hora e trinta minutos para se
locomoverem de suas casas à escola. Todos os bairros possuem escolas
estaduais capazes de atender às necessidades dos alunos, porém seus
familiares acreditam que a Escola Azul proporciona um estudo de melhor
qualidade e preferem ter seus filhos estudando nela.
A Sala Ambiente de Língua Inglesa possui ar condicionado e está aparelhada
com TV, DVD, vídeo cassete, aparelho de som, 03 grandes quadros
pendurados na parede, com vocabulário temático em inglês e suas respectivas
imagens, mural de recados em inglês e português, mural de aniversariantes,
armários embutidos com diversos materiais pedagógicos, como livros,
dicionários, jogos e muitos objetos escolares. Entre os três armários, há um
espaço sem portas, com três prateleiras que funcionam como uma estante.
Aberto, esse espaço dispõe de revistas e jornais, em inglês e português, para
os alunos acessarem livremente. Todo este material é recolhido pela
professora e doado por amigos e colegas da mesma.
As trinta cadeiras e mesas não são enfileiradas verticalmente como se vê nas
escolas. A organização se dá de acordo com as atividades propostas. Assim,
50
ora estão em círculo ou em semicírculo, ora estão em duplas, em trios ou em
quartetos, ora estão juntas horizontalmente em duas filas. Entendo que essa
variação de organização dos assentos permite minimizar a relação assimétrica
de poder entre a professora e os estudantes.
Os atores da pesquisa
Os atores do estudo são onze alunos do atual segundo ano do Ensino
Médio Integrado à Educação Profissional (EMIEP)12e a professora de inglês,
que neste caso, também é a pesquisadora. Primeiramente, traço o perfil dos
alunos e, em seguida, o da professora-pesquisadora.
Por ter sido professora do EMIEP em 2012, enquanto era 1º ano, e perceber a
possível continuidade com a mesma turma em 2013 e 2014, escolhi este grupo
para minha pesquisa. Nas escolas públicas, não há garantia de continuidade
dos alunos em uma mesma turma durante os três anos de curso do ensino
médio, e nem mesmo a garantia do professor continuar com a mesma turma
ou na mesma escola.
Em 2012, a turma era composta de dezoito (18) alunos. Desses, cinco
saíram da escola e outros cinco foram reprovados. No término dos registros de
dados em 2013, a turma era composta por onze alunos13 e todos aceitaram
participar da pesquisa, conforme registro feito através do Termo de
Consentimento Informado (anexo 1). Apesar de poucos alunos em sala, o perfil
do grupo era bem diversificado, se levarmos em conta suas diferentes
procedências e experiências. As diferenças econômicas não são visíveis por
meio de vestuário, pois todos usam uniformes, cuidam da aparência física e
têm celulares. Nessa turma, todos os alunos são muito educados, dois são
extremamente tímidos, e há quatro que falam muito e são muito alegres. A falta
de respeito e a indisciplina não fazem parte deste contexto. Vê-se que o grupo
contraria todo o estereótipo do que seja uma turma de escola pública: sala
cheia, alunos de classe média baixa e indisciplinados.
12EMIEP refere-se a uma modalidade de ensino que faz a articulação entre a Educação Profissional Técnica de nível médio e o Ensino Médio de forma integrada, no mesmo estabelecimento de ensino, contando com matrícula única para cada aluno, conforme o artigo
3º do decreto 5.154/2004. No estado de Mato Grosso, iniciou-se em 2007, e na escola aqui
pesquisada, em 2010. 13 Nomes fictícios
51
O quadro e os textos abaixo mostram, de forma simples e breve, o perfil de
cada aluno. Esses dados foram gerados através de um questionário
(Questionário Diagnóstico, Anexo 2), aplicado em novembro de 2012, quando
esse grupo ainda cursava o primeiro ano do ensino médio. O restante que
compõe a pesquisa é relativo a 2013, quando a turma cursava o 2º ano.
Quadro 1: Perfil da turma
Alunos Sexo Idade Naturalidade Bairro em que reside
Beto 16 Cuiabá Planalto
Greg 16 Cuiabá Jardim Leblon
Guto 15 Cuiabá Jardim Leblon
Inghy 15 Cuiabá Parque Cuiabá
Lady
15 Porto Alegre do Norte Dom Aquino
Vickie
17 Cuiabá Coophamil
Susuu
17 Cuiabá Jardim Comodoro
Tici
16 Várzea Grande Novo Millênio
Tatá
16 Cuiabá Altos da Serra
Vany
16 Cuiabá Grande Terceiro
Bibi
17 Cuiabá Santa Rosa II
Os alunos Greg, Vickie, Sussu e Bibi foram reprovados em 2012 e estavam
cursando em 2013, novamente, a mesma série. É importante ressaltar que
nove alunos moram no mesmo bairro desde que nasceram. Apenas as alunas
Lady e Tici tiveram mudanças recentes em suas vidas.Por meio das respostas
ao Questionário Diagnóstico (Anexo 2), fiz um breve histórico de aluno por
aluno, compondo o perfil que apresento a seguir.
Beto demonstra não ter ligação com os pais e vive com a avó, tios e
primos. O tio tem ensino fundamental completo, a tia possui ensino médio
completo e ambos são vendedores. O aluno diz ter escolhido a escola aqui
pesquisada pelo fato de a mesma ter sido indicada por outro professor e por ter
ar condicionado. Sente dificuldade em aprender a língua inglesa, mas a vê
52
como oportunidade de trabalho. Não tem contato com a mesma fora da escola
e nem com outra língua, apesar de ter acesso à Internet. Estudou em uma
escola particular enquanto era criança e depois em escolas estaduais.
Greg mora com os pais e um irmão. O pai tem ensino fundamental
completo e é encarregado de uma loja de materiais de construção. A mãe tem
o ensino médio e trabalha em gerência de uma multinacional (espécie de
secretária particular). O irmão está no segundo ano do segundo grau. O aluno
sempre estudou em escolas públicas, está na escola pesquisada por opção
dos pais e entende que língua inglesa é importante por ser mundial e mais
utilizada no mundo. Diz que “temos que aprender novas culturas”. Não tem
contato com a língua inglesa e nem com outras línguas, apesar de ter acesso à
Internet.
Guto reside com os avós e tem três irmãos. Os avós têm ensino
fundamental incompleto. Dois irmãos estudam e o outro trabalha. A casa
parece de gente simples, com uma boa estrutura externa. O aluno só estudou
em escolas públicas e a escola atual foi indicada por um amigo. Acha a língua
inglesa importante e relaciona-a com atividades turísticas da cidade. Não tem
contato com a língua inglesa, apesar de ter acesso á internet.
Inghi mora com os pais e tem quatro irmãos. O pai é vistoriador de
seguradoras e a mãe trabalha no setor de compras de uma empresa particular.
O primeiro tem ensino médio completo e a segunda está cursando o nível
superior. Três irmãos já completaram os estudos e o mais novo está no 9º ano.
Sua casa é bem estruturada externamente e tem excelente localização dentro
do bairro. Passou por quatro escolas particulares e atualmente é a segunda
escola pública que frequenta. Acredita que esta escola, “por ser do centro da
cidade, tem melhores estruturas e conteúdos de ensino”. Entende que é bom
aprender a língua inglesa porque ela é a língua comercial do mundo. Ele utiliza
o inglês fora da sala de aula para dizer coisas engraçadas e para impressionar
outras pessoas. Também tem o hábito de usar a língua porque participa de um
jogo através da internet no qual há jogadores turcos, ingleses, espanhóis,
franceses que se comunicam em língua inglesa pelo TeamSpeak.
53
Lady desconhece o pai e vive com a mãe e uma irmã. A mãe tem nível
superior completo e é esteticista. A irmã mais nova esta no 9º ano. Laura só
estudou em escola pública e está na escola pesquisada porque quando se
mudou para Cuiabá a escola estava próxima à casa dela. Atualmente, ela
também gasta mais ou menos uma hora para fazer o deslocamento
casa/escola. Vê necessidade do aprendizado da língua inglesa como meio de
trabalho em empresas fora do Brasil. Além da escola, o contato com a língua
inglesa se dá através da música que ela escuta. Tem acesso à internet, mas o
uso é restrito à língua portuguesa, mesmo no uso de redes sociais.
Vickie mora com uma irmã que está fazendo faculdade. Seu pai é
taxista e nada fala sobre sua mãe e sobre outro irmão que tem. Só estudou em
escolas públicas e por falta de vagas na escola Tiradentes, estuda na escola
aqui pesquisada. Diz que ama a língua inglesa e acha-a importante por ser a
língua universal. Seu contato com inglês fora da sala de aula se dá através das
redes sociais e das músicas que ela gosta de ouvir e cantar.
Sussu vive com a mãe e mais 03 irmãos menores. Sua mãe tem o
ensino médio completo e é doméstica. Veio para a escola Azul por indicação
sobre a qualidade do ensino. Acredita que o inglês seja um ponto importante na
vida profissional e que ser bilíngue é um ponto extra no currículo. Usa a
Internet para várias atividades, mas todas em língua portuguesa, mantendo,
assim, o contanto com o inglês apenas em sala de aula.
Tici mora com a mãe, pois os pais estão separados, e tem uma irmã. O
pai é autônomo (faz coleta de ossos em açougues e aqueles são
transformados em ração) e a mãe é professora. A mãe optou por esta escola
em função da qualidade do ensino divulgada por terceiros. Tici também diz que
o inglês é importante em função do mercado de trabalho.
Tatá reside com os avós, que são aposentados. Diz que o pai é vigilante
e não sabe sobre a profissão mãe. Ambos, pai e mãe, têm ensino médio
incompleto. Têm três irmãos mais novos. Estudou em uma escola particular,
54
enquanto criança e depois em escolas públicas. A escola atual foi escolhida
pela mãe, que recebeu boas referências. Por considerar a universalidade da
língua inglesa, diz que somos obrigados a aprendê-la. Usa o inglês fora da
escola para cantar, em casa, algumas músicas e arriscar algumas palavras
com alguns colegas.
Vany mora com pai, mãe e dois irmãos mais novos. Seus pais têm grau
superior e são supervisores de lojas. Estudou em escolas particulares, como
Sesi e Coração de Jesus. Afirma que mudou para escola Azul em função das
cotas (pretende fazer medicina) e sabe que a mesma teve o melhor
desempenho entre as escolas centrais públicas de Cuiabá. Relaciona a
importância da língua inglesa ao trabalho fora do país e a clientes estrangeiros
residentes aqui.
Bibi mora com a mãe e dois irmãos. A mãe está fazendo curso superior
e o pai, servidor público, já possui o nível superior. Escolheu a escola pelo tipo
de curso que oferece – EMIEP. Vê o inglês como uma necessidade atual e o
utiliza ao cantar, escrever e, de vez em quando, em conversa. Tem contato com
o espanhol, pois possui parentes no Paraguai e sempre conversam.
Professora-Pesquisadora: Nascida nas Minas Gerais e cuiabana de
coração, formei-me em Letras - Português/Inglês - pela Universidade Federal
de Mato Grosso, em 1993. Já lecionei para todas as faixas etárias, do ensino
básico ao superior. Passei por escolas particulares, cursos de idiomas e
faculdades e só entrei para a escola pública em 2002. Nessa época já tinha
feito meu primeiro – de três – curso de especialização e pensei que estava
muito bem formada. Grande engano! Quanta ilusão! Minha formação estava só
começando. Toda a minha experiência anterior com sala de aula não podia ser
aplicada naquela escola, que carecia de equipamentos tecnológicos e de
material didático para o professor e os quarenta alunos da turma.
Atualmente, sinto que meu trabalho é reconhecido por alguns colegas e
parece-me que conquistei certo respeito para a disciplina de inglês, que
leciono, através das minhas ações pedagógicas. Hoje, sou a única professora
efetiva da escola pesquisada e, por todos esses anos, muitas colegas já
55
trabalharam comigo. Por todos esses anos também, busco aperfeiçoamento,
do jeito que posso, através de cursos, encontros, seminários, associação dos
professores de inglês, leituras, grupos de estudo, conversas com colegas de
outras escolas, sendo ouvinte de algumas disciplinas de mestrado, recebendo
estagiárias em minha sala e sendo também colaboradora em pesquisas de
diversos colegas.
2.3 O percurso da pesquisa
Qualquer ação de pesquisa deve ser extremamente bem planejada e com a
etnografia isso não é diferente. O pesquisador etnógrafo, antes de iniciar a
pesquisa, busca fazer leituras da bibliografia relativa à prática etnográfica,
entender como a sua estada em campo, vivência e conversas entabuladas com
os atores do contexto da pesquisa devem prescindir de julgamentos
descontextualizados e tornar-se ser um bom observador, prestando atenção
aos detalhes.
Antes de iniciar esta pesquisa, fui professora colaboradora em uma
investigação de mestrado de um colega, hoje mestre em Estudos de
Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso. Fui, então, apresentada
pela primeira vez ao fazer etnográfico, lendo textos sobre o assunto e
acompanhando o colega no seu trabalho de campo.
Encantada com a pesquisa do meu colega, imaginei que poderia realizar a
minha pesquisa do mestrado na linha etnográfica e convidei a única professora
de inglês na minha escola para que fosse colaboradora na minha pesquisa.
Infelizmente, ela não aceitou o convite. Decidi que poderia olhar para a minha
própria sala de aula para observar sistematicamente como era o meu próprio
fazer. Antevia, inicialmente, que teria dificuldades e desafios, pois, como
poderia, ao mesmo tempo, ser professora e pesquisadora? Como poderia
observar minha própria prática e registrar dados, ao mesmo tempo em que
estaria dando aulas? Conforme Blommaert (2006, p. 27), ao observar a si
mesmo, o pesquisador poderá ter mais dificuldade para lidar com o fenômeno
etnográfico, porque, mesmo tendo uma longa e rica experiência como professor
e estando familiarizado com o mundo da vida e da organização de um
56
ambiente educacional, quando esse professor se transforma em um
pesquisador, ele para de ser professor. Além disso, o autor esclarece que, ao
fazer o trabalho de campo, o pesquisador entra na escola para pesquisar e não
para ensinar. E muito do que é verdade para o professor precisa ser posto em
questionamento pelo pesquisador.
Ao longo do ano de 2012, debrucei-me sobre as disciplinas exigidas e sobre as
diversas leituras indicadas pela orientadora, e outras que selecionava a partir
do que lia. Foi um ano de muitas descobertas que, por algumas vezes,
vislumbrava a minha própria pesquisa. Alguns encontros individuais com a
orientadora foram delineando o meu percurso e o que era pré-projeto passou a
ser projeto.
No segundo semestre, apliquei meu primeiro questionário aos alunos, em
busca de dados pessoais e informações gerais sobre seus familiares. Ao
apresentar o projeto para a turma, recebi de todos os alunos uma resposta
positiva e senti, mais uma vez, que o meu estímulo só aumentava. Os alunos,
por sua vez, sentiram-se extremamente importantes, por serem escolhidos
entre tantas outras turmas.
Em abril de 2013, depois de certa organização na escola e de posse dos dados
gerados através do questionário aplicado no ano anterior e de algumas
anotações no diário de campo, intensifiquei os registros e diversifiquei os
métodos. Iniciei as gravações das aulas, as visitas (registradas através de
gravação, algumas fotos e anotações) aos bairros dos quais meus alunos eram
oriundos e a participação em grupo de estudos com outros colegas do
mestrado, para compartilhar as ações realizadas nesse período. Nessa época,
convidei o Professor Arivan S. da Silva, meu colega de profissão e amigo, com
quem frequentemente converso sobre questões de ensino de línguas, para ser
colaborador na incursão aos bairros onde meus alunos moravam para
conhecer onde viviam. As conversas informais com o professor colaborador,
durante e após as divertidas visitas aos bairros em que os alunos moravam,
foram de suma importância para o trabalho. Sua formação e sua visão sempre
me faziam rever as minhas ações, ora de professora, ora de pesquisadora.
Atenta ao que a orientadora e o professor colaborador falavam sobre a
disciplina exigida pela pesquisa, fazia as transcrições das gravações e
organizava as anotações de campo após cada tarefa executada. Assim, a
57
coleta do meu “lixo” (BLOMMAERT, 2006, p.52) foi se acumulando
organizadamente e, na segunda semana de julho, eu podia contar com o
questionário respondido pelos alunos em 2012, transcrições de oito aulas,
coleta de atividades dos alunos, anotações nos diários sobre aulas dos dois
bimestres do corrente ano, anotações e transcrições sobre os dez bairros
visitados e diversas fotografias, sendo vinte e duas dos bairros, 08 da sala de
aula e 04 do livro Upgrade, volume 2.
Percebi que não havia feito entrevistas, conforme o planejado. A volta do
recesso do mês de julho foi tomada por dois problemas políticos: a) decisão da
SEDUC em fechar as turmas do EMIEP, por terem número de alunos
insuficientes ( 35) nas salas de aulas, e b) a greve iniciada no dia 12 de agosto
e terminada em 18 de outubro. Ambos interferiram na minha programação. E
naquele momento a única coisa a ser feita era “brigar” para manter as turmas
na escola.
Nesse sentido, é preciso salientar aqui a postura dos alunos do EMIEP
quanto à decisão arbitrária da Secretaria de Educação, ao decidir pelo
fechamento das turmas em função do número reduzido de alunos. Aliados a
estudantes de outra escola pública que oferece o mesmo tipo de ensino, os
alunos apresentaram, em uma reunião com membros da assessoria
pedagógica e advogados da SEDUC, professores e pais, argumentos e
documentos pautados em fatos e leis que levaram a secretaria a retroceder
na decisão. Sem sombra de dúvida, essa ação marcou, mais do que nunca, a
ideia freireana de leitura do mundo: “ler a realidade (conhecê-la) para em
seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)” (FREIRE, 2009,
p.111-112).
Com a greve em movimento, nada mais podia ser feito, a não ser, esperar.
Pensei então, em alinhar os dados e, se necessário fosse, quando as aulas
voltassem, faria as entrevistas para checar ou acrescentar algumas
informações. Na realidade, dentro da minha inexperiência de pesquisadora, eu
estava muito satisfeita com tudo que eu tinha em mãos.
Dediquei-me, então, a escrever e logo percebi que as entrevistas seriam
de suma importância para minhas análises. Fiz o que pude e quando a greve
terminou, em 21 de outubro, retomei minhas atividades. Infelizmente, perdi
nesse período, duas alunas da turma pesquisada. Uma desistiu. Os problemas
58
particulares sobrepuseram-se à vontade e à necessidade de estudar. Já a
outra passou no processo seletivo do IFMT (Instituto Federal de Mato Grosso)
e decidiu ingressar no curso enquanto a escola estadual estava em greve.
Em pouco tempo, voltamos à normalidade e eu gravei mais 04 aulas e fiz
entrevista com os alunos, entre os dias 04 a 22 de novembro. Em dezembro,
mais uma aluna desistiu. Desta vez, a aluna concluiu o segundo grau com base
no art. 38 da Lei nº 9.394/96, segundo o qual o exame ENEM pode ser
utilizado para fins de certificação14 de conclusão do ensino médio, para alunos
maiores de 18 anos que não concluíram esse nível de escolaridade na idade
adequada.
Na contramão dos diversos discursos sobre o excesso de estudantes em
salas de aulas, terminamos o ano letivo de 2013, em fevereiro de 2014, com
oito alunos. Que calmaria!
2.4 Instrumentos, procedimentos metodológicos e analíticos
Hammersley (1990) destaca cinco características da etnografia:
O comportamento das pessoas é estudado em contextos diários, cotidianos.
Dados são registrados por uma variedade de fontes, mas a observação e as
conversas informais são as principais.
A abordagem para o registro dos dados é “não-estruturada, aberta” (não
envolve um plano detalhado de antemão).
O foco da pesquisa é num único local ou num grupo pequeno.
A análise dos dados envolve interpretação dos sentidos e funções de ações
humanas e é relatada por meio de descrições e explicações verbais.
Levando em consideração a necessidade de conhecer as práticas
culturais da minha sala de aula em contexto natural e por meio de perspectivas
daqueles que participam do contexto investigado, são dois os instrumentos
14
A certificação é realizada pelas Secretarias Estaduais de Educação e pelos Institutos Federais de
Educação que aderiram a essa modalidade, nos termos da Portaria MEC nº 10, de 20 de maio de 2012 e da Portaria INEP nº 144, de 24 de maio de 2012.
59
primários da pesquisa: observação participante e entrevistas semiestruturadas.
Além das anotações de campo, outros recursos foram utilizados para gerar
dados: questionário para compor o perfil do aluno e gravações em áudio,
especialmente porque, sendo professora e pesquisadora ao mesmo tempo,
ouvir o vídeo com todas as vozes de alunos e professora poderia me
proporcionar dados que tivessem escapado das anotações de campo. Assim,
me pareceu que a chamada subjetividade inerente a esses tipos de dados
adquire uma natureza intersubjetiva ao se levarem em conta várias
subjetividades ou várias maneiras de olhar para o mesmo objeto de
investigação.
Para Blommaert (2006), as notas de campo são uma variante de um
gênero muito antigo: o diário. Apesar de a Antropologia questionar os seus
valores devido às possíveis contradições em resultados finais da etnografia,
livros ou artigos, atribuí grande importância às minhas notas de campo. Na
condição de professora e pesquisadora, mesmo com algumas notações
confusas, muitas delas serviram-me para lembrar detalhadamente de eventos
importantes da sala de aula, dos corredores da escola, das visitas às
comunidades dos alunos.
Em relação à utilização de entrevista, Longaray (2009), baseando-se na
definição de Fontana e Frey (2000), entende também que ela é “uma das mais
comuns e poderosas formas com a qual tentamos entender uns aos outros”.
Ainda segundo esses autores, independentemente de a entrevista ser
estruturada, semiestruturada ou não-estruturada, entrevistas “são interações
ativas entre duas ou mais pessoas conduzindo os mesmos à resultados
negociados e contextualizados”.
O questionário também representa uma forma de indagar as pessoas
sobre uma situação e é muito usado para fazer levantamento de dado.
Segundo Flick (2013), uma característica é a extensiva padronização e tem por
objetivo receber respostas comparáveis de todos os participantes. Para o autor,
a diferença entre questionário e entrevista está no grau da padronização do
procedimento. O primeiro surge com uma lista pré-definida de perguntas e
resposta, enquanto a segunda é mais aberta. Neste trabalho, utilizei o
questionário para compor o perfil dos alunos.
60
Em relação às gravações, Blommaert (2006) as vê como evidências e
exemplos que podem, eventualmente, fundamentar a análise de dados. Elas
são as fontes de informações cruciais para dar o tom acadêmico nos relatos
dos acontecimentos. Para o autor, as gravações têm uma função importante
durante todo o trabalho, pois elas oferecem um arquivo da própria investigação.
A coleção de gravações, nesse sentido, documenta o progresso do
pesquisador através do processo de aprendizado que é o ato de fazer
etnografia.
Os procedimentos analíticos buscaram seguir a orientação etnográfica,
tais quais ler contínua e sistematicamente os dados, obtidos por diferentes
fontes, durante o desenrolar de toda a pesquisa, para se familiarizar com a
informação e buscar “categorias ou temas de sentido”, trazendo uma ordem à
massa de dados coletados. Por esse procedimento, o etnógrafo pode se
assegurar de ter descoberto algo essencial ao entendimento do espaço
estudado.
Neste capítulo, foram apresentados conceitos e informações relevantes
à pesquisa empreendida por essa pesquisadora e relatada nesta dissertação.
Baseada na pesquisa qualitativa e interpretativa, de cunho etnográfico, este
estudo se desenvolveu para examinar as ações/interações/trocas entre os
atores (professora e alunos) da sala de aula, a fim de apreender
conhecimentos não só dos eventos e práticas que nela acontecem, mas
também para interpretar que sentidos essas pessoas atribuem aos eventos em
que estão engajados.
O próximo capítulo é dedicado à análise e à discussão das práticas e
sentidos em movimento.
61
CAPÍTULO 3
A TURMA DO 2º ANO: PRÁTICAS E SENTIDOS
Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso, aprendemos sempre.
— Paulo Freire ( 1989, p. 31)
Neste capítulo, apresento a análise e interpretação de dados delineados
a partir das três perguntas da Introdução. Ao organizar o capítulo, faço-o por
meio de três seções: 3.1 - Das práticas, 3.2 - Dos sentidos e 3.3 - Dos
fundos de conhecimento. Na primeira seção, apresento as ações que se
realizam na sala de aula. Em seguida, analiso os sentidos que os alunos e a
professora atribuem aos eventos que compõem cada aula observada. Por
último, procuro responder se as práticas culturais da turma acolhem a escuta
dos alunos, base para uma educação eficaz.
3.1 Das práticas de sala de aula
No ano de 2013, pela primeira vez na minha vida de docente de escola
pública, alguma coisa começou diferente. Normalmente, o planejamento anual
exigido pela escola é feito por cada professor da disciplina que lhe é atribuída.
Nesse ano, influenciada pelas leituras de González, Moll e Amanti
(2009), decidi convidar a professora de espanhol para planejarmos nossas
aulas em conjunto. Seria a oportunidade para nos conhecermos melhor,
trocarmos ideias e planejarmos unidades temáticas semelhantes para usarmos
nas nossas aulas. Assim foi feito. Nós duas éramos as únicas professoras de
língua estrangeira na escola e, unidas, selecionamos conteúdos dos livros
adotados pela escola que tratassem do mesmo assunto e englobassem o tema
62
geral do projeto temático “O jovem e sua inserção no mundo do trabalho”15, a
ser desenvolvido por todos os professores da escola Azul.
A professora de espanhol e eu optamos pelos tópicos que tratavam da
identificação pessoal, das referências mundiais a serem admiradas e
respeitadas, da relação corporal com a qualidade do que se come e da relação
do jovem com os trabalhos sociais. Todos os tópicos eram comuns aos livros16
de inglês (Upgrade, volume 2) e de espanhol (Sínteses, volume 2). Cada
tópico foi trabalhado em um bimestre, sendo que nem todas as unidades do
livro foram utilizadas e nem seguidas linearmente.
Abaixo descrevo as práticas observadas na turma de inglês do segundo
ano EMIEP sob minha responsabilidade. A fim de ordenar os dados qualitativos
registrados, optei por organizá-los por meios das ações em que a professora e
os alunos se engajavam. Essas ações constituem as práticas locais dessa
turma, representadas por meio de cenas e episódios. As cenas incluem o
cenário, o tópico e o propósito. Os episódios são microunidades interligadas
que constituem uma cena.
Cena 1 - O ritual de entrada
O Projeto Sala Ambiente da Escola Azul tem uma sala para cada
disciplina, levando os alunos, a cada aula, a mudarem de sala. Esse projeto
facilitou a vida do professor e dos alunos porque todo material a ser utilizado na
aula está disponível no mesmo ambiente e contribuiu para a preservação dos
bens públicos, uma vez que a sala torna-se mais personificada. Com carga
horária de cinco aulas por dia, recebo, de hora em hora, uma turma diferente
na sala de inglês.
A seguir, apresento três episódios que caracterizam o ritual de entrada
dos alunos na sala de aula e expõem a forma com a qual eu os acolho.
15 Dentre outras propostas da escola Azul, está o Projeto Temático anual que visa iniciar os alunos à pesquisa científica. 16 Os livros fazem parte das obras oferecidas às escolas públicas brasileiras, selecionadas pelo Programa Nacional do Livro Didático — PNDL de 2012/2013/2014 —, adquiridas e distribuídas pelo Ministério de Educação por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
63
Data: 02/04/2013 Local: Porta da sala de aula Cena 1: O ritual de entrada
Episódio 1- “ Fine também” (Vany, 02/04/2013) Nesse dia, como sempre faço com todas as minhas turmas, recebi os alunos na porta da sala, cumprimentando-os em inglês.
Professora: Good morning. Vany: Good morning teacher. How are you? Professor: Fine, and you? Vany e Vickie: Fine, também. Professora: too. Vany: ah é ... too.
Data: 14 de maio Local: Porta da sala de aula Cena 1: O ritual de entrada
Episódio 2 – “ Hi teacher, que é isto?” ( Vickie,14/05/2013) Enquanto os alunos entravam na sala, eu os cumprimentava e entregava, em mãos, a prova unificada bimestral (prova que abarca todas as disciplinas) a pedido da coordenadora.
Professora: Hello. Vickie: Hi, teacher, que é isto? Professora: Prova unificada. Tici: E a minha? Professora: I don’t know.
Data: 01/11/2013 Local: Sala de aula Cena1: O ritual de entrada Episódio 3 - “Hi are you?” ( Tici, 01/11/2013) Depois de cumprimentar todos os alunos na porta da sala, eu entro e, de pé, converso com eles, cumprimentando a todos novamente. Porém, apenas duas alunas interagem comigo.
Professora: Okay. People, good morning. Let’s start the class. Vany: Good morning Tici: Yes Professora: How are you? Vany: I’m fine. Tici: Huum... hi are you? (dito exatamente como está) Professora: Fine Vany: I’m so so. Professora: So, so. Why are you so so? Vany: Não sei. Professora: Ah! You don’t know. You are sad?
64
Vany: Maybe. Prof: Maybe Tici: Huuuum talvez.
Nos três episódios acima, pode-se perceber que tento acolher os alunos
de uma maneira mais aconchegante, esperando-os à porta e cumprimentando-
os. Por eu ser muito alegre e estar sempre sorrindo, procuro trazer este tom
festivo ao ritual de entrada e mantê-lo durante toda a aula. Faço da minha sala,
parte da minha casa.
O ficar na porta talvez mostre que eu queira valorizar cada aluno ou,
talvez, porque queira marcar, ao falar inglês, que a aula começa ali, na entrada
daquela sala. Este ritual está tão impregnado nas minhas ações que o faço
naturalmente, mesmo que seja realizado com outras atividades que causam
estranhamento ao aluno, como é o caso do Episódio 2 (quando entreguei,
automaticamente, uma prova que os alunos haviam feito para outro professor e
que a coordenadora havia me pedido para lhes entregar).
O ritual de entrada é uma situação comunicativa genuína, buscando usar
o inglês em contexto e permitindo a mistura de português e inglês. Mesmo no
Episódio 1 quando Vany diz “Fine também”, espontaneamente, acrescentei
“Too,” talvez mais como suporte do que como correção professoral.
Cena 2 – A chamada, a retrospectiva e a tarefa
Após o ritual de entrada, observei que realizo uma sequencia de ações
rotineiras, que acontecem rapidamente, constituindo uma cena que marca,
claramente, o início da minha aula. Por ser apenas uma aula semanal, eu
sempre faço a chamada, a retrospectiva das ações da aula anterior e, em
seguida, recolho, comento/corrijo a tarefa dada ou dou uma tarefa para a aula
seguinte. Os episódios a seguir exibem esses momentos.
Data: 14/05/2013 Local: Sala de aula Cena 2: A chamada, a retrospectiva e a tarefa Episódio 4 – Da chamada
Enquanto eu fazia chamada, nome por nome, os alunos discutiam sobre as questões da prova que haviam recebido na entrada da sala. Entre um
65
nome e outro, surgia alguma pergunta, ora para mim, ora para um colega.
Professora: Okay let’s go. Beto. Fernanda, não existe. Greg, Guto, Inghi. Inghi: Eu Professora: Lady, Vickie, Sussu,Tici Tici: Presente Professora: Tatá, Vany e Bibi.
Data: 25/06/2013 Local: Sala de aula Cena 2: A chamada, a retrospectiva e a tarefa Episódio 5 – Da chamada Sentada na cadeira da “minha mesa”, eu fiz a chamada, aluno por aluno.
Professora: today is 25. Beto is here? Beto: Present. Professora: Greg Gregl: I am here. Professora: Guto Guto: Present. Professora: Inghi, Lady. Beto: Present Vickie:Lady. Lady veio Beto: Já falei Professora: Lady , Yes. Just Inghi is absent. Yeah? Okay?
O fato de eu trabalhar em mais de uma escola, e ter entre vinte e
quarenta turmas, levou-me a fazer da chamada como um recurso para
memorizar o nome dos alunos. Ao fazer a chamada, dizendo nome por nome e
olhando para o rosto do aluno, eu consigo guardar o nome da maioria.
Lembro-me de que em outra turma em que a aluna pediu para fazer a
chamada para mim, eu respondi assim: “deixa eu fazer para aprender o nome
de vocês. É muito aluno pra eu memorizar.”
Observei também nos dados gravados que se, inicio a chamada falando
em inglês, os alunos são estimulados a falar inglês e a maioria assim o faz,
conforme se vê no Episódio 5 acima. Aqui também se vê a mistura de inglês e
português, sem que isso interfira na minha ação de fazer a chamada.
Mesmo depois de conhecer o nome de cada aluno, não deixo de fazer a
chamada. Ela é uma prática constante nas minhas aulas e às vezes é usada,
com as turmas de crianças, como revisão de vocabulário. Assim, ao chamar o
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nome do aluno, ele deve responder com um número, com o nome de uma cor,
de um objeto, entre outras possibilidades.
Data: 14/05/2013 Local: Sala de aula Cena 2: A chamada, a retrospectiva e a tarefa Episódio 6 – Da retrospectiva Comecei a aula fazendo uma retrospectiva da aula anterior, em que apresentei as estratégias de leituras e, depois disso, dei um exercício (anexo 3) para os alunos fazerem em duplas.
Professora: Okay. Vamos começar então. Aula passada eu falei com vocês o seguinte que... a gente tava trabalhando estratégias de leitura. [...] Bem a gente tava falando sobre estratégias de leitura, certo? Beto: certo Professora: Falamos de estrangeirismo, lembram? De cognatos, de deduções, okay? Então gente, agora eu vou pedir para vocês trabalharem em duplas. Podem escolher a vontade.
Data: 18/06/2013 Local: Sala de aula Cena 2: A chamada, a retrospectiva e a tarefa Episódio 7 – Da retrospectiva O início dessa aula foi bem confuso. Havia três semanas que os alunos estavam sem aula de inglês devido a uma greve de ônibus, a uma prova de Olimpíadas de Matemática17 e as comemorações do aniversário da
Escola Azul, que aconteceram exatamente nos dias de aulas de inglês. Os alunos estavam super agitados e perdidos. Falavam todos ao mesmo tempo. Sentei-me na cadeira e fiquei observando o alvoroço. Depois de muito barulho e gritos de alguns alunos chamando atenção dos próprios colegas, eu comecei a falar. Consultando meu caderno de planejamento das aulas, eu relatei tudo que havia acontecido desde o nosso último encontro em sala.
[ ...] Professora: Can you listen me please? [falei calmamente, sem levantar a voz] Beto: Cala a boca! Escuta a professora. Greg: Sit down! [disse gritando] Professora: Just a moment, gente. Pera aí.
17 A Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) é uma competição aberta a todos os estudantes dos Ensinos Fundamental (a partir do 6ª ano), Médio e Universitário das escolas públicas e privadas de todo o Brasil.
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Greg: Eu faltei quantas aulas aí professora? Eu tô perdido. Inghi: Acho que foi ela (professora) que faltou . […] Vany: Shut up! [ caindo na gargalhada] Professora: Oh my God! Okay, I’ll speak in Portuguese because I want everybody understand me, okay? [...] Professora: Por conta de todos esses dias, a última vez que estive com vocês foi exatamente quando eu passei aquele vídeo sobre pessoas importantes e que a gente meio que distribuiu as atividades que vocês deveriam apresentar na próxima aula. Essa próxima aula teve alguns problemas aí. Então nós tivemos uma aula que teve problema com transporte de ônibus, né? Depois nós tivemos uma aula com Olimpíadas e o aniversário da escola. Greg: A senhora faltou! Professora: e tudo isso atrapalhou. Com vocês eu não faltei, deixa eu ver aqui. [olhando para o meu caderno de anotações] Inghi: Acho que ela não faltou não. Professora: Eu não faltei não. Foi assim. Dia 21 de maio eu dei para vocês um vídeo [...]. No dia 28 de maio, foi a greve de ônibus que alguns alunos [...] Beto estava passando mal, Vany foi embora mais cedo e aí [...] Vany: Nossa professa, a senhora tem uma memória boa, né? Professora: é, eu tenho uma memória excellent. [sorrindo] Depois, no dia quatro do seis houve as Olimpíada de Matemática. [...]
Ao comentar rapidamente as ações que realizamos nas aulas anteriores,
observo que o objetivo da retrospectiva é para me situar no contexto específico
daquela turma. É o tempo que tenho para lembrar sobre o quê, o quem, o
quando, o porquê, o para quê e o como da turma em que estou naquele
momento. Além disso, percebo que esse recurso é bom, também, para os
alunos. Os faltosos, os distraídos, os tímidos, os inseguros têm, assim como
eu, o tempo para se posicionarem no contexto da aula.
Notei que no episódio da retrospectiva há momentos em que, também,
ocorrem situações comunicativas, pois o inglês aparece de forma natural
através de expressões — chunks — totalmente contextualizadas, como é o
caso do Episódio 7, em que os alunos dizem “Sit down” e “Shut up”.
Data: 14/05/2013 Local: Sala de aula Cena 2: A chamada, a retrospectiva e a tarefa
Episódio 8 – Da tarefa
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Depois de termos trabalhado o texto — Casino Aalborg — e praticado algumas estratégias de leitura, apresentei para a turma a tarefa (Anexo 4 - Atividades) para a aula seguinte.
[...] Professora: Bom, quero explicar isso aqui para vocês fazerem ... Pronto aí, meninas? Aqui tem algumas atividades, tarefas, que eu selecionei, preparei para que a gente possa fazer para dar uma lembrada de forma geral em tudo que a gente viu aqui hoje. E aí, na semana que vem, começar com os livros de vocês. Tici: De novo? Professora: Vocês já levaram o livro e alguns já guardaram aqui. [...] Este primeiro exercício, a gente tem muito recurso tipográfico e eu fiz aqui algumas perguntas para vocês responderem. Podem responder aqui atrás. [...] O segundo exercício, eu quero explicar a vocês exatamente o número três, os números aqui com relação a esses textos, as perguntas estão aqui. Mas esse número três é só para vocês, eu coloquei uma palavra Do jeito que eu fiz aqui (apontei para o quadro) para vocês dizerem o que significa cada um desses símbolos, o que eles estão querendo dizer. Então vocês vão pegar esses exercícios com a professora ... Tá entendido? Para próxima aula, viu?
Data: 21/05/2013 Local: Sala de aula Cena 2: A chamada, a retrospectiva e a tarefa
Episódio 9 – Da tarefa
Durante o ritual da entrada, as alunas Vany e Lady pediram ajuda sobre uma questão da tarefa dada na aula anterior (anexo 4 - Atividades) e que elas não conseguiram fazer. Feitas a chamada e a retrospectiva, atendi ao seu pedido: expliquei e, junto com os alunos, fizemos o exercício número dois, que não souberam resolver.
Professora: I will explain... Tici: eu não consegui fazer a tarefa. Professora: Just a moment. Ehhh… Vany? Vany: Yes. Professora: Vany and Lady asked me about one question. Page two, the question number two. Okay? Beto: Dois. Professora: Yes. Dentre as imagens qual delas permite-nos saber o autor da mesma? Por quê? Da mesma, é aquilo que a gente falou antes, a imagem. [...] Tici: Mas como eu vou saber o autor da foto?
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Professora: Eu vou ensinar como. Vocês têm que aprender a ler. Prestar atenção. Na primeira veio embaixo, “photo by” . Na segunda veio “photo from Newsweek.com”. A terceira vem “photo from xxxxx.com”. Lady: Não entendi ainda. Professora: Calma, você nem se assentou. Você só quer a resposta, não está nem prestando atenção. Observem que abaixo de todas as fotos, há alguma coisa escrita. Todas têm xxxx.com. Vany: Ah! Então é a do Lula. Porque antes do site tem o nome de alguém. [...]
As tarefas de casa fazem parte de minha prática docente por duas
razões. Primeiramente porque eu vivi demais essa prática como aluna
(lembro-me da professora Eladyr Silva. Quanta tarefa, meu Deus!) e,
consequentemente, trouxe-a para o meu fazer de professora. Em segundo
lugar porque considero a prática da tarefa como expansão do estudo, como um
aprendizado a mais. Recordo-me do período em que fazia o primário e o
ginásio e que, todos os dias, minha mãe dizia: “não tem tarefa? Então vai ler
esse livro. Depois eu quero ouvir a estória”. Assim, toda aula eu passo
exercícios para serem feitos em casa.
Percebi, através das gravações e dos episódios apresentados, que, ao
explicar ou corrigir os exercícios, uso, além do tom instrucional, a língua
materna. Curiosamente, notei também que em todos os dados gravados das
doze aulas, este foi o único momento que chamei atenção de um aluno,
momento em que eu disse “Calma, você nem se assentou. Você só quer a
resposta, não está nem prestando atenção” (Episódio 9). Esse episódio marca,
quem sabe, a importância exagerada que dou à prática da tarefa.
Cena 3 – Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Observei que a minha aula segue, normalmente, com o momento em
que os alunos e eu vamos trabalhar o conteúdo programado para o dia. É a
hora em que atividades orais, auditivas e escritas se entrelaçam, nem sempre
nessa mesma ordem e nem sempre todas acontecendo em uma única aula,
para que o conhecimento seja construído.
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Sempre tive a maior dificuldade para fazer exercício de compreensão
auditiva e sempre ouvi dos meus professores que deveria praticar aquilo que
menos sei. Essa prática estudantil e a experiência de trabalho em cursos de
idiomas fazem com que eu leve bastantes atividades de audição para a sala de
aula ( músicas, vídeos, ditados). Percebo que os alunos gostam também, pois
compreender o que o outro fala é um desejo de consumo deles, uma vez que
querem entender tudo que se diz na letra desta ou daquela música. Este é um
dos momentos em que a sala se mantém em silêncio total, ouvindo “cd”,
“tapes” e “clips”.
A cena 3 é composta por treze episódios, sendo que quatro referem-se
ao Vamos ouvir, dois referem-se ao Vamos falar, quatro relacionam-se ao
“Vamos escrever” e três trazem à baila o “Vamos ler”. Os episódios abaixo
mostram ações de diferentes aulas em que as atividades auditivas foram
realizadas.
Data: 02/04/2014 Local: sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Episódio 10 – Vamos ouvir Falando em português, eu coloquei para os alunos a proposta da aula deste dia — exercícios auditivos e preparação de um diálogo para ser apresentado na aula seguinte. Recolhi as tarefas solicitadas na aula anterior e fui até ao quadro para mostrar o que os alunos deveriam copiar para realizarem as atividades auditivas (“listening”) da aula. No primeiro exercício (Anexo 5), os alunos ouviram algumas situações em que os personagens se despediam. O objetivo era marcar a sequência em que os vocábulos apareceram. E no segundo (Anexo 5), eles deveriam completar dez perguntas com vocabulário diverso, já estudado anteriormente. Normalmente, quando a atividade auditiva é feita por meio de “cd” ou “tape”, costumo repetir até três vezes os excertos a serem ouvidos para que a maioria possa entender.
Professor: Okay, ouviram a ordem aí? Beto: Hum hum Professor: Então há uma confusão aí, né? Um fala uma coisa, o outro fala outra. É bye, não, não bye, é good night, não, é see you. Vany: Acho que eles ( ) Professor: Parece que eles estão cansados, né?
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Episódio 11 – Corrigindo Novamente o “cd” é colocado. Os alunos ouvem e no final a resposta é dada automaticamente pela aluna Vany.
Professor: Okay? Vany: Ficou dois, um, seis, cinco, quatro, três. Professor: Como que ficou aí? Beto e Greg: Dois, um, seis, cinco, quatro, três. Professsor: Difícil? Todos: Não. Professor: Moleza, não é? Então agora vocês vão escutar mais um, hein?
O Episódio 10 retrata um exercício simples e que os alunos fizeram sem
nenhuma dificuldade, conforme confirmação no Episódio 11. Por ser muito fácil,
não foi preciso repetir a gravação e logo após o término, a aluna Vany falou a
sequência correta para todos da sala. Ainda assim, eu procurei confirmar, em
português, se realmente todos acertaram. Nesse momento, a língua inglesa foi
usada apenas para reproduzir alguns vocábulos do próprio exercício.
Episódio 12 – Vamos ouvir mais um Enquanto o segundo exercício (Anexo 5) era localizado no cd, os alunos copiavam do quadro e conversavam.
Professor: Number four, okay? I put some questions, you listen and complete them, okay? Okay oh! Vocês vão ouvir agora uma situação de uma pessoa conversando numa recepção e por isso ela pede tantas informações. Ela não vai pedir ( ) faz a pergunta, ele responde. Então vocês vão tentar completar. À medida que ela vai fazendo as perguntas vocês vão completar... Greg: Ali é postcode? Professora: Yes. Não é para responder. É só para completar as perguntas com o que ela está falando, okay? Let’s start? Beto: Let’s start Vany: Yes. Professora: Okay. Listen! Beto: ( ) Cadê? Vany: Ahhh! Professora: You ( ) don’t pay attention! [sem levantar a voz] Beto: Não, não entendi. [o cd é colocado mais uma vez]
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Data: 02/04/2014 Local: sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Episódio 13 – corrigindo Mesmo sendo dez perguntas, os alunos fizeram o exercício com facilidade e depois de ouvir duas vezes o mesmo excerto, eu comecei a correção. Assim, evitaria conversa paralela e as poucas dúvidas seriam esclarecidas imediatamente. Ao fazer a correção, as questões foram ouvidas novamente, uma por uma, eu repeti cada uma delas e ainda escrevi no quadro branco.
Professora: Number one Vários alunos: First Professora: Okay, first name. Okay first name? [Enquanto repito, escrevo no quadro a palavra fist] Beto: Ah, faltou o R. Professora: Second. Diversos alunos ao mesmo tempo: What´s? [confirmando a resposta] [Coloco a gravação da segunda questão] Professora: Okay. What’s your surname? Do you know what is surname? Vickie: É o ... segundo nome Professora: Segundo nome? Greg: Não Beto: Primeiro nome Greg: Último nome Vany: Sobrenome Professora: Okay, é o sobrenome. Number three.
Percebi que apenas o aluno Beto ficou sem fazer o exercício da primeira
vez, daí, a reclamação: “Não, não entendi”. Mas outra oportunidade foi dada
através de uma segunda audição do cd e ele fez todas as questões. Enquanto
se ouve o cd, o silêncio é geral. Ao fazer a correção, porém, todos querem
mostrar que acertaram e há momentos em que diversos alunos falam, alguns
mais alto do que outros, ao mesmo tempo. Às vezes, a correção pode até
parecer, para quem está do lado de fora da sala, como um sinal de desordem,
falta de domínio da turma.
Inglês e português se misturam e, mais uma vez, essa mistura não
interfere na prática da sala de aula. Pelo contrário, a meu ver, ela disponibiliza
oportunidade para todos participarem e, de certa forma, reforça o aprendizado,
como se vê no episódio acima em que eu pergunto em inglês se os alunos
sabem o que é surname (Do you know what is surname?) e eles respondem
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em português, levando-me a usar, também, o português para confirmar a
resposta deles.
Data: 09/04/2013 Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Episódio 14 – Vamos falar A aula do dia 09 de maio teve como ênfase os diálogos orais que os alunos apresentaram uns para os outros, com uso de expressões básicas e palavras interrogativas (WH) enfatizadas em aula anterior. Como tarefa, os alunos produziram, em duplas, seus diálogos para que fossem apresentados, oralmente, sem leitura. Essa atividade fazia parte do tema central do planejamento anual “WHO AM I” cujo objetivo final do bimestre era a produção de uma pequena autobiografia. Cada aluno escolheu o seu parceiro de trabalho de acordo com a afinidade entre eles. A seguir mostro duas das apresentações feitas em sala de aula referentes aos diálogos.
Diálogo 1
Inghi: Hello, Greg: Hello. My name’s Gabriel. And yours? Inghi: My name’s Inghi. Who are you from? (disse Who e não where) Greg: I am from Cuiabá. Inghi: What do you do? Greg: I’m student. Inghi: Good bye. Greg: See you. Ahhhh! Minino!!!! [Dá gargalhadas pelo sucesso obtido]
Diálogo 2 Vany: Hello Lady: Hello Vany: How are you? Lady: I am so so. And you? Vany: I am fine. Ehhh. She is beautiful Lady: Thank you Vany: What’s your phone number? Lady: Ahhh. Pode falar em português? Professora. Yeah. Lady: 99..... Vany: See you.. Lady: … Vany: Thank you see you Lady: Thank you see you Vany: Thank you Lady: Bye
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Os diálogos acima, apesar de serem decorados, mostram que os alunos
usam inglês básico de interação como em um outro momento do início da aula
do dia 16 de maio em que o aluno Beto falou “teacher, deixa eu ir lá no
banheiro?” e eu respondi “Can you speak in English?” e imediatamente o aluno
perguntou “May I go to the bathroom?”
Estes exemplos demonstram também que os alunos sentem-se à
vontade mesmo não podendo ler e que os enganos não os inibem, conforme
mostra o episódio da aluna Lady ao fato de não lembrar os números. Percebi
que a minha flexibilidade e aceitação dos erros como ato de aprendizagem só
contribuem para a desenvoltura do aluno. Assim, equívocos como o cometido
pelo aluno Inghi ao dizer “Who are you from?” são vistos como atos comuns a
qualquer aprendiz.
Data: 25/06/2013 Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Episódio 15 – Vamos falar Este outro momento de fala em sala de aula tinha como função a apresentação, em Power point, de uma biografia de uma pessoa importante na vida de cada um deles. As línguas, portuguesa e inglesa, se misturaram, de acordo com a habilidade de cada aluno e os personagens também foram mudados, de acordo com a vontade deles, uma vez que apresentaram biografias de pessoas famosas no mundo.
Vany: Michael Jordan. He was the best basketball player in the world. He is from New York. He is 40 years old.[ …] Mahatma Ghandi He was the idealizador do princípio de não agressão, de forma não violenta de protesto como meio de evolução. He was indian. Quotation: “You must be the change you wish to see in the world.” A tradução: Você deve ser a mudança que você deseja ver no mundo.”
O Episódio 15 é mais um exemplo da prática do Vamos falar na minha
sala de aula. Aqui eu percebi que o uso de inglês e português é uma constante
nas minhas aulas. Notei que os alunos usam as estruturas básicas da língua
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alvo que já sabem (“He is 40 years old”) e procuram expandir os seus
conhecimentos quando necessário (“You must be the change you wish to see
in the world”).
Esse mesmo episódio serviu para mostrar-me como tenho sido mais
flexível com os alunos. Em momento algum eu me exaltei ou contestei sobre o
que eles apresentaram em Power point. O combinado era que apresentariam
biografias de pessoas importantes para eles, como alguém da família, por
exemplo. E eles falaram de pessoas importantes no mundo. O que contou foi o
que falaram e não sobre quem falaram.
Data: 16/04/2013
Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Normalmente eu deixo os exercícios escritos para serem feitas em casa
a fim de aproveitar o tempo em sala de aula com atividades orais, auditivas e
de leituras, pois a produção escrita é mais demorada. Eu recolho, visto as
atividades na minha casa e procuro fazer um levantamento dos problemas
mais comuns a todos para serem corrigidos coletivamente em sala. Isto diminui
o serviço manual, apesar de não cobrir as necessidades de todos os alunos.
Sendo assim, o episódio abaixo mostra o resultado dessa prática. Os
alunos escreveram em casa suas pequenas biografias, e na aula fizeram a
refacção, tentando corrigir os seus erros. Nesse momento da escrita em sala,
os alunos sempre têm como suporte os dicionários impressos (da escola), a
internet dos seus respectivos celulares e eu, a professora, que circulo pela sala
enquanto eles escrevem.
Episódio 16 – Vamos escrever Esta aula foi preparada para os alunos reverem as pequenas autobiografias, escritas em casa, como tarefa da aula anterior e entregues dois dias antes da aula desse dia, 16 de abril. As figuras abaixo ilustram produções feitas pelos alunos, sendo que a figura 3 remete-se ao mesmo texto da figura 2, porém com as correções feitas pela própria aluna. Na figura 3, o aluno sinaliza os seus erros abaixo do texto.
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Figura 2
Figura 1
Figura 3
Durante o processo de produção escrita, a turma ficou bem tranquila,
pois os alunos trabalharam individualmente. Nesse momento, raramente
pediram ou receberam ajuda dos colegas. A maioria tentou resolver todos os
problemas através do celular. E só quando não conseguia é que se dirigira a
mim.
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Data:29/11/2013
Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Dentre os episódios da minha prática relacionados ao escrever, há
momentos em que a escrita não é livre, ou melhor, não é voltada para a
comunicação. Exercícios são dados para apreensão ou reforço de itens
gramaticais que, normalmente aparecem nos livros didáticos. A seleção dos
exercícios é feita conforme o que se planejou em cada bimestre e para
concretizarmos a proposta de criar um slogan e fazer pôsteres relacionados ao
tema Beeing a Volunteer, alguns exercícios das gramaticais ajudariam. Além
disso, atividades escritas que envolvam palavras cruzadas, caça – palavras,
confecção de cartazes e de murais temáticos, jogos e outros são bem vindas à
essa turma. Uso os Episódios 17, 18 e 19 para apresentarem alguns dos
momentos da escrita.
Episódio 17 – Vamos escrever Na aula do dia 29 de novembro, os alunos foram convidados a fazer diversos exercícios escritos do livro utilizado em sala: Upgrade . Na página 46, o número 2; na página 48, o número 1; os dois exercícios da página 52 e o terceiro da página 53. Em duplas, sozinhos, com livros, dicionários, celulares e conversas, os alunos dispuseram-se a trabalhar. Cada um começou por onde quis. Com isso, eu tinha a Vickie fazendo a página 46; a Vany e Tatá, juntas, fazendo a página 52 e assim por diante. Todos estavam trabalhando, mas cada um naquilo que queria e no seu ritmo. Para mim, o que importava era o resultado: tudo feito por todos. Dessa forma estariam preparados para fazerem o pôster solicitado através do exercício da página 55 do livro. Abaixo, apresento partes deste momento.
Vickie: Professora ( ... ) Professora: E aí? [não entendi e fui à cadeira dela]
Vickie: Não achei obligated. Só tem obligation, obligate. Professora: É porque é o seguinte. É ... é o seguinte [ em tom mais alto , para todos ouvirem].Observem ... [ ...] Vickie: Então eu tenho que olhar obligate. Professora: Exatamente. Como é o passado disso? [aponto para o dicionário] Vickie: Obligated [ fala baixinho] Professora: Entendeu. Lembra que a gente já tinha falado sobre isso? [...]
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Episódio 18 – Vamos escrever
Vany: Ah!!! A internet não funciona [Eu fui até a entrada da sala e abri a porta] Professora: Melhorou? Vany: Não sei porque mas agora foi. [...] Tatá: Oh, e agora?[olhando o exercício número dois da página cinquenta e dois e em tom de espanto] Google tradutor [ diz sorrindo] [Alguém fez uma pergunta] Vany: Página? Cinquenta e dois? Alguém: Quarenta e seis. Vany: Pago Alguém: Pagar? [...]
Episódio 19 – Vamos escrever
Tatá: Minha internet tá leeenta [fala baixinho] [ ...] Vany: Professora, vem cá rapidão. [chama duas vezes] [Respondo a outro aluno, outra coisa e vou até ela] Vany: professora, olha só. [ Mostrando a oração do livro] Essa primeira she humhum [representando o espaço] interview. Professora: That’s why she got the job Vany: Então aqui ela foi numa entrevista. Então aí eu coloco a good impression. Mas como eu colocaria? Assim normal? A good, sem mudar nada? Professora: Não. Você coloca ...
Nos três episódios acima, notei que os alunos se envolvem com os
exercícios escritos porque eles têm uma determinada liberdade para fazê-los.
Não há momentos de interação comunicativa com o uso do inglês. O inglês,
aqui, aparece apenas como a forma que o exercício exige. Também observei
que nesse tipo de exercício escrito, a procura pela minha presença é grande.
Os alunos me chamam constantemente para ajudá-los a resolver as diversas
situações, embora haja entre eles mesmos, uma busca por ajuda. Mesmo
fazendo exercícios diferentes, eles perguntam uns aos outros sobre esta ou
aquela dúvida.
Data:14 /05/2013
Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
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Episódio 20 – Vamos ler Após a retrospectiva da aula anterior (estratégias de leitura) eu dei um texto (Anexo 3 – Casino Alborg) para que os alunos pudessem ler e responder quatro questões. O texto estava escrito em dinamarquês e o objetivo era que eles percebessem que usamos várias estratégias ao fazer leituras. Em duplas, escolhidas entre eles pela afinidade, fizeram as respostas nos respectivos cadernos, pois a cópia (material fotocopiado gratuitamente é raro) foi devolvida para ser usada com outras turmas. Expliquei o exercício e marquei um tempo para que eles não ficassem a aula inteira por conta de apenas uma atividade.
Greg: Professora que língua que é essa aqui? Professora: Just a moment. Inghi: Acho que isso aqui é inglês, só que abreviado. É Francês? Greg: Japonês Inghi: ou é turco Vani: Ele nem sabe o que é turco Inghi: Eu tenho amigo turco. Eu jogo com ele no CS Tici: Professora, o cassino veio da onde? Beto: É russo gurizada Greg: É alemão Inghi: Eu acho que não é alemão não. Alemão é diferente. Tici: Qual é a idade? [...]
Data:14 /05/2013
Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Episódio 21 – Corrigindo
Rapidamente os alunos terminaram o exercício e a correção foi imediata.
Professora: Nesse exercício que vocês fizeram aí, qual dessas estratégias vocês usaram Tatá e Sussu que terminaram por último. Hein? Qual foi a estratégia usada para responder essas quatro perguntas? Greg: chutômetro Tatá: é Professora: Vocês só chutaram? Sussu: Não. Eu deduzi. Professora: Como você fez isso? Sussu: A lógica. Professora: Que lógica que você usou? Tici: Professora ... [...].. Professora: Diga Tici Tici: eu usei os recursos tipográficos Professora: Recursos tipográficos. Lady usou ...
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[...] Beto: aqui oh professora. Por causa da vírgula aqui no dinheiro, por causo do pontinho separando o vinte dos zeros. Professora: e qual é foi a estratégia que vocês estão falando? Vany, Lady, Beto, Inghi: recursos tipográficos [...]
O episódio 20 mostra a constante interação entre os alunos enquanto
estão fazendo os exercícios. E tudo é dito para todos ouvirem. Esta prática
pode ser considerada como bagunça e/ou indisciplina, porém eu convivo bem
com ela e não me atrapalha em nada. Da mesma forma, acontece durante a
correção, a participação de todos os alunos é extremamente ativa. Entretanto,
o inglês não aparece nem como situação comunicativa e nem como forma,
uma vez que o texto está em outro idioma. As interações são descontraídas e
observo sempre, muita alegria e sintonia entre os alunos desta sala de aula.
Data:22 /02/2013
Local: Sala de aula Cena 3: Questões e discussões relacionadas ao tema: conteúdo
Episódio 22 – Vamos ler Nesta aula, bem no início do semestre, eu preparei uma atividade para os alunos lerem, conhecerem e discutirem um texto (anexo 6 — How many kisses) sobre aspectos culturais de outros países.
Por não ter horário definido, essa atividade foi preparada para trabalhar com todas as séries. Considerando essa indefinição das primeiras aulas eu procuro conversar e responder perguntas curiosas, intrigantes e, às vezes, cabulosas dos alunos. Para isso levo assuntos relacionados à cultura, de forma geral. Normalmente, as perguntas estão relacionadas ao comportamento das pessoas, às gírias, palavrões e à forma educacional. Textos como esse provocam grandes discussões, boas risadas e alguns estranhamentos. (Vinheta de observação, 22/02/2013)
Os episódios da cena 3 mostram as diversas práticas presentes na
minha sala de aula, embora não tenha registrados os momentos em que
utilizei filmes, vídeos e músicas. Percebi a ausência desses dados ao longo
das transcrições das aulas, mas, para mim, era inviável manusear
equipamentos diferentes em um mesmo momento. Assim, quando os filmes,
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vídeos e músicas foram utilizados, eu me preocupei apenas em ligar ou
desligar os aparelhos; aumentar ou diminuir o som quando necessário; pausar
ou continuar a apresentação para introduzir os comentários; repetir ou não
trechos das apresentações, quando solicitados. Enfim, eu fiz o que eu
precisava fazer para a aula acontecer.
Observei, mesmo sem registrar essas práticas, que eu procuro inserir
em sala, de forma simples, as diferentes habilidades pertinentes ao
aprendizado de uma língua. Com as atividades de compreensão auditiva, fala,
escrita e leitura tento oferecer possibilidades que sejam favoráveis a todos.
Mediante as práticas registradas, parece que o que está sendo feito em
sala de aula afina com alguns autores como Rajagopalan (2009), Pedroso
(2010), Menezes de Souza (2011), e outros, pois os alunos e a professora
procuram fazer algum uso do inglês, ainda que de forma restrita, e interagem
com os materiais de maneira diferenciada. Não há linearidade, não há
garantias e nada está pronto. Talvez, muito do que faço seja uma necessidade
minha de me afastar da rotina. Sem ela, equilibro o meu eu e
consequentemente, o meu fazer.
3.2 Dos sentidos
Nesta seção, procuro interpretar os dados que mostram os sentidos
atribuídos pelos atores da pesquisa (professora e alunos) aos eventos
cotidianos que estão relacionados ao aprender e ensinar inglês. Busquei me
aproximar dos alunos com o intuito de entender melhor suas visões acerca
desses sentidos por meio de entrevistas semi estruturadas. Desse modo,
propus algumas questões (Como você vê as aulas de inglês?; Como você vê o
meu papel e de seus colegas nas aulas de inglês?; O que você pensa sobre
mim enquanto professora? Você aprende inglês com o seu colega?, Como?;
Aula de inglês para você é...) e, no decorrer da entrevista, introduzi outras
perguntas quando precisava instigar mais informações sobre o tema em
questão.
Trago a seguir, através dos dois temas: “ Bom, elas melhoraram” e “Eu
aprendo muita coisa com eles”, recortes das entrevistas feitas com os alunos
82
que me permitiram inferir como eles interpretaram suas experiências em sala
de aula.
3.2.1 DOS ALUNOS
Tema 1 — “ Bom, elas melhoraram” (Greg, entrevista em 06/11/2013)
Conforme o dizer dos alunos, houve mudanças nas minhas práticas e
essas mudanças foram para melhor. Tal asserção se baseia em uma
comparação entre as aulas do ano de 2013 com as aulas do ano anterior,
2012. A comparação referia-se ao inglês instrumental específico para a
informática (trabalhado com o Emiep em 2012) e com as atividades feitas no
ano de 2013, como músicas, filmes, vídeos e textos com temas diversificados.
De acordo com os Fragmentos 1 e 2 abaixo me parece que os alunos vêem as
aulas de inglês mais próxima do seu cotidiano, daí a justificativa da melhora.
Fragmento 1
Bom, elas melhoraram. Antes era voltado para o EMIEP, mais informática, né? E hoje em dia está mais voltada para o inglês mesmo assim, no dia a dia, né? A gente trabalha com imagens, né? E trabalha o texto e eu acho que melhorou bastante (Greg, entrevista, 06/11/2013). Fragmento 2
Elas (as aulas) fazem eu enxergar que o inglês não é só estudar na sala de aula. Existem outros meios de aprender o inglês. Um filme que assiste sem legenda, prestar atenção nas músicas que a gente ouve, nas palavras que a gente vê em shoppings, em qualquer mercado, ... Eu gostei de inglês por causa disso porque eu comecei a ver de outra forma (Vany, entrevista em 13/11/2013).
Apesar do discurso da aluna Vany no Fragmento 2 parecer uma
repetição do discurso da professora, todas as práticas mencionadas por ela
fizeram parte do ano letivo embora elas não tenham sido mostradas e
analisadas na seção anterior (Das práticas) quando notei que não havia
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registrado dados nos momentos em que fazia atividades que dependiam de
equipamentos que eu mesma precisava manejar.
Outro aspecto comentado sobre as aulas de inglês refere-se aos
diversos assuntos que levava para a sala de aula. A aluna Sussu reforça a
diversificação de temas levada para as aulas, que extrapola o livro didático, e,
no primeiro momento — Fragmento 3 — vê esse fato como algo “interessante”.
Ela diz que a aula de inglês vai além do linguístico trazendo questões políticas.
Fragmento 3
O que eu vejo das suas aulas eu acho assim, que além de você trazer o conhecimento da língua, você traz um conhecimento fora, de um todo, entendeu? Isso é interessante porque você pode ver que você não fala só de inglês, dá aula só de inglês, da aula só de língua. Você dá aula só de … Você fala de política, fala daquilo. E eu acho que suas aulas assim ... são bem interessantes, eu acho que não tenho o que falar assim (Sussu, entrevista, 08/11/2013).
Curiosamente, essa mesma aluna ao ser perguntada sobre o meu papel
como professora, mostrou-me que ela sente falta de mais rigidez quanto à
matéria, sente falta de um compromisso maior com o conteúdo do ensino
médio da escola — Fragmento 4. Notei que o fato de não trabalhar linearmente
e “fugir” do que é proposto pelo planejamento anual do conteúdo é para a aluna
algo que marca as minhas aulas. Ela disse: a senhora “não pega firme”,
“poderia pegar mais duro na matéria”.
Fragmento 4
Assim, pegar no .../ às vezes a senhora não pega firma muito numa matéria. Por exemplo: a senhora traz coisas .... como é que eu vou explicar ... Por exemplo: a gente no 1º ano , a gente estuda o verbo To Be. Beleza. Aí às vezes a gente tem matéria que são totalmente diferentes que a senhora traz, assim outras matérias de fora, que a senhora também queira, às vezes, fugindo um pouco ... que eu acho ... do ensino médio do ensino da escola. [...] Da matéria em si. Acho que a senhora poderia pegar mais duro na matéria mesmo, tipo, empenhar mais, entendeu? do livro (Sussu, entrevista, 08/11/2013).
84
Nos fragmentos abaixo, dois alunos mencionaram que comecei a “dar
um jeito novo”, fazer uma “prática nova” (Beto, Fragmento 5), trazendo uma
“coisa nova”, sempre “inovando” nas aulas (Vickie, Fragmento 6). Talvez por
ser uma pesquisadora iniciante, não os incentivei a ilustrar com exemplos, o
que significava “novo” para eles. Talvez a “coisa nova” e a “prática nova”
estejam relacionadas à diversidade de atividades a que expus os alunos
durante o ano. Também, posso inferir que o novo está representado no dizer
de outros alunos, como os de Greg, Vany e Sussu (Fragmentos 1, 2 e 3).
Fragmento 5
Então, no início eu não entendia nada. Ficava meio nervoso para vir pra aula. Ano passado que eu falo. Depois a senhora começou a mudar, começou dar um jeito novo e aí já dá pra entender melhor. Uma prática nova, o ensino, a senhora melhorou bem. [...] Melhorou muito. Era ... não era ruim. [...] Não é só teoria, teoria, é mais prática, mais fala. Melhorou bastante ( Beto, entrevista, 04/11/2013). Fragmento 6
Acho que é bom também. Porque tem muito professor que dá aula e a aula fica cansativa, aquela coisa repetitiva. E a senhora não, a senhora sempre traz uma coisa nova, sempre está inovando as suas aulas e dá para aprender bastante o que a senhora ensina (Vickie, entrevista, 11/11/2013).
A respeito dos sentidos atribuídos à minha sala de inglês, os
Fragmentos 7 e 8 mostram que os alunos têm consciência das suas
participações no processo de aprender a língua e confirmam ter um ambiente
alegre, organizado e liberdade para expressão dentro desse ambiente: “gosto
de brincar”, “todo mundo participa”, “não tem confusão” (Inghi, Fragmento 7),
“participam bastante”, “tem mais liberdade para expressar” (Vickie, Fragmento
8). O aluno Inghi ainda destacou que a sala é “bem unida” e que “não há
confusão”.
Alguns dos atributos explícitos em suas falas são perceptíveis nos
episódios apresentados sobre as práticas. Lá, alguns dados mostram que os
alunos faziam exercícios e conversavam ao mesmo tempo; usavam celulares
para pesquisas e, todos sabemos, para dar uma espiada num torpedo que
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acabara de chegar; gritavam com colegas para pedir silêncio e depois
sorriam. Abaixo, os fragmentos ratificam esses sentidos.
Fragmento 7
São meus amigos e eu até gosto de brincar falando inglês com eles. Eu acho que eles também estão interagindo sim. A nossa sala é bem unida, todo mundo participa e não tem confusão (Inghi, entrevista,13/11/2013).
Fragmento 8
Eu acho que eles são interessados. [...] Eles participam bastante. Eu acho que sim porque até aqui a gente tem mais liberdade para expressar porque inglês é uma coisa assim de expressão, né? Então, é um jeito de você se expressar. Eu acho que eles expressam mais (Vickie, entrevista, 11/11/2013).
Tema 2 – “Eu aprendo muita coisa com eles” (Guto, entrevista em 06/11/2013)
A maioria dos alunos vê o colega como colaborador uns dos outros no
processo de aprender inglês. No Fragmento 09, Guto se coloca como um
aprendiz que tem dificuldade “eu tenho um pouco de dificuldade”, mas que
aprende com os colegas “eu consigo aprender muitas coisas” e que estes o
respeitam, não chamando-o de burro “me tratam também com muito respeito.
Não me chamam de ... de... burro”. No Fragmento 10, Greg percebe que não
sabe tudo “têm coisas que eu não sei” e que o saber do colega “o colega pode
saber” pode ajudá-lo “ele pode me ajudar”. Ou que ele pode saber algo “até
mesmo eu posso saber” que o colega não sabe “mas ele não sabe” e aí é a
hora de ele ajudar o colega “aí eu vou tentar explicar”. Notei que há, no dizer
de Greg, a ideia do intercâmbio, da troca de saberes. Essa imagem também
ocorre no falar da aluna Bibi, no final do Fragmento 11, ao confirmar
enfaticamente “ tem, tem” a minha hipótese. A aluna também diz que os
colegas ajudam-na “Eles me ajudam também” naquilo que ela não entende
“eu não tô entendendo uma coisa eu vou perguntar, eles já me explicam”.
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Fragmento 09
Eles... eu aprendo muita coisa com eles. E ... às vezes eu
tenho um pouco de dificuldade, né? Na hora de aprender as palavras que são um pouco difíceis. Mas é ... quando eles conversam assim eu consigo aprender muitas coisas. Eu faço perguntas que a senhora não ouve porque eu falo baixo e eles é .. me tratam também com muito respeito. Não me chamam de ... de... burro (Guto, entrevista em 06/11/2013).
Fragmento 10
Eu acho assim que têm coisas que eu não sei que o colega pode saber e isso ele pode me ajudar ou até mesmo eu posso saber alguma coisa mas ele não sabe, aí eu vou tentar explicar, fazer com que ele entenda. Acho que facilita pra ele. Tem um colega que conhece a matéria ou sabe alguma palavra e isso facilita bastante pra gente aprender (Greg, entrevista em 06/11/2013). Fragmento 11
Bibi: Eles me ajudam também. É ... em relação as vezes que
eu perco aula, eles me explicam. Coisas que eu não sei, que eu não entendi. […] Então, às vezes eles o que ... eu não tô entendendo uma coisa eu vou perguntar, eles já me explicam. A Vany, o Inghy, eles também tem uma certa facilidade em aprender , aí eles conseguem passar pra gente. Professora: Então você aprende com eles também. Bibi: Aprendo
Professora: Você acha que tem essa troca [tem] na sala de aula entre vocês. Bibi: tem, tem (Bibi, entrevista em 22/11/2013).
Em conformidade com as percepções apresentadas nos fragmentos
09,10 e 11, notei que a aluna Vany, no Fragmento abaixo, 12, vê a colaboração
dada aos colegas como um ato corriqueiro “automaticamente já vira e fala o
certo”. Ao falar dessa prática, enfatiza a expressão (“tem que”) trazendo à sua
resposta uma ideia de que ajudar é quase que uma obrigação.
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Fragmento 12
Consegue, bastante. É tipo assim ... eu sei o básico do básico. Aí quando um dos colegas fala alguma coisa errada, você automaticamente já vira e fala o certo. [...] tem que ajudar os outros ... [...] é uma cooperação (Vany, entrevista 13/11/2013).
Apenas duas alunas (Tatá, Fragmento 13 e Sussu, Fragmento 14)
dentre os onze não encontram nos colegas a confiança necessária para que
haja uma troca de conhecimentos. A primeira, Tatá, apesar de ser uma aluna
extrovertida, apresenta maiores dificuldades “fica me confundindo” com o
aprendizado, e por isso, demonstra uma necessidade maior da presença da
professora, daí “prefiro falar com a professora realmente”. Já a aluna do
fragmento 14, a Sussu, é extremamente tímida, arredia e sempre se assenta
mais longe do grupo. Ao ver o colega com um conhecimento diferente do dela,
acha-o esnobe “Ah eu sei”, e sente-se esnobada por ele “você não sabe.”
Fragmento 13
Não. Não muito porque tipo ... alguns sabem e alguns ficam em dúvida em falar o que realmente é. Então fica me confundindo e eu prefiro falar com a professora realmente (Tatá, entrevista, 11/11/2013).
Fragmento 14
Bom, acho que não ocorre muito isso na sala não. Acho que nem o inglês, o inglês ... pessoa que é considerada né?, sábio, que entende do inglês,ela ... meio que ... né? “Ah eu sei”, por
exemplo, Greg que sabe muito ás vezes ele ... meio assim ... aí quando a gente pergunta e ele “ah que não sei o quê”, “você não sabe”, tipo, não ocorre essa ajuda, pelo menos da minha parte não ocorre essa ajuda. Às vezes eu tenho dificuldade, mas porque não corro atrás para aprender (Sussu, entrevista, 08/11/2013).
A atribuição de sentidos interpretada por mim nos fragmentos
apresentados parecem ser coerentes com a necessidade contemporânea a
que Freire em 1997 já preconizava: busca e aprendizado se juntam ao ensino e
88
conhecimento. E com isso, o processo do conhecimento mostra-se dinâmico e
coletivo.
3.3.2 DA PROFESSORA
Para falar dos sentidos que atribuo à minha própria prática, procurei me
orientar por meio de três perguntas: Como vejo as minhas aulas de inglês da
turma do 2o EMIEP?; Como vejo o meu papel como professora? e Como vejo o
papel dos alunos?
Encontrar respostas para as duas primeiras perguntas não foi fácil. Como é
difícil falar sobre nós mesmos! Busquei mais inspiração nos dados sobre o que
os alunos disseram (entrevistas semi-estruturadas) do que nas minhas próprias
anotações de campo ou ações de sala. Ao ler e reler os dados, fui delineando
tudo que pudesse desvendar os sentidos atribuídos por mim ao meu fazer
pedagógico. Através dos três relatos abaixo, apresento alguns momentos que
marcam minhas ações, bem sucedidas ou não, em favor de uma educação
mais eficaz.
Relato 1 – Como vejo as minhas aulas?
Não há ninguém melhor para avaliar nossas aulas do que os nossos
próprios alunos. Para mim, as aulas da turma do 2º EMIEP são exatamente do
jeito que a aluna Bibi diz: “É legal as aulas porque a gente tem um diálogo,
né?” (Bibi,entrevista, 22/11/2013). Gosto das minhas aulas de inglês porque
também as vejo como momentos legais em que, segundo Assis-Peterson
(1998/1999, p. 48), nós (eu e os alunos) construímos nossas ações e
interpretações no mundo por meio da interlocução e da intersubjetividade, pois
somos e agimos como pessoas concretas (e não idealizadas), vivas,
dinâmicas e mutáveis.
A anotação abaixo, feita após a aula do dia 09 de abril, vai ao encontro
da autora mencionada acima e mostra que, do meu jeito, eu tento prestar
atenção ao aluno.
89
Eu dou okay nos nomes dos alunos que fizeram apresentação de seus diálogos ... Enquanto isso, Guto começa cantarolar. Eu comento Guto, you are so happy! I think you are in love. Guto sorriu e eu continuei: I think. I think you are in Love. You are happy all the classes. Smile all the time. Aí todos os colegas sorriram inclusive o Guto (Anotações de campo, 09/04/2013).
Um outro aspecto observado por mim sobre minhas aulas é a grande
preocupação que tenho em prepará-las:
“As aulas são preparadas para uma programação bimestral, mas eu, apesar de muitos anos de prática, não sei entrar em sala sem ter preparado a aula do dia. É claro que há dias que nada do que foi pensado e programado, acontece. Mas na cara limpa, eu não arrisco. Talvez seja porque esta preparação me
dê certa segurança” (Anotações de campo, 30/01/2013).
e apesar de me taxar como organizada, descobri que nem sempre, ou melhor,
na maioria das vezes, não faço fechamento das aulas.
“Às vezes, termino a aula passando tarefas e enquanto os alunos saem, eu falo repetidamente não esqueçam as tarefas, bom fim de semana; outras vezes, o sino bate e os alunos ainda estão fazendo atividades e com isso a aula se encerra.” (Anotações de campo, 08/12/2013). “Logo após, iniciamos as apresentações programadas na aula do dia 21 de maio. [...] Não houve tempo suficiente para todos apresentarem e combinamos para terminar no dia 02/07/2013, após a prova unificada” ( Anotações de campo, 25/06/2013)
Talvez seja esse o motivo pelo qual me apeguei tanto ao ritual da
retrospectiva. Entretanto, a falta de um encerramento formal no fim da aula não
foi percebida e/ou comentada por nenhum aluno. Pode ser que isso não os
incomode e nem seja relevante para essa turma. Mas eu fiquei surpresa e
chocada com tal revelação. Confesso que me aborreci. Essa é uma situação
que me fez refletir, monitorar os meus outros contextos e tentar mudar o meu
comportamento. Antes mesmo de terminar esta pesquisa, a partir do ano letivo
de 2014, eu tento me controlar e mudar a minha postura nos outros contextos.
Claro que nem sempre funciona, mas já acontece com maior frequência.
90
Relato 2 – Como me vejo como professora?
Acima de tudo, sou professora porque amo o que eu faço e meu
comprometimento com a profissão se alinha com a ideia de que tanto a história
do aprendiz de língua quanto a do professor é concebida como sendo uma
história complexa e de múltiplos desejos. Através da noção de ‘investimento’
de Norton (1997) ensinar ou aprender uma outra língua é um “investimento na
construção da identidade social do aluno e do professor, identidade que se
transforma através do tempo e do espaço num movimento ininterrupto de
(re)negociação entre interlocutores” (NORTON,1997, apud ASSIS-PETERSON,
1998/1999, p. 43-50).
Por meio das palavras de alunos nas entrevistas, quando lhes perguntei
como me viam como professora, me taxaram de perspicaz, objetiva, detalhista,
culta e mãezona. Concordo com a observação da aluna Vany que me descreve
como “perspicaz”, “objetiva” e “detalhista”. Ao tentar definir perspicaz, a aluna,
acrescenta outros adjetivos (objetiva e detalhista) para em seguida explicar o
meu modo de ser: “toma posição sobre aquilo”, “vê coisas que a gente não vê”,
“a senhora presta atenção”.
“a senhora é ... perspicaz . Perspicaz porque você é muito ah ... ah ... a senhora é muito objetiva, detalhista com o que a gente faz. Você é ... como que eu posso falar? ... as vezes ... qualquer coisinha pequena. Você já toma posição sobre aquilo. Você faz a gente ver ... tipo assim ... detalhista. .. como que posso falar? Você vê coisas que a gente não vê. Pequenas coisinhas que passam despercebidas até para outros professores... uma pequena palavra, um erro ... a senhora presta atenção. Acho a senhora bem objetiva no que você quer” (Entrevista, 13/11/2013).
A fala de Vany me lembrou de uma outra expressão que os alunos
costumam usar quando falam comigo’: “Professora, a senhora que sabe de
tudo...” e, em seguida, lançam uma pergunta. Essas observações estão em
consonância com o meu grau de exigência comigo mesmo e com os alunos no
sentido de cumprir com as obrigações escolares e pelo fato de eu ser clara e
objetiva porque vou direto ao ponto que quero, sem meandros ou rodeios.
91
A postura assertiva, apontada por Vany (“Você já toma posição sobre
aquilo”), é também destacada pelo diretor da escola. Conhecedor há muito
tempo do meu trabalho e acostumado a jogar água nas minhas fogueiras, ele
não poupou palavras para responder o que pensava a respeito de mim, quando
lhe perguntei porque sempre me chama de cizânia (“O que foi, cizânia?”, “O
que tá pegando, cizânia”? ,”Oh cizânia, vem cá!”). No seu comentário abaixo,
me vejo no papel de educadora que, do meu jeito e sem meandros, faço
política ao fazer educação.
A professora Fátima Comini é profissional de fino trato e, por isto, não consegue deixar de se posicionar frente a qualquer tema, especialmente quando a questão é polêmica (e ela adora polemizar!). Inteligente e sensível, mas de personalidade forte, suas posições sempre causam um certo desconforto e mal estar porque, via de regra, rompem as zonas de conforto e a comodidade de alguns. Deste modo, quando ela pede a fala, em geral, "causa cizânia entre os presentes", exigindo imediata intervenção para que o assunto não se torne motivo de desarmonia, confusão, divisões entre os profissionais presentes nas reuniões. De minha parte, acredito que profissionais como ela sejam indispensáveis no debate de qualquer temática relacionada a Educação, mas dá trabalho, a "Xiquinha" (Diretor, comentário enviado por e-mail, 18/01/2014).
A aluna Sussu, ao responder a mesma pergunta feita à aluna Vany,
disse: “Eu acho que você é uma boa professora, acho que é uma professora
muito culta ...” (Sussu, entrevista, 08/11/2013). Essa fala talvez esteja
relacionada com o hábito que tenho de levar as novidades culturais que
ocorrem na cidade como concertos, shows, exposições, peças teatrais,
revistas, além de comentar livros que leio, filmes que assisto. Também, por
conta do meu comprometimento profissional e do meu prazer, os alunos
percebem que participo de cursos de formação, congressos, seminários – que
exigem horas além sala de aula e, todas às vezes, com recursos financeiros
próprios – para enriquecimento e fortalecimento da minha formação e do meu
saber. Ao comentar com colegas professores e nas salas de aulas sobre as
novidades deste ou daquele assunto, passo uma visão de ser “antenada”
92
(termo dado por alguns alunos e colegas de profissão) e de “culta”, para a
aluna Sussu.
Reconheço também que faço o papel da professora “mãezona”, como
disse o aluno Guto:
“É ... além de professora. É ... a senhora faz papel de mãe. [...] tipo ... alertar, falar para o aluno é ... tipo é ... melhorar naquilo que tipo ... ainda não deu [...] e a senhora me ajuda com conselhos e acho que deve continuar assim, dando conselhos” (Guto, entrevista, 06/11/2013).
Talvez, essa fala possa ser associada à prática do “ritual de entrada”
(Episódio 1), quando o meu estar à porta da sala para esperar os alunos
sinaliza a ideia de um contato familiar e, por isso, é constante e feito com a
preocupação de receber o aluno como indivíduo.
Do mesmo modo, a conversa com a aluna Sussu, que se seguiu após o
término da entrevista e que apresento a seguir, revela, pelo tom, uma atenção
além da relação professora-aluna. Nesse dia, indaguei sobre sua ausência em
muitas aulas. No momento, a preocupação não era somente com a aprendiz,
mas também com a pessoa. Reforço a presença de um sentimento que
extrapola o lado profissional. A aluna responde que passa por problemas e eu
me ofereço para ajudá-la, se precisar. Nesse caso, a emoção e a cognição se
entrelaçam e o processo de aprendizagem se apóia numa visão holística e
humanista defendida por Arnold e Brown (1999), citado por Aragão (2007, p.
47). Os autores sustentam essa ideia com base nos recentes estudos
neurobiológicos que têm demonstrado que as emoções fazem parte da razão e
que não há processos mentais sem processos emocionais, uma vez que estes
são parceiros no funcionamento do sistema nervoso.
Professora: E porque você faltou nas minhas aulas? Isso já é coisa pessoal, não é para pesquisa. Sussu: Não é só nas suas aulas. Ah... eu ... eu ando muito desanimada. Professora: Porque você está desanimada assim? Sussu: Ah .. estou muito desanimada. Professora: Está acontecendo algum problema? Está passando por alguma fase ...? Sussu: Mais ou menos . Mas sei lá. Eu acho que estou meio assim .... Por falta do trabalho .... / Professora: Bom, se você precisar, eu estou aqui, tá? Como amiga. O que eu puder fazer ..., okay? (Sussu, conversa informal, 08/11/2013)
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Ressalto também uma “eterna” preocupação em querer melhorar o que
faço. Em diversas vezes, enquanto entrevistava os alunos, mencionei que
precisava conhecer a “verdadeira visão” deles para que, de posse dos dados
para pesquisa, eu pudesse entendê-los e melhorar a minha prática. No
registro desses diversos momentos, em busca de “verdades” para aprimorar o
meu fazer pedagógico, percebi que realmente eu estava realizando um dos
meus desejos de professora de querer conhecer e entender o meu trabalho, e
dentre outros aspectos, combater o discurso da sociedade sobre a inércia dos
professores das escolas públicas brasileiras.
Seja sincero porque isto é uma pesquisa e eu preciso da verdade para melhorar. Até porque estou cheia de defeitos” (Fátima, entrevista com o aluno Beto, 04/11/2013). Esquece a amizade, as brincadeiras, veja a professora. E eu quero que você seja bem sincero porque é uma pesquisa. Não dá para falar: Ah! A senhora é ótima. Não! O que é realmente. Porque estou fazendo uma pesquisa para descobrir onde estou errando, então preciso da cooperação de vocês pra isso (Fátima, entrevista com o aluno Greg, 06/11/2013).
Você acha que eu cumpro o meu papel como professora? Porque eu falho, um monte de vezes [...] onde eu falho? Eu não sou a perfeição. Posso ser boa numa coisa, sou ruim numa outra, sou péssima naquela. Onde que eu falho? (Fátima, entrevista com aluna Sussu, 08/11/2013).
Essa insistência com a “verdade”, presente em todas as entrevistas e o
fato de mencionar várias vezes que “sou cheia de defeitos” é em virtude de
querer mostrar ao aluno que professores não têm “toda a verdade”, “todos os
conhecimentos” que lhes são cobrados. Interpreto nessa fala uma atitude
parcial e relativa das coisas.
Ainda a respeito da minha visão sobre o meu papel de professora, por
meio de algumas anotações de campo referentes à prática de sala de aula,
percebo que meus alunos têm liberdade para se posicionar e ser também o
sujeito de seu aprendizado. Pelos exemplos abaixo, também posso acrescentar
que acolho os seus tópicos mesmo que sejam em tom de brincadeira.
94
No dia 19 de março de 2013 eu estava revendo com o grupo as perguntas básicas – WH questions – e ao fazer a pergunta para a turma Who are you?, o aluno Greg logo respondeu: Soy un estudiante exemplar. Todos caíram na gargalhada (Anotações de campo, 19/03/2013).
Na entrada da sala, a aluna Vany disse: Eu não consegui fazer a atividade que a senhora passou. Eu não, ninguém. Ela é muito difícil. Difícil não, complicada. Tendo ouvido a reclamação, assim que fiz a chamada, direcionei a aula para explicar a atividade (Anotações de campo, 26/03/2013). Estava passando um exercício escrito no quadro, quando o aluno Beto perguntou-me: Professora, como é veado [com a pronúncia de vi] em inglês? O animal. Eu escrevi a palavra deer no quadro e a aluna Bibi disse imediatamente que ela já havia ouvido, num seriado de televisão, a palavra homo para a outra situação (Anotações de campo, 26/03/2013).
Relato 3 - Como vejo meus alunos?
Minha reflexão sobre o papel do aluno leva-me a percebê-lo como um
aprendiz que faz hipóteses e comete erros para poder acertar. Gravação de
áudio das aulas e anotações de campo mostram que abro espaço para que o
aluno se exponha em busca do seu aprendizado. Assim, nos textos abaixo são
mostrados três situações de sala de aula que confirmam, na prática, a visão
que tenho dos meus alunos. No primeiro, quando repito a palavra sixty, instigo
o aluno Beto a buscar, a testar sua suposição e, quando ele acerta, tanto eu
como o colega Inghi demonstramos a nossa satisfação. No segundo e terceiro
exemplos, encorajo não só a aluna Tatá, mas toda a turma a reconheceer que
os erros fazem parte do aprendizado.
Exemplo 1
Professora: Page Sixty Beto: Seis? Professora.: Sixty. Beto: Sessenta? Professora.: Yes, of course Inghy: Parabéns! (Gravação de áudio, 18/06/2013).
95
Exemplo 2
Hoje, Tatá conversou comigo, bem baixinho, sobre os erros que ela e a colega cometeram na apresentação dos diálogos. Aí eu incentivei todos os alunos, reforçando a necessidade de errar para se acertar. Dei como exemplo a natação, dizendo que nada adianta ver alguém nadando para que possamos aprender a nadar. É preciso praticar para aprender (Anotação de campo, 09/04/2013). Exemplo 3 Tatá: Professora e se eu errar? Professora: No, no problem. Gente, errar é necessário pra aprender. Se a gente não errar, a gente não aprende (Gravação de áudio, 09/04/2013).
Percebi também que, assim como a maioria dos alunos da turma do 2º
EMIEP veem os colegas como colaborador, eu também os aceito e os incentivo
nessa função de co-autores, de sujeitos autônomos. Observei que, em
diversas aulas, os alunos tomam o turno da professora (fazendo traduções do
que eu falava) e, em nenhuma das práticas da sala, sua ajuda é descartada por
mim, como no exemplo abaixo.
Professora: Oh my God! Ok, I’ll speak in Portuguese because I want everybody understand me, ok? [Inghy começa a tradução do que eu disse e para no meio da frase. Então eu repito tudo em inglês e ele diz tudo em português]. Professora: Yes, very good. Your translation is excellent, Inghy. [Todos da sala bateram palmas e eu expliquei em português tudo o que foi feito na última aula até o presente] (Gravação de áudio, 18/06/2013).
Além disso, houve momentos, como o apresentado no Episódio 15
(seção 3.1 Das práticas), em que os alunos espontaneamente escolheram
como queriam fazer a atividade de biografia proposta por mim. Havia pedido
que apresentassem uma biografia de alguém importante na sua vida, contudo,
eles preferiram falar de personagens mundiais, que nem todos da sala
conheciam, em razão de não quererem se expor [Vickie: Ah professora! Vou
falar da minha vida?; Greg: Eu não tenho ninguém importante não, professora!
(Anotações de campo, 21/05/2013). As escolhas foram feitas, entre eles, de
acordo com o interesse pessoal de cada um. Assim a aluna Vany, sendo
96
religiosa, interessou-se pela vida de Mahatma Ghandi e do jogador de
basquete Michael Jordan, pois é o esporte que ela mais gosta.
Vejo nas relações da sala de aula uma cumplicidade que se estende nos
corredores da escola, ou vice versa, dos corredores para as salas de aula. Não
sei bem onde começa uma e termina a outra. Só sei dizer que essas relações
se complementam e possibilitam momentos inesquecíveis no processo de
ensinar e aprender. Nas anotações de campo, registrei um fato que me fez
sorrir muito e refletir bastante. Numa conversa de corredor, em que os
celulares foram mostrados uns para os outros, deparei-me com a situação de
ter o aparelho mais antigo do grupo, daquele que “quebra até tijolo”, segundo
uma das alunas. Como se não fosse o suficiente, o aparelho também não tinha
internet. Claro que as risadas foram muitas. O mais curioso foi perceber o
sentido que os alunos dão ao aparelho, uma vez que aluna Vickie me
questionou “o que é telefonar”. Abaixo relato o fato tal e qual aconteceu:
Ao chegar na escola, encontrei com a turma que estava esperando decisão sobre ir ou não para a feira de informática no Centro de Eventos Pantanal. Cumprimentei a todos em inglês e Vickie perguntou se seria amanhã (25/10/13) a nossa aula. Disse que sim, mas não sabia o horário. Beto disse: Deixe olhar no meu I-phone. Ao tirá-lo do bolso, exclamei: Nossa! Que chick! Tatá falou: Viu professora, como ele está esnobando? Então eu falei: Nossa gente, se vocês virem o meu, não acreditarão. Tatá mostrou o dela e disse: olha o meu. Vickie então mostrou o dela (que claro, é mais moderno que o meu). Então, mostrei o meu celular antigo (daqueles que só servem para telefonar). Lidiane, uma aluna minha de outra turma falou: Nossa, é do meu tempo! Pelo menos tem internet? Eu respondi: Nada, só serve para telefonar. Vany: Telefonar, teacher? O que é isso? Vickie: Esse celular é de 2001. Eu: Isso mesmo e nunca estragou. Vickie: É Nokia e Nokia quebra até tijolo. Lidiane: Professora, este celular é até à prova d’água. Nesse momento chegou o agente de pátio e terminou com a conversa, colocando todos para dentro da sala de aula (Anotações de campo, 24/10/2013).
97
Momentos como esse, onde impera a descontração, muitas vezes são
tão ricos e tão cheios de sutilezas que podem estreitar as relações entre
professor e aluno e, além disso, propiciar reflexões importantes que podem ser
aproveitadas para as salas de aulas. Na situação acima, o cômico ficou por
conta da comparação do telefone ao tijolo e a reflexão pautou-se nos
constantes discursos, acadêmicos ou não, de que o mundo se relaciona de
forma diferente e por isso há uma necessidade de contínua atualização, de agir
e de interagir de forma diferente diante da sala de aula contemporânea.
3.3 Dos fundos de conhecimento
De acordo com Oughton (2010), o conceito de fundos de conhecimento,
desde sua concepção original, desenvolvido por Vélez-Ibáñez e Greenberg
(1990) e difundido por Moll, Amanti e González (1992), poderoso em
desmontar discursos de deficit, tem sido usado e reinterpretado por diferentes
pesquisadores e professores, contudo, sem ser avaliado, questionado ou
desconstruído criticamente. Como não pretendo desconstruir o conceito nem
discutir aspectos localizando-o em arcabouços teóricos como faz a autora,
recomendo a leitura do artigo. Apesar disso, considero relevante mencionar
que Oughton (2010), ao tecer a história do conceito, destaca como sua
interpretação tem sofrido mudanças de modo a torná-lo relevante para outros
contextos como a aprendizagem de adultos. Esse aspecto da reinterpretação
do conceito faz sentido para o meu trabalho, uma vez que me distanciei da
concepção original do conceito.
Como exposto no Capítulo 1 – O background da pesquisa, González,
Moll e Amanti (2009) referem-se ao conceito de fundos de conhecimento que
representa uma visão positiva dos lares detentores de amplos recursos
estratégicos, cognitivos e culturais com enorme potencial de utilidade para a
instrução em sala de aula. Esses recursos culturais e intelectuais sobre origem,
uso e distribuição de conhecimento e habilidades, estratégias de sobrevivência
desenvolvidos nos lares e comunidades constituem os fundos de
conhecimento.
O fato de este estudo ter sido realizado com jovens de ensino médio e
não com crianças como na pesquisa de González et al. (2009), levou-me a
98
reinterpretar o conceito de fundos de conhecimento. Antes descrito, por esses
autores, como um princípio para identificar e descrever recursos culturais e
cognitivos produzidos nas práticas de lares e comunidades para utilizá-los no
ensino para crianças, por mim foi utilizado para focalizar fundos de
conhecimento produzidos por indivíduos. Quer dizer, ao invés de realizar visitas
aos lares de alunos para conhecer práticas advindas dos lares, voltei meu olhar
para práticas, experiências vividas ao longo da vida pessoal, escolar e de
trabalho do indivíduo (no caso meus alunos). Isto é, me afastei da ideia de
localizar os fundos de conhecimento de comunidades locais embasadas em
atividades produzidas na vida familiar, para localizar os fundos de
conhecimento de alunos sob a premissa que alunos não são uma tabula rasa;
eles são competentes e constroem conhecimento por meio de práticas e
experiências de vida.
Dessa forma, ainda imbuída da possibilidade de realizar as visitas aos
lares, decidi conhecer primeiramente os bairros que os alunos moravam. Por
meio da aplicação de um questionário (Anexo 2) inicial para coletar algumas
informações sobre os alunos, descobri, para minha surpresa, que eles
moravam em bairros distintos e distantes da escola. Junto com o professor
Arivan Salustiano da Silva, conhecemos dez bairros. Diferentemente de
González, Mol e Amanti (2009), esta pesquisa não contou com grupo de estudo
específico, pois a investigação foi na minha própria sala de aula. Mas, Arivan
tem sido ao longo dos anos, além de grande amigo, meu parceiro profissional.
E nós dois, mesmo trabalhando em escolas diferentes, estamos sempre juntos.
Pessoalmente ou por telefone, trocamos nossas ideias, preparamos aulas e
avaliações, sugerimos leituras um ao outro. Enfim, construímos e
desconstruímos muitos dos nossos conhecimentos em dupla e nessa pesquisa
ele não poderia ser apenas um espectador.
Inevitável também foi a cumplicidade da professora Ana Antônia ao ouvir
os muitos “casos” das minhas salas de aula. E no papel de orientadora,
fundamentalmente importante foi sua interferência na indicação das
bibliografias e sua disposição para, a quatro mãos, construirmos esta seção.
As visitas aos bairros foram feitas durante os meses de abril a julho,
sempre aos sábados ou domingos à tarde. Distribuídos entre as zonas leste,
oeste e sul da cidade, observei que seis dos dez bairros visitados situam-se
99
muito longe da escola Azul. Apesar da distância, das diversas localizações e
das múltiplas diferenças entre um lugar e outro, constatei, também,
semelhanças entre os bairros. Alguns com ruas asfaltadas (outros, no entanto,
com ruas esburacadas e sem asfalto), e todos com escolas públicas, igrejas
e/ou templos de diversas religiões, comércio local, inclusive muitos deles com
nomes em língua inglesa, lans houses, campos de futebol e feiras ambulantes,
montadas aos sábados nas ruas principais do bairro. O que me chamou
atenção em todos os bairros foi a escassez de espaço para lazer e
entretenimento para as crianças e jovens. Vi muita gente sentada à porta de
suas casas, conversando e tomando cerveja, enquanto as crianças brincavam
na rua. Outro fato presente e interessante são as antenas de televisão por
assinatura em quase todos os imóveis.
Todos os moradores com os quais conversei foram extremamente
atenciosos e gentis. Para ilustrar, reporto-me a uma situação em que meu carro
apresentou um problema. Isso me levou a conhecer diversas pessoas. Entre
essas um transeunte de bicicleta parou e decidiu comprar combustível em um
posto, longe do local em que estava parada; um senhor, que não conseguiu
abrir a tampa do tanque de gasolina, apresentou-me ao proprietário de um
mercado que, por sua vez, acionou o seu mecânico de confiança. Ao cair da
noite, quando o mecânico chegou e detectou o defeito, avisou que só poderia
consertá-lo no dia seguinte. O proprietário do mercado e o mecânico se
dirigiram a um morador e pediram se poderiam deixar o carro na garagem até o
dia seguinte. Em seguida, o mecânico nos (Arivan e eu) levou para minha casa.
No dia seguinte, quando fui buscar o carro, a esposa do mecânico me recebeu
com um belíssimo almoço. Quando relatei a uma aluna que fui visitar o seu
bairro e que meu carro teve problema, a primeira coisa que ela disse foi:
Nossa! Ele não foi roubado!
A visita aos bairros foi tão impactante que mudou o meu modo de olhar
para os alunos ao descobrir “o lugar onde eles moravam”. Percorrer os bairros,
mesmo que brevemente, fez diferença. Descobri que o eventual atraso dos
alunos ao chegar à escola se deve à distância dos bairros da escola, com
inevitáveis problemas de trânsito e de transporte público, requerendo que os
alunos saiam de suas casas entre 5h e 6h. Nunca havia pensando nesse
detalhe. Mesmo com os problemas de saneamento e outros que requerem
100
atenção governamental, vê-se que os bairros estão conectados com o mundo
global. A tecnologia e o inglês estão além escola na presença de lan houses,
TV com assinatura, uso do celular etc.
Segundo Dias e Assis-Peterson (2006, p. 115), os resultados da
pesquisa de Dias (2006) mostraram que existe uma “visão institucional’’
(escola) em que diretores, professores e coordenadores de escola concebem
os bairros dos alunos como um mundinho isolado dos valores do mundo
tecnológico globalizado, que “parece estar na idade da pedra, em que o
pessoal cozinha em fogão à lenha, falta água e é comum ver mulheres com
lata na cabeça” (DIAS, p. 61). Como bem enfatizam Dias e Assis-Peterson
(2006), essa visão abriga um discurso preconceituoso que contempla a
realidade social por uma ótica negativa de exclusão, ancorada na desfiliação
existente entre escola e comunidade, reforçando o preconceito de déficit
linguístico e cultural das classes economicamente desfavorecidas.
Zeichner (2000), especialista na formação de professores, também
enfatiza que é preciso uma conexão estreita da universidade com a escola e
com a comunidade. Sem isso, cria-se um fosso entre as atividades acadêmicas
e o contexto em que se deve trabalhar, mantendo assim, um sistema desigual
de escolarização sem perspectivas de mudanças bem sucedidas.
O autor vê na distância entre escola e comunidade a falta de experiência
intercultural direta, uma vez que o professor não interage com a cultura do
aluno que está em sala de aula. Para ele, muitos professores não observam e
nem aprendem com a comunidade dos seus alunos e com isso deixam de
incorporar, de modo positivo, os recursos que os aprendizes trazem para a
escola.
O fato de o professor não conhecer o entorno de sua própria escola
certamente, é um dos fatores que levou González, Moll e Amanti (2009) a
conceber o conceito de fundos de conhecimento embasado no modo de fazer
pesquisa envolvendo a escola e professor com a comunidade. Os autores
também entendem que o processo educativo pode ser muito maior quando os
professores aprendem sobre as situações do quotidiano de vidas de seus
alunos. Ligação entre comunidade, escola e universidade.
Freire também, desde o início de seu trabalho em Recife, entre os anos
de 1950 e 1960, inquietava-se com a participação da família na e com a escola.
101
Gadotti, Freire, Ciseski, Torres, Gutiérrez, Gerhardt, Romão, Padilha (1996, p.
96) destacam escritos do ano de 1957 em que Freire defende a constituição de
Círculos de Pais e Professores como uma forma de fortalecer a participação da
família e da comunidade no espaço escolar. Para Freire, a união da família-
comunidade–escola pode provocar mudanças de “hábitos antigos para hábitos
novos, isto é, hábitos de passividade em hábitos de participação”.
Pelo exposto, busco então responder se as práticas culturais da turma
acolhem a escuta do aluno, isto é, se o meu trabalho com os alunos está
afinado com a pedagogia culturalmente sensível. De certa forma, desejo usar
o que apreendi da minha prática, neste estudo, como “palco de criação de
reflexões teóricas”, isto é, ao invés de levar a teoria para a vida prática,
entendo, que teoria e prática não são coisas diferentes e que a teoria é
concebida dentro da prática (RAJAGOPALAN, 2011, p.1).
Nesse sentido, vejo que a minha prática, explora pouco os recursos
culturais e intelectuais – fundos de conhecimento – dos meus alunos. Não os
ignoro, mas ainda não os incorporo adequadamente ao meu fazer pedagógico.
Em relação ao ensino de língua, posso e devo avançar mais. Os alunos
precisam ser mais expostos a situações em que o uso de inglês seja
fundamentalmente necessário para eles. Para isso, o programa anual ainda
deve ser menor, isto é, ser mais selecionado para atender a quantidade real de
aulas e ser mais contínuo e progressivo. Ou seja, é preciso ir além dos
conteúdos básicos e oferecer aos alunos condições para que acreditem no
aprendizado, tornem-se donos dos seus saberes e aptos para se lançarem
com mais comprometimento e motivação em sua própria aprendizagem.
Em termos da seleção de atividades diárias (das aulas) percebi que não
devem ser estendidas por muitas aulas. É muito importante, dentro do contexto
da escola pública, isto é, cinquenta minutos de aulas semanal, que as
estratégias a serem utilizadas sejam planejadas dentro de um tempo menor, a
fim de que o aluno possa usar a língua e não deixar que ele perca o
entusiasmo do resultado (objetivo) a ser alcançado ao longo de inúmeras
aulas. É sempre bom lembrar que estamos num mundo dinâmico e tudo é
muito rápido.
O ensino da língua e a questão cultural é um outro ponto a ser refletido.
Apesar de trabalhar com temas do livro Upgrade 2 como We are what we eat,
102
Being a volunteer, Great leaders of the world e Voices of Africa, que
possibilitam uma maior conscientização crítica e cultural do aprendiz, percebi
que explorei pouco a questão e que o tema ficou encaixado no conceito de
cultura com c minúsculo”, conforme cita Lima (2009, p. 182). Não foi ignorado,
mas ficou na periferia.
Ao refletir em como a minha prática favorece a escuta do aluno, inicio
com o questionário para diagnosticar o perfil dos alunos, com algumas
perguntas etnográficas que contribuíram para que eu pudesse fazer o
planejamento anual com base em temas mais pertinentes à turma pesquisada
e com a ida ao bairros que parece uma coisa banal e trivial, e por isso
mesmo, tão importante ao ponto de vista da etnografia, uma vez que me
permitiu conhecer um pouco das práticas culturais das comunidades nas quais
os alunos estão inseridos.
Considero que os padrões rotineiros construídos na minha sala de aula,
até então invisíveis, direcionam para aulas com uso da língua alvo, no caso o
inglês, e priorizam a oralidade. Diversos momentos apresentados na Seção 3.1
— Das práticas de sala de aula — mostram interações contextualizadas de
comunicação feitas em inglês. E muito do que se fala e/ou falou em inglês, vem
de um conhecimento que ultrapassa o que foi ensinado na escola. Um desses
momentos está marcado pela hipótese que o aluno Beto criou sobre a palavra
range ao tentar associá-la à série norte americana revenge e a associação da
palavra powerful com a palavra power range feita por Greg, na aula do dia
14/05/2013. Ambos os casos confirmam que o aluno faz uso dos seus recursos
cognitivos e culturais apreendidos fora da escola.
Apresentação de diálogos, de pesquisas, de pôsteres, leituras de
autobiografias e discussões sobre letras de música e vídeos realizadas ao
longo do ano, apesar de nem tudo ter sido inserido nesta pesquisa, mostram
que falamos e lemos mais do que escrevemos. Nessa perspectiva, observo
que estou em consonância com Pedroso (2010) sobre a sugestão de priorizar a
oralidade, sem esquecer-se da escrita, como um requisito da sociedade
contemporânea. Entretanto, não sou ingênua para dizer que os alunos já estão
inseridos no grupo que fala inglês. O que tenho feito é apenas o começo.
Pautada numa relação de diálogo, isto é, numa concepção freireana de
educação, em que o respeito à linguagem, cultura e história de vida dos alunos
103
são fatores essenciais dentro da sala de aula, avalio as tomadas de turno e a
aceitação de tópicos como algo que acolhe a escuta dos alunos. Os episódios
9 e 15 da seção 3.1 — Das práticas de sala de aula — demonstram que a
interação, a relação face-a-face entre os alunos e eu tem sido construída com
base num “complexo e inacabado” processo de mão dupla.
De volta ao objetivo principal dessa pesquisa, o de conhecer as práticas
da minha sala de aula e examinar se o meu trabalho está afinado com a
pedagogia culturalmente sensível e inclusiva, reconheço que já dei alguns
passos importantes para que o meu aluno possa se apoderar do seu saber e
se inserir, de acordo com Schlatter e Garcez, (2009), como falante de inglês,
nas práticas sociais das quais quer participar. Sei que não estou pronta, estou
como Freire disse, em movimento, estou me fazendo. Afinal, ninguém nasce
feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos.
104
CONCLUSÃO
... o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.
Paulo Freire (1996, p. 43)
Longe de apresentar soluções para o ensino de língua estrangeira nas
escolas públicas brasileiras, esta pesquisa almeja ser um diagnóstico inicial
que possibilite novos olhares, ou olhares mais atentos para a prática docente
no ensino de língua inglesa. Certa de que uma sala de aula nunca é igual a
outra, os resultados desta pesquisa podem, conforme Lima (2014, p. 3) em seu
parecer sobre este trabalho, ser generalizados para outros contextos, pois
segundo o autor, “o processo é de fundamental importância, mas o produto
pode servir de exemplo para incentivar professores da área e servir de exemplo
para eles”.
Inserida na área da Linguística Aplicada, a opção pela investigação
qualitativa de caráter interpretativo e etnográfico deveu-se a um interesse da
pesquisadora pela ação das pessoas dentro do microcontexto da sala de aula.
Uma vez que a rotina da sala de aula cria padrões do grupo que nela convive,
e a etnografia, retomando Fetterman (1998, p.11), “é a arte e ciência de
descrever um grupo ou cultura”, torna-se possível dizer que a escolha por esta
abordagem foi muito apropriada.
Mergulhada na minha própria sala de aula, tentei analisar o trabalho que
faço com meus alunos da turma do 2º EMIEP, a fim de conhecer as práticas
rotineiras do meu fazer pedagógico e os sentidos que nós – os alunos e eu –
damos aos eventos em que estamos envolvidos. Com a visão de que a sala de
aula é um microcontexto de encontros transculturais, marcados por diferenças
socioculturais, esta pesquisa foi construída com base em três questões: 1) O
que os atores (professora e alunos) fazem em sala de aula? 2) Como os atores
105
(professora e alunos) atribuem sentidos aos eventos que acontecem em sala
de aula? 3) As práticas culturais da turma acolhem a escuta dos alunos?
Sob o conceito de fundos de conhecimento e do princípio de escuta do
aluno na educação freireana, discuti a importância que há em conhecer o aluno
e utilizar o que se sabe sobre ele, isto é, prestar atenção a ele e ouvir a sua voz
para que se possa promover o ensino-aprendizagem.
Pela interpretação das ações realizadas em sala de aula, Capítulo 3, foi
mostrado que, dentro da realidade que permeia a escola pública Azul, os
atores – professora e alunos – do 2º EMIEP se empenham para que haja
condições favoráveis ao ato de aprender e ensinar a língua inglesa. Refiro-me à
realidade da escola porque todos nós sabemos que o trabalho do professor
sofre influência do contexto em que ele atua. E a estrutura da escola
investigada, ao oferecer uma sala de aula específica para a disciplina e
disponibilizar diversos equipamentos, além de dois laboratórios de informática,
contribui, sem sombra de dúvida, para uma maior motivação dos envolvidos no
processo da educação.
Aliado às diferentes atividades levadas para sala de aula, à estrutura da
escola e à interação entre professora e alunos, o empenho em querer
desenvolver a oralidade em sala de aula é, segundo Pedroso (Comunicação
pessoal, na qualificação deste trabalho, em 10/06/2014), um fator inusitado.
Para esse pesquisador, é comum aos professores de língua estrangeira
sonegar a oralidade da língua alvo em favor da escrita. Em seu artigo A
realidade do currículo no ensino fundamental: as línguas estrangeiras, a
priorização da oralidade é tida, entre outros fatores, como uma das sugestões
para que se atenda aos anseios da sociedade contemporânea quanto ao
ensino significativo de língua estrangeira (PEDROSO, 2010, p.187).
Para mim, o que ficou evidente é que a luta para a melhoria no processo
de ensino e aprendizagem não pode ser somente individual, mas a vontade
pessoal, embora não sendo suficiente, é necessária à frente de qualquer ação.
Ao rever a análise dos dados referentes aos sentidos atribuídos pelos
atores desta pesquisa aos eventos cotidianos da sala de aula,
surpreendentemente, percebi que a emoção perpassa muitos dos momentos
do meu agir e acredito que esse fator leva os alunos a visualizarem as aulas
como algo “legal” e um espaço de mais liberdade, os colegas, como parceiros
106
no ensino, membros de uma “turma unida”, e a mim (a professora), como
“mãe”. A personalidade forte, dita pelo diretor da escola, ratifica a presença da
emoção e, sem dúvida, a forma como se dão as relações da professora com os
alunos, deles com ela e deles entre si demonstra a cultura da boa vizinhança
que subjaz a minha sala de aula. Se esse é o melhor caminho, não se sabe.
Mas este é o que, neste momento, encontramos.
Entendo que esta pesquisa, como qualquer outra, apresenta limitações.
Afinal ser professora e ser pesquisadora é algo que requer experiência, tempo
e ousadia. Coragem não me falta, mas empreender os dois papéis ao mesmo
tempo é algo complicado, principalmente, quando a pesquisa é feita pela
primeira vez, como é o meu caso. Nem sempre sabia se preparava aula ou se
fazia transcrição de aula; se corrigia atividades dos alunos ou se organizava as
minhas anotações de campo. A falta de habilidade em lidar com o que é óbvio,
de enxergar o que é necessário e de perceber o que é pertinente para uma
pesquisa, certamente, é um aspecto que restringiu o olhar da pesquisadora
iniciante. Entretanto, mesmo com todos os atropelos de “marinheira de primeira
viagem”, aprendi muito com este estudo e percebi que é possível fazer
pesquisas no nosso dia-a-dia da sala de aula.
Avalio que esta pesquisa possa promover trocas de conhecimentos,
assim como possa servir de base para expansão e aperfeiçoamento dos
assuntos aqui tratados. Ler publicações sobre os trabalhos que são feitos em
sala de aulas e artigos que nos façam refletir sobre as práticas cotidianas de
outros colegas, apresentar os nossos fazeres de sala de aula em congressos e
dividir opiniões com colegas das áreas, como eu tenho feito com Arivan, são,
sem sombra de dúvida, atitudes que só nos fazem crescer e, portanto,
propostas que aqui ficam como sugestões.
Também espero que esta pesquisa possa transmitir a outros professores
a "síndrome do professor etnógrafo", para que eles passem a se preocupar
com o que seus alunos são motivados, como eles aprendem e com o que eles
já sabem. Além disso, e acima de tudo, desejo que ela possa servir de exemplo
para todos os que acreditam, assim como eu, nas emocionantes palavras de
Brecht: “nada deve parecer impossível de mudar”.
107
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ANEXOS
115
ANEXO 1
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO Eu,
___________________________________________________________, RG _____________________, participante da turma 2º EMIEP da Escola Estadual Professor Nilo Póvoas, declaro, por meio deste termo, que concordo em participar da pesquisa científica intitulada FUNDOS DE CONHECIMENTO PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO DE INGLÊS: O PROFESSOR ETNÓGRAFO, desenvolvida pela mestranda Maria de Fátima Comini da Silva, aluna do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, sob orientação da Professora Doutora Ana Antonia de Assis-Peterson, professora da Universidade Federal de Mato Grosso.
Declaro que fui informado/a que o objetivo da pesquisa é conhecer as práticas culturais dos alunos para intervir crítica e adequadamente nos planejamentos locais da professora-pesquisadora.
Declaro que fui igualmente informado/a de que minhas contribuições em salas e/ ou fora delas e textos escritos serão utilizados como dados para esta pesquisa e que serão divulgados apenas em contextos acadêmicos ( artigos científicos, palestras, seminários, trabalho de conclusão de cursos etc.). Todas as informações serão mantidas em caráter confidencial pelo uso de pseudônimos. Além disso, os dados não serão disponibilizados para outros propósitos que não se encaixem nos termos da pesquisa.
Declaro também que ao participar desta pesquisa não terei nenhum tipo de despesa , bem como nada será pago pela participação.
Fui ainda informado/a que tenho a liberdade de retirar meu consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo sem penalizações.
Estou ciente de que, em caso de dúvida, poderei contatar a pesquisadora pelo telefone 9281-0991 e pelo endereço eletrônico [email protected] , e /ou a orientadora da pesquisa pelo endereço [email protected] para os esclarecimentos necessários e desejados.
Cuiabá, 04 de Outubro de 2012.
_____________________ _____________________ Aluno participante Responsável pelo aluno participante
_____________________ ___________________________ Professora pesquisadora Professora orientadora
116
ANEXO 2 QUESTIONÁRIO DIAGNÓSTICO
Pesquisa: UFMT – Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem
QUESTIONÁRIO
Caro estudante, Este questionário tem por objetivo obter algumas informações importantes a seu respeito. Agradeço antecipadamente sua colaboração. Os dados serão utilizados em minha Dissertação de Mestrado. Grata. - Dados pessoais Sexo ( ) F ( ) M Idade: ______ anos. - Cidade onde nasceu (Naturalidade): _____________________________________ Estado onde nasceu (UF)__________________País onde nasceu______________ - Cidade onde mora/vive ______________________ Há quanto tempo? ________ - Em que bairro ou região você mora na sua cidade? _____________________________________________________________ Se você nasceu em cidade diferente do local onde vive hoje, responda: - onde você morava antes?________________________________ - Quando se mudou para a cidade em que mora atualmente?_________________ - Por que você e sua família vieram morar nesta cidade?_____________________ ___________________________________________________________________ - Até você chegar à essa Escola (ensino médio), qual(is) escola(s) você frequentou? ____________________( )particular ( )municipal ( ) estadual ( ) federal ( ) ____________________( )particular ( )municipal ( ) estadual ( ) federal ( ) ____________________( )particular ( )municipal ( ) estadual ( ) federal ( ) ____________________( )particular ( )municipal ( ) estadual ( ) federal ( ) ____________________( )outras - A(s) escola(s) ficava(m) na zona rural ( ) ou na cidade/zona urbana ( )? - Quais cidades ? ______________________________________________ - A(s) escola(s) ficava(m) em bairro central ( ) ou na periferia ( )? - Você trabalha? Onde? O que faz nesse serviço? _______________________________________________________________________ FAMÍLIA: - Com quem você mora? - Em que seus pais trabalham? Pai _______________________________________________________________ Mãe_______________________________________________________________ Responsável________________________________________________________ - Quantos irmãos você têm?___________________________________________ - Eles estudam qual(is) séries?_________________________________________ -Seus pais ou responsáveis estudaram até que série/ano? ( ) não estudaram ( ) fundamental ( ) incompleto ( ) completo ( ) ensino médio ( ) incompleto ( ) completo ( ) 3º grau/superior ( ) incompleto ( ) completo
- Você e sua família gostam de festas/comemorações? ___________________________________________________________ - Como e quando sua família gosta de reunir?
117
Pesquisa: UFMT – Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem
ESCOLA ATUAL - Por que você escolheu essa escola para estudar? -Você gosta da língua inglesa? - Você acredita que a língua inglesa é importante para sua vida pessoal e profissional? De que forma/maneira? - O que você pensa sobre as aulas de língua inglesa da escola? - Você participa das aulas de língua inglesa? ( )Sim, porque_____________________________________________ ( )Não, porque_____________________________________________ - De que maneira você participa das aulas de língua inglesa? - Você utiliza a língua inglesa fora da sala de aula? Em que situação? - Você tem contato com outra língua estrangeira que não seja o inglês na sua vida? Em que situações? - Você utiliza a internet para fazer o quê? - Além da internet, quais são os meios de comunicação que você mais utiliza no seu dia a dia? - Você gostaria de ter mais conhecimentos sobre qual assunto?
118
ANEXO 03
TEXTO 1:
CASINO AALBORG
Ved Straden, 14-16 Tlf. 98 10 15 50. Glæd dig til spændende og morsomme timer i
selskab med festligemennesker i en international atmosfære. Åben alle ugens dage
fra kl. 20.00 – 04.00. Entré DKK 50,00. Der er legitimationspligt i henhold til
dansk lov. Ingen adgang for unge under 18 år.
Leia o texto e responda:
1. Qual é o horário de atendimento do lugar?
2. Quanto custa o ingresso?
3. Qual é o telefone do estabelecimento?
4. Qual a idade mínima para frequentar o cassino?
119
ANEXO 4
ATIVIDADES 1) Leia o texto abaixo:
2) Qual é o titulo do texto? Responda em português.
120
3) How much memory does the Sapphire 300 MP3 Player have? 4) Dê um exemplo de palavras cognatas e um de anglicismo, se houver. 5) Que marcas tipográficas foram utilizadas nestes textos? 6) “The fastest and strongest available! Qual o sentido dos dois
sufixos?
ANEXO 4 Continuação do anterior 2) Observe os textos abaixo e responda ao que se pede.
Photo by Khue Bui – newsweek.com
Once a leftist firebrand, Brazil's president Luiz Inácio Lula da Silva turned to free-market liberalism and helped make his country Latin America's biggest economic success. Earlier this month he became the first Latin leader to visit President Barack Obama at the White House, and in April he'll head to London for the G20 summit on the global financial crisis. HE met with Newsweek's Fareed Zakaria in New York.
Fonte: Zakaria (2009, extraído da Internet).
Photo from kenkutaragi.com
On the eve of the Play-Station 3 launch, Ken Kutaragi, the head of Sony Computer Entertainment and the creator of all three generations of the hit game console, took time off to give a rare interview to Newsweek's Steven Levy, via phone from Tokyo.
Fonte: Levy (2006, extraído da Internet).
Photo from nytimes.com
In 2000, Dr. Eric Kandel, a Columbia professor and Howard Hughes Medical Institute senior investigator, earned a Nobel Prize for his work on learning and memory. But Kandel's early passion was psychoanalysis, and HE is a leading proponent of merging the long-divided fields of neuroscience and psychology. HIS book on the
topic, "In Search of Memory," hits bookstores this month. Kandel, 76, talked with Newsweek's Claudia Kalb.
Fonte: Kalb (2006, extraído da Internet).
1- Quais são os recursos tipográficos utilizados em cada texto 2- Dentre as imagens, qual delas permite-nos saber o autor da mesma? Por quê? 3- No texto 01 e 03 estão destacadas as palavras HE e HIS. O que elas significam e a que
estão relacionadas? 4- Observe os 3 textos e liste as palavras repetidas em cada um deles. 5- Utilizando Scanning, complete o quadro abaixo com informações retiradas dos textos:
Name Occupation Interviewed by
Professor
Luiz Inácio Lula da Silva
Steven Levy
3) Observe o excerto, abaixo, retirado de um dicionário bilíngüe:
book [buk] n. livro; (notebook) caderno; // vt. Reservar; ~ case n. estante para livros; ~seller n. livreiro; ~ store n. livraria
121
Agora responda. Com base no seu conhecimento e no que vimos em sala, o que significa cada símbolo abaixo? [buk] – __________________________________
n // vt. – _________________________________
~ case - __________________________________
122
ANEXO 05
EXERCÍCIOS AUDITIVOS
1) Listen and number the words. ( New English File 1, p. 5, track 1.8)
Goodbye. ( ) Bye. ( ) Goodnight ( ) See you ( ) See you on Saturday ( ) See you tomorrow ( )
2) Listen. Complete the receptionist’s questions. ( New English File 1, p. 8,
track 1.20) a) What’s your ___________ name? b) ___________ your surname? c) ___________ do you spell it? d) Where _________________? e) _____________ a ___________? f) ______________________ you? g) __________________ your address? h) ___________________ your postcode? i) ___________________ e-mail address? j) What’s your ____________________?
Tapescript do exercício 1: Tom: Ok, bye. Anna: Yes, goodbye. Tom: See you tomorrow. Anna: Not tomorrow, Saturday. Tom: Oh, yeah. See you on Saturday. Anna: See you. Tom: Goodnight.
123
ANEXO 06
TEXTO 2:
How many Kisses?
You must remember this: you were going in for a double European-style greeting kiss with a friend who was expecting only a single cheek peck. It's an awkward question that constantly creates trouble for travelers: how many times should you pucker up? Here's a handy guide: One: A single buss is acceptable in the U.S., but it's mostly a big-city phenomenom. Women will give a brief hug, while men shake hands. In the Middle East, one kiss on the lips is a normal greeting, but not between men and women. Two: Double up in Spain, Austria, Sweden, Hungary and, more recently, in Britain. Three or more: Triple kisses will work in Egypt, Russia, Switzerland and the Netherlands. Business in Belgium? Three kisses are a sign of respect for those at least 10 years older than you. Pack your lip balm in France; many people still insist on four kisses. Keep your lips to yourself: Germans rarely greet with a kiss. In Chile, opt for an abrazo (a handshake / hug hybrid). Skip the kiss and bow or shake hands instead when visiting Japan, China and Korea. (Source: Time, March 15, 2004, p.63)
Vocabulary:
go in for (phrasal verb) - be interested in, participate in greeting - salutation peck - quick light kiss awkward - embarrasing, incovenient pucker up (phrasal verb)- get your lips ready to kiss handy - accessible, available buss (slang) - a friend kiss
http://www.solinguainglesa.com.br/conteudo/situacoes/sit_diarias1.php
Responda, com base no texto dado e em português, as questões abaixo. 1) Qual é o assunto/tema do texto? 2) Qual é a relação da imagem com o assunto do texto? 3) Com base nas novas tecnologias, que emoticon você usaria para ser
relacionado ao texto? 4) Quais são os países mencionados no terceiro parágrafo do texto? 5) Qual é a cultura da Suíça em relação ao tema do texto? 6) De acordo como texto, qual é a diferença entre a cultura da Espanha e a do
Japão? 7) Há no texto, alguma cultura semelhante à do Brasil? Qual? 8) O que significa a palavra abrazo para os chilenos? 9) De acordo com o comportamento de cada país, qual deles você achou mais
estranho? Por quê?
10)Há no Brasil uma palavra para representar a gíria buss?Qual?