próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice...

12
* (o corpo o luxo a obra) Conforme à ciência arcana, o ouro natural é vivo, de- senvolve-se na terra e gera o próprio ouro. As suas raízes sub- terrâneas estão animadas da mesma energia que as raízes de uma árvore. Este ·é o tema da árvore da vida. Quem dela s·e alimentar irradiará luz, a luz da vida, como o ouro verda- deiro. A transmutação é o fundamento geral e universal do ~do. Alcança as coisas, os animais e o homem com o seu c9rpo~ e_ a sua linguagem. Trabalhar na trans~utação, na transformação, na metamorfose, é obra própria nossa. «É verdade, sem falsidade e ,extremamente - real: aquilo que está no alto é igual àquilo que está em baixo, para realizar os milagres de uma coisa. E, como todas as coisas derivam de uma, pelo pensamento de uma, assim todas · as c~isas nascem desta coisa. (... ) O sol é seu pai, a lua é sua mãe. (... ) a terra é a sua arma. (... )A sua força e poder são absolutos, ~ quando transformados em terra, para receber a força das coisas supe- riores e inferiores. (... ) Toda a obscuridade te abandonará. No interior disto ~stá o poder ( ... ).» Disse Herffies Trismegisto. No âmbito das funções e valores sÚnbólicos, o poema é_o corpo da transmutação, a árvore do ouro vida transformadª= a - --. -~ ~-- ____ ::.:::;..=~-- º~ · O poema faz-se com o corpo, no corpo, de baixo até cima, sagitariàmente. Ou num ininterrupto circuito zodiacal. *

Transcript of próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice...

Page 1: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

*

(o corpo o luxo a obra)

Conforme à ciência arcana, o ouro natural é vivo, de-senvolve-se na terra e gera o próprio ouro. As suas raízes sub-terrâneas estão animadas da mesma energia que as raízes de uma árvore. Este· é o tema da árvore da vida. Quem dela s·e alimentar irradiará luz, a luz da vida, como o ouro verda-deiro. A transmutação é o fundamento geral e universal do ~do. Alcança as coisas, os animais e o homem com o seu c9rpo~e_ a sua linguagem. Trabalhar na trans~utação, na transformação, na metamorfose, é obra própria nossa.

«É verdade, sem falsidade e, extremamente -real: aquilo que está no alto é igual àquilo que está em baixo, para realizar os milagres de uma coisa. E, como todas as coisas derivam de uma, pelo pensamento de uma, assim todas·as c~isas nascem desta coisa. ( ... ) O sol é seu pai, a lua é sua mãe. ( ... ) a terra é a sua arma. ( ... )A sua força e poder são absolutos, ~quando transformados em terra, para receber a força das coisas supe-riores e inferiores. ( ... ) Toda a obscuridade te abandonará. No interior disto ~stá o poder ( ... ).» Disse Herffies Trismegisto.

No âmbito das funções e valores sÚnbólicos, o poema é_o corpo da transmutação, a árvore do ouro vida transformadª= a - --. -· -~ ~-- ____ ::.:::;..=~--º~ · O poema faz-se com o corpo, no corpo, de baixo até cima, sagitariàmente. Ou num ininterrupto circuito zodiacal.

*

Page 2: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

O C0 Rpo O

Tudo faísca: a fruta que se apanha, o feixe vertebral, os orifícios de sangue entre os poros

da madeira. Respira,

dói. Como uma artéria radial,

a atenção que dói de baixo para o alto, as meninges abertas por fendas luminosas.

Alimentava-me dos rostos minados pela rede dos nervos negros e das veias até à raiz cravada da voz

- o terrífico aparelho da fome. Toda a obra. Dói.

LCxo A OBRA 32 3

Page 3: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

A paesia também pode ser isso: dor com que não durmo lavrado completamente gremes laborações dos aerólitos - e então um pingo d 1n e ouro nos

recessos do cérebro. Que fosse a ae_ariçáo contínua. Pode ser O inventário do

no casulo desdobrado quando a seda. sono pode

E a faixa ao pescoço a boca negra por cima: o canto estrangula-me, canto jubilante, a noite transforma-se. Estou às vezes nos quartos contíguos pelos canos:

I I gas, agua violenta. E os objectos ligados pelo coração à corrente eléctrica, em cada um seu halo prato garfo copo. Depois a corrente aumenta depois o coração

aumenta depois cada objecto aumenta abrasado: é um coração apenas que quando se tocam os perigos de morte. Garfo selvagem copo todo

iluminado. Que se coma o idioma bárbaro, palpitação da lêveda substância dos vocábulos: . no prato. Eu devoro. Às vezes electrocutado, uma ígnea linha escnta Para dizer o abastecimento de estrelas em e~ escaldando, da poesia. J\lguem sai para jardins miraculosos com o espelho

Os ~l'L , os 459

Page 4: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

d nde se apoiam as luzes magnificando arquea o o . d h , A s pedaços fiuscantes o ar c amam: arraves. 0

. agens; ardem nos paus as un . d a1· de flora; visitam-nas besouros no meio e imento e morte. Oh, a poesia brilhante se alguém acorda com a sua nuvem entre os braços com os seus raios o soberano, mas nenhum é mestre nenhum dos que têm o dom das madres é mestre dos elementos - estivesse ele ainda em laço amargo, quente laço, em umbigo ou placenta ou sal, estivesse filho intratável: nunca seria mestre. Ninguém sabe: sono e vigília e dentro e fora e alto e baixo; magia é um arrepio canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas

rútilas, esse equipamento feroz; muniflcia-me: eu sei eu perdi-me entre a realeza dos mortos eu sei que levaram o, diz-se:

quotidiano , ate ao

extraordinário: madres e os cordões irrigando os sacos. ~or~ue tuclo é canto de louvor na vida inspuada tud b , c. ' cas ' 0 porque aca a na mesa: garfo e faca as rais ~~_carne no prato. Devoro a minha língua; cintila ainda.

irismo antropof' . . ,. A . , agico, v1sao, oh sucessivo. poesia e um b . , surpr d.da aptismo atonito, sim uma palavra

een 1 para cada . etc. coisa: nobreza, um supremo das vozes-

460

Page 5: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

TRÍPTICO

I

Transforma-se o amador na coisa amada com seu feroz sorriso, os dentes, as mãos que relampejam no escuro. Traz ruído e silêncio. Traz o barulho das ondas frias e das ardentes pedras que tem dentro de si. E cobre esse ruído rudimentar com o assombrado silêncio da sua última vida. O amador transforma-se de instante para instante, e sente-se o espírito imortal do amor criando a carne em extremas atmosferas, acima de todas as coisas mortas.

Transforma-s.e o amador. Corre pelas formas dentro. E a coisa amada é uma baía estanque. É o espaço de um castiçal, a coluna vertebral e o espírito das mulheres sentadas. Transforma-se em noite extintora. Porque o amador é tudo, e a coisa amada I • e uma cortina onde o vento do amador bate no alto da janela aberta. O amador entra por todas as janelas abertas. Ele bate, bate, bate.

A COLH ER N A BOC A 13

Page 6: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

14

O amador é um martelo que esmaga. Que transforma a coisa amada.

Ele entra pelos ouvidos, e depois a mulher que escuta fica com aquele grito para sempre na cabeça a arder como o primeiro dia do verão. Ela ouve e vai-se transformando, enquanto dorme, naquele grito do amador. Depois acorda, e vai, e dá-se ao amador, dá-lhe o grito dele. E o amador e a coisa amada são um único grito anterior de amor.

E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu espírito de amador. E ela é batida, e bate-lhe com o seu espírito de amada. Então o mundo transforma-se neste ruído áspero do amor. Enquanto em cima o silêncio do amador e da amada alimentam o imprevisto silêncio do mundo

e do amor.

POE MAS CO M PLETOS

Page 7: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

Se ~eJa está múd,l~.abna tran$formada, Qµe mais deseja,r,o ;Corpo de alcançar? Em si somente ··po• dt) descansar,

1 . l•lj. 1 1,,1-ii / ' ·, 1 1

· Pois consigo· tal· alllnitt~~tâ,liada.

11, 1

Page 8: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

* Não cortem o cordão que liga o corpo à criança do sonho, 0 cordão astral à criança aldebarã, não cortem o sangue, o ouro. A raiz da floração coalhada com o laço no centro das madeiras negras. A criança do retrato revelada lenta às luzes de quando se dorme. Como já pensa, como tem unhas de mármore. Não talhem a placenta por onde o fôlego do mundo lhe ascende à cabeça. A veia que a liga à morte. Não lhe arranquem o bloco de água abraçada aonde chega braço a braço. Sufoca. Mas não desatem o abraço louco. Move a terra quando se move. Não limpem o sal na boca. Esse ohjecto asteróide, não o removam. A árvore de alabastro que as ribeiras frisam de1• ' xem-na rasgar-se: - D:15 entranhas, entre duas crianças, a que era viva e a criança do sopro, suba tanta op l" · 0 u encia. trabalho confuso: que seja brilhante a púrpura.

Page 9: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

-~ ~4S (João Vidra) - as pessoas das . '1' imagens das coisaJ (M.

""~1 dt Vlltro) ,,,, ' . . Se mexem as maos memona1s as mães

cransmudam 0 mundo. Sabem ponto 1 panto forte o quotidiano estelar das matérias· 1 d • aço, ouça _ atrás o ramo dos ouros a fruta iluminada nos sítios onde lhe pegam. Elas sabem como se enxameiam as coisas como vão de umas , . . as outras ou se intensificam na limalha por uma risca eléctrica. Eu exponho-me ao seu trabalho assombroso e aprendo e purifico. O braço irrompe desde a raiz aos dedos

... em acção de rosa. As luas nos meandros nos laços vermelhos - o ensino dos elementos. Vejo tanta seiva escoando-se pelos orifícios aquela matriz crispada nas partes . virgens, nome banhado. Depois a linha de células ardendo. Cada criança , . arranca-se à criança lustral com as pratas eriçadas na cabeça, ª qwmica floração trazida acesa. Todo o fenómeno fêmea de mover-se no apoio das palavras das coisas. Com esse romper de rosa pelas unhas. Ela .. · das massas s poemas centelhas nas jarras ao meio

os SE tos ' OU TROS , ÚLTIMOS .

471

Page 10: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

puras: carne, , 0 pão que ainda fermenta, o açucar agudo, tão fria a água enredada: Nós que desatam com tanto poder tanta delicadeza. Se a mão apanha os botões de sal entre os idiomas negros fica viva nas cicatrizes. Toca na testa da criança primeira: e todas as crianças sucessivas principiam e aumentam nas rosas transmitidas. O vagar magnifica. Como no alongamento dos ofícios, atenção, os

ntmos - e se a bebida é tão íntima numa infusa que em mente e sede se torna acto absoluto, aliança, poesia. A mão que vem da lenta loucura e carrega com todo o peso terrestre criança a criança profunda a lembrança - e o ouro misterioso: a mão empurra pela brancura fora, entre, até onde? como chegam sombrias ' as suas rosas essas vidas pequenas. Um dia elas mesmas hão-de ser abundantes,

erguer extremamente os-dedos, brilhar, doar como heranças leves as cicatrizes. São palavras maternas abrem-se em ferida. Nos espelhos centrais com as pancadas de ar as pessoas nas palavras assistem à vertigem da sua imagem:

cabeça contra dedos, a exaltação das rosas -

472

Page 11: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

JjY

1 t 6

Não tenho nenhuma lei nem regra

para desordenar um poema escrito não tenho mais que o desejo de tocar-te ó coisa inúmera que entretanto

além de tocar conto e reconto

continuadamente fome de dizer como nunca foi acontecido

fora do seu desejo mesmo tu ó tão funda tão fundada substância do mundo: pleno cheio

serias sobretudo

como um voo ou como um ovo

7

Page 12: próprio ouro. As suas raízes sub-canibal, um canto. E o canto doma os animais, acorda Eurídice pelo coração. Amor, abre-me os feixes na testa com as unhas rútilas, esse equipamento

* se alguém respirasse e cantasse uma palavra, e súbito fosse respirado por ela, fosse cantado assim de puro júbilo ou, quem sabe? de medo puro, poria no termo o selo de si mesmo? quem é que sabe onde fica o mundo? e de quê e de quem e de como é composto e dito, de como uma palavra, uma só, regula ininterruptamente tudo, e alguém a põe em uso, oh glória idiomática, , •

, d d . fi o espirita e e posto e isposto até que abuso de que espécie e tn us das profundezas dessa palavra

600 --