PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

9
ISSN: 1677-3118 Nº. 01/2012 Artigo A PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE FATORES FÍSICOS E QUÍMICOS QUE AFETAM A INTEGRIDADE DAS BIOMEMBRANAS Thiago Barros Galvão; Diana Aline Nôga Morais Ferreira; Leonardo Emmanuel Fernandes de Carvalho; Natânia Carol Cavalcante Rezende; Eduardo Luiz Voigt* Departamento de Biologia Celular e Genética, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Caixa Postal 1501, CEP 59072-970, Natal – Rio Grande do Norte. Telefone: 84 3211-9209 Fax: 84 3215-3424. [email protected] *Autor para correspondência Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a reformulação de um protocolo usado em aula prática para demonstrar os fatores que afetam a integridade das biomembranas. Cubos de beterraba foram usados como modelo experimental, pois os danos causados nas membranas podem ser visualizados pelo extravasamento de betacianinas, pigmentos hidrossolúveis presentes nos vacúolos. Os testes foram realizados em baterias experimentais analisando-se o efeito de fatores físicos e produtos químicos presentes no cotidiano do aluno. Para testar a temperatura, os cubos foram colocados em tubos de ensaio submetidos à condição de calor, frio e do efeito combinado de ambos, em diferentes tempos de exposição. Quando produtos químicos foram testados, os cubos foram tratados com solventes orgânicos (álcool e acetona comercial) ou substâncias polares e anfipáticas (desinfetante à base de detergente, detergente comercial, água oxigenada e água sanitária). Os resultados obtidos foram discutidos quanto à capacidade dos fatores físicos e químicos causarem danos às membranas. A reformulação deste protocolo com o uso de reagentes simples, baratos e encontrados na vida cotidiana do aluno, foi capaz de representar com clareza o efeito produzido pelos fatores testados, viabilizando a realização desta aula prática em espaços didáticos com condições limitadas. Palavras-chave: Prática de laboratório – Membranas biológicas – Permeabilidade. Abstract: The aim of the current work is to review a protocol used in practical classes to demonstrate some factors that affect biomembrane integrity. Sugar-beet fragments were utilized as the experimental model as membrane damage could be visualized by leakage of betacyanins, hydrophilic pigments accumulated in the cell vacuoles. The tests were carried out as discrete experiments utilizing physical agents and chemical products present in the student daily routine. To test the effect of temperature, sugar-beet fragments were submitted to heat, cold or both at different times of exposition. When chemical products were tested, sugar-beet fragments were exposed to organic solvents (common alcohol and acetone) or polar and amphipathic substances (disinfectant, detergent, hydrogen peroxide, and sodium hypochlorite). The obtained results were discussed in terms of the capacity of the physical and chemical factors to cause membrane damage. The review of this protocol using reagents that are present in the student daily routine were able to demonstrate clearly the effect of the different tested factors, allowing the utilization of this practical class under limited conditions. Keywords: Practical classes – Biological membranes – Permeability.

Transcript of PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Page 1: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

ISSN: 1677-3118

Nº. 01/2012

Artigo A

PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE FATORES FÍSICOS EQUÍMICOS QUE AFETAM A INTEGRIDADE DAS BIOMEMBRANAS

Thiago Barros Galvão; Diana Aline Nôga Morais Ferreira; Leonardo Emmanuel Fernandes de Carvalho; Natânia Carol Cavalcante Rezende; Eduardo Luiz Voigt*

Departamento de Biologia Celular e Genética, Centro de Biociências, Universidade Federal do RioGrande do Norte, Caixa Postal 1501, CEP 59072-970, Natal – Rio Grande do Norte. Telefone: 84 3211-9209Fax: 84 3215-3424. [email protected]

*Autor para correspondência

Resumo:O presente trabalho tem como objetivo a reformulação de um protocolo usado em aula práticapara demonstrar os fatores que afetam a integridade das biomembranas. Cubos de beterrabaforam usados como modelo experimental, pois os danos causados nas membranas podem servisualizados pelo extravasamento de betacianinas, pigmentos hidrossolúveis presentes nosvacúolos. Os testes foram realizados em baterias experimentais analisando-se o efeito de fatoresfísicos e produtos químicos presentes no cotidiano do aluno. Para testar a temperatura, os cubosforam colocados em tubos de ensaio submetidos à condição de calor, frio e do efeito combinadode ambos, em diferentes tempos de exposição. Quando produtos químicos foram testados, oscubos foram tratados com solventes orgânicos (álcool e acetona comercial) ou substânciaspolares e anfipáticas (desinfetante à base de detergente, detergente comercial, água oxigenada eágua sanitária). Os resultados obtidos foram discutidos quanto à capacidade dos fatores físicos equímicos causarem danos às membranas. A reformulação deste protocolo com o uso dereagentes simples, baratos e encontrados na vida cotidiana do aluno, foi capaz de representarcom clareza o efeito produzido pelos fatores testados, viabilizando a realização desta aula práticaem espaços didáticos com condições limitadas.Palavras-chave: Prática de laboratório – Membranas biológicas – Permeabilidade.

Abstract:The aim of the current work is to review a protocol used in practical classes to demonstrate somefactors that affect biomembrane integrity. Sugar-beet fragments were utilized as the experimentalmodel as membrane damage could be visualized by leakage of betacyanins, hydrophilic pigmentsaccumulated in the cell vacuoles. The tests were carried out as discrete experiments utilizingphysical agents and chemical products present in the student daily routine. To test the effect oftemperature, sugar-beet fragments were submitted to heat, cold or both at different times ofexposition. When chemical products were tested, sugar-beet fragments were exposed to organicsolvents (common alcohol and acetone) or polar and amphipathic substances (disinfectant,detergent, hydrogen peroxide, and sodium hypochlorite). The obtained results were discussed interms of the capacity of the physical and chemical factors to cause membrane damage. The reviewof this protocol using reagents that are present in the student daily routine were able todemonstrate clearly the effect of the different tested factors, allowing the utilization of this practicalclass under limited conditions.Keywords: Practical classes – Biological membranes – Permeability.

Page 2: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A2

I. INTRODUÇÃO

O ensino de Biologia Celular e Molecular é uma tarefa desafiadora, pois essa disciplina trata de estruturas e processos microscópicos, sendo assim fundamentada em conceitos abstratos. Além disso, esta área do conhecimento tem apresentado muitos avanços recentes, estando sujeita a mudanças decorrentes do surgimento de novos conceitos [1]. Para alcançar a apreensão destes conceitos de maneira clara e eficiente, o professor necessita atualizar continuamente seus conhecimentos teórico-práticos, bem como fazer uso de instrumentos didáticos adequados [2].

Algumas estratégias são largamente empregadas em sala de aula por demonstrarrendimento e praticidade. Figuras esquemáticas, gráficos, vídeos explicativos e modelostridimensionais, são alguns dos recursos utilizados para demonstrar estruturas eprocessos da maneira como eles ocorrem in vivo. No entanto, as aulas práticas sedestacam como instrumentos didáticos promissores, porque tornam o conteúdo maisatrativo, envolvente e concreto [3].

As aulas práticas propiciam uma oportunidade para a vivência de todas as etapasdo método científico, nas quais a observação e a compreensão de fenômenos levam oaluno ao registro sistematizado de dados e à formulação de hipóteses [4, 5, 6]. Amanipulação de técnicas utilizadas em laboratório permite que o docente exercitehabilidades e competências, como a cooperação com os colegas, a organização nabancada e a manipulação de equipamentos, imprescindíveis na formação acadêmica [7].

Além de permitirem a interação do aluno com os conceitos vistos em teoria, asaulas práticas realizam papel importante no aprendizado, ao fazer com que o professorestimule no aluno o caráter investigativo e a busca pelo conhecimento científico comouma conquista pessoal [8]. Apesar disso, a maioria das escolas apresenta escassez dematerial biológico, reagentes e equipamentos, devido ao custo elevado ou acesso restrito[5]. Como consequência, esta atividade acaba sendo banida da maioria das instituiçõespúblicas de ensino como escolas de nível fundamental e médio, assim como defaculdades e centros universitários [1].

Neste trabalho, um protocolo utilizado em aula prática para demonstrar os fatoresque afetam a integridade das biomembranas foi reformulado com o intuito de tornar estaatividade mais acessível e demonstrar como produtos utilizados no cotidiano podem seramplamente aplicados [6]. A escolha deste protocolo está relacionada à natureza abstratado conteúdo, além das metodologias utilizadas para o estudo das membranas geralmenterequererem equipamentos sofisticados e custos elevados, sendo necessárias iniciativaspara viabilizar à realização destas demonstrações. Como modelo experimental, foramutilizados cubos de beterraba. Além de ser acessível e adequado aos propósitos da aulaprática, este material possibilita ao aluno a observação de agentes que causam lesõesnas membranas pelo extravasamento do pigmento hidrossolúvel betacianina, armazenadonos vacúolos.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho é reformular um protocolo de aula práticacom o intuito de demonstrar a ação de agentes físicos e químicos sobre as membranasbiológicas, utilizando produtos presentes na vida cotidiana do aluno. A reformulação desteprotocolo não apenas viabiliza a realização de aulas práticas em condições maislimitadas, mas pode servir de modelo para a readequação de outros protocolos.

II. MATERIAIS E MÉTODOS

A aula prática foi proposta em baterias experimentais, avaliando a ação de fatoresfísicos e químicos sobre a permeabilidade das biomembranas. No primeiro momento, foiavaliado o efeito da temperatura, submetendo os cubos de beterraba ao calor e ao frio deforma isolada ou combinada. Posteriormente, foram utilizados produtos químicos

Page 3: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A3

rotineiramente usados como produtos de limpeza. Estas substâncias foram separadaspela sua natureza química em solventes orgânicos, substâncias polares e anfipáticas.

II.I EFEITO DA TEMPERATURA

Materiais

Para determinar o efeito da temperatura foram utilizados os seguintes materiais: Beterraba Estilete Pinça Fogareiro Placa de Petri Tubos de ensaio Pipetas graduadas Água destilada

Métodos

Organize uma bateria de tubos de ensaio numerados de acordo com a tabela 1 etransfira os volumes com o auxílio de pipetas.

Tabela 1. Preparação da prática para avaliação do efeito da temperatura.

Tubo Volume (5 mL) Tratamento

1 Água destilada 25 º C (controle)

2 Água destilada 100º C - 20 s (calor)

3 Água destilada -18º C - 15 min (frio)

4 Água destilada -18º C -15 min + 100 º C - 20 s (calor + frio)

Corte quatro cubos de beterraba e os lave em água corrente até a água ficarincolor;

Coloque um cubo no tubo 1 e outro no tubo 2, mantendo em repouso por 15 min; Coloque dois cubos sobre uma placa de Petri levando ao congelador (-18 ºC) por

15 min. Logo depois, transfira os cubos para os tubos 3 e 4; Exponha ao calor em banho fervente (100 ºC) os tubos 2 e 4, durante 20 s e resfrie

à temperatura ambiente; Observe e compare o extravasamento do pigmento.

II.II EFEITO DE SOLVENTES ORGÂNICOS

MateriaisPara testar o efeito dos solventes orgânicos, foram utilizados os seguintes

materiais e reagentes: Beterraba Estilete Pinça Tubos de ensaio Pipetas graduadas Filme de PVC Água destilada

Page 4: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A4

Acetona comercial (removedor de esmalte) Álcool comercial a 96º GL

Métodos

Organize uma bateria de tubos de ensaio numerados de acordo com a tabela 2 etransfira os volumes com o auxílio de pipetas.

Tabela 2. Preparação da prática para avaliação do efeito dos solventes.

Tubo Volume (5 gotas) Tubo Volume (5 mL)

1A Água destilada 1B Água destilada

2A Acetona comercial 2B Água destilada

3A Álcool comercial 3B Água destilada

Corte três cubos de beterraba e os lave em água corrente até a água ficar incolor; Coloque um cubo em cada um dos tubos 1A, 2A, 3A, vede com filme PVC e incube

à temperatura ambiente por 5 min; Em seguida, transfira os cubos para os tubos 1B, 2B e 3B; Observe e compare o extravasamento do pigmento.

II.III EFEITO DE SUBSTÂNCIAS POLARES E ANFIPÁTICAS

Materiais

Para verificar o efeito de substâncias polares e anfipáticas, foram utilizados osseguintes materiais e reagentes:

Beterraba Estilete Pinça Tubos de ensaio Pipetas graduadas Água destilada Desinfetante comercial 20% (v/v) Detergente comercial 10% (v/v) Água oxigenada comercial 10 volumes Água sanitária comercial 1:4 (v/v)

Métodos

Organize uma bateria de tubos de ensaio numerados de acordo com a tabela 3 etransfira os volumes com o auxílio de pipetas.

Tabela 3. Preparação da prática para avaliação do efeito de substâncias polares e anfipáticas.

Tubo Volume (5 mL) Tubo Volume (5 mL)

1C Água destilada 1D Água destilada

2C Desinfetante comercial 20% 2D

3C Detergente comercial 10% 3D Água destilada

4C Água oxigenada comercial 4D Água destilada

5C Água sanitária comercial 5D Água destilada

Page 5: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A5

Corte cinco cubos de beterraba e os lave em água corrente até a água ficar incolor; Coloque um cubo em cada um dos tubos 1C, 2C, 3C, 4C e 5C, incubando à

temperatura ambiente por 5 min; Em seguida, transfira os cubos para os tubos 1D, 2D, 3D, 4D e 5D; Observe e compare o extravasamento do pigmento.

III. RESULTADOS E DISCUSSÃO

No presente trabalho, pretende-se demonstrar que protocolos de aulas práticasrelativamente elaborados podem ser reformulados de modo a viabilizar a sua utilizaçãoem condições limitadas de reagentes e equipamentos. Neste sentido, são propostosmétodos acessíveis para ilustrar os efeitos de fatores físicos e químicos sobre asbiomembranas. O protocolo original sobre fatores que afetam a permeabilidade dasmembranas tem sido empregado em aulas práticas de Fisiologia Vegetal. Com areformulação, este protocolo pode ser empregado na ilustração de fenômenosrelacionados a outras disciplinas, como a Biologia Celular e a Bioquímica. Além disso, aexecução desta prática permite o ensino do método científico e o desenvolvimento dediversas habilidades de manipulação e interpretação.

O efeito dos diferentes agentes químicos e físicos sobre as membranas é estimadoa partir do extravasamento de betacianinas, que são pigmentos hidrossolúveis contidosnos vacúolos das células de beterraba [13]. Para que haja o extravasamento dasbetacianinas, é necessário romper a membrana plasmática e a vacuolar das células debeterraba, caracterizando danos de membranas [14].

III.II EFEITO DA TEMPERATURA

O efeito da temperatura sobre as membranas biológicas pode ser testado de formasimples, utilizando equipamentos comuns e facilmente disponíveis, como lamparina egeladeira. A exposição dos fragmentos de beterraba ao calor (100 °C) causou danos demembrana progressivos, à medida que aumentava o tempo de exposição (10, 15 e 20 s).Os danos causados pelo calor são consequências da desorganização das biomoléculasque as compõem [14]. Desta forma, o calor promove o aumento na mobilidade doslipídeos de membrana, assim como a desnaturação das proteínas associadas, permitindoassim, o extravasamento das betacianinas para o meio externo [9,11,12].

O aumento do tempo de exposição ao frio (10, 15 e 20 min) também ocasionoudanos progressivos nas membranas, indicados pelo aumento do extravasamento dasbetacianinas. O frio é capaz de promover a formação de cristais de gelo no meiointracelular, os quais podem causar rupturas nas membranas durante o descongelamento[10,13].

O efeito combinado de baixa e alta temperatura acarreta o aumento dos danos demembrana e intensifica o extravasamento de betacianinas (Figura 1). A combinação defrio (-18 °C) e calor (100 °C) por tempos de 20 min e 20 s, respectivamente, foi suficientepara causar mais danos do que os tratamentos aplicados isoladamente. Além disso, énotável que um menor tempo de exposição ao calor causa mais danos às membranasque um maior tempo de tratamento com frio, pois os efeitos do calor são mais drásticos[14].

Page 6: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A6

Figura 1: Efeito de fatores físicos sobre a integridade de biomembranas em tecidos de beterraba. (a)Controle (temperatura ambiente); (b) Calor (100 °C); (c) Frio (-18 °C); (d) Calor e frio.

III.II EFEITO DE SOLVENTES ORGÂNICOS

Assim como os fatores físicos, solventes orgânicos causam oextravasamento das betacianinas para o meio externo, por meio de danos na membranaplasmática e na membrana vacuolar [13-14]. Para avaliar o efeito destes solventes, foramselecionadas duas substâncias, álcool e acetona comerciais, ambas facilmenteencontradas em drogarias. Dentre os agentes químicos, estes foram os que maisafetaram a integridade das membranas, provocando maiores danos (Figura 2).

A acetona e o álcool são solventes que apresentam caráter hidrofóbico e agemsolubilizando as caudas de ácidos graxos dos lipídeos e desnaturando as proteínasassociadas, pois são capazes de interferir nas interações hidrofóbicas que dãoestabilidade a estes componentes nas membranas [11-12]. Por apresentar caráter maishidrofóbico do que o álcool, a acetona teve maior efeito sobre as membranas,aumentando assim os danos observados (Figura 2).

Figura 2: Efeito de solventes orgânicos apolares sobre a integridade de biomembranas em tecidos debeterraba. (a) Controle (água destilada); (b) Acetona comercial; (c) Álcool comercial 70% (v/v).

Page 7: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A7

III.III EFEITO DE SUBSTÂNCIAS ANFIPÁTICAS E POLARES

O efeito de substâncias anfipáticas e polares pode ser facilmente demonstradoutilizando substâncias encontradas em supermercados e farmácias, como desinfetantecomercial à base de detergente, detergente comum, água oxigenada e água sanitáriacomercial.

São denominadas anfipáticas as substâncias que possuem uma porção hidrofílica(com afinidade pela água) e uma porção hidrofóbica (sem afinidade pela água) [12]. Aporção hidrofóbica do detergente se intercala entre os lipídeos de membrana e causa aformação de micelas, o que destrói a integridade da membrana. Além disso, a porçãohidrofóbica dos detergentes é capaz de se ligar com as regiões hidrofóbicas das proteínasde membrana, formando complexos detergente-proteína [9]. Já a porção hidrofílica, queno caso do detergente e do desinfetante é iônica, causa desnaturação de diversasproteínas de membrana, o que também afeta a integridade das membranas [9]. Como oefeito do detergente e do desinfetante é similar (Figura 3), pode-se atribuir o maiorextravasamento de betacianinas provocado pelo desinfetante ao fato de esse possuir emsua composição tensoativos não iônicos, além do princípio ativo (compostos quaternáriosde amônio), que também atua na desorganização das membranas.

Em comparação com os demais tratamentos, as substâncias exclusivamentepolares, como o peróxido de hidrogênio e o hipoclorito de sódio, aparentemente causaramos menores danos às membranas (Figura 3). Tendo em vista que estes compostos sãoagentes oxidantes capazes de danificar tanto as proteínas quanto os lipídios demembrana [12], seria esperado que provocassem elevado extravasamento. No entanto, acoloração menos intensa do meio de reação não necessariamente indica menor extensãode danos às membranas. Considerando que as betacianinas podem ser degradadas napresença de agentes oxidantes [15], a interpretação do dano causado às membranas combase na coloração do meio de reação deve ser cautelosa.

Figura 3: Efeito de substâncias anfipáticas e polares sobre a integridade de biomembranas em tecidos debeterraba. (a) Controle (água destilada); (b) Desinfetante comercial à base de detergente 20% (v/v); (c)Detergente comercial 10% (v/v); (d) Água oxigenada comercial (10 volumes); (e) Água sanitária comercial1:4 (v/v).

Page 8: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A8

III.IV APLICAÇÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS.

O desenvolvimento desta atividade prática permite que o aluno desenvolvahabilidades, como o manuseio de equipamentos e utensílios, e competências, comocapacidade de organização, trabalho em grupo e capacidade de desenvolver opensamento lógico, observando um fenômeno e formulando algumas hipóteses. Alémdisso, por ser uma atividade em laboratório, proporciona o exercício de uma posturaprofissional, a qual é exigida pelo ambiente de trabalho.

Durante a aula prática é necessário direcionar a atividade dos alunos, afim deaumentar a fixação de conceitos importantes, por meio de questões pertinentes queincitem a curiosidade. Desta forma, sugerimos questões que podem ser utilizadas peloprofessor ao final ou durante a aula prática. Neste sentido, é interessante que as questõesabranjam desde os conceitos mais básicos até possíveis aplicações do conhecimentoapreendido. São elas:

1. Por que a exposição a temperaturas elevadas (100º C) causa danos àsmembranas mais rapidamente do que a exposição a temperaturas mais baixas (-18º C)?

2. Que relação pode ser observada entre a hidrofobicidade do composto e suacapacidade de causar danos às membranas?

3. O que são substâncias anfipáticas e de que forma elas podem atuar sobreas membranas?

4. Como os diferentes desinfetantes (álcool, desinfetante comercial, águasanitária e água oxigenada) demonstrados atuam para eliminar microorganismos?

5. De que forma os agentes oxidantes podem lesar os tecidos? Considerandoque muitas células eucarióticas produzem alguns destes agentes durante o metabolismo,por que não sofrem lesões constantes?

As questões iniciais (1 a 3) visam fixar alguns conceitos e mecanismos importantescontemplados na atividade, como a capacidade do calor de desorganizar membranas; arelação entre hidrofobicidade do composto e sua capacidade de solubilizar os lipídeos demembrana; e o conceito de substâncias anfipáticas. Já as questões seguintes (4 e 5)visam levar o aluno a estabelecer relações, como a capacidade das substânciascausarem danos à membrana com sua propriedade antimicrobiana.

IV. CONCLUSÃO

Concluímos que a reformulação do protocolo sobre fatores que afetam aintegridade das biomembranas com o uso de reagentes simples, baratos e encontradosna vida cotidiana do aluno, foi capaz de representar com clareza o efeito produzidofatores químicos e físicos testados. Além disso, a reformulação deste protocolo ampliouos tipos de materiais que podem ser utilizados e as áreas do conhecimento nas quaispode ser aplicado, viabilizando a realização desta prática em espaços didáticos comcondições limitadas.

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] T.C. Orlando, A.R. Lima, A.M. Silva, C.N. Fuzissaki, C.L. Ramos, D. Machado, F.F.Fernandes, J.C.C. Lorenzi, M.A. Lima, S. Gardim, V.C. Barbosa, T.A. Tréz (2009)Planejamento, montagem e aplicação de modelos didáticos para abordagem de Biologiacelular e molecular no ensino médio por graduandos de ciências biológicas, RevistaBrasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular. 1, 1-17. [2] A.F. Campos, C.A.C. Marcelino Jr., R.M.N. Barbosa, A.R. Tavares (2004) Determinaçãode cloreto de sódio em atriplex: uma atividade experimental para os cursos de ciênciasbiológica. Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular. 1, 1677-2318.

Page 9: PROTOCOLO ACESSÍVEL PARA AULA PRÁTICA SOBRE …

Galvão, T. B.; Ferreira, D. A. N. M.; Carvalho, L. E. F.; Rezende, N. C. C.; Voigt, E. L. A9

[3] S.P. Carneiro, J. Silva (2007) O teste Allium cepa no ensino de Biologia Celular: umestudo de caso com alunos da graduação. Acta Scientiae. 2, 122-130.

[4] M. Marandino (2003) A prática de ensino nas licenciaturas e a pesquisa em ensino deCiências: questões atuais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física. 20, 168-193.

[5] A.T. Borges (2002) Novos Rumos para o Laboratório Escolar de Ciências. CadernoBrasileiro de Ensino de Física. 19, 291-313.

[6] T. Goldbach, N.R.P. Papoula, R.C. Sardinha, F.P. Dysarz, B. Capilé (2009) Atividadespráticas em livros didáticos atuais de Biologia: investigações e reflexões. RevistaPerspectivas da Ciência e Tecnologia. 1, 63-74.

[7] J.M. Mello, M.A.A. Dagostin, A.L.A. Dagostin, M.K. Kadowaki, R.M.C. Brancalhão(2007) Modelo didático para compreensão da estrutura da proteína. Arquivos do Mudi. 11,49-52.

[8] L.M. Zago, A.C. Gomes, H.A. Ferreira, N.S. Soares, C.A. Gonçalves (2007)Fotossíntese: uma proposta de aula investigativa. Revista Brasileira de Biociências. 5,759-761.

[9] B. Alberts, A. Johnson, J. Lewis, M. Raff, K. Roberts, P. Walter (2010) BiologiaMolecular da Célula, 5th ed., Artmed, Porto Alegre.

[10] R.D. Castro, K.J. Bradford, H.W.M. Hilhorst, in A. G. Ferreira, F. Borghetti, Eds. (2004)Germinação: do básico ao aplicado, Artmed, Porto Alegre, pp. 152-153.

[11] H. Lodish, A. Berk, P. Matsudaira, C.A. Kaiser, M. Krieger, M.P. Scott, L. Zipursky, J.Darnell (2005) Biologia Celular e Molecular, 5 ed., Artmed, Porto Alegre.

[12] D.L. Nelson, M. M. Cox (2008) Lehninger Principles of Biochemistry, 5th ed., W. H.Freeman, New York.

[13] L. Taiz, E. Zeiger (2006) Plant Physiology, 3rd ed., Sinauer Associates,Massachusetts.

[14] D.E. Vance, J.E. Vance (2008) Biochemistry of Lipids, Lipoproteins andMembranes, 5th ed., Elsevier, Edmonton.

[15] B. P. Wasserman, L. L. Eiberger, M. P. GUILFOY (1984) Effect of hydrogen peroxideand phenolic compounds on horseradish peroxidase-catalyzed decolorization of betalainpigments. Journal of Food Science. 49, 536–538.