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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino, na Pesquisa e na Extensão Região Sul 1 PROJETOS DE INTEGRAÇÃO TRANSDISCIPLINAR NO ÂMBITO UNIVERSITÁRIO: experiência do NMD/UFSC Carolina Cavalcanti do Nascimento UFSC [email protected] Kátia Maria Zgoda Parizotto UFSC - [email protected] RESUMO A universidade precisa estar atenta à discussão acerca dos desafios educacionais que se estabelecem frente à crise socioambiental à luz do Pensamento Complexo-Sistêmico. Portanto, é urgente propor, através do tripé ensino-pesquisa-extensão, alternativas a essas questões elaborando “estratégias de integração decididamente inter e transdisciplinar de produção e democratização do conhecimento técnico-científico” (FONTAN, VIEIRA, 2011, p. 20). O artigo propõe uma reflexão sobre a atuação universitária, desafios e limitações, a partir das ações desenvolvidas pelo Projeto Experimental de Educação para o Ecodesenvolvimento na Zona Costeira Catarinense na comunidade de Ibiraquera, no município de Imbituba, e conduzido pelo Núcleo Transdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Discute as limitações e os desafios enfrentados ao desenvolver projetos de integração transdisciplinar no âmbito universitário a partir do enfoque de Educação para o Ecodesenvolvimento. Procura contribuir para o debate sobre as condições efetivas de propostas de integração transdisciplinar no âmbito universitário, apontando as limitações envolvidas e as possíveis contribuições da universidade para seu avanço. Destaca ainda a relevância de uma experiência de construção coletiva da incipiente linha de pesquisa sobre antropoformação transdisciplinar que, atualmente, permanece marginal na dinâmica de atuação das instituições de ensino superior do País como a desenvolvida por estudantes de graduação e pós-graduação, vinculados ao NMD/UFSC. Palavras-chave: Universidade; Educação para o Ecodesenvolvimento; Integração Transdisciplinar. Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade

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Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no

Ensino, na Pesquisa e na Extensão – Região Sul

1

PROJETOS DE INTEGRAÇÃO TRANSDISCIPLINAR NO ÂMBITO

UNIVERSITÁRIO: experiência do NMD/UFSC

Carolina Cavalcanti do Nascimento UFSC – [email protected]

Kátia Maria Zgoda Parizotto UFSC - [email protected]

RESUMO

A universidade precisa estar atenta à discussão acerca dos desafios educacionais que se estabelecem

frente à crise socioambiental à luz do Pensamento Complexo-Sistêmico. Portanto, é urgente propor, através

do tripé ensino-pesquisa-extensão, alternativas a essas questões elaborando “estratégias de integração

decididamente inter e transdisciplinar de produção e democratização do conhecimento técnico-científico”

(FONTAN, VIEIRA, 2011, p. 20). O artigo propõe uma reflexão sobre a atuação universitária, desafios e

limitações, a partir das ações desenvolvidas pelo Projeto Experimental de Educação para o

Ecodesenvolvimento na Zona Costeira Catarinense na comunidade de Ibiraquera, no município de Imbituba,

e conduzido pelo Núcleo Transdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC). Discute as limitações e os desafios enfrentados ao desenvolver projetos

de integração transdisciplinar no âmbito universitário a partir do enfoque de Educação para o

Ecodesenvolvimento. Procura contribuir para o debate sobre as condições efetivas de propostas de

integração transdisciplinar no âmbito universitário, apontando as limitações envolvidas e as possíveis

contribuições da universidade para seu avanço. Destaca ainda a relevância de uma experiência de construção

coletiva da incipiente linha de pesquisa sobre antropoformação transdisciplinar que, atualmente, permanece

marginal na dinâmica de atuação das instituições de ensino superior do País como a desenvolvida por

estudantes de graduação e pós-graduação, vinculados ao NMD/UFSC.

Palavras-chave: Universidade; Educação para o Ecodesenvolvimento; Integração Transdisciplinar.

Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade

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1. Crise socioambiental e a universidade: reflexões preliminares

1.1. Pressupostos da crise socioambiental

A humanidade, atualmente, depara-se com complexos e graves problemas socioambientais. Vivemos

uma situação de crise socioambiental sem precedentes, na qual se multiplicam os riscos ambientais que nos

apontam para a necessidade de entendermos as características, limites e transformações das sociedades

modernas. A grande questão que se incorpora ao debate é a viabilidade da existência humana a partir de um

sistema que mantém e privilegia a alienação, a destruição da natureza e a acumulação de riquezas.

Alguns movimentos da sociedade e instituições, entre elas a Universidade, passam a reconhecer que

existem limites para as relações materiais e energéticas que se estabelecem entre sociedade e natureza para

manter a produção e oferta de mercadorias nos moldes do modelo hegemônico, atualmente, consideradas

essenciais pelo sistema econômico capitalista para a reprodução e legitimação de relações sociais desiguais.

A grande questão aqui é: como sustentar o padrão de vida de alguns, em detrimento das péssimas

condições de vida de outros, mantendo o uso abusivo dos recursos da natureza? Essa é uma questão que se

torna eticamente abominável e materialmente insuportável, uma vez que a riqueza de poucos acentua, de

forma reversa, a pobreza de muitos (LOUREIRO, 2011).

A crise socioambiental vivenciada pela sociedade moderna é, sem dúvida, uma crise civilizatória. É

uma crise da própria humanidade. É principalmente uma crise estabelecida por um sistema econômico

perverso (BOFF, 2012; VIEIRA, 2007). Uma crise configurada pelo esgotamento do estilo hegemônico de

desenvolvimento global e acentuada por atividades econômicas pensadas a partir de uma lógica

individualista, materialista e acumulativa que desconsidera tanto os aspectos sociais quanto os ambientais

em suas relações.

Boff (2011) defende que esta é uma crise terminal do capitalismo ao mesmo tempo em que estremece

estruturas conjunturais. O fortalecimento desta crise está baseado, segundo o autor, em duas premissas. A

primeira é de que ela é terminal, tanto para a humanidade quanto para o capitalismo por estarem ambos se

aproximando vertiginosamente dos limites planetários em que ocupações e depredações afetam o sutil

equilíbrio da Terra, exaurindo seus bens e serviços. Não pode o capitalismo se reproduzir sem a natureza. O

atual sistema usa de forma indistinta os recursos naturais e a força de trabalho dos cidadãos.

A segunda premissa, apontada por Boff, está relacionada às questões humanitárias impostas pelo

capitalismo, uma vez que não pode resolver os problemas financeiros a partir do desmonte de toda uma

sociedade – considerando que a mesma não aceita mais a lógica perversa imposta pelo sistema sob a forma

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de uma ditadura econômica que submete de forma indistinta os Estados aos interesses dos capitais

especulativos. “A crise ecológica não é apenas um resultado „indesejado‟ do modelo, é o desencontro dos

mortais com suas raízes.” (LEIS e D‟AMATO, 2009, p. 83).

Fica evidente que a sociedade não percebe de forma nítida a dimensão desta crise, mas seria ingênuo

responsabilizar apenas a essência humana por este grave problema. São as relações sociais determinadas

pelo modelo hegemônico de economia que acabam por determinar as formas de uso e de apropriação da

natureza. Apropriação essa que está pautada, principalmente, na exploração intensa dos recursos naturais

vitais ainda disponíveis (LOUREIRO, 2011).

A falta de consciência da sociedade sobre as implicações do modelo econômico tornam o caminho

rumo a um desenvolvimento mais durável cheio de obstáculos. É comum o discurso que alega, em nome da

obtenção e acumulação de capital, que se justificam as medidas de segregação espacial, de degradação

ambiental e de desarticulação política que enfraquece as populações mais empobrecidas. São problemas

recorrentes e associados ao fenômeno de degradação ambiental o uso predatório dos recursos naturais, a

perda intensiva da biodiversidade, a explosão demográfica, a hiperurbanização, a industrialização poluente e

assimetrias nas relações norte-sul, o desmatamento, entre outros. É preciso, em contraposição a esta

corrente, defender a inclusão da noção de justiça ambiental e privilegiar a busca da produção, da

distribuição e da reprodução dos múltiplos atributos de um ambiente com qualidade para todos

(ACSELRAD, 2001; VIEIRA, 2007).

Um esforço inicial em reconhecer os limites do crescimento material do planeta, a partir da pesquisa

sistêmica, foi empreendido no final do século 1960 pela equipe de Dennis Meadows que, em seu relatório,

destacaram o aspecto interdependente dos impactos destrutivos gerados pela ação do ser humano sobre os

sistemas socioecológicos e as ameaças diretas as precondições de sobrevivência das espécies no longo prazo

(VIEIRA, BERKES, SEIXAS, 2005, p. 24).

É preciso um agir complexo para superar a crise planetária. Num primeiro momento é preciso

restaurar os sistemas ambientais afetados e depois mobilizar as sociedades para o exercício de mudança.

Uma mudança que vai além do social, implica na elaboração de um novo modelo que supere o vigente e

assegure a manutenção e expansão dos valores de democracia participativa, tão necessária para o

enfrentamento da crise que presenciamos.

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1.2. Noções sobre o Ecodesenvolvimento

Foi na busca de formas de enfrentamento da crise socioambiental planetária que cientistas passaram a

buscar uma redefinição dos estilos de desenvolvimento para os hemisférios Norte e Sul e das formas de

organização que estão a eles associadas. Em decorrência desta preocupação, surge o termo

ecodesenvolvimento apresentado por Maurice Strong na Conferência de Estocolmo, em 1972, numa alusão a

necessidade de se repensar o modelo econômico vigente e a participação da sociedade em processos de

elaboração de políticas públicas. Este conceito foi retomado e ampliado por Ignacy Sachs, ainda na década

de 1970, em um estudo que foi realizado no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

– PNUMA (SACHS, 2007).

Ecodesenvolvimento é interpretado como uma nova teoria, um novo paradigma científico, que

reformula a maneira de pensar o desenvolvimento incorporando o fator social, cultural, ambiental e histórico

das sociedades. Procura re-estabelecer a harmonia entre o desejo de desenvolvimento das sociedades e o

meio ambiente perdido durante o processo de evolução e industrialização da sociedade moderna. Seu

conceito “emergiu e se disseminou como expressão crítica radical da civilização industrial-tecnológica –

herdeira de uma visão cartesiana do mundo e impulsionada pela ideologia economicista.” (VIEIRA, 1999).

Vieira esclarece que o ecodesenvolvimento aponta para um novo estilo de desenvolvimento ao

mesmo tempo em que apresenta um novo enfoque simultaneamente preventivo e proativo de planejamento e

gestão. Esse enfoque está baseado no princípio participativo para o fortalecimento do planejamento.

Participação que deve acontecer em todos os estágios do planejamento com amplo envolvimento das

comunidades que devem agir em oposição à manipulação casuística de recursos humanos tão comuns nos

processos de implantação de programas de desenvolvimento e impostos à população de forma muitas vezes

autoritária. A participação, no ecodesenvolvimento, é pressuposto decisivo para o fortalecimento de sistemas

comunitários de gestão de recursos comuns (VIEIRA, 2007; 2009).

Em seus pressupostos éticos o ecodesenvolvimento defende a interdependência entre o atendimento

das necessidades fundamentais dos seres humanos, a promoção da self-reliance das populações envolvidas e

o fortalecimento da prudência ecológica. O termo self-reliance não deve ser entendido ingenuamente como

sinônimo de autossuficiência ou autoconfiança. Antes sua interpretação deve priorizar a noção de ser em si

uma opção consciente por uma estratégia de regeneração do tecido cultural em contraposição à síndrome da

dominação-dependência (VIEIRA, 2007).

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O planejamento e a gestão de estratégias de desenvolvimento, neste enfoque, possuem como

característica a tomada de decisão de longo prazo com visão prospectiva de criação de cenários futuros

desejados. Os cenários e diagnósticos propostos por esse enfoque devem “levar em conta a gestão da

tecnologia, o abastecimento de matérias-primas, a gestão de recursos naturais de uso comum, o suprimento

energético, e a organização territorial das atividades produtivas.” (VIEIRA, 2007, p. 14).

Em resumo, ecodesenvolvimento é:

Uma abordagem de planejamento e gestão de estratégias alternativas de desenvolvimento inspiradas

na busca de harmonização das dimensões social, econômica e ecológica. Distinguimos esta

abordagem da interpretação dominante do conceito de desenvolvimento sustentável, que subordina a

ecologia à economia e tende a colocar em segundo plano o imperativo de priorizar o atendimento das

necessidades básicas das coletividades locais. (VIEIRA, 2011, p. 14)

O ecodesenvolvimento procura oferecer respostas aos problemas e aspirações das comunidades,

potencializando a utilização dos recursos ociosos e a liberação de energia social. Em se tratando de respostas

aos problemas locais esse enfoque, no campo cientifico, procura privilegiar necessariamente ações

transdisciplinares que dêem ênfase a pesquisa-ação de corte sistêmico e que integre conhecimento cientifico

e saber local nas diferentes esferas do planejamento territorial.

Sua função principal é dotar os cidadãos para o enfrentamento da crise socioambiental e dos riscos

advindos do „mau desenvolvimento‟ (SACHS, 1974; VIEIRA, 2011). Para seus defensores, o sucesso da

proposta está condicionado à necessidade de acontecer uma reforma profunda da educação atual e para tanto

sugere que se conceitue de forma clara o que se pretende com a educação para o ecodesenvolvimento.

É importante ressaltar que para esse enfoque a educação é uma premissa, ou seja, não poderá existir

ecodesenvolvimento sem educação para o ecodesenvolvimento. (SACHS, 1980, 2007; VIEIRA, 1999). Esta

proposta está centrada na construção de processos educativos pautados nos princípios de igualdade,

participação, pluralismo, promoção da descentralização e do empoderamento em todos os níveis da

sociedade. Empoderamento daqueles que são marginalizados e que se refletirá com “o enganjamento crítico

dos cidadãos em ações geradoras de novos tipos de saber, de novas práticas e de novos padrões de

organização da vida coletiva no nível local/territorial” (VIEIRA, 2011, p. 22).

Atualmente, o enfoque de Educação para o Ecodesenvolvimento (EPE) vem se configurando como

uma alternativa de educação voltada para o desenvolvimento local, considerando o panorama de crise

socioambiental de escopo global. Trata-se de uma revisão drástica dos paradigmas educacionais instituídos,

das estratégias e situações concretas de ensino-aprendizagem, a partir do pensamento complexo-sistêmico,

diante da problemática contemporânea do meio ambiente e do desenvolvimento (NASCIMENTO, 2013).

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Os pressupostos que fundamentam a educação para o ecodesenvolvimento e as estratégias de ação do

NMD/UFSC, são: (i) fomentação de novos projetos de sociedade e de civilização; (ii) recriação dos sistemas

educacionais formais e informais; e (iii) elaboração e fomentação de novos projetos político-pedagógicos,

tanto no Ensino Básico quanto no Ensino Superior. Cabe ressaltar que todos estes pressupostos citados estão

baseados em uma visão de mundo co-construída, sistêmica e nas relações interdependentes entre sujeito-

objeto.

Neste sentido, de acordo com Vieira (1999) entre os princípios básicos que fundamentam a EPE e

condicionante para um papel mais proativo da Universidade está a necessidade da integração progressiva de

conteúdos fragmentados, através da integração inter e transdisciplinar.

A perspectiva transdisciplinar, em especial, é uma modalidade interativa e comunicativa de se fazer

pesquisa socioecológica. Ela incorpora práticas da pesquisa-ação num processo de aprendizagem recíproco

envolvendo os diversos atores do contexto sociocultural no local onde os problemas estudados afetam a

comunidade como um todo. Tais grupos de aprendizagem envolvidos em ações de ensaio e erro e que

integram cientistas, leigos, tecnólogos são chamados de comunidades de aprendizagem. (SAUVÉ, 1997 e

2001; VIEIRA, BERKES, SEIXAS, 2005).

1.3. Refletindo o papel da Universidade

O paradigma científico analítico-reducionista, hegemônico na Universidade, está comprometido com

um estilo de desenvolvimento ambientalmente degradante e socialmente excludente e vem inviabilizando a

compreensão dos problemas socioambientais em sua complexidade e interdependência. Através de seu

princípio fragmentador segrega o conhecimento em várias disciplinas e reproduz a relação dual entre homem

e natureza, teoria e prática, saber científico e saber tradicional.

A crise ecológica exige transformações substanciais das universidades pelos seus sistemas instituídos

de ciência, tecnologia e inovação. É preciso que as universidades atuem no sentido de reforçar o potencial

existente nas sociedades contemporâneas de se renovar ou de se reeducar mesmo que esse processo de

antropoformação ainda represente um grande desafio diante do paradigma científico hegemônico. A

pesquisa, principalmente através da inovação – inter e transdisciplinar - dos programas de pós-graduação, é

a mola propulsora para o progresso do conhecimento numa perspectiva de longo prazo. As pesquisas

deverão desenvolver sua capacidade de previsão mediante a análise de cenários e tendências sociais que

possam surgir. O ensino superior deverá dar atenção especial ao conhecimento de questões fundamentais das

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sociedades modernas como a eliminação da pobreza, o desenvolvimento sustentável, o diálogo intercultural

e a construção de uma cultura de paz. (FONTAN e VIEIRA, 2011; NASCIMENTO, 2013)

A Universidade precisa estar atenta à discussão acerca dos desafios educacionais que se estabelecem

frente à crise socioambiental e à luz do Pensamento Complexo-Sistêmico. A Universidade tem um papel

importante no desenvolvimento das sociedades contemporâneas. “A transdisciplinaridade indica o

movimento epistemológico que mais nos mobiliza atualmente e que, em nossa opinião, coloca o movimento

sistêmico em relação com o do pensamento complexo” (PINEAU, 2005, p. 110).

Para Gaëtan Tremblay (2011) tanto a extensão universitária quanto o pensar e o agir para o

desenvolvimento territorial local são questões negligenciadas pelos estudos acadêmicos. Portanto, a

universidade deve estar atenta às questões referentes à sociedade e ao meio ambiente e propor, através do

ensino, pesquisa e extensão, alternativas a essas questões elaborando “estratégias de integração

decididamente inter e transdisciplinar de produção e democratização do conhecimento técnico-científico”

(FONTAN, VIEIRA, 2011, p. 20). Sua capacidade de colaborar na elaboração de um novo estilo de

desenvolvimento local não tem sido explorada. A questão primordial é, sem dúvida, “fomentar uma revisão

em profundidade das práticas universitárias convencionais de ensino, pesquisa e extensão.” (VIEIRA et al,

2011, p. 261)

Para mudar as relações dos seres humanos com a natureza é preciso transformar a cultura de uma

sociedade. É preciso mudanças nos valores, nas atitudes e nos comportamentos dos seus atores sociais. O

modelo cartesiano de educação, tradicionalmente dividido por disciplinas que não se comunicam, contribui

para a falta de compreensão da complexidade do conhecimento e do mundo. Passamos a compreender

apenas pequenos pedaços da realidade e não a sua totalidade.

E a complexidade dos problemas socioambientais que obriga o pesquisador/educador a buscar uma

aproximação com a Transdisciplinaridade. Nicolescu (1999) afirma que a transdisciplinaridade aponta para

aquilo que está ao mesmo tempo entre, através e além das diferentes disciplinas e sugere que deve existir um

diálogo aberto sobre as descobertas cientificas entre as diferentes áreas.

É a corrente transdisciplinar que poderá traçar um novo caminho para o Ensino Superior nos

diferentes países do mundo. É preciso que as universidades, que desejarem desenvolver-se, devem redefinir

as relações entre as disciplinas e os novos modelos de integração de saberes.

A inserção da integração transdisciplinar a partir do pensamento complexo-sistêmico ainda é

incipiente e marginal nos ambientes de ensino formal mesmo com o aparente crescimento das preocupações

com o meio ambiente nos últimos anos, devido à gravidade e à complexidade dos problemas

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socioambientais devido ao aumento da crise planetária (PINEAU, 2005; SOMMERMAN, 2003;

NASCIMENTO, 2013).

É um novo paradigma para tratar dos problemas pós-modernos. Porque a sociedade moderna se

desenvolveu com as disciplinas e estas são sempre necessárias, mas não são suficientes, há novos

problemas que as transbordam. Se as universidades querem desenvolver-se, devem estar abertas a este

movimento para tratar as relações entre as disciplinas e fora das mesmas. Mas levará o seu tempo. As

revoluções científicas levam várias gerações. Estamos numa situação de transição entre os velhos

modelos e os novos que emergem, mas se estenderá por várias gerações. Contudo, é o que me parece

interessante, porque há que construir, criar os instrumentos de construção (PINEAU, 2010, s.p.).

De acordo com Thiollent (2008), propostas de pesquisa alternativa, como a pesquisa-ação, podem vir

a desempenhar um importante papel nos estudos, na aprendizagem dos pesquisadores e de todas as pessoas

ou grupos implicados em situações problemáticas. Isto tendo em vista que um dos seus objetivos consiste

em dar aos pesquisadores e grupos de participantes os meios de se tornarem capazes de responder com

maior eficiência aos problemas da situação em que vivem, em particular sob a forma de diretrizes de ação

transformadora.

As abordagens de pesquisa-ação e de movimento sistêmico nasceram polemicamente da herança da

pesquisa educativa normal e das pressões de novos problemas educativos. Elas emergem nas turbulências de

uma crise paradigmática, na qual se entrechocam antigos modelos educativos mais ou menos anacrônicos e

germes de novos modelos, em diferentes estados de gestação. Essa situação turva abala os hábitos, as

profissões e as instituições estabelecidas de pesquisa (PINEAU, 2005).

Josso (1991) destaca, como característica dessa proposta metodológica, o sentido de “experiência”: a

pesquisa-ação e a pesquisa-formação geram uma experiência que apresenta uma natureza específica. Se, no

positivismo, encontramos uma separação entre sujeito e objeto, na perspectiva que analisamos, é no

movimento intersubjetivo, no encontro e na partilha do processo de investigação, que o conhecimento é

produzido e, assim, a pesquisa-ação-formação assenta-se sob uma experiência existencial que produz

conscientização.

A crise do paradigma da “conscientização” levou à procura e formas para transcendê-lo [...] A pedra

filosofal de transcendência de um paradigma a outro radicou-se na ideia de que o conhecimento para a

transformação social não se radicava na formação libertadora da consciência, mas na prática dessa

consciência. Além disso [...], dessa passagem e desse sentir da práxis também se produzem um saber

e um conhecimento científicos. Até este momento, estabelecia-se nas ciências sociais uma diferença

taxativa entre teoria, de um lado, e prática, de outro. Havia uma tendência para definir a ciência como

pura e aplicada. Reconhecia-se certa relação entre uma e outra, no sentido de que a teoria permitiria

maior eficácia da prática, que prática se inspiraria na teoria e, desse modo, que essa combinação faria avançar o conhecimento científico. Foi essa possibilidade que, em minha opinião, permitiu superar as

dificuldades ideológicas e políticas do paradigma da conscientização. Durante aqueles primeiros anos

da década de setenta, esta passagem foi denominada investigação-ação (BORDA, 1981, 163).

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O postulado da pesquisa-ação-formação é, pois, de que a intensidade dessa experiência pode produzir

conscientização, como processo que não pode ser ensinado, mas que é vivido de maneira muito pessoal pelo

sujeito: um movimento que leva à busca de transformação. Essa perspectiva de investigação não nega o

carácter científico, mas considera as múltiplas dimensões implicadas na pesquisa (JOSSO, 1991).

De acordo com Bragança e Oliveira (2011), em contexto de interação efetivamente humana, o

desenvolvimento do trabalho de investigação produz, assim, um movimento de formação, de

autodesenvolvimento para o investigador e para os que participam como sujeitos da pesquisa. A pesquisa-

ação-formação implica uma experiência significativa de articulação de saberes, não busca a produção de um

saber dicotomizado, que futuramente “poderá ser aplicado” socialmente, mas o desenvolvimento da pesquisa

pressupõe a mobilização de saberes, experiências e práxis vitais.

Segundo Pineau (2005), parece existir uma massa crítica de novos atores sociais que se sentem

responsáveis pela função pesquisa em formação. E essa massa crítica pode ser vista como emergência de

uma nova força paradigmática, cuja pressão ainda pode aumentar. Esses novos atores de pesquisa

introduzem, além de sua pessoa, suas preocupações e seus problemas, que se traduzem em objetos de

pesquisa, que ultrapassam largamente o campo educativo habitual. Mas, de maneira muito menos

perceptível, conforme as visões recebidas, esses objetos também projetam a pesquisa numa vertente não

instituída da formação: aquela que chamamos, de maneira residual, indiferenciada e um pouco negativa, de

formação in ou não formal.

Neste sentido, na pesquisa-ação-formação, os pesquisadores não são mais apenas os profissionais

especializados da pesquisa, nem os professores-pesquisadores universitários, mas também responsáveis por

formação e consultores, que produzem novos saberes próximos às intervenções. Além disso, a função da

pesquisa estende a todo sujeito querendo se formar, mais pela produção do que pelo consumo de saber

(PINEAU, 2005).

A metodologia de pesquisa-ação-formação possibilita o processo de antropoformação

transdisciplinar1 que propulsa, como horizonte, um objetivo ambicioso, mas necessário. Ele lança, num

período de transição paradigmática incerta e propícia ao desenvolvimento – mesmo proliferante – novos

traços de união entre pesquisa-ação-formação por todos e para todos (PINEAU, 2005).

1 O conceito de ecoformação transdisciplinar ou antropoformação transdisciplinar foi desenvolvido com o objetivo de dar conta

dos movimentos centrípetos paradoxais, que tentam unificar os movimentos de personalização, socialização e ecológicos de fortes

tendências centrífugas. Os três movimentos são expressos a partir dos conceitos de autoformação, heteroformação e ecoformação,

respectivamente. A autoformação tem em conta o polo do sujeito, remetendo à formação de si por si e para si; a heteroformação é

o polo social da formação; e a ecoformação apareceu progressivamente com a re-inclusão de uma terceira dimensão excluída durante muito tempo - a eco - e que contribui para a formação (PINEAU, 2010).

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Porém, o paradigma antropoformador de pesquisa-ação-formação transdisciplinar ainda não é

entendido como uma necessidade pelas comunidades acadêmicas apesar de que as experiências

transdisciplinares, forjadas na pesquisa-ação-formação, demonstrem favorecer a elaboração participativa de

um novo tipo de saber (PINEAU, 2005; VIEIRA, 2011; NASCIMENTO, 2013).

2. Um Coletivo e a pesquisa-ação-formação: metodologias e atuação do NMD

O coletivo de pesquisa do Núcleo Transdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento (NMD),

vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), mesmo exposto à hegemonia do paradigma científico analítico-reducionista, vem possibilitando aos

pesquisadores-ativistas-formadores que o integram, ações que contribuem para o processo de

antropoformação transdisciplinar à luz dos enfoques de Ecodesenvolvimento e de Educação para o

Ecodesenvolvimento.

Mais precisamente, o NMD/UFSC constitui um espaço de promoção de atividades integradas de

pesquisa-ação-formação comunitária, que contribui para o avanço teórico e metodológico da pesquisa

socioambiental no País, nos níveis básico e aplicado.

Entre suas metas, estão: (i) estimular uma reflexão permanente sobre os fundamentos

epistemológicos e éticos desta nova área de conhecimento inter e transdisciplinar; (ii) acolher e orientar

estudantes de graduação e pós-graduação, estagiários e pesquisadores brasileiros e estrangeiros; (iii)

oferecer cursos de capacitação em gestão compartilhada de recursos naturais de uso comum; (iv) oferecer

assessoria técnica a instituições governamentais e não-governamentais interessadas na criação de Agendas

21 locais; e (v) contribuir para a difusão de informação científica mediante a promoção de conferências,

seminários e simpósios, além da manutenção de uma linha editorial e de um centro de documentação aberto

à comunidade (www.nmd.ufsc.br).

A partir de 1995, em parceria com núcleos e centros de pesquisas internacionais, o coletivo do

NMD/UFSC passou a concentrar esforços na revisão de literatura sobre a problemática dos modos de

apropriação e de gestão compartilhada de recursos naturais de uso comum (VIEIRA, WEBER, 2000;

WEBER, 1992 e 2000 apud VIEIRA, 2011), que, mais tarde, subsidiou estudos de caso inseridos na linha de

reflexão chamada gestão patrimonial negociada (MONTGOLFIER, NATALI, 1987; GODARD, 2000;

OLLAGNON, 2000; MERMET, 1992 apud VIEIRA, 2011). Tais pesquisas foram realizadas, sobretudo, na

zona costeira centro-sul do estado de Santa Catarina.

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Os estudos convergiam no sentido da crítica ao pressuposto de que a solução dos problemas de

degradação socioambiental estaria na privatização de bens comuns e/ou na ação estatal, baseada na adoção

de práticas regulatórias tecnocráticas, em detrimento da potencialidade dos sistemas mistos, capazes de

possibilitar novos arranjos institucionais para uma gestão compartilhada dos commons2. Neste sentido, os

conhecimentos ecológicos tradicionais das populações passam a ser considerados também como fonte de

conhecimento em trabalhos de pesquisa (BERKES, 1999 apud VIEIRA, 2011).

E, a partir de 1999, com a aproximação do NMD/UFSC à comunidade de Ibiraquera, no município

de Imbituba, centro-sul da zona costeira catarinense, houve a criação do Fórum de Agenda 21 local da

Lagoa de Ibiraquera e a zona costeira catarinense passou a ser assumida como região-laboratório de

desenvolvimento territorial sustentável.

Localizada entre os municípios de Imbituba e Garopaba, a cerca de 70 km ao sul da cidade de

Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, a região do entorno da Lagoa de Ibiraquera abrange

atualmente dez comunidades: Grama, Limpa e Campo D´una, pertencentes ao município de Garopaba; e

Araçatuba, Alto Arroio, Arroio, Ribanceira, Barra, Ibiraquera ou Teixeira e Rosa, pertencentes ao município

de Imbituba. A chamada “Lagoa de Ibiraquera” é na verdade uma laguna costeira, composta por quatro

bacias interconectadas: a Lagoa de Cima, a Lagoa do Meio, a Lagoa de Baixo e a Lagoa do Saco (FREITAS,

2005).

A região é interessante, devido à presença de comunidades pesqueiras tradicionais de origem

açoriana, ameaçadas pela ocupação desordenada do espaço, pela expansão do turismo de massa predatório e

pela especulação imobiliária.

Entre as várias atuações do NMD/UFSC na comunidade de Ibiraquera, que vão desde pesquisas de

cunho interdisciplinar e de pesquisa-ação até a participação na criação e fomentação do Fórum da Agenda

21 Local da Lagoa de Ibiraquera, está a condução do Projeto Experimental de Educação para o

Ecodesenvolvimento na Zona Costeira Catarinense.

O projeto do coletivo está inserido numa das linhas-mestras de intervenção do NMD ao longo dos

últimos dez anos. Na sequência dos trabalhos desenvolvidos no período de 2011-2013, o projeto inscreve-se

também no aprofundamento teórico do enfoque do ecodesenvolvimento no que diz respeito à sua aplicação

no campo educacional (formal e informal), tendo em vista os desafios impostos pelo agravamento tendencial

da crise contemporânea do meio ambiente e do desenvolvimento (www.nmd.ufsc.br).

2 Enfoque voltado para a gestão democrática dos recursos naturais de uso comum (BERKES, FOLKE, 1998;

BROMLEY, 1992; DIEGUES, 2000; GADGIL, GUHA, 1992; GADGIL, 1998, 1999; HANNA et al., 1996; SINGH et al., 2000 apud VIEIRA, 2011).

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A equipe que conduz o projeto é multidisciplinar e conta com a dedicação voluntária de graduandos,

mestrandos, doutorandos, pós-doc e egressos. Atualmente, estão envolvidos diretamente, aproximadamente,

dez pessoas – duas contam com o apoio de bolsas de extensão concedidas pela Universidade.

A proposta do Projeto Experimental de Educação para o Ecodesenvolvimento na Zona Costeira

Catarinense é estimular o desenvolvimento de práticas transdisciplinares em espaços educacionais visando a

criação de comunidades de aprendizagem, priorizando o desenvolvimento humano integral e a satisfação das

necessidades locais.

Trata-se de um projeto de longo prazo constituído de estratégias de ações que envolvem: a

capacitação de educadores do ensino formal e público no manejo dos princípios básicos de uma nova

concepção de educação ambiental, a educação para o ecodesenvolvimento; o experimento de práticas

didático-pedagógicas alternativas com estudantes do ensino básico; a busca por espaços de aprendizagem

contemplando a comunidade em geral, e; o acompanhamento e fomentação para a elaboração de projetos

político-pedagógicos inseridos em propostas de Agenda 21 Escolares.

Com o apoio financeiro do Edital Novos Talentos da Capes, no ano de 2011, foi possível executar a

primeira etapa do projeto que corresponde a condução do Curso de Introdução ao Enfoque de Educação

para o Ecodesenvolvimento (EPE) para educadores de duas escolas públicas que atendem a comunidade de

Ibiraquera. O público-alvo foi constituído por um grupo de professores e gestores escolares da Escola de

Educação Básica Visconde do Rio Branco, da Escola de Educação Básica Profª Justina da Conceição Silva e

do Programa Pró-Jovem Campo. No rol das metas estratégicas perseguidas foram incluídos (i) a oferta de

um espaço de reflexão crítica sobre a consistência das práticas de educação ambiental (EA) que vinham

sendo desenvolvidas nos ambientes de aprendizagem; (ii) o compartilhamento dos fundamentos conceituais,

teóricos e metodológicos do enfoque de EPE; e, finalmente, (iii) o fomento de um processo de integração

sinérgica dos professores e gestores, tendo em vista a concepção e o teste experimental de novas opções de

ensino-aprendizagem baseadas neste enfoque.

De acordo com o Relatório de Atividades do projeto, entregue ao Programa Novos Talentos, de

dezembro de 2011, no que diz respeito aos impactos positivos das ações/atividades do projeto relacionados à

dinâmica de formação de professores, pode-se destacar a formação de uma representação ampliada e melhor

fundamentada: (i) da complexidade envolvida no agravamento da crise socioambiental em escala global; (ii)

da relevância, neste cenário, do papel dos pesquisadores-educadores operando em coletivos

transdisciplinares; e (iii) da necessidade de uma transformação paradigmática dos enfoques educacionais

dominantes face aos desafios historicamente inéditos desvelados pelo agravamento da crise, e face à

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urgência de se levar em conta os seus reflexos no nível das dinâmicas em curso de desenvolvimento

local/territorial. Além disso, foi possível constar um processo expressivo de maturação do grupo-alvo não

só em termos de capacitação profissional, mas também de resignificação criativa de posturas existenciais.

Do nosso ponto de vista, passamos a dispor assim de um horizonte especialmente favorável tendo em vista a

busca de continuidade do projeto. Quanto aos impactos gerados no nível do sistema de educação básica, vale

a pena registrar o desenvolvimento de um trabalho concentrado inicialmente na reciclagem dos educadores,

mas que considera a interação com os alunos como a próxima meta a ser alcançada.

E no que diz respeito às licenciaturas envolvidas, o Relatório salienta o esforço investido na criação

de espaços favoráveis ao cultivo do diálogo de saberes em comunidades de aprendizagem, considerado

como um pressuposto básico para uma articulação eficiente entre teoria e prática na busca de reorientação

estratégica de processos de ensino-aprendizagem à luz dos princípios de ecodesenvolvimento. Por sua vez,

no nível da pós-graduação, destaca o esforço investido na preparação de material didático-pedagógico

ajustado a um enfoque de integração transdisciplinar, bem como a oportunidade de envolvimento dos

estudantes com um estilo de inovador de extensão universitária que leva em conta a formação de

comunidades de aprendizagem num horizonte de longo prazo.

3. Considerações finais

Na medida em que estudantes de graduação e pós-graduação, vinculados a diferentes áreas de

especialização científica, trabalham juntos na concepção de metas e estratégias do projeto desenvolvido pelo

NMD/UFSC, destaca-se a relevância de uma experiência de construção coletiva da incipiente linha de

pesquisa sobre antropoformação transdisciplinar que, atualmente, permanece marginal na dinâmica de

atuação das instituições de ensino superior do País, conforme mencionado anteriormente.

Esta constatação foi alcançada, essencialmente, durante a execução do Projeto Experimental de

Educação para o Ecodesenvolvimento na Zona Costeira Catarinense. O processo de condução do projeto

está em estágio inicial, com a formação e capacitação de professores de escolas públicas de educação básica

que atendem a comunidade de Ibiraquera.

Porém, essa aproximação do núcleo pesquisa junto à realidade das escolas públicas de Ensino

Básico, apresentando uma proposta de mudanças no âmbito escolar e comunitário, revelou limitações tanto

estruturais quanto paradigmáticas da universidade entorno da fragmentação do tripé ensino-pesquisa-

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extensão, da prática educacional reducionista e da cultura produtivista hegemônica nos programas de pós-

graduação – tudo isso respaldado por órgãos de fomento à pesquisa.

As limitações estruturais estão essencialmente relacionadas: (i) à tímida contrapartida dos recursos

logísticos disponibilizados à comunidade em geral em períodos limitados; (ii) ao excesso de burocracia para

utilizar os serviços disponibilizados por projetos de extensão devidamente aprovados pela própria

universidade; (iii) à escassa quantidade de bolsas de estudo associadas às práticas de extensão, além de

serem destinadas apenas aos alunos de graduação – o que contribui para o envolvimento de discentes de um

nível de formação acadêmica em projetos de pesquisa-ação; e (iv) à restrição burocrática dos projetos de

extensão serem coordenados apenas por professores em exercício na graduação.

Essas limitações estruturais estão associadas ao paradigma reducionista e fragmentado de processo

formativo e do papel da universidade frente aos desafios socioecológicos atuais. Apesar das tentativas bem

intencionadas de investimento em projetos voltados para o desenvolvimento social e cultural das

comunidades em torno da universidade, ainda insiste a dissociação setorial entre o ensino, a pesquisa e a

extensão. A maior parte dos cursos de graduação e de pós-graduação não contempla em suas propostas

curriculares de ensino a participação dos discentes em projetos de pesquisa-ação como metodologia voltada

para a formação e desenvolvimento integral dos mesmos – um acadêmico pode sair da universidade sem ter

qualquer tipo de envolvimento com projetos de extensão. Relacionado a isso, o corpo docente universitário

também não tem o mesmo compromisso com ações extensionistas assim como tem com o ensino e a

pesquisa. A valorização curricular, acadêmica, é evidentemente desigual, além de desarticulada.

O mesmo “fenômeno” ocorre entre a pesquisa e a extensão, expresso mais claramente nos cursos de

pós-graduação. Projetos que envolvem pesquisa-ação são negligenciados como propostas de trabalhos de

conclusão de curso, dissertações e teses. O pouco incentivo e as limitações conjunturais entorno da

participação dos graduandos e pós-graduandos em projetos de pesquisa-ação nos leva a crer que o papel

social da universidade está estritamente voltado para o mercado.

Atualmente, o coletivo do NMD vem se preparando para assumir a continuidade do Projeto

Experimental de Educação para o Ecodesenvolvimento na Zona Costeira Catarinense nas escolas,

retomando as atividades na E.E.B. Visconde do Rio Branco e se inserido em outras escolas da mesma

localidade. O ano de 2013 foi destinado, pelo coletivo, ao processo de capacitação interna e na busca

incessante por recursos financeiros, tendo em vista que os órgãos de fomento à pesquisa que incentivam a

aproximação da universidade à comunidade não reconhecem em seus editais a necessidade de investimento

na continuidade dessa relação para vislumbrar outro estilo de desenvolvimento e de formação de sujeitos.

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Neste sentido, não podemos ignorar que a universidade e os órgãos de fomento à pesquisa são

instituições que constitui um sistema socio-político-econômico à disposição da lógica capitalista e da

manutenção do status quo. Porém, também não podemos ignorar que a mesma universidade é um espaço

passível de mudanças e que sua capacidade de reafirmar paradigmas que reduzem o processo formativo a

processo formatativo pode ser superada através de propostas sérias de pesquisa-ação-formação

transdisciplinares.

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