PROJETO ESCOLA E TEMPO LIVRE - Sport: Laboratório de ... · universidade fderal fluminense...
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UNIVERSIDADE FDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E ANIMAÇÃO CULTURAL: LAZER E TEMPO LIVRE
NA ESCOLA
Cleber Augusto Gonçalves Dias
Niterói, maio de 2006.
CLEBER AUGUSTO GONÇALVES DIAS
Aluno do curso de especialização em Educação Física Escolar
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E ANIMAÇÃO CULTURAL: LAZER E TEMPO
LIVRE NA ESCOLA
Trabalho de conclusão de curso apresentado à
UFF como requisito parcial para a obtenção do
título de especialista em Educação Física
escolar, sob a orientação do Prof. Dr. Edmundo
de Drummond Alves Júnior.
Niterói, maio de 2006.
3
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E ANIMAÇÃO CULTURAL: LAZER E TEMPO
LIVRE NA ESCOLA
Elaborado por Cleber Augusto Gonçalves Dias
Aluno do curso de Especialização em Educação Física escolar da UFF
Foi analisado e aprovado com
grau: ..................................
Niterói, _____ de ______________________ de _______.
______________________________
______________________________
______________________________
Niterói, maio de 2006.
4
Dedico este trabalho a todos os professores que
um dia já me desacreditaram e que, desse
modo, me ensinaram através dos seus maus
exemplos o quão repugnante e odioso é o
conservadorismo nas escolas.
6
APRESENTAÇÃO................................................................................................................. 7
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 8
CAPÍTULO I ........................................................................................................................ 12
1.1. A cidade de Rio das Ostras: dimensões de análise locais.......................................... 12
1.2. Contemporaneidade, pós-industrialismo e pós-modernidade: dimensões de análise
globais............................................................................................................................... 19
1.3. Contexto educacional: novos desafios....................................................................... 21
CAPÍTULO II....................................................................................................................... 29
2.1. Projeto tempo livre na escola: lazer e animação cultural .......................................... 29
2.2. Animação cultural e o contexto escolar: possibilidades............................................ 41
CONCLUSÃO...................................................................................................................... 47
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................. 50
7
APRESENTAÇÃO
Esse texto diz respeito ao trabalho de conclusão do curso de especialização em
Educação Física escolar da Universidade Federal Fluminense. E dada à especificidade dos
temas abordados durante todo o curso, é um trabalho que deve se referir, especificamente,
ao encaminhamento e operacionalização de projetos e propostas pedagógicas para a
disciplina de Educação Física no contexto da instituição escolar.
Logo, o que vai se apresentar de agora em diante é um esforço de sumariar alguns
poucos princípios metodológicos que constituem em linhas gerais minha proposta
pedagógica, objetivamente para a escola na qual leciono.
Antes de apresenta-la, tentei destacar a importância de se analisar, elucidar,
identificar e compreender algumas das dinâmicas sociais que incidem poderosamente nos
arranjos das redes de sociabilidade cotidianas da escola. E aceita a necessidade de
compreensão desses fatores, esbocei em poucas linhas uma caracterização geral dos
mesmos, tanto no âmbito local, que quer dizer especificamente na cidade onde leciono;
como no âmbito geral, que abrange o quadro de mudanças paradigmáticas que afetam a
sociedade como um todo.
E foi a partir dessa identificação que sugeri a apropriação da idéia de cultura, no seu
sentido mais irrestrito, como suporte para o desenvolvimento de ações pedagógicas na
Educação Física escolar. Uma idéia que vai tentar se sustentar, exatamente, nas condições
concretas de existência colocadas no limiar da contemporaneidade. E como se trata de um
projeto ligado à Educação Física, a manipulação do conceito de lazer e, metodologicamente
da animação cultural, apresenta-se como o fio condutor das idéias aqui contidas.
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INTRODUÇÃO
As insatisfações com os atuais “moldes” do sistema educacional tornam-se cada vez
mais evidentes. Mas não há nada de muito original nessa assertiva. A escola, historicamente
e de uma maneira geral, sempre esteve envolta a uma série de crises e questionamentos. E é
bom que assim o seja, pois a insatisfação mostrou-se inúmeras vezes um poderoso motor da
História.
Contudo, o descontentamento que assola a instituição escolar atualmente parece ser
dotado de um caráter novo e original. E, ultrapassando o sentimento nostálgico que
ambiciona recuperar um passado que provavelmente nunca existiu, pretendo formular
algumas poucas proposições metodológicas que estejam assentadas em uma rigorosa
análise do quadro social contemporâneo. Mais do que isso; pretendo apresentar uma
proposta de intervenção pedagógica que esteja orgânica e inextricavelmente ligada às
circunstâncias concretas dos dias de hoje.
Mas o que oferece o tom novo e original a essas insatisfações? Para formular em
outros termos, que peculiaridades a atual “figuração social” apresenta às formulações
educacionais? Provavelmente, o desmoronamento das sólidas convicções e referenciais que
sustentavam as práticas escolares até então, ou como esclarece Tedesco (1998) "a crise na
educação já não provém da forma deficiente de como a educação cumpre os objetivos
sociais que lhe são atribuídos, mas o que é ainda mais grave, do fato de não sabermos que
finalidades ela deve cumprir e para onde efetivamente deve orientar suas ações" (p. I5).
E assim, vai se delineando questionamentos generalizados acerca dos sistemas
escolares. Questionamentos generalizados que perpassam a crítica tanto de pais e alunos
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quanto dos profissionais envolvidos com as atividades escolares. E como a maioria dos
educadores que convivem e se confrontam cotidianamente com esse quadro, eu também me
sinto impelido e motivado a buscar propostas que corroborem para a construção de
alternativas tangíveis e viáveis para a escola.
Nesse caso, mais especificamente, trata-se de uma proposta endereçada a uma
escola de um bairro pobre na cidade de Rio das Ostras. Temos aqui, explicitamente, um
desejo - talvez mesmo uma vocação - em estar circunscrito às especificidades e
particularidades da Escola Municipal Cidade Praiana, onde atualmente desenvolvo minhas
atividades docentes.
Essa proposta consiste basicamente no oferecimento de atividades de lazer para a
comunidade escolar compreendida no seu sentido mais amplo, ou seja, que incluiu aí,
alunos, professores, funcionários, comunidade, pais e responsáveis. Dessa forma, acredito
ser possível cumprir um duplo objetivo: por um lado, sensibilizar para o entendimento do
lazer como um direito da cidadania e como importante elemento para qualidade de vida,
através do oferecimento de oportunidades de vivências múltiplas de lazer; e por outro – um
pouco mais ambicioso, embora apenas uma decorrência do primeiro – um redimensionando
do modus operandi da estrutura escolar, ou para dizer em outros termos, um
questionamento aos métodos e concepções tradicionais de ensino.
Porém, antes de darmos início ao maior detalhamento das propostas efetivas desse
projeto é importante realizarmos algumas poucas, mas importantes considerações
preliminares. A primeira vai nesse sentido: o de sublinhar o fato de que as idéias aqui
contidas são, tão somente, à decodificação, na forma de um breve projeto, de uma série de
reuniões, encontros, discussões e conversas informais entabuladas com outros professores –
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sobretudo com os companheiros Wecisley, Anderson, Reginaldo e Caetano durante o
divertido e efervescente período que convivemos sob o mesmo teto e também aos
pesquisadores do Grupo Anima. Nesses tipos de conversas e discussões – nunca é demais
insistir – é dificílimo, talvez impossível, medir o que se dá e o que se recebe, de modo que a
leitura desse texto deverá sempre levar em conta o caráter eminentemente coletivo dessas
idéias.
A segunda, que nos deteremos um pouco mais, diz respeito a elucidar e
compreender algumas importantes vicissitudes da contemporaneidade; cuja configuração
social está profundamente atrelado a um quadro de crise e complexidade.
A clara identificação de uma situação que se quer negar ou endossar, talvez seja um
dos dados mais importantes para a elaboração de um projeto pedagógico. Essa identificação
deve se esforçar para incluir, de maneira articulada e simultânea, aspectos locais e globais,
gerais e específicos. De modo que ao término das análises isso possa formar um todo
coerente e integrado. Na verdade é preciso distinguir o que é essencial do que é supérfluo; o
que é substantivo do que é adjetivo; o fundamental do secundário, o nuclear do periférico, o
relevante do irrelevante. É a partir dessas distinções e identificações que vai se formar um
sistema de referências, razoavelmente coerentes, e que possam, de maneira direta, orientar a
criação de pautas, comportamentos, atitudes e valores para o projeto.
Elucidar e compreender questões pertinentes a esta “nova sociedade” talvez seja
mesmo um pré-requisito para qualquer proposta de intervenção pedagógica. A
compreensão dos atuais problemas da escola depende, diretamente, da teoria correta sobre a
situação social atual, a exemplo do que ocorre com o estudo de outros elementos ditos
“super estruturais” (HORKHEIMER, 1990). “Ensinar exige apreensão da realidade. Como
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professor preciso me mover com clareza na minha prática, o que me pode tornar mais
seguro no meu próprio desempenho” (FREIRE, 1996, p. 76). Logo, é a partir da
configuração social contemporânea que devemos pensar/repensar o papel das ações
educativas da escola.
O apelo a análises sociológicas não pretende reproduzir o velho, esgotado e forçoso
estabelecimento de relações deterministas e monocausais entre esferas materiais e
imateriais. Ao contrário, o recurso a essas análises para fundamentar um projeto educativo,
e mais profundamente, o entendimento de que esse procedimento deve ser tomado como
premissa básica, evidencia o desejo em colocar categorias estabelecidas no interior do
sistema escolar em suspensão.
Trata-se, mais precisamente, em lançar incansáveis esforços no sentido de
problematizar e desnaturalizar essas mesmas categorias. Tentar, interminavelmente,
evidenciar a dimensão histórica, cultural, construída e arbitrária dos hábitos pedagógicos.
Concomitantemente, reconhecemos que a escola está, e sempre esteve, submetida às
tensões provindas das instâncias sociais. Há um consenso em reconhecer a repercussão e o
impacto das mudanças sociais, econômicas e políticas sobre a educação (LIBÂNEO, 2002).
Assim sendo, gostaria de iniciar essa análise pelas dimensões locais e específicas,
protelando um pouco a identificação dos elementos sociais mais gerais.
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CAPÍTULO I
1.1. A cidade de Rio das Ostras: dimensões de análise locais
A cidade de Rio das Ostras é uma cidade litorânea do interior do Estado do Rio de
Janeiro, localizada a aproximadamente 170 Km da capital e com pouco mais de 47.000
habitantes. Situada geograficamente no Norte do Estado, numa região mais conhecida
como “Região dos Lagos”, onde se encontra, como veremos, um conjunto de
peculiaridades além da cultura interiorana.
Pelo fato de ser banhada por extensas e límpidas praias, a cidade acabou
desenvolvendo características de veraneio, ou seja, ela é invadida por turistas nas altas
temporadas, notadamente os vindos da capital. Esse quadro acaba criando uma certa
dependência econômica, e por vezes cultural1, dessa sazonalidade turística.
Outra característica – que também incide sob essa particularidade – e que merece
ser destacada é o fato da cidade está localizada nas imediações da Bacia de Campos, a
saber, a maior fonte de petróleo do Brasil. Essa região tem sido reconhecida como “o
Eldorado do Petróleo”. Até 2010, a previsão é de que a Petrobrás invista algo em torno dos
US$ 25 bilhões na Bacia de Campos, o equivalente a 80% dos recursos da empresa em
exploração e produção para todo o país. Agora imaginem uma típica cidade do interior
onde, repentinamente, uma das maiores empresas petrolíferas do mundo decide investir
bilhões de dólares. Evidentemente, isso gera uma drástica mudança que por sua vez
1 Um bom exemplo dessa “dependência cultural” está no fato de quase todos os eventos culturais realizados na cidade serem pensados em função dos períodos de férias e feriados prolongados, quando aumenta a taxa de ocupação da cidade. Nos outros períodos a população não conta com muitas opções de lazer, vivendo muitas vezes, um certo esvaziamento simbólico.
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ocasionam uma série de impactos sob a vida da e na cidade. Dentre eles a configuração da
cidade como uma espécie de “cidade dormitório”, ocupada por uma população de
trabalhadores que vivem em outras cidades e são por isso, itinerantes. A maioria desses
trabalhadores costumam voltar às suas cidades de origem ao término da suas respectivas
jornadas de trabalho. E isso é só um exemplo que estou refletindo com a autoridade de
quem se submete a ele.
A abrangência do fenômeno – que já foi batizado como a “maldição do petróleo” –
não se encerra por aí. Uma reportagem sobre a incidência desse fenômeno em Macaé (uma
cidade vizinha a Rio das Ostras, cujos efeitos da propalada maldição se fazem sentir de
maneira ainda mais intensa) publicada recentemente no Jornal do Brasil atesta: “o surto de
crescimento inflou uma bolha especulativa: o fenômeno já é sentido nos setores
hoteleiro, imobiliário e de restaurantes (MONTEIRO, 2006, p. 19). O
repentino crescimento da cidade, que cria uma demanda descontrolada na região, gera uma
perversa especulação que, via de regra, só prejudica os moradores mais pobres (aliás,
praticamente os únicos que estabelecem moradia na cidade). Estes trabalhadores/moradores
pobres acabam não tendo condições de usufruir os serviços da cidade. Soma-se a isso uma
vertiginosa expansão demográfica, composta tanto por trabalhadores de classe média
quanto por trabalhadores pobres, atraídos pelo “boom do petróleo” e que, em última
análise, pressiona rumo a uma crescente favelização.
Uma rápida digressão: a proximidade de Rio das Ostras à cidade de Macaé, que é a
principal aglutinadora dos investimentos da Petrobrás, faz com que os raios de ação desses
impactos também se façam sentir muito intensamente na cidade. E nota-se claramente que
as cidades que se viram nesse processo de uma maneira tão súbita como foi o caso da
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região da bacia de Campos não tiveram nem condições e nem tempo de se prepararem. Essa
preparação deveria incidir sob aspectos urbanos, culturais e políticos. E é esse último ponto
que mais me interessa aqui, pois parece que ele atinge de maneira muito poderosa a
elaboração das políticas públicas educacionais do Município. Por conseguinte são essas
políticas públicas que vão, inexoravelmente, condicionar as condições concretas em que eu,
e todos os professores da rede municipal teremos que atuar.
Não se trata de pensar cultura e política como aspectos dissociados. Ao contrário, o
fundamental aqui é compreender essas duas dimensões – cultural e política – como
indissociáveis. Retomarei isso adiante. Por ora, é importante observarmos o processo de
ingerência da “maldição do petróleo” sobre a política de Rio das Ostras. A Prefeitura tem
direito a uma “compensação financeira do petróleo” - os chamados royalties da Petrobrás –
devido à exploração e produção de petróleo na região. Nesse caso, as compensações são
financeiramente bem generosas. Só no ano de 2005 os cofres públicos de Rio das Ostras
foram agraciados com mais de R$ 250 milhões. Entretanto, não se percebe a conversão
desses ganhos tributários em benefícios para a população. Boa parte das ruas da cidade não
possui calçamento ou rede de esgoto. A cidade não possui sistema de abastecimento de
água. O salário dos professores é proporcionalmente inferior quando comparado ao de
outras Prefeituras com situação semelhante, como por exemplo, Macaé, Quissamã e Cabo
Frio. As escolas sofrem com falta de materiais essenciais como papel, caneta e mesmo
diários de classe. A merenda escolar é de qualidade duvidosa.
Um dos únicos efeitos notáveis dessa fartura de verbas, da farra dos royalties, é a
criação de uma disputa política muita acirrada por cargos e verbas no interior da Prefeitura.
A intensidade das disputas é tão grande que os círculos de poder, tomados pelo medo de
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uma possível perda de status, se fecham a qualquer possibilidade de diálogo ou de
contribuição vinda de pessoas alheias a esses círculos. Isso é quase paradoxal, pois numa
cidade interiorana com uma população relativamente reduzida, a possibilidade de envolver
os interessados na construção de propostas coletivas (e falo especificamente no campo
educacional) seria, em tese, mais fácil. Contudo, o jogo de vaidades e especialmente o da
ganância pelo dinheiro público, encerram essas chances em Rio das Ostras.
Esses elementos quando compreendidos em sua totalidade configuram uma política
local quase provinciana marcada fortemente por características “coronelistas”, tal qual no
período imperial. Um estudo do Banco Mundial sobre o petróleo alerta: “há uma forte
tentação de se utilizar à riqueza e a política petrolífera para ganhar pontos e conseguir
resultados políticos” (apud. MONTEIRO, 2006, p. 20). Num país onde o uso privado do
bem público é quase uma tradição, esses efeitos são amplificados.
Na prática, isso se converte numa “elevada concentração da riqueza produzida a
partir do petróleo entre poucos da região, sem a proporcional redistribuição dos dividendos
[...] revela uma indústria da exclusão cujas engrenagens são alimentadas por óleo, poder
político e pobreza, muita pobreza” (ibid.). Algo previsível, pois como sabemos, o atraso
favorece os “coronéis”. Direitos viram favores e deveres se tornam gentilezas. O aumento
do empobrecimento da população, que, aliás, já se encontra indevidamente empobrecida,
solidifica essas perversas alianças entre essa camada social mais pobre e os tradicionais
políticos que compram votos com pequenos favorecimentos. E isso não pode ter outro
nome senão “coronelismo” ou “voto de cabresto”. Já não se refere simplesmente a uma
elite política, mas uma oligarquia que desfruta os privilégios do poder sem entender as
responsabilidades públicas inerentes a ele.
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O resultado desse quadro de agravamento do nível de pobreza promovido pela
política e pelos políticos locais é muito perceptível na escola onde leciono, situada em um
bairro onde os alunos vivem em condições econômicas, sanitárias e humanas precárias.
Obras de embelezamento realizadas recentemente na orla da praia de Costa Azul,
um bairro rico e valorizado, é uma expressão muito contundente dessa situação. Nas obras,
cujos gastos ultrapassaram R$ 35 milhões, foram utilizados pisos, luminárias e outros
materiais com preço tão exorbitante que a maioria de nós não seria capaz de utilizá-los na
nossa própria casa. A poucos quilômetros dali podemos encontrar bairros pobres, entre os
quais a Cidade Praiana, que não possuem sequer saneamento básico. Resgatando a valha
máxima de que “elaborar políticas públicas é eleger prioridades”, esse exemplo de
delineamento urbano que cria um centro rico com abundância de serviços em contraste com
uma periferia pobre e favelizada deixa muito claro as heranças da política e da economia do
petróleo: “um poço de desigualdades”.
No âmbito da configuração de forças políticas no interior da cidade, outro
atributo igualmente importante está na constatação de que uma parte considerável da
economia da cidade depende, direta ou indiretamente, da rede de empregos gerados no
âmbito propriamente governamental, o que só faz aumentar o estatuto de controle dos
políticos e suas influências nos seus “currais eleitorais”. Dada a proximidade das redes de
poder e o estabelecimento de relações familiares e interpessoais em quase todas as esferas
do poder municipal, a “pessoalização das políticas públicas”, a manipulação populista e o
assistencialismo são propriedades muito acentuadas em Rio das Ostras.
Outros efeitos desses mesmos processos são as constantes práticas arbitrárias,
antidemocráticas e mesmo autoritárias que se podem presenciar nos bastidores do governo
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local. São práticas comuns e cotidianas de censura, de violência simbólica, de ameaças e
punições, de desrespeito aos direitos individuais, de desmandos e exercício arbitrário do
poder. Todos os traços que marcam e caracterizam um governo autoritário e pouco afeito a
democracia. Um tipo de poder que deseja desapropriar os indivíduos de sua capacidade de
protesto e conseqüentemente de crítica. Mais ainda, um poder que pretende obliterar os
indivíduos de sua capacidade de livre articulação e composição de um todo questionador.
Qualquer insinuação de transgressão é reprimida com punição. Eu mesmo já fui transferido
para mais de três escolas em menos de dois anos. E sempre sob um tom de ameaça de mais
uma possível transferência para escolas mais distantes e com acesso mais dificultado. Algo
também bem presumível, pois a segregação, através da dispersão daqueles que podem
protestar, tende sempre a impedir o protesto, a contestação e ação.
Parafraseando uma metáfora do frei Beto, um governo para ser democrático tem que
ser como feijão, isto é, imerso numa panela de pressão. O jogo democrático pressupõe
conflito de idéias, algo pouco tolerável em Rio das Ostras. E esse tipo de prática não só
define as relações de poder entre o governo e a população como – o que é mais grave –
penetra e condiciona as relações mais variadas na esfera cotidiana. Nesse caso, o
autoritarismo se apresenta de maneira diluída, capilarizada e não-declarada, onde a
ideologia autoritária é substituída por uma “cultura autoritária” (e aí a retomada da
articulação entre política e cultura). Essa cultura – como toda cultura – se transmite sutil e
implicitamente. A conseqüência dilacerante desse processo é o surgimento de uma
“autocensura”. A vigilância permanente acrescida da já mencionada proximidade das
estruturas de poder cria um ambiente de medo e de coerção tão grande que cada servidor
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passa a ser o “carcereiro de si mesmo”. É o processo que Elias (1993) chama de
“individualização”: um processo que desencadeia autocontroles individuais autônomos.
A esperança, sempre muito latente, de galgar posições mais prestigiosas e cargos
mais influentes no interior da Prefeitura, só faz acentuar ainda mais o silêncio e a
desarticulação entre os funcionários. Em estando no poder, as pessoas que até bem pouco
tempo antes se viam numa situação de “opressão” e pauperização, tendem a se
despersonalizar, preferindo encarnar mais a função que ocupam a pessoa que de fato são. A
identidade gerada pela posição política passa a ter mais importância que a identidade
pessoal. Elas são rapidamente aliciadas e as que não são, permanecem em seus silêncios
alienados, alimentados sob o sonho de um dia poderem se ver nesse mesmo tipo de
situação, que me faz lembrar Bertolt Brecht em “se os tubarões fossem homens”:
se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os
peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um
pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões
pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar e os
peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que
estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiro da construção de caixas e assim por
diante.
Por outro lado, como bem observa Espírito Santo (2005), o ambiente interiorano se
faz sentir muito presente em outras dimensões cotidianas da cidade, e mais particularmente
no cotidiano escolar, sobretudo nas suas dimensões institucionais e interpessoais. “No caso
de Rio das Ostras, a rede de poder tecida pela díade Coordenadoria Regional de Educação
do Estado (CRE)/Direção da unidade escolar tem uma característica ‘malha fina’ que
instaura de um modo extraordinariamente eficaz, o controle de todas as atividades
19
escolares” (p. 208). Sob essas circunstancias a autonomia decisória das unidades escolares -
um preceito legal, aliás - se vê quase sempre infligida.
Em parte, essas peculiaridades regionais explicam a dificuldade de se construir
propostas pedagógicas que possuam divergências de qualquer nível com os ideais
hegemônicos postos pelo poder político local. Agora fica fácil perceber porque o incentivo
a uma educação crítica, libertária, de qualidade e comprometida com o pleno
desenvolvimento dos alunos não é um programa governamental prioritário. Todo esse
arranjo nos leva a concluir que a “oligarquia política” da região vê na manutenção da
ignorância da população uma ajuda no processo de distanciamento dessas pessoas da
realidade dos fatos.
1.2. Contemporaneidade, pós-industrialismo e pós-modernidade: dimensões de análise
globais.
Já no âmbito mais geral, importa reter que a conjuntura social e política dos dias de
hoje está, provavelmente como nunca estivera antes, sujeita a flutuações, instabilidades e
incertezas fruto das suas bruscas re-configurações. Esse momento social pode ser traduzido
pela transformação dos referenciais paradigmáticos e epistemológicos que orientam os
diversos campos de atuação humana. É um contexto em que se destacam os avanços
científicos e as inovações tecnológicas como um dos marcos referenciais deste quadro de
mudanças, pois, como bem lembra Hobsbawm (1995), nenhum outro período histórico foi
tão invadido pelas ciências tanto quanto o nosso.
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A ciência, a pesquisa e de maneira mais geral, o conhecimento e a cultura, se
tornaram uma força de produção. Esses elementos somados resultam numa das principais
características daquilo que se convencionou chamar “pós-modernidade”2.
Nas palavras de um dos seus principais teóricos: "traça-se uma equação entre
riqueza, eficiência e verdade [...] a pesquisa e investigação científica associada a esta
dimensão funcional e instrumental, que manifesta-se nas aplicações destas em tecnologias,
agrega poder ao conhecimento” (LYOTARD, 2002, p. 77). Mais resumidamente o
conhecimento toma-se a principal ferramenta de uma “nova economia de inovação
perpétua” (KUMAR, 1997).
Poderíamos dizer, se quiséssemos continuar avançando nessas inflexões, que o
conhecimento e a cultura passaram a constituir a variável mais importante na explicação
das novas formas de organização social e econômica.
O conhecimento constitui a variável mais importante na aplicação das novas formas de
organização social e econômica [...] os recursos fundamentais para a sociedade e as pessoas
seriam a informação, o conhecimento e a capacidade para produzi-lo e manejá-los (TEDESCO,
op. cit. p. 20).
No mesmo sentido aparecem as análises sociológicas culturalistas3, que apontam a
extensão do domínio cultural no cenário mundial após a década de 1960 ou, se
precisássemos de um termo; da predominância de um “capitalismo tardio”, entendido como
a inflação da superestrutura, no mesmo sentido atribuído por Ernest Mandell (apud.
2 Dada a complexidade dessas discussões e a extensão da literatura disponível a esse respeito, não será possível aprofundarmos aqui as polêmicas e interferências sugeridas por esse debate no campo educacional. Limitarei-me a sugerir algumas poucas, mas importantes leituras sobre esse assunto: ANDERSOM (1999); AUGE (2003); BAUMAM (1998); GIDDENS (1991); LYOTARD (2002); LIPOVETSKY e CHARLES (2004). 3 Ver especialmente Bourdieu (1983).
21
CEVASCO, 2003). Essa crise estrutural do capital não é apenas a crise da produção do
capital, mas para além disso é a desestabilização de suas instâncias sócio-reprodutivas,
como por exemplo, a escola. Em síntese, é um processo de diluição dos modelos morais
convencionais e estabelecidos.
Na prática, trata-se então do imbricamento da cultura com a economia formando
uma nova mola mestra das formas de organização social, que por sua vez dão notícias de
uma modificação estrutural do capital, a saber, a “industrialização universal generalizada”,
a crescente “mecanização da superestrutura”, ou ainda a “industrialização da cultura”
(ADORNO e HORKHEIMER, 1985).
Com isso a escola sendo uma importante agência de distribuição do conhecimento
assume um lugar de ainda mais destaque social, pois, a partir daí, apropriar-se dos locais
que produzem ou distribuem conhecimento socialmente mais significativo, passa a ser a
mais relevante das tarefas políticas. Evidentemente, isso impõe novos desafios para os
profissionais que por ali atuam.
1.3. Contexto educacional: novos desafios
Henry Giroux (2003) fala-nos sobre alguns desses novos desafios lançados à
educação e destaca a necessidade de promover encontros mais férteis e freqüentes entre
educadores e os “estudiosos de cultura”; uma articulação e um contato mais estreito entre
artistas, educadores e trabalhadores culturais.
Aliás, a idéia de compreender o educador como um profissional da cultura, ou um
trabalhador cultural, nos parece ser muito precisa e adequada, já que de acordo com as
22
análises sociais que tentamos apresentar muito rapidamente acima, a cultura, está no âmago
dos conflitos políticos contemporâneo.
A centralidade da cultura em nossa sociedade é uma idéia tão difundida, que parece
ser pouco necessário fazer qualquer tipo de consideração pormenorizada nesse sentido, ou
no sentido de apresentar sua importância na formação humana. Como formulam Mattelar e
Neveu (2000), “mesmo entre os mais conservadores, observa-se uma forma de
sensibilidade moderna, antropológica, ao cultural, que integra os estilos de vida, a estética
da cotidianidade” (p. 35). Em outras palavras, trata-se do cultural turn; um processo de
valorização e incorporação da idéia de cultura no âmbito das ciências humanas, observado
de maneira particularmente mais intensa a partir da década de 80. E é por isso mesmo, que
analisar mais detidamente o papel da cultura na determinação dos modos de vida, da
organização social e da estratificação social contemporânea, continua sendo relevante.
O sociólogo francês Pierre Bordieu (1983) discorre longamente sobre a importância
e a função da cultura. Segundo ele, a dominação social se opera, além da reprodução dos
modos de produção; mas também, e fundamentalmente, pela impregnação dos hábitos,
experiências e modos de ver; opera-se, enfim, pela saturação da experiência do vivido. E
esse processo ocorreria de tal forma que o que as pessoas vêm a pensar e a sentir seria, ao
menos em tese, a reprodução de uma ordem social.
O tipo específico de atribuição de valores simbólicos, ou da distribuição do “capital
cultural” determina então o modelo de estratificação social, pois, “ao lado da luta de classes
econômicas, também uma luta de classes simbólicas, pois a luta não é só em torno da
distribuição de bens e serviços, mas também, em torno dos valores corretos, dos padrões
legítimos e dos estilos de vida distintivos de classe” (BRACHT, 2003, p. 53).
23
Certa vez o antropólogo Malinowsk (apud. KULA, 1977, p. 577), afirmou,
provocativamente, que conhecia somente uma prova da superioridade da civilização
ocidental sobre as chamadas “selvagens”, e que esta eram os cânones. Deslocando essas
reflexões para a análise dos processos de estratificação social ou para os mecanismos de
atribuição de valores a uma cultura particular, poderíamos parafrasear-lhe dizendo que só
existe uma prova de superioridade da alta cultura ou cultura erudita sobre a cultura iletrada,
e que esta é o cânone. E é exatamente a discussão em torno da canonização de uma
determinada cultura que o conceito bourdiano de “capital cultural” expressa.
De maneira um pouco mais profunda esse conceito tenta vincular instâncias
materiais a imateriais; instâncias econômicas a dimensões simbólicas ou culturais. Essa
veiculação põe a análise cultural no centro das idéias políticas, expressando a compreensão
de que difusores culturais são instâncias políticas, com o poder de selecionar, enfatizar e
excluir temas de acordo com interesses particulares. Os gradientes de desigualdades
também operam na e pela cultura.
Nesse caso, a formação cultural exerceria um papel central na formação humana, ou
se preferíssemos ser mais específicos, na formação discente, na medida em que esta (a
cultura) seria uma instância de construção de significados e de veiculação de valores. Do
mesmo modo, a distribuição, o acesso e a produção igualitária dessa forma específica de
capital pode constituir uma possibilidade de reordenamento social através da atribuição e
produção de novos significados e valores.
Estou me referindo a algo bem diferente daquela compreensão de cultura como algo
que emerge como um bem transcendental em relação aos aspectos da vida cotidiana, da
economia ou da política. Algo diferente de um tipo de abordagem, identificada no final do
24
século XIX sob o desígnio de um humanismo romântico, e que encontra seus principais
representantes nas figuras de Thomas Carlyle e Matthew Arnold (CEVASCO, 2003). Já, de
maneira mais diretamente ligada as ciências sociais, encontramos o idealismo hegeliano –
sobretudo seu conceito de “geist” (espírito) – que dá origem a uma série de outras
formulações conceituais que dão, em alguma medida, autonomia a dimensão cultural. É
assim com Émile Durkheim e Talcoltt Parsons na sociologia, com suas noções de
“consciência coletiva” e “sociedade”, respectivamente. No mesmo sentido, a teoria
marxista, com sua metáfora de base e superestrutura que resulta, no hoje tão criticado,
determinismo economicista. E na antropologia com Alfred Kroeber e Robert Lowie através
da formulação do “supra-orgânico” (DUNCAN, 2003).
Todas essas preposições, cada uma a seu modo, acabam desvencilhando a cultura de
qualquer possibilidade de ligação com o mundo real, onde de fato, as pessoas produzem e
reproduzem suas vidas. Todas essas preposições acabam conferindo uma atmosfera
autônoma à cultura que nesse caso, seria capaz de gerar (autonomamente) suas próprias
formas; independentemente da vontade dos homens.
Ao homem é atribuído um papel secundário, passivo e impotente. “O efeito
concreto de um homem sobre a civilização é determinado pela própria civilização”
(DUNCAN, 2003, p. 68). A cultura compreendida nesses termos rejeita e ignora a
importância das ações humanas ou como afirma Peter Burke (2002), “não se preocupam
com pessoas, mas sim com estruturas” (p.153). Sob essa modulação teórica, a cultura
transfigura-se em uma “entidade mística”, alheia dos acontecimentos concretos; fora da
própria sociedade confundindo anonimato com autonomia.
25
A cultura, entendida como entidade transcendental – e que por isso mesmo adquire
uma propriedade sui generis - pode ser elevada a uma condição de repositório dos valores
humanos fundamentais, universais e absolutos; comuns a nossa própria humanidade. Sua
função, sob essa perspectiva, é a de salvaguardar esses mesmos valores fundamentais,
universais e absolutos. Como formulou F. R. Leavis (apud. CEVASCO, 2003) “cabe ao
mundo da cultura vigiar o campo da sociedade em nome do humano” (p. 36).
Dito de outra forma, o caráter autônomo e transcendental da cultura acaba por
reificá-la; canonizar um modelo tornando-o hegemônico. O resultado mais tangível desse
processo é, curiosa e paradoxalmente, o obscurecimento de algumas importantes questões
acerca das dinâmicas culturais, como, por exemplo, o processo de estratificação e
subordinação social; ou ainda, os conflitos e divergências de interesses expressos na
atribuição de valores e significados a uma cultura, que, diga-se a tempo, é sempre permeada
de interesses específicos e particulares.
Em suma, entendo que os efeitos da interpretação da cultura como algo dado a
priori, esvazia seu significado político. Provavelmente por isso, essas posições têm sido tão
furiosamente atacadas.
Nesse sentido, destacamos as considerações de Bordieu sobre os mecanismos de
reprodução cultural (1983), onde a dominação de uma classe social não operaria somente
no âmbito econômico. Segundo o autor, a dominação de uma classe opera também pela
cultura do vivido, ou seja, pela saturação do hábito, da experiência, dos modos de ver e de
ouvir, de tal forma que o que as pessoas vêm a pensar e a sentir é a reprodução de uma
ordem social.
26
Amiúde, a produção cultural, definitivamente assimilada pela produção de
mercadorias em geral, passa a ser uma esfera central na reprodução social. Invade e recobre
todos os espaços de sociabilidade. A economia transforma-se em cultura, ao mesmo tempo
em que a cultura se transforma em economia (DEBORD, 2003).
Esses debates já foram devidamente transportados para o campo da educação,
sobretudo através da noção de “conhecimento oficial” formulada por Michel Apple (apud.
SILVA, 2002) e que, sob outra aparência, representa a idéia de um “cânone educacional”.
A idéia de um “conhecimento oficial”, ou as considerações de Apple sobre os
mecanismos de escolha dos conteúdos a serem propagados pela escola, seriam, conforme
explica Silva (ibid.), “o resultado de um processo que reflete os interesses particulares das
classes e grupos dominantes” (p. 46).
Interesses particulares refletidos no processo educacional, ou mais diretamente na
seleção de conteúdos e conhecimentos a serem divulgados na escola, dão conta de
evidenciar a estreita relação entre as estruturas econômicas e sociais; uma concepção de
currículo, ao mesmo tempo, estrutural e relacional.
Por mais abstrato que isso possa parecer, foram esses tipos de considerações que
permitiram abandonar, ao menos no plano da teoria, a concepção meramente tecnicista que
insistia na formulação do como organizar o currículo e avançar no sentido do porquê
organiza-lo dessa ou daquela maneira.
Avanços teóricos realizados em uma infinidade de campos científicos continuam
abrindo teoricamente seus caminhos. Agora, e mais do que nunca, a grande dificuldade
reside em transpor o abismo entre esses avanços teóricos e as práticas docentes. Falar disso,
da impregnação da pedagogia pelas novas discussões teóricas, significa falar da mudança
27
de antigos hábitos e costumes profissionais. Significa falar do apego cego e dogmático a
certas tradições. Significa, amiúde, falar da cultura da escola.
Mais uma vez, nosso debate é arremessado para os meandros do conceito de cultura.
Um campo explosivo, mas que apesar de tudo, comove progressistas e conservadores. É
algo quase unânime reconhecer a embriaguez da cultura da pedagogia ou da pedagogia da
cultura (o que nesse caso, dá no mesmo).
Não se pode menosprezar essas contribuições, pois foi a partir desses tipos de
considerações que se compreendeu que o valor atribuído a uma cultura particular – a um
capital cultural – é que acaba cristalizando modelos institucionais de educação mais
condizentes com esses valores culturais. Explica, como dissemos, o surgimento de antigos
hábitos institucionais. A maneira como os papéis sociais de alunos e professores são
atribuídos e distribuídos na escola é, em si mesmo, o produto e a expressão de uma
determinada cultura. E quanto menos esses atores pensarem sobre a abstrata idéia de
cultura, maior será a probabilidade que os seus comportamentos, preferências e
expectativas, venham a reproduzir, de maneira cega e tanto mais saturada, as suposições,
prioridades e valores dessa nossa própria cultura.
A consolidação desses modelos perpetua-se e, mais cedo ou mais tarde, se
transfiguraram em uma hegemonia educacional e canônica. Logo, divulgar determinados
conhecimentos na escola, ao contrário do que muitos professores ainda acreditam, não é
uma atitude imparcial ou neutra. Inversamente, divulgar determinados conteúdos significa
uma tentativa de propagar ideais e valores que refletem interesses de subgrupos sociais.
Obviamente, e afastando-nos de qualquer posição maniqueísta e reducionista, não
pretendemos extinguir por completo os conteúdos estabelecidos nos currículos escolares
28
sob o argumento que são uma espécie de imposição de valores culturais, ainda que, em
alguma medida, é isso mesmo que eles sejam. Mais concretamente pretendemos entabular,
através de ações pedagógicas, denúncias ao anacronismo arraigado no sistema educacional
e uma abertura e flexibilização dos currículos e das relações da escola concomitantemente a
uma franca expansão das fronteiras disciplinares através da incorporação de novas e
pedagogicamente promissoras linguagens culturais.
Nosso afastamento das posições mais maniqueístas deve-se a nossa compreensão de
que a difusão desses conhecimentos não ocorre facilmente, sem lutas, resistências ou
disputas. “Nenhum poder hegemônico é capaz de abarcar todas as dimensões de uma
cultura” (CEVASCO, 2003). Alunos são agentes ativos desse processo, e a sua maneira,
interferem e mudam seus rumos, para melhor ou para pior.
Aquele já conhecido “jeitinho brasileiro”; aquela maneira de não cumprir as tarefas, não
respeitar a carga horária; desobediência às determinações; a “cocebagem”, para usarmos um
jargão de linguagem popular, seriam maneiras de burlar um sistema imobilizador. Em última
análise, seria uma forma de transgressão, de rebelião e revolta, mas uma revolta não declarada
(DIAS, 2005).
A divulgação de códigos culturais específicos pressupõe ressignificações e
reapropriações. Ou seja, elementos culturais não serão apreendidos de maneira linear, pois,
afinal, não temos nenhuma garantia de que os alunos irão apreender uma dada cultura tal
qual foi apresentada. Há, e haverá sempre, um importante papel desempenhado pelos
mecanismos de recepção. No caso do ensino, os próprios alunos.
29
CAPÍTULO II
2.1. Projeto tempo livre na escola: lazer e animação cultural
Espero ter sido capaz de enunciar de maneira suficientemente clara as razões e os
motivos para elaborar um projeto cuja intenção é oportunizar e ampliar o acesso a
linguagens culturais diversificadas. Pois, o projeto consiste exatamente nisso: a organização
de espaços de difusão, prática e produção cultural. Consiste, mais precisamente, no
oferecimento de “oficinas culturais” que inicialmente contarão com as seguintes
linguagens: a) teatro, b) cinema, c) esportes, d) dança, e) artes visuais e f) literatura.
No caso do teatro, uma proposta de “oficinas teatrais” e experimentação
dramatúrgica do corpo, baseada na perspectiva do “teatro do oprimido” ou “teatro político”
de Augusto Boal, seria uma boa maneira de operacionalizar a idéia. Uma oficina, que além
dos exercícios teatrais, pudesse ser seguida de discussões, reflexões, leituras de texto e
exposição de alguns importantes teatrólogos, servindo de auxílio e instrumentalização
pedagógico do teatro.
No cinema, um bom exemplo está na metodologia de discussão temática
cinematográfica, um método que tem sido largamente utilizado pelas intervenções do grupo
de pesquisa Anima4. Consiste basicamente na exibição de filmes seguidos da organização
de debates sobre as formas e os conteúdos dos filmes assistidos. Trata-se do resgate da
tradição cineclubista (MELO, 2002) especificamente no ambiente escolar (DIAS, 2004).
Nos esportes, primeiramente, o oferecimento de atividades com vistas ao alargamento e
expansão das possibilidades de vivências esportivas. A esse processo deve ser seguido, de 4 Para saber mais, consultar o site: www.lazer.eefd.ufrj.br
30
maneira um tanto sutil e mesmo informal, um estímulo ao questionamento aos modos e
modelos convencionais e amplamente difundidos de se praticar esportes. Na dança, a partir
de uma possibilidade de auto-expressão, da organização de momentos em que danças e
coreografias bem conhecidas pudessem ser experimentadas livremente para que em seguida
novas possibilidades pudessem ser apresentadas. Incluindo aí, o conhecimento de alguns
importantes elementos técnicos e personagens relevantes para história da dança. Nas artes
visuais e na literatura, a organização de rodas de leitura e de oficinas de pintura, por
exemplo, onde a partir do conhecimento das técnicas básicas pudéssemos ampliar essa
visão rumo a uma identificação das principais correntes, movimentos e vanguardas
artísticas e literárias, tais como o abstracionismo, cubismo ou expressionismo, ou ainda o
arcadismo, o romantismo ou o parnasianismo.
Em suma, a intenção consiste em oferecer essas oficinas para que os alunos
voluntariamente, na medida da sua vontade e de acordo com afinidades e interesses
particulares, se encaminhem para a participação de uma ou várias delas.
Óbvio está, que estamos nos referindo a uma tentativa de dimensionar,
pedagogicamente, alguns espaços de ensino da escola na perspectiva do lazer. Por conta da
estranheza desse tipo de debate no campo da Educação, será preciso demorarmo-nos um
pouco mais nas considerações teóricas sobre essa particularidade metodológica, o que
ocorrerá, mas não agora. Aprazaremos esses elementos e por ora, seguiremos detalhando
nossas intenções operacionalmente.
Nesse sentido, precisamos indagar-nos sobre como concretizar as finalidades
supracitadas? Em primeiro lugar é preciso que as “aulas” – se é que assim podem ser
chamadas, já que parte dos pressupostos que fundamentam esse projeto pretendem
31
exatamente romper com algumas das arcaicas características postas no modelo tradicional
de aula – ocorram para além do tempo oficial da escola, ou seja, que se organizem fora da
rígida e burocrática estrutura curricular.
Dessa maneira, alunos matriculados no turno da manhã, participariam das atividades
no horário da tarde, e vice-versa. E para dispor de professores para tal, basta que as
disciplinas Educação Física e a Educação Artística se organizem alternativamente na
escola. Ou seja, que a carga horária dessas disciplinas seja distribuída com uma parte
dentro do fluxo de horários convencionais e uma outra parte fora desses horários.
A opção de ainda manter parte dessa carga, mais precisamente a metade, o que
quantitativamente equivale a uma aula semanal, dentro do fluxo de horário convencional, se
dá pela realista expectativa de que nem todos os alunos poderão, em alguns dias da semana
(um ou dois), freqüentar a escola em dois turnos, haja vista que muitos jovens já têm
obrigações laborais. E a manutenção de uma parte das aulas dentro dos horários
convencionais pretende exatamente não privar, totalmente, esse grupo de alunos das
atividades.
Evidentemente essa organização não fere o cumprimento das cargas horárias
estabelecidas legalmente, na medida em que ambas as disciplinas continuarão operando
dentro do exigido. A forma de distribuição aqui proposta para essas disciplinas muda
somente a forma de organizá-las, em um tipo de disposição curricular que está, inclusive,
legalmente previsto.
A lei 9394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em seu
Art. 24, item IV, diz que “poderão organizar-se classes ou turmas, com alunos de séries
32
distintas, com níveis equivalentes de adiantamento na matéria, para o ensino de línguas
estrangeiras, artes, ou outros componentes curriculares”.
Algumas iniciativas no interior da Prefeitura Municipal de Rio das Ostras já se
delineiam nesse sentido, como, por exemplo, o Programa Sua Escola (PSE) e o programa
de Educação Física designado como “horário invertido”.5
Sobre este último, e em comparação as idéias que este projeto pretende divulgar,
cabe destacar que, embora ambos envolvam as aulas de Educação Física, estão assentados
sob parâmetros, referências e concepções teórico-metodológicas consideravelmente
diferenciadas, se não diametralmente opostas.
No nosso caso, pretende-se muito mais do que oferecer práticas de atividade física.
Nos propomos a, além de ampliar as fronteiras das atividades oferecidas, contribuir, de uma
maneira mais geral e abrangente, para uma educação para o lazer.
Nesse ponto, talvez seja útil esclarecer alguns elementos sobre o conceito de lazer e
as inúmeras interfaces que este fenômeno sócio-cultural estabelece com a Educação.
Na busca de um conceito sobre o lazer, nos apropriamos do que foi lançado por
Dumazedier (2001), que diz que lazer é um
conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para
divertir-se, recrear-se e entregar-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua
participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se o desembaraçar-
se das obrigações [...] (p.34).
Possui, dessa maneira, intrínseca e invariavelmente, um caráter desinteressado, não
utilitário, que não busca outra recompensa além da satisfação provocada pela realização da
5 A esse respeito ver Instituto Ayrton Senna (2005) e www.pmro.rj.gov.br/casadaeducacao/educacaofisica, respectivamente
33
própria atividade. O lazer traz em seu bojo relações éticas diferenciadas daquelas contidas
no trabalho. É um espaço privilegiado de trocas culturais. E são exatamente essas
dimensões éticas e culturais arraigadas no lazer que pretendemos disseminar entre nossos
alunos com sua ênfase no desenvolvimento pessoal, na valorização estética, das
sensibilidades, do gosto, do prazer e das subjetividades.
Já tentei manifestar minhas reticências sobre a maneira de organizar os currículos
escolares, tributo, fundamentalmente, de uma insistência em organizar metodologias
excessivamente centradas na palavra e ainda sob a credulidade no lógus moderno. Talvez,
articular ensino formal, lazer e cultura, seja uma possibilidade de redimensionar o ensino
formal das escolas que se vêem constantemente rodeados por sucessivas demonstrações de
anacronismos.
Aceito o princípio de que teorias curriculares, para não dizer o currículo
propriamente dito, organizaram-se sob forte influência do racionalismo, já podemos
concluir que a partir desse corolário de idéias propaga-se a valorização do trabalho como a
mais elevada atividade humana; como expressão da própria humanidade do homem. Logo,
potencializar o lazer como veículo de educação apresenta-se como uma pequena
possibilidade de romper e ampliar uma parte desses entendimentos.
Arroyo (2002) apresenta-nos o argumento de que a escola, tal como a conhecemos,
está fundamentada sob a égide de uma racionalidade totalizadora, que desencadeada ao
longo do projeto iluminista da modernidade, sempre vislumbrou como ideal a dominação e
o controle racional; daí sua inescapável vinculação ao mundo do trabalho e da produção.
E o trabalho técnico, racional, otimizado e taylorizado seguem o ritmo doutrinário
das máquinas, construídas e fabricadas sob esse mesmo ideário. A inconstância
34
especulativa das subjetividades não permite impelir o trabalhador moderno com a
regularidade que o capital requer. Então, a fria “racionalidade instrumental” se reproduz
fértil e incansavelmente no universo do trabalho.
Evidentemente, esse apanágio moral precisa de instâncias sociais que possam se
responsabilizar pelo cultivo das habilidades necessárias ao enquadramento das novas
gerações a essa estrutura axiológica. Sob essas circunstâncias a tecnocracia permanece
consolidada no ambiente escolar.
A eficácia da pedagogia moderna, formulada sob esses princípios e fundamentos,
associa-se à lógica das ciências positivistas, ou seja, formular as práticas pedagógicas de
modo que estas pudessem “especificar que resultados pretendiam obter, que pudesse
estabelecer métodos para obtê-los de maneira precisa e formas de mensuração que
permitissem saber com precisão se eles foram realmente alcançados” (SILVA, 2002, p.24).
Essas teorizações constituem um ranço até hoje para a educação. E com o intuito de
tentar superá-las, ou ao menos criticá-las, é que propomos a utilização do lazer como
veículo de educação, possibilitando um redimensionamento paradigmático, intervindo no
âmbito da cultura, especificamente de algumas linguagens culturais e artísticas, de maneira
a valorizar a expressão da criatividade, da subjetividade e das sensibilidades.
Lembremos que através das artes temos a representação simbólica dos traços
espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo
social, seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. A arte, como
uma linguagem representacional dos sentidos, transmite significados que não podem ser
transmitidos através de nenhum outro tipo de linguagem. (BARBOSA, 1998, p.16).
35
Ao mesmo tempo em que a informalidade, para não dizer o lazer, são dotados de
uma alta eficácia simbólica e, conseqüentemente, de um forte valor educativo. Ainda mais,
algumas manifestações artísticas mais contemporâneas como o cinema. A linguagem áudio
visual é um tipo de comunicação quase onipresente na contemporaneidade. Na verdade, a
atual geração de jovens estudantes mantém com a linguagem audiovisual uma
cumplicidade que antes era ocupada pela palavra escrita, pela leitura. A geração de 68,
talvez, tenha sido a última geração com forte apego por livros. Como bem afirma Zuenir
Ventura (1988), em 1968 “lia-se como hoje se vê televisão” (p.55). O advento de uma
“civilização da imagem”, na verdade e em última instância, é apenas mais uma
demonstração das dificuldades de sustentação do atual modelo de ensino das escolas. Como
nos aponta Espírito Santo (2005), “o modelo de escola vigente, produto da modernidade e
de sua ênfase no “logos”, no discurso, não se adapta mais às atuais necessidades
civilizatórias da sociedade” (p.215).
Tudo isso foi posto, para ressaltar nosso desejo em enfatizar mesmo a
informalidade, os aspectos lúdicos e sensíveis, que são quase sempre - e por motivos já
exaustivamente apontados - menosprezados pelo atual sistema educacional.
Alunos mostram-se sempre muito receptivos as atividades de lazer promovidas pela
escola. Contudo, isso não deve servir como o único argumento para sua efetivação.
Somente o fato dos alunos gostarem de determinadas atividades, não justificaria,
pedagogicamente, sua implementação. Devemos então, salientar que o lazer compreendido
por nós não se refere ao puro e simples entretenimento, como uma despretensiosa ocupação
do tempo disponível, mas ao contrário disso, deve ser visto como uma atividade
potencializadora de novos olhares para a realidade social (MELO, 2002).
36
Nos momentos de lazer reside um imanente difusor educacional; um aspecto
formativo e informacional, carregado de valores que podem influenciar poderosamente as
concepções de mundo. Muitos de nós já ouvimos ou mesmo proferimos comentários que
afirmam que “jovens só aprendem o que não presta!”.
A receptividade e disponibilidade dos jovens para esses aprendizados “que não
prestam” podem ser explicadas pela atmosfera dessas aprendizagens que são, sabidamente,
mais aprazíveis, e por isso mesmo, oportuniza o surgimento de uma intensa rede de
sociabilidade onde o diálogo e a troca de experiências se estabelece como fundamento
primeiro. Daí os aprendizados ali vinculados adquirirem para os jovens grande relevância.
Aliás, é algo que se aplica também aos adultos. Basta lembrarmos como são significativas
nossas experiências na esfera do lazer; a força e o entusiasmo das nossas lembranças sobre
viagens, passeios e excursões; a alegre nostalgia dos momentos partilhados nos recreios
escolares.
A imagem das nossas lembranças, especialmente aquelas associadas aos momentos
de lazer, dá notícia de que a experiência educativa, no sentido mais amplo que isso pode
ter, é algo fluido, dinâmico e intenso. E dessa forma essas experiências educativas podem
ocorrer, e é certo que ocorrem, em inúmeras “agências” que concorrem entre si: o clube, a
praia, a academia, a lan house, as praças e porque não, as escolas, entendidas
evidentemente como um todo, e não restritas ao espaço-tempo apenas das salas de aula.
O conhecimento é algo mais sentido do que pensado. Uma idéia expressa de
maneira magistral no diálogo entre o carteiro Mario Ruopullo e o poeta Pablo Neruda, no
filme “o Carteiro e o poeta”, quando o Mario questionando “Don Pablo” sobre os
significados de uma poesia e obtém a resposta que: “quando se explica, a poesia se torna
37
banal. Melhor do que qualquer explicação é a experiência de sentimentos que a poesia pode
revelar a uma alma suficientemente aberta para entende-la”.
Uma experiência educativa para fazer sentido tem que ser sentida (MELO e ALVES
JUNIOR, 2003). “Não entenda, apenas sinta!”, conclamava ainda em meados da década de
60 aos seus expectadores o cineasta Jean-Luc Godard. Aprendizagens significativas são
corporificadas; são “in-corpo-radas”. O conhecimento propagado na escola tem que ser
pulsante e efervescente; tem quer ser vivo! Tem que considerar os inúmeros locais e
circunstâncias em que ele pode ser construído, incluindo aí os espaços extracurriculares.
Uma aprendizagem significativa só pode ser alcançada movida pelo desejo em
aprender. A curiosidade é a matriz do pensamento crítico, como já bem advertia Paulo
Freire (1996). Esse desejo não é algo imposto autoritariamente, mas ao contrário, e como
demonstrava com exaustão os trabalhos de Piaget, é fruto de motivações e interesses
próprios a cada um. Se os jovens de hoje não se interessam pelos conteúdos que são
apresentados na escola cabe nos indagarmos se os conteúdos vinculados na escola
tornaram-se desinteressantes ou se nós, professores, não estamos tendo competência
suficiente para torna-los interessantes aos olhos dos alunos?
A aventura da aprendizagem é fascinante. Seres humanos têm curiosidade em
aprender. E nossos alunos - lembremos a tempo - são seres humanos. Gostam de aprender.
Querem aprender.
João Batista Freire (2003), comentando a maneira primorosa como os brasileiros
aprenderam a jogar futebol, alude a maneira particularmente eficiente que esse processo se
desdobra a algumas décadas. Segundo ele, um aprendizado construído nas ruas; uma
pedagogia das ruas.
38
Evidentemente, essas duas instâncias educativas (a rua e a escola) diferem entre si,
quer seja nas formas, quer seja nos conteúdos. Mas importa destacar que ambas podem e
devem ser compreendidas como instâncias educativas, e que isso não seja mal interpretado.
Não se trata de repetir na escola o que se faz nas ruas. Não se trata aqui de fazer apologia
aos elementos depreciativos encontrados na rua.
Trata-se, fundamentalmente, de levar em consideração os elementos procedimentais
positivamente dimensionados nesse processo, do ponto de vista pedagógico.
Nomeadamente, deve-se levar em consideração a valorização da cultura popular, a
preservação de espaços lúdicos de auto-expressão, a atmosfera informal e dialógica, os
estreitos laços interpessoais e as intensas redes de sociabilidade tão arregimentadas na
“competência pedagógica das ruas e da informalidade”.
A hostilidade da escola para com processos educativos não-institucionais dificulta
enormemente a criação de um contexto cultural renovado. A normatização, sistematização,
fragmentação e disciplinarização do conhecimento que é imposta pela rigidez burocrática e
institucional da escola, diminui a possibilidade de sua configuração como uma instância
cultural produtora de conhecimentos criativos e imaginativos. Fecha, dessa maneira, a
chance que o conhecimento produzido na escola se instrumentalize como ferramenta eficaz
de luta pela hegemonia política e cultural de outras classes sociais que não a dominante.
Como bem esclarece Carrano (2002)
Poderia se afirmar que o princípio básico do processo educacional formalizado é o de tentar
reduzir os níveis de informalidade e imprevisibilidade do sistema. Essa orientação para a
sistematização e controle unívoco dos processos educativos tende à linearidade e ao
fechamento das práticas, impedindo que se enxergue potencialidades educativas naquelas
39
situações que fogem ao controle pedagógico. O circuito de continuidade e previsibilidade
acaba por limitar as possibilidades comunicativas da instituição escolar com a cultura vivida de
seus alunos, que são permanentemente desafiados por um mundo de descontinuidade e
movimentação (p. 57).
Paulo Freire (1996) também já fizera alguns importantes apontamentos nesse
sentido. “É uma pena que o caráter socializante da escola, o que há de informal na
experiência que se vive nela, de formação ou deformação, seja negligenciado. Fala-se quase
exclusivamente do ensino dos conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre entendido
como transferência de saber” (p. 49).
Para aqueles que se deparam cotidianamente com problemas diversos nos interiores
da escola sabem: a escola vive hoje uma “falência e incapacidade comunicativa”, que talvez
“seja o maior obstáculo hodierno à eficácia de uma escola exacerbadamente racionalista”
(ESPÍRITO SANTO, 2005). É difícil, ás vezes mesmo impossível dar um recado sequer. A
possibilidade de diálogo e comunicação, pré-requisito do processo educativo está
praticamente encerrada.
Talvez, a construção de um programa de lazer para a escola signifique uma pequena
chance de resgatar a representatividade simbólica da escola para uma geração de jovens que
se demonstra desiludida e desacreditada com as promessas por esta apresentada. Talvez, a
incorporação da informalidade que brota do cotidiano como princípio pedagógico
represente a aceitação dos conhecimentos, e de maneira mais profunda, de toda uma
ambiência cultural gerada fora dos muros da escola. Talvez, seja a possibilidade de
construção de um novo “núcleo estruturante”; de um processo de ampliação,
aprimoramento e atualização de práticas pedagógicas.
40
Nesses termos, as aulas de Educação Física não estariam operando como aula, no
sentido mais strictu, piegas e clichê. Nesses termos, as atribuições do professor de
Educação Física estariam se confundindo com a de outros professores, no caso desse
projeto, especialmente o de Educação Artística.
Em alguma medida, isso fere uma dos princípios mais fundamentais para a maioria
dos corporativos e tradicionais professores de Educação Física. É algo a que eles são, em
geral, muito apegados: a pseudolegitimidade da própria Educação Física no ambiente
escolar.
Não desconheço isso. Tampouco ignoro os possíveis estranhamentos que possam
surgir de alguns olhos tão mal acostumados a práticas repetitivas e entediantes. Contudo – e
apesar do respeito e piedade que alimento para com essas mentes mais apequenadas -
reservo-me o direito à inquietação, típica dos mais jovens como eu. Reservo-me o direito de
alimentar meu próprio espírito com a esperança de mudar; de tentar avançar. Mas não de
uma pequena mudança; algo parcial, reformista e superficial.
Os dados da concretude não se apresentam de maneira fragmentada e disciplinar.
Ao contrário, apresentam-se sempre sob perspectivas multidisciplinares e complexas. Os
desafios postos pelo mundo exigem respostas igualmente complexas. Nesse sentido,
extrapolar os limites disciplinares, justificadas sob o nome de especificidade, é urgente.
Ainda que corramos o risco de alterar determinadas tradições, o que em se tratando de
práticas escolares, não é, a rigor, nenhuma perda.
Por motivos diversos, a Educação Física é uma disciplina marginal no interior da
escola. E contra essa marginalização muitos professores se empenham, cega e
furiosamente, em tentar estabelecer a legitimidade da disciplina. Não há nada de errado
41
nisso. O estranho, é que em busca desse nivelamento, dessa equidade as demais disciplinas,
os professores aceitem empreender um enorme esforço no sentido de se apropriar dos
elementos mais arcaicos da escola, tais como, a burocratização dos procedimentos de
ensino, a aplicação de avaliações cujos critérios não tem sentido nem eficácia, a
hierarquização dos relacionamentos professor-aluno. Em síntese: reproduzem o que há de
pior e mais anacrônico no ensino formal.
Tentar se equiparar a outras disciplinas é como se uma pessoa saudável tentasse se
tornar doente só para se assemelhar a uma maioria de doentes. Com isso, não quero dizer
que todos os procedimentos da escola sejam condenáveis, ou, inversamente, que todos os
elementos da Educação Física sejam ótimos e não precisem de mudanças. Mas nem toda
mudança é para melhor. Pode-se mudar para pior. E é isso que me parece a idéia de
enquadramento da Educação Física a determinadas tradições nefastas presentes na estrutura
escolar: uma mudança para pior. Um retrocesso.
2.2. Animação cultural e o contexto escolar: possibilidades
Vislumbrando o avanço é que tenho em mente, em primeiro lugar, a ampliação do
espaço-tempo de intervenção da Educação Física, incluindo e abarcando o tempo livre; o
tempo de lazer, que permitiria entre outras coisas, o abandono de um espaço educacional
saturado e viciado como é o tempo de ensino formal. E em segundo lugar, e uma vez mais
uma decorrência do primeiro, a incorporação de outras linguagens culturais ao ensino da
Educação Física, que é somente uma maneira diferente de dizer que se amplia e se
flexibilizam os conteúdos. A grade curricular não poderia ter uma designação mais precisa:
uma grade. Um objeto que cerceia e oblitera o exercício da liberdade.
42
Na necessidade de um nome para tais proposições, pode-se identificar esse conjunto
de princípios metodológicos pelo nome de animação cultural, entendida aqui como uma
possibilidade de intervenção pedagógica nos momentos de lazer, cuja peculiaridade é ter a
cultura como foco e estratégia central de atuação (MELO e ALVES JUNIOR, 2003).
Sob essa perspectiva, o pensar certo já não é um dado dado, como dizia Paulo
Freire (1996). O pensar certo passa a ser algo produzido pelo educando, onde a curiosidade,
ou para usar termos propriamente freireanos, a “curiosidade epistemológica”, passa a ser
entendida como a matriz do pensamento. E isso não anula a importância do professor. Para
longe disso, o professor passa a ser, verdadeiramente, um elemento fundamental nesse
processo. Um elo de ligação; um agente mediador.
o animador cultural deve ser fundamentalmente um estimulador de novas experiências
estéticas, alguém que, em um processo de mediação e diálogo, pretende apresentar e discutir,
induzir e estimular, o acesso a novas linguagens; um profissional que educa ao apresentar
possibilidades de melhor sorver, acessar e produzir diferentes olhares (MELO e ALVES
JUNOR, 2003, p. 42).
Na prática, trata-se da realização cotidiana de um processo de estímulo e
sensibilização a necessidade do lazer, e de maneira mais profunda, da sua compreensão e
aceitação como um direito de cidadania. Uma tentativa de ampliar as possibilidades de
lazer dos alunos, estimulando e garantindo o seu acesso a patrimônios culturais como, por
exemplo, o teatro, o cinema, os esportes, a dança, as artes visuais e a literatura.
Para tal, evidentemente, é preciso pré-disposição para renegociar fronteiras
disciplinares, quando não, coragem e ousadia para implodi-las definitivamente. Ao mesmo
tempo, os mais temerosos não precisam apavorar-se. Isso não significa abdicar de alguns
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conteúdos de ensino, como o esporte, por exemplo. A discussão aqui gravita em torno tanto
da forma quanto dos conteúdos. Redimensiona-se, simultaneamente, a formas como se
ensina e o quê se ensina.
Ainda a respeito do tratamento pedagógico oferecido às atividades físicas na escola,
é importante oferecer-lhe uma abordagem que o trate em todas as suas particularidades,
sem abrir mão do oferecimento de uma certa variedade de atividades. Em outras palavras, o
ensino desse conteúdo específico, que por tradicionalmente ser tratado exclusivamente pelo
viés da técnica, deve passar a ser visto como uma linguagem cultural poderosíssima, de alta
penetrabilidade e mobilização social.
Não e possível separar a formação intelectual da moral; a ética da estética. Se nos
perguntarmos porque a classe dominante foi, é ou tem sido permissiva quanto ao acesso
universal a escola, perceberíamos que o que é oferecido às classes populares são migalhas.
O treino técnico do operário chega mesmo a ser estimulado pelo empresário. O que lhes é
negado é a formação. Do mesmo modo, na escola se oferece um adestramento, nunca um
estímulo ao pensamento crítico.
Dessa maneira, o fenômeno esportivo não é tratado em desconexo com o todo
social, pois nesse caso, estaríamos impedindo uma prática reflexiva acerca desta linguagem,
que em nada contribuiria para a formação do cidadão. O aprendizado esportivo, quando
dimensionado como um acúmulo de gestos técnicos, esvazia as possibilidades
verdadeiramente educativas, pois os conteúdos de ensino devem ser tomados apenas como
meio para se alcançar um objetivo mais amplo – nesse caso, a formação humana - e não
como um fim nele mesmo. O ensino da técnica justificado pela própria técnica não permite
desdobramentos, pois se encerra nele mesmo.
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Sob a ótica da animação cultural:
mais do que simplesmente estimular as pessoas à prática de atividades físicas, é importante
tentar conscientizá-las sobre os sentidos e significados dessas práticas na ordem social
contemporânea. É importante que as pessoas aprendam a desvendar, de forma crítica, os
discursos difundidos com constância pelos meios de comunicação sobre a prática de
atividades físicas, percebendo como tais discursos carregam valores deturpados ou mitos. É
preciso esclarecer essas dimensões do esporte para o público [...] é preciso lembrar que devem
ser desenvolvidos modelos de prática esportiva próprias e adequadas às peculiaridades dos
momentos de lazer, sendo um equívoco reproduzir e estimular modelos já configurados
(MELO e ALVES JUNIOR, 2003, p. 41).
Nas próprias diretrizes para os conteúdos da educação básica deverão compreender,
de acordo com a lei 9394, Art. 27, Item IV, “a promoção do desporto educacional e apoio
às práticas desportivas não-formais” (BRASIL, 1996, o grifo é meu).
Todo esse processo deve considerar o gosto estético dos alunos, seus interesses
intelectuais e sua curiosidade. E que isso não seja interpretado como subserviência aos
saberes do educando, que nesse caso, seria tão ruim quanto à postura arrogante e
presunçosa de quem impõe seu conhecimento com verdadeiro. O desafio é ir apresentando-
lhes a necessidade de superar e ampliar as noções com que interpretam o mundo. Mais
ainda: deve considerar, deve mesmo exigir uma reflexão crítica sobre a própria prática. Em
outras palavras, exige uma avaliação do próprio trabalho.
O princípio primeiro dessa avaliação deve ser o de uma democracia radical. Uma
abertura dos canais de participação, onde os alunos tenham espaço para se expressar e
exprimir suas opiniões acerca dos procedimentos de ensino. Não existe ensino sem
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aprendizagem. Além do mais, a razão de ser da escola é o próprio aluno. E nesse sentido,
ouvi-lo, escuta-lo, não parece ser demais.
Lembremos ainda que o trabalho do professor é o trabalho do professor com os
alunos, simultaneamente, e não do professor consigo mesmo. É impressionante a recusa da
escola em pôr-se a ouvir os alunos. Essa situação me serviu muitas vezes de inspiração para
a galhofa e para piadas. Costumo brincar com os outros companheiros de trabalho dizendo-
lhes que a escola é muito boa, o que atrapalha são os alunos. As aulas de muitos
professores, a minha mesmo, seria excelente, se lá não estivessem os alunos a atrapalharem
com seus barulhos, indisciplina e legítima rebeldia. Imagino sempre o dia em que ministro
a melhor das aulas para uma sala vazia, falando para as paredes, sem barulho, sem
inquietação, sem vida, onde posso divagar pelo mundo das idéias... Sozinho evidentemente!
Uma situação assim seria cômica se não expressasse a falência comunicativa da
escola e de seus métodos de ensino. Seria, portanto, trágica. É preciso que busquemos um
melhor entendimento acerca das expectativas dos alunos sobre a escola, sobre as aulas,
sobre os conteúdos. A maneira como os alunos percebem o professor é fundamental no
processo educativo. Por isso mesmo é um tipo de informação que deve se buscar. “A
percepção que o aluno tem de mim não resulta exclusivamente de como atuo, mas também
de como o aluno entende como atuo” (FREIRE, 1996, p. 109).
Nesse sentido, penso que seria muito frutífero que ao término de um dado período
de trabalho escolar (quer seja um bimestre, um trimestre, um semestre ou mesmo o ano
letivo) fosse aplicado aos alunos algumas perguntas para que eles pudessem expressar o
que pensam sobre o professor, sobre a escola, sobre as aulas, sobre seus colegas de turma e
porque não, sobre si mesmos. Um simples e pequeno questionário que perguntasse, de
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maneira muito direta e objetiva, o que houve de melhor e pior nas aulas? O que eles
aprenderam ou deixaram de aprender? Que conteúdos eles gostariam de ver difundidos na
escola? Como eles avaliam o professor e as relações que esse estabelece com a turma?
Como eles avaliam o próprio empenho na construção das aprendizagens? Que sugestões,
mudanças ou alterações eles teriam a propor ao funcionamento das aulas e mesmo da
escola?
Evidentemente isso não inviabiliza, e nem deve inviabilizar, a realização de
pequenas avaliações. Essas deveriam ser mais freqüentes e cotidianas. Tendo muita clareza
que estamos falando de uma avaliação do processo de ensino-aprendizagem e não dos
alunos. Importa observar o que, como e quanto os alunos estão ou não aprendendo e não
rotular ou enquadrar alunos nesse ou naquele modelo pré-estabelecido. E o simples fato de
buscarmos a construção de um processo avaliativo que abra espaço para a expressão dos
alunos, já é, em si mesmo, uma lição de humildade e de democracia. É um exercício de
liberdade e de auto-expressão.
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CONCLUSÃO
Ao propor esse projeto, mantenho acesa em mim a chama do desejo de difundir e
propagar discursos críticos e questionadores pelos corredores da escola, que em geral, se
apresentam como espaços anacrônicos e reacionários, por mitificarem as tradições e toma-
las como imutáveis. Trata-se mesmo de um desejo em contribuir para que o maior número
possível de pessoas participem dos processos decisórios da escola.
Entretanto, que fique bem claro, trata-se de uma preocupação que está muito além
da ingênua denúncia ao conservadorismo arraigado no sistema educacional. Trata-se de
delinear, em linhas gerais, alguns poucos princípios metodológicos que dêem conta das
minhas intenções educativas, a saber, romper com o caráter excessivamente disciplinar,
castrador, cerceador e exclusivamente tecnicista das aulas em geral e da Educação Física
em especial. E isso, através de uma intervenção pautada sobre os princípios de uma
educação para e pelo lazer, que busca o dimensionamento da vida humana integral e
dialeticamente, ao invés de faze-lo somente pelo prisma da ética do trabalho. O
conhecimento, a cultura e as artes podem se constituir como uma manifestação de lazer,
uma possibilidade de usufruto do tempo disponível, compreendido como um direito
constituído, onde o compromisso em oferecer subsídios para o exercício desse direito deve
ser permanente, criando oportunidades de vivências de lazer, que não se limitem à
dimensão prazerosa, mas que também não a desconsidere.
Isto é, não se trata mais de oferecer um conjunto de atividades para o simples passar do tempo,
que acabam contribuindo para a alienação do indivíduo perante a ordem social. Trata-se sim
de perceber que temos uma poderosa ferramenta de intervenção à busca da construção de uma
nova ordem social, mais fraterna e mais justa (MELO, 2005, p. 77).
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O modelo organizacional das escolas é tão estúpido, que se torna frágil. É tão
vulnerável, que não suporta críticas. Daí o desejo latente em silenciar qualquer voz
divergente, sentenciar e punir qualquer voz que ouse romper com o marasmo, com a
estagnação e com o silêncio imobilizador que ronda as escolas.
Parafraseando Raymond Williams, falar de certas coisas, de certos objetivos, de
certas intenções significa demonstrar o quão longe estamos de alcança-los. No caso
específico da escola, significa evidenciar e tornar explícito o estado de miséria e abandono
– não só material – mas, sobretudo, moral e intelectual a que nós, alunos e professores,
somos submetidos e o que é mais grave, somos conformados. Atualmente, a evasão mais
grave e severa que assola as escolas é a evasão simbólica. Uma espécie de esvaziamento de
sentidos e significados. Uma espécie de morte intelectual.
Mas apesar disso permaneço vivo, não sigo a mística. Sigo, cotidiana e
incansavelmente, tentando me fazer presente, tentando sempre empreender um poderoso e
derradeiro ataque capaz de fazer, de alguma maneira, essa caduca estrutura balançar.
Nunca me furtarei o direito de pensar, de criticar, de questionar, de ponderar. Nunca
me absterei de tentar minar as matrizes de controle e de poder, quer atuem sobre os alunos,
quer atuem sobre os professores. Nunca serei subserviente a qualquer tipo de empreitada de
docilização dos corpos – como dizia Focault. Nunca abrirei mão de polemizar e de lutar
como fazem os lutadores “faixas brancas” ao subir no ringe sem medo de apanhar dos
“faixas pretas”. História é possibilidade. O mundo, a sociedade, a escola, não é assim ou
assado, mas está sendo. Talvez, ao longo da luta um golpe possa acertar e deslocar a base
sobre a qual tudo isso se sustenta. Talvez, sequer precise de vitórias como marcas. A meta é
desequilibrar e desestabilizar, ao menos provisoriamente.
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Agora, que essas idéias foram rapidamente apresentadas, podem se perguntar: e a
plausibilidade? O quanto de utopia e de devaneio se pode encontrar nelas? Em que medida
elas são operacionais? Amiúde, falar de certas coisas significa demonstrar o quão longe
estamos de alcança-los; é vislumbra-las no horizonte. Como diz Eduardo Galeano: “a
utopia é assim como o horizonte; eu caminho um passo em sua direção e ele se afasta um
passo. Avanço dois passos e ele recua dois passos. Mas, então, pra que serve a utopia? Pra
isso, pra caminhar”.
Um projeto é um plano, um empreendimento. É a intenção de fazer ou realizar algo
no futuro. Sua origem do latim, projectus, onde pro quer dizer a favor de algo e jectus,
lançar-se à frente; no futuro. A atitude de projetar implica, portanto, em lançar-se ao futuro
a favor de alguma coisa. Merleau Ponty (1999) dizia que estar vivo é empenhar-se
continuamente em projetos no mundo, é confundir-se com eles. Esse, portanto, é o meu
projeto.
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