Projeto de Pesquisa - - Do Corpo Ao Culto, Um Corpo Oculto PDF!

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  • Universidade de So Paulo Graduao em Cincias SociaisDepartamento de Antropologia

    Projeto de pesquisa

    Do corpo ao culto,

    Um corpo oculto.

    Flavia Altenfelder Santos - N USP: 7617000So Paulo SP - Novembro de 2014

    Flavia Altenfelder

  • Resumo:

    O presente trabalho tem como objetivo aprofundar a discusso acerca do corpo de umbanda, em seus diversos aspectos, meandros, smbolos, imagens, significados, sensaes e desejos.

    Partindo dos arqutipos e mitos que carregamos em ns e as forma como eles se expressam nos corpos, contrapor-se-a o corpo incorporado, tomado pelo transe dos ritu-ais de Umbanda, ao corpo do dia-a-dia do mdiuns. Tendo sempre em vista o panorama histrico de perseguio e preconceitos, aos quais foram e ainda so submetidas as reli-gies afro-brasileiras.

    Aqui no cabe entender a incorporao e sim a percepo que o indivduo tem de seu corpo quando est incorporado e qual a relao estabelecida com o prprio corpo nesse e a partir desse momento.

    Destaca-se aqui a atualidade do tema do corpo e as formas de cultu-lo e viven-cia-lo. Numa sociedade em que, por um lado, as imagens ganham cada vez mais fora e se impe de forma to bruta e distante da realidade experienciada pelos indivduos atra-vs de seus corpos; e, por outro, a importncia crescente que damos ao intelecto, raci-onalidade, abandonando vivncias e aprendizados que se dem atravs do corpo. Acen-tua-se a importncia de um aprofundamento sobre outras formas de cultuar o corpo e aprender, atravs dele, sobre ns.

    Palavras-chave:

    Umbanda; Corpo; Culto; Mito ; Incorporao; Religio Afro-brasileira.

  • ndice

    1 Introduo..01

    2 Justificativa.05

    3 Objetivos..14

    3.1 Geral.14

    3.2 Especfico.14

    4 Quadro de referncias

    4.1 - Terico.15

    4.2 Metodolgico..17

    5 Cronograma19

    6 Bibliografia.20

  • I - Introduo

    A umbanda vem resgatando o tempo em que no havia separao entre muitas

    coisas, que hoje so separadas. No havia muita separao entre o cotidiano e o espiri-

    tual. O espiritual era vivido cotidianamente. No havia separao entre as coisas. A

    prioridade do mental que a gente vive hoje, o cerebral, no era assim, era um outro

    tempo. Era um tempo tambm sem relgio. um tempo em que as celebraes eram

    vividas cotidianamente. As pessoas no se reuniam para celebrar alguma coisa, elas

    estavam em celebrao cotidianamente e o culto natureza se dava dessa forma. E

    nesse sentido a dana uma forma de expresso fortssima, que liga o espiritual, o sa-

    grado com o mundano, o profano

    (conversa espontnea com um frequentador, a caminho do terreiro)

    Os mitos falam do corpo. Corporificamos, consciente ou inconscientemente es-

    tes impulsos ancestrais. O biolgico se mistura ao mtico e ao espiritual atravs de nos-

    so corpo, em suas assimilaes e memrias. O corpo na Umbanda muito importante, as danas, marcas que possu-

    em na pele, movimentos corporais simblicos e incorporao so muito presentes na

    religio. H uma expresso muito interessante que discursada pelos umbandistas: Na

    Umbanda voc sente no seu corpo o "ax, como se o sagrado fosse palpvel e con-

    creto a eles, corporificado.

    Na umbanda o sagrado reside nas foras da natureza, simbolizadas pelos Orixs,

    A umbanda trs a natureza para dentro, atravs dos orixs, os quais se manifestam atra-

    vs das entidades incorporadas pelos mdiuns durante os rituais - giras. Os orixs tra-

    zem em si a fora dos mitos, a fora das guas, das matas, do fogo, do ar. Atravs do

    movimento a natureza acontece nos corpos. Cada Orix tem a sua histria, seu mito;

    transmitidos oralmente, desde a frica, atravs dos tempos, atravs dos escravos, atra-

    vs do Candombl, at hoje. Por seu carter oral, as religies afro-brasileiras esto sempre imersas em mistrios e

    segredos, os quais devem, segundo Reginaldo Prandi, ser desvendados aos poucos pelos

    devotos.

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  • Tudo vai sendo aprendido aos poucos, tudo cercado de uma aura de mistrio, cada

    coisa como um segredo novo (Prandi, 2005)

    Por isso (tradio oral) e tambm pela violncia e perseguio s quais sempre

    estiveram submetidas as religies afro-brasileiras, certamente muito dos valores, hist-

    rias e mitos se perdeu, outro tanto se transformou, uma parte segue, outra deve ser recu-

    perada.

    A persistncia e resistncia dessas tradies salta imediatamente aos olhos do

    observador que se faz consciente da histria dessas manifestaes religiosas. Sua capa-

    cidade de adaptao, assim como de preservao demonstram sua fora atravs dos

    tempos.

    Da frica, originalmente veio o Candombl. No candombl, os iniciados incor-

    poram os Orixs, ou seja, a natureza em sua forma mtica mais bruta e pura. A chuva, as

    matas, os rios, as tempestades e assim por diante.

    Com o passar do tempo, por diversos motivos, que sero melhor explorados no

    decorrer do trabalho, a pureza do Candombl, suas razes unicamente africanas, foram

    sendo transformadas e da surgiu a Umbanda.

    Na Umbanda, o contato com os Orixs, geralmente, no se d de forma direta,

    como no Candombl, mas sim atravs de entidades, espritos de seres mticos que j ha-

    bitaram a Terra, que baixam" afim de se comunicar com os seres humanos, atravs dos

    mdiuns. So caboclos (espritos indgenas), pretos velhos, marinheiros, ciganas, pom-

    bas-giras, exus e tantos outros. Figuras tpicas do folclore e da histria brasileira, que

    foram absorvidos pelas tradies africanas e incorporados ao universo espiritual, na

    forma do sincretismo inaugurado pela Umbanda, unindo tudo isso ainda ao universo dos

    santos e santas catlicos. Candombl a religio dos Orixs, surgida na Bahia no sculo XIX, a partir das

    tradies de diversos povos africanos. A umbanda surge, no sculo XX, a partir do can-

    dombl de angola, o qual absorveu diversas concepes e ritos de origem iorub. Atualmente todas essas religies compartilham crenas, prticas, rituais e vises de

    mundo entorno das concepes de vida e morte; e se reconhecem como povo-de-santo. Na cosmologia Iorub, assim como na de outros povos africanos, os aconteci-

    mentos do passado esto vivos nos mitos, que falam de grandes feitos, atos hericos e

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  • descobertas, entre outros acontecimentos dos quais a vida cotidiana deriva, como conti-

    nuidade do mito. Os mitos, em todas as culturas, so acontecimentos atemporais, relaci-

    onados a tempos remotos, mas sempre atrelados vida presente. O tempo do mito o tempo das origens, dos arqutipos, do humano, do hmus.

    um passado remoto sempre presente, permeando a coletividade humana.

    Transmitido oralmente. Esse tempo cclico seria, justamente, o tempo da natureza, as-

    sim como o tempo da memria, o tempo mtico. E a religio a ritualizao dessa

    memria, desse tempo mtico, cclico, atemporal, sempre presente. Ela a representao

    disso na atualidade, atravs de seus smbolos e encenaes ritualizadas, esse passado

    que garante a identidade do grupo quem somos, de onde viemos, para onde vamos?

    o tempo da tradio, da no-mudana, tempo da religio, a religio como fonte de

    identidade que reitera no cotidiano a memria ancestral.

    Tudo isso tem a ver com o transe religioso. As tradies iorub afirmam que

    cada pessoa portadora de diversas almas, sendo trs mais importantes, 1. o Ori - a ca-

    bea, que contm o destino de cada um, a individualidade, que perece com a morte do

    corpo. 2. o egum, que representa a continuidade familiar, o esprito do parente morto

    reencarnado no novo ser humano que nasce e 3. o Orix, que a ligao com a origem

    mtica e com a natureza, a referncia ao mundo fora dos limites da famlia, o mundo

    total. (PRANDI, 2005)

    O transe uma representao corprea da memria mtica coletiva, o passado

    sendo corporificado no presente, para se mostrar vivo. Os orixs se manifestam atravs

    de seus filhos, quando estes danam, cada qual com seus gestos caractersticos, que

    remetem a seus feitos mticos, histricos, hericos, sua essncia.

    Stanley Keleman (criador da Psicologia Formativa - abordagem calcada na no-

    o do corpo enquanto processo somtico, em constante transformao), por sua vez,

    parte do corpo e considera que os mitos tem a funo de permitir que as pessoas organi-

    zem as experincias do prprio corpo. A mitologia a potica do corpo cantando sua verdade celular. Sei que a experincia

    um evento corporificado, e o mito, como um processo organizativo, o modo que temos

    para ordenar a experincia somtica. (KELEMAN, 2001)

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  • Em seu livro Mito e Corpo Keleman discorre longamente sobre os mitos em

    sua relao com o corpo, introduzindo a discusso acerca da dificuldade encontrada em

    nossa sociedade de nos permitirmos aprender com as experincias corporais e no ape-

    nas com as intelectuais.

    Os mitos descrevem as experincias do corpo. Eles so, na verdade, metforas para

    estados corporais internos, experincias e desenvolvimento. Os mitos tambm ajudam o

    corpo a organizar e incorporar a experincia. Nos dias de hoje, os mitos no esto mais enraizados na experincia corporal. Ns pri-

    orizamos as imagens e os smbolos do corpo, as suas funes cerebrais. Isso nos condu-

    ziu a uma Terra Devastada moderna. Ns negamos o corpo como fonte de conhecimen-

    to. (KELEMAN, 2001)

    A umbanda vem resgatar esse tempo mtico, transformado-o em experincias

    somticas. A dana do transe surge, nesse sentido, como uma forma de expresso, que

    liga o espiritual ao fsico, ao corporal. Retomando as matrizes africanas, mas, sobretudo,

    a matriz humana, cultuada pela umbanda, atravs de seus rituais, que acessam esse ser

    sem tempo, simultaneamente moderno e antigo.

    Introduzidas as consideraes iniciais sobre o tema, se faz possvel delinear me-

    lhor o objeto do trabalho: os mitos que envolvem o corpo de umbanda, seu histrico,

    suas representaes e sensaes; os arqutipos de seus movimentos e seus reflexos no

    cotidiano do mdium.

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  • II Justificativa:

    A umbanda, organizada nos padres observados atualmente, se originou entre as

    dcadas de 1920 e 1930 com a mescla de praticas kardecistas com elementos de tradi-

    es religiosas afro-brasileiras e sendo ento defendida como uma nova religio.

    Mesmo antes, porm, de adquirir um contorno mais definido, muitos elementos forma-

    dores da umbanda j estavam presentes no universo religioso popular do final do sculo

    XIX, sobretudo nas prticas bandos.

    Antes disso, no entanto, muitos elementos da umbanda j estavam presentes nas

    prticas religiosas populares. Na cabula e na macumba, por exemplo, os chefes de culto

    eram chamados de umbanda possvel origem do nome da religio que se formou pela

    ao desses lderes ou suas prticas e ainda, alm dos nomes de cargos, se vm ele-

    mentos dessas religies presentes na umbanda praticada hoje.

    As origens afro-brasileiras da umbanda se do por meio do culto entidades

    africanas, aos caboclos (espritos amerndios), aos santos catlicos e a entidades ento

    acrescentadas pela influencia do kardecismo (mdium, transe, etc.).

    A umbanda constitui-se, portanto, como forma religiosa intermediria entre os

    cultos populares j existentes. Preservou a concepo kardecista do carma, da evoluo

    espiritual e da comunicao com espritos mas tambm se mostrou aberta s formas po-

    pulares de culto africanos. Importante frisar que antes disso retiraram os elementos con-

    siderados muito brbaros como o sacrifcio de animais, danas frenticas, bebidas al-

    colicas, o fumo e a plvora. Nas ocasies onde esses elementos eram usados explica-

    va-se ento cientificamente" o mesmo segundo discurso racional kardecista.

    Entre 1937 e 1945 o desenvolvimento dos cultos afro-brasileiros foram

    particularmente desencorajados, com forte represso policial. No entanto, um surgimen-

    to de identidade brasileira atravs de valores da cultura negra e popular, enaltecida por

    uma elite intelectual e artstica, abriu brechas para a continuidade dessas prticas e cul-

    tos.

    A umbanda desse perodo, teve uma minimizao de influencias africanas nas

    suas prticas e ao mesmo tempo que "embranquecia" os valores religiosos da macumba,

    seja por serem consideradas atrasados e primitivos ou por consequncia de perseguies

    policiais, empretecia" os valores do kardecismo, considerados demasiadamente euro-

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  • peus e longe da realidade vivida ali. A umbanda propunha o nascimento de uma religio

    brasileira, que refletia os anseios de segmentos marginalizados da populao (negros,

    ndios, prostitutas, estivadores - pobres em geral) e as possibilidades de acomodao

    dos mesmos numa sociedade urbana e industrial, marcada por discriminaes e desi-

    gualdades, onde os valores da cultura branca continuavam a ser os mais influentes.

    "Na umbanda, as entidades situam-se a meio caminho entre a concepo dos

    deuses africanos do candombl e os espritos dos mortos dos kardecistas. Os orixs,

    por exemplo, so entendidos e cultuados com outras caractersticas. Sendo considera-

    dos espritos muito evoludos, de luz, tornaram-se uma categoria mtica muito distante

    dos homens, s ocasionalmente descem Terra e mesmo assim apenas na forma de

    vibrao. " (SILVA, Vagner Gonalves da, 2005)

    Na umbanda, tentou-se classificar e organizar a grande variedade de entidades

    atravs da teoria das linhas. Segundo tericos da umbanda, existem sete linhas dirigidas

    por orixs principais. Cada linha composta por sete legies. Dentre elas esto: a Linha

    de Oxal, Iemanj, Xang, Ogum, Oxssi, Linha das Crianas e linha dos Pretos Ve-

    lhos. No entanto no existe consenso quanto a composio dessas linhas. Em muitos

    casos juntam-se as linhas dirigidas pelos orixs as linhas do Oriente (da qual fazem par-

    te as ciganas).

    "Abaixo do orixs encontram-se os espritos um pouco menos evoludos, como

    os caboclos e os pretos velhos. Pode-se dizer que essas entidades, embora tenham no-

    mes prprios (caboclo Sete Flechas, Rompe-Mato, preto velho Pai Joo, vov Maria

    Conga, etc.), e sejam espritos de indivduos como na concepo kardecista , reme-

    tem muito mais aos segmentos formadores da sociedade brasileira. Os caboclos repre-

    sentam indgena enaltecido na literatura romntica e popularizado na pajelana, no

    catimb, e no candombl de caboclo. Porm, apresentam-se na umbanda como espri-

    tos civilizados, doutrinados ou batizados, como dizem os umbandistas. Quando incor-

    porados, apresentam-se como catlicos, e frequentemente abrem seus trabalhos espi-

    rituais com oraes do tipo pai-nosso e ave-maria. O preto velho, quando incorporado

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  • nos mdiuns, apresenta-se como o esprito de um negro escravo muito idoso que, por

    isso, anda todo curvado, com muita dificuldade, o que o faz permanecer a maior parte

    do tempo sentado num banquinho fumando pacientemente seu cachimbo. Esse estere-

    tipo representa a idealizao do escravo brasileiro que, mesmo tendo sido submetido

    aos maus-tratos da escravido, foi capaz de voltar Terra para ajudar a todos, inclusi-

    ve aos brancos, dando exemplo da humildade e resignao ao destino que lhe foi im-

    posto em vida. (SILVA, Vagner Gonalves da, 2005)

    Apresentadas as origens da umbanda, pode-se afirmar que importncia e atuali-

    dade do tema estudado reside, em grande parte, sobre seu percurso histrico, marcado

    por preconceito, racismo, violncia, opresso e perseguio, no que diz respeito s reli-

    gies afro-brasileiras e, atualmente, por uma crescente desvalorizao das experincias

    e do aprendizado atravs do corpo, concomitante a uma, contraditria, super valorizao

    de sua imagem. A umbanda fica sendo um timo retrato para enquadrar ambas as ques-

    tes. A umbanda no s religio; ela um palco do Brasil (Prandi, 1991) Con-

    forme as vicissitudes histricas do pas e os dramas sociais enfrentados pelas classes

    populares, surgem novas ou se redefinem antigas linhas do panteo (Bairro, 2004).

    Cada uma dessas linhas de espritos se associa tipicamente a cenrios naturais cuja

    interpretao, muitas vezes misturada a lendas de santos catlicos, feita com base em

    mitos dos orixs africano Uma religio de razes plenamente brasileira, surgida do casamento entre as tra-

    dies africanas, as religies europias e a realidade brasileira. Brasil. O pas do futebol

    e do carnaval, das coxas e bundas, dos biquinis fio dental, da prostituio infantil. Pas

    da imagem, da esttica, reconhecido internacionalmente, pas das cirurgias plsticas,

    silicone, botox. Pas marcado historicamente por sculos de importao de escravos,

    mo-de-obra negra, escrava. Mas, que ao mesmo tempo, apesar de tudo, consegue

    transmitir a imagem da pluralidade, da aceitao, da miscigenao racial.

    Entretanto, imagens no so a pura realidade. So construes externas, estti-

    cas, que, sabe-se, no refletem a realidade econmico social do pas. Marcado, ainda

    hoje, por intensos conflitos, preconceito, imposies e excluso das minorias, que, nu-

    mericamente, no so de fato minorias, mas sim social e economicamente, ainda exclu-

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  • das, escondidas e apagadas atrs de um racismo oculto, que oculta consigo toda uma

    histria, tradies, cultura, corpos, religies e milhes de individualidades. Os resultados do Censo Demogrfico 2010 mostraram que viviam no Pas 91

    milhes de pessoas que se classificaram como brancas, correspondendo a 47,7% em

    termos proporcionais. Cerca de 82 milhes de pessoas se declararam como de cor

    parda, o equivalente a 43,1%, e 15 milhes de cor preta, representando 7,6% do total.

    Aquelas que se classificaram como de cor amarela totalizaram quase 2 milhes, e 817

    mil, como indgenas.

    So situaes cotidianas, minimizadas pelos meios de comunicao e pela soci-

    edade civil e poltica. So ocorrncias dirias. Uma realidade sobre a qual o silncio

    reina. Retomemos uma situao, apenas para ilustrar a atualidade do tema.

    No incio do ano de 2014, foram divulgados vdeos de cultos evanglicos, tidos

    como intolerantes e preconceituosos contra candombl e umbanda, entre outras prticas

    religiosas afro-brasileiras. Diante do fato, foi criada uma ao do Ministrio Pblico

    Federal (MPF), a qual pedia que os vdeos fosse retirados do ar pelo canal (YouTube). Em resposta, a Justia Federal do Rio de Janeiro afirmou que tais crenas no devem ser

    consideradas religies e, por isso, os vdeos no precisariam ser tirados do ar. Em sua

    sentena, o juiz Eugnio Rosa de Arajo, da 17 Vara Federal do Rio de Janeiro, afirma

    que ambas manifestaes de religiosidade no contm os traos necessrios de uma

    religio a saber, um texto base (coro, bblia etc) ausncia de estrutura hierrquica e au-

    sncia de um Deus a ser venerado.

    Para a Cristina Wissenbach, professora da Universidade de So Paulo, os pre-

    conceitos por trs da deciso so histricos. Fazem parte de uma tentativa de silenciar

    e obliterar o universo religioso e a cosmogonia de grande parcelas da populao, sobre-

    tudo dos egressos da escravido e dos afrodescendentes. Fazem parte do racismo que

    existe na sociedade, observa. A resoluo reflete foras obscuras e ultra conservadoras

    da sociedade brasileira. inadmissvel nos sujeitarmos s campanhas de setores evan-

    glicos obscurantistas. Alguns meses depois o Juiz reconhece ter cometido um erro no que diz respeito

    desclassificao da Umbanda e do Candombl como religies. Entretanto, ainda assim

    Eugnio Rosa no muda teor da sentena original e vdeos considerados ofensivos a re-

    ligies afro-brasileiras continuam no YouTube.

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  • Sendo assim, faz-se mister dedicar mais alguns pargrafos histria oculta e ex-

    cludente que marca o tema.

    Em meados do sculo XVI o movimento escravagista deu incio ao trfico de negros no

    Brasil. Ao longo dos trs sculos que se seguiram, cerca de trs milhes e meio de afri-

    canos foram capturados e trazidos como escravos. Fadados a uma vida de trabalho for-

    ado, foram destitudos de tudo que haviam, menos de sua cultura.

    A cultura negra se manteve, at os dias atuais, por intermdio de vrios fatores

    scio-culturais, a exemplo de suas crenas, danas, sua msica, sua histria e seu posi-

    cionamento poltico.

    A migrao africana foi um movimento forado. Alimentado pelos mercadores

    de escravos e os senhores de engenho, seus compradores. Aps longo perodo dessa

    dispora a populao de negros e mestios j era grande em territrio brasileiro, mas sua

    aceitao na sociedade era quase nula. Depois da proibio do trabalho escravo, da assi-

    natura da carta de alforria e da proclamao da repblica, o Brasil se encontrou em um

    novo patamar poltico e os negros, ex-escravos, se encontraram numa situao de mar-

    ginalizao e despreparo ante a falta de suporte da sociedade e o duro mercado de traba-

    lho pago. As possibilidades no eram favorveis aos negros e mestios e se, por um

    lado, as limitaes da oferta de trabalho, causadas pela discriminao, tornavam suas

    vidas mais difceis, nada os impedia de se unirem em suas crenas. Uma dessas crenas,

    o candombl, foi um dos maiores smbolos da resistncia negra, apesar da perseguio

    policial dessas praticas at a dcada de 1940.

    Aps a abolio da escravatura houve um grande movimento de migrao de

    baianos para o Rio de Janeiro, atrados pelo processo de desenvolvimento urbano e eco-

    nmico da cidade -- usado aqui para ilustrar a fase de adaptao pela qual passava a cul-

    tura brasileira naquela poca. O suporte mtuo entre praticantes do candombl ante a

    problemtica da adaptao de ex-escravos ao novo mercado, possibilitou e consolidou a

    presena baiana no Rio de Janeiro (ento capital do pas). Aqueles que chegavam, logo

    eram recebidos com casa e comida pela comunidade negra local. Esse processo migrat-

    rio da passagem dos sculos XIX e XX, acarreta na formao de um reduto de tradies

    e religio comum. No incio existia um grupo heterogneo no que diz respeito a etnias e

    hbitos, mas com o tempo criou-se uma identidade de festas, cultos, tradies e novos

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  • hbitos incorporados maneira dos representantes dessa classe marginalizada. Bantos,

    Nags, entre outras etnias se misturam.

    O candombl seguiu como a principal religio negra daquele tempo, mais tarde

    se ramificando, dando origem macumba com os mais pobres e umbanda, essa j sob

    a bno de uma elite intelectual branca da classe mdia. Tanto a umbanda quanto o

    candombl por conta de perseguies incessantes e pela natural mistura de crenas aca-

    baram adotando santos catlicos como paralelos a seus orixs, o sincretismo religioso.

    Ambas as religies, candombl e umbanda usam da dana como forma de comunicao

    ritualstica com entidades espirituais. Atravs da dana existe o processo de incorpora-

    o e o mdium que incorpora adota movimentos tpicos da entidade presente em seu

    corpo. O bom desempenho na dana confirmaria ento a presena dos orixs, ditas enti-

    dades, no terreiro.

    A religiosidade de origem africana consta como fundadora da identidade brasi-

    leira, permeada por trocas simblicas entre as distintas culturas e suas representaes e

    narrativas da cultura nacional.

    Ainda passvel de observao a coexistncia do catolicismo e da umbanda na

    crena do brasileiro. Essas no se anulam e no so adversas. Pois o candombl trata de

    coisas terrenas, o que est, o divino. A natureza, o mar, os rios, a terra, esses so os

    orixs. Enquanto isso o catolicismo prega a existncia de Deus sobre todos os seres.

    Para os praticantes do candombl no existe a negao dos orixs por parte de Deus e,

    dependendo da linha, para os catlicos tambm no.

    Folguedos como os congos e cucumbis tambm brotavam com a migrao dos

    negros vindos do Nordeste, estes eram celebrados junto datas de comemoraes cat-

    licas como a dos reis magos (6 de janeiro), mas que eram considerados imprprios e

    barrados pela sociedade crist do Rio de Janeiro. Sendo ento transferidos para as datas

    festivas do carnaval, que por sua vez j tinha carter profano. A organizao desses gru-

    pos carnavalescos negros, os ranchos, eram muito expressivos e tinham grande destaque

    no meio popular. Devido a sua organizao e cuidado, as festas eram cada vez mais

    aceitas por indivduos de classes sociais superiores, que acabavam tomando partido a

    favor do povo marginalizado e oferecia a eles ento proteo contra o rechao policial e

    tambm financiamento para seus blocos festivos que mais tarde evoluiriam para as esco-

    las de samba.

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  • O samba no foi sempre como o conhecemos hoje, o samba era festa tpica ne-

    gra, era batucada, era canto e era dana. O samba era o enraizamento do sangue negro

    no Brasil. Tem origem ligada aos povos bantu e ao candombl. No incio, o samba era

    proibido e suas festas precisavam de aval junto polcia do Rio para acontecer. Os sam-

    bas eram festas mistas de batucada e cultos de candombl, pois eram abertas para a ma-

    nifestao espontnea de seus visitantes: os que eram do batuque, batucavam, os que

    eram do candombl cultuavam No entanto, aps o apadrinhamento das festas de ran-

    chos carnavalescos por parte dos jornais e das camadas superiores da sociedade, o sam-

    ba no carnaval toma um carter mais competitivo e "oficial", sendo assim legitimado na

    sociedade carioca e brasileira.

    Os cultos de candombl e umbanda e as festas eram o motor espiritual da comu-

    nidade. Mas no s. As comunidades negras e mestias ou ainda proletarizadas, ganha-

    vam a vida com o comrcio ambulante (bandejas de doces nas ruas, a venda de comida

    baiana, etc.), o trabalho braal nos portos (a estiva) ou de forma menos digna, voltando-

    se para a malandragem (o malandro, figura tpica da primeira metade do sculo XX)

    como forma de encarar o desemprego. Essas comunidades eram lideradas inicialmente

    de forma anrquica at a formao de sindicados trabalhistas. Essas organizaes polti-

    cas formavam-se principalmente nos centros religiosos e nos grupos que organizavam

    as festas de bairro. Pela natureza desse bero, justo que as mes de santo e as tias do

    candombl, de maior influncia junto s suas religies, tivessem o respeito dos partici-

    pantes desses grupos. Afinal elas faziam a ponte entre os terreiros principais na Bahia e

    suas correntes no Rio de Janeiro e eram ainda especialmente ativas no que se refere a

    continuidade das tradies africanas nas terras brasileiras. Com o apadrinhamento da

    umbanda por parte da elite intelectual branca e o crescente sucesso do carnaval carioca

    a cultura negra tem seu valor imposto na sociedade.

    A msica e a dana so centrais nas religies afro-brasileiras e mesmo que mani-

    festadas tambm em contexto cultural no religioso, como na capoeira, no maracatu, no

    carnaval, congadas, entre outros, se observadas com ateno possvel reconhecer os

    ecos e as origens, como variaes de uma estrutura matricial. A religio, dessa forma,

    aglutina ao seu redor essa variedade de expresses que constitui, de forma mais ou me-

    nos orgnica, um conjunto de referncias definidoras de uma cultura afro-brasileira.

    !11

  • A msica popular brasileira ao incorporar elementos dessa cultura, reafirma a

    religiosidade como fundante de um modo de ser brasileiro, onde sagrado e profano se

    misturam e se permeiam nas manifestaes culturais e rituais cotidianas, como as festas,

    a comida, a dana, a magia...

    Essa relao pode ser evocada em alguma passagem da msica ou ser tomada

    por tema central como afirmao de uma identidade racial e/ou religiosa. Est presente

    nas letras recitadas ou ainda pode ser percebida nos instrumentos utilizados e nas linhas

    meldicas e rtmicas entoadas e batucadas. A msica Brasileira, de forte origem afro, j

    fazia parte do cotidiano, foi interpretada por artistas de renome e cada vez mais se aden-

    trava nos coraes do povo brasileiro sem discriminao de classes. Visto o poder de

    agregao da msica, movimentos musicais e polticos, como o tropicalismo que sub-

    vertia a ordem, a cano de protesto que teve impulso aps 1960 exprimia opinies de

    liberdade avessas ao regime politico, desabrochavam no sculo XX.

    Ainda hoje a imagem da baiana daquele tempo, imortalizada por Carmen Miran-

    da que tinha seu figurino inspirado nas "tias" do candombl, vive no imaginrio da po-

    pulao brasileira. A sntese de uma cultura mutante, que absorveu anos de discrimina-

    o e adorao, as rodas de samba, o pagode e o carnaval. A umbanda hoje mista e am-

    plamente disseminada no territrio brasileiro veio do candombl de outrora. E a pele

    preta do africano, atravs de sculos de miscigenao, atingiu as mais variadas tonali-

    dades. Muito embora a discriminao racial acirrada refreie, e muito, a acenso social

    de classes inferiores, existiu e ainda existe um grande movimento a favor da cultura e da

    igualdade de direitos sociais para negros, mestios e brancos.

    O transe religioso oferece s frustraes, tornadas insuportveis, o lugar de sua

    superao. Superao atravs do corpo. Trajetria at hoje mal vista, mas de grande im-

    portncia e valor. Numa sociedade onde o culto ao corpo caminha lado a lado com a su-

    pervalorizao do intelecto, de suma importncia parar para compreender a potncia

    do corpo em seu aspecto somtico, agente ativo na construo de nossa realidade e de

    nossos aprendizados. Com o presente trabalho, pretende-se portanto, trazer a tona importncia ainda

    pulsante sobre necessidade de se discutir o tema, ainda to atual o conflitante da aceita-

    o das religies afro-brasileiras, atravs de seus cultos e crenas, da incorporao, do

    !12

  • transe e de sua relao com o corpo, os corpos, que giram, que danam, corpos potentes

    e to passveis quanto o intelecto de ensinar.

    Abandonamos o corpo em nome de racionalidade e linguagem, smbolos e sig-

    nos. O crebro organizou uma realidade de imagem e pensamentos, ao venerar a vida

    invisvel da conscincia. [] Vivemos em duas esferas: a esfera da experincia direta e a esfera das imagens

    representativas. Ser capaz de viver nas duas esferas e realizar um dialogo entre elas a

    verdadeira natureza da experincia somtica. [] O fato que confundimos uma com

    a outra e, ao faz-lo, perdemos o contato com o corpo. A imagem - no o corpo - tor-

    nou-se a nossa experincia direta.

    [] Quando idealizamos a imagem em lugar da experincia corporal, ns nos desco-

    brimos vivendo na imagem. Atualmente, grande parte da sociedade se organiza de ma-

    neira que se coloca parte de sua prpria natureza. A natureza tornou-se uma fotogra-

    fia, uma idia, um smbolo, uma imagem no crebro - e o mesmo aconteceu com o cor-

    po. Vivemos na imagem do corpo, no no corpo.

    [] Ns existimos numa Terra Devastada, onde as imagens vampirizam a vitalidade do

    soma, onde o pensamento est enamorado pelo prprio reflexo. Estamos vagando no

    deserto, sedentos e ressecados, porque as guas profundas do soma no esto mais ao

    nosso alcance. Vivemos na Terra Devastada, onde os nossos corpos existem apenas

    para os propsitos da mente. (KELLEMAN, 2001)

    !13

  • III Objetivo Geral -

    O presente trabalho tem por objetivo aprofundar a discusso acerca do corpo de

    umbanda, em seus diversos aspectos, meandros, smbolos, mitos, imagens, significados,

    sensaes e desejos. O tema central sendo a corporificao da natureza e os arqutipos

    bsicos que guiam este processo, atravs da observao do corpo em movimento, o cor-

    po que gira, a incorporao.

    Aqui no cabe entender a incorporao e sim a percepo que o indivduo tem

    de seu corpo quando est incorporado e qual a relao estabelecida com o prprio corpo

    nesse e a partir desse momento.

    Sendo assim, pretende-se atravs da realizao de uma pesquisa de campo sobre

    o tema, um aprofundamento sobre algumas questes acerca do objeto observado. So

    elas: Como o mito est no corpo? Como o mito produz o corpo e o corpo vivencia o

    mito? Como - formas, maneiras de- cultuado esse corpo? De onde vem esse corpo

    oculto? - histrica e somaticamente. No dia-a-dia, aonde ele se oculta? Ter descoberto,

    desvelado, permitido aflorar esse corpo, modifica o corpo cotidiano?

    Especfico -

    Como resultado prtico especfico do trabalho sero produzidas fotografias e de-

    senhos, imagens acerca dos corpos ocultos, corpos em culto, corpos que giram, embebi-

    dos da fora dos mitos, dos orixs. Alm disso sero transcritas algumas entrevistas e

    registros escritos de observaes do campo.

    !14

  • IV. Quadro de referncia

    Terico:

    "Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simblicos, frente

    dos quais situam-se a linguagem, as regras matrimoniais, as relaes econmicas, a

    arte, a cincia, a religio. Todos esses sistemas visam a exprimir certos aspectos da re-

    alidade fsica e da realidade social, e, mais ainda, as relaes que esses dois tipos de

    realidade mantm entre si e que os prprios sistemas simblicos mantm uns com os

    outros.

    Em seu livro sociologia e antropologia Mauss discute a produo social do

    corpo e de diversos outros aspectos que possibilitam, segundo ele a eficcia ritual. No

    captulo esboo de uma teoria geral da magia, ele enumera as condies necessrias

    para que um rito ocorra, considerando sua ocorrncia como dependente de tcnicas es-

    pecficas. O autor perpassa a importncia dos agentes e tudo o que se faz necessrio

    para que eles estejam ocupando a posio que ocupam, tanto individualmente quanto

    socialmente; afinal, para o autor, a magia um fenmeno social, coletivo. Ele encara o

    corpo como produto social.

    Ora, somente necessidades coletivas sentidas por todo um grupo podem forar

    todos os indivduos desse grupo a operar, no mesmo momento, a mesma sntese. A cren-

    a de todos, a f, o efeito da necessidade de todos, de seus desejos unnimes. O juzo

    mgico o objeto de um consentimento social, traduo de uma necessidade social, sob

    a presso da qual desencadeia-se toda uma srie de fenmenos de psicologia coletiva:

    a necessidade sentida por todos sugere a todos o fim; entre esses dois termos, uma infi-

    nidade de termos mdios so possveis (da a variedade extrema dos ritos empregados

    para um mesmo objeto); entre estes ltimos, uma escolha se impe, e ela vem seja da

    tradio, seja da autoridade de um mgico renomado, seja do impulso unnime e brus-

    co de todo o grupo. (MAUSS, 1974)

    Da mesma forma Mauss chama ateno aos gestos rituais, sempre de acordo

    !15

  • com o que est sendo encenado, os detalhes, o banal, aquilo que se no nos disses-

    sem, ao menos implicitamente, que se trata de ritos, seramos tentados a ver neles ape-

    nas , gestos muito vulgares e sem carter especial. O autor no se esquece da impor-

    tncia do momento, do local sagrado, dos horrios e de todas as circunstncias e condi-

    es materiais e simblicas envolvidas para que o rito possa ocorrer.

    "As prticas mgicas no so vazias de sentido. Elas correspondem a representaes,

    geralmente muito ricas, que constituem o terceiro elemento da magia. Vimos que todo

    rito uma espcie de linguagem. que ele traduz uma idia (MAUSS, 1974)

    Em as tcnicas do corpo Mauss rediscute e estende a noo de tcnica s no-

    es antigas, aos dados platnicos sobre a tcnica, como Plato falava de um tcnica da

    msica e, em particular, da dana. Para ele tcnica seria um ato tradicional eficaz. No

    h tcnica e tampouco transmisso se no h tradio. Para o autor, nisso que o ho-

    mem se distingue sobretudo dos animais: pela transmisso de suas tcnicas e muito pro-

    vavelmente por sua transmisso oral.

    O corpo o primeiro e o mais natural instrumento do homem. O primeiro e mais

    natural objeto tcnico, e ao mesmo tempo meio tcnico do homem seu corpo. Antes

    das tcnicas com instrumentos, h o conjunto de tcnicas corporais. Esta adaptao

    constante a um fim fsico, mecnico, qumico perseguida em uma srie de atos monta-

    dos no indivduo, no simplesmente por ele mesmo, mas por toda a sua educao, por

    toda a sociedade da qual ele faz parte, no lugar que ele nela ocupa. Cada gesto vem

    sempre carregado de smbolos e significados, individuais, certamente, mas sobretudo

    coletivos, culturais, sociais.

    Mito e corpo. Mito e natureza. A mente cria o mito, no a partir de seus pro-

    gramas racionais, mas em resposta a sugestes do corpo em relao quilo de que ele

    necessita. [ ] Nas antigas culturas, acreditvamos profundamente em mitos e vises,

    em contar histrias a respeito de como experienciar, como usar nossos corpos. A socie-

    dade utilizava canes, danas e rituais religiosos para dar sustentao a essas ima-

    gens mtica do corpo e s experincias que desejava que as pessoas tivessem. (KEL-

    LEMAN, 2001)

    !16

  • Nas performances de origem africana hoje, podemos observar: o corpo o cen-

    tro de tudo. Ele se move em direes mltiplas, ondula o torso e se deixa impregnar

    pelo ritmo percussivo. A dana que subjuga o corpo nasce de dentro para fora e se espa-

    lha pelo espao em sincronia com a msica sincopada tpica do continente africano. O

    corpo canal e palco para o sagrado, possibilitando sua ocorrncia.

    Assim sendo, no que diz respeito aos rituais de umbanda, as discusses de

    Mauss acercas dos elementos necessrios para que haja eficcia nos rituais ainda se fa-

    zem absolutamente atuais. A comear pela fora com a qual, mesmo que no nos demos

    conta, as imagens acerca da cosmologia das religies afro-brasileiras esto enraizadas

    em ns, atravs de nossa cultura, em nossos corpos, nossa musica, nosso cotidiano. Em cada gira, h todo um cenrio preparado, o qual inclui desde vestimentas, objetos,

    disposio de cada indivduo, at os cnticos e toques de atabaque, de acordo com os

    quais os mdiuns sabem o momento exato de incorporar, desincorporar, levantar ou

    abaixar. Todos esses aspectos sero observados, descritos e registrados durante as visi-

    tas aos terreiros.

    Nessas condies, preciso dizer muito simplesmente: devemos lidar com tc-

    nicas corporais. (MAUSS, 1974)

    Metodolgico: -

    A pesquisa ser realizada a partir da observao e descrio, atravs de registros

    escritos e imagticos, desse corpo mtico durante os rituais (giras), atentando para sua

    ocorrncia nos dias de hoje, atrelada a sua histria. Tendo como objetivos, aprofundar

    conhecimentos sobre esses mitos formadores, atravs da figura dos orixs, atentando,

    sempre que possvel possibilidade de transformaes destes mesmos mitos, aps a

    vinda das religies africanas para o Brasil.

    Alm disso, buscar-se-a atravs de conversas com os mdiuns, caminhos para um pos-

    svel mapeamento somtico desses mitos, sua imagem e como eles so percebidos e

    sentidos no corpo, assim como as motivaes da busca pela vivncia desse corpo mti-

    co, em relao ao corpo cotidiano, individuais e coletivos, acreditando na potncia cons-

    !17

  • trutiva do corpo, como fonte de aprendizados vivenciados. A possibilidade de viver o

    mito.

    Partindo desse questionamento, entrevistas abertas sero realizadas, com fre-

    quentadores de terreiros de Umbanda, quer sejam rodantes (que incorporam entidades)

    ou no. Tambm conversaremos e observaremos as entidades incorporadas, buscando

    atentar para suas expresses corporais, seus desejos (por bebidas e cigarros, por exem-

    plo), enfim, seus gestos e aes.

    Para alm das observaes, descries e entrevistas, o trabalho buscar trazer a

    tona, vez mais a questo - importncia - do reconhecimento da umbanda como religio e

    cultura nacional - valorizao de outra possibilidades de culto ao corpo, menos mente,

    mais corpo.

    Para tanto, levando em considerao o tempo disponvel para o aprofundamento

    no tema, o campo ser realizado em terreiros de Umbanda, no estado So Paulo, durante

    festas, giras e atendimentos, com a realizao de entrevistas abertas, realizadas com os

    frequentadores dos terreiros, guiadas por questionamentos acerca das sensaes da in-

    corporao, os dilogos corporais estabelecidos durante esse momento, os desejos e

    incmodos, as tcnicas, assim como seus desdobramentos na vida cotidiana dos fre-

    quentadores.

    As visitas sero feitas, majoritariamente no templo Guaracy, localizado em Embu - SP,

    no qual so realizadas giras de caboclo todos os finais de semana, salvo o primeiro final

    de semana de cada vez, no qual as giras so de Preto Velho.

    !18

  • V Cronograma:Atividades (j realizadas e programadas)

    perodo/ms Setembro Outubro Novembro Dezembro

    1a semana Levantamento bibliogrfico + leitura

    Escrever projeto

    1o final de semana

    Escrever projeto dias 6 e 7- Festa de Iemanj Praia Grande e Mongagu

    2a semana Levantamento bibliogrfico + leitura

    dia 11 - entrega do projeto de pesquisa

    Escrever relatrio de pesquisa

    2o final de semana

    Escrever relatrio de pesquisa

    3a semana Levantamento bibliogrfico + leitura

    Entrega e apresentao do relatrio

    3o final de semana

    dia 21 - ida a festa de Oxum: terreiro do pai Toninho - SP

    dia 15 - ida ao museu Afro-Brasil - parque ibirapuera - SP

    4a semana Levantamento bibliogrfico + leitura

    4o final de semana

    dias 25 e 26 - ida duas giras de caboclo no Templo Guaracy - terreiro de Umbanda - Embu - SP

    dias 29 e 30 - ir ao templo guaracy - desenhar + descrever campo

    !19

  • VI - Bibliografia

    BARBOSA, Marielle Kellermann; BAIRRAO, Jos Francisco Miguel Henriques. An-

    lise do movimento em rituais umbandistas. Psic.: Teor. e Pesq., Braslia , v. 24, n. 2,

    June 2008 .

    BAIRRO, J.F.M.H. O impossvel sujeito: implicaes do tratamento do

    inconsciente. So Paulo: Rosari, 2004 BASTIDE, Roger. Elementos de sociologia religiosa, 1935. So Paulo

    KELEMAN, Stanley. Mito e Corpo, uma conversa com Joseph Campbell. Summus,

    2001. So Paulo.

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    MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, 1974. Cosacnaify. So Paulo.

    PRANDI, Reginaldo. Os candombls de So Paulo, a velha magia na metrpole nova.

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    PRANDI, Reginaldo. Segredos Guardado, Orixs na Alma Brasileira. Cia das Letras,

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    !20