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2017 INTRODUÇÃO AO ANTIGO TESTAMENTO Prof. Gesiel Anacleto Prof. Jean Rafael Giese

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2017

Introdução ao antIgo testamento

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Copyright © UNIASSELVI 2017

Elaboração:

Prof. Gesiel Anacleto

Prof. Jean Rafael Giese

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

231.044 F333i Fenili, Romero

Introdução ao antigo testamento / Gesiel Anacleto; Jean Rafael Geise: UNIASSELVI, 2017.

222 p. : il. ISBN 978-85-515-0088-0 1.Teologia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

Impresso por:

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III

apresentação

Caro acadêmico! Neste Livro de Estudos que é uma Introdução ao Antigo Testamento,

você compreenderá que os livros que compõem a Bíblia ou Sagradas Escri-turas, em sua composição e estrutura, possuem gêneros literários e eles são diferentes entre si. Os gêneros literários utilizados para compor os textos da Bíblia são as formas de linguagem e contexto em que é inserido o texto. Caro acadêmico, você compreenderá que na Bíblia não se esgotam os gêneros lite-rários, pois existem muitos outros, que em conjunto com as outras formas lite-rárias garantem forma ao texto bíblico. Devemos descobrir e conhecer esta va-riedade de linguagens nos textos da Bíblia, sendo um fator muito importante que deve ser acrescentado ao estudo das Sagradas Escrituras para compreen-dermos a sua finalidade e obtermos o seu conhecimento. Assim, vamos então conhecer os principais gêneros literários presentes nos textos que compõem o Antigo Testamento, a saber: jurídico, narrativo, literário poético, literário profético, literário apocalíptico e literário sapiencial.

O gênero literário jurídico está presente em todos os cinco livros que

compõem o Pentateuco. Este gênero trata sobre as normais e leis para a obser-vância e obediência do povo de Deus. Assim, correspondem a dois tipos de leis: apotídicas e casuísticas. Quando os mandamentos têm início com um não são então classificados como leis apotídicas. Temos então as leis dos dez manda-mentos (Êx 20, 3-17) como um exemplo disso. E as leis casuísticas são então as leis direcionadas para situações consideradas específicas, como podem ser con-feridas nos livros de Levítico (Lv 20, 9-18, 20, 21) e Deuteronômio (Dt 15, 7-17). Com a intenção de transmitir uma mensagem e sendo de fácil entendimento, o gênero narrativo apresenta-se em forma de ‘epopeia’, ‘épica’, ‘tragédia’ e ‘ro-mance’. A epopeia aparece quando a narrativa é sobre os feitos de um herói nacional ou com grandes conquistas militares, a vida dos israelitas no deserto e a conquista de Canãa etc. Como exemplo, em Abraão, Gedeão e Davi temos o gênero épico. Já a tragédia aborda a história da decadência de um indivíduo, da fama e honradez de um dos personagens bíblicos ou ao desastre e a miséria de um outro personagem (Sansão, Saul e Salomão). E, por fim, o romance apre-senta a relação da vida amorosa entre um homem e uma mulher, aparecendo este nos livros de Rute e nos livros de Cântico dos Cânticos.

Em se tratando do gênero literário poético, no Antigo Testamento en-

contra-se muitas vezes em formas de paralelismo entre as frases, como pode-mos constatar no próprio Livro dos Provérbios. Podemos classificar de gêne-ro poético a composição dos demais livros sapienciais como os livros de Jó, Salmos, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos. Além disso, observa-se também a presença desse tipo de gênero no próprio Pentateuco e nos livros proféticos.

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IV

O gênero profético, que é bastante presente na Bíblia, não tem por objetivo adivinhar, mas sim de ser a intenção do profeta em manifestar ao povo a vontade de Deus com o uso de sermões e palavras duras, com sinais, exortações e oráculos. Ou seja, o sucesso do profeta não está no cumprimento de suas profecias, mas sim em que o povo destinatário das profecias mude de vida a fim de realizar a vontade de Deus e evitar o castigo. O castigo em si é consequência da não observância das leis e da vontade de Deus.

O gênero literário apocalíptico se faz presente a partir do uso de sím-

bolos, imagens, visões e revelações. Essa literatura aparece frequentemente em momentos de grande perseguição contra os israelitas. Neste gênero literário é apresentado o confronto entre os justos (os judeus) e os ímpios (outros povos), sendo o Livro de Daniel um perfeito exemplo em que se encontra este tipo de gê-nero. Apocalíptico no sentido literal da palavra no que se refere à revelação em si.

E, por fim, temos o gênero literário que tem por finalidade mostrar a

sabedoria dos simples, que é a sabedoria da vida cotidiana (Provérbios); ou apresentar uma sabedoria que reflete a crise da ideia de Deus (por exemplo, a própria história de Jó); uma sabedoria que mostra a crise da própria sabe-doria em si como sendo a sabedoria: “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (BÍ-BLIA DE JERUSALÉM, Eclesiastes, 12, 8).

Porém, a sabedoria buscada e atingida pelo homem deve servir a ele

como o meio pelo qual o homem saberá valorizar a dignidade que a sua vida contém e também iluminar o caminho de suas escolhas e ações nesta vida para consigo e, principalmente, na relação social e interacional com as dife-rentes pessoas que passam por sua vida, bem como as instituições em que fará parte. Caro acadêmico, a Bíblia, ou melhor, as Sagradas Escrituras, tan-to a parte do Pentateuco (primeira parte do Antigo Testamento, O Antigo Testamento e o Novo Testamento como um todo, não são apenas gêneros literários e, portanto, não podem ser apenas entendidos através de estudo de gêneros literários. É palavra, conhecimento e sabedoria encarnada em espa-ços geográficos reais e em contextos históricos, sociais, econômicos, políticos, religiosos e culturais que também são testados e atestados tanto pela histó-ria (arqueologia, para citar um exemplo) e por diversas pesquisas científicas. E, como sabemos, a Teologia é a Ciência por Excelência, pois está pronta e acabada. Pois é considerada revelada por Deus aos Homens (Dei Verbum), cabendo ao homem, com o uso de suas múltiplas inteligências, acercar-se e introduzir-se nessa Sabedoria (Ciência Teológica) que não tem por função confortar o homem, apenas, e sim, dizer ao homem qual é a sua origem, qual deve ser o seu proceder e qual é o seu último destino.

Bons estudos e sucesso em sua via acadêmica!

Os autores.

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UNI

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UNI

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UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO ... 1

TÓPICO 1 - COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO ............................................................................ 31 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 32 FORMAÇÃO DO PENTATEUCO .................................................................................................... 43 AUTORIA DOS LIVROS DO PENTATEUCO ............................................................................... 114 CONTEXTO HISTÓRICO DA COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO ....................................... 245 ESTRUTURA DOS LIVROS DO PENTATEUCO ......................................................................... 286 O PENTATEUCO E A HISTÓRIA DE ISRAEL .............................................................................. 33RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 37AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 38

TÓPICO 2 - O PENTATEUCO E O INÍCIO DA HISTÓRIA DE ISRAEL ................................... 391 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 392 O LIVRO DO GÊNESIS ..................................................................................................................... 40 2.1 COMPOSIÇÃO ................................................................................................................................ 41 2.2 AUTORIA DE GÊNESIS ................................................................................................................ 423 CONTEÚDO E ESTRUTURA DO LIVRO DO GÊNESIS ........................................................... 43 3.1 A HISTÓRIA DAS ORIGENS ........................................................................................................ 44 3.2 HISTÓRIA DOS PATRIARCAS .................................................................................................... 454 FONTES E GÊNEROS LITERÁRIOS .............................................................................................. 51RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 52AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 53

TÓPICO 3 - A SAGA DO POVO ESCOLHIDO ............................................................................... 551 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 552 O LIVRO DO ÊXODO ........................................................................................................................ 55 2.1 COMPOSIÇÃO ................................................................................................................................ 56 2.2 AUTORIA ......................................................................................................................................... 57 2.3 CONTEXTO HISTÓRICO .............................................................................................................. 593 CONTEÚDO E ESTRUTURA DO LIVRO DO ÊXODO .............................................................. 614 GÊNERO LITERÁRIO ........................................................................................................................ 64LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 66RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 70AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 71

UNIDADE 2 - DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA .............................................. 73

TÓPICO 1 - A RESPOSTA CULTURAL DO POVO DE ISRAEL AO DEUS DA ALIANÇA ................................................................................................................... 751 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 752 O LIVRO DE LEVÍTICO .................................................................................................................... 773 COMPOSIÇÃO .................................................................................................................................... 844 AUTORIA .............................................................................................................................................. 91

sumárIo

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5 CONTEÚDO E ESTRUTURA DO LIVRO ...................................................................................... 916 GÊNERO LITERÁRIO ........................................................................................................................ 95RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 96AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 97

TÓPICO 2 - A LEI DA PEDAGOGIA DIVINA ................................................................................ 991 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 992 O LIVRO DOS NÚMEROS ............................................................................................................... 1003 COMPOSIÇÃO .................................................................................................................................... 1034 AUTORIA .............................................................................................................................................. 1105 CONTEÚDO E DIVISÃO DO LIVRO ............................................................................................ 1116 GÊNERO LITERÁRIO ........................................................................................................................ 113RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 115AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 116

TÓPICO 3 - CENTRALIZAÇÃO DO CULTO, DENTRO DO PRINCÍPIO DA ALIANÇA .... 1171 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1172 O LIVRO DE DEUTERONÔMIO .................................................................................................... 1183 COMPOSIÇÃO .................................................................................................................................... 1234 AUTORIA .............................................................................................................................................. 1275 TEXTO E CONTEXTO ........................................................................................................................ 1296 DIVISÃO ............................................................................................................................................... 1347 GÊNERO LITERÁRIO ........................................................................................................................ 146LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 148RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 151AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 152

UNIDADE 3 - A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO ........................... 153

TÓPICO 1 - OS LIVROS HISTÓRICOS ............................................................................................ 1551 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1552 DIVISÃO HISTÓRICA DO PERÍODO DA COMPOSIÇÃO DOS LIVROS .......................... 155 2.1 ANTES DA MONARQUIA OU REINADO ................................................................................ 160 2.2 O PERÍODO DO REINADO OU MONARQUIA ....................................................................... 167 2.2.1 O reino unido ............................................................................................................................. 167 2.2.2 O reino dividido ........................................................................................................................ 169 2.3 O EXÍLIO E PÓS-EXÍLIO ............................................................................................................... 171LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 173RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 175AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 176

TÓPICO 2 - OS LIVROS POÉTICOS ................................................................................................. 1771 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1772 A POESIA HEBRAICA ....................................................................................................................... 177 2.1 OS ARTIFÍCIOS POÉTICOS DO ANTIGO TESTAMENTO ..................................................... 178 2.1.1 Linguagem figurada ................................................................................................................. 178 2.1.2 Paralelismo ................................................................................................................................. 179 2.1.3 Ritmo ........................................................................................................................................... 179 2.1.4 O uso da música ........................................................................................................................ 1793 OS LIVROS ........................................................................................................................................... 181 3.1 O LIVRO DE JÓ ............................................................................................................................... 181 3.2 O LIVRO DOS SALMOS ................................................................................................................ 182 3.3 OS LIVROS DE PROVÉRBIOS E ECLESIASTES ........................................................................ 184

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3.4 O LIVRO DO CÂNTICO DOS CÂNTICOS ................................................................................ 186LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 187RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 190AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 191

TÓPICO 3 - OS PROFETAS .................................................................................................................. 1931 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 1932 A PROFECIA EM ISRAEL ................................................................................................................. 1933 PROFETAS PRÉ-CATIVEIRO ........................................................................................................... 196 3.1 O PROFETA OBADIAS .................................................................................................................. 196 3.2 O PROFETA JOEL ........................................................................................................................... 197 3.3 O PROFETA JONAS ....................................................................................................................... 199 3.4 O PROFETA AMÓS ........................................................................................................................ 200 3.5 O PROFETA OSÉIAS ...................................................................................................................... 202 3.6 O PROFETA MIQUÉIAS ................................................................................................................ 204 3.7 O PROFETA ISAÍAS ....................................................................................................................... 204 3.8 O PROFETA NAUM ....................................................................................................................... 207 3.9 O PROFETA SOFONIAS ................................................................................................................ 207 3.10 O PROFETA HABACUQUE ....................................................................................................... 2084 PROFETAS NO CATIVEIRO E DURANTE O CATIVEIRO ....................................................... 208 4.1 O PROFETA JEREMIAS ................................................................................................................. 209 4.2 O PROFETA EZEQUIEL ................................................................................................................ 211 4.3 O PROFETA DANIEL .................................................................................................................... 2125 PROFETAS PÓS-CATIVEIRO ........................................................................................................... 213 5.1 O PROFETA AGEU ......................................................................................................................... 213 5.2 O PROFETA ZACARIAS ............................................................................................................... 214 5.3 O PROFETA MALAQUIAS ........................................................................................................... 215LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................. 216RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 219AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................ 220REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................ 221

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UNIDADE 1

INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO

TESTAMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir dos estudos desta unidade você será capaz de:

• conhecer a estrutura do Pentateuco;

• entender sobre a sua formação e formulação;

• conhecer a sua autoria, composição e gênero literário.

Esta unidade está dividida em três tópicos, e em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

TÓPICO 2 – O PENTATEUCO E O INÍCIO DA HISTÓRIA DE ISRAEL

TÓPICO 3 – A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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TÓPICO 1UNIDADE 1

COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

1 INTRODUÇÃOCaro acadêmico, antes de iniciarmos e prosseguirmos no estudo de uma

introdução ao Antigo Testamento, precisamos concordar que a Bíblia foi também constituída a partir de um contexto histórico-geográfico. Geográfico no sentido de que o espaço habitado pelo povo hebreu era a Palestina (Terra de Israel: 2Cr 2, 17; 1 Sm, 13, 19; Canaã: Gn 11, 31; Êx 15, 15; Terra Santa: Zc 2, 16; Judá: Lc 1, 5; Terra Prometida: Hb 11, 9).

A região da Palestina está situada na bacia do Mar Mediterrâneo, tendo o Egito ao Sul, a Mesopotâmia ao Norte, a Europa ao Ocidente, estando então incluída dentro da meia-lua fértil oriental ou Crescente Fértil. Sendo assim, a Palestina é uma terra situada entre duas grandes e antigas civilizações, a saber: a civilização mesopotâmica e a civilização egípcia.

A civilização mesopotâmica é situada numa região fértil e por isso enfrentou com frequência vários problemas políticos e econômicos, pelo fato de muitos outros povos ambicionarem essas terras. Nessa região ocorreram muitos movimentos de tribos nômades, pois mudavam com frequência com seus rebanhos atrás de novas e férteis pastagens. É a partir desse contexto que se encontra e constitui-se a figura do patriarca Abraão e sua família em sua trajetória da cidade de Ur, Haarã para Canaã (Gn 12-13). Caminhada essa que será observada no livro do Êxodo como sendo então uma caminhada de fé.

A civilização egípcia se constituiu há 4.500 anos antes de Cristo. Estava constituída no Vale do Rio Nilo. A região do Nilo, por causa das frequentes inundações, também era uma região fértil, sendo propícia para a lavoura de trigo. É a partir dessas condições naturais que ocorre o episódio de José e seu irmãos no Egito.

Entre essas duas civilizações havia um corredor de acesso que possibilitava o movimento de caravanas comerciais. O povo que vivia nesse corredor de acesso entre ambas as civilizações era massacrado por elas, sendo ora dependente dos egípcios, ora dependente dos mesopotâmicos.

Esse corredor era uma região considerada chave, pois ficava entre a África, Ásia e Europa, recebendo a Bíblia influência de diversas culturas, principalmente as culturas egípcias e as mesopotâmicas. Portanto, o lugar em que a Bíblia é escrita não é uma região isolada.

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

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2 FORMAÇÃO DO PENTATEUCOFIGURA 1 – OS LIVROS DO PENTATEUCO

FONTE: Disponível em: <http://files.cursodeteologia6.webnode.com/200000152-9ef079feac/pentateuco.png>. Acesso em: 15 fev. 2017.

De acordo com Félix García López (2002), em sua obra O Pentateuco: Introdução à Leitura dos Cinco Primeiros Livros da Bíblia, o Pentateuco em si é uma grande composição literária, integrada e constituída por narrações e leis. Segundo esse autor, os personagens principais do Pentateuco vivem e se desenvolvem, de forma geral, num marco espacial (geográfico) e temporal bastante amplo, quando mesmo não o transcendem, como é no caso de Javé (Deus). Segundo o autor, em muitos aspectos, o Pentateuco é semelhante às obras literárias modernas.

A organização dos livros do Antigo Testamento na literatura hebraica

é diferente da organização cristã, pois nela, segundo López (2002), é feita inclusive a união de alguns livros, que na literatura cristã são separados. São os livros dos 12 profetas menores, os dois livros de Samuel, os dois livros de Reis, os dois livros das Crônicas, assim como também é feita a junção dos livros de Neemias e Esdras, chegando ao total de 24 livros e não 39, como foi feita na nossa tradução do Pentateuco. No entanto, em relação a essas diferenças, apenas foram mudadas a forma estética e a organização, mas os conteúdos são equivalentes nas diferentes formas de tradução.

López (2002) traz em sua obra, na página 17, um esquema de organização

do Antigo Testamento de acordo com a tradição judaica, como podemos constatar a seguir:

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TÓPICO 1 | COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

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DIVISÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO JUDAICO

A Lei 5 Livros(A Torah)

Os Proféticos 8 Livros(Os Neviym)

Os Escritos 11 Livros(Os Kethuvym)

1 - Gênesis a. Profetas Anteriores a. Livros Poéticos

2 - Êxodo 1 - Salmos

3 - Levítico 1 - Josué 2 - Provérbios

4 - Números 2 - Juízes 3 - Jó

5 - Deuteronômio 3 - Samuel

4 - Reis b. Cinco rolos (Megiloth)

b. Profetas Posteriores 1 - O Cântico dos Cânticos

2 - Rute

1 - Isaías 3 - Lamentações

2 - Jeremias 4 - Ester

3 - Ezequiel 5 - Eclesiastes

4 - Os doze

c - Livros Históricos

1 - Daniel

2 - Esdras - Neemias

3 - Crônicas

QUADRO 1 – A DIVISÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO JUDAICO

FONTE: López (2002, p. 17)

Como podemos notar no quadro anterior, todos os livros do Antigo Testamento da tradução segundo a versão cristã eram reconhecidos pelo povo judeu e considerados também como divinamente inspirados, e aceitos inclusive pelo próprio historiador Flávio Josefo, em que ele apresenta uma divisão da estrutura não de 24 livros, mas de apenas 22 livros. Pois na divisão de 22 livros, adotada por Flávio Josefo, o livro de Rute está junto com o de Juízes e o livro de Lamentações com o de Jeremias.

Devemos entender que a formação do Cânon do Antigo Testamento se deu

de forma gradual, ocorrendo num espaço de tempo de aproximadamente 1.255 anos, desde o personagem de Moisés até Esdras. Segundo as fontes de pesquisas, “[...] isto vai desde o período em que Moisés esteve entre os midianitas (quando, segundo a tradição judaica, teria escrito o livro de Jó), por volta de 1700 a.C., até

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

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Esdras (445 a.C.)” (LÓPEZ, 2002, p. 18). Em relação à redação final do Antigo Testamento, Esdras não pode ser considerado como o redator final.

Esdras não foi o último escritor na formação do Cânon do Antigo Testamento; os últimos foram Neemias e Malaquias, porém, de acordo com os escritos históricos, foi ele que, na qualidade de escriba sacerdote, reuniu os rolos bíblicos, ficando assim o Cânon encerrado em seu tempo. Os profetas e os homens de Deus que compuseram os livros do Antigo Testamento não tinham consciência de como suas contribuições se enquadrariam a uma unidade global, formando assim o Antigo Testamento (LÓPEZ, 2002, p. 18).

Devemos considerar que cada época (em se tratando de diferentes culturas e sociedades) tem a sua própria forma de ler, no sentido de compreender, a Bíblia, e de acordo com as correntes intelectuais que vigoram no dado momento. Nesse sentido, López (2002) conclui que os trabalhos de Fr. Luís de León e de Arias Montano refletem as correntes humanistas do período do Renascimento (séculos XIV e XV). Por outro lado, atesta o autor, durante o período do Iluminismo (século XVIII), em relação às pesquisas referentes às Sagradas Escrituras, começaram a ser aplicados os métodos histórico-críticos. No entanto, López recorda que bem mais tarde, a filosofia de Hegel, o positivismo de Comte, evolucionismo e estudos antropológicos, psicológicos e sociológicos contribuíram também para o desenvolvimento da investigação bíblica.

É a partir de metade do século XX que a tendência mais apurada na interpretação bíblica é a corrente da nova crítica literária. Essa corrente de pesquisa bíblica apresenta os estudos histórico-críticos que haviam se estabelecido durante mais de dois séculos e que nas últimas décadas têm aberto possibilidades para a existência ou ocorrência para novos métodos literários. Assim, foram se diversificando os métodos histórico-críticos e também foi se multiplicando a definição dos novos métodos literários (LÓPEZ, 2002). Portanto, de acordo com López (2002), a pluralidade dos estudos sobre o Pentateuco é um sinal dos tempos atuais.

De acordo com Albert de Pury (1996), organizador da obra “O Pentateuco em questão”, a primeira etapa propriamente literária da formação do Pentateuco pode ser situada pelo ano 1000, à época de Davi. Foi na corte do rei que foram redigidos cinco textos bem curtos que contam as histórias “primitivas” das origens de Abraão, de Isaac, de Jacó e de José. Esses pequenos documentos, segundo Pury, independentes uns dos outros, foram escritos a fim de responder aos adeptos da casa de Saul que contestavam a legitimidade do poder exercido pelo homem de Hebron. “A unidade do documento que fornece ao Pentateuco sua trama fundamental é, portanto, menos de ordem teológica do que de ordem política” (PURY, 1996, p. 164).

O Pentateuco é uma classificação dada aos cinco primeiros livros que compõem a Bíblia, sendo eles: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Os cinco primeiros rolos em hebraico são chamados de Torah, verbo hebraico yarah que tem por significado “mostrar com o dedo”, “indicar”, significando então

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TÓPICO 1 | COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

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“instruir, ensinar”. O Pentateuco das Igrejas Cristãs é também conhecido como o Livro da Torá da religião judaica, segundo Anderson Vicente Gazzi, autor da obra “Introdução ao Estudo do Pentateuco”. Para uma melhor compreensão do conjunto dos livros que formam o Pentateuco, Gazzi (2013, p. 63) afirma que:

Os primeiros cinco livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), geralmente chamados de “a Lei” ou “o Pentateuco”, integram a primeira e mais importante seção do Antigo Testamento, tanto na Bíblia Judaica como na Cristã. A divisão tripartida da Bíblia Hebraica em Lei, Profetas e Escritos (Salmos) pode ser encontrada no Novo Testamento (Lc 24.44.: “E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos”) e no Prólogo de Siraque (c.180 a.C.). A distribuição dos livros do Antigo Testamento nas Bíblias Cristãs, baseada na do Antigo Testamento Grego (a Septuaginta; c.150 a.C.), também concede ao Pentateuco esta primazia.

Enquanto um projeto de tradução do Pentateuco, a Septuaginta é

considerada como a Torá greco-helenística. Assim, a versão da Septuaginta constituiu-se numa obra da exegese judaica antiga (SMEND, 1996). A Septuaginta deu-se, segundo Gazzi, como consequência da popularização da língua grega com o ápice do Império de Alexandre o Grande:

Como consequência dos setenta anos de cativeiro na Babilônia, e em virtude da forte influência do aramaico, a língua hebraica enfraqueceu-se. Todavia, fiéis à tradição de preservar os oráculos em sua própria língua, os judeus não permitiam ainda que os livros sagrados fossem vertidos para outro idioma. Alguns séculos mais tarde, porém, essa atitude exclusivista e ortodoxa teria de dar lugar a um senso mais prático e liberal. Com o estabelecimento do império de Alexandre o Grande, a partir de 331 a.C., a língua grega popularizou-se a ponto de tornar imprescindível que para ela se fizesse uma tradução das Sagradas Escrituras (GAZZI, 2013, p. 63).

Com a tradução do hebraico para o grego, passou então a ser chamado de Pentateuco, que tem por significado “cinco rolos onde está contida a Lei de Javé (Iahweh)”. Até o século XVIII, Moisés era reconhecido como sendo o único autor do Pentateuco pelas tradições judaica e cristã. Porém, do século XIX em diante surge a crítica literária que faz observações a alguns traços do Pentateuco, sugerindo a possível existência de mais de um escritor. Pois em diversas passagens as narrações estão em versões diferentes, com estilos, vocabulários e tempos diferentes.

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FIGURA 2 - A TORÁ JUDAICA

FONTE: Disponível em: <http://cylkow.pl/wpcontent/uploads/2015/07/tora.png>. Acesso em: 15 fev. 2017.

Segundo Pury, a questão da origem e do desenvolvimento do Pentateuco não é uma questão de interesse apenas a um grupo de pesquisadores da crítica literária.

Uma coisa deve ficar bem clara: a questão das origens e do desenvolvimento não é um problema marginal que só interessaria a um círculo restrito de profissionais da crítica literária. As implicações dos estudos do Pentateuco para o conjunto da ciência veterotestamentária – inclusive para a nossa própria percepção da história de Israel – são evidentes (PURY, 1996, p. 17).

Para Pury (1996), o Pentateuco é o cânon mais antigo de uma comunidade de fé. Por conseguinte, seu devir (o vir a ser – desenvolvimento) também deve ser compreendido como um processo espiritual. Por isso é necessário estarmos atentos tanto ao aspecto literário quanto ao aspecto teológico.

O Pentateuco não foi escrito em uma única vez e não pode ser considerado como sendo a obra de um único autor. O Pentateuco deve ser entendido como escrito a partir de tradições orais e escritas diferentes que foram juntadas de forma progressiva e se unificando ao longo da história. A união de todo esse material só se deu na época depois do exílio da Babilônia.

“Seja qual for a resposta à questão da formação do Pentateuco, esta resposta terá que levar em conta o fato de que o Pentateuco deve ser compreendido, de qualquer forma, como uma resposta à catástrofe política e, mais ainda, à crise religiosa e espiritual do exílio” (PURY, 1996, p. 178).

A fonte Javista, pelo fato de chamar Deus de Javé, é oriunda do reinado

do rei Salomão por volta dos anos 960-930 a.C. Os textos dessa fonte podem ser verificados nos livros de Gênesis, Êxodo e Números. E também nos livros de Josué

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e Juízes. Essa fonte fala diretamente da história de Israel, desde a criação, passando pelo êxodo até a posse da terra em Canaã.

Essa fonte retrata o pensamento do povo da tribo do Sul (Judá), sendo que

não dá para identificar diretamente os seus autores. Apenas há o conhecimento das tribos do Sul e de suas cortes. A fonte de tradição Javista apresenta a história de Israel no estilo de uma grande “Epopeia Nacional” em que todos têm marcada em suas memórias históricas “essa história” que é repassada da tradição oral secular recontada no contexto dos reis, privilegiando então as tribos do Sul.

A fonte Eloísta (por chamar a Deus de Elohim) foi composta entre os anos

900-850 a.C., depois da separação das tribos do Norte (Israel) e do Sul (Judá). Essa fonte apresenta as mesmas concepções da fonte sulista (apresentada na tradição Javista) e nos mesmos livros, porém, com uma nova perspectiva e olhar, próprio do povo nortista Israel. Propositalmente, Eloísta é advindo do nome de Deus anterior ao êxodo, onde a divindade é invocada como Elohim, o Deus Altíssimo. Sua narrativa dá ênfase a locais (santuários, montes e locais sagrados) onde é forte a experiência de suas lideranças embrionárias (patriarcas, profetas) com a manifestação divina. Também é enfatizada a aliança com o povo (ao contrário da fonte Javista que dá ênfase ao reinado e templos) enquanto coletividade. Esta fonte valoriza mais o campo, a natureza, as tradições primitivas anteriores à monarquia, as relações interpessoais com a divindade, bem diferente da tradução javista que tem um perfil estatal e faz uso de personagens que atuam como mediadores entre Deus e o povo.

A fonte sacerdotal foi então composta no final do exílio dos judeus na Babilônia e no começo da restauração entre os anos de 550-450 a.C., pelos sacerdotes hebreus. A partir de Gênesis, Êxodo e passando pelos livros de Levítico e Números, os textos dessa fonte narrativa são fortemente constituídos e elaborados em genealogias, na observação da lei sabática, nas leis religiosas, na circuncisão, no tratamento de todas as enfermidades, no convívio social, no jeito e nas formas de prestar culto à divindade, a importância de toda a casta sacerdotal, dos símbolos religiosos e da interpretação da própria história através dos sacerdotes como sendo os mediadores entre Deus e os homens do povo. A influência da narrativa sacerdotal é bastante significativa no tempo da restauração e na conservação e observação dos costumes religiosos.

E, por fim, a fonte denominada de Deuteronomista (fonte que aponta para a observância irrestrita da lei) foi elaborada no reinado de Israel, ou seja, da tribo do Norte. A fonte Deuteronomista é considerada crítica e refinada. Quando no ano de 722 a.C. houve a queda do reino do Norte, essa tradição Deuteronomista foi então guardada por hebreus simpatizantes que habitavam o reino do Sul. Nessa fonte literária é forte a ideia da releitura da história da tribo do Norte a partir da aliança e do momento que o Reino do Sul está passando, de forma que teve o mesmo fim, que foi a sua destruição e o seu exílio. A fonte Deuteronomista em sua releitura da história dá ênfase na pré-história israelita desde os tempos de Moisés até o início do reinado, dando então valor àquilo que constitui a terra e o povo como sendo um dom e uma herança sagrada de Deus.

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Gazzi (2013) afirma que depois da destruição de Jerusalém no ano 70 depois de Cristo, a própria versão da Bíblia chamada “a versão dos Setenta” perdeu muito do seu valor entre os teólogos judeus da época, em parte e também em consequência do modo pelo qual os próprios cristãos a usavam para fundamentar as suas crenças e as doutrinas de Cristo, e também, em parte, pelo fato de seu estilo ser falho de elegância. Por causa disto, os judeus então fizeram no segundo século três novas versões dos livros canônicos do Antigo Testamento (GAZZI, 2013):

(1) A tradução de Áquila. Este autor era natural do Ponto e prosélito do judaísmo, viveu no tempo do imperador Adriano. Tentou fazer uma versão literal das Escrituras hebraicas, com a finalidade de contradizer a forma que os cristãos faziam dos Setenta para fundamentar as suas doutrinas.

(2) A revisão dos Setenta feita então por Teodócio. Este era judeu prosélito, natural de Éfeso, segundo Ireneu, e segundo Euzébio, Teodócio era também um ebionita que acreditava na missão do Messias, mas não na divindade de Cristo.

(3) A versão de Símaco, também ebionita. Esta versão foi incluída por Orígenes em sua Hexapla e na Tetrapla, que alinhavam lado a lado versões do texto com a Septuaginta. Alguns dos poucos fragmentos do texto de Símaco que chegaram até nossos dias, remanescentes da também perdida Hexapla, permitiram que os acadêmicos modernos elogiassem a pureza e elegância do grego de Símaco, que também foi admirado por Jerônimo para compor a Vulgata.

Orígenes organizou o texto hebreu em quatro versões diferentes, em seis

colunas paralelas para efeito de estudo comparativo. Na primeira coluna tinha-se o texto hebreu; na segunda coluna, o texto hebreu com caracteres gregos; na terceira coluna, a versão de Áquila; na quarta coluna, a versão de Símaco; na quinta coluna, a dos Setenta; e na sexta coluna, a revisão feita por Teodócio. Em virtude destas seis colunas, tomou o nome de Hexapla. Na coluna destinada ao texto dos Setenta, marcava com um sinal palavras que não encontrava no texto hebreu. Emendava o texto grego, suprindo as palavras do texto hebraico que lhe faltavam, assinalando-as por um asterisco. Conservou a mesma grafia hebraica para os nomes próprios. Orígenes preparou uma edição de menor formato, contendo as últimas quatro colunas, que se ficou chamando Tétrapla (GAZZI, 2013).

Porém, em relação aos outros escritos que compõem o Antigo Testamento, existiram outros grupos de redatores ou escolas e discípulos de algum outro personagem importante, por exemplo, alguns dos profetas. Também deve ser considerada a tradição oral partindo da memória do povo que relatava as histórias de geração em geração. Assim, Pury conclui que:

O Pentateuco, quanto à sua matéria, se divide em duas partes quase iguais, em textos legislativos e textos narrativos. Abrem-se, portanto, duas vias tradicionais à interpretação: para a tradição judaica, o Pentateuco é antes de tudo compreendido como a Lei de Israel. Para a tradição cristã, ao contrário, o Pentateuco é lido antes de tudo como a história de Israel (PURY, 1996, p. 72).

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3 AUTORIA DOS LIVROS DO PENTATEUCO

FIGURA 3 – O ESCRIBA SAGRADO

FONTE: Disponível em: <https://www.irmaos.net/v2/img/escriba.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

De acordo com López (2002), a tradição judaica e a cristã atribuíram, desde os primórdios, a Torá à autoria de Moisés. Conforme Filón e Josefo, Moisés escreveu inclusive o relato de sua morte (Dt 34, 5ss). Essa tradição foi unânime por muitos séculos, tomando ao pé da letra algumas afirmações do Pentateuco sobre as funções de Moisés como sendo o seu escritor.

Afirma-se, por exemplo, que Javé encarregou a Moisés escrever num “Livro de memórias” a vitória de Israel sobre os amalecitas (Êx 17, 14) e que Moisés escreveu o “Código da Aliança” (Êx 24, 4) e o “Direito de privilégio de Javé” (Êx 34, 27). Assim mesmo Nm 33, 2 nos informa que Moisés foi registrando, numa espécie de diário ou livro de viagens, as diferentes etapas da caminhada pelo deserto. Finalmente, Dt 31, 9.24 alude a Moisés como escritor da Torá (LÓPEZ, 2002, p. 32).

No entanto, algumas das indicações anteriores, segundo López (2002), nos convidam muito mais a pensar que Moisés não pode ser o único autor de todo o Pentateuco. Já Ibn Ezra (+1167) advertiu que Dt 31, 9 se refere a Moisés na terceira pessoa (“Moisés escreveu”), quando o normal seria que o fizesse em primeira pessoa se fosse o autor do livro do Deuteronômio. Cabe duvidar, assim mesmo, que se Josefo e Filón se viram na necessidade de afirmar que Moisés escreveu o relato de sua morte é porque havia boas razões para duvidar disso. Não é estranho, pois, que o Talmud o coloque em dúvida, ao mesmo tempo nos indica que o Dt 34, 5-12 foi acrescentado por Josué. Ibn Ezra aponta para outras possibilidades adicionais à Torá, posteriores a Moisés. Mas tanto ele como os demais comentaristas medievais aceitaram a tradição mosaica do Pentateuco. “A exegese pré-crítica é fundamentalmente a-histórica. Interessa-se sobretudo pelas ideias teológicas, subjacentes nos textos. O problema do autor o admite pacificamente, sem deter-se em sua discussão” (LÓPEZ, 2002, p. 32).

De acordo com os estudos histórico-críticos clássicos, a crítica histórica se caracteriza pela utilização dos métodos histórico-críticos. Estes métodos têm como principal objetivo analisar o processo da formação dos textos. Para isso, servem-se

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de critérios “científicos”, buscando então a maior objetividade possível. Trata-se, assim, de analisar os textos bíblicos com os mesmos métodos empírico-racionais empregados para o estudo de outros textos antigos.

O Iluminismo supôs uma mudança de orientação: os textos bíblicos começaram a ser considerados como textos do passado muito mais que textos inspirados. Mas, concretamente, que tipo de textos formam o Pentateuco? Em seguida saltaram aos olhos as duplicações, as repetições, as tensões, as mudanças frequentes de estilo etc., que teriam que pensar que o Pentateuco não podia ser obra de um só autor. Ao precaver-se da complexidade dos textos, a crítica literária, primeiro, e a crítica da forma, em seguida, se perguntaram: como pode um só autor ter escrito isto? Mas a crítica literária e a da forma não são mais que as primeiras etapas de um processo que, com o passar do tempo, desembocou na crítica das tradições e na crítica da redação. Todas juntas constituem os métodos histórico-críticos (LÓPEZ, 2002, p. 32-33).

De acordo com López (2002), a primeira tarefa da crítica literária consiste em determinar se um texto é homogêneo ou não, isto é, se dentro dele há a presença de um ou mais autores de acordo com o estilo literário etc. Assim, conclui que a literatura bíblica não é uma literatura moderna, cuja unidade não é colocada. Na Bíblia hebraica, ao lado dos textos perfeitamente acabados e coerentes, com uma unidade inegável, há a presença de outros compostos. Neste caso, a crítica literária se preocupa em separar os elementos acrescentados dos originais, determinando a unidade ou heterogeneidade do texto. As análises da crítica literária conduziram para soluções muito diferentes, a saber:

O Tostado e Simon: Alfonso de Madrigal (ca. 1410-1455), conhecido como O Tostado, marca o final da época pré-crítica e permite prever o início do período crítico. O Tostado se interessou pelas novas correntes humanísticas do Renascimento, nas quais surgiu a Poliglota Complutense, qualificada de peça mestra [...] (LÓPEZ, 2002, p. 33).

López (2002) conclui que se pode considerar que Simon (1638-1712) foi o verdadeiro inaugurador da crítica bíblica moderna. Na sua obra Historie critique du Vieux Testament (1678), observa a existência de duplicações, tensões, mudanças de estilo e outra série de aspectos formais e temáticos, que seriam os critérios sobre os quais seriam trabalhados normalmente pela crítica literária. Essas observações, segundo ele, vêm a confirmar as dúvidas de que Moisés não pode ter sido o autor do Pentateuco.

Simon defende que no Pentateuco existem fontes, anteriores a Moisés, e acréscimos (adições) posteriores a ele. Em sintonia com O Tostado e avançando sobre o que foi apontado por esse autor, reconhece a Esdras como o compilador do Pentateuco. Segundo Simon, uma verdadeira cadeia de “escritores públicos”, que trabalharam desde a época de Moisés até a de Esdras, foram registrando os principais acontecimentos da História de Israel, assim como os textos legislativos que foram sendo transmitidos de geração para geração até a sua definitiva compilação por Esdras (LÓPEZ, 2002, p. 34).

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Hipótese documentária antiga encabeçada por Witter e Astruc aponta que, em algumas passagens do Pentateuco, Deus se chama Elohim, enquanto que em outras é chamado de Javé. Witter limita seu estudo aos primeiros capítulos do livro do Gênesis. Astruc, de outra forma, estende esse trabalho para todo o restante do livro do Gênesis e aos primeiros capítulos do livro do Êxodo. E é dessa aplicação do critério da mudança dos nomes divinos que surge então a hipótese documentária da formação do Pentateuco, ou seja, a existência de dois documentos, o documento elohista e o documento javista, ao menos nas seções analisadas por estes pesquisadores. De acordo com López (2002, p. 34), “além das duas fontes ou documentos principais, Astruc admitia a existência de outras fontes secundárias. Moisés serviu-se de outras formas para compor o Pentateuco”.

A hipótese dos fragmentos surgida no final do século XVIII, que corresponde

aos pesquisadores Geddes e Vater, recebeu os primeiros impulsos da dificuldade de se encontrar fontes contínuas que estejam fora do livro do Gênesis, sobretudo nas partes legais do Pentateuco. Os seus expoentes máximos foram Geddes, em 1792, e Vater, em 1802-1805.

Segundo Geddes, o Pentateuco é uma coleção de fragmentos mais ou menos longos, que são independentes entre si e sem continuidade, cuja colocação atual se deve a dois grupos diferentes de recompiladores: o elohista e o javista. E Vater centraliza a sua atenção na “Lei”, pois a considera como sendo o fundamento do Pentateuco. O núcleo dessa lei se encontrava no livro do Deuteronômio, composto na época davídico-salomônica e redescoberto e reeditado na época de Josias. Embora essa hipótese esclarecesse vários problemas do Pentateuco, especialmente das seções legais, deixava sem explicação muitos outros, sobretudo das seções narrativas menos fragmentadas (LÓPEZ, 2002, p. 35).

A hipótese dos complementos firmada por Kelle e Ewald é contrária à

hipótese dos fragmentos. Isso se dá pelo fato de Ewald afirmar uma certa unidade na trama narrativa do Pentateuco. Porém, não desconsiderava certas divergências nos textos. Por isso pensou que a melhor forma de explicar a composição do Pentateuco era aceitar “um escrito fundamental” (elohista, que em seguida receberia o nome de sacerdotal), completado pela adição de outros textos (LÓPEZ, 2002).

A hipótese da datação proposta por Wette afirma que não basta distinguir

os documentos, é preciso datá-los. O grande feito de Wette (1780-1849) está em ter identificado o “Livro da lei”, que foi encontrado no templo na época de Josias (2Rs 22), com o livro do Deuteronômio e sabiamente utilizar esse livro como sendo a base para a datação do Pentateuco (LÓPEZ, 2002).

Para ele, as medidas adotadas por Josias como consequência da descoberta do “Livro da lei”, em especial as da centralização do culto, se correspondem com as leis deuteronomistas (comparar 2Rs 23, 4-20 com Dt 12-26). A centralização do culto se transforma no “ponto arquimédico” (Eissfeldt) para a datação do Pentateuco: as leis que pressupõem a centralização do culto são contemporâneas ou posteriores à reforma de Josias (622 a.C.); e não anteriores (LÓPEZ, 2002, p. 34-35).

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Já a nova hipótese documentária fundada por Hupfeld, Graf e Wellhausen, é entendida como um estudo feito sobre “as fontes do livro do Gênesis” (1853). Hupfeld propôs uma nova versão para a antiga hipótese documentária. Ele concluiu que a fonte elohista não é homogênea, o que o levou a distinguir então três diferentes fontes presentes na autoria do Livro do Gênesis: E1, E2 e J. A primeira fonte (E1), que mais tarde se identificou como fonte Sacerdotal P, é a fundamental, pois contém a essência da “Lei”. E2, como sendo a fonte elohista, é uma fonte independente e que surgiu posteriormente, como também ocorreu com a fonte J (Javista), sendo esta última considerada a mais antiga das três fontes literárias que compõem o Pentateuco (LÓPEZ, 2002).

O desdobramento da fonte elohista, segundo López (2002), foi considerada um passo importante na crítica literária, pois vinha reconhecer que o nome divino Elohim não bastava, por si só, para atribuir alguns textos a um documento. Uma operação desse gênero teria sido puramente mecânica. Mas a crítica literária não tem apenas um caráter técnico, é também uma arte, que requer uma sensibilidade educada e habituada para aplicar adequadamente os critérios que permitam decidir quando uma peça é homogênea ou não. Como um excelente crítico, Hupfeld não se limitou a separar alguns textos uns dos outros, mas analisou-os cuidadosamente em seus vocabulários, estilos, conteúdos etc., chegando à conclusão de que nem todos os textos que utilizam o nome Elohim pertencem ao mesmo autor ou documento. Apresentando então um novo caminho, bastante significativo, ao afirmar que a união das três fontes literárias que compõem o Pentateuco numa só obra se deve a um redator, cujo trabalho consistiu em ordenar e unir os textos das três fontes.

Graf aceitou a hipótese proposta por Hupfeld, mas mudou a ordem e a datação das fontes, apoiando-se em algumas observações de seu mestre E. Reuss. Numa obra sobre “os livros históricos do Antigo Testamento” (1886), Graf observa que nem o livro do Deuteronômio, nem os livros históricos de Josué-Reis, nem os livros proféticos pré-exílicos oferecem indícios claros de haver conhecido as leis sacerdotais do Pentateuco (argumento do silêncio). Estas, juntamente com seu marco narrativo, deviam ser datadas, consequentemente, numa época exílica ou pós-exílica. Desta observação, e para estes estudos, colaboraram outros contemporâneos seus, chegando à conclusão de que o documento sacerdotal (= E1/P) era o mais recente e J, o mais antigo (LÓPEZ, 2002, p. 36-37).

Outro importante pesquisador da formação e composição do Pentateuco, segundo López (2002), foi Wellhausen. Este escreveu duas obras muito influentes na investigação do Pentateuco: uma sobre a composição do Hexateuco e outra sobre a História de Israel. No final da primeira, sintetiza desta forma a composição do Hexateuco: da fonte literária javista e eloista surgiu JE a fonte literária Jeovista. E esta última uniu-se com a fonte literária D; e a fonte literária Q (= P) é uma obra independente. Ampliada como Código Sacerdotal, Q se uniu com JE + D, de onde surgiu o Hexateuco. De acordo com esse esquema, o Hexateuco consta de quatro diferentes fontes ou documentos de diferentes épocas, o J (Javista/Iavista) e E (Elohista), sendo que as mais antigas serviram de base para o Jeovista (JE), uma composição literário-redacional do século VIII. E a fonte D (= Deuteronômio)

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corresponde à época de Josias, enquanto que a fonte sacerdotal pertence à época pós-exílica. A redação final do Pentateuco foi realizada no contexto da reforma de Esdras.

Wellhausen colocou em destaque, como ninguém o teria feito até este momento, o substrato histórico dos textos do Hexateuco, com repercussões consideráveis para o modo de conceber a evolução da religião de Israel. Interessava-lhe em especial a evolução das instituições cultuais, refletidas nas fontes (LÓPEZ, 2002, p. 37).

Um aspecto fundamental da exegese crítica é o estudo das formas literárias. Pois a forma é individual e concreta, sendo o próprio texto em particular, enquanto o gênero é abstrato, sendo um tipo de texto. Na literatura real não existem mais que as formas; o gênero é um resultado teórico da ciência, uma forma “ideal” ou “típica”. Quando duas ou mais unidades, literariamente independentes, apresentam uma forma idêntica ou similar em sua constituição, se pode falar de um “Gênero”. Muitos textos do Antigo Testamento foram compostos originariamente para uma ocasião determinada e específica. A análise das formas textuais busca determinar qual a situação e quais as circunstâncias vitais em que os textos surgiram.

O estudo da tradição consiste fundamentalmente na análise da pré-história dos textos. O termo tradição designa um conteúdo oral ou escrito que se transmite de uma geração para outra, no sentido apresentado em 1Cor 15, 3-4. Uma tradição pode ser narrativa, legislativa etc. A crítica das tradições deve começar pela forma dos textos; pressupõe, pois, a crítica da forma. Os dois aspectos metodológicos estão muito próximos entre si. Gunkel se interessou sobretudo pela forma dos textos, mas os seus estudos deram as bases para a crítica das tradições. Esta adquiriu maior peso na obra de Von Rad e de Noth (LÓPEZ, 2002, p. 38-39).

De acordo com López (2002), para a formulação dessas tradições, o Israel pré-monárquico serviu-se de cinco temas considerados fundamentais, como: a saída do Egito, a entrada na terra prometida, a promessa feita aos patriarcas, a caminhada de 40 anos pelo deserto e a Aliança no Monte Sinai. Esses temas foram se unindo e enriquecendo e transformando-se progressivamente com a integração de outras tradições secundárias, como: as pragas do Egito e a Páscoa, episódios da conquista, Jacó em Siquém e na Transjordânia, Isaac e Abraão, a montanha de Deus e os madianitas etc.

Tanto os temas fundamentais como os secundários remontam a tradições orais de tipo cultual e popular. A sua fixação por escrito se deve aos autores das fontes do Pentateuco, que lhes imprimiram os seus próprios aspectos literários e teológicos. As semelhanças e diferenças entre J e E o levam a pensar num “documento básico” comum às duas fontes. Por sua vez, a fonte P é essencialmente narrativa; em princípio continha poucas leis. A fonte P serviu de armadura para a redação final do Pentateuco (LÓPEZ, 2002, p. 40).

A autoria do Pentateuco é tradicionalmente conferida a Moisés pelo senso comum, pelo fato de o próprio judaísmo e cristianismo antigo terem atribuído a autoria a este personagem do povo hebreu. Atualmente, entende-se que a nenhum dos livros do Pentateuco pode-se atribuir a autoria de um único autor e muito

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menos a autoria ao próprio Moisés. Pois além das referências diretas a Moisés, os livros que compõem o Pentateuco possuem sequências temáticas em que descrevem o surgimento do povo de Israel. Pode-se dizer, portanto, que “o estado de Moisés no deserto é o primeiro modelo verificado de poder que integra a seu funcionamento o controle ideológico e a manipulação do consenso” (CHATELET; DUHANEL; PISIER; 1993, p. 833).

No Pentateuco, a citação de dois nomes diferentes para tratar sobre Deus

(Javé e Elohim) levou o pastor alemão H. B. Witter (1711) a sugerir duas fontes distintas que foram então transmitidas a Moisés pela própria tradição oral.

Assim, esse critério para os dois nomes dados a Deus foi somente explorado por Astruc e por Eichhorn a partir de 1760. Esses dois pesquisadores apresentaram a tese de que se deve distinguir dois documentos. Um que adotaria o nome Javé e o outro Elohim. E que ambos seriam então apresentados por Moisés. “Embora não se afirme no próprio conjunto do Pentateuco que este haja sido escrito por Moisés em sua totalidade, outros livros do Antigo Testamento citam-no como sendo obra dele, como podemos conferir em: Js 1, 7-8; 23, 6; 1Re 2, 3; 2Re 14, 6; Ed 3, 2; Ne 8, 1; Dn 9, 11-13” (GAZZI, 2013, p. 67).

Muitas partes importantes do Pentateuco são atribuídas a Moisés (Êx 17, 14; Dt 31, 24-26). No entanto, os escritores do Novo Testamento estão de acordo com os escritores do Antigo Testamento em confirmar a autoria mosaica do Pentateuco. Falam dos cinco livros em geral como “a Lei de Moisés” (At 13, 39; 15, 5; Hb 10, 28). Para eles, “ler o livro de Moisés” equivale a ler os livros que formam o conjunto do Pentateuco (GAZZI, 2013).

Moisés, mais do que qualquer outro homem, tinha preparo, experiência e gênio que o capacitavam para escrever o Pentateuco. Considerando-se que foi criado no palácio dos faraós (At 7, 22: “foi instruído em toda a ciência dos egípcios; e era poderoso em suas palavras e obras”), foi testemunha ocular dos acontecimentos do êxodo e da peregrinação no deserto. Mantinha a mais íntima comunhão com Deus e recebia revelações especiais. Como hebreu Moisés tinha acesso às genealogias bem como às tradições orais e escritas de seu povo, e durante os longos anos da peregrinação de Israel, teve o tempo necessário para meditar e escrever. E, sobretudo, possuía notáveis dons e gênio extraordinário, do que dá testemunho de seu papel como líder, legislador e profeta (GAZZI, 2013, p. 67).

Porém, a partir disso, diferentes questões foram levantadas acerca da transmissão, a forma de como foram transmitidos e de que maneira devem ser imaginados esses documentos transmitidos por Moisés e o que esses documentos continham e como foram reunidos para a formação do Pentateuco.

Surgiram então três hipóteses para buscar responder a essas interrogações e tentar explicar a presença de partes literárias de diferentes origens nos mesmos relatos: a hipótese “documentária”, a hipótese dos “fragmentos” e a hipótese dos “complementos”.

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A teoria documentária aponta que existem no fundamento do Pentateuco até quatro formas de tramas narrativas que são contínuas e que foram redigidas em épocas diferentes, com meios e formas diferentes, sucessivamente por diferentes redatores e sendo então justapostas. Essa questão foi apresentada, porém a solução para a questão da formação do Pentateuco não acabou sendo esclarecida e definida.

A Teoria Documentária da Alta Crítica afirma que os primeiros cinco livros

da Bíblia são uma compilação de documentos redigidos, em sua maior parte, no período de Esdras (444 a.C.). No entender dos autores dessa teoria, o documento mais antigo que se encontra no Pentateuco data do tempo de Salomão (GAZZI, 2013).

Durante os séculos XVIII e XIX, nas universidades alemãs, foram aplicados à Bíblia métodos de investigação e de análise que os historiadores haviam desenvolvido para reconstruir o passado. Procuraram descobrir a data de cada livro, seu autor, seu propósito e as características do estilo e da linguagem. Perguntaram-se: Quais são as fontes originais dos documentos bíblicos? São dignas de confiança? Qual é o significado e o fundo histórico de cada um deles? A este movimento deu-se o nome de Alta Crítica.

A Baixa Crítica, por outro lado, é a que se ocupa do estudo do texto em si.

Observa os manuscritos existentes para estabelecer qual o texto mais aproximado do original. Suas investigações têm deixado textos muito exatos e dignos de confiança.

A crítica bíblica, tanto a textual como a alta, pode lançar muita luz sobre as

Escrituras se aplicada com reverência e erudição. Os pais da Igreja, os reformadores e os eruditos evangélicos têm realizado tais estudos com grande benefício. Não obstante, os críticos alemães, sob a influência do racionalismo daquele tempo, chegaram a conclusões que, comprovadas, poderiam destruir toda a confiança na integridade das Escrituras:

Os críticos alemães aproximaram-se do estudo da Bíblia com certos pressupostos ou preconceitos: 1) Rejeitaram todo o elemento milagroso. Isto é, para eles a Bíblia não é inspirada por Deus, porém um livro a mais, um livro como outro qualquer. 2) Aceitaram a teoria ideada pelo filósofo Hegel de que a religião dos hebreus tinha seguido um processo evolutivo. Segundo esta teoria, no princípio Israel acreditava em muitos espíritos, depois foi desenvolvendo a crença em um só Deus, e mais tarde chegou à fase sacerdotal. Também o culto hebreu evoluiu quanto aos seus sacrifícios, suas festas sagradas e seu sacerdócio (GAZZI, 2013, p. 68-69).

De acordo com Gazzi (2013), os críticos racionalistas desenvolveram a teoria de que o Pentateuco não foi escrito por Moisés, mas é uma recompilação de documentos redigidos, em sua maior parte, no século V a.C. Jean Astruc (1753), professor de medicina em Paris, iniciou esta teoria, notando que se usava o nome “Eloim” (Deus) em algumas passagens do Gênesis, e “Jeová” em outras. Para Astruc, isto era prova de que Moisés havia usado dois documentos como

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fontes, cada um com sua maneira especial de designar a Deus, para escrever o Gênesis. Mais tarde, os estudiosos alemães descobriram o que lhes pareciam certas repetições, diferenças de estilo e discordância nas narrativas. Chegaram à conclusão de que Moisés não escreveu o Pentateuco; o escritor foi um redator desconhecido que empregou várias fontes ao escrevê-lo.

Para fins do século XIX, Julius Wellhausen e Karl H. Graf desenvolveram a “Hipótese Graf-Wellhausen”, que foi aceita como a base fundamental da Alta Crítica. Usaram a teoria da evolução religiosa de Israel como um dos meios para distinguir os supostos documentos que constituiriam o Pentateuco. Também a utilizaram para datar esses documentos. Por exemplo, se lhes parecia que determinado documento tinha uma teologia mais abstrata do que outro, chegavam à conclusão de que havia sido redigido em data posterior, já que a religião ia ficando cada vez mais complicada. De modo que estabeleceram datas segundo a medida de desenvolvimento religioso que eles imaginavam. Relegaram o livro de Gênesis, em sua maior parte, a uma coleção de mitos cananeus, adaptados pelos hebreus. (GAZZI, 2013, p. 68-69).

Wellhausen e Graf denominaram os supostos documentos da seguinte maneira (GAZZI, 2013, p. 68-69):

1) O “Jeovista” (J), que prefere o nome Jeová. Teria sido redigido possivelmente no reinado de Salomão e considerado o mais antigo.2) O “Eloísta” (E), que designa a Deus com o nome comum de Eloim. Teria sido escrito depois do primeiro documento, por volta do século VIII a.C.3) O Código Deuteronômico (D) compreenderia todo o livro de Deuteronômio. Teria sido escrito no reinado de Josias pelos sacerdotes, que usaram esta fraude para promover um despertamento religioso (2Rs 22, 8).4) O Código Sacerdotal (P) é o que coloca especial interesse na organização do tabernáculo, do culto e dos sacrifícios. Poderia ter adquirido corpo durante o cativeiro babilônico, e forneceu o plano geral do Pentateuco.

Consideraram que os documentos, com exceção do “D”, correm paralelamente através dos primeiros livros do Pentateuco. A obra final teria sido redigida no século V a.C., provavelmente por Esdras. Esta especulação de Wellhausen e Graf chama-se “A Teoria Documentada, J.E.D.P.”.

Os eruditos conservadores rejeitam de plano a teoria documentária J. E. D. P.

Dizem que os títulos de Deus não estão distribuídos no Gênesis de maneira tal que se possa dividir o livro como sustentam os da teoria documentária. Por exemplo, não se encontra o nome de Jeová em 17 capítulos, mas os críticos atribuem porções de cada um desses capítulos ao documento “Jeovista”. Além do mais, não deve causar-nos estranheza que Moisés tenha designado a Deus com mais de um título. No Corão (livro sagrado dos mulçumanos), há algumas passagens que empregam o título divino “Alá” e outros “Rabe”, e nem por isso se atribui o Corão a vários autores.

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E que dizer então quanto aos relatos duplicados e contraditórios que os críticos supostamente encontram em Gênesis? Os conservadores explicam que alguns são compilações, tais como as ordens de que os animais entrem na arca (Gn 6, 19 e 7, 2); o primeiro era uma ordem geral e o segundo dá um entalhe adicional. Os dois relatos da criação (Gn 1, 1-2, 4a e 2, 4b-2, 25) são suplementares. O primeiro apresenta a obra geral da criação, e o segundo dá o enfoque do homem e seu ambiente.

Também, chamam a atenção certas diferenças de linguagem, estilo e ponto de vista entre os diferentes documentos. Contudo, estes juízos são muito subjetivos. Não nos deve estranhar que quando Moisés escreveu as partes legais e cerimoniais tenha empregado um vocabulário e estilo um tanto diferentes do que empregou nas partes históricas. Ademais, Gordan Wenham, erudito contemporâneo, versado em Antigo Testamento, diz que as diferenças de estilo, usadas para distinguir as fontes do Pentateuco, já não têm significado à luz das antigas convenções literárias. Diz outro erudito moderno, R. K. Harrison, que inclusive certo defensor da Alta Crítica admite que “as diferenças são poucas e podem ser classificadas como acidentais” (GAZZI, 2013, p. 70-71).

Os arqueólogos descobriram muitíssimas evidências que confirmam a historicidade de grande parte do livro do Gênesis e por isso já não se pode denominá-lo “uma coleção de lendas cananeias adaptadas pelos hebreus”. Mas não encontraram prova alguma de supostos documentos que tenham existido antes do Pentateuco.

Muitos estudiosos conservadores acham provável que Moisés, ao escrever o livro do Gênesis, tenha empregado genealogias e tradições escritas (Moisés menciona especificamente “o livro das gerações de Adão”, em Gn 5, 1). William Ross observa que o tom pessoal que encontramos na oração de Abraão a favor de Sodoma, no relato do sacrifício de Isaque, e nas palavras de José ao dar-se a conhecer a seus irmãos, “é precisamente o que esperaríamos, se o livro de Moisés fosse baseado em notas biográficas anteriores”. Provavelmente, essas valiosas memórias foram transmitidas de uma geração para outra desde os tempos muito remotos. Não nos cause estranheza que Deus possa ter guiado Moisés a incorporar tais documentos em seus escritos. Seriam igualmente inspirados e autênticos (GAZZI, 2013, p. 71).

Também pelas referências feitas com relação a certos materiais do tabernáculo, deduzimos que o autor conhecia a península do Sinai. Por exemplo, as peles de texugos se referem, segundo certos eruditos, às peles de um animal da região do Mar Vermelho; a “onicha”, usada como ingrediente do incenso (Êx 30, 34) era da concha de um caracol da mesma região. Evidentemente, as passagens foram escritas por alguém que conhecia a rota da peregrinação de Israel e não por um escritor no cativeiro babilônico, ou na restauração, séculos depois.

Do mesmo modo, os conservadores mostram que o Deuteronômio foi escrito no período de Moisés. O ponto de referência do autor do livro é o de uma pessoa que ainda não entrou em Canaã. A forma em que está escrito é a dos tratados entre os senhores e seus vassalos do Oriente Médio no segundo milênio antes de Cristo. Por isso, estranhamos que a Alta Crítica tenha dado como data destes livros setecentos ou mil anos depois (GAZZI, 2013, p. 72-73).

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A arqueologia também confirma que muitos dos acontecimentos do livro de Gênesis são realmente históricos. Por exemplo, os pormenores da tomada de Sodoma, descrita no capítulo 14 do Gênesis, coincidem com assombrosa exatidão com o que os arqueólogos descobriram. (Nisto se incluem: os nomes dos quatro reis, o movimento dos povos, e a rota que os invasores tomaram, chamada “caminho real”. Depois do ano 1200 a.C., a condição da região mudou radicalmente, e essa rota de caravanas deixou de ser utilizada). O arqueólogo Albright declarou que alguns dos detalhes do capítulo 14 nos levam de volta à Idade do Bronze (período médio, entre 2100 e 1560 a.C.). Não é muito provável que um escritor que vivesse séculos depois conhecesse tais detalhes.

Além do mais, nas ruínas de Mari (sobre o rio Eufrates) e de Nuzu (sobre um afluente do rio Tigre) foram encontradas tábuas de argila da época dos patriarcas. Nelas se descrevem leis e costumes, tais como as que permitiam que o homem sem filhos desse sua herança a um escravo (Gn.15.3), e uma mulher estéril entregasse sua criada a seu marido para suscitar descendência (Gn 16. 2). Do mesmo modo, as tábuas contêm nomes equivalentes ou semelhantes aos de Abraão, Naor (Nacor), Benjamim e muitos outros. Por isso, tais provas refutam a teoria da Alta Crítica de que o livro do Gênesis é uma coletânea de mitos e lendas do primeiro milênio antes de Cristo. A arqueologia demonstra cada vez mais que o Pentateuco apresenta detalhes históricos exatos, e que foi escrito na época de Moisés. Há razão ainda para duvidar de que o grande líder do êxodo foi seu autor? (GAZZI, 2013, p. 73).

De acordo com Gazzi (2013, p. 74), é percebível que o conjunto do Pentateuco com frequência se refere a Moisés como sendo o seu autor, a começar pelo Livro do Êxodo em 17, 14: “Então, disse o SENHOR a Moisés: Escreve isto para memória num livro e repete-o a Josué, porque eu hei de riscar totalmente a memória de Amaleque de debaixo do céu”. E em Êxodo 24, 4 lemos: “Moisés escreveu todas as palavras do SENHOR [...]”. Lemos, ainda, no versículo 7: “E tomou o livro da aliança e o leu ao povo [...]”. Outras referências ao fato de Moisés ter escrito o Pentateuco encontram-se em Êxodo 34, 27, Números 33, 1-2 e Deuteronômio 31, 9, das quais, na última temos: “Esta lei, escreveu-a Moisés e a deu aos sacerdotes [...]”. Dois versículos adiante encontramos uma exigência severa a respeito do futuro: “[...] quando todo o Israel vier a comparecer perante o SENHOR, teu Deus, no lugar que este escolher, lerás esta lei diante de todo o Israel”. Essa norma sabidamente percorre Êxodo, Levítico, Números e a maior parte de Deuteronômio.

Mais tarde, após a morte de Moisés, o Senhor deu estas instruções a Josué, sucessor de Moisés: “Não cesses de falar deste livro da lei; antes, medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado a fazer segundo tudo quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-sucedido” (Js 1, 8). Negar a autoria de Moisés significa que todos os versículos acima citados são infundados e indignos de aceitação. Josué 8, 32-34 registra que a congregação de Israel estava reunida fora da cidade de Siquém, no sopé do monte Ebal e do monte Gerizim, quando Josué leu em voz alta a lei de Moisés, escrita em tábuas de pedra, e os trechos de Levítico e de Deuteronômio referentes às bênçãos e às maldições, como Moisés havia feito anteriormente (Dt 27, 28). Se a hipótese documentária estiver correta, esse relato também deve ser rejeitado por se tratar de mera invencionice. Outras referências do

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Antigo Testamento à autoridade mosaica do Pentateuco são 1Rs 2, 3; 2Rs 14, 6; 21, 8; Ed 6, 18; Ne 13, 1; Dn 9, 11-13 e Ml 4, 4. Todos esses testemunhos também deveriam ser totalmente rejeitados por se tratar de erros. (GAZZI, 2013, p. 74).

Cristo e os seus Apóstolos também confirmaram a autoria do Pentateuco (Torá) a Moisés, pois podemos confirmar no Livro de João (BÍBLIA DE JERUSALÉM, João, 5, 46-57), em que Jesus disse: “Porque, se de fato crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?”. Deverás! De maneira semelhante, em João 7, 19 Jesus afirmou que: “Não vos deu Moisés a Lei? Contudo, ninguém dentre vós a observa [...]”. Cristo é personagem histórico. Não podemos negar a sua existência, não pelo fato de termos os relatos que a comprovam, mas sim de existir as provas materiais de documentos históricos da época que comprovam a sua existência, caso o testemunho oral não for o suficiente.

Se a confirmação de Cristo de que Moisés foi de fato o autor do Pentateuco é descartada – como de fato o faz a teoria da crítica moderna –, segue-se indubitavelmente a negação da autoridade do próprio Cristo. Pois, se o Senhor estava enganado a respeito de uma verdade factual e histórica desse tipo, poderia enganar-se também a respeito de princípios e doutrinas que estivesse ensinando. (GAZZI, 2013, p. 74).

Em Atos 3, 22 Pedro diz a seus compatriotas: “Disse, na verdade, Moisés: O Senhor Deus vos suscitará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Atos, 3, 22).

Afirmou Paulo em Romanos 10, 5: “Ora, Moisés escreveu que o homem que praticar a justiça decorrente da lei viverá, por ela”. Mas a teoria J.E.D.P., de Wellhausen, e a crítica moderna racionalista negam que Moisés tenha escrito quaisquer destas coisas. Isso significa que Cristo e os apóstolos estavam totalmente enganados ao julgarem que Moisés as tenha escrito de fato. Um erro dessa categoria, tratando-se de fatos históricos que podem ser testados, levanta séria dúvida quanto a poderem os ensinos teológicos que tratam de assuntos metafísicos fora de nossa capacidade de comprovação, ser aceitos como dignos de confiança ou cheios de autoridade. Assim vemos que a questão da autenticidade de Moisés como escritor do Pentateuco é assunto da maior importância para o cristão. A autoridade do próprio Cristo está em jogo nessa questão (GAZZI, 2013, p. 75).

De acordo com Gazzi (2013), além dos testemunhos de personagens existentes no Novo Testamento afirmarem a autoria de Moisés, existe também no próprio Pentateuco o testemunho de acontecimentos ou questões da época, de situações sociais ou políticas ou de assuntos relacionados ao clima ou à geografia. Podemos então conferir algumas delas, como: o clima e as condições atmosféricas citadas no Livro do Êxodo são tipicamente egípcios, não da região da Palestina; as árvores e os animais a que se faz referência no Livro do Êxodo até o Livro do Deuteronômio são todos naturais do Egito ou da península do Sinai, e nenhum deles se encontra na região da Palestina. A árvore chamada acácia é nativa do Egito e do Sinai, mas não encontrada na região de Canaã, a não ser em parte ao redor do Mar Morto.

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Para Gazzi (2013), o Pentateuco, e especialmente o Livro de Deuteronômio, contém várias referências à futura conquista de Canaã pelos descendentes de Abraão. O autor de Deuteronômio escreve cheio de confiança em que as hostes hebraicas venceriam toda oposição dentro da terra de Canaã, derrotariam todos os exércitos inimigos e implodiriam todas as cidades que decidissem atacar. Isso se reflete com clareza em todas as repetidas exortações para que destruíssem todos os templos e santuários cananeus, e tudo se reduzisse a pó (Dt 7, 5; 12, 2-3; Êx 23, 24; 34, 13).

Visto que todas as nações defendem seus relicários sagrados com a máxima força de que são capazes, a presunção de que Israel seria capaz de destruir todos os santuários pagãos por toda a terra presume a supremacia militar do povo de “IEOVÁH” após a invasão de Canaã. Em que outra circunstância na carreira da nação hebreia poder-se-ia nutrir tão grande confiança senão nos dias de Moisés e de Josué? Aqui, outra vez, a evidência interna aponta com força para uma data de composição nos dias de Moisés. Nada poderia estar mais fora da realidade do que supor que Josias, em 621 a.C., quando Judá era um pequenino estado vassalo sob domínio do Império Assírio, pudesse almejar destruir todos os altares idólatras, demolir todos os altos e árvores veneradas e esmagar todas as estruturas de templos, reduzindo-os a pó, de norte a sul, de leste a oeste da Palestina. Como poderia a pequenina colônia que lutava para sobreviver esperar eliminar todos os relicários religiosos de Dã até Berseba? (GAZZI, 2013, p. 81).

Gazzi (2013) afirma que a única conclusão que se pode tirar das ordens exaradas no Pentateuco para que se destruíssem todos os traços da idolatria é que estava na capacidade militar de Israel o poder de fazer cumprir essas ordens por todo o país. Nada, porém, seria menos cabível nos dias de Zacarias, de Esdras e de Neemias que planejar e executar tão grande extirpação do culto idólatra em toda a Palestina. A grande batalha deles era a sobrevivência, em face das reiteradas más colheitas e grandes hostilidades por parte das nações vizinhas. Nem o “Documento P” do tempo de Esdras, nem o Deuteronômio dos dias de Josias poderiam harmonizar-se com as passagens aqui mencionadas.

Deuteronômio 13, 2-11 prescreve a pena de morte por apedrejamento para qualquer idólatra ou falso profeta, fosse irmão, esposa, filho. Os versículos de 12 a 17 prosseguem dizendo que até mesmo uma cidade toda que se voltasse para a idolatria deveria ter todos os seus moradores sentenciados à morte. Todas as suas casas deveriam ser reduzidas a pó e cinza, todas as propriedades condenadas a essa excomunhão. Isso não é teoria visionária, mas ordem séria com procedimentos investigadores nela embutidos, o que refletia um programa que deveria ser posto em execução no Israel da época. No entanto, quando examinamos o registro bíblico da situação espiritual de Judá no século VII a.C. (ou, na verdade, no VIII, a partir do tempo de Acaz), descobrimos que a adoração de ídolos era tolerada em quase todos os recantos do reino – exceto durante a reforma religiosa empreendida por Ezequias e por Josias. Isso teria induzido à destruição de todas as cidades e vilas, incluindo-se Jerusalém. Ninguém cria leis cuja implementação seja totalmente impossível de ser executada, por causa das condições reinantes. A única época em que tal legislação poderia ter sido posta em vigor foi a dos dias de Moisés e de Josué – e possivelmente nos dias de Davi. (Já nos dias de Salomão, o culto às relíquias nos “lugares altos” estava sendo praticado) (GAZZI, 2013, p. 82).

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A teoria dos fragmentos, segundo Gazzi (2013), afirmava que de início havia vários relatos fora da ordem e a existência de textos soltos, ou seja, sem que houvesse uma continuidade nas narrativas. Então estes textos e relatos foram reunidos por um ou mais redatores. Assim, acaba então afirmando que o próprio Pentateuco não é fruto de uma compilação de “documentos”, mas sim de uma junção de fragmentos de fontes escritas.

FIGURA 4 – MOISÉS RECEBE AS TÁBUAS DA LEI

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/-Zm5kmvlh3Mk/UV123EPm7-I/AAAAAAAAJRc/xewJJiGPbbg/s1600/Moses-Dore-Featured-Banner-640x351.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

Por outro lado, a teoria dos complementos afirma que de início há a existência de uma única forma narrativa e esta é contínua (sendo ela a fonte Eloísta). E que durante os séculos teria então recebido vários acréscimos, complementos, até compor o Atual Pentateuco. O Pentateuco recebeu várias influências destes documentos ou tradições e também de muitos outros fatores que estão ligados à particular história e religião do povo de Israel. Porém, afirma-se que a pretensão dos autores do Pentateuco é apresentar através das escrituras o poder e o domínio de Deus sobre todas as coisas em detrimento de tudo aquilo que o povo enfrentou nessa relação com a divindade revelada por Moisés. Portanto, a lei mosaica presente em todo o Pentateuco não é meramente humana, mas sim, instrução para o povo “escolhido” viver segundo a vontade de Deus.

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4 CONTEXTO HISTÓRICO DA COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

FIGURA 5 – MOISÉS E AS TÁBUAS DA LEI

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-IKR7RQQcCU4/VBBJBL1WJsI/AAAAAAAAPK8/imn0mRtBDv8/s1600/03%2B-%2Bt%C3%A1buas%2Bda%2Blei%2B2.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

É de comum acordo que revelação divina direcionada à humanidade deu-se por muitos séculos a partir da tradição oral. Sendo que as Sagradas Escrituras só começam a ganhar a sua forma a partir do rei Davi. No entanto, antes de Davi existiam os documentos orais e escritos como o Código da Aliança (Êx 20, 22-23, 33), o Decálogo (Êx 20, 2-17; Dt 5, 6-21), o poema de Débora (Jz 5, 1-31), o cântico de Moisés (Êx 15, 1-18).

Aqui se tornam necessários dois níveis do aprendizado do domínio cognitivo: o conhecimento e a compreensão da posição histórica do autor, isto é, do seu contexto, ou seja, a sua situação histórica, política, social etc. Deve-se considerar que a Bíblia foi produzida num ambiente bem diferente do nosso, refletindo maneiras e formas peculiares. Não se pode simplesmente “lançar” um versículo, tirando-o da realidade em que estava inserido para utilizá-lo nos dias atuais a título de contextualização ou aplicação (GAZZI, 2013, p. 21).

Devido à ausência de fontes extrabíblicas que possam comprovar os relatos

contidos nos cinco livros do Pentateuco, é impossível firmarmos datas que sejam precisas acerca da história em que envolveu a trama e a codificação do Pentateuco.

Da forma como está constituído, o Pentateuco apresenta todo o período

histórico que parte da criação do mundo até a morte de Moisés anos antes do povo hebreu entrar na terra que para ele fora prometida. Sem nos fixarmos em detalhes de datas, pelo fato de existirem várias linhas de pesquisas divergentes acerca do assunto, podemos então apontar o período de 2000 a.C. para as narrativas consideradas ‘Patriarcais’ e o período de 1500 a.C. para as narrativas então apresentadas no Livro do Êxodo. Sendo assim, podemos concluir que o

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período histórico mais comum ao contexto histórico da composição do Pentateuco é a Idade do Bronze no Antigo Oriente Médio, sendo que é a civilização egípcia a que mais tem participação nos fatos históricos ocorridos na história do Pentateuco.

E foi também nos reinados dos reis Davi e Salomão que foi escrita uma das principais fontes integrantes do Pentateuco, conhecida como fonte Javista.

Logo após a morte do rei Salomão houve a divisão do reino de Israel em duas partes, sendo o reino do Norte chamado de Israel e o reino do Sul chamado de reino de Judá. Nos dois livros dos Reis são narradas as histórias destes dois reinos. Sendo que no reino de Israel surgem os profetas Elias e Eliseu como sendo os defensores do culto destinado a Javé. No reinado do rei Jeroboão II, que datou de 783-743 a.C., surgiram os profetas Amós e Oseias e o desenvolvimento da tradição “Eloísta” do Pentateuco. No reino de Judá, depois do surgimento dos profetas Amós e Oseias no reino do Norte, surgiram os profetas Isaías e Miqueias. Sendo que somente a primeira parte do livro de Isaías (1-9) pertence de fato ao profeta Isaías.

No ano de 722 a.C. o então Reino do Norte é dominado pela civilização

assíria e então vários habitantes do reino de Israel acabam fugindo para o Reino de Judá. Em sua fuga, esses habitantes acabaram levando consigo os escritos e as tradições religiosas. A partir disso é que são unidas as tradições do Pentateuco Javista e Eloísta, passando a se chamar então de tradição Jeovista.

No reinado do rei Josias, durante os anos de 640-609 a.C., houve a restauração

do templo de Salomão e desenvolve-se uma reforma religiosa, pelo fato do reino do Norte ter desaparecido com a ocupação assíria e pelo iminente castigo prestes a ocorrer ao Reino de Judá por causa da infidelidade que os hebreus do reino do Sul tinham praticado a Javé. Sendo que é nestas circunstâncias que surgiram os livros dos Juízes, de Samuel e dos Reis.

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FIGURA 6 – OS DOIS REINOS DE ISRAEL

FONTE: Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/2/2e/Levant_830_map-pt.svg/858px-Levant_830_map-pt.svg.png>. Acesso em: 15 fev. 2017.

No ano de 587 a.C. o rei Nabucodonosor avançou sobre a cidade de Jerusalém, tomando os habitantes da cidade e levando-os para o reino da Babilônia. Esse foi um fato histórico importante na vida do povo hebreu. Ocorreu que os sacerdotes, por estarem longe do templo, acabam retornando para as tradições antigas. E, por fim, eles mesmos acabam dando a feição final do Pentateuco após o Deuteronômio.

Albert de Pury conclui que o aparecimento do Pentateuco, como é conhecido

em sua forma atual, e o final de sua atividade literária, se deram entre o exílio do povo hebreu e o início da época helenística, ou seja, a época do domínio persa. “Na minha opinião, as datas limites se estabelecem a nível de uma segurança relativamente grande: entre o exílio e o começo da época helenística, isto é, a época persa” (PURY, 1996, p. 278).

De acordo com Pury, é a partir do tempo do exílio que se tem as últimas referências históricas precisas do Pentateuco:

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Pode-se considerar quase como “communis opinio” o fato de que o conjunto do Pentateuco ainda não existia à época do exílio. É deste tempo que datam as últimas referências históricas mais precisas, sobretudo nos capítulos de maldições do Dt e do da LS. Muitos exegetas consideram que as passagens do Pentateuco datam o mais cedo possível deste período, e há bons indícios de que LS tenha encontrado sua forma ao tempo do exílio. Há uma unanimidade quase geral em considerar que nesta época apareceu a historiografia deuteronomista onde o Dt constitui uma unidade literária com Josué e os livros seguintes. Portanto, o exílio é o “terminus post quem” do Pentateuco (PURY, 1996, p. 278).

O Pentateuco é um documento composto de livros individuais, mas também uma narrativa ininterrupta de uma história completa que vai da criação até a morte de Moisés. Esses dois aspectos são importantes.

Em primeiro lugar, cada um dos livros tem seu próprio interesse e unidade. Gênesis revela sua estrutura literária repetindo dez vezes a fórmula: “esta é a história” ou “estas são as gerações” a respeito do que segue. Êxodo revela sua unidade de diversas maneiras. Por exemplo, a lei promulgada nos capítulos 19 a 40 baseia-se na narrativa do êxodo de Israel do Egito (capítulos 1 a 18; Êx 19, 3-6). Sem a narrativa, a lei não tem fundamento histórico. Deus confirmou seu chamado a Moisés conduzindo a nação para fora do Egito de volta ao Monte Horebe, à montanha onde Moisés, no início, fora comissionado (Êx 3, 1, 12). Levítico é um manual de liturgia para os sacerdotes. Números relata a marcha de Israel do deserto desde o Sinai até Canaã. Assim como no êxodo lembrado no memorial da Páscoa prefigura a salvação do novo (GAZZI, 2013, p. 88).

Os cinco livros do Pentateuco estão ligados através de uma narrativa contínua. Pois podemos perceber que o Livro do Êxodo continua a história que se iniciou no Livro do Gênesis sobre os israelitas que foram para lá no Egito (Gn 46, 26-27; Êx 1, 1). Moisés cumpre o juramento de José, feito em seu leito de morte, de que levassem seus ossos embora do Egito (Gn 50, 25; Êx 13, 19). Levíticos 1 a 9 explica os rituais do tabernáculo, como uma espécie de suplemento das instruções para sua construção em Êx 25 a 40, o Livro de Levítico também mostra como foi realizado o rito para a ordenação de sacerdotes, apresentado em Êx 29. Números compartilha muitos paralelos com o Livro do Êxodo e Levítico; extensas porções de todos os três livros ocorrem no deserto do Sinai e compartilham preocupações e regulamentos cerimoniais semelhantes. Em seu primeiro discurso em Deuteronômio, Moisés resume a história de Israel desde o Sinai até a terra de Moabe, conforme registrado em Números. Em seu segundo discurso, ele faz alusões frequentes ao Êxodo, repetindo com pequenas modificações os Dez Mandamentos e o modo de Israel corresponder a eles (Êx 20; Dt 5).

O Pentateuco deve ser entendido como uma mistura de história e lei.

Ambas estão intimamente relacionadas: a história da narrativa explica as leis. Por exemplo, a lei sobre a circuncisão é incluída na narrativa sobre a aliança de Deus com Abraão e Sara (Gn 17, 9-14) e a quebra do sábado torna-se sujeita à pena capital na história sobre juntar gravetos no sábado. (Nm 15, 32-36). Mas, conforme

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observado acima, o principal interesse do Pentateuco é a aliança de Deus com Abraão, Isaque e Jacó; o livramento de seus descendentes do Egito por Deus e a obrigação desses em guardar a lei de Deus a eles no deserto do Sinai.

5 ESTRUTURA DOS LIVROS DO PENTATEUCO

Segundo Zenger, em sua obra “Introdução ao Antigo Testamento” (1995, p. 47), a Torá/Pentateuco é o bloco mais volumoso da Bíblia, quase tão volumoso quanto o Novo Testamento. Afirma também que o Pentateuco era extenso demais para caber em um único rolo de livro da Antiguidade. Assim, o Pentateuco hebraico é composto pelos livros de: Gênesis, Êxodo, Números, Levítico e Deuteronômio.

“Não poderíamos esquecer que o Pentateuco também se apresenta, e talvez em primeiro lugar, como uma doutrina, uma torâh – no sentido dinâmico dessa palavra –, cuja validade pretende ser determinante não só para a época evocada, mas para todas as gerações futuras do povo de Israel” (PURY, 1996, p. 183).

Zenger, na página 48, afirma que o Pentateuco pode ser lido primeiramente como biografia de Moisés:

[...] Moisés é o ator principal (Êx 2: nascimento; Dt 34: falecimento). O cap. 34, 10-12 constitui praticamente seu epitáfio (inscrição tumular). Gn representa, então, a história de seus antepassados em sentido amplo (cf. Êx 6, 14-25). É a partir desse enfoque que o Pentateuco também é designado “(livro da) Torá de Moisés”.

Em relação à narração, Zenger afirma que

[...] o Pentateuco pode ser lido como o caminho dramático de Israel para a terra da promessa, que começa com o chamado de Abraão dentre as nações e termina com um “final aberto” na fronteira da terra prometida – contudo com a incumbência de entrar nessa terra. O Pentateuco retrata esse caminho cheio de sofrimento e conflito como biografia dramática de Israel (ZENGER, 2003, p. 48).

Para Zenger, os cinco livros que compõem o Pentateuco estão agrupados, em forma de quiasmo espelhado, em torno do livro do Levítico como centro teológico. Assim, Gênesis e Deuteronômio formam a moldura externa e Êxodo e Números perfazem a moldura interna. Eles se estruturam paralelamente por meio de numerosas histórias iguais.

O Livro do Gênesis, que em grego significa início, princípio, origem, é o primeiro livro do Pentateuco. O livro possui uma ideia universal em toda a sua narração, servindo para dar a fundamentação da história do antigo povo de Israel, que, a partir da vocação de Abraão, encontra-se anexada dentro do contexto da história humana universal.

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TÓPICO 1 | COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

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A história humana universal está inserida no relato da criação do mundo, sendo o ambiente favorável por excelência para o aparecimento e desenvolvimento da raça humana. As tradições javista e eloísta, que receberam muitas críticas nas últimas décadas, podem ser aceitas como sendo reelaborações dos poemas épicos, originalmente orais, numa forma de prosa escrita.

É apropriado o lugar que Gênesis ocupa como o primeiro livro do Antigo

Testamento, servindo de introdução básica à Bíblia inteira.

Gênesis registra com exatidão a criação, os começos da história da humanidade e a origem do povo hebreu, bem como o concerto entre Deus e os hebreus através de Abraão e os demais patriarcas. O Senhor Jesus atestou no Novo Testamento a fidedignidade histórica de Gênesis como Escritura divinamente inspirada (Mt 19, 4-6; 24, 37-39; Lc 11, 51; 17, 26-32; Jo 7, 21-23; 8, 56-58) e os apóstolos como pode ser conferido em Rm 4; 1Co 15, 21, 22, 45-47; 2Co 11, 3; Gl 3, 8; 4, 22-24, 28; 1Tm 2, 13, 14; Hb 11, 4-22; 2Pe 3, 4-6; Jd 7, 11). Sua historicidade continua sendo confirmada pelas descobertas arqueológicas modernas. Moisés foi notavelmente bem preparado, pela sua educação (At 7, 22) e por Deus, para escrever esse livro da Bíblia (GAZZI, 2013, p. 93).

O redator final do Livro do Gênesis, provavelmente de perspectiva sacerdotal, organizou o material em longos e distintos blocos ou seções, fazendo o uso de uma fórmula específica de definição com: “estas são as gerações de…”. Este formato de expressão introduz o material tradicional e ocorre cinco vezes na história das origens (Gn 2, 4; 5, 1; 6, 9; 10, 1; 11, 10) e cinco vezes na história dos antepassados do antigo Israel (cf. Gn 11, 27; 25, 12; 25, 19; 36, 1, 11; 37, 2), assim, servindo de pontos de ligação e orientação geral das narrativas que vão compor os dois blocos que formam o livro do Gênesis.

O livro do Êxodo apresenta de que forma o povo de Israel cresceu e se

desenvolveu no Egito durante 400 anos e passou a ser perseguido e oprimido pelo Faraó. O sofrimento do povo hebreu no Egito Antigo, a ação de Deus em preparar um libertador (Moisés), a luta contra o povo opressor, a liberdade, as provações enfrentadas na caminhada do deserto rumo à terra que o Senhor prometeu a eles, o estabelecimento do pacto de Deus com o povo de Israel através do Decálogo e as normas para a construção do Tabernáculo para a adoração.

Êxodo dá continuidade à narrativa iniciada em Gênesis. O livro começa com a descrição do sofrimento dos descendentes de Jacó no Egito, a saber: opressão, escravidão e infanticídio, e termina com a presença, o poder e a glória de Deus manifestos no Tabernáculo, no meio do seu povo já liberto e no deserto. O êxodo de Israel para fora do Egito é declarado em todo o Antigo Testamento como a mais grandiosa experiência de redenção do antigo concerto (GAZZI, 2013, p. 116).

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

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FIGURA 7 – AS LEIS DADAS POR DEUS

FONTE: Disponível em: <https://cdn.mensagenscomamor.com/resize/400x225/content/images/int/livro_do_levitico.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

O foco principal do Livro do Êxodo é a fuga ou a saída do povo hebreu do Egito Antigo e sua caminhada em direção à terra prometida, que ao chegar diante do monte Sinai estabelece com Deus uma Aliança, passando a ter uma relação de pertencimento a Deus e Este fará coisas grandes para defender, salvar e guardar Israel (Êx 19, 5). A divisão do livro do Êxodo pode ser feita em dois blocos, cujas formas são narrativa e legislativa. Esse segundo livro do Pentateuco é fruto tanto de composição a partir de diversas tradições sobre a saída do Egito e o tempo do deserto, mas em particular da reflexão sobre a experiência vivida no exílio no reino da Babilônia. Então, é entendido que a sua redação final ocorreu por volta dos séculos VI-V a.C.

O livro de Levítico faz referência ao culto a ser realizado pela tribo de Levi, que foi então escolhida para realizar os serviços religiosos do Santuário. O livro contém basicamente material de cunho legislativo, sendo que a vida social cotidiana é o centro das leis que buscavam regulamentar toda a vida social, política, religiosa e cultural do povo do antigo reino de Israel em construção para então futuramente tomar a posse da terra de Canaã. Assim, o povo hebreu já estava orientado antes mesmo de tomar posse da terra prometida, através dos decretos, estatutos, normas e leis:

Levítico está estreitamente ligado ao livro de Êxodo. Êxodo registra como os israelitas foram libertos do Egito, receberam a Lei de Deus e construíram o Tabernáculo segundo o modelo determinado por Deus; termina quando o Santo vem habitar no Tabernáculo recém-construído (Êx 40, 34). Levítico contém as leis que Deus deu a Moisés durante os dois meses entre o término do Tabernáculo (Êx 40, 17) e a partida de Israel do monte Sinai (Nm 10, 11). Levítico é o terceiro livro de Moisés. Mais de cinquenta vezes, o livro declara que seu conteúdo encerra as palavras da revelação que Deus deu diretamente a Moisés para Israel, as quais, Moisés, a seguir, reduziu à forma escrita (GAZZI, 2013, p. 117).

O livro de Levítico deve também ser considerado como um manual que certifica e autentica a existência do sacerdócio e oficializa a prática do serviço religioso. Sendo então eles (os sacerdotes) os responsáveis pela santidade do serviço religioso que oferecem ou apresentam a Deus em prol da santificação do povo.

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TÓPICO 1 | COMPOSIÇÃO DO PENTATEUCO

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FIGURA 8 – O SACERDÓCIO E O SACRIFÍCIO

FONTE: Disponível em: <http://3.bp.blogspot.com/hCmZJFNlAPE/T3W6mGd9hVI/AAAAAAAAF8o/oDiBs8tj4IU/s1600/Sacerdote-32.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

Assim, o material que no livro surge como resultado de toda a ação mediadora de Moisés faz parte da tradição sacerdotal que tem origem no seu próprio fundador. Cronologicamente, Números é uma continuação da história relatada no livro de Êxodo. Depois de uma estada de aproximadamente um ano no monte Sinai – período durante o qual Deus estabeleceu seu concerto com Israel, deu a Moisés a lei e o modelo do Tabernáculo e instruiu-o a respeito do conteúdo de Levítico –, os israelitas se prepararam para continuar sua viagem à terra que Deus lhes prometera como descendentes de Abraão, Isaque e Jacó. Pouco antes de partirem do monte Sinai, no entanto, Deus mandou Moisés numerar todos os homens de guerra (Nm 1, 2-3). Dezenove dias depois, a nação partiu de lá, numa curta viagem para Cades-Barneia (Nm 10, 11). Números registra a grave rebelião de Israel em Cades, e seus 39 anos subsequentes de julgamento no deserto, até quando Deus conduziu toda uma nova geração de israelitas às planícies de Moab, à beira do rio Jordão, do lado oposto a Jericó e à terra prometida.

O livro dos Números possui também elementos narrativos e legislativos. Porém, um elemento central no livro de Números é o fator da transição entre a antiga geração, que deixou o Egito, morreu no deserto (Nm 1, 1-21, 9) para dar lugar a uma nova geração que por fim tomou posse da terra prometida (Nm 26, 1-36, 13). Uma outra importante transição é a geográfica, que é a passagem do Sinai, pelo deserto, até a chegada nas estepes da planície do deserto de Moab.

Assim, podemos perceber que o livro dos Números, em seu conteúdo, não é homogêneo quanto ao material usado na sua elaboração. As próprias fontes históricas que foram usadas para serem a base para a formação do livro possuem uma evolução longa e de difícil entendimento. Ou seja, foi realizada então uma nova interpretação das tradições antigas referentes ao tempo em que o povo hebreu permaneceu no deserto, dando origem a um novo contexto literário.

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É notório que uma parte do conteúdo desse livro é de tradição sacerdotal, sendo identificada de maneira simples, através do seu estilo e vocabulário e seu enfoque nas leis, sendo então de caráter legislativo. E uma outra parte do conteúdo do livro não tem a sua origem a partir dos círculos sacerdotais. No entanto, é de comum acordo que a versão final ficou sob a influência dos círculos sacerdotais e teria sido então o último livro do Pentateuco a ter a sua forma final e canônica concluída, durante o reinado persa, no final do século V a.C.

O último livro do Pentateuco, livro do Deuteronômio, é iniciado por um narrador que faz a sua narração já na terra prometida. Porém, a narração diz respeito à caminhada feita antes de adentrar à terra prometida. Todo o livro do Êxodo aparece como um longo discurso feito por Moisés como se fosse feito no dia de sua morte. Portanto, êxodo soa como o testamento de Moisés para o povo que ele guiou pelo deserto antes de chegar em Canaã.

Neste livro é apontado para a exigência do povo em ser fiel à Aliança para então ter a posse da terra. Sendo que deve ser colocado em prática tudo o que Moisés fez e ensinou para que o povo hebreu se prolongue então na terra prometida.

O livro consiste nas mensagens de despedida de Moisés, nas quais ele sumariou e renovou o concerto entre Deus e Israel, para o bem da nova geração de israelitas. Tinham chegado ao fim da peregrinação no deserto e agora estavam prontos para entrarem na terra de Canaã. De acordo com Gazzi (2013), a nova geração, na sua maior parte, não tinha lembrança pessoal da primeira Páscoa, da travessia do Mar Vermelho, nem da outorga da lei no monte Sinai. Careciam de uma narração inspirada do concerto de Deus, da sua lei e da sua fidelidade, bem como uma renovada declaração das bênçãos resultantes da obediência e das maldições da desobediência. Enquanto o livro de Números registra as peregrinações no deserto, da rebelde primeira geração de israelitas, abrangendo um período de 39 anos, Deuteronômio abrange um período de talvez somente um mês, numa só localidade, nas planícies de Moab, diretamente a leste de Jericó e do rio Jordão.

No livro do Deuteronômio são destacados temas teológicos de bastante relevância, como: a saída do Egito; a aliança de Deus com o povo hebreu; e a gratuita eleição deste; o dom da terra; o dom da lei; a centralidade do lugar único de culto. O livro em seu todo parece ser um resumo teológico dos principais acontecimentos assumidos pelas tradições e que se encontram narrados desde o Livro de Gênesis até Números. Deuteronômio possui características mosaicas profundas. Como pode ser conferido no próprio código Deuteronômico em Dt 12-26. Porém, não se pode atribuir a autoria desse Livro ao tempo em que Moisés viveu. E, por fim, a forma final do livro deve ser considerada como finalizada por volta do século V a.C. É também bastante aceito que o Livro do Êxodo em sua elaboração passou por três etapas, a antes do exílio do povo hebreu do reino do Norte, o período do exílio (cativeiro na Babilônia) e o período pós-exílico. E a partir desses fatos históricos nessas três etapas da formação do êxodo houve a participação direta de

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profetas, sacerdotes e sábios da corte. “É claro que o Pentateuco não se abre com o evento da entrega da lei que só intervém depois de toda a história das “origens”, dos patriarcas e do Êxodo. Da mesma forma, o dom da lei também não marca decisivamente a conclusão do Pentateuco” (PURY, 1996, p. 184).

6 O PENTATEUCO E A HISTÓRIA DE ISRAEL

Pury aponta em sua obra que o início da história de Israel se deu a partir da saída dos hebreus da escravidão do Egito, se organizando como um povo que vai peregrinar por 40 anos no deserto até adentrar a terra que, segundo afirmação, deles lhes fora prometida.

Pelo menos desde a época do exílio, a saída do Egito é considerada explicitamente como o começo da história de Israel, mas também como o começo da revelação de Javé em seu caráter específico. A fórmula “desde o dia do êxodo até hoje” como também a cronologia deuteronomista, que faz do êxodo seu ponto de partida, representam uma abstração da teologia da história (PURY,1996, p. 248).

A atual Terra de Israel é considerada berço natural do povo judeu. Relatos históricos atestam que uma importante parte da extensa história do país aconteceu por lá, tendo sido registrado na própria Bíblia por dois mil anos. É nessa região, conhecida também de Palestina, que se formou a identidade cultural, nacional e religiosa do povo judeu. Mesmo depois do longo tempo em que o povo ficou disperso, os judeus não deixaram que se apagassem as lembranças de seus ancestrais e de suas ligações com a terra considerada por eles de “santa”. Isso podemos compreender a partir da instauração do Estado moderno de Israel em 1948, logo após a Segunda Guerra Mundial. Os judeus recuperam sua independência que em dois mil anos tinha sido perdida.

O Pentateuco é considerado o registro mais importante dos membros do judaísmo do pós-exílio babilônico. Depois da experiência amarga que os judeus do Reino do Norte sofreram no exílio no Reino da Babilônia, experiência essa que rendeu bons frutos para a Aliança Judaica, o Estado Judeu, que outrora se fundamentava nas estruturas monárquicas davídicas, passa então a se fundamentar apenas na lei de Deus, deixando-se orientar então por aqueles que vão deter o monopólio do culto, ou seja, os sacerdotes. Ou seja, são os sacerdotes que ditam e reescrevem a “Lei”.

Para Heinrich Ewald, a história de Israel é percebida [...] como a história da evolução para a verdadeira religião – evolução pontuada por uma série de progressões e de regressões (podemos reconhecer aí as influências de Hegel e Vatke). Esta evolução encontra um primeiro ponto culminante com Moisés e a Aliança do Sinai. Esta posição de Ewald é bastante representativa da pesquisa veterotestamentária de meados do século XIX: na origem da história de Israel podemos reconhecer Moisés – mesmo que ele não tenha escrito o Pentateuco – e a Lei. E é precisamente este pressuposto que se verá abalado pelo enfoque revolucionário de Graf e de Wellhausen (PURY, 1996, p. 27).

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

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O Pentateuco é também considerado a constituição-chave do antigo Israel em forma de história da salvação. O que então aconteceu ao antigo Israel, do ponto de vista da narrativa, é pura obra divina. Sendo que a criação do mundo é o seu ponto de início e a conquista da terra prometida é considerada ponto de chegada.

Sendo uma História considerada Sagrada em que se manifesta a presença do Deus que faz uma Aliança na vida do seu povo, o Pentateuco desenvolveu-se a partir de três fatores principais, que foram a epopeia do Êxodo, a Lei do Sinai e a fé num Deus único. É por isso que Israel independe de uma monarquia para subsistir.

Esta "Lei" não é um simples conjunto de leis humanas; é um "ensinamento"

para viver segundo a vontade de Deus, um chamamento à perfeição e à santidade: "Porque eu sou o Senhor que vos fez sair do Egito, para ser o vosso Deus. Sede santos, porque eu sou santo" (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Levítico, 11, 45).

Muitas vezes o Pentateuco foi considerado como uma história das origens, onde a lei interviria mais ou menos como um mal necessário. Nossas observações nos levam a considerar hoje o Pentateuco antes como uma lei, complexa, sem dúvida, mas a serviço da qual foi constituído todo o Pentateuco, para dar a esta lei sua verdadeira dimensão de revelação viva de Deus ao seu povo (PURY, 2002, p. 205).

De acordo com Agenor Brighenti, autor da obra “A Fé como resposta à Palavra Revelada”, a mentalidade do povo de Israel é considerada como um pensamento sem abstração. “Consequentemente, o conceito de fé na Sagrada Escritura não é uma formulação abstrata, mas se fundamenta em atitudes concretas do povo fiel” (BRIGHENTI, 2005, p. 4).

A fé de Israel em Javé se refere fundamentalmente às promessas feitas por Deus a seus pais. A história do povo começa com Abraão. Deus o chama e promete três coisas: uma terra (Gn 15, 7), uma descendência (15, 4) e uma intimidade com Ele (17, 7 e 8). Estas três promessas feitas a Abraão são retificadas depois em Isaac (Gn 26, 24-25) e a Jacó (Gn 35, 11-15). Sendo assim, a tradição bíblica fará constantemente referência às promessas feitas aos “nossos pais”.

De acordo com a Bíblia, a história de Israel começa com a migração dos patriarcas hebreus da Mesopotâmia para a Palestina. Essas narrativas são encontradas no livro de Gênesis capítulos 12 a 50. De acordo com Bright, as narrativas do Gênesis são em preto e branco numa tela simples, sem nenhuma perspectiva de profundidade. Esse livro nos pinta certos indivíduos e suas famílias movimentando-se dentro de um mundo, como se vivessem sozinhos nele. Os grandes impérios, mesmo o pequeno povo de Canaã, se são mencionados, não passam de vozes que se ouvem de fora do palco. Se os faraós do Egito têm uma modesta parte nas narrativas, eles não são identificados pelos nomes; não sabemos quem eram eles; tampouco, nenhum antepassado hebreu mencionado no Gênesis foi revelado ainda em nenhuma inscrição contemporânea. Em consequência de tudo isso se torna impossível dizer em termos exatos quando Abraão, Isaque e Jacó realmente viveram; tampouco podemos subestimar a evidência arqueológica. O testemunho da Arqueologia é indireto. Ele tem dado ao quadro das origens de Israel

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um sabor de probabilidade e tem fornecido o “background” ou pano-de-fundo para o entendimento desse quadro, mas não tem provado que as histórias são verdadeiras em seus pormenores. Ao mesmo tempo não apareceu ainda nenhuma evidência que contradiga a tradição bíblica (GAZZI, 2013, p. 25).

Essas promessas começaram a cumprir-se já com Abraão: apesar de sua mulher ser estéril, teve a Isaac como descendência e Deus o tratava com intimidade. Entretanto, logo depois da história de José e a descida de Jacó e seus filhos ao Egito (Gn 17-20), vem a opressão e a tríplice promessa parece esvair-se: os filhos de Jacó não têm terra, são reduzidos a escravos, a descendência é ameaçada pela aniquilação (Êx 1, 22) e o Deus amigo dos pais parece estar esquecido pelo povo.

Em Moisés o Deus das promessas reaparece (Êx 3, 7s) e a referência a estas promessas se constitui no fundamento para empreender a libertação do povo, tirando-o do Egito. “Isto dirás aos filhos de Israel: Javé, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, me envia a vós...” (Gn 3, 15). E, sim, Moisés empreende a obra encomendada por Deus. Israel chega ao Sinai e ali Javé sela solenemente a aliança prometida aos pais: “Eu serei vosso Deus e vós sereis o meu povo” (Êx 19, 4-6). Esta intimidade entre Javé e Israel se constituirá no centro do cumprimento do prometido. De nada serviria ter a terra através da descendência, se Deus não estivesse no meio do povo (Êx 33, 15-17).

Através de Josué, de Davi e Salomão, Israel conquistou Canaã e chegou a possuir a terra, ter uma descendência em seu rei, grande e reconhecido pelos grandes reis vizinhos, e a intimidade com Javé selada através de um templo em Jerusalém, que constituía a admiração de todos os povos.

Este ciclo, que vai das promessas feitas a Abraão até o seu cumprimento na época de Davi e Salomão, está explicitamente selado nas primeiras confissões de fé de Israel (Dt 26, 5-9; Js 24, 2ss). Israel sabe, assim, que sua vida está marcada pelas promessas que Deus fez no início de sua história e esta referência constitui o ponto de todo o dinamismo de sua fé.

No Antigo Testamento a vivência da fé de Israel tem uma profunda consciência da gratuidade com que Deus intervém salvando. As promessas feitas aos pais são gratuitas.

A busca da terra prometida está em contraste com o fato de Abraão haver abandonado sua própria terra e estar numa terra estrangeira; a descendência prometida contrasta com a situação de esterilidade de Sara; a intimidade prometida com Javé contrasta com o fato de que Javé não é o Deus dos pais de Abraão, é um Deus que entra em sua vida sem corresponder-lhe territorialmente.

Para concluir esse tópico apresentamos uma citação de Pury a respeito da formação da história de Israel:

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

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Dito isto, a história de Israel não começa nem pára (sic) com exílio. No Pentateuco, o Israel da época pós-exílica nos oferece não só um compêndio de suas principais tradições de origem, mas também um testemunho de sua reflexão teológica constantemente renovada sobre o sentido de sua história. Por causa deste duplo título, o Pentateuco pós-exílico é o herdeiro de tradições seculares (PURY, 1996, p. 84).

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Caro acadêmico, neste tópico aprendemos que:

• O Pentateuco, em seu conjunto de cinco livros, não pode ser trabalhado de forma literal, mas sim de forma simbólica e interpretando-o a partir das diferentes fontes, tradições e gêneros literários.

• Que o Pentateuco é o marco constitutivo do povo judeu e hoje a nação de Israel.

• Que tem como tema central a criação do mundo, a história da salvação e a aliança firmada com o povo hebreu.

• Os seus livros trazem em si, normas, prescrições, regras, que dizem respeito à vida social dos hebreus.

• Todas as abordagens dos cinco livros do Pentateuco visam a observância de preceitos religiosos e compreensão teológica da ação de Deus entre o seu povo.

• A função didática do Pentateuco não é de ser um tratado científico, mas sim um estudo teológico visando a compreensão que os homens devem ter da natureza da relação que eles constroem com Deus.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 De que forma os livros do Antigo Testamento estão organizados?

2 Como se deu a formação do Cânon do Antigo Testamento?

3 O que afirmar a Teoria Documentária da Alta Crítica?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

O PENTATEUCO E O INÍCIO DA HISTÓRIA DE

ISRAEL

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃOO livro do Gênesis não tem a pretensão de ser um livro de ciências naturais.

O “hexaémeron”, termo que significa a criação de Deus em seis dias (Gn 1, 1-2, 4), foi escrito para introduzir no ideário dos hebreus o repouso do sábado. Os autores também quiseram mostrar a relação do mundo com Deus, apresentando tudo como sendo criado por Deus e excluindo a ideia da existência de outros deuses. As verdades teologicamente elaboradas e narradas são de cunho religioso e não científico. Assim, toda a narração da criação tem por objetivo apresentar o homem como sendo o mediador do mundo que é inferior a Deus; sendo a função do mediador exercer a atividade terrena, ou seja, um sacerdócio que é um serviço religioso devotado a Deus. Portanto, os seis dias de criação que no início do livro do Gênesis são apresentados através do gênero narrativo, não significam eras ou períodos geológicos cientificamente falando, como pesquisadores quiseram entender no passado (era azoica, primária, secundária etc.). O autor sagrado não tinha as preocupações que um cientista tem em seu trabalho científico, mas apenas um ensinamento religioso.

O livro do Gênesis é uma obra teológica, embora contenha muitos elementos históricos. Através das “histórias” narradas pelos autores do Gênesis são apresentados os principais temas teológicos que envolvem o Pentateuco e a Bíblia como um todo. Gênesis é o primeiro livro do Pentateuco. Em hebraico, o nome do livro do Gênesis é Bereshith – “no princípio” –, no grego é Gênesis – “origem” –, nome que a Septuaginta deu ao primeiro livro do Antigo Testamento. Os registros contidos no livro de Gênesis cobrem mais ou menos dois mil anos da história do povo de Israel. Não pode ser considerado na sua totalidade como um livro histórico, mas sim uma interpretação teológica da história.

Nos 11 primeiros capítulos estão registradas diferentes origens, a saber: o Universo natural, a vida humana, o pecado, a morte, a redenção, a civilização, as nações e as línguas. Porém, a partir do capítulo 12, o livro apresenta a origem dos hebreus a partir de sua formação sob a liderança de Abraão, seu desenvolvimento e evolução através dos patriarcas Isaque, Jacó e José.

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

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2 O LIVRO DO GÊNESIS

Gazzi (2013) afirma que o título do Livro de Gênesis em português é derivado do título adotado pela versão grega do Antigo Testamento, a chamada Versão Septuaginta. Os israelistas, por sua vez, usam como título a primeira palavra do livro (beresît, que significa “no princípio”). Neste sentido, Gazzi (2013, p. 93) afirma que:

“Gênesis”, a despeito de não ser um título abrangente para a totalidade do conteúdo do livro, serve razoavelmente bem ao propósito do livro, pois este pretende ser um livro de origens. Primeiramente, apresenta a origem do mundo; depois, a origem da raça humana e de seu conflito com o mal; por último, embora muito importante, a origem da linhagem eleita de Abraão, por meio da qual todas as nações do mundo seriam finalmente abençoadas.

A exegese alemã atribui um papel importante à tradição oral para a formação do livro do Gênesis. “Para ela, era evidente que os relatos do Gênesis [...] provinham de uma tradição oral, transmitida desde as origens de Israel, à época pré-monárquica” (PURY, 1996, p. 210).

FIGURA 9 – A CRIAÇÃO DE ADÃO

FONTE: Disponível em: <https://cdn.mensagenscomamor.com/resize/300x174/content/images/int/livro_do_genesis.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

O Gênesis narra as origens de Israel de duas maneiras. Os capítulos 1-9 relatam, como proto-história, a criação do mundo em dois atos (criação e dilúvio). O pacto celebrado no capítulo 9 pelo Deus Criador como “tudo o que vive” integra simultaneamente para todos os assim chamados mandamentos de Noé enquanto Torá fundamental para todos os povos.

Os capítulos 10-50 desdobram, nos três círculos narrativos Gn 10, 1-25, 11; 25, 12-36; 37-50, a história de três gerações de famílias dos Patriarcas de Israel, Abraão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e Lia/Raquel na terra da promissão. No decurso subsequente da narrativa do Pentateuco, os 12 filhos de Jacó tornam-se as figuras fundadoras das 12 tribos de Israel. O arco narrativo termina com a morte de Jacó e seu filho José, já não na terra da promissão, mas no Egito.

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TÓPICO 2 | O PENTATEUCO E O INÍCIO DA HISTÓRIA DE ISRAEL

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Dessa forma, Zenger conclui que qualquer leitor que for iniciar a leitura do Livro de Gênesis poderá se irritar pelo fato das narrações apresentarem contradições em seus cenários e nas sequências dos acontecimentos (ZENGER, 1995).

O panorama histórico do Livro do Gênesis gira em torno do ano de 1443 a.C. Existe a possibilidade do Livro de Gênesis ter sido escrito por Moisés no seu período do Exílio em Midiã por 40 anos. Porém, é duvidoso que ele mesmo tivesse a motivação humana ou a inspiração divina para compor ele mesmo essa monumental obra literária. No entanto, é provável que ele tenha escrito num período posterior ao seu encargo divino diante da Sarça Ardente que fez dele um profeta de Deus. No entanto, o Livro de Gênesis pode ter sido provavelmente redigido durante a primeira parte da peregrinação do povo hebreu pelo deserto, enquanto que Moisés procurava então instruir o povo de Israel sobre as Verdades Divinas fundamentais e o programa da aliança proposto a ele por Deus, para com o povo hebreu. Segundo Gazzi (2013), a extensão histórica de Gênesis gira em torno de 2.369 anos. Em que a história de Gênesis começa a partir da criação do Universo e da criação do homem, terminando com a morte de José, este considerado como sendo o último dos patriarcas de Israel.

Gazzi (2013) estima que o período de tempo narrado em Gênesis está especificado em suas narrativas como de 2.369 anos. Isso aceitando-se o texto hebraico massorético.

Um outro aspecto muito importante e que não pode ser deixado de lado é o que diz respeito à extensão geográfica do Livro do Gênesis. Segundo Gazzi (2013), o território geográfico do Livro de Gênesis vai desde o vale da Mesopotâmia, conhecido até então como o “berço” da “raça” humana, até o vale do Rio Nilo, no Egito, considerado então como sendo o berço da “raça” hebraica. Assim, essa região, com uma configuração crescente, segundo o autor, é chamada de “O Crescente Fértil”. Um outro fato importante é o de que três continentes convergem para seu centro, tornando essa região como sendo o “centro do mundo” para aquela época.

2.1 COMPOSIÇÃO

O Livro do Gênesis contém a história da criação que é encontrada nos dois primeiros capítulos do livro que descrevem o início do mundo de forma sobrenatural.

O primeiro capítulo apresenta a criação do mundo diretamente por Deus com o uso de sua palavra divina. No segundo capítulo é mostrado que Deus cria primeiro o homem e, depois, a mulher.

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É a partir do Livro do Gênesis que surge uma doutrina sobre Deus, sobre o homem e sobre a história da salvação humana. Gênesis apresenta Deus como sendo único, criador e transcendente. A história da salvação apresentada nesse livro é sobre os temas da bênção, da promessa, da aliança e da eleição divina.

O enfoque do livro do Gênesis é puramente teológico. Ou seja, através das histórias narradas nesse livro, os autores visam apresentar os temas teológicos que tratam sobre a aliança de Deus entre os homens. Ou seja, o livro não tem por objetivo registrar a história ou ser uma prova científica da origem de tudo, mas sim tem por objetivo mostrar a ação de Deus e sua relação com o gênero humano.

2.2 AUTORIA DE GÊNESIS

No Livro de Gênesis não está identificada a autoria dos conteúdos das narrativas apresentadas, como também nenhum outro livro presente na Bíblia identifica seu autor. Porém, tradicionalmente a autoria do Livro de Gênesis é atribuída a Moisés. Assim como os outros livros do Pentateuco apontam Moisés como sendo o seu compositor.

Porém, não pode ser afirmado cientificamente para se apresentar uma certeza absoluta, que Moisés escreveu o Livro do Gênesis ou um outro autor, mesmo que por muitos séculos judeus e cristãos de maneira ortodoxa aceitam que Moisés foi o autor, narrador e compilador não apenas do Livro Gênesis, mas também dos outros quatro livros que formam o Pentateuco. Mesmo tendo contado com o auxílio e contribuição de amanuenses e escribas, conforme a afirmação da tradição.

Durante um século de estudos, os pesquisadores que eram adeptos da “hipótese documentária” declaram que o Livro de Gênesis é um conjunto de documentos que estão em conflito entre si por serem contraditórios. Essa afirmação por parte deles está fundamentada em descobertas arqueológicas, diferentes tecnologias e através de melhores métodos de se realizar pesquisas e exegeses.

O que contribuiu para fundamentar a hipótese das fontes e também chamada de teoria documentária foi o fato de muitos exegetas trabalharem com o Pentateuco como se fosse ele um documento histórico por meio do qual seria possível então reconstruir o passado.

Assim, o pesquisador alemão Julius Wellhausen comprova essa teoria afirmando que o Pentateuco é uma construção fundamentada em quatro documentos que foram escritos por diferentes autores que eram independentes por pelo menos durante quatro séculos. E sua redação final ocorrida a partir do século V a.C. Então, por volta de mil anos depois dos acontecimentos é que eles foram então registrados.

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Por outro lado, os críticos literais encontraram quatro documentos diferentes no conjunto do Pentateuco. E é no Livro de Gênesis em que há o maior número de diferenças de estilo em sua composição e escrita.

A hipótese de um único autor daria uma explicação ainda menos convincente para as características, constatável em numerosas histórias do Pentateuco, de que diversos níveis de estilos narrativos e figuras estão justapostos de maneira tão desarmoniosa que, embora haja por um lado um ciclo narrativo coeso, por outro – sob olhares mais atentos – parece que duas ou três narrativas foram compiladas num único relato cheio de repetições e contradições (ZENGER, 1995, p. 67).

3 CONTEÚDO E ESTRUTURA DO LIVRO DO GÊNESIS

A partir do ponto de vista da história, o livro está dividido em duas categorias. A primeira categoria, apresentada no primeiro capítulo, mostra a história da criação do mundo, e do homem e da mulher no segundo capítulo. E do segundo capítulo em diante encontram-se as origens do povo hebreu e a história dos patriarcas.

As lendas no Livro do Gênesis, em sua forma primitiva, eram peças individuais e independentes, com um começo e um final bem definidos. No curso de sua transmissão oral foram se agrupando paulatinamente em ciclos, o que se deve, talvez, aos narradores profissionais. Mais tarde foram recolhidas e colocadas por escrito numa obra maior. Neste estágio, Gunkel sintetiza tudo isso na sua teoria documentária. O Javista e o Elohista foram os primeiros compiladores das lendas do livro do Gênesis. As diferenças, as tensões ou as contradições no texto atual não se devem necessariamente à justaposição das fontes; estas podem ser explicadas também pela heterogeneidade das lendas recompiladas (LÓPEZ, 2002, p. 39).

A estrutura de Gênesis 1-11 é um prefácio à história da salvação, tratando da origem do mundo, da humanidade e do pecado. E em Gênesis 12-50 em diante é recontada a origem da história da redenção na ação em que Deus escolheu os patriarcas, juntamente com as promessas da terra, da posteridade e da aliança.

Em relação aos temas do Livro de Gênesis, Gazzi (2013, p. 112-113) os apresenta da seguinte forma:

I. O Princípio da História da Humanidade (1, 1; 11, 26); A Origem do Universo e da Vida (1, 1; 2, 25); Resumo de Toda a Criação (1, 1; 2, 4); Relato Detalhado da Criação de Adão e Eva (2, 5-25); A Origem do Pecado (3, 1-24); Tentação e Queda (3, 1-6); Consequências da Queda (3, 7-24); As Origens da Civilização (4, 1; 5, 32); Caim: Cultura Pagã (4, 1-24); Sete: Um Remanescente Justo (4, 25-26); Registro Genealógico dos Patriarcas Antediluvianos (5, 1-32); O Grande Dilúvio: O Julgamento Divino sobre a Civilização Primitiva (6, 1; 8, 19); A Depravação Universal (6, 1-8,11,12); A Preparação Mediante Noé para a Salvação de um Remanescente Justo (6, 9-22); As Instruções Finais e o Dilúvio (7, 1; 8, 19); O Novo Começo da Humanidade (8, 20; 11, 26); A Posteridade de Noé (8, 20; 10, 32; destaque: Sem 11, 10-26); A Torre de Babel (11, 1-9); Elos Genealógicos entre Sem e Abraão (11, 10-26).

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II. Os Começos do Povo Hebreu (11, 27; 50, 26); A. Abraão (11, 27; 25, 18); Os Progenitores de Abraão (11, 27-32); A Chamada de Abraão e Sua Viagem pela Fé (12, 1; 14, 24); O Concerto entre Deus e Abraão (15, 1-21); Agar e Ismael (16, 1-16); O Concerto de Abraão Ratificado Mediante Seu Nome e a Circuncisão (17, 1-27); A Promessa a Abraão e a Tragédia de Ló (18, 1; 19, 38); Abraão e Abimeleque (20, 1-18); Abraão e Isaque, o Filho da Promessa (21, 1; 24, 67); A Posteridade de Abraão (25, 1-18) B. Isaque (25, 19; 28, 9); O Nascimento de Esaú e Jacó (25, 19-26); Esaú Vende a Sua Primogenitura (25, 27-34); Isaque, Rebeca e Abimeleque (26, 1-17); Disputa a Respeito de Poços, e a Mudança de Isaque para Berseba (26, 18-33); A Bênção Patriarcal (26, 34; 28, 9) C. Jacó (28, 10; 37, 2a); O Sonho de Jacó e Sua Viagem (28, 10-22); Jacó com Labão em Harã (29, 1; 31, 55); A Reconciliação de Jacó e Esaú (32, 1; 33, 17); Jacó Volta à Terra Prometida (33, 18; 35, 20); A Posteridade de Jacó e Esaú (35, 21; 37, 2a) D. José (37, 2b; 50, 26); José e Seus Irmãos em Canaã (37, 2b-36); Judá e Tamar (38, 1-30); José, Suas Provas e Elevação no Egito (39, 1; 41, 57); José e Seus Irmãos no Egito (42, 1; 45, 28); A Mudança para o Egito, do Pai e Irmãos de José (46, 1; 47, 26; 50, 14); Jacó: Suas Últimas Profecias, Últimos Dias e Morte (47, 27; José: Final de Sua Vida e Sua Morte (50, 15-26).

FIGURA 10 – LINHA DO TEMPO EM GÊNESIS

FONTE: Disponível em: <https://timebiblicope.files.wordpress.com/2012/03/linha-gc3aanesis.png>. Acesso em: 15 fev. 2017.

3.1 A HISTÓRIA DAS ORIGENS

FIGURA 11 – A CRIAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/foto/0,,14382700,00.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

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No Livro do Gênesis, segundo a tradição sacerdotal, a criação do mundo está situada no primeiro capítulo. A criação é narrada de forma em que Deus de maneira onipotente cria tudo o que existe a partir de sua vontade. A formação do homem e da mulher, de acordo com a tradição javista, está situada no início do segundo capítulo. O capítulo quarto aborda temas diferentes, como: a história de Caim e Abel, a descendência de Caim, a descendência de Sem. O sexto capítulo trata sobre a corrupção da humanidade pelo pecado e o Dilúvio enviado por Deus como sendo uma anticriação. O nono capítulo de Gênesis é considerado uma espécie de “nova criação” logo após o dilúvio com a história de Noé, e é então apresentada uma lista de povos. E o décimo primeiro capítulo mostra quais as consequências de se construir uma sociedade sem Deus, encerrando então com a apresentação da descendência de Sem até Abraão, finalizando com a promessa da constituição futura de um povo em que o autor/narrador afirma que Deus deveria tomar para si.

3.2 HISTÓRIA DOS PATRIARCAS

É chamada de Período dos Patriarcas a primeira fase da presença do povo judeu na região da Palestina chamada de Canaã na Antiguidade. Esse período tem seu início com a saída de Abraão e sua família da cidade de Ur, onde atualmente é o país Iraque, por volta de 2000 a.C. e termina com o desfecho do episódio conhecido como Êxodo, em que Moisés libera a saída do povo judeu do Egito onde se encontrava sob um regime de escravidão.

O Período dos Patriarcas refere-se a líderes de grandes famílias. Esses líderes possuíam diferentes funções, como as de chefe militar, sacerdote e chefe político. Os Patriarcas foram Abraão, Isaac e Jacó. Sendo neste período que se formaram as 12 tribos consolidando as principais características do povo judeu.

Do conjunto das informações relatadas, sobressai a descrição de um sistema de governo e de organização social complexo e coerente, em que se vê a utilização dos elementos de um Estado de tipo relativamente único na região nessa época: crescimento do Estado sacerdotal e militar dentro dos poros de uma ordem tribal que subsiste (CHATELET; DUHANEL; PISIER, 1993, p. 831).

Não existem indícios arqueológicos que indiquem que houve no passado a existência de Abraão, Isaac e Jacó, e por isso muito do que se conhece deste período é encontrado em textos religiosos como os da Bíblia. Nela, a formação do povo de Israel tem início quando Deus aparece a Abrão (que terá seu nome mudado para Abraão) e lhe ordena que deixe sua terra e parta para outra posteriormente indicada (Canaã). Em troca, recebe a promessa de formar uma grande nação, que irá ganhar todas as terras, do rio Nilo ao Eufrates. Abraão, segundo o Livro do Gênesis, obedece à ordem divina e sua família posteriormente dará origem a todas as nações da região.

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A título de exemplo e como demonstração metodológica, examina detalhadamente a História dos patriarcas (Gn 12–50). Divide essa história em quatro grupos, começando pelo final: José, Jacó, Isaac e Abraão. As histórias de Jacó e de Abraão, por sua vez, as subdivide em outros dois grupos ou ciclos cada uma. Observa, além disso, grupos menores e peças independentes. Para a conexão entre tantas peças heterogêneas, recorreu às promessas dos patriarcas, em especial à promessa da terra. Rendtorff realça a diferença essencial entre as tradições dos patriarcas e as do êxodo. Êx 3, 8-9 aponta para uma terra desconhecida, não para a terra prometida aos patriarcas. A união das “grandes unidades” entre si deve-se a um trabalho redacional posterior (LÓPEZ, 2002, p. 42).

Após a morte de Abraão, a liderança das tribos passou para seu filho Isaque, e depois para Jacó, que acabaria por ter seu nome mudado para Israel, e cujos doze filhos dariam origem às 12 tribos de Israel. Acredita-se que por volta de 1.700 a.C. os hebreus se transferiram para o Egito fugindo de uma seca intensa, estabelecendo-se no delta do rio Nilo sob proteção dos hicsos (reis pastores), povo que conquistou o território, recebendo uma série de benefícios. Com o fim do domínio hicso, os hebreus acabaram por ser transformados em escravos. Por volta do ano 1.250 a.C., comandados por Moisés (e mais tarde por Josué) retornariam à Palestina, no acontecimento que ficou conhecido como Êxodo. No livro da Bíblia com o mesmo nome temos o relato (que, a bem da verdade, apresenta vários conflitos com o moderno método científico de relato histórico) do acontecimento, onde se destacam algumas passagens famosas, como a parte em que Deus, a pedido de Moisés, abre o Mar Vermelho para que seu povo tivesse caminho garantido rumo à liberdade.

Durante a migração, os hebreus teriam recebido de seu Deus, Iavé (Jeová),

a sua base jurídica, conhecida como os Dez Mandamentos. É nessa época que começa a se consolidar o monoteísmo hebraico.

Os Patriarcas foram considerados como os primeiros homens que

prestaram um serviço direto a Deus. Eles eram chefes de família numerosa que por fim acabou se tornando o povo hebreu. Eram também chamados de pais da fé, sendo os primeiros a adentrarem à terra prometida de Canaã, e recebendo-a por herança, fixando então a sua morada.

O registro da história patriarcal de Israel indica como Yahweh selecionou uma linhagem dentre a humanidade e comprometeu-se com ela em aliança com o propósito de trazer à luz, por meio dessa linhagem, a redenção do pecado que prometera no jardim do Éden. A narrativa dos descendentes de Terá descreve como o estabelecimento da Semente prometida por Deus foi marcado por um conflito com o mal, no qual Deus finalmente triunfou à medida que Abraão aprendeu a confiar no deus das promessas (Gn 11, 27; 25, 11). A genealogia de Ismael apresenta o desenvolvimento da promessa divina de que Abraão teria uma descendência inumerável (Gn 25, 12-18). O relato dos descendentes de Isaque reflete o crescimento do mal dentro da família escolhida à medida que o engano toma o lugar da fé como sua característica principal (Gn 25, 19; 35, 29). A seguir, o relato dos descendentes de Esaú indica como ele foi abençoado enquanto ainda estava em Canaã, e como seu clã cumpriu a predição de Isaque ao conquistar a terra de Seir (Gn 36, 1-43).

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O relato dos descendentes de Jacó indica como a graça de Yahweh preservou a família pactual da corrupção externa e da dissenção interna por intermédio de José e de sua peregrinação para o Egito (Gn 37, 1; 50, 26) (GAZZI, 2013, p. 111).

Os primeiros e principais Patriarcas foram Abraão, Isaac e Jacó. Foi o período patriarcal importantíssimo para a formação e solidificação da fé do povo hebreu, pois todas as suas crenças tinham origens nas narrações e celebrações litúrgicas passadas de geração em geração.

O objetivo principal dos percursos dos Patriarcas e de seus descendentes,

segundo Clines (1978 apud LÓPEZ, 2002), é a chegada à terra de Canaã. Esta chegada desde o início está ligada a uma promessa divina e constitui um dos temas dominantes do Pentateuco. Na realidade, o Pentateuco – de Gn 12 até Dt 34 – se encontra marcado pelas referências à terra prometida a Abraão e a seus descendentes (Gn 12, 1-8; 13, 14-17; Dt 34, 1-4). Javé faz um convite a Abraão a voltar a sua visão para o norte e o sul, para o leste e o oeste (Gn 13, 14), e contemplar a terra com a promessa de que “toda a terra que vês eu a darei a ti e aos teus descendentes para sempre” (Gn 13, 15). A expressão “toda a terra” aparece em Gênesis pela primeira vez no Pentateuco e voltará a aparecer pela última vez em Deuteronômio Dt 34, 1, onde Javé convida Moisés a olhar para os quatro pontos cardeais da terra prometida, como um dia fez Abraão (Dt 34, 1-4).

FIGURA 12 – OS PATRIARCAS

FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/0irnrtIMHug/T2N9zwd54aI/AAAAAAAAS2Q/SeFp8ZGbNSA/s400/f24497754.bmp>. Acesso em: 15 fev. 2017.

Assim, podemos concluir que a narração ou apresentação dos patriarcas feita no livro do Gênesis tem uma constituição de cunho familiar.

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Os patriarcas (a História das Origens é um caso à parte) transcorrem grande parte de suas vidas errando de um lugar para outro. Seu itinerário cobre um amplo raio que vai desde Ur dos Caldeus (Gn 11, 28), na Mesopotâmia, até o Egito (Gn 46, 6-7), passando por Harã (Gn 11, 31) e Canaã (Gn 12, 5), onde residem a maior parte do tempo. Em Canaã vivem como “estrangeiros” / “residentes” e como “peregrinos” (Gn 15, 13; 17, 8; 23, 4; 28, 4). Ali se movem frequentemente de um lugar para outro (Gn 12, 5.6.8.9; 13, 3.17.18; 20, 1; 22, 2 etc.). Os itinerários patriarcais contribuem para a coesão dos textos e dos personagens do livro do Gênesis (DEURLOO, 1990, p. 48-62).

Abraão e sua esposa Sara, que eram originários da cidade de Ur dos Caldeus, que se situava na Mesopotâmia (atual Iraque) junto ao rio Eufrates, chegaram à região de Canaã pelo fato de que Deus não apenas havia prometido a seu descendente Moisés, mas havia também ordenado diretamente a Abraão para que então se dirigisse a essa região com toda a sua caravana e comitiva familiar, seus bens e suas posses para então ali se estabelecer. Sendo então que é nessa região de Canaã em que há a promessa do surgimento de uma geração incontável de filhos hebreus, como pode ser conferido nos capítulos 12 e 15 do livro do Gênesis.

Com a morte do Patriarca Abraão (Gn 25, 7-11; 23, 2, 17-20), o seu filho Isaque torna-se então o Patriarca que será o principal protagonista dos relatos bíblicos. Para melhor entendermos a parte do livro que narra sobre a existência dos Patriarcas, podemos então dividí-la em quatro partes, que podem ser chamadas de ciclos. A saber: ciclo de Abraão (12, 1-23, 20) que trata sobre a vocação, a partida para Canaã e Egito. O nascimento de Isaac e Ismael e a morte de Abraão. O ciclo de Isaac (24, 1-27, 46). O ciclo de Jacó (28, 1-36, 43), em que é narrado no capítulo 25, 19, torna-se o principal personagem em relação a seu pai Isaac e a seu irmão Esaú. O ciclo de José (37, 1-50, 26), sendo este o penúltimo filho de Jacó, que fora vendido como escravo para o Egito, fazendo então a ligação histórico/teológica com o livro do Êxodo. E, por último, o ciclo de José.

Na narrativa do Gênesis, cada patriarca é representado adorando ao seu Deus por livre e pessoal escolha e entregando-se, depois, a este seu Deus, “O Deus de Abraão”, em Gn 28, 13; 31, 42-53; “O Temido de Isaque” em Gn 31, 42-53; “O Poderoso de Jacó” em Gn 49, 24. O quadro do Gênesis de uma relação pessoal entre o indivíduo e seu Deus fundamentada por uma promessa e selada por uma aliança é da maior autenticidade. A fé na promessa divina representa o elemento original da fé dos antepassados seminômades de Israel (GAZZI, 2013, p. 24).

De acordo com López (2002), muitos relatos do Livro do Gênesis apresentam o Patriarca Abraão como sendo o pai de Isaac e o avô de Jacó, ou seja, o apresenta como sendo o grande antepassado do povo de Israel. Com Abraão começa uma nova etapa para os hebreus. Na perspectiva do livro do Gênesis, a história do começo da humanidade avança para Abraão, com quem Deus fará “uma grande nação” (Gn 12, 2). Abraão é o pai de todo o Israel, assim como Adão é o pai de toda a humanidade. Segundo López (2002), Abrão, Nacor e Arã (Gn 11, 26), assim como todos os descendentes de Sem (Gn 11, 10-25) ou de Adão (Gn 5), aparecem como o elo de ligação de uma longa cadeia de seres humanos. O que faz de Abraão um personagem realmente distinto e singular é o chamado de Deus

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para romper com todo o seu passado (Gn 12, 1) e a empreender uma nova aventura (Gn 12, 2-3), sua fé e obediência ao mandato divino (Gn 12, 4a). E tudo isso aos 75 anos! (Gn 12, 4). O texto bíblico não narra nada dos 74 anos de vida de Abraão. Ao autor do Livro do Gênesis somente lhe interessa a figura de Abraão a partir do chamado divino.

Para López (2002), as narrativas sobre Abraão não têm por objetivo apresentar uma biografia do personagem. Elas são em grande parte legendárias e de cunho teológico. Estas foram redigidas muitos séculos depois da suposta existência de Abraão, a maioria delas foi escrita durante o exílio da Babilônia ou na época pós-exílica. Essas narrativas têm por objetivo oferecer uma regra para os judeus que viviam ou haviam vivido no exílio e procuravam refazer a sua vida na terra de Canaã.

López (2002, p. 23) afirma que

nos textos bíblicos, o nome de Jacó aparece pouco ligado intimamente ao nome de Israel. Aparecem juntos pela primeira vez em Gn 32, 29 (“Teu nome não será mais Jacó, mas Israel”; cf. 35, 10) e há um intercâmbio na história de José (comparar Gn 37, 13 / 34; 42, 5 / 1.4.29.36; 45, 21.28 / 25.27; 46, 1-2.5.30 / 2.5-6.8.18-19.22.25-27; 47, 27 / 7-10; somente em Gn 43 se usa Israel, sem mudar ou mesclar-se com Jacó: cf. os v. 6.8.11). A partir de Gn 45, 25–46, 5 se usam na busca de alternância: primeiro Jacó (Gn 45, 25), em seguida Israel (45, 28; 46, 1-2) e, finalmente, Jacó (Gn 46, 5).

A série de episódios relativos ao nascimento e juventude de Jacó (Gn 25, 21-34; 27, 1-40), sua fuga e o encontro no poço com a que seria sua futura esposa (Gn 27, 41-45; 29, 1-14), o matrimônio e o nascimento de seus filhos (Gn 29, 15–30, 24) e o retorno e o encontro com seu irmão (Gn 31, 1–32, 22; 33,1-20) apresentam sua personalidade individual, que vai transformando-o num herói epônimo de Israel. Nos aspectos individuais de Jacó, se pode perceber alguns componentes essenciais do povo de Israel. A história de Jacó, situada na última parte do livro do Gênesis (25-50), conduz para a história do povo de Israel, que começa no livro do Êxodo (LÓPEZ, 2002, p. 23).

López (2002) conclui que a tradição bíblica não conservou um retrato “hagiográfico” de Jacó. Pelo contrário, aparece desde o início marcado pela ambiguidade (cf. Gn 27,18-19.36). No entanto, Jacó / Israel é o escolhido por Deus, a quem deve a sua posição especial diante de seu irmão e diante das outras nações. A escolha divina é um sinal do caráter misterioso de Deus, de sua gratuidade.

A atuação e a liderança de Moisés nos Livros de Êxodo e do Deuteronômio são tão decisivas que sem elas não se entenderia os acontecimentos apresentados nesses livros.

López (2002) explica que desde o século I d.C., em que Filón escreve De

Vita Mosis, até os nossos dias, exegetas, historiadores, artistas, literatos e músicos sentiram-se atraídos por esse personagem singular, do qual fizeram as mais diversas representações: “tantas são as fotografias de Moisés quanto os autores que lhe dedicaram um estudo”.

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Para Baltzer, as narrações de Moisés constituem parte de sua “biografia”. Segundo Knierim, o Pentateuco consta de duas grandes seções: Gênesis e Êxodo-Deuteronômio. Contrariamente ao que pensam muitos, Êxodo-Deuteronômio não seria tanto uma história narrativa de Israel quanto uma “biografia de Moisés”, introduzida pelo livro do Gênesis. Na opinião de Van Seters, no Êxodo-Deuteronômio se encerra uma biografia especial de Moisés (desde o nascimento [Êx 2] até sua morte [Dt 34]). Não é a biografia de um líder no sentido moderno, mas uma pseudobiografia, completamente orientada para o interesse e o destino do povo. “A vida de Moisés é a vida do primeiro e maior líder do povo” (LÓPEZ, 2002, p. 24).

Moisés é apresentado como um personagem tido como um instrumento de Deus a serviço do povo hebreu. Sua vocação e missão lhe configuram como sendo um chefe tribal e também como um profeta (cf. Êx 3, 10ss; cf. Dt 34, 10-12), pois é narrado que no Monte Sinai intervém como um mediador entre Deus e o povo de Israel (cf. Êx 20, 18-19; Dt 5, 5). Toda vez que o povo se queixa ou murmura no deserto, Moisés então intercede diante de Javé, pedindo o perdão ou a ajuda para o povo (cf. Êx 14, 31; Dt 34, 5) com quem manteve uma relação singular (cf. Nm 12, 6-8; Dt 34,10).

FIGURA 13 – MOISÉS E A SARÇA ARDENTE

FONTE: Disponível em: <http://www.rudecruz.com/imagens/sarca-ardente-e-moises.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

De acordo com Pury (1996), em relação aos Patriarcas Abraão e José, as narrações têm por função afirmar um suposto direito dos homens que habitavam as tribos do Sul sobre as terras do Norte, mais precisamente centros importantes como Betel e Siquém:

No Gênesis, as histórias de Abraão e de José parecem ter como finalidade mostrar os direitos do homem do Sul sobre os territórios de Israel do Norte, cujos centros simbólicos são Betel e principalmente Siquém. Isto se coaduna perfeitamente com a principal preocupação da história de Saul e Davi (PURY, 1996, p. 151).

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TÓPICO 2 | O PENTATEUCO E O INÍCIO DA HISTÓRIA DE ISRAEL

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4 FONTES E GÊNEROS LITERÁRIOS

Devemos compreender que a história do Gênesis e seus gêneros literários é longa e contém documentos desde o século XIII a.C. até o século V a.C. O lugar habitado pelo povo hebreu era uma região cruzada por povos e civilizações diferentes. Isso favoreceu um certo intercâmbio cultural entre eles. Assim, não encontramos um único gênero literário no livro do Gênesis. Os diferentes gêneros literários que compõem o Gênesis são originários das diferentes culturas que habitavam a Mesopotâmia, do Egito, dos Fenícios e dos Cananeus. Muitos elementos vieram da cultura da Mesopotâmia, outros elementos vieram do Egito, bem como de civilizações menores, como os Fenícios e os Cananeus.

Nos 11 primeiros capítulos de Gênesis se encontram abundantes elementos dessas culturas, incluindo alusões a certos mitos da Suméria, da Babilônia e de Ugarit, especialmente aos poemas da Criação, Enuma-Elish e Atrahasis. O poema de Gilgamesh se encontra também presente no relato do Dilúvio.

Os principais gêneros literários presentes no livro do Gênesis são: lenda,

genealogia, sagas e o gênero mítico. O gênero literário lendário é o mais encontrado no Gênesis. É caracterizado

por produzir um fato através de um relato verdadeiro. As lendas encontradas são as etiológicas, que têm a função de explicar no passado as causas de acontecimentos do presente. A genealogia lista nomes que vão até o passado a partir do presente. Na genealogia o autor quer justificar os acontecimentos e os privilégios de uma classe social. É pela genealogia que ocorre o preenchimento do espaço entre a criação do mundo e todas as histórias do povo de Israel. As sagas são histórias antigas que são contadas de formas diferentes. E o gênero mítico faz o uso de fatos e acontecimentos.

O Livro de Gênesis, em seu estilo, deve ser considerado como uma narrativa

em prosa, com passagens poéticas ocasionais, das quais a bênção de Jacó (Gn 49, 2-27) é a mais elaborada. A prosa exibe ritmo e paralelismo (como no relato da criação, o questionamento e o juízo seguem-se em ordem inversa; ou na estrutura espelhada do relato da torre de Babel, no capítulo 11, em que encontramos narrativa, discurso, verso eixo, discurso, narrativa), e vários exemplos de paronomásia (isto é, Caim é destinado a ser um “errante” – “nad”, em hebraico) e acaba se estabelecendo na terra de Node (“nod”, que significa “vagar, errar” em hebraico). Encontram-se ainda em Gênesis diversos exemplos de etimologias populares (os “trocadilhos” contidos nos nomes de pessoas, como Jacó e Perez).

Outra característica literária marcante é a predominância do número sete e seus múltiplos. Os sete dias da criação, as sete gerações da genealogia de Caim, os 70 descendentes dos filhos de Noé, a promessa sétupla a Abraão, os sete anos de abundância e escassez no Egito e os 70 membros da família de Jacó ilustram amplamente este fato. O número 10 também parece ser importante, já que há dez toledôt e dez gerações nas genealogias dos capítulos 5 e 11. Todos estes detalhes de estilo refletem uma elaboração cuidadosa, não o trabalho aleatório de composição a partir de fontes diversas e contraditórias, conforme proposto pelos críticos documentais e da forma (GAZZI, 2013, p. 100).

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RESUMO DO TÓPICO 2

Caro acadêmico, neste segundo tópico abordamos sobre:

• As estruturas principais do Livro de Gênesis, e que este não deve ser entendido de forma literal, mas deve ser compreendido a partir da luz da fé.

• O Livro de Gênesis não tem a pretensão de ser um livro de precisão científica e histórica.

• O Livro de Gênesis tem um valor teológico que visa a reflexão do Homem acerca da sua existência frente à manifestação de Deus.

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1 Como Deus é apresentado no Livro de Gênesis?

2 Quem eram os Patriarcas e qual era o seu objetivo principal?

3 Quais são os principais gêneros literários presentes no Livro de Gênesis?

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! Nesse tópico vamos conhecer um pouco sobre o Livro do Êxodo em seus aspectos gerais. O Livro do Êxodo presente no Antigo Testamento é um importante relato sobre a história da constituição do povo hebreu. O acontecimento do Êxodo relata a libertação de Israel do Egito pelo Senhor, que faz com esse povo uma Aliança. Tal acontecimento fundador foi objeto de várias releituras, já dentro da própria Bíblia, pois toda a teologia e espiritualidade do povo de Israel ficou profundamente marcada por ela. Assim, o Segundo e Terceiro Isaías veem a libertação de Judá do domínio da Babilônia como um novo Êxodo.

O Livro do Êxodo deve ser considerado como o livro da redenção do povo da Aliança, sendo então a conclusão do Livro de Gênesis com a instauração da Aliança.

O texto normativo do Livro do Êxodo é sobretudo um entrançado de peças narrativas e legislativas. Nestas últimas, destacam-se o “Decálogo” propriamente dito (20, 1-17) e os chamados “Código da aliança” (20, 22-23, 19) e “Decálogo ritual” (34, 12-26). São a Lei dada por Deus, mas formulada pelo homem a partir da razão e da experiência.

2 O LIVRO DO ÊXODO

Êxodo significa “saída”. O tema central do Livro de Êxodo é a libertação e saída do povo hebreu da escravidão no Egito, sua caminhada no deserto por 40 anos em preparação para a entrada na terra prometida. O livro também mostra fases da infância de Moisés e de seu chamado para ser profeta que deveria então libertar o povo da escravidão (cf. Êxodo 1-4).

O título hebraico desse livro é we’ellêh hassemôt (“estes são os nomes de”), a frase de abertura do texto hebraico. Uma vez que a mesma frase ocorre em Gênesis 46.8 em conexão com a lista da família de Jacó, as palavras iniciais de Êxodo (o título hebraico) indicam que Êxodo deve ser visto como uma sequência, uma continuação da “saga” nacional apresentada em Gênesis.Os tradutores gregos da Septuaginta escolheram o título (êxodos) “uma partida”, o que também se encaixa bem com o principal incidente histórico do livro, a saída de Israel do Egito. O autor judeu Fílon de Alexandria, as versões siríacas e as traduções latinas retiveram o título, que, na maioria das versões modernas, foi preservado em sua forma transliterada (GAZZI, 2013, p. 114).

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

Temos também nesse livro a instituição da Páscoa (cf. Êxodo 11-12) e a Aliança feita entre Deus e o povo de Israel no Monte Sinai (cf. Êxodo 19-20). Assim, os fatos históricos religiosos registrados no Livro do Êxodo formam a parte principal da identidade dos judeus. O papel de Moisés como mediador entre Deus e o povo é bastante destacado no livro (Dt 18, 15).

FIGURA 14 – A TRAVESSIA DO MAR VERMELHO

FONTE: Disponível em: <http://cache-assets.flogao.com.br/photos/full/83381637.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

O Êxodo possui um propósito histórico que é a preservação dos registros explicativos sobre como os hebreus se tornaram escravos no Egito, e de que forma foram libertos, sua caminhada no deserto e de que forma tomaram posse da terra de Canaã. Um outro propósito do livro é meramente didático, pois apresenta uma narração sobre a importância da manutenção de aliança realizada com Deus e também a importância da lei para preservar a identidade do povo hebreu como sendo então o povo de Deus (23, 20-23).

2.1 COMPOSIÇÃO

Se aceitarmos que o autor principal desse livro foi realmente ‘Moisés’, então Êxodo deve ser datado após os acontecimentos nele narrados, ou seja, por volta dos anos 1450-1440 a.C. Os conteúdos do Livro do Êxodo podem ser divididos da seguinte forma: escravidão e libertação dos hebreus no Egito. Este é o tema mais importante. Nesta parte são apresentadas as sortes e os revezes dos hebreus no Egito. E, por último, o modo como enfrentaram os sofrimentos e a difícil libertação.

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TÓPICO 3 | A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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A caminhada pelo deserto (15, 22-18, 27): em sua peregrinação pelo deserto o povo hebreu experimenta a liberdade depois de 400 anos de escravidão no Egito. No deserto do Sinai os hebreus vão enfrentar outros povos para manter a sua liberdade e a sua existência. A aliança realizada no Monte Sinai é o marco do fundamento do povo judeu.

FIGURA 15 – A REVELAÇÃO DE DEUS NO MONTE SINAI

FONTE: Disponível em: <http://images.slideplayer.com.br/7/1751739/slides/slide_3.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

A formulação do Código Sacerdotal, com especial acento para a construção do santuário. A execução dessa obra é revelada em 35, 1-40, 33, e organização do serviço religioso. E, por fim, a renovação da Aliança do Sinai é relatada em 32, 1-34, 35.

2.2 AUTORIA

Uma questão que atravessa séculos é a de quem escreveu de fato o Livro do Êxodo, assim como também os outros livros do Pentateuco. A tradição religiosa faculta a Moisés a autoria do Êxodo, pelo fato de que no próprio Livro de Êxodo há indicações diretas de que Moisés é o autor do livro, pode ser verificado em 17, 14; 24, 4; 34, 27 e capítulos 20 a 23 declaram que Moisés foi autor do Livro da Aliança, que inclui os Dez Mandamentos, os juízos e todos os estatutos acompanhantes (24, 4-7). O também conhecido Código Sacerdotal, que aborda sobre o ritual do Tabernáculo e do Sacerdócio, contido no restante do livro, com exceção dos capítulos 32 a 34, foi confiado diretamente a Moisés da parte do Senhor Deus (25, 1, 23, 31; 26, 1). Outras afirmações paralelas ao longo dos capítulos 39 e 40 confirmam também a autoria de Moisés do Livro do Êxodo. Porém, existem opiniões divergentes acerca da autoria do Êxodo, pois não há explicitamente uma indicação de que Moisés

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

tenha realmente escrito o livro. Por fim, muitas evidências no Êxodo atestam que o autor era alguém erudito e que residia no Egito e que este era testemunha da diáspora dos judeus.

Os primeiros 40 anos de sua vida, Moisés passou no lar de seus pais e no palácio de faraó. Nascido em Gósen mais ou menos em 1525 a.C., foi o segundo filho de Anrão e Joquebede, da tribo de Levi. No lar paterno, Moisés recebeu sua formação religiosa, e na corte do faraó adquiriu conhecimento intelectual e político, além de treinamento militar.

Os segundos 40 anos passou exilado em Midiã, fugindo de faraó, meditando e trabalhando como pastor. Casou-se com Zípora, filha de Jetro, o sacerdote, e nasceram-lhe dois filhos, Gérson e Eliezer (Êx 18, 34).

Os últimos 40 anos de sua vida os viveu no Egito e no deserto, na condição de primeiro líder de Israel. Serviu ao Senhor como profeta, sacerdote e rei, muito antes de esses cargos serem estabelecidos entre os judeus. Ensinou a todos como um profeta; como um sacerdote, intercedeu por eles quando caíram na idolatria e, como líder, retirou-os da servidão e os organizou como o povo da aliança de Deus. (GAZZI, 2013, p. 117).

FIGURA 16 – MOISÉS O LIBERTADOR

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-ZitktfA4MqM/TdkADcY7MLI/AAAAAAAAABM/kpma3arurgw/s1600/maasds.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

E também as próprias longas narrativas conjugadas na terceira pessoa apontam para alguém além do próprio Moisés, que compilou o livro na forma atualmente apresentada. No entanto, pesquisadores afirmam que Moisés escreveu algumas partes do Êxodo e que, sim, houve acréscimos de outros autores.

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TÓPICO 3 | A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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A hipótese documentária para a elaboração do Pentateuco distribui o Livro do Êxodo em três fontes diferentes, que são os documentos Javista, Eloísta e Sacerdotal. Assim, os capítulos 1 a 34 são considerados como emendas de documentos Eloísta, Javista e Sacerdotal, e os capítulos 34 a 40 são considerados material apenas de documento Sacerdotal. Assim, a partir dessa hipótese, as tradições orais em que o livro de Êxodo se baseou foram sofrendo acréscimos e revisões por muitos séculos. Por esse motivo, os pesquisadores do Antigo Testamento suspeitam da genuinidade e particularidade literárias do livro e não creem em sua historicidade.

2.3 CONTEXTO HISTÓRICO

É de comum acordo entre os estudiosos e pesquisadores que os eventos que o Livro do Êxodo narra giram em torno de 85 anos, que partem do nascimento do Patriarca Moisés, se estendendo até a construção da tenda santuário quando o povo já estava peregrinando pelo deserto do Sinai. A tenda santuário era também chamada de Tabernáculo, pois era o espaço/recinto de comunicação, culto e oferenda a Deus.

FIGURA 17 – A ARCA DA ALIANÇA NA TENDA DO TABERNÁCULO

FONTE: Disponível em: <http://www.ibvir.com.br/gifs/altar_de_incenso.jpeg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

A principal questão sobre o livro são as disputas entre estudiosos pesquisadores e religiosos acerca da data definitiva do Livro do Êxodo. Uma parcela destes defende alguma data no século XV a.C. e uma outra parcela afirma o século XIV como sendo o referencial para a fixação de alguma data precisa. Porém, muitas evidências apontam mais para alguma data do século XV a.C., mais ou menos entre os anos 1445 a.C. No entanto, os conteúdos dos textos do Livro do Êxodo foram escritos num tempo em que os fatos narrados já tinham se constituído na epopeia da nação judaica.

No contexto social da época do êxodo, se considerado como “contexto histórico”, nem todos os habitantes de Israel estavam lá presentes constituindo um povo/nação. Pois a escravidão egípcia não era apenas peculiar ao espaço geográfico ocupado pelos egípcios, mas sim se estendia a todos os territórios em que exercia influência e dominação. E lá nesses territórios também era significativa a presença de muitos judeus.

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

Assumindo a autoria mosaica de Êxodo, devemos datar o livro após o acontecimento do êxodo (cerca de 1450-1440 a.C.) e antes da morte de Moisés, próxima a 1406 a.C. De acordo com a datação abaixo, o nascimento de Moisés teria ocorrido durante o reinado de Tutmés I. Hatsepsute, a rainha viúva de Tutmés II, usou títulos masculinos e até mesmo uma barba quando reinou a partir de 1504-1483 a.C. Talvez fosse ela então o Faraó que já havia falecido quando Moisés retornou de Midiã ao Egito.

Êxodo prossegue com o relato do cumprimento da promessa de Deus a Abraão no sentido de abençoá-lo e dele fazer uma grande nação (Gn 12, 2). O livro começa com a descida de Israel ao Egito (Êx 1, 1-7), o que, em conexão com Gn 46, 8-27, vincula o livro às narrativas de Gênesis. A obra termina com Israel no Sinai onde o Tabernáculo é concluído. Os acontecimentos registrados no livro podem ser situados no seu contexto histórico.

Segundo Gazzi (2013), a ascensão de José ao poder (Êx 1, 5) vincula-se melhor às condições favoráveis para a família de Jacó criadas pelo domínio do Egito pelos hicsos, que também eram semitas (cerca de 1700-1550 a.C.). A referência em Êxodo 1, 8 a um novo rei “que não conheceu José” refere-se, provavelmente, à expulsão dos hicsos pelo fundador da décima oitava dinastia, Ahmose (1570-1546 a.C.). Datando o Êxodo em torno de 1450-1440 a.C., o faraó da opressão provavelmente foi Tutmés I (1526-1512 a.C.), enquanto o faraó do Êxodo teria sido Tutmés III (1504-1450 a.C.) ou Amenotepe II (1450-1425 a.C.). Esta datação permitiria uma possível identificação dos imigrantes israelitas com os habiru, um grupo mencionado nas cartas de Tell el-Amarna (correspondência entre o Egito e os seus vassalos siro-palestinos durante o século XIV a.C.). Os habiru eram uma classe social ou ocupacional comumente atestada em textos a partir de 2000 a.C. Eles tornaram-se párias políticos na Palestina (Gn 14, 13).

A aliança do Sinai (Êx 19, 1-20, 21; 24) assemelha-se, tanto na forma como no conteúdo, à forma dos tratados entre estados do segundo milênio a.C., especialmente os tratados entre os estados hititas. Esses tratados incluíam um preâmbulo (Êx 20, 2), estipulações (Êx 20, 3-17), ratificação (Êx 24, 1-11), além de bênçãos e maldições. Uma cópia do tratado era muitas vezes guardada nos santuários de ambas as partes. Igualmente a semelhança do conteúdo das leis casuísticas dos capítulos 21-23 em relação aos códigos do antigo Oriente Próximo (particularmente o Código de Hamurábi da Babilônia, em torno de 1750 a.C.) tem sido frequentemente observada (GAZZI, 2013, p. 121-122).

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FONTE: Disponível em: <http://www.rudecruz.com/imagens/o-sofrimento-dos-hebreus-no-egito.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

FIGURA 18 – A ESCRAVIDÃO DOS HEBREUS NO EGITO

No entanto, fundamentados em pesquisas científicas, podemos dizer que o texto atual do Livro do Êxodo é, sim, uma releitura dos acontecimentos do povo de Israel depois de seu exílio, firmando-se como uma espécie de saga nacional, em que todas as diferentes tribos que compõem a nação judaica são reunidas como um só povo na caminhada no deserto, que foi então uma peregrinação no deserto por 40 anos rumo à terra prometida a eles por Deus. Caminhada essa cujo ponto central é a parada diante do Monte Sinai para o estabelecimento de uma Aliança para selar em definitivo a pertença do povo hebreu a Deus.

3 CONTEÚDO E ESTRUTURA DO LIVRO DO ÊXODOFIGURA 19 – O LIVRO DOS JULGAMENTOS

FONTE: Disponível em: <https://userscontent2.emaze.com/images/7fb316af-961d-467d-9431-9829464382dd/0f315a03ab680a40aeae0302783af9c8.png>. Acesso em: 15 fev. 2017.

O Livro de Êxodo é distribuído ou dividido em três grandes blocos. Nesses blocos os temas e conteúdos são narrados tendo como ponto de fundo diferentes locais geográficos que partem do Egito até o Monte Sinai na Palestina. Israel no Egito (1, 1 – 13, 16); A caminhada/peregrinação do povo hebreu pelo deserto (13, 18 – 18, 27); O povo hebreu no Monte Sinai (19, 1 – 40, 38).

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

A primeira parte do Livro do Êxodo apresenta a história do castigo que Deus inflige ao Faraó e aos egípcios para então libertar seu povo “Israel” da escravidão. Assim, Moisés despontou como sendo o líder do povo que é apresentado como instrumento divino para então tomar a frente da libertação dos hebreus.

De acordo com Pury (1996, p. 250), “a primeira parte do Livro do Êxodo, em sequência narrativa a partir de 1,8-2,22”, apresenta a observação de que um novo rei (Faraó) que não tinha conhecido José, começa a limitar de forma severa a liberdade e a prosperidade dos hebreus, obrigando-os então a uma pesada corveia. Assim, essas medidas do novo Faraó tinham como objetivo eliminar os hebreus do Egito. Porém, segundo o relato, essa medida não surtiu efeito. O livro começa apresentando o povo hebreu (Israel) sob a opressão dos faraós da 18ª dinastia (cap. 1). Em meio a um infanticídio de vários bebês de 0 a 2 anos, nasce um bebê que Deus protege da morte e o coloca no próprio palácio do Faraó para então fazer dele o libertador do povo hebreu (2, 1-10). Assim, ao buscar identificar-se com seu povo, Moisés vê-se por um lado rejeitado por Israel (pelos hebreus) pelo fato de ter tido a sua formação no meio nos egípcios e convivendo na corte do próprio Faraó, e por outro lado, perseguido pelo Faraó, por ser considerado também como um traidor; começando a partir disso sua fase de treinamento em Midiã (2, 16-22). A certa altura de sua permanência em Midiã, Moisés foi até o Monte Sinai, onde Yahweh se manifestou a ele como o Deus pactual que estava prestes a intervir em favor de seu povo sofrido e sofredor (2,23−4,17).

“A narração apresentou Moisés sucessivamente como antagonista do Faraó e como Salvador potencial de Israel” (PURY, 1996, p. 250).

O segundo bloco do Êxodo, ou segunda parte, mostra como os judeus

passaram da condição de escravos no Egito para serem então o povo escolhido por Deus e detentores da terra de Canaã (19, 1-6). “O êxodo como guerra de libertação, sob o comando de Javé em favor de seu povo e contra o Egito ‘com mão forte e braço estendido’ [...] torna-se assim o paradigma para a história política de Israel” (PURY, 1996, p. 244).

E a última divisão do livro apresenta os detalhes da construção do

Tabernáculo, também como se dava a presença de Deus através dessa Tenda Santuário. Sobre o aspecto religioso é apresentada a investidura de Arão juntamente com os seus filhos, como sacerdotes, dando então margem para justificar posteriormente uma certa genealogia sacerdotal. Também essa parte do livro, com a intenção de fazer uma comparação, narra a idolatria do povo e a rebelião do Egito, que foi severamente julgado por Deus no episódio das dez pragas e na travessia do Mar Vermelho. Assim, Êxodo mostra um episódio que é paralelo ao episódio da adoração do bezerro de ouro quando os hebreus já estavam acampados diante do Monte Sinai (32, 1-10). Assim, Êxodo narra o castigo de Deus que foi evitado pela mediação de Moisés em favor do povo hebreu que ele liderava (32,11 – 34,17).

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TÓPICO 3 | A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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O Livro do Êxodo é um livro de livramento e estabelecimento. Nessa parte das Escrituras Sagradas, a aliança é estabelecida no Livro do Gênesis com os Patriarcas, à medida que Yahweh irrompe no tempo e no espaço com a intenção de libertar o povo hebreu (Israel) do cativeiro (escravidão no Egito) e estabelecê-lo como uma nação com uma regra de vida para a sua existência e permanência na terra de Canaã e contando com a presença de Deus em seu meio, através do Tabernáculo da Arca da Aliança, transformando-se então na história de Israel. “Os textos bíblicos sublinham expressamente, repetindo diversas vezes, que a ‘saída do Egito’ é o ato real de Deus por excelência” (PURY, 1996, p. 242).

O propósito central do Livro do Êxodo é o de promover a obediência fiel a Yahweh, o Deus da Aliança, relatando sua atividade no livramento de Israel do cativeiro (cap. 1-18), oferecendo-lhe uma regra para a vida sob a promessa (cap. 19-31) e fazendo-se presente em seu meio (cap. 32-40).

O ponto culminante do Livro do Êxodo é a descida da nuvem da glória de Yahweh sobre o Tabernáculo, que é, nesse momento, cheio da shekinah, a glória residente de Yahweh (40.34, 35). A turba de escravos agora tem um código de leis, um ministério sacerdotal para interceder perante Deus e direção divina para a sua jornada em direção à Terra Prometida (40.36-38). As promessas feitas aos patriarcas foram preservadas e acham-se a caminho de sua plena fruição (GAZZI, 2013, p. 135).

Os conteúdos principais do Livro do Êxodo, divididos em seus respectivos capítulo e versículos, segundo Gazzi (2013, p. 135-136), versam sobre:

A opressão dos Hebreus no Egito (1, 1 – 11, 10); Sofrimentos dos Oprimidos (1, 1-22); Preparação do Libertador (2, 1 – 4, 31); Nascimento de Moisés e Seus Primeiros 40 Anos (2, 1-15a); Exílio de Moisés e o Seu 2º Período de 40 Anos (2, 15b-25); Chamada de Moisés e Seu Regresso ao Egito (3, 1 – 4, 31); Luta com o Opressor (5, 1 – 11, 10); A Petição: Deixa Meu Povo Ir (5, 1-3); A Resposta: Perseguição Tirânica de Faraó (5, 4-21); A Garantia: O Senhor Manifestará Seu Senhorio (5, 22 – 7, 13); O Recurso: As Dez Pragas (7, 14 – 11, 10); Livramento dos Hebreus do Egito (12, 1 – 13, 16) (aqui começa o 3º período de 40 anos da vida de Moisés; At 7, 36); Livramento na Páscoa: Redenção pelo Sangue (12, 1 – 15, 21); Livramento no Mar Vermelho: Redenção pelo Poder (13, 17 – 14, 31); Cânticos do Livramento: Louvor ao Redentor (15, 1-21); Ensinamento a Israel a Caminho do Monte Sinai (15, 22 – 19, 2); A Prova da Adversidade e o Cuidado Providente de Deus (15, 22 – 19, 2); A Primeira Prova: Águas Amargas em Mara (15, 22-27); A Prova da Fome: Provisão de Codornizes e Maná (16, 1-36); A Prova da Sede: Água em Refidim (17, 1-7); A Prova do Combate: A Luta com Amaleque (17, 8-16); O Conselho Sábio de Jetro (18, 1-27); O Pacto de Deus com Israel no Monte Sinai (19, 3 – 24, 18); Instruções Preparatórias a Moisés (19, 3 – 24, 18); Os Dez Mandamentos: Diretrizes de Vida e Conduta sob o Concerto (20, 1-17); Ordenanças Preventivas do Relacionamento Pactual (20, 18 – 23, 19); Promessas Concernentes à Terra Prometida (23, 20-33); Ratificação do Concerto (24, 1-18); Normas de Adoração a Deus por Israel, no Monte Sinai (25, 1 – 40, 38); Instruções a Respeito do Tabernáculo (25, 1 – 27, 21); Instruções a Respeito dos Sacerdotes (28, 1 – 31, 18); O Pecado de Idolatria (32, 1 – 34, 35); Implementação das Instruções Divinas (35, 1 – 40, 38).

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

4 GÊNERO LITERÁRIOFIGURA 20 – O GÊNERO NARRATIVO

FONTE: Disponível em: <http://victorjsanz.es/wp-content/uploads/2015/06/Narrador-y-estructura-de-la-narracion.jpg>. Acesso em: 15 fev. 2017.

A narração e os códigos legais (leis) são os principais elementos que constituem os gêneros literários que compõem o Livro do Êxodo. Porém, a narração e a legislação presentes no formato da composição e estruturação do Livro do Êxodo partem de aspectos de necessidades geográficas, históricas e sociais.

“Não é fácil ou simples de reconhecer o arranjo literário do Livro do Êxodo. O livro em si contém três narrativas (cap. 1–18, 32–34 e 39, 32 – 40, 38) e duas seções legais (19, 1 – 31, 18 e 35, 1 – 39, 31), caracterizando assim os interesses históricos e legais que deram a Israel sua estrutura nacional básica” (GAZZI, 2013, p. 124).

A característica literária mais notável do livro é o uso da estrutura dos tratados de suserania do segundo milênio na composição da aliança de Yahweh com Israel. O bem conhecido capítulo que contém os Dez Mandamentos é estruturado como um tratado de suserania, com um preâmbulo (20, 2a), um prólogo histórico (20, 2b) e as estipulações pactuais (20, 3-17), desenvolvidas no chamado Livro da Aliança. Assim, o Livro do Êxodo 25, 16.21 indica que outro elemento dos tratados de suserania estava presente na ocasião, a provisão para a preservação do tratado (GAZZI, 2013, p. 124-125).

Para Gazzi (2013, p. 125), uma outra característica literária notável do Livro do Êxodo encontra-se no relato das nove primeiras pragas, em que os seguintes elementos estão presentes:

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TÓPICO 3 | A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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Pragas 1–3 Pragas 4–6 Pragas 7–9 Padrão narrativo

Água feita em sangue [7.14-24]

Enxames de moscas [8.20-32]

Saraiva sobre a colheita [9.13-35]

Moisés aparece perante Faraó junto ao rio.

Rãs cobrem a terra do Egito [8.1-15]

Peste nos animais [9.1-7]

Gafanhotos cobrem a terra [10.1-20]

Moisés comparece perante Faraó (na cortereal?)

Piolhos cobrem a terra do Egito [8.16-19]

Úlceras no gado e no povo [9.8-12]

Trevas cobrem a terra do Egito [10.21-29]

Gesto simbólico de Moisés e Arão longe de Faraó

QUADRO 2 – OS CASTIGOS ENVIADOS POR DEUS

FONTE: Gazzi (2013, p. 125)

Também, há a questão de proporção, que merece ser observada, pois embora o Livro do Êxodo no capítulo 12, 41 afirme que o período de cativeiro egípcio havia durado 430 anos, os primeiros 12 capítulos cobrem um período relativamente curto anterior à libertação, e os capítulos 19 a 40 cobrem um período de menos de um ano (19, 1; 40, 17). Portanto, isso demonstra que os eventos relacionados à constituição e celebração da aliança e ao estabelecimento do tabernáculo são a preocupação central do Livro do Êxodo.

Portanto, segundo Gazzi (2013, p. 125-126),

o “estilo” do Livro do Êxodo consiste, alternadamente, de uma literatura narrativa e de uma literatura legal. E em que a literatura narrativa pertence ao gênero mais amplo que é conhecido como torá, ‘instrução’, merecendo então a descrição feita por George Knight de “um ensaio teológico em forma de narrativa”. O mesmo Knight chama Êxodo de “saga”, em contraste com “lenda” e “mito”, pois o livro preserva “memórias históricas de acontecimentos que detonaram as emoções do povo que os experimentou”.

E a presença da narração da quebra da aliança apresentada nos capítulos 32 a 34 tem seu valor estilístico, pelo fato de interromper a cadência ordenada das leis e preceder a descrição metódica do tabernáculo e sua construção, dramatiza a extrema necessidade que Israel tinha da presença santa e santificadora de Yahweh em seu meio, para impedir que a horda de escravos libertos do Egito deixasse de existir antes mesmo de constituir-se em nação (GAZZI, 2013, p. 126).

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

LEITURA COMPLEMENTAR

O VERDADEIRO TESOURO DOS MANUSCRITOS DO MAR MORTO

Peter Colón

“A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos símplices [...] são mais desejáveis do que ouro, [...] em os guardar há grande recompensa [...] Para mim vale mais a lei que procede de tua boca do que milhares de ouro ou de prata” (Salmo 19.7,10-11; Salmo 119.72).

Muhammad estava agitado e inquieto. Sua cabra travessa tinha sumido. Ao vaguear sem rumo longe de seu rebanho e de seus amigos, o beduíno chegou a uma caverna que ficava em posição elevada e dava frente para a costa noroeste do Mar Morto. Por pensar que o animal desgarrado tivesse se perdido dentro da caverna, o beduíno começou a jogar pedras pela entrada da gruta a fim de fazê-lo sair lá de dentro. Quando ele ouviu o ruído das pedras que batiam em peças de cerâmica, ficou intrigado. Será que lá dentro da caverna poderia haver um tesouro escondido? Com toda a empolgação, ele correu até a entrada da caverna, porém, no interior dela não encontrou ouro, nem prata, apenas jarros grandes e antigos ao longo das paredes, os quais continham rolos de pergaminhos despedaçados. Ele pensou: “pelo menos os pergaminhos de couro vão servir para fazer correias e tiras de sandálias”. Lamentavelmente, Muhammad não conseguiu perceber a real importância daquele momento. A teimosia de sua cabra o levara àquela que pode ser considerada, nos tempos modernos, a maior descoberta de manuscritos: uma incalculável reserva entesourada da Palavra escrita – os Manuscritos do Mar Morto.

Beduínos não marcam o tempo como os ocidentais, mas assemelham-se aos seus antepassados; sua concepção de tempo e momento está relacionada com outros acontecimentos. Assim, não se pode datar essa descoberta com precisão. Após uma revisão, a nova data para a descoberta do primeiro rolo de manuscritos é a de 1935 ou 1936. A partir de então até o ano de 1956, muitos outros manuscritos foram achados. Acredita-se que esses manuscritos sejam de datas diferentes, as quais variam do século III a.C. até o século I d.C. A maior parte deles foi descoberta em cavernas de formação calcária em Qumran, situadas exatamente a noroeste do Mar Morto. A maioria dos pergaminhos é escrita em hebraico; o restante deles é escrito em aramaico e grego. Foram achados mais de 900 documentos, que correspondem a 350 obras distintas em suas múltiplas cópias. Muitos dos escritos bíblicos e extrabíblicos estão representados em pequeníssimos fragmentos. Só em uma caverna foram encontrados 520 textos, na forma de 15 mil fragmentos. Como se pode imaginar, juntar todos esses pedaços de pergaminho na sua respectiva posição para que se faça a tradução tem se constituído numa tarefa gigantesca.

A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto confirma aquilo que as pessoas que creem na Bíblia sempre souberam, ou seja, que a Bíblia, tal qual a temos na atualidade, é um texto que passa nos testes de fidedignidade. Apesar dos ataques

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TÓPICO 3 | A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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contra a Bíblia, a Palavra de Deus permanece para sempre: “O caminho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam” (2 Samuel 22.31).

Sempre houve pessoas que questionaram a confiabilidade das Escrituras. Uma vez que o texto foi copiado e recopiado ao longo dos séculos, os críticos alegam que é impossível saber-se com certeza o que os escritores bíblicos escreveram ou queriam dizer originalmente. Os Manuscritos do Mar Morto invalidam tal hipótese ou suposição no que se refere ao Antigo Testamento. Foram achadas entre 223 e 233 cópias das Escrituras Hebraicas, as quais foram comparadas com o texto atual. O único livro do Antigo Testamento que não foi encontrado nessa descoberta é o livro de Ester. É possível que ele esteja oculto numa caverna ainda não identificada de algum lugar isolado.

Antes dessa descoberta, os manuscritos mais antigos das Escrituras Hebraicas datavam do século IX d.C. ao século XI d.C. Tais manuscritos constituem aquele que é chamado de Texto Massorético, termo este originado da palavra hebraica masorah que significa “tradição”. Os escribas judeus de Tiberíades, denominados massoretas, procuraram meticulosamente padronizar o texto hebraico e sua pronúncia; a obra que realizaram ainda é considerada uma referência confiável nos dias de hoje. Os manuscritos de Qumran são, no mínimo, mil anos mais antigos que o Texto Massorético. Na realidade, esses manuscritos são até mesmo mais antigos que a Septuaginta, uma tradução grega do Antigo Testamento elaborada no Egito durante o período de 300 a 200 a.C.

Comparações minuciosas têm sido feitas entre o Texto Massorético e os Manuscritos do Mar Morto. Encontraram-se diferenças insignificantes de ortografia e gramática. Os críticos e céticos em relação à Bíblia ficaram surpresos quanto à maneira pela qual o texto daqueles manuscritos se assemelha ao texto atual. Eles não encontraram nenhuma objeção evidente às principais doutrinas das Escrituras Sagradas. A parte bíblica da literatura descoberta em Qumran confirma o estilo de expressão verbal e o significado do Antigo Testamento que temos em nossas mãos na atualidade: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim” (João 5.39).

Além das cópias das Escrituras do Antigo Testamento, as cavernas do Mar Morto também nos proporcionaram outras obras escritas. Esses documentos descrevem o estilo de vida e as crenças da misteriosa comunidade que viveu na região de Qumran. Embora não sejam escritos bíblicos, são registros valiosos que possibilitam a compreensão do contexto de vida e da cultura na época do Novo Testamento. Infelizmente os estudiosos dão mais atenção a essas obras de menor relevância do que às Escrituras, ainda que os textos bíblicos sejam mais importantes para os problemas da vida, pois o legítimo plano de Deus para a redenção da humanidade só se encontra no texto da Bíblia.

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UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO PARA A COMPREENSÃO DO ANTIGO TESTAMENTO

Uma Exatidão Maravilhosa

O grande rolo de Isaías, encontrado quase intacto em Qumran.

O Manuscrito do Livro [i.e., rolo] de Isaías encontrado na caverna 1 da região de Qumran oferece um sensacional exemplo da transmissão exata do texto na tradução. Acredita-se que esse extraordinário manuscrito date de cem anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Foi um manuscrito semelhante a esse que Jesus utilizou na sinagoga da aldeia de Nazaré, quando leu a seguinte passagem das Escrituras: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os pobres” (Lucas 4.18; Isaías 61.1). Ele continuou a leitura até determinado ponto. Em seguida, devolveu o livro [i.e., rolo] ao assistente da sinagoga e se sentou. Enquanto todos tinham os olhos fitos em Jesus, Ele declarou que aquela porção das Escrituras acabara de se cumprir diante dos ouvintes. Dessa forma, Jesus afirmou claramente ser Ele mesmo o Messias de Deus, vindo ao mundo para conceder a salvação a todo aquele que O receber.

A mesma passagem bíblica traduzida diretamente a partir do Manuscrito do Livro de Isaías descoberto em Qumran (o qual é cerca de mil anos mais antigo do que o manuscrito hebraico [i.e., o Texto Massorético] no qual se basearam as outras traduções) é praticamente idêntica: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque YHVH [N. do T., o tetragrama sagrado em hebraico que se refere ao nome supremo de Deus: Yahveh ou Javé] me ungiu para pregar as boas novas aos quebrantados”. A integridade da reivindicação de Cristo, conforme está escrita em nossas Bíblias, se confirma.

É fascinante que os manuscritos achados com mais frequência em Qumran, sejam completos, sejam na forma de pequenos fragmentos, referem-se aos mesmos livros da Bíblia geralmente citados no Novo Testamento: Deuteronômio, Isaías e Salmos. Tal fato desperta um interesse ainda maior à luz das próprias palavras de Jesus concernentes às Escrituras Hebraicas:

“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lucas 24.44).

Muitos outros exemplos poderiam ser citados. O fato principal acerca da Bíblia e desses rolos de manuscritos resume-se naquilo que um grande expositor das Escrituras, o inglês G. Campbell Morgan (1863-1945), certa feita compartilhou: “Não existe vida nas Escrituras em si mesmas, porém, se seguirmos a direção para onde as Escrituras nos levam, elas nos conduzirão até Ele e assim encontraremos a vida, não nas Escrituras, mas Ele através delas”.

“Seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente” (Is 40.8).

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TÓPICO 3 | A SAGA DO POVO ESCOLHIDO

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Infindáveis argumentações e debates têm surgido acerca desses manuscritos. Contudo, os crentes em Cristo podem estar certos de que tais manuscritos bíblicos antigos ratificam, apoiam e dão credibilidade à Bíblia que temos nos dias de hoje. A Palavra de Deus continua a ser a única fonte legítima da fé e da doutrina para todo aquele que busca recompensa eterna.

“São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa” (Salmo 19.10-11).

Assim, pobre Muhammad! Ele tinha esperança de encontrar os tesouros deste mundo, mas achou apenas pergaminhos despedaçados que só prestavam para fazer correias de sandálias! Lamentavelmente o lucro deste mundo é uma prioridade que absorve a pessoa completamente. O mundo considera as Escrituras Sagradas como algo sem valor; ou com alguma utilidade, de vez em quando, para serem citadas como “palavras da boca pra fora”, mas nunca para serem aceitas pela fé e praticadas. Todavia, nós, os salvos em Cristo, temos um conhecimento mais apurado. Temos conhecimento suficiente para não desprezar o tesouro verdadeiro e incalculável que só pode ser descoberto quando se faz uma escavação no solo da Palavra de Deus:

A Mais Antiga das Antiguidades

A cópia mais antiga das Escrituras do Antigo Testamento conhecida até o dia de hoje foi descoberta em 1979. São dois minúsculos rolos de manuscritos feitos de prata, que eram usados como talismãs e foram descobertos dentro de um túmulo em Jerusalém. O texto de sua inscrição foi cunhado em hebraico antigo. O manuscrito, surpreendentemente, continha uma citação da bênção sacerdotal registrada em Números 6.24-26:

“O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o rosto e te dê a paz”.

A inscrição data do século VII a.C., por volta da época do templo de Salomão e do profeta Jeremias. Portanto, esses versículos, provenientes do quarto livro da Torah [i.e., do Pentateuco], são cerca de 400 anos mais antigos do que os Manuscritos do Mar Morto.

“E, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus” (Provérbios 2.3-5).

FONTE: Disponível em: <http://www.beth-shalom.com.br/artigos/manuscritos_mar_morto.html>. Acesso em: 16 maio 2017.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Caro acadêmico, nesse terceiro tópico vimos que:

• O Livro do Êxodo narra acontecimentos conclusivos que tiveram seu início lá no Livro do Gênesis.

• O Livro do Êxodo em sua estrutura é um livro de cunho narrativo e legislativo, usado para testemunhar a posse da terra de Canaã pelos judeus e a sua constituição como povo de Deus.

• Êxodo também é uma obra de cunho legislativo, em que firma leis e regras para preservar o povo judeu do convívio com outros povos.

• No Livro do Êxodo é narrada a aliança que Deus firma com o povo hebreu.

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1 De que forma a Hipótese Documentária concebe a formação do Livro do Êxodo?

2 O que é o Livro do Êxodo e qual o seu propósito central?

3 Qual é o ponto culminante do Livro do Êxodo?

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 2

DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade tem por objetivos:

• apresentar a constituição do povo hebreu como povo de Deus;

• demonstrar a relação do povo hebreu com Deus;

• destacar as exigências de Deus para com o seu povo escolhido;

• mostrar de que forma o povo hebreu vivenciava a aliança firmada com Deus.

Esta unidade está dividida em três tópicos. Em cada um deles você encontra-rá atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados.

TÓPICO 1 – A RESPOSTA CULTURAL DO POVO DE ISRAEL AO DEUS DA ALIANÇA

TÓPICO 2 – A LEI DA PEDAGOGIA DIVINA

TÓPICO 3 – CENTRALIZAÇÃO DO CULTO, DENTRO DO PRINCÍPIO DA ALIANÇA

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TÓPICO 1

A RESPOSTA CULTURAL DO POVO DE

ISRAEL AO DEUS DA ALIANÇA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico! Você está cursando o curso de Bacharelado em Teologia pela UNIASSELVI! E aqui, antes de adentrarmos no Livro de Levítico, prosseguindo então com a introdução, quero fazer um adendo muito importante sobre esse livro!

Atualmente há a ocorrência de deturpação do sentido geral dos temas

do Livro de Levítico por parte de pessoas que não creem em Deus e de pessoas que, com sua liberdade e discernimento diferenciado, acabam imputando uma má fama ao Livro de Levítico e, muitas vezes, também às pessoas que professam alguma confissão cristã. Em primeiro lugar, devemos concluir que o conhecimento é universal e não pode ser usado para desunir, segregar, espalhar divisão e discórdia. Todo conhecimento, por ser conhecimento, está pautado em verdades que são verificadas, ou pela experimentação científica, ou pela verificação racional, a partir do uso de estruturas lógicas de pensamento. Assim, o Livro de Levítico, de forma alguma tem por objetivo ser uma mordaça para quem quer que seja. Ele é de fato um conjunto de prescrições, orientações e leis que visam a santidade, ou seja, a pureza e a libertação do povo do pecado. Pois o pecado, segundo as Sagradas Escrituras, afasta o povo hebreu de seu Deus. E o pagamento do pecado é a morte do pecador. E Deus não quer a morte de seu povo. Porém, o povo é livre em querer obedecer ou não as leis propostas por Deus. Nesse sentido, as pessoas têm liberdade de escolher o que quiserem ser e obedecer. Porém, compete a Deus uma liberdade de estabelecer seus preceitos, regras e leis a fim de obter um povo que lhe seja agradável e próximo. O Livro de Levítico é objeto de muitas críticas. Temos que ser honestos ao fazer uma crítica! E criticar sem verdade ou sem fundamento não é certo e muito menos válido. O Livro, então, deve ser entendido como uma proposta, uma correção, um apontamento e não como uma mordaça que tira a liberdade das pessoas. Muito pelo contrário, deve ser um farol para iluminar as pessoas em suas escolhas sensatas e verdadeiramente livres, pois está fundamentado também numa verdade, e verdade segura!

O Livro de Levítico foi escrito e direcionado para o povo hebreu que foi

redimido, com o intuito de instruí-lo de como deve se aproximar de Deus e de que forma deve adorá-lo. O Livro de Levítico começa em sua introdução com a expressão "E chamou o Senhor", e revela a importância da comunicação que é apresentada então nos capítulos seguintes.

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

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O Livro de Levítico apresenta leis e regulamentações fixas, como as que regulavam os sacrifícios de animais, que no passado eram oferecidos a Deus por Abel, Noé, Abraão e Jacó, como pode ser conferido em Gn 4, 4; 8, 20, 21; 22, 13; 31, 54. O Livro de Levítico fala também sobre a investidura de Arão e de seus filhos, como sendo um sacerdócio especial, para supervisionarem a adoração ordinária e a vida do dia a dia dos hebreus.

4Abel, por sua vez, também ofereceu as primícias e a gordura de seu rebanho. Ora, Iahweh agradou-se de Abel e de sua oferenda [...] 20Noé construiu um altar a Iahweh e, tomando de animais puros e de todas as aves puras, ofereceu holocaustos sobre o altar. [...] 13Abraão ergueu os olhos e viu um cordeiro, preso pelos chifres num arbusto; Abraão foi pegar o cordeiro e o ofereceu em holocausto no lugar de seu filho. [...] 54Jacó ofereceu um sacrifício sobre a montanha e convidou seus irmãos para a refeição. Eles comeram e passaram a noite sobre a montanha (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Gênesis, 4, 4; 8, 20.21; 22, 13; 31, 54).

Por meio das ordens (regras prescritas), que se encontram no decorrer dos capítulos do Livro de Levítico, Deus fixou na mente dos hebreus a necessidade de formarem e de serem um povo santo e consagrado a Ele como sendo seu único Deus e Senhor. E, principalmente, de que forma podiam sê-lo nos aspectos religioso e moral. Pelo conteúdo dele, Deus avisou também o povo hebreu sobre a sua vontade a respeito das festividades anuais que eles deveriam respeitar, guardar e celebrar, como os seus sábados semanais e anuais, as relações sexuais corretas e aquelas consideradas como as impróprias, a alimentação que o povo deveria observar, dentre outras coisas.

Dentro do Livro de Levítico, uma das mais destacadas proibições é a que

se refere a beber o sangue. E uma das principais leis que é considerada lei social é a ordem de como Deus resumiu a forma de como os hebreus deviam tratar-se mutuamente: “Tens de amar o teu próximo como a ti mesmo”. Como bem pode ser conferido em Lv 17, 10-14; 19, 18. Portanto, o Livro de Levítico especificava para os hebreus como eles podiam ser um povo santo para Deus.

10Todo homem da casa de Israel ou todo estrangeiro residente entre vós que comer sangue, qualquer que seja a espécie de sangue, voltar-me-ei contra esse que comeu sangue e o exterminarei do meio do seu povo. 11Porque a vida da carne está no sangue. E este sangue eu vo-lo tenho dado para fazer o rito de expiação sobre o altar, pelas vossas vidas; pois é o sangue que faz expiação pela vida. 12Esta é a razão pela qual eu disse aos filhos de Israel: "Nenhum dentre vós comerá sangue e o estrangeiro que habita no meio de vós também não comerá sangue." 13Qualquer pessoa, filho de Israel ou estrangeiro residente entre vós, que caçar um animal ou ave que é permitido comer, deverá derramar o seu sangue e recobri-lo com terra. 14Pois a vida de toda carne é o sangue, e eu disse aos filhos de Israel: "Não comereis o sangue de carne alguma, pois a vida de toda carne é o sangue, e todo aquele que o comer será exterminado." [...]18Não te vingarás e não guardarás rancor contra os filhos do teu povo (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Levítico, 17, 10-14; 19, 18).

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TÓPICO 1 | A RESPOSTA CULTURAL DO POVO DE ISRAEL AO DEUS DA ALIANÇA

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2 O LIVRO DE LEVÍTICO

O Livro de Levítico é considerado o terceiro livro do Patriarca Moisés. Esse livro em sua totalidade apresenta as funções dos sacerdotes do povo de Israel, sendo eles os membros da Tribo de Levi, os homens que o próprio Deus de Israel escolheu para lhes prestar serviços em seu Santuário, como pode ser conferido em Deuteronômio 10, 8. O Livro de Levítico era um manual prático que tinha a função de orientar os antigos sacerdotes nos principais detalhes das cerimônias religiosas que o povo de Deus deveria então executar.

O nome Levítico tem sua origem na Septuaginta, que é a versão grega da tradução desse livro. É o terceiro livro que compõe o Pentateuco. Esse consiste no terceiro livro das Escrituras Hebraicas do Antigo Testamento atribuído a Moisés. Esse livro descreve o sistema de sacrifícios e a forma de louvor que precede a época de Esdras e relembra a instituição do sistema de sacrifícios. O Livro de Levítico não tem muita informação histórica que possa proferir uma data exata de sua escrita. Segundo Paul Hoff, em sua obra “O Pentateuco”,

Na versão grega este livro recebeu o nome de Levítico porque ele trata das leis relacionadas com os ritos, sacrifícios e serviço do sacerdócio levítico. Nem todos os homens da tribo de Levi eram sacerdotes; o termo "levita" referia-se aos leigos que faziam o trabalho manual do tabernáculo. O livro não trata destes "levitas", porém o título não é completamente inadequado, porque todos os sacerdotes eram efetivamente da tribo de Levi (HOFF, 1995, p. 70).

Hoff sublinha que o Livro de Levítico não pode ser apenas entendido como o manual dos sacerdotes da tribo de Levi, pois ele contém ordens de Deus que devem ser dadas ao povo hebreu. Isso pode ser constatado pelas diversas vezes em que encontramos a expressão “fala aos de Israel”, expressão essa que o próprio livro atribui a Deus.

Embora o Livro de Levítico tenha sido escrito principalmente como manual dos sacerdotes, encontra-se muitas vezes a ordenança de Deus: "Fala aos filhos de Israel", de modo que contém muitos ensinamentos para toda a nação. As leis que se encontram em Levítico foram dadas pelo próprio Deus (ver 1:1; Números 7:89; Êxodo 25:1), de modo que têm um caráter elevado (HOFF, 1995, p. 70-71).

O que prefigura no Livro do Levítico é uma revelação ao povo hebreu, quando este ainda se encontrava acampado defronte ao Monte Sinai. Essa revelação, segundo o livro, foi dada a Moisés no Monte Sinai, e quando este desceu, fez então o povo conhecê-la. O conteúdo dessa revelação pode ser entendido a partir da última parte do Livro do Êxodo, que faz uma descrição do tabernáculo. Logo após os acontecimentos e prescrições narrados no Levítico, o Livro de Números então continua o conteúdo de Levítico. Dessa forma, fica fácil de conceber que os livros de Êxodo, Levítico e Números estão interligados. Porém, a diferença do Livro de Números para os outros dois é que este prefigura ser apenas um livro de leis.

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

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A revelação que se encontra em Levítico foi entregue a Moisés quando Israel ainda acampava diante do Monte Sinai (27:34). Segue o fio da última parte de Êxodo, a qual descreve o tabernáculo. A seguir, Números continua com o conteúdo de Levítico. Assim, os três livros formam um conjunto e estão estreitamente relacionados entre si. Todavia, Levítico difere dos outros dois em que é quase totalmente legislativo. Narra apenas três acontecimentos históricos: a investidura dos sacerdotes (capítulos 8 e 9), o pecado e castigo de Nadabe e Abiú (capítulo 10) e o castigo de um blasfemo (24:10-14, 23) (HOFF, 1995, p. 71).

O Livro de Levítico não aborda apenas sobre os holocaustos que os hebreus ofereciam a Deus, mesmo que seja bem detalhado o cerimonial do sacrifício e os trabalhos dos sacerdotes. O que deve ser levado em conta é que o livro é um certo “código de santidade” e que este deve ser observado por cada hebreu, pois ele deve ser um indivíduo puro, pelo fato de que o próprio Deus a quem são destinadas as ofertas, sacrifícios e serviços religiosos no templo, é puro. E a pureza de cada hebreu é a base da santidade de toda a comunidade hebraica.

O Livro de Levítico é também, muitas vezes, considerado como um livro de caráter quase exclusivamente legislativo. Ou seja, o Livro de Levítico faz uma pausa na narração dos fatos ocorridos e que foram narrados no Livro do Êxodo, apresentando então os rituais dos sacrifícios; os cerimoniais de investidura dos sacerdotes, como podemos constatar que foram aplicados a Aarão e seus descendentes diretos; as regras de classificação de coisas e atos julgados como puros e impuros, e os acontecimentos que terminam com o ritual do grande Dia das Expiações, a própria lei de santidade, que por si traz um calendário de celebrações litúrgicas, como pode ser conferido no capítulo 23 desse livro, encerrando o livro com formas de bênçãos e maldições.

23 Ritual das festas do ano: — 1Iahweh falou a Moisés e disse: 2Fala aos filhos de Israel; dize-lhes: (As solenidades de Iahweh, às quais os convocareis, são as minhas santas assembleias.) Estas são as minhas solenidades: 3Durante seis dias se trabalhará, mas o sétimo dia será dia de repouso completo, dia de santa assembleia, no qual não fareis trabalho algum. Onde quer que habiteis, é sábado para Iahweh. 4Estas são as solenidades de Iahweh, as santas assembleias às quais convocareis os filhos de Israel, no tempo determinado: 5No primeiro mês, no décimo quarto dia do mês, ao crepúsculo, é Páscoa para Iahweh, 6e, no décimo quinto dia desse mês, é a festa dos Ázimos para Iahweh. Durante sete dias comereis pães sem fermento. 7No primeiro dia, tereis santa assembleia; não fareis nenhuma obra servil. 8Durante sete dias apresentareis uma oferenda queimada a Iahweh. No sétimo dia, dia de santa assembleia, não fareis nenhuma obra servil. [...] 37Estas são as solenidades de Iahweh, para as quais convocareis os filhos de Israel, assembleias santas destinadas a apresentar oferendas queimadas a Iahweh, holocaustos, oblações, sacrifícios, libações, segundo o ritual próprio de cada dia, 38além dos sábados de Iahweh, das dádivas, dos votos e das oferendas voluntárias que fareis a Iahweh. 39Mas no décimo quinto dia do sétimo mês, quando tiverdes colhido os produtos da terra, celebrareis a festa de Iahweh durante sete dias. O primeiro e o oitavo dias serão dias de repouso. 40No primeiro dia tomareis frutos formosos, ramos de palmeiras, ramos de árvores frondosas e de salgueiros das ribeiras, e vos regozijareis durante sete dias na presença de Iahweh vosso Deus. 41Celebrareis assim uma festa para Iahweh, sete dias por

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ano. É lei perpétua para vossos descendentes. No sétimo mês fareis esta festa. 42Habitareis durante sete dias em cabanas. Todos os naturais de Israel habitarão em cabanas, 43para que os vossos descendentes saibam que eu fiz os filhos de Israel habitar em cabanas, quando os fiz sair da terra do Egito. Eu sou Iahweh vosso Deus. 44E Moisés proclamou aos filhos de Israel as solenidades de Iahweh (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Levítico, 23).

Por fim, o Livro de Levítico se encerra de certa forma apresentando um documento elaborado por seu autor que determina as condições do resgate das pessoas, dos animais e dos bens que foram então outrora consagrados a Deus:

1Iahweh falou a Moisés e disse: 2Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Se alguém quiser cumprir um voto a Iahweh, relativo ao valor de uma pessoa, 3um homem entre vinte e sessenta anos será avaliado em cinquenta siclos de prata — siclo do santuário —; 4se for uma mulher, a avaliação será de trinta siclos; 5entre cinco e vinte anos, o homem será avaliado em vinte siclos e a mulher em dez siclos; 6entre um mês e cinco anos, o homem será avaliado em cinco siclos de prata e a mulher em três siclos de prata; 7de sessenta anos para cima, o homem será avaliado em quinze siclos e a mulher em dez siclos. 8Se aquele que fez o voto não tiver condições para atender a esta avaliação, então apresentará a pessoa ao sacerdote. Este fará a avaliação, que será de acordo com os recursos daquele que fez o voto. [...] 26Ninguém poderá consagrar o primogênito de um animal, visto que já pertence a Iahweh; quer seja de gado miúdo ou graúdo, já pertence a Iahweh. 27Mas se for de um animal impuro, poder-se-á resgatá-lo pelo preço da avaliação, acrescido de um quinto do seu valor; se não for resgatado, será vendido pelo preço da avaliação. 28Contudo, nada do que alguém consagra a Iahweh, por anátema, pode ser vendido ou resgatado, quer seja homens, animais ou campos do seu patrimônio. Todo anátema é coisa santíssima que pertence a Iahweh. 29Nenhum ser humano votado ao anátema poderá ser resgatado; será morto. 30Todos os dízimos da terra, tanto dos produtos da terra como dos frutos das árvores, pertencem a Iahweh; é coisa consagrada a Iahweh. 31Se alguém quiser resgatar uma parte do seu dízimo, acrescentará um quinto do seu valor. 32Em todo dízimo de gado graúdo ou miúdo, a décima parte de tudo que passa sob o cajado do pastor é coisa consagrada a Iahweh. 33Não se deve observar se é bom ou mau e não se fará substituição: se isto se der, tanto o animal consagrado como aquele que o substitui serão coisas consagradas, sem possibilidade de resgate. 34Estas são as ordens que Iahweh deu a Moisés, no Monte Sinai, para os filhos de Israel (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Levítico, 27).

Dessa forma, o Livro de Levítico apresenta-se, em sua composição, como sendo um livro cujos preceitos apontam para os princípios sublimes e superiores da religião judaica. Tornando a própria religião dos hebreus elevada perante as outras religiões contemporâneas, com preceitos que não estão presentes nelas, como o amor ao próximo, o sacrifício em expiação das ofensas, como no caso dos pecados cometidos pelo povo, o ano sabático, a consagração do povo a fim de que este tenha uma conduta reta que agrade ao Deus que cultuam, dentre outros fatores. Ou seja, o que a religião israelita tem em comum em relação às demais religiões que compõem o seu quadro histórico são os sacrifícios e a presença de sacerdotes e ritos. Porém, o que difere são as formas e as finalidades dos ritos, dos sacrifícios, dos serviços religiosos prestados, e a total consagração dos sacerdotes.

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Levítico apresenta princípios elevados da religião. Conquanto muitas de suas normas e cerimônias já não estejam em vigor para o crente, ainda assim encerram princípios permanentes. Deve-se descartar a casca (a forma antiga das leis) e guardar o grão (o princípio moral ou espiritual). As leis e cerimônias de Levítico mostram como Deus opera para remover o pecado mediante o sacrifício e a purificação, como Deus atua contra pecados sociais por meio do ano sabático e do ano do jubileu, e como ele enfrenta a imoralidade por meio de leis de castidade e também mediante promessas e ameaças. É notável que em Levítico se encontra o sublime preceito: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (19:18) (HOFF, 1995, p. 71).

Portanto, esse terceiro livro do Pentateuco foi redigido para dar uma instrução aos hebreus e aos sacerdotes que tinham a função de ser seus mediadores perante Deus, sobre de que forma deveriam se aproximar e se dirigir a Deus por meio do sangue expiado (ofertado em holocausto) e para expor um certo padrão ‘divino’ da vida santa que os hebreus deveriam ter enquanto povo escolhido e santificado por Deus. De acordo com Gazzi (2013, p. 156), a função do Livro de Levítico é a de “promover reverência nacional e individual a Yahweh em Sua santidade apresentando as condições para que Israel se aproximasse d’Ele e preservasse Sua presença santa entre o povo”.

Em relação à associação entre Levítico e Êxodo, temos que o Livro do Êxodo esboça a relação de comunhão que Deus propõe aos hebreus quando este se encontra presente no Tabernáculo. E o Levítico tem por caráter ser a formulação das leis que direcionam e estruturam a forma de como essa comunhão deve prefigurar. Pelo ritual do seguimento das leis, Deus instrui o seu povo a se santificar. Ou seja, não é possível ao povo hebreu ter uma comunhão com Deus e ao mesmo tempo ter as mesmas atitudes dos outros povos, como a prática do mal. Nesse sentido, o povo hebreu foi escolhido não porque já era santo. O processo de sua santificação se dá a partir do selamento do pacto da Aliança celebrado no Sinai. A Santidade do povo hebreu consistia em ser puro, ou seja, no sentido de não praticar atos que ofendam a Deus. Ou seja, a forma de vida da cultura dos outros povos é uma forma que não agrada ao Deus dos hebreus. E Deus, então, no Levítico, aponta as formas de como eles podem ser agradáveis a Ele. Basta analisarmos as prescrições dos ritos religiosos apresentados nesse livro.

Assim como Êxodo tem por tema a comunhão que Deus oferece a seu povo mediante sua presença no tabernáculo, Levítico apresenta as leis pelas quais Israel haveria de manter essa comunhão. O Senhor queria ensinar a seu povo, os hebreus, a santificar-se. A palavra santificação significa apartar-se do mal e dedicar-se ao serviço de Deus. É condição necessária para desfrutar-se da comunhão com Deus. As leis e as instituições de Levítico faziam os israelitas tomar consciência de sua pecaminosidade e de sua necessidade de receber a misericórdia divina; ao mesmo tempo, o sistema de sacrifícios ensinava-lhes que o próprio Deus provia o meio de expiar seus pecados e de santificar sua vida. Deus é santo e seu povo há de ser santo também. Israel deve ser diferente das outras nações e deve separar-se de seus costumes. "Não fareis segundo as obras da terra do Egito. . . nem fareis segundo as obras da terra de Canaã" (18:3). O pensamento-chave encontra-se em 11:44, 45; 19:2: "Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo". A palavra

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"santo" aparece setenta e três vezes no livro. O tabernáculo e seus móveis eram santos, santos os sacerdotes, santas as suas vestimentas, santas as ofertas, santas as festas, e tudo era santo para que Israel fosse santo (HOFF, 1995, p. 71).

Assim, deve ser afirmado que a mensagem central do Livro de Levítico é direcionada em primeira mão aos hebreus que necessitam das leis, como podemos concluir a partir de Levítico 1, 2. As verdades que ali são apresentadas têm por finalidade confirmar para muitos o fato central de que eles (os hebreus) foram escolhidos como sendo o “povo santo de Deus”. Assim, Levítico então se constitui, de certa forma, como sendo a primeira revelação da forma pela qual Deus restabelece o homem que está perdido em relação ao seu verdadeiro caminho. Tanto a ação redentora de Deus, como também a conduta do homem que se torna portador dessa redenção, encontram-se sintetizadas nesse versículo que é considerado primordial no que diz: “Ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo, e separei-vos dos povos, para serdes meus” (Lev 20, 26). Para Gazzi (2002, p. 156), “a ênfase maior do livro é a santidade de Yahweh e a consequente exigência de santidade por parte de Seu povo. O significado básico dessa santidade é a separação em um sentido físico, mas com evidentes conotações morais e cultuais no livro”.

Muitos teólogos concluem que o propósito central de Levítico é demonstrar o que de fato é o pecado. Quais são os males do pecado para o povo. Qual a importância da graça de Deus e do perdão que deve ser suplicado a Ele e oferecido ao próximo. Assim, o grande Dia da Expiação, apresentado em Levítico, é uma prefiguração do sacrifício redentor do Filho de Deus posteriormente. Ou seja, Deus quer salvar seu povo do pecado, e santificá-lo. Santificar não significa deificar o ser humano, mas sim, revesti-lo da graça divina, ou seja, da natureza de Deus.

Finalmente, este livro tinha o propósito de preparar a mente humana para as grandes verdades do Novo Testamento. Levítico apresenta o evangelho revestido de simbolismo. Os sacrifícios da antiga aliança, especialmente do grande dia de expiação, antecipavam o sacrifício do mediador da nova aliança. Para entender cabalmente o Calvário e sua glória redentora, temos de vê-lo à luz do Livro de Levítico; este livro põe em relevo a verdadeira face do pecado, da graça e do perdão, e assim prepara os israelitas para a obra do Redentor (HOFF, 1995, p. 71-72).

Com o intuito de realizar a salvação do homem, resgatando-o para junto da presença de Deus (seu Criador) através dos serviços religiosos prestados, como deveras é apresentado no livro, é então considerado um manual de como acontece esse acesso a Deus.

Levítico é obviamente parte de um pacote revelador, iniciado em Êxodo 20, em vista da relação de bênçãos e maldições encontradas no capítulo 26. O livro prescreve as condições para que Israel desfrutasse a presença e a bênção de Deus; várias passagens sugerem que a legislação já contemplava a vida de Israel na Terra Prometida (particularmente, os capítulos 25 e 26) (GAZZI, 2013, p. 156).

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No Livro de Levítico, a partir do primeiro capítulo até o décimo sexto capítulo, é apresentada uma série de ações de caráter puramente religiosas que demonstram a forma pela qual Deus resgata aqueles que se acham perdidos, separando-os de seus pecados e de suas consequências, sendo que os diferentes sacrifícios presentes em Levítico 1, 1-7 são orientações de como devem ser feitos o holocausto e as oblações:

1 Os holocaustos — 1Iahweh chamou Moisés e da Tenda da Reunião falou-lhe, dizendo: 2Fala aos filhos de Israel; tu lhes dirás: Quando um de vós apresentar uma oferenda a Iahweh, podereis fazer essa oferenda com animal grande ou pequeno. 3Se a sua oferenda consistir em holocausto de animal grande, oferecerá um macho sem defeito; oferecê-lo-á à entrada da Tenda da Reunião, para que seja aceito perante Iahweh. 4Porá a mão sobre a cabeça da vítima e esta será aceita para que se faça por ele o rito de expiação. 5Em seguida imolará o novilho diante de Iahweh, e os filhos de Aarão, os sacerdotes, oferecerão o sangue. Eles o derramarão ao redor sobre o altar que se encontra à entrada da Tenda da Reunião. 6Em seguida esfolará a vítima e a dividirá em quartos, 7e os filhos de Aarão, os sacerdotes, porão fogo sobre o altar e colocarão a lenha em ordem sobre o fogo (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Levítico, 1, 1-7).

Nos capítulos nove e dez do Livro de Levítico são apontados os sacerdotes como os responsáveis diretamente pelo serviço religioso devotado a Deus, sendo então responsáveis por realizar de certa forma a reconciliação do povo hebreu com Deus pelos pecados que eles haviam cometido. Já os capítulos 11 e 15 tratam das leis da limpeza e da purificação que deviam constituir-se em memórias que narram o arrependimento dos hebreus e a separação que eles deveriam ter de toda a impureza, sendo essas as principais normas que deveriam então marcar definitivamente o povo hebreu então redimido, assim como o dia principal dedicado ao culto de expiação, abordado no capítulo 16, que proclamava então o perdão de Deus, para aqueles que se arrependerem de seus pecados e que fizessem uma entrega sincera e fiel de si.

A primeira parte do livro revela a maneira escolhida por Deus para que Israel se aproximasse Dele, o sistema sacrificial. Vida por vida é o princípio subjacente em cada sacrifício, os consagratórios (capítulos 1 e 2), os voluntários (capítulo 3) e os expiatórios (capítulos 4.1–6.7). Instruções específicas para a celebração de cada um desses sacrifícios aparecem nos capítulos 6.8–7.38 (GAZZI, 2013, p. 15).

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FIGURA 21 – O SERVIÇO RELIGIOSO DO SACERDOTE LEVITA NO TEMPLO

FONTE: Disponível em: <http://www.apazdosenhor.org.br/profhenrique/lugar-santo-servico-sacerdotes.jpg>. Acesso em: 29 abr. 2017.

Já a segunda metade do Levítico, que compreende os capítulos 17 ao 23, apresenta regras práticas que os hebreus devem então aceitar a fim de que possam viver uma vida santa. Assim, estas ações práticas incluem certas expressões de devoção em temas de cerimoniais religiosos, na adoração; por outro lado, versam também em torno de temas de ações morais do dia a dia.

Em síntese, o Livro de Levítico tem como função ser uma legislação expressa por Deus: “Chamou o Senhor a Moisés e disse: Fala aos filhos de Israel, e dize-lhes [...]” (Lev 1, 1-2).

Portanto, a legislação religiosa do Livro de Levítico tem por função garantir que o sacerdote e o povo, uma vez consagrados, se mantivessem puros (santos). E a manutenção dessa pureza, e até mesmo a recuperação em caso de perda desta, se dão pelo ofício religioso dos ritos, sacrifícios e holocaustos. Sendo que o objetivo primordial é o de manter a separação permanente do povo hebreu dos outros povos. Isso pode ser percebido a partir da celebração da primeira Páscoa ainda no cativeiro do Egito antigo, quando foram dadas aos hebreus as condições de como a Páscoa devia ser celebrada, em que as pessoas que não fossem hebreus e que quisessem participar da Páscoa deveriam, primeiramente, se deixar circuncisar para daí então participar da celebração da Páscoa, antes da fuga dos hebreus da escravidão do Egito. Ou seja, a nação israelita pode ser entendida como uma nação sacerdotal, pelo fato de que o exercício da santidade é um sacerdócio comum a todo hebreu, embora haja divisão de níveis sacerdotais, como é melhor exemplificado a seguir por Hoff:

Esta parte de Levítico ressalta a necessidade de uma vida pura, tanto da parte do sacerdote como da parte do povo, pois Israel tinha o incomparável privilégio de ser escolhido por Deus como sua possessão, uma nação santa e reino de sacerdotes. As leis que se encontram

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desde o capítulo 17 até o capítulo 20 têm o propósito de manter Israel separado dos costumes pagãos das nações vizinhas; os capítulos 20 a 22 apresentam as leis cuja finalidade é manter os sacerdotes separados de certos costumes cerimoniais lícitos para o restante dos hebreus. Nota-se aqui que o povo de Israel estava dividido em três categorias: a congregação, o sacerdócio e o sumo sacerdote. É uma divisão que corresponde às três partes do tabernáculo: o átrio, o lugar santo e o lugar santíssimo. Quanto mais perto de Deus, tanto mais sagrada era a posição e tanto mais apartada do profano devia estar. A congregação devia separar-se dos costumes das outras nações; os sacerdotes deviam viver separados de grande parte da congregação; e o sumo sacerdote, que chegava até a presença mesma do Senhor, tinha de ter certas coisas que o diferenciassem dos demais sacerdotes. Tudo isto era para realizar o desígnio divino de que Israel fosse uma nação santa (HOFF, 1995, p. 81).

3 COMPOSIÇÃO

De acordo com Champlin (2001), o Patriarca Moisés foi considerado pelo povo hebreu como sendo um legislador de leis sagradas e que fora responsável pela revelação divina aos judeus. Era também considerado uma personalidade de conhecimento e sabedoria elevados. Podemos concluir que Moisés fora escolhido para receber e transmitir as regras, leis e recomendações divinas ao povo hebreu, que carecia dessas legislaturas para progredir materialmente e espiritualmente.

O Livro do Levítico, e também todo o restante do Pentateuco, as leis, as regras, as orientações e observações devem ser considerados específicos para a cultura daquela época, ocupante daquela região com constituições geográficas desérticas, montanhosas e também constituída, em algumas regiões, de vales e estepes. Sendo que essas prescrições visam também a educação espiritual do povo hebreu, além de ser uma garantia para um conviver social harmonioso entre as diferentes tribos que compõem a nação israelita. Assim, o Livro do Levítico é para ser entendido como “o manual do ritual a ser realizado dentro do Tabernáculo”, é o formulário prático do ritual de expiação em que a culpa do pecador é então transferida para algo ou um ser substituto. Em relação a esse processo de transferência de culpa, podemos concluir, a partir da citação de Santos (1986, p. 48), que: “Só pode haver relacionamento entre a criatura imperfeita e o Deus perfeito na base da expiação, que é um ato redentor de Deus no qual Ele provê um substituto para o homem. Sobre esse substituto recaem as culpas e, em razão disso, é condenado e executado no lugar do penitente”.

Nota-se a santidade divina no castigo do pecado de Nadabe e Abiú (ver capítulo 10), e o do blasfemo (24:10-23). A santidade de Deus impõe leis concernentes às ofertas, ao alimento, à purificação, à castidade, às festividades e outras cerimônias. Somente por seus mediadores, os sacerdotes, pode um povo pecaminoso aproximar-se do Deus santo. Tudo isto ensinou aos hebreus que o pecado é que afasta o homem de Deus, que Deus exige a santidade e que só o sangue espargido sobre o altar pode expiar a culpa. De modo que Levítico fala de santidade, mas ao mesmo tempo fala da graça, ou possibilidade de obter perdão por meio de sacrifícios (HOFF, 1995, p. 71).

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Os ritos religiosos apresentados no Livro do Levítico não devem ser entendidos como ato social do povo hebreu que forjou e busca celebrar a sua cultura. Mas sim ações que visam sedimentar no decurso dos tempos a união de Deus com a nação de Israel. Ou seja, é a vivência da Aliança uma vez selada e celebrada por seus antigos pais. Assim, celebrar a Aliança não quer dizer apenas recordá-la, mas sim experimentá-la em novos tempos e conjunturas sociais diversas. Portanto, o sistema sacrificial hebreu deve ser entendido como o meio pelo qual a Aliança selada com Deus se desenvolve na evolução cultural do povo hebreu como nação constituída.

O sistema sacrificial foi instituído por Deus para ligar a nação israelita a ele próprio. Não obstante, os sacrifícios remontam ao período primitivo da raça humana. Menciona-se o ato pela primeira vez em Gênesis 4, no caso de Caim e Abel. Provavelmente Deus mesmo ensinou os homens a oferecer sacrifício como meio de aproximar-se dele. A ideia ficou gravada na mente humana e o costume foi transmitido a toda a humanidade. Com o transcorrer do tempo, os sacrifícios oferecidos pelos que não conheciam a Deus uniram-se a costumes pagãos e a ideias corruptas, por exemplo, o conceito de que os deuses literalmente comiam o fumo e o odor do sacrifício. Não se sabe se os israelitas, antes de chegarem ao Sinai, conheciam e distinguiam claramente os diversos tipos de ofertas. Já como nação liberta da escravidão do Egito, já como povo da aliança, Israel recebeu instruções específicas com respeito aos sacrifícios (HOFF, 1995, p. 72).

Nesse sentido, aquele que vai realizar o sacrifício tem, então, no bode expiatório, um ser substituto para representá-lo naquele dia que é considerado o “grande Dia das Expiações”. Sendo neste dia que recaem sobre a oferenda sacrificada todos os pecados da comunidade dos levitas (nesse caso, de todo o povo hebreu). Assim, o bode que é enviado para o deserto carrega consigo de maneira simbólica o peso das ofensas cometidas pelos hebreus, ou seja, os seus pecados.

Um exemplo de uma passagem bíblica referente ao sacrifício expiatório no Livro do Levítico se encontra no capítulo 16, da Bíblia de Jerusalém (2002, p. 183-184). De acordo com o narrado nessa citação bíblica, podemos então diferenciar e entender os diferentes símbolos e imagens que essa parte do Livro de Levítico apresenta.

Dentro do conjunto do Livro de Levítico, o sacerdote é o personagem principal da liturgia de qualquer rito de sacrifício a ser oficializado, principalmente no Dia da Expiação. Nesse dia o sacerdote tinha por função ser o intermediário entre o povo e Deus.

No Livro de Levítico é entendido que o sacerdote era um homem do povo que era então chamado por Deus para ser um pregador. O sacerdote devia ter um reconhecimento do povo pelo fato de ter sido escolhido, chamado, qualificado e consagrado para então oficializar os serviços religiosos no Tabernáculo, e também de ser enviado para ser o pastor de um povo sacerdotal que tem outras funções específicas em relação ao santuário. Mauss (2005, p. 156-157) afirma que “a

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investidura de qualidades e poderes especiais aos sacerdotes é um fato comum a várias culturas”.

A partir do instante em que os sacerdotes são escolhidos, passa então a acontecer uma série de cerimônias simbólicas para o então futuro sacrificante. Estas cerimônias, de maneira progressiva, despojam o sacerdote de seu ser temporal que ele era, para então fazê-lo renascer sob espécies inteiramente novas, ou seja, um ser voltado para a dimensão espiritual.

Já nos tempos patriarcais eram também os chefes das famílias, ou das

tribos, que operavam as funções de sacerdote, sendo então os representantes de sua família perante Deus, como podemos perceber na atuação dos patriarcas Noé, Abraão, Isaque e Jacó.

No Livro de Levítico, o sacerdote não prefigura ser apenas um símbolo indicativo de Deus, mas sim, sobretudo, um sinal indicativo e atuante da associação que há entre Deus e os homens, sendo então o símbolo da intermediação entre o mundo e a vida terrena e o mundo e a vida transcendental, que é expressão da vontade divina que é transmitida aos homens, na distribuição da graça e das bênçãos divinas, na transmissão dos sacrifícios e orações realizados pelos homens em ofertar a favor de Deus.

Antes das estipulações rituais do serviço religioso apresentadas no Livro de Levítico, o serviço religioso, bem antes do Êxodo, era desempenhado pelos chefes de família, ou seu filho primogênito, desde o tempo dos patriarcas. Pois no tempo destes não havia o tabernáculo e muito menos o código da Aliança estabelecido, oficializando então estes, os sacrifícios, oblações e holocaustos diante de altares improvisados. Basta analisarmos o quase sacrifício de Isaac. Foi só a partir da elaboração dos ritos a serem dispostos no tabernáculo e a necessidade de se realizar os serviços religiosos com precisão, que foi estabelecida a necessidade de erigir uma instituição sacerdotal, e esta escolhida dentre a tribo de Levi, que seria então inteiramente devotada à realização do serviço religioso no Tabernáculo.

Considerando que Deus desejava que Israel fosse uma nação santa (Êxodo 19:6), nomeou a Aarão e seus filhos para constituírem o sacerdócio. Antes do êxodo, o chefe de cada família, ou o primogênito desempenhava o papel de sacerdote familiar, mas a complicação dos ritos do tabernáculo e a exigência de observá-los com exatidão tornaram necessária a instituição de um sacerdócio dedicado totalmente ao culto divino. A vocação sacerdotal era hereditária, de modo que os sacerdotes podiam transmitir a seus filhos as leis detalhadas relacionadas com o culto e com as numerosas regras às quais os sacerdotes viviam sujeitos, a fim de manterem a pureza legal que lhes permitisse aproximar-se de Deus (HOFF, 1995, p. 75).

A escolha preferencial de sacerdotes pertencentes à Tribo dos Levitas se deu pelo fato dos hebreus levitas apresentarem um certo respeito pelas coisas e assuntos espirituais, sendo estes inclinados para com o cuidado e devoção para com as coisas ditas sagradas. Ou seja, dentre todos os hebreus, os homens levitas eram as pessoas mais adequadas que se enquadravam no perfil necessário para

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inaugurarem uma casta sacerdotal para serem então os responsáveis diretos pelos principais serviços religiosos a serem realizados em favor de Deus.

Os levitas eram os ajudantes dos sacerdotes. Por haverem sido resgatados da morte, na noite da páscoa, os primogênitos das famílias hebraicas pertenciam a Deus, mas os levitas, por seu zelo espiritual, foram escolhidos divinamente como substitutos dos filhos mais velhos de cada família (Êxodo 32:25-29; Números 3:5-13; 8:17-19.) Os levitas assistiam os sacerdotes em seus deveres e transportavam o tabernáculo e cuidavam dele (HOFF, 1995, p. 75).

FIGURA 22 – A SAGRAÇÃO DO SACERDOTE LEVITA

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/m6akCT>. Acesso em: 24 abr. 2017.

Na época do Êxodo havia hebreus que detinham o direito do sacerdócio e o exerciam; porém, posteriormente, tornou-se necessário indicar uma certa ordem especial de pessoas para que desempenhassem os deveres e direitos sacerdotais, sendo que os homens da Tribo de Levi foram escolhidos para essa função.

No Livro de Levítico, competia à casta sacerdotal afirmar a vida pecadora do homem e a santidade de Deus. Assim, estes apresentavam certas condições para que o pecador pudesse então se aproximar de Deus. Ou seja, o homem devia ir até Deus através de sacrifícios, para poder estar perto dele era então necessária a intercessão de um sacerdote.

Por ser considerado como o representante de Deus, o sacerdote, no Livro de Levítico, também era considerado como uma espécie de pai, herói, mestre, sábio e até mesmo um arquétipo sugestivo presente no imaginário do povo hebreu, representando então o desejo interior que o povo tinha em vista de um certo aperfeiçoamento, de aprendizagem, de um autoconhecimento. Portanto, o sacerdote é representado como sendo o responsável da união, da renovação, conduzindo o povo com os seus dons e carismas para uma reflexão interior.

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Uma outra questão importante no Livro de Levítico é a que trata do Santuário. Este é considerado um lugar sagrado onde Deus se manifesta para o homem. É no santuário que ocorrem as cerimônias realizadas pelos sacerdotes. E estas são então assistidas pelos fiéis que acorrem a esses locais em peregrinação em datas especiais.

Os santuários no Antigo Testamento, em grande parte, foram construídos em locais elevados, por exemplo, o Monte Horeb. De acordo com Durand (2002, p. 137), a colocação de locais de culto em elevações, por si só, já possui o simbolismo da ligação com as manifestações da divindade, pois “a contemplação do alto dos cimos dá a sensação de uma súbita dominação do universo”.

No entanto, o Tabernáculo ou Tenda da Aliança, no Livro de Levítico, era uma espécie de santuário itinerante, devido, à época, o povo hebreu também ser um povo itinerante, nômade, que vagueava pelo deserto após a sua saída do Egito.

As cerimônias religiosas, narradas no décimo capítulo do Livro de Levítico, são bastante longas e detalhistas quando se referem às funções a serem exercidas pelo sumo sacerdote. De certa forma, são descritas detalhadamente suas ações, como o caso da preparação que deveria acontecer durante os sete dias anteriores, tendo uma vida solitária, fazendo a abstinência de qualquer coisa que pudesse torná-lo impuro ou que viesse a causar desconforto em seu estado mental e espiritual.

Assim, também esses cerimoniais, que não são nem periódicos nem coletivos, suspendem a passagem do tempo profano, a duração, e projetam aquele que os celebra num tempo mítico, in illo tempore. Vimos que todos os rituais imitam um arquétipo divino e que a sua reatualização contínua decorre num só e único instante mítico atemporal (ELIADE, 2001, p. 91).

Quando o dia da expiação chegava, o sacerdote entrava no Santo dos Santos por quatro vezes. Na primeira vez em que entrava, ele trazia o incensário de ouro e o vaso cheio de incenso. Depois de ter entrado, ele depositava o incensário entre as duas extremidades do Santo dos Santos e o incenso sobre os carvões acesos. Para Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 503), o incenso tem a seguinte função:

Está, ao mesmo tempo, na dependência do simbolismo da fumaça e do perfume, como também, das resinas inalteráveis que servem para prepará-lo. As árvores produtoras dessas resinas têm sido tomadas, por vezes, como símbolos do Cristo. O incenso tem a incumbência, pois, de elevar a prece para o céu e, nesse sentido, é um emblema da função sacerdotal: esta é a razão pela qual um dos Reis Magos oferece incenso ao Menino Jesus. O uso do incensamento, que é universal, tem em toda parte o mesmo valor simbólico: associa o homem à divindade, o finito ao infinito, o mortal ao imortal. Evolar-se em fumaça tem, portanto, maior parte das vezes, um sentido mais positivo do que negativo.

O sacerdote, após oferecer o incenso, se retirava andando de costas, pois um dos preceitos é de nunca voltar as costas ao Santo dos Santos. Em sua segunda entrada no Santo dos Santos, o sacerdote levava o sangue do animal que havia sido

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sacrificado e oferecido em expiação pelos seus próprios pecados e pelos pecados dos outros sacerdotes.

Já na terceira vez que o sumo sacerdote adentrava no Santo dos Santos, levava consigo o sangue do carneiro que havia oferecido pelos pecados de toda a nação.

Na quarta vez em que o sumo sacerdote adentrava o Santo dos Santos, este vinha apenas para buscar simplesmente o incensório e o vaso para depositar o incenso. Ao retornar para fora, lavava as mãos e realizava as demais cerimônias do dia, conforme as descrições em Levítico 16, 12.14.15.

O fato de um levita prefigurar como um sacerdote não o torna superior aos demais hebreus, visto que as consagrações sacerdotais não eram fechadas, mas sim, contavam com a participação de todos os hebreus. Os detalhes da cerimônia destacavam a transcendência e superioridade de Deus.

A cerimônia em que se consagravam os sacerdotes era celebrada na presença de todo o povo. Moisés ministrava como sacerdote oficiante. Todos os pormenores da cerimônia assinalam a transcendência de Deus. Ele está com seu povo, porém este não deve tratá-lo com familiaridade. Somente podem aproximar-se dele pelos meios que ele prescreve. O pecado impede aos homens o aproximar-se da presença divina. Os sacerdotes e tudo o que eles empregavam tinham de ser consagrados ao serviço divino. Portanto, Aarão e seus filhos tinham de estar devidamente limpos e ataviados e deviam ter expiado seus pecados antes de assumirem os deveres sacerdotais. O Deus vivente não é uma imagem impotente à qual os homens prestam culto segundo suas ideias. Somente ele é quem determina os "requisitos segundo os quais lhe é possível habitar com seu povo" (HOFF, 1995, p. 77).

No Livro de Levítico, o mito do sacrifício, o ritual de expiação e a imagem do herói estão bem representados através do sacerdote. Imagens do sacerdote como o mediador entre Deus e os homens, em que a cerimônia que oficializa tem um simbolismo que poderia então ser estendido em relação à necessidade de perdão que o homem almeja, sendo que o sacerdote se torna responsável pela intermediação da oferta.

Por outro lado, o ritual do sacrifício no grande Dia das Expiações, como afirma Champlin (2001), tinha por finalidade a comunhão. Os “sacrifícios eram efetuados para estabelecer e ampliar a comunhão do homem com o Divino [...] E os meios de comunhão eram a expiação, as ofertas por pecados e as ofertas por violações” (CHAMPLIN, 2001, p. 27).

O pecado cometido pelos hebreus, em si, não tem poder de afetar Deus. Apenas o desagrada. Portanto, o pecado tem somente consequências ruins para o praticante ou todo o povo em geral. Pois ele, o pecado, tem o poder de romper o canal da graça santificante que emana somente de Deus. Ou seja, Deus não tem contato com coisas impuras ou imperfeitas. E o pecado torna o homem moralmente imperfeito diante de Deus e também dos homens. Portanto, o ato de expiação do

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pecado é também um ato de esvaziamento de si. Ou seja, pelo arrependimento e conversão, o homem se afasta das ações más, pois estas ofendem e desagradam a Deus.

O motivo básico dos sacrifícios é a substituição e seu fim é a expiação. O pecado é sumamente grave porque é contra Deus. Além do mais, Deus "é tão puro de olhos que não pode ver o mal" (Habacuque 1:13). O homem que peca merece a morte. Em seu lugar, morre o animal inocente e esta morte cancela ou retira o pecado. Levítico 17:11 é o texto-chave quanto à expiação: "A alma da carne está no sangue, pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas". Isso quer dizer que Deus designou o sangue como sacrifício, provendo assim para a necessidade do homem. Que significa o sangue? Ele é considerado o princípio vital. Não tem significado em si mesmo senão como símbolo e demonstração de que se tirou a vida de um animal inocente para pagar pelos pecados do culpado. Portanto, o sangue usado na expiação simboliza uma vida oferecida na morte. Ao espargir sangue sobre pessoas ou coisas, mostra-se que a elas se aplicam os méritos dessa morte. Esta possibilidade de alcançar a expiação do pecado mediante um sacrifício substitutivo evidencia a graça divina e constituía o coração da antiga aliança. Sem possibilidade de expiação, a lei permaneceria esplêndida, porém inatingível. Serviria apenas para condenar o homem deixando-o frustrado e desesperado. Se não fosse pelos sacrifícios, ficaria anulada toda a possibilidade de que o homem se aproximasse de Deus, um Deus santo, e o antigo concerto seria uma desilusão. Por mais que o homem se esforçasse por cumprir a lei, fracassaria por sua fraqueza moral. Por isso, enquanto a lei revela as exigências da santidade de Deus, a expiação por meio do sacrifício manifesta a graça divina que cumpre as exigências de Deus. Não há que estranhar-se o ser dito que Levítico apresenta o evangelho revestido de roupagem simbólica (HOFF, 1995, p. 72).

Caro acadêmico, o código de leis e de santidade é a principal característica do Livro do Levítico, que contém ensinamentos sobre as leis do sacrifício, pois cada indivíduo deveria ser puro, e a pureza era então a base da santidade. Ou seja, livre de práticas que ofendem a Deus e que colocam em risco a Aliança. Sendo que é por isso que o rito do sacrifício parecia atender essa necessidade de purificação do povo hebreu. Portanto, o povo hebreu, em seu ato de consagração, deve buscar ser semelhante à natureza de Deus, ou seja, livre de toda a maldade.

À medida que Yahweh antevê a entrada de Israel em Canaã e a conquista da Terra Prometida, Ele descreve o tipo de comportamento que será coerente com Seu caráter santo (25.1–27.34). Os princípios do descanso sabático e do resgate (ou redenção) deveriam governar o uso e a propriedade da terra e da vida humana, pois tanto a terra quanto a vida pertencem a Yahweh (capítulo 25). A promessa das bênçãos da aliança e a ameaça das maldições da aliança eram designadas a motivar Israel à santidade (capítulo 26). A santidade de Yahweh era de tal ordem que mesmo aquilo que fosse votado a Ele acima e além das exigências da aliança não podia ser tratado levianamente (capítulo 27). Esse capítulo, considerado por muitos uma porção deslocada da Escritura, realmente oferece o ápice adequado a essa revelação do caráter santo de Yahweh. Ele é digno de muito mais do que tudo que temos, e o que a Ele alguém consagra, não deveria ser levianamente tomado de volta (GAZZI, 2013, p. 158).

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4 AUTORIA De acordo com muitos pesquisadores, a data em que foi escrito o Livro

de Levítico foi por volta de 1440 a.C. De acordo com Gazzi (2013, p. 139-140), o Patriarca Moisés deve ter composto esse livro logo depois do êxodo, durante os anos de peregrinação e relativa folga em Cades- Barneia. Embora grande parte de seu conteúdo tenha sido recebido diretamente de Deus, sua organização na forma que conhecemos deve ter tido lugar depois da revolta e do castigo de 40 anos no deserto, vividos por “toda a geração daqueles que lhe tinham desagradado com seu mau procedimento”.

Mesmo que as tradições religiosas afirmam que a autoria do Livro de

Levítico pertence a Moisés, muitos pesquisadores atribuem a autoria do livro a um período posterior a Moisés, sendo provavelmente no retorno do povo hebreu do Exílio Babilônico, onde teria acontecido uma certa junção de diferentes lendas mitológicas dos povos do seu conflito com a cultura judaica.

De acordo com Gazzi (2013, p. 141), é dentro da própria constituição

do Pentateuco que encontramos a fundamentação para a autoria mosaica: “A conclusão de que Moisés escreveu Levítico procede do caráter interno do próprio Levítico e do Pentateuco como um todo, além de referências do Antigo e Novo Testamento que apontam Moisés como o autor do Pentateuco”.

Assim, o Livro de Levítico apresenta as palavras de Deus dirigidas a Moisés e ao seu irmão Arão. Porém, o livro não apresenta quando e como essas palavras foram escritas.

5 CONTEÚDO E ESTRUTURA DO LIVRO

O conteúdo do Livro de Levítico versa sobre as ofertas a serem apresentadas no templo. Em que os sacrifícios foram então instituídos como meios pelos quais o povo hebreu pudesse manifestar a sua adoração a Deus.

O holocausto destacava-se entre as ofertas porque era inteiramente consumido pelo fogo do altar; era considerado o mais perfeito dos sacrifícios. Conquanto tivesse o aspecto expiatório, representava antes de tudo a consagração do ofertante, pois a vítima era queimada inteira para o Senhor. O termo "holocausto" significa "o que sobe", visto que o material sacrificado se transformava em outro, o fumo e as chamas, que subiam a Deus como cheiro suave. Naturalmente os israelitas reconheciam que isto não servia de alimento para Deus, e que Deus não necessitava de alimento; além do mais, era o Senhor quem os alimentava com o maná. De modo que a expressão "cheiro suave ao Senhor" é a maneira humana de dizer que Deus se agrada da oferta. Talvez o apóstolo Paulo aludisse ao holocausto quando exortava os crentes a apresentarem seus corpos em sacrifício vivo (Romanos 12:1). À semelhança do holocausto, quando o crente se consagra inteira e alegremente ao Senhor, o fogo divino transforma seu ser a fim de que suba ao céu o aroma de seu sacrifício (HOFF, 1995, p. 73).

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Havia as ofertas pacíficas, que eram consumidas em parte pelo sacerdote e em parte pelo fiel ofertante, mostrando então a comunhão com o Deus. A oferta de manjares que se constituíam de farinha, pães ou grãos, representando a oferta de uma dádiva ao Senhor de tudo, que eram ofertados em reconhecimento à sua bondade. A oferta de manjares era uma oferta de tributos feita a fim de garantir ou manter os favores de Deus, indicando que os frutos do trabalho de uma pessoa devem ser dedicados a Deus; a oferta pelo pecado, em que, por meio dela, o israelita manifestava a sua tristeza ou o seu arrependimento do pecado que cometera e o desejo de obter o perdão e alcançar a purificação; a oferta pela culpa, que era ofertada no caso de ofensas que exigissem a restituição.

Todas as manhãs e todas as tardes diante do tabernáculo se oferecia um cordeiro em holocausto para que Israel se lembrasse de sua consagração a Deus (Êxodo 29:38-42). Da mesma maneira convém que renovemos nossa consagração diariamente. Permitia-se que os pobres oferecessem pombas ou rolas em lugar de animais de gado, de sorte que todos pudessem demonstrar sua consagração. Era tão grato a Deus o odor que subia da ave oferecida pelo pobre como o do novilho sacrificado pelo rico (HOFF, 1995, p. 73).

Além das formas de ofertas, o Livro de Levítico também apresenta estruturas de leis que eram referentes ao sacerdócio, como podemos constatar nos capítulos 8 a 10, em que é apresentada a consagração de Arão, de seus filhos e a sua iniciação no ofício sacerdotal.

Eram também apresentadas leis referentes à purificação, em que para a

santificação da nação de Israel eram envolvidas as leis de alimento santo; corpos santos; lares santos; costumes santos; santidade renovada anualmente; culto santo; moralidade santa; costumes e vestuários santos.

A oblação ou oferta de alimento: Capítulos 2:1-16; 6:14-23. A palavra traduzida por "oblação" significa em hebraico "aproximação"; pois o crente deve trazer uma oferta ao aproximar-se de Deus. A oblação não era um sacrifício de animal; consistia em produtos da terra que representavam o fruto dos labores humanos: incluíam flor de farinha, pães ázimos fritos e espigas tostadas. Provavelmente não era apresentada sozinha, mas acompanhada dos sacrifícios pacíficos ou de holocaustos (Números 15:1-16). Uma porção pequena era queimada sobre o altar e o restante pertencia aos sacerdotes, salvo quando o sacerdote era o ofertante (em tal caso esse restante era queimado) (HOFF, 1995, p. 73).

Também são constantes as prescrições de leis referentes às festas, como o dia de sábado, que era considerado o dia da festa semanal dos hebreus, no qual descansavam de todos os seus trabalhos e se reuniam para o culto. Segundo Champlin (2001, p. 535), havia três festas anuais:

Páscoa observada em combinação com a festa dos pães ázimos. Pentecostes também chamada festa das semanas ou da colheita. Veio a ser associada à outorga da lei, embora aparentemente tivesse uma forma mais antiga como uma festa da colheita. Tabernáculo, tempo para relembrar a difícil vida de Israel no deserto, quando tiveram que habitar em tendas, lembrando como a Providência cuidara deles. O dia da

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expiação não figurava entre as festas que requeriam a presença de todos os israelitas em Jerusalém. Mas tornou-se, afinal, a mais importante das observâncias de Israel.

Por outro lado, o Dia da Expiação não era uma festividade alegre, pois se tratava de um jejum, de um descanso solene, de confissão dos pecados, arrependimento e reconciliação do indivíduo e da comunidade com a divindade.

Também no Livro de Levítico encontram-se quatro conjuntos de leis

referentes à terra, como o ano do descanso; o ano do jubileu; a recompensa e o castigo; os votos. Dentre eles, chama atenção especial o ano do jubileu, pelos seus objetivos e propósitos.

O ano do jubileu era um ano sabático celebrado a cada 50 anos, a começar do Dia da Expiação. Nesse ano, dava-se então à terra o descanso do cultivo; todas as dívidas eram perdoadas, todos os escravos hebreus eram postos em liberdade e todas as propriedades eram restituídas aos seus proprietários primitivos.

O propósito principal de se celebrar o ano do jubileu era o de evitar a escravidão eterna dos pobres e a acumulação de riquezas pelos ricos.

Veja a seguir o quadro demonstrativo de atos e prescrições dentro do Livro de Levítico, segundo Gazzi (2013).

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DISCRIMINAÇÃO CAPÍTULO E VERSÍCULO

I. A descrição do sistema de sacrifícios 1.1-7.38

Os holocaustos 1.1-17

As ofertas de manjares 2.1-6

Os sacrifícios de paz ou das graças 3.1.17

A expiação do pecado 4.1-5.13

O sacrifício pelo sacrilégio 5.14-6.7

Outras instruções 6.8-7.38II. O serviço dos sacerdotes no santuário 8.1-10.20

A ordenação de Arão e seus filhos 8.1-36

Os sacerdotes tomam posse 9.1-24

O pecado de Nadabe e Abiú 10.1-11

O pecado de Eleazar e Itamar 10.12-20III. As leis das impurezas 11.1-16.34

Impurezas dos animais 11.1-47

Impurezas do parto 12.1-8

Impurezas da pele 13.1-14.57

Impurezas de emissão 15.1-33.

Impurezas morais 16.1-34

IV. O código de santidade 17.1-26.46

Matando por alimento 17.1-16

Sobre o ser santos 18.1-20.27

Leis para sacerdotes e sacrifícios 21.1– 22.33

Dias santos e festas religiosas 23.1-44

Leis para elementos sagrados de louvor 24.1-9

Punição pelo pecado de blasfêmia 24.10-23

Os Anos do Descanso e do Jubileu 25.1-55

Bênçãos por obediência e punição por desobediência 26.1-46

V. Ofertas para o santuário 27.1-34

QUADRO 3 – OS SACRIFÍCIOS NO LIVRO DE LEVÍTICO

FONTE: Gazzi (2013)

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6 GÊNERO LITERÁRIO Em suas características literárias, o Livro de Levítico é quase que

exclusivamente uma literatura legal. De acordo com Gazzi (2013), o livro, em quase a sua totalidade, contém regulamentos sobre os aspectos rituais da vida de Israel, não somente os ligados ao culto, mas também regulamentos que lidavam com situações da vida cotidiana dos hebreus e também da sua influência sobre a participação do indivíduo ou de um grupo na adoração à prescrita de Deus. O Livro de Levítico, assim como o Livro de Êxodo, inclui tanto leis apodícticas (o capítulo 19 é o principal exemplo) quanto casuísticas (o capítulo 13 é um exemplo marcante deste tipo de legislação). Sobre os códigos legais do Levítico, nas palavras de Gazzi (2013, p. 142) temos:

Archer oferece evidências arqueológicas da natureza e forma dos códigos legais do segundo milênio a.C. na Fenícia e na Mesopotâmia, as quais indicam a necessidade de aceitar uma autoria mosaica para Levítico, em vez de postular fontes mais recentes como o código H (de Holiness, “santidade”) e P (de Priestly, “sacerdotal”).

De acordo com Gazzi (2013), um artifício literário interessante no Livro de Levítico é a descrição das diversas formas de sacrifício, seguida pela legislação referente à sua execução, quando o mais esperado seria que a forma e a função para cada tipo de oferta fossem dadas em conjunto:

[...] as fórmulas introdutórias para seções específicas do livro é outro traço literário marcante dele. Assim, nos capítulos 1 a 3, a expressão qorḇān (“oferta”) é predominante; nos capítulos 4 e 5 (até 6.7 na versão portuguesa), a expressão-chave é wenislaḥ (“e ser-lhe-á perdoado”). Nos capítulos 6 a 17 (a partir de 6.8 em português), a fórmula mais usada é zōʾṯ ṯôraṯ (“esta é a lei de”), e por fim, nos capítulos 18 a 26, o indicador literário comum é a frase ʾăn’ yhwh ʾĕlōheyḵā (“Eu sou o Senhor teu Deus”) (GAZZI, 2013, p. 143).

Assim, a presença de tais fórmulas literárias em Levítico, segundo Gazzi (2013), de forma alguma deve ser entendida como uma prova de diferentes fontes literárias do livro ou de documentos não mosaicos.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Caro acadêmico, neste tópico vimos que:

• Nos capítulos 1 a 7 do Livro de Levítico são apresentadas as oferendas ou ofertas exigidas, os rituais e sacrifícios que deveriam ser ofertados pelos hebreus e seus sacerdotes.

• Nos capítulos 8 a 10 é narrada a consagração de Arão e de seus filhos para serem os sacerdotes do povo hebreu e oficiarem os rituais religiosos de sacrifícios e de oferendas.

• Nos capítulos 11 e 16 são apresentadas instruções acerca dos vários tipos de impureza. E no restante dos capítulos estão presentes orientações estabelecidas por Deus para o povo hebreu, a fim de que praticasse a santidade.

• O tema central do Livro de Levítico é a santidade. Ou seja, a insistência de Deus para que o povo hebreu fosse um povo santo está fundamentada na própria natureza de Deus, que é de pura santidade.

• Um outro tema que é correspondente ao tema da santidade do povo hebreu é o tema de expiação dos pecados. Ou seja, a santidade do povo hebreu deve ser mantida na presença de Deus. E essa santidade só pode ser alcançada através de expiações dos pecados.

• Os capítulos 8 e 10 do Livro de Levítico apresentam que o pecado deve ser expiado a partir da oferta de sacrifícios específicos.

• O capítulo 16 descreve o Dia da Expiação, neste dia um sacrifício anual é feito pelo pecado cumulativo de todas as pessoas. Além disso, o povo de Deus deve ser discreto na sua vida pessoal, moral e social, em contraste com as práticas atuais e pagãs ao seu redor (capítulos 17-22).

• Muitas festas foram instituídas como sendo a adoração do povo hebreu ao seu Deus. Essas festas foram então reunidas e praticadas mediante as prescrições das leis estabelecidas pelo próprio Deus de Israel.

• As bênçãos e as maldições se perfazem quando da obediência ou rebelião aos mandamentos de Deus, como podemos constatar no capítulo 26, sendo então o livro encerrado no capítulo 27, apresentando os votos que devem ser apresentados ao Senhor.

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AUTOATIVIDADE

1 Em que sentido teológico o povo hebreu é apresentado como sendo um povo sacerdotal no Livro de Levítico?

2 Qual é o propósito geral do Livro do Levítico?

3 Qual é a principal característica do Livro de Levítico?

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TÓPICO 2

A LEI DA PEDAGOGIA DIVINA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

O Livro de Números apresenta o registro da peregrinação do povo hebreu em sua caminhada no deserto, depois do êxodo do Egito rumando então à Terra Prometida, sendo um diário dos primeiros dias da aliança entre Deus e os hebreus. O nome hebraico do livro tem por significação “No deserto”, significado esse que é tirado do primeiro versículo desse livro. O Livro de Números apresenta de forma bem destacada a rebelião do povo hebreu e as provações que esse povo enfrentou durante a sua caminhada pelo deserto. O nome de “Números” tem sua origem da tradução grega do Antigo Testamento, que é o referente ao recenseamento do povo hebreu que é mencionado nos capítulos 1 e 26 desse livro.

A expressão “O Senhor falou a Moisés” está presente em todos os capítulos

desse livro, o que levou estudiosos a entenderem que a autoria desse livro é mosaica. O Livro de Números, na sua primeira parte, revela a fidelidade e a misericórdia de Deus perante a rebeldia dos hebreus em obedecer e seguir as suas leis.

As narrativas presentes no livro, de cunho histórico, explicam a presença

dos hebreus na terra de Canaã, servindo então como um livro de continuação do que foi prescrito nos livros de Êxodo e de Levítico, como também de fazer uma ligação entre as leis dadas no Sinai e a chegada e ocupação da Terra Prometida.

O Livro de Números apresenta uma forma de um treinamento divino para

que um certo povo, formado por ex-escravos, se tornasse a nação de sacerdotes forjada na aliança entre Deus e os hebreus, como pode ser conferido no Livro do Êxodo no capítulo 19.

De certa forma, Deus fez o uso das dificuldades que o povo enfrentou no

deserto para que o povo hebreu se acostumasse às batalhas que enfrentaria na conquista da terra prometida, que fora prometida a eles pelo próprio Deus, e que para isso, se organizasse em um exército ordenado para enfrentar os diferentes povos.

O livro narra também a sofrida experiência de se desobedecer às ordens

do seu Deus Redentor, servindo então como um material didático para as futuras gerações de hebreus que eles sucederão.

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

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2 O LIVRO DOS NÚMEROS

Caro acadêmico, o Livro de Números deve ser entendido como uma continuação da história relatada no Livro de Êxodo. Depois de uma estadia que durou por aproximadamente 40 anos no deserto, de acordo com as tradições religiosas cristãs e judaicas, sendo esse o período durante o qual Deus estabeleceu seu pacto com o povo hebreu, Deus deu a Moisés a lei, e o modelo do Tabernáculo instruiu-o a respeito do conteúdo do Livro de Levítico.

Também de acordo com Paul Hoff (1995), a nomenclatura desse livro se refere exclusivamente aos dois censos dos hebreus que foram realizados no deserto. Porém, segundo o autor, o título desse livro em hebraico corresponde melhor às características desse livro, pois ele narra fatos que aconteceram no deserto até a chegada do povo hebreu às portas da terra prometida, como melhor está referenciado no Livro de Deuteronômio.

O título vem da versão grega. Denominou-se Números porque se registram dois recenseamentos: no princípio e no capítulo 26. Contudo, um dos títulos hebreus, Bedmidhbar (no deserto), reflete melhor o caráter do livro, pois relata a história das peregrinações de Israel desde o Sinai até a chegada à margem esquerda do rio Jordão. Abarca um espaço de quase trinta e nove anos e forma um elo histórico entre os livros de Êxodo e de Josué (HOFF, 1995, p. 88).

Os hebreus então se prepararam para continuar sua viagem à terra prometida, terra que Deus prometera outrora aos descendentes de Abraão, Isaque e Jacó. Antes de partirem do Monte Sinai, Deus mandou Moisés numerar todos os homens aptos para a guerra (Nm 1, 2.3), sendo que 19 dias após, o povo hebreu partiu numa curta viagem para Cades-Barneia (Nm 10, 11).

O censo realizado teve por finalidade contar os homens hebreus que estavam aptos a servirem para a guerra contra os povos que seriam hostis à passagem de Israel. O censo não tinha apenas por finalidade contar os homens hábeis para a luta, mas sim organizar e estruturar um exército que seria hábil.

1 — 1Iahweh falou a Moisés, no deserto do Sinai, na Tenda da Reunião, no primeiro dia do segundo mês, no segundo ano após a saída da terra do Egito. Disse: 2"Fazei o recenseamento de toda a comunidade dos filhos de Israel, segundo os clãs e segundo as casas patriarcais, alistando os nomes de todos os homens, cabeça por cabeça. 3Todos aqueles em Israel, de vinte anos para cima, hábeis para ir à guerra, tu, e Aarão os registrareis segundo os seus esquadrões. 4Estará convosco um homem de cada tribo, os chefes das casas patriarcais (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Números, 1, 1-3).

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TÓPICO 2 | A LEI DA PEDAGOGIA DIVINA

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FIGURA 23 – A SAGA DO POVO HEBREU NO DESERTO DO SINAI

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-4CTIrzmyKkI/T3O5GHsLTmI/AAAAAAAACXQ/77ozabHjpBo/s1600/MOIS%C3%89S+NO+DESERTO>. Acesso em: 24 abr. 2017.

Segundo Hoff (1995), o livro apresenta a história da peregrinação do povo hebreu pelo deserto, as leis que foram dirigidas ao povo hebreu para que fossem observadas durante essa peregrinação. De acordo com a relação entre esses três últimos livros que compõem o Pentateuco, cabe ao Livro de Números ser o livro que apresenta o aprendizado do povo hebreu depois que este recebeu as leis em Êxodo e em Levítico. Ou seja, em Números o povo da Aliança coloca em prática a lei recebida a partir de suas experiências de vida no deserto.

Números é uma miscelânea de três espécies: acontecimentos históricos da peregrinação de Israel no deserto; leis para Israel, de caráter permanente; e regras transitórias válidas para os hebreus até que chegassem a Canaã. A história e as leis vão misturadas em partes aproximadamente iguais em extensão. As exigências das situações vividas davam origem a novas leis. Considera-se que Números está enfocado para os aspectos de serviço e conduta. Myer Pearlman observa: "Em Êxodo vimos Israel redimido; em Levítico vimos Israel em adoração; e agora em Números vemos Israel servindo". Em outras palavras, nos livros de Êxodo e Levítico vemos os ensinos de Deus e em Números vemos Israel aprendendo-os (HOFF, 1995, p. 88).

De acordo com Hoff (1995), o livro pode ser considerado puramente humano. Apresenta o fracasso dos hebreus em querer cumprir os planos que Deus propusera a eles. E que mesmo às portas da terra prometida, não passara de um povo de escravos dependentes. Rejeitaram a fé, murmurando sua saudade dos tempos em que viviam no Egito. Quando o povo perde a fé e rejeita a seu Deus, passa então a caminhar errante pelo deserto por mais ou menos 38 anos, conforme o livro relata. Sendo isso resultado de sua rebeldia contra Deus. E do esquecimento dos grandes feitos que esse mesmo Deus fizera aos seus antigos pais no passado, conforme é relatado no livro do Êxodo.

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Não obstante, Números relata detalhadamente só a história do primeiro e a do último, pois nos anos intermediários de apostasia nada aconteceu de valor religioso permanente. É uma história trágica de falta de fé, de queixas, murmurações, deslealdade e rebelião. Como consequência, quase toda a geração que havia presenciado as maravilhas do livramento do Egito pereceu no deserto sem entrar na terra prometida. Somente três homens, Moisés, Josué e Calebe, sobreviveram até o fim do relato do livro. E somente dois dos três, Josué e Calebe, entraram em Canaã (HOFF, 1995, p. 88).

O Livro de Números registra, portanto, a rebelião do povo hebreu em Cades, e também seus 39 anos seguintes de julgamento no deserto, até que Deus passou então a conduzir toda uma nova geração de hebreus pelas planícies de Moabe, situadas às margens do rio Jordão no lado oposto da região de Jericó e à terra que fora a eles prometida.

Por outro lado, Deus levantou uma nova geração de hebreus, instruídos nas leis divinas e preparados para a conquista de Canaã. A vida selvagem e incerta da peregrinação no deserto desenvolveu neles uma personalidade distinta da do homem escravo. Acostumaram-se à dureza, a suportar a escassez de alimento e de água, ao perigo contínuo de um ataque súbito dos povos do deserto. No final do livro, os israelitas haviam chegado à margem do Jordão e estavam preparados para tomar posse de Canaã (HOFF, 1995, p. 88).

Tradicionalmente é aceito que o livro descreve as peregrinações de Israel durante os quase 40 anos depois do estabelecimento da aliança no Monte Sinai, porém o Livro de Números não faz alusão alguma a esse fato. De certa forma, os 38 anos e meio que Israel passou entre a incredulidade em Cades e as planícies de Moabe não são considerados na história da revelação divina a Israel. Como podemos concluir a partir da seguinte afirmação de Gazzi (2013, p. 161):

Números serve ao propósito de demonstrar como Deus age em fidelidade para com a sua aliança, apesar da resistência obstinada do povo escolhido. O decreto divino de conceder a terra de Canaã a Israel será cumprido, ainda que seja (sob a ótica humana) retardado pela incredulidade e infidelidade da própria nação.

Assim, de acordo com Gazzi (2013), o Livro de Números nos apresenta como Deus usou o deserto para preparar uma geração que estaria disposta a confiar nele e cumprir sua vontade em plena dependência e confiança a Ele.

O discurso de Josué e Calebe, em Números 14, 7-9, é o resumo do conteúdo

desse livro.

7Disseram a toda a comunidade dos filhos de Israel: "A terra que fomos explorar é boa, é uma terra excelente. 8Se Iahweh nos é propício, ele nos fará entrar nesta terra e no-la dará. É uma terra que mana leite e mel. 9Tão-somente não vos rebeleis contra Iahweh. Não tenhais medo do povo daquela terra, pois os devoraremos como um bocado de pão. A sua sombra protetora lhes foi tirada, ao passo que Iahweh está conosco. Portanto, não tenhais medo deles" (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Números, 14, 7-9).

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Portanto, Deus se agradou de um povo que não se agradou dele, e que então, por essa razão, perdeu o privilégio de ver cumprida a promessa em sua geração, de entrar na Terra Prometida.

3 COMPOSIÇÃO Caro acadêmico, de acordo com muitos exegetas, a narrativa do Livro de

Números abrange um período de 38 anos, que vai de 1512 a 1473 a.C. O livro em seu conjunto descreve os acampamentos das tribos dos hebreus

(1, 52.53), a ordem de marcha (2, 9; 16; 17; 24; 31) e os sinais de toque da trombeta para toda a assembleia e para o acampamento (10, 2-6).

...52Os filhos de Israel acamparão cada um no seu próprio acampamento, junto de sua insígnia, segundo os seus exércitos. 53Os levitas, porém, acamparão ao redor da Habitação do Testemunho. Deste modo a Ira não se manifestará contra a comunidade dos filhos de Israel. E os levitas assegurarão o serviço da Habitação do Testemunho."[...] 9Os recenseados do acampamento de Judá, segundo seus esquadrões, são ao todo cento e oitenta e seis mil e quatrocentos. Esses serão os primeiros a levantar o acampamento. [...] 2"Faze para ti duas trombetas; tu as farás de prata batida. Servir-te-ão para convocar a comunidade e para dar o sinal de partida aos acampamentos. 3Quando ambas soarem, toda a comunidade se reunirá junto de ti, à entrada da Tenda da Reunião. 4Mas se soar apenas uma das trombetas, serão os príncipes, os chefes dos milhares dos filhos de Israel que se reunirão junto de ti. 5Quando o soar da trombeta for acompanhado de aclamações, partirão os acampamentos estabelecidos ao oriente. 6Ao soarem, pela segunda vez, acompanhados de aclamações, partirão os acampamentos estabelecidos ao sul. Para a partida, o soar será acompanhado de aclamações (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Números, 1, 52-53; 2, 9; 10, 2-6).

Nesse livro, segundo os exegetas, são dadas ordens, como: o uso de trombetas (10, 9); a separação das cidades para os levitas (35, 2-8); as ações contra qualquer forma de idolatria e sobre os cananeus (33, 50-56); a escolha das cidades para o refúgio; instruções de como lidar com homicidas (35, 9-33); e leis sobre as heranças e sobre os casamentos (27, 8-11; 36, 5-9).

Assim, o Livro de Números pode ser dividido em três partes principais: no Sinai (1, 1-10); no deserto de Cades-Barneia (10, 11-22); e nas planícies de Moabe (22, 2-36). Hoff dá uma explicação plausível sobre o porquê da necessidade de se fazer um recenseamento do povo hebreu.

Os problemas que a viagem de uma numerosíssima multidão acarreta em seu percurso através do deserto são maiores do que se possa imaginar. Era preciso organizar bem as tribos e estabelecer a lei e a ordem, tanto no acampamento como durante a caminhada. O primeiro passo para organizar Israel era levantar um recenseamento. Por que se realizou o censo? Os israelitas iam conquistar Canaã e era necessário arrolá-los e prepará-los para a guerra. O serviço militar era obrigatório em Israel, quase sem exceções, a partir dos vinte anos e para cima. O

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censo das doze tribos apresentou a cifra de 603.550 homens de guerra, sem incluir os levitas. Por suas funções sagradas no santuário, os levitas estavam isentos do serviço militar. Constituíam uma guarda especial do tabernáculo. Eram contados não a partir dos vinte anos de idade, mas de um mês para cima. O segundo censo, feito ao terminar a peregrinação no deserto, dá-nos uma cifra um pouco menor que aquela do primeiro censo (26:51), o que indica que os rigores da viagem no deserto e a disciplina divina impediam Israel de continuar crescendo numericamente como havia crescido no Egito (HOFF, 1995, p. 89).

Os capítulos 10, 11 — 12, 16 narram a viagem dos hebreus a partir do Sinai em direção a Cades-Barneia. Nesse quadro, Hoff aponta que o livro faz menção a uma multidão de hebreus. Cada tribo organizada em sua posição com suas insígnias. Moisés faz a escolha de seu cunhado para ser o guia, pois este conhece bem as rotas do deserto a ser percorrido por essa imensa caravana.

Que quadro impressionante! Israel, uma nação de mais de duas milhões de pessoas, começou a marcha em perfeita ordem militar, cada tribo em seu posto, as bandeiras no alto e todos conduzidos pela nuvem. Moisés convidou seu cunhado para ser o guia de Israel. Hobabe conhecia bem o deserto e sabia onde estavam os mananciais, os oásis e os melhores lugares para acampar. Mas, por que Israel necessitava de um guia se a nuvem já vinha realizando esse trabalho? [...] O convite mencionava dois motivos pelos quais Hobabe devia unir-se a Israel: "E te faremos bem; porque o Senhor falou bem sobre Israel", e "de olhos nos servirás". A primeira apelava para o próprio interesse de Hobabe, e a segunda para seu desejo de ser útil, de fazer algo grande para o bem de outros (HOFF, 1995, p. 92).

No decorrer do capítulo 11, já percorrendo o deserto, são destacadas as murmurações do povo hebreu contra Deus, pelo fato de estarem sofrendo no deserto. Hoff em sua obra resume melhor o descontentamento do povo contra Deus, que esquecera rápido o portentoso resgate que Deus fez quando este estava em situação de escravidão no Egito.

Dentro em breve Israel desviou seu olhar de Deus e começou a queixar-se no deserto. Sem dúvida os hebreus sofriam por causa do sol abrasador, das privações e dos perigos, mas, era isso escusa para ingratidão, irritação e espírito rebelde? Quão depressa se esqueceram da dura escravidão do Egito e do milagroso livramento operado por Deus! Encontra-se em parte a causa do descontentamento, lendo-se 11:4: "E o vulgo" (a Bíblia de Jerusalém o traduz "a turba") seriam os asiáticos sujeitos à servidão como os hebreus. Aproveitaram a ocasião do êxodo para escapar do Egito (Êxodo 12:38). [...] As murmurações descritas em Números são oito. Começam nesta seção com queixas nos extremos do arraial, depois lamentações no próprio acampamento, e finalmente críticas da parte dos líderes mais fidedignos, Aarão e Miriã. Cada vez se destaca Moisés como o intercessor abnegado (HOFF, 1995, p. 93).

Hoff destaca que no capítulo 12 as críticas de Miriã e Aarão contra Deus e Moisés, por causa de seus descontentamentos, não levaram em conta a amizade de que Moisés dispunha em relação a Deus. Mesmo com as intrigas, injúrias e críticas, Moisés não se distraiu de sua missão. Pois sabia que tudo seria resolvido, devido

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à enorme confiança que este tinha em Deus. O próprio Deus por causa das queixas acaba advertindo Miriã e Aarão a respeito de sua predileção por Moisés.

É muito desagradável a um líder encontrar deslealdade entre seus seguidores, mas gravíssimo quando os desleais são os subalternos mais chegados a ele. Diz-se que Miriã foi a instigadora da crítica, pois somente ela foi castigada (12:10). Embora Miriã e Aarão falassem contra Moisés por causa da mulher estrangeira com quem ele se casara, o motivo verdadeiro encontra-se em 12:2. Não estavam contentes com ocupar o segundo posto em Israel; à semelhança de muitos perturbadores, esqueceram-se de que Deus os escutava. Moisés era muito humilde e não se defendeu. Estava tão ocupado servindo a Deus que não prestou atenção aos ataques desferidos contra ele próprio. Sempre se manifestou zeloso por defender a honra do Senhor, mas deixava que Deus vingasse a sua causa. Primeiro o Senhor falou no tabernáculo a Aarão e a Miriã indicando-lhes que Moisés era superior a todos os demais profetas (12:6-8). O grande líder era "fiel em toda a minha casa", ou seja, em governar a nação escolhida. Deus não falou por meio de visões ou sonhos como falava a outros profetas, mas falou-lhe "cara a cara", isto é, com intimidade, como um amigo fala a outro (Êxodo 33:11). Somente Moisés viu a "semelhança do Senhor" não como uma forma divina, mas como "alguma evidência inequívoca de sua presença gloriosa"4 (Êxodo 33:20-23), pois Deus é espírito, invisível e sem forma (Deuteronômio 4:12, 15; João 1:18; Colossenses 1:15). A seguir Deus feriu Miriã com a lepra. A intercessão de Moisés foi recompensada com a cura de Miriã, porém ela teve de ser expulsa do arraial por sete dias, como uma advertência de quão grave é criticar os servos do Senhor (II Pedro 2:10-12; Salmo 105:15; Hebreus 13:7) (HOFF, 1995, p. 92-93).

Os capítulos 22 a 25 retratam a história e a missão do profeta Balaão. Hoff (1995) afirma que Balaão fora um profeta pagão, pois este não prefigurava como sendo um hebreu. E seus métodos religiosos não condiziam com os praticados pelos hebreus, mesmo que ele, de certa forma, tivesse algum conhecimento sobre Deus.

Quem é Balaão? Balaão era de Petor, na Mesopotâmia, perto do rio Eufrates (22:5). Seus poderes sobrenaturais eram altamente estimados pelos moabitas e pelos midianitas (22:6). É um dos mais misteriosos e estranhos personagens da Bíblia. Era profeta de Deus ou meramente um adivinho em cuja boca o Senhor colocou suas palavras? Tinha certa comunhão com Deus (22:8-12), sabia algo da justiça divina (Miquéias 6:5), e algo sobre a vida além-túmulo (23:10), ouvia os ditos de Deus, via "a visão do Todo-poderoso" (24:4), e não falaria o que Deus não lhe dissesse (22:18). Por outro lado, parece que às vezes buscava agouros ou sinais a respeito do futuro (24:1). Daí se infere que tinha dom de profecia, mas seu conhecimento de Deus estava obscurecido, em certa medida, pelos conceitos pagãos (HOFF, 1995, p. 97).

De acordo com Hoff (1995), nos capítulos 23 e 24 é demonstrado que o profeta Balaão profetizou quatro vezes prognosticando a prosperidade futura de Israel e a destruição de seus inimigos. As profecias de Balaão são as seguintes:

Israel não era apenas uma nação entre outras muitas nações, mas "um povo que habita à parte" (Bíblia de Jerusalém). Gozaria da grande bênção de ter uma descendência numerosa (23:7-10). Deus é imutável

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e não muda de ideia como o fazem os homens, portanto abençoaria a Israel dando-lhe força irresistível para derrotar seus inimigos. Deus não via o mal em Israel, pois via os israelitas através do pacto, e as maldições e adivinhações não surtiriam efeito contra o seu povo (23:18-24). Os crentes podem lançar mão das promessas de Números 23:21 e 23. Deus vê seu povo não tal como é, mas através da justiça provida por seu Filho. Com os justos as maldições dos espíritas e adivinhos não têm poder. Israel se estenderia amplamente e obteria domínio irresistível sobre as nações inimigas (24:3-9). Levantar-se-ia em futuro longínquo um rei brilhante em Israel que conquistaria Moabe e Edom. Amaleque seria arruinado eternamente e inclusive a Síria pereceria (24:15-24). A quem se refere a "estrela que procederá de Jacó" e o "cetro que subirá de Israel"? Muitos estudiosos da Bíblia creem que o rei Davi cumpriu esta profecia, pois ele conquistou Moabe e Edom (II Samuel 8:2, 14). Outros estudiosos julgam que a profecia se refere primeiro a Davi e depois ao Messias, Jesus Cristo. Neste contexto a "estrela" significa um governador brilhante. Comenta uma nota da Bíblia de Jerusalém: "A estrela é, no antigo Oriente, sinal de um Deus e, por consequência, de um rei divinizado." Através dos séculos a igreja cristã tem interpretado a profecia como messiânica (HOFF, 1995, p. 97-98).

O capítulo 25 do Livro de Números contém o ensino de Balaão. Mostra que ele tentou induzir Israel à idolatria, a fim de que recaísse em castigo por parte de Deus. Então ele trama com Balaque a fim de conseguir o seu intento. Balaão representa aqueles profetas que usam do seu dom não para servir a Deus e ao povo, mas garantindo para si prazeres e facilidades. Hoff nos dá mais detalhes do que queria Balaão e o que ele teologicamente representa.

O ensino de Balaão: Capítulo 25. Ao fracassar em seu intento de prejudicar a Israel mediante a maldição, Balaão recorreu a outro estratagema. Aconselhou Balaque a induzir os israelitas a participar das festas religiosas dos midianitas e a cometer fornicação com eles (Apocalipse 2:14). Sabia que Deus julgaria essa falta de santidade e assim Balaão conseguiria seu propósito perverso. A ação enérgica de Finéias deteve a mortandade resultante e conseguiu para ele e seus descendentes a promessa do sumo sacerdócio.a) Balaão representa o crente que cumpre a letra da lei, mas viola seu espírito. Não falaria o que Deus não lhe dissesse, mas queria fazer o mal. Quis que Deus mudasse de ideia e lhe permitisse fazer sua própria vontade. Então, não podendo amaldiçoar ao povo de Deus por palavra, procurou prejudicá-lo ensinando os midianitas a colocar tropeços diante deles.b) Balaão é uma amostra do profeta mercenário que deseja negociar com seu dom: "Amou o prêmio da injustiça" (II Pedro 2:15).c) Balaão, em seu trato com os midianitas, exemplifica a má influência dos mestres insinceros que procuram fazer avançar a causa da igreja aconselhando-a a fazer aliança com o mundo e os mundanos (31:16; Apocalipse 2:14).d) O relato de Balaão ilustra quão vazio é em uma pessoa o conhecimento de Deus se não estiver acompanhado do sincero desejo de obedecer-lhe. Balaão desejava morrer a morte dos retos, mas não queria viver uma vida reta. Em consequência, morreu nas mãos dos israelitas na guerra contra Midiã (31:8).e) Ensina-nos que nada pode prevalecer contra os propósitos de Deus nem contra seu povo. Além disso, Deus faz que a ira do homem o louve (Salmo 76:10) (HOFF, 1995, p. 98).

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Os capítulos 26 a 36 narram os preparativos feitos por Moisés ao povo hebreu, visto que este estava prestes a entrar na terra de Canaã e partilhá-la. Nesses capítulos seguintes são narrados um novo recenseamento e a escolha de um sucessor para Moisés. Foram também elaboradas leis referentes à partilha de herança e regras quando da ocupação da terra de Canaã.

A geração que havia sido contada no primeiro recenseamento já havia morrido, com exceção de Moisés, Josué e Calebe. Os israelitas fizeram novas listas por motivos militares e em preparação para a partilha de Canaã. O segundo recenseamento indicou que o número total dos israelitas não havia diminuído muito. Havia dois mil homens menos que no primeiro censo levantado havia trinta e nove anos (HOFF, 1995, p. 99).

1Vieram então as filhas de Salfaad. Este era filho de Héfer, filho de Galaad, filho de Maquir, filho de Manassés; era dos clãs de Manassés, filho de José. Estes são os nomes das suas filhas: Maala, Noa, Hegla, Melca e Tersa. 2Apresentaram-se diante de Moisés, diante de Eleazar, o sacerdote, diante dos príncipes e de toda a comunidade, à entrada da Tenda da Reunião, e disseram: 3"Nosso pai morreu no deserto. Não era do grupo que se formou contra Iahweh, do grupo de Coré; morreu pelo seu próprio pecado e sem ter filhos. 4Por que haveria de desaparecer o nome do nosso pai do seu clã? Visto que ele não teve filhos, dai-nos uma propriedade no meio dos irmãos do nosso pai." 5Moisés levou o caso delas diante de Iahweh 6e Iahweh falou a Moisés. Disse: 7"As filhas de Salfaad falaram corretamente. Dar-lhes-ás, portanto, uma propriedade que será a herança delas no meio dos irmãos de seu pai; transmitirás a elas a herança do pai. 8Falarás, então, aos filhos de Israel: Se um homem morrer sem deixar filhos, transmitireis a sua herança à sua filha. 9Se não tiver filha, dareis a sua herança aos seus irmãos. 10Se não tiver irmãos, dareis a sua herança aos irmãos de seu pai. 11Se o seu pai não tiver irmãos, dareis a sua herança àquele do seu clã que é o seu parente mais próximo: este tomará posse. Isso será para os filhos de Israel um estatuto de direito, conforme Iahweh ordenou a Moisés" (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Números, 27, 1 -11).

Encontramos então em 27, 12-23 a nomeação de Josué como o sucessor de Moisés.

12Iahweh disse a Moisés: "Sobe a esta montanha da cadeia dos Abarim e contempla a terra que dei aos filhos de Israel. 13E tendo-a contemplado, serás reunido aos teus, como Aarão, teu irmão. 14Pois fostes rebeldes no deserto de Sin, quando a comunidade contendeu contra mim e eu vos ordenei que manifestásseis diante dela a minha santidade, pela água" (Estas são as águas de Meriba de Cades, no deserto de Sin). 15Moisés falou a Iahweh e disse: 16"Que Iahweh, Deus dos espíritos que animam toda carne, estabeleça sobre esta comunidade um homem 17que saia e entre à frente dela e que a faça sair e entrar, para que a comunidade de Iahweh não seja como um rebanho sem pastor." 18Iahweh respondeu a Moisés: "Toma a Josué, filho de Nun, homem em quem está o espírito. Tu lhe imporás a mão. 19Depois traze-o para diante de Eleazar, o sacerdote, e de toda a comunidade, e dá-lhe, diante deles, as tuas ordens 20e comunica-lhe uma parte da tua autoridade, a fim de que toda a comunidade dos filhos de Israel lhe obedeça. 21Ele se apresentará diante do sacerdote Eleazar, que consultará por ele segundo o rito do Urim, diante de Iahweh. Sob a sua ordem sairão e entrarão com ele todos os

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filhos de Israel, toda a comunidade." 22Moisés fez conforme Iahweh lhe ordenara. Tomou Josué e o trouxe para diante de Eleazar, o sacerdote, e de toda a comunidade; 23impôs-lhe as mãos e transmitiu-lhe as suas ordens, conforme Iahweh dissera por intermédio de Moisés (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Números, 27, 12-23).

Quanto à escolha de seu sucessor, Hoff (1995) afirma que Moisés pensou no bem do povo de Israel. Então, para a escolha, submeteu-se ao juízo e indicação de Deus. Josué foi escolhido. E um dos pré-requisitos da escolha foi o fato de Josué agradar a Deus e também pelo fato de estar há muito tempo com o próprio Moisés, prefigurando como o seu braço direito. A escolha não foi fácil, visto que Moisés era um líder que estivera há muito tempo à frente do povo de Israel. E a entrada na terra de Canaã estava às portas. E esse era um evento muito esperado pelo povo, pois disto dependia também a sua sobrevivência.

Havia chegado para Moisés o momento de morrer. Quando feriu a penha duas vezes, Moisés perdeu a paciência, irritou-se e falou com ira arrogando-se a glória. Agora, porém, revelou outro espírito. Submeteu-se ao juízo de Deus sem pensar em si mesmo. Sua única solicitude foi pelo bem-estar do povo e especialmente porque Deus designasse um dirigente que fosse um verdadeiro pastor para o rebanho de Deus (27:16, 17). Por que Moisés não deixou tudo nas mãos de Deus, confiando que os israelitas elegessem sabiamente seu sucessor? Reconhecia Moisés que tanto seu próprio critério como o do povo podiam estar errados. Era uma época crítica, pois Moisés havia ocupado o cargo durante um período muito longo. Também tinha uma tarefa muito importante pela frente, isto é, a conquista de Canaã. [...] Moisés não procurou instalar um de seus filhos, Gérson ou Eliézer. Não confiava em seu próprio raciocínio para estudar a situação e escolher um homem, mas pediu a direção de Deus. Pediu que Deus pusesse "um homem [...] que saia diante deles, e que entre diante deles", uma expressão hebraica que se aplicava a um homem capaz de começar e terminar com êxito as tarefas que empreendesse. Deus designou a Josué, "homem em quem há o espírito". Stanley Horton explica o que significa: "Que tem o Espírito nele". Isto é, cheio do Espírito. Fazia muito tempo que Josué havia estado com Moisés ajudando-o como seu braço direito. Agora assumiu sua responsabilidade. Por que era necessário que Eleazar confirmasse a eleição do novo líder Josué? Isto foi ordenado para dissipar toda dúvida de que a eleição vinha de Deus. Moisés honrou a Josué e reconheceu em público que ele era o dirigente escolhido por Deus (HOFF, 1995, p. 99).

O capítulo 31 retrata a guerra que os hebreus realizaram contra Midiã. Essa guerra deve ser concluída como sendo um mandato direto de Deus. Pois o próprio Deus, segundo esse capítulo, forçou Israel a considerar esse povo como um inimigo a ser eliminado. Foi considerada uma guerra santa pelo fato da obediência do mandato divino de ir e guerrear contra os midianitas. Os hebreus deveriam eliminar esse povo, a fim de que futuramente não se misturasse com a cultura deles e acabasse caindo então em apostasia e profanação da aliança.

Deus mandou Israel considerar a Midiã como inimigo e destruí-lo por completo pela sedução de Baal-Peor (31:16). Igualmente, se permitisse a Midiã permanecer, haveria o perigo de que viesse a corromper os israelitas novamente. Era uma guerra santa. Como quem executa uma sentença divina, o exército ia acompanhado do sacerdote e das trombetas

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sagradas. Tinha o propósito de inculcar no coração dos hebreus quão grave é o pecado da prevaricação contra o Senhor. A guerra santa teve um lugar importante nos começos da história de Israel. O Senhor seria soberano e levaria a cabo seus propósitos na história apesar de toda a oposição. Seria o grande Dirigente dos exércitos de Israel e lhes daria a vitória. Mas uma parte dos cativos e o despojo de guerra lhe pertenciam e haveriam de ser entregues aos sacerdotes e levitas (HOFF, 1995, p. 99).

Já o capítulo 32 apresenta a “Divisão da Transjordânia”. Quanto a essa divisão, algumas tribos preferiram contar com a ação direta de Moisés para que se antecipasse a partilha da terra baseada em suas necessidades materiais. Porém, a parte da terra que ocupavam não tinha uma proteção natural contra futuras invasões de povos estrangeiros. E nesse caso coube então às outras tribos enviar por diversas vezes, exércitos para socorrer as tribos ameaçadas de invasão e conquistas.

A terra de Canaã, prometida por Deus aos patriarcas, tinha por limite oriental o rio Jordão, mas a derrota dos amorreus havia feito os israelitas donos de uma boa porção da Transjordânia, terra rica em pastagens. As tribos de Rúben, Gade e Manasses pediram-na para si, alegando seu grande número de gado. Embora Deus os houvesse livrado do Egito e lhes houvesse prometido herança em Canaã, não estavam dispostos a deixar a escolha de sua terra nas mãos divinas. Moisés permitiu que Rúben, Gade e a meia tribo de Manasses tomassem posse da Transjordânia, na condição de que participassem da conquista de Canaã. Estas duas tribos e meia receberam uma das porções mais ricas da Palestina, porém seus descendentes pagaram um preço muito elevado. A Transjordânia não dispunha de fronteiras naturais que lhes oferecessem devida proteção contra os invasores. Consequentemente, as outras tribos tiveram de enviar seus exércitos muitas vezes nos séculos seguintes para defender os transjordanianos dos conquistadores estrangeiros (I Samuel 11; I Reis 22:3). Há intérpretes da Bíblia que entendem que as duas tribos e meia proporcionam um exemplo do que se passa com os crentes carnais. Satisfazem-se com o livramento da culpa do pecado e não desejam entrar na plenitude do Espírito; por fim, eles são os mais vulneráveis aos ataques do inimigo (HOFF, 1995, p. 99).

De acordo com Hoff (1995), os capítulos 33, 50—36, 13 apresentam ordens referentes à ocupação de Canaã, pois a tomada da posse da terra estava ficando próxima. Receberam diversas ordens de Moisés referentes à expulsão dos povos. Apresentam a forma da divisão da terra de Canaã e as consequências caso não seguissem as regras prescritas quanto à expulsão dos povos lá residentes.

Prevendo a imediata entrada dos israelitas na terra prometida, Moisés deu-lhes várias ordens. Exortou-os a expulsar completamente os cananeus, pois se não o fizessem, estes lhes seriam por "espinhos" nos olhos e "aguilhões" nas ilhargas. Nomeou líderes que estariam incumbidos da partilha de Canaã. A divisão seria por sorteio e em proporção ao tamanho das tribos. Os levitas não receberiam nada, visto que teriam de servir a todo o Israel. Não obstante, receberiam quarenta e oito cidades disseminadas por Canaã. Três cidades foram designadas para refúgio. Alguém que matasse a outro por acidente, poderia encontrar asilo aí. Os assassinos conscientes, por crimes premeditados, não obstante, não seriam aceitos em tais cidades. Haveriam de ser

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executados, pois se a terra do Senhor se contaminasse com o sangue do inocente, poderia ser unicamente limpa com o sangue do homicida (HOFF, 1995, p. 99-100).

De acordo com Hoff (1995), o Livro de Números se encerra apresentando outras leis referentes à herança, que, nesse caso, abordam sobre as mulheres que se casassem com um hebreu de uma tribo israelita diferente da sua. Nesse caso, a mulher hebreia que herdasse a herança paterna não deveria casar-se com alguém de outra tribo.

Números termina apresentando leis referentes à herança nos casos em que a mulher se casasse com um israelita fora da tribo a que ela pertencia. Para conservar os termos das tribos, as mulheres herdeiras do patrimônio paterno não deviam casar-se fora de sua própria tribo. Assim o livro de Números termina com a expectação da entrada iminente em Canaã (HOFF, 1995, p. 100).

Por fim, concluímos com a afirmação de Gazzi (2013), de que o Livro de Números trata sobre duas gerações do povo hebreu. A primeira sendo aquela que saiu da escravidão do Egito. E a segunda geração sendo aquela que estava para tomar posse da terra prometida. Esta última geração era uma geração de hebreus que estava bastante acostumada com Deus.

Este livro trata de duas gerações de Israel: a primeira havia saído do Egito, e a segunda estava para entrar em Canaã. A primeira tinha visto grandes milagres realizados por Moisés e recebera a Lei de maneira também miraculosa. Seus componentes foram, entretanto, destruídos por causa da desobediência e rebelião. A segunda geração cresceu conhecendo a Lei e recebendo diariamente o maná, e estava familiarizada com o fato de Deus ter destruído, por causa da corrupção, todos os habitantes do lado leste do Jordão (GAZZI, 2013, p. 163).

4 AUTORIA

De acordo com Gazzi (2013), assim como no restante do Pentateuco, o Livro de Números tem sido tradicionalmente atribuído também a Moisés. Essa conclusão baseia-se no caráter do Pentateuco como uma obra única e no claro testemunho tanto do Antigo como do Novo Testamento, os quais atribuem esses livros a Moisés. Isto é também fundamentado pela evidente antiguidade do material contido no Pentateuco. O próprio Livro de Números refere-se à atividade de Moisés registrando eventos descritos no livro (Nm 33, 2). Que a maior parte do livro venha das mãos de Moisés não elimina a possibilidade de atividade editorial posterior nem a probabilidade de algumas porções terem sido adicionadas após a morte de Moisés (por exemplo, Números 12, 3 e o obituário de Moisés em Deuteronômio 34).

A data da composição do livro pode situar-se no período após a peregrinação no deserto (que se seguiu ao êxodo) e antes da morte de Moisés, em torno de 1406 a.C. O livro começa com os preparativos para a marcha através do deserto, relata as experiências na jornada, descreve

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a falta de fé que levou os israelitas da geração do êxodo a recusarem a conquista da Terra Prometida, relata os quarenta anos de espera até que uma geração inteira morresse, e termina com os preparativos para entrar em Canaã. Em vista de seu conteúdo, Números foi, evidentemente, escrito com uma admoestação para que a geração dos israelitas nascidos no deserto perseverasse na fé e na obediência, as quais faltaram a seus pais. (GAZZI, 2013, p. 164).

No entanto, o Livro de Números, assim como os demais livros que compõem

o Pentateuco, segundo muitos pesquisadores, também tem um problema sério de definição de autoria e de datação. Nesse momento atual, é seguro permanecermos segundo a definição da hipótese documental, em que aborda a própria constituição da Torá dos hebreus como sendo uma compilação de narrativas diferentes entre si.

Há também pesquisadores liberais que afirmam que o Livro de Números, em sua autoria e composição, possui muitos autores e que é um livro que resultou dos períodos de exílio e do período persa (sexto e quinto século d.C.). Porém, os conservadores aceitam apenas a hipótese de que o livro foi escrito mesmo por um único autor, não que este seja necessariamente o Patriarca Moisés. No entanto, acabam concordando que o livro foi sujeito de alterações.

5 CONTEÚDO E DIVISÃO DO LIVRO

O Livro de Números, de acordo com Gazzi (2013), tem por propósito encorajar uma vida nacional que seja organizada, ao demonstrar como a incredulidade e a rebelião contra Deus trouxeram uma disciplina divina severa que retardou o cumprimento da promessa da chegada, entrada e posse da terra aos hebreus prometida.

Números começa com a ordem dada pelo Senhor em 1º de maio de 1444 a.C. (data estimada) para se fazer o recenseamento do povo e termina com uma assembleia às margens do Jordão, pouco antes da morte de Moisés. A data de 14 de abril para a segunda Páscoa é dada retroativamente a fim de explicar a data opcional para os que celebram a Páscoa mais tarde (Nm 9). A duração total dos acontecimentos de Números é de 38 anos e 9 meses, em quatro períodos: recenseamento e preparo para a marcha (Nm 1 a 10): 20 dias. Jornada até Cades-Barneia; missão de espionagem (Nm 11 a 14): 70 dias. Peregrinação no deserto em torno de Cades (Nm 15 a 20): 38 anos e 1 mês. Jornada em torno de Edom até as campinas de Moabe (Nm 21 a 36): 5 meses (GAZZI, 2013, p. 162).

O Livro de Números, portanto, segundo esse autor, é uma obra histórica cujo tema principal é o estabelecimento da nação de Israel e a forma com que foi desnecessariamente atrasado em virtude de uma geração inteira, devido à disciplina divina contra a descrença e a rebelião da nação. Ainda assim, a ênfase de seu autor não está nas falhas da geração do êxodo, da qual ele registra apenas alguns exemplos, mas na certeza do plano de Deus para Israel, atrasado, mas não destruído pela rebelião dos hebreus contra Deus.

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Isto é demonstrado pela inclusão de dois censos no livro. O mesmo número geral no Sinai e em Moabe sugere aos leitores que a falha em atingir o alvo de estabelecer-se em Canaã não ocorreu devido à falta de poder divino, ou à perda de força numérica, mas apenas à incredulidade de Israel. Os 38 anos entre Cades-Barneia foram verdadeiramente um vácuo na história da salvação, uma vez que o programa de Deus foi, por assim dizer, interrompido graças à incredulidade humana. As inclusões das narrativas de Balaão, entretanto, mostram que tal atraso não significava o fim das promessas. Deus não voltará atrás, mesmo em face à persistente incredulidade humana, no que Ele prometera sob juramento (Gn 22) (GAZZI, 2002, p. 184-185).

Segundo Gazzi (2013, p. 165), eis uma cronologia das Jornadas de Israel no deserto:

Livro Acontecimento Data a.C. Referência

Êxodo (11 meses e meio)

Instituição da Páscoa no Egito

Partida de Ramessés, Egito

Travessia do mar Vermelho

Chegada ao deserto de Sim

Chegada ao Monte Sinai

Ano Teológico no SinaiTérmino do tabernáculo e a

vinda da Glória

14 de abril de 1445 a.C.

15 de abril de 1445 a.C.

18 de abril de 1445 a.C.

15 de maio de 1445 a.C.

01 de junho de 1445 a.C.

01 de abril de 1444 a.C.

Êx.12.6

Êx.12.18;Nm.33.3

Nm.33.8

Êx.16.1

Êx.19.1

Êx.40.17

Levítico(meio mês)

Legislação levítica dada do tabernáculo pelo Senhor 1 a 14 de abril de 1444 a.C. Lv.1.1

Segunda celebração da Páscoa 14 de abril de 1444 a.C. Nm.9.1no Sinai

Primeiro censo de Israel e 1 de maio de 1444 a.C. Nm.1-3Ordem das tribos no

acampamento

Partida do Monte Sinai 20 de maio de 1444 a.C. Nm.10.11

Chegada a Cades-Barneia 20 de junho de 1444 a.C. Nm.12.15;depois de 21 paradas. Atraso Dt.1.2

de 7 dias em Hazerote porcausa da lepra de Miriã

Rebelião em Cades-Barneia e 1 de agosto de 1444 a.C. Nm.14Números promessa de morte para(38 anos e aquela geração (38 anos de9 meses) peregrinação no deserto)

QUADRO 4 – A JORNADA DO POVO HEBREU NO DESERTO

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TÓPICO 2 | A LEI DA PEDAGOGIA DIVINA

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Reunião em Cades-Barneia 1 de abril de 1406 a.C. Nm.20.1-Morte de Miriã 13

Desobediência de Moisés eArão

Morte de Arão no Monte Hor 1 de agosto de 1406 a.C. Nm.33.38;20.29

Caminhada do Monte Hor em 1 de setembro de 1406 Nm.21.1-direção ao rio Jordão. a.C. 25.18

Grandes vitórias sobre oscananeus, amorreus, Basã e

midianitas.FONTE: Gazzi (2013, p. 165)

6 GÊNERO LITERÁRIO

Para Gazzi, o Livro de Números, dos cinco livros de Moisés, é o mais difícil de analisar e se apresentar, por causa dos diferentes tipos de conteúdo e da estrutura desalinhada com o restante de seu material.

As questões de unidade e estilo parecem estar relacionadas primariamente ao propósito do livro e à observação clara de seu conteúdo. O livro foi obviamente escrito da perspectiva da segunda geração de israelitas liberados do Egito, e para o benefício dessa geração, que teria o privilégio de participar do cumprimento das promessas relativas à terra, mas que acabara por demonstrar em Baal-Peor as mesmas fraquezas da geração anterior. Números estimulava a fé e a dependência em Yahweh como os meios de evitar outro desastre tipo Cades-Barneia, agora que Canaã jazia além do Jordão. Assim, o aspecto formal de duas genealogias e o vasto espaço de 38 anos entre elas oferece tanto um sentido de diferença quanto uma sensação de continuidade entre as duas gerações (GAZZI, 2013, p. 166).

Gazzi (2013) afirma que a estrutura, dentro da qual este material tão variado se aglutina, é difícil de perceber quanto à unidade. Alguns comentaristas preferem olhar o livro sob o ponto de vista geográfico; outros, como Smick e Allen, preferem uma estrutura cronológica (1, 1 – 25, 18 e 26, 1 – 36, 13). Embora seja atraente, esta posição não percebe que o material que supostamente diz respeito à primeira geração foi, de fato, experimentado pela segunda (20, 1-13). “Uma proposta melhor seria a de incorporar as duas percepções da estrutura, sem exigir que qualquer das duas tenha supremacia no desenvolvimento do livro de Números” (GAZZI, 2013, p. 167).

Em seu estilo, o Livro de Números combina história e legislação de uma forma única, mas, ao utilizar tríades, obedece a um estilo que aparece em outros livros do Pentateuco. Nesse sentido, há então, segundo Gazzi (2013), três locais de revelação (Sinai, Cades e as planícies de Moabe). Ou seja, três incidentes de murmuração, os seis oráculos de Balaão (divididos em dois grupos de três) e a lista de paradas durante a peregrinação de Israel pelo deserto (42 nomes dispostos em três grupos diferentes).

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

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3Partiram de Ramsés no primeiro mês. No décimo quinto dia do primeiro mês, no dia seguinte à Páscoa, partiram de mão erguida, aos olhos de todo o Egito. 4Os egípcios sepultavam aqueles que dentre eles foram feridos por Iahweh, todos os primogênitos; Iahweh fez justiça contra os seus deuses. 5Os filhos de Israel partiram de Ramsés e acamparam em Sucot. 6Em seguida partiram de Sucot e acamparam em Etam, que está nos limites do deserto. 7Partiram de Etam e voltaram em direção de Piairot, que está diante de Baal-Sefon, e acamparam diante de Magdol. 8Partiram de Piairot e alcançaram o deserto, depois de terem atravessado o mar, e depois de três dias de marcha no deserto de Etam acamparam em Mara. 9Partiram de Mara e chegaram a Elim. Em Elim havia doze fontes de água e setenta palmeiras; ali acamparam. 10Partiram de Elim e acamparam junto ao mar dos Juncos. 11Em seguida partiram do mar dos Juncos e acamparam no deserto de Sin. 12Partiram do deserto de Sin e acamparam em Dafca. 13Partiram de Dafca e acamparam em Alus. 14Partiram de Alus e acamparam em Rafidim; o povo não encontrou ali água para beber. 15Partiram de Rafidim e acamparam no deserto do Sinai. 16Partiram do deserto do Sinai e acamparam em Cibrot-ataava. 17Partiram de Cibrot-ataava e acamparam em Haserot. 18Partiram de Haserot e acamparam em Retma. 19Partiram de Retma e acamparam em Remon-Farés. 20Partiram de Remon-Farés e acamparam em Lebna. 21Partiram de Lebna e acamparam em Ressa. 22Partiram de Ressa e acamparam em Ceelata. 23Partiram de Ceelata e acamparam no Monte Séfer. 24Partiram do Monte Séfer e acamparam em Harada. 25Partiram de Harada e acamparam em Macelot. 26Partiram de Macelot e acamparam em Taat. 27Partiram de Taat e acamparam em Taré. 28Partiram de Taré e acamparam em Matca. 29Partiram de Matca e acamparam em Hesmona. 30Partiram de Hesmona e acamparam em Moserot. 31Partiram de Moserot e acamparam em Benê-Jacã. 32Partiram de Benê-Jacã e acamparam em Hor-Gadgad. 33Partiram de Hor-Gadgad e acamparam em Jetebata. 34Partiram de Jetebata e acamparam em Ebrona. 35Partiram de Ebrona e acamparam em Asiongaber. 36Partiram de Asiongaber e acamparam no deserto de Sin, que é Cades. 37Partiram de Cades e acamparam na montanha de Hor, nos confins da terra de Edom. 38Aarão, o sacerdote, subiu à montanha de Hor, segundo a ordem de Iahweh, e lá morreu, no quadragésimo ano da saída dos filhos de Israel da terra do Egito, no quinto mês, no primeiro dia do mês. 39Aarão tinha cento e vinte e três anos quando morreu na montanha de Hor. 40O rei de Arad, cananeu que habitava no Negueb, na terra de Canaã, foi informado da chegada dos filhos de Israel. 41Partiram da montanha de Hor e acamparam em Salmona. 42Partiram de Salmona e acamparam em Finon. 43Partiram de Finon e acamparam em Obot. 44Partiram de Obot e acamparam no território de Moab, em Jeabarim. 45Partiram de Jeabarim e acamparam em Dibon-Gad. 46Partiram de Dibon-Gad e acamparam em Elmon-Deblataim. 47Partiram de Elmon-Deblataim e acamparam nos montes de Abarim, defronte do Nebo. 48Partiram dos montes de Abarim e acamparam nas estepes de Moab, junto do Jordão, em direção a Jericó. 49Acamparam junto do Jordão, entre Bet-Jesimot e Abel-Setim, nas estepes de Moab (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Números, 33, 3-49).

Em certo sentido, de acordo com Gazzi (2013), o Livro de Números segue um princípio estabelecido lá no Livro de Gênesis, de que a história avança linearmente ao percorrer ciclos de acontecimentos. Aqui, o silêncio quanto à vida da primeira geração no deserto sugere a continuidade do seu fracasso, enquanto que a informação concernente à segunda geração demonstra que, à parte da graça de Deus, ela continuaria na mesma trajetória de incredulidade e rebeldia.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Caro acadêmico, neste tópico vimos que:

• No Livro de Números, percebemos que quase a totalidade de acontecimentos nele narrados é realizada no deserto, apresentando então as vivências da primeira geração dos hebreus no deserto.

• Os capítulos restantes desse livro passam a relatar as vivências da segunda geração.

• Também no Livro de Números, assim como em todo o Antigo Testamento, o tema da obediência e da rebelião são seguidos dos temas de arrependimento e de bênção.

• Constata-se também nesse livro o tema da santidade de Deus. Sendo que este acaba por revelar a instrução e a preparação do povo hebreu para entrar na Terra Prometida por Deus.

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AUTOATIVIDADE

1 Como deve ser entendido o Livro de Números?

2 Qual o Propósito do Livro de Números?

3 O que o Livro de Números apresenta em seu conteúdo?

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TÓPICO 3

CENTRALIZAÇÃO DO CULTO, DENTRO DO

PRINCÍPIO DA ALIANÇA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, o Livro de Deuteronômio é o quinto e último livro que

compõe o Pentateuco Cristão e a Torá dos hebreus. Esse livro conclui o Pentateuco. Além disso, é um dos livros mais citados no restante das sagradas escrituras, a saber, o Novo Testamento ou Nova Aliança. Muito citado também por Jesus ao se referir ao Patriarca Moisés e também às principais leis que ele mesmo aborda.

No Livro de Deuteronômio, Deus é apresentado como sendo o superior

autor da aliança estabelecida no Sinai. O próprio prólogo do início do livro apresenta a ação redentora de Deus para com os hebreus em libertá-los da escravidão em que se encontravam na terra do Egito sob o julgo do Faraó. Por isso, é entendido, então, que Deus tem o direito de fazer estipulações ao povo, sendo este a parte que está sujeita ao tratado. Estas prescrições podem ser conferidas nos capítulos 4 a 26, abrangendo então grande parte do livro.

No entanto, o principal item do tratado que corresponde a uma garantia e

conservação está registrado no capítulo 27, 2-3, em que diz ao povo que erguessem pedras e escrevessem a lei nelas depois que chegassem à Terra Prometida.

Assim como pode ser conferido no capítulo 28 desse livro o registro das bênçãos e das maldições do tratado, e nos capítulos 31 e 32 encontram-se as testemunhas, incluindo um cântico de autoria de Moisés que servirá como um juramento a Deus.

Uma das temáticas centrais do Livro de Deuteronômio é a da quase chegada do povo hebreu à terra prometida sob o comando de um líder tribal chamado Moisés. Assim, o Livro, em seu esboço, também apresenta a necessidade de um certo encorajamento que o povo hebreu deveria ter para ir adiante, e, ao mesmo tempo, precisavam de advertências divinas para educá-los e habilitá-los a adotar uma ação moral correta que não os desviasse dos propósitos firmados com Deus, a fim de que possam então contar com as bênçãos que dele provêm.

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

2 O LIVRO DE DEUTERONÔMIO Segundo Hoff (1995), o Livro de Deuteronômio, assim como os demais

livros que compõem o Pentateuco, tem o seu nome a partir da versão grega. E cujo significado é ‘segundo a lei’. É, segundo esse autor, um livro de recordação das leis e um livro de discursos em que Moisés se despede, preparando o povo para adentrar à terra prometida, que seria então a iminente travessia do Rio Jordão.

A palavra deuteronômio provém da versão grega que significa "segunda lei" ou "repetição da lei". O livro consiste em sua maior parte nos discursos de Moisés, dirigidos ao povo na fértil planície de Moabe; Israel estava prestes a cruzar o rio Jordão e iniciar a conquista de Canaã e Moisés estava por terminar sua carreira (HOFF, 1995, p. 100).

O livro é também considerado como um livro de memórias, pelo fato de que a primeira geração dos hebreus morreu no deserto, a segunda geração não vivenciou os grandes portentos realizados por Deus em favor dos hebreus, sendo que essa geração acabou se transviando no deserto, apostatando da fé recebida de seus pais. Deuteronômio tem por objetivo final recordar ao povo hebreu (nova geração), a fim de que este não cometa os mesmos erros de seus pais no deserto, conforme foi exemplificado no Livro de Números. Enfim, o livro é uma grande exortação ao povo hebreu.

Visto que a primeira geração que saiu do Egito havia morrido e a segunda não havia presenciado as obras maravilhosas de Deus realizadas nos primeiros anos, nem as entendia, Moisés trouxe-as à memória do povo. Também lhes recordou os preceitos da lei do Sinai para que os gravassem em seus corações, pois esses preceitos os guardariam da iniquidade dos cananeus. Depois Moisés escreveu os discursos em um livro. Portanto, distingue-se dos outros livros do Pentateuco por seu estilo oratório e seu fervor exortativo (HOFF, 1995, p. 100-101).

O cumprimento da promessa da terra prometida aos hebreus se deu pelo fato deles apresentarem a sua fidelidade perante Deus. Israel prospera, se ele se mantiver firme com fé inabalável na fidelidade que deve devotar a Deus. Isso pode ser notado no sucesso que obteve nas diferentes campanhas de guerra que enfrentou pelo deserto. Ou seja, Deus cumpriu o que prometeu ao seu povo. Não o cumpriu à segunda geração, pois esta havia provocado a Deus no deserto com a sua apostasia. Assim, Deuteronômio soa como um alerta para essa nova geração, a fim de que esta não cometa os mesmos erros de seus pais. Portanto, não compete apenas a essa geração de hebreus tomar posse da terra prometida, mas sim, permanecer vigilante e observante dos preceitos entregues aos seus descendentes.

Preparar o povo para a conquista de Canaã. Deus havia sido fiel em dar a Israel vitória após vitória sobre seus inimigos. A presença e o poder de Deus eram a garantia de que ele lhes entregaria a terra. Moisés anima-os repetindo trinta e quatro vezes a frase: "Entrai e possuí a terra", e adiciona trinta e cinco vezes: "A terra que o Senhor teu Deus te deu" (HOFF, 1995, p. 101).

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TÓPICO 3 | CENTRALIZAÇÃO DO CULTO, DENTRO DO PRINCÍPIO DA ALIANÇA

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Em Deuteronômio, segundo Hoff (1995), a Lei de Deus é apresentada aos hebreus com uma outra roupagem, visto que se trata de uma nova geração. E que as condições de vida serão de agora em diante, na terra prometida, diferentes. Mesmo que os desafios sejam os mesmos. Ou seja, o cuidado com os povos inimigos, os perigos de se cair em tentação da idolatria a falsos deuses, preparar essa nova geração para o desenvolvimento das novas estruturas políticas. Não é mais um povo nômade, além de possuir um Deus, agora possui a sua terra, que por Ele fora dada, cumprindo então a sua divina promessa.

Apresentar os preceitos da lei em termos práticos e espirituais para serem aplicados à nova vida em Canaã. Dar a Israel instruções e advertências quanto aos detalhes da conquista, aos requisitos dos futuros reis, como distinguir entre profetas verdadeiros e profetas falsos, as bênçãos que a obediência traz e os malefícios da desobediência. Estimular lealdade ao Senhor e à sua lei. Pode-se dizer que o ensino de Deuteronômio é a exposição do grande mandamento, "Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder" (6:5). (HOFF, 1995, p. 101).

O Livro de Deuteronômio é um livro que marca a despedida do Patriarca Moisés, após ele ter feito um breve esboço do pacto feito entre Deus e o povo hebreu, em que este havia por fim chegado ao término de sua exaustiva caminhada pelo deserto, estando então acampado diante da possível entrada à terra que lhe fora prometida. E visto que Moisés, diante dessa nova geração, constatou que ela já não tinha fortes recordações da celebração da primeira Páscoa, da travessia do Mar Vermelho em que seus pais se colocaram em fuga para fora dos domínios do Egito sobre a liderança de Moisés. Assim, essa nova geração necessitava de uma nova narração dos grandes feitos do passado de Deus em favor de seu povo, pois esta nova geração está prestes a adentrar à terra prometida, ou seja, a terra que Deus prometeu a seu povo. Deus tem um povo! E este, ele o chama de Israel. E Israel agora terá a sua terra. Portanto, Deuteronômio, dentro da pedagogia de Deus, pode ser considerado como uma antecipação de Deus no novo começo de Israel em sua nova morada, a terra prometida. Sim, segundo a Lei, de acordo com a Lei, ou até mesmo a favor da Lei, é sobre esses significados que estão presentes na definição geral do termo ‘Deuteronômio’, nos leva a entender que o livro por si só não é uma garantia de sucesso para a nova geração do povo hebreu que está prestes a adentrar à Terra Prometida. As leis, por si, têm o propósito de que o povo não só entenda a importância de recordar, celebrar, guardar a Aliança celebrada entre Deus e seus antigos pais, mas principalmente de vivenciá-la no novo cotidiano que desfrutarão já na nova casa.

Podemos observar posteriormente nos demais livros que compõem o

conjunto do Antigo Testamento, que por diversas vezes o povo hebreu vivenciou a rebeldia, a desobediência para com a Aliança firmada com Deus desde a caminhada de seus pais no deserto. Rebeldia, desobediência e quebra da Aliança, sim. Mas, mesmo muitas vezes Deus mostrando-se irado, não se deu por vencido, pois Ele sempre recordara a promessa que tinha feito a Israel, de nunca o abandonar para sempre. Se distanciar ou até mesmo castigar, sim, mas romper para sempre a aliança, não. Pois o próprio povo ou os seus dirigentes, ao se arrependerem da

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

falta cometida, acorriam a Deus entre gritos, lágrimas e gemidos, a fim de reatar a amizade rompida. E Deus nunca lhes negou a reconciliação, a assistência, o auxílio, a ajuda. Basta estudarmos a história do Rei Davi, de Jó, de Ester, e de outros personagens bíblicos do Antigo Testamento.

O livro consiste nas mensagens de despedida de Moisés, nas quais ele sumariou e renovou o concerto entre Deus e Israel, para o bem da nova geração de israelitas. Tinham chegado ao fim da peregrinação no deserto e agora estavam prontos para entrarem na terra de Canaã. A nova geração, na sua maior parte, não tinha lembrança pessoal da primeira Páscoa, da travessia do Mar Vermelho, nem da outorga da lei no Monte Sinai. Careciam de uma narração inspirada do concerto de Deus, da sua lei e da sua fidelidade, bem como uma renovada declaração das bênçãos resultantes da obediência e das maldições da desobediência. Enquanto o Livro de Números registra as peregrinações no deserto, da rebelde primeira geração de israelitas, abrangendo um período de trinta e nove anos, Deuteronômio abrange um período de talvez somente um mês, numa só localidade, nas planícies de Moabe, diretamente a leste de Jericó e do rio Jordão (GAZZI, 2013, p. 195).

No entanto, o Livro de Deuteronômio tem por significado “segundo a lei”, “de acordo com a lei”. E sabemos que as leis no Antigo Testamento prefiguravam como a base de todos os costumes e vivências do povo hebreu. Ou seja, os costumes que eles tinham e praticavam, faziam de acordo com a Lei dada então pelo Patriarca Moisés. Porém, muito além disso, o Livro de Deuteronômio consiste na última revelação dada aos hebreus antes que estes chegassem à terra prometida.

Na definição do nome em hebraico e fazendo uma junção do significado do

nome do livro a partir da versão grega, podemos entender melhor que o livro visa, então, ser ao mesmo tempo uma recordação, uma exortação e um apontamento legal que visa uma melhor preparação política, social e religiosa para aquilo que o povo hebreu está prestes a vivenciar num futuro iminente.

O título hebraico deste livro é ‘ellêh haddebarîm’ – ‘estas são as palavras’ e aponta para a revelação final recebida pelo grande legislador de Israel quando a nação se aproximava de seu objetivo de entrar na Terra Prometida. O título em português é uma transliteração do título grego, dado pelos tradutores da Septuaginta (deuteros nomos), que significa “segunda lei”. O nome não é apropriado, pois derivou-se de uma tradução errada de Dt.17.18, em que a expressão ‘misneh hattôrâ hazzôt’ deveria ter sido traduzida por ‘uma repetição desta lei’ (GAZZI, 2013, p. 194).

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TÓPICO 3 | CENTRALIZAÇÃO DO CULTO, DENTRO DO PRINCÍPIO DA ALIANÇA

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FIGURA 24 – MOISÉS E AS TÁBUAS DA LEI

FONTE: Disponível em: <https://kuryusthelord.files.wordpress.com/2009/07/moises.jpg?w=239>. Acesso em: 29 abr. 2017.

Segundo Gazzi (2013), o Livro de Deuteronômio não pode ser em hipótese alguma considerado como um segundo livro de leis, ou melhor, um livro que em si apresente uma segunda lei ou uma lei totalmente nova. Mas, de certa forma, um livro da repetição, no sentido de recordar ao povo hebreu a ‘Aliança’ celebrada pelos antigos pais no passado, sendo então não apenas repetições de leis, regras e preceitos, mas sim uma extensão e adaptação do que outrora fora firmado e que agora, além de uma forte recordação, carece de uma renovação de significado perante a nova e afortunada situação com a qual o povo hebreu passa a se defrontar.

Apesar deste detalhe técnico, o título é em parte correto, pois se Deuteronômio não é uma segunda lei em espécie, é ainda, em parte, repetição, em parte, expansão, em parte, condensação e, em parte, adaptação de legislação anterior tendo em vista uma nova “situação de vida” na história da nação (GAZZI, 2013, p. 195).

O livro em si não é uma renovação da Lei e muito menos a compilação de leis novas. E sim, em sua estrutura, pode ser entendido como tendo por objetivo realçar a Lei apontando a necessidade de tê-la em primeira mão. Ou seja, a fidelidade com Deus perpassa irrestritamente no cumprimento da Lei. Pois a Lei visa trazer segurança para o povo hebreu na manutenção da Aliança Sagrada.

Assim, o Livro de Deuteronômio tem por objetivo principal o de preparar o povo hebreu para usufruir da futura prosperidade que este encontrará ao adentrar à “Terra Prometida”, a fim de evitar que esse mesmo povo esqueça da “Aliança” firmada e celebrada pelos antigos pais, e que venha a cair em desobediência, rebeldia e em situações de pecado contra o próprio Deus de seus antigos pais. O Deus que os escolhera como um povo a ser santo, que o reuniu e o redimiu da escravidão do Egito, acompanhou e consagrou no deserto. Ficando então Moisés

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como o personagem intercessor entre Deus e o povo hebreu, sendo uma espécie de emissário interlocutor com a função de revelar aos hebreus a vontade de Deus e apresentar a Deus as queixas e necessidades do povo.

Preparar Israel para desfrutar a prosperidade e permanência na Terra Prometida pelo encorajamento do amor nacional a Yahweh por meio da obediência à Sua vontade, conforme revelada na aliança. O livro começa com um preâmbulo (1.1-5), o qual apresenta Moisés como o mediador da aliança e as circunstâncias (históricas e geográficas) em que essa mediação acontece (GAZZI, 2013, p. 216).

Em Deuteronômio, nos capítulos 1,6-4,43, temos um certo tipo de prólogo em que é apresentada a relação de Deus com o seu povo. A fim de que a nova geração possa reconhecer a Deus como sendo aquele mesmo que fez grandes feitos a seus antigos pais no passado antes da chegada à terra prometida. Essa recordação é feita em vista de beneficiar essa nova geração de hebreus que não tem arraigada em si a memória dos grandes feitos de Deus à nação de Israel. Gazzi melhor exemplifica isso:

Seguindo o padrão dos tratados de suserania, o prólogo histórico (1.6–4.43) apresenta uma visão geral do relacionamento entre Yahweh, o suserano, e Israel, o vassalo. Isso é feito para o benefício da nova geração, cuja experiência com os eventos importantes de Êxodo 12 a Números 25 não havia sido suficientemente profunda para oferecer uma visão clara de quão admirável era o Deus de Israel e quanto a nação devia a Ele. Assim, a jornada do Sinai (Horebe) e o estabelecimento do sistema jurídico de Israel são recontados em 1.6-18. O restante do capítulo 1 é dedicado ao estrondoso fracasso da geração do Êxodo após a missão dos doze espias (1.19-33). A incredulidade, primeiro (1.34-40), e a independência presunçosa, depois (1.41-46), contra Yahweh liquidaram Israel. Assim como em Números, os 38 anos de peregrinação no deserto são rapidamente mencionados (2.1-3). Os versículos seguintes descrevem os eventos relacionados ao fim daquele período, quando Israel se aproxima da região do Mar Morto, onde as nações aparentadas (Edom, Moabe e Amom) deveriam ser respeitadas (2.4-23). As vitórias militares de Israel sobre os amorreus, nas quais a geração do deserto certamente teve grande parte, são recapituladas em 2.24–3.11. A distribuição dos territórios amorreus às tribos da Transjordânia (3.12-20) é um elemento importante no prólogo histórico, já que ele oferece uma garantia tangível de que as promessas certamente se cumpririam para aquela geração. De outro lado, a proibição da entrada de Canaã por Yahweh para alguém tão grande quanto Moisés (3.21-29) é um forte argumento em favor da perseverança em obediência, à qual Israel é exortado no capítulo 4. A parte final do prólogo histórico é a exortação de Moisés (4.1-13 para a geração do deserto, à luz do poder assombroso da ira de Deus que haviam experimentado em primeira mão em Bete-Peor (4.1-4). Outras razões para a obediência são a proximidade de Yahweh e a natureza justa das leis que Israel dEle recebera (4.8) (GAZZI, 2013, p. 216-218).

Deuteronômio, em seu plano de fundo, recorda a Israel contra o perigo de se cair em idolatria. Ou seja, a tentação do povo em aderir ao culto de falsos deuses. Deus, então, em socorro do povo hebreu, apresentando-se então como sendo um Deus que tem ciúmes de seu povo. E que para não perdê-lo, acaba revelando seu furor e possíveis castigos ao povo hebreu caso o mesmo se rebelasse contra Ele e desobedecesse suas leis.

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A maior ameaça à obediência seria a idolatria, tão dominante em Canaã e tão corruptora em sua influência que levaria Israel a abandonar a aliança e a sofrer sua disciplina (4.15-31). Israel é relembrado da profundidade e amplitude de seus privilégios como incentivo final à obediência (4.32-40) (GAZZI, 2013, p. 214).

Para que o povo hebreu passasse a viver na condição de um povo que seja servidor a Deus, encontram-se então nesse livro, a partir do capítulo 5 até o capítulo 26, todas as normas, leis, preceitos, regras a fim de que o povo hebreu seja constituído então como sendo o povo de Deus, a nação santa de Israel (Jacó). Ou seja, Deus, através de Moisés, firma os pré-requisitos da obediência que os hebreus devem prestar e observar perante Ele mesmo, a fim de garantirem a predileção, a proteção e as bênçãos que só Ele pode garantir aos hebreus e que nenhum outro Deus pode dar ou garantir. Ou seja, é o ato de obediência que sela então o acordo novamente estabelecido a fim de também manter a posse da terra prometida em que Ele mesmo não apenas garante a entrada, mas também a permanência.

Após uma nota introdutória (4.44-49), os capítulos 5 a 26 contêm as obrigações impostas a Israel em virtude de seu consentimento em tornar-se vassalo de Yahweh. Essas são divididas normalmente em estipulações gerais ou básicas (caps. 5–11), sendo relacionadas à necessidade de obediência a Yahweh e às estipulações específicas ou detalhadas (caps.12–26), as quais se relacionavam à forma ou ao modo da obediência. Em resumo, os capítulos 5–11 dizem a Israel como deve ser a obediência a Yahweh, e os capítulos 12–26 dizem como deve ser essa obediência (GAZZI, 2013, p. 214).

3 COMPOSIÇÃO No livro, além de serem recordadas as leis, é feita a explicação do porquê

dos privilégios oferecidos aos hebreus e quais devem ser as suas condutas diante de Deus. No livro é apresentada a fidelidade de Deus aos antigos pais dos hebreus da terceira geração. O livro aponta que Israel é um reino sacerdotal. E uma das principais diferenças entre os outros povos, além da garantia da permanente proteção de Deus, é que o povo hebreu é um povo cujo Deus o reveste de prerrogativas especiais. E em qual povo, além deste, pode ser evidenciado isto? Israel, além de ter a missão de guardar e observar a lei dada, deve também devotar reverência e amor para com o Deus que o tirou da escravidão do Egito. O Deus que se apresenta como sendo o deus de seus pais, desde os primeiros patriarcas, conforme é narrado lá no livro do Gêneses.

Deuteronômio é muito mais que a mera repetição da lei. Explicam-se os privilégios e as responsabilidades do povo escolhido e sua relação com o Senhor. O Senhor é o único Deus (4:35; 6:4), o "Deus fiel, que guarda o concerto e a misericórdia até mil gerações aos que o amam" (7:9). Israel é o povo escolhido de Deus em virtude da aliança que fez com eles no Sinai. Israel é um reino de sacerdotes e nação santa (Êxodo 19:6). Os israelitas herdarão todas as promessas feitas a seus pais. Considerando que Israel é o único povo com quem o Senhor estabeleceu concerto, deviam reverenciá-lo e amá-lo (4:10; 5:29; 6:5; 10:12; 11:1, 13, 22). Por meio do pacto Israel gozava dos privilégios mais sublimes (HOFF, 1995, p. 101).

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As recapitulações feitas no Livro também servem para dizer aos israelitas da terceira geração que o Deus que lhes é apresentado é o mesmo e em nada mudou. Ou seja, Este usará do mesmo poder e de prodígios outrora garantidos e dispensados às duas primeiras gerações, em favor dessa terceira geração de hebreus. Basta que a mesma preste atenção no que é narrado, dando atenção ao pecado grave de se desobedecer e ofender a Deus. Que deve ter em mente que Deus é bom, porém, os castigos que dispensa são por causa da injustiça cometida pelo povo para com Ele. Sendo então o castigo o seu ato de justiça. E esse ato de justiça se prefigura quando Deus abandona o seu povo, entregando-o à sua própria sorte. Como podemos recordar no Livro de Números as desventuras sofridas pelo povo de Israel, sendo ele mesmo causador de seu infortúnio.

Chama-se Deuteronômio "O livro das recapitulações", pois Moisés recapitula a história de Israel no deserto, acentuando que o Senhor sempre foi fiel à sua aliança, embora Israel tenha sido infiel. Encontra-se repetida muitas vezes, no livro, a ordem "lembra-te", ou seu equivalente. O lembrar-se da bondade de Deus no passado deve estimular a gratidão de seu povo. Assim se expressou o apóstolo: "Nós o amamos a ele porque ele nos amou primeiro" (I João 4:19).Ademais, Moisés exorta Israel a que observe estritamente os mandamentos do Senhor para que se cumpra seu futuro glorioso prometido na lei. Se Israel desse atenção a Deus, o mesmo poder que os havia livrado do Egito e os havia sustentado durante quarenta anos no deserto guardá-los-ia na terra prometida. Por outro lado, se Israel descuidasse sua relação com Deus e seguisse a deuses falsos, seria castigado até ao ponto de ser espalhado nas terras de seus inimigos. Por isso Deuteronômio é o livro da piedade, uma exortação viva e opressiva recordando as graves consequências de esquecer os benefícios do Senhor e apartar-se de seu culto e de sua lei (HOFF, 1995, p. 101).

O Livro de Deuteronômio, em sua quase totalidade, está organizado em três discursos que supostamente Moisés proferiu ao povo hebreu como se fosse uma forma de testamento ou despedida dele próprio, como pode ser conferido em Dt 1-30. Logo após o terceiro discurso, seguem as últimas ações de Moisés e um relato de sua morte. Porém, é somente nos capítulos 31 e 34 desse livro que constam discursos atribuídos a Deus.

É nos capítulos 12 a 26 desse livro que podemos destacar o chamado

“Código Deuteronômico”, conhecido então como o centro desse livro, situado no segundo discurso de Moisés aos hebreus.

A primeira parte do Código Deuteronômico reforça a questão da centralização do culto, implicando também em centralização da economia e da política, como pode ser conferido em Dt 13-18. Já na segunda parte do Código Deuteronômico estão contidas de forma entrelaçada as leis referentes às esferas pública e privada, como podemos conferir em Dt 19-25. O Código Deuteronômico possui duas introduções, sendo que a primeira é uma recapitulação das leis e a segunda introdução faz referência às leis posteriores.

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Nesse livro, as bênçãos e as maldições estão contempladas nos capítulos 27-28. E os capítulos 31 e 34 apresentam então a instalação de Josué como sendo o sucessor de Moisés, uma canção que prediz uma futura rejeição a YHWH que será feita pelos israelitas, a bênção de Moisés para as 12 tribos e a morte de Moisés, especificada no capítulo 34.

Em sua forma conclusiva, o Livro de Deuteronômio está estruturado em

quatro “títulos” introdutórios. Esses são como a voz do narrador, ao invés de ser a voz de Moisés, podendo então serem lidos da seguinte forma, de acordo com os capítulos e versículos:

Dt 1, 1 “Eis as palavras que Moisés dirigiu a todo Israel”.Dt 4, 44 “Esta é a lei que Moisés transmitiu aos filhos de Israel”.Dt 28, 69 “Eis as palavras da aliança que YHWH ordenou a Moisés concluir

com os filhos de Israel”.Dt 33,1 “Esta é a bênção que Moisés, o homem de Deus, concedeu aos filhos

de Israel”. Assim, podemos entender que esse modelo de títulos divide o livro em

quatro partes, restando de fora as passagens referentes à morte de Moisés. Porém, apesar desses quatro elementos apresentarem uma certa unidade

interna do Livro de Deuteronômio, o livro em si apresenta diferentes temas e instruções que tornam difícil propor uma estrutura que garanta um comum acordo entre os pesquisadores e exegetas. Então, com a intenção de garantir uma melhor valorização do livro em sua forma final, podemos aceitar a seguinte proposta de sua estruturação, seguindo a disposição de temas de acordo com os respectivos capítulos do livro:

Cabeçalho (1:1-5)

Prólogo: primeiro discurso de Moisés (1,6-4,43)

Retrospectiva: desde Horeb a Moab (1,6-3,29)

Exortação à observância das leis de YHWH (4,1-40)

Seleção de cidades de refúgio (4,41-43)

Segundo discurso de Moisés: a aliança feita na Planície de Moab (4,44-28,69)

Cabeçalho (4,44-49)

Prólogo: teofania e aliança no Horeb (5)

Preâmbulo para as leis dadas em Moab (6,1-11,30)

As leis dadas em Moab (11,31-26,15)

Conclusão para as leis (26,16-28,68)

Compromissos mútuos entre YHWH e Israel (26,16-19)

QUADRO 5 – ESTRUTURA DO LIVRO DE DEUTERONÔMIO

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Digressão: Cerimônias para reafirmar a aliança ao entrar na terra prometida (27)

Promessas e advertências resultantes do cumprimento ou violação da aliança (27)

Subscrição (28,69)

Terceiro discurso de Moisés: Exortações para obediência da aliança feita na Planície de

Moab (29-30)

Epílogo: Último dia da vida de Moisés (31-34)

Provisões de Moisés para o futuro de Israel (31-32)

Atos preparatórios (31)

Poema de Moisés (32,1-43)

Instrução final de Deus para Moisés (32,44-52)

Bênção final de Moisés sobre Israel (33)

Morte de Moisés (34)

FONTE: Bíblia de Jerusalém (2002)

Segundo Hoff (1995), Deuteronômio tem um lugar especial dentro da constituição da história de Israel. Destaca que o Código Deuteronômico é o conjunto de leis central para que possam então ser feitos possíveis julgamentos das ações dos reis de Israel, sobretudo se estas se apresentarem desviadas daquilo que é prescrito no código da Aliança. O livro também serviu de inspiração a Jeremias e Ezequiel quando estes desenvolveram as suas exortações para o seu povo.

Este livro desempenhou um papel importante na história e na religião de Israel. O Código Deuteronômico foi a norma para julgar as ações dos reis de Israel. A descobri-lo no templo, sua leitura despertou um grande avivamento no ano 621 a.C. (II Reis 22). Foi a base das exortações de Jeremias e Ezequiel. Os judeus escolheram a grande passagem de 6:4, 5 como seu credo ou declaração de fé (HOFF, 1995, p. 101).

É um livro que é bastante mencionado no Novo Testamento. O próprio Jesus faz menção dele por diversas vezes. Muitos exegetas atribuem a este livro a função de ser uma obra propedêutica da vinda do Messias prometido por Deus e esperado pelo povo de Israel. Em sua composição, o tema central é um forte apelo à observação da fidelidade e lealdade para com Deus, alertando o povo do perigo da apostasia que era permanente. Ou seja, fica fácil de entendê-lo como um grande sermão direcionado ao povo. E este devia observar a Lei como sendo isso o remédio que lhes garante a resistência contra qualquer tentação que possa lhes sobrevir. O formato de repetição de temas contidos nos livros anteriores pode ser entendido como um alerta da gravidade em não observar a Lei dada por Deus. Pois, uma vez o povo caído em tentação, resta então para Deus esperar que o povo se arrependa da transgressão cometida e retome o caminho de volta para si através dos mecanismos que ele estabeleceu desde o deserto. Ou seja, não é fácil fazer um povo permanecer fiel. Pois a fidelidade do povo hebreu para com Deus deve ser um ato livre, cabendo a Deus estabelecer os pré-requisitos de como se deve dar

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esse processo. Ou seja, o povo hebreu é um povo de cabeça dura, mas Deus se mostra paciente. Paciente até mesmo em superar a sua fúria diante de qualquer falta cometida.

O Novo Testamento refere-se a Deuteronômio e cita-o mais de oitenta vezes. Parece que era um dos livros prediletos de Jesus, pois ele o citava amiúde. Por exemplo, citou versículos de Deuteronômio para resistir ao diabo em sua tentação. Também a profecia acerca do profeta que seria como Moisés (18:15-19) preparou o caminho para a vinda de Jesus Cristo. Exortação à lealdade ao Senhor e advertência contra a apostasia. O quinto livro do Pentateuco contém muitas repetições de trechos encontrados nos livros anteriores. Além do mais, Deuteronômio é fácil de entender, pois está escrito em linguagem popular, como se fosse um sermão (HOFF, 1995, p. 101).

Mesmo sendo um grande sermão exortativo, o livro em si em nada consegue impedir as futuras transgressões da Lei que o povo hebreu cometeria já de posse da terra prometida.

4 AUTORIA Ao tratarmos sobre a autoria do Livro de Deuteronômio, pode ser constatado

que o próprio livro, segundo Gazzi (2013), dá testemunho de que Moisés é o autor, de acordo com as tradições religiosas cristãs e judaicas antes do surgimento das pesquisas modernas sobre a autoria dos livros do Pentateuco.

Pelo seu próprio testemunho (Dt.1.1,5; 31.22), Deuteronômio é obra de Moisés. A autoria mosaica é afirmada muitas vezes em outros lugares no Antigo Testamento (por exemplo, em 2Rs.14.6), em antigas fontes judaicas (por exemplo, por Flávio Josefo) e no Novo Testamento. Esta opinião era quase universalmente aceita até o surgimento do criticismo racionalista nos tempos modernos (para maiores detalhes, ver o Capítulo 3 – Introdução ao Pentateuco) (GAZZI, 2013, p. 196).

Caro acadêmico, creio que até aqui você pôde perceber uma certa dicotomia em relação à autoria dos cinco livros do Pentateuco. Dicotomia essa que é apresentada até mesmo pelos autores aqui referenciados. Ou seja, ora é definido como sendo Moisés seu único autor, ora são apresentadas diferentes fontes de erudição. Mas que perigo isso pode apresentar para a fé que deve ser depositada ao conjunto dos livros que compõem o Pentateuco? Nenhum! Pois podemos concluir que teologicamente a fé não brota da veracidade ou não das palavras contidas nas Sagradas Escrituras. E sim, a fé só pode brotar e se desenvolver a partir da relação da pessoa com Deus. E esta relação deve estar baseada numa amizade que é revestida de sentimento e razão intelectual. Sentimento, pois Deus é apresentado como sendo amor. E a razão, pelo fato da adesão a Ele dever ser uma adesão livre e inteligente. Portanto, uma fé não inteligente é perigosa. E uma fé apenas científica do ponto de vista da lógica racional é estéril, pois esta não produz frutos de vida eterna. Portanto, como você pôde muito bem perceber até aqui, não existe uma fé à distância. A fé em Deus é sobretudo uma experiência que se dá na relação com

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Ele e não no isolamento da rigidez intelectual ou das fantasias de sentimentos efêmeros. Ou seja, você pode perceber as diferentes relações apresentadas entre Deus e os homens no decorrer dos cinco livros do Pentateuco. Convido-o para que faça a leitura dos livros.

Voltando à questão da autoria do Livro de Deuteronômio, os críticos modernos destacam que o capítulo 34 desse livro não pode ser considerado como sendo escrito por Moisés. Segundo Gazzi (2013, p. 197),

Existe um amplo consenso de que o capítulo 34 é um adendo, talvez acrescentado por Josué. Dessa mesma forma, o livro de Josué termina com a morte de Josué, registro feito claramente pelo autor de Juízes à parte final de Josué (Jz.2.7-9; Js.24.29,31). Semelhantemente, os primeiros versículos de Esdras foram copiados e anexados ao último capítulo de Crônicas (Crônicas termina no meio de uma frase). Essa maneira de vincular um livro subsequente ao precedente (ou variantes dessa prática) era comum na antiguidade e tinha como propósito indicar uma sequência correta dos pergaminhos ou tabuletas de cerâmica. É provável que Josué tenha adicionado a nota sobre a morte de Moisés, sendo isto aceito por Israel. Isto também veio a vincular o livro de Josué à grande produção de Moisés. Tais adições óbvias, contudo, não negam a autoria geral de Moisés.

De acordo com Gazzi, outros pesquisadores afirmam que a linguagem usada no texto dos cinco primeiros versos do primeiro capítulo desse livro aponta que o escritor desse livro estava na parte ocidental do Jordão, na terra de Canaã, visto que é de comum acordo que o próprio Moisés nunca atravessou o rio Jordão, ou esteve na terra de Canaã.

De forma ainda mais controversa, alguns críticos têm argumentado que a linguagem de Dt.1.1,5 indica que o escritor do livro necessariamente estava do lado ocidental do rio Jordão, ou seja, em Canaã (a expressão hebraica aqui traduzida “este lado do Jordão” é geralmente traduzida “o outro lado do Jordão” ou “dalém Jordão”). Tal descrição, argumentam, solapa a credibilidade de Deuteronômio como uma obra mosaica, uma vez que Moisés nunca atravessou o Jordão. O argumento pressupõe que a expressão hebraica em questão precisa sempre referir-se à região oriental do Jordão. É evidente, contudo, que o sentido exato da expressão precisa ser determinado pelo contexto e que ela pode referir-se tanto à Transjordânia (a região a leste do Jordão e Mar Morto, Dt.1.1-5; 3.8; 4.41,47,49) como Canaã (Dt.3.20,25; 11.30; Js.9.1,10). Aqui, esta expressão evidentemente significa a região a leste do Jordão, como as descrições geográficas indicam (Dt.1.1,5) (GAZZI, 2013, p. 197).

Enfim, temos que reconhecer que é difícil dar uma definição precisa, única e encerrada sobre quem foi o autor, ou quem foram os autores, e qual o ano ou os anos de sua redação inicial ou final do Livro do Deuteronômio, assim como também aos demais livros que compõem o Pentateuco dos cristãos e a Torá dos judeus. Mas isso, ou melhor, esse fato, de forma alguma tira a autoridade moral do Pentateuco em si ou das Sagradas Escrituras em sua totalidade. Autoridade moral, no sentido de que, pelas palavras e exemplos que as Sagradas Escrituras contêm, homens e mulheres, povos e nações se reformaram, se transformaram e se desenvolveram civilizadamente. Basta fazermos uma pesquisa histórica sobre o

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surgimento, desenvolvimento, evolução e transformação da cultura da maior parte dos povos e nações do mundo, que neles encontraremos contribuições diretas ou indiretas dos conteúdos presentes nas Sagradas Escrituras.

O que importa, caro acadêmico, é o bem que o homem pode tirar para si

das Sagradas Escrituras. E aqui não estamos afirmando a sua não exatidão, pelo fato de podermos garantir uma certeza absoluta de sua autoria e datação.

5 TEXTO E CONTEXTO

Caro acadêmico, uma questão pode nos levar a pensar sobre a necessidade de querermos ou não buscar conhecer o texto e o contexto em que o Livro de Deuteronômio se encontrava em sua formulação. Para que estudar esse tema, já que não existe sequer uma conclusão acerca de sua autoria e redação inicial ou final, tamanha divergência existente nas diferenciadas pesquisas antigas e recentes? Respondemos a uma questão semelhante a essa abordagem anteriormente. A resposta, porém, abordou aspectos subjetivos, embora fazendo menção à questão do correto uso da verificação lógica das questões morais e sociais do conhecimento e estudo dos temas dos cinco livros que compõem o Pentateuco dos cristãos e a equivalente Torá dos judeus. Nesse caso, conhecer o contexto desse livro e também dos outros quatro livros é importante para que saibamos que em sua existência enquanto povo de Deus, o povo hebreu não estava sozinho. E aqui não estamos tratando da presença ou do acompanhamento de Deus. Mas sim da existência e coabitação com outros povos existentes que eram contemporâneos do povo hebreu, se mencionarmos os vários momentos de conflitos em que o próprio povo hebreu se envolveu para defender a sua dignidade, a sua soberania, a sua morada e, principalmente, a sua existência.

E onde queremos chegar com essa abordagem? Queremos firmar que as pesquisas sobre a composição redacional, a autoria e a datação dos cinco primeiros livros que compõem as Sagradas Escrituras também se serviram de material histórico de outras pesquisas sobre outros povos que eram contemporâneos ao povo hebreu, histórica e geograficamente, em sua peregrinação e constituição como nação de Israel. Uma prova disso, basta estudarmos toda a história das civilizações egípcia, grega e romana, que encontraremos fatos ligados à existência do povo hebreu, muitas vezes conforme é relatado nas Sagradas Escrituras. Sem nos esquecermos dos persas, assírios, babilônios e outras culturas de menor expressão. Portanto, engana-se quem acha que as Sagradas Escrituras são uma monumental obra de enganação.

De acordo com Gazzi (2013), Moisés reuniu o povo hebreu para lhe transmitir

suas últimas mensagens, que podem ser entendidas como suas exortações finais sobre normas, regras, para o povo observar e praticar na nova morada em que está prestes a adentrar e dela tomar posse, a fim de viver e prosperar como uma nova nação, no sentido de se constituírem num território, deixando para trás o passado de peregrinação constante. Os pronunciamentos de Moisés foram dispostos em

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diferentes sessões. Não podemos de forma alguma afirmar que tudo foi dito num dia ou num único mês. Ou, até mesmo, se é que foi dito. Porém, o que nós temos é o escrito. E o que está escrito não é letra morta, presa num contexto histórico que não existe mais. E sim, a luz da fé das diferentes tradições religiosas, cristãs e judaicas precisa ser contextualizada no hoje da História. Contextualizado sim, mudado não.

Moisés especificou a data de 1º de fevereiro de 1405 a.C. quando reuniu o povo para este conjunto final de mensagens (Dt.1.3). Apesar de esse pronunciamento ter sido feito provavelmente em diversas sessões, a expressão “hoje” foi repetida mais de 60 vezes em todo o livro. Como a morte de Moisés ocorreu 30 dias mais tarde, a pronunciação e a escrita dessas mensagens estão muito próximas uma da outra (Dt.34.8) (GAZZI, 2013, p. 196).

De acordo com o livro, o povo hebreu estava próximo às margens do rio Jordão, aguardando com expectativa a futura aventura que o aguardava do outro lado da margem do Jordão. Caro acadêmico, de novo, na história do povo hebreu, surge a questão da travessia, da passagem, da mudança para o outro lado, para uma nova vida. E essa não foi a sua última travessia de uma margem para a outra, pois os seus futuros descendentes, em capítulos da história posterior, também atravessaram outros mares, oceanos e adentraram em outras terras, terras que também podem ser chamadas de terras onde correm leite e mel, ou seja, terras prósperas. Basta estudarmos a prosperidade do povo hebreu na Idade Média na Europa, na descoberta do Novo Mundo, como a América e fundação dos Estados Unidos, e a descoberta do Novíssimo Mundo (Austrália e Oceania). Ou seja, aonde o povo hebreu vai, parece que vai com ele não apenas a obrigação da observação da aliança, mas também a promessa e realização constante das bênçãos de Deus em sua vida.

Quanto à posição geográfica, Israel estava perto das margens do Jordão, ansioso pela nova aventura em Canaã. Tendo conquistado enorme área da Transjordânia quase sem perdas humanas sob a direção do Senhor, estava pronto para o desafio de Canaã. Quanto à religião, o novo Israel era, de muitas maneiras, diferente da primeira geração que saiu do Egito. Não tinha conhecido a idolatria daquele país e estivera sob a liderança de Moisés durante 40 anos no deserto. O povo conhecera o poder e a vitória como resultados da confiança que depositaram no Senhor quando estavam em batalha. Todavia, eram ainda propensos à autojustificação e à idolatria, e havia muitos problemas familiares e sociais aguardando por solução. Tendo aprendido a guerrear, precisavam ser lembrados da santidade da vida inocente e de como deveriam viver em Canaã (GAZZI, 2013, p. 197).

Gazzi (2013) também apresenta uma outra importante nota acerca da datação final do livro de Deuteronômio atribuída aos críticos do século XIX. E nessa nota podemos constatar que o contexto se refere ao reinado do Rei Josias. E este acabou, conforme pesquisas históricas, transferindo o culto para a cidade de Jerusalém. E segundo o autor, foi então, no tempo de Josias, inventado um escritor para o livro. Por outro lado, outros críticos reforçam que a datação é tão antiga quanto o Livro de Samuel. Porém, não há como afirmar ou excluir a participação de

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Moisés na redação do livro, assim como a anexação de textos feita posteriormente. Segundo Gazzi (2013, p. 198),

No século XIX, os críticos da Bíblia afirmavam que Deuteronômio fora escrito em torno de 620 a.C., como parte da reforma religiosa promovida pelo rei Josias, no qual ele insistiu que o culto fosse centralizado em Jerusalém. A lei do santuário central (Dt.12) foi considerada por esses críticos como a invenção de um escritor nos tempos de Josias. Desde o começo do século XX, todavia, essa teoria tem perdido apoio. Alguns têm atribuído a Deuteronômio uma data tão antiga como a época de Samuel, enquanto outros lhe deram uma data tão recente como o exílio. Muitos críticos ainda datam o livro no século VII a.C., que é o período do rei Josias. Esses estudiosos também questionam a unidade do livro. Se algumas partes parecem “antigas” (dos tempos de Moisés), eles atribuem essas partes a alguma tradição de tempos remotos que foi convenientemente preservada. Se outras partes parecem “recentes” (durante ou depois dos tempos de Josias), elas são chamadas de “redações posteriores” ou ali se encontram devido a alguma “edição tardia”. Tais métodos elásticos, subjetivos e especulativos não poderiam ser refutados de forma conclusiva senão com um manuscrito original do próprio Moisés, que ninguém possui. Nenhuma evidência concreta exclui a composição de Deuteronômio nos tempos de Moisés, reconhecendo-se, dentro de limites razoáveis, que edições posteriores tenham sido feitas por alguém como Josué, que adicionou o obituário de Moisés ao livro, além de algumas atualizações posteriores da gramática hebraica e de nomes de lugares.

Qual será o panorama histórico da elaboração desse livro? De acordo com Gazzi (2013), o contexto histórico da elaboração do Livro de Deuteronômio foram os tempos em que o povo se encontrava prestes a atravessar o rio Jordão sob o comando de Josué. Assim, não há resquício algum acerca de menção de reinado do rei Josias ou até mesmo da existência da cidade de Jerusalém. E as próprias tribos, que eram 12 em sua totalidade, são então mencionadas como constituintes de uma única. E não um reino dividido entre Sul e Norte, como fora então formulado pelo rei Josias. Ou seja, dentro da estrutura do Livro de Deuteronômio, fica difícil concluir uma não autoria de Moisés ou de pessoas que lhes eram contemporâneas. Isso pode ser percebido não só por questões presentes no próprio livro, mas também com a incompatibilidade cultural do tempo do rei Josias com a forma e estrutura semântica do Livro em todo o seu conjunto.

O pano de fundo e o contexto histórico do livro refletem as condições anteriores à conquista de Canaã sob Josué. Não há menção de algum rei em Judá ou da cidade de Jerusalém, embora esta seja mencionada mais de cem vezes pelo profeta Jeremias (que escreveu nos dias do rei Josias). É pouco provável que um autor do século VI a.C. deixasse de fazer alguma alusão, por mínima que fosse, à capital ou ao seu templo. As doze tribos estão representadas como uma nação (e não, como no período de Josias, divididas em reinos de Judá e Israel). As cidades de refúgio da Transjordânia são citadas, enquanto que as situadas em Canaã (as quais foram designadas mais tarde por Josué) não o são. Os nomes babilônicos dos meses não são usados e não há estrangeirismos persas no vocabulário, embora se possa esperar que estes fossem encontrados em uma obra escrita num período dominado por esses impérios. Moisés, Arão e Josué são mencionados, mas nenhum

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outro personagem ou acontecimento de uma época posterior aparecem. É pouco provável que um escritor de um período tardio, mesmo que versado nas tradições do passado, pudesse evitar de forma tão completa o uso de termos e a menção de pessoas ou eventos da sua própria época. Talvez ainda mais significativa seja a conformidade geral da estrutura de Deuteronômio à forma de tratado ou aliança característica dos meados do segundo milênio a.C. (época aproximada de Moisés). Encontramos as seguintes partes de um tratado de Deuteronômio: (a) um preâmbulo identificando o mediador da aliança (Dt.1.1-5); (b) um prólogo histórico recordando a história da aliança até então (Dt.1.6- 4.40); (c) estipulações que esclarecem o modo de vida segundo a aliança (Dt.4.44-11.32; 12-26); (d) uma declaração de sanções apresentando as bênçãos pela obediência e as maldições pela desobediência à aliança (Dt.27-30); e (e) uma disposição legal para a administração da aliança após a morte do mediador inaugural (Dt.31-34). Dessa forma, percebe-se no quinto livro do Pentateuco, o Deuteronômio, as principais partes em que eram divididos os tratados de aliança nos tempos de Moisés. Conclui-se, portanto, que Deuteronômio foi escrito por Moisés, o legislador de Israel, antes de sua morte em 1406 a.C. (GAZZI, 2013, p. 198-199).

Prezado acadêmico!

Você pode perceber que em relação à autoria dos cinco livros do Pentateuco, praticamente foram dadas duas respostas. Uma resposta que reporta às pesquisas antigas e modernas com variações de conclusões, embora estas não estejam encerradas, embora utilizam de meios precisos de averiguação, como as pesquisas arqueológicas e a associação com os registros históricos de outras civilizações. E a segunda, baseada nas tradições religiosas cristãs e judaicas. Estas, por se referirem aos conteúdos teológicos da fé, não podem ser desmerecidas quanto à forma em que definem a autoria dos livros do Pentateuco.

E agora, caro acadêmico? Como resolvemos essa questão? Foi ou não Moisés quem escreveu o Livro de Deuteronômio? E os demais livros que compõem o Pentateuco dos cristãos e a Torá dos judeus?

A citação de Gazzi anterior nos leva a crer que sim. Mas como crer nisto,

se nem sequer existem provas da existência de Moisés? E as diferentes fontes de pesquisas da formação e estruturação do Pentateuco, a Javista, a Eloista, a Sacerdotal etc.? E a crítica literária e moderna? Não podemos encerrar essa questão dando a ela uma única resposta. Por outro lado, temos que o povo hebreu existe, que o mesmo possui a sua história. Que a fonte oral da história possui autoridade moral na definição de fatos históricos ocorridos no passado. E os próprios historiadores possuem mecanismos para atestarem ou não a sua veracidade. Basta analisarmos como os historiadores atestam e confirmam o evento mais importante do Novo Testamento, que é a Ressurreição de Cristo.

Porém, voltando ao mérito da questão, se de fato conseguirmos provar que

Moisés é o autor do Livro, ou melhor, de todo o Pentateuco, o que é que muda? Ou melhor, o que alcançamos com isso? Por outro lado, se realmente conseguirmos

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provar a não autoria de Moisés desses cinco livros, em que essa resposta pode proporcionar um perigo para a fé de milhões de pessoas?

Por que da insistência tanto no Antigo e no Novo Testamento da afirmação

da autoria do Pentateuco a Moisés? Recordamos as expressões sobre Moisés como: E Moisés falou ao povo dizendo, segundo Moisés, estabelecido por Moisés, dentre muitas outras expressões. Ou seja, caro acadêmico, Moisés está para o Antigo Testamento assim como Jesus Cristo está para o Novo Testamento. Historicamente é impossível negar a existência de Cristo. Pois temos não só a força da verdade da tradição histórica oral, como também material documentado, datado e comprovado cientificamente. A questão de sua divindade ainda é uma questão de fé. Mas, o próprio Jesus se referiu a Moisés muitas vezes. Acaso teria ele se enganado? Deixando de lado essas questões, e se nós passarmos a encarar a figura de Moisés, fictícia ou não, como sendo um código religioso? Ou a repetição do nome e ação dele por várias vezes é apenas obra do acaso?

Moisés como sendo um código religioso, ou melhor, como sendo um código

teológico. Podemos também partir dessa conclusão, mesmo se porventura for comprovada definitivamente a sua autoria dos livros que compõem o Pentateuco.

E passemos então a analisar a sua história e comparamos ela com a própria história de Israel. Podemos perceber que há um plano de fundo na figura de Moisés, e que diz respeito somente à nação de Israel em sua relação de aliança com Deus. Ao lermos a história da vida de Moisés, percebemos que ele em muito foi capacitado por Deus para cumprir uma missão. O mesmo podemos perceber na própria história da constituição de Israel. Ou seja, Moisés é salvo, é escolhido, é resgatado, é capacitado e treinado por Deus para então cumprir uma missão divina. Assim, no Pentateuco, nas situações que dizem respeito à nação de Israel, ou melhor, alguma ação que compete ao povo hebreu realizar, temos então a figura de Moisés como sendo propedêutica à ação futura do povo, como: a fuga do Egito, a travessia do Mar Vermelho, a caminhada no deserto, a aliança no Sinai, as guerras enfrentadas, a preparação do povo para a adoração e prestação do culto divino, o recenseamento no deserto e a preparação para a entrada à terra prometida. E daqui em diante Moisés não vai, pois no capítulo 34 de Deuteronômio é narrada a sua morte. Se analisarmos essas questões, podemos entender melhor o porquê da insistência da autoria mosaica do Pentateuco. E essa insistência deve ser entendida mais do ponto de vista teológico do que historiográfico. Mesmo se a ciência moderna num futuro conseguir definir Moisés como sendo o autor dos livros que compõem o Pentateuco. Mesmo se trabalharmos com a hipótese da existência dele.

A leitura, o estudo e a interpretação do Pentateuco não podem ser feitos

simplesmente do texto pelo texto em si como se apresenta. É necessária uma correta exegese e hermenêutica dos textos e contextos bíblicos que se quer estudar, pesquisar e entender. Talvez o homem moderno, no seu fechamento intelectual, querendo apenas entender as coisas como elas são, não esteja dando espaço para a compreensão. Pois em matéria de religiosidade científica, busca-se não entender o ‘como’ de Deus, mas sim os seus ‘porquês’. Talvez seja isso que esteja faltando na nossa leitura cotidiana do Pentateuco.

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Sabemos que a fé carece muitas vezes da lógica para subsistir. Mas não é da lógica que a fé se nutre. E sim, a fé se nutre, se fortalece, se robustece da verdade. E verdade aqui não é a verdade científica pelos meios empíricos ou lógicos racionais. Verdade no sentido de ser uma moral fundamentada numa verdade lógica sem a qual uma pessoa não poderá subsistir socialmente, não apenas uma pessoa, mas toda a sociedade e até mesmo o Estado em si. Olhando para o Pentateuco, devemos relembrar as passagens que possuem as expressões: recorda os tempos de outrora, conforme nos tempos de seus pais, dos nossos pais, dos antigos etc. Ou seja, não que devemos fechar os olhos da autoria e datação do Pentateuco, mas, sobretudo, não podemos perder de vista o horizonte para onde ele aponta. Pois, para os hebreus, não recordar, não celebrar, não guardar, não observar, não vivenciar a Aliança com Deus é o mesmo que perdê-lo. E perdê-lo é a garantia de um caminhar errante pelas peripécias da história humana.

Não que a relação entre Deus e o povo hebreu fosse uma relação mágica.

As escrituras não nos narram isso. Muito pelo contrário. O que lá encontramos nos é apresentado como se fosse uma realidade muito próxima de nós. Como se Deus ao vivo e a cores estivesse atuando diretamente entre os homens, de maneira semelhante como é narrado na mitologia grega.

A questão, em relação à monumental obra do Pentateuco, mito ou não mito, é que temos um conhecimento aqui. E este se abre para a existência humana, para que esta, no correto uso de sua liberdade, possa então ser e se desenvolver plenamente humana no que se refere à verdade, à justiça, à caridade, à solidariedade, à equidade na aplicação de direitos e deveres. Ou seja, o que encontramos no Pentateuco é patrimônio cultural universal. Pois visa edificar a humanidade e não a dividir.

6 DIVISÃO

Um dos temas teológicos que pode ser considerado como um divisor de águas no livro é o olhar para o passado. Isto está prefigurado nos 11 primeiros capítulos do livro. Com o intuito de que o povo sempre se recorde do passado, do que foi o tempo da escravidão, do que significa desobedecer a Deus. Ou seja, a primeira divisão do livro foi formulada para ser dada para o povo de Deus lembrar o passado, pensar bem, decidir e determinar servir a Deus. Já do capítulo 12 ao capítulo 34 tem por finalidade fazer o povo hebreu olhar para frente, ou seja, para o seu futuro, com muita dedicação, esperança e cuidado. No que consiste à temática teológica “no olhar para trás” presente nos 11 primeiros capítulos do Livro do Deuteronômio, há nove divisões que remontam diretamente a aspectos vivenciados pelo povo hebreu.

A primeira divisão sugerida encontra-se em Deuteronômio 1, 1-5, esta narra

a estadia do povo hebreu no outro lado do rio Jordão, antes de o atravessarem em direção à terra prometida. Pois afirma que Moisés deu conselhos ao povo hebreu. Ou seja, ainda estavam na planície de Moabe.

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Os quarenta anos da peregrinação de Israel estavam para completar-se. A geração incrédula já havia morrido. Israel encontrava-se na planície de Moabe, perto do rio Jordão. Aí Moisés se dirige à nova geração que está prestes a apossar-se da terra prometida aos patriarcas. Seus discursos têm o propósito de preparar o povo para conquistar Canaã e renovar a aliança do Sinai (HOFF, 1995, p. 102).

A segunda divisão começa em Deuteronômio 1, 6-19, e apresenta Moisés em Horebe e Cades-Barneia, dirigindo seus conselhos ao povo, aconselhando-os a não esquecerem da observação ritual da Lei estabelecida no deserto, em vista de uma viagem espiritual para uma situação de vida melhor em outra terra. Em Deuteronômio 1, 20-46 tem início a terceira divisão. Nesta parte é mostrado que foi do próprio povo israelita a sugestão de enviar espiões para observarem a terra de Canaã. Porém, os hebreus não quiseram prosseguir com a conquista desta terra, murmurando contra Deus, recusando-se de adentrarem em posse da nova terra, pois estavam incrédulos de que poderiam ser donos dela mediante a ajuda de Deus, mesmo que o próprio Moisés proferisse palavras que os encorajassem a partir em frente para a conquista e domínio da terra. Pois eles estavam receosos pelos povos que deveriam enfrentar e expulsar, que eram então os dominadores do território.

FIGURA 25 – O RECEIO DOS HEBREUS DE ENTRAR NA TERRA DE CANAÃ

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/z2r7Xp>. Acesso em: 2 maio 2017.

Em seu primeiro discurso Moisés recapitula a história de Israel, começando pelo relato da partida de Horebe. Narra como nomeou os juízes. Este relato tinha, talvez, o propósito de lembrar aos israelitas que Deus havia multiplicado grandemente a descendência de Abraão. Era uma prova da fidelidade de Deus que cumpriria sua promessa de entregar aos israelitas a terra de Canaã. Lembra-lhes que a primeira geração havia perdido a oportunidade de entrar em Canaã por causa de sua incredulidade e rebelião. O fato de não entrar na terra constituiu pecado, porque o Senhor havia jurado aos patriarcas que daria a terra a eles e a seus descendentes. [...] Israel foi severamente castigado ao ser excluído de Canaã até que morresse a primeira geração. Moisés adiciona pormenores em Deuteronômio que não se encontram nos livros anteriores. Por exemplo, de acordo com 1:22, foram os israelitas que sugeriram a Moisés enviar espias, mas segundo Números 13:2 foi Deus quem o ordenou. Não há contradição alguma, pois Deus mandou

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que Moisés despertasse a atenção do povo para que se manifestasse o que havia em seu coração. Explica em 9:20 por que foi poupada a vida a Aarão quando ele fez o bezerro de ouro. Por outro lado, Moisés omite certos detalhes: não menciona em 11:6 a Core no relato da rebelião de Data e Abirão (Números 16), provavelmente porque alguns dos filhos de Core foram perdoados e permaneciam na congregação. Seu pecado fora removido e não seria lembrado jamais (Salmo 103:12) (HOFF, 1995, p. 102).

E, por fim, os hebreus choraram pelo fato de terem sofrido derrota. Porém, o livro narra que Deus não se comoveu (não ouviu a sua voz), pois percebeu que o lamento dos hebreus não era autêntico. E por causa de sua incredulidade e de sua falsidade, toda essa segunda geração de hebreus pereceu no deserto.

A quarta divisão narra as viagens pelo deserto, conforme narrado em Deuteronômio 2, 1-23. A expressão “muitos dias” significa na verdade 38 anos de peregrinação.

Moisés lembra a Israel que o Senhor os havia abençoado em tudo (2:7), havia-os guiado naquele "grande e tremendo deserto" e lhes havia dado vitórias sobre seus inimigos em Seom e Ogue. Por outro lado, não lhes havia permitido atacar os edomitas por serem eles descendentes de Esaú, nem aos moabitas e aos amonitas que eram descendentes de Ló. Como Soberano sobre as nações, Deus lhes havia especificado certo território como sua herança (HOFF, 1995, p. 100).

Devemos notar que esse tempo que os hebreus perderam no deserto é retratado no versículo 14.

1Viramo-nos, então, partindo para o deserto, a caminho do mar de Suf, conforme Iahweh me ordenara. E durante muitos dias contornamos a montanha de Seir. 2E Iahweh me disse: 3"Já rodeastes bastante esta montanha. Dirigi-vos para o norte! 4Ordena ao povo: Vós estais passando pelas fronteiras dos vossos irmãos, os filhos de Esaú, que habitam em Seir. Eles vos temem, de modo que deveis ter muito cuidado: 5não os ataqueis, pois nada vos darei da terra deles, nem sequer um pé do seu território: foi a Esaú que eu dei a montanha de Seir como propriedade. 6Comprareis deles o alimento para comer, a preço de dinheiro; e também comprareis deles, a preço de dinheiro, a água para beber. 7Pois Iahweh teu Deus te abençoou em todo trabalho da tua mão; ele acompanhou a tua caminhada por este grande deserto. Eis que durante quarenta anos Iahweh teu Deus esteve contigo e coisa alguma te faltou!" 8Cruzamos o território dos nossos irmãos, os filhos de Esaú que habitam em Seir, e passamos pelo caminho da Arabá, de Elat e de Asiongaber. Depois viramo-nos, tomando o caminho do deserto de Moab. 9Disse-me então Iahweh: "Não ataques Moab e não o provoques à luta, pois nada te darei da sua região. Eu dei Ar como propriedade aos filhos de Ló. 10(Outrora os emim aí habitavam; eram um povo grande, numeroso e de alta estatura como os enacim. 11Eram considerados como rafaim, assim como os enacim; os moabitas, porém, chamam-nos de emim. 12Em Seir habitavam outrora os horreus; os filhos de Esaú, porém, os desalojaram e exterminaram, habitando no seu lugar, assim como Israel fez para se apossar da terra que Iahweh lhe dera). 13E agora, levantai acampamento e atravessai o ribeiro de Zared!" Atravessamos então o ribeiro de Zared. 14De Cades Barne até a travessia do ribeiro de Zared nossa caminhada

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durou trinta e oito anos, até que se extinguisse do acampamento toda a geração de homens capacitados para a guerra, conforme Iahweh lhes tinha jurado. 15A mão de Iahweh estava contra eles, eliminando-os do acampamento até a sua completa extinção. 16Quando todos os homens capacitados para a guerra se extinguiram do meio do povo, pela morte, 17Iahweh me falou: 18"Hoje estás atravessando Ar, nas fronteiras de Moab, 19e te aproximas dos filhos de Amon: não os ataques e não os provoques, pois nada te darei da terra dos filhos de Amon para possuir; foi aos filhos de Ló que eu a dei como propriedade. 20(Era também considerada como terra dos rafaim; outrora os rafaim a habitavam, sendo que os amonitas chamavam-nos de zomzomim; 21era um povo grande e numeroso, de estatura alta como os enacim; Iahweh, porém, exterminou-os da frente dos amonitas, que os desalojaram para habitar em seu lugar, 22como fizera para os filhos de Esaú que habitam em Seir, exterminando os horreus da frente deles; eles desalojaram-nos e habitam no seu lugar até hoje. 23Quanto aos aveus que habitavam nos campos até Gaza, os caftorim saíram de Cáftor e os exterminaram, habitando depois em seu lugar) (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Deuteronômio, 2, 1-23).

Deuteronômio 2, 24 – 3, 22 se refere à quinta divisão pelo fato de narrar “a conquista da terra desta banda leste do rio Jordão”.

Moisés faz um comentário em relação a essa conquista da terra que estava situada na parte leste do rio Jordão por uma geração nova de hebreus que futuramente a adentraram mais uma vez sob a liderança de Josué.

Moisés tem essa atitude para demonstrar que Deus havia dado a vitória.

Por esse motivo, ele proferiu os encorajamentos para que os hebreus seguissem na conquista da terra que ele há muito tempo prometera.

Em Deuteronômio 3, 23-29 temos o destino do próprio Moisés. Nesta sexta divisão é narrada a fala de Moisés sobre o erro que cometera. Sendo este o motivo que o impediu de entrar na terra prometida. Moisés então falou que havia pedido a Deus para deixá-lo entrar na terra prometida. Porém, Deus recusou-se até mesmo a discutir essa questão. O resultado disso serviu para os hebreus como uma lição sobre o resultado da desobediência, serviu ao povo de Deus como um aviso contra desobedecer ao Senhor e para nós também.

23Implorei então a Iahweh: 24"Iahweh, meu Senhor! Começaste a mostrar ao teu servo tua grandeza e a força da tua mão. Qual é o deus no céu e na terra que pode realizar obras e feitos poderosos como os teus? 25Deixa-me passar! Deixa-me ver a boa terra que está do outro lado do Jordão, esta boa montanha e o Líbano!" 26Por vossa causa, porém, Iahweh irritou-se contra mim e não me atendeu; Iahweh disse-me apenas: "Basta! Não me fales mais nada a este respeito! 27Sobe ao topo do Fasga, levanta teus olhos para o ocidente, para o norte, para o sul e para o oriente, e contempla com os teus olhos, pois não vais atravessar este Jordão! 28Passa tuas ordens a Josué. Encoraja-o e fortifica-o, pois é ele quem vai atravessar à frente deste povo, fazendo-o tomar posse da terra que estás contemplando!" 29Permanecemos então no vale, diante de Bet-Fegor (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Deuteronômio, 3, 23-29).

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Na sétima divisão, a partir do texto de Deuteronômio 4, 1-40, é narrado o ensinamento de Moisés para a nova geração de hebreus (a terceira), novos assuntos importantes para o seu futuro na terra prometida. Destaca a importância de se guardar as leis e os julgamentos que Deus propôs para que pudessem entrar na terra de Canaã. Quanto a estes estatutos, eles não deveriam fazer sequer algum acréscimo. Ou seja, não deveriam excluir e muito menos acrescentar lei alguma àquilo que já estava estabelecido e predeterminado na Palavra de Deus.

Apenas seguir os mandamentos conforme prescritos por Deus outrora.

Novamente é alertado sobre o perigo de se cair em idolatria. Ou seja, o mesmo Deus que abençoa é também o mesmo que castiga em reparação de qualquer falta cometida.

Considerando o que havia sucedido à geração anterior, Moisés apela fervorosamente para Israel a fim de que não cometa o mesmo erro, que guarde a lei e a ponha em ação. Se obedecesse à lei viveria e tomaria posse de Canaã. Outro motivo para obedecer a Deus era que somente Israel tinha o alto privilégio de ser seu povo. Somente para Israel o Senhor estava tão perto. Havia-lhes falado com voz audível e com eles havia firmado um concerto. Notamos o zelo de Deus. Como o marido que dá à sua esposa amor sem reserva e exige dela lealdade, assim Deus exige a mais absoluta fidelidade de seu povo. Moisés adverte solenemente que o fato de apartar-se de Deus para prestar culto aos ídolos traria como consequência a dispersão dos hebreus. Por outro lado, o arrependimento traria a restauração. Quando Moisés fala ao povo, geralmente emprega o pronome "vós" (4:1-8, 11-18, 20-23), mas algumas vezes pensa em seus integrantes individualmente e usa o pronome "tu" (4:9, 10; 19:1-21). Em outras oportunidades ele próprio se inclui em sua nação e se expressa com a primeira pessoa do plural, "nós" (2:8) (HOFF, 1995, p. 102).

Em Deuteronômio 4, 41-49 encontramos a narração das cidades refúgio. Aqui acha-se então a oitava divisão. É feita a menção da entrega de cidades refúgio por Moisés novamente, sendo então três cidades situadas na parte leste do rio Jordão do total de seis, sendo isso o encerramento da primeira pregação de Moisés.

Segundo as antigas leis de Israel, quando alguém feria ou matava uma pessoa, embora fosse por acidente, podia ser morto pelo parente mais próximo da vítima. Este se chamava "vingador do sangue". Moisés indicou três cidades ao oriente do Jordão que serviriam de asilo aos que matassem a outros por acidente. Josué separou outras três cidades ao ocidente do mesmo rio.Os anciãos da cidade julgavam o fugitivo para ver se tinha ou não culpa de homicídio. Se havia matado sem má intenção ou por casualidade, podia ficar na cidade e estar seguro dentro de seus limites. Se, porém, saísse, o vingador do sangue tinha o direito de matá-lo. Se ficasse aí até que morresse o sumo sacerdote, então tinha liberdade de voltar ao seu lar sem maior perigo (HOFF, 1995, p. 105).

Na nona e última divisão (Dt 5, 1 – 11, 32) é apresentada a nova geração já ensinada nos preceitos e mandamentos antigos. Deuteronômio 5, 1-5 marca a segunda pregação de Moisés. O mesmo chamou todo o povo de Israel para essa segunda pregação. Nessa pregação Moisés deu ordens imperativas ao povo, como:

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ouvir, aprender, guardar e cumprir. Em Deuteronômio 5, 6-33 são apresentados novamente os dez mandamentos. Sendo essa parte do texto bastante semelhante a Êxodo 20.

O decálogo começa com as palavras: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" (5:6). O Senhor exige obediência porque: a) É Deus, o Soberano; b) Estabeleceu relação pessoal com o seu povo. A expressão "teu Deus" ou sua equivalente encontra-se mais de trezentas vezes em Deuteronômio e é a base da verdadeira fé. Lembra a relação que existe entre um pai e seus filhos; c) O Senhor redimiu a seu povo da servidão, portanto espera que os redimidos obedeçam à sua voz. A diferença entre o decálogo apresentado aqui e o de Êxodo 20 encontra-se no quarto mandamento. Para observar o dia de descanso, Deuteronômio adiciona outra razão além de que o Criador tenha descansado: os israelitas haviam sido resgatados da servidão do Egito e deviam dar a seus servos e animais de trabalho o dia de descanso semanal (5:14, 15) (HOFF, 1995, p. 103).

Nesta segunda pregação, fica bastante especificado que foi por vontade de Deus que o povo hebreu venceu os povos inimigos e conquistou sus terras do outro lado do Jordão em Canaã. Os povos inimigos foram vencidos, exterminados ou expulsos, a fim de não haver aliança alguma da parte do povo hebreu para com eles. E também de evitar que o povo hebreu se misture com as outras culturas, a fim de que não houvesse o desvio dos israelitas das coisas de Deus.

Essa parte do texto evidencia a necessidade de se ter em mente as verdades da lei de Deus que orientam ao povo a retirar tudo de sua vida que desagrada a Deus. Explica também o porquê da escolha de Deus em relação a Israel e a nenhum outro povo. Essa divisão apresenta também a destinação da graça de Deus para aqueles que ele elegera.

Essa divisão é também uma explicação sobre o porquê da permanência do povo no deserto. Explicando o porquê da humilhação e provação dos hebreus no deserto, que tinha por objetivo testar a Israel quanto à guarda dos mandamentos recebidos por Deus através de Moisés. É enfatizado que Deus garante a promessa de bênção se o povo hebreu seguisse os seus mandamentos. E também dá um alerta de correção se este deixasse de observar os seus mandamentos.

Em Deuteronômio 9, 1 – 11, 9 tem-se avisos e exortações de Moisés ao povo hebreu de que Deus daria garantias da conquista da terra de Canaã a eles. Essa conquista não era por causa de sua fidelidade passada, mas sim pelo fato deles serem um povo obstinado. E, por fim, Moisés faz uma revisão de toda a história do povo hebreu, principalmente da parte da história em que narra o erro deles em não entrar na terra prometida quando tiveram a oportunidade pela primeira vez até o tempo presente.

1Ouve, ó Israel: hoje estás atravessando o Jordão para ires conquistar nações mais numerosas e poderosas do que tu, cidades grandes e fortificadas até o céu. 2Os enacim são um povo grande e de alta estatura. Tu os conheces, pois ouviste dizer: "Quem poderia resistir aos filhos de Enac?" 3Portanto, saberás hoje que Iahweh teu Deus vai atravessar

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à tua frente, como um fogo devorador; é ele quem os exterminará e é ele quem os submeterá a ti. Tu, então, os desalojarás e, rapidamente, os farás perecer, conforme te falou Iahweh. 4Quando Iahweh teu Deus os tiver removido da tua presença, não vás dizer no teu coração: "É por causa da minha justiça que Iahweh me fez entrar e tomar posse desta terra", pois é por causa da perversidade dessas nações que Iahweh irá expulsá-las da tua frente. 5Não! Não é por causa da tua justiça, nem pela retidão do teu coração que estás entrando para tomar posse da sua terra. É por causa da perversidade dessas nações que Iahweh irá expulsá-las da tua frente, e também para cumprir a palavra que ele jurou a teus pais, Abraão, Isaac e Jacó. 6Saibas, portanto: não é por causa da tua justiça que Iahweh teu Deus te concede possuir esta boa terra, pois tu és um povo de cerviz dura! 7Lembra-te! Não esqueças que irritaste a Iahweh teu Deus no deserto. Desde o dia em que saíste da terra do Egito, até à vossa chegada a este lugar estais sendo rebeldes a Iahweh! 8Até mesmo no Horeb irritastes a Iahweh! Iahweh se enfureceu contra vós, querendo vos exterminar. 9Quando eu subi à montanha para tomar as tábuas de pedra, as tábuas da Aliança que Iahweh tinha concluído convosco, permaneci na montanha durante quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão e sem beber água. 10Iahweh deu-me então as duas tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus. Sobre elas estavam todas as palavras que Iahweh falara convosco na montanha, do meio do fogo, no dia da assembleia. 11Após quarenta dias e quarenta noites Iahweh entregou-me as duas tábuas de pedra, as tábuas da Aliança (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Deuteronômio, 9; 1-11).

Concluindo o segundo discurso, Deuteronômio 11, 10-32 apresenta uma promessa de bênção caso a nação israelita fosse obediente, e uma maldição caso esta incorra em desobediência.

Moisés previu o perigo de que os israelitas, uma vez estabelecidos na terra de Canaã, se esquecessem de seu Deus e servissem a deuses estranhos. Advertiu também a Israel quanto à covardia, quanto à autossuficiência, e proibiu-lhe buscar acordo com as nações derrotadas. Deus escolheu Israel para ser um povo santo, especial (7:6), “o seu povo próprio, de todos os povos que sobre a terra há" (14:2) (HOFF, 1995, p. 103).

Já a segunda divisão do Livro de Deuteronômio tem seu início em Deuteronômio 12-34, e o tema central dessa segunda divisão é proposta para o povo visar o futuro, ou seja, “Olhar Para Frente”. Essa divisão está distribuída em seis seções diferentes.

A primeira seção se refere a leis de como devem proceder à adoração de Deus, como pode ser conferido no fragmento de Deuteronômio 12-13.

Essa seção narra que Deus ordenou que Israel fizesse desaparecer todo tipo de idolatria da terra de Canaã. Pois se a idolatria praticada pelos povos que habitavam a terra de Canaã permanecesse em seu meio, seria então uma tentação para que os hebreus as aceitassem e as praticassem.

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O propósito das leis deste grupo era obter a consagração completa ao Senhor. As exigências no tocante aos dízimos, às primícias e aos sacrifícios estavam relacionadas com o estabelecimento de um único lugar de culto que no princípio foi o tabernáculo e, mais tarde, o templo. Precauções contra a idolatria: Capítulos 12 e 13. Ao entrar em Canaã, os israelitas estariam rodeados de idolatria; por esse motivo Moisés os preparou para resistir a esta tentação e lhes ordenou três coisas: Deviam destruir completamente todos os locais do culto pagão para que a terra fosse santa. Deviam prestar culto ao Senhor em um único lugar. Isto havia de preveni-los contra a tendência de misturar os costumes idólatras cananeus com o culto puro devido ao Senhor. O próprio Senhor escolheria o centro religioso para colocar nele o seu nome (isto é, revelar seu caráter e glória), e para esse lugar deviam os israelitas trazer seus sacrifícios e suas ofertas. Deviam erradicar os que caíssem na idolatria. Deus permitiria que se levantassem falsos profetas para provar a seu povo e dessa maneira descobriria se o amavam de todo o seu coração ou não. Não deviam deixar que os falsos profetas os enganassem com seus sinais e milagres. Deviam matá-los. Também os idólatras deviam ser mortos publicamente. Seus pertences seriam queimados a fim de que os verdugos não fossem motivados pela esperança de receber lucros por sua obra (HOFF, 1995, p. 103-104).

Também nessa seção, Deus destinou a tenda do tabernáculo como sendo o único lugar de se prescrever a adoração devida a Ele, oferecendo-lhes sacrifícios e holocaustos. Moisés então apresentou três coisas que podem seduzir o povo hebreu para o desvio das coisas de Deus: a presença de falsos profetas (13, 1-5); a obstinação pela vida familiar (13, 6-11); a relação com os vizinhos (13, 12-18).

12E todo Israel ouvirá, ficará com medo e nunca mais se fará uma ação má como esta em teu meio. 13Caso ouças dizer que, numa das cidades que Iahweh teu Deus te dará para aí morar, 14homens vagabundos, procedentes do teu meio, seduziram os habitantes da sua cidade, dizendo: "Vamos servir a outros deuses", que não conhecestes, 15deverás investigar, fazendo uma pesquisa e interrogando cuidadosamente. Caso seja verdade, se o fato for constatado, se esta abominação foi praticada em teu meio, 16deverás então passar a fio de espada os habitantes daquela cidade. Tu a sacrificarás como anátema, juntamente com tudo o que nela existe. 17Reunirás todos os seus despojos no meio da praça pública, e queimarás completamente a cidade e todos os seus despojos para Iahweh teu Deus. Ela ficará em ruínas para sempre e nunca mais será reconstruída. 18Nada do que for sacrificado como anátema ficará em tua mão, para que Iahweh abandone o furor da sua cólera e te conceda o perdão, tenha piedade de ti e te multiplique, conforme jurou a teus pais (BÍBLIA DE JERUSALÉM, Deuteronômio, 13, 12-18).

A segunda seção dessa segunda divisão do Livro de Deuteronômio 14-16 apresenta as leis consideradas como “leis de separação”, estas constituem-se nas cinco leis a seguir:

• Em Deuteronômio 14, 1-21 tem-se as leis sobre os alimentos. Ordenando que estes devem ser separados de tudo o que é impuro segundo a Lei.

• Deuteronômio 14, 22-29 faz uma abordagem sobre o dízimo, apresentando ele não apenas como sendo uma obrigação, e sim como uma forma de gratidão do povo hebreu pela bênção que recebera de Deus.

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• O ano sabático é retratado em Deuteronômio 15, 1-15. Prefigurando como uma terceira lei de separação. Esta versando sobre a necessidade de se honrar a Deus no tempo dos homens.

• A quarta lei de separação citada em Deuteronômio 15, 16-23 refere-se à lei do servo voluntário. Nesse caso, o servo, que já prefigurava como sendo um escravo, se doava em serviço ao seu mestre de forma voluntária e por amor.

• Já em Deuteronômio 16, 1-18 temos a quinta lei de separação, que versa sobre as festas religiosas. Estas têm a função de manter a religião pura conforme a vontade de Deus.

Como povo consagrado ao Senhor, os israelitas deviam manifestar a santidade em todos os aspectos da vida. Esta santidade devia expressar-se de várias formas:a) Não deviam praticar os costumes pagãos (14:1). Como filhos de Deus, feitos à sua imagem, não deviam desfigurar seus corpos (ver I Coríntios 6:19, 20).b) Deviam comer somente o que era limpo (14:3-21). O apóstolo Paulo interpreta o imundo em termos espirituais como tipos do impuro na esfera moral (II Coríntios 6:17).c) Deviam oferecer a Deus os dízimos dos frutos de seu trabalho (14:22-29). Os produtos da terra e tudo o que o homem possui devem ser considerados como dádiva de Deus e uma décima parte há de ser separada para o Senhor. No versículo 29 do capítulo 14 evidencia-se o grande cuidado de Deus para com os pobres e se encontra a promessa de abençoar ao que dá generosamente. Hoje também "a religião pura e imaculada" inclui o cuidado para com os necessitados (Tiago 1:27).d) Deviam cancelar as dívidas cada sétimo ano, o ano de remissão (15:1-6, 12-18). Esta lei tinha o propósito de evitar que os ricos aumentassem seus bens e os pobres se empobrecessem mais com o correr do tempo. Também deviam deixar em liberdade os que tinham sido forçados a vender-se ou colocar-se a serviço do seu credor para liquidar suas dívidas. A remissão do Senhor mostra que ele é misericordioso (HOFF, 1995, p. 104).

Portanto, de acordo com essas leis, podemos entender que Deus queria que o povo hebreu fosse diferente dos outros povos ao seu redor.

A terceira Lei da segunda divisão do livro, presente em Deuteronômio 16, 18 – 18, 22, versa sobre leis civis e as responsabilidades dos líderes religiosos. Sendo que nesta lei é apresentado que Deus entregou ao povo de Israel juízes para julgar os problemas sociais e econômicos dos hebreus. Isso era uma forma de se garantir a justiça e de se evitar qualquer tipo de confusão entre os israelitas. Nesta lei é apresentado o mandamento que Deus dera. O de mandato de apedrejar os idólatras.

Considerando que o Senhor protegeu a vida dos primogênitos na noite da páscoa, estes lhe pertenciam (Êxodo 13:1-2, 11-16). Deus tomou os levitas em lugar dos primogênitos (Números 3:11, 12) para servir no tabernáculo, ensinar a lei e ajudar os sacerdotes. Portanto, não receberiam território como as demais tribos. "O Senhor é a sua herança" (10:9). Estariam dispersos por todas as partes a fim de que seus serviços estivessem ao alcance de todo o povo hebreu e deviam ser sustentados pelos dízimos dos israelitas. Os profetas e o Profeta: Capítulo 18:9-22.

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Encontra-se aí a promessa de Deus de que levantaria uma ordem de profetas com a proibição de recorrer a adivinhos e a espiritistas. Através dos séculos, o homem tem desejado conhecer o futuro e ver além. Deste desejo nasceu o espiritismo, o qual forma parte de muitas religiões pagãs e enganam os que vão em busca de consulta aos médiuns. Moisés ordenou aos israelitas que erradicassem por completo a prática de adivinhações, de espiritismo e de magia. Não era necessário consultar os espiritistas para saber o futuro, porque Deus enviaria profetas verdadeiros e suas credenciais seriam de tal sorte que não deixariam lugar para dúvidas. Seriam profetas do Senhor e não de outro deus (18:20). O homem que se lança ao ofício profético sem ser chamado por Deus é um profeta falso (18:20). Os autênticos não profetizariam de seu próprio coração, mas falariam somente as palavras que Deus lhes desse (18:18). Suas palavras se cumpririam infalivelmente (18:22). Não obstante, podia ocorrer, em certos casos, que falsos profetas operassem milagres e se cumprissem suas palavras, mas ficariam a descoberto através de sua doutrina em desacordo com a de Deus (13:1, 2) (HOFF, 1995, p. 105).

A quarta lei, que é narrada em Deuteronômio 19:1-21:9, se refere aos estatutos para se convocar a guerra e prescrições sobre o homicídio. Nessa lei, é concedida por Deus proteção para o homem que cometeu algum tipo de homicídio, desde que esse não seja um homicídio almejado, mas sim que tenha ocorrido de forma acidental e também como forma de se proteger de alguém vingador.

Segundo as antigas leis de Israel, quando alguém feria ou matava uma pessoa, embora fosse por acidente, podia ser morto pelo parente mais próximo da vítima. Este se chamava "vingador do sangue". Moisés indicou três cidades ao oriente do Jordão que serviriam de asilo aos que matassem a outros por acidente. Josué separou outras três cidades ao ocidente do mesmo rio. Os anciãos da cidade julgavam o fugitivo para ver se tinha ou não culpa de homicídio. Se havia matado sem má intenção ou por casualidade, podia ficar na cidade e estar seguro dentro de seus limites. Se, porém, saísse, o vingador do sangue tinha o direito de matá-lo. Se ficasse aí até que morresse o sumo sacerdote, então tinha liberdade de voltar ao seu lar sem maior perigo (HOFF, 1995, p. 105).

São também dispostas, nessa quarta lei, a regra que versa contra a mudança dos limites das heranças, a regra da necessidade de se ter duas testemunhas para se condenar o homem acusado de uma ofensa e também a responsabilidade de um juiz para que este esteja preparado para investigar tudo a fim de encontrar a verdade. Estas podem ser encontradas em Deuteronômio 19, 15-21. E, por último, a lei da investigação dos mortos que fossem encontrados no campo, em Deuteronômio (21, 1-9).

A quinta lei constituída em Deuteronômio 21, 10 – 30, 20 versa sobre as leis domésticas e leis consideradas diversas. Estas consideradas como entregues por Deus a fim de governar o seu povo.

1. Uma vez que as leis que se encontram nestes capítulos são muitas e a maioria delas corresponde a uma época passada, consideraremos somente algumas dessas leis.a) A lei se mostra atenciosa quanto ao serviço militar (20:5-8). Aquele que acabava de construir uma casa nova, ou de semear uma vinha,

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ou de contrair matrimônio, estava isento do serviço militar. Não se aceitavam os medrosos, pois não seriam bons guerreiros e seu medo seria contagioso.b) Os israelitas deviam destruir completamente os cananeus e suas cidades (20:16-18). O propósito era que a religião do Senhor não fosse contaminada com os costumes pagãos.c) Os israelitas deviam manter diferenças de vestimenta entre os sexos (22:5). Dada a similitude do atavio masculino e feminino, era necessário poder distinguir entre ambos. De início Deus criou o homem e a mulher e cada um tem sua natureza e funções distintas. Esta lei protegia-os da perversão e da imoralidade.d) A escravidão, o concubinato, a poligamia e o divórcio eram tolerados, mas muito restritos (21:10-17; 23:15, 16; 24:1-4; Êxodo 21:2-11). A escravidão não existia em grande escala, como em outras nações, e as leis mosaicas quanto a estas infelicidades eram muito humanitárias. Deus permitiu estes abusos porque os hebreus ainda não estavam preparados para a elevada moral do Sermão do Monte (HOFF, 1995, p. 106).

A sexta lei está contida do capítulo 31 ao 34. Esta se refere aos conselhos finais dados ao povo hebreu por Moisés. Sendo que no capítulo 31 Moisés orienta os sacerdotes, os levitas e o próprio Josué como sendo o novo líder.

Ao completar cento e vinte anos, o grande dirigente sabia que lhe restava pouco tempo antes de morrer. Animou os israelitas a esforçar-se por tomar posse de Canaã, colocou Josué em seu posto de sucessor, e entregou o livro da lei aos levitas para ser guardado junto da arca no lugar santíssimo. Moisés deu instruções aos levitas para que congregassem o povo nos anos sabáticos a fim de ler-lhes a lei. Desse modo os levitas receberam o cargo docente em Israel. Após cruzar o Mar Vermelho Moisés havia entoado um hino ao Senhor (Êxodo 15:1; Apocalipse 15:3), e agora quando está prestes a concluir sua carreira compõe outro cântico de júbilo ao Senhor. Recebe esse cântico o nome de "chave de toda a profecia", porque conta o nascimento e a infância de Israel, sua integridade e apostasia, seu castigo e restauração. Por outro lado, o tema é o nome de Deus, sua terna solicitude por seu povo, sua justiça e misericórdia. O cântico de Moisés tinha muita importância, pois "os cânticos nacionais se gravam profundamente na memória, e exercem poderosa influência para comover os sentimentos de um povo".3Encontram-se algumas figuras retóricas de muito interesse neste cântico. Deus é designado como "Rocha" de Israel (32:4, 18, 30, 31) metáfora expressiva do poder e estabilidade divina. Era o Refúgio e o Defensor de seu povo. Em tempos de ataque, as pessoas em perigo costumavam, às vezes, subir nas penhas de onde podiam defender-se mais facilmente; por isso se considerava a rocha lugar propício de refúgio (HOFF, 1995, p. 108).

O capítulo 32 contém o último cântico de Moisés. E o capítulo 33 apresenta a bênção dada por Moisés às 12 tribos que compõem Israel. É apresentada a predileção que Deus tem pelos hebreus. Mostra o trato que Deus tem para com o povo de Israel, o quanto é generoso, favorável, prestativo e atento para com esse povo que escolhera. As bênçãos são específicas para cada tribo que compõe a nação de Israel. Pois cada uma delas tem uma peculiaridade diante de Deus.

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Moisés ilustra o cuidado carinhoso e extraordinário de Deus para com seu povo no deserto empregando três figuras poéticas: Israel é "a porção do Senhor" e "sua herança" (32:9). Isso indica que Deus preservou para si a Israel como herança especial. Guardou-o como um homem guarda a menina de seu olho, parte vital e muito delicada (32:10). Também compara o cuidado divino ao da solicitude da águia. Ensina seus filhotes a voar e intervém em caso de a jovem águia em sua primeira tentativa começar a cair ao solo. A mãe passa por baixo de seu filhote que cai e o leva sobre suas asas (32:11). O termo Jesurum (32:15) é uma expressão de carinho; significa "criança mimada" ou, possivelmente, "o justo". Contudo, Jesurum seria como um animal engordado que, em vez de sentir gratidão e submeter-se ao seu generoso senhor, escoiceia. Assim Israel, visto profeticamente, a despeito das grandes bênçãos que receberia do Senhor, voltar-lhe-ia as costas e se entregaria à idolatria. Pouco antes de subir ao Monte Nebo para contemplar a terra prometida e morrer, Moisés abençoou as tribos de Israel. Convocou-as, exceto a de Simeão e profetizou poeticamente as bênçãos que elas receberiam ao estabelecer-se em Canaã. A última bênção de Moisés e a última bênção de Jacó contrastam muito entre si. Jacó sintetizou a história da conduta de seus filhos, que às vezes foi triste e humilhante. Moisés, pelo contrário, passa por alto os pecados deles e apresenta a graça que Deus revelou a seu favor. Como se explica a diferença entre as duas bênçãos, uma vez que ambas se referem às tribos de Israel? Um comentarista, C. H. Mackintosh, observa: "Jacó contempla seus filhos do ponto de vista pessoal; Moisés os vê segundo a relação que existe com o Senhor em virtude do concerto". Convém notar que as bênçãos se concretizariam com a colocação de cada tribo na terra de Canaã tal como foi dividida mais tarde. Com olho profético, o velho dirigente viu a terra prometida e a localização posterior de cada tribo. Também se relacionam as bênçãos de cada tribo com a necessidade ou função de cada uma delas. Para Rúben, que havia perdido a primogenitura, Moisés pediu a multiplicação de seus filhos. Judá teria grande poder; seria como o que toma a dianteira nas ações militares contra os inimigos de Israel. Levi recebeu o sacerdócio e o ministério de consultar ao Senhor em paga por seu zelo pela causa do Senhor na ocasião em que Moisés decretou a morte dos impenitentes adoradores do bezerro de ouro. Moisés contemplou a tranquilidade futura de Benjamim ao habitar nos montes. Acerca das tribos de José, Efraim e Manasses, foi profetizada a fertilidade de sua terra e também sua grande força semelhante à de um búfalo. Zebulom e Issacar prosperariam em empresas comerciais nas costas do mar. Dã seria valente e forte como um leão jovem que chega à plenitude de suas forças. Naftali receberia uma terra fértil na região do mar da Galileia. De Aser, Moisés profetizou grande abundância de oliveiras e segurança. O segredo para receber todas as bênçãos encontra-se no incomparável Deus de Jesurum. Os israelitas alcançariam vitória sobre seus inimigos porque Deus lha concederia. Quando Israel se colocava nos braços eternos, esses mesmos braços o conduziam pelo campo de batalha e o utilizavam para executar o juízo divino contra os corrompidos cananeus (HOFF, 1995, p. 108).

E por fim, o capítulo 34 retrata os últimos dias de vida de Moisés e a sua própria morte. Um fato importante desta, destaca a subida de Moisés ao monte de Nebo, ao topo do Monte de Pisga para então ver, ao menos de longe, a terra prometida, e lá em cima é narrado então como sendo o lugar de sua morte e de sua sepultura.

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Como parte da recompensa por sua fidelidade, Deus permite a Moisés contemplar a terra prometida do topo do Monte Nebo. Mas por sua desobediência no incidente das águas de Meribá, não se lhe permite entrar naquela terra. Demonstra que embora Moisés seja libertador, não é o libertador por excelência, pois não pôde alcançar para seu povo a vitória final. Não obstante, não houve profeta antes nem depois em Israel como ele. Deus levou o espírito de Moisés consigo e sepultou o corpo em um lugar desconhecido dos israelitas. Se o lugar de seu sepultamento fosse conhecido, o povo o teria convertido em um santuário idólatra. Muitos creem que Josué escreveu este último capítulo como tributo final a Moisés (HOFF, 1995, p. 108).

7 GÊNERO LITERÁRIO

É de comum acordo que o gênero literário empregado no Livro de Deuteronômio condiz com a função com que esse livro se propõe. Ou seja, o estilo exortativo em que a linguagem do livro está estruturada contribui para que a mensagem teológica seja então absorvida pelo leitor, conforme conclui Gazzi:

Em nenhum outro livro do Pentateuco a forma literária é tão significativa para a determinação da mensagem e a compreensão da teologia quanto em Deuteronômio. O fato de o livro estar disposto segundo os padrões dos tratados de suserania revela que uma das preocupações do autor foi enfatizar o caráter e as ações de Deus, como autoridade suprema, e as responsabilidades de Israel, como vassalo, bem como as promessas que Yahweh se obrigava a cumprir a favor de Israel caso o povo escolhido permanecesse fiel ao compromisso assumido no Sinai, o qual Deuteronômio evocava e atualizava (GAZZI, 2013, p. 199).

As exortações e as menções ao passado delimitam quem é Deus, como este age, o que é o povo hebreu para Deus, como este deve se comportar. Por fim, o livro em seu estilo delimita a personalidade de cada um desses entes, Deus e o povo, sendo então Deus o ente de si mesmo.

Um outro estilo característico pode ser identificado nas recordações que

no livro são feitas. Ou seja, além da exortação, o próprio mandato de recordar o passado também é um outro estilo literário desse livro. A forma de recapitulação das leis pode também ser entendida como um terceiro estilo, pois essa forma de edição não é presente nos outros quatro livros que compõem o Pentateuco.

O gênero literário exortativo deve ser entendido como uma expressão usada

para visar uma preparação para o povo hebreu em relação a eventos futuros que lhe dizem respeito à sua sobrevivência e até mesmo à sobrevivência da Aliança selada outrora com os seus antigos pais. Portanto, o estilo da expressão usada não deve ser encarado como uma lição de moral ou uma chamada de atenção com o intuito de corrigir. Mas tem por finalidade transportar o ideário da Aliança para o novo contexto social que está prestes a se iniciar para Israel na inevitável transição de vida do povo hebreu para uma nova vida numa nova terra. Ou seja, a terra é nova, a geração também, mas Deus e a Aliança são os mesmos. Como o novo contexto social e político apresentava novos desafios para Israel, ele devia estar preparado para assegurar a observância das leis religiosas que se desenvolveram outrora.

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Em Deuteronômio, as estipulações da aliança foram divididas em estipulações gerais (5.1–11.32) e específicas (12.1–26.19). As provisões para a transição, que nos tratados seculares lidavam com a continuidade da lealdade do vassalo para com o herdeiro do suserano, descrevem a herança espiritual de Josué, os papéis de mediador da aliança e de representante da nação, que até esse momento haviam pertencido a Moisés (31.1-8). Em lugar das sanções da cerimônia dos votos, Deuteronômio contém as bênçãos de Moisés sobre as doze tribos, as quais foram consideradas proféticas e tinham a força legal de um testamento (33.1-29). O livro termina com o obituário de Moisés, algo necessário para dar validade ao testamento espiritual (34.1-12; Hb 9.16, 17) (GAZZI, 2013, p. 200).

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LEITURA COMPLEMENTAR

PROJETO REESCREVE ANTIGO TESTAMENTO

Duzentos anos para reescrever a Bíblia

Estudiosos da Hebrew University devem publicar o quarto volume do projeto que pretende reescrever o Antigo Testamento.

A reportagem é de Francesco Battistini, publicada no jornal Corriere della Sera, em 26 de agosto de 2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

E Moisés disse: que o Altíssimo disperse o gênero humano "segundo o número dos filhos de Deus". Disse precisamente isso no Deuteronômio. O número dos filhos de Deus. Ou seja, muitas divindades, não uma só. Um elemento de politeísmo. É isso que nos parecem contar hoje os Pergaminhos do Mar Morto, os manuscritos mais antigos da Bíblia.

Mas não foi isso que nos transmitiram os massoretas, os escribas que, no final do primeiro milênio, releram, rediscutiram, corrigiram o Antigo Testamento. Entende-se: o politeísmo era um conceito incompatível, inaceitável, insustentável no canto de Moisés. E, então, zás: em vez de interpretar, de dar uma leitura teológica a essa passagem, melhor cortar, apagar com um pouco de monoteísmo. E recopiar de outro modo: "Segundo o número dos filhos de Israel", 70 como as nações do mundo, tornou-se a versão que chegou até nós.

Um retoquezinho: "E muitos mais foram feitos", diz o biblista Rafael Zer, da Hebrew University de Jerusalém. "Para os crentes, a fonte da Bíblia é a profecia. E a sua sacralidade permanece intacta. Mas nós, estudiosos, não podemos ignorar uma coisa: que essas palavras foram confiadas aos seres humanos, ainda que por iniciativa e com o acordo de Deus. E, de passagem em passagem, houve erros e se multiplicaram...".

Uma palavra, a Palavra. Sobre a Bíblia, se jura e se reza, na Bíblia se espera e se crê. Mas qual Bíblia? O Pentateuco Samaritano, a Septuaginta, a Vulgata, a Bíblia do Rei James? Sobre uma das mais altas colinas de Jerusalém, em uma das maiores bibliotecas do mundo, na Hebrew University fundada por Einstein e Freud, no silêncio das oliveiras e protegido de toda curiosidade, há uma equipe de biblistas que, há 53 anos, tem a ambição de publicar a última, definitiva, incontestável escritura do Antigo Testamento.

"The Bible Project", a Academia da Bíblia. Dezenas de exegetas, em grande parte judeus, mas em consulta constante com os colegas das universidades pontifícias e de Friburgo. Reuniões mensais. Boletins internos e totalmente reservados. A recomendação de não falar muito a respeito por aí. De acordo com um projeto tão ambicioso quanto lento: em meio século, só foram publicados três livros dos 24 livros da Bíblia hebraica (39 para os cristãos, que os contam de modo diferente), um quarto

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e um quinto são iminentes. O último componente do originário comitê científico morreu há pouco tempo, aos 90 anos. E toda a obra, se prevê, não irá terminar antes de dois séculos: por volta de 2200, ou mais do que isso.

"É um trabalho enorme", diz o Pe. Matteo Crimella, estudioso milanês da Ecole Biblique, próxima da Porta de Damasco, que conhece o projeto: "Começa-se do Códice de Alepo, o mais antigo manuscrito massorético, para oferecer um texto crítico com todas as variantes possíveis. A novidade é que se leva em conta os manuscritos do Qumran, fazendo um salto de mil anos com relação ao Códice de Leningrado, que sempre foi a base de todos os estudos. E se avalia, se compara o material disponível em todas as partes do mundo". A evolução da Palavra através dos milênios.

Compulsando manuscritos hebraicos, anotações meticulosas, traduções gregas, siríacas, latinas, coptas, etíopes, papiros egípcios, edições venezianas do século XVI, textos de Pisa, amanuenses samaritanos, pergaminhos em aramaico, até citações do Alcorão...

Derrubando as certezas dos ultraortodoxos que acreditam em uma única Palavra divina, inalterada e inalterável. Cada página tem uma linha de texto e uma série de aparatos: a tradução alexandrina mais antiga, as lições baseadas nos textos do Mar Morto, as citações rabínicas e do Talmude, as diferenças de vocalização, o comentário. Destacando evoluções, correções, censuras. Algumas desejadas, outras casuais.

"Sabe-se que todo texto bíblico transmitido à mão ou por ditado nunca é igual", explica o professor Alexander Rofe, israelense nascido em Pisa, professor durante 40 anos da Hebrew University. "Os textos de 400 a.C. eram como um funil invertido: para uma palavra que entrava, saíam muitas mais. Mas, dois séculos e meio depois, ocorre o inverso. O funil se inverteu para o outro lado. E, no Templo, alguém disse: esse é o texto oficial. A partir disso, todos os livros foram corrigidos. E se um livro era muito divergente, não o podendo destruir, era enterrado. Foi deste modo que se começou a refletir sobre a Sagrada Escritura, mas sem preservá-la".

Uma palingênese de séculos. Assim se tornou a Bíblia. Onde a uma correção se acrescentava outra correção. Onde alguma seita acrescentava a sua contribuição. Onde os tardo-bizantinos assinalaram as precisões ortográficas. Tanto que, uma verdade já consolidada, o Antigo Testamento que lemos hoje não é o que era lido originalmente.

No Livro dos Provérbios, por exemplo, quando uma versão diz que o justo "anda na sua integridade", uma outra fala da "sua morte", introduzindo um conceito do além muito caro aos fariseus: os dois termos, muito semelhantes, também são igualmente ilustrados pelo "The Bible Project" com todas as possíveis interpretações.

Outros casos? O Livro de Jeremias, concluíram os biblistas da Hebrew University, recuperando fragmentos aqui e ali, é mais longo em pelo menos uma sétima parte do que a versão geralmente aceita. Com diferenças não muito notáveis,

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UNIDADE 2 | DEUS E OS HEBREUS FIRMAM UMA ALIANÇA

mas com diferenças: alguns versículos, que se referem a uma profecia sobre o cativeiro babilônico do Templo, mais do que uma profecia, parece ser um acréscimo posterior, com os fatos consumados.

A Academia da Bíblia de Jerusalém não está sozinha. Projetos paralelos, e igualmente notáveis, ocorrem na Alemanha e em Oxford. Mas ninguém parece ter a mesma pretensão de completude e de monumentalidade. "Certamente, estamos diante da mais extensa edição crítica do Antigo Testamento jamais tentada na história", certifica o professor David Marcus, do Seminário Teológico Judaico de Nova York, defensor do projeto.

Em 1958, quando Michael Segal reuniu pela primeira vez o comitê de estudos sobre a colina da cidade sagrada às três religiões, ele anunciou que "aquilo que estamos fazendo deve ser do interesse de qualquer um que tenha interesse na Bíblia". Ele também não profetizou tantas dificuldades e lentidões, mesmo que pudesse imaginá-lo: não seria nada fácil recuperar os antigos documentos.

Enquanto ele falava, de Alepo, chegou a Israel o famoso Códice sobre o qual seria possível começar os estudos. Por milagre, ele havia sido salvo do incêndio de uma sinagoga da Síria. E, de contrabando, escondido dentro de um eletrodoméstico e sob uma camada de laticínios, quem o havia levado ao mundo dos biblistas havia sido um mensageiro que nenhum Malaquias ou Isaías jamais teria profetizado: um comerciante de queijos.

FONTE: Disponível em: <http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/projeto-reescreve-antigo-testamento>. Acesso em: 16 abr. 2017.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Caro acadêmico, neste tópico vimos que:

• O Livro de Deuteronômio é o quinto Livro do Pentateuco e que faz o seu fechamento. É também um livro cuja autoria é referenciada ao Patriarca Moisés, assim como os outros quatro livros que compõem o Pentateuco, de acordo com as diferentes tradições religiosas cristãs e judaicas, mas fortemente criticada por muitos historiadores e pesquisadores.

• O Livro de Deuteronômio significa “segundo a lei”. Este livro contém os discursos que Moisés fez à nova geração dos hebreus acampados nas planícies da região de Moabe, próxima ao vale do rio Jordão, às portas da Terra Prometida. Assim, a caminhada/peregrinação pelo deserto chegou ao fim. Resta então ao povo hebreu se preparar para adentrar na Terra de Canaã.

• O primeiro discurso feito por Moisés leva o povo ao passado e às experiências de Israel. Ele dá uma aula e discorre sobre toda a história de Israel aos mandamentos e dá ênfase a estas leis.

• No segundo discurso, Moisés desafia o povo a olhar e entender a existência de Deus. Se olharmos para nossos erros, limites e potencial, não chegaremos à Terra Prometida. Chegaremos lá somente com Deus, que irá nos capacitar para entrarmos.

• Por fim, no terceiro discurso, Moisés deixa dois caminhos: se o povo hebreu obedecer, será então abençoado (28, 1); e se o povo desobedecer, será o seu fracasso (28, 15).

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1 De que forma está organizado o Livro de Deuteronômio?

2 Como a Lei de Deus é apresentada no Livro de Deuteronômio?

3 Em que parte do Livro de Deuteronômio se encontra o “Código Deuteronômico” e o que ele prefigura?

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• conhecer a formação dos livros históricos, poéticos e proféticos;

• compreender a formação dos livros no contexto histórico do povo de Isra-el;

• avaliar a importância do conteúdo dos livros para o estudo teológico;

• analisar os diferentes aspectos envolvidos na composição destes livros do Antigo Testamento.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um deles você encontrará atividades que o ajudarão a ampliar os conhecimentos adquiri-dos.

TÓPICO 1 – OS LIVROS HISTÓRICOS

TÓPICO 2 – LIVROS POÉTICOS

TÓPICO 3 – LIVROS PROFÉTICOS

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TÓPICO 1

OS LIVROS HISTÓRICOS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A história do povo de Israel ocorre paralela à história de outras nações, nesse sentido é fundamental que percebamos o desenrolar dos fatos e suas relações com os povos vizinhos e com a história da humanidade como um todo.

Neste tópico optamos por não discorrer sobre cada livro separadamente, pois nossa proposta é fazer apenas uma introdução, nesse sentido, não faremos um aprofundamento detalhado sobre cada livro histórico. Todavia, faremos uma abordagem do conjunto de livros e os fatos relevantes para a compreensão da história do Antigo Testamento. Acreditamos que, para efeito de estudo introdutório, este seja o melhor método.

O conjunto de livros históricos é composto dos seguintes livros: Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Crônicas, Esdras, Neemias e Ester. Cada livro em particular reflete um tempo histórico definido, com suas nuances sobre a saga do povo de Israel. Estes livros fornecem elementos históricos fundamentais para compreendermos a história do povo israelita desde sua chegada a Canaã, o período do cativeiro e pós-cativeiro.

Convido você para refletirmos um pouco mais sobre a fascinante história contida nos livros citados acima, vamos lá!

2 DIVISÃO HISTÓRICA DO PERÍODO DA COMPOSIÇÃO DOS LIVROS

Após a morte de Moisés, Josué é indicado por Deus para ocupar o lugar do grande líder responsável pela saída do povo israelita do Egito e a condução pelo deserto até as portas de Canaã. A ascensão de Josué ao mais alto posto de comando do povo judeu impulsionou um novo capítulo da história de Israel: o período das conquistas.

O período de conquistas é o primeiro momento de Israel em Canaã. Esse momento, de alguma maneira, contribuiu para certa unificação da nação de Israel, muito embora essa unificação venha a estar corroída no período dos juízes. Mais adiante iremos aprofundar um pouco mais a análise sobre esta situação.

O quadro a seguir nos ajuda a compreender resumidamente o panorama dos livros históricos:

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

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QUADRO 6 – DIVISÃO LITERÁRIA DO PERÍODO

FONTE: Disponível em: <http://www.pipc.org.br/livros/Apostila%20panorama%20Biblico%20AT%202014%20PIPC.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2017.

É possível observar no quadro anterior o espaço temporal e histórico que o conteúdo de cada livro abrange. A partir disso é possível ter uma noção geral da história de Israel, e a maneira como os eventos históricos internos e externos contribuíram para o desenvolvimento do plano de Deus na história de seu povo. O conjunto de livros narra eventos que ocorreram desde a chegada de Israel às margens do Jordão para conquistar a terra até o livramento que Deus concedeu ao povo judeu quando estava sob o domínio persa.

Quando pensamos em uma historiografia hebraica, é necessário refletir sobre o período da história de Israel, em que teve início o registro dos eventos associados ao povo da promessa. Os registros históricos em sua forma escrita podem ter ocorrido muito depois de os fatos descritos terem acontecido. A tradição oral era comum entre os povos do Oriente. Por este motivo existe muito debate sobre as fontes históricas do registro bíblico e em que período estes registros de fato aconteceram e quem os escreveu.

De acordo com Rendtorff (2006, p. 9),

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TÓPICO 1 | OS LIVROS HISTÓRICOS

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Uma historiografia propriamente dita existiu em Israel mais ou menos desde o tempo de Davi. Ocupa-se, principalmente, com acontecimentos políticos. Assim, acham-se descritos, no 1º livro de Samuel, a origem do reinado e a ascensão de Davi, no 2º livro de Samuel trata-se da consolidação e expansão do reino de Davi e das tramas em torno do problema da sucessão no seu trono. Os livros dos Reis apresentam, a seguir, o governo de Salomão como o último período glorioso do Reino Unido, bem como a divisão em um reino do Norte e um reino do Sul e a queda paulatina até o fim da existência política independente do povo de Israel.

Não é nosso objetivo realizar aqui um estudo da crítica textual, pois este estudo é bastante complexo e não se encaixa aqui. No entanto, é importante ressaltar que os registros históricos pertinentes à nação de Israel são fundamentais para compreendermos, dentre outras coisas, os fatos atuais ligados a este povo. A maneira como a nação judaica se estabeleceu na terra prometida e os desdobramentos de suas lutas para se manter onde está até hoje revelam a determinação desse povo em permanecer em sua terra, independentemente dos inimigos que tenha que enfrentar.

Apesar de Davi ter sido um simples pastor de ovelhas em sua juventude, como rei de Israel ele foi um líder organizado e metódico. Portanto, o registro histórico desses fatos na época de Davi serve tanto a propósitos espirituais, pois nele vemos a determinação do rei Davi em defender seu povo, como também vemos de perto as imperfeições de grandes homens de Deus, como é o caso de Davi e Salomão, que foram seduzidos pelas mulheres, o primeiro cometeu um adultério e assassinato, e, no caso do segundo, as mulheres o desviaram dos caminhos do Deus de Israel e o levaram a adorar outros deuses estranhos.

A história que foi registrada mostra claramente as virtudes dos homens chamados por Deus, bem como suas falhas e os graves erros que cometeram quando deixaram de seguir as leis do Senhor Deus de Israel. A Bíblia não é um livro que registra a vida de “super-homens”, pelo contrário, sua intenção é ser o mais fiel possível ao tratar do caráter, da personalidade e do temperamento dos homens que foram chamados por Deus para realizar seus grandes feitos.

Neste tópico, como já dissemos no início, nosso estudo irá se concentrar em três momentos: a história do Antigo Testamento antes do reinado, o reinado e o pós-exílio. Essa forma de dividir a história do povo hebreu auxilia para uma melhor compreensão de seu desenvolvimento.

Toda a história bíblica apresenta naturalmente três períodos, sendo o primeiro separado do segundo pelo desmembramento do reino de Israel depois da morte de Salomão, e o segundo separado do terceiro pelo cativeiro de Judá na Babilônia. O terceiro ainda compreende a restauração do Estado judaico até o tempo em que se encerram os oráculos do Antigo Testamento. O segundo e o terceiro período são largamente ilustrados pelos escritos proféticos. [...] O primeiro desses períodos ainda se pode subdividir em duas partes: a primeira vai desde a entrada dos israelitas na Terra da Promissão até o estabelecimento da monarquia; a segunda compreende a história da monarquia israelita, até

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a morte de Salomão. A primeira parte trata da história da conquista de Canaã, do enfraquecimento do espírito de obediência, depois da morte de Josué, dos castigos supervenientes e das diversas fases de restauração do povo; a segunda descreve a revivescência daquele espírito no tempo de Samuel e de Davi, e o brilhante reinado de Salomão com as suas sombras. Josué, Juízes, Rute, 1 Sm cap. 1 a 10 tratam da primeira série de acontecimentos; 1 e 2 Samuel, 1 Rs. cap. 1 a 11, 1 Crônicas, 2 Crônicas, cap. 1 a 9, narram a parte restante (ANGUS, 2003, p. 420-421).

Os livros históricos nos permitem ter uma visão abrangente sobre o comportamento de Israel frente à idolatria e outros pecados que Deus abominava. Em decorrência de suas escolhas, Deus deixou o povo judeu à sua própria sorte, pois as escolhas erradas deste povo resultaram em grande ruína para toda a nação.

NOTA

É importante lembrar que outros livros da Bíblia contêm fatos históricos acerca de Israel. Um exemplo disso são os livros do Pentateuco. Por que então apenas alguns livros são classificados como históricos? Porque estes livros tratam especificamente de fatos históricos da nação judaica, enquanto que o Pentateuco, por exemplo, aborda fatos históricos, cerimoniais e, principalmente, deveres e regras estabelecidos por Deus ao seu povo.

A história de Israel pode ser mais bem compreendida se estivermos atentos aos eventos principais e em que época ocorreram. Isso permite que o estudante tenha uma visão geral dos eventos e compreenda as ações de Deus em relação a Israel em cada um deles. Outra questão importante ao atentar para estes eventos é que eles nos ajudam a delimitar melhor os fatos e a aprofundarmos o nosso entendimento sobre eles.

No quadro a seguir é possível ter uma visão mais geral das épocas principais da história de Israel:

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TÓPICO 1 | OS LIVROS HISTÓRICOS

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QUADRO 7 – ÉPOCAS PRINCIPAIS DA HISTÓRIA DE ISRAEL

FONTE: Schmidt (1994, p. 16)

Vamos então discorrer um pouco melhor sobre este panorama geral do desenrolar da história judaica.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

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2.1 ANTES DA MONARQUIA OU REINADO

O período que antecede a monarquia de Israel é denominado de teocracia (governo de Deus), muito embora no período que vai de Josué até o Livro de Juízes tenha havido líderes humanos, todavia Deus levantava líderes para momentos específicos na história de seu povo.

O Livro de Josué dá início à série dos livros históricos do Antigo Testamento. O leitor da Bíblia sabe que Josué foi o substituto de Moisés na missão de introduzi-los na terra de Canaã. De acordo com Sellin e Fohrer (2007, p. 271), “O Livro de Josué descreve principalmente a conquista e a divisão das terras a ocidente do Jordão por Israel, no período que vai desde Moisés até a morte de Josué”. A conquista de Canaã ficou sob a responsabilidade e liderança de Josué.

Ao chegar a Canaã o povo de Israel encontrou vários povos em situações de permissividade total. A degradação moral havia chegado no limite, pois os atos mais macabros e desumanos eram praticados em rituais de adoração às divindades cananeias. Entre essas práticas era comum o sacrifício de crianças aos deuses, como é o caso dos sacrifícios ao deus Moloque, que está retratado na figura a seguir.

FIGURA 26 – DEUS MOLOQUE

FONTE: Disponível em: <http://assembleiadedeusemapodi.blogspot.com.br/2013/03/estudo-moloque-o-deus-dos-moabitas.html>. Acesso em: 20 fev. 2017.

Essas abominações foram a causa da destruição destes povos e, como veremos adiante, também foi a causa que levou o povo de Israel para o cativeiro. A idolatria foi um câncer que enfraqueceu profundamente a espiritualidade e a moralidade do povo judeu. O cativeiro foi uma maneira de Deus curá-lo da idolatria, que carregava consigo práticas desumanas de sacrifício.

Voltando à questão da conquista de Canaã, vamos perceber que Deus havia prometido esta terra aos descendentes de Abraão. Canaã era a região onde

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TÓPICO 1 | OS LIVROS HISTÓRICOS

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habitavam os descendentes de Canaã que está registrado em Gênesis 10, 15-18. Dentre as nações que habitavam a região de Canaã estão as seguintes: os heteus, os girgaseus, os amorreus, os cananeus, os perezeus, os heveus e os jebuseus. Vale ressaltar que o termo cananeus era uma maneira comum que denominava todas essas nações.

De acordo com Champlin (2002, p. 620), “As descobertas arqueológicas mostram que os cananeus eram bem desenvolvidos nas artes e nas ciências. Suas construções eram superiores às que Israel edificava na terra de Canaã, após tê-la conquistado”. Diante da iminente conquista por parte de Israel, os cananeus não demonstraram medo, pois suas cidades eram fortificadas com muralhas e consideradas intransponíveis, como é o caso de Jericó. Os cananeus se destacavam em outras áreas do conhecimento humano, pois possuíam grande perícia na fabricação de objetos de cerâmica, instrumentos musicais e no artesanato. Todavia, a maior contribuição dos cananeus para no âmbito da cultura “foi o de terem sido os verdadeiros inventores do alfabeto como um meio útil para escrever” (THOMPSON, 2007, p. 108).

Canaã era um conjunto de nações que possuía aspectos políticos e geográficos distintos. Segundo Gusso (2003, p. 29),

Ainda que unidos por uma cultura comum, o povo de Canaã, pela ocasião da invasão israelita, não estava organizado em um forte sistema político, pelo contrário, eles se organizavam em cidades-estado independentes, ou semi-independentes, em sua maioria vassalos do Egito. Se uniam apenas quando enfrentavam algum perigo externo para fazerem frente ao inimigo comum, como foi, em parte, o caso de Israel. Esta fraca unidade de Canaã, que nunca conseguiu se tornar um império coeso, pode ser explicada pelos fatores geográficos e pelas pressões das grandes nações vizinhas que se utilizavam de seu território como se fosse um estado tampão.

Neste fragmento é possível perceber como a situação política e social dos

cananeus era frágil, pois essa situação deixava o povo à mercê de seus inimigos. A classe pobre e trabalhadora era a que pagava mais impostos para uma elite que controlava as massas e estava sob ordens das nações mais poderosas. A unidade cultural era incapaz de fazer frente a um inimigo como Israel, que havia passado 40 anos no deserto e possuía um grau de unidade um pouco maior que os cananeus.

Quando Israel chegou às portas de Canaã, a situação estava ainda mais caótica, pois “por ocasião da invasão israelita o Egito havia perdido a sua influência sobre as cidades-estado e Canaã, ficando estas sem nenhum tipo de poder central” (GUSSO, 2003, p. 30). Esse poder central exercido pelo Egito era capaz de controlar abusos entre os reis dos próprios cananeus, pois mantinha certo controle sobre os reis cananeus e não permitia que estes reis guerreassem entre si. Em decorrência da ausência do poder central, no caso o Egito, alguns reis cananeus buscaram ampliar seus domínios. Tais ações causaram um enfraquecimento ainda maior no que diz respeito às condições para encarar uma guerra contra os israelitas.

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Vale destacar que o exército de Israel era inferior ao exército dos cananeus em número, todavia o êxito de Josué e seu exército consistiu no fato de que, “ainda que liderando um exército inferior àqueles que os aguardavam em Canaã, deve ter conseguido muitas vitórias aproveitando-se do elemento surpresa, pois suas armas eram insuficientes diante de inimigos tão poderosos” (GUSSO, 2003, p. 33). Diante disso, podemos afirmar que o mérito da conquista não é exclusivo de Josué ou de seus liderados, mas vemos neste processo a fidelidade de Deus em cumprir suas promessas a Abraão, independentemente das circunstâncias adversas que seus descendentes encontraram pelo caminho.

FIGURA 27 – DA SAÍDA DO EGITO A CANAÃ

FONTE: Disponível em: <http://renovandooentendimento.blogspot.com/2014_07_01_archive.html>. Acesso em: 16 mar. 2017.

Depois de um longo tempo e as inúmeras mortes de israelitas no deserto, houve uma recompensa para a geração que adentrava na terra prometida. Sobre este momento, Gusso (2003, p. 34) afirma: “A entrada em Canaã não poderia ter sido mais gloriosa. Ela aconteceu nas proximidades da cidade de Jericó, acompanhada por um evento extraordinário, que Israel só poderia mesmo considerar um milagre efetuado por Deus que lhes estava dando a terra: as águas do rio Jordão pararam para que eles pudessem passar”. Este momento vivenciado por Israel ficou marcado quando eles retiraram 12 pedras do rio Jordão e estabeleceram essas pedras como um memorial daquilo que Deus havia operado no meio de seu povo.

Neste ponto de nosso estudo é importante destacar que há quem defenda que a conquista da terra não foi algo repentino, embora tenha havido casos de tomada imediata, com a extinção completa dos habitantes daquela região. Em outros casos, algumas tribos de Israel foram se inserindo gradativamente no território e de maneira pacífica. De acordo com Schmidt (1994, p. 23),

Este processo imigratório, propositalmente designado com a expressão neutra “tomada da terra” (A. Alt.), dificilmente se caracterizou (ao contrário de Js 1-12) por atividades guerreiras onde todo o Israel, unido sob uma liderança comum, tivesse conquistado, passo a passo, todo o país. Tratou-se, antes, de um processo essencialmente pacífico, gradativo e, ao que parece, demorado, de paulatina sedentarização. Este

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processo se deu de maneira diferente em cada região, como mostram alguns registros, conservados mais ou menos por acaso. A tribo de Dã tentou assentar-se na Palestina Central, mas foi escorraçada para o extremo Norte (Jz 1.34; 13. 2,25; 17s.; Js 19.40ss). Provavelmente também a tribo de Rúben (cf. Js 15.6; 18.17; Jz 5.15s.), decerto também as tribos de Simeão e Levi (Gn 34; 49.5ss.) se assentaram originalmente no âmbito da Palestina Central.

O objetivo de Israel era exterminar os cananeus e estabelecer um reino totalmente novo, sem inimigos próximos que pudessem trazer algum tipo de perturbações. Isso naturalmente foi um processo difícil e complicado, segundo o que lemos acima. O certo é que o propósito era a extinção total, embora Israel não tenha feito isso devido aos interesses particulares de cada tribo que acabaram interferindo diretamente neste processo. Se não houve a extinção total de todos os habitantes de Canaã, é certo que alguns povos em particular foram extintos por completo.

FIGURA 28 – A CONQUISTA DE CANAÃ

FONTE: Disponível em: <http://antigotestamento-shemaisrael.blogspot.com.br/2010/01/conquista-da-terra-de-canaa-teorias-e.html>. Acesso em: 25 fev. 2017.

Todavia, quando lemos o relato bíblico sobre a ordem de exterminar os cananeus, é comum tentarmos encontrar uma justificativa. Leia a seguir um fragmento sobre esta questão:

Qual seria a justificativa desta destruição total? A história subsequente de Israel serve para ilustrar de maneira marcante o grave perigo que corriam os israelitas enquanto permitiam que canaanitas vivessem em seu meio. Sendo entregues às formas mais degeneradas de politeísmo e impureza sexual, estes habitantes depravados da terra certamente espalhariam uma influência maligna, provocando uma infecção contagiosa na moral do povo da Aliança de Deus. Recentes descobertas arqueológicas trouxeram a lume provas concretas quanto aos aspectos brutais da fé canaanita, conforme se registra na literatura

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

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de Ras Shamra. Percebe-se na região inteira uma disposição para incorporar nos ritos indígenas todos os aspectos dos cultos praticados pelas nações pagãs das vizinhanças. [...] Levando em conta a corrupta influência da religião canaanita, especialmente com sua prostituição religiosa (cf. a abominação de Baal-Peor em Nm 25) e o sacrifício de criancinhas, seria impossível manter a pureza da fé e do culto em Israel, a não ser através do extermínio dos próprios canaanitas, pelo menos nas áreas que os próprios hebreus haveriam de ocupar. Uma boa parte do declínio em coisas espirituais e da apostasia que marcava a história de Israel durante a época dos Juízes é atribuída à tolerância aos habitantes canaanitas e à sua religião degenerada no meio da terra.

FONTE: Archer Jr. (2005, p. 196)

Neste fragmento é possível perceber a influência negativa dos povos cananeus sobre a conduta de Israel. Suas práticas desumanas e seu pouco caso com a vida e a integridade moral tinham um efeito devastador sobre a sociedade. A depravação moral dos cananeus é a justificativa que Deus dá para exterminá-los da face da Terra. Parece-nos num primeiro momento que o Deus de Israel é brutal e impiedoso, mas quando nos aprofundamos nos estudos sobre o comportamento dos cananeus, vamos perceber que a impiedade e a brutalidade eram a marca dessas nações.

O Livro de Juízes narra o período em que Israel foi governado por indivíduos chamados por Deus para momentos específicos. É o período em que Israel terá que lidar com inimigos que fariam de tudo para escravizá-los e até mesmo destruí-los por completo. Em várias ocasiões seus inimigos estavam às portas e em condições de devastar a nação israelita, mas Deus, por sua graça e misericórdia, providenciava um escape por meio de um líder que Ele escolhia para estas situações. Em momentos como estes, em que Deus agia em meio ao seu povo por meio de um líder, era comum o povo se voltar para Deus. Era comum haver um reavivamento espiritual no meio do povo em decorrência dos livramentos operados por Deus. O que fica claro também é o fato de que em breve o povo se esquecia da misericórdia de Deus e lhe virava as costas. Como consequência, Deus permitia que os inimigos de seu povo voltassem a lhes afligir.

De acordo com Archer Jr. (2005, p. 197), “O tema básico do Livro é a falha de Israel como teocracia, no sentido de não ter conseguido lealdade à aliança mesmo sob a liderança de homens escolhidos por Deus, os quais libertavam a nação da opressão do mundo pagão ao derredor”. O Livro de Juízes mostra de maneira clara a instabilidade espiritual dos israelitas. Quando experimentavam tempos de prosperidade e paz, era comum que se desviassem e esquecessem os grandes feitos de Deus. Essa instabilidade moral e espiritual tornava a nação vulnerável aos inimigos. Essa vulnerabilidade causou ao povo muitas perdas.

Esse quadro descrito no Livro de Juízes aponta para a necessidade de uma monarquia centralizada, pois é possível perceber a falta de unidade entre os israelitas e os conflitos intensos entre as tribos, que aconteceram em alguns

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TÓPICO 1 | OS LIVROS HISTÓRICOS

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momentos. Tais conflitos, em um caso específico, quase dizimaram por completo a tribo de Benjamim.

O remanescente cananeu que sobreviveu às conquistas de Israel se tornou uma pedra no sapato (ou na sandália) do povo judeu. Dentre os povos que mais causaram danos aos israelitas no período dos juízes, podemos destacar os amonitas, moabitas e filisteus. Esses povos frequentemente atacavam Israel e causavam grandes perdas ao povo. Os reis de Israel mais à frente tiveram que enfrentar frontalmente esses povos para garantir a segurança e estabilidade à nação de Israel.

Os amonitas eram descendentes de Ló e se tornaram hostis ao povo israelita. Caracterizados por sua crueldade em relação aos seus inimigos, se uniram a outros povos para destruir os judeus. Infelizmente, o povo israelita, com o passar do tempo, se curvou diante dos deuses amonitas e os adorava. Os moabitas, assim como os amonitas, eram descendentes de Ló, portanto primos de Israel. Apesar deste parentesco, eram inimigos ferrenhos dos judeus e por diversas vezes guerrearam contra os israelitas e causaram grandes danos. Nos tempos do Rei Davi os moabitas foram combatidos e subjugados e pagavam tributos a Israel.

Os filisteus foram os inimigos mais ferrenhos de Israel. Segundo Champlin (2004, p. 764), “Foi o conflito contínuo com os filisteus que, historicamente, forçou a formação da monarquia de Israel, o que ocorreu por motivos de proteção”. No Livro de Juízes, do capítulo 13 ao 16 lemos sobre a vida de Sansão e suas batalhas contra os filisteus que frequentemente invadiam as terras de Israel. Na época do profeta Samuel, os filisteus trouxeram grandes prejuízos a Israel. Davi entra em cena na história hebraica quando teve que lutar contra o gigante filisteu. Durante a vida de Davi aconteceram várias batalhas contra os filisteus. Após a divisão do reino de Israel houve batalhas contra os filisteus. Suas cidades principais eram Asdode, Ascalom, Ecrom, Gaza e a mais importante delas, a cidade de Gate. Suas vitórias militares eram celebradas nos templos de seus deuses, sendo que o mais importante deles era Dagom.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

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FIGURA 29 – DAGOM, O DEUS PEIXE

FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net/adejovane/slides-geografia-setemirj>. Acesso em: 25 fev. 2017.

O período dos Juízes termina com a narrativa de duas histórias trágicas. A primeira foi a atrocidade cometida em Gibeá contra a mulher de um levita que culminou com uma guerra contra a tribo de Benjamim, que quase foi extinta. A segunda história trágica está registrada no livro de I Samuel, quando os filhos de Eli corromperam o povo e os filisteus levaram a Arca da Aliança. O período dos juízes é marcado por momentos de triunfo e alegria em decorrência do agir de Deus para proteger e preservar seu povo, mas infelizmente é um período marcado por idolatria, superstição e violência. É o retrato de uma sociedade na qual “cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos” (Juízes 21, 25) (STAMPS, 1997, p. 419).

O Livro de Rute contribui para sabermos as condições em que Israel se encontrava pouco antes da monarquia. Este livro contém um relato importante de como os povos à volta de Israel participaram de alguma maneira no plano da salvação. O livro como um todo descreve o papel do remidor em relação a Rute. Mas é no final do livro que encontramos uma informação muito valiosa sobre a genealogia de Davi, pois Rute e Boaz foram os pais de Obede, que foi avô do rei Davi.

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FIGURA 30 – RUTE E BOAZ

FONTE: Disponível em: <http://abibliaa.blogspot.com.br/2012/10/rute-caps-1-4.html>. Acesso em: 25 fev. 2017.

Qual o propósito do Livro de Rute constar no cânon do Antigo Testamento? Será que não houve acontecimentos mais importantes do que a história de uma simples camponesa e um homem de bens? De acordo com Angus (2003, p. 427), “Um dos fins principais do livro é descrever a geração de Davi, apresentando claramente o fato de estar uma estrangeira, pertencente a uma raça odiada, na linha dos seus antepassados”. Isso deixa clara a importância do rei Davi para a história de Israel, pois a inclusão do Livro de Rute no cânon se deve diretamente ao papel de Davi na consolidação de Israel como nação. O segundo aspecto, e não menos importante, é registrar a presença de gentios na linhagem do salvador Jesus Cristo.

2.2 O PERÍODO DO REINADO OU MONARQUIA

O período do Reinado ou Monárquico tem início com a escolha de Saul para ser o rei de Israel. Este é um período muito turbulento, pois Israel estava cercado por muitos inimigos e era necessário que fosse liderado por alguém capaz de construir certa unidade entre as 12 tribos. Nesse sentido, o grande desafio do primeiro rei de Israel era unificar a nação e fortalecê-la militarmente para enfrentar seus inimigos.

2.2.1 O reino unido

O período do reino unido perpassa pelos reinados de Saul, Davi e Salomão. Esse período durou aproximadamente 120 anos e Israel experimentou o seu apogeu.

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O Rei Saul foi o primeiro rei a ocupar o trono em Israel. Dentre os desafios enfrentados por ele, o maior foi o de construir uma nação unificada. Saul foi ungido rei pelo profeta Samuel numa cerimônia dirigida pelo profeta em Gilgal. O povo de Israel se deparava com os ataques constantes por parte dos filisteus, nesse sentido, seu primeiro desafio era repelir os filisteus das terras de Israel e unificar a nação para se fortalecerem contra os inimigos.

Inicialmente o reinado de Saul é caracterizado por alguns avanços, todavia em alguns momentos demonstrou imprudência ao assumir papéis que não eram seus. Um exemplo disso foi quando Samuel demorou a chegar no acampamento e Saul se precipitou em oferecer sacrifícios a Deus, quando na verdade este era um ofício exclusivo dos sacerdotes, neste caso Samuel.

Diante de deslizes constantes de Saul, Deus ordena ao profeta Samuel que este ungisse outro rei para reinar em Israel. Deus escolheu Davi como sucessor de Saul. Diante disso, o rei Saul iniciou uma perseguição a Davi que terminou apenas quando Saul morreu pela mão dos filisteus no campo de batalha, juntamente com seus filhos.

FIGURA 31 – AS TRIBOS DE ISRAEL

FONTE: Disponível em: <http://www.chazit.com/cybersio/arhj/juizes.html>. Acesso em: 16 mar. 2017.

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TÓPICO 1 | OS LIVROS HISTÓRICOS

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Davi foi o segundo rei a ocupar o trono de Israel como reino unido. Depois de sua espetacular vitória contra o gigante filisteu, Davi se tornou muito popular em Israel, portanto a chegada ao trono seria apenas uma questão de tempo. Com a morte de Saul, Davi foi aclamado rei em Hebrom. Somente seis anos e meio reinando em Judá é que Davi foi aclamado rei de todas as tribos de Israel.

O reinado de Davi foi marcado por altos e baixos. Ao mesmo tempo em que o rei era zeloso e temente a Deus, ele também cometia alguns deslizes, como foi o caso de seu adultério com Bate Seba, a mulher de Urias. Tal pecado trouxe à casa de Davi uma grande ruína, pois teve uma filha estuprada pelo próprio irmão, e posteriormente o próprio filho Absalão lhe usurpou o trono e deitou-se com as mulheres de Davi.

A despeito de seus pecados, Davi era um rei quebrantado, e quando era repreendido por Deus não hesitava em confessar seu pecado e se arrepender. Governou o seu povo com muito zelo, confiança em Deus e determinação em defender seus territórios. Suas vitórias nos campos de batalhas demonstram sua ousadia e confiança em Deus, pois em situações muito adversas o rei Davi conduziu seu povo a conquistar vitórias extraordinárias. Diante de sua dedicação e temor a Deus, o Senhor lhe prometeu que seus sucessores ocupariam o trono de Israel. Mesmo quando Israel foi dividido, os sucessores de Davi ocuparam o trono de Judá até o cativeiro babilônico.

O terceiro e último rei da monarquia unida de Israel foi Salomão, filho de Davi. Em seu tempo, o reino de Israel experimentou um período de grande prosperidade e paz. Salomão governava seu povo com sabedoria divina e pautava suas decisões na justiça. Liderou a construção do primeiro templo de Jerusalém e seu palácio encantava os visitantes pela beleza e a organização de seus servidores.

Infelizmente, Salomão, devido ao grande número de mulheres com que se casou em decorrência das alianças que fez, teve seu coração corrompido e se inclinou a adorar deuses de outras nações. Tal atitude levou o povo de Israel à idolatria, pecado que culminou com a destruição do templo de Jerusalém e o consequente cativeiro.

A vida de Salomão revela uma lição muito triste e ao mesmo tempo valiosa. Não importa o grau de sucesso de uma pessoa ou o esplendor de suas realizações, pois quando seu coração se inclina para o pecado, sua vida se torna vazia e sem sentido. Essa lição está muito clara no Livro de Eclesiastes, quando ele escreve que “Tudo é vaidade e aflição de espírito” (Eclesiastes 1, 14).

2.2.2 O reino dividido

Este foi um período turbulento na história de Israel. O povo vivia um clima de instabilidade constante, situação muito diferente daquela experimentada nos tempos de Salomão, que conduziu o reino de maneira justa, sábia e pacífica.

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Com a morte de Salomão, o reino de Israel foi dividido entre o Reino do Sul ou Judá e o Reino do Norte ou Israel. O Reino do Sul, cuja capital era Jerusalém e foi governado inicialmente por Roboão, filho de Salomão, era composto por duas tribos: Judá e Benjamim. O Reino do Norte, cuja capital era Samaria e teve como seu primeiro governante o Rei Jeroboão, era composto por dez tribos: Rúben, Simeão, Zebulon, Naftali, Efraim, Issacar, Dã, Manassés, Gade e Aser.

A relação entre os Reinos do Sul e do Norte foi bastante tumultuada, com raros momentos em que se aliaram contra algum inimigo comum, ou estabeleceram acordos de paz. A primeira disputa por influência política e espiritual aconteceu logo após a divisão do reino, quando Jeroboão percebeu que o povo ia até Jerusalém para adorar no Templo de Salomão. Para estancar a possibilidade de o povo se voltar contra ele, mandou construir dois bezerros de ouro para que o povo viesse adorar em Samaria. Jeroboão foi o responsável por introduzir o culto idólatra no reino recém-formado. Desde então o Reino do Norte se tornou idólatra e por este motivo foram como cativos para outras nações. Aqui é importante ressaltar que a idolatria naquele tempo envolvia uma série de coisas imorais e sacrifícios, que eram totalmente contrários aos mandamentos do Senhor Deus de Israel.

No quadro a seguir nós temos um panorama geral deste período:

FONTE: Gusso (2003, p. 81)

QUADRO 8 – QUADRO EXPLICATIVO DO REINO DIVIDIDO

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Neste quadro nós podemos perceber algumas informações importantes, dentre elas destacamos a quantidade de anos que durou cada reino. Observe que o Reino do Sul durou 136 anos a mais que o Reino do Norte. Outra questão é que no Reino do Norte houve nove dinastias, enquanto que no Reino do Sul houve apenas a dinastia de Davi. A troca constante de dinastias no Reino do Norte fazia com que houvesse conflitos internos frequentes, isso naturalmente enfraqueceu o reino, que consequentemente teve uma duração menor que o Reino do Sul.

O declínio espiritual de Salomão levou Deus a escolher outro rei para assumir o trono de Israel. Todavia, Deus havia feito a promessa a Davi de que sua semente ocuparia o trono perpetuamente, portanto sua linhagem ocupou o trono de Judá até o cativeiro babilônico.

Quais as razões para a divisão do reino? De acordo com Champlin (2002, p. 626-627), podemos enumerar pelo menos cinco:

1. O declínio de Salomão.2. Fatores econômicos.3. Causas políticas.4. A luta de Jeroboão pelo poder.5. Debilitamento da espiritualidade.

Esses fatores associados culminaram com a inevitável divisão do reino. O declínio de Salomão abriu espaço para que outras lideranças surgissem entre o povo e ameaçassem o trono. Quando Roboão assumiu o trono, o povo de Israel se encontrava sob um pesado jugo imposto por Salomão para construir o templo e o palácio. Roboão ignorou o apelo do povo para que baixasse os impostos, este ato foi uma afronta ao povo, que escolheu Jeroboão como o novo rei, pois este já estava lutando há algum tempo para ocupar este posto. As causas políticas revelam o fato de que a tribo de Judá era naquele tempo a mais próspera do Reino e mantinha um comércio vigoroso com grandes nações, como era o caso do Egito. Diante da prosperidade de Judá, as demais tribos ficaram enciumadas, portanto, mais um fator que contribuiu para que o restante das tribos virasse as costas para o rei Roboão, que governava a partir de Jerusalém que ficava na tribo de Judá. O esfriamento da espiritualidade do povo de Israel permitiu que vivenciassem um grande declínio em todas as demais áreas da vida da nação.

2.3 O EXÍLIO E PÓS-EXÍLIO

O exílio dos habitantes do Reino do Norte ocorreu de maneira muito trágica e precoce.

O exílio dos habitantes do Reino do Sul aconteceu sob o comando do rei da Babilônia e em três momentos. No primeiro momento, cerca de 605 a.C., foram levadas para o cativeiro a família real e a nobreza. No segundo momento, que ocorreu em cerca de 597 a.C., foram levados para o cativeiro babilônico a classe

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média de Judá e os sacerdotes, dentre eles estava o profeta Ezequiel. No terceiro momento, que ocorreu em 586 a.C., foi levado para o cativeiro parte do povo que havia sobrado, e nesta ocasião o Templo do Senhor que Salomão havia construído foi totalmente saqueado e destruído.

Os cativos de Judá foram autorizados a retornar para a sua terra em 535 a.C., por meio de um decreto do Rei Ciro. Após 70 anos de cativeiro, grande parte dos que haviam sido levados para lá haviam morrido e uma nova geração estava retornando.

Dentre os problemas enfrentados pelos líderes espirituais de Judá em relação ao povo que havia retornado, um deles era a mistura que havia ocorrido com mulheres de outras nações. Isso influenciou diretamente nos costumes do povo, na obediência à lei do Senhor. Neemias teve que enfrentar este problema de forma enérgica, pois havia um grande descaso dessas pessoas pelas coisas do Senhor. Isso foi visto como um risco de o povo voltar a pecar e, consequentemente, sofrer reprimendas e castigos por parte do Senhor em decorrência de comportamentos estranhos à lei que Deus havia estabelecido para o seu povo.

Dois outros grandes desafios que o povo teve que enfrentar no retorno para sua terra: a reconstrução dos muros de Jerusalém e do templo do Senhor que estava em ruínas.

DICAS

Nesta obra Archer Jr. traz uma abordagem esclarecedora sobre pontos relevantes para a compreensão do Antigo Testamento. Escrito em linguagem acessível a todos os públicos, esta obra tem servido muito bem aos propósitos para a qual foi escrita: possibilitar a todos os estudantes de teologia uma obra de fácil compreensão, sem perder o compromisso de propagar um conhecimento teológico bem fundamentado. Para quem deseja compreender e se aprofundar melhor no Antigo Testamento, esta é uma leitura essencial voltada para aqueles que estão em busca de um conhecimento maior da Palavra de Deus, bem como estudantes de seminário. Para estes, esta obra servirá como um livro didático. Trata-se de uma leitura crítica, com ela você poderá levantar excelentes discussões. O autor do livro tem um ponto de vista mais conservador e faz suas abordagens sob uma perspectiva ortodoxa. No entanto, são apresentadas, de forma imparcial, teorias distintas – liberal ou neo-ortodoxa. Este livro foi lançado no Brasil pela Editora Vida Nova em 1999, e, desde então, tem servido como livro-

texto em muitos seminários teológicos pelo Brasil.

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TÓPICO 1 | OS LIVROS HISTÓRICOS

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LEITURA COMPLEMENTAR

O CATIVEIRO BABILÔNICO

Welfany Nolasco Rodrigues

Os babilônios permitiram que os exilados do reino de Judá formassem famílias, construíssem casas, cultivassem pomares (Jr 29.5-7) e chegassem a consultar os seus próprios chefes e anciãos (Ez 20.1-44); e, igualmente, permitiram-lhes viver em comunidade, em um lugar chamado Tel-Abibe, às margens do rio Quebar (Ez 3.15). Assim, pouco a pouco, foram se habituando à sua situação de exilados na Babilônia.

Em semelhantes circunstâncias, a participação comum nas práticas da religião foi, provavelmente, o vínculo mais forte de união entre os membros da comunidade exilada; e a instituição da sinagoga teve um papel relevante como ponto de encontro para a oração, a leitura e o ensinamento da Lei, o canto dos Salmos e o comentário dos escritos dos profetas.

Desta maneira, com o exílio, a Babilônia converteu-se num centro de atividade religiosa, onde um grupo de sacerdotes entregou-se com empenho à tarefa de reunir e preservar os textos sagrados que constituíam o patrimônio espiritual de Israel. Entre os componentes desse grupo se contava Ezequiel, que, na sua dupla condição de sacerdote e profeta (Ez 1.1-3; 2.1-5), exerceu uma influência singular.

Dadas as condições de tolerância e até de bem-estar em que viviam os exilados na Babilônia, não é de estranhar que muitos deles renunciassem, no seu tempo, regressar ao seu país. Outros, pelo contrário, mantendo vivo o ressentimento contra a nação que os havia arrancado da sua pátria e que era causa dos males que lhes haviam sobrevindo, suspiravam pelo momento do regresso ao seu longínquo país (Sl 137; Is 47.1-3).

Retorno e restauração

A esperança de uma rápida libertação cresceu entre os exilados quando Ciro, rei de Anshan, empreendeu a sua carreira de conquistador e fundador de um novo império. Elevado já ao trono da Pérsia (559-530 a.C.), as suas qualidades de estrategista e de político permitiram-lhe superar rapidamente três etapas decisivas: primeiro, a fundação do reino medo-persa, com a sua capital Ecbatana (553 a.C.); segundo, a conquista de quase toda a Ásia Menor, culminada com a vitória sobre o rei de Lídia (546 a.C.); terceiro, a entrada triunfal na Babilônia (539 a.C.). Desse modo, ficou configurado o império persa, que, durante mais de dois séculos, dominou o panorama político do Oriente Médio.

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Ciro praticou uma política de bom relacionamento com os povos submetidos. Permitiu que cada um conservasse os seus usos, costumes e tradições e que praticasse a sua própria religião, atitude que redundou em benefício aos judeus residentes na Babilônia, os quais, por decreto real, ficaram com a liberdade de regressar à Palestina.

O livro de Esdras contém duas versões do referido decreto (Ed 1.2-4 e 6.3-12), no qual se ampararam os exilados que quiseram voltar à pátria. E é importante assinalar que o imperador persa não somente permitiu aquele regresso, mas também devolveu aos judeus os ricos utensílios do culto que Nabucodonosor lhes havia arrebatado e levado à Babilônia. Para maior abundância, Ciro ordenou também uma contribuição de caráter oficial para apoiar economicamente a reconstrução do templo de Jerusalém.

O retorno dos exilados realizou-se de forma paulatina, por grupos, o primeiro dos quais chegou a Jerusalém sob a liderança de Sesbazar (Ed 1.11). Tempos depois iniciaram-se as obras de reconstrução do Templo, que se prolongaram até 515 a.C. Para dirigir o trabalho e animar os operários contribuíram o governador Zorobabel e o sumo sacerdote Josué, apoiados pelos profetas Ageu e Zacarias (Ed 5.1).

O passar do tempo deu lugar a muitos problemas de índole muito diversa. As duras dificuldades econômicas às quais tiveram que fazer frente, as divisões no seio da comunidade e, muito particularmente, as atitudes hostis dos samaritanos foram causa da degradação da convivência entre os repatriados em Jerusalém e em todo Judá.

Ao conhecer os problemas que afligiam o seu povo, um judeu chamado Neemias, residente na cidade de Susã, copeiro do rei persa Artaxerxes (Ne 2.1), solicitou que, com o título de governador de Judá, tivesse a permissão de ajudar o seu povo (445 a.C.). Neemias revelou-se um grande reformador, que atuou com capacidade e eficácia. A sua presença na Palestina foi decisiva, não somente para que se reconstruíssem os muros de Jerusalém, mas também para que a vida da comunidade judaica experimentasse uma mudança profunda e positiva (cf. Ne 8-10).

Artaxerxes investiu, também de poderes extraordinários, ao sacerdote e escriba Esdras, a fim de que este, dotado de plena autoridade, se ocupasse de todas as necessidades do Templo e do culto em Jerusalém e cuidasse de colocar sob a lei de Deus tanto os judeus recém-repatriados como os que nunca haviam saído da Palestina (Ed 7.12-26). Entre eles, promoveu Esdras uma mudança religiosa e moral tão profunda, que, a partir de então, Israel converteu-se no “povo do Livro”. A sua figura ocupa nas tradições judaicas um lugar comparável ao de Moisés. Com relação às referências a Artaxerxes no livro de Esdras (7.7) e no de Neemias (2.1), se correspondem a um só personagem ou a dois, os historiadores não têm chegado a uma conclusão definitiva.

FONTE: Disponível em: <http://www.panoramabiblia.com/2012/12/cativeiro-babilonico.html>. Acesso em: 9 mar. 2017.

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Neste tópico vimos que:

• O período de conquistas é o primeiro momento de Israel em Canaã.

• Quando pensamos em uma historiografia hebraica, é necessário refletir sobre o período da história de Israel em que teve início o registro dos eventos associados ao povo da promessa.

• Os livros históricos nos permitem ter uma visão abrangente sobre o comportamento de Israel frente à idolatria e outros pecados que Deus abominava.

• O período que antecede a monarquia de Israel é denominado de teocracia.

• A depravação moral dos cananeus é a justificativa que Deus dá para exterminá-los da face da Terra.

• O período do reino unido perpassa pelos reinados de Saul, Davi e Salomão. Esse período durou aproximadamente 120 anos e Israel experimentou o seu apogeu.

• O Rei Saul foi o primeiro rei a ocupar o trono em Israel. Um dos desafios enfrentados por ele foi o de construir uma nação unificada.

• Davi foi o segundo rei a ocupar o trono de Israel como reino unido.

• O terceiro e último rei da monarquia unida de Israel foi Salomão, filho de Davi. Em seu tempo o reino de Israel experimentou um período de grande prosperidade e paz.

• Com a morte de Salomão o reino de Israel foi dividido entre o Reino do Sul ou Judá e o Rei do Norte ou Israel.

• O exílio dos habitantes do Reino do Norte ocorreu de maneira muito trágica e precoce.

• O exílio dos habitantes do Reino do Sul aconteceu sob o comando do rei da Babilônia e em três momentos.

RESUMO DO TÓPICO 1

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1 O período que antecedeu a monarquia em Israel foi marcado por momentos muito sombrios, pois frequentemente o povo se afastava de Deus e se entregava ao pecado. Nesse sentido, descreva o quadro moral e espiritual em que o povo de Israel se encontrava no período que antecedeu a monarquia.

2 O Livro dos Juízes ocupa um lugar importante na história de Israel, pois nele é possível encontrar informações importantes sobre a nação judaica e seus grandes desafios na terra de Canaã. Sobre as principais características do Livro dos Juízes, analise as sentenças a seguir:

I- É uma descrição detalhada das conquistas lideradas por Josué, sucessor de Moisés.

II- Descreve as batalhas que Israel teve que enfrentar contra seus inimigos que frequentemente invadiam suas terras.

III- Narra a vida de alguns líderes espirituais e militares levantados por Deus para dar livramento ao povo israelita.

IV- Conta a história de Davi e seus descendentes que ocuparam a monarquia da nação de Israel.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:( ) As sentenças I e II estão corretas.( ) As sentenças II e III estão corretas.( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.( ) Apenas a sentença III está correta.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

OS LIVROS POÉTICOS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃOA cultura judaica é muito rica. Em meio a essa riqueza a poesia tem um espaço

proeminente, pois por meio dessas poesias é possível extrair importantíssimas lições para a vida, bem como compreender alguns aspectos importantes do relacionamento do povo judeu com Deus.

A poesia é uma maneira que o ser humano encontrou para expressar seus sentimentos mais profundos sobre vários aspectos da vida. No contexto da cultura judaica a poesia era tratada de maneira peculiar, pois ela passou a fazer parte da vida da comunidade, servia para orientar a relação do indivíduo com Deus, com o próximo, com a vida e nos relacionamentos familiares.

Inicialmente vamos discorrer um pouco sobre alguns aspectos importantes da poesia hebraica. Na parte final do tópico vamos discorrer resumidamente sobre cada livro que compõe o conjunto de livros poéticos do Antigo Testamento. A abordagem que faremos dos livros será a título de introdução, pois nos permitirá ter uma visão geral do conteúdo de cada livro e os aspectos mais relevantes em cada um.

Então, vamos em frente!

2 A POESIA HEBRAICA A poesia hebraica é altamente estruturada e visa expressar sentimentos,

verdade, emoções ou experiências em imagens. Não é por acaso que é uma poesia muito rica. Enquanto que a poesia grega, da qual procede a poesia portuguesa, é muito baseada no som, a poesia hebraica, por sua vez, é baseada na construção estruturada das frases.

De acordo com Sellin e Fohrer (2007, p. 62),

Poesia, com efeito, não é apenas uma determinada forma de arte, mas é considerada originariamente como distintivo da inspiração, do trato com o mundo sobrenatural. A forma poética confere, por sua vez, à palavra falada uma autoridade e uma virtude, como aquela que se acredita residir, p.ex., na maldição e na bênção. É como se um profeta, afirmando pregar em nome de Javé, ou um mestre de sabedoria, pretendendo transmitir um conhecimento ou uma regra de vida que Deus ou os pais lhe comunicaram, só pudessem encontrar audiência se revestissem suas palavras com roupagem métrica e rítmica.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

É possível observar, a partir deste fragmento, que a poesia hebraica tinha um aspecto prático, pois tratava de elementos e situações da vida diária. Para o poeta, a vida diária das pessoas sofre influência do mundo sobrenatural, nesse sentido, a poesia vai além de meras palavras ou frases cuidadosamente construídas, mas possuíam um peso espiritual quando eram proferidas. Isso significa dizer que a poesia era levada muito a sério pelas pessoas.

De acordo com Angus (2003, p. 539), “A excelência particular da poesia hebraica era ter servido à mais nobre das causas, a da religião, apresentando as mais elevadas e preciosas verdades, expressas na linguagem mais apropriada”. Este é um ponto importante a ser considerado, pois a poesia hebraica não era uma mera expressão cultural, mas, acima de qualquer coisa, servia a propósitos religiosos. Dentre suas finalidades podemos destacar que exaltava a soberania e a misericórdia de Deus em sua relação com o seu povo.

Em relação às principais características da poesia hebraica, é importante destacar que “são o caráter elegante e elevado do estilo, o uso de certas palavras e formas de palavras, a maneira conceitual da expressão, e especialmente o que se chama de paralelismo, isto é, certa correspondência, no pensamento ou na linguagem, entre os membros de cada período” (ANGUS, 2003, p. 539-540). Essa elegância é facilmente percebida quando lemos os livros dos Salmos e Provérbios.

2.1 OS ARTIFÍCIOS POÉTICOS DO ANTIGO TESTAMENTO

Os artifícios poéticos consistem em métodos para se transmitir uma ideia, verdade, valor etc., por meio do uso adequado e sutil da linguagem. No Antigo Testamento, principalmente nos livros poéticos, mas também encontramos muito isso nos livros proféticos, a linguagem é utilizada como um recurso essencial no sentido de orientar o povo a uma postura moralmente coerente com a vontade de Deus.

A seguir vamos discorrer sobre estes artifícios presentes nos livros poéticos.

2.1.1 Linguagem figurada

A linguagem figurada é um recurso muito utilizado na comunicação para enfatizar ou aumentar a expressividade em um determinado texto ou fala. No caso dos poetas, “eram manipuladores da linguagem figurada, e um bom poeta tem uma imaginação fértil, que se manifesta sob a forma de expressões verbais coloridas” (CHAMPLIM, 2002, v. 5, p. 313). Essa capacidade do poeta é o que o distingue de qualquer outra pessoa, pois ele possui a capacidade de usar a palavra de maneira viva e capaz de transmitir ideias e pensamentos que de outra forma talvez fosse impossível.

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TÓPICO 2 | LIVROS POÉTICOS

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NOTA

A linguagem figurada é aquela pela qual uma palavra exprime uma ideia recorrendo a outros termos, apelando assim a uma semelhança, seja esta real ou imaginária. A linguagem figurada opõe-se à linguagem literal, já que esta usa as palavras com o seu verdadeiro significado, isto é, refere-se às coisas tais como elas são. FONTE: Disponível em: <http://conceito.de/linguagem-figurada>. Acesso em: 22 mar. 2017.

2.1.2 Paralelismo

O paralelismo é uma maneira de organizar as expressões numa progressão textual utilizada na escrita, pois de acordo com Angus (2003, p. 542), “O paralelismo auxilia muitas vezes consideravelmente a interpretação, apresentando salientes da passagem na própria relação em que se acham”.

Segundo Archer (2005, p. 383), “A característica mais notável da poesia hebraica é seu paralelismo. Esta expressão refere-se à prática de contrabalançar um pensamento ou frase por outro que contenha aproximadamente o mesmo número de palavras, ou, pelo menos, uma correspondência de ideias”. Um exemplo de paralelismo está no Salmo 24, 1 que diz: “Ao Senhor pertence a terra e tudo que nela se contém, o mundo e os que nele habitam”. Este paralelismo é do tipo sinônimo, pois é uma repetição de ideias similares.

2.1.3 Ritmo

O ritmo na poesia é de grande importância, ou seja, é essencial, pois é o ritmo que confere à poesia determinada sonoridade, visto que a poesia hebraica não possui rima. Segundo Champlin (2002, p. 314), “Os hebreus não desenvolveram o ritmo ao ponto em que o fizeram os gregos, embora seja um artifício que tenha seu desempenho na poesia dos hebreus”. Podemos observar que a poesia hebraica não se baseia na rima métrica, mas no ritmo. Isso porque o ritmo não se obtém pela disposição exata das sílabas tônicas e átonas, mas pela ênfase de tonalidade e pelo destaque dado às palavras importantes.

2.1.4 O uso da música

A música é o recurso poético capaz de causar um grande impacto sobre as emoções de quem houve. A sonoridade musical é capaz de mexer conosco, nos fazer sentir alegria, amor, tristeza, ou todos estes sentimentos quase ao mesmo tempo. A música tem um grande poder sobre cada indivíduo.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

Sobre a expressão em forma de cântico, é importante ressaltar que

A existência do cântico em Israel, apesar de suas características próprias, constitui apenas um setor de imensa poesia lírica do Antigo Oriente. Na Mesopotâmia o tipo sumério-babilônico dessa poesia começa o menos tardar em meados do terceiro milênio e se estende até 1600 a.C. Segue-se, mais ou menos a partir de 1300 a.C., um tipo "purificado" e estruturado em cânones, cujas reminiscências vão até a época dos Selêucidas. Só foram conservados quase que exclusivamente textos sacrais e religiosos, e em particular hinos, cânticos penitenciais e lamentações, e mais raramente poesias ligadas à vida quotidiana, por cuja transmissão parece ter havido pouco interesse (SELLIN; FOHRER, 2007, p. 354).

Na cultura judaica a música foi um ingrediente muito comum nas festas e no culto. O Rei Davi era um amante da música, pois a Bíblia relata que ele tocava harpa e compunha salmos de adoração ao Senhor Deus. Os salmos poderiam ser musicados, ou seja, era possível escolher um ritmo musical para cantar os salmos.

FIGURA 32 – DAVI TOCANDO PARA O REI SAUL

FONTE: Disponível em: <https://servasdadivinamisericordia.wordpress.com/2015/11/21/davi-serve-e-domina-saul/>. Acesso em: 5 mar. 2017.

A Bíblia Sagrada narra o episódio em que Davi, quando era apenas um jovem pastor de ovelhas, era chamado para tocar para o Rei Saul. Este rei estava sendo atormentado por espíritos do mal, e somente com a música é que ele se acalmava. Neste episódio é possível perceber a grande importância da música no seio da cultura hebraica.

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TÓPICO 2 | LIVROS POÉTICOS

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3 OS LIVROS

Os livros poéticos e sapienciais consistem em uma verdadeira obra-prima da literatura hebraica, pois o estilo e conteúdo literário são fontes inesgotáveis de sabedoria e lições valiosas para a vida de qualquer pessoa, independentemente da religião ou de ser religioso ou não. Este conjunto de livros não deve ser apenas lido, mas acima de tudo devem ser refletidos e analisados com paciência no sentido de extrair as mais belas e profundas lições para a vida. A seguir vamos analisar de maneira resumida cada livro.

3.1 O LIVRO DE JÓ

O Livro de Jó é uma das mais extraordinárias histórias de fé e paciência em meio às adversidades da vida. Nenhum outro livro da Bíblia possui uma narrativa tão sublime sobre a condição de um homem frente ao sofrimento e sua integridade mesmo diante de um quadro tão desfavorável.

O livro carrega o nome do patriarca Jó que teve sua vida assaltada por uma série de intempéries e perdas profundas. O livro descreve de maneira vívida suas angústias diante do sofrimento. Alguns estudiosos sugerem que Jó tenha vivido antes de Abraão e que o livro tenha sido escrito por Moisés.

FIGURA 33 – JÓ E SEUS AMIGOS

FONTE: Disponível em: <https://apenas1.wordpress.com/tag/jo/>. Acesso em: 5 mar. 2017.

O livro pode ser dividido em três partes: a primeira consiste numa introdução teórica em que é narrada a repentina virada na vida de Jó e sua desgraça; a segunda parte consiste no diálogo entre Jó e seus três amigos, é o momento em que se busca uma resposta humanista para os problemas enfrentados por Jó; a terceira e última parte é o momento em que cessam as discussões e Deus discursa sobre o que ele fez e faz de maneira poderosa e sábia.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

De acordo com Stamps (1997, p. 767), “Jó é um dos livros sapienciais e poéticos do AT; ‘sapiencial’, porque trata profundamente de relevantes assuntos universais da humanidade; ‘poético’, porque quase toda a totalidade do livro está elaborada em estilo poético”. Nesse sentido, o livro cumpre um propósito duplo, pois por meio da escrita em estilo poético é possível discutir os temas mais profundos sobre o sofrimento humano.

Segundo Archer (2005, p. 407),

Este livro trata com o problema teórico da dor na vida dos fiéis. Procura responder à pergunta: Por que os justos sofrem? Esta resposta chega de forma tríplice: 1) Deus merece nosso amor à parte das bênçãos que concede; 2) Deus pode permitir o sofrimento como meio de purificar e fortalecer a alma em piedade; 3) os pensamentos e os caminhos de Deus são movidos por considerações vastas demais para a mente fraca do homem compreender, já que o homem não pode ver os grandes assuntos da vida com a mesma visão ampla do Onipotente; mesmo assim, Deus realmente sabe o que é o melhor para sua própria glória e para o nosso bem final.

Isso contradiz muitas pregações da atualidade que proclamam que as pessoas que têm Deus na vida não podem sofrer. Tais afirmações são erros teológicos absurdos se analisarmos à luz do Livro de Jó, pois o sofrimento é algo inerente à condição humana em um mundo de pecado. O que há de se ter claro é que quando um justo passa pelo sofrimento, há um propósito que está acima de nossa compreensão. Quando não aceitamos que Deus tem caminhos mais elevados que os nossos, estamos agindo à semelhança dos amigos de Jó. Muitos pregadores, ao fazer suas pregações sobre o sofrimento do justo, se comportam à semelhança dos amigos de Jó.

O Livro de Jó contém uma mensagem muito contundente em relação à maneira como as pessoas tratam quem está passando pelo sofrimento. Um discurso de acusação, como foi o caso dos amigos de Jó, fez com que Deus se irasse com eles. Esta é uma importante lição para nós hoje, pois diante do sofrimento de alguém devemos procurar sentir o que ele sente e dar nosso apoio. Que a vida de Jó sirva de lição para cada teólogo, pastor, padre que tratam diariamente com pessoas que estão passando por algum tipo de sofrimento. Que a misericórdia e a compaixão possam nortear a conduta de cada líder espiritual e conselheiro.

3.2 O LIVRO DOS SALMOS

O Livro dos Salmos era utilizado como hinário pelo antigo Israel quando adoravam a Deus no templo. São louvores inspirados pelo Espírito Santo e de modo geral expressam emoções e sentimentos profundos da alma em sua relação com Deus. O Livro dos Salmos, para melhor compreendermos, é geralmente dividido em cinco livros. No quadro a seguir é possível visualizar panoramicamente essa divisão.

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TÓPICO 2 | LIVROS POÉTICOS

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Livro I1 – 41

Livro II42 – 72

Livro III73 – 89

Livro IV90 – 106

Livro V107 – 150

Total de salmos 41 31 17 17 44

Autoria Maioria de Davi

Maioria de Davi e dos filhos de Corá

Maioria de Asafe

Maioria anônimos

Maioria de Davi e anônimos

Nome divino predominante

Jeová(o “SENHOR”)

El/Elohim(“Deus”)

El/Elohim(“Deus”)

Jeová(o “SENHOR”)

Jeová(o “SENHOR”)

Temas frequentes

O ser humano e a Criação

Livramento e redenção

Adoração e santuário

O deserto e os caminhos de Deus

A Palavra de Deus e o seu louvor

Semelhança com o Pentateuco

Gênesis Êxodo Levítico Números Deuteronômio

QUADRO 9 – O LIVRO DOS SALMOS

FONTE: Stamps (1997, p. 813)

O quadro anterior nos dá uma noção geral de alguns aspectos importantes do Livro dos Salmos. É necessário lembrar que o livro é uma coletânea de cânticos compostos por diferentes pessoas em diferentes momentos históricos e situações de vida. Por este motivo, os salmos possuem uma grande diversidade de expressões, sentimentos e a própria maneira como as pessoas se expressavam diante das situações da vida.

O tempo e o espaço não nos permitem um estudo aprofundado deste livro, pois nossa disciplina consiste em uma introdução ao Antigo Testamento. Nesse sentido, é necessário delimitarmos a abordagem que desejamos fazer. Destarte, gostaria de fazer uma análise sucinta sobre a maneira como Hermann Gunkel dividiu os tipos de salmos.

Em primeiro lugar, “Os hinos tinham o propósito do culto comunitário, exprimindo a adoração pessoal e devoção por Deus do próprio autor” (ARCHER, 2005, p. 399). Este momento na vida do adorador era ímpar, pois usando as palavras ele podia expressar seus sentimentos mais profundos diante de Deus. A reunião para adoração era o momento de celebração, adoração e devoção, reconhecimento da grandeza de Deus e das maravilhas que Ele opera em seu povo, por seu povo e através de seu povo. São hinos de reconhecimento pelos atos poderosos de Deus e Sua soberania em governar com equidade toda a Terra.

Em segundo lugar, os salmos são “As lamentações da comunidade em face dalguma catástrofe ou desastre sofrido pela comunidade” (ARCHER, 2005, p. 399). Se por um lado temos os hinos de devoção e adoração, por outro lado, temos os hinos que expressam uma lamentação diante dos infortúnios da vida. Ninguém está imune ao sofrimento e à desgraça, seja isso resultado da rebeldia ou da perseguição dos inimigos. Diante do sofrimento o homem deve se lamentar

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

perante Deus. Recordar dos feitos do Senhor no meio do seu povo, mas clamar por socorro em meio ao sofrimento.

Em terceiro lugar, os salmos podem ser divididos em “Salmos reais que focalizam sua atenção especial no rei israelita como servo do Senhor” (ARCHER, 2005, p. 399). Esses salmos são o reconhecimento do rei como servo do Senhor, e aquele que deve servir a Deus e ao Seu povo eleito. É o ungido de Deus para guiar seu povo pelo caminho bom e seguro, orientar os filhos de Israel e liderá-los diante de seus inimigos. Deve confiar que ele governa o povo, mas o Senhor Deus é o soberano de todo o universo.

Em quarto lugar, o salmo é “A lamentação individual – um tipo que formava a base do Saltério –, na qual o autor individual se achava em angústia, ameaçado pelos inimigos, e injustamente perseguido; porém, com uma renovação de fé, exprime a certeza de que será ouvido” (ARCHER, 2005, p. 400). Este salmo fazia parte do devocional particular, pois diante de seus inimigos e enfrentando seus medos, o salmista se dirigia a Deus e confessava suas angústias e temores diante das ameaças que sofria por parte de seus inimigos. Ao se abrir para Deus, o salmista expressava sua confiança no poder e na proteção divina, pois sabia que sua salvação não poderia vir de ninguém mais que não fosse o Senhor, poderoso em toda a Terra.

Por último, os salmos são “Canções individuais de gratidão [...], nas quais repete-se com gratidão a libertação e as bênçãos que o autor recebeu, ao aproximar-se do altar de ações de graças” (ARCHER, 2005, p. 400). Se, por um lado, temos as lamentações e as petições, por outro lado encontramos salmos de gratidão. Um dos pecados de Israel no Antigo Testamento era a ingratidão. Contudo, vários salmos refletem um espírito de gratidão pelas bênçãos concedidas e por aquelas que ainda não se concretizaram, mas pela fé o salmista acredita que Deus está trabalhando em seu favor.

O Livro dos Salmos é uma fonte riquíssima de lições que podem ser aprendidas e aplicadas na vida diária, dentre essas lições está o fato de confiar em Deus, mesmo que as situações adversas nos levem a duvidar de sua justiça, benevolência, misericórdia, amor e bondade. Mais que apenas cânticos, os salmos são palavras inspiradoras que podem elevar a alma do fiel até a presença do Senhor Deus e ali desfrutar de sua abundante graça.

3.3 OS LIVROS DE PROVÉRBIOS E ECLESIASTES

Os Livros de Provérbios e Eclesiastes fazem parte do conjunto dos livros poéticos. Também denominados de “Hagiógrafos, têm sido designados em tempos modernos pelo termo Chokhmah, e são em sua maior parte compostos em verso” (ANGUS, 2003, p. 561). São palavras dos sábios que tratam de muitas questões da vida. Seus versos expressam profundas verdades que servem para pensarmos sobre nossa condição humana, a brevidade da vida e nosso relacionamento com Deus.

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TÓPICO 2 | LIVROS POÉTICOS

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O Livro de Provérbios “é uma grande coletânea de máximas vigorosas de encorajamentos positivos e de advertências, por detrás da qual brilha a famosa sabedoria de Salomão, o qual falou sobre todas as situações imagináveis da vida diária” (CHAMPLIN, 2004, p. 187). O propósito do Lvro de Provérbios era o de prover sabedoria aos simples para que estes vivessem de maneira justa.

O ensino de lições de vida por meio de provérbios era uma prática muito comum no Oriente, pois esses ensinamentos eram memorizados e deveriam ser aplicados no dia a dia das pessoas. Para facilitar a memorização, os provérbios deveriam ser claros e concisos, pois deveriam ser passados de geração a geração oralmente.

A sabedoria tão incentivada no Livro de Provérbios é um tipo de capacidade de discernir corretamente entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto, entre aquilo que é virtude e o que é vício. É um tipo de saber que nos capacita a agir prudentemente ao tratar de assuntos da nossa vida diária e em nossos relacionamentos pessoais e em nosso relacionamento com Deus.

De acordo com Archer (2005, p. 423),

A preocupação constante do Livro é com os antagonismos elementares; a obediência contra a rebelião, o trabalho contra a preguiça, a prudência contra a presunção, e assim por diante. Estes são apresentados perante o leitor, que tem uma escolha bem definida, não sobrando nenhuma lacuna para o compromisso vil ou a vacilante indecisão.

Esta preocupação é justificável, pois a não observância de ordenanças simples pode levar uma pessoa à ruína permanente. O leitor é desafiado a fazer suas escolhas, mas é lembrado que as escolhas dependem necessariamente de uma busca constante pela sabedoria, sabedoria que capacita cada um de nós a viver bem.

Outro tema frequente no Livro de Provérbios é o temor do Senhor. Reiteradas vezes o sábio aponta para a necessidade fundamental de se temer ao Senhor para se ter uma vida boa e sossegada. Logo no início do livro ele diz que “O temor do SENHOR é o princípio da ciência” (Provérbios 1, 7). Esse temor produz em nosso coração o respeito pelos mandamentos do Senhor e o cuidado em não transgredir nenhuma de suas ordenanças.

A autoria do Livro de Eclesiastes é atribuída ao Rei Salomão. De acordo com Archer (2005, p. 432), “O propósito de Eclesiastes era convencer os homens da inutilidade de qualquer ponto de vista acerca do mundo (ou cosmovisão) que não se levante acima do horizonte do próprio homem”. O escritor logo no início do livro diz que “Tudo é vaidade”. Na sequência, ele apresenta várias situações da vida que corroboram com esta afirmação. O livro é, na verdade, um reflexo da desilusão do escritor em relação à própria vida.

De acordo com a tradição judaica, o Livro de Eclesiastes foi escrito por Salomão quando já estava velho. Talvez seja por isso que o teor do livro reflete a

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

visão de alguém que teve muitas experiências, observou muitas coisas e, por fim, pôde tirar uma conclusão não muito otimista de tudo aquilo que havia vivenciado.

O livro pode ser dividido em quatro discursos e uma conclusão. No primeiro discurso o sábio trata da inutilidade geral da vida humana. O segundo discurso se ocupa em avaliar a inutilidade de uma vida egocêntrica. No terceiro discurso o sábio faz diversas reflexões sobre as experiências da vida. O quarto discurso alerta para o fato de que um dia Deus vai tratar das injustiças desta vida. Por fim, o sábio conclui com alguns conselhos importantes e considerando a nossa vida à luz da eternidade.

3.4 O LIVRO DO CÂNTICO DOS CÂNTICOS

A autoria deste livro é atribuída a Salomão. O livro recebe este nome porque, dentre os muitos cânticos de Salomão, estes são considerados os melhores de todos os cânticos que ele compôs em sua vida.

Segundo Archer (2005, p. 448), “O tema de Cantares é o amor de Salomão por sua noiva Sulamita, e da profunda afeição dela por ele. Este amor é entendido como uma tipificação do caloroso relacionamento pessoal que Deus deseja ter com sua noiva espiritual”. O livro inicia descrevendo o desejo do noivo pela noiva amada. Numa linguagem poética singular, o livro reflete a alegria que envolve o relacionamento conjugal.

O Livro de Cantares não segue uma lógica e nem mesmo possui um caráter sistemático, seu conteúdo é construído de maneira espontânea movimentando-se numa série de círculos interligados. Esta movimentação se dá em torno de um tema central no livro, que é o amor. Com uma infinidade de metáforas, o autor utiliza uma linguagem construída a partir daquilo que há de mais belo e profundo na natureza. O amor romântico é retratado de maneira bela, emocionada e pura.

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TÓPICO 2 | LIVROS POÉTICOS

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LEITURA COMPLEMENTAR

EXEGESE DA POESIA HEBRAICA (SALMOS)

Isaias Lobão Pereira Júnior

O Livro dos Salmos é o maior e talvez o mais amplamente usado livro da Bíblia. Ele explora o mais profundo da experiência humana de uma forma muito pessoal e prática. Seus 150 “cânticos” permeiam da Criação aos períodos patriarcal, teocrático, monárquico, exílico e pós-exílico.

A tremenda amplitude do tema nos Salmos inclui diversos tópicos, tais como júbilo, guerra, paz, culto, juízo, profecia messiânica, louvor e lamentação. Os Salmos eram entoados com o acompanhamento de instrumentos de corda e serviram como hinário do templo e guia devocional para o povo judeu.

O Livro dos Salmos foi gradualmente colecionado e originalmente intitulado, talvez devido à grande variedade de material. Ele veio a ser conhecido como Sepher Tehillim – “Livro dos Louvores” – em virtude de quase todo salmo conter alguma nota de louvor a Deus. A Septuaginta (LXX) usa a palavra grega Psalmoi como título para este livro, significando poemas entoados com acompanhamento de instrumentos musicais. Ele também é chamado Psalterium (coleção de cânticos), e esta palavra é a base para o termo “Saltério”. O título latino é Liber Psalmorum, “Livro de Salmos”.

A literatura que abrange o Livro dos Salmos é extensa, mas cabe aqui apresentar algumas referências. Em português temos os comentários de Agostinho publicados pela Editora Paulus, em dois volumes, a partir do original em latim. Martinho Lutero tem seus comentários publicados pela Editora Sinodal. Calvino está sendo traduzido pela Editora Paraclétos, a partir da excelente edição inglesa, porém com referências às versões francesa e latina.

Além, é claro, da erudição moderna. Dentro da perspectiva que estamos adotando, temos C. S. Lewis, Reflections on the Psalms, e Philip Yancey, A Bíblia que Jesus Lia. Mesmo que este livro de Yancey não seja um comentário acadêmico sobre os Salmos, é uma boa introdução ao tema, feita pelo afamado colunista da revista Christianity Today.

Uma apreciação dos princípios e da estrutura da poesia hebraica é essencial para a compreensão apropriada dos Salmos e sua interpretação. Também se torna necessária para perceber que aquilo que o Ocidente consagrou como poesia tem pouca semelhança com aquilo que os hebreus entendiam com o vocábulo.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

A poesia hebraica teve grande popularidade em todo o antigo Oriente Próximo. Numerosos exemplos desse gênero literário chegaram até nós de Canaã (cujos músicos e cantores tinham fama internacional), bem como do Egito e da Mesopotâmia. É evidente a contribuição que, nesse sentido, Israel deu ao mundo cultural do seu tempo.

Na poesia hebraica não existe a rima, e é exato falar em ritmo do que em métrica na poesia hebraica. Sua característica mais importante é a repetição de ideias, denominada de Paralelismo. Uma ideia é afirmada e, logo em seguida, é novamente expressa com palavras diferentes, sendo que os conceitos das duas linhas se equivalem de forma aproximada.

Foi Robert Lowth, professor de poesia em Oxford, Inglaterra, quem primeiro chamou a atenção para o princípio fundamental da poesia hebraica, em seu tratado De Sacra Poesi Hebraeorum: Praelectiones Academicae, de 1753.

Os tipos de Paralelismo foram classificados por Lowth em três categorias:

(1) Sinonímico: consiste em expressar duas vezes a mesma ideia com palavras diferentes, como em Sl 113:7.

Ele levanta do pó o necessitado E ergue do lixo o pobre. (NVI).

(2) Antitético: é formado pela oposição ou pelo contraste entre duas ideias ou imagens poéticas, como em Sl 37:21.

Os ímpios tomam emprestado e não devolvem, Mas os justos dão com generosidade (NVI).

(3) Sintético: aqui as duas linhas do verso não dizem a mesma coisa, mas antes, a declaração da primeira linha serve como base sobre a qual a segunda declaração se fundamenta. A relação é a de causa e efeito, como em Sl 19:7-8.

A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma. Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, E tornam sábios os inexperientes. Os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração. Os mandamentos do Senhor são límpidos,e trazem luz aos olhos (NVI).

Outra característica da poesia hebraica para a qual devemos chamar a atenção é o emprego do arranjo acróstico ou alfabético. Existem nove salmos acrósticos no saltério, são eles: 9-10, 25, 34, 37, 111-112, 119 e 145.

Neste tipo de composição, as linhas ou estrofes iniciam cada uma, com letras em ordem alfabética. Essa técnica, a exemplo do paralelismo, auxiliaria na

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TÓPICO 2 | LIVROS POÉTICOS

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memorização e no ensino. Isto também pode sugerir que o assunto foi tratado de forma completa.

Regras para interpretação dos Salmos: 1. Se houver uma circunstância histórica que determinou a composição de um

Salmo, ela deve ser cuidadosamente estudada (Salmo 3, 32, 51, 63). 2. Elemento psicológico. Estudar o caráter do poeta e o estado de mente que

compôs o cântico.3. Os Salmos são de vários tipos diferentes. 4. Cada um dos Salmos é caracterizado pela sua forma. 5. Cada um dos Salmos também visa uma determinada função na vida de Israel. 6. Temos que reconhecer os vários padrões dentro dos Salmos. 7. Cada Salmo deve ser lido como uma unidade literária.

FONTE: Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/comentarios/exegese_%20da_poesia_hebraica.pdf>. Acesso em: 8 mar. 2017.

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Neste tópico vimos que:

• A poesia hebraica é altamente estruturada e visa expressar sentimentos, verdade, emoções ou experiências em imagens.

• Os artifícios poéticos consistem em métodos para se transmitir uma ideia, verdade, valor etc., por meio do uso adequado e sutil da linguagem.

• Os livros poéticos e sapienciais consistem em uma verdadeira obra-prima da literatura hebraica, pois o estilo e conteúdo literário são fontes inesgotáveis de sabedoria e lições valiosas para a vida de qualquer pessoa, independentemente da religião ou de ser religioso ou não.

• O Livro de Jó é uma das mais extraordinárias histórias de fé e paciência em meio às adversidades da vida.

• O Livro dos Salmos era utilizado como hinário pelo antigo Israel quando adoravam a Deus no templo.

• Os Livros de Provérbios e Eclesiastes fazem parte do conjunto dos livros poéticos. São conhecidos também como Hagiógrafos, e em tempos modernos pelo termo Chokhmah, e são em sua maior parte compostos em versos.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 O Livro dos Salmos possui uma riqueza poética extraordinária, pois é composto por uma diversidade muito grande de expressões, sentimentos e emoções experimentadas no dia a dia. Sobre o Livro dos Salmos, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) O Livro dos Salmos consiste numa coletânea de cantos compostos por vários autores.

( ) O Livro dos Salmos foi escrito pelo Rei Davi, pois ele tinha um excelente gosto musical.

( ) A estrutura poética do Livro dos Salmos foge completamente da estrutura comum da poesia hebraica.

( ) Os Salmos são hinos que tinham como propósito serem cantados nos cultos comunitários.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) V – F – F – V.b) ( ) F – V – F – F.c) ( ) V – V – F – F.d) ( ) V – F – V – V.

2 O Livro de Provérbios é conhecido por suas máximas de sabedoria, uma prática muito comum no Oriente. O sábio escritor do livro registra essas máximas que devem servir para nortear a conduta de cada pessoa em sua relação com Deus e com as pessoas à sua volta. Nesse sentido, assinale a alternativa correta:

a) ( ) A sabedoria incentivada no Livro de Provérbios é de caráter prático, a capacidade de escolher entre o bem e o mal, entre o justo e o injusto.

b) ( ) O Livro de Provérbios é dirigido exclusivamente à classe sacerdotal, pois estes eram os mestres da lei e deviam agir sabiamente.

c) ( ) A sabedoria disseminada nos provérbios é de caráter elitista, pois visava educar apenas a corte judaica.

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TÓPICO 3

LIVROS PROFÉTICOS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃONossa abordagem sobre os livros proféticos consistirá em um estudo sobre

os profetas pré-cativeiro, os profetas no cativeiro e os profetas pós-cativeiro. A divisão mais comum é comumente feita entre profetas menores e profetas maiores, todavia, para compreendermos as profecias dentro de um espaço cronológico determinado, vamos realizar nossos estudos utilizando a divisão tríplice.

A profecia hebraica tem sido objeto de muitas discussões teológicas, pois seu aspecto futurista tem despertado muito interesse por parte dos estudiosos da Bíblia. A despeito deste aspecto, a profecia hebraica é, em última instância, caracterizada pelo apelo constante da parte de Deus para que seu povo ande em santidade. Os profetas foram homens vocacionados por Deus para confrontar os pecados do povo de Israel. Insistiram para que o povo se arrependesse, pois os pecados do povo desencadeariam sua própria ruína.

Os livros proféticos se constituem em fonte muito rica de informações sobre a situação moral e espiritual do povo de Israel e das nações vizinhas, pois algumas das profecias do Antigo Testamento também foram dirigidas às nações vizinhas de Israel.

No decorrer de nosso estudo vamos situar cada profeta no contexto em que viveu e analisar, de maneira sucinta, o teor da mensagem de cada um deles. Neste estudo será possível perceber a dedicação desses servos do Senhor em apregoar o amor de Deus por um povo que o rejeitava. Nós vamos perceber que Deus mantém um interesse constante em orientar seus filhos para que estes andem no caminho certo e experimentem as bênçãos advindas da obediência.

2 A PROFECIA EM ISRAEL

As profecias não são propriedades exclusivas de Israel, pois os povos à sua volta possuíam seus próprios profetas, como é o caso dos profetas de Baal e Asera, que foram desafiados no Monte Carmelo. Todavia, a profecia hebraica tem algumas particularidades que merecem ser analisadas neste estudo.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

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De acordo com Gusso (2003, p. 92-93),

Em Israel, ao lado de grande número de profetas profissionais que estavam ligados ao culto ou a serviço de algum rei, havia os profetas individuais. Estes eram em pequeno número, mas, com o passar do tempo, foram reconhecidos como aqueles que estavam certos. Eles falavam em nome de Iavé e estavam comprometidos única e exclusivamente com ele.

A função do profeta era basicamente ser canal de Deus para orientar o povo sobre a vontade de Deus. Para Archer (2005, p. 223), “A responsabilidade dos profetas do Antigo Testamento não era principalmente predizer o futuro no sentido moderno da palavra “profetizar”, era mais anunciar a vontade de Deus que ele comunicava através da revelação”. Isso naturalmente fazia com que em muitos casos o ministério profético consistia numa tarefa árdua, pois quando o povo ou seus governantes se desviavam dos caminhos do Senhor Deus, era responsabilidade dos profetas apontar os erros do povo e exortá-los para o arrependimento. Tal atitude nem sempre era bem recebida pelo povo, que muitas vezes reagia de maneira violenta à mensagem profética. Dentre os vários exemplos de profetas que sofreram em decorrência do teor de suas profecias, podemos destacar o caso de Jeremias, que foi lançado em um poço por ter profetizado dizendo que os babilônicos conquistariam Jerusalém.

FIGURA 34 – JEREMIAS SENDO TIRADO DO POÇO

FONTE: Disponível em: <http://www.sitedopastor.com.br/licoes-do-fundo-do-poco/>. Acesso em: 26 fev. 2017.

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TÓPICO 3 | LIVROS PROFÉTICOS

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Tratando mais especificamente sobre as profecias, podemos nos perguntar: o que é uma profecia? Segundo Archer (2005, p. 222), “Por definição generalizada, uma profecia é uma revelação oral ou escrita, em palavras humanas e através dum porta-voz humano, transmitindo a revelação de Deus e esclarecendo aos homens Sua divina vontade”. Essa era a característica das profecias do Antigo Testamento, que é o foco de nosso estudo. Entretanto, é importante ressaltar que existem eventos do Antigo Testamento que possuem, de certa maneira, um significado profético. Tais eventos não se encerram em si mesmos, mas prenunciam algo que esteja para acontecer num plano futuro e ainda mais abrangente.

As profecias não são predições futuristas e aleatórias, pois elas possuem funções muito específicas. Caso contrário, a profecia não passaria de algo banal e corriqueiro. As profecias do Antigo Testamento devem ser levadas a sério por causa de suas funções. Nesse sentido, Archer (2005, p. 225-226) aponta quatro funções específicas da profecia hebraica:

1. O profeta tinha a responsabilidade de encorajar o povo de Deus a confiar exclusivamente na graça de Deus, e no seu poder libertador, e não nos seus próprios méritos de força, nem no poder dos seus aliados humanos. [...]2. O profeta tinha a responsabilidade de lembrar seu povo que a segurança e a bem-aventurança dependiam da sua fidelidade à aliança, e que esta aliança não consistia apenas em convicções doutrinárias, mas também na submissão sincera da sua vontade, para obedecer de todo o coração a Deus, e viver uma vida piedosa. [...]3. O profeta devia encorajar Israel quanto às coisas futuras. Frequentemente, os esforços em prol de reavivamento, apoiados por reis piedosos ou pelos profetas por sua própria iniciativa, só conseguiam atingir uma porcentagem mínima da população. A maioria, que controlava a nação, permanecia endurecida na desobediência. Tal intransigência só poderia provocar a ira divina, conforme a advertência de Levítico 26 e Deuteronômio 28, até a nação da Aliança chegar finalmente a ser expulsa da Terra da Promessa. [...]4. A profecia hebraica selava a qualidade autorizada da mensagem de Deus, quando a profecia se cumpria de maneira objetivamente averiguável.

Essas funções da profecia nos auxiliam a compreender a posição que o profeta ocupava no âmbito religioso, social e político.

A seguir vamos discorrer sobre três períodos mais específicos da profecia hebraica. Gostaríamos de lembrar que optamos por esta maneira de abordar porque facilita na compreensão do teor da mensagem profética e o tempo histórico em que o profeta está situado. Quanto a esta maneira de abordar o tema, existem muitas objeções, mas, independente disso, esperamos que você compreenda nossa proposta.

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UNIDADE 3 | A FORMAÇÃO DOS LIVROS DO ANTIGO TESTAMENTO

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3 PROFETAS PRÉ-CATIVEIRO

Primeiramente gostaríamos de ressaltar que quando usamos a expressão “pré-cativeiro” estamos nos referindo ao cativeiro do reino do Sul, ou seja, das tribos de Judá e Benjamim que foram para o cativeiro babilônico. Isso porque o reino do Norte, as dez tribos, foram para o cativeiro bem antes do reino do sul. Por este motivo, temos que tornar bem claro a qual cativeiro estamos nos referindo.

Desde a morte de Salomão até o cativeiro babilônico houve o surgimento de muitos profetas, isso significa dizer que este período foi marcado por um número significativo de profecias. No fragmento a seguir podemos ter uma noção de como este período pode ser caracterizado do ponto de vista das profecias:

Renascimento do Espírito Profético

Foi durante o período de que nos estamos ocupando que o espírito da profecia se manifestou da maneira mais notável. Na verdade, a sucessão de mensageiros inspirados de Iavé nunca se tinha interrompido. Profetas como o “homem de Deus”, que protestou contra a idolatria de Jeroboão em Betel, ou como Hanani, que tão nobremente censurou Asa pela sua aliança com os pagãos da Síria, ou como Zacarias, cujo bom testemunho lhe custou a vida nos dias de Joás, ou como Elias e Eliseu, que no reino do Norte, no Tempo de Acabe e seus sucessores, se tornaram notáveis, cumpriram todos eles a sua missão, apelando para a consciência do povo e declarando qual era a vontade de Iavé; mas os primeiros livros proféticos datam do oitavo ou nono século a.C. dos 16 profetas cujos escritos estão contidos nas Escrituras, Jonas, Amós e Oséias pregaram aos israelitas antes da destruição de Samaria, como também em parte Isaías e Miquéias, embora estes últimos profetizassem para Judá principalmente. Depois do cativeiro das 10 tribos, Jeremias profetizou em termos breves a respeito delas, como também Ezequiel. Na maior parte, entretanto, as profecias são consagradas aos destinos de Judá, das nações pagãs e da igreja.

FONTE: Angus (2003, p. 459)

Os profetas anteriores ao cativeiro babilônico são os seguintes: Obadias, Joel, Jonas, Amós, Oséias, Miquéias, Isaías, Naum, Sofonias, Habacuque. As seguir vamos analisar resumidamente as características do ministério de cada profeta.

3.1 O PROFETA OBADIAS

O profeta Obadias exerceu seu ministério por volta de 840 a.C. Esta data é consenso entre a maior parte dos estudiosos do Antigo Testamento. O nome Obadias significa “servo do Senhor” e era um nome muito comum em sua época.

A mensagem de Obadias é direcionada ao povo de Edom, os descendentes de Esaú, irmão de Jacó. Os edomitas haviam se alegrado com o sofrimento de

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Judá. Num primeiro momento Obadias aponta os pecados de Edom e profetiza acerca da sua futura destruição. Em seguida ele aponta a causa do julgamento dos edomitas e profetiza sobre o dia em que o Senhor aplicaria o juízo contra o povo que se alegrou com a ruína dos filhos de Judá.

A mensagem de Obadias é muito dura, pois há uma promessa de que os edomitas seriam exterminados para sempre. Todavia, de acordo com Archer (2005, p. 231),

Quanto à mensagem de Obadias acerca do futuro julgamento de Deus sobre Edom, deve ser lembrado que os edomitas eram considerados pelos profetas como sendo uma tipificação dos inimigos malignos de Israel que odiavam e se opunham a tudo que Israel representava ao testificar o único e verdadeiro Deus. Assim, Edom é considerado o tipo do mundo corrupto e cheio de ódio, pronto para o julgamento apocalíptico.

O livro é uma advertência contra a autoconfiança, orgulho e o autoengano de que se pode fazer de tudo sem que um dia todos terão que dar conta de seus atos diante de Deus. A mensagem de Obadias é contundente, pois aponta a estupidez de um povo que achava que nada lhes aconteceria, mesmo cometendo pecados e se alegrando com o sofrimento do povo de Deus.

3.2 O PROFETA JOEL

O profeta Joel exerceu seu ministério no Reino do Sul por volta do ano 835 a.C., e seu nome significa “Iavé é Deus”. O que auxilia na datação do Livro de Joel é que ele menciona alguns inimigos de Judá, entre eles os filisteus, os edomitas, os egípcios e os fenícios. O fato de não fazer menção aos babilônicos e assírios mostra que estes povos ainda não tinham se tornado potências na sua época.

O Livro de Joel inicia com uma profecia sobre uma terrível praga de gafanhotos que assolaria Judá e traria um tempo de grande miséria e sofrimento para a nação. De acordo com Champlin (2002, p. 565), “Essa praga se assemelhava a um exército devastador, que atravessou, marchando a região inteira da Palestina. Isso levou o profeta a meditar, em termos mais amplos, sobre o juízo divino vindouro”. Tal profecia pode se referir à invasão avassaladora dos babilônicos que iam varrendo tudo à sua frente, quanto ao dia do juízo de Deus em um momento que ainda está para acontecer.

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FIGURA 35 – OS GAFANHOTOS

FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net/fanywel/os-gafanhotos-cortador-migrador-devorador-e-destruidor>. Acesso em: 26 fev. 2017.

Diante deste quadro horrendo, Joel clama ao povo para o arrependimento, e lança a responsabilidade de um avivamento sobre os ombros dos líderes políticos e religiosos de Judá. A maneira dramática com que Joel se expressa deixa transparecer sua preocupação com o futuro da nação. Lembrando que diante de Deus cada ser humano é responsável por suas ações, cada pessoa terá que prestar conta de seus atos diante de Deus. Se por um lado temos a profecia de uma destruição iminente, por outro lado, ao final do livro, há uma promessa do derramamento do Espírito de Deus ‘sobre toda carne’.

De acordo com Sellin e Fohrer (2007, p. 606),

O nexo entre a profecia cultual e a escatologia é o que caracteriza a pregação de Joel e a distingue dos grandes profetas individuais anteriores ao exílio. Joel parte das situações de calamidade econômica da vida ordinária, provocadas pelas catástrofes naturais, ao mesmo tempo em que anuncia o dia de transformação escatológica. Consoante o caráter de sua missão, ele se empenha por afastar os prejuízos econômicos e conclama ao povo a voltar-se para Deus em meio ao infortúnio. Incita-o a convocar uma assembleia cultual de penitência, com jejuns e lamentações, mas ao mesmo tempo acentua a necessidade de conversão para Deus, sem, contudo, pressupor uma culpa. Fala a respeito do alcance universal do dia de Javé, mas isto só no julgamento contra as nações. A este alcance universal se contrapõe, no entanto, a limitação particularista da salvação apenas ao próprio povo.

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A profecia de Joel aponta para um estado de calamidade, mas que deste estado de sofrimento e dor um novo tempo é predito para o povo da Aliança. Este futuro promissor da plenitude do derramamento do Espírito não ficará restrito ao povo de Israel, mas terá um alcance universal, pois será derramado um reavivamento sobre todos aqueles que se arrependerem de seus pecados. Pedro faz referência a este derramamento do Espírito vaticinado por Joel, quando prega no dia de Pentecostes e quase três mil pessoas aceitam Jesus Cristo como o salvador.

3.3 O PROFETA JONAS

O profeta Jonas profetizou por volta do ano 760 a.C., e sua mensagem tem como pano de fundo a misericórdia salvífica de Deus. Ele vivia no Reino do Norte por ocasião do reinado de Jeroboão II e era contemporâneo do profeta Amós.

De acordo com Archer (2005, p. 236), “O tema de sua profecia [...] é que a misericórdia e a compaixão de Deus se estendem até as nações pagãs, na condição de se arrependerem. É, portanto, obrigação dos israelitas testificar perante elas a fé verdadeira”. Este é um detalhe muito importante para a compreensão da mensagem do Livro de Jonas. Deus não salvou os ninivitas porque tivessem alguma coisa para Lhe oferecer. O único motivo para a não destruição de Nínive é a misericórdia.

Mas há quem possa objetar esta afirmação dizendo que os ninivitas se arrependeram e isso aplacou a ira de Deus. Correto. Mas não teria acontecido um arrependimento coletivo se Deus, por sua infinita misericórdia, não tivesse enviado Jonas para protestar contra seus pecados. O sinal da misericórdia de Deus em relação aos ninivitas foi quando Deus ordenou que Jonas fosse pregar a eles.

Diante disso, temos que nos deparar com mais uma questão importante: por que Jonas se recusou a ir pregar para os moradores de Nínive? Jonas entendia que os ninivitas eram merecedores do castigo divino, pois esta cidade era inimiga de Israel e deveriam pagar por seus crimes contra os israelitas. Deus dá uma lição para Jonas e que serve de lição para a igreja do século XXI. Devemos pregar a mensagem de arrependimento a todas as pessoas e povos, pois Deus é o único que pode julgar as pessoas e sua reação diante da mensagem pregada. O próprio Jonas foi alvo da misericórdia de Deus quando clamou no ventre do peixe. Sua desobediência o levou às mais profundas angústias, mas quando se arrependeu e clamou, Deus o alcançou com sua misericórdia.

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FIGURA 36 – JONAS LANÇADO AO MAR

FONTE: Disponível em: <http://ministeriopastortolentinosilva.blogspot.com.br/2016/01/veremos-que-uma-oracao-transformou-vida.html>. Acesso em: 26 fev. 2017.

Os racionalistas objetam quanto à veracidade da história de Jonas. Quanto a estas objeções, Archer (2005, p. 243) escreve o seguinte:

Tendo em vista as vigorosas objeções dos racionalistas à historicidade de Jonas, seria apropriado fazer aqui alguma referência às declarações do Senhor Jesus, registradas nos Evangelhos. Segundo Mateus 12.41,41, Cristo se referiu a dois eventos mais abertamente rejeitados pela crítica moderna como sendo fábulas: a preservação de Jonas no estômago da baleia e a eficácia da sua pregação ao levar os ninivitas ao arrependimento. Em Mateus 12:40, Cristo diz: “Porque assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do Homem estará três dias e três noites no coração da terra”. Se a história de Jonas tivesse sido mera ficção, então, o sepultamento de Cristo na Sexta-Feira, até a Ressurreição no Domingo de Páscoa, também seria ficção; não havendo, portanto, qualquer base para a comparação: (“assim como ... assim”). [...] Não há qualquer evidência objetiva de que Jesus de Nazaré tivesse considerado esta experiência de Jonas como não sendo um fato histórico.

Outra questão em torno das objeções racionalistas destes intérpretes da Bíblia é o fato de os mesmos descartarem qualquer possibilidade do agir sobrenatural de Deus no sentido de cumprir com seus propósitos. O Livro de Jonas deixa uma lição muito clara: Deus é um Deus que se importa com todas as pessoas, independentemente de sua origem, pois sua misericórdia não faz acepção de pessoas ou de povos.

3.4 O PROFETA AMÓS

O profeta Amós, cujo nome significa “carregador de fardos”, profetizou entre os anos 760-755 a.C. Suas mensagens foram dirigidas ao Reino do Norte. Seu ministério se desenvolveu durante o reinado de Jeroboão II, que governava a partir de Samaria, a capital do Reino do Norte. Quem governava o Reino do Sul era

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Uzias. O profeta se diz um plantador de sicômoros, uma planta que produz figos de qualidade inferior muito cultivada no Oriente Médio.

FIGURA 37 – PÉ DE SICÔMORO

FONTE: Disponível em: <http://www.ambientestereo.fm/site1/index.php/lo-leido/2453-arboles-sicomoros-y-especias-son-originarios-de-los-filisteos>. Acesso em: 26 fev. 2017.

A mensagem de Amós é dirigida a várias nações. Deus retribuía a cada povo segundo seus atos pecaminosos, e Israel, o Reino do Norte, havia de certa maneira se alegrado com o castigo das outras nações, todavia, havia algo reservado para eles que se cumpriria no tempo determinado por Deus.

A mensagem do profeta Amós se deparou com um Israel próspero, mas o povo moralmente e espiritualmente vivendo em decadência diante de Deus. A prosperidade de Israel gerou comportamentos injustos, exploração e muita corrupção. Suas palavras não eram de consolação, mas de confronto com os pecados do povo e a necessidade de arrependimento imediato.

De acordo com Angus (2003, p. 465),

O povo de Israel estava nesse tempo no auge da prosperidade material, mas enchia com rapidez a medida dos seus pecados. A missão de Amós consistia, por isso, mais em ameaças do que em consolação. Ele censura, entre outras coisas, a corrupção dos seus costumes que corria parelha com sua prosperidade; ele acusa os grandes do reino de parcialidade como juízes e de violência para com os pobres; e anuncia, como castigo de Deus, o cativeiro das Dez Tribos em país estrangeiro, predição que se cumpriu cerca de 60 anos após, quando Salamanaser e Sargão, reis da Assíria, destruíram o reino.

Esta decadência espiritual vivenciada por Israel consistiu no simples fato de as riquezas suplantarem o temor a Deus e a compaixão pelas necessidades alheias. Deus relembra, por meio de Amós, as maravilhas que Ele havia operado no meio de seu povo quando os tirou do Egito com mão poderosa. Todavia, este

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povo escolhido dentre as nações da Terra havia se esquecido de Deus e das suas bênçãos.

Um momento emblemático do Livro de Amós é quando ele chama as mulheres ricas de Israel de “vacas de Basã [...] que oprimis os pobres, que quebrantais os necessitados, que dizei a seus senhores: dai cá, e bebamos” (Amós 4, 1). Este trecho revela que em Israel havia um quadro de exploração e opressão que revelava a insensibilidade das pessoas prósperas em relação aos necessitados. O enriquecimento de uns resultava na miséria de outros. Para estas pessoas que agiam injustamente, explorando e oprimindo, Deus faz uma terrível advertência: “Jurou o Senhor JEOVÁ, pela sua santidade, que dias estão para vir sobre vós, em que vos levarão com anzóis e a vossos descendentes com anzóis de pesca” (Amós 4, 2).

Os capítulos finais do livro relatam uma série de visões acerca da destruição de Israel. Todavia, no capítulo final, Deus faz uma promessa de restauração, pois depois de passar por todas essas coisas, o povo da Aliança será restaurado, suas cidades serão reconstruídas, haverá prosperidade e aquilo que plantarem colherão em abundância, porque a bênção Deus estará sobre seu povo.

3.5 O PROFETA OSÉIAS

O livro do profeta Oséias contém uma mensagem intrigante, pois revela um Deus amoroso que está disposto a conquistar seu povo, mas é um Deus justo que julga aqueles desobedientes na medida de seus atos. A profecia de Oséias é a última tentativa do Senhor Deus no sentido de conduzir Israel ao arrependimento, abandonar a idolatria e o pecado que eram persistentes em sua vida, pois seriam entregues em breve ao juízo.

O nome Oséias significa salvação e ele profetizou cerca de 715-710 a.C. Ele era proveniente de Israel, o Reino do Norte cuja capital era Samaria. Israel estava desmoronando moralmente e espiritualmente. Para exemplificar a condição de Israel e o amor de Deus por seu povo, o Senhor ordena que Oséias tome uma mulher de prostituições, pois o povo de Deus havia se prostituído com os deuses dos povos à sua volta.

De acordo com Angus (2003, p. 467),

O profeta condena de modo mais veemente esta situação, servindo-se de fatos da sua própria vida para reprovar a idolatria dos israelitas. Com energia forte e triste, avivada por uma amarga experiência, ele qualifica de adultério o fato dos israelitas se apartarem de Deus, visto como o seu procedimento era a violação de um pacto solene. Essas lições foram ilustradas com o assassinato de quatro reis sucessivamente e com desordem geral no país.

Mesmo diante deste esforço contínuo de levar o povo ao arrependimento, o que podemos perceber é uma indiferença cada vez maior diante dos apelos do profeta para que haja uma mudança no comportamento das pessoas.

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FIGURA 38 – OSÉIAS E GOMER

FONTE: Disponível em: <http://bibliaenpuntadas.blogspot.com.br/2015_11_01_archive.html>. Acesso em: 26 fev. 2017.

A vida de Oséias é a profecia em si mesma, pois sua esposa é o exemplo da infidelidade de Israel para com Deus. Os filhos que nasceram desta união eram sinais proféticos para o povo. O primeiro filho de Oséias se chamava Jezreel, cujo significado é “Deus espalha”; o segundo filho, uma menina, foi chamada de Lo-Ruama, que significa “não compadecida”, e o terceiro filho se chamava Lo-Ami, que significa “não meu povo”. Esses significados revelam em que condição estava o relacionamento entre Deus e seu povo, e ainda, quais as consequências da infidelidade de Israel.

Um aspecto muito interessante sobre o Livro de Oséias é seu estilo literário. A construção do texto é muito peculiar, pois possuía grande diferença em relação aos escritos dos outros profetas do Antigo Testamento. Sobre essas características do Livro de Oséias, Angus (2003, p. 468-469) escreve que:

A linguagem de Oséias é particularmente difícil. O seu estilo é muito conciso e abrupto, cheio de figuras e metáforas, que muitas vezes se misturam, sendo as transições de um assunto para o outro, ou de uma figura para outra, frequentes e inesperadas. As ocasiões especiais em que ele proferiu as suas profecias, raras vezes são óbvias e nunca são especificadas pelo autor. Algumas partes dessas profecias são, contudo, animadas, patéticas e sublimes. A nota principal dos seus discursos é serem eles repassados de uma viva ternura, em harmonia com as experiências pessoais que ele descreve.

Neste sentido, o leitor do livro precisa estar atento a este estilo, e compreender o teor da mensagem a partir de uma perspectiva do perdão, da compaixão, da disposição para a reconciliação, mas também do sentimento de abandono vivenciado por quem ama sem, contudo, ter este amor correspondido.

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3.6 O PROFETA MIQUÉIAS

O profeta Miquéias pertence ao grupo de profetas do Reino do Sul. Seu nome significa “Quem é como nosso Deus?”. Nasceu em Moresete-Gate e era de origem humilde, pois, à semelhança de Amós, era um homem do campo, profetizou entre os anos 740-710 a.C. e era contemporâneo do profeta Isaías.

Vivendo próximo dos camponeses, podia experimentar e observar a maneira como as pessoas do campo eram exploradas e injustiçadas. Diante desse quadro, o profeta Miquéias levanta sua voz para protestar contra os sacerdotes ímpios, os governantes corruptos e os falsos profetas.

Não se menciona o nome do seu pai, e podemos concluir que sua família era de origem humilde. É significativo que seu ministério na pregação se preocupava especialmente com os sofrimentos do povo comum, e dos camponeses nas áreas agrícolas que estavam sendo explorados pela nobreza latifundiária, rica e sem escrúpulos. Miquéias parece ter passado boa parte da sua vida nas áreas do interior mais do que na cidade capital de Jerusalém (ARCHER, 2005, p. 256-257).

Sua mensagem aponta para a aproximação da destruição dos dois reinos: Judá e Israel. Num segundo momento, Miquéias pronuncia promessas de esperança e momentos de glória para o povo de Deus, pois aponta para o reinado do Messias. Na parte final do livro ele descreve a pureza e santidade de Deus em contraste com a pecaminosidade e imoralidade do povo. Suas palavras incentivam o povo ao arrependimento, pois Deus é justo e executa seus juízos, mas também é um Deus misericordioso que não nega seu perdão diante de arrependimento sincero.

3.7 O PROFETA ISAÍAS

O livro do profeta Isaías é de uma profundidade imensa, pois ele vaticinou eventos importantes na história da humanidade e em relação ao Plano da Salvação concretizado na vida de Jesus Cristo. Nesse sentido, neste estudo vamos abordar este livro apenas de maneira introdutória, para que você tenha uma noção geral da vida e mensagem deste profeta.

Isaías é considerado o mais ilustre dos profetas e profetizou por volta do ano 740 a 701 a.C., durante os reinados de quatro reis de Judá: Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias. Ao que tudo indica, este profeta era proveniente de uma família importante e influente em Jerusalém. A morte de Isaías é atribuída ao ímpio e cruel Manassés, filho de Ezequias, que mandou serrar o profeta ao meio.

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FIGURA 39 – PROFETA ISAÍAS

FONTE: Disponível em: <http://milesecclesiae.blogspot.com.br/2010/02/profeta-isaias.html>. Acesso em: 27 fev. 2017.

Diante do grande número de profecias que compõem o Livro de Isaías, muitos estudiosos questionam se todas estas profecias são de fato do profeta Isaías, ou foram proferidas por outros profetas que teriam vivido séculos mais tarde. Qual é o argumento utilizado pelos defensores da tese de que o livro foi composto por diferentes autores? De acordo com Archer (2005, p. 267),

Os críticos divisionistas argumentam que em Isaías I (1-39) o centro da atenção do autor é ocupado por condições contemporâneas. Em Isaías II (40-66) o centro de interesse muda para o Exílio na Babilônia e a vislumbrada possibilidade duma volta à pátria original. Argumenta-se que tal ponto de vista futurista não poderia ter sido sistematicamente mantido através dum número tão grande de capítulos. Isso tem persuadido até os estudiosos moderados que não se dispuseram a rejeitar totalmente a possibilidade de predição genuína. Em termos gerais, porém, os arquitetos da teoria dos dois Isaías simplesmente pressupuseram, em bases racionalistas, a impossibilidade da revelação divina através de profecias genuinamente do futuro. Deste ponto de vista filosófico a priori, começaram a obra de estudar os dados do texto, propriamente dito.

Esse ponto de vista sobre a composição do Livro de Isaías e as profecias é uma maneira de negar o elemento sobrenatural do ministério profético, ou seja, a profecia teria sido escrita após o acontecimento. Tal posição é antissobrenatural.

Por outro lado, temos aqueles que defendem a unidade do livro, ou seja, atribuem todo o conteúdo do livro a apenas uma pessoa. Quais são os argumentos para tal posição teológica? Stamps (1997, p. 991) aponta que

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Não existe, porém, nenhum fato bíblico que nos leve a rejeitar a autoria de Isaías para todo o livro. As mensagens de Isaías, nos capítulos 40-66, destinados aos exilados judaicos em Babilônia, muito tempo depois de sua morte, enfatizam o poder de Deus em revelar eventos futuros específicos através dos seus profetas. [...] Se aceitarmos os fenômenos das visões e revelações proféticas (cf. Ap 1.1; 4.1-22.21), cai por terra o obstáculo principal à crença de que Isaías realmente escreveu o livro inteiro. As evidências que sustentam essa posição são abundantes, e podem ser classificadas em duas categorias: (1) Evidências internas, no próprio livro, que incluem um título em 1.1, e os numerosos paralelos e pensamentos marcantes entre ambas as seções do livro. [...] (2) As evidências externas incluem o testemunho do Talmude e do próprio NT, que atribui todo o livro ao profeta Isaías.

Por mais que essa discussão seja importante para o debate teológico e a compreensão da mensagem profética, vamos discorrer um pouco sobre outros aspectos não menos importantes do livro do profeta Isaías.

O significado do nome Isaías é “O Senhor é Salvação”, e “é este o tema da mensagem de Isaías, que a salvação é recebida pela graça de Deus, o Redentor, e não pela força do homem nem pelas obras da carne” (ARCHER, 2005, p. 259). A mensagem deste profeta é evangelística, pois neste livro há uma exposição detalhada da doutrina de Cristo, pois “Acham-se introspecções cristológicas mais profundas na sua obra do que em qualquer outra parte do Antigo Testamento” (ARCHER, 2005, p. 259).

Dentre as várias questões que o livro de Isaías aborda, temos que considerar que o livro segue alguns eixos principais. O primeiro deles é que Isaías faz duras críticas à idolatria que era tão comum em Judá, e isso naturalmente resultaria em uma desgraça iminente ao povo rebelde. O segundo eixo da teologia do livro está relacionado à soberania de Deus que governa todas as nações da Terra, pois é Ele que exerce o poder e controla todas as coisas e corrige e castiga os desobedientes. O terceiro eixo teológico gira em torno do tema do pecado do homem. O pecado é a causa do afastamento do homem de Deus, mas Deus deixa muito claro que ainda que os pecados de alguém sejam escuros como a escarlate, Ele pode tornar branco como a lã. O quarto eixo teológico se refere à redenção de Israel e dos gentios quando o Messias vier. O quinto eixo se refere aos poemas do servo, em que alguns destes poemas possuem um tom messiânico. O livro também possui um eixo escatológico, pois, acima de tudo o livro é profético e aponta para eventos futuristas.

O livro do profeta Isaías pode ser estudado a partir de diferentes perspectivas, pois suas temáticas permitem uma ampla possibilidade de análises. No entanto, o que gostaríamos de ressaltar é que este profeta trata de temas relativos aos juízos de Deus e da salvação que chegaria com a vinda do Messias. A salvação proclamada por Isaías não é restrita ao povo de Israel, mas tem uma abrangência universal, pois todos os povos da Terra poderão ser salvos se crerem no Messias enviado por Deus.

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3.8 O PROFETA NAUM

O profeta Naum profetizou por volta de 630-610 a.C. O significado de seu nome é “consolo”, e tal significado é muito interessante, pois Deus lhe usou para pronunciar um juízo iminente sobre Nínive, a ímpia capital da Assíria, e, ao mesmo tempo, Naum é usado por Deus para trazer uma palavra de consolo para o povo de Deus.

A cidade de Nínive está novamente na boca dos profetas de Deus. Lembrando que o profeta Jonas havia sido enviado para profetizar para esta cidade por volta do ano 760 a.C., e um século depois Deus volta a tratar com Nínive, só que desta vez a situação estava muito complicada, ao ponto de o Senhor falar à cidade dizendo que “Não há cura para tua ferida; a tua chaga é dolorosa” (Naum 3, 19). Isso significava dizer que a situação de Nínive era um caminho sem volta.

De acordo com Angus (2003, p. 486), “Nínive, cuja destruição é anunciada pelo profeta, era naquela ocasião a capital de um vasto e florescente império; era uma cidade de grande extensão e população, e primeiro centro comercial do mundo”. Isso levou os ninivitas a se comportarem de maneira tão ímpia que suas ações resultariam em um castigo terrível da parte de Deus, por causa de seus constantes pecados, tais como assassinatos, roubos e mentiras.

Os ninivitas estavam despreocupados e achavam que nada podia lhes acontecer, pois a cidade era também uma verdadeira fortaleza. Todavia, mesmo com suas extraordinárias muralhas e fortalezas, “ela foi de tal maneira destruída que, no segundo século depois de Cristo, nem um simples vestígio restava dela, e por muito tempo não se sabia mesmo qual o sítio onde tinha existido” (ANGUS, 2003, p. 486). Este foi o resultado do pecado e da falta de arrependimento.

3.9 O PROFETA SOFONIAS

O profeta Sofonias profetizou durante o reinado de Josias, rei de Judá, por volta do ano 630 a.C. O nome Sofonias significa “Deus esconde” e pode ser uma referência à ideia de que, por mais que os profetas tivessem sido perseguidos, Deus havia escondido os seus escolhidos para profetizar no tempo determinado por Ele, pois “No tempo de Josias, porém, reviveu o espírito profético, sendo Sofonias [...] o mais antigo dos profetas deste tempo” (ANGUS, 2003, p. 488).

O propósito de Sofonias era alertar Judá e Jerusalém acerca de seus pecados, pois caso não se arrependessem, iriam sofrer em decorrência do juízo iminente que estava para recair sobre os rebeldes. Além de Judá, outras nações à sua volta são citadas pelo profeta. O juízo de Deus, ou o grande dia do Senhor, é uma retribuição a Judá e às demais nações pelos pecados que estavam cometendo.

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Segundo Archer (2005, p. 292),

O tema de sua mensagem é que o Senhor ainda está firmemente em controle de Seu mundo, apesar das aparências contrárias, e que comprovará isto no futuro próximo ao aplicar um castigo terrível sobre a nação desobediente de Judá, e completa destruição sobre as nações pagãs gentias. Somente através dum arrependimento em tempo é que haveria possibilidade de escape a esta ira.

Diante desta mensagem de juízo houve um arrependimento parcial nos dias do rei Josias. Novamente é possível perceber a misericórdia de Deus, pois ao mesmo tempo em que Deus repreende veemente seus filhos, ele promete bênçãos maravilhosas quando estes se arrependem dos seus maus caminhos.

3.10 O PROFETA HABACUQUE

A temática da profecia de Habacuque é viver pela fé diante das adversidades da vida. Ele profetizou entre os anos 625-607 a.C., e seu nome significa “abraço”. O livro não revela nada sobre sua família. De acordo com as menções feitas ao poder dos caldeus, entende-se que os babilônicos tinham se tornado uma potência militar que ameaçava Judá. Habacuque foi contemporâneo do profeta Jeremias.

O livro inicia com o profeta lamentando “as iniquidades e as violências arbitrárias que entre os judeus se cometiam” (ANGUS, 2003, p. 490). Diante disso, Deus anuncia que os caldeus marchariam pelas terras de Judá e tomariam suas habitações. Mesmo os caldeus sendo uma nação extremamente ímpia, Deus usaria este povo para corrigir os filhos de Judá. Todavia, Deus também julgaria os caldeus pelas atrocidades que eles cometiam, pois ninguém ficará impune diante de Deus, cedo ou tarde todos receberão sua devida sentença.

Na parte final do livro nós lemos a oração de Habacuque. Nesta parte é possível perceber que, diante dos pecados que há no mundo e os juízos de Deus, é necessário que o justo viva pela fé e confie que Deus está no controle de tudo, pois ele governa todas as coisas com sabedoria. Diante da grandeza deste Deus, o justo precisa confiar inteiramente que nada que não seja da vontade de Deus irá tocá-lo.

4 PROFETAS NO CATIVEIRO E DURANTE O CATIVEIRO

O cativeiro babilônico foi um capítulo cruel e vergonhoso na história de Israel. Diante dos avisos de Deus, o povo continuou indiferente até o momento em que Deus executou seus juízos. Durante o cativeiro babilônico, Deus continuou usando seus profetas para orientar e repreender o povo para que andassem no caminho santo. Os profetas que exerceram seu ministério durante o cativeiro babilônico são os seguintes: Jeremias, Ezequiel e Daniel.

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FIGURA 40 – CATIVEIRO DE JUDÁ

FONTE: Disponível em: <http://luloure.blogspot.com/2013/09/o-cativeiro-de-israel.html>. Acesso em: 17 mar. 2017.

4.1 O PROFETA JEREMIAS

O profeta Jeremias profetizou entre os anos de 627-586 a.C., pois devido ao fato de ter iniciado seu ministério ainda jovem, resultou em um tempo maior de ministério profético. Ele profetizou durante os últimos 40 anos da história do Reino do Sul. O significado de seu nome é “O Senhor estabelece”.

O profeta Jeremias viveu no período em que ocorreram as invasões babilônicas ao reino de Judá, isso significa dizer que ele viu grande parte de suas profecias se cumprirem diante de si. Ele teve o desprazer de ver sua terra que tanto amava, pois chegou ao ponto de dizer que “Prouvera a Deus a minha cabeça se tornasse em águas, e os meus olhos, em uma fonte de lágrimas! Então, choraria de dia e de noite os mortos da filha do meu povo” (Jeremias 9, 1).

Segundo Archer (2005, p. 298),

O tema do profeta consiste numa série de severas advertências a Judá, no sentido de abandonar a idolatria e o pecado para evitar a catástrofe do Exílio. Cada classe da sociedade dos hebreus foi condenada como sendo indesculpavelmente pecaminosa. Porque Judá recusou a se arrepender, o Cativeiro na Babilônia seria inevitável.

Mesmo diante dos apelos intensos e desesperados do profeta, o povo permanecia indiferente à mensagem profética. Diante desta recusa em se arrepender, a situação espiritual e moral do povo continuava decadente. O pecado havia se enraizado de tal forma que a mensagem profética não causava remorso no coração do povo. Este quadro deplorável da condição espiritual de Judá tornava a aplicação da justiça de Deus uma ação inevitável, ou seja, os pecadores precisavam responder por seus pecados.

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Sobre a vida do profeta é possível afirmar que:

A vida de Jeremias revela que ele era um homem humilde e modesto, saindo contra sua vontade da obscuridade e isolamento, para a vida pública e para os perigos que acompanham a missão profética. Pacífico por natureza, e mais inclinado a lamentar em segredo as iniquidades do povo do que acusar publicamente os homens perversos, ele obedeceu, entretanto, à chamada de Deus, mostrando ser sempre um destemido campeão da verdade, entre censuras, insultas e ameaças. Essa combinação de qualidades em Jeremias é tão notável que tem sido justamente considerada como prova da origem divina da sua missão (ANGUS, 2003, p. 493).

O profeta em momento algum procurou os holofotes, ou prestígio e poder. Seu compromisso era com Deus, pois foi Ele que o chamou para este ministério, que é importante frisar, um ministério que exigiu de Jeremias uma entrega total e plena confiança em Deus.

O Livro de Lamentações de Jeremias é considerado como uma espécie de apêndice das profecias do profeta. O livro revela de maneira terna e triste a dor que o profeta sentia ao contemplar a desolação de sua terra e do templo de Jerusalém, ver seu povo sendo levado para o cativeiro, o sofrimento causado pelas misérias e pela fome que se tornou comum entre seu povo.

No final da sua vida Jeremias foi levado para o Egito, mesmo contra sua vontade. Lá ele continuou profetizando até o dia da sua morte. Suas profecias foram dirigidas para outras nações além de Judá, dentre essas nações está a Babilônia. No capítulo 51 está registrado que o profeta escreveu num livro todo o mal que viria sobre os babilônicos.

DICAS

Diante da iminente destruição de Jerusalém, o profeta Jeremias abandona sua família e se dedica a alertar o povo sobre o que estava por vir. Mesmo diante das perseguições por parte dos judeus, e chamado de traidor pelo povo judaico, o profeta não abandona a cidade e testemunha sua invasão e aprisionamento do povo pelos persas. Este filme é uma forma maravilhosa de compreender o ministério profético deste grande homem de Deus. Bom filme!

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4.2 O PROFETA EZEQUIEL

O profeta Ezequiel era de uma família sacerdotal e seu nome significa “Deus fortalece”, foi contemporâneo de Jeremias e Daniel, pois exerceu seu ministério por volta do ano 593-571 a.C., durante o cativeiro babilônico, quando foi levado prisioneiro em 597 a.C. Seu ministério ocorreu em um período tenebroso da história judaica, pois o povo, diante de tantas calamidades e castigos divinos, se encontrava aflito e humilhado.

Durante o período em que permaneceu no cativeiro babilônico, “O profeta sacerdote foi ali, entre os desterrados, a mais notável figura; mas os seus conterrâneos pela maior parte resistiam às suas palavras, alimentando a esperança de um rápido regresso ao seu país” (ANGUS, 2003, p. 496-497).

Assim como outros profetas, Ezequiel vivenciou situações em que os acontecimentos da sua vida se tornaram um sinal para o povo. Um exemplo disso foi quando Deus lhe tirou a esposa e ordenou que o profeta não chorasse por ela. Os cativos na Babilônia em breve teriam a notícia de que Jerusalém e o Templo seriam destruídos, mas, assim como Ezequiel, não deveriam chorar e nem se lamentar, mas deveriam manter sua rotina normal como se nada tivesse ocorrido.

De acordo com Angus (2003, p. 497), “O ponto central das predições de Ezequiel é a destruição de Jerusalém. Antes deste acontecimento, o seu fim principal era chamar ao arrependimento os que viviam numa grande indiferença, avisá-los contra o pensamento enganoso de que com o auxílio dos egípcios, havia de ser sacudido o jugo babilônico”. Isso significava que não havia saída para o povo se não confiar em Deus, pois o juízo que Deus havia decretado iria se cumprir cada palavra.

O capítulo 37 do Livro de Ezequiel possui uma mensagem singular, pois é uma das promessas mais extraordinárias acerca da restauração de Israel. O capítulo descreve de maneira clara o processo de restauração na nação judaica e não deixa dúvidas quanto ao poder restaurador do Deus que vela por cumprir com suas palavras. Os capítulos finais do livro contêm uma série de visões sobre a restauração do povo da Aliança e a maneira como este povo serviria de bênçãos para todas as nações da Terra.

NOTA

O cativeiro babilônico teve seu início com a primeira deportação em 598 a.C. O cativeiro da Babilônia, também considerado como Exílio, é a deportação em massa dos hebreus do Antigo Reino de Judá transferidos para a Babilônia, pelo Rei Nabucodonosor.

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4.3 O PROFETA DANIEL

Daniel, cujo nome significa “Deus é meu juiz”, é um dos profetas mais importantes do Antigo Testamento. Exerceu seu ministério entre 603-536 a.C. Foi levado para a Babilônia ainda jovem e teve um papel de grande destaque junto aos reis da Babilônia, pois foi governador de uma província e um dos homens de maior confiança do Império Babilônico.

Sua conduta exemplar, desde sua chegada à Babilônica por volta do ano 605 a.C., fez dele um exemplo de fé e determinação em seguir a lei de Deus em qualquer circunstância. Diante dos muitos desafios enfrentados na Babilônia, demonstrou paciência, sabedoria e temor a Deus. Talvez sua maior prova foi se manter firme no propósito de orar todos os dias ao Deus de Israel com as janelas abertas para a banda de Jerusalém. Tal propósito lhe custou uma noite na cova dos leões.

FIGURA 41 – DANIEL NA COVA DOS LEÕES

FONTE: Disponível em: <http://sp.olx.com.br/grande-campinas/arte-e-decoracao/quadro-daniel-na-cova-dos-leoes-pintura-oleo-sobre-tela-80x120cm-107972233>. Acesso em: 3 mar. 2017.

A mensagem central do Livro de Daniel é sobre a soberania de Deus na história e através da história. Imerso na cultura dos caldeus, Daniel buscava a Deus intensamente. Diante da avançada ciência dos caldeus, o profeta se destacou entre todos, pois nele habitava o Espírito do Deus Altíssimo. Por ocasião do sonho de Nabucodonosor, em que nenhum de seus sábios pôde saber o sonho e interpretar, o profeta Daniel foi usado como instrumento de Deus para revelar os sonhos do rei e sua interpretação.

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Além do relato dos acontecimentos extraordinários na vida de Daniel e seus amigos, o livro contém as profecias que se cumpririam em um futuro próximo, as que se referiam a um futuro distante, pois lhe é revelada uma mensagem para o ‘tempo do fim’. Suas profecias também fazem referência ao Messias vindouro e seu poder de esmagar os reinos que se oporem a Ele, pois governará seu povo com sabedoria.

5 PROFETAS PÓS-CATIVEIRO

A Babilônia caiu diante do Império Medo-Persa no ano 529 a.C. O rei Ciro adotou uma política diferente dos babilônicos em relação aos povos que estavam no cativeiro, pois por meio de decretos permitia que estes povos retornassem para suas terras e pagassem tributos ao imperador. O retorno dos judeus inicia por este tempo e os profetas pós-cativeiro ou pós-exílio são Ageu, Zacarias e Malaquias.

FIGURA 42 – RECONSTRUÇÃO DE JERUSALÉM

FONTE: Disponível em: <https://herancajudaica.wordpress.com/2014/12/08/o-decreto-de-reconstrucao-de-jerusalem-a-data-inicial-para-a-profecia-das-setenta-semanas/>. Acesso em: 17 mar. 2017.

5.1 O PROFETA AGEU

O profeta Ageu viveu em um período muito difícil para Israel, pois “Esta era uma época de severos testes para o remanescente recém-voltado para Judá, vindo da Babilônia” (ARCHER, 2005, p. 370). O livro de Ageu data do ano 520 a.C., e trata da reedificação do templo.

Quando os judeus retornaram para Jerusalém e contemplaram a desolação em que a cidade se encontrava, seus ânimos ficaram abalados. Diante de tamanha desgraça e destruição, estavam profundamente entristecidos. Zorobabel, que era o governador de Judá, tinha uma difícil missão pela frente: mobilizar um povo com a autoestima destruída a reconstruir o templo do Senhor.

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O profeta Ageu repreende o povo por estes estarem tão preocupados com suas casas e deixarem o templo do Senhor de lado, pois estavam ornando suas casas, enquanto o templo de Deus permanecia desolado. Num segundo momento, Ageu profetiza acerca da glória da segunda casa que seria maior do que a glória da primeira. O profeta também conclama o povo a viver em santidade, pois tal atitude geraria bênçãos sobre os filhos de Judá. Por fim, o profeta prediz a ruína das nações inimigas do povo de Deus e prediz que Zorobabel representaria a continuação da linhagem do Messias.

NOTA

Os historiadores confirmam que o cativeiro babilônico termina em 538 a.C. no primeiro ano do reinado de Ciro II, Rei da Pérsia, conquistando a cidade de Babilônia em 539 a.C. Ciro emite um decreto e autoriza o retorno dos hebreus para sua terra e permite reconstruir o Templo de Jerusalém.

5.2 O PROFETA ZACARIAS

A temática da profecia de Zacarias possui um teor de esperança e cuidado de Deus para com seu povo, pois sua profecia era basicamente a promessa de que “Deus vai preservar Seu remanescente fiel de todas as potências mundanas, que oprimem e ameaçam a sua extinção, estes impérios gentílicos serão destruídos, mas Israel vai sobreviver a todas as provações do futuro, por ser o povo do Messias” (ARCHER, 2005, p. 371).

O profeta Zacarias viveu entre os anos 520-470 a.C., e o tema central de seu livro é sobre a conclusão do templo do Senhor em Jerusalém e as promessas messiânicas. Sua mensagem, à semelhança de Ageu, é encorajar o povo para a reedificação do templo do Senhor e apontar para a vinda do Messias.

De acordo com Champlin (2002, p. 714), “Zacarias foi o mais messiânico e escatológico dos profetas menores e era rival até mesmo de Isaías, entre os grandes profetas. Há mais profecias messiânicas neste livro do que em todos os outros profetas menores combinados”. Tal informação nos dá a entender a importância deste livro no plano de salvação do povo judeu. Contudo, a profecia aponta para a rejeição dos judeus em relação ao Messias enviado por Deus. Todavia, o povo judeu um dia irá reconhecer o Messias e se arrepender por não o ter aceito, pois prantearão diante daquilo que fizeram com ele. Neste tempo Deus irá abrir a porta da santidade para o Seu povo que será governado com justiça e retidão pelo Pastor-Messias.

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5.3 O PROFETA MALAQUIAS

De acordo com Archer (2005, p. 380), “O tema de Malaquias é que a sinceridade perante Deus e uma maneira santa de viver são absolutamente essenciais aos olhos de Deus, para que Ele derrame bênçãos sobre as colheitas e o bem-estar econômico da nação”. O judaísmo pós-exílio estava indo para o mesmo caminho de seus antepassados, que por causa de seus pecados foram castigados e levados cativos.

A data da escrita do livro é cerca de 430-420 a.C. O nome Malaquias significa “mensageiro de Jeová” e sua mensagem chama o povo a observar o concerto do Senhor e deixar de praticar uma religiosidade hipócrita e mecânica, pois tal comportamento desagradava ao Senhor.

Para o profeta Malaquias, “Israel precisa viver à altura da sua alta vocação de nação santa, aguardando a vinda do Messias, que, através dum ministério de cura e não somente de julgamento, levará a nação a concretizar suas mais ternas esperanças” (ARCHER, 2005, p. 380). Israel foi tomado dentre as nações para serem servos de Deus e servirem de bênção para as nações da Terra. Quando Israel se afasta do caminho da santidade, todas as nações da Terra perdiam com isso. A santificação do povo era necessária para que por ele Deus pudesse operar e revelar seus desígnios para o mundo.

O profeta dirige sua palavra aos sacerdotes desobedientes que davam mau exemplo ao povo e contribuíam para que este pecasse. Outra questão importante no livro é a reprimenda ao povo que se casava com mulheres estranhas e se divorciava ilicitamente. Outra questão interessante é o fato do povo deixar de pagar o dízimo ao Senhor para manter o funcionamento do templo. O povo não via motivo para ser fiel a Deus com suas contribuições, todavia o Senhor os lembra de que foi Ele que os preservou e os preserva de todos os males do mundo.

As profecias do Antigo Testamento consistem em uma fonte riquíssima de conhecimento acerca do que aconteceu, do que está acontecendo e do que irá acontecer. O estudante de teologia precisa estar muito atento à mensagem dos profetas para compreender os acontecimentos de hoje à luz daquilo que foi revelado pelo Senhor aos seus santos profetas.

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LEITURA COMPLEMENTAR

A ORIGEM DA PROFECIA SEGUNDO O VT

Palmer Robertson

A profecia bíblica teve suas origens no Velho Testamento, o que é algo importante. Profecia não é um fenômeno específico do Novo Testamento, mas algo que recua às mais antigas experiências do povo de Deus. Mas, quando e onde a profecia surgiu pela primeira vez? Surpreendentemente, a profecia não teve suas origens na época das grandes figuras do oitavo século a.C., tais como Isaías, Miqueias e Oseias. Na verdade, a profecia teve início num cenário muito mais antigo.

O movimento profético, no Velho Testamento, originou-se com Moisés.

Na realidade, a profecia vetero testamen tária alcançou seu ponto de maior glória em Moisés. Opondo-se a todos os conceitos que apontam uma evolução de desenvolvimento à religião em Israel, o ponto culminante do movimento profético encontrou sua expressão em Moisés, o profeta e legislador original em Israel. Ele desempenhou um papel singular como mediador da Palavra de Deus em relação ao povo de Israel.

Nos dias anteriores a Moisés, Deus falou pessoalmente aos líderes das

várias famílias patriarcais. O chefe paterno comunicaria, então, a Palavra de Deus a seu clã. Como, porém, iria Deus comunicar sua palavra a uma hoste de mais de um milhão de pessoas quando saíram do Egito? O Senhor se revelaria simultaneamente a 600.000 chefes de famílias? Ou iria Ele prosseguir ao longo das eras subsequentes da história de Israel, fazendo trovejar sua própria voz do céu como fez no Sinai?

O povo de Deus experimentou pessoalmente fortes emoções a esse respeito.

Suplicaram a Moisés: dá-nos um substituto para esta aterradora experiência de ouvir a voz trovejante de Deus (Dt 18.16). Em resposta à solicitação do povo, Deus providenciou um mediador profético e estabeleceu um ofício profético. Um homem receberia a Palavra de Deus no monte e subsequentemente intermediaria a palavra ao povo que lá embaixo tremia. Foi assim que a profecia teve sua origem.

Diversas conclusões importantes podem ser extraídas acerca da natureza

da profecia bíblica como uma consequência das circunstâncias em torno de seu estabelecimento. As origens da profecia revelam questões de importância constante acerca da essência do fenômeno.

a. A voz, frágil e simples do profeta, substitui todos os sinais apavorantes do Sinai.

A voz trovejante de Deus, os relâmpagos, o fogo, a fumaça, o terremoto, o clangor de trombeta aumentando cada vez mais – todos esses fenômenos assustadores encontram seu substituto na voz de um único israelita falando no meio de seus irmãos. A despeito de seu tom relativamente manso, cada palavra do profeta flui como sendo a própria voz de Deus.

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b. A origem da palavra genuinamente profética não será encontrada nas experiências subjetivas de um homem. O profeta não sofre de alucinação quando declara: “Assim diz o Senhor”. A própria Palavra de Deus vem ao encontro do profeta, e o seu veículo de comunicação é a própria voz do homem propositalmente escolhido. É Deus, e não as experiências subjetivas de alguém, quem determina a palavra profética.

c. A palavra do profeta não é primariamente preditiva em sua natureza. A tarefa

primordial de Moisés, ao entregar a lei no Sinai, não era predizer o futuro, e, sim, declarar a vontade revelada de Deus. Nem sequer uma única predição é encontrada nas “dez palavras”, o coração da revelação comunicada através de Moisés.

É preciso entender corretamente a distinção comum entre a “proclamação”

da palavra profética e a “predição” do futuro pelo profeta. Desde o início, a “proclamação” da Palavra de Deus foi justamente tanto uma revelação da infalível, inerrante e perfeita Palavra de Deus quanto sua “predição” do futuro. Não é simplesmente o caso de que a proclamação do profeta sobre vários assuntos do dia fosse um tipo de “pregação” com autoridade reduzida, enquanto que sua “predição” do futuro fosse inspirada, inerrante e infalível em seu caráter.

Na realidade, a essência do profetismo é sempre definida na Bíblia em

termos dessa “proclamação” da própria Palavra de Deus, esteja aí envolvida ou não uma predição do futuro. Ocasionalmente, o profeta podia predizer um evento futuro. Obviamente, esse tipo de percepção podia ocorrer somente por revelação divina. Mas a essência da profecia não era determinada pelo elemento preditivo, e, sim, pela natureza da alocução do profeta como sendo a própria Palavra de Deus.

Geerhardus Vos trata desse tema em seu artigo intitulado “A ideia de

cumprimento da profecia nos evangelhos”. Com respeito à natureza da profecia, diz ele:

Em conexão com o precedente (a ideia de cumprimento da profecia), pode suscitar-se a seguinte pergunta: Qual é precisamente a força do “pro” no termo designativo “profeta”? “Profeta” significa “vaticinador”, ou significa “proclamador”, isto é, “aquele que fala em seguida à palavra a ele revelada por Deus”? No hebraico, nabhi encontra expressão no último, e é, por assim dizer, uma circunstância não expressa de que a palavra proclamada em muitos casos acaba sendo uma “predição”.

Profecia não deve ser definida essencialmente como uma predição do futuro. Ao contrário, ela é uma proclamação de uma revelação divina que ocasionalmente pode também envolver a predição de eventos futuros.

Essa perspectiva sobre a essência da profecia é importante para a avaliação

da questão da continuação da profecia em nossos dias. Obviamente, ninguém pode predizer infalivelmente as condições específicas de um evento futuro, como foi o caso da profecia bíblica, a menos que tenha experimentado uma revelação direta da parte de Deus. Mas é igualmente verdade que ninguém pode “proclamar” a Palavra

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de Deus no sentido profético sem experimentar uma revelação direta de Deus. Seja como um “vaticinador” ou como um “proclamador”, o profeta terá comunicado a revelação da parte de Deus. Se uma pessoa afirma que a profecia bíblica continua hoje em qualquer uma de suas formas básicas, deve-se esclarecer que tal pessoa está expressando a convicção de que a revelação continua hoje. Enquanto que um pregador contemporâneo pode exercer um ministério “profético” em seu púlpito, ele não pode “profetizar” no sentido bíblico como visto na história das origens do profetismo.

d. Pode-se obter uma conclusão adicional com respeito à natureza da profecia com

base em suas origens, como preservadas na Escritura. O propósito supremo do pacto divino não pode ser alcançado a não ser que uma figura profética esteja entre o Senhor e seu povo.

O propósito divino no pacto consistia em ser um com seu povo. Ao

estabelecer uma relação pactual, o Senhor vinculou-se intimamente a seu povo. Mas essa intimidade da relação com Deus pretendida pelo pacto não pode realizar-se a não ser que um mediador profético esteja entre Deus e o povo. Enquanto um mediador não descesse do alto do monte ao povo embaixo, a unidade pactual não seria plenamente consumada.

Este ponto é realçado por Paulo em sua afirmação: “o mediador não fala

da parte de apenas um” (Gl 3.20). A presença de um mediador implicitamente pressupõe uma separação de pessoas entre si. A não ser que Deus mesmo fosse o próprio mediador da palavra divina, não seria possível cumprir-se a unidade de comunhão pretendida pelo pacto. Então a necessidade da obra intermediária da figura profética desapareceria.

Essa perspectiva sobre o propósito final do profetismo é confirmada pelo

testemunho dos documentos do novo pacto. O escritor da epístola aos Hebreus fala da finalidade da revelação profética como encontrada em Jesus Cristo. Deus falou previamente de muitas e diferentes maneiras, através de muitos e diferentes mediadores proféticos. Mas Ele agora tem falado definitivamente pela mediação do Filho (Hb 1.1). Quando a revelação profética viesse diretamente pela mediação de Jesus Cristo, então o propósito principal do pacto teria sido concretizado. Experimentar a revelação de Deus através do Filho significa ser um com o próprio Deus.

FONTE: Disponível em: <http://www.os-puritanos.com/single-post/2015/01/21/A-Origem-da-Profecia-Segundo-o-VT-%C2%BB-O-Palmer-Robertson>. Acesso em: 2 mar. 2017.

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Neste tópico vimos que:

• As profecias não são propriedades exclusivas de Israel, pois os povos à sua volta possuíam seus próprios profetas, como é o caso dos profetas de Baal e Asera, que foram desafiados no Monte Carmelo. Todavia, a profecia hebraica tem algumas particularidades que merecem ser analisadas neste estudo.

• A função do profeta era basicamente ser canal de Deus para orientar o povo sobre a vontade de Deus.

• As profecias não são predições futuristas e aleatórias, pois elas possuem funções muito específicas.

• Desde a morte de Salomão até o cativeiro babilônico houve o surgimento de muitos profetas, isso significa dizer que este período foi marcado por um número significativo de profecias.

• Os profetas anteriores ao cativeiro babilônico são os seguintes: Obadias, Joel, Jonas, Amós, Oséias, Miquéias, Isaías, Naum, Sofonias, Habacuque.

• Durante o cativeiro babilônico Deus continuou usando seus profetas para orientar e repreender o povo para que andassem no caminho santo. Os profetas que exerceram seu ministério durante o cativeiro babilônico são os seguintes: Jeremias, Ezequiel e Daniel.

• O rei Ciro adotou uma política diferente dos babilônicos em relação aos povos que estavam no cativeiro, pois por meio de decretos permitia que estes povos retornassem para suas terras e pagassem tributos ao imperador. O retorno dos judeus inicia por este tempo e os profetas pós-cativeiro ou pós-exílio são Ageu, Zacarias e Malaquias.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

1 Os profetas que exerceram seu ministério entre os judeus após terem retornado do cativeiro se deparam com uma realidade totalmente nova. Nesse sentido, suas palavras, que ao mesmo tempo incentivavam o povo, também lhes dirigiam sérias repreensões diante da situação que estavam vivendo. Sobre os profetas pós-cativeiro, associe os itens utilizando o código a seguir:

I- Malaquias. II- Ageu. III- Zacarias.

( ) O teor da mensagem deste profeta gira em torno da esperança e cuidado que Deus dispensa ao seu povo.

( ) O tema central de sua mensagem era que a sinceridade e a santidade eram fundamentais para andar na presença de Deus.

( ) Este profeta faz uma dura repreensão ao povo judeu, pois que estavam mais preocupados em edificar suas casas e deixaram o templo do Senhor de lado.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) I – II – III.b) ( ) II – III – I.c) ( ) III – I – II. d) ( ) I – III – II.

2 O Livro de Isaías é um dos maiores livros do Antigo Testamento e possui uma diversidade grande de profecias, ao ponto de muitos estudiosos questionarem o fato de ser o profeta Isaías o autor de todo o livro. Independentemente dessa discussão, existem características neste livro que o tornam singular em relação aos demais. Sobre as principais características do Livro de Isaías, assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As profecias de Isaías são dirigidas exclusivamente ao Reino de Israel, as 12 tribos, que na época era governado por Jeroboão II.

( ) O Livro de Isaías é permeado por muitas profecias messiânicas, pois a este livro é atribuído o status de ser o livro mais messiânico do Antigo Testamento.

( ) O livro possui uma mensagem evangelística, pois há uma exposição detalhada acerca da doutrina de Cristo em seus 66 capítulos.

( ) O Livro de Isaías é messiânico, contudo, faz pouca referência aos pecados de Israel e seu afastamento de Deus.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:a) ( ) V – F – V – F.b) ( ) F – F – F – V.c) ( ) V – V – F – F. d) ( ) F – V – V – F.

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