Prochet Claudia SH Me 2008
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CLUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET
ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURDICAS PARA
FORMALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS DO
PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA
Londrina
2008
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CLUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET
ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURDICAS PARA
FORMALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS DO
PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao, em Servio Social e Poltica Social da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Servio Social e Poltica Social. Orientadora: Profa. Dra. Maria Luiza Amaral Rizotti.
Londrina 2008
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CLUDIA SOLANGE HEGETO PROCHET
ESTUDO DAS POSSIBILIDADES JURDICAS PARA
FORMALIZAO DOS EMPREENDIMENTOS DO
PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA
BANCA EXAMINADORA ________________________________________
Profa. Dra. Maria Luiza Amaral Rizotti Universidade Estadual de Londrina
________________________________________
Profa. Dra. Cssia Maria Carloto Universidade Estadual de Londrina
________________________________________
Prof. Dr. Benilson Borinelli Universidade Estadual de Londrina
Londrina, 11 de agosto de 2008.
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Dedico este trabalho ao Ricardo, meu
companheiro de longa e profcua caminhada,
minha fora e meu conforto de todas as horas,
que acreditou na minha capacidade de conclu-
lo; e aos que no acreditaram, pelo desafio que
me impulsionou a come-lo.
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AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas contriburam para a realizao deste trabalho. Diante da impossibilidade de
retribuir altura e a todas, destaco aqui algumas delas estendendo o agradecimento a todos os que
ofereceram seu tempo, sua ateno e seu apoio inestimveis.
minha orientadora Maria Luiza Amaral Rizotti, pela compreenso das minhas limitaes e
apoio para superar os momentos difceis dessa jornada. Sua competncia, sua confiana e sua
pacincia foram fundamentais para domar minha arrogante ignorncia.
Aos funcionrios do Programa de Economia Solidria da Secretaria Municipal de Assistncia
Social de Londrina, em especial sua coordenadora Sandra Regina Nishimura, pela ateno e
fornecimento de material e informaes indispensveis.
Aos grupos de gerao de trabalho e renda, pelas informaes e acolhida generosa.
Universidade Estadual de Londrina, em especial ao Departamento de Servio Social e ao
Centro de Estudos Sociais Aplicados da Universidade Estadual de Londrina pela aceitao do
projeto e Fundao Araucria e CAPES pela concesso de bolsa de estudos.
Aos colegas de mestrado e funcionrios da UEL, na pessoa de Francisco Navarro, pelo auxlio e
por compartilhar experincias e aprendizado.
Aos professores Adriana Santos, Cssia Maria Carloto, Evaristo Clman, Maria ngela Silveira
Paulilo, Miguel Arturo Curotto Oliveira, Olegna S. Guedes, Selma Frossard Costa e Vera
Suguihiro, pela contribuio para o meu amadurecimento acadmico, e Benilson Borinelli pelas
valiosas sugestes.
Aos amigos Alamir e Regina, pelo incentivo e pela leitura e crtica do projeto que deu origem a
este trabalho.
minha me, Jlia, pelo exemplo de persistncia; e a Ricardo, Fausto, Vitria, Felcia, Liana e
Dante por existirem e serem fonte de amor incondicional.
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O homem um ser que vive de iluses e de esperanas, s quais nunca puderam dar morte os grandes cataclismos da histria. Uma das mais bonitas idias de um Direito do Trabalho que, de uma vez para sempre, na luta entre o Capital e o Trabalho, ponha o primeiro, e a Economia em si, a servio do segundo.
Mrio de La Cueva
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PROCHET, Cludia S. H. Estudo das possibilidades jurdicas para formalizao dos empreendimentos do Programa de Economia Solidria de Londrina. 2008. 175f. Dissertao (Mestrado em Servio Social e Poltica Social) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
RESUMO
As transformaes neoliberais da poltica econmica internacional provocaram profundas alteraes no mundo do trabalho no Brasil a partir da dcada de 1990, especialmente no que diz respeito precarizao das relaes de trabalho, na ampliao da informalizao e na criao de novas formas de produo como alternativa ao desemprego. Contexto no qual se constituiu a Economia Solidria como campo filosfico, poltico, social e econmico, pautada nos valores comuns da posse e/ou controle coletivo dos meios de produo, distribuio, comercializao e crdito; gesto democrtica, transparente e participativa dos empreendimentos econmicos e/ou sociais; distribuio igualitria dos resultados econmicos dos empreendimentos mais adequados aos interesses dos trabalhadores, uma vez que nela estes utilizam os meios de produo, comercializao e crdito em funo de seus interesses. A institucionalizao da Economia Solidria como poltica pblica reconheceu a existncia desse novo padro de trabalho baseado em valores antagnicos ao capitalismo tradicional; e exigiu a reflexo sobre suas possibilidades de integrao e formalizao no universo scio- jurdico nacional, como um fator de representao da autonomia, indispensvel para acessar recursos oficiais de incentivo produo no provenientes da assistncia social, considerados vitais para todo o setor produtivo nacional. Por isso nosso objetivo a anlise das possibilidades de assuno de personalidade jurdica dos grupos de gerao de trabalho e renda do Programa de Economia Solidria de Londrina. O estudo se inicia com uma exposio das mudanas do mundo do trabalho, destacando os efeitos das polticas econmicas sobre a legislao e flexibilizao das suas relaes que levaram ao aumento da informalidade. Embasado numa reviso da legislao pertinente e em entrevistas com tcnicos do Programa de Economia Solidria e os grupos de gerao de renda de Londrina, so analisadas as opes de pessoa jurdica em vigor para determinar sua adequao formalizao dos empreendimentos ou, pela eventual impossibilidade jurdica, a necessidade de criao de uma forma exclusiva. Avalia-se a correlao entre a opo conceitual do programa pesquisado pelo modelo cooperativista e as restries legais de sua aplicao para os grupos individualmente; terminando por analisar a questo dos valores da produo solidria em detrimento da urgncia de incluso scio-jurdica. Por fim, recomenda, de forma pragmtica, a adoo da legislao em vigor para a formalizao enquanto se trava a discusso poltica e ideolgica, ainda longe de ser resolvida, sobre a criao ou no de um modelo jurdico especfico para os empreendimentos da Economia Solidria. Palavras-chave: Cooperativismo. Gerao de trabalho e renda. Economia Solidria. Flexibilizao do trabalho. Formalizao.
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PROCHET, Cludia S. H. Reflexions on the possibilities of legal formalization of the entrepreneurships of Solidary Economy Program of Londrina. 2008. 175p. Dissertation (Master`s Degree in Social Work and Social Policy) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
ABSTRACT
The neoliberal transformations in the international economic policies have caused deep changes in the Brazilian labor relationships starting in the 1990s, especially when concerning the precariousness of the labor relationships, the amplification of informalization and the creation of new ways of production as an alternative to unemployment. In this context, Solidary Economy is seen as a philosophical, political, social and economic field, based on the common values of ownership and/or collective control of means of production, distribution, commercialization and credit; democratic, transparent and participative management of economic and/or social entrepreneurships; equalitarian distribution of the economic results of entrepreneurships that are most adequate to the interests of the workers, once they use the means of production, commercialization and credit in them according to their interests. The institutionalization of Solidary Economy as a public policy has recognized the existence of this new labor standard based in values that are antagonistic to the traditional capitalism; and has demanded reflection on the possibilities of integration and formalization in the national social-legal universe, as a factor of representing autonomy, which is necessary in order to access official resources of production incentives not originated from the social assistance, considered as vital for all the national productive sector. This study begins with the exposition of changes in the labor world, highlighting the effects of the economic policies on legislation and the flexibilization of its relations driving to an increase of informality. Based in a review of the pertinent legislation and interviews with technicians of the Solidary Economy Program and income generation groups in Londrina, the options of legal entities to determine the adequacy to the formalizations or legal impossibility of these entrepreneurships are analyzed, as well as the need to create an exclusive form for it. The correlation between the conceptual option of the researched program by cooperative models and the legal restrictions of its application for groups individually are evaluated; finishing by analyzing the issue of solidary production values in detriment to the urgency of social-legal inclusion; and pragmatically recommends the adoption of the current legislation for the formalization while discussing the political and ideological issues of the creation of a specific legal model for Solidary Economy entrepreneurships or not, since this discussion is far from being solved. Keywords: Cooperativism. Labor and income generation. Solidary economy. Flexibilization of labor. Formalization.
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SUMRIO
1 INTRODUO .............................................................................................................. 11
2 CAPTULO I: REESTRUTURAO PRODUTIVA POLTICAS DE
TRABALHO E RENDA NO BRASIL CONTEMPORNEO E O
CAMINHO PARA A INFORMALIZAO.................................................... 16
2.1 AS TRANSFORMAES DO TRABALHO NA REESTRUTURAO PRODUTIVA .................... 17
2.2 CAUSAS E CONSEQUNCIAS DA INFORMALIZAO......................................................... 19
2.3 A INFORMALIZAO DAS RELAES DE TRABALHO E AS POLTICAS PBLICAS DE
EMPREGO ............................................................................................................... 23
2.4 AS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO .................................................................... 26
2.5 A REFORMA ADMINISTRATIVA ....................................................................................... 28
3 CAPTULO II: AS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA................. 33
3.1 OS PRESSUPOSTOS DAS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA ............................. 33
3.2 AS MUDANAS NAS RELAES DE TRABALHO............................................................... 35
3.3 REFORMA TRABALHISTA E LEGISLATIVA ....................................................................... 39
3.3.1 Efeitos Imediatos da Flexibilizao dos Contratos..................................................... 43
3.3.2 Flexibilizao na Remunerao.................................................................................. 46
3.3.3 Flexibilizao na Proteo e na Assistncia ao Trabalhador...................................... 48
3.3.4 Reforma Sindical e da Justia do Trabalho ................................................................ 48
3.4 TENTATIVAS INFRUTFERAS DE FLEXIBILIZAO DA LEGISLAO................................. 50
3.5 MEDIDAS AVALIADAS COMO POSITIVAS PELA TICA DO TRABALHADOR ...................... 51
4 CAPTULO III: O TRABALHO NO CENRIO DA FLEXIBILIZAO A
ECONOMIA SOLIDRIA E O TERCEIRO SETOR.................................... 54
4.1 ECONOMIA SOLIDRIA ALTERNATIVA SUI GENERIS..................................................... 55
4.1.1 Poltica de Trabalho e Economia Solidria ................................................................ 57
4.1.2 Conceito de Economia Solidria ................................................................................ 59
4.1.3 Economia Solidria e a Regulao ............................................................................. 62
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4.2 O TERCEIRO SETOR OBJETIVOS NO ECONMICOS ..................................................... 65
4.2.1 Origem do Termo ....................................................................................................... 66
4.2.2 O Caminho Percorrido................................................................................................ 67
4.2.2.1 Durante o Regime Militar........................................................................................ 68
4.2.2.2 O Perodo de Redemocratizao.............................................................................. 69
4.2.2.3 As ONG como Prestadoras de Servios .................................................................. 70
4.2.3 O Terceiro Setor e a Descentralizao ....................................................................... 71
4.2.4 O Terceiro Setor e o Mundo do Trabalho .................................................................. 74
4.2.5 Marco Legal do Terceiro Setor................................................................................... 75
4.2.5.1 Lei 9.608/98 Lei do Voluntariado ........................................................................ 76
4.2.5.2 Lei 9.637/98 Lei das Organizaes Sociais.......................................................... 77
4.2.5.3 Lei 9.790/99 Lei das Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico
(OSCIP) ................................................................................................................. 80
4.2.5.4 Decreto 3.100/99 Termo de Parceria.................................................................... 82
4.2.5.5 Outros Dispositivos Normativos ............................................................................. 83
4.2.6 Descentralizao e Desonerao do Estado................................................................ 83
4.3 DAS COOPERATIVAS....................................................................................................... 85
4.3.1 A Lei 9.867/99 Das Cooperativas Sociais ............................................................... 88
4.4 OUTRAS FORMAS DE EMPREENDEDORISMO POPULAR .................................................... 89
4.4.1 As Sociedades Simples............................................................................................... 90
4.4.2 Lei Complementar 123/2006 Estatuto da ME e da EPP.......................................... 91
5 CAPTULO IV: ECONOMIA SOLIDRIA EM LONDRINA ................................ 97
5.1 PROGRAMA DE ECONOMIA SOLIDRIA DE LONDRINA .................................................... 98
5.1.1 A Estrutura.................................................................................................................. 99
5.2 Objetivo da Pesquisa ................................................................................................... 101
5.3 METODOLOGIA DA PESQUISA ....................................................................................... 102
5.4 ANLISE ....................................................................................................................... 103
5.4.1 Caractersticas do Trabalho Solidrio em Relao ao Modelo Econmico
Salarial ................................................................................................................. 104
5.4.2 O Estado, os Empreendimentos Solidrios e suas Expectativas .............................. 108
5.4.3 O Novo Modelo de Produo e a Formalizao....................................................... 113
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6 CONCLUSO............................................................................................................... 116
REFERNCIAS .............................................................................................................. 121
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................................ 126
APNDICES .................................................................................................................... 129
APNDICE A Relao dos Grupos do Programa de Economia Solidria de
Londrina em Fase de Produo ........................................................................... 130
APNDICE B Relao de Entrevistas de Pesquisa........................................................ 136
APNDICE C Entrevista com a Coordenadora do Programa de Economia Solidria
de Londrina.......................................................................................................... 137
APNDICE D Entrevista com Representantes da Secretaria Municipal de Educao
no Conselho Geral de Gesto do Centro Pblico de Economia Solidria........... 147
APNDICE E Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Casa de Pes... 155
APNDICE F Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Parceria da
Beleza .................................................................................................................. 158
APNDICE G Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Sol para
Todos ................................................................................................................... 164
APNDICE H Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Marreca .......... 171
APNDICE I Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Po Maravilha . 173
APNDICE J Entrevista com o grupo de gerao de trabalho e renda Salgados
Santa Isabel.......................................................................................................... 175
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1 INTRODUO
Os estudos da Economia Solidria no Brasil, at o momento, consistem em
anlises dessa forma de gerao de trabalho e renda como contribuio para a promoo de um
novo modelo de produo de lgica cooperativa e solidria, dirigido ao enfrentamento dos efeitos
da reestruturao produtiva implementada no pas a partir da dcada de 1990 (SINGER, 2002;
GAIGER, 2006). No cenrio nacional do trabalho combalido pelas reformas neoliberais, a
Economia Solidria foi alada categoria de poltica pblica em 2003 com a criao da
Secretaria Nacional da Economia Solidria (SENAES) vinculada ao Ministrio do Trabalho e do
Emprego para atender aos excludos do mercado de trabalho. Por sua orientao intersetorial,
vem sendo executada majoritariamente com recursos da poltica de assistncia social, atravs de
programas de incluso produtiva dirigidos ao mesmo pblico-alvo.
O grande empecilho para a consolidao da poltica e dos empreendimentos
solidrios o confronto com a cultura da acumulao pela explorao do trabalho promotora da
precarizao e da flexibilizao das relaes de trabalho, e com os interesses econmicos
hegemnicos, apontados como responsveis pela apatia do poder pblico no sentido de regular as
relaes jurdicas inerentes ao novo modelo de produo. Por outro lado, e apesar da legislao
em vigor para o sistema produtivo tradicional no excluir os empreendimentos solidrios de sua
abrangncia, questes prticas e paradigmticas so evocadas para justificar a impossibilidade de
subsuno dos empreendimentos da Economia Solidria pelo repositrio legal nacional em vigor.
Foi em razo de um quadro de incerteza quanto definio do modelo jurdico
mais apropriado para a Economia Solidria que definimos como nosso objeto de estudo a
formalizao dos seus empreendimentos. A inteno responder ao problema central desta
dissertao que a anlise das possibilidades de assuno de personalidade jurdica dos grupos
de gerao de trabalho e renda do Programa de Economia Solidria de Londrina.
Para determinar a finalidade do trabalho estabelecemos como motivao da
formalizao a autonomia do empreendimento como requisito do meio scio-jurdico- econmico
para oferecer condies favorveis ao seu desenvolvimento; e suas implicaes diante de uma
poltica econmica que institucionaliza a informalidade e a flexibilizao das relaes de trabalho
retirando do indivduo a proteo e os signos de reconhecimento de cidadania do mundo
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capitalista.
Entendemos a formalizao como o resultado de procedimentos administrativos
realizados com a finalidade de dar vida a iniciativas de produo no mundo scio-jurdico atravs
do registro de estatutos ou contratos sociais nos rgos oficiais encarregados dessa funo
pblica, civil ou empresarial. O registro formal dos estatutos do empreendimento de acordo com
as normas legais o primeiro passo no sentido de participar do Cadastro Nacional de Pessoas
Jurdicas (CNPJ), ensejador de direitos e obrigaes do mundo econmico.
Este trabalho se constri sobre a anlise desse fenmeno complexo que a
formalizao, composto de elementos poltico-administrativos, mais especificamente a vontade
do Estado e as polticas pblicas (BRESSER, 1997; COSTA, 1998; FRANCO, 2003);
econmicos, no que tange aos interesses hegemnicos (NOGUEIRA, 1998; MONTAO, 2007);
e jurdicos, no que diz respeito legitimao dos interesses e nos mecanismos e instrumentos
garantidores da eficcia das polticas (BUD, 2008; BUCCI, 2002; FRANA, 2002). A
complexidade do tema requer um referencial terico abrangente que dividimos em trs
macrocategorias, quais sejam a poltico-ideolgica, a econmica e a jurdica, todas elas
imbricadas com as expresses do mundo atual do trabalho que representa a causa fundamental do
problema.
Sem desprezar as outras dimenses, todas muito importantes e que permeiam e
suportam a argumentao do trabalho, e por no pretender engrossar ou apresentar solues para
o debate ideolgico apropriado e democrtico sobre a Economia Solidria, atentamos mais
para a dimenso jurdica do problema.
No primeiro captulo apresentamos, em uma perspectiva histrica estrutural, as
transformaes recentes no mundo do trabalho no Brasil, a reestruturao produtiva e o caminho
para a institucionalizao da informalidade; a poltica internacional influenciando as aes de
governo e a reforma administrativa, destacando o impulso do modelo econmico neoliberal
criao de novos modelos produtivos (POCHMANN, 2006; BEHRING, 2007) em razo da
substituio da poltica do pleno emprego pela do mercado de trabalho com a focalizao na
qualificao do indivduo (ANTUNES, 2004).
A impossibilidade capitalista de desenvolver polticas de emprego em
detrimento de polticas compensatrias e de baixa eficcia transforma o trabalho em uma questo
de mrito e competncia pessoal. o Estado agenciando a desestruturao do mercado porque o
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desemprego somente no era mais capaz de balancear os nveis de explorao do trabalho, e
focalizando as aes e recursos no combate aos efeitos mais visveis da pobreza atravs de
programas apresentados como promotores do desenvolvimento social. Focamos, assim,
inicialmente na apresentao das principais relaes entre a crise mundial do capitalismo e o
caminho da informalizao do trabalho no Brasil como processo de mudana no mercado de
trabalho indutor da Economia Solidria.
Em seguida demonstramos a atuao do Estado no processo de
desregulamentao e flexibilizao da legislao do trabalho brasileiro com o objetivo de mudar
as relaes de trabalho, adequando-as ao modelo de acumulao flexvel que incidiu na
reestruturao produtiva (CACCIAMALI; BRITO, 2002). So apresentados os aspectos
relacionados substituio da lgica fordista de trabalho pela nova lgica toyotista e
incorporados s relaes de trabalho como regimes flexveis e contratos temporrios de trabalho,
de terceirizao e novas tecnologias flexveis de produo como a microeletrnica, a tecnologia
digital e a robtica; todos eles ampliando a inseguridade tpica da fora de trabalho, acentuando a
precarizao e aumentando os ndices de desemprego (SOUZA FILHO, 2004; OSAK, 2000).
Alm da reforma da legislao trabalhista apresentada na sntese entre os anos de 1994 e 2000
(POCHMANN, 2006), a que remanesce vem sendo desgastada, no cumprida e perdendo
legitimidade social, enquanto novas alternativas de trabalho vm sendo estimuladas pelo Estado,
numa poltica de transferncia dos servios no exclusivos do Estado para a sociedade civil.
No terceiro captulo, o Terceiro Setor, denominado pblico no estatal, e o
modelo de Economia Solidria so analisados como as novas formas de trabalho surgidas com a
flexibilizao da legislao e o estmulo estatal. Procuramos fazer essa anlise relacionando a
existncia ou a ausncia de regulamentao com o crescimento das iniciativas e com a natureza
do trabalho desenvolvido.
O Terceiro Setor se coloca como um aliado capacitado do Estado para a
consecuo dos objetivos pblicos, com recursos destinados aos servios pblicos e legislao
pertinente (FERNANDES, 1994; FRANCO, 2003; SZAZI, 2004); enquanto a Economia
Solidria se apresenta como uma opo de gerao de trabalho e renda alternativa ao modelo
capitalista, para o pblico-alvo da assistncia social: os excludos ou incapazes de ascender ao
mercado tradicional de trabalho (SINGER, 2002; NISHIMURA, 2005; BARBOSA, 2006), se
constituindo em poltica pblica descentralizada, com recursos pulverizados e muitos desafios
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polticos, econmicos e jurdicos a superar para poder conquistar a autonomia scio-jurdica
suficiente, se constituir como sistema e concorrer em condio de igualdade no mercado, fazendo
frente ao modelo econmico vigente.
Iniciamos o quarto captulo com uma descrio do Programa de Economia
Solidria de Londrina objeto da nossa pesquisa, sua estrutura e seus projetos, como o apoio
capacitao tcnica e de gesto do negcio (Apndice C). E prosseguimos com a apresentao
dos fundamentos da poltica e sua dimenso que extrapola os limites do programa conduzido pelo
Centro Pblico de Economia Solidria e reproduz a caracterstica multissetorial da poltica
federal, apresentando ramificaes em vrios organismos pblicos, sendo que a iniciativa de
caractersticas solidrias no setor de coleta seletiva do lixo se desenvolve ligada Companhia
Municipal de Transporte Urbano (CMTU) e cinco empreendimentos so apoiados pela
Incubadora Tecnolgica de Empreendimentos Sociais Sustentveis (INTES).
Analisamos documentos oficias e a legislao para poder determinar se os
modelos de personalidade jurdica em vigor, com ou sem fins lucrativos, atenderiam proposta
de formalizao desta dissertao ou, em caso negativo, qual seria a configurao mais
apropriada a ser proposta a ttulo de projeto de lei. E, para ter a exata noo de como o problema
da formalizao como requisito para autonomia scio-jurdica do empreendimento afeta as partes
envolvidas, e quais seriam os desafios e as expectativas da formalizao, seja para os grupos de
trabalho, seja para a coordenao do programa, realizamos uma pesquisa utilizando o mtodo de
entrevistas exploratrias semiestruturadas e qualitativas.
O Atlas da Economia Solidria divulgado no ms de julho de 2008 pelo
Ministrio do Trabalho aponta a existncia de 79 grupos na cidade de Londrina; destes, 63
participam do Programa Municipal de Economia Solidria. Para esta pesquisa foram informados
41 grupos de gerao de renda assistidos pelo programa que j se encontram em fase produtiva
(Apndice A). Cinco entidades pblicas integram o Conselho Geral de Gesto do Centro Pblico
de Economia Solidria; foram entrevistados, entre os meses de fevereiro e julho, trs de seus
membros incluindo a coordenadora do programa, e seis grupos de gerao de trabalho e renda
selecionados pela coordenao do programa de acordo com critrios geogrficos, abrangendo a
zona urbana e a zona rural do municpio de Londrina.
Foram colhidas informaes sobre a composio dos grupos; condies e
caractersticas do trabalho; autonomia de renda; apropriao do significado da formalizao para
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15
os grupos; do conceito de trabalho solidrio e do papel do programa na formalizao dos
empreendimentos que mediaram os trs eixos de anlise do material coletado, quais sejam: as
vantagens e desvantagens do modelo alternativo para os trabalhadores; as expectativas do
programa em relao aos empreendimentos assistidos e a questo jurdica da formalizao
propriamente dita.
Baseamos a nossa reflexo sobre possibilidades de formalizao na revelao
das necessidades urgentes de pessoas que vivem em situao de carncia, seja ela decorrente da
baixa renda auferida com rduo trabalho ou da dificuldade de acessar direitos, por vezes ainda
por elas desconhecidos. Essa urgncia de proporcionar condies de ascenso aos
empreendimentos solidrios a um patamar de reconhecimento jurdico e de direitos pautou nossa
anlise das solues possveis em curto prazo, ou seja, na legislao em vigor, mesmo que
considerada antagnica ao modelo solidrio de economia. Espera-se que o reconhecimento scio-
jurdico imediato dos empreendimentos e seu desejado sucesso possam contribuir para estudos
futuros, no sentido da superao do embate ideolgico e do estabelecimento de um novo sistema,
independente ou integrado ao sistema atual, desde que possa promover direitos e felicidade.
Essa pesquisa no foi realizada com o objetivo de avaliar o mrito do programa
ou da poltica pblica, mas de, antes de tudo, compreender a dinmica da Economia Solidria
para poder contribuir de alguma forma com o sucesso dos empreendimentos e com a produo de
material acadmico de referncia sobre o tema. Apesar de privilegiar elementos jurdicos,
buscamos no utilizar uma linguagem essencialmente normativa em razo de uma perspectiva
multidisciplinar, que talvez possa preencher um espao de reflexo coletiva sobre a face
pragmtica da Economia Solidria, num universo bibliogrfico mais voltado para problemticas
ideolgicas e subjetivas.
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2 CAPTULO I: REESTRUTURAO PRODUTIVA POLTICAS DE TRABALHO E
RENDA NO BRASIL CONTEMPORNEO E O CAMINHO PARA A
INFORMALIZAO
Uma viso de poltica social que a reduz vontade poltica dos sujeitos, regulao dos conflitos, busca de legitimao e consensos, resposta s presses dos movimentos sociais, com uma certa superestimao dos sujeitos polticos configurando o politicismo , e decorrente da subestimao das determinaes econmicas: a poltica social como trofu arrancado pelos trabalhadores no processo da luta de classes; [constitui um dos limites reviso da poltica social] (BEHRING, 2007).
O objetivo deste captulo fornecer um embasamento terico sobre as
transformaes recentes no mundo do trabalho no Brasil, especialmente no que diz respeito ao
impulso do modelo econmico neoliberal criao de novos modelos produtivos. Focamos,
inicialmente, na apresentao das principais relaes entre a crise mundial do capitalismo e o
caminho da informalizao do trabalho no Brasil e seguimos com o processo de mudana no
mercado de trabalho e de desconstruo de direitos sociais adquiridos no contexto do mercado
industrial.
Para fundamentar as mudanas ocorridas, apresentamos tambm, em largas
pinceladas, consideraes sobre o Plano Diretor da Reforma do Estado, suas relaes com a
poltica econmica internacional e sua influncia decisiva no aumento dos ndices de
desemprego, na precarizao das relaes de trabalho, na informalizao funcional aos interesses
do capital e na configurao das polticas pblicas de gerao de trabalho e renda.
Com isso esperamos construir o cenrio sobre o qual se desenvolvem as aes
do Estado na gerao de emprego e renda, destacando linhas que favoream a compreenso do
incentivo Economia Solidria como poltica de desenvolvimento de um novo mercado de
trabalho no conflitante com os interesses hegemnicos da economia capitalista desde os anos 90.
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2.1 AS TRANSFORMAES DO TRABALHO NA REESTRUTURAO PRODUTIVA
As alteraes ocorridas no mundo do trabalho na segunda metade do sculo XX
contrapem-se ao modelo fordista1 de trabalho qualificado e especializado e do lugar ao
toyotismo, baseado nos princpios de eficincia, produtividade, comrcio e troca internacional do
laissez-faire. Um modelo de trabalho multifuncional e no especializado, no qual um nico
trabalhador pode operar vrias mquinas, isso aps a liofilizao, compreendida como a
substituio de todo o trabalho vivo possvel, ou seja, executado pelo homem, por trabalho morto,
entendido como o realizado pelas mquinas.
Essa mudana para o modelo ps-fordista de flexibilizao das relaes de
trabalho e da produo, reformulao de contratos de trabalho para aumentar a competitividade e
excluir o Estado da relao quebra a proteo dos trabalhadores, gera instabilidade e precariza
suas condies de trabalho, criando um contexto de informalizao que se traduz em trabalho
sem regulamentao, com reduo ou eliminao de direitos sociais.
Sob o pretexto da inovao tecnolgica, segundo dados apurados por Pochmann
(2006), a abertura da economia no Brasil eliminou, durante a dcada de 90, cerca de 1.200 postos
de trabalho no setor secundrio e as mudanas do papel do Estado suprimiram aproximadamente
550 mil no setor produtivo estatal. Alm dos outros tantos subtrados pela reforma na
administrao pblica direta que facilitou as demisses e terceirizaes com o respaldo da Lei
Camata2 e, posteriormente, da Lei de Responsabilidade Fiscal3. O estabelecimento da meta fiscal
em 1994 determinou a conteno de gastos pblicos, sobretudo na gesto da rea social pelo
Estado, reduzindo a mo de obra vinculada diretamente a ele. Nos anos 90 desapareceram cerca
de 200 mil postos de trabalho no Governo Federal, reduzindo para 8% a ocupao nessa esfera do
setor pblico, que era de 12% na dcada de 70.
Tambm foram ferramentas de implementao das mudanas na gesto do
1 Mtodo de especializao do trabalho desenvolvido inicialmente por Henry Ford nas primeiras dcadas do sculo XX, visando o aumento da produo na indstria de veculos americana, com controle de tempo e movimentos de produo no qual o trabalhador no tem o controle do processo como um todo. 2 Lei Complementar n 96 de 31 de maio de 1999. 3 Lei Complementar n 101 de 04 de maio de 2000. Impe regras, limites de gastos do governo e sanes pelo seu descumprimento, estabelecendo o controle institucional mltiplo que sujeita todos os poderes s mesmas regras e fiscalizao de receitas e despesas; e determina a disponibilidade da previdncia separada do Tesouro Pblico, proibindo o financiamento dos estados e municpios com recursos da Previdncia Social.
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trabalho a terceirizao no setor privado, a reengenharia para corte de pessoal e explorao do
sobretrabalho. A alta taxa de desemprego decorrente passou a afetar todas as classes sociais,
inclusive aqueles com maior grau de escolaridade; enquanto que, pela caracterstica
concentradora de renda do novo modelo, as vagas abertas relacionavam-se ao crescimento das
formas servis de trabalho, sendo que 70% em ocupao domstica, ambulantes, limpeza e
conservao e segurana, que no tm a ver com modernizao tcnica ou produtiva.
De acordo com Pochmann (2006), as polticas de trabalho desenvolvidas no
Brasil nos ltimos 25 anos levaram estagnao da renda per capita, perda de 50% do poder
aquisitivo do salrio mnimo, a um aumento de trs vezes e meia do desemprego e a uma queda
da participao do rendimento do trabalho na renda nacional de 50% em 1980 para 36% em
2003. A posio do Brasil na economia mundial caiu do 8 para o 14 lugar nesse mesmo
perodo, e a caracterstica da produo do pas para exportao de bens primrios, com baixo
valor agregado e reduzido contedo tecnolgico, com postos de trabalhos mais simples e
concentrados principalmente nos setores agrcola e de extrativismo mineral, num retrocesso ao
modelo de insero internacional do sculo XIX. Enquanto isso a valorizao anual dos recursos
investidos em ttulos da dvida pblica foi duas vezes e meia superior rentabilidade do capital
produtivo. Estabelece-se, ento, um relacionamento diferenciado e liberal do Estado com o
capital e as classes privilegiadas, segundo Santana e Ramalho (2003), e o processo de
privatizao transfere parcela significativa do PIB para o setor privado, especialmente
transnacional.
Alm da diminuio dos postos de trabalho, a diminuio da renda modifica as
caractersticas da renda familiar, faz com que a entrada das mulheres e dos jovens seja de
fundamental importncia para a manuteno das famlias, engrossando o contingente de reserva
de mo de obra. Por outro lado, a m distribuio da renda tambm pode ser responsabilizada
pela reduo dos postos de trabalho disponveis, uma vez que leva permanncia no mercado de
trabalhadores que j se encontram na aposentadoria, ou a ocupao de dois postos de trabalho
pela mesma pessoa. As estatsticas apontam que 32% dos aposentados e pensionistas
continuavam no mercado de trabalho em 2003; quase 20% dos jovens com menos de 16 anos j
estavam ativos; que 29,3 milhes de pessoas trabalhavam mais que a jornada legal, ocupando
com isso 4,1 milhes das vagas existentes; que existem 3,9 milhes de pessoas exercendo dois ou
mais postos de trabalho, totalizando 21,2% que representam 17,2 milhes de postos de trabalho
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que poderiam estar livres no fosse a presso exercida pela alta concentrao de renda
(POCHMANN, 2006).
Ao criticar o atual modelo de alterao do mundo do trabalho pela
desconstruo de direitos sociais, a pesquisa de Antunes (2004) informa que entre 1980 e 2006 o
nmero de bancrios foi reduzido de 850 mil para 400 mil; que dos 240 mil metalrgicos do ABC
no incio dos anos 80, hoje restam 100 mil, e que em Campinas sua reduo foi de 70 para 40 mil.
Alm de concluir que essa tambm uma das razes para a expanso do setor de servios como
telemarketing, terceirizaes etc.
A necessidade de modernizao tecnolgica e integrao aos recursos da
economia mundial diminuram a ao do Estado na proteo social e na promoo do emprego
nacional como empregador direto e indireto, na posio de regulador das estratgias de
desenvolvimento econmico. O trabalho passa a ser visto como a pea principal de ajuste para a
competitividade internacional.
Com a taxa de desemprego ascendente, a estagnao do crescimento e o recuo
do volume da renda do trabalho na soma nacional emergem, da sociedade, alternativas de
interpretao do trabalho como o empreendedorismo, o autoemprego, o cooperativismo, o
trabalho voluntrio e as prticas de Economia Solidria. Alternativas, entretanto, no so capazes
de substituir uma ao mais efetiva do governo no sentido de reverter os expoentes da questo
social, cada vez mais preocupante.
2.2 CAUSAS E CONSEQUNCIAS DA INFORMALIZAO
A mudana no mundo do trabalho a partir do incio dos anos 90 ocorreu atravs
de polticas de ampliao da oferta de mo de obra e, de forma paradoxal, com a reduo do
potencial ocupacional na economia nacional causado pelo baixo crescimento econmico e pelas
alteraes de inspirao neoliberal no papel do Estado, sob o controle das classes dominantes.
Dessa forma, a transformao do projeto da Constituio em processo no pode ser realizada por
causa dos obstculos econmicos, polticos e culturais, com os direitos constitucionais
submetidos lgica do ajuste fiscal, o que provoca uma defasagem entre Direito e realidade pela
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opo do Estado por patrocinar aes pontuais e compensatrias, dirigidas para os efeitos mais
perversos da crise, limitando as possibilidades preventivas ou re-distributivas (BEHRING, 2007,
p.162):
Na esfera da previdncia, um dos principais paradoxos a excluso quase total dos trabalhadores (principais financiadores) da gesto poltica. Ainda que sustentada predominantemente e direcionada especificamente a uma parcela precisa da populao os contribuintes diretos e seus dependentes , as decises a respeito do contedo e da abrangncia dos direitos e da modalidade de financiamento (s para citar alguns elementos) so tomadas pelo aparato burocrtico estatal, baseadas em pretensas anlises e clculos tcnicos que, falsamente, tentam impingir o mito da seguridade social como matria de natureza tcnica. (p. 163)
Com a perda da importncia das polticas do pleno emprego no perodo ps-
anos 90, cresce o setor informal e a precarizao do trabalho e das relaes de trabalho, pelo
patrocnio do Estado a uma flexibilizao das normas de proteo atravs de institutos de
desregulamentao que possibilitam uma alta variao de salrios reais, um alto ndice de
rotatividade de mo de obra e o predomnio de contratos de curto prazo.
A cartilha das instituies financeiras internacionais, como o Banco Mundial e
o FMI Fundo Monetrio Internacional, recomenda a expanso do setor informal como uma
ao complementar s polticas de assistncia, desviando a ateno da razo de fundo, qual seja,
que a existncia do setor seria uma estratgia da organizao da produo de forma a contribuir
para a acumulao capitalista. Dentro dessa linha de motivao apresentada pelas instituies
financeiras internacionais e seguida pelo Estado brasileiro, atividades informais como
cooperativas de trabalho, trabalho domiciliar, empresas familiares e outras formas de trabalho
precrio so mostradas pelos liberais como estratgias de sobrevivncia.
Porm, quanto mais informalidade e desemprego, maior a precarizao das
relaes de trabalho e do mundo do trabalho e maior a sua funcionalidade economia flexvel,
porque as atividades desenvolvidas atravs de relaes informais cumprem a mesma funo que,
se realizadas formalmente, tornam explcita a produo de mais-valia. A informalidade
desprotege o trabalhador e permite ao capital tirar proveito dos fatores de natureza social
resultantes de sua prpria dinmica como um mecanismo para dissimular a ilegalidade, no sendo
apenas uma mera questo de falta de carteira assinada.
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Os membros da classe trabalhadora, expelidos da formalidade pelo novo
modelo, no conseguem vender sua fora de trabalho e s lhes resta a possibilidade de encontrar
os meios de subsistncia alternativos mediante uma atividade por conta prpria sem, contudo
conquistarem a autonomia proporcionada pela propriedade dos meios de produo. Ou seja, os
trabalhadores informais restam totalmente subordinados dinmica selvagem do mercado
(ANTUNES, 2004).
Sobre a postura do Estado de incentivar essa independncia sob a falcia da
conquista da autonomia pelo trabalhador temos:
Chamar trabalhador por conta prpria de empresrio serve para mascarar processos de extrao de mais-valia, e mesmo quando se trata de pequenos patres, no os torna capitalistas, porque no usa todo o seu tempo para apropriao, ou seja, controle do trabalho alheio e venda dos produtos desse trabalho. (MARX, 1980 apud TAVARES, 2002)
Os pressupostos do novo padro agravam a questo social e limitam a
capacidade do Estado de enfrent-la. A crise dos mercados de trabalho se revela pelo aumento do
gasto pblico com polticas de proteo ao emprego, desemprego e aposentadoria. Para atender as
demandas produzidas ou aumentadas pela recesso entre 1990 e 1992, o Estado desenvolve
polticas de enfrentamento do desemprego, principalmente de intermediao e qualificao
profissional, voltadas mais para a minoria vinculada ao setor formal da economia. Polticas estas
de carter compensatrio, de baixa efetividade e eficcia, que continuaram fragmentadas e
pulverizadas e contando com escassos recursos pblicos.
H necessidade de que o Estado desenvolva tambm polticas para atender ao
novo modelo de mercado de trabalho gerado: informal, de autoemprego e prticas de Economia
Solidria, que se articula s diversas cadeias produtivas de forma estratgica para o capital;
porm sem oner-lo com custos de proteo e direitos sociais, nesse caso transferidos para o
Estado. Este seria o preo de atender aos interesses de promoo de competitividade e
flexibilidade das economias abertas.
Abandona-se o modelo fundado na qualificao e especializao para o trabalho
e foca-se no profissional com habilidades mltiplas e capacidade de desempenhar vrias tarefas,
como condio para atender aos interesses de explorar cada vez mais o sobretrabalho do
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trabalhador, aprofundando a desestruturao do mercado de trabalho, justificada pela necessidade
cada vez maior de acumulao do capital. Essa focalizao no indivduo decorrente da
substituio da poltica do pleno emprego pela do mercado de trabalho, com a finalidade de
deslocar o crescente desemprego e a excluso social da esfera de responsabilidade do Estado para
a do indivduo (ANTUNES, 2004).
No mbito das polticas pblicas de emprego e desenvolvimento cria-se a
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidria, com o objetivo de incentivar e
desenvolver as prticas populares de Economia Solidria nascidas no seio da sociedade civil, de
forma articulada com a sociedade. Essa articulao ocorre majoritariamente com o atualmente
denominado Terceiro Setor4, que assume a execuo propriamente dita das aes, sem que o
Estado estenda qualquer tipo de proteo social vinculada s polticas pblicas de trabalho a esse
segmento de trabalhadores, estratgico aos interesses do capital porque articulado com as
diversas cadeias produtivas. Assim, a poltica neoliberal de desregulamentao e adequao das
condies econmicas e sociais s leis do mercado obedece garantia de ampliao do processo
de acumulao do capital.
A fragmentao da classe trabalhadora pela subproletarizao do trabalho e a
ampliao do trabalho informal precrio provocaram grandes impactos na vida dos trabalhadores,
colocando-os em situao de vulnerabilidade social e transferindo a responsabilidade por sua
manuteno e reproduo ao indivduo e sua famlia. Nesse contexto, as polticas de proteo no
contributivas leiam-se programas de transferncia de renda executados pela assistncia social e
pautados na garantia do direito sobrevivncia passaram a se ocupar da populao
economicamente ativa no absorvida pelo mercado formal de trabalho, ou obrigada a aceitar
salrios insuficientes para a sobrevivncia em decorrncia de fatores citados anteriormente, como
a financeirizao do capital, da convergncia das convenes internacionais para o Estado
mnimo e da desregulamentao do trabalho pelos estados nacionais.
4 Ser discutido no captulo III.
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2.3 A INFORMALIZAO DAS RELAES DE TRABALHO E AS POLTICAS PBLICAS DE
EMPREGO
Segundo Barbosa (2006), o termo informal no contexto da reestruturao
produtiva refere-se atividade econmica caracterizada por:
a) unidades produtivas baseadas no descumprimento de normas e legislao
concernente a contratos, impostos, regulaes e benefcios sociais;
b) ocupaes sem proteo social, garantias legais e estabilidade, sendo
recorrente ainda o fato de serem atividades de baixa produtividade e baixos
salrios, quando no se realizam sem remunerao por ao de familiares e
autoemprego.
Dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica informam que o
saldo de empregos formais (com carteira de trabalho) entre 2003 e 2004 era de 23 mil e de
informais 240 mil. Ento, para cada emprego formal criado, mais de dez informais
corresponderam, significando que a recuperao do mercado de trabalho de que se fala ocorre
sem carteira de trabalho.
Barbosa (2006) considera os dados alarmantes quando comparados com o
nmero de desempregados divulgado pelo IBGE, da ordem de 2,5 milhes, somados aos cerca de
2,8 milhes que j no procuram mais emprego por desalento e que no so considerados na
populao economicamente ativa. Agregados a isso, dados do DIEESE Departamento
Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos baseados no Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados CAGED do Ministrio do Trabalho de 2004, apontam a
evoluo do percentual dos trabalhadores formais que ganham entre e dois salrios mnimos,
passando de 68% em 2002 para 72,13% no primeiro semestre de 2004, confirmando o
achatamento salarial e a substituio de trabalhadores por outros que ganhem at 40% menos. Ou
seja, h uma subjugao do trabalhador que no possibilita o crescimento da renda para poupana
e consumo e o consequente crescimento sustentvel da economia.
De acordo com a Fundao Getlio Vargas, 60% da populao
economicamente ativa do Brasil esto na informalidade, que no pode ser considerada transitria;
deixou de ser considerada exceo e excedente de perodos recessivos e passou a ser configurada
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como forma produtiva acoplada aos processos de trabalho que dela se servem, casando modernas
prticas de economia e processos arcaicos, numa combinao de formatos de produo
econmica e reproduo social.
Nesse cenrio de transformao acelerada do mundo do trabalho a partir da
dcada de 1990, a poltica pblica a ele relacionada composta por um conjunto de programas de
governo dirigidos ao mercado de trabalho nacional denominada tradicionalmente de Sistema
Pblico de Emprego e tem como objetivos: a) combater os efeitos do desemprego atravs de
transferncia de renda pelo Seguro-Desemprego; b) requalificar a mo de obra para reinseri-la no
mercado e intermediar sua colocao; e c) estimular ou induzir a gerao de novos postos de
trabalho, emprego e renda por meio da concesso de crdito facilitado para empresas ou
trabalhadores na auto-ocupao ou ocupao associada/ cooperativada.
Porm a taxa de desemprego no Brasil se mantm em patamares elevados desde
meados da dcada de 1990, alm do grande contingente de trabalhadores que se situam margem
da proteo do mercado de trabalho; o que atesta que, apesar de existirem h mais de quatro
dcadas programas e polticas de proteo ao trabalhador, as mesmas apresentam grandes
problemas.
A impossibilidade capitalista de manter o pleno emprego e a proteo social
universal (que, de fato, o Brasil nunca atingiu), protegendo o trabalhador e o vigor do mercado,
levou o Estado nos anos 90 a investir nas ditas polticas passivas, ou pelo lado da oferta de
trabalho, que so os programas de Seguro-Desemprego e intermediao de mo de obra e
formao profissional respectivamente, que se tornam compensatrios e de baixa eficcia. Tudo
isso em detrimento de polticas ativas pelo lado da demanda, renunciando possibilidade de
melhoria do potencial macroeconmico de gerao de postos de trabalho e de melhoria das
ocupaes a partir de polticas pblicas de emprego, trabalho e renda. O que, em verdade, visava
a flexibilizao do mercado de trabalho e transmutava o trabalho em no- direito, tornando sua
realizao uma questo de mrito e competncia individual.
A nosso ver, entre os principais problemas para a efetivao da proteo,
considerando a esmagadora maioria de trabalhadores em situao de informalidade, est a
exigncia do vnculo assalariado contributivo como critrio de acesso ao Seguro-Desemprego, o
principal programa do Sistema, que o limita a apenas um subconjunto dos trabalhadores. Alm
disso, a estrutura de financiamento prpria da rea reprime a capacidade de gasto, uma vez que
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fundada na arrecadao da renda do trabalho como o caso do FAT Fundo de Apoio ao
Trabalhador, mantido com recursos do PIS/PASEP (uma parte sobre o faturamento das empresas
e outra sobre a folha de salrios); e que tambm destina uma parte significativa, equivalente a
20% da arrecadao, para financiamento do gasto pblico. Hoje essa fonte suficiente apenas
para cobrir o Seguro-Desemprego e o abono salarial. Os outros programas esto na dependncia
de recursos contingenciveis do oramento fiscal, casos dos programas recm criados no
Ministrio do Trabalho e Emprego: Primeiro Emprego e Economia Solidria.
Alm desses programas, na dcada de 90 tiveram incio outros. Entre 1996 e
2002 foi executado o PLANFOR Programa Nacional de Formao Profissional, substitudo em
2003 pelo PNQ Plano Nacional de Qualificao, com o objetivo de combater os efeitos da
globalizao da economia, da reestruturao produtiva e da Reforma do Estado sobre o mercado
de trabalho, alm dos dilemas do pas na educao profissional. Tambm entraram em cena o
PROGER Programa de Gerao de Emprego e Renda e o PROEMPREGO Programa de
Emprego, todos com recursos do FAT e considerados por Souza (2005) como ineficazes e de
revalorizao da tica individualista, como se somente a qualificao dos trabalhadores fosse
soluo para o problema do emprego e da competitividade, independente dos fatores econmicos.
Sob os auspcios de organismos multilaterais como OIT Organizao
Internacional do Trabalho, OCDE Organizao de Cooperao para o Desenvolvimento
Econmico, Banco Mundial e FMI, buscou-se focar as estratgias de insero em grupos
socialmente vulnerveis atravs de programas dirigidos, como aos jovens, por exemplo,
deixando, porm, o trabalhador ainda refm de um mercado de trabalho extremamente desigual.
Foram associados aos programas tradicionais os programas de gerao de
trabalho e renda pelo empreendedorismo, financiados pelo CODEFAT Conselho Deliberativo
do Fundo de Amparo ao Trabalhador e pelo PROGER. Contudo, de eficcia questionvel em
razo do momento de baixo crescimento econmico que no favorecia a perenidade das
iniciativas e pela dificuldade de acesso ao crdito, imposta pelas instituies financeiras federais
que exigiam garantias semelhantes s exigidas pelas entidades financeiras privadas, alm da
exigncia de juros oficiais de patamar elevado e o impedimento de gastos a fundo perdido:
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A tendncia dos bancos oferecer crditos s atividades e empreendimentos de menor risco e maior lucratividade aparente, e no necessariamente a projetos com maior potencial de criao de empregos os segmentos com maior dificuldade de acesso ao crdito. Por isso, no exagero dizer que as polticas e programas de fato de gerao de mais e melhores empregos no pas ainda no esto sob o alcance do SPE atualmente existente no pas. (SOUZA, 2005)
Como consequncia, esses programas de poltica ativa esto sendo financiados
integralmente com outros recursos fiscais.
Segundo Souza, as polticas citadas so consideradas como uma modernizao,
dirigidas para a empregabilidade fundada na competncia e ligada dimenso subjetiva do
indivduo. Uma empregabilidade, assim, focada no conceito toyotista de habilidades e
competncias, onde a qualificao para uma maior produo no implica em compensao
salarial; ao contrrio do modelo fordista, no qual o aumento do conhecimento tcnico e da
responsabilidade significava promoo e aumento de salrios. Esse deslocamento da qualificao
para a competncia se resume pelos componentes da empregabilidade destacados nos Planos, que
so: aptido profissional, disposio para aprender continuamente e capacidade de empreender.
Essa noo de competncia centrada nas habilidades bsicas do trabalhador, e que servem
tambm para transform-lo em cidado produtivo por criar alternativas no mbito da autogesto,
dando-lhe autonomia e mobilidade em curto prazo e com baixo custo, tambm pode ser entendida
como estratgia de reduo de pobreza e economia de recursos.
Essas polticas, entretanto, quando interpretadas no contexto das mudanas da
poltica econmica iniciada nos anos 90, combinam com as estratgias de governo de apoio
desregulamentao social do trabalho, impostas pelo movimento econmico mundial e traduzidas
pelo Plano de Reforma do Aparelho do Estado iniciado na dcada de 1990, conforme veremos na
prxima seo.
2.4 AS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO
Para compreender a abrangncia das mudanas na economia mundial e
relacionar seus efeitos no Brasil, produzindo um mundo do trabalho paralelo e margem da
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proteo social, apesar de funcional aos interesses do capital, vamos discutir nesta seo os
fundamentos polticos da produo legislativa referente flexibilizao do mercado de trabalho,
assim como do interesse poltico no incentivo transferncia de responsabilidades de execuo
de programas de polticas pblicas sociedade civil, aqui compreendida como o setor privado,
majoritariamente sem fins lucrativos. Essa direo importante no sentido de possibilitar a viso
das razes do crescimento da informalidade e do Terceiro Setor nas ltimas duas dcadas,
ancorado, muitas vezes, em regulamentos que no respeitam a legislao fundamental, ou ainda,
na falta de disposio de produzi-los.
A dcada de 1980 no Brasil ficou marcada pela abertura poltica aps um
perodo de mais de vinte anos de ditadura militar. O momento de redemocratizao do pas levou
construo, em 1988, de uma Constituio com caracterstica de promotora de avanos em
termos de direitos sociais, mas de fundo reformista e anacrnica com o momento econmico
mundial neoliberal e globalizado, que
se traduz essencialmente na tentativa de fazer coexistir, e mesmo conciliar, de modo que se tornem noes reciprocamente implicadas o fortalecimento da atuao (e da eficincia) estatal e a emancipao da sociedade civil. Esta, reconhecida na sua pluralidade, reivindica do Estado a efetivao de direitos sociais em nome da igualdade de oportunidades e da cidadania como condio de sua legitimidade [...] atravs do planejamento conseqente e responsvel das polticas pblicas. Polticas pblicas aqui tratadas como determinaes do Estado, atravs de programas de ao para atingir o bem comum. (BENTO, 2003, p. 10)
Ocorre que na esteira do movimento econmico neoliberal, a definio das
funes do Estado e a consequente forma de administr-lo sofreram evolues e exigiram a
introduo de novos conceitos e ferramentas de gesto pertinentes; sem, contudo, abandonar a
lgica capitalista de subordinao funcional do poltico ao econmico, de primazia do pleno
funcionamento do mercado e seus mecanismos de autorregulao em detrimento da justia social.
A Constituio Federal passou, ento, a ser atacada como perdulria e atrasada
para justificar a obstaculizao ou redirecionamento das conquistas nela inscritas, levando a uma
reconfigurao das polticas sociais pautada na reestruturao produtiva de hegemonia neoliberal
que modificou a organizao e provocou o aprofundamento das mazelas do mundo do trabalho: o
desemprego de longa durao, a precarizao das relaes de trabalho, a ampliao da oferta de
empregos intermitentes, em tempo parcial, temporrios, instveis e no associados a direitos,
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alm de limitar o acesso aos direitos derivados de empregos estveis (BEHRING, 2007).
Agregue-se a isso o almejado aumento das taxas de lucro lquido empresarial,
decorrentes muito mais da reduo dos salrios e da queda dos ndices de emprego do que do
aumento da produtividade; a diminuio do investimento produtivo e o aumento da poupana
com transferncia dos investimentos do setor produtivo para o setor financeiro e de servios,
significando a reduo dos postos de trabalho; a diminuio da contribuio social que financia o
sistema de proteo social e implica na reduo de gastos com ela; e o aumento da arrecadao de
impostos indiretos que oneram toda a populao e penalizam mais os trabalhadores com
rendimentos mais baixos e reduo de impostos diretos.
Sucede, assim, um desmonte da rea social justificado por uma poltica de
governo de privatizao, focalizao/seletividade e descentralizao; de transferncia de
responsabilidades para a sociedade civil expandida pelo Programa de Publicizao. Embora no
final dos anos 80 j tenha sido engendrada uma reorganizao da administrao, ela ainda foi
muito mais enfocada na burocracia e na superao do patrimonialismo do que na modernidade e
competitividade do mundo globalizado. s a partir de 1994 que o Poder Executivo vem, de
forma mais consistente, implementar mudanas nas condies de regulao e regulamentao do
mercado de trabalho brasileiro no sentido de sua desregulamentao e flexibilizao. Apesar de
parecerem pontuais por sua digresso no tempo, se observadas de uma perspectiva
macroeconmica percebe-se que essas iniciativas do Poder Executivo esto de acordo com as
diretrizes dos marcos da reforma do Estado.
2.5 A REFORMA ADMINISTRATIVA
H mais de duas dcadas vm ocorrendo transformaes scio-econmicas em
escala internacional pela acelerao do processo de globalizao produtiva e financeira, quando o
crescimento do desemprego e das desigualdades sociais deixou de ser problema apenas dos pases
em desenvolvimento5.
5 Metas acordadas no Consenso de Washington, onde o Banco Mundial e o FMI apresentaram exigncias para sanar as deficincias financeiras da Amrica Latina, fazendo com que esta pudesse se estabilizar e aumentar sua
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No Brasil, as transformaes nos planos econmico e social tiveram incio entre
o final dos anos 80 e o princpio dos 90, mas deslancharam a partir de 1995 com a proposta da
reforma administrativa do Estado de Bresser Pereira, que se declara de natureza gerencial. Na
realidade, uma reforma do aparelho do Estado com caractersticas fortemente privatizantes
consoantes com a poltica neoliberal dominante, de obstaculizao e ou redirecionamento das
conquistas da Constituio de 1988 e que causou o aprofundamento da questo social com o
desemprego e a violncia.
No Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) enviado ao Congresso
Nacional em 23 de agosto de 1995 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, consta que a
funo do Estado deve ser coordenar e financiar as polticas pblicas e no execut-las, conforme
segue:
[...] Devemos socializar com a iniciativa privada a responsabilidade de diminuir as mazelas provocadas pelo mercado, [...] se o Estado no deixar de ser produtor de servios, ainda que na rea de polticas pblicas sociais, para ser agente estimulador, coordenador e financiador, ele no ir recuperar a poupana pblica.
Abrimos parnteses para destacar a utilizao do termo reforma pelo Estado
neoliberal como apropriao indevida do termo cunhado pela social democracia no contexto de
crise do capitalismo no incio do sculo XX, e que justificou a interveno do Estado nas relaes
entre capital e trabalho. No momento de mudanas que visam o afastamento do Estado dessa
relao corroboramos o entendimento de Behring e Boschetti (2007) de que esse movimento tem
a caracterstica de uma contrarreforma, porque caracterizado pela supresso dos direitos
adquiridos pelos trabalhadores no modelo de Estado social.
Seguem os quatro componentes bsicos da reforma do Estado de Bresser
Pereira na dcada de 90:
competitividade no mercado internacional e propunha: cortes nos salrios dos funcionrios pblicos, demisses, cortes nos investimentos sociais, reforma da previdncia social, desonerao do capital especulativo, privatizaes das estatais e flexibilizao dos contratos de trabalho. O importante para os pases ricos era garantir que os pases devedores pudessem pagar seus dbitos. Na flexibilizao exigida, no se levava em conta o fim social das leis, mas o livre mercado, a abertura econmica, a riqueza produzida e no sua distribuio.
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(a) a delimitao das funes do Estado, reduzindo seu tamanho em termos principalmente de pessoal, atravs de programas de privatizao, terceirizao e publicizao (este ltimo processo implicando na transferncia para o setor no-estatal dos servios sociais e cientficos que hoje [na poca] o Estado presta); (b) a reduo do grau de interferncia do Estado ao efetivamente necessrio, atravs de programas de desregulao que aumentem os mecanismos de controle via mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competio do pas em nvel internacional, ao invs de protetor da economia nacional contra competio internacional; (c) aumento da governana do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as decises do governo, atravs do ajuste fiscal, que devolve a autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa rumo a uma administrao pblica gerencial (ao invs de burocrtica), e a separao, dentro do Estado, entre a formulao de polticas pblicas e a sua execuo; (d) o aumento da governabilidade, ou seja, do poder do governo, graas existncia de instituies polticas que garantam uma melhor intermediao de interesses e tornem mais legtimos e democrticos os governos, aperfeioando a democracia representativa e abrindo espao para o controle social ou a democracia direta. (CARDOSO JR; FERNANDES, 2000)
Esses princpios serviram para nortear as transformaes recentes nas polticas
sociais, com o desmonte precoce de um arcabouo institucional montado tardiamente, baseado no
modelo de Estado de Bem-Estar.
A reforma proposta divide o Estado em quatro setores, a saber:
1 Ncleo estratgico: governo define leis e polticas pblicas e cobra o cumprimento das aes estratgicas. Integrado pelo Executivo, Legislativo, Judicirio e Ministrio Pblico; 2 Atividades exclusivas: servios que s o Estado pode prestar, como regulamentar, fiscalizar, fomentar; 3 Servios no exclusivos: onde o Estado atua em conjunto com outras organizaes pblicas no estatais ou privadas, sem o objetivo de lucro, como educao e sade; 4 Produo de bens e servios para o mercado: atividades econmicas, visando lucro, que esto com o Estado pela dificuldade de controle via mercado, como infra-estrutura. (COSTA, 1998)
A marca da proposta a clara distino entre atividades exclusivas e no
exclusivas do Estado e a orientao gerencial para a efetividade das aes, mas que pela
caracterstica reformista e no revolucionria, no consegue estabelecer uma ruptura com os
modelos administrativos anteriores, sejam patrimonialista ou burocrtico, que continuam
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permeando todo o aparato administrativo brasileiro.
Como resposta crise fiscal, exausto do modelo de substituio das
importaes e ao centralismo administrativo ocorrido na dcada de 1980, o discurso de
reconstruo do Estado pela busca de autonomia financeira e a retomada da capacidade de
implementar polticas pblicas. Segundo Lcia Cortes da Costa (1998), o que ocorre, porm,
um desmonte da rea social e uma prtica absolutista de supremacia do Executivo com opo por
governar por medidas provisrias.
A reforma sofreu duras crticas, tendo sido encarada como uma mera forma de
ataque e desmonte do funcionalismo pblico e endeusamento da eficincia do setor privado, com
a incorporao do discurso da qualidade total da esfera privada e tentativa de introduo dos
riscos do mercado livre do trabalho ao setor pblico. Alm de denominar de publicizao a
transformao de deveres constitucionais do Estado em responsabilidade da sociedade civil,
atravs da colocao do Estado como subsdio das aes que seriam ofertadas por agncias
privadas a ttulo de servios bsicos. Seus crticos advogam que a elevao da eficincia do setor
pblico, justificativa da reforma, deve passar necessariamente por uma alterao nos nveis de
sobrevivncia da populao brasileira que depende do processo de redistribuio da renda.
Pode-se observar que o fio condutor que uniformiza e regula as mudanas em
praticamente todas as reas sociais de concepo mais gerencial que planificadora,
descentralizada e focalizada. A formatao da poltica social se orienta, primeiramente, pela
gradual diminuio do ritmo de crescimento dos gastos sociais, considerados elevados em relao
ao PIB, e enfatizao da eficcia e eficincia na aplicao dos mesmos. Como consequncia
dessa orientao, um aprimoramento dos mecanismos de descentralizao e focalizao dos
programas sociais, para transferir parte das responsabilidades federais aos estados, municpios e
outros segmentos da sociedade civil como sindicatos, ONG, comunidades locais etc., na
execuo das aes sociais finalsticas.
Em segundo lugar, a focalizao das aes e recursos sobre as parcelas da
populao mais vulnerveis, para combater as consequncias mais visveis da pobreza com base
na minimizao da relao custo-benefcio e grau de seletividade do pblico-alvo, aumentando o
poder de eficcia e eficincia dos programas governamentais.
Uma terceira orientao da reforma do Estado em relao poltica social foi
seu deslocamento da produo de bens e servios sociais pblicos para a atividade de regulao,
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priorizando a gesto e o controle de sua produo pelo mercado privado, principalmente nos
setores de sade, educao e previdncia (CARDOSO JR; FERNANDES, 2000).
Esse novo modelo de Estado apresentado como promotor do desenvolvimento
molda, assim, novas diretrizes para as polticas sociais. No que tange ao trabalho, o Estado
emerge das reformas dos anos 90 como agenciador da desestruturao do mercado porque o
desemprego, somente, no era mais capaz de balancear os nveis de explorao do trabalho. Com
a transformao econmica e decorrente diminuio dos postos de trabalho, a alternativa de
rentabilidade do capital passou a ser a diminuio dos custos sociais do trabalho, submetendo os
trabalhadores penria econmica e instabilidade social.
Neste captulo foram apresentados os fundamentos econmicos e polticos da
precarizao e da desregulamentao das relaes de trabalho. Com eles no pretendemos exaurir
o assunto, mas estabelecer uma base para o entendimento da flexibilizao da legislao
trabalhista. Flexibilizao esta que, visando desonerar o capital do custo de proteo social do
trabalhador, ampliou a informalizao existente, bem como o custo do Estado na manuteno do
grande contingente de excludos do mercado formal. Embora esse aumento do contingente de
excludos no tenha representado um aumento significativo dos investimentos em polticas de
assistncia social, ou efetivamente na gerao de emprego e renda no sentido de recuperar a
capacidade produtiva e a incluso no mundo do trabalho, mesmo porque incompatveis com as
exigncias do capital e com a poltica fiscal adotada: no existe arrecadao suficiente de
impostos para bancar a mquina pblica, a dvida interna e as polticas sociais.
Esse entendimento dos vnculos entre economia, poltica e trabalho vai permitir
acompanhar a anlise da legislao do trabalho que empreenderemos no prximo captulo, com o
propsito de demonstrar sua instrumentalidade e compreender como se concretizaram os planos
de flexibilizao das relaes de trabalho e consequente crescimento do mercado informal, no
qual se inserem os empreendimentos de Economia Solidria objeto deste estudo.
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3 CAPTULO II: AS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA
A legislao trabalhista brasileira no nasceu de uma revoluo burguesa, mas
de uma modernizao conservadora com diversificao da economia brasileira na dcada de 1930
trazendo consequncias para os trabalhadores, pois estavam pendentes a regulamentao do
trabalho e o enfrentamento da questo social, at ento vista como questo de polcia. Para dar
um salto na economia e impulsionar as outras oligarquias e a indstria, Getlio Vargas combina
uma forte iniciativa poltica de regulamentao das relaes de trabalho mediando a luta de
classes e impulsionando a criao do Estado Social que perdura at a dcada de 1980, quando os
efeitos das grandes transformaes capitalistas internacionais comeam a exigir uma nova
postura com relao ao mercado de trabalho nacional.
Neste captulo, apresentamos uma anlise da legislao trabalhista
predominantemente dos anos 90, procurando relacionar causas e consequncias de sua existncia
de acordo com a transformao das relaes de trabalho.
3.1 OS PRESSUPOSTOS DAS MUDANAS NA LEGISLAO TRABALHISTA
O fundamento jurdico da flexibilizao se encontra nos princpios da clusula
rebus sic stantibus, ao pretender que as normas e condies das relaes de trabalho, como em
outros tipos de contratos, se ajustem aos ditames das mutaes econmicas e sociais, elevando,
reduzindo ou mesmo suprimindo bases e vantagens concedidas aos trabalhadores. Dessa forma,
sob a justificativa da necessidade de acompanhar a nova realidade mundial que dita novas regras
de competio no mercado, so apresentados trs pressupostos da flexibilizao contra os quais
no se poderia lutar.
O primeiro pressuposto o desenvolvimento tecnolgico e o aumento da
produtividade, considerados indispensveis no atual cenrio de competitividade. Ou seja, o
surgimento de novas tecnologias, traduzidas em mquinas para aumentar a produtividade. Sobre
esse pressuposto, Ricardo Antunes (2004) conclui que a automao, a robtica e a
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microeletrnica, ou seja, a chamada revoluo tecnolgica tem um evidente significado
emancipador, desde que no seja regida pela lgica destrutiva do sistema produtor de
mercadorias, mas sim pela sociedade do tempo disponvel e da produo de bens socialmente
teis e necessrios. A ele caberia perguntar: mas em que mundo vivemos?
Observando o resultado de mais de 20 anos desse processo sobre o mundo do
trabalho, vemos como mais realistas as palavras da economista Maria da Conceio Tavares
(1999) que entende que a introduo de novos equipamentos e mtodos de produo tendem a
reduzir o coeficiente de emprego por unidade de produto, onde ter-se-ia como contrapartida o
aumento da produtividade do trabalho, ou seja, se no extingue empregos, tambm no os cria,
ou no o faz na mesma proporo que os elimina.
A globalizao o segundo pressuposto incitador da flexibilizao que,
segundo Roberto Campos (1997), teve seu apogeu nos anos 1989/91. Ela se caracteriza pela
abertura do comrcio e eliminao de barreiras para acelerar os processos de trocas entre as
naes do mesmo e de outros continentes, atravs da organizao em blocos para expanso de
mercados e maior e mais rpido desenvolvimento, tratando-se de um processo irrefrevel de
integrao e intercmbio internacional envolvendo as pessoas, as empresas e as naes como um
todo, nos aspectos poltico, cultural e econmico. Na realidade, a nosso ver, um processo de
submisso dos pases em desenvolvimento, premidos pela necessidade imperiosa de integrao
ao mercado internacional, s regras impostas pelos credores do capitalismo central.
Destacam-se como terceiro pressuposto da flexibilizao da legislao
trabalhista aspectos de ordem econmica. Embora grandes juristas como Dorval de Lacerda,
Evaristo de Moraes Filho, Orlando Gomes, entre outros, defendam veementemente a autonomia
do Direito do Trabalho, concordamos com Amauri Mascaro Nascimento (1993) que, como
mostramos neste trabalho, diz que h uma ligao intrnseca deste com a economia, uma vez que
os fatos econmicos influenciam no Direito do Trabalho e o Direito do Trabalho influencia a
ao destinada produo de bens e distribuio de riquezas, uma vez que as solues das
questes dizem respeito s relaes existentes entre os homens enquanto produtores.
A elaborao desses pressupostos uma tentativa de criar conceitos anteriores
prpria flexibilizao para explicar a imposio de diminuir custos devido liberalizao
comercial e necessidade de atingir nveis de competitividade adequados aos padres
internacionais, s mudanas tecnolgicas em andamento e seus reflexos sobre a organizao do
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trabalho, como a perda do poder sindical em virtude da maior elasticidade da demanda de
trabalho, do cenrio econmico recessivo e para que a empresa possa ajustar os nveis de salrios
segundo sua produtividade e/ou capacidade de pagamento, e oferecer empregos que atendam a
variao da demanda.
3.2 AS MUDANAS NAS RELAES DE TRABALHO
No mundo do trabalho brasileiro o objetivo do governo , entre outros,
atualizar a legislao trabalhista e torn-la mais compatvel com as novas exigncias do
desenvolvimento nacional, de maneira a favorecer a democratizao das relaes de trabalho,
adequando-a e conferindo maior efetividade s leis em face das transformaes do mundo
capitalista e da elevao do capital financeiro hegemonia e consequente determinao da nova
dinmica de acumulao flexvel do capitalismo (SOUZA FILHO, 2004).
O estabelecimento de mercados de trabalho flexveis tambm entendido como
elemento-chave para a reduo do desemprego, ou ainda como fator primordial para as empresas
serem competitivas e se adaptarem continuamente a mudanas no mercado e inovaes
tecnolgicas (OSAK, 2000).
Essa dita acumulao flexvel se apoia na flexibilidade dos processos e dos
mercados de trabalho, incidindo na reestruturao produtiva, poltica e cultural de acordo com a
lgica toyotista em contraponto lgica fordista anterior e, segundo Souza Filho,
impondo momentos de grande desemprego e enfraquecimento do poder sindical, regimes e contratos de trabalho mais flexveis, desregulamentando dessa forma a relao trabalho-capital e acentuando a precarizao do trabalho com a terceirizao, os contratos temporrios, o banco de horas, a reduo da jornada de trabalho com reduo salarial entre outros aspectos que foram incorporados s relaes de trabalho e que ampliam a inseguridade tpica da fora de trabalho como mercadoria, num mundo continuamente invadido por novas tecnologias flexveis de produo como a micro-eletrnica, a tecnologia digital e a robtica. (SOUZA FILHO, 2004)
O quadro seguinte, extrado do trabalho de Cacciamali e Britto (2002),
demonstra de que forma foi engendrada a flexibilizao no mundo do trabalho brasileiro na
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dcada de 90, dita neoliberal.
Destacamos, contudo, que a literatura indica que o crescimento do nvel do
emprego est mais associado ao crescimento da demanda efetiva do que reduo dos custos de
mo de obra, pois os pases nos quais os governos efetuaram reformas laborais com vistas
maior flexibilizao das relaes de trabalho no apresentaram expanso do nvel de emprego
sem a presena do aumento da demanda efetiva; e nos pases da Amrica Latina sob estas ltimas
condies o nmero de assalariados informais, sem contrato registrado, no diminuiu
(CACCIAMALI; BRITTO, 2002).
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Tipos de componentes
dos contratos
FORDISTA FLEXVEL
Durao Indeterminada. Diferentes arranjos.
Local Fixo e subordinado diretamente a
um nico empregador.
Pode variar e estar subordinado
indiretamente a diferentes
empregadores.
Jornada Determinada, padronizada e em
tempo integral.
Varivel, no padronizada e pode
ser em tempo parcial.
Horas extras Utilizadas. Remunerao maior
imposta pela legislao.
Prticas de compensao de horas.
Hierarquia Definida. Predominncia de nveis
verticais.
Definida. Predominncia de
equipes e nveis horizontais.
Funes e atividades Bem definidas. Polivalncia.
Organizao do trabalho Hierarquizada. Valorizao da
senioridade.
Flexvel, exigindo formao
profissional continuada.
Salrio Fixo. Fixo adicionado de componente
varivel ou somente varivel.
Aumentos salariais Peridicos, vinculados a
produtividade e indexados aos
ndices de preos ao consumidor.
Descontnuos, associados a metas,
resultados, qualidade,
adaptabilidade ou bonificaes.
Estabilidade Valorizada. Valorizada apenas para o ncleo
duro dos trabalhadores.
Resciso do contrato por
parte do empregador
Restries impostas pela
legislao.
Diminuio ou eliminao das
restries impostas pela legislao.
Negociao coletiva Centralizada ou por setores. Descentralizada, preferencialmente
por empresa.
Contratos coletivos Definio de um contrato
modelo.
Perda da importncia de um
contrato modelo.
Quadro 1 Modelos Fordista e Flexvel de Relaes de Trabalho Extrado de Cacciamali e Britto (2002).
Bud (2008) corrobora esse entendimento afirmando que existem estudiosos
do direito que acreditam na falcia neoliberal de que a reduo dos nveis de proteo do
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trabalhador uma forma de gerar empregos, imaginando que o impedimento criao de novos
postos so os encargos trabalhistas. No entanto, a partir do estudo de casos da
Argentina, do Mxico, da Espanha, entre outros, pode-se perceber que o fato de
liberalizar as relaes de trabalho no traz gerao de emprego, mas estagnao econmica.
Apesar do discurso oficial de necessidade de flexibilizao para a criao de
postos de trabalho via investimentos pblico e privado, o resultado desse novo modelo de
reproduo do capital, ao qual o novo mundo do trabalho flexvel se submete, se caracteriza pela
precarizao crescente, aumento do desemprego, reduo dos postos de trabalho e reduo dos
direitos dos trabalhadores. Segundo Behring,
Do ponto de vista econmico, as polticas que vm sendo implementadas pelo atual governo no rompem com o favorecimento do capital financeiro, no assumiram uma inteno radical de reestruturar a organizao do trabalho em favor dos trabalhadores e no caminham para uma efetiva socializao da riqueza produzida. (BEHRING, 2007, p. 197)
Pochmann (2006) cita fontes da OIT (2000) e OCDE (1999) para evidenciar
que as reformas trabalhistas, sem atingir os efeitos esperados, resultaram na precarizao do
emprego e maior desproteo social. Desta forma, no h como afirmar que o rigor dos
mecanismos institucionais de proteo do emprego possa comprometer a gerao de empregos.
Ao contrrio, apesar da reforma trabalhista em progresso no Brasil desde meados da dcada de 90
ter alcanado sucesso no sentido de tornar o mercado de trabalho bastante flexvel e ter diminudo
a proteo social do emprego, no houve crescimento do nvel de emprego ou queda da taxa de
desemprego. Mas constatou-se o crescimento da precarizao das condies e relaes de
trabalho notado pela elevao da participao do emprego parcial [sem proteo trabalhista] no
total da ocupao (POCHMANN, 2006, p.40).
Podemos adiantar que, no processo inverso ao engendrado por Getlio Vargas
nas dcadas de 1930 e 1940, de formalizao das relaes de trabalho, a poltica de flexibilizao
adotada no Brasil teve como resultado uma alterao nas relaes de trabalho que pode ser
avaliada atravs dos nmeros levantados na pesquisa de Noronha (2003). Em janeiro de 1991
55% da fora de trabalho possuam carteira assinada; 20% eram trabalhadores autnomos
registrados, 4,5% eram empregadores e 20% estavam no mercado informal. Em janeiro de 2001
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os trabalhadores informais representavam 28,1%, e o percentual dos trabalhadores com carteira
assinada tinha sido reduzido em 12,8%, representando ento 42,2% do mercado de trabalho.
3.3 REFORMA TRABALHISTA E LEGISLATIVA
Desde que o Brasil comeou a ser influenciado pela onda mundial neoliberal, os
governos brasileiros definem a flexibilizao do Direito do Trabalho como o instrumento de
poltica social caracterizado pela adaptao constante das normas jurdicas realidade
econmica, social e institucional; mediante intensa participao dos trabalhadores e empresrios,
para a eficaz regulao do mercado de trabalho, tendo como objetivo o desenvolvimento
econmico e o progresso social.
Aps a contextualizao da flexibilizao do Direito do Trabalho no Brasil,
vamos atacar nesse item a interveno do poder federal sobre o mercado de trabalho brasileiro
atinente aos marcos legais que regulam as condies de uso, remunerao e proteo da fora de
trabalho, como a reforma da legislao trabalhista e fixao do novo salrio mnimo associada
aprovao dos pisos salariais estaduais. Assim, veremos as formas e condies de regulao do
Estado sobre o trabalho no Brasil e analisaremos as principais mudanas na regulamentao.
Para entender a finalidade da interveno na legislao, fundamental entender
que todo o Direito do Trabalho tem como princpio dois preceitos da Consolidao das Leis do
Trabalho, a CLT. O primeiro inscrito no artigo 468, que define a impossibilidade de alteraes no
contrato de trabalho que resultem em prejuzo ao empregado; e o segundo no artigo 9, que torna
nulos os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos
princpios contidos na CLT, configurando, assim, irrenunciabilidade de direitos.
Segundo Bud (2008), o que se pretende hoje com a flexibilizao
exatamente poder impedir que se apliquem esses preceitos da CLT atravs da conveno ou
acordo coletivo, mesmo que disso resulte a diminuio dos direitos dos trabalhadores em
questo.
Assim, as reformas estruturais ocorrem por mudanas na legislao para reduzir
a participao do Estado de forma gradual, j que afetam profundamente a formatao das
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polticas sociais. Essas mudanas no mercado de trabalho so divididas em quatro grupos,
segundo a classificao de Pochmann (1995):
a) condies do uso da fora de trabalho, que diz respeito contratao e a
jornada de trabalho;
b) condies de remunerao da fora de trabalho, ou seja, referentes a salrio
mnimo, negociao coletiva e participao nos lucros e resultados;
c) condies de proteo e assistncia ao trabalhador, que tange aos programas
de gerao de renda e emprego institudos pelo governo, regras de fiscalizao
das condies de trabalho, acesso ao FGTS e Seguro-Desemprego e
possibilidade de licena para requalificao profissional;
d) alteraes na Justia do Trabalho e reforma sindical.
Enfim, Poltica e Direito se entrelaam e a atividade normativa vem sendo
exercida de forma abundante pelo Poder Executivo para atender s exigncias de acumulao do
capital no universo capitalista brasileiro. E para evitar resistncias, todo um arsenal jurdico
posto em ao para restringir aes coletivas e sindicais. O quadro abaixo, inspirado nos estudos
de Pochmann (2006), demonstra os principais produtos da gerao normativa